2021.12 Revista Mercopol

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Genética forense no auxílio a investigações transnacionais: correlação de


crimes envolvendo América do Sul
Aline Costa Minervino [*]
Polícia Federal
Brasília/DF, Brasil
Resum0
Organizações criminosas têm atuado além das fronteiras internacionais com maior
facilidade. Com isso, as ferramentas utilizadas no combate ao crime transnacional precisam
ser aprimoradas. No campo forense, a cooperação internacional pode ocorrer pela
utilização de ferramentas disponibilizadas, como por exemplo o Banco de DNA da
INTERPOL, o qual permite vincular crimes transnacionais e indicar a autoria do crime. Este
trabalho se propõe a relatar a utilização da genética forense no mundo como ferramenta de
auxílio à investigação, em especial na América Latina, onde ao menos doze países possuem
bancos de perfis genéticos, além de ressaltar o aumento recente da contribuição brasileira
no compartilhamento internacional de perfis genéticos. Em seguida, o trabalho visa
descrever a ligação entre três crimes ocorridos entre 2016 e 2019 envolvendo furtos e/ou
assaltos à mão armada em duas cidades brasileiras e uma cidade na Guiana Francesa,
relação estabelecida pela coincidência entre perfis genéticos. Espera-se que mais
investigações possam ser auxiliadas pelo compartilhamento internacional de dados
forenses, em especial os perfis genéticos.

Palavras-chave: crime transnacional; genética forense; exame de DNA; Interpol.

Introdução adaptar as operações e seus modelos de


negócios com base em oportunidades,
“Se o crime ultrapassa as fronteiras, também o incentivos e lucratividade. Com os métodos
devem as forças de aplicação da lei”, afirma o e táticas criminais mudando continuamente,
então Secretário-Geral das Nações Unidas , as ferramentas utilizadas no combate ao
Kofi A. Annan, no prefácio da Convenção crime também precisam acompanhar os
contra o Crime Organizado Transnacional fatos com o desenvolvimento das ações
(UNITED NATIONS, 2004). Os crimes (INTERPOL, 2017).
transnacionais incluem ações delituosas O Conselho de Segurança das Nações
graves, com fins lucrativos, cometidos por Unidas enfatiza que a presença do crime
grupos organizados e envolvendo mais de um organizado transnacional pode afetar os
país. Criminosos cometem crimes através das países, principalmente ao contribuir para a
fronteiras internacionais com modus diminuição de suas estabilidades,
operandi mudando continuamente. Portanto, seguranças, governança e desenvolvimento
as metodologias e táticas para o combate ao social e econômico. Portanto, os países
crime devem evoluir continuamente. devem fortalecer seus sistemas de justiça
A globalização e os avanços tecnológicos criminal, aplicação da lei e capacidades de
permitem que os criminosos cometam crimes controle de fronteiras para desenvolver suas
além das fronteiras internacionais com maior competências de investigar, processar,
facilidade do que nunca. As redes criminosas interromper e desmantelar redes de crime
estão cada vez mais flexíveis, de modo a organizado transnacional (UNITED NA-
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Genética forense no auxílio a investigações transnacionais:
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TIONS, 2019). organizado. Em um segundo momento,


Considerando a possibilidade de assistência estabelece-se uma ligação entre três
a crimes transnacionais, as instituições de crimes ocorridos entre os anos de 2016 e
segurança e justiça dos países devem fazer 2019 envolvendo furtos e/ou assaltos à
uso das ferramentas disponíveis para o mão armada em duas cidades brasileiras
intercâmbio internacional de dados criminais. e uma cidade na Guiana Francesa, relação
Existe a alternativa de acordos de cooperação esta estabelecida pela coincidência entre
internacional, bilaterais ou multilaterais, que perfis genéticos.
podem envolver informações ou pontuais ou
muitas delas (BORDIGNON, 2019). Outra Genética Forense no Auxílio a
possibilidade, de implementação mais ágil, é Investigações pelo Mundo
a adesão às ferramentas disponibilizadas aos
países membros de organizações O exame de DNA, como muitas outras
internacionais de cooperação policial.  ciências forenses, é baseado em uma
A INTERPOL, como a maior organização análise comparativa. Em crimes que
internacional de aplicação da lei do mundo, envolvem vestígios biológicos, dentre os
auxilia a polícia em seus países membros na quais destaca-se aqueles contra o
luta contra o crime internacional, patrimônio utilizando armas de fogo e
disponibilizando ferramentas e serviços para arrombamento, suspeitos apresentados
o intercâmbio internacional de dados policiais pela equipe de investigação podem ter
com o objetivo de desorganizar redes seus perfis genéticos comparados
criminosas transnacionais e responder a diretamente com aqueles encontrados no
ameaças criminosas emergentes (INTERPOL, local de crime (GILL & JEFFREYS, 1985).
2017). Dentre estes dados, destaca-se o Porém, quando não há suspeitos, uma
suporte forense por meio do ferramenta útil para a identificação de
compartilhamento de informações que autorias de crimes é o uso do banco de
podem auxiliar as investigações. perfis genéticos (GILL & LYGO, 1987).
Dados forenses, como exames de DNA, Devido ao aumento do uso de genética
geralmente são exclusivos de um indivíduo e, forense em todo o mundo, cada vez mais
portanto, podem confirmar a identidade de países usam bancos de dados nacionais
uma pessoa e a presença no local do crime. para armazenar, gerenciar e comparar
No contexto internacional, os dados de seus perfis genéticos.
genética forense também podem ser usados Em meados da década de 1990, foram
para vincular uma série de crimes criados os primeiros bancos de dados de
transnacionais, permitindo identificar se um DNA. Inicialmente, muitos países
suspeito está cruzando fronteiras e limitaram a introdução de perfis genéticos
cometendo delitos em diferentes países em seus bancos de dados nacionais,
(MEG, 2009). dependendo do tipo de crime da qual as
Este trabalho propõe fazer duas análises. amostras biológicas foram coletadas (por
Inicialmente, pretende-se relatar a utilização exemplo, crimes violentos). Com o tempo,
da genética forense no mundo — em especial os critérios para incluir vestígios de mais
na América Latina e no Brasil, como tipos de crimes nas bases de dados foram
ferramenta de auxílio à investigação — e ampliados (BUTLER, 2010).
demonstrar o potencial do uso dos bancos de A efetividade do uso de bancos de perfis
perfis genéticos no combate ao crime genéticos no auxílio a investigações é con-

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senso (GILL, 2005). Crimes graves em série versos países. Estes perfis podem estar
podem ser vinculados e seus autores parados relacionados a crimes não resolvidos,
por meio da coincidência entre perfis criminosos condenados, suspeitos, corpos
genéticos oriundos de vestígios biológicos de não identificados ou pessoas
diferentes locais de crime, ou também pela desaparecidas. Assim, o Banco de DNA da
coincidência com amostras de referências INTERPOL é usado para vincular autores
previamente cadastradas na base de dados transnacionais a crimes cometidos em
(WERRETT, 1997). Quanto maior a inserção de outros países, além de fornecer uma
perfis genéticos de indivíduos criminalmente conexão entre os perfis genéticos de restos
cadastrados, sejam eles condenados ou humanos não identificados e pessoas
suspeitos, maior será o índice de detecção de desaparecidas em escala internacional
crimes e efetividade de bancos de dados de (FISCHER & HITCHIN, 2016) .
DNA (BUTLER, 2010). O intercâmbio internacional de dados
Cada país possui legislações próprias que requer a garantia de que o país mantenha
determinam em quais casos serão coletadas a propriedade de seus dados e o controle
amostras biológicas, como serão comparados da inclusão, exclusão e restrições de
os perfis genéticos e por quanto tempo serão acesso a outros países. Com base neste
armazenados (BUTLER, 2010). No entanto, princípio, nenhum país pode acessar
considerando que o uso da genética forense diretamente os bancos de dados de outro
está relacionado aos aspectos éticos e às país, sendo o envio e o gerenciamento de
melhores práticas para a obtenção do perfil dados realizado por meio do acesso ao
genético, essa questão precisa ser tratada em DNA Gateway, fornecido diretamente a um
escala global. Para tanto, a INTERPOL auxilia país por meio do Escritório Central
a comunidade forense e policial ao apoiar e Nacional da INTERPOL (NCB) (MEG,
promover o uso da análise de DNA no âmbito 2009) . No que diz respeito à
nacional, regional e internacional (MEG, confidencialidade dos dados, um
2009). parâmetro importante a ser considerado é
A Unidade de DNA da INTERPOL foi que os perfis devem ser codificados por
estabelecida na Secretaria-Geral, em Lyon- dados dissociados, conforme preconizado
França, em março de 2000, atendendo às pela Declaração Internacional sobre Dados
demandas de muitos países membros. Genéticos Humanos (UNESCO, 2004) .
Inicialmente, foi estabelecido um grupo de Em caso de correspondência entre perfis
consultores externos, o Grupo de genéticos, os países envolvidos são
Especialistas em Monitoramento de DNA da informados e convidados a cooperar
INTERPOL (MEG), para implementar bilateralmente, a fim de prosseguir com o
diretrizes de melhores práticas internacionais auxílio das investigações (MEG, 2009).
e o intercâmbio internacional de dados. Este Com a finalidade de monitorar o uso de
grupo atua no incentivo às autoridades dos genética forense e bancos de perfis
países membros no intuito de implementar genéticos em todo o mundo, a Unidade de
ou expandir bancos de perfis genéticos (MEG, DNA da INTERPOL realiza periodicamente
2009). uma pesquisa global como os países
O Banco de DNA da INTERPOL foi membros. A última pesquisa foi realizada
desenvolvido em 2002 e tem sido utilizado em fevereiro de 2019, quando 194
em investigações policiais para pesquisa e escritórios da INTERPOL foram solicitados
confronto de perfis genéticos oriundos de di- a fornecer suas estatísticas nacionais para

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o período que terminava no fim do ano de bem como perfis recebidos de outros
2018. Um total de 108 países membros (56%) países por meio de INTERPOL (RIBPG,
responderam à pesquisa. Essas respostas 2021).
foram compiladas e adicionadas aos dados O Banco Nacional de Perfis Genéticos
fornecidos em pesquisas globais anteriores participa do envio e recebimento
realizadas pela Unidade de DNA. A Pesquisa internacional de perfis genéticos desde
Global de 2019 demonstrou que um total de sua criação pelo Decreto n.º 7.950 de 12 de
111 países relataram o uso de exames de DNA março de 2013 (BRASIL, 2013). Entre os
em investigações criminais. Destes países, 84 anos de 2014 e 2017, o Brasil recebeu de
afirmaram ter uma base de dados nacional, os outros países, por meio da INTERPOL, 90
quais, somados, totalizam 35.475.671 perfis solicitações de pesquisas de perfis
genéticos armazenados. Ao analisar genéticos na base de dados nacional.
especificamente o continente americano, Neste mesmo período, foram enviados
nota-se que na época 38 países eram apenas 9 perfis genéticos produzidos no
membros da INTERPOL, sendo a pesquisa Brasil para pesquisa em bases de dados
respondida por 39,5% (N = 16). No continente de outros países.
americano, 17 países utilizavam a genética Considerando a participação irrisória do
forense no auxílio a investigações e 15 países Brasil até o ano 2017 no uso da genética
possuíam bancos de perfis genéticos forense para o auxílio de investigações
(INTERPOL, 2019). internacionais, a partir de 2018, a Polícia
Em 2019, o Grupo Ibero-americano de Federal, em uma ação conjunta do
Trabalho em Análise de DNA (GITAD) Escritório Nacional da INTERPOL e do
realizou um levantamento sobre a situação Banco Nacional de Perfis Genéticos,
das bases de dados de DNA na América iniciou duas estratégias para aumentar a
Latina. A pesquisa contou com a participação participação brasileira no
de 15 países da região. Dentre os compartilhamento internacional de dados
participantes, 12 países latino-americanos de perfis genéticos. Primeiramente, foi
afirmaram possuir bancos de perfis genéticos. fomentado o recebimento de solicitações
Entre os que responderam positivamente, de pesquisa de perfis genéticos de outros
oito tinham bases de dados para fins países para confronto com a base de
criminais e 11 possuíam bases de dados para dados nacional, por meio de formulários
busca de pessoas desaparecidas (SILVA JR, et próprios da INTERPOL. Em seguida,
al., 2020). iniciou-se a inserção massiva de perfis
No Brasil, existe uma Rede Integrada de genéticos de restos mortais não
Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) criada identificados e vestígios de locais de
com o objetivo principal de manter, crimes brasileiros no Banco de DNA da
compartilhar e comparar perfis genéticos para INTERPOL (RIBPG, 2019b) . Como
auxiliar tanto na investigação criminal e resultado, a partir de 2018 até junho de
instrução processual quanto na identificação 2021, foram recebidas 160 solicitações
de desaparecidos. Os perfis genéticos gerados provenientes de outros países para
pelo RIBPG são rotineiramente enviados ao pesquisa na base de dados nacional,
Banco Nacional de Perfis Genéticos, onde são representando um aumento de 78% no
feitos confrontos no âmbito interestadual recebimento de solicitações. No mesmo
com os perfis gerados pelos 22 laboratórios período, 16.727 perfis oriundos de
de genética forense que compõem o RIBPG, vestígios de locais crimes e 3.199 perfis de

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restos mortais brasileiros foram enviados conseguiu deter dois suspeitos: W.G.M. e.
para o Banco de DNA da INTERPOL para B.E.S.B.S. Concomitantemente, dois
confronto com perfis genéticos inseridos por peritos criminais federais realizaram a
diversos países. Como resultado deste perícia de local de crime e, considerando a
trabalho, em outubro/2020 foi confirmado o possibilidade de haver material genético
primeiro caso de sucesso decorrente dos infratores, os peritos realizaram a
diretamente desta medida de cooperação coleta de vestígios biológicos no local.
policial internacional, um caso Nesta oportunidade foi identificado que o
transcontinental (RIBPG, 2021). local não se restringia apenas a Agência
Apesar do crescente envio de perfis genéticos dos Correios, uma vez que havia uma
brasileiros para o Banco de DNA da abertura em uma parede entre a agência e
INTERPOL, a pouca utilização da ferramenta o estabelecimento comercial vizinho, uma
pelos países fronteiriços faz com que os papelaria. A Figura 01 apresenta o croqui
resultados ainda sejam tímidos e o potencial da Agência dos Correios e da Papelaria,
da ferramenta continue subutilizado, tanto no indicando o posicionamento dos vestígios
auxílio a investigações transnacionais quanto no local do crime (WOHLKE & M., 2017).
na identificação de pessoas migrantes Os vestígios foram devidamente
desaparecidas. Por outro lado, a iniciativa de embalados, registrados e enviados ao
fomento do recebimento de solicitações de Instituto Nacional de Criminalística (INC)
pesquisa de perfis genéticos de outros países, para a processamento laboratorial e
por meio da INTERPOL, para confronto com o cruzamento direto com os suspeitos de
Banco Nacional de Perfis Genéticos, tem W.G.M. e. B.E.S.B.S, bem como para
obtido cada vez mais resultados. Dentre os inclusão dos perfis genéticos obtidos a
países que participam ativamente no envio de partir dos vestígios no Banco Nacional de
solicitações para o Brasil, destaca-se a Perfis Genéticos.
atuação do Oficialato de Ligação em Saint Os materiais biológicos, tanto dos
Georges de L'Oyapock-Guiana Francesa. Este, vestígios quanto dos suspeitos, foram
rotineiramente, envia solicitações de analisados pelo laboratório de genética
comparação de perfis genéticos relacionados forense do INC entre março e maio de
a crimes ocorridos na Guiana Francesa e nos 2018. A partir de duas luvas, foram
quais exista a suspeita de envolvimento de obtidos dois componentes majoritários de
brasileiros como autores da ação delituosa. perfil genético de mistura e, a partir de
Desta ação, diversas investigações uma chave de fenda, um perfil genético
envolvendo os dois países puderam ser unitário. A Figura 02 apresenta fotos
auxiliadas, dentre as quais destaca-se o destes três vestígios. Os demais vestígios
estabelecimento de ligação entre três crimes, não possuíam DNA humano nuclear em
conforme descrito no estudo de caso a seguir. quantidade suficiente para amplificar os
marcadores genéticos, de acordo com os
Estudo de Caso parâmetros técnicos estabelecidos pelo
laboratório (CASTRO & FREITAS, 2018).
Crime 1 Estes dois componentes majoritários e o
A Agência dos Correios da cidade de Foz do perfil unitário foram comparados com os
Iguaçu/Brasil, localizada na Avenida Juscelino perfis genéticos obtidos de amostras
Kubitschek, foi arrombada na madrugada de coletadas dos suspeitos. Não houve
17 de julho de 2017. A equipe de investigação coincidências com o perfil do suspeito

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B.E.S.B.S. No entanto, durante o confronto a um pedido de cooperação policial


com o perfil genético do suspeito W.G.M., foi apresentado pela Gendarmerie francesa,
observada identidade em todos os solicitou o confronto no Banco Nacional
marcadores analisados com o componente de Perfis Genéticos de dois perfis
majoritário obtido a partir de uma das luvas oriundos de vestígios relacionados a um
(CASTRO & FREITAS, 2018). assalto ocorrido em abril de 2019, na
Em maio de 2018, os três perfis genéticos cidade de Roura/Guiana Francesa.
oriundos dos vestígios, sendo dois Esses dois perfis foram encaminhados
componentes majoritários oriundos de duas pelo Escritório Nacional da INTERPOL e
luvas e um perfil unitário oriundo da chave de recebidos pelo Banco Nacional de Perfis
fenda, foram incluídos no Banco Nacional de Genéticos em março de 2020 para análise
Perfis Genéticos (CASTRO & FREITAS, 2018). técnico-normativa (RIBPG, 2019a) e, caso
atendessem aos requisitos estabelecidos,
Crime 2 inserção e comparação com os perfis
anteriormente depositados na base de
A agência dos Correios da cidade de dados.
Toledo/Brasil, localizada na Rua Leonardo Os perfis foram inseridos em abril de
Júlio Pern, foi arrombada em novembro de 2020 e, durante o confronto com perfis
2016. Os vestígios biológicos foram coletados previamente cadastrados, foi observada a
com a finalidade de obter perfis genéticos coincidência de um dos perfis oriundos do
para eventuais cruzamentos com outras assalto em Roura/Guiana Francesa com o
ocorrências ou suspeitos (ALMEIDA & componente majoritário obtido a partir de
FREITAS, 2017). luva - relacionada ao crime ocorrido em
Os vestígios biológicos foram encaminhados Foz do Iguaçu/Brasil, em julho de 2017, a
para análise pelo laboratório de genética qual já havia sido previamente vinculada
forense do INC, contudo, devido à ausência ao suspeito W.G.M. (MINERVINO, et al.,
de suspeitos relacionados, o caso não foi 2020).
considerado prioritário, sendo analisado
apenas em 2018. A partir de uma garrafa de Correlação entre os crimes
água abandonada no local pelos criminosos,
figura 03, foi obtido o componente majoritário A troca de informações entre o Brasil e a
de um perfil genético de mistura. Em outubro Guiana Francesa, por meio do Escritório
de 2018, o componente majoritário deste Nacional da INTERPOL, possibilitou a
perfil foi inserido no banco de perfis genéticos ligação de três locais de crime com grande
e, durante o confronto com outros perfis distância espacial, conforme ilustrado na
inseridos anteriormente, encontrou-se a Figura 4. O modus operandi indica tratar-se
coincidência com o perfil obtido em chave de de um grupo organizado que comete
fenda relacionada ao crime ocorrido em Foz crimes em série, tanto de furto quanto
do Iguaçu/Brasil, em julho de 2017 (GUALDA assalto à mão armada. No caso da Guiana
& JACQUES, 2018). Francesa, especificamente, sem o
estabelecimento de relação obtido pela
Crime 3 confronto de dados no banco de perfis
genéticos, outras evidências poderiam ser
O Oficialato de ligação em Saint Georges de insuficientes para vincular um dos
L'Oyapock- Guiana Francesa, a fim de atender suspeitos ao crime.

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Ressalta-se que ao menos um suspeito, no ção, acessíveis e eficazes, servindo tanto


caso da Guiana Francesa, e, pelo menos, dois, para a identificação de culpados de
nos casos brasileiros, permanecem determinado crime como para a absolvição
desconhecidos. Contudo, com base na de pessoas injustamente acusadas
conexão encontrada entre os três casos, as (BUTLER, 2010). Os bancos de dados de
equipes de investigação envolvidas, tanto perfis genéticos ajudam a promover a
francesas quanto brasileira, podem trocar justiça e a eficiência do trabalho policial
informações que permitam a identificação tanto na esfera nacional quanto também
dos demais autores das três ações delituosas internacional.
e a dissolução da organização criminosa. Nesse cenário, o Brasil não se manteve à
parte. A evolução das bases de dados de
Discussão perfis genéticos no Brasil é constante, e o
crescente número de perfis genéticos e
Em um período de meia década, entre os coincidências no Banco Nacional de Perfis
anos de 2014 e 2019, o Conselho de Genéticos são a prova disso (MINERVINO,
Segurança das Nações Unidas emitiu nove et al., 2019) (MINERVINO, et al., 2020). A
Resoluções relacionadas a roubo e assalto à base de dados teve um aumento de 927%
mão armada em uma escala Global. Já no nos últimos três anos e meio (10.769 em 28
período compreendido entre os anos 2000 e de novembro de 2017 ante 110.579 em 28 de
2013, apenas uma resolução do referido maio de 2021), diretamente proporcional
conselho tratava sobre o tema (GLOBAL ao crescimento do número de
INICIATIVE, 2018). O aumento expressivo de coincidências ocorridas no mesmo período
Resoluções do Conselho de Segurança nos (taxa = 875%) (RIBPG, 2021).
últimos anos fornece uma análise sobre o As coincidências ocorridas no Banco
aumento dos roubos e assaltos à mão armada Nacional de Perfis Genéticos envolvem
como ameaça à paz e à segurança global. diferentes tipos de crimes: contra a vida,
Os países devem continuamente realizar sexuais e contra o patrimônio. Estes
pesquisas e recolher informações para últimos representam cerca de 35% das
aumentar o conhecimento e compreender coincidências verificadas entre vestígios e
melhor a natureza e o escopo do crime indivíduos cadastrados criminalmente
organizado transnacional (UNITED NATIONS, (RIBPG, 2021). O expressivo número de
2019). O intercâmbio de informações de coincidências identificadas no Banco
investigações e inteligência que sejam Nacional de Perfis Genéticos envolvendo
relevantes entre países envolvidos em crimes crimes contra o patrimônio se deve ao fato
transnacionais certamente possibilita uma de os mesmos indivíduos cometerem
ação sinérgica para identificação da furtos e assaltos à mão armada a
materialidade e autoria dos atos ilícitos. Com estabelecimentos bancários.
a atuação conjunta, pode-se buscar o As Agências dos Correios, além de sua
rompimento da rede criminosa internacional. função postal, desempenham operações
Neste contexto, os bancos de perfis genéticos bancárias. Por este motivo, assim como
são ferramentas amplamente utilizadas em outras agências bancárias, os Correios são
todo o mundo e têm se mostrado muito alvo recorrente de crimes de furto e assalto
eficientes nos objetivos para os quais são à mão armada cometidos por grupos
propostos. Na área penal, apresentam-se organizados que percorrem todo o
como excelentes instrumentos de investiga- território nacional, conforme rotineiramen-

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correlação de crimes envolvendo América do Sul

te relatado nos relatórios semestrais da das Nações Unidas e INTERPOL, afirmam


RIBPG (RIBPG, 2021). Ao inserir os dados que os países podem se beneficiar e
envolvendo coincidências de crimes contra o prestar assistência mútua a partir da troca
patrimônio em ferramentas de sistêmica de informações. Para este
geolocalização, pode-se deduzir que grupos desígnio, o uso de ferramentas
de crime organizado percorrem diversas disponíveis, tal como o Banco de DNA da
localidades brasileiras cometendo crimes INTEPOL, deve ser incentivado e utilizado
contra o patrimônio com o mesmo modus constantemente.
operandi (SILVA JR, et al., 2019). A partir do Ressalta-se, por fim, a fundamental
recente aumento da identificação dos crimes compreensão da necessidade em
em série em que grupos organizados estão melhorar o intercâmbio de informações,
envolvidos e da identificação de autoria dos em especial entre os países membros da
integrantes das organizações criminosas, MERCOPOL. Assim, o que se propõe é
pressupõem-se que estes estejam atuando que seja colocado em prática um
com maior frequência além das fronteiras protocolo de compartilhamento
brasileiras, onde acreditam ter menores internacional de dados forenses, em
probabilidades de serem identificados e especial os perfis genéticos. Desta forma,
presos. espera-se que mais investigações sejam
auxiliadas com o objetivo de aumentar a
Conclusão resolução de crimes transnacionais
realizados por grupos organizados, bem
A participação brasileira no como o rompimento de redes criminosas
compartilhamento internacional de perfis internacionais.
genéticos aumentou substancialmente a
partir de 2018. O recebimento de solicitações Referências
de pesquisa de perfis genéticos de outros
países para confronto com o Banco Nacional
de Perfis Genéticos, por meio de formulários ALMEIDA, D. A. D. & FREITAS, F. A., 2017.
próprios da INTERPOL, tornou-se rotineiro e Laudo nº 171/2017-NUTEC/DPF/FIG/PR, s.l.:
vem apresentando cada vez mais resultados SISCRIM (sistema de acesso restrito à
que podem auxiliar investigações de crimes Polícia Federal).
transnacionais.
O Brasil adotou também o procedimento BORDIGNON, F., 2019. As cooperações
regular de inserção de perfis genéticos de policiais internacionais em fronteiras, do
restos mortais não identificados e vestígios de local ao global: o comando tripartite na
locais de crimes brasileiros no Banco de DNA tríplice fronteira de Argentina, Brasil e
da INTERPOL com o objetivo de auxiliar Paraguai, Dissertação (Mestrado em
investigações transnacionais e identificar Sociedade, Cultura e Fronteiras), s.l.:
pessoas migrantes desaparecidas. Contudo, a Universidade do Oeste do Paraná.
pouca utilização da ferramenta pelos países
fronteiriços faz com que os resultados ainda BRASIL, 2013. Decreto nº 7.950. [Online]
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Genética forense no auxílio a investigações transnacionais:
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https://doi.org/10.1016/j.fsigss.2019.10.086. Coordenadora do I Curso de
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Aline Costa Minervino

(QBRN). Mestre em Saúde Coletiva (2015),


especialista em Genética Humana (2007) e
graduada em Odontologia (2005), todos pela
Universidade de Brasília. Este artigo foi
selecionado pelo Edital nº 001/2021-CCCP
Mercosul.

Figuras

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


MINERVINO, Aline Costa. Genética forense


no auxílio a investigações transnacionais:
correlação de crimes envolvendo América do
Sul. Revista Mercopol, Brasília, ano 15, n. 13,
p. 53-63, jan./dez. 2021. Disponível em:
https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-
informacao/atuacao-internacional/foros-e-
redes/publicacoes/view. Acesso em: [dia]
[mês] [ano].

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