Luiza Barbosa - Paternalismo Libertário
Luiza Barbosa - Paternalismo Libertário
Luiza Barbosa - Paternalismo Libertário
Paternalismo Libertário
O limite entre a liberdade de escolha e a formulação de políticas públicas
SÃO PAULO
2015
Luiza Kodja Barbosa
Paternalismo Libertário
O limite entre a liberdade de escolha e a formulação de políticas públicas
SÃO PAULO
2015
RESUMO
SEÇÃO 1
1.0. INTRODUÇÃO 5
SEÇÃO 2
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74
ANEXOS 76
ANEXO A – QUESTIONÁRIO 76
1Ver por exemplo o livro Kahneman, D. (2011). Thinking, Fast and Slow. Farrar, Straus and Giroux.
3 https://www.gov.uk/government/organisations/behavioural-insights-team
Diante da relevância desta nova forma de desenho de políticas públicas,
um entendimento teórico, bem como as suas implicações para a sociedade, passa a ser
de fundamental importância para o campo de formulação de políticas públicas.
Objetivos Gerais
Objetivos Específicos
Pergunta da pesquisa
4
Richard H. Thaler, C. R. (2003). Libertarian Paternalism. The American Economic Review , 93, No.
2, 175-179.
5
Traduzido para o português como "Nudge: O Empurrão Para a Escolha Certa - Aprimore suas
decisões sobre saúde, riqueza e felicidade", 2008. Nota: utilizaremos o nome “Nudge” para referir à
esta publicação dos autores Richard Thaler e Cass R. Sustein
6 (Gul; Pesendorfer; 2005, p.9)
quiserem e escolher o que é melhor para si, sem violar o princípio do livre-arbítrio
diante das decisões pessoais. A teoria possui cunho não intrusivo; não são instituídos
quaisquer preceitos coercitivos sobre o processo de decisão. A própria sinopse de
Nudge explicita: “(...) os autores nos ensinam a orientar7 as pessoas para uma saúde
melhor, investimentos mais sólidos e ambientes mais limpos sem privá-las do direito
inalienável de bagunçar as coisas se elas quiserem.”8
Daí o nome paternalismo libertário, para evidenciar que temos liberdade
de escolha garantida, mas que de alguma forma, ela é assistida pelo Estado, o que
gera desconforto para os mais libertários. Importante ressaltar que estes economistas
cunharam a expressão libertarismo que é uma teoria de justiça cujo principal
representante é Robert Nozick.
O filósofo argumenta que “os indivíduos têm direitos e há coisas que
nenhuma pessoa ou grupo pode fazer a eles (sem violar seus direitos). Tão fortes e
abrangentes são esses direitos que suscitam a questão do que, se é que alguma coisa, o
Estado e seus funcionários podem fazer” (Nozick, 1974: ix). Sendo assim, a
interferência governamental se caracterizaria como uma violação dos direitos morais
básicos dos indivíduos.
As funções do Estado devem se limitar à proteção contra força, roubo,
fraude, etc. pois, para Nozick, qualquer Estado mais amplo violará os direitos das
pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas e é injustificado:
7
Destaque para o verbo “orientar” colocado no sentido de orientação que possui forte significância em
toda construção do paternalismo libertário como conceito.
8 Trecho retirado da sinopse (verso) do livro “Nudge: o empurrão para a escolha certa. Tradução de
Marcello Lino, 2009
9 Thaler, Richard; Sustein, Cass R. Libertarian Paternalism Is Not an Oxymorum. 2003.
do paternalismo libertário ao desempenhar algum tipo de influência no
comportamento de indivíduos, ao mesmo tempo em que respeitam a liberdade de
escolha. A teoria busca, portanto, quebrar o paradigma de que o paternalismo
necessariamente se opõe à liberdade e autonomia dos indivíduos.
Muito se discute em países que dispõe de instituições democráticas sobre
a legitimidade do paternalismo e quais seus limites diante dos princípios de liberdade
individual. Thaler e Sustein argumentam em Nudge que aqueles que são avessos a
quaisquer princípios paternalistas advindos das instituições geralmente defendem que
o “certo” seria proporcionar às pessoas o maior número possível de opções, e permitir
que elas escolham a que quiserem, de acordo com seus próprios interesses. Mas se os
indivíduos possuem falhas cognitivas e o meio social implica necessariamente em
algum tipo de influência no processo decisório do cidadão, porque não exercer a
influência no sentido de tornar sua vida melhor?
Diante disso, os autores legitimam o viés paternalista da teoria baseando-
se em princípios da economia comportamental, que possui como fonte básica de
informações a ciência emergente das escolhas, constituída por pesquisas que
levantaram questões sobre a racionalidade de muitos julgamentos e decisões feitas
pelas pessoas. “A idéia de homo economicus, fundamentada na noção de que cada um
de nós pensa e escolhe infalivelmente bem, nada mais é que um retrato canônico que
os economistas apresentam dos seres humanos.” (Thaler & Sustein, 2008, p. 7)
Outro fator ressaltado pelos autores para desconstruir argumentos de
cunho libertário, a favor da fração de paternalismo presente na teoria, é a de que não é
possível não influenciar as escolhas das pessoas, e elas não estariam isentas, mesmo
sem a intervenção do Estado, de outros tipos de influência que poderiam reduzir suas
liberdades individuais, no que diz respeito ao livre arbítrio de cada um.
10 O cinto de segurança seria um exemplo de política paternalista coercitiva. O Estado, por meio de
leis, obriga seus cidadãos a utilizar o cinto de segurança e se a norma não for respeitada, são cobradas
multas. Este caso implica em uma ação coercitiva do Estado, que não condiz com o que o paternalismo
libertário defende. O caso libertário é um caso extremo de não aceitação de nenhum tipo de
paternalismo fraco, como uso do cinto de segurança, ou forte, como um estado não laico. Muitas vezes
podemos dizer que o Estado deve ser neutro em relação às nossas concepções de bem, ou seja, o que
achamos que é bom para as nossas vidas. Tal princípio é defendido pelos libertários e por correntes
liberais. A diferença é que estes aceitariam um paternalismo fraco.
11 Wilkinson; Klaes, 2012.
racionalidade limitada. Este último propõe uma concepção mais realista da
capacidade humana de lidar com conflitos, uma vez que não se pode esperar que
desafios sejam solucionados otimamente.
Em Wilkinson & Klaes (2012), que discorre especificamente sobre os
estudos da economia comportamental, afirma-se que o objetivo dos estudos não é
entender o quão útil ou válido é determinado juízo de valor sobre a utilidade de algo,
por exemplo. Mas sim, o porque que ele foi criado, buscando analisar o processo e
não o resultado final. Esta é uma questão de cunho psicológico que possui importante
implicação sobre o “policy making”. A economia comportamental, assim como as
psicologias social e cognitiva têm obtido efeitos significativos em políticas públicas
desenvolvidas em diversos países, inclusive nos Estados Unidos e o Reino Unido.
É possível, a partir disso, estabelecer um paralelo direto com a função
delegada ao arquiteto de escolhas no paternalismo libertário, uma vez que este deve
ter a discricionariedade sobre o momento ideal para intervir e direcionar o indivíduo
para a melhor decisão. Tal discricionariedade só é possível sob o conhecimento dos
processos, das características que envolvem as tomadas de decisão dos seres humanos
como um todo.
Uma das características identificadas é a tendência dos seres humanos à
inércia, no sentido de existir uma tendência mais geral a manter o status quo.
Samuelson & Zeckhauser (1988) apelidaram este fenômeno de “viés do status quo”.
Isso pode ser identificado em situações em que pessoas simplesmente não mudam de
canal ao iniciar um novo programa, mesmo que este não a agrade, ou até mesmo
quando o cancelamento da renovação automática de assinatura de revistas demanda a
ação de cancelá-la.
Muitas pessoas adotam o que chamaremos de heurística do “ah,
tá” (...) A combinação de aversão à perda e escolhas desatentas
sugere que, se uma opção é designada como “predefinida” ela
atrairá uma participação de mercado maior. As opções
predefinidas podem agir então como poderosas cutucadas. Em
muitos contextos, as opções predefinidas têm um poder de
orientação extra porque os consumidores talvez sintam, com
razão ou não, que elas têm o apoio implícito de quem as
configura, seja essa entidade seu empregador, o governo ou o
programador de televisão (Thaler & Sustein, 2008, p. 38).
Sustein (2012) ainda afirma que, se nada é o que os indivíduos irão fazer,
regras pré-estabelecidas podem causar muitos estragos ou promover diversos avanços
e seria neste, e em outros diversos pontos baseados em descobertas da economia
comportamental, que a normativa do Paternalismo Libertário pode e visa atuar.
12 Comportamento este aqui colocado em estrito senso, uma vez que os indivíduos possuem grande
aversão à perda de dinheiro e por isso incentivos econômicos costumam funcionar muito bem.
interferir de maneira paternalista na vida de um indivíduo para que ele tome decisões
melhores, ao mesmo tempo que não se infringe os princípios básicos da liberdade de
escolha.
A partir do teste exemplificado na figura a seguir, pode se depreender do
que um Nudge se trata.
Imagem retirada do vídeo “Nudge, the animation: Helping people make better coices”
https://www.youtube.com/watch?v=jsy1E3ckxlM acessado em 14/12/2014
Este fato gerou um alerta para o poder público local, visto que se é
desejável guiar as pessoas para um comportamento socialmente desejável, não se
pode deixar que, aquelas que devem saber, saibam que suas ações atuais são melhores
do que as normas sociais.
Além disso, este caso elucida perfeitamente o poder que um incentivo na
forma de feedback possui sobre o comportamento dos seres humanos. Imagine isso
para um política de uso consciente da água? Será que o bônus financeiro, por redução
de consumo funciona sempre? Há estudos da empresa de águas de São Paulo
(SABESP)14 que mostram que o consumo parou de cair. Podemos suspeitar que o
incentivo não é apenas financeiro, mas precisamos ativar a nossa “consciência” para o
uso racional de um recurso escasso e caro.
Depreende-se também que o comportamento das famílias explicitado
pode se encaixar perfeitamente em uma das previsões realizadas pela economia
comportamental sobre a tendência do ser humano de “seguir o bando”. Ou seja, os
indivíduos são facilmente influenciados por outros humanos. E um dos motivos para
isso é que todos nós gostamos de nos adequar.
Ainda em meio ao experimento, cerca de metade das famílias receberam,
além das informações descritivas sobre seus gastos com energia (feedbacks), um
pequeno sinal não verbal de que seu consumo de energia era socialmente aprovado ou
14Cerca de 25% dos consumidores aumentaram o consumo de água em setembro de 2014, mesmo
com o bônus na conta de água. Ver mais em http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,adesao-a-
bonus-da-sabesp-cai-e-25-dos-clientes-consomem-mais,1573749.
desaprovado. Este sinal era uma carinha; as pessoas que consumiam mais do que a
norma recebiam uma expressão triste, ao passo que quando os usuários estavam
abaixo da média, recebiam uma carinha com expressão alegre.
Os grandes consumidores de energia apresentaram uma redução ainda maior
quando receberam a carinha triste. Já aqueles que receberam a expressão alegre,
“abandonaram” a tendência a aumentar seu consumo para chegar á média de consumo.
“Quando simplesmente se dizia que seu consumo de energia estava abaixo da média,
eles achavam que tinham “espaço” para aumentar o consumo, mas, quando a
mensagem informativa era combinada com uma cutucada emocional, elas não o
ampliavam.” (Nudge, p. 73)
15 A procrastinação se define pelo ato de retardar alguma ação, deixar para depois. Esta se caracteriza
como uma falha cognitiva na racionalidade de um indivíduo na situação daqueles que retiram água de
reservatórios que estariam, muito provavelmente, contaminados. O “deixar para depois” neste caso
pode acarretar em problemas sérios, mas que não são identificados no momento pelo indivíduo. E para
cobrir esta “falha” cognitiva é que o Nudge exposto foi utilizado para fins de melhora da saúde pública
local.
16
Caso retirado de Adamczyk, Willian; 2013
malária. Esta política de distribuir uma quantidade limitada despertou no resto da
comunidade a vontade de ir atrás dos mosquiteiros, por conta própria e através dos
preços de mercado.
O nudge da distribuição gratuita ou com grande subsídio, levou
a um efeito reforçador do próprio, convencendo as pessoas a
usar os mosquiteiros quando era percebida uma diminuição na
frequência da incidência de doença sobre as crianças. E então, a
partir de um empurrão inicial o uso se tornou costumeiro,
espalhando a notícia na comunidade. Aqueles que receberam
gratuitamente o primeiro mosquiteiro apresentaram maior
tendência em comprar um segundo. Não apenas as pessoas que
receberam o mosquiteiro foram beneficiadas. Amigos e
parentes que ficaram sabendo da eficácia de seu uso passaram a
comprar e utilizá- lo. (Banerjee & Duflo, 2011, p. 68)
19Artigo disponível em
<https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/62529/TLA-
1906126.pdf>
Neste sentido, uma publicação do Behavioural Insights Team que merece
ser ressaltada, por significar um avanço para a aplicação das premissas do
paternalismo libertário à formulação de políticas públicas, se chama, em inglês,
“EAST: Four Simple Ways to Apply Behavioural Insights” . É um tutorial simples e
pragmático que busca sintetizar ao máximo o conteúdo a respeito da ciência
comportamental para que os formuladores de políticas públicas tenham acesso a um
“guia” simples de como criar políticas que sejam mais eficientes e efetivas. A sigla
EAST representa o seguinte conjunto de palavras: “Easy, Attractive, Social e Timely”,
as quatro premissas principais que devem ser seguidas para criação de políticas que
com os princípios pretendidos.
Os estudos afirmam, portanto, que para se adquirir uma maior eficiência e
efetividade das políticas públicas deve torná-las mais fáceis, deve necessariamente
levar em conta como seria possível “facilitar a vida do cidadão” através de mensagens
mais simples, por exemplo, ou até mesmo usufruindo da importante descoberta de que
os seres humanos tendem a manter as opções que já estão pré estabelecidas. (Default
Options)
A segunda palavra representa a premissa de que se deve tornar a política
“atraente”, ou seja, assim como há esforços do setor privado para tornar seus serviços
mais atraentes, seria válido que o setor público utilizasse desta mesma estratégia para
seus próprios serviços ao estabelecer melhores recompensas por certas atitudes dos
cidadãos, por exemplo.
Outra premissa indicada pelo tutorial é a de tornar a política “social”. Já
foi citado anteriormente neste trabalho, descoberta pela ciência comportamental, que
os seres humanos “seguem o bando”. Esta premissa incentiva os “policy makers” a
usufruir disto, ao mostrar, por exemplo, que a maior parte dos cidadãos já executam o
20
comportamento desejado . Além de incentiva-los à criar vínculos e
comprometimentos com os outros para intensificar o “social network.”
Por fim, se deve seguir a premissa da oportunidade, ou seja, as
intervenções e criação de políticas devem ser “timely”. Afirma-se que as pessoas
20
Na Inglaterra, por exemplo, quando um cidadão deixava de pagar os impostos, uma carta era
enviada dizendo que medidas mais drásticas seriam tomadas caso ele não pagasse. Segundo um
renomado psicólogo da universidade do Arizona, essa carta poderia ser aprimorada a partir da premissa
comportamental de que o ser humano tende a “seguir o bando.” Desta forma, elaborou uma carta
dizendo que a maioria dos cidadãos pagam os impostos no tempo devido, inclusive com dados locais.
Foi realizado um randomnized trial (RCT) e houve um aumento de 15% no pagamento “on time” dos
impostos com a alteração na carta.
reagem de formas diferentes de acordo com o momento em que as mudanças
aparecem e, isso é um detalhe que, segundo os autores do artigo, deve ser levado em
consideração para que a política seja mais efetiva.
Vale ressaltar que este relatório é resultado de um conjunto de
experimentos (no modelo de Randomnized Trials) realizados pelo BIT, seminários,
workshops e troca de experiências com toda a comunidade de “policy makers” 21 ,
agentes do governo em geral responsáveis pela formulação de políticas públicas.
Estas premissas que foram aqui expostas servirão de base para observar e
analisar, no segundo momento deste trabalho, sua aplicação prática buscando
exemplos de políticas que já as utilizaram para que então se conclua se elas são de
fato efetivas ou não. O próprio artigo “EAST: Four Simple Ways to Apply
Behavioural Insights” possui diversos exemplos de aplicação destas premissas.
Antes da criação do Behavioural Insights Team, alguns dos seus membros
atuais prestavam serviços ao Institute for Government, também departamento do
governo inglês. Foi demandado que se elaborasse um artigo sobre “influencing
behaviour”, isto é, influência em comportamentos, com acadêmicos da London
School of Economics e Imperial College, resultando em mais um artigo de suma
importância para os avanços neste novo modelo de formulação de políticas públicas
denominado “Mindspace: Influencing Behaviour Trough Public Policy”.22 Até os dias
de hoje, este artigo vem sendo usado pelo BIT para guiar sua equipe na formulação e
adaptação de políticas públicas.
Este artigo, assim como o EAST, citado anteriormente, apresenta diversos
exemplos práticos de como a ciência comportamental foi aplicada, contribuindo ainda
mais para o arcabouço de conteúdo que deve ser analisado na segunda parte deste
projeto. Serão abordadas, além da questão da efetividade, as questões e os princípios
éticos que foram propostos na questão inicial e norteadora desta pesquisa. Afinal, nas
atividades do Estado, deve prevalecer a busca pela efetividade mesmo que isso custe a
liberdade de alguns dos cidadãos? Seria ético influenciar em seus comportamentos?
21
Um exemplo deste tipo de encontro, que não se relaciona diretamente com a criação do artigo em
questão, é o workshop realizado em Paris em 2014 e denominado “Behavioural Insights and New
Approaches to Policy Design” cujo programação está em
<http://www.oecd.org/naec/NAEC_Behavioural-Insights-Programme_23-Jan.pdf>
22
Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/mindspace>
Os acadêmicos selecionados para entrevistas serão de grande ajuda para
conclusões neste aspecto. Principalmente no que diz respeito às reais possibilidades
de implementação destes princípios aqui no Brasil.
Por meio do estudo de caso inglês, foi possível avaliar que o processo de
construção das políticas públicas, baseadas no Paternalismo Libertário, seguem um
protocolo. Há um cuidado com o conteúdo, a forma e o momento de sua
implementação. Observa-se que há uma preocupação em informar e formar os
funcionários a respeito desta metodologia. Podemos resumir o protocolo do BIT no
quadro seguinte:
Disseminação Avaliação de
Premissas Treinamento
de Informação Resultados
23
Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/sites/default/files/bis-14-561-growth-
vouchers-programme-trial-protocol.pdf>
“advice” que, em estrito senso, pode ser traduzido para o português como um
“conselho” cedido de uma instância à outra, por isso, pode se classificar esta mesma
ação como um direcionamento.
Para que isso se concretizasse, o BIT subsidiou este “conselho” a partir da
distribuição dos chamados “Growth Vouchers”, que podem ser caracterizados como
subsídios para o pagamento do serviço de consultoria prestado e que englobam
auxílios nas áreas de finanças e administração de caixa, marketing e relação com
consumidores, utilização de tecnologia digital, liderança e recursos humanos.
Pretende-se atingir um total de 20.000 empreendedores a partir de vouchers de 2 (dois)
mil libras. Além disso, o desenho do programa foi estabelecido a partir dos princípios
e direcionamentos necessários para gerar um RCT, objetivando responder a questão
principal: afinal, que modelo de “conselho” seria mais eficiente?
Dividiu-se o programa em seis etapas principais. A primeira delas envolve
a exigência de inscrição dos negócios na plataforma do governo destinada para tal. O
voucher possui restrições para ser distribuído, dentre elas, o empreendimento deve ter
necessariamente menos de 50 empregados e não deve ter pago por auxílio externo de
estratégia e gestão nos últimos três anos. O escopo deste programa deve ser ressaltado
com os devidos méritos, uma vez que esforços do governo para o acesso à uma
consultoria estratégica visando o desenvolvimento dos pequenos empreendedores, é,
no mínimo, de se admirar do ponto de vista da gestão e da democratização. Não deixa
de se caracterizar também como um importante incentivo à saúde econômica do país.
Outra etapa (Stage 3) importante a ser ressaltada envolve a entrega, pelo
próprio empreendedor, de um relatório dos seus problemas e necessidades que deve
ser relatado à um representante do governo, ou online ou pessoalmente, compondo
uma avaliação da sua organização.
Todos os empreendimentos “inscritos” no programa serão monitorados
nos próximos dois ou três anos para que seu progresso seja observado. As questões
principais buscadas com este modelo de RCT são:
(i) Os empreendimentos que receberam o subsídio possuem desempenho
melhor ou pior que aqueles que não receberam?
(ii) Os empreendimentos que foram avaliados online possuem desempenho
melhor do que aqueles que foram avaliados pessoalmente? (Esta questão é
referente ao Stage 3 destacado acima.)
(iii) Quais dos cinco temas disponíveis para direcionamento e consultoria
apresentaram o maior retorno e efetividade ao negócio?
White (2013) ainda sustenta seu argumento dizendo que talvez, aquele
indivíduo, naquela manhã, tenha comido um donut pois esta era a memória mais
próxima que ele tinha de seu falecido avô, já que ele o levava para comer este donut,
neste lugar e dias específicos durante toda sua infância. Existem diversas críticas a
respeito do paternalismo libertário que englobam inclusive aquelas a respeito da
própria economia comportamental, de onde a teoria se originou.
Nesta segunda parte do trabalho, pretende-se uma abordagem qualitativa
sobre o tema, tendo em vista que o objetivo geral do trabalho é considerar se são
válidos e éticos os esforços de governos que tendem a seguir a lógica da teoria para
formulação de políticas públicas. A efetividade será testada, portanto, sob o ponto de
vista qualitativo a respeito do tema, buscando quais as qualidades e as falhas dos
mecanismos apresentados por teóricos do paternalismo libertário e também quais as
perspectivas de diversas áreas do conhecimento a respeito do tema.
Buscou-se sustentar o debate, bem como efetivar o aprofundamento na
teoria a partir de entrevistas com estudiosos das áreas da economia e da gestão
pública. Para pautar a reflexão do ponto de vista econômico, entrevistamos o
professor adjunto da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas,
Enlinson Mattos. Formado em economia, possui Ph.D. na mesma área pela
Universidade de Illinois e desenvolve pesquisas na área da economia do setor público,
teoria de política fiscal e redistribuição, bem como econometria aplicada. Esta
entrevista foi de suma importância uma vez que o professor já havia desenvolvido
uma pesquisa pautada na teoria normativa do Nudge para estudar qual seria a melhor
abordagem para incentivar os cidadãos a exigirem cada vez mais a nota fiscal e assim,
contribuir para redução de sonegação de impostos.
A professora Cibele Franzese, renomada especialista em políticas públicas
e com ampla experiência e vivência no setor público, dentre outros cargos, atuou
como secretária adjunta do Planejamento do Governo do Estado de São Paulo. É
mestre e doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas
e atualmente professora da FGV-EAESP onde ministra cursos da graduação, mestrado
e doutorado nas áreas de Gestão Pública, Instituições Políticas, Políticas Públicas,
Planejamento e Gestão.
O direcionamento das entrevistas, como pode ser observado em
questionário em Anexo, foi pautado pela pergunta central da pesquisa, isto é, sobre os
aspectos éticos da teoria, mas também das perspectivas desta nova forma de formular
e implementar as políticas públicas, no sentido de iniciar a reflexão sobre a real
aplicabilidade dos moldes do BIT no Brasil e na agenda do Estado como um todo.
Desta forma, ponderou-se sua viabilidade no ponto de vista ético, na medida que
influencia nas liberdades individuais dos cidadãos, e sua efetividade no ponto de vista
econômico e de gestão dos recursos públicos.
Além das entrevistas, foi de suma importância a análise da literatura que
questiona a política, na maioria das vezes insistindo que este tipo de intervenção não é
desejável pois infringe sim os princípios da liberdade individual. Serão apresentados
alguns destes argumentos visando sinalizar que a utilização da teoria normativa do
Paternalismo Libertário pelo Estado exige alguns cuidados, ao mesmo tempo em que
se pretende, com exemplos práticos, trazer à tona a questão de que esta prática
poderia vir como uma reeducação do Estado, e não como um direcionamento do
mesmo para atividades que não seriam desejáveis sob o ponto de vista da democracia
e de mantenedor das liberdades individuais.
Como estudo prático e de aplicação aos princípios da ciência
comportamental e do Nudge no Brasil, realizou-se uma imersão de uma semana na
empresa Flow, mediante acompanhamento de dois projetos que estão em andamento
sobre educação financeira de idosos super-endividados e mulheres beneficiárias do
Bolsa Família. A Flow é uma start-up cívica com o “propósito de apoiar governos na
formulação e implementação de políticas e serviços públicos mais humanos,
eficientes e efetivos em transformar positivamente a vida das pessoas e a realidade do
país.” 24 Vale ressaltar que esta imersão surgiu como uma oportunidade e que não
estava prevista no planejamento inicial da pesquisa.
Além do acompanhamento, realizou-se também entrevista com sua
fundadora, Marina Cançado, que proporcionou os insumos necessários para entender
melhor o escopo da empresa, que possui como um dos seus pilares o uso das ciências
comportamentais, bem como a importância de instituições paralelas ao governo para
implementar os princípios das ciências comportamentais e a prática do NUDGE nos
mesmos – como será melhor aprofundado adiante.
26 Neste contexto, a neutralidade a qual se refere no texto diz respeito àquela de interferir ou não nas
escolhas individuais dos cidadãos. Ou seja, o tomador de decisão e/ou policy maker deve ser neutro em
relação às escolhas familiares, religião, dentre outras, que devem caber somente ao indivíduo decidir e
ponderar sobre. Este conceito é muito forte do ponto de vista de um Estado libertário;
no contexto - que seria no caso a prateleira onde os produtos estão expostos - os
alunos a comerem frutas ao invés de um bolo de chocolate, por exemplo. Uma
política plenamente racional e explícita para isso seria entregar um panfleto na porta
das escolhas explicando a importância de comer frutas ao invés do bolo de chocolate.
O professor ressalta, entretanto, que este tipo de política sozinha não funciona. E
ainda, você, como gestor, visto que você tem recursos limitados, vai imprimir papéis
ou simplesmente vai obrigar as quitandas, cantinas a colocarem as frutas na frente dos
bolos? “É totalmente mais barato!”, ele afirma.
Significa, portanto, que a utilização de insights comportamentais para
formular políticas além de serem mais eficientes do ponto de vista de utilização de
recursos, buscam ampliar as opções de escolha dos cidadãos, por tratar de
interferências mais brandas e que não reduzem necessariamente o livre arbítrio dos
indivíduos.
A professora Cibele enxerga que este tipo de política poderia incentivar o
Estado a olhar para suas ações sob a perspectiva da efetividade27 - não somente da
eficiência e eficácia. A máquina estatal funciona em vistas de gerar produtos que
melhorem o bem estar dos cidadãos e este processo de produção envolve diversos
desafios que contribuem para sua complexidade, já que a máquina estatal deve dar
conta de aspectos como qualidade, prazos, recursos, resultados, dentre outros. Desta
forma, além da dificuldade que o Estado tem para entregar algo (uma escola, um
hospital, por exemplo) existe um vácuo imenso, segundo a professora Cibele, entre a
eficácia e a efetividade do Estado, uma vez que não se tem uma noção clara e
estruturada do impacto que este produto tem na vida do cidadão.
Neste contexto, a entrevistada afirma que o mecanismo apresentado
poderia ser utilizado para induzir comportamentos positivos e que fossem capazes de
27
Eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida
normativa da utilização dos recursos nesse processo. (...) A eficiência é uma relação entre custos e
benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas
ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível (...)
(Chiavenato, 1994, p. 70). Já a efetividade na área pública, afere em que medida os resultados de uma
ação trazem benefício à população. Ou seja, ela é mais abrangente que a eficácia, na medida em que
esta indica se o objetivo foi atingido, enquanto a efetividade mostra se aquele objetivo trouxe melhorias
para a população visada. (De Castro, 2006, p.5)
introduzir a perspectiva do grau de efetividade que determinada política possui sobre
a vida dos cidadãos envolvidos na mesma.
Ressalta, porém, que este processo geraria uma soma positiva, de
benefícios tanto para o Estado quanto para os cidadãos, desde que estes tenham a
possibilidade de escolha e não sejam coagidos a nada. Uma questão importantíssima
ressaltada pela professora Cibele é que, o tipo de indução utilizado na política de
cartas na Inglaterra apresentado no início da entrevista, por exemplo, não se difere em
nada do que a mídia e o mercado fazem o tempo todo para induzir a compra de
produtos. Desta forma, seria de suma importância utilizar este tipo de mecanismo para
potencializar as políticas do Estado, desde que os princípios da transparência fossem
mantidos, garantindo a accountability do governo. Ou seja, desde que houvessem
limites definidos no processo de formulação e implementação para não deixar o
cidadão totalmente suscetível às ações do Estado.
Foi perguntado se ela conhecia alguma política que seguia os mesmos
preceitos do paternalismo libertário. Ela diz que conhece sim políticas em que os
governos promovem incentivos mas que não são assim tão “subliminares”, são mais
explícitos, e que promovem incentivos para que as pessoas tenham melhores
comportamentos. O exemplo que ela trouxe foi o da política de anistia promovida
pelo governo do Estado/Município para que os cidadãos quitem suas dívidas com o
Estado, a chamada dívida ativa, que se caracteriza como todo dinheiro que o governo
deveria receber do cidadão mas não recebeu.
Passa-se o tempo, e você vai fazer o que com essa dívida?
(Sendo você Estado) Vai mandar uma cartinha alertando-o,
depois entra no judiciário contra este indivíduo, e assim o custo
vai crescendo. E mesmo depois de todas estas tentativas, pode
ser que ele (o Estado) não consiga o pagamento da multa. É
então que, em alguns momentos, principalmente aqueles em
que o Estado precisa de mais recursos, faz-se uma política de
anistia de juros e multas para que o cidadão pague o que deve.
(Entrevista Prof. Cibele Franzese)
Foi a partir deste insight que ela percebeu que teria que se inserir, em
todos os processos, a visão de que toda transformação coletiva passa necessariamente
por uma transformação individual. Ou seja, “se a gente não entender como o ser
humano age, como vamos desenhar um serviço para transformar seu comportamento?”
E segundo a Marina, a FLOW surge justamente diante deste processo de realizar
mudanças coordenadas que impactariam no coletivo. São pequenos passos individuais
que direcionam o coletivo.
E o mais curioso deste processo é que a trajetória da Marina foi
exatamente inversa ao desenvolvimento desta pesquisa, e por isso, a troca de
informações foi tão rica para o processo de argumentação. Este relatório está
estruturado a partir do conhecimento de um tema e premissas que poderiam
eventualmente ser aplicadas à prática no Brasil, e foi então que os objetivos traçados
foram de justamente identificar tal viabilidade, inclusive sob aspectos éticos.
28 A agência Tellus, é a primeira agência de design de serviços públicos no Brasil, que auxilia o
Governo e organizações provedoras de serviços públicos a encontrar e priorizar oportunidades de
melhorias dos serviços para então desenvolver com cidadão e servidores, serviços públicos de alta
qualidade. Para isso, a agência Tellus, desenvolveu sua metodologia baseada em ferramentas e métodos
do Design Thinking. Se caracterizam como uma consultoria que desenha e implementa as soluções na
prática. (Disponível em < http://www.tellus.org.br/agencia/#l-agencia-oquefazemos>
A trajetória da Marina, entretanto, foi contrária pois foi a partir da
identificação e percepção pela prática de um gap na área pública que ela chegou às
ciências comportamentais. E estas vieram justamente como solução para o problema
que a Marina tinha identificado em seus 10 anos de experiência com serviços para o
governo.
A FLOW possui três pilares. Segundo ela, o primeiro deles é o da lógica
do primeiro e do terceiro setor, que são lógicas evidentemente diferentes do mercado
e que exigem direcionamentos diferentes e específicos de acordo com o universo com
o qual “estamos lidando”. O segundo pilar é o do design que, ao ter a intenção de
projetar para o outro, acaba tendo em seus princípios pontos muito valiosos como o
foco no ser humano e a valorização da lógica da experimentação. O terceiro e último
pilar é o das ciências comportamentais como uma fonte de conhecimento sobre o ser
humano. A Marina ressalta, porém, que não somente a ciência comportamental, mas
também a psicologia, cultura e crenças que vêm como complementos à esta ciência
em questão.
Vale ressaltar que o design viria nestes três pilares como a concretização,
em produto, por exemplo, dos princípios que seriam levados em consideração em
determinado momento para alcançar um comportamento desejado específico. O
grande desafio, segundo a Marina, é colocar todos os princípios da ciência
comportamental na prática. Entender os princípios é um passo simples, entretanto,
desenvolver serviços e programas a partir destes é que é o grande desafio e não é
simples fazê-lo.
Atualmente, a equipe da FLOW está trabalhando em um grande projeto
de educação financeira para dois grupos distintos. O primeiro grupo refere aos idosos
aposentados com renda de 1 a 2 salários mínimos e que encontram-se em situação de
super-endividamento, o que é uma realidade da grande maioria destes aposentados,
nesta faixa de renda. O segundo grupo refere às mulheres beneficiárias do Programa
Bolsa Família e que dispõe da mesma renda; 1 a 2 salários mínimos.
Este projeto faz parte do Programa de Educação Financeira da Estratégia
Nacional de Educação Financeira, a ENEF, e o objetivo da FLOW é o de desenvolver
a melhor estratégia para ambos os grupos de indivíduos em questão. O primeiro passo
do projeto consistiu em uma pesquisa de campo com mais de 300 pessoas em 14
municípios brasileiros diferentes. O segundo passo seria idealizar e “prototipar”
possíveis tecnologias sociais junto às mulheres, aposentados além de o auxílio e
validação dos ministérios do Desenvolvimento Social e da Previdência Social. Estas
tecnologias devem promover e surgir da interação com a comunidade e tem de ser,
necessariamente, de baixo custo para garantir sua aplicabilidade após todas as rodadas
de testes.
O trabalho de campo realizado foi essencial para traçar as características
dos indivíduos que seriam “atingidos” pela política; Marina afirma que se não se
conhece e não se sabe como o ser humano age, não é possível desenhar uma política
para mudar seu comportamento. E o comportamento desejado neste caso é de suma
importância para que estes indivíduos possam caminhar em direção à uma boa saúde
financeira e não tenham que recorrer à empréstimos que consistem em um “dinheiro
muito mais caro.” Além disso, é de suma importância para auxiliar e direcionar estes
indivíduos à saída de sua situação precária de renda, que em muitos casos se aproxima
da miséria.
Durante a semana de imersão, foi possível vivenciar o momento de
validação e readaptação de protótipos de tecnologias sociais que já haviam sido
levadas à campo pela equipe. Estavam em um momento de compilação de resultados
que haviam sido obtidos com cada um dos protótipos. Era o momento de compilar
tanto falhas quanto qualidades e decidir quais protótipos seriam mantidos para a
segunda leva de pesquisas e ida à campo, quais seriam eliminados e quais seriam
adaptados e como. Vale ressaltar que estes protótipos em questão estão estruturados e
criados a partir de hipóteses, principalmente de características e insights
comportamentais observados nesta pesquisa de campo inicial.
Em um primeiro momento, mostraram como tinha sido a pesquisa de
campo, com mais de 300 pessoas, e quais os insumos que haviam adquirido. Para fins
de análise, a equipe dividiu estes 300 indivíduos em personas. Isto é, de acordo com
uma matriz de quatro eixos que buscava colocar cada um dos indivíduos em posições
opostas para questões como reconhecimento de objetivos e movimentação em direção
destes, codificaram os indivíduos em quatro títulos diferentes, de acordo com suas
características comuns.
Explico. As mulheres, por exemplo, foram denominadas de quatro
codinomes diferentes: “sobrevivente”, “guerreira”, “sonhadora”, “visionária”. Cada
uma delas está mais ou menos distante dos dois eixos definidos pela matriz, sobre o
reconhecimento de objetivos e movimentação em direção destes. Tomemos como
exemplo a sobrevivente. Normalmente são mulheres que vivem cotidianamente com a
escassez, estão totalmente voltadas à família e atribuem à elas uma postura de vítima
e não de protagonista da sua própria história, colocando tudo, muitas vezes, “nas
mãos de Deus”. Ela estaria no extremo da matriz em que não se movimenta e não
reconhece os objetivos, está quase que totalmente inerte em sua situação de vida. Já a
visionária, está no outro extremo; ela se caracteriza como o eixo estruturante na
família, possui uma visão clara de investimento e é pró ativa, sempre busca novas
fontes de renda.
Vale ressaltar também as características da “sonhadora” cujo maior parte
está em áreas urbanas e são mulheres jovens, muito ligadas ao consumo e ao sonho
iludido de adquirir coisas que não poderia com sua disponibilidade de renda. Com os
idosos, foi realizado o mesmo processo, levando em consideração características
como cobrança excessiva de ajudar ao próximo, principalmente familiares, muito
movidos pela carência, pela necessidade de se manterem jovens, dentre outros.
Tendo em vista estas caracterizações, precisava se pensar em tecnologias
sociais que melhor atendessem à estas personas, já que seria impossível fazer um
protótipo específico para cada persona, a ideia seria de encontrar tecnologias que
fossem úteis à todas elas. Precisaria encontrar um ponto comum e desenvolver
tecnologias que correspondessem à ele, envolvendo sua complexidade e os insights
comportamentais observados durante imersão em campo.
Vamos nos aprofundar nos protótipos das mulheres, com os quais tivemos
maior contato durante a reformulação dos protótipos após primeira rodada de
experimentação, direcionando-os e aprimorando-os para a segunda rodada que
aconteceria durante os meses de Julho e Agosto. Um dos que obteve maior sucesso foi
o cofrinho. Sim. A equipe elaborou, na primeira rodada, um cofrinho de papelão em
que a mulher, junto à família, escreveria um objetivo na frente e o prazo para
conquistar aquele objetivo. Desta forma, todos contribuiriam para aquele objetivo
comum e o cofrinho viria como uma motivação e um potencializador para economizar
o dinheiro necessário.
Este foi um dos protótipos que foi mantido, mas que foi aprimorado. Uma
das alterações feitas foi transformar o cofrinho de um único recipiente em três
diferentes e com tamanhos distintos. O de menor tamanho seria para emergências e
consumo de coisas pequenas do dia-a-dia como o pãozinho fresco, por exemplo. O
segundo recipiente e um pouco maior já é para algum objetivo do final do mês. E o
maior, traz a noção de mais longo prazo e de necessidade de poupar mais, para os
presentes de natal, ou para os sonhos do fim do ano. Esta perspectiva de tempo ajuda
as mulheres a compreenderem que, com a economia de algumas moedas, ela
consegue alcançar alguns objetivos de curto, médio e longo prazo. Junto à isso, serão
colocadas frases inspiradoras no cofrinho do tipo, “você sabia que se você economizar
50 centavos por ‘x’ dias no final do mês você terá ‘y’ reais?”
Além do cofrinho, um outro protótipo utilizado nesta primeira rodada e
que não obteve o sucesso esperado – por motivos que podem ser explicados pela
economia comportamental – é a consulta financeira. Este protótipo funcionou no
mesmo modelo que uma consulta médica, na qual um representante iria perguntando à
mulher sobre sua situação financeira (de onde vinha sua renda, para onde ia, quais
eram seus gastos principais, dentre outros). Acontece que esta consulta era muito
dolorosa para mulher pois muitas vezes traziam à tona informações sobre sua vida
com as próprias não queriam ter contato. Outro modelo de protótipo que também não
funcionou eram aqueles que demandavam muito tempo de preenchimento e reflexão.
Um deles era o “Desafio do Sonho”, que ajudava a mulher a fazer um
passo-a-passo para conquistar o sonho que ela havia colocado na primeira página do
livrinho. Como a equipe da FLOW explicitou, por mais que as mulheres valorizassem
a oportunidade em um primeiro momento, a maioria deles voltou em branco. Por
outro lado, o protótipo que era uma “caixa de dicas de bolso” funcionou muito pois
não exigia muitos esforços e eram leituras curtas e de efeito imediato, que poderia ser
passada de mulher à mulher e era de fácil acesso – poderiam ser colocadas na bolsa
para que não fosse esquecida. Nestas dicas de bolso, coloridas, estavam frases como
“Antes de comprar algum produto no supermercado, veja se não há um mais barato!”
– trazendo à mulher a noção da economia.
O objetivo final de todo este processo é que, em algum momento, a
mulher passe a levar suas economias para a poupança. Entretanto, esta realidade, por
mais que os protótipos estejam incentivando seu direcionamento para isso, ainda é um
tanto quanto distante principalmente pelo estereótipo que circunda este tipo de
instituição. Muitas mulheres, como foi identificado pela equipe, tem medo de ir ao
banco pois existe um estigma de que seria lugar de “gente rica”. Isso porque o ato de
economizar, poupar e sequer ter o dinheiro suficiente para poder ser colocado no
banco ainda é uma realidade muito distante para estas mulheres. E isso deve e precisa
ser trabalhado, inclusive a FLOW irá, no final do processo, elaborar um manual de
recomendações para instituições “chave” neste processo de garantia de poupança,
familiarização com instituições bancarias, dentre outras.
Foi questionado como a empresa se aproximou do governo , a fim de
apresentar os serviços oferecidos pela FLOW e, em suma, ser escolhida para executar
esta ação tão complexa e tão essencial para a ENEF e para os ministérios parceiros
também. Isso porque a FLOW dispõe de mecanismos da economia comportamental e,
como foi identificado nas entrevistas com os professores Enlinson e Cibele, ainda não
existe, no Brasil, abertura suficiente para inserção deste tipo de política.
Ela disse que no caso destes dois projetos de educação financeira, houve
uma percepção do governo de que estariam trabalhando com um tema que é muito
comportamental. O máximo que o governo faz à respeito da educação financeira,
segundo ela, seria colocar o conteúdo necessário nas escolas públicas, para a criança
entender. Acontece que, os indivíduos com os quais, neste caso, o governo teria que
trabalhar, são indivíduos não institucionalizados: eles estão pulverizados por todo
Brasil. “Então acho que eles viram o valor da FLOW por ela conseguir captar insights
humanos que melhor moldassem as estratégias de educação financeira. Acho que
nossa porta de entrada foi essa falta de clareza do que fazer com esse público, e a
consciência de que era um desafio muito complexo. Principalmente porque envolvia
uma mudança de comportamento muito difícil, por ser uma população dispersa e com
hábitos cristalizados.” – completou.
Ainda na entrevista, conversamos sobre a importância de instituições
paralelas para a instituição dos princípios da economia comportamental à formulação
e implementação de políticas públicas no Brasil. O que ela disse é que este processo
depende sim, e muito, destas instituições paralelas.
Não só acho que sim como estudei a trajetória e movimento do
governo inglês e americano, inclusive tive a oportunidade de
conversar com o ex-prefeito de Nova Iorque Michael
Bloomberg. Para eles é muito claro que o governo, muitas
vezes pela sua própria lógica, não pode ou não consegue
justificar o investimento em projetos de pesquisa e
desenvolvimento. O foco do governo é ter grandes orçamentos
para executar, escalar os serviços básicos. O Bloomberg falou
pra mim que, lá na prefeitura de Nova Iorque, ele conseguiu
fazer experimentações somente a partir de grandes recursos
privados. Na Inglaterra aconteceu o mesmo movimento. Eles
criaram um grande fundo e as municipalidades e governos que
queriam experimentar alguma coisa, aplicavam para este fundo
e adquiriam recursos para fazer estes testes e experimentações.
(Entrevista com Marina Cançado)
E mais uma vez ela ressalta que o papel das instituições paralelas é o de
trazer para os governos permanent solutions para problemas complexos. “Testar
coisas, ver se elas dão certo ou não e arrumá-las, para então entrega-las ao governo.
Ainda que ele deva participar de todo processo, que é o que está acontecendo hoje nos
projetos de educação financeira. Desde o início eles estão participando ativamente,
das decisões, das validações, do compartilhamento do conhecimento. E lá no fim a
gente vai chegar em uma solução, que foi muito criada por nós mas que tem muito
deles também.” – Disse ela.
Tendo em vista esta participação do governo no processo de validação das
soluções propostas pela equipe d FLOW, a questionei alguma proposta havia sido
recusada; Contou que a equipe propôs que parte do benefício do Bolsa Família
recebido pelas mulheres já fosse direcionado automaticamente para poupança e desta
forma a ação não foi aprovada. Neste caso, segundo ela, houve um filtro por parte do
governo que ponderou como a mídia receberia esta informação, afinal, como
mulheres que estão em situações tão precárias de renda estariam aptas a guardar
dinheiro em poupança? Mesmo que o Estado e a FLOW entendam que esta não é a
realidade - e que é justamente por conta de as mulheres não dispuserem de dinheiro
em poupança que elas recorrem à empréstimos, que é um dinheiro muito mais caro, e
acabam por eternizar sua condição de renda – tiveram o cuidado de evitar quaisquer
ruídos na sociedade.
Mais uma vez ela trouxe a ressalva de que todas as ações do governo tem
uma medida entre o que ele de fato acredita e os ruídos que podem ser gerados na
sociedade por conta de determinadas ações.
Como já mencionado, foi identificado durante a primeira imersão a campo
da equipe da FLOW uma tendência das mulheres de terem medo de ir ao banco, por
conta do estigma que assola esta instituição. Um dos aspectos que me chamou
bastante atenção durante a minha semana de imersão, é que, para que algumas
medidas dessem certo, elas dependeriam necessariamente de um direcionamento e de
um melhor preparo das instituições para tornar os processos mais claros e portanto
tornar a vida dos cidadãos mais fácil também – seguindo, portanto, um dos principais
princípios do NUDGE ressaltado por seus autores.
E foi então que questionei a Marina sobre como conquistar estas
instituições. Como tornar o banco um lugar amigável para mulheres e mais do que
isso, como fazer com que o acesso dos idosos a crédito seja limitado e todas as suas
dúvidas sejam devidamente sanadas em um canal de ajuda ao consumidor feito
especialmente para eles, por exemplo? E mais uma vez ela citou o mesmo processo
“Mudança individual de quem está dentro das instituições”. Mais uma vez aparece a
necessidade e a importância de uma mudança individual para impactar no coletivo.
Ou seja, se um grande gestor se conscientizar e atribuir às suas atividades os
princípios e a importância das ciências comportamentais, ele pode instituir processos
que aproximariam instituições importantes dos cidadãos, a partir do respeito às suas
características individuais.
Segundo ela, a mudança pode acontecer de duas formas: ou de forma
cultural ou de contexto. “Para os servidores públicos pode ser cultural, uma mudança
de crença ou de pensamento ao longo do tempo. Ou de contexto. Eu acho a de
contexto mais difícil porque em geral, os programas de políticas públicas não tem
métricas muito estipuladas. Então a não ser que aconteça uma urgência muito
evidente, ele não vai olhar para isso.” Aqui, mais uma vez surge a questão de que
ainda não existe espaço para estas questões. A não ser que o contexto seja
emergencial, como foi o caso da necessidade urgente de programas de educação
financeira que mobilizou ministérios e a ENEF. A não ser que o contexto chame a
atenção de outras instituições para esta questão, ela não entrará na agenda. E por isso,
mais uma vez, a mudança individual é essencial.
Aprofundando mais na questão do NUDGE conversamos sobre as
perspectivas e o futuro da ciência comportamental aqui no Brasil, no mundo e na
29 Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/the-behavioural-insights-team-
update-report-2013-2015/> Acesso em 12/08/2015>
sentido de todas as instituições e protagonistas que buscam efetivar ações de bem
público. É inegável o legado de Nudge para introdução da incorporação da economia
comportamental às políticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Banerjee, Abhijit VDuflo, Esther. Poor economics. New York: PublicAffairs, 2011.
EAST: Four Simple Ways To Apply Behavioral Insights; Behavioural Insights Team
Publications; Disponível em <http://www.behaviouralinsights.co.uk/wp-
content/uploads/2015/07/BIT-Publication-EAST_FA_WEB.pdf> Acesso em
12/08/2015
Grüne-Yanoff, T. Old wine in new casks: libertarian paternalism still violates liberal
principles. Social Choice and Welfare, v. 38, n. 4, p. 635-645, 2012.
Nozick, Robert. Anarchy, state, and utopia. New York: Basic Books, 1974.
Thaler, Richard H & Sunstein, Cass R. Nudge. New Haven, Conn.: Yale University
Press, 2008.
Caso: Na Inglaterra, quando um cidadão deixava de pagar os impostos, uma carta era
enviada dizendo que medidas mais drásticas seriam tomadas caso ele não pagasse.
Segundo um renomado psicólogo da universidade do Arizona, essa carta poderia ser
aprimorada a partir da premissa comportamental de que o ser humano tende a “seguir
o bando.” Desta forma, elaborou uma carta dizendo que a maioria dos cidadãos
pagam os impostos no tempo devido, inclusive com dados locais. Foi realizado um
randomnized trial e houve um aumento de 15% no pagamento “on time” dos impostos
com a alteração na carta.
Questão 1:
Você acredita que o Estado, a todo momento, esteja influenciando e direcionando a
vida das pessoas, mesmo que não intencionalmente?
Questão 2:
Um dos pontos dos autores é que, na realidade, o Estado nunca é neutro quando
estabelece uma política pública, ou seja, ele sempre influencia nos nossos
comportamentos, como por exemplo, multas, dificuldade para reaver licenças, etc.
Qual o seu posicionamento sobre essa questão específica, sobre o Estado ser neutro
ou não?
Questão 3:
Em um primeiro momento, qual sua primeira impressão a respeito do ato de
conscientemente formular políticas públicas que influenciem comportamentos
desejados? (Susto, interessante, questionável...)
Questão 4:
Um grande paradoxo no campo de formulação de políticas públicas é a linha tênue
que se encontra entre aquilo que é ético e aquilo que seria de fato efetivo.
Convivemos com “trade offs” cotidianamente. Neste sentido, seria válido que o
Estado influencie o comportamento dos cidadãos, buscando uma maior eficácia e
eficiência de suas políticas?
Questão 5:
Há espaço para interferências comportamentais em um sistema burocrático da
complexidade do brasileiro? Se sim, como você acredita que isso deveria ser
implementado e que o importante é a eficiência da política para a maioria?
Questão 6:
Mais alguma ressalva do ponto de vista da ética a ser feita sobre o Nudge?
ANEXO B – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA REALIZADA COM
PROFESSOR ENLINSON MATTOS
Questão 8: Por fim, você acredita que o NUDGE pode vir como uma solução para os
problemas estruturais que temos aqui no Brasil, principalmente de falta de
informações. Porque os autores falam muito sobre tornar a vida das pessoas mais
“fácil.” E aqui no Brasil, é tudo muito complexo. Você acha que o NUDGE e toda a
teoria deles poderia ser implementada aqui no Brasil.
Professor Enlinson: A minha opinião é que é válido. Só que a execução deste tipo de
política é complicada; vamos supor que o governo estabelecesse determinada
arquitetura de escolha para todas as “quitandas” na cidade de São Paulo, públicas e
privadas. Por mais que ele determinasse isso, não teria fiscal para ver se isso de fato
estaria acontecendo. E mesmo que haja fiscal, é muito provável que “esquemas”
surjam. Ou custa muito caro ficar mandando fiscal. Por outro lado, na rede pública o
governo possui maior controle sobre isso, sobre suas ações. Portanto, NUDGE como
política nacional dentro das áreas públicas, é possível e viável, dentro de cantina
pública, pode. Eu acho até que não tem legitimidade para fazer isso. E você acha que
dentro do espaço público ele tem espaço e ele pode interferir a este ponto? Em linhas
gerais, em ditadura não, mas em um contexto da cantina, CLARO! Ele está poupando
dinheiro de saúde dele com aquelas crianças. Tudo depende do contexto. Mas se em
geral, o governo tem de sair intervindo nas vidas das pessoas, de forma alguma. Por
exemplo, ele não deve influenciar a ordem das informações em um jornal (liberdade
de escolha, de imprensa etc.) mas na cantina sim.
Questão 5: A partir das aulas que nós tivemos sobre políticas públicas, ficou evidente
que aqui no Brasil as políticas dependem de muitos fatores para serem de fatos
implementadas. Quais são as possibilidades de você fazer uma política pública tão
pensada e tão criteriosa aqui no Brasil?
Professora Cibele: Eu acho que a gente está em um estágio aqui no Brasil em que
ainda estamos preocupados em entregar as coisas. A gente não está preocupado com
impacto, o que é um erro, porque nós temos que nos preocupar com impacto.
Precisamos se preocupar com a qualidade também. Mas se nós olharmos os jornais,
por exemplo, eles ainda pedem mais do mesmo. Ou seja, mais vagas nos hospitais,
mais cirurgias, mais médicos. É tudo produção. Ninguém está pensando em como o
cidadão reage. É meio assim “entregou o negócio, já está bom.” Então por isso que eu
acho que isso não entrou na agenda aqui, a não ser no marketing político.
Questão 7: Porque no Brasil nós não conseguiríamos fazer isso e na Inglaterra sim?
Professora Cibele: Primeiro porque nós ainda estamos muito voltados para o Estado
e pouco voltados para o cidadão, infelizmente. A gente faz leis, faz concursos, faz
coisas que são do Estado para o Estado. Nós estamos na produtividade ainda, não
estou preocupada na cura, eu estou preocupada em ter médico porque se não o
cidadão corre o risco de nem ser atendido. E eu não acho que é uma preocupação
pouco importante, ela é fundamental, mas a gente ainda está olhando muito pra dentro.
Na Inglaterra eu acho que não, porque lá eles já começaram na década de 90 com
movimento do Public Service Orientation que é o movimento de “olhar para o
cidadão”. Acho que esse é um ponto. O segundo é que a Inglaterra trabalha muito
com uma diminuição de diferenças entre público e privado, então, assim como eu
posso utilizar um serviço privado, eu posso usar uma técnica de marketing para um
serviço público. Isto é, a separação entre o público e o privado é muito menor. É
possível e é mais aceitável na administração inglesa, que é bem gerencial, utilizar
ferramentas privadas na área pública. No Brasil, a gente tem uma aversão ao que é
privado. O próprio conceito de eficiência, nós encontramos uma dificuldade de
trabalhar com ele na área pública no Brasil. Na Inglaterra, contanto que o interesse
seja público, tudo bem trabalharmos com ferramentas privadas.
Porque eu fico imaginando o poupa tempo, que é um serviço desenhado para o
cidadão. Mesmo lá, não existe nada “subliminar”. E das discussões que eu participo,
isso não aparece. E se aparece minimamente, já vem alguém falando que não, você
não pode induzir o cidadão a nada. É muito longe da nossa cultura organizacional.
Mas eu acho muito interessante. A gente poderia trabalhar combinando com graus de
consentimento; poderia testar em uma escola, ver o que acontece e na outra não. E
então você poderia ter coisas para comparar, e você vai aumentando graus de
consendo, trabalhando com exemplos de boas práticas. Na hora que cair a obesidade,
eu posso até oferecer por adesão para os pais. E aí você vai criando uma cultura
diferente. Mas no Brasil me parece muito distante. O que é uma pena porque é muito
legal. Eu achei muito legal isso tudo.
Marina Cançado: Então eu acho que neste caso, nos principais projetos que estamos
fazendo agora de educação financeira para aposentados e mulheres beneficiárias do
Bolsa Família, eu acho que teve uma percepção de que; (nós governo) estamos
trabalhando com um tema, educação financeira, que é muito comportamental. Acho
que esse foi o grande link. Eu acho que dinheiro e alimentação são dois tópicos muito
comportamentais. O máximo que a gente entende de educação financeira é colocar na
escola o conteúdo que deve ser dado para a criança entender. Agora, adultos, que tem
hábitos cristalizados, tem uma outra forma de aprender, tudo isso torna muito mais
complexo. E mais que isso, são pessoas não institucionalizadas. Ou seja, eles não
estão em um ambiente, eles não vão para a escola todos os dias. Eles estão
pulverizados por todo Brasil. Então acho que eles viram o valor da FLOW pela
FLOW conseguir captar estes insights humanos que melhor moldassem as estratégias
de educação financeira. Então acho que nossa porta de entrada foi essa falta de clareza,
do que fazer com esse público, e essa consciência de que era um desafio muito
complexo. Principalmente porque envolvia uma mudança de comportamento muito
difícil, por ser uma população dispersa e com hábitos cristalizados.
Eu queria que a FLOW fosse a Behaviour Unit do Brasil! A gente consegue agregar
muito a governos e fundações e institutos também. E neste modelo, de ter uma
empresa mas tem um braço que faça muito advocacy pela causa, que faça pesquisa, e
que possa financiar projetos que, de primeira, o governo não quer financiar. O grande
desafio é ter pessoas qualificadas pra isso.
Questão: Teve algo que foi recusado pelo governo neste processo de validação?
Marina Cançado: Nós queríamos que parte do benefício do Bolsa Família já fosse
direcionado para poupança. Mas desta forma não foi aceito. Poderia ter um produto
que a mulher optasse por ele mas da forma que a gente queria de já automaticamente
fosse para poupança não foi aceito. Mas aí por trás tem uma questão política de como
a mídia receberia esta informação. “Como as mulheres que estão tão pobres estão
fazendo poupança? Então talvez elas não estejam tão pobres assim.” E isso nem é a
visão deles, é o que eles acham que a sociedade vai achar deles. Mas assim, a gente,
pela escassez, já vê que não é assim. É que justamente pela mulher não ter reservas,
faz com que, diante de uma emergência, ela tenha que recorrer à um dinheiro mais
caro e é aí que ela se endivida. Mas assim, não é a crença da equipe. É a reação deles
ao que pode falar. O governo sempre tem esta medida entre o que eles de fato eles
acreditam e que ruídos pode se identificar na sociedade em relação àquilo. E hoje, em
um momento super delicado de país, minimizar ruídos é muito importante. Mais ou
menos aberto à ciência comportamental, depende do momento político e do tipo de
desafio que se está vivendo. Então eu acho que os argumentos teóricos eles vão até
um ponto, chega a um ponto que você precisa de pragmatismo.