1-A Sociedade Medieval

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A sociedade medieval (476- séc.

XVI)

O povo

A Idade Média é considerada por muitos uma “ longa noite de mil anos”. Portugal só começa a ter uma vida política, depois de
passar o obscurantismo cultural, anterior ao séc. XII.

Os historiadores descrevem a Idade Média do seguinte modo: pouquíssimos homens; muitos campos desertos; a terra indócil é
aberta por alfaias de madeira, arrastadas por magros bois. As terras são deixadas em pousio um ano, dois anos, três… por vezes
dez, para que, em repouso, se reconstituam os princípios da fertilidade.

As casas são choças de pedra, lama e ramos, reunidas em lugarejos. Nestas cabanas vivem os vinhateiros os tecelões, os ferreiros
e artesãos domésticos que fabricam para o senhor bispo adornos e armas. Também habitam nestes lugarejos, alguns judeus que
emprestam dinheiro sobre penhores.

Os camponeses sabem o que a terra produz. Um grão de trigo dará três. O pão acabará na páscoa. Depois, comem-se ervas, raízes.
Como o trigo falta, o bispo levanta as proibições, permitindo que se coma carne na quaresma.

As carências dão lugar à fome e às penúrias mortais. Comer segundo a vontade, todo o ano, é privilégio dos padres. Todos os
outros são escravos da fome.

O homem do povo sente-se nu, privado de tudo, entregue à morte, ao mal e aos terrores. Pensa que é pecador e tem de sofrer os
infortúnios da vida. Desde a queda de Adão, que a fome o atormenta e ninguém, tal como o pecado original, se pode separar dela.

A nobreza

Enquanto os camponeses continuam privados de tudo, famintos e extenuados, sem qualquer esperança de sair num dia dos seus
chiqueiros, os nobres, cobertos de joias e adornados de tecidos multicolores percorrem, com a sua escolta de cavaleiros esta terra
selvagem.

O proprietário divide as suas terras em duas partes: a primeira, de grande extensão, é explorada por ele próprio ou pelos seus
agentes diretos. Aí tem a sua residência, edifícios de exploração e oficinas diversas; a segunda é fracionada em parcelas,
concedidas a camponeses livres. Estes trabalham dois dias para o senhor e um para si próprio. É uma renda paga em trabalho.
Têm de pagar ainda direito de utilização e de ocupação.

A nobreza tem como rendimento o soldo que o rei paga em troca de um serviço militar e os ditos rendimentos, provenientes das
prestações impostas aos camponeses.

O Clero

Durante os séculos XII, XIII e XIV, o clero é a verdadeira classe dirigente da sociedade portuguesa porque é uma organização social
que tem por base o Papa que, como vigário de Cristo sobre a terra, se afirma superior aos reis. Rege-se por um direito próprio- o
direito canónico- e os seus elementos são julgados em tribunais também próprios. A própria lei civil acha-se subordinada à lei da
Igreja, que se confunde com a lei de Deus.

O Clero, na época medieval, é uma classe imensamente rica. Possui terras, bens, móveis, joias, tesouros acumulados nos templos e
nos conventos. Esta riqueza vai sempre aumentando pelas doações de reis e nobres que querem acautelar o seu destino no outro
mundo e, para tal, oferecem muitos bens à Igreja.

O seu imenso poderio deve-se também à circunstância do clero ser a única classe com alguma instrução. Toda a cultura da Idade
Média tem um cunho eclesiástico. A língua dos estudos é o latim. Os eclesiásticos são os mestres do saber. Todas as letras e artes,
todas as atividades intelectuais superiores são submetidas a princípios e fins religiosos.

Mentalidade da época

Na Idade Média há a conceção de que Deus é violento, pronto a inflamar-se de cólera, se bem que nunca deixe de amar os seus
filhos. O homem vive esmagado sob o poder divino, mas deve continuar a ser confiante. O Criador deu-lhes olhos para ver e
ouvidos para ouvir.

Se Deus criou o homem e o colocou no seu lugar, numa situação que lhe confere certos direitos, ninguém deve sair desse estado,
se não a desordem é sacrílega.

Há a crença de que a riqueza dos poderosos vem do fundo dos tempos, transmitida de geração em geração e de que os pobres
penam sobre a mesma terra que os avós trabalharam. Todo aquele que infringir as leis será punido severamente. Deste modo,
muitos preferem entrar nos conventos, aliviados das obrigações e dos impostos.

Ouvir missa é uma das práticas mais comuns da Idade Média. Se a maioria das pessoas não é devota, pelo menos é disciplinada no
cumprimento de um dever social.

De igual modo, os atos diários têm explicação em artes ocultas. As pessoas acreditam em bruxas, lobisomens, vampiros,
encantamentos e feitiços.
Peregrinações

Por todo o país proliferam as igrejas, capelas e santuários. Tanto o rei como o camponês aí buscam alívio para os seus males. As
peregrinações a lugares santos ocupam a vida das pessoas que passam alguns dias no santuário, dormindo na igreja, junto às
relíquias ou a um túmulo dos santos. Cansado no corpo, mas limpo na alma e contente pelo que vê, volta feliz.

Um lugar muito frequentado é Santiago de Compostela. Este e outros santuários não são apenas lugar de culto, são pontos de
reunião e até recintos de diversão, na falta de outros edifícios públicos.

Nas igrejas, come-se, bebe-se, dorme-se( se se vem de longe) e essencialmente, dança-se, ouvem-se trovadores e jograis e fazem-
se representações teatrais. Representam-se aí os autos e os mistérios.

Jograis e trovadores

Após a missa, os peregrinos escutam os jograis que tocam, bailam e fazem malabarismos com facas ou maçãs ou ainda recitam
poemas ou contam histórias de terras longínquas, aprendidas nas festas dos palácios por onde andam.

O jogral, pela sua origem, é um homem do povo. Recebe remuneração pelo trabalho que efetua. Pode obtê-la através do trovador
a quem serve ou pela sua atuação na praça pública, de terra em terra ou ainda pela atuação na corte de grandes senhores. Alguns
jograis, devido às suas grandes capacidades, acabaram por ficar na corte de grandes príncipes.

Os jograis não são bem vistos pela igreja porque, em geral, são homens devassos que gastam o dinheiro nos “ prazeres da comida
e da bebida”. Jogam nas tabernas e salões, têm uma memória prodigiosa para decorarem cantigas, não sabendo muitas vezes nem
ler nem escrever. O seu repertório é vasto. Fazem acompanhar-se de uma jogralesa ou soldadeira que ajuda no espetáculo. Canta,
dança e recita. A jogralesa entrega-se a uma vida dissoluta.

A transformação dos costumes trazida pelo desenvolvimento comercial da europa, desde o séc. XII, permite um ambiente pacífico
em muitas regiões, fazendo aparecer ao lado do jogral, a figura do trovador.

O trovador é um homem de condição social superior. É um nobre, dotado de capacidade poética e musical, que aproveita para a
elaboração das suas cantigas. O trovador compõe as composições poéticas que o jogral se limita a executar. Na época, “ trobar”
significava compor o texto e a respetiva música.

A primeira literatura

A poesia trovadoresca ou galego-portuguesa desenvolve-se dos finais do séc. XII até meados do séc. XIV, mais precisamente de
1199 até 1350, sendo o período de maior apogeu entre nós, o séc. XIII. A transmissão desta literatura (cantigas) é de caráter oral.

O texto mais antigo redigido em galego-português data de 1199. Estabeleceu-se então nesta data o termo “ a quo” (a partir do
qual), ou seja, a data da mais antiga composição escrita. É difícil definir o termo desta lírica, a data do último texto redigido.
Estabelece-se o termo“ ad quem” (até quando) pela atividade poética de D. Dinis.

D. Dinis foi um grande trovador, com uma produção literária muito vasta, mas que viveu num período de declínio da lírica
trovadoresca. Com a data da sua morte, em 1325 estabelece-se o termo desta lírica.

Em 1350 surge um texto “ Pranto do Jogral João” referindo que, com a morte deste monarca, protetor dos trovadores e jograis,
estes não têm mais proteção neste reino. Se quiserem continuar na sua arte terão de procurar proteção no reino vizinho, junto de
D. Afonso X, neto de D. Dinis e trovador também.

Ficamos a saber, então que, com a morte de D. Dinis, a poesia trovadoresca ficaria ao abandono e se aproximaria do fim. O certo é
que, em 1350 já não se poetava mais em Portugal.

Cantigas de Amor

A poesia galego-portuguesa está ligada com a poética desenvolvida além fronteiras, pelos poetas franceses, à qual uma grande
parte dos nossos trovadores está presa.

A atual França estava dividida por duas formas linguísticas de raiz latina: a língua d´oc - ao sul e a língua d´oil, ao norte.

Na região da língua d´oc (onde se viviam tempos de paz e tranquilidade) desenvolveu-se, no séc. XII, um tipo de literatura curiosa,
devido, em parte, à ociosidade da população da Aquitânia.

Os senhores de então ocupavam-se das caçadas e das guerras. Partiam por longos períodos de tempo, ficando o castelo entregue
à dama. Para ela a vida era monótona, não havendo ainda livros e a alfabetização era escassa. Muitas vezes, era o padre quem
supria essas lacunas culturais, lendo livros à senhora e dando orientações políticas e governamentais para a organização do
castelo.

Foi neste ambiente que nasceram os cantares de amor. Os trovadores da Provença começaram por compor cantigas dedicadas à
senhora do castelo, às senhoras casadas, muitas vezes casadas por conveniência.

Os trovadores provençais entendiam que as damas deviam ser compensadas da tristeza de não terem os maridos consigo.
Os trovadores dirigiam-se-lhes com palavras de profunda paixão e, para evitar cair na “ sanha” do marido ciumento (gilós)e
temendo os “lauzengiers”, os intriguistas, não podiam “ ementar” a dona, isto é, revelar o seu nome.Não deixavam nas suas
composições o mais leve indício da sua identificação. Sendo assim, adotavam “ um senhal”- um pseudónimo.

De início ambos obedeciam à “ mesura”, que é o respeito e a veneração pela dona. Da parte dela recebia generosidade, bondade e
compaixão. Para todos os efeitos a senhora é uma suserana e o trovador é um vassalo. Daí que a trate por “ midon”- minha
senhora. Esta poderia ter vários trovadores, mas um trovador só poetava para uma senhora.

Com o decorrer dos tempos começou a haver graus de aproximação entre eles.

4- drudo

3- entendedor

2-precador

1-fenhedor

O fenhedor vive de suspiros e lamentos e não ousa confessar o amor à dama

O Precador já confessa o seu amor à amada

O entendedor já é namorado. O amor é correspondido.

O drudo é o amante.

Feudalismo

Na época medieval vivia-se o feudalismo. Muitas iluminuras (pinturas) nos mostram a cerimónia de investidura. Quando um
suserano resolvia recompensar os bons serviços de um seu vassalo, fazia-lhe a entrega de um domínio territorial- o feudo. Logo
que entrava nesta posse, passava a ser vassalo do senhor, (dava-lhe amizade e proteção), mas era suserano no seu próprio
terreno.

Chamava-se a esta cerimónia de terreno- a cerimónia de investidura.

O vassalo ajoelhava-se diante do senhor, punha-lhe as mãos entre os joelhos e jurava a sua fidelidade, em caso de guerra.

Esta cerimónia é celebrada por um ósculo- beijo na face em virtude do pacto estabelecido.

Na poesia trovadoresca algo de semelhante se passa. Nas iluminuras dos cancioneiros veem-se homens ajoelhados com as mãos
sob as da dona. Neste momento trocavam-se “ dõas”- dádivas. Uma senhora mais rica dá uma joia, uma rapariga com menos
poder económico oferece um lenço; numa atitude mais ousada a senhora pode dar os cordões da camisa.

A comunicação entre povos

Uma grande parte da nossa poesia galego- portuguesa é herdeira direta da poesia dos “ troubadours”.

Na época medieval não existiam meios de comunicação, mas é fácil entender esta transmissão cultural pelas inúmeras
peregrinações aos lugares santos. Peregrinos das mais variadas paragens permitiam trocas culturais nos centros religiosos, como
Santiago de Compostela, na Galiza ou Santa Maria de Rocamadour, no sul de França.

Por outro lado, os casamentos entre regiões permitiam as trocas culturais. Por exemplo: o casamento do primeiro rei de Portugal
com D. Mafalda, filha do conde de Saboia; o casamento de D. Sancho I com D. Dulce, filha dos condes de Barcelona; D. Dinis,
educado por um francês casou com D. Isabel de Aragão. Também a ida de estudantes peninsulares para universidades além
pirinéus para aperfeiçoarem seus estudos, começam a surgir no séc. XIII.

Foi assim que, de uma região tão distante se divulgaram entre nós esses cantares de amor, que vieram a dar forma literária a
outros cantares indígenas, já aqui existentes, bem mais simples e menos complicados, chamados cantares de amigo.

ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA E INÍCIO DA LITERATURA


A língua que os soldados e os colonos romanos foram trazendo para a Península Ibérica, durante a sua
romanização, era o latim vulgar. Esta língua, quando falada pelos habitantes da península, foi -se pouco a pouco
transformando num falar chamado romance. Falar romance era falar à maneira dos romanos. Este falar diversificou-
se conforme as diferentes regiões da Península. Assim, na Idade Média, no noroeste peninsular, veio a transformar-
-se no galego-português, língua comum à Galiza e a Portugal que se diferenciou, depois, em duas línguas que ainda
hoje são muitíssimo semelhantes: o galego e o português.
As primeiras composições literárias que, nos finais do século xII, marcam o início da literatura portuguesa são
escritas em galego-português. Na Idade Média, o galego-português era a língua da poesia peninsular, quer fosse
portuguesa, galega, castelhana, andaluza ou da Estremadura. Trata-se de uma fase primitiva da nossa língua,
considerada arcaica, porque o seu vocabulário, a sua sintaxe e a sua morfologia se encontram ainda em processo de
formação. Por isso, apresenta-se num estado muito longínquo daquele que hoje conhecemos.
Entre essa língua arcaica inicial e o português atual, verificou-se uma longa evolução que nos faz sentir grandes
diferenças quando lemos textos dessa época. Assim, os primitivos textos literários portu gueses devem ser lidos com
a consciência desta diferença linguística e, para serem entendidos, têm de ser acompanhados por notas
explicativas.
Os textos que marcam o início da literatura portuguesa são cantigas de carácter lírico, sentimental e satírico.
Trata-se de manifestações literárias inspiradas numa primitiva cultura oral de popular. Assim, a primeira época da
História da Literatura Portuguesa é a Época Medieval cujo primeiro período é este da Poesia Trovadoresca, assim
chamada porque os seus criadores são designados como trovadores.

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