Luiza Barbosa - Paternalismo Libertário

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

Luiza Kodja Barbosa

Paternalismo Libertário
O limite entre a liberdade de escolha e a formulação de políticas públicas

SÃO PAULO
2015
Luiza Kodja Barbosa

Paternalismo Libertário
O limite entre a liberdade de escolha e a formulação de políticas públicas

Relatório Parcial apresentado à Escola de


Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas como requisito para
PIBIC ciclo 2014/2015.

Campo de conhecimento: Administração


Pública

Orientador: prof. Lilian Furquim de Campos


Andrade

SÃO PAULO
2015
RESUMO

Palavras chave: paternalismo, processo de decisão, desenho de políticas públicas, liberdade


SUMÁRIO

SEÇÃO 1

1.0. INTRODUÇÃO 5

2.0. OBJETIVOS DO TRABALHO 7

3.0. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO 8

3.1. PATERNALISMO LIBERTÁRIO: ESTRUTURA E PRESSUPOSTOS 8

3.2. A ECONOMIA COMPORTAMENTAL: PRESSUPOSTOS E SUA RELEVÂNCIA 11

3.3. O ARQUITETO DE ESCOLHAS 13

4.0. NUDGE NA PRÁTICA 20

5.0. PATERNALISMO LIBERTÁRIO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO INGLÊS


24

SEÇÃO 2

6.0. APLICAÇÃO DA TEORIA À PRÁTICA: INTRODUÇÃO 31

7.0. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS 34

8.0. ESTUDO DE CASO: IMERSÃO E ENTREVISTAS NA EMPRESA FLOW 46

9.0. APLICAÇÃO DAS CIÊNCIAS COMPORTAMENTAIS À PRÁTICA: ASPECTOS IMPORTANTES 59

10.0. CONSIDERAÇÕES FINAIS 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74

ANEXOS 76

ANEXO A – QUESTIONÁRIO 76

ANEXO B – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA REALIZADA COM PROFESSOR ENLINSON MATTOS 78

ANEXO C – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA COM PROFESSORA CIBELE FRANZESE 82

ANEXO D – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA COM MARINA CANÇADO 86


ÍNDICE DE FIGURAS E TABELAS

FIGURA 1 - Exemplo de Cutucada (nudge)...................................................17

FIGURA 2 - Exemplo de Cutucada (nudge)....................................................19

FIGURA 3 - Processo de funcionamento do BIT............................................28

FIGURA 4 – Diagrama de funcionamento da política.....................................30


“Growth Vouchers Programme”

FIGURA 5 – Nudge como Catalisador e Acelerador.......................................57


do comportamento humano

FIGURA 6 – Diagrama produzido pela DEFRA para....................................60


segmentar a população diante de ações sustentáveis.

TABELA 1: Principais mecanismos de incentivo à comportamentos baseados


em princípios da Economia Comportamental..................................................63
1.0. INTRODUÇÃO

O paternalismo libertário como conceito surge em 2003, com o


trabalho dos economistas comportamentais Richard H. Thaler e Cass R. Sustein. A
tese principal dos autores é que existem falhas comportamentais dos indivíduos; ou
seja, não somos completamente racionais, o que pode prejudicar nossos objetivos de
bem-estar, estes definidos por cada um de nós.
Entre as falhas mais concretas apontadas está o consumo de cigarros,
drogas, obesidade, dificuldade de poupar para a aposentadoria, entre outras. Nestes e
em outros casos, o governo pode nos auxiliar a tomar a melhor decisão por meio do
desenho de políticas que auxiliem os indivíduos a seguirem o melhor caminho na sua
árvore decisória sem adotar nenhum tipo de coerção. Auxiliar na tomada da decisão
sem qualquer preceito coercitivo, por isso o nome de paternalismo libertário.
Os autores preferem chamar suas propostas de ‘nudge’, ou seja,
empurrão, para deixar claro que seu objetivo é aumentar a probabilidade do individuo
de seguir o melhor caminho, sem obriga-lo ou enganá-lo. Um exemplo de “empurrão”
é a política para aumentar o consumo de alimentos frescos e saudáveis pelas crianças,
colocando-os disponíveis em determinada posição nas cantinas das escolas.
O tema surge dentro do campo da economia comportamental 1 , mas
também pode ser tratado do ponto de vista da justiça: afinal em que medida tais
politicas podem “manipular’ minhas escolhas? O Estado e o formulador de política
podem nos dizer o que deve ser feito para o nosso bem-estar, ou é uma interferência
na nossa liberdade?2
Estamos na fronteira entre economia comportamental, teoria política e
as políticas públicas e ela já está sendo implementada com alguma relevância pela
3
Inglaterra com o “Behavioral Insights Team” , departamento do governo
especializado em perspectivas comportamentais, responsável por desenvolver a
aplicação da ciência comportamental ao processo de formulação de politicas públicas.

1Ver por exemplo o livro Kahneman, D. (2011). Thinking, Fast and Slow. Farrar, Straus and Giroux.

2 Mill, S. (1869). On Liberty. Dover Thrift Editions.

3 https://www.gov.uk/government/organisations/behavioural-insights-team
Diante da relevância desta nova forma de desenho de políticas públicas,
um entendimento teórico, bem como as suas implicações para a sociedade, passa a ser
de fundamental importância para o campo de formulação de políticas públicas.

2.0. OBJETIVOS DO TRABALHO

Objetivos Gerais

Revisão da literatura sobre paternalismo libertário e os mecanismos por


ele apresentados visando avaliar criticamente se tais políticas podem representar
limitação às nossas escolhas, buscando traçar a fronteira entre a liberdade e a
efetividade no processo de formulação de políticas públicas.

Objetivos Específicos

- Análise do arcabouço teórico do paternalismo libertário;


- Avaliar normativamente se deveremos impor limites à aplicação do
paternalismo libertário na formulação de políticas públicas.
- Estudo de casos onde a teoria já foi implementada, com foco central no
modelo inglês de formação de um departamento no governo especializado
em ciência comportamental, formulação de políticas públicas, metodologia
experimental e marketing.

Pergunta da pesquisa

O que é o paternalismo libertário e quais são os limites éticos para a


implementação de políticas públicas que alterem o comportamento dos cidadãos
visando a eficiência e efetividade da utilização dos recursos públicos.
SEÇÃO 1

3.0. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO

3.1. PATERNALISMO LIBERTÁRIO: ESTRUTURA E PRESSUPOSTOS

O conceito de paternalismo libertário foi introduzido pelos economistas


comportamentais Richard H. Thaler e Cass R. Sustein, em 20034 e popularizado em
2008 com o livro “Nudge - Improving decisions about health, wealth and happiness”5.
Se configura em uma teoria normativa para formulação de políticas que podem ser
implementadas em instituições públicas, assim como no setor privado.
O viés paternalista da teoria parte do princípio que os indivíduos tendem a
fazer escolhas que não são tão boas para si, devido às falhas cognitivas que ocorrem
no processo de decisão. A cognição humana se caracteriza como o processo
responsável por processar e armazenar informações. Esta não possui funcionamento
perfeito, o que resulta em várias distorções no raciocínio dos seres humanos, inclusive
diante de processos decisórios, tendo em vista que nós não somos plenamente
racionais.
Além disso, as escolhas dos indivíduos, de uma maneira geral, são
inevitavelmente influenciadas por determinados padrões de regras, consequências e
pelos pontos de partida das suas decisões. Isto é, as escolhas feitas pelos seres
humanos são extremamente sensíveis aos contextos em que estão inseridas6 e por isso
seria legítima a influência no comportamento e principalmente nos processos
decisórios dos indivíduos, para que estes tornem suas vidas “mais longas, saudáveis e
melhores”, como foi colocado pelos autores.
O escopo da teoria recai sobre o ato de tornar os processos decisórios mais
fáceis para os cidadãos, estimulando-os, a partir do exercício de alguma forma de
influência sob seus comportamentos.
Ao mesmo tempo em que o viés do paternalismo é evidenciado, suas
estratégias seguem a premissa de que as pessoas devem ser livres para fazer o que

4
Richard H. Thaler, C. R. (2003). Libertarian Paternalism. The American Economic Review , 93, No.
2, 175-179.
5
Traduzido para o português como "Nudge: O Empurrão Para a Escolha Certa - Aprimore suas
decisões sobre saúde, riqueza e felicidade", 2008. Nota: utilizaremos o nome “Nudge” para referir à
esta publicação dos autores Richard Thaler e Cass R. Sustein
6 (Gul; Pesendorfer; 2005, p.9)
quiserem e escolher o que é melhor para si, sem violar o princípio do livre-arbítrio
diante das decisões pessoais. A teoria possui cunho não intrusivo; não são instituídos
quaisquer preceitos coercitivos sobre o processo de decisão. A própria sinopse de
Nudge explicita: “(...) os autores nos ensinam a orientar7 as pessoas para uma saúde
melhor, investimentos mais sólidos e ambientes mais limpos sem privá-las do direito
inalienável de bagunçar as coisas se elas quiserem.”8
Daí o nome paternalismo libertário, para evidenciar que temos liberdade
de escolha garantida, mas que de alguma forma, ela é assistida pelo Estado, o que
gera desconforto para os mais libertários. Importante ressaltar que estes economistas
cunharam a expressão libertarismo que é uma teoria de justiça cujo principal
representante é Robert Nozick.
O filósofo argumenta que “os indivíduos têm direitos e há coisas que
nenhuma pessoa ou grupo pode fazer a eles (sem violar seus direitos). Tão fortes e
abrangentes são esses direitos que suscitam a questão do que, se é que alguma coisa, o
Estado e seus funcionários podem fazer” (Nozick, 1974: ix). Sendo assim, a
interferência governamental se caracterizaria como uma violação dos direitos morais
básicos dos indivíduos.
As funções do Estado devem se limitar à proteção contra força, roubo,
fraude, etc. pois, para Nozick, qualquer Estado mais amplo violará os direitos das
pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas e é injustificado:

(...)Tratar com respeito à nós e a nossos direitos permite que,


individualmente, ou com que preferirmos, escolhamos nossa
vida e concretizemos nossos fins e nossa concepção de nós
mesmos, na medida em que pudermos, auxiliados pela
cooperação voluntária de outros indivíduos que possuem a
mesma dignidade (Nozick, 1974: 334)

O que foi exposto sobre os princípios do libertarianismo acentua o


paradoxo de se unir conceitos tão adversos quanto o paternalismo e o libertarianismo
em uma mesma teoria. Mas Thaler e Sustein9 buscam provar que seria tanto possível
quanto desejável para instituições públicas, e também privadas, seguir os princípios

7
Destaque para o verbo “orientar” colocado no sentido de orientação que possui forte significância em
toda construção do paternalismo libertário como conceito.
8 Trecho retirado da sinopse (verso) do livro “Nudge: o empurrão para a escolha certa. Tradução de
Marcello Lino, 2009
9 Thaler, Richard; Sustein, Cass R. Libertarian Paternalism Is Not an Oxymorum. 2003.
do paternalismo libertário ao desempenhar algum tipo de influência no
comportamento de indivíduos, ao mesmo tempo em que respeitam a liberdade de
escolha. A teoria busca, portanto, quebrar o paradigma de que o paternalismo
necessariamente se opõe à liberdade e autonomia dos indivíduos.
Muito se discute em países que dispõe de instituições democráticas sobre
a legitimidade do paternalismo e quais seus limites diante dos princípios de liberdade
individual. Thaler e Sustein argumentam em Nudge que aqueles que são avessos a
quaisquer princípios paternalistas advindos das instituições geralmente defendem que
o “certo” seria proporcionar às pessoas o maior número possível de opções, e permitir
que elas escolham a que quiserem, de acordo com seus próprios interesses. Mas se os
indivíduos possuem falhas cognitivas e o meio social implica necessariamente em
algum tipo de influência no processo decisório do cidadão, porque não exercer a
influência no sentido de tornar sua vida melhor?
Diante disso, os autores legitimam o viés paternalista da teoria baseando-
se em princípios da economia comportamental, que possui como fonte básica de
informações a ciência emergente das escolhas, constituída por pesquisas que
levantaram questões sobre a racionalidade de muitos julgamentos e decisões feitas
pelas pessoas. “A idéia de homo economicus, fundamentada na noção de que cada um
de nós pensa e escolhe infalivelmente bem, nada mais é que um retrato canônico que
os economistas apresentam dos seres humanos.” (Thaler & Sustein, 2008, p. 7)
Outro fator ressaltado pelos autores para desconstruir argumentos de
cunho libertário, a favor da fração de paternalismo presente na teoria, é a de que não é
possível não influenciar as escolhas das pessoas, e elas não estariam isentas, mesmo
sem a intervenção do Estado, de outros tipos de influência que poderiam reduzir suas
liberdades individuais, no que diz respeito ao livre arbítrio de cada um.

Em muitas situações, alguma organização ou agente precisa


fazer uma escolha que irá afetar o comportamento de alguma
outra pessoa. Nessas situações não há como evitar uma
cutucada em alguma direção e, sejam intencionais ou não, essas
cutucadas irão afetar a escolha das pessoas. (Thaler & Sustein;
2008, p.10).
Discursos desfavoráveis ao paternalismo argumentam também que este
sempre envolve coerção10 (Thaler; Sustein, 2008). E é exatamente esta concepção
que a essência do paternalismo libertário visa refutar, apresentando sugestões de
estratégias específicas que mantenham os princípios libertários da teoria. É diante
desta premissa que a economia comportamental possui papel fundamental no
paternalismo libertário, pois seus estudos permitiram o mapeamento das reações
humanas diante de diversas situações. Entender os processos que engendram diversas
atitudes é o que permite que o formulador de uma política pública de cunho
paternalista libertária possa exercer algum tipo de influência no direcionamento do
indivíduo para um maior bem estar. Os responsáveis pela formulação de políticas
foram denominados pelos criadores da teoria de arquitetos de escolhas.

3.2. A ECONOMIA COMPORTAMENTAL: PRESSUPOSTOS E SUA


RELEVÂNCIA

A economia comportamental é uma área de estudos no campo da


economia que busca aprimorar o poder explicativo das teorias econômicas a partir de
fundamentos psicológicos. A importância atribuída à psicologia nesta área se deve ao
fato que busca-se, a partir dos estudos, compreender o comportamento humano em
diversos processos de decisão que o homem está apto a realizar. Entende-se que a
compreensão por parte dos agentes econômicos dos motivos pelos quais os indivíduos
tomam determinadas decisões contribuiria para o bem estar dos mesmos, visto que as
estratégias estabelecidas por indivíduos podem, muitas vezes, ser aperfeiçoadas.
Grande parte da argumentação acerca da importância dos objetos de
estudo da economia comportamental é construída a partir do modelo econômico
clássico que parte de três premissas principais: racionalidade, força de vontade e
egoísmo ilimitados 11 . Tal argumentação é construída principalmente no que diz
respeito à trivialidade de se reconhecer os limites da racionalidade humana, como
propõe o ganhador do Prêmio Nobel Herbert Simon (1978), a partir do conceito de

10 O cinto de segurança seria um exemplo de política paternalista coercitiva. O Estado, por meio de
leis, obriga seus cidadãos a utilizar o cinto de segurança e se a norma não for respeitada, são cobradas
multas. Este caso implica em uma ação coercitiva do Estado, que não condiz com o que o paternalismo
libertário defende. O caso libertário é um caso extremo de não aceitação de nenhum tipo de
paternalismo fraco, como uso do cinto de segurança, ou forte, como um estado não laico. Muitas vezes
podemos dizer que o Estado deve ser neutro em relação às nossas concepções de bem, ou seja, o que
achamos que é bom para as nossas vidas. Tal princípio é defendido pelos libertários e por correntes
liberais. A diferença é que estes aceitariam um paternalismo fraco.
11 Wilkinson; Klaes, 2012.
racionalidade limitada. Este último propõe uma concepção mais realista da
capacidade humana de lidar com conflitos, uma vez que não se pode esperar que
desafios sejam solucionados otimamente.
Em Wilkinson & Klaes (2012), que discorre especificamente sobre os
estudos da economia comportamental, afirma-se que o objetivo dos estudos não é
entender o quão útil ou válido é determinado juízo de valor sobre a utilidade de algo,
por exemplo. Mas sim, o porque que ele foi criado, buscando analisar o processo e
não o resultado final. Esta é uma questão de cunho psicológico que possui importante
implicação sobre o “policy making”. A economia comportamental, assim como as
psicologias social e cognitiva têm obtido efeitos significativos em políticas públicas
desenvolvidas em diversos países, inclusive nos Estados Unidos e o Reino Unido.
É possível, a partir disso, estabelecer um paralelo direto com a função
delegada ao arquiteto de escolhas no paternalismo libertário, uma vez que este deve
ter a discricionariedade sobre o momento ideal para intervir e direcionar o indivíduo
para a melhor decisão. Tal discricionariedade só é possível sob o conhecimento dos
processos, das características que envolvem as tomadas de decisão dos seres humanos
como um todo.
Uma das características identificadas é a tendência dos seres humanos à
inércia, no sentido de existir uma tendência mais geral a manter o status quo.
Samuelson & Zeckhauser (1988) apelidaram este fenômeno de “viés do status quo”.
Isso pode ser identificado em situações em que pessoas simplesmente não mudam de
canal ao iniciar um novo programa, mesmo que este não a agrade, ou até mesmo
quando o cancelamento da renovação automática de assinatura de revistas demanda a
ação de cancelá-la.
Muitas pessoas adotam o que chamaremos de heurística do “ah,
tá” (...) A combinação de aversão à perda e escolhas desatentas
sugere que, se uma opção é designada como “predefinida” ela
atrairá uma participação de mercado maior. As opções
predefinidas podem agir então como poderosas cutucadas. Em
muitos contextos, as opções predefinidas têm um poder de
orientação extra porque os consumidores talvez sintam, com
razão ou não, que elas têm o apoio implícito de quem as
configura, seja essa entidade seu empregador, o governo ou o
programador de televisão (Thaler & Sustein, 2008, p. 38).

Sustein (2012) ainda afirma que, se nada é o que os indivíduos irão fazer,
regras pré-estabelecidas podem causar muitos estragos ou promover diversos avanços
e seria neste, e em outros diversos pontos baseados em descobertas da economia
comportamental, que a normativa do Paternalismo Libertário pode e visa atuar.

3.3. O ARQUITETO DE ESCOLHAS

No Paternalismo Libertário a figura do arquiteto de escolhas é


fundamental, devido ao reconhecimento de que, tanto a maneira como as opções estão
organizadas quanto o contexto em que elas estão inseridas interferem necessariamente
no processo de decisão de qualquer indivíduo. O arquiteto seria, justamente, o
responsável por criar este contexto. É então que se configura uma arquitetura
específica de escolhas que detém considerado poder de influência sobre qual opção
determinado indivíduo irá escolher. Além disso, os princípios fundamentais do
paternalismo libertário só serão devidamente seguidos se o contexto criado contribuir
para tal.
O caso hipotético contado em Nudge (2008) é de Carolyn, diretora da área
de nutrição de um grande sistema escolar urbano nos Estados Unidos, responsável
pelo que as crianças comem nos refeitórios de centenas de escolas todos os dias. Por
iniciativa própria, Carolyn distribuiu, entre os responsáveis instruções específicas
sobre como apresentar as opções de alimentos, com o objetivo de realizar um
experimento que lhe trouxesse algumas conclusões sobre como projetar a disposição
dos produtos nos refeitórios. (Thaler & Sustein; 2008, p. 2)
Para isso, a localização de vários itens variava de uma escola para outra.
Em algumas escolas as sobremesas eram colocadas em primeiro lugar e em outras,
por último, ou até mesmo em uma fileira separada. Em umas a cenoura estava na
altura dos olhos e em outras as batatas fritas. Apenas rearranjando a lanchonete,
Carolyn pôde aumentar ou reduzir o consumo de muitos alimentos em até 25%, o que
a fez concluir que crianças em idade escolar podem ser muito influenciadas por
pequenas mudanças no contexto.
Carolyn acredita que agora tem um poder considerável para
influenciar o que as crianças comem. Ela está pensando no que
fazer com esse poder recém-descoberto. Eis algumas sugestões
que ela recebeu de seus amigos e colegas:
Opção 1: Arrume os alimentos para melhorar a vida dos alunos,
considerando todos os aspectos.
Opção 2: Escolha a ordem dos alimentos aleatoriamente
Opção 3: Tente arrumar os alimentos para fazer com que as
crianças escolham os mesmos itens que escolheriam sozinhas
Opção 4: Maximize as vendas dos produtos de fornecedores
dispostos a oferecer maiores propinas.
Opção 5: Maximize o lucro, ponto final. (Thaler; Sustein; 2008
p. 2)

A gama de opções apresentadas à Carolyn evidenciam as diversas


possibilidades de arquitetar as opções e que terão diferentes resultados. Como é
possível depreender da lista acima, a descoberta deste poder de influência específico
pode ser utilizado para o bem assim como para o mal. Ao mesmo tempo que um
arquiteto de escolhas pode criar um contexto no qual há possibilidade de aumentar a
qualidade de vida de um indivíduo, fazendo-o comer melhor, por exemplo, um outro
arquiteto que dispõe do mesmo conhecimento pode utiliza-lo para benefícios próprios.
Os vendedores são arquitetos de escolhas que seguem este princípio, bem como
empresas de publicidade responsáveis pela divulgação de quaisquer tipos de produtos.
A opção de número 4 da lista acima também.
Os autores do paternalismo libertário defendem que, se utilizada para fins
de interesses públicos e de melhoria do bem estar dos seres humanos, a arquitetura
das escolhas, assim como os arquitetos responsáveis pela mesma dispõe de um poder
considerável que a muito interessa o campo de formulação de políticas públicas. Vale
ressaltar, ainda, que a arquitetura de escolhas nos permite decidir qual o princípio
normativo, bem como ético, que irá se seguir para arquitetar as escolhas dos cidadãos
(vale ressaltar que existe uma grande diferença dentre o princípio que um agente
segue de fato e que ele deve seguir, de acordo com convicções éticas).
Deve se estabelecer um contexto com função neutra para que o indivíduo
tenha possibilidade de escolher sem quaisquer influências externas, de acordo com
sua própria vontade? Ou, ainda, o arquiteto de escolhas pode e deve influenciar no
processo de decisão do indivíduo para que ele escolha a opção que será fundamental
para melhorar sua qualidade de vida, e consequentemente, seu bem-estar? Segundo o
paternalismo libertário, como já foi descrito anteriormente, os autores apoiam e
buscam em suas obras legitimar e trazer os benefícios da segunda opção.
Em Sustein (2012) o autor afirma que o ambiente social já possui
influência sobre as escolhas e, o processo de arquitetar as mesmas é inevitável, sejam
os arquitetos devidamente explicitados ou não. No que diz respeito ao segundo caso,
existem regras que já estão pré-estabelecidas pelo meio social e que interferem
necessariamente nos resultados dos processos de decisão. Sendo assim, os indivíduos
são influenciados de qualquer maneira quando em sociedade e, portanto, a
neutralidade não seria válida em um contexto em que se almeja a melhora do bem-
estar dos indivíduos, necessariamente.
É importante ressaltar a diferença de um arquiteto como o vendedor de
uma loja, por exemplo, e um outro agente do meio social, que trabalhe no Governo, e
por isso detém a missão de prover o bem público. Esta diferença seria que o vendedor,
desde sempre, soube da possibilidade de influenciar na escolha do seu cliente. Não à
toa, existem pessoas que estudam e ensinam sobre o grande feito de conquista dos
clientes, buscando maximizar os lucros com o aumento do número de vendas. Já a
função do agente Governamental que trabalha como arquiteto de escolhas não é tão
explícita como a do vendedor, no sentido de que ele pode (e deve, segundo teoria
normativa do Nudge) influenciar as escolhas e direcionar a vida dos seus respectivos
cidadãos para melhor.
Explicitar a existência da figura do arquiteto de escolhas, portanto, assim
como o poder que este detém, é essencial no ponto de vista de Thaler & Sustein (2008)
uma vez que as pessoas já são influenciadas até mesmo por coisas que não estão
explícitas. Se o poder da influência for utilizado para fins de interesse público, se
estabelece um importante passo para consolidação desta nova teoria normativa que
visa revolucionar a relação entre instituições e cidadãos.
Os autores esboçaram seis princípios da boa arquitetura de escolhas, que
leva em consideração os princípios da economia comportamental, bem como os
pressupostos buscados pela teoria normativa do paternalismo libertário. Dentre estas
seis estão: promover incentivos, entender mapeamentos e fornecer feedback.
A melhor forma de ajudar os humanos a aprimorar seu desempenho é
fornecendo feedback. Diante de processos e atividades de longo prazo, bons
feedbacks são raramente proporcionados, o que dificulta saber se a direção que se está
seguindo é a correta, tendo em vista seu bom desempenho e bem estar, por exemplo.
Um indivíduo pode usufruir de uma dieta com alto teor de gorduras durante anos, sem
receber aviso algum, até ter um ataque cardíaco. Nestes casos, “cutucadas” (nudge)
podem ser grandes aliadas na busca pela melhoria da qualidade de vida de cidadãos a
partir do fornecimento de feedbacks.
Além dos feedbacks, os incentivos também contribuem para uma boa
arquitetura de escolhas. Os arquitetos sensatos oferecerão os incentivos certos às
pessoas certas. Há diversas possibilidades de incentivos e muitas vezes as instituições
recaem sobre os econômicos, que não exigem grande compreensão do comportamento
dos seres humanos além daquele que se manifesta diante do capital 12 . O que os
autores buscam enfatizar é que, muitas vezes, incentivos não econômicos podem
possuir poder muito maior.
Suponha que o termostato de sua casa fosse programado para
lhe dizer o custo horário de baixar a temperatura de alguns
graus durante a onda de calor. Isso provavelmente surtiria
maior efeito sobre seu comportamento do que silenciosamente
aumentar o preço da eletricidade, uma mudança que poderá
ser sentida apenas no final do mês, quando a conta chegar
(Nudge, p. 106).

Outro princípio para uma boa arquitetura é o de facilitar o mapeamento


dos processos de decisões dos indivíduos. Ou seja, um bom sistema de arquitetura de
escolhas ajuda as pessoas a melhorar sua capacidade de mapear e, portanto, selecionar
as opções que vão melhorar suas vidas. Uma maneira de fazer isso é tornar as
informações sobre as várias opções disponíveis em determinada situação mais
compreensível, o que facilitaria a escolha do indivíduo, que levaria em consideração
as informações e aspectos explicitados de cada uma.
A figura do arquiteto de escolhas, portanto, pode e deve ser utilizada a
favor da melhoria do bem-estar dos indivíduos. É neste contexto que surge o conceito
de Nudge:
Uma cutucada ou orientação, no sentido em que usaremos esses
termos, é qualquer aspecto da arquitetura de escolhas que altera
o comportamento das pessoas de maneira previsível sem
proibir nenhuma opção nem mudar significativamente seus
incentivos econômicos. (...) As cutucadas não são ordens.
Colocar frutas no nível dos olhos conta como uma cutucada.
Proibir guloseimas, não. (Thaler& Sustein, 2008, p. 6)

Sendo assim, o Nudge é, em suma, um ato proveniente de instituições


privadas ou públicas direcionado ao indivíduo, buscando atuar sobre seu processo
decisório para aprimorar suas decisões.
Muito do que foi falado na descrição do paternalismo libertário sobre
influenciar sem coagir está intrínseco no ato de empurrar/orientar um indivíduo. Esta
seria a essência do termo “Nudge”. A partir dele é que se solidifica a essência de

12 Comportamento este aqui colocado em estrito senso, uma vez que os indivíduos possuem grande
aversão à perda de dinheiro e por isso incentivos econômicos costumam funcionar muito bem.
interferir de maneira paternalista na vida de um indivíduo para que ele tome decisões
melhores, ao mesmo tempo que não se infringe os princípios básicos da liberdade de
escolha.
A partir do teste exemplificado na figura a seguir, pode se depreender do
que um Nudge se trata.

FIGURA 1 – Exemplo de Cutucada (nudge)

Imagem retirada do vídeo “Nudge, the animation: Helping people make better coices”
https://www.youtube.com/watch?v=jsy1E3ckxlM acessado em 14/12/2014

A tradução livre da questão seria (colocada em cor azul): “Por exemplo,


vamos dizer que você gostaria de fazer com que as pessoas parassem de jogar lixo na
rua”. As alternativas são:
1. Definir multas destinadas àqueles que jogam lixo na rua
2. Pagar pessoas por utilizarem o lixo
3. Colocar “pegadas” verdes no chão, que direcionariam a pessoa para a caixa de lixo
mais próxima.
Das opções colocadas acima, a única que se configura como um empurrão
é a de número três uma vez que as outras duas se baseiam em incentivos econômicos
e não em um incentivo capaz de “ativar” um comportamento desejável do indivíduo.
13
Um estudo de 2011, da universidade de Copenhagen mostrou que houve uma
redução de 46% de pessoas que jogam lixo nas ruas onde as pegadas verdes foram
implementadas.
Suponhamos agora que seja necessária uma redução no consumo de
energia, ao entender que isso envolve benefícios tanto aos cidadãos, que pagariam

13 Retirado do site “INudgeyou” < http://inudgeyou.com/green-nudge-nudging-litter-into-the-bin/>


acessado em 23/12/2014
menos no final do mês na conta de luz, bem como para o ambiente, no sentido da
sustentabilidade. No livro Nudge, é apresentado um estudo sobre o poder das normas
sociais realizado em aproximadamente três mil lares de San Marcos, no estado da
Califórnia nos Estados Unidos.
Para que o estudo se concretizasse, todas as famílias foram informadas a
respeito da quantidade de energia que havia sido utilizada nas semanas anteriores,
assim como informações precisas sobre o consumo médio de energia por família no
bairro.
Os efeitos no comportamento foram claros e surpreendentes.
Nas semanas seguintes, os usuários que ficavam acima da
média reduziram significativamente seu consumo de energia;
os usuários que ficavam abaixo da média aumentaram
significativamente seu consumo de energia. (Nudge, p. 73)

Este fato gerou um alerta para o poder público local, visto que se é
desejável guiar as pessoas para um comportamento socialmente desejável, não se
pode deixar que, aquelas que devem saber, saibam que suas ações atuais são melhores
do que as normas sociais.
Além disso, este caso elucida perfeitamente o poder que um incentivo na
forma de feedback possui sobre o comportamento dos seres humanos. Imagine isso
para um política de uso consciente da água? Será que o bônus financeiro, por redução
de consumo funciona sempre? Há estudos da empresa de águas de São Paulo
(SABESP)14 que mostram que o consumo parou de cair. Podemos suspeitar que o
incentivo não é apenas financeiro, mas precisamos ativar a nossa “consciência” para o
uso racional de um recurso escasso e caro.
Depreende-se também que o comportamento das famílias explicitado
pode se encaixar perfeitamente em uma das previsões realizadas pela economia
comportamental sobre a tendência do ser humano de “seguir o bando”. Ou seja, os
indivíduos são facilmente influenciados por outros humanos. E um dos motivos para
isso é que todos nós gostamos de nos adequar.
Ainda em meio ao experimento, cerca de metade das famílias receberam,
além das informações descritivas sobre seus gastos com energia (feedbacks), um
pequeno sinal não verbal de que seu consumo de energia era socialmente aprovado ou

14Cerca de 25% dos consumidores aumentaram o consumo de água em setembro de 2014, mesmo
com o bônus na conta de água. Ver mais em http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,adesao-a-
bonus-da-sabesp-cai-e-25-dos-clientes-consomem-mais,1573749.
desaprovado. Este sinal era uma carinha; as pessoas que consumiam mais do que a
norma recebiam uma expressão triste, ao passo que quando os usuários estavam
abaixo da média, recebiam uma carinha com expressão alegre.
Os grandes consumidores de energia apresentaram uma redução ainda maior
quando receberam a carinha triste. Já aqueles que receberam a expressão alegre,
“abandonaram” a tendência a aumentar seu consumo para chegar á média de consumo.
“Quando simplesmente se dizia que seu consumo de energia estava abaixo da média,
eles achavam que tinham “espaço” para aumentar o consumo, mas, quando a
mensagem informativa era combinada com uma cutucada emocional, elas não o
ampliavam.” (Nudge, p. 73)

FIGURA 2 – Exemplo de Cutucada (nudge)

Imagem retirada de Nudge, p. 74

Este “emoticon” se caracteriza como uma cutucada, que foi capaz de


direcionar o comportamento dos cidadãos, seja para não seguir o bando e manter seu
consumo baixo, ou para diminuir o uso de energia e receber algum tipo de aprovação
no âmbito social. Mas quando os indivíduos precisam de cutucadas?
Thaler e Sustein (2008) explicitam situações nas quais as cutucadas seriam
necessárias, para que fosse possível tornar as vidas dos indivíduos mais simples,
saudável e melhor. Como foi visto anteriormente, a arquitetura de escolhas e seus
efeitos não podem ser evitados. É então que os autores introduzem o que eles
chamam de “regra de ouro do paternalismo libertário”: oferecer orientações que
tenham mais probabilidade de ajudar e menos probabilidade de causar danos.
Vale aqui expor a origem desta regra de ouro. De acordo com os autores esta é
fundamentada no “paternalismo assimétrico” introduzido por Camerer et al. (2003) e
que é definido como as providências para ajudar as pessoas menos sofisticadas e, ao
mesmo tempo, impor danos mínimos a todas as outras. “Nossa regra de ouro tem o
mesmo espírito dessa formulação” (Nudge, p. 77)
Um arquiteto de escolhas deve decidir como projetar o ambiente da escolha,
quais tipos de encaminhamento oferecer e qual a sutileza que esses encaminhamentos
devem ter. O que é necessário saber para se projetar o melhor ambiente de escolha
possível? Uma delas é que problemas previsíveis surgem quando as pessoas têm de
tomar decisões que põem à prova sua capacidade de se autocontrolar. As questões de
autocontrole têm mais probabilidade de surgir quando as escolhas e suas
consequências estão separadas pelo tempo.
Isso é apresentado pelos autores de uma forma simples. Existem os bens de
investimento como exercícios físicos, uso de fio dental e dietas. Estes possuem custos
imediatos, mas os benefícios são retardados. Por outro lado, existem os bens
pecaminosos como o cigarro, o álcool e as rosquinhas gigantes de chocolate que
também exigem autocontrole. Estes bens oferecem prazer imediato mas desencadeiam
em más consequências futuramente. Em ambos os casos as cutucadas seriam
necessárias, que buscariam compensar a falta de auto controle dos indivíduos.
Em situações nas quais envolvem problemas com alto grau de dificuldade,
cutucadas podem ser utilizadas para simplificar a vida dos cidadãos. Além disso,
algumas das decisões mais importantes da vida do ser humano não oferecem muitas
oportunidades para praticar e serem levadas na base da “tentativa e erro”. Por
exemplo, habitualmente, só se pode escolher o cônjuge uma ou duas vezes, não são
muitas as vezes que se compra uma casa e também existem momentos decisivos em
nossas vidas que temos que tomar uma decisão imediata. Estas escolhas raras e
difíceis são boas candidatas para orientação.

4.0. NUDGE NA PRÁTICA

Em Banerjee & Duflo (2011) que propõe ações práticas e inovadoras de


combate, além de descrever detalhadamente contextos de extrema pobreza, uma das
propostas dos autores se configura como um Nudge, o que prova que este tipo de
política pode e deve ser utilizada também em situações de extrema pobreza para
melhorar a saúde e qualidade de vida de indivíduos que se inserem neste contexto.
Uma das condições muito comuns nestes lugares é a de não possuir acesso
à água encanada, e a água se encontra, muitas vezes, disponível para retirada em
poços e/ou reservatórios que estão a céu aberto. É muito provável que esta água esteja
infectada por parasitas e bactérias que possam causar diarreia, o que coloca em risco a
vida de muitas crianças que dependem desta água para sobreviver, além de deteriorar
a situação da saúde pública local. Para mitigar esta situação, a adição de cloro à água
é fundamental. Quando se possui infraestrutura necessária para proporcionar água
encanada à população, esta já vem tratada, o que diminui muito os riscos de doenças.
Em locais onde esta infraestrutura não se encontra disponível, adicionar manualmente
cloro à água que será utilizada pela população é um forte aliado no combate às
doenças.
Segundo Banerjee & Duflo (2011), por mais que as pessoas saibam da
importância do cloro, elas continuam consumindo a água sem o tratamento devido. A
razão disso seria, além do custo do cloro, a procrastinação 15 , causada por vieses
cognitivos. Em Udaipur, Índia, segundo exemplo do livro, após a retirada da água de
um poço local, um morador deveria ir até uma venda para encontrar cloro e colocar a
quantidade certa da substância antes de beber a água. A necessidade da atividade
gerava, portanto, o que já foi citado, da heurística do “Ah tá”.
Levando isso em consideração, a política que a ONG local de Udaipur
adotou foi de colocar reservatórios de cloro JUNTO aos poços e assim, quando uma
pessoa fosse retirar a água bastava girar uma alavanca que despejasse a quantidade
correta de cloro e de graça. “O argumento do Nudge por trás desta iniciativa é a de
melhorar os resultados desejados, tornando mais fácil e possível a ação esperada, sem,
no entanto, retirar a liberdade de não utilizar o dispositivo do cloro.”16
Outro caso de sucesso descrito em Banerjee & Duflo (2011) evidencia a
tendência do ser humano a “seguir o bando”. Tendo isso em vista, um nudge foi
utilizado também na Índia para evitar a propagação do vírus da malária por meio da
utilização de mosquiteiros. Por meio de subsídios, uma quantia de mosquiteiros foi
distribuída para que os indivíduos vissem por si mesmos seus benefícios na redução da

15 A procrastinação se define pelo ato de retardar alguma ação, deixar para depois. Esta se caracteriza
como uma falha cognitiva na racionalidade de um indivíduo na situação daqueles que retiram água de
reservatórios que estariam, muito provavelmente, contaminados. O “deixar para depois” neste caso
pode acarretar em problemas sérios, mas que não são identificados no momento pelo indivíduo. E para
cobrir esta “falha” cognitiva é que o Nudge exposto foi utilizado para fins de melhora da saúde pública
local.
16
Caso retirado de Adamczyk, Willian; 2013
malária. Esta política de distribuir uma quantidade limitada despertou no resto da
comunidade a vontade de ir atrás dos mosquiteiros, por conta própria e através dos
preços de mercado.
O nudge da distribuição gratuita ou com grande subsídio, levou
a um efeito reforçador do próprio, convencendo as pessoas a
usar os mosquiteiros quando era percebida uma diminuição na
frequência da incidência de doença sobre as crianças. E então, a
partir de um empurrão inicial o uso se tornou costumeiro,
espalhando a notícia na comunidade. Aqueles que receberam
gratuitamente o primeiro mosquiteiro apresentaram maior
tendência em comprar um segundo. Não apenas as pessoas que
receberam o mosquiteiro foram beneficiadas. Amigos e
parentes que ficaram sabendo da eficácia de seu uso passaram a
comprar e utilizá- lo. (Banerjee & Duflo, 2011, p. 68)

Outro campo em que os nudges se mostraram efetivos foi o da


preservação do meio ambiente. Nas últimas décadas, esta questão vêm adquirindo
espaço nas pautas dos governos ao redor do mundo. Preocupados com a poluição
atmosférica e hídrica, a disseminação de substâncias químicas tóxicas e o
desaparecimento de espécies, os governos gastaram e ainda gastam recursos
significativos na esperança de melhorar a saúde humana e reduzir os efeitos de suas
atividades na vida selvagem e no meio ambiente como um todo.
As medidas utilizadas normalmente seguem a diretriz dos preços, ou seja,
dos incentivos monetários para redução do uso de combustível ao aumentar o preço
da gasolina, por exemplo. Isso porém, possui um encarrego de negociações políticas
que muitas vezes dificultam a efetividade e até mesmo a implementação da política,
muito por causa da insatisfação dos eleitores. A razão seria simples, segundo Thaler
& Sustein (2008): os custos da poluição são ocultos, enquanto o preço na bomba de
gasolina é bastante visível. Sendo assim, uma providência importante e altamente
libertária a ser tomada seria o de melhorar o processo de feedback para os
consumidores por meio de informações melhores e mais bem divulgadas.
A divulgação de informações, bem como o feedback, ou retorno, das
ações das pessoas se caracterizam como nudges no sentido de direcionar as ações dos
indivíduos a partir das suas reações comportamentais diante das informações
proporcionadas pelas instituições. As mensagens obrigatórias sobre os riscos do
cigarro, criadas em 1965 e então aprimoradas em 1969 e 1984 são um claro exemplo
de uma política de divulgação que obteve sucesso diante da diminuição do uso do
tabaco.
No que diz respeito aos impostos e doações de órgãos, simples mudanças
sugeridas pela Nudge Unit do governo inglês também obtiveram sucesso. Muitas
pessoas morrem anualmente na Inglaterra por conta da falta de órgãos disponíveis
para doação pois poucos britânicos dispõe do “donor card” responsável por habilitar
o indivíduo para tal, caso ele esteja nas condições necessárias, é claro. Estudos
sugerem, porém, que muitos se disponibilizariam caso o acesso à este cartão fosse
facilitado (Heurística do “ah tá”). Tendo isso em vista, foi instituído que a opção de
adesão ou não ao “donor card” acontecesse toda vez que alguém fosse retirar sua
carteira de motorista. Todo mundo que estiver retirando a licença é perguntado se
gostaria de doar seus órgãos ou não. Este mecanismo é chamado de “escolha imediata”
e segundo relatório17 da Nudge Unit, têm obtido sucesso.
Um mecanismo muito simples que têm ajudado as pessoas a pagar seus
impostos no tempo estipulado pelo governo britânico é o de enviar cartas à cidadãos
que haviam ultrapassado o limite pré estabelecido de pagamento dizendo que a
maioria dos moradores da área onde vive já haviam pago. Segundo mesmo relatório,
isso aumentou o pagamento de impostos dentro do prazo em 15%.
Uma solução, também no que diz respeito aos impostos, para tornar a vida
dos cidadãos mais simples é a declaração de renda automática. Ou seja, qualquer
pessoa que não liste deduções e não tenha renda (como gorjetas, que não são
declaradas pelo imposto de renda), receberia uma declaração já preenchida. Sendo
assim, a pessoa teria somente que validar e assinar após seu consentimento diante da
mesma. Um outro nudge correlacionado é o cartão de débito da caridade e dedução
fiscais. “A manutenção de um registro das doações e sua listagem na declaração de
renda são tarefas trabalhosas para alguns humanos, que acabam doando menos do que
fariam se as economias fiscais fossem automáticas.” (Thaler &Sustein, 2008, p. 250)
O cartão de débito da caridade seria emitido por bancos e só seria aceito
por instituições de caridade. Desta forma, você teria todos os seus “gastos” reunidos
em uma única plataforma, o que facilitaria a contagem no final do processo de quanto
deve ser deduzido do imposto de renda.

17 Disponível em https://angeladic.files.wordpress.com/2013/12/monocle-nudge-for-web.jpg acessado


em 09/01/2014
5.0. PATERNALISMO LIBERTÁRIO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: O CASO INGLÊS

Partindo de uma premissa inovadora para as instituições governamentais


de que seria desejável observar o comportamento dos cidadãos antes de ditar as regras
para os mesmos, o governo inglês contratou especialistas na ciência comportamental
para trabalhar com os formuladores de políticas públicas do governo, estabelecendo
um pequeno braço do mesmo, denominado “Behavioural Insights Team” (BIT, daqui
em diante). Sua criação, em 2010, se deve ao o primeiro ministro inglês David
Cameron que determinou como responsável o psicólogo social David Halpern que já
havia trabalhado anteriormente na esfera governamental.
Tradicionalmente, o que se observa na estrutura dos governos é que este
conta com o auxílio de profissionais de diversas áreas do conhecimento,
principalmente da economia e do direito para desenvolver seu pleno funcionamento.
A contratação e criação de um time de profissionais que sejam especialistas no
comportamento dos seres humanos, caracteriza o governo inglês como pioneiro na
aplicação de “behavioural insights” (descobertas sobre o comportamento) em prol de
causas sociais e de interesse do bem comum.
O termo “behavioural insights” é de suma importância para definir o
escopo do departamento:
Nós cunhamos o termo ‘behavioural insights’ em 2010 para que fosse
possível unir ideias de uma gama de disciplinas acadêmicas que estão
inter-relacionadas; a economia comportamental, a psicologia, e a
antropologia social. Todas estas buscam entender como os indivíduos
agem diante das tomadas de decisão e como eles tendem a
corresponder aos arranjos de opções apresentados. Suas descobertas
permitem que nós (Behavioural Insights Team) desenhamos políticas
públicas ou intervenções que possam apoiar e viabilizar que os
indivíduos tomem melhores decisões para si e para sociedade como
um todo” (Equipe do BIT; About us; disponível em
<http://www.behaviouralinsights.co.uk/about-us>).”18

O escopo do BIT muito se assemelha ao que se pretende na teoria do


Paternalismo Libertário, se caracterizando como a primeira instituição governamental
a incorporar as premissas de Thaler e Sustein à formulação e aprimoramento de
políticas públicas específicas. Não obstante, além da equipe de profissionais que
trabalham diariamente no departamento, a visita e auxílio de acadêmicos que atuam e

18 Tradução livre da autora.


estudam o assunto é constante, inclusive do próprio Richard Thaler que em 2012
publicou um artigo no jornal americano The New York Times sobre sua experiência,
apresentando ao público uma visão mais aprofundada do trabalho realizado pelo BIT.
Ao observar o funcionamento e estrutura do departamento é possível
depreender quais os avanços e qualidades desta prática para o pleno funcionamento e
efetividade do Estado, como afirma Richard Thaler no mesmo artigo, cujo objetivo é
descrever seu progresso até o momento. O economista relata que durante o período
que trabalhou com a equipe, ele sugeriu duas premissas que passaram a ser
consideradas como uma espécie de “mantra” de seus trabalhos.
A primeira delas é a premissa de que se você quer incentivar certa
atitude/atividade/ação você deve torná-la fácil, no sentido de facilitar sua execução. A
segunda premissa segue o princípio de que você não pode criar políticas baseadas em
evidências se você não tem evidências.
Quando o autor afirma que as políticas do BIT são políticas criadas a
partir de evidências, ele ratifica o uso das descobertas comportamentais que
dependem necessariamente de experimentos, principalmente da economia
comportamental, e de todas as áreas acadêmicas sobre as quais o escopo do BIT recai.
Desta forma, segundo Thaler, se originou um documento em que se
ressalta a importância de Randomnized Controlled Trials para basear e avaliar as
iniciativas sugeridas pelo departamento, sendo essencial sua realização sempre que
possível, não só nos parâmetros das intervenções realizadas pelo BIT, mas para a
formulação de políticas públicas em governos no geral. Este documento foi intitulado
“Test, Learn, Adapt” 19 e que pode ser traduzido para o português como “Testar,
Aprender e Adaptar” o que faz perfeito sentido quando o relacionamos com a
principal função deste modelo de avaliação de políticas.
Ao mesmo tempo, a primeira premissa ressaltada por Thaler neste artigo
segue o mesmo princípio que o termo “Nudge” previamente apresentado neste
trabalho. Desta forma, a relação entre o paternalismo libertário e a formulação de
políticas públicas a partir do Behavioural Insights Team inglês é que este segue na
prática a teoria apresentada por Thaler e Sustein.

19Artigo disponível em
<https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/62529/TLA-
1906126.pdf>
Neste sentido, uma publicação do Behavioural Insights Team que merece
ser ressaltada, por significar um avanço para a aplicação das premissas do
paternalismo libertário à formulação de políticas públicas, se chama, em inglês,
“EAST: Four Simple Ways to Apply Behavioural Insights” . É um tutorial simples e
pragmático que busca sintetizar ao máximo o conteúdo a respeito da ciência
comportamental para que os formuladores de políticas públicas tenham acesso a um
“guia” simples de como criar políticas que sejam mais eficientes e efetivas. A sigla
EAST representa o seguinte conjunto de palavras: “Easy, Attractive, Social e Timely”,
as quatro premissas principais que devem ser seguidas para criação de políticas que
com os princípios pretendidos.
Os estudos afirmam, portanto, que para se adquirir uma maior eficiência e
efetividade das políticas públicas deve torná-las mais fáceis, deve necessariamente
levar em conta como seria possível “facilitar a vida do cidadão” através de mensagens
mais simples, por exemplo, ou até mesmo usufruindo da importante descoberta de que
os seres humanos tendem a manter as opções que já estão pré estabelecidas. (Default
Options)
A segunda palavra representa a premissa de que se deve tornar a política
“atraente”, ou seja, assim como há esforços do setor privado para tornar seus serviços
mais atraentes, seria válido que o setor público utilizasse desta mesma estratégia para
seus próprios serviços ao estabelecer melhores recompensas por certas atitudes dos
cidadãos, por exemplo.
Outra premissa indicada pelo tutorial é a de tornar a política “social”. Já
foi citado anteriormente neste trabalho, descoberta pela ciência comportamental, que
os seres humanos “seguem o bando”. Esta premissa incentiva os “policy makers” a
usufruir disto, ao mostrar, por exemplo, que a maior parte dos cidadãos já executam o
20
comportamento desejado . Além de incentiva-los à criar vínculos e
comprometimentos com os outros para intensificar o “social network.”
Por fim, se deve seguir a premissa da oportunidade, ou seja, as
intervenções e criação de políticas devem ser “timely”. Afirma-se que as pessoas

20
Na Inglaterra, por exemplo, quando um cidadão deixava de pagar os impostos, uma carta era
enviada dizendo que medidas mais drásticas seriam tomadas caso ele não pagasse. Segundo um
renomado psicólogo da universidade do Arizona, essa carta poderia ser aprimorada a partir da premissa
comportamental de que o ser humano tende a “seguir o bando.” Desta forma, elaborou uma carta
dizendo que a maioria dos cidadãos pagam os impostos no tempo devido, inclusive com dados locais.
Foi realizado um randomnized trial (RCT) e houve um aumento de 15% no pagamento “on time” dos
impostos com a alteração na carta.
reagem de formas diferentes de acordo com o momento em que as mudanças
aparecem e, isso é um detalhe que, segundo os autores do artigo, deve ser levado em
consideração para que a política seja mais efetiva.
Vale ressaltar que este relatório é resultado de um conjunto de
experimentos (no modelo de Randomnized Trials) realizados pelo BIT, seminários,
workshops e troca de experiências com toda a comunidade de “policy makers” 21 ,
agentes do governo em geral responsáveis pela formulação de políticas públicas.
Estas premissas que foram aqui expostas servirão de base para observar e
analisar, no segundo momento deste trabalho, sua aplicação prática buscando
exemplos de políticas que já as utilizaram para que então se conclua se elas são de
fato efetivas ou não. O próprio artigo “EAST: Four Simple Ways to Apply
Behavioural Insights” possui diversos exemplos de aplicação destas premissas.
Antes da criação do Behavioural Insights Team, alguns dos seus membros
atuais prestavam serviços ao Institute for Government, também departamento do
governo inglês. Foi demandado que se elaborasse um artigo sobre “influencing
behaviour”, isto é, influência em comportamentos, com acadêmicos da London
School of Economics e Imperial College, resultando em mais um artigo de suma
importância para os avanços neste novo modelo de formulação de políticas públicas
denominado “Mindspace: Influencing Behaviour Trough Public Policy”.22 Até os dias
de hoje, este artigo vem sendo usado pelo BIT para guiar sua equipe na formulação e
adaptação de políticas públicas.
Este artigo, assim como o EAST, citado anteriormente, apresenta diversos
exemplos práticos de como a ciência comportamental foi aplicada, contribuindo ainda
mais para o arcabouço de conteúdo que deve ser analisado na segunda parte deste
projeto. Serão abordadas, além da questão da efetividade, as questões e os princípios
éticos que foram propostos na questão inicial e norteadora desta pesquisa. Afinal, nas
atividades do Estado, deve prevalecer a busca pela efetividade mesmo que isso custe a
liberdade de alguns dos cidadãos? Seria ético influenciar em seus comportamentos?

21
Um exemplo deste tipo de encontro, que não se relaciona diretamente com a criação do artigo em
questão, é o workshop realizado em Paris em 2014 e denominado “Behavioural Insights and New
Approaches to Policy Design” cujo programação está em
<http://www.oecd.org/naec/NAEC_Behavioural-Insights-Programme_23-Jan.pdf>
22
Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/mindspace>
Os acadêmicos selecionados para entrevistas serão de grande ajuda para
conclusões neste aspecto. Principalmente no que diz respeito às reais possibilidades
de implementação destes princípios aqui no Brasil.
Por meio do estudo de caso inglês, foi possível avaliar que o processo de
construção das políticas públicas, baseadas no Paternalismo Libertário, seguem um
protocolo. Há um cuidado com o conteúdo, a forma e o momento de sua
implementação. Observa-se que há uma preocupação em informar e formar os
funcionários a respeito desta metodologia. Podemos resumir o protocolo do BIT no
quadro seguinte:

FIGURA 3 – Processo de funcionamento do BIT

Disseminação Avaliação de
Premissas Treinamento
de Informação Resultados

Fonte: Criação da Autora

Entre as políticas construídas a partir da metodologia do BIT temos o


“Growth Voucher Programme”, cujo relatório foi publicado em Janeiro de 2014, e
que tem como objetivo principal incentivar o crescimento dos pequenos empresários
na Inglaterra a partir de uma espécie de conselho, no sentido de proporcionar um
auxílio e direcionamento, estabelecendo um modelo de consultoria, para que negócios
desta magnitude possam aumentar sua produtividade, vendas, além de se tornarem
mais sustentáveis para sobreviver inclusive diante de flutuações econômicas
desfavoráveis.
Desta forma, este programa se caracteriza, segundo o relatório 23, como
pioneiro no estudo que busca facilitar o acesso de pequenos empreendedores a
direcionamentos de ramos mais experientes para contribuir ao seu crescimento e
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, se espera testar quais os tipos de direcionamento
são mais efetivos nestas situações. Vale ressaltar que o termo utilizado pelo BIT é

23
Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/sites/default/files/bis-14-561-growth-
vouchers-programme-trial-protocol.pdf>
“advice” que, em estrito senso, pode ser traduzido para o português como um
“conselho” cedido de uma instância à outra, por isso, pode se classificar esta mesma
ação como um direcionamento.
Para que isso se concretizasse, o BIT subsidiou este “conselho” a partir da
distribuição dos chamados “Growth Vouchers”, que podem ser caracterizados como
subsídios para o pagamento do serviço de consultoria prestado e que englobam
auxílios nas áreas de finanças e administração de caixa, marketing e relação com
consumidores, utilização de tecnologia digital, liderança e recursos humanos.
Pretende-se atingir um total de 20.000 empreendedores a partir de vouchers de 2 (dois)
mil libras. Além disso, o desenho do programa foi estabelecido a partir dos princípios
e direcionamentos necessários para gerar um RCT, objetivando responder a questão
principal: afinal, que modelo de “conselho” seria mais eficiente?
Dividiu-se o programa em seis etapas principais. A primeira delas envolve
a exigência de inscrição dos negócios na plataforma do governo destinada para tal. O
voucher possui restrições para ser distribuído, dentre elas, o empreendimento deve ter
necessariamente menos de 50 empregados e não deve ter pago por auxílio externo de
estratégia e gestão nos últimos três anos. O escopo deste programa deve ser ressaltado
com os devidos méritos, uma vez que esforços do governo para o acesso à uma
consultoria estratégica visando o desenvolvimento dos pequenos empreendedores, é,
no mínimo, de se admirar do ponto de vista da gestão e da democratização. Não deixa
de se caracterizar também como um importante incentivo à saúde econômica do país.
Outra etapa (Stage 3) importante a ser ressaltada envolve a entrega, pelo
próprio empreendedor, de um relatório dos seus problemas e necessidades que deve
ser relatado à um representante do governo, ou online ou pessoalmente, compondo
uma avaliação da sua organização.
Todos os empreendimentos “inscritos” no programa serão monitorados
nos próximos dois ou três anos para que seu progresso seja observado. As questões
principais buscadas com este modelo de RCT são:
(i) Os empreendimentos que receberam o subsídio possuem desempenho
melhor ou pior que aqueles que não receberam?
(ii) Os empreendimentos que foram avaliados online possuem desempenho
melhor do que aqueles que foram avaliados pessoalmente? (Esta questão é
referente ao Stage 3 destacado acima.)
(iii) Quais dos cinco temas disponíveis para direcionamento e consultoria
apresentaram o maior retorno e efetividade ao negócio?

O diagrama abaixo, retirado do relatório do programa apresenta de forma


mais clara sua estrutura, explicitando as etapas e os processos envolvidos em cada
uma delas.
A partir da exposição acima e do diagrama é possível obter um
entendimento inicial da metodologia utilizada pelo BIT para formulação de políticas
que envolve, primordialmente, a pesquisa. Neste caso, a política de distribuição dos
vouchers incorporou a pesquisa de qual modelo deveria ser seguido para maior
efetividade da mesma. Este teste prévio para entender e obter informações necessárias
é de suma importância para se concretizar, de fato, a efetividade de determinada
política. Esta prática é inovadora e envolve uma grande complexidade por tratar de
um método que aproxima o governo do seu público alvo, para que ele entenda o
mesmo de forma aprofundada, e assim, possa delimitar as diretrizes de determinada
política. Este é um legado inestimável identificado no BIT inglês.
FIGURA 4 – Diagrama de funcionamento da política “Growth Vouchers Programme”

Fonte: Growth Vouchers Programme – Trial Protocol – January 2014


SEÇÃO 2

6.0. APLICAÇÃO DA TEORIA À PRÁTICA: INTRODUÇÃO

A partir da descrição do funcionamento do departamento de Behaviour


Insights (BIT) do governo inglês, entende-se que a teoria normativa do Paternalismo
Libertário cunhada no Nudge não é apenas ciência comportamental, no sentido de
organizar as descobertas sobre o comportamento humano em uma teoria que seria útil
e desejável que as instituições públicas e privadas utilizassem. Mas sim, que sua
aplicabilidade exige uma gama de diretrizes específicas dos policy makers e das
instituições governamentais que são de suma importância para que os reais objetivos
da teoria se concretizem.
É necessário que, ao estabelecer os objetivos, se definam as informações
necessárias para a construção das políticas que busquem reorientar os
comportamentos dos atores em questão. Estas informações seriam obtidas a partir da
experimentação. Ou seja, o monitoramento da aplicação das políticas e a
experimentação devem ser atividades meio para concretizar os objetivos iniciais. Elas
não podem e não devem ser um fim em si mesmas, devendo permear todo processo de
formulação e de definição da política pública a ser finalmente implementada. Este
aspecto é inovador ao mesmo tempo que complexo, uma vez que exige uma equipe
multidisciplinar de acadêmicos juntamente com gestores públicos, atenta a todas as
etapas de implementação, acompanhamento e análise de resultados. Além disso, é
necessário que as instituições governamentais estejam aptas a realizar este processo.
Após a discussão teórica e do caso inglês, a questão que prevalece é até
que ponto as instituições governamentais podem intervir nas vidas dos cidadãos?
Estas orientações e “empurrões” estariam infringindo a liberdade individual? Thaler
& Sustein em todas as suas obras cunharam a teoria no libertarianismo, mas as
premissas descritas por Nozick (1974), como foi exposto anteriormente, não
convergem totalmente com aquilo que o paternalismo libertário propõe.
Os autores buscam situá-la e introduzi-la como um “terceiro caminho”,
desmembrado a partir de outros dois extremos; isto é, o paternalismo rígido e as
posições e doutrinas baseadas nos princípios de laissez-faire.
Este princípio intermediário está cunhado no ato de “empurrar” o cidadão,
isto é no Nudge (2008), e assim, se colocam e buscam incentivar as instituições à
posição de orientar os indivíduos para uma vida mais saudável e melhor. Acontece
que, em um primeiro momento, caberia a cada um dos indivíduos julgar o
direcionamento das suas vidas para que elas sejam melhores para si mesmos, segundo
juízo de valor próprio.
A teoria normativa diria que o ideal seria direcionar as pessoas para que
elas comessem uma fruta de manhã pois seria muito mais saudável do que comer um
Donut, por exemplo, argumentando que o indivíduo não o faz por conta de falhar
cognitivas em seu processo decisório. White (2013), portanto, argumenta que isso não
seria desejável, tão pouco ético por parte do arquiteto de escolhas em questão
principalmente porque não há possibilidade de o Estado reconhecer os verdadeiros
interesses próprios de cada um dos indivíduos:
Primeiro de tudo, estas pessoas (governo) não tem como saber
meus verdadeiros interesses, ou o porque de eu ter escolhido
comer um Donut ao invés de uma maçã ou uma fatia de pão
integral. Sendo assim, eles não tem em que se basear para
julgar se esta minha escolha foi irracional ou até mesmo saber o
que eu teria escolhido se eu tivesse agido de maneira ‘racional’.
(White, 2013 p. 10, tradução nossa)

White (2013) ainda sustenta seu argumento dizendo que talvez, aquele
indivíduo, naquela manhã, tenha comido um donut pois esta era a memória mais
próxima que ele tinha de seu falecido avô, já que ele o levava para comer este donut,
neste lugar e dias específicos durante toda sua infância. Existem diversas críticas a
respeito do paternalismo libertário que englobam inclusive aquelas a respeito da
própria economia comportamental, de onde a teoria se originou.
Nesta segunda parte do trabalho, pretende-se uma abordagem qualitativa
sobre o tema, tendo em vista que o objetivo geral do trabalho é considerar se são
válidos e éticos os esforços de governos que tendem a seguir a lógica da teoria para
formulação de políticas públicas. A efetividade será testada, portanto, sob o ponto de
vista qualitativo a respeito do tema, buscando quais as qualidades e as falhas dos
mecanismos apresentados por teóricos do paternalismo libertário e também quais as
perspectivas de diversas áreas do conhecimento a respeito do tema.
Buscou-se sustentar o debate, bem como efetivar o aprofundamento na
teoria a partir de entrevistas com estudiosos das áreas da economia e da gestão
pública. Para pautar a reflexão do ponto de vista econômico, entrevistamos o
professor adjunto da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas,
Enlinson Mattos. Formado em economia, possui Ph.D. na mesma área pela
Universidade de Illinois e desenvolve pesquisas na área da economia do setor público,
teoria de política fiscal e redistribuição, bem como econometria aplicada. Esta
entrevista foi de suma importância uma vez que o professor já havia desenvolvido
uma pesquisa pautada na teoria normativa do Nudge para estudar qual seria a melhor
abordagem para incentivar os cidadãos a exigirem cada vez mais a nota fiscal e assim,
contribuir para redução de sonegação de impostos.
A professora Cibele Franzese, renomada especialista em políticas públicas
e com ampla experiência e vivência no setor público, dentre outros cargos, atuou
como secretária adjunta do Planejamento do Governo do Estado de São Paulo. É
mestre e doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas
e atualmente professora da FGV-EAESP onde ministra cursos da graduação, mestrado
e doutorado nas áreas de Gestão Pública, Instituições Políticas, Políticas Públicas,
Planejamento e Gestão.
O direcionamento das entrevistas, como pode ser observado em
questionário em Anexo, foi pautado pela pergunta central da pesquisa, isto é, sobre os
aspectos éticos da teoria, mas também das perspectivas desta nova forma de formular
e implementar as políticas públicas, no sentido de iniciar a reflexão sobre a real
aplicabilidade dos moldes do BIT no Brasil e na agenda do Estado como um todo.
Desta forma, ponderou-se sua viabilidade no ponto de vista ético, na medida que
influencia nas liberdades individuais dos cidadãos, e sua efetividade no ponto de vista
econômico e de gestão dos recursos públicos.
Além das entrevistas, foi de suma importância a análise da literatura que
questiona a política, na maioria das vezes insistindo que este tipo de intervenção não é
desejável pois infringe sim os princípios da liberdade individual. Serão apresentados
alguns destes argumentos visando sinalizar que a utilização da teoria normativa do
Paternalismo Libertário pelo Estado exige alguns cuidados, ao mesmo tempo em que
se pretende, com exemplos práticos, trazer à tona a questão de que esta prática
poderia vir como uma reeducação do Estado, e não como um direcionamento do
mesmo para atividades que não seriam desejáveis sob o ponto de vista da democracia
e de mantenedor das liberdades individuais.
Como estudo prático e de aplicação aos princípios da ciência
comportamental e do Nudge no Brasil, realizou-se uma imersão de uma semana na
empresa Flow, mediante acompanhamento de dois projetos que estão em andamento
sobre educação financeira de idosos super-endividados e mulheres beneficiárias do
Bolsa Família. A Flow é uma start-up cívica com o “propósito de apoiar governos na
formulação e implementação de políticas e serviços públicos mais humanos,
eficientes e efetivos em transformar positivamente a vida das pessoas e a realidade do
país.” 24 Vale ressaltar que esta imersão surgiu como uma oportunidade e que não
estava prevista no planejamento inicial da pesquisa.
Além do acompanhamento, realizou-se também entrevista com sua
fundadora, Marina Cançado, que proporcionou os insumos necessários para entender
melhor o escopo da empresa, que possui como um dos seus pilares o uso das ciências
comportamentais, bem como a importância de instituições paralelas ao governo para
implementar os princípios das ciências comportamentais e a prática do NUDGE nos
mesmos – como será melhor aprofundado adiante.

7.0. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

A literatura que busca contra-argumentar os princípios do Nudge e do


paternalismo libertário - ainda que fique muito no campo da teoria e deixe de trazer
aspectos práticos que devem ser levados em consideração quando aplicam-se estes
princípios à formulação de políticas públicas - não deixa de trazer aspectos
importantes que devem ser destacados quando pensamos na limitação das liberdades
individuais dos cidadãos.
Os autores que são favoráveis ao Paternalismo Libertário consideram
válido e legítimo o trade-off entre limitação da liberdade individual em troca da
melhoria do bem-estar deste indivíduo. Grüne-Yanoff (2012) argumenta, porém, que
ao aprofundar-se nas noções de bem-estar que são utilizadas para justificar o
argumento dos atores, percebe-se que ela não respeita nem a subjetividade inerente
aos valores individuais e tão pouco sua pluralidade. Isso porque as políticas que
seguem estes princípios aumentam a arbitrariedade do regulador e policy-maker sobre
o regulado, uma vez que estes deliberadamente utilizam as falhas cognitivas a seu
favor. Falhas estas que o próprio cidadão já é suscetível naturalmente. Desta forma, se
concretiza a interferência nos processos decisórios dos indivíduos de forma
manipulativa (Grüne-Yanoff, 2012), sob arbitrariedades do “regulador” e não dos
reais interesses do “regulado”.

24 Disponível em <www.flowbrasil.com.br> acesso em 20/06/2015


Ao invés de convencê-los (os cidadãos, indivíduos) com
argumentos acessíveis e racionais, o policy-maker explora seus
valores parciais e limitados em relação ao futuro para fazer
com que eles se comprometam com escolhas que talvez eles
não fizessem - caso não tivessem sido influenciados para tal.
(Grüne-Yanoff, 2012, p. 637, tradução nossa)

Ademais, outra problemática importante ressaltada pelo mesmo autor é


que muitas vezes estas ações não são transparentes ao indivíduo que está sendo
“manipulado”.
Primeiramente porque os contextos em que uma política, baseada em
descobertas de falhas cognitivas identificadas em experimentos em laboratório por
estudiosos da economia comportamental, é implementada se diferem e são muito mais
complexos do que o contexto em que um experimento é realizado. Por mais que cada
vez mais a ciência esteja se aproximando da realidade, os contextos ainda são
diversos e não se pode tomar qualquer informação como verdadeira e única -
especialmente aquelas testadas em laboratórios específicos para experimentação.
Ainda assim, entretanto, é necessário reconhecer que estes experimentos trazem
evidências importantes que podem ser utilizadas como evidência empírica, mas não
podem ser entendidas e interpretadas como verdades absolutas.
Estes argumentos apresentados devem sim ser levados em consideração
quando colocados em prática os princípios do Paternalismo Libertário. Desta forma, é
exigível e desejável que as instituições que se comprometam a colocar isto em prática
tomem alguns cuidados e exijam o comprometimento dos gestores e tomadores de
decisão desde o início do processo, conscientizando-os sobre os limites desta prática.
Entretanto, foi identificado a partir das entrevistas, que quando na prática, é possível
realizar e estabelecer processos que diminuam e reduzam estes riscos, uma vez que
devem seguir um protocolo de implementação de políticas deste tipo.
Afinal, a partir da descrição do funcionamento do departamento de
Behaviour Insights (BIT) do governo inglês, entende-se que o nudge não é apenas
ciência comportamental, mas sim, que sua aplicabilidade exige uma gama de
diretrizes específicas dos policy makers e das instituições governamentais que são de
suma importância para que os reais objetivos da teoria se concretizem.
É necessário que, ao estabelecer os objetivos, se definam as informações
necessárias e relevantes para a construção das políticas que busquem reorientar os
comportamentos dos atores em questão. Estas informações seriam obtidas a partir da
experimentação, ou seja, do monitoramento da aplicação das políticas e de seus
efeitos sobre as pessoas. As políticas não podem e não devem ser um fim em si
mesmas, devendo permear todo processo de formulação e de definição da política
pública a ser finalmente implementada. Este aspecto é inovador ao mesmo tempo em
que complexo, uma vez que exige uma equipe multidisciplinar de acadêmicos
juntamente com gestores públicos, atenta a todas as etapas de implementação,
acompanhamento e análise de resultados. Além disso, é necessário que as instituições
governamentais estejam aptas a realizar este processo.
As entrevistas que serão apresentadas a seguir buscam trazer à tona a
discussão dos aspectos práticos da teoria, assim como os questionei sobre alguns
limites inerentes à ela, semelhantes aos que foram apresentados anteriormente à essa
sessão. Ressaltam-se aspectos como a neutralidade do Estado, accountability e
comprometimento dos gestores com a causa.
Em ambas as entrevistas, tanto o professor Enlinson, quanto com a
professora Cibele, foi de suma importância apresentar brevemente o tema, assim
como trazer um exemplo de uma política de sucesso que tenha utilizado a teoria
normativa do Nudge, e assim, promover e introduzir a reflexão a respeito do tema.
O exemplo utilizado foi de uma política criada pelo BIT inglês, que
buscava incentivar os cidadãos a pagar impostos dentro do prazo na Inglaterra.
Quando um cidadão deixava de pagar, uma carta era enviada dizendo que medidas
mais drásticas seriam tomadas caso ele não pagasse.
Segundo um renomado psicólogo da universidade do Arizona, Robert
Cialdini, essa carta poderia ser aprimorada a partir da premissa comportamental de
que o ser humano tende a “seguir o bando.” Desta forma, elaborou-se uma carta com
uma mensagem que dizia que a maioria dos cidadãos pagam os impostos no tempo
devido, inclusive apresentando fatos concretos a partir dados locais (do bairro em que
aquele cidadão morava, por exemplo). Esta mensagem foi o nudge utilizado para
“solucionar” este problema do pagamento dos impostos; houve um aumento de 15%
no pagamento “on time” - dentro do prazo - dos impostos somente com a alteração da
mensagem utilizada nas cartas enviadas.
A proposta do questionário buscou realizar algumas perguntas comuns
para os dois entrevistados para que eles trouxessem visões diferentes sobre o mesmo
assunto, assim como outras específicas referentes às respectivas áreas do
conhecimento de cada um dos entrevistados. A primeira questão a ser abordada dizia
respeito à neutralidade do Estado.
Um dos argumentos do Paternalismo Libertário é que nós seres humanos
estamos cercados de contextos diferentes com características específicas a todo
momento. Acontece que estas características, que necessariamente influenciam os
processos decisórios dos indivíduos em seus cotidianos, são tão sensíveis e
camufláveis aos ambientes que vivemos que os indivíduos não conseguem as
reconhecer como uma real transformação de contextos. Neste sentido, buscou-se
entender a percepção dos professores à respeito deste assunto, principalmente no que
tange o papel do Estado na criação destes contextos. Afinal, o Estado é neutro? Ou
estaria ele à todo momento influenciando e direcionando a vida das pessoas mesmo
que não intencionalmente?
Ambos responderam que não, o Estado não é neutro e que ele está sim
influenciando na vida das pessoas a todo momento, muitas vezes não respeitando a
liberdade de escolha dos cidadãos. O professor Enlinson afirmou que o Estado
intervém na vida das pessoas de diversas formas, só pelo ato de tributar ele já
intervém. Um dos exemplos disso seria entender que o ótimo para o governo é tributar
o bem que gera menos distorção, isto é, o governo sempre vai atuar de forma a ser o
mais eficiente possível (no sentido econômico), de forma a favorecer o consumo de
um bem que gera menos elasticidade 25 . Portanto, via tributo, ele já distorce o
consumo das pessoas para consumir um bem vs. o outro. Este é um exemplo claro de
criação de contexto que, no dia-a-dia, como consumidores e cidadãos, não temos
pleno conhecimento sobre, ainda que, involuntariamente, somos guiados
necessariamente pela busca do menor custo.
O professor ainda ressalta que o Estado nunca é neutro, caso contrário não
teríamos que ter Estado; ele está - e deve estar - sempre atuando. Afinal este possui
uma missão em sua existência que é, dentre outros aspectos, suprir as falhas de
mercado; possui o dever, portanto, de coordenar pessoas, consumo e ações em geral.
Até mesmo quando se constrói uma escola pública, por exemplo, o Estado está
determinando que os cidadãos que vão estudar naquela escola vão aprender da forma
“x” e não da forma “y”. Outro exemplo é o SUS. “É como se o Estado estivesse

25A definição de elasticidade-Preço da demanda consiste na variação percentual da quantidade


demandada de um bem dado uma variação percentual no preço deste bem. (Pindyck; Rubinfeld, 2005)
determinando que sua saúde será tratada nesta qualidade, neste molde e não em outro.”
Disse ele.
A visão da professora Cibele complementa os argumentos utilizados pelo
professor Enlinson. Ela diz que não existe neutralidade do Estado porque ele é
ocupado por políticos e burocráticos e ninguém é neutro. Nem mesmo o burocrata que,
por mais técnico que ele seja, mesmo a técnica utilizada e suas diretrizes vão
direcionar suas ações para uma direção e não para outra. “Vai direcionar para uma
cesárea e não para um parto normal, por exemplo.”, completou. Ainda assim, ela foi
questionada se não seria desejável que, por mais que se entendesse que os seres-
humanos possuem opiniões e acabam sim direcionando as tomadas de decisões para
contextos específicos, este burocrata que ela cita não devesse ao menos, buscar uma
ação que reforçasse sua neutralidade26 diante das tomadas de decisões.
E declara que o relevante é menos a neutralidade, mas a clareza quanto às
informações e a liberdade de escolha.
Eu não prezo tanto pela neutralidade. Eu prezo mais pela
declaração dos princípios e que eles sejam transparentes. Se
você vai ser mais roxo ou mais “pink” tudo bem, porque a
neutralidade eu acho que não existe. O que me importa é que
você me diga que você vai ser “pink” e que nas eleições eu
possa decidir que quero um governo “pink” pois aí eu já sei o
que esperar. (Entrevista concedida pela Prof. Cibele Franzese)

Questionamos ambos os professores nas respectivas entrevistas sobre


quais eram suas primeiras impressões (no sentido de susto, interessante, questionável)
a respeito do ato de “conscientemente formular políticas públicas que influenciem
comportamentos desejados” e ambas as primeiras impressões foram
surpreendentemente positivas. Para o professor Enlinson é fantástico pois com o
nudge, por mais que se utilize de um aspecto comportamental que o cidadão não tem
consciência sobre, não é nada diferente de qualquer outra ação executada pelo
governo normalmente. Ele afirmou ainda que o nudge se configura em uma
interferência mais branda e, muitas vezes, mais eficiente.
No sentido da eficiência, ele recorreu ao exemplo da cantina, apresentado
no tópico sobre arquitetura de escolhas, no qual você incentiva, por meio da mudança

26 Neste contexto, a neutralidade a qual se refere no texto diz respeito àquela de interferir ou não nas
escolhas individuais dos cidadãos. Ou seja, o tomador de decisão e/ou policy maker deve ser neutro em
relação às escolhas familiares, religião, dentre outras, que devem caber somente ao indivíduo decidir e
ponderar sobre. Este conceito é muito forte do ponto de vista de um Estado libertário;
no contexto - que seria no caso a prateleira onde os produtos estão expostos - os
alunos a comerem frutas ao invés de um bolo de chocolate, por exemplo. Uma
política plenamente racional e explícita para isso seria entregar um panfleto na porta
das escolhas explicando a importância de comer frutas ao invés do bolo de chocolate.
O professor ressalta, entretanto, que este tipo de política sozinha não funciona. E
ainda, você, como gestor, visto que você tem recursos limitados, vai imprimir papéis
ou simplesmente vai obrigar as quitandas, cantinas a colocarem as frutas na frente dos
bolos? “É totalmente mais barato!”, ele afirma.
Significa, portanto, que a utilização de insights comportamentais para
formular políticas além de serem mais eficientes do ponto de vista de utilização de
recursos, buscam ampliar as opções de escolha dos cidadãos, por tratar de
interferências mais brandas e que não reduzem necessariamente o livre arbítrio dos
indivíduos.
A professora Cibele enxerga que este tipo de política poderia incentivar o
Estado a olhar para suas ações sob a perspectiva da efetividade27 - não somente da
eficiência e eficácia. A máquina estatal funciona em vistas de gerar produtos que
melhorem o bem estar dos cidadãos e este processo de produção envolve diversos
desafios que contribuem para sua complexidade, já que a máquina estatal deve dar
conta de aspectos como qualidade, prazos, recursos, resultados, dentre outros. Desta
forma, além da dificuldade que o Estado tem para entregar algo (uma escola, um
hospital, por exemplo) existe um vácuo imenso, segundo a professora Cibele, entre a
eficácia e a efetividade do Estado, uma vez que não se tem uma noção clara e
estruturada do impacto que este produto tem na vida do cidadão.
Neste contexto, a entrevistada afirma que o mecanismo apresentado
poderia ser utilizado para induzir comportamentos positivos e que fossem capazes de

27
Eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida
normativa da utilização dos recursos nesse processo. (...) A eficiência é uma relação entre custos e
benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas
ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível (...)
(Chiavenato, 1994, p. 70). Já a efetividade na área pública, afere em que medida os resultados de uma
ação trazem benefício à população. Ou seja, ela é mais abrangente que a eficácia, na medida em que
esta indica se o objetivo foi atingido, enquanto a efetividade mostra se aquele objetivo trouxe melhorias
para a população visada. (De Castro, 2006, p.5)
introduzir a perspectiva do grau de efetividade que determinada política possui sobre
a vida dos cidadãos envolvidos na mesma.
Ressalta, porém, que este processo geraria uma soma positiva, de
benefícios tanto para o Estado quanto para os cidadãos, desde que estes tenham a
possibilidade de escolha e não sejam coagidos a nada. Uma questão importantíssima
ressaltada pela professora Cibele é que, o tipo de indução utilizado na política de
cartas na Inglaterra apresentado no início da entrevista, por exemplo, não se difere em
nada do que a mídia e o mercado fazem o tempo todo para induzir a compra de
produtos. Desta forma, seria de suma importância utilizar este tipo de mecanismo para
potencializar as políticas do Estado, desde que os princípios da transparência fossem
mantidos, garantindo a accountability do governo. Ou seja, desde que houvessem
limites definidos no processo de formulação e implementação para não deixar o
cidadão totalmente suscetível às ações do Estado.
Foi perguntado se ela conhecia alguma política que seguia os mesmos
preceitos do paternalismo libertário. Ela diz que conhece sim políticas em que os
governos promovem incentivos mas que não são assim tão “subliminares”, são mais
explícitos, e que promovem incentivos para que as pessoas tenham melhores
comportamentos. O exemplo que ela trouxe foi o da política de anistia promovida
pelo governo do Estado/Município para que os cidadãos quitem suas dívidas com o
Estado, a chamada dívida ativa, que se caracteriza como todo dinheiro que o governo
deveria receber do cidadão mas não recebeu.
Passa-se o tempo, e você vai fazer o que com essa dívida?
(Sendo você Estado) Vai mandar uma cartinha alertando-o,
depois entra no judiciário contra este indivíduo, e assim o custo
vai crescendo. E mesmo depois de todas estas tentativas, pode
ser que ele (o Estado) não consiga o pagamento da multa. É
então que, em alguns momentos, principalmente aqueles em
que o Estado precisa de mais recursos, faz-se uma política de
anistia de juros e multas para que o cidadão pague o que deve.
(Entrevista Prof. Cibele Franzese)

E assim, mais uma vez surge a questão do custo-benefício para o gestor de


incentivar um comportamento a partir de cuidados e princípios da ciência
comportamental – visto o exemplo da Inglaterra apresentado como introdução e
provocação aos entrevistados. A coerção é, de fato, mais custosa ao Estado,
principalmente quando se envolve o judiciário em um processo longo e de pouca
efetividade.
Neste sentido, ambos os professores foram questionados sobre este trade-
off que convivemos diariamente no campo de formulação de políticas públicas.
Trade-off no sentido de que, muitas vezes, o Estado não tem como atender a
princípios éticos a todo momento quando na verdade os recursos são escassos e ele
deve trabalhar em vistas da eficiência, objetivando o bem-estar dos cidadãos.
Questionou-se a professora Cibele se seria válido influenciar o comportamento dos
cidadãos para este fim; sua resposta foi a seguinte:
Eu acho válido, mas com limite. E este limite deve ser
claramente estabelecido e transparente porque o Estado é muito
poderoso e muito grande; ele pode fazer coisas que não são
boas para o cidadão também. Então quem vai julgar se aquilo é
bom ou ruim? Tem que ter algum parâmetro, algum limite, para
que o Estado não possa avançar todos os sinais. (Entrevista
Prof. Cibele Franzese)

Este contraponto trazido pela professora Cibele se relaciona diretamente


com a questão trazida por Grüne-Yanoff (2012) de que a prática do Paternalismo
Libertário aumentaria em demasiado o poder do “regulador” sobre o “regulado”.
Acontece que, de acordo com o que a professora Cibele argumenta, esta prática não
deve ser totalmente banida, mas sim, adaptada para que não interfira nas liberdades
individuais dos cidadãos. O Estado já é regido sobre regime contratual de regras e
normas, nada o impede de criar regras e normas para esta prática também.
Ao mesmo tempo, ela trouxe uma reflexão interessante que diz respeito ao
quanto nós já convivemos com este tipo de influência no nosso dia-a-dia e por setores
da sociedade que, caso o Estado não utilize destes mesmos mecanismos, ele acaba
deixando os cidadãos somente à mercê da influência do mercado quando na verdade
os mesmos incentivos poderiam ser utilizados objetivando o bem-estar dos indivíduos.
Desta forma, seria ideal que o Estado utilizasse estes mesmos incentivos
para fazer com que um aluno fique em sala de aula e tenha uma melhor aprendizagem
sobre a leitura e a escrita. Ou até mesmo para reduzir a obesidade, pressão alta,
consumo de cigarro e etc. No que diz respeito ao aspecto ético desta prática, ela
afirmou que, se estas coisas já são utilizadas em termos de marketing político e são
lícitas, não teria porque não as utilizar em vistas de aprimorar o bem estar dos
cidadãos em aspectos como os ressaltados acima.
O professor Enlinson trouxe uma perspectiva bastante semelhante
abordando o exemplo de que este tipo de política não faz nada diferente do que um
comercial realizado pela bebida Coca-Cola no qual durante sua duração, de 30 em 30,
segundos aparecia de forma discreta a palavra Coca-Cola e isso induzia o consumo
uma vez que, como contou o professor, todos que saiam da sala do cinema, por
exemplo, iam diretamente à venda disponível comprar o produto.
E então questionamos: se são tão semelhantes assim, não seriam ambos
antiéticos? Sua resposta foi bem clara no sentido de que tudo depende:
Coca-Cola quer que você consuma um produto dela. O governo
quer que você consuma um produto dele. Qual que vai gerar
menos gastos para o SUS lá na frente? Se o Nudge é uma
política boa? Depende. Depende do fim. Se você vai gastar
menos lá na frente por conta da condição de saúde dele, sim!
Nem se compara com o que a Coca-Cola quer que o cidadão
faça. (Entrevista Prof. Enlinson Mattos)

E então ele complementou que não existe uma resposta específica se a


política do Nudge seria ética ou não e em geral o economista não é a favor deste tipo
de interferência. Ao mesmo tempo, porém, este tipo de política funciona e é mais
barata em geral. Explicou que nos Estados Unidos existe um movimento grande de
taxar e cobrar impostos mais altos sobre produtos gordurosos (Fat Tax Literature), e
lá, isso é legal, está dentro da lei. Segundo ele, a lógica do Nudge é exatamente a
mesma, só que no caso do movimento dos impostos você direciona o cidadão pelo
preço, enquanto o Nudge ou empurrão seria mais sútil.
Outro direcionamento abordado nas entrevistas foi o de entender se este
tipo de política seria aplicável à realidade brasileira. Isto é, nossas instituições
estariam aptas a realizar estes tipos de esforços que são, em suma, específicos e
demandam muito mais cuidado dos formuladores e implementadores no sentido de
realizar experimentos, estudar as características comportamentais dos cidadãos que
seriam afetados pela política?
Ambos os entrevistados trouxeram perspectivas diferentes mas que
convergiam com a mesma impressão de que o Estado brasileiro ainda está muito
imaturo para reconhecer este tipo de complexidade. Inclusive, o professor Enlinson
possui experiência em um caso claro deste despreparo dos gestores em aguardar os
estudos, pesquisas e custos necessários para implementar uma política com cunho
comportamental. Inclusive, quando foi perguntado sobre o desenvolvimento deste seu
trabalho, sua resposta inicial foi a seguinte: “Este trabalho foi abandonado. Porque ele
foi abandonado? Porque as prefeituras não nos esperaram!”
O grupo de pesquisa o qual o professor Enlinson fazia parte apresentou a
três municípios do Estado de Minas Gerais, que ainda não dispunham do programa, a
Nota Fiscal Paulistana já implementada aqui em São Paulo e que cede ao consumidor
parte do imposto arrecadado a partir do ato de solicitar a nota fiscal em
estabelecimentos comerciais. Segundo professor, a ideia era utilizar a base de dados
do cadastro do IPTU e enviar cartas para os cidadãos incentivando-os a solicitar a
nota fiscal a partir de frases específicas que seriam enviadas nas cartas.
Iriam enviar cartas com mensagens diferentes, buscando testar a
efetividade de cada uma delas. As frases seriam do tipo (i)Você sabia que todos os
seus vizinhos estão pedindo (a nota fiscal paulistana)?, que faria a função do “peer
pressure”, isto é, pressão dos pares. (ii) Você sabia que se você pedir sua rua será
asfaltada? que traria a noção de um benefício público e não mais individual. (iii) Você
sabia que se você pedir a qualidade das escolas irá melhorar? Este é um benefício para
ele mas que não é direto, ele não vê. (iv) Você sabia que se você pedir você vai
ganhar 30% do imposto arrecadado? Mais uma vez, benefício individual. Como o
professor explicou, cada uma das mensagens possuía maneiras diferentes de
incentivar os cidadãos ao ato de pedir a nota fiscal. O objetivo seria, então, estudar
qual das mensagens seria mais efetiva;
Nós tínhamos as cartas prontas e iríamos aleatorizar (RCT),
para ver os resultados que cada uma das mensagens teria.
Acontece que nós tínhamos que ter recursos, para enviar as
cartas, fazer relação dos CEPs, etc. Mesmo estando tudo pronto,
as prefeituras implementaram e não esperaram os testes. Agora
eles tem o programa da nota fiscal mas sem o estudo que estava
sendo feito. Implementaram o programa e anunciaram no rádio,
na TV local, de forma muito simples, sem se ter o estudo de
impacto da política através de mensagens que incentivassem o
consumidor a solicitar a nota fiscal. (Entrevista Prof. Enlinson
Mattos)

A professora Cibele argumenta dizendo que o Brasil ainda se encontra no


estágio em que sua preocupação está em “entregar as coisas”. Isto é, a preocupação
ainda não está direcionada ao impacto - o que é um erro – disse ela. “Mas se nós
olharmos os jornais, por exemplo, eles ainda pedem mais do mesmo. Ou seja, mais
vagas nos hospitais, mais cirurgias, mais médicos. É tudo produção. Ninguém está
pensando em como o cidadão reage. Por isso que eu acho que isso não entrou na
agenda aqui no Brasil.”
O professor Enlinson também argumentou que a preocupação dos gestores
não está voltada aos motivos pelos quais os consumidores pedem a nota fiscal, por
exemplo, o objetivo principal ainda está muito baseado no aumento da arrecadação de
recursos. Não se atingiu o estágio de preocupação necessário para inserir questões
comportamentais que os aproximariam da noção de efetividade da política a ser
implementada.
Inclusive, é neste contexto de despreparo que a definição pela prefeitura
de São Paulo de que somente lanches orgânicos seriam oferecidos pelas escolas
municipais está inserido. E para o professor, seria muito mais desejável o
paternalismo que traz opções e viabiliza a possibilidade de escolha. A professora
Cibele complementa afirmando que, para o burocrata, compensa muito mais do ponto
de vista de gasto de recursos simplesmente colocar um único produto que, por
definição do mesmo, seria mais favorável à redução da obesidade, por exemplo. Ou
seja, ao invés de apresentar para a criança na escola tanto a opção do bolo de
chocolate como a da fruta, o gestor opta por simplesmente colocar a fruta e/ou
produtos orgânicos que de fato reduziriam a obesidade infantil. É muito mais simples
e não exige um grau de sofisticação muito elevado.
Então foi questionado o porque de este tipo de serviço ser possível em um
país como a Inglaterra e não aqui no Brasil. Afinal, quais são as características do
governo Inglês que a professora Cibele considera essenciais para compor este tipo de
política e que ainda não se encontra nas instituições governamentais do Brasil. Ela
apresentou dois aspectos principais;
O primeiro deles é que no país a máquina estatal ainda está muito voltada
para o Estado e pouco voltada para o cidadão. Isto é, realizam-se muito mais ações
que são do Estado para o próprio Estado, como leis e concursos. Além disso, não
alcançou-se ainda, o nível da produtividade; a preocupação não está voltada para a
cura, mas sim, para a disponibilidade de médicos pois os cidadãos ainda correm o
risco de nem sequer ser atendidos. Na Inglaterra, por outro lado, iniciou-se a partir
dos anos 90 um movimento denominado Public Service Orientation pautado pelo
princípio de “olhar mais para o cidadão” e por isso este processo se encontra hoje
muito mais amadurecido.
O segundo aspecto apresentado pela professora Cibele é que na Inglaterra,
trabalha-se muito com a redução das diferenças entre público e privado, a distância
entre estes é muito menor no país britânico e portanto é mais viável e aceitável na
administração inglesa utilizar ferramentas privadas na área pública, inclusive por esta
ser bastante gerencial. No Brasil, segundo ela, há uma aversão àquilo que é privado.
Inclusive o próprio conceito de eficiência encontra dificuldades para ser trabalhado na
área pública no país, enquanto que na Inglaterra, contanto que o interesse seja público,
não há problemas em trabalhar-se com ferramentas privadas.
Além disso, mesmo em serviços que são desenhados para o cidadão no
Brasil, como o Poupatempo, por exemplo, a professora Cibele conta que, das
discussões em que ela participou, não existe nada que induza comportamento algum.
E mesmo que apareça, logo é rejeitada ao afirmar que não se pode induzir o cidadão a
nada. Segundo ela, os princípios de indução por meio de princípios comportamentais
ainda estão muito distantes da nossa cultura organizacional, por mais que, na sua
opinião, seja muito interessante.
Sugeriu que se trabalhasse com graus de consentimento e em vistas de
aumentar exemplos e repertório de boas práticas, fazer testes em amostras de escolas
para provar empiricamente se determinadas políticas seriam de fato eficientes. Desta
forma, caso um tipo de política funcione e apresente resultados desejáveis, seus
benefícios poderiam ser apresentados e aprovados por adesão pelos pais de
determinada escola, e então em outra e assim se iniciaria um processo de criação de
uma cultura diferente pautada nos princípios buscados.
Vale ressaltar que o que foi exposto pela professora Cibele é exatamente o
processo de experimentação cujo o professor Enlinson buscou implementar nos
municípios de Minas Gerais. Além disso, este processo é também sugerido no
protocolo de implementação de políticas pelo BIT inglês já que, como foi afirmado
anteriormente, o processo de experimentação deve permear todo processo de
formulação e implementação de políticas com cunho comportamental.
Ao final foi perguntado se seria ético ou não aplicar este tipo de política e
ambos concordaram que sim, mas com algumas ressalvas. O professor Enlinson, por
exemplo, trouxe o caráter incremental que este tipo de política deve ter. Ela não deve
ser um princípio de Estado, mas sim, de ações específicas e direcionadas que possam
ser legitimadas a partir do contexto em que elas estão inseridas.
Em linhas gerais, em contexto de ditadura do Estado, não, mas
em um contexto da cantina, claro! Ele está poupando dinheiro
de saúde dele com aquelas crianças (que atendem à cantina).
Tudo depende do contexto. Mas se, em geral, o governo tem de
sair intervindo nas vidas das pessoas? Não, de forma alguma.
Por exemplo, ele não deve influenciar a ordem das informações
em um jornal (liberdade de escolha, de imprensa etc.) mas na
cantina sim. (Entrevista com professor Enlinson Mattos)

A professora Cibele trouxe uma perspectiva semelhante dizendo que seria


sim ético desde que houvesse um limite, e este limite deveria ser claro e transparente.
Por outro lado, em casos em que não houvesse um limite claro e transparente, ela
optaria em não aplicar, por mais fascinante que seja.

8.0. ESTUDO DE CASO: IMERSÃO E ENTREVISTAS NA EMPRESA FLOW

Como foi mencionado anteriormente, surgiu a oportunidade de realizar


uma imersão durante uma semana em dois projetos realizados pela empresa FLOW
sobre educação financeira, cujas vivências e observações trataremos mais adiante.
Além da imersão, foi de suma importância para fomentar a discussão deste relatório,
realizar uma entrevista com sua idealizadora e fundadora, Marina Cançado. A partir
da entrevista com a Marina, ficou evidente a importância de instituições paralelas para
suprir as falhas sobre as quais ambos os professores Enlinson e Cibele comentaram
em suas entrevistas sobre a viabilidade de se aplicar este tipo de conhecimento e
procedimento às instituições de governo no Brasil. Além disso, Marina traz uma
concepção de ciência comportamental que perpassa os limites da teoria e apresenta os
principais desafios que se encontra a aplicá-la à prática. Desafios estes que também
vivenciei na semana de imersão.
Os pontos essenciais que questionei a Marina foram principalmente sobre
o surgimento da FLOW, quais são as premissas básicas da empresa e como foi sua
inserção e abordagem ao governo para oferecer os serviços que a empresa dispõe.
Além disso, foi essencial questioná-la sobre os limites tanto no sentido de aplicação
dos princípios da FLOW, quanto de até que ponto ela acha válida a interferência na
vida dos cidadãos. Por fim, quais as perspectivas que ela possui tanto para a empresa
quanto para a inserção da teoria normativa do Nudge aos governos.
Discutiu-se sobre o surgimento da FLOW e quais foram os preceitos e os
insights que a fizeram idealizar uma start up que tivesse como um dos três pilares a
economia comportamental, isto é, colocar em foco o comportamento humano para
provisão de serviços públicos. Ela mencionou que a FLOW surgiu de uma trajetória
de dez anos trabalhando com governo e área pública. Formada em Administração de
Empresas pela Fundação Getulio Vargas, a Marina foi uma das idealizadoras e
fundadoras do instituto TELLUS28.
No início de sua carreira, portanto, Marina trabalhava com gestão voltada
para o governo, pois acreditava que, com a melhora dos processos, isso teria efeitos
positivos sobre os serviços oferecidos. “Mas o que eu percebi é que não – disse ela –
existe uma grande distância entre o que se planeja e o que acontece na prática da
entrega do serviço.” Foi então que ela redirecionou seu foco para a entrega do serviço.
Isto é, melhorar a fila de um hospital, a tecnologia dentro da sala de aula, entre outros.
Ao longo do tempo comecei a perceber que este tipo de ação,
tanto de gestão, quanto de design de serviços, tinha uma
efetividade muito baixa para o cidadão. Para o governo, claro,
havia melhorias em tempo, gasto de recursos etc. Mas isso não
era visível para o cidadão na ponta. Então eu comecei a me
questionar; ‘o que acontecia que tinha uma distância tão grande
entre o que fundações e o governo pensavam e como as pessoas
recebiam aquilo – e ainda, como aquilo transformava a vida
delas. (Entrevista com Marina Cançado)

Foi a partir deste insight que ela percebeu que teria que se inserir, em
todos os processos, a visão de que toda transformação coletiva passa necessariamente
por uma transformação individual. Ou seja, “se a gente não entender como o ser
humano age, como vamos desenhar um serviço para transformar seu comportamento?”
E segundo a Marina, a FLOW surge justamente diante deste processo de realizar
mudanças coordenadas que impactariam no coletivo. São pequenos passos individuais
que direcionam o coletivo.
E o mais curioso deste processo é que a trajetória da Marina foi
exatamente inversa ao desenvolvimento desta pesquisa, e por isso, a troca de
informações foi tão rica para o processo de argumentação. Este relatório está
estruturado a partir do conhecimento de um tema e premissas que poderiam
eventualmente ser aplicadas à prática no Brasil, e foi então que os objetivos traçados
foram de justamente identificar tal viabilidade, inclusive sob aspectos éticos.

28 A agência Tellus, é a primeira agência de design de serviços públicos no Brasil, que auxilia o
Governo e organizações provedoras de serviços públicos a encontrar e priorizar oportunidades de
melhorias dos serviços para então desenvolver com cidadão e servidores, serviços públicos de alta
qualidade. Para isso, a agência Tellus, desenvolveu sua metodologia baseada em ferramentas e métodos
do Design Thinking. Se caracterizam como uma consultoria que desenha e implementa as soluções na
prática. (Disponível em < http://www.tellus.org.br/agencia/#l-agencia-oquefazemos>
A trajetória da Marina, entretanto, foi contrária pois foi a partir da
identificação e percepção pela prática de um gap na área pública que ela chegou às
ciências comportamentais. E estas vieram justamente como solução para o problema
que a Marina tinha identificado em seus 10 anos de experiência com serviços para o
governo.
A FLOW possui três pilares. Segundo ela, o primeiro deles é o da lógica
do primeiro e do terceiro setor, que são lógicas evidentemente diferentes do mercado
e que exigem direcionamentos diferentes e específicos de acordo com o universo com
o qual “estamos lidando”. O segundo pilar é o do design que, ao ter a intenção de
projetar para o outro, acaba tendo em seus princípios pontos muito valiosos como o
foco no ser humano e a valorização da lógica da experimentação. O terceiro e último
pilar é o das ciências comportamentais como uma fonte de conhecimento sobre o ser
humano. A Marina ressalta, porém, que não somente a ciência comportamental, mas
também a psicologia, cultura e crenças que vêm como complementos à esta ciência
em questão.
Vale ressaltar que o design viria nestes três pilares como a concretização,
em produto, por exemplo, dos princípios que seriam levados em consideração em
determinado momento para alcançar um comportamento desejado específico. O
grande desafio, segundo a Marina, é colocar todos os princípios da ciência
comportamental na prática. Entender os princípios é um passo simples, entretanto,
desenvolver serviços e programas a partir destes é que é o grande desafio e não é
simples fazê-lo.
Atualmente, a equipe da FLOW está trabalhando em um grande projeto
de educação financeira para dois grupos distintos. O primeiro grupo refere aos idosos
aposentados com renda de 1 a 2 salários mínimos e que encontram-se em situação de
super-endividamento, o que é uma realidade da grande maioria destes aposentados,
nesta faixa de renda. O segundo grupo refere às mulheres beneficiárias do Programa
Bolsa Família e que dispõe da mesma renda; 1 a 2 salários mínimos.
Este projeto faz parte do Programa de Educação Financeira da Estratégia
Nacional de Educação Financeira, a ENEF, e o objetivo da FLOW é o de desenvolver
a melhor estratégia para ambos os grupos de indivíduos em questão. O primeiro passo
do projeto consistiu em uma pesquisa de campo com mais de 300 pessoas em 14
municípios brasileiros diferentes. O segundo passo seria idealizar e “prototipar”
possíveis tecnologias sociais junto às mulheres, aposentados além de o auxílio e
validação dos ministérios do Desenvolvimento Social e da Previdência Social. Estas
tecnologias devem promover e surgir da interação com a comunidade e tem de ser,
necessariamente, de baixo custo para garantir sua aplicabilidade após todas as rodadas
de testes.
O trabalho de campo realizado foi essencial para traçar as características
dos indivíduos que seriam “atingidos” pela política; Marina afirma que se não se
conhece e não se sabe como o ser humano age, não é possível desenhar uma política
para mudar seu comportamento. E o comportamento desejado neste caso é de suma
importância para que estes indivíduos possam caminhar em direção à uma boa saúde
financeira e não tenham que recorrer à empréstimos que consistem em um “dinheiro
muito mais caro.” Além disso, é de suma importância para auxiliar e direcionar estes
indivíduos à saída de sua situação precária de renda, que em muitos casos se aproxima
da miséria.
Durante a semana de imersão, foi possível vivenciar o momento de
validação e readaptação de protótipos de tecnologias sociais que já haviam sido
levadas à campo pela equipe. Estavam em um momento de compilação de resultados
que haviam sido obtidos com cada um dos protótipos. Era o momento de compilar
tanto falhas quanto qualidades e decidir quais protótipos seriam mantidos para a
segunda leva de pesquisas e ida à campo, quais seriam eliminados e quais seriam
adaptados e como. Vale ressaltar que estes protótipos em questão estão estruturados e
criados a partir de hipóteses, principalmente de características e insights
comportamentais observados nesta pesquisa de campo inicial.
Em um primeiro momento, mostraram como tinha sido a pesquisa de
campo, com mais de 300 pessoas, e quais os insumos que haviam adquirido. Para fins
de análise, a equipe dividiu estes 300 indivíduos em personas. Isto é, de acordo com
uma matriz de quatro eixos que buscava colocar cada um dos indivíduos em posições
opostas para questões como reconhecimento de objetivos e movimentação em direção
destes, codificaram os indivíduos em quatro títulos diferentes, de acordo com suas
características comuns.
Explico. As mulheres, por exemplo, foram denominadas de quatro
codinomes diferentes: “sobrevivente”, “guerreira”, “sonhadora”, “visionária”. Cada
uma delas está mais ou menos distante dos dois eixos definidos pela matriz, sobre o
reconhecimento de objetivos e movimentação em direção destes. Tomemos como
exemplo a sobrevivente. Normalmente são mulheres que vivem cotidianamente com a
escassez, estão totalmente voltadas à família e atribuem à elas uma postura de vítima
e não de protagonista da sua própria história, colocando tudo, muitas vezes, “nas
mãos de Deus”. Ela estaria no extremo da matriz em que não se movimenta e não
reconhece os objetivos, está quase que totalmente inerte em sua situação de vida. Já a
visionária, está no outro extremo; ela se caracteriza como o eixo estruturante na
família, possui uma visão clara de investimento e é pró ativa, sempre busca novas
fontes de renda.
Vale ressaltar também as características da “sonhadora” cujo maior parte
está em áreas urbanas e são mulheres jovens, muito ligadas ao consumo e ao sonho
iludido de adquirir coisas que não poderia com sua disponibilidade de renda. Com os
idosos, foi realizado o mesmo processo, levando em consideração características
como cobrança excessiva de ajudar ao próximo, principalmente familiares, muito
movidos pela carência, pela necessidade de se manterem jovens, dentre outros.
Tendo em vista estas caracterizações, precisava se pensar em tecnologias
sociais que melhor atendessem à estas personas, já que seria impossível fazer um
protótipo específico para cada persona, a ideia seria de encontrar tecnologias que
fossem úteis à todas elas. Precisaria encontrar um ponto comum e desenvolver
tecnologias que correspondessem à ele, envolvendo sua complexidade e os insights
comportamentais observados durante imersão em campo.
Vamos nos aprofundar nos protótipos das mulheres, com os quais tivemos
maior contato durante a reformulação dos protótipos após primeira rodada de
experimentação, direcionando-os e aprimorando-os para a segunda rodada que
aconteceria durante os meses de Julho e Agosto. Um dos que obteve maior sucesso foi
o cofrinho. Sim. A equipe elaborou, na primeira rodada, um cofrinho de papelão em
que a mulher, junto à família, escreveria um objetivo na frente e o prazo para
conquistar aquele objetivo. Desta forma, todos contribuiriam para aquele objetivo
comum e o cofrinho viria como uma motivação e um potencializador para economizar
o dinheiro necessário.
Este foi um dos protótipos que foi mantido, mas que foi aprimorado. Uma
das alterações feitas foi transformar o cofrinho de um único recipiente em três
diferentes e com tamanhos distintos. O de menor tamanho seria para emergências e
consumo de coisas pequenas do dia-a-dia como o pãozinho fresco, por exemplo. O
segundo recipiente e um pouco maior já é para algum objetivo do final do mês. E o
maior, traz a noção de mais longo prazo e de necessidade de poupar mais, para os
presentes de natal, ou para os sonhos do fim do ano. Esta perspectiva de tempo ajuda
as mulheres a compreenderem que, com a economia de algumas moedas, ela
consegue alcançar alguns objetivos de curto, médio e longo prazo. Junto à isso, serão
colocadas frases inspiradoras no cofrinho do tipo, “você sabia que se você economizar
50 centavos por ‘x’ dias no final do mês você terá ‘y’ reais?”
Além do cofrinho, um outro protótipo utilizado nesta primeira rodada e
que não obteve o sucesso esperado – por motivos que podem ser explicados pela
economia comportamental – é a consulta financeira. Este protótipo funcionou no
mesmo modelo que uma consulta médica, na qual um representante iria perguntando à
mulher sobre sua situação financeira (de onde vinha sua renda, para onde ia, quais
eram seus gastos principais, dentre outros). Acontece que esta consulta era muito
dolorosa para mulher pois muitas vezes traziam à tona informações sobre sua vida
com as próprias não queriam ter contato. Outro modelo de protótipo que também não
funcionou eram aqueles que demandavam muito tempo de preenchimento e reflexão.
Um deles era o “Desafio do Sonho”, que ajudava a mulher a fazer um
passo-a-passo para conquistar o sonho que ela havia colocado na primeira página do
livrinho. Como a equipe da FLOW explicitou, por mais que as mulheres valorizassem
a oportunidade em um primeiro momento, a maioria deles voltou em branco. Por
outro lado, o protótipo que era uma “caixa de dicas de bolso” funcionou muito pois
não exigia muitos esforços e eram leituras curtas e de efeito imediato, que poderia ser
passada de mulher à mulher e era de fácil acesso – poderiam ser colocadas na bolsa
para que não fosse esquecida. Nestas dicas de bolso, coloridas, estavam frases como
“Antes de comprar algum produto no supermercado, veja se não há um mais barato!”
– trazendo à mulher a noção da economia.
O objetivo final de todo este processo é que, em algum momento, a
mulher passe a levar suas economias para a poupança. Entretanto, esta realidade, por
mais que os protótipos estejam incentivando seu direcionamento para isso, ainda é um
tanto quanto distante principalmente pelo estereótipo que circunda este tipo de
instituição. Muitas mulheres, como foi identificado pela equipe, tem medo de ir ao
banco pois existe um estigma de que seria lugar de “gente rica”. Isso porque o ato de
economizar, poupar e sequer ter o dinheiro suficiente para poder ser colocado no
banco ainda é uma realidade muito distante para estas mulheres. E isso deve e precisa
ser trabalhado, inclusive a FLOW irá, no final do processo, elaborar um manual de
recomendações para instituições “chave” neste processo de garantia de poupança,
familiarização com instituições bancarias, dentre outras.
Foi questionado como a empresa se aproximou do governo , a fim de
apresentar os serviços oferecidos pela FLOW e, em suma, ser escolhida para executar
esta ação tão complexa e tão essencial para a ENEF e para os ministérios parceiros
também. Isso porque a FLOW dispõe de mecanismos da economia comportamental e,
como foi identificado nas entrevistas com os professores Enlinson e Cibele, ainda não
existe, no Brasil, abertura suficiente para inserção deste tipo de política.
Ela disse que no caso destes dois projetos de educação financeira, houve
uma percepção do governo de que estariam trabalhando com um tema que é muito
comportamental. O máximo que o governo faz à respeito da educação financeira,
segundo ela, seria colocar o conteúdo necessário nas escolas públicas, para a criança
entender. Acontece que, os indivíduos com os quais, neste caso, o governo teria que
trabalhar, são indivíduos não institucionalizados: eles estão pulverizados por todo
Brasil. “Então acho que eles viram o valor da FLOW por ela conseguir captar insights
humanos que melhor moldassem as estratégias de educação financeira. Acho que
nossa porta de entrada foi essa falta de clareza do que fazer com esse público, e a
consciência de que era um desafio muito complexo. Principalmente porque envolvia
uma mudança de comportamento muito difícil, por ser uma população dispersa e com
hábitos cristalizados.” – completou.
Ainda na entrevista, conversamos sobre a importância de instituições
paralelas para a instituição dos princípios da economia comportamental à formulação
e implementação de políticas públicas no Brasil. O que ela disse é que este processo
depende sim, e muito, destas instituições paralelas.
Não só acho que sim como estudei a trajetória e movimento do
governo inglês e americano, inclusive tive a oportunidade de
conversar com o ex-prefeito de Nova Iorque Michael
Bloomberg. Para eles é muito claro que o governo, muitas
vezes pela sua própria lógica, não pode ou não consegue
justificar o investimento em projetos de pesquisa e
desenvolvimento. O foco do governo é ter grandes orçamentos
para executar, escalar os serviços básicos. O Bloomberg falou
pra mim que, lá na prefeitura de Nova Iorque, ele conseguiu
fazer experimentações somente a partir de grandes recursos
privados. Na Inglaterra aconteceu o mesmo movimento. Eles
criaram um grande fundo e as municipalidades e governos que
queriam experimentar alguma coisa, aplicavam para este fundo
e adquiriam recursos para fazer estes testes e experimentações.
(Entrevista com Marina Cançado)

E é justamente neste contexto que ela espera que a FLOW se torne um


grande laboratório de soluções baseadas em mudanças comportamentais para que seja
gerado conhecimento que acelere a curva de aprendizagem dos governos e que as
soluções possam ser aplicadas pelo mesmo. Inclusive, vale ressaltar, que os recursos
necessários para ambos os projetos de Educação Financeira, tanto para os idosos,
quanto para as mulheres, estão sendo financiados por grandes fundações
internacionais como o BID.
Além disso, ela ainda ressaltou que o próprio BIT saiu do governo inglês
para se tornar uma instituição independente; hoje são uma empresa social. Como já
mencionado anteriormente, o Behaviour Insights Team foi criado como um braço do
governo inglês. E atualmente, como ratificou a Marina, ele é uma empresa que presta
serviços para o governo inglês mas também para outros países, outros governos e
municipalidades. O que mais uma vez ressalta a importância de instituições paralelas
ao governo – e mais do que isso, recursos externos ao orçamento público.
“Eu queria que a FLOW fosse a Behaviour Unit do Brasil! A gente
consegue agregar muito a governos, fundações e institutos também ao seguir este
modelo, de ter uma empresa mas ter um braço (uma instituição parceira) que faça o
advocacy necessário pela causa, que faça pesquisa, e que possa financiar projetos que,
de primeira, o governo não queira financiar. O grande desafio, porém, é ter pessoas
qualificadas pra isso.”
Tendo em vista o escopo da pesquisa que recai, dentre outros aspectos,
sobre os limites éticos de se utilizar o conhecimento sobre o comportamento humano
para direcioná-lo para comportamentos desejados, que contribuiriam para seu bem-
estar, foi de suma importância questionar a Marina sobre isso. Afinal, sendo ela a
instituição que coloca estes ensinamentos e aprendizados em prática, ela teria que
lidar com estes limites em diversos momentos.
A questionamos sobre um caso hipotético. Tomemos uma mulher
beneficiária do Bolsa Família com renda disponível de 1 a 2 salários mínimos e que
possui uma família com 4 crianças. Suponhamos então, que o sonho de seu filho mais
velho é ter um tênis que custa aproximadamente 500 reais e que gastaria praticamente
toda sua renda disponível para aquele mês. No projeto de educação financeira, o
objetivo principal é o de convencer estas mulheres de que elas devem poupar, ou seja,
elas devem utilizar sua renda de maneira consciente para que possam, em um futuro
próximo, ter um “pé de meia” disponível para realização de sonhos que melhorariam
sua qualidade de vida como a primeira parcela da casa própria, por exemplo. Como
lidar com esta situação?
Sua resposta foi muito clara no sentido que as pessoas podem e devem se
empoderar e encontrar para si mesmas as melhores soluções, mas existem
dificuldades nesse processo e as vezes é necessário intervir. Neste sentido, ela ressalta
que não utiliza somente a ciência comportamental pura pois ela ainda está em um
âmbito muito teórico e as situações e contextos nos quais as mulheres beneficiárias do
Bolsa Família, por exemplo, tomam suas decisões é muito mais complexo. E é por
isso que o contraponto com o Design, segundo ela, é tão importante, uma vez que este
projeta algo para características e personalidades específicas.
Ela ainda complementa que, o que ela quis dizer com esta questão da
complexidade dos contextos é que sempre por trás de qualquer ação existe uma visão
de mundo e por isso, a ciência comportamental possui um papel importante. Hoje em
dia existem problemas que são muito urgentes e precisam ser resolvidos, não podendo
depender do tempo natural do ser humano; a mudança climática é uma delas. Existem
pessoas que não nasceram nas décadas em que o clima era uma pauta importante e por
isso não possuem raízes de conscientização, assim, teriam ritmos diferentes para agir
em prol das questões climáticas e não se poderia esperar muito tempo para adquirirem
esta consciência. É preciso intervir.
O que a Marina traz é uma concepção de que as crenças e valores sempre
vão existir. Então para uma mãe, naquele momento específico, a compra do tênis
significará muito para ela e sempre haverão preferencias dos seres humanos em
detrimento do que seria o certo naquele momento: poupar dinheiro para uma eventual
saída da miséria. Entretanto, em alguns casos, é impossível somente aguardar a auto-
conscientização de um indivíduo pois ele, sozinho, não conseguiria, muitas vezes,
perceber que ao comprar um tênis de 500 reais sendo que sua renda é de 700, sua
qualidade de vida corre riscos de ficar ainda mais precária, com poucos recursos para
se alimentar, inclusive. Como a Marina afirma;
A pessoa muitas vezes sabe o que é melhor para ela mas ela
não consegue tomar a decisão na hora. Você vai deixar as
pessoas na extrema pobreza? Para comprar um tênis de 300
reais pro filho sendo que ela vive com 500? Não! (Entrevista
com Marina Cançado)

E mais uma vez ela ressalta que o papel das instituições paralelas é o de
trazer para os governos permanent solutions para problemas complexos. “Testar
coisas, ver se elas dão certo ou não e arrumá-las, para então entrega-las ao governo.
Ainda que ele deva participar de todo processo, que é o que está acontecendo hoje nos
projetos de educação financeira. Desde o início eles estão participando ativamente,
das decisões, das validações, do compartilhamento do conhecimento. E lá no fim a
gente vai chegar em uma solução, que foi muito criada por nós mas que tem muito
deles também.” – Disse ela.
Tendo em vista esta participação do governo no processo de validação das
soluções propostas pela equipe d FLOW, a questionei alguma proposta havia sido
recusada; Contou que a equipe propôs que parte do benefício do Bolsa Família
recebido pelas mulheres já fosse direcionado automaticamente para poupança e desta
forma a ação não foi aprovada. Neste caso, segundo ela, houve um filtro por parte do
governo que ponderou como a mídia receberia esta informação, afinal, como
mulheres que estão em situações tão precárias de renda estariam aptas a guardar
dinheiro em poupança? Mesmo que o Estado e a FLOW entendam que esta não é a
realidade - e que é justamente por conta de as mulheres não dispuserem de dinheiro
em poupança que elas recorrem à empréstimos, que é um dinheiro muito mais caro, e
acabam por eternizar sua condição de renda – tiveram o cuidado de evitar quaisquer
ruídos na sociedade.
Mais uma vez ela trouxe a ressalva de que todas as ações do governo tem
uma medida entre o que ele de fato acredita e os ruídos que podem ser gerados na
sociedade por conta de determinadas ações.
Como já mencionado, foi identificado durante a primeira imersão a campo
da equipe da FLOW uma tendência das mulheres de terem medo de ir ao banco, por
conta do estigma que assola esta instituição. Um dos aspectos que me chamou
bastante atenção durante a minha semana de imersão, é que, para que algumas
medidas dessem certo, elas dependeriam necessariamente de um direcionamento e de
um melhor preparo das instituições para tornar os processos mais claros e portanto
tornar a vida dos cidadãos mais fácil também – seguindo, portanto, um dos principais
princípios do NUDGE ressaltado por seus autores.
E foi então que questionei a Marina sobre como conquistar estas
instituições. Como tornar o banco um lugar amigável para mulheres e mais do que
isso, como fazer com que o acesso dos idosos a crédito seja limitado e todas as suas
dúvidas sejam devidamente sanadas em um canal de ajuda ao consumidor feito
especialmente para eles, por exemplo? E mais uma vez ela citou o mesmo processo
“Mudança individual de quem está dentro das instituições”. Mais uma vez aparece a
necessidade e a importância de uma mudança individual para impactar no coletivo.
Ou seja, se um grande gestor se conscientizar e atribuir às suas atividades os
princípios e a importância das ciências comportamentais, ele pode instituir processos
que aproximariam instituições importantes dos cidadãos, a partir do respeito às suas
características individuais.
Segundo ela, a mudança pode acontecer de duas formas: ou de forma
cultural ou de contexto. “Para os servidores públicos pode ser cultural, uma mudança
de crença ou de pensamento ao longo do tempo. Ou de contexto. Eu acho a de
contexto mais difícil porque em geral, os programas de políticas públicas não tem
métricas muito estipuladas. Então a não ser que aconteça uma urgência muito
evidente, ele não vai olhar para isso.” Aqui, mais uma vez surge a questão de que
ainda não existe espaço para estas questões. A não ser que o contexto seja
emergencial, como foi o caso da necessidade urgente de programas de educação
financeira que mobilizou ministérios e a ENEF. A não ser que o contexto chame a
atenção de outras instituições para esta questão, ela não entrará na agenda. E por isso,
mais uma vez, a mudança individual é essencial.
Aprofundando mais na questão do NUDGE conversamos sobre as
perspectivas e o futuro da ciência comportamental aqui no Brasil, no mundo e na

FIGURA 5 – Nudge como Catalisador e Acelerador do comportamento humano.

Fonte: Produção da autora

FLOW também. O organograma acima, de produção própria, busca ilustrar o


pensamento exposto para a Marina e que considero de suma importância para
entender a importância e qual o papel que o NUDGE possui na prática, e não somente
no âmbito teórico. Tendo em vista que a FLOW é pioneira na utilização desta técnica
como um de seus três pilares aqui no Brasil, este organograma representa como a
FLOW utiliza o NUDGE e qual sua aplicação na prática.
Assim como mencionei o funcionamento do Behavioural Insights Team
na Inglaterra, na sessão anterior do relatório. A explicação da Marina para este
processo é a seguinte:
Quando eu desenho um programa, eu parto de um
comportamento atual mas que eu espero alterar
(comportamento esperado). A maioria das instituições não
explicita esse processo, e eu acho que esse é um dos grandes
erros porque no fim, sempre que você propõe um projeto você
está querendo mudar alguma coisa. Até eu chegar no
comportamento esperado, tem fases, tem alguns
“comportamentos intermediários”. Qual é a catálise, o
catalisador que vai fazer com que eu pule de um
comportamento para o outro? É isso que eu estou chamando de
NUDGE. O NUDGE para mim é um facilitador. Eu não estou
arquitetando somente no que eu observo, mas sim, no passo
que ele vai dar. O meu conteúdo é baseado no que essa pessoa
precisa receber. Isso aqui não é tudo manipulação, é de fato o
que eu acho que uma pessoa precisa ter. O NUDGE é o que faz
ela usar isso (o empurrão, o catalisador) a serviço de dar o
próximo passo para um comportamento mais desejável.
(Entrevista com Marina Cançado)

Além desta concepção, Marina ainda trouxe um importante aspecto sobre


as práticas da FLOW em relação à utilização da economia comportamental e que
rebate, em grande parte, o forte argumento dos opositores ao paternalismo libertário
de que com o NUDGE, você não estaria respeitando as individualidades dos cidadãos.
Mas o que a Marina argumentou é que a prática da FLOW não envolve ciência
comportamental pura porque aí sim você estaria exercendo algum tipo de
manipulação. Isso porque, muitas das experiências da ciência comportamental,
segundo ela, não conhecem o ser humano primeiro. Um exemplo que ela trouxe é de
uma empresa grande em Nova Iorque de Behaviour Insights que simplesmente não
vai pra campo. O que eles fazem é simplesmente pegar a lista de princípios
estabelecidos pela ciência comportamental e moldar suas políticas a partir daquilo.
Em contraponto, a FLOW utilizou uma abordagem diferente. Antes de
produzir e estruturar os protótipos, houve uma imersão de quatro meses em que a
equipe dormia e comia em casas de beneficiárias do Bolsa Família e foi então, depois
de conhece-las que passaram a discutir qual tipo de NUDGE faria sentido para aquele
contexto. Além disso, ainda foram criadas personas, com padrões comportamentais
específicos, à priori da discussão de que mudança de comportamento era necessária
para aquelas mulheres. Desta forma, não ocorreu nenhum tipo de uniformização.
Entendeu-se o principal desafio daquelas mulheres para então pensar qual seria o
NUDGE necessário para ajudá-la a dar o próximo passo?
Esta questão do respeito à individualidade é ainda mais latente em países
nos quais existem muitas especificidades culturais e de modo de vida, que deve ser
levado em consideração principalmente quando estamos lidando com indivíduos que
se encontram em situação de escassez. Os autores Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir
publicaram um longo ensaio sobre a psicologia da escassez isto é, sobre os impactos
que a vida vivida sob este aspecto possui sobre o cérebro humano. O livro “Scarcity:
Why having so little means so much” (ano) Traduzido para o português como “A
tirania da Escassez: porque é que ter tão pouco significa tanto!” busca sensibilizar o
leitor à respeito do fato de que não se pode esperar um grau de racionalidade – tendo
em vista e levando-se em consideração todos os aspectos da racionalidade limitada –
de um indivíduo que vive com pouco pois isso possui um impacto significativo em
seu cérebro que não o faz, muitas vezes, ter comportamentos que se esperaria de um
indivíduo que não tem que lidar com essa realidade todos os dias.
Este já era um aspecto familiarizado ao senso comum mas a perspectiva
comportamental, levando em conta experimentos do cérebro humano, nunca havia
sido aprofundado.

9.0. APLICAÇÃO DAS CIÊNCIAS COMPORTAMENTAIS À PRÁTICA:


ASPECTOS IMPORTANTES

Após compilar os argumentos trazidos pelos entrevistados, o objetivo


deste tópico é realizar, para fins de síntese, um breve manual que sirva como
direcionamento para a aplicação da teoria normativa do paternalismo libertário à
prática, levando em consideração os cuidados que se deve ter uma vez que se concluiu,
a partir da análise das entrevistas, que são válidos e éticos os esforços do governo
para direcionar os cidadãos à escolhas que sejam melhores para suas vidas, desde que
haja limites.
Neste sentido, serão abordados questões de accountability de governo e da
importância do monitoramento, apresentando algumas diretrizes essenciais retiradas
do paper publicado pelo Behavioural Insights Team (BIT) inglês Mindspace:
Influencing Behaviour Through Public Policy. Além disso, existe uma lista de
prioridades de assuntos e áreas nas quais as ciências comportamentais possuem maior
poder de atuação e, desta forma, seria mais aceita. Mais uma vez, como o professor
Enlinson ressaltou, as políticas de NUDGE possuem cunho incremental e devem vir
como aprimoramento de algumas ações de Estado, mas nunca como uma diretriz
única que os Estados devem seguir. Neste sentido, elencar as prioridades é essencial
para que se impeça que o Estado “passe todos os sinais”, como ressaltou também a
professora Cibele.
O primeiro aspecto a ser ressaltado é que, havendo a intenção de alterar
certo comportamento para aquele desejado em determinada circunstância, é essencial
que se entenda os indivíduos com os quais você vai realizar este processo. Ou seja,
qualquer tentativa executada por um gestor de mudança de comportamento, este
último deve ter total compreensão do comportamento atual do indivíduo com o qual
ele esta lidando, isto é, do que ele gostaria de mudar. O processo que deve ser feito se
assemelha à um processo de segmentação da sociedade, a partir de características
previamente determinadas, muito semelhante à divisão em grupos de personas com a
qual a FLOW lidou para iniciar o processo de prototipagem. Não obstante, em uma
das publicações já citada neste relatório do BIT, eles fizeram um diagrama similar ao
utilizado pela FLOW para obter tal compreensão das beneficiárias do Bolsa Família.
No diagrama apresentado no relatório, o BIT segmentou a população entre
aqueles que possuem vontade e aqueles que possuem a habilidade, a noção de ação
necessária para agir de forma “verde”, no sentido de agir de forma sustentável. A
imagem abaixo, retirada do relatório, ilustra este processo pois a partir dele, o gestor e
tomadores de decisão passam a ter uma noção mais clara de onde os incentivos para
mudança de comportamento seriam mais aceitáveis ou não. Nota-se que as “nuvens”
estão posicionadas em uma matriz de quatro eixos.

FIGURA 6 – Diagrama produzido pela DEFRA para segmentar a população diante de


ações sustentáveis.
É possível observar na imagem acima que, abaixo das palavras em negrito,
são colocadas frases que melhor representam o grupo de pessoas a qual o diagrama se
refere. Por exemplo, a frase que está no “balão” de número 6 diz o seguinte “Eu não
sei muito sobre as questões de mudança climática. Eu não tenho dinheiro para
comprar um carro então eu utilizo o transporte público. Mas eu gostaria de ter um
carro!” (Tradução Própria). Este grupo, que representa 10% do total, está no extremo
da matriz que possui baixo potencial e pouca vontade de fazer algo a respeito do meio
ambiente e das questões climáticas. Por outro lado, a frase que representa o grupo que
está no balão de número 1 é “Eu acho que é importante que eu faça o máximo
possível que eu possa para limitar meu impacto no meio ambiente”. Este grupo está
no extremo em que possuem tanto habilidade quanto vontade de fazer algo à favor do
meio ambiente.
Esta segmentação é essencial pois o acesso às informações, experiências,
necessidades, desejos varia entre grupos e comunidades e desta forma, traz para o
processo de formulação do NUDGE, maior respeito às individualidades ao entender
que os seres humanos tomam suas decisões em ambientes e situações muito mais
complexas do que aquelas que a ciência comportamental pura busca evidenciar. Desta
forma, um NUDGE específico pode ser ideal para um grupo e não à outro, e assim se
têm maiores possibilidades de evitar uma eventual uniformização.
No Brasil, isso é ainda mais delicado e essencial pois os indivíduos com
os quais a FLOW está lidando em seus projetos, por exemplo, convivem diariamente
com limites de acesso à informação e à disponibilidade de renda, infraestrutura etc.,
enfim, vivem em situação de escassez. E, como já foi citado anteriormente, os
cuidados para criar aceleradores de mudanças em seus comportamentos devem ser
melhor ainda pensados pois seus comportamentos variam muito daqueles que não
vivem em situação de escassez e em um ambiente urbano, por exemplo. Não obstante,
a variedade cultural e as proporções geográficas do país exigem ainda mais cuidados.
Já havia sido identificado anteriormente a complexidade por trás deste
processo de utilizar a ciência comportamental à favor de algumas políticas públicas
pois exigiria uma equipe multidisciplinar para tal. Tendo em vista a complexidade de
grupos de indivíduos que se deve levar em consideração, seria ideal e desejável que a
equipe de gestores dispusesse de uma gama de habilidades que envolvesse tanto a
capacidade de análise baseada na economia e na ciência comportamental em geral,
conhecimento de estratégia de marketing, de design para produção da política (seja
ela envolvendo instituições que irão implementá-las ou até mesmo por meio de
produtos, tecnologias sociais como foi o caso da FLOW), e mais do que isso, a
consciência de aspectos importantes das ciências sociais. Esta combinação ainda é
muito rara, como a própria Marina disse em sua entrevista, “as perspectivas de
evolução são muitas, o que falta, são pessoas capacitadas para isso”
Outra questão essencial que compete ao sucesso de implementação destas
políticas, remete ao tópico sobre arquitetura de escolhas descrito na sessão 1 do
relatório. É explícito que os policy makers devem sempre ter em mente que o contexto
no qual as pessoas se encontram para tomar suas decisões afeta diretamente suas
escolhas. Como é ressaltado em um dos relatórios produzidos pelo BIT “Quaisquer
tentativas de incentivar novos comportamentos precisam necessariamente considerar
o contexto mais amplo em que as opções estão disponíveis às pessoas, ao invés de só
se concentrar no comportamento desejado”.
Uma “tática” muito interessante utilizada pela equipe da FLOW é a de
criar “jornadas” para as mulheres com as quais conviveram durante a pesquisa de
campo. Desta forma, encontravam canais pelos quais poderiam interferir em seus
comportamentos. Por exemplo, de nada adianta criar um contexto de escolha no qual
a mulher precise ir ao banco se ela não vai à este lugar, e mais ainda, o evita.
A “jornada” de uma mulher beneficiária do Bolsa Família com renda de 1
a 2 salários mínimos cujo persona seria a visionária, por exemplo, seria, por suposição
própria, acordar, levar os filhos à escola, ir ao trabalho, “mexer” no celular, voltar
para casa, assistir a novela e ir dormir. Para a guerreira, por outro lado, que vive no
interior do nordeste, sua jornada é completamente diferente e ela nem sonha em ter
um smartphone. Este é só um exemplo para diferenciar os contextos diferentes em
que as pessoas estão inseridas pois se definir um NUDGE que necessite de um meio
de comunicação como o celular este não funcionará para um grupo de mulheres mas
para outras sim.
Uma outra segmentação importante que pode ser estruturada neste
momento é a de quais seriam as principais maneiras de influenciar, de forma não
coercitiva, o comportamento dos cidadãos. Estes princípios podem ser utilizados no
momento de aprimoramento de políticas pois muitos deles viriam como
complementação e não como uma verdade absoluta totalmente voltada para a
manipulação do regulador sobre o regulado.
A tabela abaixo, de produção própria e com informações retiradas do
relatório MINDSPACE: Influencing Behaviour Trough Public Policy (p.8) sintetiza os
principais mecanismos que podem ser utilizados pelo policy maker.

TABELA 1: Principais mecanismos de incentivo à comportamentos baseados em


princípios da Economia Comportamental
Os seres humanos são fortemente influenciados
por quem os comunica determinada informação.
Canal Ou seja, a instituição que está por trás ou o
indivíduo com o qual se tem uma relação mais
afetiva influenciam diretamente na reação que
envolve o ato de receber determinada informação.
As correspondências dos indivíduos à incentivos
são formadas por características mentais
Incentivos específicas e já esperadas como a forte aversão do
ser humano à perdas.
Os seres humanos são fortemente influenciados
pelo que os outros fazem. Ninguém quer ser o
Normas e Regras “diferente” do bando, aquele que deixa de seguir
as regras e normas sociais que já estão
estabelecidas.
Os seres humanos são fortemente influenciados
por padrões que encontram em seus dia-dia.
Padrões Acabam seguindo-os, em sentido de inércia, até
mesmo sem sequer percebê-los. Neste sentido, as
regras e atividades pré-estabelecidas possuem
grande efeito.
Relevância A atenção dos indivíduos é direcionada por aquilo
que parece ser mais relevante para os mesmos.
Os atos dos seres humanos possuem fundamento
em precedentes mentais e subconscientes. Estes
Precedentes Mentais influenciam diretamente nossas ações e podem
partir tanto de princípios mais racionais quanto
mais emocionais.
Afetividade As associações emocionais podem influenciar
fortemente as ações dos indivíduos
Comprometimento Os seres humanos tendem a ser consistentes em
suas promessas públicas e em atos de
reciprocidade
Ego Os indivíduos agem em função daquilo que faz
com que se sintam melhor com si mesmos.

O objetivo desta tabela é de salientar estes nove fatores que, se utilizados


de forma correta e se levados e conta pelo gestor no momento de formulação e ou
aprimoramento de políticas, podem trazer importantes resultados, aproximando a ação
do governo da efetividade que esta de fato teria sobre a vida dos indivíduos que
seriam atingidos por ela. O relatório do BIT apontado acima possui diversos exemplos
de ações que utilizaram, de variadas formas, estes mecanismos estruturados na tabela.
Um deles foi utilizado pela Secretaria de Redução da Violência em Glasgow, na
Escócia, onde estudaram os impactos que o canal teria sobre os indivíduos membros
de gangues, atividade muito recorrente na cidade. (Minspace; p.31)
A medida tomada, neste caso, é que indivíduos envolvidos em gangues e
crimes eram convocados pela polícia local a participar de fóruns nos quais moradores
das comunidades locais, vítimas de violência, parentes de vítimas e até mesmo “ex”
criminosos falavam sobre os impactos da violência das gangues em suas respectivas
comunidades. Desta forma, evidenciava aos praticantes da atividade que as normas e
regras sobre as quais eles viviam eram ilusórias e na verdade a realidade que
predominava em suas comunidades era aquela que todos aqueles indivíduos presentes
falaram sobre. Sendo assim, trouxe um outro panorama de normas e regras para
incentivar os membros das gangues a segui-lo, tendo em vista que o que eles
vivenciam normalmente nada mais é do que “fora da lei” e fora da realidade local.
Além disso, no que tange a questão da mensagem, os fóruns eram mais
efetivos quando os discursos vinham de figuras que eles respeitassem e, mais ainda,
de pessoas com as quais eles poderiam estabelecer algum tipo de vínculo. É o caso de
mães de vítimas de violência e assassinatos provocados por gangues em Glasgow, que
diziam que, caso eles permanecessem naquela situação e acabassem sendo mortos, a
mãe de um deles é que estaria naquela situação, falando como uma mãe que perdeu
um filho nestas circunstâncias. Este discurso, além da importância do mensageiro e
canal que estão por trás dele, traz à tona a questão de aversão à perda tão presente nas
características cognitivas dos seres humanos.
Outro caso interessante de utilização dos mecanismos competiu à redução
dos índices de gravidez na adolescência em um município que não é identificado
(Mindspace; p.81) e cujos indicadores de gravidez em mulheres menores de 18, bem
como de proliferação de doenças sexualmente transmissíveis eram muito altos,
quando comparados à municípios e comunidades próximas.
As autoridades locais convocaram figuras chave para que pudessem
discutir o que poderia estar acontecendo para que pudessem criar estratégias comuns
de solução do problema, inclusive professores e diretores de escolas públicas e uma
equipe de insights comportamentais estabelecida no próprio governo. As ações desta
equipe variavam entre entrevistas individuais e grupos focais buscando compreender
quais eram os principais sentimentos, pensamentos e até as pressões envolvidas no
cotidiano e vida dos adolescentes e seus pais. Além disso, utilizaram outros estudos
de governos que já haviam estabelecidos estratégias de solução para o mesmo
problema, realizando um benchmarking de boas práticas.
Partindo para as descobertas desta equipe de pesquisa, bem como as
soluções utilizadas pelo município, uma das falhas encontradas é que os informativos
sobre gravidez e DSTs focavam muito mais em fatos e cuidados que se deveria ter do
que em influências mais potentes, que pudessem impactar no cognitivo das
adolescentes a partir de questões como o ego e a pressão social e assim desencadear
reflexões e resultados mais efetivos. O que se quer dizer com isso é que muitas vezes
os informativos focavam muito mais nas questões referentes às próprias doenças do
que em como as adolescentes reagiriam àquilo e quais as consequências poderiam ter.
Ou seja, os informativos não eram cuidadosamente nem suficientemente
bem formulados a ponto de entender o impacto que aquelas informações teriam na
vida das adolescentes. Um exemplo muito claro disso é que, por mais que
entendessem que fosse importante utilizar métodos contraceptivos, muitas meninas
temem a forma que a mãe ou até mesmo o parceiro poderiam reagir caso ela exigisse
a sua utilização.
É então que, neste momento, a atenção das autoridades locais passam para
o nível do impacto que aquela informação de fato possui sobre a vida deste grupo
específico de indivíduos.
Além disso, outra descoberta importante e que salienta a questão dos
mecanismos apontados na tabela acima é que uma das medidas de conscientização
eram eventos em que mães, que haviam engravidado na adolescência, eram chamadas
para falar sobre o quão arrependidas estavam de ter engravidado precocemente.
Esta ação tinha o efeito exatamente contrário ao desejado, por três
motivos principais: o primeiro deles, era que a posição central daquelas mulheres
nestes encontros as destinava certa relevância que fazia com que as meninas se
imaginassem naquela situação, o que não é de todo modo ruim, mas pode gerar
reações tanto de aversão quanto de desejo e identificação. Adicionado à isso, a
presença daquela figura fazia com que aquilo parecesse normal, já que tantas meninas
haviam engravidado na adolescência, cria-se um contexto de norma social e que, por
isso, não gera tanta aversão. Por fim, quando se coloca uma mulher que engravidou na
adolescência em posição de destaque, por mais que ela fale de arrependimentos e
perigos, ela ainda possuía, segundo é exposto no relatório, capacidade de
impressionar e se mostrar madura diante da situação, o que de certa forma inspirava
as meninas que as assistiam.
No que também diz respeito à questão do EGO, foi também apontado nos
estudos que muitas adolescentes se encontravam em posições de frustração quando
eram excessivamente tratadas como “crianças” em ambientes doméstico e escolar e o
sexo viria, neste sentido, como um caminho para serem mais respeitadas e tratadas
como adultas.
Tudo o que foi exposto acima exemplifica a importância de se
compreender o grupo de indivíduos que as autoridades locais buscam alterar algum
tipo de comportamento que seria, neste caso, deixar de engravidar precocemente.
Muitas vezes, o que se pretende como governo não possui o efeito esperado pois
existem questões comportamentais no meio do caminho de determinada política ser
de fato efetiva.
As autoridades deste município em questão, ao identificar que a
autoestima e o ego tinham muito mais importância e impacto do que a exposição de
fatos, atualizaram todos os mecanismos informativos e aulas, trazendo o foco das
discussões para como pessoas e colegas de ambos os sexos reagiam e se sentiam em
relação à métodos contraceptivos. Também foi realizada uma pesquisa entre os
adolescentes das escolas locais cujo resultados quebraram o “tabu” de que todos,
naquela idade em questão, já possuíam relações sexuais:
“Muitos jovens ficaram surpresos em saber que muito menos pessoas do que eles
imaginavam já possuíam uma vida sexual ativa, o que reduziu a pressão sobre eles
(questão das normas sociais).” (Minspace; p.82)
É neste sentido que a economia comportamental viria como uma forma de
reeducação do Estado, no sentido de reduzir a distância entre o que se pretende com
uma política e o impacto que isso possui na vida dos indivíduos, tendo em vista que
os seres humanos não são 100% racionais e por isso envolvem questões cognitivas e
comportamentais em quaisquer tipo de ação. O caso dos métodos contraceptivos
evidencia isso de forma muito clara, já que por mais que as adolescentes entendam
pelos informativos que eles são necessários, no momento da tomada de decisão para
de fato utilizá-los existem diversos fatores envolvidos que aumentam sua
complexidade e é neste momento que um “empurrão” seria efetivo, para ela entender
que aquilo é normal e ajuda-la a tomar sua decisão nesta circunstância.
Fica evidente, em ambos os casos apresentados, tanto da questão da
violência provocada por gangues, tanto da gravidez na adolescência que as medidas
tomadas era pura e simplesmente de aprimoramento das ações já tomadas
anteriormente. Sendo assim, cabe neste momento, discutir sobre a questão da
transparência no que tange estas ações de cunho comportamental.
O relatório Mindspace é muito claro no sentido de que o ato de
conscientemente alterar comportamentos é, de fato, contraditório e envolve diversos
trade-offs como já havia sido identificado anteriormente no presente trabalho,
principalmente no que diz respeito à legitimidade do Estado para tomar estas ações.
Desta forma, o que eles afirmam é que novos métodos de engajar a sociedade e
diversos públicos devem ser descobertos para explorar, em conjunto, quais tipos de
ações seriam aceitáveis ou não. O que se entende é que há viabilidade de criar
políticas que alteram comportamentos de forma deliberativa e com engajamento
social. Inclusive, vale ressaltar que enquanto em vivencia com os trabalhos da equipe
da FLOW, não foi possível encontrar uma solução para uma questão específica
referentes à poupança e educação financeira das mulheres e foi decidido que a solução
seria co-criada com algumas mulheres quando em visita à campo.
O que se conclui é que, para garantir maior transparência e legitimidade,
alguns aprimoramentos podem vir como uma forma de engajar e obter compreensão
do universo sobre o qual a alteração de comportamento irá incidir. Não obstante, a
questão das ciências comportamentais aplicadas à políticas públicas ainda tem muito
o que evoluir e por isso, quanto mais participativa e envolvida com os próprios seres
humanos, maiores chances esta tem de melhor se desenvolver.

10.0. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento teórico e prático do presente trabalho trouxe à tona


questões importantes sobre a incorporação da economia comportamental à formulação
de políticas públicas, cujo pioneiros foram os autores do livro Nudge (2008),
introduzindo ao campo das políticas públicas a teoria normativa do Paternalismo
Libertário.
De aparência inicial contraditória, a teoria busca convencer os gestores,
tanto de instituições públicas, quanto de instituições privadas, de que é desejável
influenciar na vida dos indivíduos ainda que mantendo suas respectivas liberdades
individuais, a partir de alterações de contextos e “cutucadas” ou “empurrões” que
seriam criados para direcionar a vida dos cidadãos para um maior bem-estar. Estas
cutucadas (nudges) surgiriam em momentos específicos e estratégicos a partir do
conhecimento das premissas e descobertas da economia comportamental a respeito do
cérebro e comportamento humano. O repertório de conhecimento que esta última traz
sobre os seres humanos delega às instituições maior efetividade em suas ações,
especialmente àquelas que gostariam de incentivar certo comportamento desejado.
Afirma-se que os seres humanos possuem falhas cognitivas envolvidas em
seus processos decisórios e estes empurrões surgiriam para facilitar estes processos,
direcionando-os, ao mesmo tempo em que os mantém como protagonistas de suas
próprias decisões. Ainda assim, esta metodologia traz consigo diversas ressalvas a
respeito da manutenção de liberdades e de legitimidade das instituições
governamentais para efetivar este processo. Buscou-se portanto a partir desta pesquisa
introduzir a discussão sobre a fronteira e os limites éticos do paternalismo libertário.
O aprofundamento teórico realizado na seção 1 foi de suma importância
para estruturar os argumentos favoráveis e suas justificativas do porque a teoria
normativa deveria ser incorporada. Mas foi somente a partir da imersão em casos
práticos que se obteve uma percepção mais clara de como esta metodologia poderia
de fato ser implementada, e quais os avanços e dificuldades que esta traria para a
atuação do Estado.
A primeira questão a ser explorada seria a da neutralidade do Estado, uma
vez que a teoria estaria cunhada no libertarianismo e seus principais autores, dentre
eles Nozick (1974), defende que as funções do Estado devem se limitar à proteção
contra força, roubo, fraude, etc. e qualquer Estado mais amplo violaria os direitos das
pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas, o que é injustificável. Desta
forma, sob o ponto de vista dos libertários, a influência sobre o comportamento dos
cidadãos para que comessem alimentos mais saudáveis e, desta forma, reduziriam-se
os índices de obesidade, seria certamente rejeitada.
O ponto principal a ser discutido, porém, não era somente à respeito da
neutralidade do Estado, mas também, se ele garante a liberdade de escolha – outro
ponto ressaltado pelos liberais e libertários. O que se concluiu, a partir de entrevistas
com acadêmicos e aprofundamento na teoria, é que o Estado estaria sim, a todo
momento, influenciando a vida dos cidadãos. Seja esta influência via preço, no caso
dos impostos, seja por propagandas políticas, dentre outros. Fato é que todas as
instituições, sejam elas públicas ou privadas, estão a todo momento criando contextos
de escolhas para incentivar comportamentos desejados pelas mesmas. Por mais que
estas criações de contextos não sejam explícitas elas acontecem e, por estarem tão
enraizadas, nem sequer despertam a atenção dos indivíduos.
A metodologia introduzida pelo paternalismo libertário, que salienta a
figura do arquiteto de escolas, surge neste sentido como uma via “do bem” para este
contexto de influências, uma vez que os direcionamentos comportamentais
objetivariam, necessariamente, o bem-estar dos cidadãos. Vale a ressalva, neste
momento, de que foi também identificado que um dos limites à serem incorporados à
metodologia do Nudge é a de delimitação de áreas e temas sobre os quais esta poderia
atuar, até mesmo para garantir maior legitimidade das instituições governamentais
perante suas ações, uma vez que estas devem ser sempre trazidas à público. Já foi
identificado que alguns temas possuem maior aceitação para influências do que outros,
a educação financeira e as questões climáticas são exemplos. Desta forma, não se abre
tantas possibilidades para influências em comportamentos que não teriam o objetivo
do bem-estar, tão enfatizado pelos seus idealizadores.
A resposta para a questão da ética apresentada na questão norteadora da
pesquisa, portanto, seria que, se analisada pura e simplesmente a teoria sob o ponto de
vista teórico, se identifica que seus pressupostos advém de uma influência
“subliminar” a partir do conhecimento das falhas cognitivas dos cidadãos e isso não
seria desejável pois possui cunho de manipulação e pouco respeito às especificidades
dos seres humanos, como afirmaram os autores White (2013) e (Grüne-Yanoff, 2012).
Porém, quando analisada do ponto de vista prático, se reconhece que sua
implementação dispõe de mecanismos e possibilidades de adaptação que respeitam as
especificidades e as “manipulações” estariam inseridas em contextos favoráveis para
tais. Isso porque existem questões que as instituições governamentais não podem
esperar o tempo natural do ser humano, as vezes, como afirmou Marina Cançado em
sua entrevista, é necessário e trivial intervir. Principalmente em questões como
educação financeira e gravidez precoce, por exemplo. A metodologia dos processos
apresentada no trabalho buscou trazer justamente essa visão de que os limites podem
sim ser estipulados e incorporados caso haja devida capacitação dos envolvidos e
cuidado no momento de incorporação da economia comportamental às políticas
públicas.
O aprofundamento nas políticas e no funcionamento do Behavioural
Insights Team, que surgiu como um braço do governo inglês para justamente
incorporar as descobertas da economia comportamental às suas ações, mostrou que o
conhecimento melhor aprofundado do comportamento humano pode e deve trazer
grandes avanços à efetividade das políticas públicas. Para que isso se concretize,
porém, além de uma equipe multidisciplinar, é preciso seguir uma metodologia de
formulação e implementação das políticas baseada principalmente em realização de
testes e monitoramento das ações.
Ficou evidente, a partir do aprofundamento em diversos exemplos de
políticas de sucesso efetivadas que o legado desta metodologia recai sobre dois
avanços principais; o primeiro deles é o da incorporação do monitoramento e testes à
formulação de políticas públicas para que estas de fato venham a solucionar e
conquistar os objetivos almejados. É o caso do Growth Vouchers Programme,
apresentado na seção 1. O segundo é que as premissas da economia comportamental
incorporadas aos gestores e às ações governamentais traz à estes cunho mais
democrático ao desenvolver um processo de compreensão do grupo de pessoas com o
qual estariam lidando em determinado momento. Isso aproxima o governo do cidadão
e as consequências deste processo só podem trazer legados positivos à administração
pública.
Dentre outros aspectos, introduziria maior sensibilidade do tomador de
decisão diante do fato de que os seres humanos não são totalmente racionais e, por
isso, muitas vezes, as decisões tomadas pelos mesmos não são as esperadas. Existem
diversas questões emocionais que dificultam o pleno funcionamento do cérebro diante
das estruturas formadas pelos gestores públicos. Exemplo disso foi o caso apresentado
na seção 2 sobre o uso de métodos de contraceptivos, além de outras questões que
poderiam ser citadas, como a permanência de jovens na escola e o uso de drogas.
No que tange a incorporação desta metodologia às instituições brasileiras,
conclui-se que as instituições governamentais ainda estão muito imaturas e ainda
preocupadas com resultados, não havendo espaço para atenção específica aos
processos.
É neste âmbito que identificou-se a importância do surgimento de
instituições governamentais como a FLOW, que assumem o papel de laboratórios de
experimentos de alta complexidade e que exigem grande disponibilidade de recursos,
o que dificultam ainda mais sua realização pelo próprio governo. A conscientização
deste diante da causa e sua aceitação também são grandes desafios. Fato é que o
governo quer soluções efetivas para seus problemas, pouco importa (ainda) o
processo que engendra este resultado, seja ele via comportamento ou incentivos
econômicos. Desta forma, fica à critério e à responsabilidade das instituições paralelas
efetivar estas práticas.
Além disso, é essencial salientar o caráter incremental que as políticas
possuem, isto é, incrementariam uma lógica já existente. Desta forma, as políticas
públicas de cunho comportamental não se concretizariam em políticas de governo e
portanto poderiam ser aplicadas à quaisquer ações deste. Haveria todo um processo de
segmentação de grupos favoráveis e desfavoráveis à intervenções, bem como de
discernimento sobre o momento certo de agir sobre certas circunstâncias.
No que diz respeito à transparência e accountability, de fato, a questão da
transparência e da legitimidade de alteração de comportamentos realizadas por
instituições governamentais ainda tem muito a evoluir mas o que pode se inferir é que
os aprimoramentos advindos do conhecimento do comportamento humano podem e
trazem, de fato, grandes avanços para reduzir a distância entre eficiência e efetividade
das ações governamentais.
Por mais que seja uma área ainda nova, já apresenta resultados robustos,
visto os diversos exemplos apresentados de sucessos e insucessos de políticas
públicas, inclusive que podem ser identificadas no relatório realizado no ano de 2015
pelo BIT intitulado The Behavioural Insights Team: Update Report 2013-2015 29 .
Entretanto, ainda há dificuldades em estabelecer o procedimento de implementação
com transparência para a populaçao, justamente para deixar clara a fronteira entre
ética e manipulação.
Além disso, a grande questão que ainda permeia o assunto é a dificuldade
de trazer os conceitos e princípios à prática. Foram elencados diversos momentos
ideais para intervir bem como diversos métodos cabíveis e desejáveis. Colocar isto em
prática, com uma equipe devidamente capacitada, multidisciplinar e consciente dos
limites e cuidados a serem tomados é um grande desafio que ainda deve evoluir e se
propagar por diversos governos e sociedades ao redor do mundo.
Por fim, conclui-se que a incorporação da teoria normativa do
Paternalismo Libertário é imprescindível no campo amplo das políticas públicas, no

29 Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/the-behavioural-insights-team-
update-report-2013-2015/> Acesso em 12/08/2015>
sentido de todas as instituições e protagonistas que buscam efetivar ações de bem
público. É inegável o legado de Nudge para introdução da incorporação da economia
comportamental às políticas.
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Thaler, Richard H & Sunstein, Cass R. Nudge. New Haven, Conn.: Yale University
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Team Publications; Disponível em
<http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/the-behavioural-insights-team-
update-report-2013-2015/> Acesso em 12/08/2015

White, M. D.. The Manipulation of Choice: Ethics and Libertarian Paternalism.


Palgrave Macmillan, 2013
ANEXOS

ANEXO A – MODELO DE QUESTIONÁRIO

Introdução: Os economistas comportamentais Richard Thaler e Cass Sunstein


publicaram um livro chamado “Nudge: Como melhorar decisões sobre Saúde,
Riqueza e Felicidade”. O que eles propõe é o desenho de políticas públicas para
“orientar” os contribuintes para melhores decisões como: poupar mais para o período
de aposentadoria, comer alimentos saudáveis, pagar em dia os impostos ou aumentar
a doação de sangue. O governo britânico não apenas acolheu as ideias dos dois
economistas, como criou um escritório para desenhar estas soluções, chamado de
(coloque o link) . Os autores chamam sua teoria de “Paternalismo Libertário” pois,
querem deixar claro que mantém nosso livre arbítrio para as escolhas, mas nos dão
um “empurrão” (nudge) para a melhor decisão. A pergunta geral do projeto é : Qual o
limite do governo para esta prática, visto que sabemos que temos falhas cognitivas? O
estado não deveria ter um papel mais neutro? Ele decide o que é a melhor decisão?
Para responder estas questões, escolhemos 3 perfis distintos de profissionais: da área
pública, do direito e da economia.

Caso: Na Inglaterra, quando um cidadão deixava de pagar os impostos, uma carta era
enviada dizendo que medidas mais drásticas seriam tomadas caso ele não pagasse.
Segundo um renomado psicólogo da universidade do Arizona, essa carta poderia ser
aprimorada a partir da premissa comportamental de que o ser humano tende a “seguir
o bando.” Desta forma, elaborou uma carta dizendo que a maioria dos cidadãos
pagam os impostos no tempo devido, inclusive com dados locais. Foi realizado um
randomnized trial e houve um aumento de 15% no pagamento “on time” dos impostos
com a alteração na carta.

Questão 1:
Você acredita que o Estado, a todo momento, esteja influenciando e direcionando a
vida das pessoas, mesmo que não intencionalmente?

Questão 2:
Um dos pontos dos autores é que, na realidade, o Estado nunca é neutro quando
estabelece uma política pública, ou seja, ele sempre influencia nos nossos
comportamentos, como por exemplo, multas, dificuldade para reaver licenças, etc.
Qual o seu posicionamento sobre essa questão específica, sobre o Estado ser neutro
ou não?

Questão 3:
Em um primeiro momento, qual sua primeira impressão a respeito do ato de
conscientemente formular políticas públicas que influenciem comportamentos
desejados? (Susto, interessante, questionável...)

Questão 4:
Um grande paradoxo no campo de formulação de políticas públicas é a linha tênue
que se encontra entre aquilo que é ético e aquilo que seria de fato efetivo.
Convivemos com “trade offs” cotidianamente. Neste sentido, seria válido que o
Estado influencie o comportamento dos cidadãos, buscando uma maior eficácia e
eficiência de suas políticas?

Questão 5:
Há espaço para interferências comportamentais em um sistema burocrático da
complexidade do brasileiro? Se sim, como você acredita que isso deveria ser
implementado e que o importante é a eficiência da política para a maioria?

Questão 6:
Mais alguma ressalva do ponto de vista da ética a ser feita sobre o Nudge?
ANEXO B – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA REALIZADA COM
PROFESSOR ENLINSON MATTOS

Introdução: Os economistas comportamentais Richard Thaler e Cass Sunstein


publicaram um livro chamado “Nudge: Como melhorar decisões sobre Saúde,
Riqueza e Felicidade”. O que eles propõe é o desenho de políticas públicas para
“orientar” os contribuintes para melhores decisões como: poupar mais para o período
de aposentadoria, comer alimentos saudáveis, pagar em dia os impostos ou aumentar
a doação de sangue. O governo britânico não apenas acolheu as ideias dos dois
economistas, como criou um escritório para desenhar estas soluções, chamado de
(coloque o link). Os autores chamam sua teoria de “Paternalismo Libertário” pois,
querem deixar claro que mantém nosso livre arbítrio para as escolhas, mas nos dão
um “empurrão” (nudge) para a melhor decisão. A pergunta geral do projeto é : Qual o
limite do governo para esta prática, visto que sabemos que temos falhas cognitivas? O
estado não deveria ter um papel mais neutro? Ele decide o que é a melhor decisão?
Para responder estas questões, escolhemos 3 perfis distintos de profissionais: da área
pública, do direito e da economia.

Questão 1: Você acredita que o Estado, a todo momento, esteja influenciando e


direcionando a vida das pessoas, mesmo que não intencionalmente?
Professor Enlinson: Sim, claro. O Estado intervém na vida das pessoas de diversas
formas, só na tributação ele já intervém. Questões econômicas - conjunto de receitas
para prover o bem por falhas de mercado ou por assimetria de informações. Governo
passa a regular ou prover o bem ou gerar informação acessível para todos. Falhas de
mercado - o governo tem que atuar.
Supõe-se sempre que o estado é benevolente, mas a partir do momento que se envolve
a política passa a direcionar para um grupo e não para o outro. (Mas não vou entrar
nestes méritos)
O ótimo para o governo é tributar o bem que gera menos distorção, o governo sempre
vai fazer o mais eficiente possível, de forma a favorecer o consumo de um bem que
gera menos elasticidade. Só aí ele já está influenciando na vida do cidadão. Via
tributo ele já distorce o consumo das pessoas para consumir um bem vs o outro.
O nudge em particular, ele atua de uma forma mais direta, que é mostrar o que o cara
tem que consumir de um outro jeito. Ele já faz isso com imposto. O Estado nunca é
neutro. Se não não teria que ter governo. Porque tem que ter governo? O governo atua,
assumindo um governo benevolente, só existe para suprir uma falha de mercado.
Coordenar, pessoas, consumo ação. E nudge é um deles, mas não é via preço. Nudge
e outras políticas de provisão em geral. Quando você faz uma educação pública você
está falando para ele o que ele tem que aprender. O nudge é mais brando. Tem os dois
só que o cara só ve esse. Na escola pública o cara não tem opção do que ele deve
aprender. Coincidência ou não, nenhum político consome a escola que ele dá para os
outros. O que o governo dá para as pessoas é o SUS. Eu quero que a sua saúde seja
tratada nessa qualidade aqui.
Papel do Estado: Do ponto de vista econômico, ele tem que gerar um conjunto de
receitas para prover um certo bem que o mercado não consegue prover ou por
assimetria de informações ou poder de mercado.
O governo sempre está atuando.
Ele está intencionalmente influenciando... (Com o NUDGE) “mas ele já faz isso com
imposto!” “Não existe Estado neutro se não, não teria que ter governo!”

Questão 3: Em um primeiro momento, qual sua primeira impressão a respeito do ato


de conscientemente formular políticas públicas que influenciem comportamentos
desejados? (Susto, interessante, questionável...)
Professor Enlinson: Acho fantástico. Você pega um ponto que o cidadão não tem
consciência sobre. Mas não é nada diferente de qualquer outra coisa que o governo
faz. O dever do estado é direcionar as pessoas para algo que melhora o bem estar
delas. Se você pudesse colocar todos os bens na mesma pratileira, você tem que fazer
escolha. E o cara que tem que escolher não tem informação perfeita. Se você têm que
lidar com restrição, você deve ser eficiente (Dado que é restrito e tem falha de
mercado). Acho fantástico quando estas interferências são brandas. O que ajudaria e
que não resolve é dar um panfleto. Este tipo de política não funciona. Ou você
imprime um papel e entrega pro cara ou você simplesmente obriga ele a fazer isso? O
custo benefício de uma com a outra é totalmente mais barato “você é obrigado a
deixar as frutas em cima e o outro em baixo”. Solução possível: explicar para o
comerciante e ele explica isso para as pessoas.

Questão 4: Um grande paradoxo no campo de formulação de políticas públicas é a


linha tênue que se encontra entre aquilo que é ético e aquilo que seria de fato efetivo.
Convivemos com “trade offs” cotidianamente. Neste sentido, seria válido que o
Estado influencie o comportamento dos cidadãos, buscando uma maior eficácia e
eficiência de suas políticas?
Professor Enlinson: Vamos supor que a gente tenha um comerciante que vai deixar
mais visível o chocolate pois ele tem uma fonte maior de lucro. Ele está sendo ético?
O que você está tirando é a autonomia deste comerciante ter este tipo de
comportamento. Todo mercado é regulado. As vezes se coloca mais peso no benefício
da política do que no custo dela. Eu gosto desse tipo de política que é mais branda.
Ela não faz nada que nem a coca-cola fez, por exemplo, que de 30 em 30 segundos
aparecia a palavra coca-cola na propaganda o que induzia o consumo. Luiza: Mas
qual a diferença? Ambos os atos não estão inconscientemente direcionando o cidadão
a algo?
Coca-cola quer que você consuma um produto dela. O governo quer que você
consuma um produto dele. Qual que vai gerar menos gastos para o SUS lá na frente?
Porque o NUDGE é uma política boa? Depende. Depende do fim. Se você vai gastar
menos lá na frente por conta da condição de saúde dele, sim! Nem se compara com o
que a coca-cola quer que o cidadão faça. Não tem uma resposta específica, em geral,
o economista não é a favor isso. Porém, para este objetivo isso funciona e é mais
barato em geral. (Eficiência no sentido de olhar as consequências futuras). Nos
Estados Unidos existe um movimento grande de taxar e cobrar impostos mais altos
sobre produtos gordurosos (Fat tax literature). E isso lá é legal, está dentro da lei. A
lógica é exatamente a mesma, você está direcionando o cidadão através do preço. O
Nudge seria mais sutil.

Questão 5: Gostaria de solicitar que conte como foi o desenvolvimento do seu


trabalho sobre como as alterações nas mensagens dos boletos do IPTU podem
influenciar os cidadãos a pagarem a nota. Quais foram os resultados, os avanços, se
isso foi apresentado ao governo e etc.
Professor Enlinson: Este trabalho foi abandonado. Porque ele foi abandonado?
Porque as prefeituras não nos esperaram. Eu faço esse trabalho sobre a nota fiscal
paulista. O que acontece é o seguinte: se você está em um estabelecimento e você não
pede recibo, ele não paga imposto. Toda vez que você pede a nota, você quebra o
pacto entre vendedor e cobrador de fazer a barganha sobre o preço. A partir da nota
fiscal paulista, o governo deu poder para o consumidor, oferecendo uma parte do
imposto gerado a partir do ato de solicitar a nota por parte do consumidor. Em três
municípios de Minas Gerais, nós explicamos como funcionava a nota fiscal paulistana
(ISS) e que eles podiam fazer um programa similar lá. A ideia era usar o cadastro do
IPTU e mandar cartinhas, “lincar” o CPF com IPTU e enviar cartas com mensagens
do tipo (i)“Você sabia que todos os seus vizinhos estão pedindo (a nota fiscal
paulistana)?”, que é o “peer pressure”, pressão dos pares. (ii) “Você sabia que se você
pedir sua rua será asfaltada?” que é um benefício público e não mais individual. (iii)
“Você sabia que se você pedir a qualidade das escolas irá melhorar?” que é um
benefício para ele mas que não é direto, ele não vê. (iv) “Você sabia que se você pedir
você vai ganhar 30% do imposto arrecadado” mais uma vez, benefício individual.
Nós tínhamos as cartas prontas e iriamos aleatorizar (RCT), para ver os resultados que
cada uma das mensagens teria. Acontece que nós tínhamos que ter dinheiro, para
enviar as cartas, fazer relação dos CEPs, etc. Mesmo estando tudo pronto, as
prefeituras implementaram e não esperaram os testes. Agora eles tem o programa da
nota fiscal mas sem o estudo que estava sendo feito. Implementaram o programa e
anunciaram no rádio, na TV local, de forma muito simples, sem se ter o estudo de
impacto do negócio. Explicamos que todo o processo iria levar muito tempo e
diferente dos pesquisadores americanos, temos muitas mais coisas a se fazer. Fiquei
um ano trabalhando nisso e não saiu.

Questão 6: Ponto de vista da eficiência do Estado vs. manutenção das liberdades


individuais. Como direcionar, de maneira subjetiva, o pagamento de impostos que
recai principalmente no interesse do poder público? (No Brasil não é evidente o
retorno em serviços públicos - descrença)
Professor Enlinson: Esse é o grande problema do Brasil. Não há como convencer
nenhum cidadão a pagar imposto, e por isso também a nota fiscal paulista está fadada
ao insucesso, porque nenhum cidadão quer ajudar o governo a arrecadar imposto,
porque o dinheiro some. Ou pelo menos nós não percebemos para onde está indo.
Como é que eu vou convencer ou estimular alguém a querer pagar imposto por
alguma coisa que eu não sei para onde vem. Então no Brasil não tem espaço para isso.
É isso que incomoda as pessoas, você pagar e não ter retorno. Nós queríamos, naquele
questionário que iriamos fazer nos municípios de Minas Gerais, mostrar para o
cidadão que “se você pagar aqui, o dinheiro vai vir aqui!” e assim você consegue ligar
o gasto com o retorno, com algum tipo de benefício. Se um visse o retorno dele (do
imposto), se ele soubesse onde o dinheiro está sendo aplicado, tudo bem o governo
direcionar o seu pagamento? Sim.

Questão 7: Há espaço para interferências comportamentais em um sistema


burocrático da complexidade do brasileiro? Se sim, como você acredita que isso
deveria ser implementado e que o importante é a eficiência da política para a maioria?
Professor Enlinson: Os governos estão se lixando para os motivos pelos quais o
consumidor pede nota. Eles não querem saber isso, eles querem aumentar a
arrecadação. Só. O governo local brasileiro, em média, não querem nem saber deste
estágio de preocupação. A prefeitura de São Paulo, por exemplo, determinou que só
teriam lanches orgânicos nas escolas públicas municipais. Na minha opnião, isso é
muito pior porque você não dá opção. E eu gosto mais do paternalismo deixando ele
escolher. O ideal seria educar todos e deixar todos no mesmo lugar. O que não sabe o
que está acontecendo e toma alguma atitude, ele precisa do Estado. (Assimetria de
informações). Vale ser menos libertário se você trouxer a valor presente o custo de
saúde no futuro para o preço do bem que ele está consumindo. Se eu sei que um
hospital gasta x mil reais com um paciente, quanto eu devo cobrar de imposto para o
que ele consome hoje? Isso é trazer o custo futuro a valor presente.

Questão 8: Por fim, você acredita que o NUDGE pode vir como uma solução para os
problemas estruturais que temos aqui no Brasil, principalmente de falta de
informações. Porque os autores falam muito sobre tornar a vida das pessoas mais
“fácil.” E aqui no Brasil, é tudo muito complexo. Você acha que o NUDGE e toda a
teoria deles poderia ser implementada aqui no Brasil.
Professor Enlinson: A minha opinião é que é válido. Só que a execução deste tipo de
política é complicada; vamos supor que o governo estabelecesse determinada
arquitetura de escolha para todas as “quitandas” na cidade de São Paulo, públicas e
privadas. Por mais que ele determinasse isso, não teria fiscal para ver se isso de fato
estaria acontecendo. E mesmo que haja fiscal, é muito provável que “esquemas”
surjam. Ou custa muito caro ficar mandando fiscal. Por outro lado, na rede pública o
governo possui maior controle sobre isso, sobre suas ações. Portanto, NUDGE como
política nacional dentro das áreas públicas, é possível e viável, dentro de cantina
pública, pode. Eu acho até que não tem legitimidade para fazer isso. E você acha que
dentro do espaço público ele tem espaço e ele pode interferir a este ponto? Em linhas
gerais, em ditadura não, mas em um contexto da cantina, CLARO! Ele está poupando
dinheiro de saúde dele com aquelas crianças. Tudo depende do contexto. Mas se em
geral, o governo tem de sair intervindo nas vidas das pessoas, de forma alguma. Por
exemplo, ele não deve influenciar a ordem das informações em um jornal (liberdade
de escolha, de imprensa etc.) mas na cantina sim.

ANEXO C – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA COM PROFESSORA CIBELE


FRANZESE

Introdução: Os economistas comportamentais Richard Thaler e Cass Sunstein


publicaram um livro chamado “Nudge: Como melhorar decisões sobre Saúde,
Riqueza e Felicidade”. O que eles propõe é o desenho de políticas públicas para
“orientar” os contribuintes para melhores decisões como: poupar mais para o período
de aposentadoria, comer alimentos saudáveis, pagar em dia os impostos ou aumentar
a doação de sangue. O governo britânico não apenas acolheu as ideias dos dois
economistas, como criou um escritório para desenhar estas soluções, chamado de
(coloque o link). Os autores chamam sua teoria de “Paternalismo Libertário” pois,
querem deixar claro que mantém nosso livre arbítrio para as escolhas, mas nos dão
um “empurrão” (nudge) para a melhor decisão. A pergunta geral do projeto é : Qual o
limite do governo para esta prática, visto que sabemos que temos falhas cognitivas? O
estado não deveria ter um papel mais neutro? Ele decide o que é a melhor decisão?
Para responder estas questões, escolhemos 3 perfis distintos de profissionais: da área
pública, do direito e da economia.

Questão 1: Você conhece alguma política que semelhante? Qual?


Professora Cibele: Eu estou pensando aqui e eu conheço políticas em que os
governos promovem incentivos. As vezes eles não são assim tão subliminares, são
mais explícitos, mas eles promovem incentivos para que as pessoas tenham melhores
comportamentos. Então, eu fico imaginando, por exemplo, em incentivos de renúncia
de multa para que o indivíduo venha a pagar uma taxa. Imagina que a gente tem um
negócio grande no governo que chama dívida ativa, que é toda dívida que as pessoas
não pagaram, é um dinheiro que o Estado deveria receber mas não recebeu pois
alguém deixou de pagar um tributo. E aí passa-se o tempo, e você vai fazer o que com
essa dívida? Vai mandar uma cartinha, entra no judiciário contra este indivíduo e o
custo vai crescendo. E mesmo depois de todas estas tentativas, pode ser que ele (o
Estado) não consiga o pagamento da multa. E aí em alguns momentos, o Estado faz
uma política de anistia de juros e multas. Existe uma crítica à anistias pois dizem que
esta anistia desincentiva o contribuinte a pagar porque ele vai sempre ficar esperando
que um dia vai vir uma anistia e acaba enrolando o Estado. Então anistias tributárias
acontecem bastante. A multa ja é sançanatória e coercitiva.

Questão 2: Em um primeiro momento, qual sua primeira impressão a respeito do ato


de conscientemente formular políticas públicas que influenciem comportamentos
desejados? (Susto, interessante, questionável...)
Professora Cibele: Eu acho super legal! (Risos) Eu não fico assustada, eu acho
interessante. Porque o que que eu acho; eu acho que do lado do governo tem-se uma
grande dificuldade de fazer a máquina funcionar. E a máquina vai funcionar para eu
produzir algo para o cidadão, o que já é dificil pois o produto entregue deve ter
resultados, deve ser de qualidade, no prazo e etc. Uma vez que o Estado consegue
entregar, a gente não tem a mínima ideia do impacto que isso tem na vida do cidadão.
Porque o impacto depende da atuação dele. Então por exemplo, no ambiente escolar;
uma vez que eu consigo uma sala de aula com um professor, com um currículo, eu
não tenho a mínima ideia se o aluno vai aprender. Então além da dificuldade que o
Estado tem de entregar algo, tem um vácuo imenso entre a eficácia e a efetividade do
Estado. E na minha percepção, este mecanismo que você me apresentou, ele poderia
ser utilizado para aumentar a efetividade das suas políticas. Porque ele poderia induzir
comportamentos positivos. Não tirando a liberdade de escolha, o aluno sempre pode
levantar da sala de aula e sair, sempre vai ter evasão escolar. Uma vez que ele entrou
na sala de aula, que tipo de incentivo eu tenho que usar para minha aula ter uma
efetividade maior? Mesmo que seja subliminar; mas eu acho que a gente tem tanta
dificuldade de impactos básicos como aprender a ler e escrever… Que usar estes
instrumentos para aumentar a possibilidade de efetividade eu não vejo com maus
olhos. Pois eu acho que geraria uma soma positiva, tanto de benefícios para o Estado
quanto para o cidadão desde que o cidadão tenha a possibilidade de não querer. No
caso das cartas na Inglaterra, por exemplo. Você está induzindo? Não, na verdade,
você está dando uma informação. Porque eu acho que a mídia faz isso com a gente o
tempo todo, e principalmente o mercado, para induzir a compra de produtos. Porque a
gente não pode fazer isso para potencializar o uso de políticas. Eu acho que seria
super importante. Agora, eu acho que tem uma coisa que precisaria ser garantida que
é a TRANSPARÊNCIA.

Questão 3: Você acredita que o Estado, a todo momento, esteja influenciando e


direcionando a vida das pessoas, mesmo que não intencionalmente?
Professora Cibele: Eu acho que não existe neutralidade do Estado porque ele é
ocupado por partidos e burocráticos. Ninguém é neutro, nem o burocrata por mais
técnico que ele seja, a técnica dele vai direcionar para uma coisa e não para outra. Vai
direcionar para uma cesárea e não para um parto normal. Mas ele não deveria
tendenciar à neutralidade, fazer esforços para que ele seja neutro? Eu não sei. Eu não
prezo tanto pela neutralidade. Eu prezo mais pela declaração dos princípios e que eles
sejam transparentes. Se você vai ser mais roxo ou mais “pink” tudo bem, porque a
neutralidade eu acho que não existe. O que me importa é que você me diga que você
vai ser “pink” e que nas eleições eu possa decidir que quero um governo “pink” e aí
eu já sei o que esperar. Por isso que, desse caso que você me falou, ele faz a indução
mas isso é transparente. Ele não ta mentindo, a maioria do bairro pagou, ele não está
mentindo. E tem um departamento de governo que seo faz isso e eu posso acha-las na
internet. Mas em muitos casos, para você ter o comportamento desejado, não se pode
ser transparente. E é então que entra a questão do trade off.

Questão 4: Um grande paradoxo no campo de formulação de políticas públicas é a


linha tênue que se encontra entre aquilo que é ético e aquilo que seria de fato efetivo.
Convivemos com “trade offs” cotidianamente. Neste sentido, seria válido que o
Estado influencie o comportamento dos cidadãos, buscando uma maior eficácia e
eficiência de suas políticas?
Professora Cibele: Bom, eu tendo a achar válido. Eu acho válido, mas eu acho que
você tem que ter algum limite. E esse limite tem que ser claramente estabelecido e
transparente. Porque se não, o Estado ele é muito poderoso. Porque ele é muito grande.
E ele pode fazer coisas que não são boas para o cidadão também. Então quem vai
julgar se aquilo é bom ou ruim? Tem que ter algum parâmetro, algum limite, para que
o Estado não possa avançar todos os sinais. Agora o que eu acho que é esquisito é a
gente imaginar que essas coisas já são usadas em termos de marketing político, por
exemplo, o marketing usa tanto isso, e a gente fica pensando; a gente pode usar isso é
lícito, não tem limite nenhum para induzir uma pessoa a votar em determinado
candidato. Agora não é ético fazer isso para um aluno ficar dentro da sala de aula e
aprender a ler e escrever? Ou reduzir a obesidade, pressão alta, consumo de cigarro,
etc. O mercado avançou tanto, que as vezes o Estado não usar isso é acabar deixando
o indivíduo somente à mercê do mercado. Porque ele também teria que fazer coisas
que incentivam. Agora o ideal é que fossem incentivos transparentes, e não somente
subliminares.

Questão 5: A partir das aulas que nós tivemos sobre políticas públicas, ficou evidente
que aqui no Brasil as políticas dependem de muitos fatores para serem de fatos
implementadas. Quais são as possibilidades de você fazer uma política pública tão
pensada e tão criteriosa aqui no Brasil?
Professora Cibele: Eu acho que a gente está em um estágio aqui no Brasil em que
ainda estamos preocupados em entregar as coisas. A gente não está preocupado com
impacto, o que é um erro, porque nós temos que nos preocupar com impacto.
Precisamos se preocupar com a qualidade também. Mas se nós olharmos os jornais,
por exemplo, eles ainda pedem mais do mesmo. Ou seja, mais vagas nos hospitais,
mais cirurgias, mais médicos. É tudo produção. Ninguém está pensando em como o
cidadão reage. É meio assim “entregou o negócio, já está bom.” Então por isso que eu
acho que isso não entrou na agenda aqui, a não ser no marketing político.

Questão 6: Ainda vai demorar?


Professora Cibele: Por exemplo, se a gente fizesse um piloto em uma escola seria
muito legal. Porque aí poderíamos discutir a ideia em uma reunião de pais, então você
deixa isso transparente, e diz que vai usar isso com as crianças. E assim você tem o
conhecimento dos pais de que aquilo vai ser feito na cantina, por exemplo, porque nós
queremos reduzir a obesidade. É tudo uma questão de você ponderar… Se a criança
não sabe, ao menos os pais delas sabem, por exemplo. E aí, desde que fosse garantida
a possibilidade da criança migrar para outra escola. Que é uma coisa que nós também
não temos no Brasil, que é a possibilidade de escolha. Então se a mãe quer colocar a
criança em uma escola em que o bolo de chocolate está na frente, ela deve ter a
possibilidade de sair. E aí se eu fico pensando na cabeça do burocrata: quanto custa
para colocar o bolo de chocolate? Quando custa para colocar maça? Quer reduzir a
obesidade? Então vai lá e coloca só maçã!!! É o jeito que a gente resolve as coisas no
Brasil e por isso que essas coisas não entram na agenda. Parece um grau de
sofisticação que nós ainda não alcançamos.

Questão 7: Porque no Brasil nós não conseguiríamos fazer isso e na Inglaterra sim?
Professora Cibele: Primeiro porque nós ainda estamos muito voltados para o Estado
e pouco voltados para o cidadão, infelizmente. A gente faz leis, faz concursos, faz
coisas que são do Estado para o Estado. Nós estamos na produtividade ainda, não
estou preocupada na cura, eu estou preocupada em ter médico porque se não o
cidadão corre o risco de nem ser atendido. E eu não acho que é uma preocupação
pouco importante, ela é fundamental, mas a gente ainda está olhando muito pra dentro.
Na Inglaterra eu acho que não, porque lá eles já começaram na década de 90 com
movimento do Public Service Orientation que é o movimento de “olhar para o
cidadão”. Acho que esse é um ponto. O segundo é que a Inglaterra trabalha muito
com uma diminuição de diferenças entre público e privado, então, assim como eu
posso utilizar um serviço privado, eu posso usar uma técnica de marketing para um
serviço público. Isto é, a separação entre o público e o privado é muito menor. É
possível e é mais aceitável na administração inglesa, que é bem gerencial, utilizar
ferramentas privadas na área pública. No Brasil, a gente tem uma aversão ao que é
privado. O próprio conceito de eficiência, nós encontramos uma dificuldade de
trabalhar com ele na área pública no Brasil. Na Inglaterra, contanto que o interesse
seja público, tudo bem trabalharmos com ferramentas privadas.
Porque eu fico imaginando o poupa tempo, que é um serviço desenhado para o
cidadão. Mesmo lá, não existe nada “subliminar”. E das discussões que eu participo,
isso não aparece. E se aparece minimamente, já vem alguém falando que não, você
não pode induzir o cidadão a nada. É muito longe da nossa cultura organizacional.
Mas eu acho muito interessante. A gente poderia trabalhar combinando com graus de
consentimento; poderia testar em uma escola, ver o que acontece e na outra não. E
então você poderia ter coisas para comparar, e você vai aumentando graus de
consendo, trabalhando com exemplos de boas práticas. Na hora que cair a obesidade,
eu posso até oferecer por adesão para os pais. E aí você vai criando uma cultura
diferente. Mas no Brasil me parece muito distante. O que é uma pena porque é muito
legal. Eu achei muito legal isso tudo.

Questão 8: Por fim, seria ético implementar este tipo de política?


Professora Cibele: Eu acho que seria ético desde que com limite. Um limite claro e
transparente. Em casos em que não houvesse um limite claro e transparente eu acharia
melhor não aplicar, apesar de achar fascinante eu acharia melhor não aplicar.
ANEXO D – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA COM MARINA CANÇADO

Introdução: Com a Marina Cançado, a entrevista teve um viés de bate-papo, apesar


de ressaltar-se alguns direcionamentos para a conversa. Os pontos essenciais que
questionei a Marina foram principalmente sobre o surgimento da FLOW, quais são as
premissas básicas da empresa e como foi sua inserção e abordagem ao governo para
oferecer os serviços que a FLOW dispõe. Além disso, foi essencial questionar a
Marina sobre os limites que ela destaca tanto no sentido de aplicação dos princípios
da FLOW, quanto de até que ponto ela acha válida a interferência na vida dos
cidadãos. Por fim, quais as perspectivas que ela possui tanto para a empresa quanto
para a inserção da teoria normativa do NUDGE aos governos.

Marina Cançado: A FLOW surgiu de uma trajetória de 10 anos trabalhando com


governo e área pública. Eu comecei trabalhando com governo e gestão, pois eu
achava que se a gente melhorasse os processos, isso teria um efeito no serviço
oferecido. Mas o que eu vi é que não. Existe uma grande distância entre o que se
planeja eo que acontece na prática da entrega do serviço. Meu próximo passo, no
TELLUS, foi de melhorar a entrega do serviço. Ou seja, você melhora a fila de
hospital, ou a tecnologia na sala de aula. Ao longo do tempo, eu comecei a perceber
que tinha uma efetividade muito baixa este tipo de ação, tanto de gestão, quando de
design de serviços. Para o cidadão. Para o governo, em termos de gestão, claro, havia
melhorias em tempo, gasto de dinheiro e etc. Mas isso não era visível pro cidadão na
ponta. Então eu comecei a me questionar; “o que que acontecia que tinha uma
distância tão grande entre o que fundações e o governo pensavam e como as pessoas
recebiam aquilo e como aquilo transformava a vida delas.” E eu percebi que tinha um
gap, tinha alguma coisa faltando neste processo. Teria que se inserir a visão de que
toda transformação coletiva passa necessariamente por uma transformação individual.
Então se a gente não entender como o ser humano age, como a gente vai desenhar um
serviço para transformar seu comportamento? Então hoje eu sinto que a FLOW ela
surge nesse processo de realizar mudanças coordenadas que impactariam no coletivo.
Pequenos passos individuais para uma direção do coletivo.
E aí, depois de ter tido este insight é que eu cheguei às ciências comportamentais. Não
foi à priori. Foi uma percepção de prática, de identificar um GAP, e aí eu comecei a
pesquisar pessoas que falavam sobre isso e aí eu cheguei nos autores das ciências
comportamentais. Então acho que o fluxo da FLOW foi chegar nesta união de lógica
de governo e terceiro setor que são lógicas diferentes da lógica do mercado, somado à
logica do design (ao ter a intenção de projetar algo para o outro acaba em seus
princípios tendo pontos muito valiosos como foco sempre no ser humano, a lógica da
experimentação) e por fim, a lógica da colaboração, no sentido de ter vários
stakeholders “trabalhando” por um objetivo comum.
Então a FLOW tem três pilares, (i)lógica do primeiro e do terceiro setor (ii)design e
(iii) das ciências comportamentais como uma fonte de conhecimento sobre o ser-
humano. Não só a ciência comportamental, mas também a psicologia, cultura, crenças,
também são coisas que proporcionaram elementos para complementar a ciência
comportamental. E o grande desafio é colocar isso na prática, assim, entender é fácil.
Existem grandes princípios da ciência comportamental que, se você ler, você entende.
Agora, colocar isso nos serviços e programas que você desenvolve é o grande desafio.
Não é simples.

Questão: Como foi a recepção das instituições governamentais e o primeiro contato


com o governo. Qual foi o “approach” escolhido para apresentar a FLOW?

Marina Cançado: Então eu acho que neste caso, nos principais projetos que estamos
fazendo agora de educação financeira para aposentados e mulheres beneficiárias do
Bolsa Família, eu acho que teve uma percepção de que; (nós governo) estamos
trabalhando com um tema, educação financeira, que é muito comportamental. Acho
que esse foi o grande link. Eu acho que dinheiro e alimentação são dois tópicos muito
comportamentais. O máximo que a gente entende de educação financeira é colocar na
escola o conteúdo que deve ser dado para a criança entender. Agora, adultos, que tem
hábitos cristalizados, tem uma outra forma de aprender, tudo isso torna muito mais
complexo. E mais que isso, são pessoas não institucionalizadas. Ou seja, eles não
estão em um ambiente, eles não vão para a escola todos os dias. Eles estão
pulverizados por todo Brasil. Então acho que eles viram o valor da FLOW pela
FLOW conseguir captar estes insights humanos que melhor moldassem as estratégias
de educação financeira. Então acho que nossa porta de entrada foi essa falta de clareza,
do que fazer com esse público, e essa consciência de que era um desafio muito
complexo. Principalmente porque envolvia uma mudança de comportamento muito
difícil, por ser uma população dispersa e com hábitos cristalizados.

Questão: A implementação das ciências comportamentais às políticas depende muito


das instituições paralelas ao governo?
Marina Cançado: Eu acho que depende muito destas instituições paralelas, não só
acho como estudei a trajetória e movimento do governo inglês e do governo
americano, inclusive tive a oportunidade de conversar com o ex prefeito de Nova
Iorque Michal Bloomberg e para eles é muito claro que o governo, muitas vezes por
lógica, não pode ou não consegue justificar investir em projetos de pesquisa e
desenvolvimento. O foco do governo é ter grandes orçamentos para executar, escalar
os serviços básicos. Então o Bloomberg falou pra mim que, lá na prefeitura de Nova
Iorque, ele conseguiu fazer experimentações, mas sempre com grandes recursos
privados. Mas não com recursos da prefeitura de Nova Iorque. Na Inglaterra
aconteceu o mesmo movimento. Eles criaram um grande fundo e as prefeituras, as
municipalidades e governos que queriam experimentar alguma coisa, aplicavam para
este fundo que era um fundo privado e adquiriam recursos para fazer estes testes e
experimentações. Então hoje, para mim, o caminho da FLOW é ser um grande
laboratório destas soluções, baseadas em mudanças comportamentais. Para que a
gente gere conhecimento que acelere a curva de aprendizagem dos governos e seja um
lugar de experimentação e que as soluções criadas deste processo de pesquisa e
experimentação possam ser implementadas pelo governo. Tanto é que hoje os
projetos de educação financeira não são pagos pelo governo, são pagos por fundações
internacionais, como o BID. O governo dá muito valor para o que estamos fazendo,
mas o dinheiro não está vindo deles. Mesmo o BIT, eles saíram do governo inglês e se
tornaram uma instituição independente. Hoje eles são uma empresa social. Ele se
formou dentro do governo, mas saiu, e hoje é uma empresa que presta serviços para o
governo inglês mas também para outros países, outros governos.
Questão: Quais os principais desafios que a FLOW encontra atualmente?
Marina Cançado: Para mim hoje, o desafio da FLOW como empresa é que muitos
dos projetos que nós queremos fazer depende de doação. Então o que eu pretendo
para o futuro é ter uma empresa mas ter também uma associação, que possa financiar
projetos que sejam importantes para o Brasil.

Eu queria que a FLOW fosse a Behaviour Unit do Brasil! A gente consegue agregar
muito a governos e fundações e institutos também. E neste modelo, de ter uma
empresa mas tem um braço que faça muito advocacy pela causa, que faça pesquisa, e
que possa financiar projetos que, de primeira, o governo não quer financiar. O grande
desafio é ter pessoas qualificadas pra isso.

Questão: Quais são os limites de alteração do comportamento? Por exemplo, se uma


beneficiária do bolsa família deseja dar um tênis novo pro filho e vê prazer nisso, até
que ponto se pode incentivá-la de que isso seria errado e alterar seu comportamento
para que ela economize mais dinheiro? Você não estaria manipulando-a?
Marina Cançado: É que eu não acho que é manipulação. Porque eu acho que a todo
momento a gente se depara com arquiteturas de escolha. A gente está sempre cercado
por um contexto. O que eu acho que aí é que está o segredo da FLOW porque a gente
nunca se baseia só na ciência comportamental, ela é um dos nossos pilares. Então a
nossa solução está no meio destes três eixos, não está só na ciência comportamental.
Eu tenho um viés muito de acreditar que as pessoas podem se empoderar e encontrar
para elas as melhores soluções. Ao mesmo tempo, existem dificuldades neste
processo. Então eu acho que eu tenho um cuidado de não utilizar somente a ciência
comportamental pura porque eu acho que ela ainda está em um âmbito muito teórico,
que é muito diferente do que se encontra na realidade. Este contra-ponto com o design
que busca projetar algo para uma característica/personalidade específica, assim como
o viés do primeiro e do terceiro setor que possuem ideologias específicas, sempre
diferentes ministérios tem diferentes ideologias. Então, o que eu quero dizer com isso
é que sempre por trás de uma ação tem uma visão de mundo. Sempre. É inexistenete
uma ação que não tenha uma visão de mundo. E o que eu acho que é a questão da
ciência comportamental, é que tem problemas que hoje são muito urgentes e precisam
ser resolvidos e que se a gente depender do tempo natural do ser humano não vai
resolver. Como a mudança climática, por exemplo. Não adianta, querer conscientizar
todo mundo. Cada década tem uma percepção diferente sobre a mudança climática.
Inclusive, fizeram um relatório que busca elencar quais são os assuntos prioritários
que dependem de soluções comportamentais. A mudança climática é uma delas pois
ela afeta todo mundo. Tem coisas que o governo, como regulador, tem de olhar. Mas
tem coisas que são mais individuais, como a obesidade, por exemplo.
A pessoa muitas vezes ela sabe o que é melhor para ela mas ela não consegue tomar a
decisão na hora. Você vai deixar as pessoas na extrema pobreza? Para comprar um
tênis de 300 reais pro filho sendo que ela vive com 500? Não! Mas por isso que tem a
ver com visão de mundo. Mas aí as pessoas que estão no poder naquele momento, tem
que compartilhar ou não dessa visão de mundo. Eu acho que o papel das instituições
paralelas é trazer para o governo permanente solutions. Testar coisas, ver se elas são
certo ou não e arrumá-las, e entregar para o governo. Ainda que ele deve participar de
todo processo, que é o que está acontecendo hoje nos projetos de educação financeira.
Desde o início eles estão participando ativamente, das decisões, das validações, do
compartilhamento do conhecimento. E lá no fim a gente vai chegar em uma solução,
que foi muito criada por nós mas que tem muito deles também.

Questão: Teve algo que foi recusado pelo governo neste processo de validação?
Marina Cançado: Nós queríamos que parte do benefício do Bolsa Família já fosse
direcionado para poupança. Mas desta forma não foi aceito. Poderia ter um produto
que a mulher optasse por ele mas da forma que a gente queria de já automaticamente
fosse para poupança não foi aceito. Mas aí por trás tem uma questão política de como
a mídia receberia esta informação. “Como as mulheres que estão tão pobres estão
fazendo poupança? Então talvez elas não estejam tão pobres assim.” E isso nem é a
visão deles, é o que eles acham que a sociedade vai achar deles. Mas assim, a gente,
pela escassez, já vê que não é assim. É que justamente pela mulher não ter reservas,
faz com que, diante de uma emergência, ela tenha que recorrer à um dinheiro mais
caro e é aí que ela se endivida. Mas assim, não é a crença da equipe. É a reação deles
ao que pode falar. O governo sempre tem esta medida entre o que eles de fato eles
acreditam e que ruídos pode se identificar na sociedade em relação àquilo. E hoje, em
um momento super delicado de país, minimizar ruídos é muito importante. Mais ou
menos aberto à ciência comportamental, depende do momento político e do tipo de
desafio que se está vivendo. Então eu acho que os argumentos teóricos eles vão até
um ponto, chega a um ponto que você precisa de pragmatismo.

Questão: Como conquistar as instituições? Como coloca-las nos objetivos que a


FLOW procura?
Marina Cançado: Mudança individual de quem está dentro das instituições. De novo,
aplicando a mesma coisa que estamos falando para o beneficiário para o intermediário.
Ou uma mudança individual ou o entendimento mais técnico. Ou a gente consegue
mudar suas crenças, e ele passa a olhar para o comportamento ou mediante uma
urgência, ele entende que este é o caminho mais pragmático. A mudança acontece de
duas formas, ou cultural ou de contexto. Então para os servidores públicos pode ser
cultural, pode ser uma mudança de crença de pensamento ao longo do tempo. Ou de
contexto. Eu acho a de contexto mais difícil porque em geral, os programas de
políticas públicas não tem métricas muito estipuladas, entendeu? Então a não ser que
aconteça uma urgência muito evidente, ele não vai olhar para isso. Como um grande
acordo internacional pelas questões climáticas.
Eu acho que o grande mérito da ciência comportamental é que o ser humano ele tem
um tempo para mudar, e a gente pode criar formas de encurtar este tempo. E isso
talvez valha a pena para alguns assuntos e para outros não. Querendo ou não, todos
chegamos em algum ponto da vida em que temos algumas descobertas. O problema é
que o governo está olhando para a sociedade e não para o indivíduo. Só que essa
lógica tem que ser inversa. Se ele não olhar para o indivíduo ele não consegue olhar
para a sociedade.
Para alguns temas isso pode demorar bastante, mas para outros vai ser mais rápido
pois a gente está chegando em limites. Tipo a educação financeira. Saiu uma notícia
essa semana que quase metade da população brasileira está endividada. Mesma coisa
para as mudanças climáticas. Por outro lado, educação, tem muita coisa que daria para
fazer em educação mas eles ainda não estão dispostos.
Por mais que as ciências comportamentais tracem princípios básicos do ser humano, o
ser humano tem ciclos na sua vida. Então tem momentos que estão mais ressaltados
do que outros, e tem momentos que é mais estratégico você intervir do que outros. Eu
acredito muito nesse caminho, não como O caminho, mas sim como uma composição
de práticas.
Quando eu desenho um programa, eu parto de um comportamento atual mas que eu
espero alterar (comportamento esperado). A maioria das instituições não explicita
esse processo, e eu acho que esse é um dos grandes erros. Porque assim, no fim,
sempre que você propõe um projeto você está querendo mudar alguma coisa. Até eu
chegar no comportamento esperado, tem fases, tem alguns “comportamentos
intermediários”. Então, qual é a catálise, qual é o catalisador que vai fazer com que eu
pule de um comportamento para o outro. E é isso que eu estou chamando de NUDGE.
Então, o nudge para mim é um facilitador, é um catalisador. Eu não estou
arquitetando somente no que eu observo, mas sim, no passo que ele vai dar. Mas se o
meu conteúdo é um conteúdo que essa pessoa precisa receber. Isso aqui não é tudo
manipulação, é de fato o que eu acho que uma pessoa precisa ter. O nudge é o que faz
ela usar isso a serviço de dar o próximo passo para um comportamento mais desejável.
Acho que essa é um pouco a diferença do que a FLOW está fazendo. Não é ciência
comportamental pura, é trazer esses insights, junto com outros, para dar este passo.
Fazer ciência comportamental pura é muita manipulação. Porque muitas das
experiências de ciências comportamentais que eu conheço não vão entender o ser
humano primeiro. A gente, para montar nossos instrumentos, ficamos quatro meses
comendo e dormindo em casas de beneficiárias do Bolsa Família. Daí depois, de
conhece-las, a gente foi ver que tipo de nudge que fazia sentido. A gente não trouxe o
nudge antes de entender quem são essas pessoas. Nós a entendemos, entendemos o
objetivo, o que elas precisavam, e então criamos o caminho, que seria o nudge. Não
ocorreu nenhum tipo de uniformização. A partir da imersão, de ficar 4 meses nas
casas de quase 400 mulheres diferentes, nós criamos nossos próprios padrões
comportamentais (personas). Aí disso falamos, qual o desafio dessas mulheres? E aí o
NUDGE surge para ajuda-la a dar o passo. Mas você não vai negar a individualidade
o tipo de comportamento que ela tem. Eu fui conhecer uma empresa grande em Nova
Iorque de behavior e eles não vão pra campo!!! Eles pegam aquela lista de princípios
e já moldam as coisas com base naqueles princípios. Tem uma lista de princípios
recorrentes, sim! Mas eles se manifestam de diferentes formas. Principalmente em um
contexto de vulnerabilidade, escassez. Então eu acho que o NUDGE é um acelerador
de um passo, ele não é o centro. E eu acho que a grande crítica é de tomar isso como o
centro. Usar isso como fim e não como meio.

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