Manual de Desenvolvimento Comunitario

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 307

184

DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO
2.ª edição

Hermano Carmo
ISBN: 978-972-674-587-7
Hermano Carmo

DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO
(2.ª edição)

Universidade Aberta
2007

© Universidade Aberta
Capa: João Madruga

Copyright © UNIVERSIDADE ABERTA – 2007


Palácio Ceia • Rua da Escola Politécnica, 147
1269-001 Lisboa – Portugal
www.univ-ab.pt
e-mail: [email protected]

TEXTOS DE BASE (cursos formais) N.º 184


ISBN: 978-972-674-587-7

© Universidade Aberta
Hermano Duarte de Almeida e Carmo

Nascido em 1950, efectuou os estudos secundários no Colégio Militar e no Liceu Nacional de Salvador
Correia de Sá em Luanda. Fez o Curso de Administração Ultramarina em 1970, a Licenciatura em Ciências
Sociais e Políticas em 1974 e o Mestrado em Ciência Política em 1985, no Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. Concluiu o Doutoramento em Ciências da Educação
na especialidade de Organização de Sistemas de Formação (1995) e a Agregação em Estudos Sociais, Grupo
disciplinar de Política e Acção Social (2002) na Universidade Aberta.

Professor Catedrático da Universidade Aberta onde foi Pró-Reitor (2000‑2006) e Director do Mestrado
em Relações Interculturais (1999-2006); colaborador do Centro de Estudos das Migrações e das Relações
Interculturais; tem leccionado seminários de Mestrado sobre Metodologia da Investigação (Comunicação
Educacional Multimedia, Relações Interculturais, Comunicação em Saúde e Administração e Gestão
Educacional); neste último foi responsável pela disciplina Organização e Gestão de Recursos Educativos.
Professor Catedrático convidado do ISCSP/UTL, onde lecciona, na Licenciatura em Serviço Social, as
disciplinas Serviço Social de Grupos e Serviço Social de Comunidades e Desenvolvimento Comunitário e, no
Mestrado em Ciência Política, a disciplina Funções Económicas e Sociais do Estado.

Desde 1970 desempenhou funções técnicas, docentes e de direcção no Centro de Acção Social Universitário,
Centro de Educação Especial de Lisboa, Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, e nas Universidades
Nova, Técnica, Internacional e Aberta. Colaborou em diversas iniciativas académicas nas Universidades de
Girona, Granada e Internacional de Andalucia (Espanha), Florença (Itália), Pernambuco, UNESP – Assis, UF
de Santa Catarina e UVA do Ceará (Brasil), Agostinho Neto (Angola) e ISCE (Cabo Verde). Em 2002, foi-lhe
outorgado o título de professor visitante pelo Centro Universitário do Maranhão (Brasil).

Tem trabalhos nos domínios das Ciências Sociais, Ciências da Educação e Ciência Política, dos quais seis
dezenas estão publicados sob a forma de artigos ou ensaios, entre os quais Os dirigentes da administração
pública portuguesa (1985), Análise e intervenção organizacional (1986), Exclusão social. Rotas de intervenção
(Coordenação, 1996), Ensino superior a distância. Contexto mundial, Modelos ibéricos, (1997), Metodologia
da investigação: guia para auto-aprendizagem (com Manuela Malheiro Ferreira, 1998), O Desenvolvimento
Comunitário no dobrar do Século (1998), Educación intercultural a nivel de posgraduados y enseñanza
flexible. realidades y desafios (1998), Desenvolvimento comunitário (1999), Intervenção social com grupos
(2000), Problemas sociais contemporâneos (coordenação, 2001) e Rumos da intervenção social com grupos
no início do sec. XXI (no prelo).

© Universidade Aberta
Nota à 2ª edição

Durante oito anos, o presente manual foi utilizado por estudantes de vários programas da Universidade
Aberta, quer como disciplina obrigatória (caso dos cursos de Ciências Sociais e de Acção Social) quer
opcional (noutros cursos).

Ao longo desse período, fui tendo conhecimento da sua aplicação noutros contextos institucionais e
curriculares de intervenção social (sobretudo nos domínios do trabalho social, enfermagem, animação
sócio-cultural e ciências de educação) do Ensino Superior Público, Cooperativo e Privado.

Tendo em conta a boa receptividade do mercado e a manutenção da procura académica e profissional e


após oito anos de sucessivas reimpressões, decidiu-se submeter a obra original a uma revisão do conteúdo,
com vista à sua actualização.

Em síntese, as alterações foram as seguintes:

- procedeu-se à actualização de notas e fontes bibliográficas, de acordo com o que entretanto foi
publicado;

- introduziram-se pequenas actualizações no texto em geral, procurando respeitar ao máximo a


identidade original do manual;

- na unidade 3, introduziu-se alguma informação adicional que ilustra a complexificação das


respostas da intervenção social na sociedade de informação;

- na unidade 7, inseriu-se uma secção nova sobre redes e parcerias, dada a importância que estas
formas de organização têm vindo a assumir no trabalho comunitário;

- na unidade 8, inseriu-se informação nova acerca das parcerias entre escolas e comunidades em
programas de educação para a cidadania, sobre aprendizagens da educação intercultural,
sobre os efeitos sócio-políticos da exclusão social e, finalmente, sobre a evolução e dinâmica
dos direitos humanos.

Com a presente revisão, espero continuar a responder às expectativas dos diversos leitores, estudantes
ou profissionais, que apoiaram o livro ao longo do seu ciclo de vida e a quem agradeço o incentivo.
Bem hajam por isso.

O autor

5
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
Desenvolvimento Comunitário

19 1. Introdução

23 Razão de ser (na primeira pessoa…)

23 O ensino do desenvolvimento comunitário na Universidade Aberta

24 Tempo disponível

24 Estrutura de conhecimentos
25 Concepções do Mundo e da Vida do autor
25 Teorias e conceitos
26 Modelos
26 Resultados esperados e valor acrescentado da aprendizagem

27 Públicos-alvo

28 Sistema de comunicação educacional


29 Materiais
29 Interacção
30 Avaliação

30 Em síntese

31 Actividade final
31 Leituras complementares

2. O processo de intervenção social em comunidades

37 Elementos em jogo num processo de intervenção social


37 Caso 2.1 - Construção de balneários e lavadouros em Vera Cruz (México)
37 Caso 2.2 - O caso do xarope para a sarna
38 Actividade

40 O choque de culturas, questão central em qualquer mudança


programada
40 A comunicação intercultural
41 Caso 2.3 - O caso da pílula partilhada
42 Problemas de percepção
42 Caso 2.4 - As mãos decepadas (campanha de vacinação, Norte da
Tailândia)
42 Caso 2.5 - O equívoco do crocodilo (campanha contra a tuberculose,
Zimbabwé)
43 Caso 2.6 - Colonização interna na Indonésia

7
© Universidade Aberta
43 Caso 2.7. - Uma campanha contra o tifo (Perú)
44 Caso 2.8. - Diferentes modos de aprender

45 Papel do interventor social

46 Um mapa conceptual do processo de intervenção social

46 Em síntese

48 Actividade final
48 Leituras complementares

3. As alterações do ambiente de intervenção social

53 A evolução dos condicionalismos ambientais


55 Os condicionalismos ambientais pré-industriais
55 Os condicionalisnos ambientais da sociedade industrial
56 Os condicionalismos ambientais da sociedade de informação
58 Actividade

58 A evolução da intervenção social


59 A intervenção social nas sociedades pré-industriais
59 Situação geral
60 Em Portugal
61 A intervenção social na sociedade industrial
61 Situação geral
62 Em Portugal
63 A intervenção social na sociedade de informação
65 Actividade

65 Em síntese

65 Actividade final
66 Leituras complementares

4. O desenvolvimento comunitário: enquadramento geral

73 Conceitos-base
73 O conceito de Desenvolvimento
74 Um ponto de partida: o conceito de problema social
74 Uma aproximação terminológica

8
© Universidade Aberta
75 Perspectiva de Lebret
76 Posição do Banco Mundial e do PNUD
77 A educação para o desenvolvimento
79 Actividade
79 O conceito de Comunidade
79 A ideia de comunidade nas Ciências Sociais
80 O conceito de comunidade em Ander-Egg
80 O conceito de comunidade na sociedade contemporânea
81 Actividade
82 A organização comunitária e o Serviço Social de Comunidades
82 Organização comunitária
83 Serviço social de comunidades
84 Actividade

84 O Desenvolvimento Comunitário
84 Dimensões do conceito
85 As raízes
86 Os princípios
87 A planetarização
88 Actividade

88 Tipos de Desenvolvimento Comunitário


88 Tipologia geográfica
89 Tipologia conceptual
90 Tipologia de modelos de intervenção de Rothman
90 Actividade

92 Relato de algumas experiências


92 Caso 4.1. - A experiência do Ghana: exemplo de um projecto à escala
nacional
94 Caso 4.2 - Um projecto na Sardenha: exemplo de um projecto à escala
regional
95 Caso 4.3 - A estratégia da “sopa de pedra”
97 Caso 4.4 - O projecto “Revitalização da Comunidade de Ouguela”
99 Caso 4.5 - Um programa de educação funcional no Paquistão

100 O Desenvolvimento Comunitário na actualidade


101 Tendências da investigação
101 Dissertações
102 Monografias e artigos
104 As tendências do ensino
104 Em instituições de ensino presencial
106 Em instituições de ensino a distância

9
© Universidade Aberta
108 Actividade

108 Em síntese

109 Actividade final


109 Leituras complementares

5. Antropologia aplicada e desenvolvimento comunitário

115 Evolução dos interesses dominantes da Antropologia Aplicada


115 O que é a antropologia Aplicada?
116 A Antropologia Aplicada no Reino Unido
116 Antes e durante a primeira guerra mundial
117 O período entre guerras
117 A Antropologia Aplicada nos Estados Unidos
118 Antes da segunda guerra mundial
118 Durante a 2ª guerra mundial
119 Depois da 2ª guerra mundial
119 A Antropologia Aplicada em Portugal
121 Actividade

121 Valor da contribuição da antropologia para o trabalho comunitário


121 Valor político
123 Valor cognitivo
123 Caso 5.1 - O erro de Squillachi e o engenho de Arandas (Espanha)
124 Caso 5.2. - Negociações num motim (Coreia)
125 Valor prático
125 Fase de pré-estudo
126 Fase de planeamento
126 Fase de análise continuada
126 Caso 5.3. - Fogões na Índia e no Irão
127 Avaliação final
127 Actividade

127 A questão da pobreza e o contributo da Antropologia


128 Actualidade da questão na Agenda Internacional
131 Aspectos conceptuais: a pobreza como carência e como presença
131 A pobreza como carência
132 A pobreza como presença
136 Caso 5.4: A experiência do CASU
137 O que foi o CASU?

10
© Universidade Aberta
140 Actividade
140 Em síntese

140 Actividade final


141 Leituras complementares

6. Sociologia de intervenção e desenvolvimento comunitário

147 Domínio e vertentes da Sociologia de intervenção


147 Actividade

148 O que é a Sociologia de Intervenção?


150 Precursores da Sociologia de Intervenção
150 A Sociologia de Intervenção em contexto micro
151 A Sociologia de Intervenção em contexto meso
152 A Sociologia de Intervenção em contexto macro
156 Actividade

157 O método Paulo Freire, paradigma da Sociologia da intervenção


157 A trajectória existencial
160 Actividade

160 A obra
160 Educação como prática de liberdade
162 Educação e extensionismo rural
162 Extensió o comunicación? La conscientización en el medio rural
162 Pedagogia do oprimido (1970)
163 Os registos africanos
164 As obras da reaprendizagem do Brasil
166 Actividade

166 O método Paulo Freire


167 Actividade

168 Empowerment e advocacy, dois conceitos integradores


168 Raízes do empowerment
170 A advocacy
170 Metodologia do empowerment e da advocacy

171 A não-violência activa, uma estratégia de intervenção social


172 Aspectos conceptuais
173 Fundamentos filosóficos da NVA

11
© Universidade Aberta
175 Fundamentos socio-políticos da NVA
176 Metodologia da NVA
176 Análise da Situação
177 Escolha do objectivo
178 Primeiras Negociações
178 Apelo à Opinião Pública
179 Envio de ultimatos e acções directas
179 Caso 6.1 - O ultimato a Smuts
180 Caso 6.2 - O boicote às uvas da Califórnia
181 Actividade

182 Em síntese

182 Actividade final


182 Leituras complementares

7. Metodologia da intervenção comunitária

189 Uma bússola para a intervenção comunitária: a abordagem sistémica


190 O macroscópio
190 O nevoeiro informacional
191 A questão da informação no trabalho comunitário
192 O que é a abordagem sistémica?
192 Aplicação da abordagem sistémica ao trabalho comunitário
195 Actividade

196 Passos para a intervenção em comunidades


196 Aspectos gerais
198 Estudo e diagnóstico
198 Vertentes do estudo e do diagnóstico preliminar
198 Lançar “pontes”
199 Proceder a uma caracterização preliminar da comunidade
200 Fazer o levantamento de experiências anteriores
200 Identificar necessidades
200 Caso 7.1- Um projecto comunitário no Equador
201 Identificar recursos
202 O diagnóstico
203 Técnicas de recolha de dados
203 Actividade

204 Investigação geral: variáveis relevantes


204 Planeamento e programação em Desenvolvimento Comunitário

12
© Universidade Aberta
204 O que é planear?
205 Procedimentos obrigatórios nos actos de planear e organizar
205 Actividade

206 Execução e administração de programas em Desenvolvimento


Comunitário
206 O que é administrar?
206 Questões-chave na administração de programas: as questões da coesão e
da condução
207 Motivação e liderança em intervenção comunitária: aproximações
teóricas
207 Teoria da pirâmide de necessidades de Maslow
208 Teoria da realização pessoal de Mc Clelland
208 Teoria de Homans
209 Teoria do processo de maturação de Argyris
209 Teoria da análise transaccional de de Bern e Harris e teorias X e Y de Mc
Gregor
210 Teoria de Argyris sobre os estilos de supervisão
210 Teoria da liderança de Blake e Mouton
211 Avaliação de programas

211 Redes e parcerias


212 Os novos desafios
213 A glocalização
214 Efeitos nos actores sociais
215 Efeitos da mudança no grupo familiar
216 Papel das Misericórdias
217 Responsabilidade das Misericórdias na Sociedade-Providência
219 As Misericórdias e o desenvolvimento local
220 A questão das parcerias
220 Importância das parcerias
221 A armadilha da retórica
222 Exigências do trabalho em parceria

224 Em síntese

224 Actividade final


224 Leituras complementares

8. Campos específicos do desenvolvimento comunitário

231 Desenvolvimento comunitário e educação

13
© Universidade Aberta
231 A mudança na educação
232 Relação da escola com a comunidade: um exemplo
234 Comentário
235 Parceria/escola comunidade na educação para a cidadania
236 Desenvolver os talentos: construir identidades ricas
239 No fio da navalha: ser sujeito da sua história
240 Viver em comum: ser cidadão de corpo inteiro
240 A educação intercultural e a intervenção comunitária
241 A educação intercultural e as doutrinas da assimilação, da integração e
do pluralismo cultural
241 Aprendizagens da educação intercultural
242 Um grupo estratégico: os formadores
244 Actividade

244 Desenvolvimento comunitário e saúde


245 Apoio a cidadãos fragilizados por condições de saúde particulares
245 Em centros de saúde
246 Acção a partir de instituições de cuidados diferenciados de saúde
246 Actividade

247 Desenvolvimento comunitário e exclusão social


247 A pobreza como forma de exclusão social
249 Importância sócio-política da pobreza
250 O combate à exclusão social
251 Crianças e jovens em situação de exclusão social
253 Adultos em situação de exclusão social
254 Idosos em situação de exclusão
255 Actividade

256 Desenvolvimento comunitário e acção macrossocial


256 Planeamento e organização comunitárias
256 Programas de defesa dos Direitos Humanos
256 As gerações de Direitos Humanos
257 O reforço normativo
258 A dificuldade de execução
259 A intervenção no terreno
260 Organização comunitária em situações de ameaça à protecção civil
261 Trabalho comunitário em programas internacionais
261 Actividade

262 Rumos promissores para o século XXI


262 Desenvolvimento comunitário e educação para uma democracia
renovada

14
© Universidade Aberta
262 Variáveis em jogo na educação para a democracia
264 Papel do Desenvolvimento comunitário
265 Desenvolvimento comunitário e educação aberta e a distância
265 O ensino aberto e a distância
266 O EAD e a educação para a resolução de problemas básicos
267 O EAD e o reforço à educação formal
267 O EAD e o desenvolvimento da educação contínua

268 Em resumo
268 Actividade

270 Em síntese

270 Actividade final


271 Leituras complementares

273 Bibliografia geral

15
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
AGRADECIMENTOS

Não teria sido possível produzir este manual sem a contribuição de muita gente. Não sendo possível
nomear todos os que voluntária ou involuntariamente são meus credores, aqui fica o testemunho de
gratidão aos que de mais de perto acompanharam a minha caminhada neste domínio do desenvolvimento
comunitário:

à minha família que me ensinou precocemente os valores que fundamentam esta forma de intervir;

aos meus companheiros do Centro de Acção Social Universitária, com quem aprendi que uma
verdadeira consciência crítica não se limita a denunciar o que está mal mas deve arriscar-se a
anunciar o sonho do inédito viável;

aos meus professores, com quem aprendi que a inteligência e o afecto não são incompatíveis;

ao Professor Doutor Amílcar Gonçalves, Director do Departamento de Organização e Gestão


de Empresas da Universidade Aberta, que apoiou com entusiasmo a criação desta disciplina no
âmbito da Licenciatura em Gestão, para a especialidade de Gestão Autárquica;

e, sobretudo

aos meus estudantes a quem devo muito do que sou.

17
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
1. Introdução

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

Razão de ser (na primeira pessoa …)

1. O ensino do desenvolvimento comunitário na Universidade Aberta

2. Tempo disponível

3. Estrutura de conhecimentos
3.1 Concepções do Mundo e da Vida do autor
3.2 Teorias e conceitos
3.3 Modelos
3.4 Resultados esperados e valor acrescentado da aprendizagem

4. Público-alvo

5. Sistema de comunicação educacional


5.1 Materiais
5.2 Interacção
5.3 Avaliação

6. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

21
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a

• explicitar os enquadramentos curriculares em que a disciplina pode


ser aprendida;

• descrever os factores que condicionam a estratégia de leccionação de


uma disciplina;

• referir o tempo previsto para o esforço de aprendizagem;

• explicitar as convicções que fundamentam o desenvolvimento


comunitário;

• enunciar os principais autores que servem de referência a esta disciplina;

• referir dois instrumentos metacognitivos que deverão ser aprendidos


no decorrer da aprendizagem;

• explicitar os resultados esperados e o valor acrescentado da


aprendizagem;

• enunciar os tipos de pessoas a quem este manual se destina;

• referir os materiais de aprendizagem que irá usar;

• descrever os meios de interacção de que pode dispor;

• explicitar os instrumentos de avaliação que irão ser utilizados;

• descrever o manual, em traços gerais, através do índice.

22
© Universidade Aberta
Razão de ser (na primeira pessoa …)

Logo que comecei a leccionar a disciplina de Serviço Social de Comunidades


e Desenvolvimento Comunitário em Outubro de 1983, no Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, procurei
conceber materiais de estudo adequados à aprendizagem deste domínio de
conhecimento, uma vez que os editados em língua portuguesa não abundavam
e haviam sido escritos há alguns anos.

Desde então tive consciência da necessidade da criação de um manual


actualizado que permitisse introduzir o estudante de Ciências Sociais e da
Educação nesta metodologia de intervenção social. O pretexto e a motivação
surgiram com a necessidade de criar a disciplina de Desenvolvimento
Comunitário na Universidade Aberta.

1. O ensino do desenvolvimento comunitário na Universidade


Aberta

A preocupação com a organização e com o desenvolvimento comunitário tem


sido evidente, na Universidade Aberta, não só no querer comum formalmente
expresso nos Estatutos e Plano Estratégico, mas também em numerosas
iniciativas de investigação1 , ensino2 e prestação de serviços à comunidade3 . 1
Sobretudo no âmbito do
Centro de Estudos das Mi-
O lançamento da disciplina Desenvolvimento Comunitário, cujo manual agora grações e das Relações
Interculturais tanto em di-
se apresenta, surge, portanto, como consequência natural da própria existência versos projectos de inves-
de uma Universidade que, aberta não só de nome, pretende dar o seu contributo tigação como em disserta-
ções de Mestrado orienta-
para uma estratégia de Educação para a Democracia e para o Desenvolvimento, das.
com o poderoso instrumento educativo que é o ensino a distância.
2
Através do Mestrado em
Relações Interculturais.
Uma disciplina com esta temática pode apresentar-se num de três tipos de
enquadramento curricular: 3
Através de consultorias e
intervenções diversas.
• como componente de cursos formais nas áreas de Gestão, de Ciências
Sociais e da Educação, tanto em contexto de ensino graduado como
em programas de pós-graduação;

• como módulo de programas não formais de cariz profissionalizante4 ; 4


Através do programas
como o FOCO, organizados
pelos Departamentos e Cen-
• como curso autónomo, em regime livre, num contexto de educação tros de Estudos ligados às
cívica, para a Democracia e para o Desenvolvimento. Ciências da Educação, Ci-
ências Sociais e Gestão
A sua estratégia de leccionação decorre do tempo disponível, da estrutura
de conhecimentos a ensinar, do público que vai ser alvo da aprendizagem e
do sistema de comunicação educacional escolhido

23
© Universidade Aberta
Os pontos que se seguem estruturam-se, deste modo, de acordo com as quatro
vertentes referidas, nas quais se integraram as variáveis sugeridas por Gowin
para a construção de um qualquer conhecimento (Moreira e Buchweitz, 1993
e Novak e Gowin, 1996).

2. Tempo disponível

A variável tempo é determinante para a estruturação de qualquer curriculum


de ensino-aprendizagem. Curiosamente trata-se de um elemento frequentemente
subvalorizado pelos construtores de curricula, quer eles sejam exteriores ao
processo de leccionação - caso do ensino básico e secundário - quer tenham
como incumbência leccionar o que haviam programado - caso dos professores
do ensino superior. Os resultados são conhecidos, bastando recordar a frequente
queixa dos professores do ensino básico e secundário sobre a falta de tempo
para dar os programas e a recorrente crítica, de estudantes do ensino superior,
à diferença entre programas previstos, programas leccionados e tempo
disponível para a aprendizagem.

Dadas as particularidades da Educação Aberta e a Distância (EaD), desde há


muito que as Universidades Abertas se preocuparam com esta questão, sendo
relativamente consensual o regime de créditos adoptado no seio da European
Association of Distance Teaching Universities (EADTU), baseado na previsão
do tempo de trabalho necessário ao aprendente (estudante ou formando), para
atingir os objectivos de aprendizagem da unidade curricular (disciplina ou
seminário).

Recentemente, esse critério foi generalizado para toda a União Europeia pelas
chamadas recomendações de Bolonha, e integrado no sistema normativo
português pela Lei 49/2005 de 30 de Agosto e pelo Decreto-Lei 74/2006 de
24 de Março. De acordo com este quadro doutrinário e normativo, a presente
disciplina está prevista como semestral, o que implica um esforço de trabalho
correspondente por parte do estudante.

3. Estrutura de conhecimentos

Como atrás foi referido os contextos em que esta disciplina se insere podem
ser vários. Daqui decorre que a estrutura de conhecimentos a transmitir deva
apresentar-se sem quaisquer pré-requisitos para além dos decorrentes da
formação secundária completa do agrupamento de Ciências Económico-Sociais.

24
© Universidade Aberta
Isto implica apenas uma formação mínima no domínio das Ciências Sociais,
correspondente à exigida para acesso aos cursos superiores com curricula
nesses domínios5 . 5
No caso particular dos es-
tudantes de Ciências Sociais
é evidente que, não sendo
indispensável, uma prepa-
ração prévia nas disciplinas
de Sociologia Geral, Antro-
3.1 Concepções do Mundo e da Vida do autor pologia Geral e Metodo-
logia das Ciências Sociais
permitir-lhes-á ancorar me-
lhor os conhecimentos des-
É um imperativo de honestidade intelectual e de cuidado epistemológico referir ta disciplina.
que as estratégias de organização curricular e de leccionação foram fortemente
condicionadas por quatro convicções do autor6 : 6
É claro que as convicções
do autor são partilhadas por
• a crença personalista de que o Homem é um fenómeno que não se toda a comunidade cien-
tifica, política e técnica que
repete; estruturou a doutrina, a teo-
ria e a metodologia do De-
• a de que os três valores explicitados na Revolução Francesa - senvolvimento Comunitá-
rio.
Liberdade, Igualdade e Fraternidade - constituem ainda grandes
referências éticas do nosso Tempo, dotadas de poder de agregação de
quereres comuns de culturas muito diferentes;

• a convicção de que a Democracia é o melhor modelo de sociabilidade


que se conhece;

• finalmente a tese que defende que as comunidades humanas são


susceptíveis de aperfeiçoamento através do Desenvolvimento
Comunitário.

3.2 Teorias e conceitos

A disciplina Desenvolvimento Comunitário será emoldurada num quadro


teórico-conceptual interdisciplinar que recorrerá, com frequência, às Ciências
Sociais, nomeadamente à Antropologia, Sociologia e Ciência Política, e às
Ciências da Educação, sobretudo no que respeita às Teorias construtivistas
de Ausubel, Novak e Gowin, e às concepções andragógicas de Knowles e
Paulo Freire.

Socorrer-se-á, em particular, de contribuições de autores ligados à


Psicossociologia, nomeadamente Maslow, McClelland, Homans, Argyris,
Bern e Harris, Mc Gregor, Blake e Mouton.

Para além disso fará naturalmente apelo ao contributo das Teorias Gerais da
Política Social e do Serviço Social e às suas aplicações ao Desenvolvimento

25
© Universidade Aberta
Comunitário, sobretudo através das obras de Ander-Egg, Myriam Baptista e,
no nosso espaço, de Manuela Silva.

Os conceitos-chave ligados a esta área de conhecimentos serão, por vezes,


identificados, relacionados e hierarquizados, sob a forma de mapas
conceptuais, sugeridos pelo autor. Procurar-se-á, através de exercícios
propostos ao estudante, treiná-lo no uso deste instrumento metacognitivo.

3.3. Modelos

Com alguma frequência os conteúdos de aprendizagem serão apresentados


aos estudantes sob a forma diagramada, a fim de facilitar a interiorização de
uma abordagem sistémica, complementar da apresentação linear e analítica
clássica da realidade social e conceptual. Deste modo procurar-se-á
proporcionar ao estudante diversas leituras da realidade, tanto por via dedutiva
como indutiva assim como desafiá-lo a construir os seus próprios modelos de
entendimento e intervenção sobre a realidade.

3.4 Resultados esperados e valor acrescentado da aprendizagem

Ao terminar o ciclo de aprendizagem proporcionado pela disciplina pretende-se


7
O conceito de aprendiza- que o estudante aprenda significativamente7 a
gem significativa que se con-
trapõe ao de aprendizagem
mecânica (Ausubel, cit in a) reconhecer as principais variáveis em jogo no trabalho comunitário;
Novak e Gowin, op. cit.),
supõe uma interiorização de b) discutir a relação entre desenvolvimento comunitário, funções
conhecimentos novos por
associação ou ancoragem a económicas e sociais do Estado e cidadania;
estruturas cognitivas pré-
existentes. Em termos práti- c) identificar a estrutura conceptual do desenvolvimento comunitário;
cos, obriga a uma estratégia
de ensino que faz apelo à
experiência anterior do d) reconhecer a contribuição da Antropologia Aplicada, da Sociologia
aprendente, tese muito de- de Intervenção e da Abordagem Sistémica para o desenvolvimento
fendida pelas correntes
andragógicas. comunitário;

e) descrever e discutir a metodologia do desenvolvimento comunitário


nas suas diversas fases;

f) aplicar o desenvolvimento comunitário a várias situações.

26
© Universidade Aberta
Como valor acrescentado da aprendizagem, pretende-se que o estudante
venha a atingir três ambiciosos objectivos:

• no domínio do saber que aprenda a integrar a teoria e a metodologia


do trabalho com comunidades na resolução de situações-problema
reais;

• no domínio do saber fazer que aprenda a aperfeiçoar as suas


competências comunicacionais, através do treino da leitura, da
escrita, da fala e da escuta;

• no domínio do saber situar-se que aprenda a questionar-se como


pessoa para poder assumir-se como profissional de intervenção social.

4. Público-alvo

Uma disciplina desta natureza tem certa facilidade em captar a atenção de


públicos bastante heterogéneos. Do nosso ponto de vista deve todavia
direccionar-se para a formação de agentes potenciais de mudança
comunitária, nomeadamente

• quadros superiores da Função Pública (da Administração Central,


Regional e Local), e de organizações sem fins lucrativos da
sociedade civil (de Instituições Particulares de Solidariedade Social,
de outras ONGs e de organizações do sector cooperativo) susceptíveis
de integrarem programas de intervenção social em comunidades
urbanas, suburbanas ou rurais;

• professores e formadores, dois tipos de profissionais cujo magistério


pode contribuir decisivamente para estabelecer pontes entre as
respectivas organizações e as comunidades onde se inserem;

• jovens estudantes do ensino superior, das áreas de Ciências Sociais,


Ciências da Educação e Administração Pública8 . 8
É bom não esquecer que
uma das funções de grande
• cidadãos com empenhamento cívico, nomeadamente militantes de utilidade social das Univer-
sidades Abertas é a de edito-
movimentos sociais, de grupos de interesse, de associações cívicas de ra de materiais educativos,
natureza religiosa ou profana e de partidos políticos. não só para os seus estudan-
tes mas para a sociedade em
geral.

27
© Universidade Aberta
5. Sistema de comunicação educacional

Conforme foi claramente sublinhado na Conferência do International Council


for Distance Education (ICDE-Bangkok) de 1992, haverá cada vez mais
tendência para se criarem combinatórias de ensino presencial e de ensino a
distância nos mesmos espaços curriculares, extraindo dos dois tipos de ensino
o que de melhor cada um deles poderá dar às populações (Carmo, 1997:
295). Nessa mesma Conferência ficou claro que a intensificação do apoio
dos sistemas de ensino a distância a projectos de organização e
desenvolvimento comunitário é uma tendência que se desenha neste final de
século, nomeadamente em domínios como o da educação para a saúde e para
o cooperativismo, na formação de professores, extensão rural, protecção civil,
enfermagem e serviço social.

A disciplina Desenvolvimento Comunitário situa-se, deste modo, num dos


campos de preocupações prioritários do ICDE e a estratégia comunicacional
que se propõe pretende abrir possibilidades de auto-aprendizagem pura, ou
em diversas combinatórias de ensino a distância e presencial.
9
Carmo, 1996, O modelo Como já foi referido noutro lugar9 , parece ser consensual que qualquer sistema
português de Ensino Aber-
to e a Distância (EAD), (In- de EAD, para obter resultados com qualidade educativa, tem de integrar três
tervenção na Expolíngua tipos de componentes:
Portugal, Lisboa, Outubro
de 1996).
• materiais de boa qualidade, preparados para serem usados em regime
de auto-aprendizagem, em suportes diversificados (scripto, audio,
video, informático e multimedia);

• sistemas de interacção (informação, aconselhamento e tutoria)


adequados à população-alvo e aos objectivos de aprendizagem;

• sistemas de avaliação rigorosos e transparentes, quer no que diz


respeito à avaliação dos aprendentes (estudantes e formandos) quer
no que concerne ao controlo de qualidade do próprio sistema
ensinante.

Vejamos pois como é que cada um desses elementos se operacionaliza em


termos de planeamento desta unidade lectiva.

28
© Universidade Aberta
5.1 Materiais
10
O instrumento fundamen-
Os materiais que integrarão a disciplina serão os seguintes : 10 tal de aprendizagem é o
manual, tanto para os estu-
dantes que trabalham em re-
• este manual, adequado para o trabalho em regime de gime de ensino presencial
auto-aprendizagem, que constituirá o texto de base; em anexo a este como para aqueles que es-
tão insrcitos em programas
manual indica-se uma bibliografia de obras de referência com caracter de ensino a distância. Para
facultativo uma vez que se pretende, de acordo com as orientações estes constitui também ma-
terial básico o conjunto dos
vigentes, que o manual seja auto-suficiente; testes formativos e respecti-
vos relatórios de correcção.
• um conjunto de videogramas, que procurarão mostrar algumas À semelhança do que se pas-
sa com outras disciplinas da
experiências de Desenvolvimento Comunitário em diferentes contextos Universidade aberta, todo
numa perspectiva de estudo de casos; este material poderá vir a ser
complementado com mate-
• uma série de audiogramas em que se promoverá o aprofundamento e rial audio-visual e em su-
porte digital de acordo com
a discussão de questões relevantes por especialistas; as disponibilidades logísticas
da Universidade Aberta.
• dois testes formativos, com uma estrutura11 análoga à que o estudante
irá encontrar no exame final; 11
A estrutura dos testes pro-
curará avaliar a aprendiza-
• dois relatórios de correcção dos testes formativos, em que se procurará gem de todas as unidades
indicar as respostas esperadas, assim como analisar os erros típicos e lectivas. A forma de
questionamento (tipo de
propor estratégias para a sua superação. resposta exigida, de escolha
múltipla, por associação,
curta ou longa) variará con-
soante o número de estudan-
tes incritos de modo a pre-
5.2 Interacção ver a sua correcção dentro
dos prazos estabelecidos.

Recomenda-se ao estudante que crie, em sua casa ou no seu posto de trabalho, 12


Recomenda-se ao estu-
uma estação de trabalho12 que lhe permita estudar os materiais de dante que crie um espaço
aprendizagem de modo eficiente, assim como comunicar facilmente com a próprio de trabalho, com
fácil acesso aos materiais de
equipa docente e com colegas de disciplina. Pretende-se, com estas aprendizagem e a equipa-
recomendações que o estudante interiorize uma atitude de autonomia, mento de visionamento (lei-
tores de video e audio) e de
operacionalizada em comportamentos em que se assuma como gestor do comunicações (telefone e
processo. computador com correio
electrónico).

Nesta lógica propõe-se ao estudante que, para além do indispensável trabalho


individual, utilize os recursos que estão à sua disposição, tirando deles o melhor
partido. Nomeadamente recomenda-se-lhe que
• contacte, por sua iniciativa, a equipa docente, de quem poderá colher
serviços de orientação e tutoria pelo telefone, por correio electrónico,
por fax e, com menos frequência pelo correio, ou o Centro de recursos
da sua zona sempre que necessite de apoio presencial;
· crie e trabalhe em grupos de auto-ajuda (visionamentos e audições,
seguidos de discussão) com colegas da sua área geográfica inscritos
na disciplina;

29
© Universidade Aberta
• participe nas sessões presenciais ou por videoconferência promovidas
pela equipa docente, em que se procurará fazer apresentação de
conteúdos mais problemáticos, responder a dúvidas e discutir casos.

5.3 Avaliação

De acordo com o recomendável em organização de sistemas de formação e,


por maioria de razão nos sistemas de ensino a distância, procurar-se-ão criar
rotinas de avaliação em duas diferentes vertentes: no que respeita aos resultados
da aprendizagem e no que concerne ao próprio funcionamento do
subsistema ensinante.

Quanto à primeira vertente, criar-se-ão vários momentos de auto e hetero-


avaliação ao longo do semestre, nomeadamente:

• como momentos de auto-avaliação propor-se-á uma autoscopia no


início da aprendizagem e diversas situações de avaliação formativa,
através de actividades propostas ao longo do manual;

• momentos de hetero-avaliação por excelência serão os da correcção


dos dois testes formativos obrigatórios, que será concretizada nos
chamados relatórios de feedback e, naturalmente, a avaliação sumativa
feita no exame final.

O funcionamento do subsistema ensinante será avaliado através de dois tipos


de instrumentos:

• questionários à qualidade dos materiais de aprendizagem e à qualidade


da interacção operada;

• análise de fichas individuais dos alunos ( a conceber e preencher


pela equipa docente) em que se procurarão registar as principais
dificuldades expressas pelos estudantes, as suas críticas e sugestões.

6. Em síntese

Esta primeira unidade começou com uma explicação sobre os diversos


enquadramentos curriculares em que a disciplina pode ser aprendida.

Seguidamente descreveram-se os factores que condicionam a sua estratégia


de leccionação, nomeadamente o tempo disponível, a estrutura dos conteúdos,

30
© Universidade Aberta
os tipos de pessoas a quem este manual se destina e os sistemas de comunicação
educacional passíveis de usar.

Pretendeu-se , com esta breve apresentação, desafiar o estudante a preparar a


sua própria estratégia de aprendizagem, uma vez que será o principal gestor
do processo.

Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e reflexão sobre o


índice geral, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer


ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

Leituras complementares

MOREIRA, M.A.; BUCHWEITZ, B.


1993 Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas
conceptuais e o Vê epistemológico, Lisboa, Plátano.

NOVAK, Joseph; GOWIN, Bob


1996 Aprender a aprender, Lisboa, Plátano, 1ª ed. de 1984.

NOVAK, Joseph
2000 Aprender, criar e utilizar o conhecimento, Lisboa, Plátano.

NORTHEDGE, Andrew
1990 The good study guide, Milton Keynes, The Open University.

31
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
2. O processo de intervenção social em comunidades

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. Elementos em jogo num processo de intervenção social


Caso 2.1 - Construção de balneários e lavadouros em Vera Cruz (México)
Caso 2.2 - O caso do xarope para a sarna
Actividade 2.1

2. O choque de culturas, questão central em qualquer mudança


programada
2.1 A comunicação intercultural
Caso 2.3 - O caso da pílula partilhada

2.2. Problemas de percepção


Caso 2.4 - As mãos decepadas (campanha de vacinação, Norte da Tailândia)
Caso 2.5 - O equívoco do crocodilo (campanha contra a tuberculose, Zimbabwé)
Caso 2.6 - Colonização interna na Indonésia
Caso 2.7 - Uma campanha contra o tifo (Perú)
Caso 2.8 - Diferentes modos de aprender

3. Papel do interventor social

4. Um mapa conceptual do processo de intervenção social

5. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

35
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a

• Identificar os principais elementos em jogo em qualquer processo de


intervenção social;

• reconhecer a necessidade de conhecer a cultura do sistema-cliente como


condição de eficácia da intervenção social;

• reconhecer a necessidade de conhecer o ponto de vista do sistema-


cliente como imperativo de eficácia;

• entender o choque cultural subjacente a qualquer situação de


intervenção social;

• definir o conceito de cultura adoptado pelas Ciências Sociais;

• descrever a situação de divergência de percepções em termos de


processo comunicacional;

• reconhecer que todo o processo de mudança tem custos e benefícios;

• identificar quatro elementos estratégicos no desempenho de um


interventor social;

• elaborar um mapa conceptual do processo de intervenção social.

36
© Universidade Aberta
1. Elementos em jogo num processo de intervenção social

Ao iniciar o estudo de uma disciplina cujo principal objectivo é ajudar o


estudante a aprender uma metodologia de intervenção social convém, antes
de mais, desmontar uma ideia feita da sociedade industrial, a de que tudo o
que é tradição é cristalizado, antiquado, substituível, e de que o que se apresenta
como novidade, moderno, é em si mesmo bom e adoptável para melhorar a
qualidade de vida das populações.

Consideremos duas situações reais, uma relatada por George Foster1 (1974: 1
Professor da Universidade
de Berkeley (Califórnia) este
14-15) e outra vivenciada pelo autor deste manual, que ilustram as antropólogo participou des-
consequências deste modo de pensar e agir. de o início dos anos cin-
quenta como perito de di-
versas organizações ligadas
a programas de desenvolvi-
mento comunitário nos do-
Caso 2.1 Construção de balneários e lavadouros em Vera Cruz mínios da saúde, educação
e engenharia, entre as quais
(México) a UNESCO. A sua experi-
ência no terreno, nomeada-
mente no México, Colôm-
No âmbito de um programa de saúde pública promovido pela administração bia, Peru, Brasil, Índia,
Paquistão, Filipinas, Afega-
mexicana um engenheiro projectou e construiu um equipamento para uma nistão e noutros países em
aldeia que combinava balneários e lavadouros. Tal empreeendimento obedecia desenvolvimento, granjeou–
-lhe justa fama como espe-
aos critérios de economia e de espaço a que ele estava habituado. Deste modo cialista em mudança de so-
mandou implantar os lavadouros lado a lado virados para uma parede onde ciedades tradicionais. Dois
dos seus principais livros,
foi instalada a canalização que os servia e que, simultâneamente, abastecia o autênticos clássicos da An-
conjunto de balneários construidos do outro lado da referida parede. O desenho tropologia Aplicada, são ci-
tados no final deste capítulo
do projecto permitiu uma construção a baixo custo e uma poupança de tempo em leituras complementa-
às mulheres, as quais passaram a dispor de acesso imediato a água potável res.

junto das suas habitações em vez de terem, penosamente, de ir ao rio lavar a


roupa, lavar-se e abastecer-se de água para a confecção de refeições. Qual
não foi o seu espanto quando verificou que as mulheres, longe de lhe
agradecerem a sua obra, o acusaram de as estar castigando. Questionadas,
explicaram que seriam obrigadas a trabalhar voltadas para a parede tal como
os seus filhos, quando se portavam mal e eram, desse modo, punidos pelo
professor. As novas instalações, acrescentaram, não lhes permitiriam conversar
comodamente enquanto lavavam a roupa.

Caso 2.2 O caso do xarope para a sarna

No início dos anos setenta, no decorrer de uma epidemia de sarna ocorrida


num bairro de lata de Lisboa, vários médicos voluntários colaboraram com o

37
© Universidade Aberta
Centro de Acção Social Universitário (CASU), aconselhando medidas
preventivas à população, diagnosticando a doença e preconizando terapêuticas
adequadas. Em dada altura uma jovem pediatra pertencente à equipa medicou
um bébé fortemente afectado na cabeça com um xarope de efeito sistémico.
Dias depois, fomos confrontados com uma violenta gritaria oriunda do posto
médico do CASU. Aproximando-nos, apercebemo-nos da indignação da mãe
da criança que invectivava a médica com abundantes insultos, acusando-a de
incompetência profissional por ter mandado pôr um champô que só fez com
que a cabeça da criança infectasse até chamando as moscas…!. A médica
por seu turno, extremamente ofendida, acusava a mulher de ignorante, uma
vez que não se tratava de um champô mas de um xarope. Se não percebeu
tinha obrigação de ler a bula…!

Actividade 2.1

Analise com cuidado os dois casos apresentados procurando responder


às seguintes questões (em meia página):

1. Que factores estiveram na base dos incidentes críticos ocorridos?

2. Como poderiam ter sido evitados de modo a que a acção fosse


mais eficaz?

3. Como caracteriza os elementos de tradição e de mudança nos dois


casos? Considera que os elementos de tradição são todos maus?
E os que se associam à mudança?

4. Leia agora o texto que se segue e confronte-o com as respostas


que deu.

Em qualquer dos casos encontramos os principais elementos presentes em


qualquer processo de intervenção social (figura 2.1):
2
Considera-se sistema-cli-
ente, para efeitos de inter- a) uma pessoa ou conjunto de pessoas a quem chamamos sistema-
venção social, toda a pes- cliente2 que aparenta um conjunto de necessidades sociais;
soa, grupo, organização,
comunidade ou rede social
com necessidades sociais b) uma outra pessoa ou pessoas que se constitui(em) em recurso do
que requerem qualquer tipo sistema cliente para responder às referidas necessidades e a que
de intervenção social plane-
ada. chamaremos sistema-interventor;

38
© Universidade Aberta
c) uma interacção entre o sistema-cliente e sistema interventor que se
traduz num conjunto de comunicações, através das quais se
pretendem identificar necessidades e recursos e organizar respostas
adequadas às primeiras através dos segundos;

d) um ambiente que emoldura a interacção, proporcionando condições


favoráveis ou desfavoráveis à intervenção.

Interacção
Sistema Sistema
interventor cliente
Ambiente
de Intervenção

Figura 2.1 - Elementos presentes em qualquer processo


de intervenção social

Em qualquer dos casos o sistema-cliente aparentava precisar de ajuda: no


primeiro, de um programa de saneamento básico que incluisse o abastecimento
e a distribuição de água potável; no segundo, de serviços médicos para combater
a sarna. No entanto, enquanto que no primeiro caso a população não foi
ouvida sobre as suas necessidades, no segundo o sistema-cliente (mãe-criança)
tomou a iniciativa de pedir apoio ao sistema interventor (médica).

Vejamos agora o comportamento dos sistemas-interventores:

• o engenheiro mexicano e a sua equipa assumiram-se como recursos


únicos do processo de intervenção social, desprezando a opinião do
sistema-cliente sobre as suas próprias necessidades; subjacente a este
comportamento objectivamente arrogante, percebem-se dois tipos de
juizos apriorísticos: o de que qualquer mudança é boa e o de que,
dada a sua superior capacidade tecnológica, os interventores sociais
podem prescindir da opinião das populações; como se observou, o
falhanço destes dois pressupostos conduziu ao fracasso da intervenção;

• no segundo caso a médica teve o cuidado de ouvir as queixas da mãe


e de observar devidamente a criança o que lhe possibilitou um
diagnóstico correcto da doença e o estabelecimento de um correcto
plano terapêutico; os problemas advieram da sua execução.

39
© Universidade Aberta
Isto leva-nos ao terceiro tipo de elemento presente em qualquer processo de
intervenção social: a interacção, ou seja o modo como os dois sistemas
comunicam e se relacionam.

Tanto no primeiro caso como no segundo, o choque cultural entre os dois


sistemas em presença conduziu a uma comunicação deficiente determinando
o fracasso da intervenção. No primeiro caso registou-se uma total ausência
de comunicação na fase de estudo e diagnóstico da situação. No segundo
caso os problemas de comunicação observaram-se nas orientações terapêuticas
(fase da execução): a médica partiu do princípio que a mãe da criança sabia
ler e que leria a bula do medicamento. Ora o facto é que a cliente era analfabeta
e mesmo que o não fosse pertencia a um grupo social em que não era hábito
lerem-se as bulas dos medicamentos, uma vez que as indicações dos médicos
eram consideradas quase sagradas. Por seu turno a cliente, dado ignorar os
efeitos sistémicos do xarope considerou-o como um champô, com efeitos
tópicos à semelhança de certos emplastros tradicionais.

Finalmente, no primeiro caso o ambiente não teve qualquer efeito especial no


desfecho dos acontecimentos uma vez que não havia uma história de
relacionamentos anteriores. No segundo caso, o facto de a população já
conhecer bastante bem os técnicos e voluntários do CASU tendo com eles
uma relação de confiança e cooperação facilitou a resolução do mal-entendido
não se havendo registado qualquer sequela decorrente do incidente.

2. O choque de culturas, questão central em qualquer mudança


programada

Estes dois casos chamam-nos a atenção para o contexto de choque de culturas


que envolve frequentemente as situações de mudança programada,
confrontando populações e técnicos com divergentes modos de encarar a
mudança e, por consequência, atribuindo diferente valor aos custos e
benefícios das alterações em jogo.

2.1 A comunicação intercultural

Sintomas desse choque são os diferentes problemas de comunicação que


técnicos e populações enfrentam ao longo de qualquer processo de intervenção
social. Comunicar é, como se sabe, pôr em comum uma dada informação.
Por detrás de qualquer comunicação humana esconde-se um complexo
processo em que o emissor (quem partilha informação) após variadas operações
internas de selecção, comparação e codificação de informação, a emite sob a

40
© Universidade Aberta
forma de uma mensagem verbal ou não verbal para um ou mais receptores
que a vão receber com os seus sensores (visuais, auditivos, tácteis e cinestésicos)
e, através de um processo de descodificação, também ele complexo, lhe vão
dar sentido, de acordo com os elementos de natureza emocional e cognitiva
que possuem. Tanto no processo de codificação como no de descodificação
das mensagens, a cultura dos protagonistas3 desempenha um papel essencial
na percepção, ou seja no reconhecimento, filtragem e contextualização da
informação. Quanto maior for a distância cultural entre os actores sociais 3
O termo cultura, frequen-
temente usado ao longo
mais difícil se torna o processo comunicacional. deste manual, designa a he-
rança social que qualquer
Nem sempre esta distância é evidente, sobretudo quando os protagonistas falam indivíduo recebe ao longo
da sua socialização. É a
a mesma língua e não têm traços exteriores que a indicie. A história seguinte acepção vulgar em Ciências
foi presenciada pelo autor num bairro de barracas onde decorria uma campanha Sociais não tendo a
conotação comum de con-
de planeamento familiar. junto de conhecimentos so-
bre Artes e Ciências que di-
ferencia os que os têm (os
cultos ) dos que não os têm.
Para as Ciências Sociais um
Caso 2.3 O caso da pílula partilhada camponês iletrado e um pro-
fessor universitário são am-
bos portadores de cultura
Ao fim de dois meses de campanha fomos confrontados com um desagradável não sendo cientificamente
incidente: uma mulher que havia frequentado as reuniões de formação e a correcto valorá-los. Para se
perceber de forma simples
quem, na consulta havia sido prescrita uma dada pílula anti-concepcional, esta questão, vale a pena ver
apareceu no posto médico para receber tratamento de escoriações e o filme Os deuses devem es-
tar loucos. Adiante voltar-
traumatismos ocasionados por uma violenta sova dada pelo seu companheiro se-á a esta questão.
habitualmente pessoa calma e pacífica. Interrogada sobre as razões do incidente
respondeu, um pouco agastada, que tinha tido a culpa de confiar na pílula,
indicada pela médica, o que não havia evitado que engravidasse. O marido
sabendo que ela estava a tomar a pílula e que apesar disso engravidou,
interpretou o facto como estando ela a enganá-lo com outro homem, agindo
em conformidade com os padrões habituais naquela cultura.

Considerando a pílula adequada e segura, a equipa do centro de saúde


desconfiou que algo havia corrido mal no seu uso, apesar dos cuidados da
enfermeira de Saúde Pública que havia feito uma sessão de formação sobre o
assunto. Após uma conversa com a jovem mulher concluiu-se que esta, num
dado dia, havia cedido uma dose a uma vizinha que se havia esquecido de
comprar idêntico fármaco na farmácia … Como é óbvio, engravidaram as
duas.

Neste caso, para além de problemas já referidos no caso 2.2, nomeadamente a


questão do hábito de não leitura das bulas, esteve presente um padrão típico
daquela cultura, a solidariedade de vizinhança que foi mais forte que as
recomendações da enfermeira de Saúde Pública. A mulher sabia que estava a
correr um risco mas preferiu corrê-lo a ferir as regras de solidariedade para
com a amiga.

41
© Universidade Aberta
2.2 Problemas de percepção

É frequente a ocorrência de mal-entendidos entre sistema-cliente e sistema-


-interventor, em virtude das diferentes percepções da realidade. Os casos
seguidamente apresentados ilustram algumas dessas situações.

Caso 2.4 As mãos decepadas (campanha de vacinação, Norte da


4
Foster, 1974: 25.
Tailândia)4

5
Semelhante ao logotipo da Uma organização não governamental (ONG) de origem americana usa como
União Geral dos Trabalha-
dores (UGT).
logotipo um par de mãos que se apertam como símbolo de amizade5 . No
decurso de um programa de vacinação no Norte da Tailândia as equipas de
vacinação depararam com um obstáculo inesperado: sempre que entravam
nas aldeias a população fugia manifestando sinais de medo. Não conseguindo
prosseguir com a vacinação foi elaborado um inquérito que concluiu que o
logotipo da ONG pintado nas portas de todos os jeeps era responsável pelo
insólito comportamento da população: com efeito, para aqueles camponeses,
um par de mãos separadas do corpo é um símbolo inquietante do mundo dos
espíritos resultando daí sentimentos de medo e desconfiança sempre que
chegavam os jeeps das equipas de vacinação.

Este caso chama a tenção para um aspecto extremamente importante na relação


intercultural: é que o sistema interventor deve dar tanta importância à
comunicação icónica como à verbal, uma vez que esta também é
culturalmente produzida e interpretada.

Caso 2.5 O equívoco do crocodilo (campanha contra a tuberculose,


6
Foster, 1974: 25-26. Zimbabwé)6

Sabendo que o crocodilo é um animal temido em várias zonas rurais do


Zimbabwé foi decidido pelas autoridades sanitárias, encarregadas do
desenvolvimento de uma campanha contra a tuberculose naquele país, usar a
imagem desse animal nos cartazes em que se apelava à população que
procurasse os postos de vacinação. Pretendia-se desse modo associar a sua
perigosidade ao risco da doença. Os cartazes foram interpretados do seguinte
modo: o crocodilo propaga a tuberculose devendo ser evitado qualquer
contacto com esse animal

O problema aqui, como no caso anterior, foi o sistema interventor ter ignorado
que as diversas culturas têm diferentes padrões de associação, de acordo

42
© Universidade Aberta
com a sua experiência de vida: a percepção, ou seja a atribuição de
significado à informação recebida, depende do posicionamento ou
ancoragem dessa informação no sistema cognitivo do receptor que integra
toda a informação que este já possui, a qual lhe é transmitida de forma
organizada pela cultura onde foi socializado7 . 7
Para aprofundar esta ques-
tão vale a pena estudar a te-
oria da aprendizagem sig-
A divergência de percepções entre os protagonistas de um processo de nificativa de Ausubel. Uma
intervenção social planeada pode verificar-se em diversos domínios, obrigando breve introdução encontra-
se em Moreira, M.A.;
qualquer interventor social que queira ser eficaz, a manter uma constante auto- Buchweitz, B., 1993, Novak,
vigilância sobre os seus actos. Os casos que seguidamente se relatam descrevem Joseph; Gowin, Bob, 1996 e
Novak, Joseph, 2000 (vide
duas situações de divergência de percepções. bibliografia do capítulo an-
terior).

Caso 2.6 Colonização interna na Indonésia8 8


Foster, 1974: 26.

Numa dada altura, antes da independência, o serviço agrícola holandês preparou


uns cartazes para apoiar a campanha de povoamento de uma parte do território
com população provinda de zonas sobrepovoadas. O cartaz mostrava um fértil
arrozal a perder de vista com uma lindíssima paisagem por fundo; em primeiro
plano, as figuras de um agricultor da sua mulher e de uma filha sorriam para
quem quizesse olhá-lo. Mais atrás, muito mais pequeno devido à perspectiva,
observava-se um rapazinho. Os agricultores candidatos à distribuição das terras
compreenderam que estas eram excelentes para as meninas mas más para os
rapazes uma vez que o seu crescimento era obviamente raquítico.

Neste caso, a divergência de percepções entre os organizadores da campanha


de colonização interna e os candidatos resultou do facto de, estes últimos, à
semelhança dos europeus antes do Renascimento, não possuirem a noção da
representação gráfica em perspectiva.

Caso 2.7 Uma campanha contra o tifo (Perú)9 9


Foster, 1962: 129-130.

Uma equipa da Universidade de Cornell durante um programa de educação


para a saúde junto de uma comunidade índia do Perú, exibiu um filme a cores
produzido nos Estados Unidos sobre a transmissão do tifo pelos piolhos. Uma
semana mais tarde questionou-se o auditório para avaliar a eficácia do
instrumento (o filme) tendo-se imediatamente percebido que a mensagem não

43
© Universidade Aberta
havia passado e que não havia sido consciencializado que o piolho era vector
do tifo:

- em primeiro lugar, alegavam eles, nunca tinham visto piolhos gigantes


como os mostrados no ecrã;

- segundo nunca tinham visto pessoas doentes como as mostradas no


filme, as quais apresentavam uma curiosa e desagradável cor branca
e rosada. Talvez, aventaram, essa fosse uma doença que afligia outras
espécies de gente, mas não viam relação com os seus próprios
problemas;

- finalmente, como não estavam familiarizados com o cinema, não


interpretavam os planos como um continuum mas como uma desconexa
série de cenas sem relação entre si.

Aqui a divergência perceptiva começou por resultar do diferente modo de


representar gráficamente a realidade:

• para os americanos, familiarizados com a tecnologia óptica que


permite representar objectos e seres vivos em dimensões diversas do
seu tamanho real, era perfeitamente natural apresentar os piolhos com
uma dimensão superior à real;
10
Os suportes da informa-
ção podem ser o audio, o • para os membros da comunidade índia que não possuiam experiência
video, o scripto o
informo(ático) ou a sua que lhes permitisse ancorar a informação recebida de forma
combinação sob forma conveniente (interpretar os piolhos gigantes projectados como
multimedia. Cada um des-
tes suportes tem carac- representações gráficas de piolhos reais) era perfeitamente natural
teristicas comunicacionais considerar que se estava a representar seres diferenciados.
próprias, com uma gramá-
tica específica culturalmen-
te aprendida. Para melhor A ineficácia da intervenção decorreu também do meio de comunicação
caracterizar os diferentes su- utilizado: é frequente, de facto, gerarem-se mal-entendidos resultantes de um
portes e canais de comuni-
cação cfr. por exemplo, dos protagonistas usar uma tecnologia de comunicação com suportes10, canais
Trindade, Armando, 1991, ou códigos de representação, não familiares ao outro.
Introdução à Comunicação
Educacional, Lisboa, Uni-
versidade Aberta.

11
Winitzkly, Nancy, 1995, Caso 2.8 Diferentes modos de aprender11
Salas de aula multi-cultu-
rais e de ensino integrado,
p.145, in Arends, Richard
I., 1995, Aprender a ensi- Pessoal escolar e os alunos geralmente pertencem a culturas diferentes com
nar, Lisboa, McGraw-Hill, diferentes formas de comunicação e diferentes crenças e valores. Por exemplo
pp 141-183.
Philips (1972) estudou o modo como as crianças índias norte-americanas
aprendiam em casa e comparou-o com o modo esperado de aprendizagem na
escola. Philips observou que estas crianças se sentavam silenciosamente nas

44
© Universidade Aberta
suas carteiras durante a aula, mesmo quando o professor lhes dirigia alguma
pergunta. A maioria dos americanos admitiria que estas crianças eram muito
tímidas ou que possuiam dificuldades de aprendizagem ou linguísticas,
remetendo-as, neste último caso, para classes de baixo desempenho ou de
ensino especial. Pelo contrário Philips verificou que no seio da sua própria
cultura era esperado que aprendessem através da observação de modelos
adultos sem interagirem com eles; que quando precisavam de ajuda deveriam
dirigir-se a irmãos mais velhos e não aos adultos; e que estavam habituados a
uma autodeterminação em casa muito maior do que a que era permitida na
escola.

Este último caso mostra claramente que as divergências perceptivas podem


também surgir da diferente interpretação dos comportamentos de acordo
com a cultura do receptor. O que para um é boa educação para outro pode ser
sinal de dificuldade de aprendizagem.

3. Papel do interventor social

De todos os casos referidos podem-se extrair alguns ensinamentos sobre o


papel do interventor social em qualquer processo de mudança planeada.

Em primeiro lugar, o interventor deve conhecer a cultura do sistema-cliente


assim como as suas principais especificidades (idade, género, estatuto social,
particularidades étnicas e linguísticas, etc). Paulo Freire, o conhecido educador
brasileiro, refere que o interventor social deve tentar entender as pessoas com
quem trabalha por dentro, tal como quem observa um vitral: só é possível
observar convenientemente um vitral se nos colocarmos do lado de dentro do
edifício, de modo a que o sol o ilumine.

Em segundo lugar, para que a sua acção seja eficaz, é necessário que o
interventor se conheça a si próprio e exerça uma rigorosa auto-vigilância
sobre os seus actos: só a partir desta autoscopia permanente é possível controlar
a sua acção, necessáriamente emoldurada pela cultura que interiorizou que
lhe moldou um conjunto de valores e atitudes próprios, os quais condicionam
o seu modo de ver o Mundo e a Vida e os seus comportamentos, traduzidos
em opiniões e condutas profissionais. Nenhuma intervenção social é inóqua,
decorrendo da postura do interventor como cidadão e como pessoa. É condição
de eficácia da acção, portanto, que este assuma um posicionamento autocrítico
sobre o seu desempenho. Só este lhe pode permitir evitar comportamentos
errados, frutos de preconceitos e esteriótipos sobre o sistema-cliente.

45
© Universidade Aberta
Em terceiro lugar, o interventor social deve conhecer os principais elementos
que integram o ambiente da intervenção (políticos, económicos e
socioculturais), que lhe traçam um quadro de ameaças e de oportunidades
estratégicas.

Finalmente, deve estar atento a todos os elementos que configuram a


interacção social decorrente do processo de intervenção social, nomeadamente
os que integram o sistema de comunicações em presença quer estas se façam
sob forma presencial quer a distância. Nas comunicações feitas
presencialmente deve o interventor estar atento tanto às mensagens verbais
como às não verbais (por exemplo, mimico-gestuais e icónicas). Nas
comunicações a distância, ou seja, naquelas em que a relação interventor-
cliente é mediatizada por qualquer medium, torna-se indispensável que este
saiba escolher os suportes de mediatização adequados (scripto, audio, video
ou informático) e os canais de comunicação de que se vai servir (terceiras
pessoas, correio, rádio, televisão, internet) de modo a evitar a ocorrência de
filtros comunicacionais.

4. Um mapa conceptual do processo de intervenção social

Uma forma de diagramar os conceitos subjacentes a um dado corpo de


conhecimentos, o seu relacionamento e hierarquização, é construindo um
mapa conceptual12 . Se quizermos organizar os principais conceitos expressos
12
Cfr. Novak, Joseph; ao longo desta unidade sob a forma de um mapa conceptual poderemos fazê-
Gowin, Bob, 1996, Moreira,
M.A.; Buchweitz, B., 1993, lo do modo como se apresenta a figura 2.2.
ou Novak, Joseph, 2000
(vide bibliografia do capí-
tulo anterior).

5. Em síntese

Ao longo desta unidade introdutória começou por se salientar o conjunto dos


principais elementos em jogo num processo de intervenção social.
Seguidamente, a partir de uma estratégia indutiva discutiu-se a situação habitual
de choque cultural, como aspecto central a observar em qualquer processo
de mudança programada, chamando-se a atenção para a dinâmica
comunicacional subjacente e, em particular, para a questão da divergência
de percepções que pode condicionar diferentes juizos sobre os benefícios e
custos de qualquer mudança. Finalmente, apresentou-se o problema sob a
forma de um mapa conceptual a fim de permitir ao leitor dispor de uma visão
de conjunto sobre o complexo processo em estudo.

46
© Universidade Aberta
Figura 2.2 - Mapa conceptual de um processo de intervenção social.

47
© Universidade Aberta
Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da
unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem


recorrer ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

Leituras complementares

FOSTER, George
1962 As culturas tradicionais e o impacto da tecnologia, Rio de Ja-
neiro, Fundo de Cultura
1974 Antropologia aplicada, Cidade do México, Fondo de de Cultu-
ra Economica
FREIRE, Paulo
1967 Educação como prática de liberdade, Rio de Janeiro, Paz e
Terra.
1968 O papel do trabalhador social no processo de mudança, in
Freire, P.,1977, Acção cultural para a libertação e outros es-
critos, Lisboa, Moraes, pp. 51-58.
1972 Pedagogia do Oprimido, Porto, Afrontamento
NETO, João Pereira
1972 A evolução social em Portugal depois de 1945 (contribuição
para o seu estudo), separata de “Estudos Políticos e Sociais”
IV, nº3, 1966
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.)
1995 Sociologia das Migrações, Lisboa Universidade Aberta, bloco
multimedia integrando um manual, 10 videogramas, 6
audiogramas e um guia de exploração dos videogramas.
1996 Educação intercultural de adultos, Lisboa, Universidade Aberta
WINITZKLY, Nancy
1995 Salas de aula multiculturais e de ensino integrado, in Arends,
Richard I., 1995, Aprender a ensinar, Lisboa, McGraw-Hill,
pp 141-183.

48
© Universidade Aberta
3. As alterações do ambiente de intervenção social

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. A evolução dos condicionalismos ambientais

1.1 Os condicionalismos ambientais pré-industriais

1.2 Os condicionalisnos ambientais da sociedade industrial

1.3 Os condicionalismos ambientais da sociedade de informação

Actividade 3.1

2. A evolução da intervenção social

2.1 A intervenção social nas sociedades pré-industriais


Situação geral
Em Portugal

2.2 A intervenção social na sociedade industrial


Situação geral
Em Portugal

2.3 A intervenção social na sociedade de informação

Actividade 3.2

3. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

51
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a

• descrever a teoria das três vagas de Toffler;

• identificar as principais características das sociedades pré-industriais;

• identificar as principais características da sociedade industrial;

• identificar as principais características da sociedade de informação;

• estabelecer comparações entre as varáveis caracterizadoras dos três


tipos de sociedade;

• explicitar os ambientes de intervenção social, de acordo com os seus


níveis de complexidade e com a natureza da intervenção exigida;

• identificar os modelos de intervenção social característicos dos três


tipos de sociedade referidos.

52
© Universidade Aberta
Na unidade anterior apresentou-se um modelo simples, que representa os
principais elementos em jogo na intervenção social. Um desses elementos é
sem dúvida o ambiente social da intervenção, que lhe define uma moldura de
oportunidades e de limitações de natureza cultural e histórica que a
condicionam. Nesta unidade descrever-se-á resumidamente a evolução da
intervenção social em função desses condicionalismos ambientais.

1. A evolução dos condicionalismos ambientais1 1


O texto que se utiliza nesta
unidade para caracterizar o
ponto de vista de Toffler
sobre a evolução societal
Para descrever as mudanças efectivas que se têm verificado, Toffler recorre tem a sua origem em Carmo
n’A terceira vaga, a uma sugestiva metáfora aquática, considerando que as (1997, 88-107).

grandes alterações registadas ao longo da História, ocorreram de acordo com


três ondas civilizacionais:

• a primeira, iniciada há cerca de 10 mil anos, possibilitou a


sedentarização humana em torno de uma civilização agrícola;

• ainda a primeira vaga não se havia espalhado por todo o planeta, há


cerca de trezentos anos começou a emergir uma segunda vaga,
ocasionada pela revolução industrial, que acelerou vigorosamente o
ritmo de mudança, criando uma nova civilização, que se espalhou
sobretudo nas zonas temperadas da Terra;

• a partir da segunda metade do nosso século, começou a surgir, em


vários pontos das regiões mais industrializadas, uma terceira onda de
mudança, que indicia a emergência de uma civilização
substancialmente diferente das duas precedentes, alicerçada no
desenvolvimento da informação.

As três civilizações, como as ondas do mar, coexistem, colidem e misturam-se


em combinatórias infinitas, num permanente e vertiginoso movimento. Este
processo, faz com que, em nenhuma das zonas da Terra se viva apenas o
impacto de uma vaga de mudança. O que se assiste, pelo contrário, é à
permanente colisão de duas, ou mesmo das três ondas referidas. Assim,
enquanto os países mais ricos se submergem numa tremenda colisão entre a
segunda e a terceira vagas civilizacionais, nos países do terceiro mundo
observa-se um enorme choque entre civilizações da primeira e da segunda
vagas, adivinhando-se já várias bolsas da chamada sociedade de informação.

53
© Universidade Aberta
Variáveis 1ª vaga 2ª vaga 3ª vaga

Força humana e
Carvão; petróleo; Sol; marés; vento;
animal; algum
Energia nuclear (de fontes biomassa; etc. (de
aproveitamento do
perecíveis) fontes renováveis)
vento e da água
T Máquina a vapor; Electrónica; Biologia;
E motor eléctrico; computador,
C Tecnologia Rudimentar motor de combustão Engenharia Genética;
N interna; motor Engenharia Espacial;
O nuclear Oceanologia
S Divórcio entre
Sistema integrado
F produção e Advento do
de produção e
E consumo, prossumidor;
consumo; divisão
R mediatizado pelo desconcentração da
sexual do trabalho
A Economia mercado; divisão produção;
sem grandes cliva
sexual assente na descentralização do
gens entre produção
produção (Mitos se consumo; fim da
e consumo
xistas); economia economia subsidiada
subsidiada
Proliferação dos tipos
Família - Extensa - Nuclear de família além dos
anteriores
Ensino padronizado;
Ensino modular;
Ensino curriculum encoberto
proliferação de formas
Escola predominante mente (pontualidade,
S e conteúdos
informal; elitismo obediência,
O pedagógicos
repetição)
C
A Companhia;
I Economia
Unidades organização Organização Ad-hocrá
O predominan temente
económicas centralizada e tica; desconcentração
S familiar
burocratizada
F
Poder relativamente Poder muito
E Crise no Estado
fragmentado; alguns centralizado; um
R (interna e externa);
Sistema imperialismos novo papel social, o
A novas possibilidades
político regionais integrador; Estado-
para a pilotagem dos
Nação; imperialismos
sistemas políticos
à escala mundial
Media Elitismo dos Media Mass-Media Self-Media
Padronização;
I Modulação;
Não padronização; especialização;
N sistematização; des-
pouca especialização; sincronização
F sincronização;
Ideias-força tempo cósmico (tempo mecânico);
O desconcentração;
(tempo físico); concentração;
S dimensionação;
desconcentração maximização;
F descentralização
centralização
E
Relação com Evolução controlada;
R Dependência da Guerra à Natureza;
a Natureza, alteração da ideia de
A Natureza; crença na evolução e
tradição e progresso; diálogo com
fatalismo no progresso
modernidade a Natureza

Fonte: Carmo (1985), cit in Carmo (1997: 90)

Figura 3.1 - Caracterização das três vagas civilizacionais

54
© Universidade Aberta
Para caracterizar cada uma das três civilizações referidas, Toffler recorre a
um modelo analítico, que parte de três aspectos a que chamou tecnosfera,
sociosfera e infosfera, cada um dos quais com diversas variáveis-chave (figura
3.1). É este modelo que nos servirá de referência para caracterizar os contextos
societais da intervenção social.

1.1 Os condicionalismos ambientais pré-industriais

A tecnosfera das civilizações pré-industriais ou, de acordo com a tipologia


tofleriana, de primeira vaga, tinha como traços dominantes sistemas
energéticos e tecnológicos rudimentares, e economias baseadas na agricultu-
ra de subsistência.
A sociosfera apresentava um tipo de organização dominante que assentava
na divisão sexual e etária do trabalho no interior da família extensa e em
alianças de famílias. Os sistemas de ensino eram predominantemente informais
à excepção de reduzidas elites quando a complexificação social o permitia. O
sistema político era fragmentado, à excepção de alguns imperialismos
regionais.

Por seu turno a infosfera tinha as seguintes características: o medium


comunicacional escrito era propriedade de grupos muito reduzidos (ex.:
escribas, sacerdotes); as ideias-força que orientavam as concepções do Mundo
e da Vida tinham muito a ver com a situação de forte dependência das condições
naturais condicionando uma concepção cósmica do tempo subordinada ao
ciclo agrícola, um omnipresente fatalismo e uma organização da vida alicerçada
em critérios de não padronização, de fraca especialização e desconcentração
de actividades humanas.

1.2 Os condicionalisnos ambientais da sociedade industrial

Com o advento da civilização da 2ª vaga, os estilos de vida alteraram-se


substancialmente:

• as fontes energéticas que entretanto se descobriram e exploraram,


permitiram um forte avanço da tecnologia, assente em diversos tipos
de motor (a vapor, de combustão interna, eléctrico e nuclear);

• na economia, registou-se uma autonomização crescente do sistema de


distribuição - o mercado - que passou a mediar as relações entre os
sistemas de produção e de consumo; em termos mundiais, observa-se

55
© Universidade Aberta
uma grande interligação entre o crescimento das zonas de 2ª vaga, e o
empobrecimento de áreas de 1ª vaga, levando alguns autores a falar
2
Subsidiada em energia, de uma autêntica economia subsidiada2.
matérias primas e mão-de-
obra a baixos custos, pro-
venientes de áreas geográ-
• o poder, quer económico quer político, revela-se extremamente
ficas ou sociais dependen- centralizado. Expressões desse poder, o Estado-Nação e a organização
tes. Cfr. por exemplo,
Schumacher, E.F.(1980),
burocrática, atingiram limites anteriormente inatingidos, chegando a
Small is Beautiful (Um es- alcançar, quer um quer outra, dimensões planetárias;
tudo de economia em que
as pessoas também con-
tam), D. Quixote, Lisboa.
• a família, reduzida à dimensão nuclear, deixou de funcionar como
No mesmo sentido já Lebret unidade de produção, passando a ser substituída por empresas de cada
em 1958, havia escrito o seu
clássico Suicide ou survie de
vez maiores dimensões;
L‘Occident? (Les editions
Ouvrières, Paris), posterior- • os media expandem-se aos campos do audio-visual e atingem por
mente publicado em portu-
guês: Lebret, L.J. (1964),
vezes dimensões gigantescas, assumindo-se como fábricas de
Suicídio ou Sobrevivência informação padronizada, destinadas a grandes massas populacionais;
do Ocidente?, Livraria Mo-
rais, S. Paulo.
• toda a civilização da 2ª vaga, considera Toffler, repousa sobre um
conjunto de seis ideias-força que condicionam os comportamentos.
Essas ideias- -força, de padronização, especialização, sincronização,
concentração, maximização e centralização, determinaram uma crença
generalizada no progresso e uma posição arrogante do homem como
conquistador da Natureza.

1.3 Os condicionalismos ambientais da sociedade de informação

Tal como aconteceu com a formação da 2ª vaga, a emergente civilização da 3ª


vaga, criou modos de vida diferentes:

• com o enorme avanço tecnológico e com a crise petrolífera, observou-


se uma diversificação das fontes energéticas, passando a utilizar-se
cada vez mais fontes renováveis sempre que economicamente
competitivas com as perecíveis;

• a tecnologia da terceira vaga, assenta directamente na produção


científica, esbatendo-se cada vez mais as tradicionais fronteiras entre
investigação básica e aplicada; enquanto que a tecnologia da segunda
vaga assentava no motor (a vapor, eléctrico, de combustão interna ou
mesmo nuclear), agora é directamente a biologia, a electrónica (com o
computador como ferramenta dominante), a oceanologia, e, as
engenharias genética e espacial, que funcionam como berços de
tecnologia;

56
© Universidade Aberta
• na economia, registou-se uma diversificação de agentes económicos,
um aumento em ritmo acelerado de pequenas e médias empresas a par
(por vezes mesmo em alternativa) das grandes empresas industriais,
uma desmassificação da produção, uma complexificação das redes de
distribuição e um crescente poder do consumidor. Em termos mundiais,
o modelo de economia subsidiada tem sido cada vez posto mais em
questão, se bem que subsista;

• ao modelo burocrático de organização sucede um modelo ad-


hocrático, caracterizado por um ciclo de vida efémero, uma vez que é
orientado para objectivos temporalmente delimitados; as conexões entre
organizações multiplicam-se, gerando uma nova forma de articulação
social, a rede.

• a família, tal como a empresa, diversificou-se. O poder político


complexificou-se, observando-se a emergência de novas formas de
regulação, no meio de uma crise, à escala planetária, do Estado-Nação
e dos sistemas administrativos da sociedade industrial;

• a diversidade e a novidade também atingiram os media, que


acrescentaram novas dimensões às já existentes, graças à informática,
às telecomunicações e à sua combinação com o avanço tecnológico
no domínio do audio-visual. Na feliz expressão de Negroponte3 , a 3
Negroponte, Nicholas, Ser
digital,1996, Lisboa, Cami-
informação passou a ser guardada e difundida por bytes (informação nho.
digitalizada) em substituição dos velhos átomos (papel e outros suportes
físicos).

• Para terminar a sua análise Toffler refere que a civilização da 3ª vaga


se alicerça numa ideia de progresso em que a evolução controlada e o
respeito pela natureza como imperativo de sobrevivência ganham carta
de nobreza. Tal como a civilização industrial, a sociedade da informação
apoia-se num conjunto de seis ideias-força que sucedem às da
civilização da 2ª vaga: a modulação, a sistemização, a des-
sincronização, a desconcentração, o dimensionamento e a
descentralização. De acordo com estas ideias, avoluma-se a convicção
de que o crescimento tem limites, os recursos são limitados e que, por
isso, o homem tem de os saber gerir com equilíbrio.

57
© Universidade Aberta
Actividade 3.1

Recorrendo à figura 3.1, procure comparar os três tipos puros de sociedade,


variável por variável. Por exemplo: como se caracteriza o modelo
dominante de família nas sociedades pré-industriais? e na sociedade
industrial? e na sociedade de informação? Que tipos de família coexistem
hoje em Portugal? Essa coexistência é pacífica ou condiciona a ocorrência
de problemas sociais que exigem intervenção social?

2. A evolução da intervenção social

Para melhor comparar a evolução da intervenção social, observe-se a figura 3.2:

Nível de Natureza dominante da actividade


actuação Sócio-Económica Sócio-Política Sócio-Cultural
Individual A B C
Grupal D E F
Organizacional G H I
Comunitário J K L
Regional M N O
Metropolitano P Q R
Nacional S T U
Internacional V X W

Figura 3.2 - Ambientes da intervenção social

Esta matriz procura definir os ambientes em que pode ocorrer a intervenção


social, de acordo com dois critérios:

• o critério do nível de actuação que define contextos de intervenção,


desde aqueles em que a interacção ocorre entre sistemas individuais
(A...C, em que sistema-cliente e sistema-interventor são indivíduos),
até aos que configuram situações em que os protagonistas são sistemas
mais complexos (D...W: grupos, organizações, comunidades,
conjuntos metropolitanos, organizações nacionais ou internacionais);

58
© Universidade Aberta
• o critério da natureza dominante da actividade, que procura chamar
a atenção para a focagem da intervenção social, se na área das
necessidades sócio-económicas, sócio-políticas ou sócio-culturais.

2.1 A intervenção social nas sociedades pré-industriais

De acordo com esta matriz orientadora pode afirmar-se que, nas sociedades
pré-industriais o ambiente da intervenção social se caracteriza por um nível
de actuação de baixa complexidade (individual, grupal, por vezes
organizacional e raramente comunitário) focado em aspectos de natureza
sócio-económica.

Situação geral

Com efeito, a intervenção social neste tipo de sociedades visa, em regra, resolver
necessidades de subsistência, ocasionadas por circunstâncias adversas
atribuidas a causas não controláveis pelo homem (seca, pobreza, doença,
morte...). Os sistemas-clientes são pessoas e famílias, os interventores a maior
parte das vezes também o são, de acordo com organização social vigente. A
legitimação da intervenção é, quase exclusivamente, de ordem ético-religiosa,
não se considerando que o Estado tenha o dever de ajudar, nem o cidadão o
direito de esperar ajuda. O modelo de intervenção é claramente assistencial.

As excepções são pontuais, a maior parte das vezes da iniciativa de mercadores


que formam organizações mutualistas (Maia, 198.: ) das quais são exemplos:

• as confrarias do deserto, no antigo Egipto, destinadas a cobrir os


riscos de perda de mercadorias e vidas, ocasionados por tempestades
ou por ataques de salteadores às caravanas;

• as associações gregas, chinesas e indianas, destinadas a proteger os


armadores-comerciantes contra naufrágios e ataques de piratas.

Com a centralização política ocorrida a partir dos finais da Idade Média europeia
e com o modelo de Estado que daí emergiu, a preocupação do Poder Político
incidiu sobretudo nos fins de justiça e de segurança, assumindo-se
institucionalmente como Estado Protector (Rosanvallon, s/d). Ainda aqui, o
modelo de intervenção social assenta na responsabilidade moral da sociedade
civil.

59
© Universidade Aberta
Em Portugal

Desde o começo da nacionalidade que este modelo é praticado em Portugal,


fortemente influenciado pelas concepções cristãs de ver o Mundo e a Vida:

Ao evitar morrer (...) não preparado para o falecimento, o homem


medieval determinava a distribuição de uma parte dos seus bens,
normalmente a terça parte, por obras de misericórdia e missas por sua
alma. As doações por alma e os testamentos reflectiam essa preparação.
«Por remissão dos pecados» pediam-se preces; instituiam-se missas e
capelas; fundavam-se estabelecimentos de assistência aos mais
desvalidos, aos doentes, aos leprosos, às crianças abandonadas;
distribuiam-se esmolas por pobres; dotavam-se mosteiros, igrejas,
emparedadas e confrarias; libertavam-se servos; resgatavam-se cativos;
dotavam-se barcas e pontes para a travessia de rios. A solidariedade
social entre os vivos exigia um elo entre estes e os defuntos.
(...) Esta realidade encontrava-se já presente nos testamentos (...) dos
nossos primeiros reis. Se D. Afoso Henriques se preocupou com os
cativos cristãos nas mãos dos mouros, doando para o seu resgate 10
000 morabitinos, ou seja, 10 000 moedas de ouro islâmicas, não se
esqueceu dos pobres do reino a quem legou mais de 6 000 morabitinos,
além de beneficiar os hospitais de Guimarães, Santarém e Lisboa
(Tavares, M.J.F., 1989: 122).

A partir do século XV registou-se uma progressiva intervenção do poder real


na assistência com a nomeação de provedores, para a administração de diversos
estabelecimentos assistenciais e para garantir o cumprimento dos testamentos
dos benfeitores que os haviam instituido (Tavares, M.J.F., 1989: 267). Assim,
em 1492 foi criado por por D. João II o Hospital de Todos os Santos que
integrou todos os hospitais e confrarias de Lisboa numa única instituição, obra
que seria terminada pelo seu sucessor D. Manuel I.

Em 1498 por iniciativa da rainha D. Leonor, viúva de D. João II, foi criada a
primeira Misericórdia em Lisboa, directamente tutelada pela Igreja, seguindo-
4
Um tipo de assistência ino-
vador para a época (século se-lhe outras, em várias localidades tanto em território metropolitano como
XVI) foi protagonizado pe- ultramarino, à medida em que se foi processando a expansão para outros
los recolhimentos para con-
vertidas ou arrependidas, territórios. A rede de Misericórdias constituiu, durante muitos anos, a principal
instituições destinadas à re- rede de acção social em território português, mantendo-se activa até à
cuperação de prostitutas. “A
sua finalidade era retirar es- actualidade.
tas mulheres da prostituição
e dar-lhes um dote com que A par das Misericórdias foram instituidos pela família real e por diversas famílias
pudessem casar, enviando-
as muitas vezes para os ter- nobres diversos recolhimentos e mercearias, para fazer face ao aumento de
ritórios conquistados, a car- crianças orfãs e abandonadas, de viúvas e de outra população4 que havia
go das autoridades civis e
religiosas” (Tavares, M.J.F., caído em situação de pobreza em virtude de circunstâncias várias (guerra de
1989: 275). África, epidemias, e mais tarde das perdas resultantes da expansão).

60
© Universidade Aberta
2.2 A intervenção social na sociedade industrial

De acordo com a matriz orientadora apresentada no início desta secção, a


intervenção social que se desenvolve na sociedade industrial caracteriza-se
por níveis de actuação de cada vez maior complexidade (individual, grupal,
organizacional, comunitário, regional, metropolitano nacional e internacional),
incidindo em aspectos de natureza sócio-económica (ex: necessidades de
subsistência) mas também com cariz sócio-político e sócio cultural
(necessidades de participação). 5
Os relatos da vida dos mi-
neiros por Emile Zola, no
Germinal, e dos operários
ingleses por Dickens, em Vi-
das difíceis, transcendem
Situação geral em muito a simples ficção
para se aproximarem da trá-
gica realidade que então se
Com as profundas alterações demográficas ocasionadas pela revolução vivia.

industrial, nomeadamente com os processos de êxodo rural e urbanismo, 6


Grande parte dos chama-
geraram-se fortíssimos desequilíbrios sociais, concentrando riqueza nas dos pais fundadores da So-
mãos de uns poucos e deixando muitos em situação de miséria. Dão disso ciologia (Proudhon, Saint-
Simon Comte, Marx,...)
testemunho diversas obras produzidas na época, como as dos escritores procuraram descrever e in-
realistas5 , dos pais fundadores da Sociologia6 e mesmo de artistas plásticos7 . terpretar o fenómeno da in-
dustrialização e das suas
consequências sociais.
A complexidade dos problemas sociais emergentes levou a sociedade civil a Engels, por exemplo, com-
organizar-se para lhes fazer frente sob a forma de movimentos sociais como panheiro político de Marx,
n’A situação da classe tra-
o trabalhista e o mutualista e a pressionar o Estado, obrigando-o a assumir balhadora em Inglaterra,
um cada vez maior papel de regulador do sistema social e económico. faz um notável relato das
condições de vida dos ope-
rários.
Deste modo, aos fins de Segurança e Justiça preconizados pelo modelo de
Estado Protector, veio a acrescentar-se o fim de Bem-Estar, instituindo-se 7
Exemplos típicos são os
um modelo de Estado Providência (Rosanvallon, s/d), inicialmente concebido trabalhos de Van Gogh na
segundo uma lógica de seguro social obrigatório, a partir da política de sua fase de Borinage, em
que se retratam cenas do
Bismarck. quotidiano dos mineiros
daquela região.
Com as grandes convulsões ocorridas durante o século XX de entre as quais
se destacam a 1ª guerra mundial, a revolução comunista de 1917, a crise
económica desencadeada em 1929, e, mais tarde, a revolução chinesa e a 2ª
guerra mundial, o Estado viu-se na contingência de intervir cada mais como
regulador e orientador da sociedade civil nos campos da economia, educação,
saúde e segurança social, através da definição de políticas económicas e sociais
adequadas às circunstâncias e mesmo como prestador directo de serviços
sociais.

Após a 2ª guerra mundial, a partir das contribuições doutrinárias de Keynes e


Beveridge e da experiência intervencionista colhida antes e durante o conflito, 8
Professor de Política Soci-
consolidou-se um modelo de protecção social mais amplo estendido a todos al da Universidade de York,
os cidadãos, crismado por Ramesh Mishra8 (1995) de Estado-Providência Canadá.

61
© Universidade Aberta
Keynesiano (EPK), justamente pela sua paternidade doutrinária. De acordo
com este autor (1995: xi), a política social do EPK tem três ingredientes básicos:

• a finalidade de promover o pleno emprego;

• um conjunto de serviços universais ou quase universais para satisfazer


necessidades básicas da população

• o empenho em manter um nível mínimo de condições de vida para


todos os cidadãos.

Observando a evolução deste modelo de Estado, Mishra caracteriza-a em três


períodos:

1. um período de pré-crise, antes de 1973, em que o paradigma Keynes-


Beveridge, operacionalizado pelo Estado, registou um bom
desempenho, graças graças à situação de crescimento económico do
pós-guerra;

2. um período de crise, de meados a fins dos anos setenta, ocasionada


pela ocorrência dos dois choques petrolíferos, pela consequente crise
económica mundial, e pela emergência de políticas neoliberais que
tiveram como consequência o declínio da credibilidade do EPK como
paradigma de política social;

3. e um período de pós-crise (anos oitenta e seguintes) de que falaremos


na secção seguinte.

Ao longo do período em que foi dominante a sociedade industrial, a intervenção


social foi, portanto, partilhada pelo Estado e pela sociedade civil, numa relação
tensa, em que as competências dum e doutra se definiram em função do maior
ou menor poder que os vários segmentos sociais iam tendo para fazer valer os
seus direitos sociais. Esta situação fez com que fossem, justamente, os grupos
sociais mais carenciados, os que tiveram uma mais fraca intervenção social
por parte do Estado, grande parte das vezes com programas meramente
assistenciais, remetendo para as organizações da sociedade civil o papel de
responder às necessidades de subsistência.

Em Portugal

Dado o atraso com que o processo de industrialização decorreu em Portugal,


9
Sobre a situação social em
Portugal a partir dos anos a sociedade portuguesa foi, até aos anos sessenta, dominantemente agrícola
sessenta vide Barreto (1996 com alguns enclaves industriais9 . O modelo de intervenção social dominante,
e 2000) e Costa (2002).
desde a revolução liberal até à revolução de 25 de Abril de 1974, assentou

62
© Universidade Aberta
numa excessiva responsabilidade da sociedade civil, particularmente de
instituições de assistência da Igreja Católica, a que se juntou a acção suplectiva
mais ou menos tímida do Estado.

O estilo de intervenção social praticado, à excepção de algumas experiências


pontuais grande parte das quais não sobreviveu devido à conjuntura política,
caracterizou-se por acções de natureza meramente assistencialista, voltadas
para a resolução de problemas de subsistência, descurando frequentemente a
necessária intervenção preventiva, de cunho sócio-educativo e sócio-político,
no sentido de dotar de voz e de capacidade de intervenção aqueles que a não
tinham10 . 10
Exemplo deste estilo do-
minante era o estigma de
marginalidade ou pelo me-
nos de excentricidade, com
que ficavam os profissionais
de serviço social que se aven-
2.3 A intervenção social na sociedade de informação turavam a ultrapassar os es-
treitos limites do Serviço
Social de Casos para se
aventurar pelo Serviço So-
O período de transição, entre a sociedade industrial que persiste (se bem que cial de Grupos ou de Comu-
em muitos sítios agonizante) e a sociedade de informação, ainda com contornos nidades.

mal definidos, tem sido pródigo em convulsões sociais cuja análise não cabe
neste manual11 . Para aprofundar esta ques-
11

tão vide os trabalhos de


Naisbitt, Pintasilgo e Toffler
As respostas em termos de intervenção social indiciam algumas tendências a indicados no final desta uni-
reter. dade. Poderá encontrar uma
síntese em Carmo, 1997,
também referido na mesma
Em primeiro lugar contrariamente ao que as teses catastróficas neoliberais lista.
defendiam, no período que Mishra (1995) apelidou de pós-crise (anos oitenta
e seguintes), o Estado Providência Keynesiano não foi desmantelado. O que
se verificou foi o desenvolvimento de duas concepções diferentes de ver a
protecção social: a neoconservadora e a social-democrata (figura 3.3).

Política Política
Modelo de análise
neoconservadora social-democrata
1. Pleno emprego • Desinvestimento • Manutenção
2. Serviços sociais universais • Privatização • Serviços nacionais
• Desinvestimento • Rendimento mínimo
3. Combate à pobreza
quase total básico

• Reino Unido • Suécia


Países-exemplos • Estados Unidos • Áustria
• Canadá • Austrália

Fonte: Ramesh Mishra, 1995.

Figura 3.3 - Comparação das políticas neoconservadora e


social-democrata, no que diz respeito às três teses do EPK.

63
© Universidade Aberta
Uma segunda tendência que se observa, é para adequar as respostas sociais à
diversidade e complexificação dos problemas. Esta tendência, claramente
identificada nos resultados de um gigantesco programa de pesquisa realizado
em França, ao longo dos anos 90 do século passado (Chopart, 2003), teve
12
O programa de investiga-
ção, intitulado Observar os
como efeito a identificação de várias profissões ligadas à intervenção social12 .
empregos e as qualificações
das profissões da interven- Uma das equipas de investigação, coordenada por Élisabeth Maurel (cit in
ção social, foi financiado
por 8 instituições centrais,
Chopart, 2003: 35), partiu do conceito de intervenção social “utilizado para
reunidas num comité de pi- (...) ressituar as actividades dos profissionais do social enquanto produto de
lotagem e integrou equipas
de diversas universidades.
um conjunto de políticas públicas que contribuem para o tratamento da questão
social e para o desenvolvimento de diversas formas de solidariedade” e procurou
desconstruir o campo das profissões certificadas do trabalho social,
identificando seis funções transversais que se observavam no terreno: o
acolhimento, o acompanhamento social, a informação-orientação, a mediação,
a coordenação, a engenharia social e o desenvolvimento.

A partir dessas funções, a equipa de investigação fez o registo sistemático do


13
A amostra foi escolhida emprego do tempo por parte de cada trabalhador da amostra13 ao longo de
intencionalmente, procuran-
do abranger a diversidade uma semana. O resultado desse registo foi agrupado em seis grandes categorias
de papéis observada e foi de actividades (Chopart, 2003: 39):
constituída por oitenta e sete
sujeitos.
• actividades de contacto com o público;
• tarefas administrativas;
• tarefas de enquadramento e direcção;
• tarefas de negociação política;
• tarefas de engenharia e organização;
• actividades operacionais.

Com base no trabalho de desconstrução efectuado, a equipa propôs uma


tipologia "segundo três grandes famílias de trabalhos", cada uma das quais se
apresenta como uma organização de actividades que correspondem a funções
diversas.(Chopart, 2003: 40). O resultado de tal exercício encontra-se
diagramado na figura 3.4.

Em síntese, e retomando a matriz proposta na figura 3.2, a intervenção social,


na actualidade, para ser eficaz tem de se adequar aos vários níveis de
actuação, transcendendo o simples nível inter-individual e, em consequência,
posicionar-se numa óptica integrada, ultrapassando a perspectiva meramente
sócio-económica para assumir um papel sócio-político e sócio-cultural.

É neste contexto que se fundamenta a importância do Desenvolvimento


Comunitário, assunto do próximo capítulo.

64
© Universidade Aberta
Tipologia de trabalhos de intervenção social

1. Presença social 2. Organização social 3. Intervenção directa


• de acolhimento • quadros gestores de • Intermediação
• de rua serviços (sócio-técnico)
• quadros intermédios • Acompanhamento
que combinam as processual
lógicas da direcção e (sócio-administrativo)
da intervenção • Acompanhamento
• coordenadores de socializante
programas (sócio-pedagógico)
• acompanhantes de
projectos

Fonte: Maurel, 2003 (cit in Chopart, 2003: 35)

Figura 3.4 – Tipologia de trabalhos de intervenção social.

Actividade 3.2

De acordo com o que leu no ponto 2 procure caracterizar o tipo (ou


tipos) de intervenção social que tem observado na zona da sua residência
ou na área do seu local de trabalho (freguesia, bairro ...). Procure sintetizar
as suas ideias numa página A4 (máximo), através de indicadores
objectivos.

3. Em síntese

Na presente unidade procurou-se salientar, de modo necessariamente sucinto,


os principais traços caracterizadores da evolução da sociedade humana. Para
atingir esse objectivo recorreu-se ao modelo heuristico de Toffler e à sua
metáfora das três vagas.

Caracterizado cada modelo de civilização em estado puro, observou-se que


em qualquer sociedade actual se regista a coexistência de elementos de dois
ou dos três modelos referidos, daí resultando situações conflituais que se
traduzem na ocorrência de problemas sociais.

A unidade foi concluida pela descrição dos sistemas de intervenção social


característicos de cada um dos modelos de sociedade anteriormente referidos.

65
© Universidade Aberta
Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer


ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

Leituras complementares

Barreto, António
1996 A situação social em Portugal, 1960-1995, Lisboa, ICS

BARRETO, António (Org.)


2000 A situação social em Portugal 1969-1999, volume II, Lisboa,
Imprensa de Ciências Sociais

CASTELS, Manuel
2003 O poder da identidade, Lisboa, FC Gulbenkian, in A era da
informação: economia sociedade e cultura, vol II, c. 1997
2005 A sociedade em rede, Lisboa, FC Gulbenkian, 2ª edição, in A
era da informação: economia sociedade e cultura, vol I, c. 1996

COSTA, Joaquim
2002 Sociedade Portuguesa Contemporânea, Lisboa Universidade
Aberta

NAISBITT, John
1988 Macrotendências, Lisboa, Presença.

NAISBITT, John; ABURDENE, Patricia


1990 Megatrends 2000, 3ª ed., S. Paulo, Amana-Key Editora.

66
© Universidade Aberta
PINTASILGO, M.L.
1985 Dimensões da Mudança, Lisboa, Afrontamento

RAMESH, Mishra
1995 O Estado-Providência na sociedade capitalista: estudo com-
parativo das políticas públicas na Europa, América do Nor-
te e Austrália, Lisboa, Celta

ROSANVALLON, Pierre
s/d A Crise do Estado Providência, 2ª ed., Lisboa, Inquérito, 1ª ed.
1984.

TAVARES, Maria José Ferro


1989 Sociedade e Cultura Portuguesas 1, Lisboa, Universidade Aber-
ta, pp 117-128, 266-283

TOFFLER, Alvin
1981 A Terceira Onda, Rio de Janeiro, Record.

67
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
4. O desenvolvimento comunitário: enquadramento geral

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. Conceitos-base
1.1 O conceito de Desenvolvimento
1.2 O conceito de Comunidade
1.3 A organização comunitária e o Serviço Social de Comunidades

2. O Desenvolvimento Comunitário
2.1 Dimensões do conceito
2.2 As raízes
2.3 Os princípios
2.4 A planetarização

3. Tipos de Desenvolvimento Comunitário


3.1 Tipologia geográfica
3.2 Tipologia conceptual
3.3 Tipologia de modelos de intervenção de Rothman

4. Relato de algumas experiências


Caso 4.1 - A experiência do Ghana: exemplo de um projecto à escala nacional
Caso 4.2 - Um projecto na Sardenha: exemplo de um projecto à escala regional
Caso 4.3 - A estratégia da “sopa de pedra”
Caso 4.4 - O projecto “Revitalização da Comunidade de Ouguela”
Caso 4.5 - Um programa de educação funcional no Paquistão

5. O Desenvolvimento Comunitário na actualidade


5.1 Tendências da investigação
5.2 As tendências do ensino

6. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

71
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a


• explicitar o valor de uma aproximação teórico-concptual a questões
práticas;
• identificar conceitos-base que integram o campo semântico do conceito
de desenvolvimento comunitário;
• discutir a noção de problema social;
• discutir o conceito de desenvolvimento, a partir duma perspectiva
terminológica;
• discutir o conceito de desenvolvimento, a partir da óptica de Lebret;
• discutir o conceito de desenvolvimento, expresso pelo Banco Mundial
e pelo PNUD;
• identificar os quatro indicadores que integram o índice de
desenvolvimento humano;
• explicitar dois critérios inerentes à noção de desenvolvimento e a sua
operacionalização na elaboração de um currículo de educação para o
desenvolvimento;
• referir dez áreas-chave e respectivas aprendizagens, inerentes a um
curriculo de educação para o desenvolvimento;
• referir vários contextos em que é aplicada a palavra comunidade e
identificar a característica que une estas designações;
• discutir o conceito de comunidade proposto por Ander-Egg à luz da
conjuntura do final do século;
• nomear algumas alterações a fazer na formação dos interventores sociais
em função das mudanças ocorridas;
• explicitar as decisões mais relevantes num processo de organização
comunitária;
• definir os objectivos do serviço social de comunidades e a sua
operacionalização para o sistema-cliente e para o interventor social;
• definir desenvolvimento comunitário e discutir as dimensões do
conceito;
• descrever a evolução do desenvolvimento comunitário, das suas raízes
à actualidade;
• explicitar os princípios do desenvolvimento comunitário;
• discutir a tipologia geográfica de desenvolvimento comunitário;
• discutir a tipologia conceptual de desenvolvimento comunitário;
• discutir a tipologia de Rothman, dos estilos de intervenção comunitária;
• descrever as principais tendências actuais do desenvolvimento
comunitário indiciadas pela investigação publicada e pela oferta
educativa.

72
© Universidade Aberta
Esta unidade destina-se a dar-lhe elementos de natureza teórico-conceptual
que lhe permitam enquadrar-se na problemática do desenvolvimento
comunitário. Como já escrevemos noutro lugar,

temos observado, com frequência, uma atitude de reserva face à teoria,


considerando-a algo de esotérico, sem qualquer utilidade prática para
o exercício do trabalho empírico. Reconhecendo fundamento em certas
críticas, uma vez que algumas auto-designadas teorias não passam de
especulações doutrinárias concebidas por vezes sem a prova do
confronto com o real, nunca é demais salientar a enorme economia de
informação sistematizada numa boa teoria, o que permite ao
investigador (e ao estudante) gerir melhor os seus recursos e orientar
as suas estratégias de pesquisa (ou de estudo). Uma boa teoria funciona
como bússola, não como espartilho, de qualquer processo de
investigação (ou de aprendizagem)1 . 1
Carmo, H. e Ferreira, M.
M., 1998, Metodologia da
investigação: guia para
Pretende-se, deste modo, que faça uma primeira aproximação ao tema central auto-aprendizagem, Lis-
desta disciplina, o qual se apresentará mais desenvolvido nas unidades boa, Universidade Aberta,
pag. 37.
seguintes. Começaremos por discutir brevemente os conceitos-base que
integram o conceito de Desenvolvimento Comunitário o qual será, em seguida,
mais detalhadamente apresentado, recorrendo-se a uma abordagem
simultâneamente diacrónica e sincrónica. A unidade terminará com a
apresentação de alguns casos paradigmáticos de projectos de
Desenvolvimento Comunitário.

1. Conceitos-base

O conceito de desenvolvimento comunitário integra quatro conceitos a que


iremos fazer referência neste ponto: desenvolvimento, comunidade, organização
comunitária e serviço social de comunidades.

2
O texto que se segue resul-
1.1 O conceito de Desenvolvimento2 ta da adaptação de Carmo,
1996, A educação para o
desenvolvimento num con-
O campo semântico do termo desenvolvimento tem vindo a ser infestado por texto de diversidade, in II
Seminário de Formação em
uma acumulação excessiva (quase cancerígena) de definições. Para o clarificar- Interculturalidade, Grana-
mos iremos usar, nos pontos que se seguem, uma estratégia de aproximações da, no prelo em versão
castelhanae de Carmo,
sucessivas. 1997, op.cit.

73
© Universidade Aberta
Um ponto de partida: o conceito de problema social

Comecemos por analisar duas definições de problema social, um conceito


que nos servirá de ponto de partida:

situação que afecta um número significativo de pessoas e é julgada


por estas ou por um número significativo de outras, como uma fonte
3
cit in Abecassis, Henrique
Manzanares (s/d), Proble-
de dificuldade ou infelicidade e considerada susceptível de melhoria3 ;
mas Sociais Contemporâ-
neos, AAISCSPU, Lisboa, a alegada situação incompatível com os valores de um significativo
partir de um dicionário de número de pessoas as quais concordam ser necessária uma acção
Ciências sociais patrocina-
do pela UNESCO. transformadora (Rubington e Weinberg, 1995: 4).

Estas noções, contêm dois aspectos importantes a reter:

• primeiramente, o facto de ser uma situação que afecta um número


significativo de pessoas, o que leva a perspectivar a questão num
nível macro. Neste sentido, uma criança que morre ao nascer não
constitui em si um problema social, uma vez que afecta um número
reduzido de pessoas. Se, no entanto, a considerarmos como fazendo
parte de um conjunto de crianças que morreram à nascença num dado
território, e se esse número for significativo, traduzido numa elevada
taxa de mortalidade infantil, então contém o primeiro elemento da
definição de problema social;

• o segundo elemento da definição, refere um julgamento sobre aquela


situação como uma fonte de dificuldade ou de infelicidade e susceptível
de melhoria. Para que uma dada situação seja considerada problema
social é necessário, pois, a existência de consciência de que a situação
traz dificuldades ou infelicidades e de que pode ser melhorada.

Se antigamente, por falta de tal consciência, muitas das situações que hoje são
consideradas problemas sociais não se traduziam como tal, com o fenómeno da
planetarização generalizaram-se alguns consensos em torno do que é minima-
mente desejável para a qualidade de vida das populações. Consensos que se
cristalizaram em torno do conceito de desenvolvimento, que passaremos segui-
damente a analisar.

Uma aproximação terminológica


4
MACHADO, José Pedro Para José Pedro Machado4 , a palavra desenvolver, é constituída por des +
(1977), Dicionário Etimo-
lógico da Língua Portu-
envolver: O prefixo des, de origem latina (dis), significa, entre outras coisas,
guesa, ed. Horizonte, 3ª edi- cessação de algum estado (ex.: desengano); forma adjectivos em que se nega
ção, Lisboa.
a qualidade primitiva (ex.: descortês, desumano, desconexo, desleal). Nos

74
© Universidade Aberta
verbos denota entre outros significados uma cessação da situação primitiva
(ex.: desempatar, desoprimir, desmamar, desenganar, desimpedir. A palavra
envolver, por seu turno, significa, entre outras coisas, enredar (ex.: envolveu-
o na conspiração).

Ou seja, de acordo com este autor, um dos significados da palavra desenvolver


poderia ser acabar com um estado de enredamento.

Perspectiva de Lebret

O sentido do conceito em análise não é unívoco, mas pelo contrário


multifacetado o que transparece na definição de Lebret, principal dinamizador
da escola francesa de Economia e Humanismo5 : 5
Cit in Ander-Egg, E.
(1980) Metodologia y
série de passagens, para uma população determinada, de uma fase Practica del Desarrollo de
la Comunidad, UNIEUROP
menos humana para uma fase mais humana, ao ritmo mais rápido (10ª ed.) Tarragona, pp 33/
possível, ao custo financeiro e humano menos elevado possível, tendo 4.
em conta a solidariedade entre todas as populações.

Desta definição, sobressaem as seguintes ideias-força:

• trata-se de um processo dinâmico e inacabado, de uma direcção que


se toma e não de um ponto que se alcança. Neste sentido, nenhum
país se deve considerar desenvolvido, mas apenas posicionado num
dado ponto de uma escala;

• inerentes a ele, estão os critérios de pragmatismo e economicidade,


tendo permanentemente de se avaliar os seus custos e os seus benefícios;

• está directamente ligado à noção de solidariedade intra e inter-nacional,


o que lhe confere uma ideia de globalidade e radicalismo: o
desenvolvimento parece não se conseguir sem ser participado por todos
e sem ir à raiz da estrutura social.

A parte mais frágil e arriscada da definição de Lebret, é sem dúvida a que


diferencia uma fase menos humana de uma fase mais humana da população
em presença, podendo correr o risco, para o leitor menos prevenido, de se
tratar de um mero juízo etnocêntrico.

De facto, não foi numa acepção subjectiva e etnocêntrica que Lebret empregou
a expressão: com efeito, se a interpretarmos no contexto da sua obra6 , 6
Cfr. por exemplo, Lebret,
observaremos que a ideia de maior ou menor humanidade anda de mãos dadas L. J. (1964), Suicídio ou So-
brevivência do Ocidente?
com a de qualidade de vida em todas as suas facetas (material e espiritual), (c.1958), Morais Editora,
que ele caracteriza de forma extremamente rigorosa, decerto influenciado pela S.Paulo.

75
© Universidade Aberta
7
Lebret tinha simultanea- sua dupla formação de base7 . Anda de igual forma ligada ao sentido etimológico
mente uma boa preparação
matemática, que havia re- acima expresso, uma vez que, para se alcançarem níveis superiores de qualidade
cebido na escola naval, e fi- de vida, é indispensável cessar com as situações típicas do subdesenvolvimento,
losófica, devida à sua for-
mação como dominicano. de enredamento social, de ciclos viciosos de pobreza, substituíndo-os por uma
Nos seus escritos, observa- dinâmica de crescimento e maturação.
se um feliz cruzamento de
rigor científico e de
voluntarismo militante. Tal-
vez por isso, João XXIII o
tenha chamado como peri- Posição do Banco Mundial e do PNUD
to ao Concílio Vaticano II,
onde desempenhou um pa-
pel de relevo na elaboração No mesmo sentido que Lebret, o Banco Mundial inicia o seu relatório sobre o
da Constituição Gaudium et desenvolvimento mundial em 1992 (Steer et al), afirmando que
Spes. Cfr. Malley, François
(s/d) Lebret: A Economia
Ao Serviço Dos Homens (c. (e)l logro de un desarrollo sostenido 8 y equitativo sigue siendo la
1968), União Gráfica, Lis- empresa más ardua que enfrenta el género humano. Apesar de los
boa.
avances logrados en el curso de las últimas generaciones, todavía hay
más de mil millones de personas que viven en condiciones de pobreza
8
A expressão desenvolvi- y sufren de un acceso totalmente insuficiente a los recursos y servicios
mento sustentado, foi difun-
dida em 1987 pela Comis-
de educación, salud, infraestructura, tierra y crédito que necessitarían,
são Mundial sobre o Meio para poder disfrutar de un mejor nivel de vida. Proporcionar
Ambiente e Desenvolvimen- oportunidades a fin de que estas personas- y los cientos de millones
to (Comissão Brundtland),
querendo significar um de- cuya situación no es mucho mejor- puedan hacer realidad todo su
senvolvimento “que satisfa- potencial es la empresa esencial del desarrollo.”(sublinhado nosso)
ça as necessidades do pre-
sente sem comprometer a
capacidade das futuras ge-
Por seu turno em recentes relatórios mundiais sobre o desenvolvimento humano,
rações para satisfazer as pró- publicados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
prias” cit. in op. cit. pag. 8.
O aspecto mais interessante
(PNUD, 1990-93) define-se desenvolvimento humano do seguinte modo:
desta definição, é a ideia de
solidariedade inter-gera- Le développement humain est un processus qui conduit à
cional, aproximando-se cla- l’élargissement de la gamme des possibilités qui s‘offrent à chacun.
ramente do pensamento de
Lebret. En principe, elles sont illimitées et peuvent évoluer avec le temps.
Mais quel que soit le stade de développement, elles impliquent que
soient réalisées trois conditions essentielles: vivre longtemps et en
bonne santé, acquérir un savoir et avoir accès aux ressources
nécessaires pour jouir d‘un niveau de vie convenable. Si ces conditions
ne sont pas satisfaites, de nombreuses possibilités restent inacessibles.
(Rapport...1993,: 115-116)

Baseado neste conceito de desenvolvimento, aquele organismo propôs um


indicador de desenvolvimento humano (IDH), calculado a partir de quatro
outros indicadores9 :
9
Para análise da lógica da
construção do IDH e da sua • esperança média de vida à nascença
fómula de cálculo, vide op.
cit., pp. 115-126. • taxa de alfabetização de adultos
• duração média da escolaridade para a população maior que 25 anos
• rendimento per capita corrigido

76
© Universidade Aberta
Em qualquer das fontes referidas, a noção de desenvolvimento apresenta-se
ligada a dois critérios:
• o de uma situação que concede o acesso a recursos e serviços que
permitem, a uma população, desfrutar um melhor nível de vida;
• o de uma situação que permite tirar partido e aperfeiçoar o potencial
humano de um dado conjunto social.

A educação para o desenvolvimento

É neste quadro que estes e outros organismos internacionais têm defendido a


necessidade de uma estratégia de educação para o desenvolvimento. Tal
estratégia deverá integrar um conjunto de programas que dotem a população
aprendente, de maior capacidade de acesso a tais recursos e serviços e ajudá-
la a pôr a render o seu potencial humano. Esta expressão integra duas vertentes
indissociáveis:

A primeira aponta para a necessidade de uma educação para a gestão dos


recursos disponíveis da forma mais correcta a fim de
• evitar mortes desnecessárias e prolongar a vida com qualidade
• poder escolher onde e como quer viver e trabalhar, de forma crítica e
com um estatuto de efectiva cidadania económica
• poder pôr a render as suas potencialidades como pessoa.

A segunda sublinha a indispensabilidade de uma educação para a


solidariedade, novo nome da fraternidade, o valor central da revolução
francesa mais esquecido durante a época industrial.

O fenómeno da planetarização veio mostrar que, actualmente, a solidariedade


transcende em muito a dimensão de um dever moral, voluntariamente
assumido por alguns, para se assumir como um imperativo de sobrevivência
da humanidade. Uma sociedade sem solidariedade constitui terreno fértil para
a emergência de conflitos sociais, onde se gastam enormes quantidades de
recursos para solucionar problemas evitáveis.

Esta necessidade observa-se quer à escala do grupo familiar, exigindo-se


uma nova solidariedade nas relações entre sexos e entre gerações, quer a níveis
sistémicos mais complexos como os das organizações, das regiões, dos países
e da própria comunidade internacional considerada como um todo. A própria
questão ambiental, por vezes posta de forma meramente tecnocrática, deve 10
Esta ideia é fortemente su-
assumir-se em termos de solidariedade inter-geracional, uma vez que as blinhada pelo relatório do
Banco Mundial, no seu con-
acções das gerações actuais irão condicionar fortemente a qualidade de vida ceito de desenvolvimento
das próximas gerações10 . sustentado. cfr. supra.

77
© Universidade Aberta
Áreas-chave Aprendizagens
Áreas
transversais:
Mudança • aprender a adaptar-se à mudança
• aprender a gerir a mudança (planear, organizar e controlar a
mudança)
Autonomia • aprender a ser autónomo sem se insularizar no individualismo
Democracia • aprender competências comunicacionais indispensáveis ao
exercício da democracia (ler, escrever, falar e escutar).
• aprender competências para o exercício da democracia
representativa (escolher, respeitar e substituír representantes).
• aprender competências para o exercício da democracia
participativa (preparar, tomar e executar decisões)
Solidariedade • aprender a ser solidário no espaço (nas dimensões
11
11
Para com as crianças, ado- individual , familiar, organizacional, comunitária, nacional e
lescentes, adultos e idosos mundial)
que integram as gerações
vivas. • aprender a ser solidário no tempo (para com as gerações
12 13
futuras e passadas )
12
A solidariedade com os Áreas específicas:
nossos netos é fundamento
do desenvolvimento susten- Ambiente • aprender a viver com qualidade protegendo o ambiente como
tado. património comum da humanidade actual e futura
População • educação para a paternidade e maternidade responsáveis
13
A defesa do património e
a assunção da História em
Saúde • educação para nutrição
todas as suas facetas positi- • educação para prevenção de doenças
vas e negativas integram a • treinamento sanitário básico
solidariedade com os ante-
passados. Cidadania • educação para produção
económica • educação para gestão de recursos
• educação para distribuição de bens e serviços
• educação para consumo
Mulheres • como agentes estratégicos de desenvolvimento
• como agentes estratégicos de democratização
Interculturalidade • educação para a identidade cultural
• educação para a diversidade cultural
• educação para o ecumenismo

Fonte:Carmo, 1995

Figura 4.1 - Áreas-Chave da Educação para o Desenvolvimento

Do que acima se disse, podem-se identificar dez áreas chaves na educação


para o desenvolvimento (figura 4.1), agrupadas em áreas transversais, i.é,
que afectam sistemicamente os grupos aprendentes na sua concepção do mundo

78
© Universidade Aberta
e da vida e áreas específicas, que os preparam para o exercício de papéis
particulares.

Actividade 4.1

Elabore um mapa conceptual que exprima o conceito de desenvolvimento


nas suas diversas facetas.

1.2 O conceito de Comunidade

Tal como relativamente ao conceito de desenvolvimento encontram-se diversos


significados para a palavra comunidade, de acordo com o contexto em que se
insere.

Assim, é frequente ouvirmos ou lermos o termo aplicado para designar


pequenos agregados rurais (aldeias, freguesias) ou urbanos (quarteirões,
bairros), mas também a grupos profissionais (ex: comunidade médica,
comunidade científica), a organizações (comunidade escolar), ou a sistemas
mais complexos como países (comunidade nacional), regiões (comunidade
europeia) ou mesmo o mundo visto como um todo (comunidade internacional
ou mundial).

Uma característica une todas estas designações: é a presença de uma dada


semelhança que confere uma identidade ao sistema designado por
comunidade, que determina uma fronteira entre os elementos que lhe
pertencem dos que lhe são alheios.

A ideia de comunidade nas Ciências Sociais

Desde cedo o conceito de comunidade foi discutido com detalhe pelas Ciências
Sociais, no contexto da observação do fenómeno da urbanização. É ao
sociólogo alemão Ferdinand Tönnies que tem sido atribuida a primeira
teorização do conceito por contraposição ao de sociedade14 . Para este autor, a 14
Tönnies, F., 1977, Comu-
nauté et société: categories
comunidade é uma forma de vida antiga que se desenvolveu a partir da fondamentales de la
agregação de famílias num mesmo espaço, caracterizando-se por uma coesão sociologie pure, Paris, Retz/
CEPL, tradução francesa da
social baseada em laços de sangue, de amizade, de costume e de fé. Com o 1ª ed. de 1887.

79
© Universidade Aberta
crescimento do processo de urbanização decorrente da industrialização, o
modelo de organização social transforma-se em sociedade:

Esta mutação produz-se sob o signo de uma abstracção que se verifica


no facto de cada um viver para si, num estado de concorrência ao
15
Boudon, R. (coord.), 1990, mesmo tempo social e económica15 .
Dicionário de Sociologia,
Lisboa, D. Quixote, p 241.
Depois dele muitos foram os cientistas sociais que procuraram descrever o
fenómeno comunitário. Das suas contribuições emerge um conjunto de ideias
16
Marshall, Gordon, 1994, associadas ao conceito16 que devemos reter:
Concise dictionary of
Sociology, Oxford/New • alto grau de intimidade pessoal
York, Oxford University
Press, pp 72-73.
• relações sociais afectivamente alicerçadas
• compromisso moral
• coesão social
• continuidade no tempo

O conceito de comunidade em Ander-Egg

É neste mesmo sentido que Ezequiel Ander-Egg define comunidade, na sua


obra clássica sobre desenvolvimento comunitário:

La comunidad es una agrupación organizada de personas que se


perciben como unidad social, cuyos elementos participan de algun
rasgo, interés, elemento, objectivo o función común, con conciencia
de pertenencia, situados en una determinada área geográfica en la
cual la pluralidad de personas interacciona más intensamente entre si
qui en otro contexto (Ander-Egg, 1980: 45)

Subjacentes a esta definição estão duas ideias força:

• a de um agregado social com um conjunto de interesses vitais comuns,


17
O Usamos o termo no sen- com uma elevada densidade social17 , traduzida numa forte consciência
tido que Durkheim dá à den-
sidade moral como grau de de pertença;
coesão que existe à volta dos
valores, interditos ou impe- • e a de uma proximidade geográfica que permite uma estruturação
rativos sagrados que liga os
indivíduos ao todo social, sólida de tais interesses.
cit in Xiberras, M. 1996, As
teorias da exclusão: para
uma construção do imagi-
nário do desvio, Lisboa,
Instituto Piaget., p 48. O conceito de comunidade na sociedade contemporânea

Duas circunstâncias têm contribuido para fazer renascer a reflexão sobre o


conceito de comunidade: a conjuntura social e política e o desenvolvimento
das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs).

80
© Universidade Aberta
Após um longo período em que esteve relativamente latente, a questão
comunitária foi recentemente reacendida em virtude da explosão multicultural,
ocasionada pela concentração de grandes massas populacionais portadoras de
diferentes culturas, e da alteração da balança de Poder decorrente do fim da
guerra fria simbolicamente marcada pela queda do muro de Berlim em 1989.

Rompendo com o estado Nação, a reivindicação comunitária enferma


muitas vezes de uma lógica destruidora. Reconciliar os grupos e a
colectividade emerge como uma das prioridades da democracia
moderna. (...) O objectivo perseguido pela comunidade - assegurar a
sua prosperidade, a sua liberdade e a sua defesa - entra (frequentemente)
em concorrência com o desenvolvimento do Estado-Nação. Se este
Estado é estável e as suas instituições legítimas, ele está à altura de
negociar com as comunidades insatisfeitas e de converter em interesses
políticos as suas reivindicações. Se o Estado é autoritário, reage pela
repressão ao que considera como uma insubmissão ou uma ameaça
de secessão. Se é fraco, afunda-se numa tormenta de rivalidades entre
comunidades. Pode ser confiscado por uma das comunidades em
detrimento das outras. A paralisia da economia e as intervenções
estrangeiras aceleram então muitas vezes a crise interna e a passagem
à luta armada18 . 18
PICARD, Elisabeth (1993),
Le réveil communautaire,
Por outro lado a elevada densidade social indispensável à existência de uma “Courrier de l’UNESCO”,
Junho de 1993.
comunidade deixou de ser determinada pela presença física das pessoas que a
ela pertencem. Com efeito a generalização das novas tecnologias de informação
e comunicação (NTICs) permite uma interacção de qualidade em situação de
presença virtual dos protagonistas, dando origem à formação de comunidades
telemáticas ou ciber-comunidades em que a barreira da distância deixou de
existir (Castels, 2003, 2005).

Entre as muitas consequências destes dois factos sobressai a necessidade de


incluir na formação dos interventores sociais que trabalham com comunidades,
componentes de Ciência Política como a gestão de conflitos e competências
no domínio das NTICs.

Actividade 4.2

1. Elabore um mapa conceptual que exprima o campo semântico do


conceito de comunidade.

2. Observe os locais onde vive e onde trabalha. De acordo com os


elementos que estudou nesta secção considera-os como
comunidades? (Escreva não mais que uma página A4 a fundamentar
a sua resposta.

81
© Universidade Aberta
1.3 A organização comunitária e o Serviço Social de
Comunidades

Outros dois conceitos que muitas vezes se encontram associados ao de


desenvolvimento comunitário são os de organização comunitária e serviço
social de comunidades.

Organização comunitária

O termo organização exprime a ideia de uma articulação de meios ou recursos.


É neste sentido que, por exemplo, uma empresa é uma organização, uma vez
que é um sistema em que se encontram articulados de forma coerente meios
materiais (instalações, equipamentos, energia, verbas) e humanos (quadros
dirigentes, técnicos, administrativos, operários e auxiliares) com vista a atingir
os seus objectivos empresariais.

O mesmo se passa em relação aos agregados sociais que se querem transformar


em comunidades. Imagine-se, por exemplo, um bairro nos arredores de uma
grande cidade. As suas características de dormitório fazem com que o
anonimato dos seus residentes seja uma característica marcante e o controle
social informal seja baixo, constituindo terreno fértil para a ocorrência de
inúmeros problemas sociais (ex: elevadas taxas de absentismo à escola, de
pequena delinquência juvenil, de falta de apoio a idosos e população doente,
etc.).

Neste contexto, entende-se por organização comunitária o processo de


articulação de meios (materiais e humanos) susceptiveis de criar condições
a um determinado conjunto social para que se transforme numa
comunidade.

Para que a organização de comunidades se processe com eficácia e eficiência


é necessário um conjunto de decisões estratégicas, nomeadamente:
• identificar recursos
• estabelecer prioridades
• articular recursos

A identificação dos recursos existentes é fundamental e requer particular atenção


por parte dos agentes sociais. Peter Drucker uma das figuras de referência no
campo da gestão considera que um recurso é algo a que é atribuida uma
dada utilidade. O petróleo, por exemplo, antes de ser considerado um recurso
estratégico era visto como um líquido peganhento e mal-cheiroso que estragava
19
Drucker, Peter,1986, Ino-
vação e Gestão, Lisboa, as culturas agrícolas. Certas plantas, antes de se lhes descobrir o valor medicinal
Presença. eram mondadas como ervas daninhas19 . O mesmo se passa com os recursos

82
© Universidade Aberta
sociais: a população idosa é considerada frequentemente como um Na última unidade deste
20

manual voltaremos a este


grupo-problema, pelas características de alguns dos seus elementos assunto.
(dependência económica, física e emocional). No entanto é também um
recurso social valioso se se tirar partido doutras características (experiência
de vida, disponibilidade emocional e de tempo), podendo desempenhar
21
Tradicionalmente costu-
mava-se dizer que o Servi-
utilíssimos papéis sociais no enquadramento de crianças, na formação, em ço Social integrava três mé-
serviços que não exijam esforço físico excessivo, etc20 . todos: o Serviço Social de
Casos, de Grupos e de Co-
munidades. A partir dos
anos sessenta com o movi-
mento da reconceptua-
Serviço social de comunidades. lização nascido e desenvol-
vido na América Latina, ten-
de-se a considerar um mé-
todo apenas com várias es-
O serviço social de comunidades é uma estratégia macrossocial do Serviço tratégias que se aplicam
consoante as contingências
Social21 , com os objectivos de ajudar uma dada população a: da situação-problema.

• Tomar consciência das suas necessidades e recursos


• Assumir uma posição crítica sobre a sua realidade
22
Para a Antropologia o
• Organizar dinâmicamente os seus recursos para responder às suas etnocentrismo é um precon-
necessidades ceito que se caracteriza pela
consideração da superiori-
dade de uma dada cultura
Para a população-cliente, isto implica três passos que correspondem a outras relativamente às demais.
tantas etapas de autonomização crescente: tomar consciência de uma dada
situação-problema, valorá-la criticamente comparando-a a situações
alternativas desejáveis e agir para a modificar.
23
O neologismo cronocen-
Neste processo, o profissional de Serviço Social deve assumir-se como recurso trismo designa o preconcei-
do sistema-cliente e não como substituto dele, ajudando-o a responder a to que considera um deter-
minado tempo (Passado,
situações de carência, dinamizando processos que criem condições para o Presente ou Futuro) superi-
desenvolvimento de sistemas de liderança eficazes e participados, para a or aos outros. Deste modo,
os fundamentalismos con-
coesão da comunidade e para a integração desta no ambiente que a rodeia. servadores baseiam-se
numa posição cronocêntrica
Isto exige um conjunto de conhecimentos, técnicas e atitudes específicas: focada no Passado; os
fundamentalismos progres-
conhecimentos de Antropologia Cultural, de Sociologia, de Gestão e de Ciência sistas num cronocentrismo
Política, entre outros domínios; técnicas de intervenção social de natureza focado no futuro (os ama-
nhãs que cantam); os mo-
macro como por exemplo a estratégia da não-violência activa, publicidade e dismos, num cronocentris-
relações públicas, etc; e atitudes anti-etnocêntricas22 e anti-cronocêntricas23. mo fixado no Presente. Para
que qualquer intervenção
social alcance resultados
com qualidade, precisa, de
acordo com esta perspecti-
va, integrar o Passado dos
protagonistas (experiência,
conhecimentos prévios),
com o seu Futuro (sonhos,
expectativas, planos, progra-
mas) e Presente (análise ob-
jectiva das necessidades e
recursos).

83
© Universidade Aberta
Actividade 4.3

De acordo com o que estudou na secção anterior identifique um bairro,


freguesia ou aldeia que lhe seja familiar e que necessite de uma estratégia
de organização comunitária. Fundamente a sua escolha, salientando os
recursos a articular.

2. O Desenvolvimento Comunitário

O termo Desenvolvimento Comunitário tem sido utilisado com diversos


24
Carmo, H., 1995, Avalia- sentidos de acordo com o contexto histórico e social em que se inscreve24 . No
ção em intervenção comu-
nitária in Estudos de ho- entanto, na acepção técnica que hoje se lhe reconhece, é em 1950 que é
menagem ao Prof. Adriano consagrado no Documento das Nações Unidas intitulado Progresso social
Moreira, vol II, Lisboa,
ISCSP. através do Desenvolvimento Comunitário25 .

Nesse relatório é definido como um processo tendente a criar condições de


25
Silva, M., 1962, Desen-
progresso económico e social para toda a comunidade, com a participação
volvimento Comunitário: activa da sua população e a partir da sua iniciativa.
uma técnica de promoção
social, Lisboa, Associação
Industrial Portuguesa
Mais recentemente e no mesmo sentido Ezequiel Ander-Egg (1980: 69)
caracteriza-o como uma técnica social de promoção do homem e de mobilização
de recursos humanos e institucionais, mediante a participação activa e
democrática da população, no estudo, planeamento, e execução de programas
ao nível de comunidades de base, destinados a melhorar o seu nível de vida.

2.1 Dimensões do conceito

Subjacente às duas definições é possível discernir quatro dimensões do


conceito:

• uma dimensão doutrinária pela implícita filosofia personalista que


defende;

• uma dimensão teórica pelos pré-requisitos de análise sociológica e


económica a que se obriga;

• uma dimensão metodológica pelos propósitos de mudança planeada


que defende;

84
© Universidade Aberta
• finalmente uma dimensão prática pelas consequências que a sua
aplicação tem no terreno, tanto pela implicação das comunidades no
processo do seu próprio Desenvolvimento como pela alteração das
práticas profissionais a que obriga.

2.2 As raízes

Ao longo de uma existência de cerca de meio século o Desenvolvimento


Comunitário atravessou diversas fases procurando adaptar-se aos
condicionalismos da conjuntura.

As suas raízes, de acordo com Ezequel Ander-Egg (1980: 62) e Miriam


Baptista (1973), situam-se no período que mediou as duas guerras mundiais, a
partir das práticas experimentadas em dois diferentes contextos empíricos:

• a prática de formação de líderes locais, desenvolvida no sistema


colonial britânico de administração indirecta;

• a experiência americana de organização comunitária, como resposta


aos inúmeros problemas de desorganização social, de anomia e de
comportamento desviado que se registaram nessa época, fruto das
consequências da industrialização, da urbanização, da imigração e das
dificuldades sócio-económicas do pós guerra, culminada com a crise
de 1929.

Foi, contudo, depois da segunda guerra mundial que o Desenvolvimento


Comunitário se estabeleceu como método complementar de intervenção social
para fazer face aos problemas sociais da conjuntura. Com efeito o conflito
destroçara os alicerces económicos e sociais dos antigos beligerantes,
vencedores e vencidos, fazendo emergir um complexo conjunto de problemas
de desorganização social de anomia e de comportamento desviado.

Tal situação carecia de métodos de intervenção social mais poderosos que os


usados até então, exigindo a criação de sinergias decorrentes da cooperação
entre os recursos estatais e os exíguos meios das comunidades locais. Manuela
Silva (1963: 14-15 e 87-124) refere alguns marcos importantes dos primeiros
quinze anos após-guerra, cuja análise permite salientar as principais linhas de
delimitação deste domínio da intervenção social.

Logo em 1948 realizou-se uma Conferência Internacional em Cambridge


sobre administração em África, de acordo com a tradição de estudos africanos
daquela Universidade, em que se reconheceu a utilidade do Desenvolvimento

85
© Universidade Aberta
Comunitário como instrumento de desenvolvimento dos territórios em vias de
descolonização.

Em 1950, conforme acima se referiu, foi publicado o relatório da ONU


intitulado Progresso social através do Desenvolvimento Comunitário que
legitimou este sistema de intervenção social aos olhos da comunidade
internacional.

Seis anos mais tarde, em Baarn (Países Baixos) realizou-se um Seminário


que consagrou a noção de região-problema como conceito fundamental do
Desenvolvimento Comunitário. A importância desta designação reside na
consciência da exiguidade dos recursos para fazer face às necessidades sociais,
sublinhando o interesse de identificar zonas de maior intensidade de problemas
sócio-económicos a fim de nelas se concentrarem os meios disponíveis.

Em 1958, no Seminário realizado em Palermo (Itália) deu-se um novo passo


na construção deste domínio cognitivo, através da ligação da investigação à
acção. Com efeito pode afirmar-se que neste Encontro o Desenvolvimento
Comunitário se consagra como campo da Ciência Aplicada, dotado de
instrumentos de estudo e diagnóstico a par das estratégias de actuação empírica
existentes na época.

No ano seguinte em Bristol (Reino Unido) fecha-se a primeira fase do ciclo de


vida desta técnica de intervenção com a realização de um Seminário sobre a
aplicação do Desenvolvimento Comunitário às zonas urbanas alargando
a sua área de actuação, até aí mais focada no desenvolvimento de zonas rurais.

2.3 Os princípios

Ao longo do percurso descrito, foi emergindo um conjunto de príncípios que


configuram todas as estratégias de Desenvolvimento Comunitário, ainda hoje
de grande actualidade:

• o princípio das necessidades sentidas que defende que todo o projecto


de desenvolvimento comunitário deve partir das necessidades sentidas
pela população e não apenas das necessidades consciencializadas pelos
técnicos;

• o princípio da participação, que afirma a necessidade do envolvimento


profundo da população no processo do seu próprio Desenvolvimento;

• o princípio da cooperação que refere como imperativo de eficácia a


colaboração entre sector público e privado nos projectos de
Desenvolvimento Comunitário;

86
© Universidade Aberta
• o princípio da auto-sustentação que defende que os processos de
mudança planeada sejam equilibrados e sem rupturas, susceptíveis de
manutenção pela população-alvo e dotados de mecanismos que
previnam efeitos perversos ocasionados pelas alterações provocadas;

• o princípio da universalidade que afirma que um projecto só tem


probabilidades de êxito se tiver como alvo de Desenvolvimento uma
dada população na sua globalidade (e não apenas subgrupos dessa
população) e como objectivo a alteração profunda das condições que
estão na base da situação de subdesenvolvimento.

2.4 A planetarização

Paralelamente e no seguimento dos Encontros referidos, as experiências de


Desenvolvimento Comunitário foram-se multiplicando e diversificando por
todos os continentes ao longo dos últimos cinquenta anos em variadíssimos
contextos, desde o particularíssimo modelo de organização social do Kibbutz
até ao muito americano movimento das escolas comunitárias.

Os seus princípios e metodologia têm sido aplicados a diversos níveis de


sistemas-cliente26 variando desde o simples bairro urbano ou aldeia até à 26
Recorda-se que se consi-
dera como sistema-cliente,
dimensão nacional passando pelas diversas circunscrições intermédias para efeito de intervenção
(municípios, distritos, cantões, etc). Os conteúdos e estilos de actuação social, toda a pessoa, gru-
po, organização comunida-
apresentam também uma enorme diversidade, configurando um quadro de de ou rede social com ne-
enorme riqueza empírica. cessidades sociais, requeren-
do qualquer tipo de inter-
venção social planeada.
Portugal não foi imune a todo este movimento: desde o final dos anos sessenta
que se registam experiências de Desenvolvimento Comunitário, sendo disso
testemunho algumas publicações sob a forma de monografias27 ou artigos28. 27
Ex: VVAA 1965, Desen-
volvimento comunitário,
Movimentos vanguardistas dos Direitos Cívicos como o GRAAL, e Lisboa, Ministério da Saúde
organizações públicas como o Serviço de Promoção Social Comunitária do e Assistência e AAVV 1987,
Actas do IX Congresso
Instituto da Família e Acção Social foram protagonistas de projectos Iberoamericano de Segu-
comunitários, muito influenciados não tanto pela política ntervencionista do rança Social, Lisboa,
DGORH .
Estado mas, sobretudo, pela gigantesca vaga de fundo promovida pelo Concílio
Vaticano II e pelo pensamento de alguns dos seus mentores como o demasiado 28
É o caso de diversos arti-
esquecido padre Lebret29 . gos publicados na extinta
revista Informação Social
do ex Ministério da Saúde e
Também a Academia Portuguesa não ignorou completamente o movimento Assistência, entre 1966 e o
do Desenvolvimento Comunitário apesar dos tempos difíceis que politicamente princípio dos anos setenta.

se viviam, que condicionavam fortemente a realização de projectos deste teor.


O ensino do Desenvolvimento Comunitário iniciou-se quer nos curricula dos 29
Sobre este autor vide infra,
unidadeVI.
Cursos de Administração Ultramarina e de Serviço Social do então Instituto

87
© Universidade Aberta
Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina da Universidade Técnica
de Lisboa, quer nos Institutos Superiores de Serviço Social.

Actividade 4.4

Elabore um mapa conceptual do Desenvolvimento comunitário, fazendo


referência aos elementos que estudou no ponto 2.

3. Tipos de Desenvolvimento Comunitário

A fim de entender os grandes modelos de actuação que se têm vindo a perfilar,


apresentar-se-ão seguidamente três tipologias que procuram sistematizar tal
diversidade de acordo com três critérios:
• um critério geográfico
• um critério conceptual
• um critério de estilo de intervenção

3.1 Tipologia geográfica

O critério geográfico parte da observação de regularidades observadas em


diferentes zonas do Mundo, tipificando o Desenvolvimento Comunitário de
acordo com os modelos de actuação dominantes em diversas Regiões como
se observa na figura 4.2.

Apesar de permitir uma primeira aproximação à caracterização de modelos


de Desenvolvimento Comunitário, a tipologia geográfica tem o inconveniente
de homogeneizar artificialmente os projectos regionais. À medida em que este
método foi aplicado em várias partes do Mundo observa-se que em cada região
se aplicava um ou vários dos tipos descritos, consoante o quadro contingencial.

88
© Universidade Aberta
Tipo Situações Objectivos Estratégias
Americano • Bairros • Criar comunidades • Consciencializar
Ex: EUA dormitórios através do necessidades comuns
• Escolas despertar do • Descobrir formas de
comunitárias espírito de cooperação
• Centros de saúde cooperação optimizando os
recursos existentes
Afro-asiático • Países sem • Reconstruir a • Integrar o DC no
Ex: Ghana, recursos ou com estrutura social e Plano Nacional
Índia recursos naturais económica (centralização numa
não optimizados • Optimizar os alta autoridade)
• Más condições recursos existentes • Pôr o aparelho de
estruturais a nivel nacional Estado ao serviço do
(sociais e DC
económicas)
• Falta grave de
quadros
Latino • Países e Regiões • Suplantar • Definir regiões e
Ex:França com dualismos dicotomias inter- zonas-problema
(Aspéres) estruturais regionais e • Concentrar recursos
assimetrias cidade- nessas zonas para
campo provocar efeitos de
mudança rápida e
colher efeitos de
demonstração
Europeu • Países e Regiões • Utilizar o DC como • Integração dos dois
Ex: Itália com sistemas de meio para niveis de
(Sardenha) Desenvolvimento dinamizar o desenvolvimento
Regional Desenvolvimento (Regional e Local)
regional

Fonte: Silva, 1962, op.cit.

Figura 4.2 - Modelos de Desenvolvimento Comunitário: tipologia geográfica

3.2 Tipologia conceptual

Para ultrapassar esse problema, Manuela Silva na obra citada sugeriu uma
tipologia a que chamou conceptual, que distingue três tipos, de acordo com a
complexidade do sistema-cliente:
• Tipo integrado correspondente, na tipologia anterior, ao afro-asiático,
caracterizado pela aplicação das técnicas de Desenvolvimento
Comunitário à escala nacional;
• Tipo adaptado, análogo ao europeu, sempre que o projecto tenha
escala regional;

89
© Universidade Aberta
• Tipo Projecto-Piloto, semelhante ao latino e ao americano, quando a
escala de intervenção é mais restrita.

3.3 Tipologia de modelos de intervenção de Rothman

Mais recentemente, Jack Rothman (cit in Jacobsen e HeitKamp, 1995:


311-324) propôs uma tipologia particularmente útil de práticas de intervenção
comunitária, recorrendo ao critério dos estilos de intervenção, sugerindo a
existência de três modelos (figura 4.3):
• Modelo de Desenvolvimento Local, caracterizado por uma
intervenção muito localizada (perspectiva microssocial), orientada para
o processo de criação de grupos de auto-ajuda em que o interventor
assume um papel facilitador com uma forte componente sócio-
educativa;
• Modelo de Planeamento Social caracterizado por uma intervenção
de componente meso e macro mais evidente, voltada para a resolução
de problemas concretos, (orientação para o resultado) em que o
interventor assume um papel de gestor de programas sociais;
• Modelo de Acção Social caracterizado por uma intervenção de
perspectiva integrada (macro, meso, micro), orientada para a alteração
dos sistemas de Poder em presença em que o interventor assume um
papel de activista, advogado do sistema-cliente e negociador,
aproximando-se da figura do militante.

Actividade 4.5

Releia a sua actividade 4.3 e complete-a, fazendo referência aos tipos de


Desenvolvimento Comunitário que pensa serem adequados à zona que
seleccionou. Utilize as três tipologias estudadas e fundamente as suas
escolhas Escreva em tópicos; use uma dimensão máxima de uma página
A4.

90
© Universidade Aberta
Modelo A Modelo B Modelo C
Características
Desenvolvimento local Planeamento social Acção social
Auto-ajuda; capacidade Resolução de problemas Substituição das relações de
Tipos de metas
comunitária e integração; (metas concretos da comunidade poder e de acesso a recursos
de acção
orientadas para processos) (metas orientadas para (metas orientadas para processos
comunitária
resultados) e resultados)
Assunções Anomia; carência de relações Problemas sociais Populações em desvantagem;
respeitantes aos humanas e de padrões substantivos; saúde física e injustiça social, depravação
problemas da democráticos de solução de mental, alojamento, lazer; iniquidade
comunidade problemas;.
Estratégia Intenso envolvimento da Reunião racional de factos Cristalização de resultados e
básica de população na solução dos seus caracterizadores dos organização das pessoas em
mudança próprios problemas problemas e decisões função de alvos inimigos
Características Comunicação consensual entre
das tácticas e grupos da comunidade; grupo de Consenso ou conflito Conflito ou acção contestatária,
técnicas de discussão acção directa; negociação
mudança
Catalizador; coordenador; Compilador e analisador de Activista; advogado; agitador;
Papéis dos
formador professor em matéria de factos; programador; “parte louça” (broker);
interventores
resolução de problemas. implementador negociador, “guerrillheiro”
sociais
Facilitador
Meio de Manipulação de pequenos grupos- Manipulação de dados e de Manipulação de organizações de
mudança tarefa organizações formais massas e de processos políticos
Como encaram Empregados e Alvos externos da acção;
as estruturas de Colaboradores patrocinadores opressores a ser coagidos
poder
Fronteiras da Comunidade total ou
comunidade- Comunidade geográfica total segmento ( por vezes Segmento de comunidade
-cliente “comunidade funcional”)
Assunções no
que respeita aos Interesses comuns ou conciliáveis Interesses conciliáveis ou Interesses em conflito
interesses no em conflito dificilmente conciliáveis;
interior da recursos escassos
comunidade
Concepção de Cidadãos Consumidores Vítimas
população
cliente
Participante no processo Consumidores ou Empregadores, membros
Concepção do
interactivo de solução dos recipientes constituintes
papel do cliente
problemas
Conselhos de Bem-Estar; Movimentos sociais tipo
Instituições, D. C. no 3º Mundo; Conselhos Municipais de Alinsky, Poder negro,
Corpo de Paz; Grupos de Planeamento, Burocracia movimentos feministas,
Tipo de agência
Consumidores, etc. federal Planeamento sindicatos, movimentos de
ambiental, Grupos de consumidores, grupos radicais
planeamento regional
Trabalhador de aldeia, de Dirigente ou técnico de Organizador local
Posições
vizinhança, consultor de DC, planeamento
práticas
extensionista rural
Educador de adultos, trabalhador Demógrafo, especialista Sindicalista, organizador de
de grupos não clínicos, em estudos sociais, grupos minoritários, organizador
Profissões
profissional de dinâmica de administrador público, de movimentos dos direitos
análogas
grupos, extensionista rural técnico de planeamento humanos, trabalhador de
hospitalar associações de inquilinos.

Fonte: Jacobsen, Michael; Heitkamp, Thomasine (1995) Working with comunities, in Johnson,
Wayne et al (1995) , The social services. An introduccion, Itasca, F.E. Publishers, pp 311-324

Figura 4.3 - Três perspectivas de prática comunitária segundo Rothman.

91
© Universidade Aberta
4. Relato de algumas experiências

Nesta secção iremos descrever resumidamente alguns projectos de


30
Os exemplos escolhidos desenvolvimento comunitário realizados a diferentes escalas de complexidade30.
foram descritos por Silva
(1962) e por Carmo (1997).

Caso 4.1 A experiência do Ghana: exemplo de um projecto à escala


nacional

Antecendentes

Após o processo que culminou com a independência (1957), esta antiga colónia
britânica viu-se confrontada com problemas de natureza estrutural dos quais
se salientavam um território com fracas infra-estruturas e uma sociedade pós-
colonial carecida de quadros técnicos e políticos, com um forte processo de
êxodo rural e com uma fraca experiência de vivência democrática.

Como já havia alguma experiência de trabalho comunitário do período sob


domínio colonial, sobretudo a partir de projectos dinamizados por missionários
optou-se por aproveitar essa experiência e alargá-la à escala nacional.

Finalidades

Com base neste diagnóstico foram definidas duas finalidades estratégicas de


âmbito nacional:

• promover o desenvolvimento sócio-económico, compatibilizando as


estruturas tradicionais de âmbito local com a Administração Pública à
escala nacional;
• iniciar um processo de democratização das instituições sociais,
económicas e políticas.

Organização do projecto

O projecto havia começado em 1951, coordenado a nível nacional por um


organismo criado para o efeito, o Departamento de Desenvolvimento
Comunitário e Bem Estar Social, na esteira de outras organizações que existiam
desde os anos quarenta. Foi dotado de amplos poderes e procurou desempenhar
a sua missão atribuindo ao desenvolvimento comunitário um duplo papel: o
de técnica de reestruturação social fundamentada numa filosofia política
democrática e o de técnica de promoção do crescimento económico
apelando aos recursos locais.

92
© Universidade Aberta
Os principais objectivos do projecto mostram claramente a sua ambição:

• Eliminação do analfabetismo
• Aumento do rendimento do sector agrícola
• Prevenção do desemprego e do êxodo rural
• Melhoria das comunicações
• Promoção da saúde pública da educação e do lazer
• Educação da mulher para a economia doméstica e educação dos filhos
• Estímulo ao artesanato e à pequena indústria

Os resultados revelaram-se muito interessantes, tendo-se conseguido


empreender

numerosos projectos de melhoramentos locais pela via da cooperação


local. Por conjugação do esforço entre o governo central e a população
(foi) possível realizar um avultado número de obras de utilidade
pública, tais como escolas, hospitais, clínicas, estradas, centros de
convívio e divertimento, etc. (Silva, op. cit.: 58-59).

É no entanto de salientar que em virtude da instabilidade política que se instalou


após a subida ao poder (1957)e posterior queda (1966) de Kwame Nkrumah
e do excessivo voluntarismo dos protagonistas da então chamada política de
socialismo africano muito do que se havia feito sofreu uma significativa
regressão.

Uma primeira lição a tirar desta experiência é a de que, quanto maior for a
escala de um projecto, mais recursos políticos e económicos requer, não
sendo suficiente a congregação de vontades individuais. A segunda, é a de
que projectos desta dimensão, ainda que muito descentralizados, necessitam
de uma mínima massa crítica organizacional, com

• linhas de comando bem definidas,

• instâncias de coordenação consensualmente aceites, onde se possa


compatibilizar a indispensável participação popular com a sua
representação a níveis superiores de decisão,

• sistemas de articulação entre os agentes generalistas de intervenção


e unidades orgânicas especializadas,

93
© Universidade Aberta
sem a qual são ineficazes (por não conseguirem atingir os objectivos desejados)
ou ineficientes (porque os alcançam a custos excessivos)

Caso 4.2 Um projecto na Sardenha: exemplo de um projecto à


escala regional

O projecto seguidamente sumariado ilustra a aplicação da estratégia de


desenvolvimento comunitário a uma escala regional. Com apoio de uma equipa
internacional as autoridades italianas e sardas começaram por definir uma zona-
piloto onde procuraram concentrar os recursos do projecto.

Caracterização

A área escolhida integrava quarenta povoações com um total de dez mil


habitantes. Tratava-se de uma região rural de cultura tradicional, com uma
significativa área montanhosa apresentando uma economia deprimida (baixa
produtividade agrícola, frágeis circuitos de distribuição e baixo consumo);

Dada a sua dimensão, foi necessário recorrer ao apoio externo, tanto no que
respeita ao enquadramento técnico como ao apoio financeiro.

Áreas-chave de intervenção

Após a efectivação de um diagnóstico da situação definiram-se as seguintes


áreas-chave, onde foram concentrados os esforços do projecto:

• fomento da educação básica e da promoção social;

• formação profissional (ex: técnicas agrícolas, economia doméstica


rural, modos de melhorar a nutrição através de pequenos
melhoramentos locais como o desenvolvimento da avicultura);

• vulgarização agrícola (ex: demonstração dos procedimentos correctos


para a poda de oliveiras; de técnicas de combate à mosca da azeitona);

• fomento do artesanato local (remodelação dos teares, técnicas de


tecelagem e vergas);

• instauração de linhas de crédito agrícola e formação para o seu uso;

• criação de circuitos de comercialização para o escoamento dos


produtos locais.

94
© Universidade Aberta
Resultados

Os resultados começaram a observar-se ao fim de algum tempo:

Não foi fácil o começo; os agricultores mostravam-se desconfiados e


mesmo hostis ao emprego de novos métodos; houve necessidade de
proceder primeiro a uma demonstração palpável dos resultados que
se procurava alcançar através do emprego de processos mais modernos.
Para tanto, a equipa conseguiu convencer um pequeno número de
agricultores a consentirem numa experiência de poda de oliveiras e
combate científico à mosca da azeitona. A escolha deste meio baseou-
se nos dois factos seguintes: operação de custo reduzido e resultados
visíveis a curto prazo. A operação foi coroada do maior êxito, pois
que o rendimento das oliveiras aumentou (...) (significativamente)
(Silva, op.cit.: 50-51).

Com o aumento de rendimento dos agricultores que haviam aderido à


experiência gerou-se um efeito de mancha de azeite sobre toda a população
que, pouco a pouco foi aderindo ao projecto.

À medida que os resultados iam sendo conhecidos a população foi mudando


as suas atitudes tradicionalmente fatalistas e individualistas, passando a ter
opiniões e condutas mais cooperativas e maior disciplina no trabalho.

Caso 4.3 A estratégia da “sopa de pedra”

O terceiro caso contado por Manuela Silva (op.cit: 43-47) exemplifica a


realização de um projecto à escala local, com recursos exíguos, situação
compensada por uma forte liderança consentida e por bastante imaginação.

Caracterização

O projecto realizou-se na aldeia francesa de Aspères, situada na região de


Montpellier, com 4500 habitantes, integrada numa zona agrícola quase
exclusivamente dependente da cultura da vinha. Tal como no caso anterior, o
diagnóstico da situação apontou para diversos problemas de falta de
produtividade resultantes de técnicas antiquadas, praticadas por uma população
envelhecida pelo êxodo rural.

95
© Universidade Aberta
Intervenção

Após a realização de eleições autárquicas foi escolhido um novo Presidente


da Câmara que se revelou um líder inteligente, aproveitando os recursos locais
para responder às necessidades, através de uma intervenção que poderíamos
designar por estratégia da sopa de pedra (figura 4.4).

Implicações
Acções
(criação de novas necessidades e recursos)
1. Reconstrução das • possibilidade de introduzir pneus nas carroças ⇓
estradas (asfaltagem) • redução dos estragos nas estradas e dos cavalos de
com trabalho tracção⇓
voluntário⇓ • maior confiança nas estratégias cooperativas e quebra
da mentalidade fatalista tradicional⇓
• necessidade sentida de modernizar as técnicas
produtivas para melhorar os rendimentos
2. Modernização das • Necessidade de tractores⇓
técnicas produtivas⇓ • Aquisição de 57 tractores⇓
• Ensino da sua utilização⇓
• necessidade sentida de dar trabalho ao antigo ferreiro⇓
3. O ferrador/carpinteiro é • aumentam os rendimentos⇓
treinado para se se • é criado maior poder de compra⇓
tranformar em mecânico • necessidade sentida de melhorar as condições
de tractores⇓ habitacionais
4. Concebe-se um Plano • Fortalece-se uma atitude de planeamento⇓
Director Municipal⇓ • Surgem novas necessidades de consumo como o desejo
de adquirir equipamento doméstico⇓
5. Criação de uma • Melhoria da situação das mulheres⇓
cooperativa de consumo • Quebra da mentalidade fatalista tradicional
para aquisição de fogões,
máquinas de lavar e outros
electrodomésticos⇓

Figura 4.4 - Acção do novo Presidente da Câmara (modelo da sopa de pedra).

Tudo começou com a resposta à necessidade sentida pela população de


asfaltar as principais vias de comunicação da zona, o que se fez recorrendo-se
ao trabalho voluntário. Esta acção teve como consequências imediatas, a
possibilidade de introduzir pneus nas carroças com a consequente redução
dos estragos nas estradas, bem como uma menor utilização de cavalos de
tracção. Por outro lado permitiu começar-se a criar alguma confiança nas
estratégias cooperativas e a pôr em causa a mentalidade fatalista tradicional.
A confiança que se gerou permitiu a emergência da consciência de que seria

96
© Universidade Aberta
possível alterar as técnicas produtivas no sentido de melhorar os rendimentos
das famílias.

Na campanha que se seguiu, compraram-se 57 tractores, o que levou à


necessidade de se proceder ao treino dos utilizadores para o seu uso e
manutenção. Mas essa inovação criou uma nova necessidade: a de dar
trabalho ao ferreiro que entretanto havia perdido clientes dada a menor utilização
de cavalos de tracção. Esse problema foi resolvido com imaginação
reconvertendo-se o antigo ferreiro em novo mecânico, solução que satisfez
toda a gente.

À medida em que aumentavam os rendimentos e a população adquiria maior


poder de compra, foram emergindo outros quereres comuns (Pintasilgo, 1985),
inicialmente não consciencializados. Foi o caso das necessidades sentidas de
melhorar as condições habitacionais e de dotar as famílias de equipamentos
domésticos mais modernos. Em resposta foi delineado um Plano Director
Municipal e criada uma cooperativa de consumo para aquisição de
electrodomésticos. Estas acções tiveram duas consequências com influência
decisiva para a modernização da comunidade: por um lado legitimou-se o
planeamento como atitude desejável para a mudança; por outro, o grupo
estratégico das mulheres viu o seu tempo disponível alargado, permitindo-lhe
utilizá-lo em tarefas mais gratificantes e produtivas.

Caso 4.4 O projecto “Revitalização da Comunidade de Ouguela”

Caracterização

Com 152 habitantes, situada na zona da raia, no fim da estrada (no sentido
literal) a cerca de dez quilómetros do concelho de Campo Maior, a aldeia de
Ouguela tinha vindo a sofrer desde há vários anos, os custos da sua situação
periférica. O predomínio de população idosa, a economia estagnada e um
castelo em ruinas, eram alguns dos sinais mais evidentes desses custos.

Intervenção

No sentido de inverter a situação, em Agosto de 1996 foi criado o Projecto de


Revitalização da comunidade de Ouguela, coordenado pelo Provedor da
Santa Casa da Misericórdia de Campo Maior, engenheiro agrónomo e profundo
conhecedor da zona, à qual se associaram em parceria outras instituições, grupos
e particulares de entre os quais se salientam:
• a Câmara Municipal de Campo Maior;

97
© Universidade Aberta
• a Delegação Escolar que se associou à rede com recursos do projecto
escolas isoladas;
• o jornal Notícias de Campo Maior dando visibilidade ao projecto;
• a comissão de moradores de Ouguela;
• diversos particulares dos quais é de realçar um antigo professor do
primeiro ciclo do ensino básico, entusiasta desde a primeira hora.

A necessidade de criar uma massa crítica de recursos para o projecto levou


ao concurso e posterior obtenção de verbas de programas europeus
(Subprograma Integrar da Medida 1-Apoio ao desenvolvimento social, do 2º
Quadro Comunitário de Apoio) e nacionais (do orçamento do Estado). Tais
financiamentos permitiram o recrutamento a tempo inteiro em regime de
31
Licenciada em Política residência local, de uma técnica31 com a missão de coordenar as operações do
Social.
projecto no terreno.

Os objectivos do projecto eram os seguintes:


• revitalização, reforço e diversificação da economia local;
• fixação, atracção e participação da população;
• melhoria da qualidade de vida da população;
• animação sócio-educativa, cultural e recreativa;
• fomento da cooperação entre instituições e empresas locais através de
parceria.
Respondendo à necessidade premente de apoiar os idosos da aldeia, sobretudo
os que revelavam menor autonomia, e aproveitando um recurso disponível,
o edifício da escola que estava ocupado a menos de 50 %, foi criado um
centro comunitário com valências de apoio domiciliário (com confecção de
refeições para acamados) e Centro de Dia. Para além dos resultados
imediatamente visíveis para a população idosa, esta iniciativa permitiu criar
maior coesão entre todos os protagonistas do projecto.

Desde então foram várias as iniciativas destinadas a atingir os objectivos acima


definidos, de entre as quais se salientam:

• um colóquio sobre princípios, estratégias e exemplos de projectos de


desenvolvimento comunitário;

• a realização em Julho de 1997 de um Encontro Nacional de Jovens


das Aldeias Históricas;

• o estudo da viabilização de pequenas empresas de restauração e de


salsicharia tradicional com garantia de qualidade;

98
© Universidade Aberta
• o estudo para a reabilitação patrimonial do castelo e das habitações
que se localizam no seu interior para posterior utilização em turismo
de habitação;

• criação de um jornal do projecto A ladeira da fonte velha, principal


instrumento de informação sobre as actividades em curso.

Caso 4.5 Um programa de educação funcional no Paquistão

A metodologia de desenvolvimento comunitário tem sido aplicada com alguma


frequência na educação de adultos. O caso seguidamente relatado descreve
um projecto deste tipo, desenvolvido no Paquistão (Carmo, 1997: 270-273).

Com uma população de 121.5 milhões de habitantes (1991), um PNB per cap.
de 380 US$dol. (1990), uma esperança média de vida de 58 anos (1991) e
uma taxa de mortalidade de menores de cinco anos de 134 por mil (1991), o
Paquistão situava-se entre os países mais pobres do mundo, na última década
do século XX32. Os seus indicadores educacionais eram coerentes com a UNICEF, 1993, Situação
32

mundial da infância,
situação geral do país: de acordo com dados de 1985, apenas 47% da sua UNICEF, Brasília.
população entre 5 e 10 anos de idade ia à escola, reduzindo-se o contingente,
para 27% se considerarmos a coorte dos 11 aos 13 anos, e para 13% no grupo
dos 14 e 15 anos33 . 33
Williams, J., 1992,
Meeting National Needs
Se os indicadores globais revelavam um quadro preocupante a situação de Through Distance
Education: The approach
certos grupos sociais era dramática. Era o caso da mulher rural que apresentava of the Allama Iqbal Open
uma taxa de alfabetização de 7.3% . Esta situação decorria, não só da fraca e University, Pakistan,
ICDE, Bolletin vol. 29, p56.
geograficamente assimétrica oferta do sistema de ensino, sobretudo no
que respeitava à rede de equipamentos escolares, aos poucos professores e às
verbas disponíveis, mas também a razões de natureza cultural e religiosa,
que levavam a restringir a procura por parte da mulher em geral, e da
camponesa em particular.

Foi neste contexto que a Allama Iqbal Open University, através do seu
gabinete de extensão universitária e projectos especiais (Bureau for University
Extension and Special Projects) passou a oferecer, desde 1985, vários programas
educativos um dos quais, o Basic Functional Education Programme (BFEP),
seguidamente se relata.

O projecto destinava-se a uma população-alvo rural e suburbana, de ambos


os sexos, analfabeta. Os seus cursos não tinham como objectivo a sua

99
© Universidade Aberta
alfabetização, mas a melhoria da qualidade de vida, através do ensino de
“saberes” que aumentassem a capacidade de melhorar o seu quotidiano, como
a puericultura, a higiene, a electrificação das aldeias, os primeiros socorros, a
gestão doméstica, o sistema de crédito agrícola e o planeamento familiar.

Todo o sistema se baseava numa forte interacção criada entre a equipa central
da Universidade, encarregada de produzir os materiais, e as equipas de campo,
compostas por díades mistas, os Field Workers, para poderem trabalhar com
populações de ambos os sexos, mediadas por coordenadores de campo a tempo
inteiro (Field Co-ordinators).

Após um trabalho exploratório em que procuravam ajudar os aldeões a


identificar as suas principais necessidades educativas, os Field Workers
ajudavam-nos na organização de grupos de aprendizagem (unissexuais, uma
vez que se tratava de uma região muçulmana tradicional) cada um dos quais
escolhia um líder.

Esse líder era, seguidamente, alvo de um treino que durava uma semana, por
cada módulo escolhido (que dura em média seis semanas), em que ia aprender
a apresentá-lo através dos dois tipos de materiais adoptados: cartazes indutores
(flip-charts), com linguagem iconográfica e audiogramas produzidos em
linguagem localmente inteligível. Na sexta sessão, o grupo discutia com um
profissional todas as questões suscitadas nas cinco sessões prévias.

Entre 1985 e 1992, beneficiaram daquele programa perto de 16 mil grupos de


aprendizagem, parecendo que o BFEP tem vindo a encontrar uma crescente
receptividade na população.

34
A presente secção foi ela- 5. O Desenvolvimento Comunitário na actualidade34
borada a partir de um arti-
go (Carmo, 1998) cuja
identificação encontrará no
final desta unidade. A importância dada pela Academia ao estudo e ensino deste processo de
intervenção social é retratada pela investigação publicada e pelos programas
lectivos oferecidos nas várias instituições de ensino.
35
Vide sobre esta questão
Câmara, J.B., 1986, CÂMA- Com a consciência que o levantamento duma e doutros não pode ser exaustivo,
RA, A III Revolução Indus-
trial e o Caso Português, dada a velocidade com que a produção de informação ocorre35 e tendo em
in “Portugal Face à III Re- conta a sua dimensão planetária pode, no entanto fazer-se uma ideia aproximada
volução Industrial; Seminá-
rio dos 80”, Lisboa, ISCSP, dos rumos que actualmente se desenham através da consulta de algumas bases
pp. 63-111. de dados disponíveis.

100
© Universidade Aberta
5.1 Tendências da investigação

Para colher indicadores sobre a importância conferida à investigação neste


domínio recorremos a duas bases de dados em suporte CD Rom, a Dissertations
abstracts (da Universidade de Michigan), e a Social Sciences Index, (editada
por H. W. Wilson Company) das quais foram seleccionados 76 títulos de
dissertações, artigos e monografias disponíveis, publicados nos dois anos mais
recentes, de cada uma delas (1994-95 e 1996-97 respectivamente).

Para efeitos de análise os títulos foram classificados em dois quadros segundo


a sua temática dominante e de acordo com as perspectivas de intervenção
comunitária propostas por Rothman36 . Da sua leitura podem-se extrair as 36
Vide ponto 3.3.
linhas tendenciais que se seguem.

Dissertações

Quanto aos trabalhos académicos visando o doutoramento (mais raramente o


mestrado) podemos agrupar a temática escolhida em cinco cachos de
preocupações:

1. Estudos sobre minorias. É o agrupamento em que se integram mais


dissertações correspondendo a quase 1/3 da amostra. Provavelmente
esta preferência deve-se à visibilidade do fenómeno das minorias e ao
seu posicionamento como problema no imaginário social, assumindo-
se como tema prioritário da comunidade científica ligada às
Ciências Sociais. Qualquer das dissertações inseridas neste grupo parece
ter adoptado uma perspectiva de Desenvolvimento Local (modelo A
Rothman). As minorias explicitadas nos títulos foram as seguintes: afro-
americanos, jovens negros, hispânicos, judeus, imigrantes em geral,
doentes mentais, deficientes, toxicodependentes, jovens delinquentes e
mães solteiras.

2. Aspectos teóricos, metodológicos e políticos do Desenvolvimento


Comunitário. Enquadram-se neste grupo temático mais de um quarto
da amostra, distribuidas pelas perspectivas A (Desenvolvimento Local)
e B (Planeamento Social), e incidindo sobre questões ligadas à política,
planeamento, organização e controlo do Desenvolvimento Comunitário.

3. Saúde. As dissertações incidindo sobre aspectos da saúde comunitária


ocupam o terceiro lugar do corpus, todas ligadas à questão da saúde
mental ainda que numa delas tal abordagem se faça a propósito da
toxicodependência.

101
© Universidade Aberta
4. A infância e a juventude constituem também áreas escolhidas ainda
que apenas por cinco dissertações.

5. O quinto agrupamento temático diz respeito ao trabalho com as famílias


em geral, ou com o subgrupo parental (pais e avós).

Parece também de sublinhar a ausência de dissertações que incidam


especificamente sobre aspectos do modelo C de Rothman (Acção Social).
Este facto deve-se, provavelmente, à complexidade dos grupos-alvo
(movimentos sociais) e à conflitualidade da estratégia de tipo C que pode ter
tido efeito desestimulante na definição dos objectos de estudo, levando os
candidatos a doutoramento a escolher temas menos polémicos.

Monografias e artigos

No que respeita aos trabalhos publicados sob o formato de monografias ou


artigos, podemos agrupar a temática escolhida nas cinco linhas de preocupações
acima referidas a que se acrescentam, com menor representação, os domínios
do trabalho e emprego e o dos idosos.

A tendência que observámos nas dissertações, reforça-se quanto ao interesse


manifestado pelos investigadores mas apresenta uma particularidade
interessante: com efeito se metade dos títulos analisados se reporta a aspectos
gerais do Desenvolvimento Comunitário, sublinhando o interesse que tem sido
posto nas questões metodológicas e teóricas, a perspectiva dominante já não
parece ser a do Desenvolvimento Local (modelo A de Rothman) mas sim a do
Planeamento Social. Este facto pode indiciar uma crescente preocupação da
comunidade científica e profissional em procurar soluções mais integradas
para o Desenvolvimento Local, através de parcerias estratégicas com
organizações exteriores à própria comunidade, dotadas de recursos mais
poderosos para fazer face aos problemas sociais.

Os serviços de saúde mental continuam a constituir objecto de estudo


dominante neste campo. No entanto, relativamente à temática das dissertações,
regista-se uma diversificação de interesses dos investigadores pela utilização
da metodologia do Desenvolvimento Comunitário para a intervenção social
em campos muito específicos como o da prevenção da saúde, e do apoio a
grupos mais fragilizados como as grávidas em risco, pessoas infectadas com
o virus da SIDA, toxicodependentes e cancerosos. A perspectiva dominante
continua a ser a do Desenvolvimento local (modelo A), o que parece lógico
em virtude da especificidade dos grupos-alvo.

A maior parte dos artigos que incidem a atenção sobre minorias debruça-se
sobre grupos minoritários específicos como imigrantes, desalojados e outros

102
© Universidade Aberta
grupos altamente vulneráveis. Os restantes referem aspectos diversos do trabalho
social com minorias, nomeadamente as questões da educação intercultural e
do bilinguismo

A maior parte dos artigos integrados na temática da infância e juventude


apresentam, pelas razões apontadas para a saúde, uma perspectiva de
Desenvolvimento Local. A maior parte dos artigos sinalizados refere-se a
situações de trabalho social com grupos de crianças e jovens, em geral ou em
contexto escolar. Apenas dois artigos se debruçam sobre a questão específica
dos gangs juvenis. A dimensão da amostra não permite mais do que levantar
meras hipóteses de explicação deste facto que, a ser representativa, tanto pode
significar uma maior preocupação com a prevenção como uma fuga dos
investigadores a estudarem temas particularmente polémicos.

A perspectiva dos articulistas que se debruçaram sobre as famílias variou


consoante a temática específica do artigo. Assim, enquanto aqueles que o
fizeram de forma geral se repartiram entre os modelos A e B, os que incidiram
o seu trabalho sobre famílias maltratadas e movimentos de mulheres escolheram
a perspectiva C.

População idosa, trabalho e emprego. Muito poucos foram os artigos que


se debruçaram sobre o trabalho comunitário com idosos e com a temática do
trabalho e emprego. Estes números, a confirmarem-se em futuras análises com
amostras mais significativas, indiciam dois tipos de tendências, qualquer delas
preocupante:

• no que respeita aos idosos a tendência a esquecê-los, o que revela não


só a ignorância do seu peso demográfico crescente mas também o
preconceito de os considerar como problema e não como recurso
comunitário;

• no que concerne ao trabalho e emprego, a tendência a descentrar a


investigação de temas politicamente inconvenientes; neste caso,
investigar estes tipos de problemas apresentar-se-ia provavelmente
contra a maré neoliberal que grassa por todos os países industrializados.

Em resumo, da breve análise de dissertações, monografias e artigos produzidos


nos últimos anos sobre Desenvolvimento Comunitário, podem extrair-se as
seguintes tendências:

1. quanto às temáticas escolhidas pelos investigadores, regista-se um


consenso em torno de cinco cachos de preocupações:
• aspectos teóricos, metodológicos e políticos
• aspectos relacionados com a saúde comunitária

103
© Universidade Aberta
• questões relativas às minorias
• trabalho com crianças e jovens
• apoio à família

2. quanto à perspectiva assumida pela investigação, observa-se uma


dominância dos modelos de Desenvolvimento Local (A) e de
Planeamento Social (B) em detrimento do modelo de Acção Social
(C) de Rothman.

5.2 As tendências do ensino

As tendências do ensino do Desenvolvimento Comunitário podem inferir-se


da abundância de materiais educativos produzidos, sob a forma de artigos,
monografias ou manuais, e pela diversidade dos programas lectivos oferecidos
37
Tanto as que usam méto- nas várias instituições de ensino37 . Com a consciência, atrás referida, que é
dos presenciais como as que
adoptam modelos de
impossível fazer um levantamento exaustivo duma situação em permanente
leccionação flexível, com mudança, apresentam-se seguidamente alguns elementos que indiciam a
diversas combinações de
ensino presencial e a distân-
importância dada a esta área disciplinar.
cia.

Em instituições de ensino presencial

As instituições de ensino presencial que mais frequentemente integram o


Desenvolvimento Comunitário nos seus curricula são, como seria de esperar,
as que se vocacionam para a formação de quadros para o desenvolvimento
social e económico. Podemos agrupá-las nas que leccionam Ciências Sociais
ou da Educação e as que se ligam a programas de Desenvolvimento
Económico e Social por via de intervenção de tónica tecnológica. Nas
primeiras, encontramo-lo posicionado em diversos contextos curriculares, como
os seguintes:

• em programas de Ciência Política e da Administração, ligado à


gestão autárquica;

• em curricula de Ciências da Educação surge, por vezes, integrado


em técnicas de animação sócio-cultural e em estratégias de educação
de base da população adulta.
38
Cfr unidade VI.
• em licenciaturas em Sociologia e Antropologia, nos domínios
39
Cfr. unidade V. contíguos à Sociologia de Intervenção38 e à Antropologia Aplicada39 ,

104
© Universidade Aberta
• nos cursos de Serviço Social e de Política Social é habitual incluir o
ensino dos seus princípios e estratégias em disciplinas consagradas à
aprendizagem da teoria e método do Serviço Social, considerado sob
forma integrada ou tridimensional (Casos, Grupos e Comunidades);
neste último caso aparece como parte integrante do Serviço Social de
Comunidades.

No segundo tipo de instituições, incluem-se as que leccionam programas da


área da Saúde Pública e da Agronomia. Neste último domínio o
Desenvolvimento Comunitário apresenta-se frequentemente ligado às áreas
de Sociologia Rural e Extensão Rural.

Em Portugal o ensino de matérias ligadas ao Desenvolvimento Comunitário,


parece ter ocorrido pela primeira vez, ainda nos anos cinquenta, no Instituto
Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU), mais tarde crismado sucessivamente
Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina e Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas (1974). O pioneirismo desta escola insere-se
na atrás referida tradição britânica de administração colonial40 . 40
No referido artigo e no
final deste manual encon-
Retratam tal tendência a análise dos curricula dos cursos, tanto das trará uma abundante bibli-
ografia geral que lhe dará
licenciaturas como dos Mestrados, a realização de diversos encontros indicação sobre as obras
académicos, a abundância de dissertações e relatórios de estágio, e o volume publicadas neste terreno.

de artigos e monografias publicados, entre os finais dos anos cinquenta, e os


anos noventa.

Um exemplo interessante desta preocupação foi a criação em 1963, a partir do


Centro de Estudos Políticos e Sociais, do Centro de Estudos de
Desenvolvimento Comunitário, depois crismado de Centro de Estudos de
Serviço Social e Desenvolvimento Comunitário: Os resultados da sua
actividade começaram a fazer-se sentir desde logo, com a recolha e publicação
de uma bibliografia com cerca de trezentos títulos e de diversos estudos ao
longo dos anos seguintes.

Para isso muito contribuiu a revista Estudos Políticos e Sociais criada em 1963
e sucessora da Estudos Coloniais (1948-1954) e da Estudos Ultramarinos
(1955-1962), que conseguiu congregar um numeroso grupo de investigadores
oriundos de vários campos disciplinares, que apresentaram trabalhos sobre
diversas temáticas de que se salientam:

• aspectos teóricos e conceptuais do Desenvolvimento e do


Subdesenvolvimento;
• teoria e metodologia geral do Desenvolvimento Comunitário;
• estudo e diagnóstico de comunidades rurais tendo em vista o
desenvolvimento planeado;

105
© Universidade Aberta
• aplicação do Desenvolvimento Comunitário em contexto urbano;
• aspectos particulares do desenvolvimento comunitário como a
promoção da mulher, a saúde comunitária, o impacto sócio-cultural de
grandes investimentos e a toxicodependência.
Para além do ISCSP, o ensino do Desenvolvimento Comunitário tem sido
sobretudo leccionado nas Licenciaturas em Serviço Social, nos respectivos
Institutos Superiores e na Universidade Católica, como parte integrante das
disciplinas de Serviço Social.

Reflectem a preocupação por esta temática alguns artigos publicados na Revista


do Instituto Superior de Serviço Social- Lisboa, de onde se salientam as
seguintes temáticas:

• aspectos teóricos e metodológicos;

• aplicações do Desenvolvimento Comunitário em contexto urbano;


41
Costa, A.B., Silva, M. et al, • prevenção da saúde mental nas comunidades.
1985, A pobreza em Portu-
gal, Lisboa, Caritas e 1989, • trabalho comunitário em autarquias;
A Pobreza urbana em Por-
tugal, Lisboa, Caritas. • trabalho comunitário em contexto de educação popular;

Noutras instituições da Academia portuguesa a percepção sobre a importância


42
Veja-se como meros exem- desta técnica de intervenção social não parece ter sido idêntica, provavelmente
plos de trabalhos publica-
dos neste domínio VVAA, por dois motivos: primeiro porque à tradição britânica de intervenção em
1994, Pobreza é com to- territórios ultramarinos apenas era sensível à escola especializada nesses
dos: mudanças possíveis,
Lisboa, Comissão das Comu- domínios, o ISCSP(U). Em segundo lugar, porque a tradição americana de
nidades Europeias, e organização comunitária exigia um contexto de democracia e estabilidade social
Pereirinha, coord., 1992,
Observatory on nacional na sociedade civil que não existiu até 1976.
policies to combat social
exclusion: Portugal, Lisboa, Recentemente, com a implementação dos Programas Europeus de Luta Contra
CISEP - Centro de Investi-
gação sobre Economia Por- a Pobreza e depois dos trabalhos pioneiros de Bruto da Costa e Manuela
tuguesa. Silva41 , tem vindo a observar-se um novo interesse por esta problemática,
retratado através de diversos trabalhos42.
43
Cfr. Carmo, H.,1996, En-
sino a distância e desenvol-
vimento de quadros locais,
in Forum 2000:
Regionalização e desenvol-
Em instituições de ensino a distância
vimento, Lisboa ISCSP/
UTL, pp 75-92 e Carmo, H., As instituições de educação aberta e a distância (EAD) já há muito têm vindo
1996, Ensino a distância e
desenvolvimento comuni-
a incluir estas matérias no âmbito da sua vocação de serviço à comunidade e
tário. Contributo para ao Desenvolvimento43 .
uma estratégia de reabili-
tação, in 1ª conferência so-
bre reabilitação e comuni-
Para ilustrar a situação recente, recorreu-se à base de dados (em CD Rom) do
dade, ISPA, 20-22 de Junho International Centre for Distance Learning da Open University do Reino
de 1996.
Unido(1993).

106
© Universidade Aberta
Os resultados dessa consulta foram os seguintes:

• registaram-se 81 unidades lectivas (módulos, disciplinas e cursos)


focadas no ensino do Desenvolvimento Comunitário;

• quatro instituições ofereciam cursos inteiros dedicados a este


domínio:
- a University of New England, com um Certificate em DC,
- a University of South Australia, com um Advanced Diploma em
DC aplicado aos aborígenes,
- a University of South Pacific (Fiji), com um Certificate e um
Diploma em DC, e
- a University of West England-Bristol, com um Certificate em
DC;

• 21 instituições de 16 países integravam o Desenvolvimento Comunitário


como disciplina curricular;

• a maior parte das instituições sinalizadas ofereciam unidades não


formais nesta área do conhecimento.

Tais programas eram leccionados por 73 instituições sediadas em 31 países,


dispersos por todos os Continentes, observando-se que era em países de
influência anglo-saxónica que se registava maior diversidade de oferta de
cursos e cadeiras em regime de ensino a distância ou misto. Os países em que
se observava maior oferta de instituições e programas eram os seguintes:
• em África : República da África do Sul (2 instituições e 2 programas)
e Lesotho (uma instituição e 3 programas);
• na Ásia : Japão (6 instituições e 6 programas);
• na Australásia e Pacífico : Austrália (9 instituições e 10 programas);
• na Europa: Reino Unido (8 instituições e 8 programas);
• na América: Canadá (11 instituições e 13 programas), Estados
Unidos (5 instituições e 5 programas) e Colômbia (7 instituições e 7
programas).
44
Uma óptica miserabilista
Um dado a registar é que não existia correlação entre oferta deste tipo de defenderia que o Desenvol-
matéria disciplinar e estádio de desenvolvimento do respectivo país, como vimento Comunitário seria
uma estratégia aplicável so-
os elementos acima coligidos demonstram claramente. o que leva a pôr de bretudo para fazer face a si-
lado qualquer perspectiva miserabilista sobre o ensino destas matérias44 . tuações de pobreza.

107
© Universidade Aberta
Da análise dos documentos acima referenciados parece portanto poder
concluir-se que o Desenvolvimento Comunitário se tem vindo a assumir como
uma eficaz e eficiente estratégia de intervenção à escala meso e macro.

Actividade 4.6

1. Procure fazer uma listagem dos projectos de desenvolvimento


comunitário da área onde habita ou onde trabalha (freguesia, bairro,
concelho...). Enquadram-se nalguma das temáticas atrás referidas?
Em que estilo de intervenção (tipologia de Rothman) se enquadram?

2. No centro de documentação da instituição onde se situa o seu centro


de apoio, faça um levantamento dos títulos que tenham referências
ao trabalho comunitário (exemplos de descritores: comunidade,
trabalho comunitário, desenvolvimento comunitário, organização
comunitária, serviço social de comunidades, etc).

3. Na Internet procure sites com a designação "Desenvolvimento


Comunitário". Faça um breve comentário ao resultado da sua
pesquisa.

6. Em síntese

A unidade começou com uma reflexão sobre o papel do domínio


teórico-conceptual para o entendimento da realidade. Seguidamente
discutiram-se alguns conceitos-base como o de problema social,
desenvolvimento, comunidade, organização comunitária, serviço social de
comunidades e Desenvolvimento Comunitário. Seguiu-se a apresentação de
cinco casos paradigmáticos de projectos de Desenvolvimento Comunitário,
realizados à escala nacional, regional e local . A unidade terminou com a
apresentação das tendências actuais do desenvolvimento comunitário.

108
© Universidade Aberta
Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da
unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer


ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

Leituras complementares

ANDER-EGG, E.
1980 Metodologia y Practica del Desarrollo de la Comunidad,
Tarragona, UNIEUROP (10ª ed.).

BAPTISTA, Myriam V.
1973 Desenvolvimento da Comunidade, S. Paulo, Cortez e Moraes
(3ªed.).

CARMO, H.
1995 Educação para o desenvolvimento: um imperativo estratégi-
co, in Poder e sociedade. Jornadas interdisciplinares (Actas),
Lisboa, Universidade Aberta.
1997 Ensino Superior a Distância: contexto mundial, Lisboa, Uni-
versidade Aberta.
1998 O Desenvolvimento Comunitário no dobrar do Século, in Po-
lítica Social, Lisboa ISCSP.

CASTELS, Manuel
2003 Identidades territoriais: a comunidade local, in O poder da
identidade, Lisboa Fundação C. Gulbenkian, pp 72-82.

109
© Universidade Aberta
JACOBSON , Michael. e HEITKAMP, Thomasine
1995 Working with communities, in Johnson, H. Wayne 1995, The
social services: an introduction, Itasca, Illinois,F.E.Peacock
Publishers.

NOWAK, Jürgen
2001 O trabalho social de rede: a aplicação das redes sociais no
trabalho social, in Mouro, Helena e Simões, Dulce, (coord) 2001,
100 anos de serviço social, Coimbra, Quarteto.

PNUD (Coord. de Mahbub ul Haq)


1990-1993, Rapport Mondial Sur le Developpement Humain, Paris, PNUD/
Economica.

RUBINGTON, Earl e Weinberg, Martin (ed.)


1995 The study of social problems: seven perspectives, New York,
Oxford University Press.

SILVA, Manuela
1962 Desenvolvimento Comunitário: uma técnica de promoção so-
cial, Lisboa, Associação Industrial Portuguesa.

STEER, Andrew et al.


1992 Informe Sobre el Desarrollo Mundial 1992 - Desarrollo y
Medio Ambiente, Washington, Banco Internacional de
Reconstruccón y Fomento/Banco Mundial.

110
© Universidade Aberta
5. Antropologia aplicada e desenvolvimento comunitário

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. Evolução dos interesses dominantes da Antropologia Aplicada


1.1 O que é a antropologia Aplicada?
1.2 A Antropologia Aplicada no Reino Unido
1.3 A Antropologia Aplicada nos Estados Unidos
1.4 A Antropologia Aplicada em Portugal

2. Valor da contribuição da antropologia para o trabalho comunitário


2.1Valor político
2.2 Valor cognitivo
Caso 5.1 - O erro de Squillachi e o engenho de Arandas (Espanha)
Caso 5.2 - Negociações num motim (Coreia)
2.3 Valor prático
Caso 5.3 - Fogões na Índia e no Irão
Avaliação final

3. A questão da pobreza e o contributo da Antropologia

3.1 Actualidade da questão na Agenda internacional

3.2 Aspectos conceptuais: a pobreza como carência e como presença

3.3 Caso 5.4: A experiência do CASU

4. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

113
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a

• definir Antropologia Aplicada (AA), aculturação, assimilação


integração e subcultura;

• identificar os períodos de evolução da AA;

• descrever as principais contribuições de antropólogos britânicos no


campo da AA;

• descrever as principais contribuições de antropólogos norte-americanos


no campo da AA;

• descrever as principais contribuições de antropólogos portugueses no


campo da AA;

• discutir o valor político-doutrinário da contribuição da AA para o


trabalho comunitário;

• discutir o valor cognitivo da contribuição da AA para o trabalho


comunitário;

• discutir o valor metodológico da contribuição da AA para o trabalho


comunitário;

• discutir a inscrição do problema da pobreza na agenda internacional;

• discutir os conceitos que apresentam a pobreza como situação de


carência de recursos;

• discutir os conceitos que apresentam a pobreza como situação de


presença de uma configuração cultural com identidade própria;

• descrever as principais variáveis em jogo numa cultura de pobreza.

114
© Universidade Aberta
Nas primeiras unidades deste manual o leitor apercebeu-se dos principais Este cientista social fran-
1

cês notabilizou-se pelos seus


elementos em jogo em qualquer situação de intervenção social em estudos sobre religiões e so-
comunidades e estudou algumas características societárias que influenciaram bre etnopsiquiatria.

a evolução dos modelos de intervenção social através dos tempos. 2


Ver nota 1 da unidade 2.
3
Instrumentos desta políti-
Esse enquadramento permitiu-lhe, na unidade 4, entender com maior segurança ca foram as várias institui-
ções criadas para a forma-
o conceito de desenvolvimento comunitário no quadro semântico de um ção de administradores co-
conjunto de conceitos que lhe são contíguos, identificar as suas raízes e loniais, de que são exemplo
a École Coloniale de Paris,
princípios, diferenciar vários tipos que se têm observado no terreno, conhecer o Institut Colonial Interna-
alguns casos concretos e, finalmente, ter uma ideia de conjunto sobre os tional de Bruxelas, o Institut
Universitaire des Territoires
principais domínios de aplicação na actualidade. d’Outre-Mer en Anberes
(Bélgica), o Instituto Real
Nesta unidade e nas duas seguintes, irá estudar três campos do conhecimento dos Trópicos de Amsterdão
e a Escola Colonial de Lis-
que lhe permitirão, com alguma solidez, escorar teórica e metodológicamente boa.
a intervenção comunitária. Esses domínios são os da Antropologia Aplicada, 4
A acção missionária con-
da Sociologia de Intervenção e da Abordagem Sistémica. tribuiu de dois modos para
a formação de uma Antro-
pologia Aplicada: em pri-
meiro lugar com a informa-
ção de natureza etnográ-
fica recolhida pelos missio-
1. Evolução dos interesses dominantes da Antropologia Aplicada nários no terreno os quais
constituiam, frequentemen-
te, a melhor fonte de infor-
1.1 O que é a Antropologia Aplicada? mações para os investigado-
res alienígenas; e também
porque alguns desses mis-
sionários foram, eles própri-
Vulgarizado por antropólogos como Roger Bastide1 (1971) e George Foster2 os, excelentes investigado-
res. A volumosa obra dos
(1974) o termo Antropologia Aplicada designa um estilo de fazer Jesuitas no Oriente, Henri
Antropologia, que aplica o património de conhecimentos, técnicas e Junod, com o seu estudo
atitudes desta Ciência Social a projectos de mudança planeada. sobre os Tongas do sul de
Moçambique, Placide
Tempels com o seu trabalho
De acordo com George Foster (1974), ao longo da História da Antropologia pioneiro sobre a filosofia
Banta, Carlos Estermann
observa-se que as linhas de interesse dominantes da Antropologia Aplicada com a já clássica Etnografia
variaram substancialmente, de acordo com a conjuntura sócio-política, do SW de Angola. são exem-
plos desta contribuição.
podendo-se tipificá-las em três períodos distintos:
5
Considera-se aculturação
· até à primeira guerra mundial, em que a Antropologia foi chamada a o processo de contacto en-
tre duas ou mais diferentes
apoiar a administração colonial3 e a acção missionária4 ; culturas daí decorrendo
efeitos de assimilação da
· entre as duas guerras, em que se debruçou predominantemente sobre cultura dominada pela do-
minante, combinação das
os processos de aculturação5 , decorrentes, em grande medida, da culturas em presença sob a
rápida concentração de populações em cidades africanas, fruto da forma de uma cultura resul-
tante (integração) ou for-
conjugação do êxodo rural de regiões deprimidas com o efeito de mação de situações de coe-
atracção desses centros populacionais em fase de industrialização; xistência no mesmo espaço
de uma cultura dominante
com unidades identitárias
· após a segunda guerra mundial, em que se especializou ao serviço de menores (subculturas) sob
diversos programas públicos e privados; inicialmente foram as a forma de configurações
pluralistas. Para um melhor

115
© Universidade Aberta
enquadramento nestes e agências especializadas das Nações Unidas, então criadas6 , que
noutros conceitos básicos
das Ciências Sociais, suge- contribuiram para essa tendência; mais recentemente com a criação de
re-se a consulta de Dicioná- diversas organizações não governamentais (ONGs) e de empresas
rios de especialidade. Entre
os mais acessiveis no mer- transnacionais registou-se um acrescido interesse pela contribuição da
cado recomendam-se os se- Antropologia para a resolução de problemas de ordem prática ocorridos
guintes: Boudon, Raymond
et al. (coord.), 1990, Dici- em vários domínios7 .
onário de Sociologia, Lis-
boa, D.Quixote; Marshall,
Gordon, 1994, The concise
Oxford dictionary of
Sociology, Oxford/New
York, Oxford University 1.2 A Antropologia Aplicada no Reino Unido
Press; Panoff e Perrin,
1973, Dicionário de
Etnologia, Lisboa, Edições
70.
Já durante a segunda metade do sec. XIX a contribuição dos antropólogos
havia sido solicitada no âmbito da luta contra a escravatura. Foi, no entanto,
6
De facto a Organização com a necessidade de operacionalizar a doutrina definida na Conferência de
Mundial de Saúde (OMS),
a Organização das Nações
Berlim que obrigava as potências coloniais à ocupação efectiva dos territórios,
Unidas para a Educação, a que este ramo da Antropologia se evidenciou.
Ciência e a Cultura
(UNESCO), a Organização
para a Alimentação Agricul-
tura (FAO), o Fundo das
NNUU para a Infância Antes e durante a primeira guerra mundial
(UNICEF) e outras, tiveram
um papel marcante no de-
senvolvimento da Antropo-
No Reino Unido isto foi particularmente evidente nos primeiros anos do século
logia Aplicada no pós-guer- XX, em que a necessidade de resolver problemas práticos de administração
ra, por se haverem assumi-
do como empregadores de
local, que exigia um conhecimento profundo dos usos, costumes e idiomas
antropólogos e financia- das populações administradas, esbarrou com a ignorância generalizada dos
dores de projectos.
administradores. Esta circunstância motivou quase todas as grandes figuras
7
Com o aumento da visibi- da antropologia britânica a articular a sua curiosidade académica com os
lidade do fenómeno desafios postos pela política colonial de administração indirecta:
multicultural, os cientistas
sociais e os antropólogos em
particular têm sido chama- seria muito difícil citar uma obra de antropologia de primeira ordem
dos a dar o seu contributo durante a época clássica, que não tivesse ligação directa ou indirecta
como consultores técnicos.
com “necessidades” administrativas. Todos os grandes antropólogos
Cfr. Rocha-Trindade, M.
Beatriz, coord., 1996, Edu- britânicos, exceptuando talvez Radcliffe-Brown, foram chamados em
cação intercultural de graus diversos a dedicar-se à antropologia aplicada (Leclerc, 1973:
adultos, Lisboa, Universi-
dade Aberta. 85).

A consciência deste problema levou Sir Reginald Wingate, governador do


Sudão a defender a indispensabilidade de formar os funcionários da
administração colonial britânica no domínio da Antropologia. No seguimento
desta tese, em 1908, foi assinado um Protocolo entre a Administração Colonial
e as Universidades de Oxford e de Cambridge de acordo com o qual estas
Universidades passaram a oferecer um programa de formação de
administradores, nos campos acima referidos ( Foster, 1974: 277).

116
© Universidade Aberta
Foi ao abrigo desse acordo que cientistas sociais como Seligman8 , Evans Este antropólogo britâni-
8

co, médico de formação ini-


Pritchard9 e Nadel10 fizeram vários estudos no terreno sobre diversas etnias. cial, fez trabalho de campo
na Nova Guiné, Ceilão e
Em consequência da dificuldade de aplicação do sistema de Administração Sudão. Foi ao serviço do
governo deste território que,
indirecta aos Ibos, Thomas foi contratado pela Administração da Nigéria, em juntamente com a sua mu-
1908, com o objectivo de estudar aquele grupo étnico. Em 1909 Seligman lher Brenda, produziu estu-
dos (1909-1922) de grande
fez um levantamento etnográfico do Sudão a pedido da Administração daquele interesse para a administra-
território. ção local.

9
Professor da Universidade
Enquanto decorria a primeira guerra mundial (1915), foram feitos no território de Oxford, com trabalhos
da Nova Guiné estudos sobre os Papuas. Quatro anos mais tarde (1919) foi de campo sobretudo feitos
em territórios africanos
criada na Cidade do Cabo a primeira Cátedra de Antropologia Banto (Sudão, Zaire, Quénia,
enquanto que no Departamento de Estudos Indígenas era criada uma secção Etiópia e outros, este antro-
pólogo notabilizou-se pelos
antropológica. É também dessa época (1920) que data o primeiro estudo seus estudos ao serviço da
sobre os Ashanti na Costa do Ouro (Ghana). administração colonial.

10
Este antropólogo britâni-
co, ficou conhecido pelos
trabalhos de Antropologia
O período entre guerras Aplicada que realizou, na
Nigéria e no Sudão, ao ser-
No período entre-guerras, como atrás foi referido, a aplicação da Antropologia viço do governo britânico.
fez-se sentir com maior evidência em contextos de aculturação, tanto no que
respeitava ao estudo sobre o impacto da mudança nas culturas tradicionais, 11
O termo pretendia desig-
nar a situação de vazio cul-
como em investigações sobre o então chamado fenómeno da destribalização11 tural (anomia em termos
dos contingentes populacionais que se começaram a concentrar nas cidades durkheimianos), decorren-
te do abandono dos pa-
após fugirem das condições adversas (fome, guerra ...) dos locais onde viviam. drões culturais tradicionais
(das suas comunidades de
Após a segunda guerra mundial e com os processos de descolonização a AA origem) sem substituição
por novos padrões culturais.
britânica praticamente deixou de ter expressão significativa. Este fenómeno observável
em diversos contextos mi-
gratórios noutras zonas do
globo, teve em África esta
designação pelo facto de fre-
quentemente a comunidade
1.3 A Antropologia Aplicada nos Estados Unidos de origem corresponder a
uma tribo. Como veremos
adiante, a noção de vazio
cultural escondia frequen-
Enquanto na Europa a Antropologia era posta ao serviço da administração temente a ignorância dos
colonial, nos Estados Unidos os antropólogos dirigiam os seus olhares para o observadores relativamente
à formação de subculturas
estudo de culturas alienígenas, através de trabalhos de campo bem delimitados, marginalizadas. Cfr. Castels
como resposta aos excessos da corrente evolucionista unilinear do século XIX, (2003: 72-82).
que havia desenvolvido grandes teorias dedutivas sobre a evolução do Homem
sem grande fundamentação empírica.

117
© Universidade Aberta
Antes da segunda guerra mundial

Tal movimento foi protagonizado por antropólogos como Franz Boas e pelos
12
O estudo de Ruth Benedict
seus discípulos (ex:Herskowits, Lowie, Sapir, Ruth Benedict, Margaret Mead)
sobre os padrões de cultura que, no período entre as duas grandes guerras se dedicaram ao estudo de
dos Kwakiutl da Colúmbia
Britânica (Canadá) e dos
pequenas comunidades culturalmente homogéneas tanto em território
Pueblo do Arizona e Novo americano12 como noutras paragens13 numa perspectiva monográfica. A
México (1934, Patterns of
culture, N. York) é um
excepção parece ter sido o conjunto de trabalhos de campo integrados na
exemplo paradigmático. estratégia de aplicação aos índios, da política do New Deal (Foster, 1974:
299).
13
Vide por exemplo, Mead,
M. . 1968, Coming of age
in Samoa, N. York, William
Morrow & Company, 1º ed.
de 1927; 1970, Growing up Durante a 2ª guerra mundial
in New Guinea N. York,
Dell, 1º ed. de 1930; 1963, A situação descrita alterou-se substancialmente com o começo da segunda
Sex and temperament in
three primitive societies, N. guerra mundial e com as consequentes necessidades de entender diferentes
York, Dell, 1º ed. de 1935; locais e gentes. De acordo com a nova conjuntura, os serviços dos antropólogos
1971, New lives for old:
cultural transformation - foram procurados por muitos departamentos das Forças Armadas,
1928-1953, , N. York, Dell, nomeadamente nos seguintes domínios:
1º ed. de 1956.

• apoio na elaboração de manuais de sobrevivência, para a Força


aérea e forças especiais que tinham (ou poderiam vir a ter) de sobreviver
em zonas desconhecidas (ex: selva tropical); como consultores para a
elaboração desses manuais, os antropólogos revelaram-se preciosos,
pelos conhecimentos que dispunham àcerca das estratégias de
sobrevivência dos povos desses territórios (procura e conservação de
água e alimentos, construção de abrigos, etc.);

• estudos para compreender o comportamento do inimigo; neste


âmbito ficou célebre o estudo de Ruth Benedict sobre a cultura
japonesa, elaborado em condições particularmente adversas:

Se Ruth Benedict (1887-1948), figura de proa da Antropologia Cultural


americana, tivesse sido contactada para fazer um estudo sobre a cultura
japonesa por uma qualquer instituição académica numa altura em que
o Japão e os Estados Unidos não estivessem em guerra, provavelmente
teria feito um trabalho bem diferente do que resultou do seu clássico
14
Um exemplo poderá cla- O Crisântemo e a Espada. O facto desta obra lhe ter sido encomendada
rificar o que foi afirmado: pelo Estado Maior Americano durante a Segunda Guerra Mundial,
contrariamente ao soldado
ocidental que, quando em com o intuito de entender o comportamento dos soldados japoneses
situação militar de derrota nos teatros de operações, considerado então paradoxal14 , impôs-lhe
eminente, apresentava uma
baixa motivação para com-
um conjunto de condicionamentos, de entre os quais se salientam, do
bater, o militar japonês pa- ponto de vista metodológico, (ter sido) obrigada a não utilizar a técnica
recia ganhar combatividade, designada como observação participante, habitual em investigação
situação que tinha rvidentes
efeitos negativos em termos antropológica (...); em sua substituição, teve de recorrer a uma
de baixas nos aliados. engenhosa combinação de entrevistas a informadores qualificados e a

118
© Universidade Aberta
cidadãos americanos de origem japonesa, à análise de conteúdo das
emissões de propaganda da Rádio Tóquio, e ainda, a uma árdua
pesquisa de natureza documental (Carmo, 1997: 156-157).

• treino de quadros para administrar zonas ocupadas, à medida que


o avanço aliado se ía definindo, o que permitiu um controle inteligente 15
Relativamente ao Japão
das referidas zonas sem o recurso à humilhação das populações dos um exemplo claro desta po-
lítica conhecedora dos pa-
países vencidos, nomeadamente do Japão e da Alemanha15 . drões de cultura dos venci-
dos foi a que consistiu em
destruir os centros de poder
económico-militares conhe-
Depois da 2ª guerra mundial cidos por Zaibatsus, sem no
entanto tocar na figura do
imperador, que representa-
Depois da querra, a Antropologia Aplicada americana tem vindo a dedicar-se va a unidade do Estado. No
caso alemão, o conhecimen-
a diversos serviços especializados em diversos domínios (Foster, 1974: 309- to da cultura alemã, permi-
317): tiu uma mais rápida
desnazificação das estrutu-
• colaboração em programas de agências especializadas das NNUU ras sociais. Sobre este últi-
mo processo há uma inte-
(vide supra) e em programas de agências governamentais no âmbito ressante narração romance-
ada do ficcionista Leon
da cooperação com países da América Latina, nomeadamente no Uris, intitulada Armagedão
campo da saúde pública e do desenvolvimento rural; (Lisboa, Europa América).

• consultoria aos serviços da marinha e, mais tarde à administração civil, 16


Cfr. Bilhim, J., 1991, Cul-
em matéria de administração dos territórios da Micronésia, tura organizacional: Moda
ou Paradigma, “Lusíada,
ocupados durante a guerra; Revista de Ciência e Cultu-
ra”, Lisboa, Universidade
• apoio a programas de Desenvolvimento Comunitário promovidos Lusíada, Série de Gestão,
(1), Abril, pp. 63-84.
por organizações não governamentais (ONGs) de vocação
transnacional; 17
Veja o ponto 5.2. Sobre a
contribuição específica do
• mais recentemente apoio à gestão de empresas (por exemplo no âmbito ISCSP como instituição pi-
de estudos sobre cultura organizacional16 ). oneira no domínio da An-
tropologia Aplicada vide
Barata, O. S., 1996, Os 90
anos do ISCSP: dos estu-
dos coloniais ao desafio do
Sul, in ISCSP - 90 anos:
1906-1996, Lisboa, ISCSP/
1.4 A Antropologia Aplicada em Portugal UTL.

Em complemento ao que foi referido no capítulo anterior17 . listar-se-ão 18


Como atrás se referiu a
AA portuguesa teve moti-
seguidamente, de forma topicalizada, alguns domínios e exemplos de obras vações semelhantes às ob-
que caracterizam a contribuição da Antropologia Aplicada portuguesa18 . servadas no Reino Unido.

119
© Universidade Aberta
Aplicações
Algumas obras ilustrativas
dominantes
• Martins, M. Morais, 1958, Contacto de culturas no Congo português
(Achegas para o seu estudo), Lisboa, Junta de Investigações do
Aculturação Ultramar.CEPS, 166 pp.
• Monteiro, Ramiro L., 1973, A família nos muceques de Luanda,
Lisboa, ISCSP/UTL..
• Almeida, P. V. ,1968, Irrigação e Cooperativismo, Lisboa, CEPS,
237pp.
• Fonseca, I., 1987, Impacto sócio-cultural da barragem do Alqueva
na Freguesia da Luz, EPS (3-4).
• Franco, C. G., 1966, Da utilidade e viabilidade dos métodos de
Desenvolvimento Comunitário em programas de promoção sócio-
Desenvolvimento
económica em algumas regiões de Angola, Lisboa, ISCSPU, 176 pp.
rural
• Moreira, C.D., 1988, A entreajuda e a cooperação em meio rural,
EPS (3-4), pp 49-76.
• Neto, J.P., 1988 Desenvolvimento e mudança cultural, EPS (1-2), pp
39-132.
• Possinger, H., 1970, Extensão rural, EPS (1-2), pp 65-84.
• Trigo de Morais, 1964, O colonato do Limpopo, EPS (2).
• Carmo,H., 1996, A educação para o Desenvolvimento num contexto
Educação de diversidade, in Olhares sobre a diferença. Jornadas de
Antropologia, ISCSP/UTL, 22-24- Abril de 1996.
• Bilhim,João F., 1988, Cultura Organizacional: estudo do Instituto
de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC), Lisboa,
Organizações ISCSP/UTL.
• Bilhim, João F.,1993, Factores Organizacionais do Sistema
Português de I&D, Lisboa, ISCSP/UTL..
• Castro Coelho, 1965, Aspectos da política de povoamento em
Moçambique, EPS (2), pp 425-486.
• Rolo, J., 1966, Reordenamento rural em Angola, Lisboa, ISCSPU,
Ordenamento do 158 pp.
território • VVAA, Lisboa, Colóquios sobre problemas de povoamento Junta de
Investigações do Ultramar.CEPS, 156 pp.
• VVAA, Lisboa, Colóquios sobre problemas humanos nas regiões
tropicais Junta de Investigações do Ultramar.CEPS, 125 pp.
• Carmo,A. 1997, A igreja católica na China e em Macau no contexto
Pastoral do SE asiático: que futuro?, Macau, Fund. Macau/Instit. Cultural de
Macau/Inst. Português do Oriente.
• Fernandes,
J.A., 1966, A mulher africana. Alguns aspectos da sua
Promoção
promoção social em Angola EPS (2), pp 575-684 e EPS (3), pp 1027-
da mulher
1096.
• Neto,J.P., 1967, O especialista em Ciências Sociais perante o
Saúde pública
problema da saúde pública EPS (1), pp 25-36.
• Mendes, Afonso, 1958, A Huila e Moçamedes (Considerações sobre o
trabalho indígena), Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar.CEPS,
208 pp.
Trabalho
• Neto, José P, 1964, O Baixo Cunene. Subsídios para o seu
Desenvolvimento, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar.CEPS,
217 pp.

Figura 5.1 - Aplicações dominantes e obras ilustrativas da AA portuguesa.

120
© Universidade Aberta
Actividade 5.1

1. Escolha uma zona que conheça bem (por exemplo o bairro,


freguesia ou concelho, onde reside, onde trabalha ou onde
habitualmente passa férias).

2. Procure listar os contributos que a AA poderia dar para a melhoria


da qualidade de vida dos seus residentes.

2. Valor da contribuição da antropologia para o trabalho


comunitário

Com alguma informação sobre os interesses dominantes que condicionaram o


desenvolvimento da Antropologia Aplicada (AA) em diversos países, estamos
em condições de reflectir sobre o valor acrescentado que este ramo de
conhecimento trouxe para a qualidade do trabalho comunitário. Seguindo
o pensamento de Foster (1962: 163-240) e de Leclerc (1973: 81-97) podemos
organizar a discussão de acordo com três dimensões: política, cognitiva e
prática.

2.1 Valor político

Do ponto de vista político-doutrinário muito se tem criticado a AA pelo


frequente etnocentrismo do seu ponto de vista e por inúmeras vezes ter sido
posta ao serviço de potências dominantes, em contexto colonial, em situações
de conflito armado e, mais recentemente, em conjunturas neocoloniais. A nosso
ver a crítica é correcta naquilo que afirma, mas injusta no que ignora.

Com efeito se é certo que a AA foi muitas vezes instrumentalizada pelas


potências coloniais e imperiais, não é menos verdade que, nesse mesmo
contexto, o trabalho dos cientistas sociais proporcionou o conhecimento de
outras culturas e contribuiu de forma decisiva para a formação de um
pensamento universal descentrado do eurocentrismo inicial.

Esta ambivalência do papel do cientista social resulta do espaço de


autonomia que este possui, por ser portador de um poder que o seu
empregador não domina, o saber que lhe advém da sua formação académica.

121
© Universidade Aberta
Deste modo, a contribuição da AA não se circunscreveu a uma mera
engenharia social instrumentalizada pelos poderes dominantes ao serviço de
uma dada prática política (policy), mas assumiu-se também como consciência
crítica mais ou menos distanciada dessa prática (politics), reivindicando o
direito de ter um estatuto autónomo nos sistemas-interventores e de ser
ouvida nos processos de tomada de decisão.

Esta permanente tensão entre os interesses da administração e os interesses


dos antropólogos pode ser observada em diversos escritos tanto de algumas
das principais figuras da Antropologia Aplicada clássica, por exemplo Evans
Pritchard, Malinowski e Nadel (Leclerc, 1972: 92-94), como de antropólogos
naturais dos territórios dependentes (Leclerc, 1972: 153-158), tais como o
queniano Jomo Kenyata (1937, Facing Mount Kenya) ou o senegalês Cheikh
Anta Diop (1954, Nações negras e cultura e 1959, A unidade cultural da
África negra).

Um outro aspecto frequentemente ignorado pelos críticos da AA foi o conjunto


de repercussões a médio e longo prazo desta prática científica, nomeadamente
na formação de uma consciência anticolonialista e na sedimentação dos
Direitos Humanos expressos na Carta das Nações Unidas.

É necessário (...) distinguir a utilização imediata dos conceitos da


antropologia clássica, que a situa no interior do processo colonial, e
as repercussões ideológicas a longo termo, fora da esfera
administrativa e científica. Sob este ponto de vista a antropologia é
um dos elementos que anunciam e preparam o desmoronar da ideologia
até então dominante no Ocidente (o colonialismo). Designaremos por
“anticolonialismo” a atitude geral que tornou possível utilizar para
esse fim conceitos e material empírico da antropologia (Leclerc, 1972:
129-130).

Em 1947 o Gabinete executivo da American Anthropological


Association submete à Comissão dos Direitos do Homem das Nações
Unidas um Projecto de Declaração: “dado o grande número de
sociedades que entraram em contacto directo no mundo moderno e a
diversidade dos seus modos de vida, a tarefa que se apresenta àqueles
que desejam redigir uma Declaração dos direitos do Homem, consiste
essencialmente em resolver o seguinte problema: como poderá a
declaração proposta ser apreciável a todos os seres humanos e não ser
uma declaração de direitos concebida unicamente em termos dos
valores dominantes nos países da Europa ocidental e da América?”
(Leclerc, 1972: 141).

Em resumo, se a AA foi usada pelos poderosos do mundo para manter o seu


poder, foi também um vigoroso instrumento de consciencialização da unidade
do género humano e, por vezes, uma ferramenta ao serviço da libertação dos

122
© Universidade Aberta
povos oprimidos19 . Em termos político-doutrinários duas contribuições Vide a este propósito, a
19

importância que a AA teve


merecem realce: no pensamento de Paulo
Freire (unidade 6) e na de-
• a de ter permitido demonstrar que não há culturas superiores nem finição de programas de
educação intercultural (uni-
inferiores, mas apenas diferentes estádios de desenvolvimento dade 9).
tecnológico a que não correspondem situações análogas de
desenvolvimento social;

• a de que a mudança é sempre um instrumento, nunca um fim em


si mesmo, podendo uma dada realidade social mudar para melhor ou
para pior.

2.2 Valor cognitivo

Na unidade 2 procurou-se desenhar um modelo que retratasse uma qualquer


intervenção social. Afirmou-se que a intervenção social é uma situação em
que um dado sistema-interventor (que se assume como recurso e não como
principal protagonista) interage com um dado sistema-cliente, emoldurado por
condicionalismos ambientais, com vista a ajudá-lo a responder a necessidades
sociais. Para que o processo de ajuda seja eficaz e eficiente, também dissémos,
é fundamental um profundo conhecimento do sistema-cliente e também uma
consciência da cultura do sistema-interventor.

É aqui que reside a principal contribuição de natureza cognitiva da AA:


Com efeito, este ramo das Ciências Sociais dota o interventor de conhecimentos
indispensáveis ao entendimento das comunidades onde trabalha e previne-o
contra eventuais preconceitos que possa ter na sua prática profissional,
decorrentes de elementos culturais que tenha interiorizado no seu processo de
socialização. Os dois casos seguidamente contados por Foster (1963) mostram
bem a vantagem de conhecer a cultura do Outro para se poder ser eficaz na
intervenção.

Caso 5.1 O erro de Squillachi e o engenho de Arandas (Espanha)

Em várias ocasiões da história da Espanha o governo, como ajuda para a


investigação criminal, tentou proibir os homens e as mulheres de cobrirem os
rosto com capas, chapéus de abas caídas, xailes ou charpas. Em 1766 o rei
Carlos II, por instigação do seu impopular primeiro-ministro siciliano Squillaci,
fez uma Ordem Real proibindo os soldados e os funcionários do governo de

123
© Universidade Aberta
usarem capa longa e chapéus de abas largas, ordem que subsequentemente se
estendeu ao público em geral. O furor resultante é conhecido na história como
o motim de Squilacci, e resultou na expulsão do odiado estrangeiro. O seu
sucessor espanhol, o conde de Arandas, conquanto simpatizasse com as
restrições no vestuário, revogou a ordem. Conseguiu o seu objectivo facilmente
tornando a capa comprida e o chapéu de abas largas o uniforme oficial do
carrasco (Foster, 1963: 181).

Caso 5.2 Negociações num motim (Coreia)

Durante a guerra da Coreia, no princípio da década de 1950, tropas indianas


supervisavam a repatriação de prisioneiros chineses em poder dos aliados. Os
que desejavam ser mandados para a sua terra eram separados das tropas
anticomunistas que desejavam permanecer na Coreia do Sul. Numa ocasião
um major indiano e vários soldados indianos foram aprisionados por prisioneiros
anticomunistas amotinados e mantidos como reféns dentro do cercado por
espaço de noventa minutos. Os ânimos serenaram e os reféns foram postos
em liberdade depois do comandante indiano, o General S. P. P. Thorat ter
entrado corajosamente no cercado e perguntado aos surpreendidos prisioneiros
chineses: Que espécie de chineses são vocês? Onde está a vossa hospitalidade?
Não ofereceram aos meus homens nem chá nem cigarros! Os prisioneiros
surpreendidos recuaram e, depois de alguns minutos voltaram com chá, cigarros
e, finalmente com o major e seus homens. O General Thorat disse que “foi
tocado o sentimento de hospitalidade” dos prisioneiros pela sua inesperada
declaração e que eles lhe pareceram completamente estupefactos”

Num e noutro caso foram aplicados conhecimentos empíricos dos interventores


sobre a cultura dos Outros: no primeiro caso o conde de Arandas sabia que a
figura do carrasco era temida e odiada: aproveitando esse conhecimento, previu
(e bem) que a mudança do traje do carrasco iria produzir, por reacção negativa,
uma alteração natural da moda do vestuário embuçado; no segundo caso, o
conhecimento que o General possuia do valor da hospitalidade na cultura dos
prisioneiros, permitiu-lhe aquele comportamento aparentemente absurdo, que
se revelou de grande eficácia, possibilitando-lhe o diálogo com os amotinados.

Um dos maiores valores que a AA tem para o trabalho comunitário reside,


justamente no capital de conhecimentos sobre a cultura do Outro o que

124
© Universidade Aberta
permite uma evidente empatia na interacção. Tal capital traduz-se em quatro
tipos de saberes (figura 5.2):

• sobre a cultura do sistema-cliente (A, B, ...);

• sobre a cultura do sistema interventor (1, 2, ...);

• sobre os eventuais pontos críticos resultantes do contacto das duas


culturas (simbolizado pelas notações alfanuméricas), que podem
constituir obstáculos à mudança pretendida (Ex: B2);

• sobre os eventuais pontos a explorar20 resultantes de convergências 20


Para os estudantes que se-
de elementos culturais (valores, padrões) das duas culturas, que podem jam praticantes de judo es-
tes pontos a explorar asse-
assumir-se como estímulos à mudança (Ex: CN). melham-se à pega que os
dois judocas utilizam em
combate: trata-se de um
ponto de aplicação de for-
ças para provocar o
Padrões de cultura do desequilíbrio, neste caso no
Padrões de cultura do sistema-cliente (SC)
sistema interventor sentido da mudança preten-
(SI) A B C etc dida.

1 A1 B1 C1
2 A2 B2 C2
3 A3 B3 C3
.... … … …
N AN BN CN

Figura 5.2 - Matriz de conhecimentos do antropólogo num processo


de intervenção social.

2.3 Valor prático

Procurando explicar o valor da Antropologia no quotidiano de um projecto de


intervenção social, George Foster (1963: 197-216) refere quatro momentos
em que o seu contributo é particularmente importante:

Fase de pré-estudo

Na fase inicial da vida de um projecto, caracterizada pela sua natureza


exploratória, o contributo prático do antropólogo (nós diríamos de qualquer
cientista social) reside na recolha de dados disponíveis sobre o sistema-cliente,
numa perspectiva monográfica, a fim de poder formar um quadro de
referência.

125
© Universidade Aberta
Definidas as características globais do sistema-cliente, cabe ao antropólogo
proceder ao estudo mais detalhado dos elementos da cultura do sistema-
21
Por exemplo no caso de cliente que possam ter relação com o projecto de intervenção21 .
um projecto de educação
para a saúde estudar mais
detalhadamente os padrões
de comportamento habitu-
ais (de higiene, nutrição, Fase de planeamento
prevenção da saúde em ge-
ral, padrões de actuação face Nesta fase o antropólogo pode colaborar em três tipos de tarefa:
à doença, etc.).
• operacionalização do problema e discussão do programa de
intervenção daí decorrente;
• análise dos obstáculos que provavelmente se irão encontrar, de acordo
com o conhecimento global do sistema-cliente;
• recomendação de medidas para a ultrapassagem de tais obstáculos.

Fase de análise continuada

Ao longo do período em que decorrer a intervenção o antropólogo deve


funcionar como olhos e ouvidos do sistema-interventor a fim de proceder à
detecção precoce de incidentes críticos e propor as devidas correcções de
intervenção.

Caso a detecção seja tardia, o antropólogo poderá funcionar como consultor


para diagnosticar a situação e preconizar medidas correctivas, como o caso
que se relata a seguir ilustra bem (Foster, 1963: 80-81).

Caso 5.3 Fogões na Índia e no Irão

Em projectos de saúde pública realizados na Índia e Irão observou-se a


ocorrência de doenças respiratórias e inflamações oftalmológicas, em virtude
do modo como eram feitas as refeições: com efeito, o facto de estas serem
confeccionadas no interior das habitações, com sistemas de aquecimento a
lenha e sem chaminés, fazia com que o fumo se desenvolvesse em grande
quantidade, sendo o principal causador dos referidos problemas de saúde.
Quando as equipas pretenderam introduzir fogões com sistemas de exaustão
do fumo através de chaminé, defrontaram forte resistência. Chamado a
diagnosticar a situação o antropólogo descobriu que o fumo tinha a função
benéfica de afastar os insectos dos telhados de colmo, entre os quais o perigoso
anofeles propagador da malária. A recomendação consistiu em propor a
mudança em simultâneo dos telhados e dos fogões.

126
© Universidade Aberta
Avaliação final

No final de cada projecto é indispensável proceder à sua avaliação. Neste


importante momento o papel do antropólogo consiste em ajudar a equipa a
identificar os valores e contravalores do projecto, discutir como os obstáculos
identificados foram removidos e capitalizar experiência através do registo da
experiência. Esta função de cronista da intervenção é extremamente
importante e merece ser sublinhada: o péssimo hábito de muitos interventores
sociais não registarem as suas experiências faz com que frequentemente se
tenha de iniciar uma intervenção sem se beneficiar da experiência acumulada
de anteriores projectos.

Actividade 5.2

1. Releia o que escreveu na actividade 5.1.

2. Complete-a, aproveitando o que aprendeu no ponto 2: acha que uma


abordagem antropológica permitiria
- corrigir as políticas de intervenção? (por exemplo desmontando
esteriótipos sociais)
- conhecer melhor tanto o sistema-cliente como o interventor?
(procure encontrar exemplos justificativos)
- acompanhar melhor a intervenção no terreno? (justifique)

3. A questão da pobreza e o contributo da Antropologia

Nesta secção vamos examinar brevemente um problema de todos os tempos 22


Preferimos usar o termo
que a sociedade contemporânea ainda não conseguiu resolver - a pobreza22 - pobreza em vez exclusão
e procuraremos mostrar o contributo que a Antropologia deu para a diagnosticar social (cfr. capítulo 8), uma
vez que esta última abrange
e propôr estratégias de intervenção social. situações que não se inscre-
vem num quadro de pobre-
za, como muito bem defen-
de Bruto da Costa (1998:
12).

127
© Universidade Aberta
3.1 Actualidade da questão na Agenda Internacional

A alusão à pobreza e à ati- Sendo um problema de todos os tempos23 a questão da pobreza ganhou
23

tude perante os pobres é um


tema recorrente na literatu- particular relevância na actualidade devido à conjugação de vários factores,
ra que suporta todas as gran- agrupados em duas macrotendências:
des tradições religiosas, quer
seja difundida em suporte
escrito (Biblia, Alcorão, li- • o agravamento da qualidade de vida de substanciais massas
vros sagrados do Budismo, populacionais em virtude da explosão demográfica, de uma política
Induísmo, etc), quer através
da literatura oral nas cultu- de ajuda ao terceiro mundo com efeitos perversos de endividamento
ras ágrafas. nos países mais pobres, do consequente alargamento do fosso que
separa países ricos e pobres, da concentração de imigrantes pobres em
Os novos sistemas de ar- países ricos, da ocorrência de conflitos armados com recurso a meios
24

mas nem sempre se desti-


nam a provocar a morte do letais extremamente eficazes24 , dos efeitos das políticas neoliberais
adversário. A perversidade etc;
dos senhores da guerra ex-
plora diversos conhecimen-
tos seculares, nomeadamen- • a maior visibilidade da situação dada pelos meios de comunicação
te dois que têm tido efeitos social, acompanhada, no entanto, por fenómenos de nevoeiro
evidentes no empobreci-
mento das populações: informacional (sobre-informação, sub-informação e pseudo-
• por vezes, é melhor cau- informação)25 , o que tem por vezes condicionado os operadores de
sar feridos em vez de
mortos, ao uma vez que comunicação a desempenhar, voluntária ou involuntáriamente, o papel
aqueles atrasam os mo- de porta-vozes ou caixas de ressonância de esteriótipos, preconceitos
vimentos do inimigo en-
quanto que os segundos e medos.
são deixados no terreno;
• um inimigo com fome é Este posicionamento na agenda internacional pode ser facilmente ilustrado
um inimigo desmoraliza-
do pelo relatório da UNICEF de 199426 o qual identifica a pobreza como um dos
Alguns tipos de minas anti- quatro macro-problemas da humanidade, os quais interagem num processo
pessoais procuram atingir o
primeiro objectivo; as bom- de realimentação mútua. Esse processo, apresentado sob forma diagramada,
bas químicas desfolhantes, é identificado por espiral PPA (P de pobreza, P de população e A de
o segundo; ambos os tipos
de arma são objectivos ace- ambiente) a qual interage com uma quarta variável, a instabilidade (fig. 5.3).
leradores de pobreza. Conforme se observa no mesmo relatório (Grant, 1994: 49) a resposta a este
conjunto de problemas é complexa, apresentando-se sob a forma de uma espiral
25
Morin, 1981, cit in Carmo, ascendente (figura 5.4), que integra políticas de saúde e nutrição, de educação
1997: 78-79 e Carmo 1998,
39-40.
(com particular realce para o sexo feminino dada a discriminação existente),
de planeamento familiar e de luta contra os problemas equacionados pela
espiral PPA(I).
26
Grant, coord., 1994,
25-49.
A nível europeu, os diversos programas de luta contra a pobreza dão
igualmente testemunho da inscrição desta questão na agenda da União
27
Já existe vária bibliogra-
fia sobre o assunto que po- Europeia27 , o que mostra a sua relevância mesmo para alguns dos países mais
derá consultar no fim do industrializados do planeta. Para a sua visibilidade muito contribuiram os
manual em Bibliografia Ge-
ral. O objectivo aqui não é cientistas sociais de vários países entre os quais se situam vários antropólogos
tanto discutir o fenómeno com os seus trabalhos em comunidades pobres rurais e urbanas.
mas mostrar o contributo
dado pela AA para a sua
compreensão.

128
© Universidade Aberta
Fonte: Grant, 1994: 25

Figura 5.3 - Espiral PPA.

129
© Universidade Aberta
Fonte: Grant, 1994: 49

Figura 5.4 - Espiral ascendente.

130
© Universidade Aberta
3.2 Aspectos conceptuais: a pobreza como carência e como presença

Para diagnosticar um problema não basta observá-lo no terreno: é preciso


confrontar esses dados com o saber, sedimentado por várias gerações de
investigadores e sistematizado sob o formato de conceitos articulados entre si
em corpos teóricos mais ou menos complexos.

Quando Kurt Lewin, um dos pais da psico-sociologia, afirmava que não há


nada mais prático do que uma boa teoria, não caricaturava a realidade: de
facto, se considerarmos a economia de tempo e energias que uma boa teoria
proporciona às pessoas para poderem entender a realidade, percebe-se
facilmente o sentido da afirmação. Mas uma boa teoria tem de ser escorada
em bons conceitos que, por seu turno descrevem regularidades observáveis.
Sem bons conceitos não seria possivel a comunicação humana.

Para entender o fenómeno multifacetado da pobreza têm vindo a conceber-se


diversos conceitos que podemos agrupar em dois tipos não exclusivos: aqueles
que acentuam tratar-se de um fenómeno de carência de recursos de vária
ordem, e os que sublinham a presença de configurações de factores que lhe 28
Por exemplo Oscar Lewis,
conferem uma identidade própria28. cuja teoria adiante se des-
creverá em linhas gerais:
1968, A cultura da pobre-
za, in Blaustein e Woock,
1968, O homem contra a
A pobreza como carência pobreza, Rio de Janeiro,
Expressão e Cultura, pp
Num breve artigo de 198429 , Bruto da Costa sumarizou alguns conceitos úteis 353-368.

para a análise da pobreza (figura 5.5), os quais, mais tarde com Manuela Silva
(B. Costa, e Silva, 1985, 1989) iria aprofundar e submeter ao teste da Bruto da Costa, A., 1984,
29

Conceito de pobreza, “Es-


observação empírica30. tudos de Economia” (IV-3)
Abril-Junho.
Todos os conceitos referidos têm em comum estarem associados a situações
de carência, seja de acesso a recursos (alimentação, habitação, dinheiro, 30
Mais tarde Bruto da Costa
aprofundou a sua investiga-
etc.), seja de acesso a possibilidades de valorização das pessoas (educação, ção no seu doutoramento
serviços culturais, etc). intitulado O paradoxo da
pobreza: Portugal 1980-
1989 e em vários outros es-
Sem de modo algum menosprezar estes conceitos, que ajudam a tipificar o critos, como o que publi-
fenómeno, vejamos seguidamente uma contribuição complementar dada pela cou em 1998, Exclusões so-
ciais, Lisboa, Gradiva .
Antropologia, que ajuda a esclarecer e aprofundar o conceito de pobreza
subjectiva e a ressaltar a ideia da existência de estratégias de sobrevivência
configuradas por subculturas próprias.

131
© Universidade Aberta
Conceito Critério Descrição Situações
Pobreza Rendimento (R) Grupos ou pessoas portadores de um - Campos de
absoluta rendimento abaixo do qual não podem refugiados.
fazer a despesa mínima necessária à - B. Lata, favelas,
manutenção da vida. Distingue-se em muceques, etc
P. primária (R < mínimo necessário à
manutenção meramente física) e
P. secundária (R < despesas primárias
de habitação, transportes, etc.)
Pobreza Espaço Representação social da pobreza numa Ser pobre em
relativa (cultural) e dada cultura e num dado momento Portugal, hoje, é
Tempo histórico. diferente de o ser há
(histórico) 30 anos, e de o ser,
hoje, na Dinamarca
ou em Angola.
Pobreza Auto-imagem Representação da pobreza feita pelo O mesmo R tem
subjectiva prório,de acordo com a sua experiência diferentes
existencial de luta pela sobrevivência significados e usos
para os velhos
pobres ou para os
novos pobres.
Pobreza Norma Ex: considerar-se pobre aquele que Atribuição do
convencional tiver um R < X Rendimento Social
de Inserção.
Pobreza Extensão da Total: carece de todo o tipo de recursos - Famílias multi-
total/parcial carência carenciadas
Parcial: carece de alguns recursos - Famílias com
carências
delimitadas
Pobreza Duração Permanente: de longa duração - desempregados há
permanente/ mais de 1 ano
/temporária - desempregados
Temporária: situação conjuntural ou de recentes
curta duração

Fonte: Bruto da Costa, A., 1984

Figura 5.5 - Conceitos de pobreza.

A pobreza como presença

Um importante contributo para esta perspectiva do problema foi dado pelo


antropólogo norte-americano Oscar Lewis. Após o seu doutoramento (1940,
Universidade de Colúmbia), este académico dedicou-se ao estudo de
comunidades pobres do sul dos Estados Unidos e México tendo-se apercebido

132
© Universidade Aberta
que a pobreza tem tendência a desenvolver-se em sociedades que apresentam
as seguintes características:

• fortes assimetrias na qualidade de vida dos vários estratos sociais


em presença como as que se observam em sociedades em estádios
primários do capitalismo, em situações coloniais ou neocoloniais;

• dualismo económico, ocasionado pela tensão entre sistemas de


economia monetária com uma produção dominantemente voltada para
o lucro, em confronto com sistemas de economia de subsistência,
com a ocorrência de elevadas taxas de desemprego e subemprego;

• participação cívica socialmente desestimulada;

• existência de valores dominantes que estimulam a acumulação de


riqueza, favorecem o status económico e interpretam a pobreza como
um fracasso pessoal.

Aprofundando a sua investigação junto de comunidades muito pobres, através


de estratégias de observação participante e de análise de histórias de vida,
apercebeu-se que, no interior das culturas rural e urbana é identificável uma
subcultura de pobreza31 , a qual procurou caracterizar numa lista de perto de 31
Entende-se por subcul-
tura um subsistema de uma
sessenta elementos distintos, agrupados em quatro tipos de indicadores (figura cultura contextual, dotado
5.6) que pretendem descrever de uma identidade própria
(in Carmo 1998, Educação
• a relação da comunidade com o meio envolvente; intercultural e ensino a dis-
tância: A questão da for-
mação de formadores, Flo-
• a dinâmica intra-comunitária rença, inédito, p. 12). Lewis
escreveu diversas obras so-
• as características da família bre o assunto, a mais conhe-
cida das quais é Os filhos de
• as características individuais Sanchez, editado em portu-
guês pela Moraes e trans-
posto para o cinema com o
infeliz título Conflito de ge-
rações. A breve exposição
que se segue fundamentou-
se em Lewis, O., 1968, A
cultura da pobreza, in
Blaustein, A. e Woock
(organizadores), 1968, O
homem contra a pobreza:
III guerra mundial, Rio de
Janeiro, Expressão e Cultu-
ra, pp 353-369.

133
© Universidade Aberta
I - Relação com a sociedade envolvente II - Natureza da comunidade
1. Falta de recursos económicos 33. Más condições habitacionais
2. Medo 34. Amontoamento (sobrelocação)
3. Suspeita 35. Fraca organização
4. Discriminação 36. Consciência de pertença face ao
exterior
5. Apatia
6. Salários baixos III - Caracterização da família
7. Desemprego e subemprego crónicos 37. Ausência da infância, como fase
protegida
8. Rendimentos baixos 38. Iniciação sexual prematura
9. Ausência de posse de propriedades 39. Uniões livres em casamentos
consensuais
10.Ausência de posse de economias 40. Alta taxa de abandonos
11.Ausência de reservas alimentares no lar 41. Alta taxa de famílias chefiadas por
mães
12.Ausência de dinheiro no dia-a-dia 42. Maior conhecimento do parentesco
materno
13.Alta taxa de uso de penhores para 43. Maior autoritarismo
crédito
14.Alta taxa de uso de agiotas locais 44. Falta de vida privada
15.Créditos locais espontâneos 45. Enfase verbal sobre a solidariedade
16.Uso de roupas e mobiliário em 2ª mão familiar, desmentida na prática
17.Prática de compra de pequenas
quantidades de géneros IV - Aspectos individuais
18.Baixa produção e baixo consumo 46.Forte sensação de marginalidade,
19.Baixa taxa de alfabetização desamparo, dependência, inferioridade,
resignação e fatalismo
20.Baixa participação nos sindicatos 47.Alta incidência de privação materna e
21.Baixa participação nos partidos políticos de oralidade
22.Baixa participação associativa 48. Estrutura fraca do ego
23.Baixa utilização dos bancos 49. Confusão quanto à identificação sexual
24.Baixa utilização dos hospitais 50.Falta de controle sobre os impulsos.
25.Baixa utilização de grandes lojas Espontaneidade comportamental
26.Baixa utilização dos museus e galerias 51.Orientação quase exclusiva para o
27.Ódio à polícia Presente. Fraco sentido de Passado e
Futuro.
28.Desconfiança face à hierarquia da 52. Machismo
“outra cidade” (governo, administração, 53. Tolerância quanto a patologia
etc.) fisiológica
29.Desconfiança face à Igreja 54. Ausência de consciência de classe
30.Consciência dos valores da classe 55. Baixo nível de aspirações
média, mas sem os praticarem
31.Alta taxa de casamento consensual 56. Exaltação da aventura como um valor
32.Alta taxa de jus materno 57. Presença quotidiana da violência

Fonte: Carmo, H.(1998: 102).

Figura 5.6 - Quadro de indicadores da cultura da pobreza, segundo Oscar Lewis.

134
© Universidade Aberta
A descrição de Lewis condensada na figura 5.6 é extremamente rica e
impressionista, descrevendo a (sub)cultura da pobreza com abundância de
pormenores. Da sua análise pode facilmente verificar-se que a condição de
pobreza para além de querer significar estar numa condição de falta de recursos
também sublinha um determinado estilo de vida, com padrões de
comportamento próprios, directamente ligados a estratégias de sobrevivência
para fazer face à situação de carência.

Apesar do seu valor descritivo, uma das limitações que tem sido apontada à 32
Outras críticas lhe têm sido
feitas tanto de natureza po-
descrição de Lewis é a de que tem demasiados indicadores dando a todos a lítica como metodológica.
mesma importância32 . Procurando ultrapassar essa dificuldade vejamos um Franz Fanon, por exemplo
em Os condenados da Ter-
modelo integrador da cultura da pobreza inspirado em Lewis, em que se ra (s/d, Lisboa, Ulmeiro, 1º
sublinham oito aspectos essenciais de uma cultura de pobreza33 : ed. francesa de 1958) acusa
Lewis de desprezar a capa-
cidade revolucionária dos
portadores de culturas de
pobreza. Do ponto de vista
metodológico, têm-se apon-
tado algumas fragilidades no
Economia de método de selecção dos in-
sobrevivência quiridos, uma vez que Lewis
não explicita os critérios uti-
lizados para a escolha das
histórias de vida. O mérito
deste autor é, no entanto, ter
chamado a atenção para a
Alimentação
presença de factores
Habitação e espaço quantitativa e
Saúde precária identificadores da pobreza
envolvente degradados qualitativamente para além da simples carên-
deficiente cia de recursos.

33
Carmo, H., 1993: 321-333.

Elevada patologia de Elevada patologia de


Baixa instrução
natureza psicológica natureza social

Família em risco ou já
desagregada

Fonte: Carmo, 1993:325

Figura 5.7 - Modelo integrador de uma subcultura de pobreza.

135
© Universidade Aberta
• O primeiro aspecto caracterizador é a economia de sobrevivência na
qual, quotidianamente, os agregados familiares se confrontam com a
necessidade de capturar rendimentos suficientes para sobreviver. Esta
situação, está associada a altos índices de desemprego ou de
subemprego, a baixos salários e a baixos índices de produtividade.
Nestes agregados é comum as pessoas utilizarem formas de crédito de
emergência, recorrendo por exemplo, a casas de penhores e a agiotas
locais o que as endivida ainda mais. Deste modo, a conquista da
34
É o que alguns autores
denominam cultura de ur- sobrevivência diária é o seu principal objectivo34 .
gência (Castels, 2003: 78).
O êxito das experiências de • A segunda característica liga-se à habitação: Com efeito, as zonas
microcrédito (das quais foi
pioneiro o Prémio Nobel onde vivem são normalmente degradadas, como degradada é a
da Paz de 2007, Muhammad habitação, sem condições para uma qualidade de vida socialmente
Yunus, com a criação, em
1983 do Banco Grameen) aceitável. O exíguo espaço habitacional, cria condições de
deve-se em muito a ser uma amontoamento e de falta de intimidade.
resposta adequada às econo-
mias de sobreviência. Cfr.
Yunus, 2002. • Outro quadro associado às comunidades pobres, é a saúde precária,
com altas taxas de morbilidade e maiores taxas de mortalidade de
menores de cinco anos que as verificadas nas áreas circundantes.

• Um aspecto que se liga directamente à questão da saúde, é o das


carências alimentares: regista-se com frequência que este tipo de
população tem uma alimentação deficiente, quer do ponto de vista
quantitativo quer qualitativo. A este propósito Lewis, em várias das
suas pesquisas, observava como traço típico das subculturas de pobreza,
a ausência de despensas, uma vez que é comum não haver reservas
alimentares em casa.

• Um quinto aspecto caracterizador é a presença de níveis de instrução


e formação profissional extremamente baixos. Esta situação, como
é óbvio, tem implicações imediatas sobre o rendimento familiar, e,
mediatas, sobre a reprodução das situações de pobreza.

• Como resultado de todos estes factores registam-se, nestas


comunidades, índices elevados de patologia psicológica e de
problemas sociais de comportamento desviado (alcoolismo,
toxicodependência, prostituição etc.) (Carmo, 1993:326).

3.3 Caso 5.4: A experiência do CASU

O projecto seguidamente relatado espelha a utilidade da aproximação


antropológica no trabalho comunitário e, em particular, em comunidades
possuidoras de uma cultura de pobreza.

136
© Universidade Aberta
O que foi o CASU?

O Centro de Acção Social Universitária (CASU) foi uma instituição particular


de solidariedade social (IPSS) criada durante a década de sessenta por
estudantes universitários oriundos de várias escolas e com diferentes motivações
religiosas e políticas, unidos, no entanto, pela preocupação cívica de prestar
um serviço útil à população de alguns bairros de barracas de Lisboa35. 35
Inicialmente as quintas da
Curraleira, Bacalhau e Cal-
çada, mais tarde nas duas
A motivação inicial havia estado ligada ao problema do realojamento das primeiras e no Monte-Coxo.
populações que haviam ficado sem tecto após as cheias de 1967. A partir de
então o trabalho cresceu em bola de neve, à medida em que as necessidades
se iam detectando, tendo sido criado um jardim infantil, com apoio da Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), aberto um posto médico que oferecia
consultas facultadas por jovens médicos e apoiadas por estudantes de medicina,
iniciado o funcionamento de salas de estudo para combater o insucesso escolar
das crianças em idade escolar e organizadas colónias de férias para crianças
e jovens, alguns dos quais, por incrível que pareça numa cidade ribeirinha,
nunca haviam visto o mar.

1970/71: o ano charneira

Com o crescimento das actividades foi necessário recrutar mais voluntários,


o que foi feito através de uma uma campanha dinâmica junto de várias
instituições do ensino superior e de movimentos juvenis (Ex: Juventude 36
A título de curiosidade
Universitária Católica - JUC)36 . vale a pena fazer referência
a dois jovens dirigentes do
A abundância de voluntários possibilitou, não só o alargamento das CASU empenhados nessa
campanha: o estudante do
actividades de resposta imediata às necessidades sociais empiricamente Instituto Superior Técnico
detectadas, mas também a constituição de uma equipa de estudantes de Ciências António Guterres e o estu-
dante da Faculdade de Ci-
Sociais que procederam ao estudo exploratório da Quinta o Bacalhau, ências Virgílio Meira Soares,
permitindo uma visão holística daquela comunidade, um levantamento das o primeiro mais tarde conhe-
cido pelas suas actividades
suas necessidades e recursos e a definição de um plano de intervenção mais como dirigente político e o
fundamentado. segundo pelas de Reitor da
Universidade de Lisboa.

Para a execução de tal plano a equipa do CASU, até então apenas composta
37
As únicas excepções eram
por voluntários37 , apercebeu-se da necessidade de recrutar um pequeno grupo duas educadoras de infân-
de técnicos que funcionassem como assessores da Direcção e como núcleo cia que trabalhavam no jar-
dim infantil e duas
de formação e enquadramento dos voluntários. Tal desígnio foi alcançado monitoras que apoiavam as
com o recrutamento de três técnicos para as áreas de serviço social, salas de estudo, todas pagas
pela SCML.
investigação social e saúde pública, graças a um pequeno subsídio da
Fundação Gulbenkian.

137
© Universidade Aberta
Foram vários dos quais se 1972/73: primeiros resultados do enquadramento técnico
38

salientam, pela sua impor-


tância um levantamento
demográfico dos três bair- Graças à reorganização operada foi possível, nos anos seguintes, melhorar os
ros para fundamentar a cri- serviços prestados, nomeadamente :
ação de uma escola primá-
ria, o que foi conseguido,
ainda que tardiamente, e • enquadrar técnicamente as actividades até então desenvolvidas;
dois trabalhos de parceria
com o ISCSP/UTL, sobre os • responder com eficácia a situações de protecção civil (Ex: incêndios);
padrões alimentares da
população e sobre o ambi-
ente familiar das crianças • realizar vários estudos que serviram de fundamentos para a intervenção
do jardim de infância, ten- subsequente38 ;
do ambos permitido proce-
der ao dignóstico e subse-
quente intervenção nesses • organizar um seminário de formação de voluntários
dois domínios (saúde e edu-
cação).

1973/74: o ano da Revolução


39
O Boletim do CASU foi
orientado por uma estudan- Fruto do investimento anteriormente efectuado, o ano lectivo de 1973/74
te brasileira, com formação
inicial em jornalismo, ins-
registou um acréscimo de actividades, das quais se sublinham:
crita no ISCSP/UTL a com-
pletar uma licenciatura no • a reorganização do serviço de acolhimento e encaminhamento social;
domínio das Ciências Soci-
ais.
• a organização de mais um seminário de formação de voluntários,
para o que se contou com a colaboração de uma estudante brasileira
de pós-graduação conhecedora do método Paulo Freire;
40
Apesar do CASU ter saído
vencido, não tendo conse-
guido fazer aprovar um es-
• a assunção da importância de uma estratégia de relações públicas
tatuto de responsabilidade que permitisse visibilizar o projecto e ser suporte de uma política de
médica que protegesse os
habitantes dos bairros da
captação de financiamentos; os resultados dessa consciencialização
discriminação que então se foram imediatos, traduzindo-se
observava no acesso aos
serviços de saúde, a discus- - no lançamento de um jornal policopiado, o Boletim do CASU39 ,
são permitiu visibilizar o
problema que, após a revo- - na realização de um Encontro de Centros Sociais, com os
lução, foi lentamente reto-
mado. Comandou esta cam- objectivos de com eles trocar experiências e de sensibilizá-los
panha o então estudante de (bem como a própria SCML) para a necessidade de criar um
medicina Jaime Nina que,
anos mais tarde, viria a ser estatuto da responsabilidade médica40 ,
conhecido pela sua partici-
pação na equipa portugue- - na organização de uma visita da Secretária de Estado da
sa que descobriu o virus
HIV2.
Assistência, na qual se lhe apresentou uma proposta de
intervenção integrada nos três bairros, e
- numa campanha (com a colaboração de várias organizações e
41
Tal política implicava o da própria população) contra a política de desalojamento da
desmantelamento prioritário
de barracas onde vivessem polícia municipal41 ;
isolados sem lhes dar alter-
nativa de realojamento o • a alteração da estrutura do CASU, que deixou de se organizar em
que atingia antes de mais a
população idosa. termos hierárquico-funcionais para se articular em função dos
projectos em curso.

138
© Universidade Aberta
- Projecto médico-sanitário com as seguintes áreas-chave:
planeamento familiar, socorrismo, higiene, puericultura; consultas
médicas e saneamento básico com acções relativas a águas lixos
e esgotos.
- Projecto de educação para o desenvolvimento: com valências
de creche, jardim de infância, salas de estudo, formação
profissional (esta não chegou a começar) e alfabetização42 . Neste campo foi pioneira
42

a experiência do estudante
Francisco Cordovil que foi
- Projecto tempos livres, integrando actividades desenvolvidas viver para uma barraca na
durante o período lectivo (fins de semana) e de férias (Natal, Quinta da Curraleira, onde
desenvolveu um programa
Páscoa e Verão), com valências de apoio aos clubes recreativos de alfabetização segundo o
locais, desporto, excursões, e colónias de férias abertas e método Paulo Freire.
fechadas43. 43
Nas colónias abertas as
crianças iam dormir a casa;
O trabalho desenvolvido ao longo dos anos que precederam a revolução de as fechadas funcionavam
1974 procurou dar voz e protagonismo à população local. Isto permitiu, logo em regime residencial e des-
tinavam-se a adolescentes.
que o ambiente se tornou favorável, nomeadamente com a revolução, que os
residentes da Quinta do Bacalhau organizassem uma cooperativa de habitação,
sugestivamente chamada Cooperativa Portugal Novo, e conseguissem um
realojamento completo44 . 44
Nos outros dois bairros,
Monte-Coxo e Curraleira a
população não conseguiu o
A experiência relatada permite sublinhar três factores relevantes que realojamento pretendido
contribuiram para o seu êxito: devido à confluência de di-
versos factores de entre os
quais merecem realce a fal-
• os laços de parceria que se criaram entre CASU e população em vez ta de coesão das comissões
de uma relação paternalista de natureza meramente assistencial; de moradores e a maior di-
mensão dos bairros.

• a existência de um corpo de voluntários empenhados, de diversas


formações, disponíveis não só para agir mas também para aprender
como o fazer;

• o enquadramento por técnicos com preparação em Ciências Sociais;


neste caso a preparação antropológica revelou-se de primordial
importância e a teoria de Lewis constituiu uma boa referência para a
pesquisa-acção desenvolvida.

139
© Universidade Aberta
Actividade 5.3

1. Releia o que escreveu na actividade 5.2.


Complete-a, aproveitando o que aprendeu no ponto 3:

2. considera que os modelos das espirais da UNICEF, (figuras 5.3 e 5.4,


se aplicam à zona que escolheu? porquê?

3. considera que a população da zona que escolheu se enquadra nalgum


dos conceitos descritos na figura 5.3 ou no conceito de cultura de
pobreza? porquê?

4. Em síntese

Esta unidade começou com a apresentação do conceito de Antropologia


Aplicada (AA) e com a descrição de algumas das suas utilizações em diversos
contextos.

Seguidamente, discutiu-se a utilidade deste corpo de conhecimentos para o


trabalho comunitário, recorrendo-se a uma reflexão em três dimensões: política,
cognitiva, e metodológica.

Na terceira parte, mostrou-se a aplicação da Antropologia na intervenção social


em contextos de pobreza, terminando-se com a apresentação de um caso
paradigmático

Actividade final

Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer ao


texto do interior do capítulo.

Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

140
© Universidade Aberta
Leituras complementares

AMARO, Fausto
2001 Filhos e netos da pobreza, Lisboa, Fundação Nossa Senhora
do Bom Sucesso.

BASTIDE, Roger
1971 Anthropologie Appliquée, Paris, Payot.

BENEDICT, R.
1972 O Crisântemo e a espada, S. Paulo, Perspectiva.

BRUTO DA COSTA, A.
1998 Exclusões sociais, Lisboa, Gradiva.

BRUTO DA COSTA E SILVA, M. et al


1985 A pobreza em Portugal, Lisboa, Caritas.
1989 A Pobreza urbana em Portugal, Lisboa, Caritas.

CARMO, Hermano (coord.); Alves, S.; Dias, I.; Monteiro, S.; Albuquerque, R.
1996 Exclusão social: rotas de intervenção, Lisboa, ISCSP.

CASTAÑO, Javier Garcia


1994 Antropologia de la Educación: el Estudio de la Transmisión-
Adquisición de Cultura, Madrid, Eudema.

FOSTER, George
1974 Antropologia aplicada, Cidade do México, Fondo de de Cultu-
ra Economica.
s.d. As Culturas tradicionais e o impacto das tecnologias, Rio de
Janeiro, Fundo de de Cultura Económica.

LECLERC, G.
1973 Crítica da Antropologia, Lisboa, Estampa.

POCHMANN, Marcio et al. (organ.)


1999 A exclusão no mundo: Atlas de exclusão social, volume 4, S.
Paulo, Cortez Editora.
141
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
6. Sociologia de intervenção e desenvolvimento comunitário

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. Domínio e vertentes da Sociologia de intervenção


Actividade 6.1.
1.1 O que é a Sociologia de Intervenção?
1.2 Precursores da Sociologia de Intervenção
1.3 A Sociologia de Intervenção em contexto micro
1.4 A Sociologia de Intervenção em contexto meso
1.5 A Sociologia de Intervenção em contexto macro
Actividade 6.2

2. O método Paulo Freire, paradigma da Sociologia da intervenção


2.1 A trajectória existencial
Actividade 6.3
2.2 A obra
2.3 O método Paulo Freire

3. Empowerment e advocacy, dois conceitos integradores


3.1 Raízes do empowerment
3.2 A advocacy
3.3 Metodologia do empowerment e da advocacy

4. A não-violência activa, uma estratégia de intervenção social


4.1 Aspectos conceptuais
4.2 Fundamentos filosóficos da NVA
4.3 Fundamentos socio-políticos da NVA
4.4 Metodologia da NVA

5. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

145
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a


• distinguir a Sociologia de Intervenção da Sociologia clássica;
• distinguir os conceitos de pedido e encomenda num processo de
intervenção;
• discutir a importância, para a intervenção subsequente, das fases de
formulação do pedido e de definição da encomenda;
• explicitar a contribuição de Le Play, dos marxistas e de Freud como
precursores da Sociologia de intervenção;
• referir a contribuição de Lewin e Moreno para a Sociologia de
Intervenção;
• referir a contribuição de Mayo, Elliot Jacques, Crozier, escola de análise
institucional, Schein para a Sociologia de Intervenção;
• referir a contribuição de Alinsky, Dolci e Lebret para a Sociologia de
Intervenção;
1
O termo paradigma desig- • fundamentar a afirmação de o método Paulo Freire ser um paradigma1
na um conjunto de convic-
ções na maioria das vezes da Sociologia de Intervenção;
implícitas com base nas
quais os investigadores ela- • identificar os principais factores de socialização que influenciaram a
boram as suas hipóteses, as
suas teorias e mais geral-
formação do seu pensamento e obra;
mente definem os seus mé-
todos (Boudon, 1990, Dici- • contextualizar a produção de cada um dos seus principais livros no
onário de Sociologia, Lis- espaço e no tempo;
boa D. Quixote, p.186)
• referir as ideias-chave neles expressas e relacioná-las com obras
anteriores;
• descrever os principais procedimentos do método Paulo Freire;
• discutir o conceito de empowerment;
• discutir o conceito de advocacy;
• descrever sucintamente os princípios práticos do empowerment;
• discutir os conceitos de violência e de não violência activa (NVA);
• explicitar os fundamentos filosóficos da NVA;
• explicitar os fundamentos sócio-políticos da NVA;
• descrever a metodologia da NVA.

146
© Universidade Aberta
1. Domínio e vertentes da Sociologia de intervenção

Josué de Castro, especialista em alimentação e ex-Presidente da Organização


de Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas, autor de diversas
obras em que analisa o fenómeno da fome em termos planetários2, na 2
Geopolítica da fome, Geo-
grafia da fome, O livro ne-
introdução do seu livro Sete palmos de terra e um caixão3 refere em dada gro da fome, O ciclo do ca-
altura: ranguejo, são alguns dos
sugestivos títulos deste au-
tor que Darcy Ribeiro con-
não tencionamos escrever um livro neutro. (...) Não é este um ensaio siderava o intelectual mais
de Sociologia clássica. De uma sociologia académica, espartilhada na brilhante que conheci
(1997, Confissões S. Paulo,
camisa de forças de uma metodologia que sempre tentou separar, no Companhia das Letras, p.
sociólogo, o investigador do homem, limitando sempre a função do 122). A sua obra foi difun-
sociólogo à de um simples inventariante de tudo aquilo que se apresenta dida por todo o mundo. A
Geopolítica da fome, por
aos seus olhos, teleguiados por métodos de trabalho consagrados. O exemplo, segundo o editor
nosso estudo sociológico é o oposto deste género de ensaio. É um (Brasília Editora, Porto) ha-
via sido traduzido em 25
estudo de sociologia participante ou comprometida. De uma idiomas à data da edição
sociologia que não teme interferir no processo de mudança social (1974).
com os seus achados e por isto mesmo não tem o menor interesse em
3
Castro Josué de (1975),
encobrir os traços de uma realidade social, cuja revelação possa acarretar Sete palmos de terra e um
prejuízos a determinados grupos ou classes dominantes. caixão, Lisboa Seara Nova,
p 25.
(...) No fundo, a antiga sociologia era mais utópica do que científica,
e a sua utopia consistia exactamente no seu inconsciente desejo de
que o processo social se imobilizasse , para ser melhor fotografado.
Desta forma, a antiga sociologia era bem mais comprometida do
que a sociologia nova, cuja validade científica defendemos. Mas era
comprometida com uma ideologia do imobilismo, de uma imagem
estática da sociedade, considerada como uma coisa já feita, definitiva
e perfeita, enquanto a nova sociologia considera a estrutura social
como um processo em constante e rápida transformação. (negrito
nosso).

Actividade 6.1

1. A partir deste texto, faça um quadro comparativo que permita contrastar


a abordagem proposta por Josué de Castro, da da sociologia clássica.

2. Complete-o, acrescentando-lhe uma reflexão pessoal sobre as


vantagens e inconvenientes de cada uma das aproximações referidas.

3. Procure discutir os resultados a que chegou com outras pessoas


(colegas, tutor, elementos exteriores à comunidade académica) e
introduza-lhe os necessários aperfeiçoamentos.

147
© Universidade Aberta
1.1 O que é a Sociologia de Intervenção?

O texto que acaba de analisar enquadra-se naquilo que alguns autores chamam
Sociologia de Intervenção (Rémi Hess, 1982). Mais do que um ramo é uma
perspectiva das Ciências Sociais (e da Sociologia em particular) que assume
a virulência da influência do investigador no seu objecto de estudo, e que a
utiliza com o intuito explícito de produzir melhorias sociais no quadro de uma
ética de liberdade e de solidariedade. Distingue-se, assim, da perspectiva
sociológica tradicional que procurava evitar a interferência do investigador no
objecto de estudo, de vários modos, buscando, nessa perspectiva distanciada,
uma objectividade análoga à que se julgava possível alcançar nas Ciências
4
Sobre a questão da objec-
tividade da investigação ci-
Físico-Naturais4 .
entífica e nas Ciências Soci-
ais em particular cfr. SAN- Esta perspectiva de fazer ciência intervindo, tem assumido uma grande
TOS, Boaventura Sousa,
1991, Um discurso sobre as
heterogeneidade de formas no terreno. Apesar dessa diversidade todas as
Ciências, 5ª ed., Porto, experiências que partilham desta perspectiva partem de uma premissa comum:
Afrontamento. Depois da
revolução introduzida pelo
a constatação de que o saber não é monopólio do sistema-interventor mas
princípio da incerteza de que este e o sistema-cliente possuem capitais de informação sobre a
Heisenberg, a comunidade
científica tem adoptado uma
realidade social que devem pôr em comum a fim de, juntos, construírem
atitude mais humilde face à um valor acrescentado de conhecimento.
objectividade: esta passou
a ser considerada, não como
um ponto que se alcança
De acordo com Hess (1984: 7) qualquer tipo de processo de intervenção inicia-
mas como uma direcção se com a formulação de um pedido por parte do sistema-cliente (ou de quem
que é imperioso tomar.
o represente), que se caracteriza pela expressão de uma necessidade social,
decorrente da consciência de um dado problema, muitas vezes de contornos
pouco definidos. Justamente em consequência da indefinição referida, a primeira
tarefa do interventor consiste em identificar, em diálogo com o sistema-cliente,
o problema desencadeador do pedido formulado.

Trata-se já de uma primeira intervenção uma vez que, neste processo, as


duas partes em presença são desafiadas a
• desconfiar do óbvio,
• identificar e pôr de lado preconceitos (pré-conceitos) sobre a
realidade em questão, e
• exercer o papel de analistas sociais a um nível superior de
objectividade.

Caracterizado o problema de forma mais objectiva e o pedido de modo mais


claro e rigoroso, o interventor fica em condições de poder passar a uma segunda
fase de intervenção. Esta consiste na negociação entre as partes sobre qual o
papel que cabe a cada uma na resolução do problema. Dito de outra forma,
trata-se de uma fase de contratualização, em que sistema-interventor e sistema-
cliente terão de chegar a um acordo sobre os direitos e deveres de cada um no

148
© Universidade Aberta
processo de intervenção que se segue. A esta fase Rémi Hess chama a definição
da encomenda (1984:7). Aqui o valor acrescentado da intervenção exprime–
-se de dois modos:

• por um lado na assunção, por ambas as partes, de que a intervenção


exige um esforço de todos os protagonistas e não apenas do sistema–
-interventor;

• por outro, na explicitação dos papéis que cabem às partes envolvidas.

O desprezo por estas duas fases iniciais de intervenção condiciona


negativamente todo o processo subsequente em três aspectos:

• ao remeter implicitamente para o sistema-interventor a responsabilidade


de todo o processo de intervenção, inutiliza-se o capital de
experiência do sistema-cliente e tende a ignorar-se a sua cultura, o
que constitui caminho certo para a ineficácia da intervenção, como os
casos relatados na unidade 2 bem ilustraram;

• em segundo lugar, a rejeição paternalista da participação do sistema–


-cliente tem como efeito imediato a infantilização deste, impedindo a
realização de qualquer estratégia conducente à sua autonomização;

• por último, o desprezo pela contribuição do sistema-cliente no processo


de reelaboração do pedido e contratualização da encomenda, faz com
que este não possa assumir o papel de espelho do sistema-interventor,
impedindo este último de se vigiar relativamente aos seus próprios
condicionamentos culturais.

Após esta negociação prévia, o processo de investigação-acção continua de


vários modos, de acordo com as contingências da situação e com a formação
teórica e metodológica dos interventores.

Não cabe num capítulo, em que apenas se pretende apresentar a Sociologia de


Intervenção como alicerce do trabalho comunitário, aprofundar muito este
assunto5 . Far-se-á apenas referência a alguns precursores desta corrente, bem 5
Para o fazer sugere-se o
estudo aprofundado das lei-
como a autores mais significativos que categorizaremos em três grupos: turas complementares que
figuram no fim desta uni-
• os que preconizam a intervenção em pequenos grupos (contexto micro– dade, nomeadamente as
obras de Barbier (1997), de
-social); Hess (1982) e de Tavares da
Silva (1983), bem como da
• os que praticam a intervenção em organizações (contexto meso-social); abundante bibliografia que
se poderá obter a partir des-
ses trabalhos.
• os que usam a sua tecnicidade em situações mais complexas (macro–
-sociais).

149
© Universidade Aberta
Sobre a vida e obra de 1.2 Precursores da Sociologia de Intervenção
6

Marx cfr. Mc Lellan, D.


(1974), O Pensamento de
Karl Marx, Coimbra,
Coimbra Editora. De entre os precursores da Sociologia da Intervenção podemos destacar aqueles
7
A situação da classe tra-
cujo trabalho, no terreno, visava dominantemente objectivos sociais, os que
balhadora em Inglaterra, procuravam resultados políticos e os que visavam desígnios terapêuticos.
trabalho publicado em
1845, é uma obra clássica
de análise sócio-económica
De entre os primeiros, Le Play (1806-1882) foi, sem dúvida, uma figura
com o intuito de entender marcante com os seus estudos monográficos sobre diversos tipos de famílias
para actuar.
operárias em que procurou, a partir do estudo aprofundado de casos típicos,
Ex: Em Que fazer? (1925, descrever os padrões de vida dos operários da época e propor medidas para
8

Paris, Librairie de
l’Humanité, 1ª ed. de 1902) melhorar a sua qualidade de vida. Uma das variáveis estratégicas desses estudos
Lenine propõe as grandes era o orçamento familiar que estudado ao pormenor, fornecia informações
linhas de orientação políti-
ca para os militantes do par- preciosas sobre os recursos das famílias e o modo como esses recursos eram
tido bolchevique postulan- utilizados.
do a criação de uma organi-
zação pequena e coesa de
interventores políticos pro- Numa outra linha situaram-se os autores da corrente marxista: primeiro o
fissionais em alternativa a próprio Marx6 e o seu companheiro político Engels7 , mais tarde Lenin8 e
uma organização maior mas
de menor coesão. Mao-Tse-Tung9 , postularam que para a melhoria da qualidade de vida das
9
Em livros como Relatório
populações seria indispensável uma alteração do sistema de poder existente,
sobre uma investigação precedido do respectivo estudo da situação. A intervenção proposta por estes
feita no Hunan a respeito
do movimento camponês
autores difere da de Le Play tanto pela sua tónica sócio-política como pela
(1927) e Sobre a prática sua postura macro-social.
(1937) in Mao Tsetung,
1971, Obras escolhidas de
Mao Tsetung, Pequim, Edi-
Num contexto intimista de relação médico-doente, Freud defende que a
ções em Línguas Estrangei- mudança desejável (da situação de doença para a cura) passa por um processo
ras, Tomo I, pp 19-84 e
499-524), Mao considera
de intervenção em que o terapeuta ajuda o paciente a recordar e verbalizar
indispensável que a acção situações esquecidas da sua infância. Deste modo a cura é precedida de
política seja precedida de in-
quéritos às condições de
uma investigação partilhada sobre o passado. A identificação e análise dos
vida das populações acontecimentos críticos que marcaram o desenvolvimento psicológico do
10
O leitor poderá aprofundar
paciente (feitas através da intervenção psicanalítica) constitui, assim, parte
este tipo de intervenção na indispensável do processo de cura (resultado desejado).
disciplina de intervenção
social com grupos. Para
além das leituras recomen-
dadas, recomenda-se, pela
sua natureza introdutória, os
seguintes trabalhos: 1.3 A Sociologia de Intervenção em contexto micro10
Dreyfus, Catherine (1980),
Psicoterapias de grupo,
Lisboa/S. Paulo, Verbo;
Luft, J. (1976), Introdução Com Kurt Lewin e o seu método de pesquisa-acção em situação de grupo e
à dinâmica de grupo, Lis- com Jacob Levi Moreno e os seus trabalhos sobre sociometria, psicodrama e
boa Moraes, (3ª edição);
Maisonneuve, J. (s/d) A Di- sociodrama, a Sociologia de Intervenção11 ganhou visibilidade nos meios
nâmica dos grupos, Lisboa, académicos. Através dos seus trabalhos estes dois autores demonstraram que
Livros do Brasil, (c. 1967);
e Muchielli, R. (1971) La o grupo pode ser usado como unidade de intervenção social eficaz, tanto para
dynamique des groupes -
applications pratiques, Pa- • mudar os comportamentos (opiniões e condutas) dos elementos que
ris, Librairies Techniques
Entreprise Moderne, ESF. o integram, como para

150
© Universidade Aberta
• operar mudanças no ambiente externo ao próprio grupo. 11
Seguimos aqui a
categorização de Hess igno-
rando, por ser irrelevante
A estratégia de intervenção de qualquer destes autores difere da preconizada para este manual, se seria
por Freud, entre outros aspectos, porque o campo de investigação para a acção mais correcto incluir estes
autores no campo da Psico-
não é o Passado do sistema-cliente mas o seu Presente (investiga-se para agir logia ou da Sociologia. A
no aqui e no agora). Neste terreno, o Passado e o Futuro do sistema-cliente questão parece ser mais de
corporativismo académico
não são ignorados mas surgem como raiz e como expectativa do Presente, que de interesse real numa
respectivamente. área tipicamente interdis-
ciplinar.

1.4 A Sociologia de Intervenção em contexto meso12 12


Para aprofundar esta sec-
ção, recomenda-se a leitura
de Bilhim, J.,2006, Teoria
organizacional: estruturas
Em contexto organizacional muitas têm sido as contribuições que visam tirar e pessoas, Lisboa, ISCSP, 5.ª
partido dos conhecimentos académicos das Ciências Sociais para mudar a edição.

realidade.

No campo fabril, são conhecidos os resultados positivos das intervenções de


Elton Mayo (1880-1949), ocorridas ao longo dos anos vinte, em empresas
têxteis e de produtos eléctricos. A partir dessas intervenções Maio provou a in-
fluência das relações humanas na produtividade das organizações, sendo
o primeiro de uma série de autores que deram corpo ao conhecido movimento
das relações humanas.
A partir dos seus trabalhos desenvolvidos no âmbito do Tavistock Institut de
Londres, o psicanalista Elliot Jacques publicou em 1951 um ensaio sobre
intervenção e mudança na empresa, em que apresentou uma metodologia a
que chamou sócioanalise (Hess, 1982: 117-125). Para além da aplicação dos
conhecimentos da psicanálise à analise e intervenção organizacional, esta
técnica difere das usadas pela corrente de relações humanas por conferir um
importante papel ao sistema-cliente. Com efeito,

trata-se de uma pesquisa-acção em que a teoria e a prática são


inseparáveis. (O fruto do trabalho desenvolvido com os elementos da
organização não se traduz num) relatório exterior aos participantes
mas de um relatório aprovado pelo conjunto das pessoas em presença,
desde a direcção aos responsáveis sindicais (Hess, 1982: 118).

Apesar das reservas postas por alguns autores, pode também considerar-se a
obra do sociólogo francês Michel Crozier13 , enquadrável na Sociologia de 13
Por exemplo, de 1963, Le
phenomène bureaucratique,
Intervenção. A sua estratégia de actuação consiste na realização de um inquérito Paris, Seuil e de 1977,
clássico à organização em análise e pela posterior apresentação e discussão L’acteur et le système, Pa-
ris, Seuil.
dos resultados com o sistema-cliente. A principal crítica que lhe têm feito reside
no fraco papel conferido aos analisados no decorrer do processo, que não têm
papel activo, nem nas fases do pedido e da encomenda nem na recolha e
análise de dados (Hess, 1982:145-152).

151
© Universidade Aberta
Vide sobre isto, por exem- Numa linha mais activa e próxima da sócio-análise de Elliot Jacques posiciona-
14

plo, Lapassade, G. e Lourau,


R., 1973, Para um Conhe- se a chamada escola de análise institucional de que são figuras marcantes
cimento da Sociologia, 2ª Lapassade, Lourau, Lobrot e Ardoino14. Partindo de uma matriz teórica
ed., Lisboa, Assírio e Alvim;
e Lobrot, M., 1966, A Pe- resultante do cruzamento da Sociologia e da Psicanálise, estes autores
dagogia Institucional, Lis- sublinham a importância do sistema de poder nas organizações. Em termos
boa, Iniciativas Editoriais,
prefácio de Ardoino, intro- operacionais a sua intervenção começa por pôr em causa o poder instituído e
dução de Rui Grácio. fazer emergir o poder instituinte para depois, por negociação, reequilibrar os
dos pólos do sistema de poder.
15
Cit in Bilhim, 1991, Cul-
tura organizacional: moda
ou paradigma? “Lusíada”, Mais recentemente Schein15 , centra a sua atenção em termos interventivos na
Revista de Ciência e Cultu- gestão da cultura organizacional, podendo no entanto apontar-se-lhe o mesmo
ra”, Lisboa, Universidade
Lusíada, Série de Gestão, tipo de limitações já referidas para Crozier.
(1), Abril, pp. 63-84.
Não seria justo terminar esta breve viagem pela Sociologia de Intervenção em
16
Manuel Tavares da Silva contexto meso sem fazer referência a um grande psicossociólogo português,
(1938-1982) era licenciado Manuel Tavares da Silva, figura pioneira neste domínio16 , tanto em termos
em Geografia e Bacharel,
Mestre e Doutor em Psico- nacionais como internacionais17 . Da sua longa prática e, infelizmente, poucos
logia Social. Especialista em escritos18 , ressalta um método de intervenção solidamente apoiado pela
dinâmica de grupos e análi-
se e intervenção organiza- integração teórica da Psicanálise, da teoria do Gestalt e pela dinâmica de
cional, foi companheiro e grupos, e por uma ética de intervenção fortemente respeitadora da liberdade
professor de muitos dos ac-
tuais especialistas portugue- e da integridade do sistema-cliente.
ses neste domínio. A sua
morte precoce não permitiu
deixar abundante obra es-
crita, tendo, no entanto,
marcado uma geração de
interventores nas organiza- 1.5 A Sociologia de Intervenção em contexto macro
ções com a marca da sua
sabedoria, profissional e
humana. Têm sido várias as contribuições enquadráveis na Sociologia de Intervenção,
17
Em termos nacionais, MTS
que se posicionam numa óptica sócio-política para intervir em contextos sociais
colaborou em diversos pro- mais amplos que os circunscritos a grupos ou a organizações. À semelhança
jectos de intervenção no
campo da saúde (Ex: Ma-
das secções anteriores, seguir-se-á uma breve selecção de autores
ternidade Alfredo da Costa, representativos neste domínio.
e em diversos Hospitais e
Centros de Saúde), educa-
ção (escolas de enferma-
Uma figura interessante por constituir um elo de ligação entre a Sociologia
gem, de magistério primá- clássica e a Sociologia de Intervenção é o sociólogo francês Alain Touraine
rio, Centros de Educação
Especial, formação de pro-
que, de 1955 a 1968, produziu uma obra ao mesmo estilo de Crozier, com
fessores do ensino secundá- predominância do uso do inquérito como técnica de recolha de dados, em que
rio), e em diversas empresas
(Gaslimpo, Império, Banca,
os inquiridos participavam exclusivamente como fornecedores de informação
CTT, etc). No estrangeiro, (Hess; 1982: 152).
onde fez toda a sua forma-
ção como psico-sociólogo,
ficaram conhecidas, sobre-
A revolta estudantil de Maio de 1968 relatada por si em O movimento de
tudo, as suas intervenções Maio constitui uma ruptura parcial com essa postura. A partir de então a sua
como quadro superior da
CEGOC-TEA.
obra tem-se repartido entre uma perspectiva clássica e a Sociologia de
Intervenção no estudo dos movimentos sociais.

152
© Universidade Aberta
Entre os trabalhos que adoptaram esta última postura é de salientar a Vida e 18
No número temático da
revista Psicologia que foi
morte do Chile popular, diário de pesquisa-acção que relata a sua vivência publicada em sua homena-
dos últimos tempos do regime de Salvador Allende e do golpe de Estado gem, cuja identificação en-
contra no fim desta unidade
encabeçado por Pinochet. em leituras recomendadas,
pode encontrar uma
Um outro autor por vezes esquecido mas que teve uma influência decisiva na listagem da sua obra.

Sociologia de Intervenção, quer em contexto comunitário quer em espaços de


cooperação intercontinentais foi Lebret, a quem se fez já uma breve referência
na unidade 4, a propósito do conceito de desenvolvimento.

Com uma vida dedicada à promoção social e ao desenvolvimento dos povos


(figura 6.1) a obra de Lebret representa o compromisso, entre uma postura
doutrinária marcada pela sua fé cristã e pelo empenhamento pelos excluídos,
e uma sólida preparação científica que utilizou como instrumento de
entendimento da realidade social.

1887 - Nasce
1914 - Bacharelato em Matemática
1915 - Alista-se na Escola Naval
1916 - Conclui o curso para oficial
1923 - Entra para o noviciado dominicano
1933 - Funda a Juventude Marítima Cristã; actividade de organização
sindical dos marítimos. Faz estudos de campo sobre o sector
aperfeiçoando a técnica do inquérito-participação
1944 - Funda o Centro de Estudos Economia e Humanismo e uma
revista com o mesmo nome. A sua contribuição assume
dimensão internacional.
1945/51 - Faz diversos trabalhos de campo na Europa e América Latina.
1958 - Funda o IRFED. Publica o Suicídio ou sobrevivência do
Ocidente.
1959 - Estudos no Vietname e Senegal.
1964 - Nomeado perito para o esquema XIII (que daria origem à
Gaudium et Spes) do Concílio Vaticano II.
1966 - Morre.

Fonte: Malley, François (s/d)

Figura 6.1 - Breve cronologia de Lebret.

153
© Universidade Aberta
A técnica do inquérito-participação, que aplicou pela primeira vez em 1933
com comunidades de pescadores da Bretanha, constituiu uma importante
contribuição metodológica para a Sociologia de Intervenção em contexto
comunitário, não deixando de ser curioso o silêncio de vários autores sobre
este facto. Os seus procedimentos integravam os seguintes passos:

1. reconhecimento da comunidade;

2. selecção de uma pequena equipa de voluntários para a realização


de um levantamento dos principais problemas da comunidade;
Chardin havia construido
3. treino da equipa em técnicas de recolha de dados;
19

uma notável teoria sobre a


evolução do universo, da
vida e da humanidade, em 4. realização do levantamento;
que caracterizava o tempo
presente como uma época
de consciencialização pro-
5. análise dos dados com a equipa local;
gressiva da humanidade da
sua unidade à escala do pla- 6. difusão dos dados pela comunidade e debate sobre a estratégia de
neta (processo de
planetarização) Cfr. Leça,
mudança.
Almerindo, 1989, Uma his-
tória da vida e do homem Na mesma linha de preocupações com o fenómeno da planetarização que
sobre o cone do tempo, Lis-
boa, Academia Internacio-
encontramos em Teillard de Chardin19, Lebret publica Suicídio ou sobrevivência
nal de Cultura Portuguesa. do Ocidente cujas ideias-chave insertas no índice se juntam na figura 6.2 como
elementos de reflexão, por configurarem um trabalho pioneiro de diagnóstico
20
Excepto, naturalmente, dos grandes problemas da humanidade, ainda hoje de grande actualidade20 .
no que respeita às estatísti-
cas utilizadas.
Outro autor que tem tido grande influência no domínio macro da Sociologia
de Intervenção foi Saul Alinsky. Nascido em Chicago num bairro de lata,
estudou Sociologia e Criminologia na Universidade daquela cidade, entre 1926
e 1930 onde foi profundamente influenciado pelos mestres daquela
21
Sobre a contribuição da
escola de Chicago para as
instituição21 .
Ciências Sociais vale a pena
ler-se o ensaio do sociólogo Seguindo as orientações da escola de Chicago, realizou vários trabalhos de
brasileiro Sebastião Vila
Nova ,1998, Donald
campo sobre grupos marginais. Para atingir os seus objectivos de investigação
Pierson e a escola de Chi- sobre a delinquência, conseguiu penetrar na quadrilha de Al Capone, que
cago na sociologia brasi-
leira: entre humanistas e
estudou durante dois anos. Continuando os seus estudos, começa a trabalhar
messiânicos, Lisboa, Vega, com delinquentes tanto na rua como na prisão, registando-se nessa altura uma
sobretudo o capítulo tercei-
ro, pp 57-102.
viragem nas suas preocupações profissionais que deixaram de ser
exclusivamente académicas para passarem a integrar-se numa linha de
intervenção social.

Os livros que escreveu ao longo da sua vida, de que se destacam Reveille for
22
Convém esclarecer que o
termo radical tem, para os
radicals (1946) e Rules for radicals (1971)22 , mostram uma escrita vigorosa,
americanos o significado de (fazendo) às vezes pensar no Príncipe de Maquiavel ou num Que faire?
progressista.
aperfeiçoado (Hess, 1982: 132).

154
© Universidade Aberta
(...) A sua técnica e trabalho é construir grupos ou organizações
comunitárias enraizadas num bairro e cujo fim é ajudar os habitantes
do bairro a organizarem-se, quer dizer, a defender os seus direitos
(Hess, 1982: 129).

Parte I A situação do Mundo


• A humanidade cresce, e o seu crescimento é rápido. Mais de metade
da humanidade acha-se na Ásia, onde o seu crescimento é mais rápido
do que até agora se pensava (cap 1)
• A Terra é muito desigualmente povoada, muito desigualmente
explorável e muito desigualmente explorada (cap 2).
• Os povos são muito desiguais face à vida (cap 3), à fome (cap 4), à
doença (cap 5) às possibilidades de desenvolvimento económico e social
(cap 6).
• Num mundo que se tornou pequeno, o despertar da consciência,
favorecido pelo desejo de saber, provoca reacções de amplitude até
então desconhecida (cap 7).

Parte II Os países privilegiados não compreendem a situação do Mundo


• O domínio inglês cedeu lugar ao domínio americano (cap 1).
• A doutrina do colonialismo disfarçado só poderá conduzir ao insucesso
(cap 2).
• O regime capitalista, nas suas formas antigas e actual não permite a
valorização racional do conjunto do Mundo (cap 3).
• As civilizações estão a desintegrar-se e a revoltar-se contra o Ocidente
(cap 4)

Parte III - Exigências de uma nova civilização


• A capacidade global de aumento da produção da Terra seria,
provavelmente, suficiente face ao crescimento das necessidades da
humanidade. O mesmo não é verdade, porém, regionalmente (cap1)
• A aptidão dos povos subdesenvolvidos para resolver os seus problemas
de desenvolvimento é, em geral, ainda muito insuficiente (cap 2)
• A capacidade de ajuda dos povos desenvolvidos é, consideravelmente
mais elevada do que a ajuda hoje praticada, mesmo levando-se em
conta os custos das políticas de defesa (cap 3)
· É indispensável estabelecer novos modos de relações entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos
• O mundo tem a resolver uma nova civilização. Nenhuma das grandes
forças actuais. Porém, está imediatamente pronta para essa tarefa

Figura 6.2 - Ideias-chave de Suicídio ou sobrevivência do Ocidente

155
© Universidade Aberta
A metodologia de intervenção de Alinsky que se reconhece facilmente no
modelo C de intervenção comunitária de Rothman (vide supra, unidade 4),
foi amplamente difundida, tanto através dos seus escritos e prática como do
seu magistério, sobretudo após ter criado um instituto para formação de
trabalhadores sociais radicais (o IAF Institute).

À semelhança de Lebret e Alinsky, o italiano Danilo Dolci dedicou a sua


vida a uma prática de investigação-acção, após a sua formação inicial em
Ciências Humanas e depois de um período de trabalho social intensivo com
crianças e adolescentes órfãos, durante e imediatamente após a segunda guerra
mundial.
23
Vide, por exemplo, de
1964, Inquérito em O seu método de actuação que explicitou em diversos dos seus escritos23 ,
Palermo, Lisboa, Morais; e assemelha-se muito ao inquérito-participação de Lebret: como naquele autor,
de 1971, Inventar o futu-
ro, Lisboa, Morais. Dolci baseia a sua acção transformadora na criação e treino de pequenos grupos
de militantes cívicos que deveriam assumir um papel de fermento que leveda
A metáfora evangélica
a massa24. Dada a especificidade das zonas onde Dolci interveio25 , no
24

espelha claramente as con-


vicções de Dolci que sem- pensamento deste autor evidencia-se, todavia, mais do que em Lebret, a
pre se assumiu como um
cristão empenhado no tra-
componente sócio-política, aproximando-se neste ponto da perspectiva de
balho social. Saul Alinsky. Tal como neste autor, encontra-se em Dolci uma preocupação
evidente em ensinar às comunidades excluídas, estratégias eficazes de actuação,
Muitos das suas interven- respeitando os princípios da não-violência activa26.
25

ções localizaram-se na Sicília


onde conseguiu sobreviver
apesar da sua estratégia vi-
sar explicitamente autono-
mizar os grupos de excluí-
Actividade 6.2
dos das mãos da Mafia.
Estabeleça as ligações adequadas entre os nomes de autores e correntes
da lista 1 e as palavras-chave da lista 2.
26
Recorda-se que sobre a
não-violência activa, dedi- Lista 1 Lista 2
car-se-á uma secção inteira
no final desta unidade. Marxistas psicodrama
Le Play alteração do poder em termos macro
Moreno orçamentos familiares
Alain Touraine dialéctica instituinte/instituido
Freud movimento das relações humanas
Mayo investigação-acção sobre o Passado
Dolci O príncipe de Maquiavel
Crozier movimentos sociais
Escola de análise institucional cultura organizacional
Lewin socioanálise
Lebret fermento na massa
Schein inquérito clássico
Elliot Jacques investigação-acção sobre o Presente
Tavares da Silva inquérito-participação
Alinsky integração teórica/ética interventiva

156
© Universidade Aberta
2. O método Paulo Freire, paradigma da Sociologia da
intervenção

A complexidade das situações com que o interventor social se defronta no


terreno, determina estratégias de diagnóstico e de resposta em que os níveis
micro, meso e macro se encontrem devidamente integrados. Vem a propósito,
por isso, fazermos uma especial referência ao chamado método Paulo Freire,
por constituir um verdadeiro paradigma de Sociologia de intervenção em que
os três contextos coabitam numa interacção fecunda.

Dada a importância do pensamento deste autor, que se transformou numa


referência obrigatória tanto para as Ciências da Educação como para as Ciências
Sociais em geral, a descrição do método será precedida de uma breve
contextualização sobre a sua trajectória existencial e sobre a obra que 27
Uma boa obra de introdu-
directamente produziu e indirectamente estimulou27. ção ao pensamento e obra
Paulo Freire assim como ao
efeito multiplicador que
produziu no pensamento
contemporâneo sobre Edu-
cação e Sociedade é a de
2.1 A trajectória existencial Moacir Gadotti que encon-
trará referida no fim desta
unidade.
Paulo Freire nasceu em 1921 no Recife, capital do Estado de Pernambuco
numa família de classe média (figura 6.3). Com sua mãe aprendeu a ler a
partir de palavras e situações da vida quotidiana, ainda antes de ter idade para
ir à escola, experiência que mais tarde recordaria como determinante para a
sua estratégia pedagógica de iniciar a aprendizagem a partir de palavras e 28
Veja a fig. 6.4 que sinteti-
temas geradores28 . za os principais conceitos
integradores do pensamen-
Em 1931 a família desloca-se para uma pequena cidade perto de Recife, to de Paulo Freire.

Jaboatão, onde Freire passa o período da sua adolescência. É lá que vive a


dura experiência da morte precoce de seu pai e da coesão do núcleo familiar
(mãe, ele e três irmãos) apesar da difícil situação económica inerente a esse
acontecimento. É lá também que experimenta e aprende a dar valor à
solidariedade, conceito que impregna toda a sua obra de uma confiança
humanista nos seres humanos, atitude que fascina e seduz aqueles que apoiam
os seus pontos de vista, que leva os que criticam a sua obra a apelidá-la de
utópica mas que, em qualquer dos casos, não deixa ninguém indiferente.

Enquanto tirava o curso de Direito, começou a ensinar Língua Portuguesa no


colégio onde havia feito o curso secundário e casou com uma professora
primária, Elza Oliveira, uma figura discreta mas determinante em toda a
formação e desenvolvimento do seu pensamento educativo.

157
© Universidade Aberta
Ano Obras de referência para a intervenção
Vida
(idade) comunitária
1921 Nasce no Recife.
1931 (10) A família desloca-se para Jaboatão.
1934 (13) O pai morre.
Ingressa na Faculdade de Direito de
1943 (22)
Recife.
Casa. Ensina Língua Portuguesa no
1944-1947
Colégio Oswaldo Cruz, onde havia
(23-26)
estudado.
Contacta com a educação de adultos-
1947-1957
trabalhadores (Funções dirigentes no
(26-36)
SESI, uma Confederação sindical).
Nomeado membro do Conselho
1956-1961 Consultivo de Educação, mais tarde é
(35-40) nomeado dirigente na Prefeitura
Municipal do Recife.
Doutoramento em Filosofia da
1959 (38)
Educação. Concurso para professor.
Certificado de livre docente da cadeira
1960 (39)
de História e Filosofia da Educação.
Destituído das suas funções pela Junta
1964 (43) Militar.
Asila-se na Embaixada da Bolívia.
Trabalha no Chile como assessor do 1967 - Educação como prática de liberdade.
Instituto de Desarollo Agropecuário e 1968 - Educação e extensionismo rural.
1964-1969 do Ministério da Educação e como 1968 - Acção cultural para a libertação.
(43-48) consultor da UNESCO junto do
Instituto de Capacitación y
Investigación en Reforma Agraria.
1969-1970 Professor da Universidade de Harvard 1969 - Extensió o comunicación?
(48-49) (EUA). 1970 - Pedagogia do oprimido.
Consultor especial do Conselho 1977 - Cartas à Guiné-Bissau.
Mundial das Igrejas (Suiça). Professor
1970-1979
na Universidade de Genéve.
(49-58)
Missões da UNESCO por todo o
Mundo.
Amnistiado volta ao Brasil para 1980 - Quatro cartas aos animadores e às
reaprender o país. animadoras culturais (de S.Tomé).
1980 (59) Professor da PUC-S.Paulo e da
Universidade de Campinas –
UNICAMP.
1986 (65) Morre a primeira mulher.
1988 (67) Casa novamente.
Secretário da Educação da Prefeitura de 1991 - A educação na cidade.
1989-91 S. Paulo, convidado pelo Partido dos
(68-70) Trabalhadores. Faz reformas no sistema
de ensino público.
1991-1997 Volta à vida académica na USP, PUC- 1993 - Pedagogia da esperança.
(70-76) SP e UNICAMP. 1995 - À sombra desta mangueira.
1997 (76) Morre. 1996 - Pedagogia da autonomia.
Fonte: Gadotti (1996)
Figura 6.3 - Paulo Freire: vida e obra.

158
© Universidade Aberta
Entre 1944 e 1957 esteve ligado ao sector de educação e cultura do SESI
(órgão da Confederação Nacional da Indústria), primeiro como Director, depois
como Superintendente. Nessas funções ganhou uma forte experiência na área
de educação de adultos trabalhadores. Após esses anos de vivências no terreno
concluiu o Doutoramento em Filosofia da Educação na Universidade de Recife.
Desde então, a par da alfabetização de adultos a que continuou ligado,
dedicouse ao ensino superior leccionando em cursos de Serviço Social e de
formação de professores. Em 1956, com 35 anos, passou a fazer parte do
Conselho Consultivo de Educação do Recife, tendo mais tarde ingressado
como Director do Departamento de Documentação e Cultura daquela
prefeitura.

No âmbito das suas preocupações com a educação de adultos desenvolveu


um método de alfabetização que aplicou na cidade de Angicos (Rio Grande
do Norte), tendo conseguido resultados muito bons com cerca de 300
trabalhadores rurais em apenas 45 dias. O grande êxito da experiência fez
com que fosse convidado pelo então Ministro da Educação Paulo de Tarso
Santos para conceber um plano nacional de alfabetização, o que fez,
programando a criação de vinte mil centros de cultura para dois milhões de
analfabetos (Gadotti, 1996: 72). O plano acabou por não ser posto em prática
em virtude do golpe militar de 1964.

Sendo obrigado a sair do país pela Junta Militar, viveu cinco anos no Chile,
um ano nos Estados Unidos e dez anos em Genéve. Ao longo desses 16 anos
de exílio teve ocasião de aperfeiçoar o seu método em contextos diferenciados
e de o divulgar por todo o mundo, tanto em contexto académico29 como não 29
Freire foi professor con-
vidado de várias Universi-
académico30 . dades das quais se salientam
as de Santiago do Chile,
Regressado ao Brasil em 1980, dedicou-se, conforme afirmou então, a Harvard e Genéve, tendo
coleccionado ao longo da
reaprender o seu país, continuando a dedicar-se ao ensino e à sua vida 28 títulos de
investigação-acção, primeiro na Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo Doutoramento Honoris
Causa.
(PUC-SP) e na Universidade de Campinas (UNICAMP), depois também na
Universidade de S. Paulo (USP). Dois anos após a morte da primeira mulher 30
Sob o patrocínio da
volta a casar (1988) com uma amiga de longa data, Ana Maria, tal como Elza UNESCO e do Conselho
Mundial das Igrejas Paulo
ligada à educação e que, como ela, teve o duplo papel de companheira de Freire palmilhou todos os
afectos e de práticas profissionais. continentes, ensinando o seu
método através de muitas
centenas de intervenções em
Num breve interregno, entre 1989 e 1991 e já com perto de setenta anos, seminários e cursos e acom-
aceita o desafio de Luiza Erundina de Sousa, recém-eleita prefeita de S. Paulo panhando diversos projec-
tos de alfabetização no ter-
pelo Partido dos Trabalhadores (PT), para coordenar a política de educação reno ao longo dos 16 anos
daquele gigantesco município. Nessas funções teve ocasião de orientar em que esteve impedido de
regressar ao Brasil. Por iro-
numerosas pequenas reformas na escola pública introduzindo uma nova nia da História, a comuni-
dinâmica de participação de todos os agentes educativos. dade internacional deve à
Junta Militar a difusão mun-
dial do pensamento deste
grande educador.

159
© Universidade Aberta
Figura profundamente carismática pelo testemunho de coerência entre as teses
que defendia e a prática que gostosa e empenhadamente viveu, deixou
seguidores por todo o mundo quando morreu (1997). Indicador do valor
científico e prático da sua contribuição é, sem dúvida, o conjunto de publicações
que sobre ela se têm produzido, quer em várias centenas de artigos e ensaios,
quer no volume extraordinário de teses de mestrado e doutoramento que têm
vindo a público (Gadotti, 1996: 327-556).

Actividade 6.3

A partir da breve biografia que acabou de ler e da consulta da figura 6.3


procure identificar os acontecimentos significativos na vida de Paulo
Freire, que terão influenciado as suas ideias sobre a educação

2.2 A obra

Ao longo da sua longa vida como educador Paulo Freire escreveu várias
dezenas de livros e artigos, feitos sozinho ou em parceria, traduzidos em
diversos idiomas31 . O discurso interdisciplinar da sua obra dominado por
referências das Ciências da Educação, da Antropologia, Ciência Política,
31
A Pedagogia do Oprimi-
do, sem dúvida a sua obra Sociologia, Filosofia e Teologia, é simultaneamente denso e coloquial, fruto
mais conhecida foi, por do permanente vai-vem entre a sua actividade teórico-reflexiva e a sua prática
exemplo, traduzida em 20
línguas. cívica de educador empenhado.

Vejamos seguidamente de forma muito resumida alguns dos seus principais


escritos, procurando extrair as ideias-chave deste educador sobre a intervenção
socio-educativa32 .
32
Os conceitos-chave de
Paulo Freire encontram-se
explicados na fig. 6.4. Re- Educação como prática de liberdade
comenda-se, por isso, o cru-
zamento do texto que se se- Como refere Gadotti (1996:259), trata-se da primeira das suas grandes obras,
gue com o seu estudo.
publicada inicialmente no Chile, no exílio, e depois em vários países. Nela
Freire desenvolve as teses que havia proposto na sua dissertação para professor
da Universidade do Recife:

• a educação é um acto político, uma vez que através dela, educando


e educador em diálogo, praticam a liberdade de ensinar o outro e
aprender com ele.

160
© Universidade Aberta
Acção cultural: acção desencadeada pelas pessoas que aprendem a “ler” e a
“escrever” a sua realidade, actuando sobre ela para a transformar, assumindo-se
como criadores de cultura.
Alienação: situação em que o indivíduo está privado da razão, perdendo o domínio
de algo que lhe pertence (político, económico, cultura, etc.).
Círculo de cultura: escola não tradicional onde se pratica a educação
problematizadora.
Codificação: representação de uma situação vivida pelo educando no seu quotidiano
através de linguagem icónica (desenhos, slides, etc) a fim se poder proceder à sua
problematização.
Condicionamento ideológico: processo pelo qual as pessoas são levadas a
desenvolver um comportamento automático e acrítico perante a realidade social,
sob a forma de opiniões e condutas, fruto da socialização da ideologia dominante.
Consciência crítica: percepção que revela as razões explicativas de uma dada
realidade social, para além do que o condicionamento ideológico faz entender.
Conscientização: Processo educativo que permite, a educadores e educandos, ganhar
uma consciência crítica. Passa por um triplo processo de observar objectivamente
a realidade em questão, de descodificá-la comparando o ser da situação com o
dever ser desejado, e por definir estratégias para a sua transformação através de uma
acção cultural.
Cultura: é tudo o que as pessoas criam e que aparece como resultado da sua acção
sobre o mundo.
Descodificação: processo de análise crítica das situações codificadas.
Educar: acto dialógico do professor com o aluno, em que ambos ensinam e
aprendem com o outro assumindo serem ambos criadores e portadores de cultura.
ninguém educa ninguém. Ninguém se educa a si mesmo. Os homens educam-se
entre si mediatizados pelo mundo (Freire, 1972: 79).
Educação bancária: estilo de educação pelo qual o professor, considerado único
detentor do capital Saber (cultura), transmite-o (deposita-o) mecanicamente ao
educando que o recebe acriticamente assumindo não ser detentor de cultura.
Educação problematizadora ou libertadora: estilo de educação em que o professor
se assume como companheiro do educando na busca do saber, usando como estratégia
um permanente diálogo crítico (ver educar e conscientização). A educação constitui
uma das mais importantes práticas para a conquista do valor da liberdade (Freire,
1967)
Inédito viável: possibilidade de acção transformadora anteriormente não tentada
(inédita) mas possível (viável) ou de acção em direcção a objectivos ainda não
alcançados (inéditos) mas alcançáveis (viáveis). Sem um prévio processo de
conscientização, um processo inédito mas viável ou uma meta inédita mas viável
são categorizados frequentemente como utópicos, isto é inalcançáveis.
Palavra geradora: palavra muito usada pelo grupo de educandos na sua linguagem
quotidiana, que serve para gerar outras palavras com o fim de se chegar à 33
O leitor poderá aprofun-
aprendizagem da leitura e da escrita. dar o conjunto de conceitos
usados por Paulo Freire em
Problematização: acção de reflectir sobre o que se disse, procurando o porquê e o Gadotti, op. cit., pp 709-734.
para quê dos objectos de análise. Nesta caixa limitamo-nos a
transcrever de forma livre
aqueles que são indispensá-
Fonte: Gadotti (1996)
veis à compreensão deste
Fig. 6.4 - Principais conceitos integradores do pensamento de Paulo Freire33 texto.

161
© Universidade Aberta
• a educação é um instrumento de libertação, uma vez que exige um
acto de conscientização;

• uma educação libertadora encontra grandes dificuldades em sociedades


com condições económicas políticas e sociais enformadas por valores
e padrões culturais autoritários.

Educação e extensionismo rural

Este trabalho foi publicado em 1968 em Cuernavaca, México em colaboração


com outros autores, procurando registar uma experiência de investigação de
temas geradores para a alfabetização de camponeses chilenos de uma localidade
próxima da capital. Nele Freire

• contrapõe o conceito de educação problematizadora ao de educação


ingénua ou bancária, através da formação de uma consciência crítica
por parte dos actores educativos em presença;

• expõe uma metodologia para a pesquisa de temas geradores;

• reflecte sobre o papel do trabalhador social no processo de mudança;

• faz diversas sugestões aos coordenadores dos círculos de cultura para


a aplicação do método de alfabetização no terreno.

No mesmo ano estes textos são publicados com outros inéditos acerca da
humanização da educação e do papel educativo das Igrejas na América Latina,
sob o título Acção cultural para a libertação (editado em Portugal em 1977).

Extensió o comunicación? La conscientización en el medio rural

Publicado em Santiago (1969), este pequeno livro aborda criticamente o


conceito de extensão rural, técnica sócio-educativa então muito em voga para
ensinar melhores técnicas agrícolas aos camponeses. Considerando o modo
como estava a ser utilizada como uma forma de educação bancária, Paulo
Freire propõe como alternativa a prática de uma educação problematizadora
sob a forma de uma comunicação nos dois sentidos entre técnicos agrários e
camponeses.

Pedagogia do oprimido (1970)

Este livro é, sem dúvida, o mais conhecido e traduzido deste autor. Trata-se de
uma obra de maturidade em que são sistematizadas as principais linhas de

162
© Universidade Aberta
pensamento desenvolvidas em escritos anteriores, mas de forma mais
sistematizada. Em resumo, as suas ideias-chave contidas na Pedagogia do
oprimido são as seguintes:

• o principal objectivo da educação é libertar o oprimido da sua


condição de oprimido e o opressor da sua condição de opressor (p. 41); 34
Leonardo Boff, uma das re-
conhecidas figuras da Teolo-
• ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens gia da Libertação refere-o
peremptóriamente: Paulo
libertam-se em comunhão (pp 37-78); Freire,desde o início foi e é
considerado um dos pais
• Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo: os homens fundadores da teologia da
libertação, in Gadotti, op.
educam-se entre si, mediatizados pelo mundo (pp 79-108); cit., p 497. Confirmam este
ponto de vista as semelhan-
A par destas três ideias centrais, Paulo Freire retoma a temática da alfabetização ças que se encontram entre
os seus escritos e os de figu-
já iniciada nos seus anteriores escritos sistematizando-a em dois capítulos, um ras conhecidas da então cha-
dedicado à metodologia dialógica da pesquisa dos temas geradores (pp mada Igreja progressista
como D. Helder Câmara,
109-170) e outro à explicitação de uma teoria da acção cultural, contrapondo arcebispo de Olinda e Reci-
a uma teoria da acção anti-dialógica caracterizada pelas ideias-força de fe (vide por exemplo, 1968,
Revolução dentro da paz,
conquista, de dividir para reinar, de manipulação e de invasão cultural, uma Rio, Sabiá) e D. António
teoria da acção dialógica que integra os conceitos de co-laboração, união, Fragoso, Bispo de Cratéus,
1969, Evangelho e proble-
organização e síntese cultural (171-261); mática social, Porto, A.
Ferreira.
Ao longo do texto nota-se claramente uma convergência, do pensamento
marxista no que respeita à análise sócio-política que lhe serve de ponto de
35
jamais falou ou foi adep-
partida e da doutrina social da Igreja, nas suas propostas de intervenção. to da violência ou da toma-
Esta dupla influência não se manifesta, no entanto, com a mesma intensidade: da do poder pela força das
armas. Esteve desde jovem
com efeito, o marxismo apresenta-se, para Freire, como um poderoso a reflectir sobre a educação
instrumento analítico mas não mais que isso. A raiz filosófica da sua praxis e a se engajar nas acções
políticas mediadas pela
é o pensamento cristão, poucos anos antes rejuvenescido pelo Concílio prática educacional que
Vaticano II, a que ele próprio dá o seu contributo pessoal, sendo considerado pode ser transformadora
(Freire, A.M, 1996, in
por alguns autores como um dos fundadores da Teologia da Libertação34 . Gadotti, 1996: 42). Para
entender melhor esta opção,
Um dos aspectos em que é mais visível tal influência é, sem dúvida, na vide a última secção deste
capítulo.
empenhada opção por uma intervenção social não-violenta35, da qual a sua
tese sobre a necessidade de libertar o opressor da sua condição de opressor a
par da libertação do oprimido da sua condição de oprimido é um dos sinais 36
Encontramos a mesma tese
em D. Helder Câmara: (...)
mais visíveis36 . desenvolvimento para nós é
batalha sagrada e sem limi-
tes; superando em absolu-
to, desenvolvimentos parci-
ais, unilaterais, queremos
Os registos africanos ajudar os sub-homens (quer
se trate de subumanização
Em Cartas à Guiné-Bissau (1977) e Quatro cartas aos animadores e às pela miséria, quer se trate
de desumanização pelo
animadoras culturais. República de S.Tomé e Príncipe (1980), Paulo Freire egoísmo) a viver o desen-
procura aplicar a sua teoria da educação dialógica e da acção cultural ao volvimento integral (...),
Câmara, op. cit. p. 9.
contexto de cooperação entre povos de diferentes nacionalidades e culturas.

163
© Universidade Aberta
A prática reflectida foi a da cooperação entre a sua equipa e a das jovens
Repúblicas da Guiné-Bissau e de S. Tomé e Príncipe acabadas de ganhar a
sua independência política.

Na primeira obra começa com uma longa introdução em que o autor procura
37
Os resultados das campa- adequar as teses das suas obras anteriores, empiricamente alicerçadas em
nha da Guiné foram bastan-
te desanimadores (Torres, projectos-piloto, à escala de um país. Seguem-se dezasseis cartas a Mário
1996 in Gadotti, op. cit p Cabral, Comissário Nacional para a Educação e Cultura, e à Comissão
137), provavelmente devi-
do ao erro voluntarista de Nacional de Alfabetização. A principal tónica do livro reside na ideia que no
se haver querido alfabetizar processo de ajuda internacional, ajudados e cooperantes se empenhem numa
na língua da Administração,
o português, em vez de se relação dialógica, evitando situações de educação bancária decorrentes de
adoptarem as línguas mater- atitudes paternalistas ou infantilizadas37.
nas dos educandos. Vários
estudos sobre bilinguismo
têm apontado vários contras Na segunda, retoma um diálogo epistolar com os animadores locais, procurando
a essa estratégia, se bem que com eles reflectir a sua experiência da criação de círculos de cultura.
a segunda não seja isenta de
críticas, uma das quais a de
que a alfabetização em lín-
gua materna só tem sucesso
a longo prazo quando essa As obras da reaprendizagem do Brasil
língua tem um suporte es-
crito utilizável no dia a dia.
Em caso negativo os alfa- Foi dito atrás que, ao regressar do exílio, Paulo Freire afirmou ser seu primeiro
betizados de Hoje transfor- objectivo querer reaprender o seu país, atitude sábia esquecida com
mam-se em analfabetos fun-
cionais de Amanhã. frequência pelos que, por contingências várias (de natureza económica, política,
académica, entre outras), estiveram afastados do seu país de origem.
Há outros escritos impor- Os seus últimos escritos38 reflectem justamente esta atitude curiosa e crítica
38

tantes desta fase como Pro-


fessora sim, tia não (1993) que é uma das características de toda a sua obra.
e Cartas a Cristina (1994),
que não se comentam uma Em Educação na cidade (1991), são compiladas diversas entrevistas que
vez que a sua temática
trancende a deste manual. registam a experiência como Secretário Municipal da Educação de S. Paulo.
Nele observa-se o modelo político e educativo adoptado, em consonância
com as suas teses. Em concreto, regista-se

• o cuidado em dar voz aos agentes educativos que normalmente a


não têm (nomeadamente estudantes, professores e famílias) através
da implementação de um modelo de gestão democrática das escolas
públicas;

• o esforço de uma reforma curricular adequada às novas necessidades


dos educandos;

• a atenção aos pequenos pormenores que integram a qualidade de


vida nas escolas (instalações, equipamentos, etc);

• a dinamização de associações educativas pela criação do Movimento


de Jovens e Adultos de S. Paulo.

164
© Universidade Aberta
Na Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido
(1993), procura reflectir sobre a realidade latino-americana nos 25 anos que
mediaram as duas obras, retratando diversas lutas sociais que entretanto se
travaram. Tal reflexão continua em Á sombra desta mangueira (1995) onde
procurou desmistificar as teses do neoliberalismo dos anos noventa.

A sua concepção sobre o papel do educador, que concebe como interventor


social e político, sintetiza-se num pequeno livro publicado postumamente,
Pedagogia da autonomia (1996) de cujo índice se fez um adaptação para a
construção figura 6.5.

Ideias-força Exigências do ensino


Não há docência 1. Rigor metódico, pesquisa, espírito crítico, risco, aceitação
sem discência do novo, crítica sobre a prática, estética
2. Ética, encarnação das palavras pelo exemplo, respeito pelos
saberes dos educandos, rejeição de qualquer forma de
discriminação, reconhecimento e aceitação da identidade
cultural
Ensinar não é 3. Consciência do inacabamento, reconhecimento de se ser
transferir condicionado, curiosidade, apreensão da realidade, bom
conhecimentos senso, humildade, tolerância, alegria e esperança
4. Convicção de que a mudança é possível
5. Respeito pela autonomia do educando
6. Luta pelos direitos dos educadores
Ensinar é uma 7. Segurança, competência profissional e generosidade
especificidade 8. Compreender que a educação é uma forma de intervenção
humana no mundo, reconhecer que a educação é ideológica,
comprometimento, tomada consciente de decisões,
liberdade e autoridade
9. Disponibilidade para o diálogo, querer bem aos educandos,
saber escutar

Fonte: Freire, Paulo (1996),


Pedagogia da autonomia, S.Paulo, Paz e Terra, 5ª edição.

Figura 6.5 - Ensinar exige ...

165
© Universidade Aberta
Actividade 6.4

1. Leia com atenção a figura 6.4. A partir dela procure construir um


mapa conceptual do pensamento de Paulo Freire.

2. Complete o mapa conceptual com outros conceitos que tenha


encontrado no texto mas não estejam registados na figura 6.4.

3. Relacione cada um dos conceitos do seu mapa com os respectivos


escritos do autor e com as condições existenciais em que foram
produzidos reveja a figura 6.3).

4. No máximo numa página A4, procure reflectir sobre a sua concepção


de interventor social, confrontando-a com as exigências que Freire
defende para o papel de ensinante, seja professor ou não (fig. 6.5)
5. Confronte as principais teses de Paulo Freire com o mapa conceptual
da unidade II (página nn). Em que aspectos é que a qualidade da
intervenção social é melhorada com as propostas de Freire?

2.3 O método Paulo Freire

Uma vez apresentado o autor e a sua obra, identificados os seus pressupostos


filosóficos e explicitadas as ideias-chave que orientam o seu pensamento,
estamos em condições de entender o método de alfabetização proposto por
este educador, mundialmente conhecido como Método Paulo Freire, que se
sumariza nas seguintes etapas:

1. Levantamento do universo vocabular dos grupos que integrarão os


futuros educandos.

2. Selecção de palavras geradoras a partir do levantamento efectuado.

3. Criação de temas geradores a partir das duas etapas anteriores,


susceptíveis de desencadear uma análise crítica da situação existencial
da população-alvo.

4. Concepção de materiais educativos que integram

• fichas-roteiros com os temas e palavras geradores decompostos


em famílias fonéticas
• materiais icónicos (desenhos, slides, etc.) que codificam as
situações reveladas pelos temas e palavras geradores.

166
© Universidade Aberta
5. Desenvolvimento do trabalho de alfabetização que envolve, em cada
sessão
• a apresentação de um desafio ao grupo sob a forma de uma
situação codificada;
• a animação do grupo com o objectivo de descodificar a situação
(tema gerador) e de fazer emergir as palavras geradoras;
• trabalho com o grupo sobre as palavras geradoras
desmontando-as em bocados (sílabas), descobrindo as respectivas
famílias (através de combinações de vogais) e encontrando novas
palavras e frases através da sua combinação.

6. À medida que o trabalho vai avançando e o grupo vai adquirindo maior


grau de conscientização, vai conquistando a auto-estima de quem
descobre que é possível ser sujeito da sua própria história e não
mero objecto de uma história concebida por outros. Através deste
processo de fortalecimento progressivo, o educando deixa de estar
alienado da realidade que o envolve e passa à condição de cidadão,
empenhado numa dupla luta, de se libertar da sua condição de
oprimido e de libertar o opressor da sua condição de opressor,
este último oprimido pela desumanidade do seu papel.

Em resumo, para Freire a educação é um acto político em que o ensinante


convida e ajuda o aprendente a meditar sobre a sua condição humana,
assumindo-se como seu recurso para que ele se possa superar como pessoa -
descobrindo que é criador e portador de cultura - e possa ultrapassar os
constrangimentos sociais que o limitam a fim de se tornar um cidadão de corpo
inteiro.

Actividade 6.5

Observando a realidade do local onde vive (concelho, freguesia, bairro),


procure fazer um levantamento exploratório do volume e características
da população analfabeta. Seguidamente, só ou em grupo, simule(m) que
vai desenvolver um projecto de alfabetização para esse grupo-alvo. Que
passos daria de acordo com o que foi dito nas páginas anteriores?

167
© Universidade Aberta
3. Empowerment e advocacy, dois conceitos integradores

O processo de progressivo fortalecimento individual e colectivo que


encontramos no centro do pensamento de Paulo Freire, aliás como de outros
representantes daquilo que se tem chamado Sociologia de Intervenção, remete-
nos para dois conceitos actualmente muito utilizados: o empowerment e a
39
Na presente secção pro- advocacy39. De acordo com Carla Pinto (1998) o empowerment é
cura-se sintetizar o excelen-
te artigo de Carla Pinto
(1998) cuja identificação
Um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de
encontrará em leituras re- instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos
comendáveis. Uma vez que e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder –
a designação inglesa dos
dois conceitos é universal- psicológico, sócio-cultural, político e económico – que permite a estes
mente utilizada e não tem sujeitos aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania. (negrito
tradução directa para por-
tuguês, optou-se por man-
nosso)
ter a terminologia original.
Surgido em finais da década de setenta nos Estados Unidos no trabalho de
40
Na investigação que fez
Barbara Solomon, Black empowerment: social work in oppressed communities,
sobre o assunto, Carla Pinto este conceito tornou-se nos últimos anos uma palavra-moda no domínio da
aponta dois indicadores su-
gestivos que comprovam a
intervenção social40 , associada habitualmente à intervenção social com grupos
abundante utilização deste populacionais particularmente vulneráveis (mulheres, minorias étnicas,
conceito: na base de dados
ProQuest Social Sciences,
infectados com HIV, outros doentes, desempregados).
encontrou 172 artigos sobre
esta temática, publicados As duas ideias-chave que assinalámos na definição – acréscimo de poder e
entre 1988 e 1997; por seu
turno na XI Conferência
aumento de eficácia do exercício da cidadania – servirão de guia para a breve
Internacional sobre SIDA introdução ao tema que se segue.
(Vancouver, 1996), 101
abstracts fazem referência
ao conceito.

3.1 Raízes do empowerment

Descrevendo o poder como uma capacidade para

a) influenciar o pensamento e o comportamento dos outros,


b) ter acesso a recursos e processos disponíveis e capacidade para
influenciar a sua distribuição,
c) tomar decisões e fazer escolhas próprias e ter capacidade de as pôr
em prática,
d) vigiar e resistir, se necessário, ao poder dos outros (Pinto, 1998),

o objectivo do empowerment é, justamente, possibilitar ao sistema-cliente


dotar-se de um acréscimo desse poder.

As origens deste modo de intervenção são antigas, podendo dizer-se que ela
é resultante de diversos movimentos sociais que, em vários tempos e de vários

168
© Universidade Aberta
modos, procuraram que as pessoas assumissem um papel activo na construção
da sua história pessoal e colectiva. Constituem exemplos desses movimentos
(Simon, 1994, cit in Pinto, 1998)41 : 41
Como refere esta autora,
convém salientar no entan-
to que, alguns dos movi-
• a revolução protestante, o capitalismo mercantil e industrial42, os mentos referidos tiveram
movimentos transcendentalistas e anarquistas, com a sua doutrina efeitos perversos de
disempowerment. Foi o caso
de responsabilização de cada indivíduo pelas suas opções e com a do capitalismo com o seu
crença nas possibilidades humanas de auto-aperfeiçoamento; contingente de problemas
sociais acompanhados de
uma alienação de grandes
• a democracia Jeffersoniana, as experiências de comunidades massas populacionais redu-
utópicas e os vários movimentos de alargamento dos direitos cívicos, zidas à condição de objec-
tos da História.
económicos, sociais e culturais, com o seu apelo à cidadania activa,
no contexto da defesa dos princípios da liberdade, igualdade e 42
Os dois movimentos apre-
sentaram muitas ligações
fraternidade; como bem o demonstrou
Max Weber na sua obra clás-
Mais recentemente e já após a segunda guerra mundial constituíram influências sica sobre a ética protestan-
te e o espírito do capitalis-
importantes para o desenvolvimento da ideia de empowerment, os seguintes mo.
movimentos sociais:

• movimentos de luta pelos direitos cívicos como os do Poder Negro


(Estados Unidos), os feministas e os que defendem a emancipação de
outros grupos excluídos como os dos homossexuais e deficientes;

• movimentos anti-coloniais, como o promovido por Gandhi para a


independência da Índia43 por Fanon para a Argélia, Nyerere para a 43
Na última secção deste
capítulo poderá aprofundar
Tanzânia, Amílcar Cabral para a Guiné-Bissau e Cabo Verde; o pensamento de Gandhi.

• correntes da nova esquerda com o seu apelo à democracia


participativa, alicerçada na crescente consciencialização dos cidadãos;

• movimentos de auto-ajuda constituídos para fazer face aos novos


problemas emergentes do processo de mudança da sociedade 44
A teoria da aprendiza-
gem do comportamento
contemporânea; impotente sugere que “os
indivíduos que experimen-
• correntes de renovação religiosa, como as de diálogo ecuménico e a tam situações onde as suas
acções não têm qualquer
da teologia da libertação; efeito sobre o que lhes ve-
nha a acontecer são condi-
• novas correntes de intervenção social incubadas em ambiente cionados a não esperar dos
seus comportamentos resul-
académico e exportadas para as práticas de intervenção como a tados úteis, na maioria das
Sociologia de Intervenção, atrás referida; o movimento de situações. Este tipo de com-
portamento impotente apre-
reconceptualização do serviço social ocorrido nas décadas de 60 e 70 senta deficits aos níveis
na América latina, bem como a teoria da aprendizagem do motivacional, cognitivo e
afectivo. Se o indivíduo não
comportamento impotente, de Seligman44 , inserem-se também nesta espera conseguir influenci-
tendência. ar uma dada situação na
qual está envolvido, é pro-
vável que perca a motiva-
ção para agir de todo” (Pin-
to 1998: 16).

169
© Universidade Aberta
3.2 A advocacy

Associado ao conceito anterior surge frequentemente o de advocacy, que traduz


a acção do sistema-interventor em defesa ou em representação do sistema-
cliente.

Este conceito merece uma chamada de atenção: se o sistema-interventor se


limitar a representar o sistema-cliente junto dos decisores sociais (políticos,
administrativos, económicos, etc,) corre o risco de criar uma uma nova forma
de assistencialismo, ainda que sofisticado. Para que tal não aconteça a advocacy
deve juntar à sua componente de representação, uma perspectiva sócio-
educativa, de modo a que o sistema-interventor caminhe de um papel
representativo de cunho mais directivo, para um progressivo apagamento desse
papel, à medida em que o sistema-cliente assume a sua auto-advocacy.

3.3 Metodologia do empowerment e da advocacy

A partir de diversos trabalhos recentes (cit in Pinto, 1998: 21), regista-se alguma
convergência de pontos de vista sobre os princípios orientadores para a prática
do empowerment que se podem resumir nas seguintes orientações:

1. estabelecer um relacionamento de parceria com o cliente encarando-o


como (alguém) com direitos e deveres, potencialidades e carências;

2. dar ênfase e centrar o processo de empowerment na perspectiva da


expansão das capacidades , potencialidades e recursos, do cliente
e do seu meio envolvente;

3. manter uma abordagem dupla cliente-meio envolvente, isto é,


contextualizar sempre o cliente e a sua situação;

4. procurar direccionar de forma conscientemente selectiva a prática (…)


para populações historicamente marginalizadas e oprimidas;

5. não apressar o ritmo necessariamente lento do processo de


empowerment nem deixar-se levar pelo desencanto trazido pelas
dificuldades desta abordagem. O processo de empowerment requer
quantidades substanciais de perseverança;

6. definir programas e intervenções com base nas necessidades e


preferências expressas pelos clientes e pelas suas comunidades (Pinto,
1998, 21-25, negrito nosso).

170
© Universidade Aberta
Decorrente da multiplicidade de tendências que lhe deram origem, o conceito
de empowerment não é consensual. Como conceito-moda que é, tem sido
muitas vezes alvo de apropriação por parte de correntes político-doutrinárias 45
Um exemplo claro disto é
antagónicas, que o utilizam como arma de arremesso para defenderem os seus o uso deste estilo de actua-
pontos de vista 45 . Em suma, apresentando virtualidades notáveis, ção, por parte da corrente
neoliberal, para dar força à
nomeadamente para a perspectiva de intervenção comunitária que designámos sua política de diminuição
como modelo C de Rothman (ver unidade IV), há que utilizar estes dois da intervenção estatal. Em
contrapartida as correntes
conceitos e as estratégias a que apelam com prudência dada a ambivalência de de esquerda usam-no para
que são portadores. fundamentar as suas políti-
cas de fortalecimento de po-
pulações vulneráveis no
sentido de ganharem capa-
cidade reivindicativa face ao
Estado.
4. A não-violência activa, uma estratégia de intervenção
social46 46
Para aprofundar este pon-
to vide Carmo (1983),
Muller (1972, 1997, 1998)
e Vasto (1971).
Foi dito atrás que os processos de intervenção social em comunidades se cruzam,
com frequência, com questões ligadas aos respectivos sistemas de poder. Isto
é óbvio se pensarmos que grande parte dos problemas sociais se relacionam
com desigualdades de acesso aos recursos, necessários a garantir a qualidade
de vida das populações.

Como consequência desta situação, intervir numa comunidade significa 47


O movimento dos sem ter-
ra no Brasil inscreve-se nes-
alterar as condições de acesso a esses recursos (materiais e imateriais). Como te tipo de problemática.
muitas vezes eles são escassos ou, ainda que o não sejam, quem os tem em
excesso não está disposto a partilhá-los com quem os não tem, muitos processos 48
As movimentações dos
de intervenção social confrontam-se com conflitos de interesses de difícil residentes de bairros de clas-
se média contra a constru-
resolução. ção de bairros sociais contí-
guos e a violenta reacção de
Questões de distribuição de terras e de água em processos de reforma agrária47 , comunidades contra a ins-
talação de minorias nas suas
conflitos entre fazendeiros e índios da Amazónia, tensões urbanas em torno imediações, são exemplos
da posse de solos para diferentes utilizações48 , movimentações populares significativos de conflitos de
interesse neste domínio.
ligadas à questão do ambiente49 e situações de instabilidade decorrentes de
atropelos aos direitos cívicos, são alguns exemplos actuais, que requerem dos
sistemas-interventores estratégias adequadas de abordagem, sem as quais, 49
Divergências quanto à ins-
talação de sistemas
ou se mantém o indesejável status quo, ou se geram processos de grande agressores do ambiente (es-
instabilidade configurando várias formas de violência. tações incineradoras, cen-
trais nucleares, lixeiras e
aterros sanitários, habitações
É neste contexto que se situa a Não-Violência Activa (NVA), estratégia que em zonas protegidas, etc) e
será brevemente descrita nesta secção. tensões decorrentes de de-
sastres ecológicos (marés
negras, descargas de
efluentes não tratados, etc),
são alguns exemplos de
questões ambientais em que
os conflitos de interesses são
evidentes.

171
© Universidade Aberta
4.1 Aspectos conceptuais

Para se entender correctamente a estratégia da NVA, é importante reflectir um


pouco sobre as situações que constituem o seu alvo de actuação: todas elas
configuram um quadro de violência que se pode definir como um fenómeno
social pelo qual pessoas e bens são parcial ou totalmente afectados na sua
integridade funcional pela força, situação essa considerada condenável à
luz dos direitos humanos internacionalmente aceites (Carmo, 1983: 10).

Esta definição permite chamar a atenção para os seguintes factos:

• a violência resulta de um jogo de forças entre dois interlocutores


50
Sobre este conceito de – quem a exerce e quem a sofre;
poder vide Moreira, A.,
1979, Ciência Política, Lis-
boa, Bertrand, p.152; e • é uma situação em que o poder, concebido como uma relação entre a
1986, O Pacifismo, “Estu- capacidade de obrigar e a vontade de obedecer50 , está desigualmente
dos Políticos e Sociais”, Lis-
boa, ISCSP, vol. XIV, (3- distribuído em favor de quem exerce a violência;
4), pp. 5-30.
• apesar de ser uma situação condenável à luz dos direitos humanos
51
Ex: os diversos modos
como são encarados os cas-
internacionalmente aceites, não deixa de ser um conceito relativo na
tigos corporais aplicados às sua operacionalização: no plano individual, aquilo que uns poderão
crianças, considerados vio-
lentos em certas sociedades
considerar não violento é, por outros, considerado violento51 ; num
e meramente educativos quadro mais amplo, aquilo que numas sociedades é considerado
noutras.
aceitável num quadro de paz social, noutras poderá ser tomado como
um violento atropelo aos direitos humanos52 ;
52
Ex: os diferentes modos
de se encarar a pena de mor-
te e os trabalhos forçados
• para subsistir, a violência exige a manutenção da capacidade de obrigar
nos quadros normativos de e da vontade de obedecer.
diferentes países.
Os quadros de violência não têm todos a mesma origem: de acordo com Hector
53
Valla, H., 1973, A violên- Valla53 esta pode ter origem numa ordem social injusta (violência
cia, Lisboa, Ed Paulistas.
opressora)54 , protagonizada pela acção directa do Estado (violência estatal)
ou mais subtilmente por um sistema normativo ilegítimo face aos direitos
Exemplos deste tipo de humanos internacionalmente aceites (violência institucionalizada), ou ainda
54

violência, que se acoberta


muitas vezes sob a capa da- na reacção a essa ordem social (violência subversiva).
quilo que Adriano Moreira
chama clandestinidade do Um indicador de violência estatal é a muito denunciada impunidade com
Estado, podem ser encon-
trados nos relatórios da que alguns organismos do Estado agem na sua relação com os cidadãos. Por
Amnistia Internacional. detrás deste comportamento está uma concepção do papel da polícia e de
Retratando a situação no
Brasil vale a pena ler outros órgãos de segurança, que acentua a sua função repressiva em vez da
Dimenstein, G., 1996, De- sua faceta de apoio e garante da segurança do cidadão. A violência estatal
mocracia em pedaços,
S.Paulo, Companhia das tem-se observado sobretudo em algumas áreas críticas como durante a
Letras. instrução criminal e no interior do sistema prisional. Nalguns países a mão do
aparelho estatal estende-se mesmo a acções clandestinas como as operações
de extermínio de grupos marginalizados.

172
© Universidade Aberta
A violência legal ou institucionalizada de que nos fala Valla, ocorre através
de quadros normativos explicitamente violentos como os que permitem a
pena de morte, os que legitimam os interrogatórios sob violência, a
regulamentação prisional desumana, etc); mas também se regista em quadros
normativos implicitamente violentos, por omissão ou por inoperância,
vulneráveis à acção violenta dos actores legais (através da insuficiência de
garantias constitucionais, de lacunas legais e de omissões regulamentares.

Por parte da sociedade civil observa-se também a ocorrência de situações de


violência a que Valla chama violência subversiva, a qual pode assumir a
forma de violência subversiva organizada (ex: grupos de guerrilha), ou
desorganizada (protagonizada por exemplo por delinquentes).

Contra este modo de resolver problemas e conflitos situam-se os chamados


movimentos de não-violência activa (NVA):

A esta estratégia sócio-política têm-se dado vários nomes: resistência


passiva, não-violência e não-violência activa. Preferimos o último,
pois o termo resistência passiva tem a nosso ver elementos que alteram
o seu significado real: por um lado, resistência, é um termo que está
ligado a uma estratégia defensiva. Por outro o termo passiva vai
sublinhar essa conotação dando a ideia que se trata de uma metodologia
meramente reactiva e desprovida de iniciativa. Ora, a verdade é que
se ela é desencadeada por uma reacção a uma situação considerada
injusta, tem como pressupostos um projecto de sociedade e de homem
novo bem como uma metodologia própria, o que lhe confere um cariz
fortemente dinâmico e antecipativo (Carmo, 1983: 12-13)

4.2 Fundamentos filosóficos da NVA

As raízes desta estratégia são muito antigas encontrando-se alusões a este modo
de actuar em diversos textos sagrados do judaísmo, do cristianismo, do
islamismo, do budismo e do hinduísmo. A actuação dos primeiros cristãos
face aos seus perseguidores é um exemplo da antiguidade desta técnica e, São conhecidas as figuras
55

do Mahatma Gandhi e de
simultaneamente, da sua eficácia real, traduzida na cristianização do império Nehruh na Índia, de
romano. Gandhi, Luthuli e do pró-
prio Nelson Mandela na
África do Sul, de Allinsky,
Na consciência profana a alternativa não-violenta à resolução dos problemas Luther King e Cesar Chavez
pela força registou uma significativa evolução através dos tempos, tanto na nos Estados Unidos, de
Lech Walesa na Polónia, de
progressiva instauração de ordens jurídicas mais humanizadas, como no D. Helder Câmara e Paulo
crescente avanço dos direitos humanos. Freire no Brasil e de tantos
outros que, com a sua práti-
ca e a sua liderança deram
Para isso muito contribuiu o carisma de grandes figuras recentes que visibilidade à estratégia de
protagonizaram lutas gigantescas em favor da dignidade humana55 bem como NVA.

173
© Universidade Aberta
a eficácia dos resultados dessa estratégia no terreno, em alternativa à acção
Exemplos evidentes de vi- violenta56. As várias correntes e figuras que defendem a NVA como forma de
56

tórias obtidas através da


NVA foram: a independên- intervir apresentam uma matriz personalista que se traduz nos seguintes
cia da Índia, o fim do princípios:
apartheid, a conquista de
direitos cívicos nos EUA pe-
los negros, a queda do muro • na exigência de uma prévia reflexão ética sobre a sociedade, assente
de Berlim e a na ideia de que o homem é um fenómeno que não se repete;
consciencialização para os
problemas do ambiente.
• na coerência entre a reflexão ética e a prática política

• na coerência entre meios e fins que no dizer de Gandhi, se assemelham


57
Ex: não é possivel plantar
paz através da guerra, como
às sementes e às plantas57.
a História recente bem mos-
tra. As gerações que foram Assentando em fundamentos éticos de natureza personalista, a NVA não se
socializadas nas lutas arma-
das pela libertação dos ter-
pode refugiar numa perspectiva maniqueísta, considerando-se uma estratégia
ritórios dependentes têm de eleitos e remetendo outros modos de actuar para o campo dos malditos.
tido enorme dificuldade em
aprender a dirimir os con-
Confrontados com este risco, alguns doutrinadores como Gandhi, salientaram
flitos sem ser pelas armas três tipos de problemas éticos que ocorrem no uso desta estratégia:
uma vez que absorveram
uma cultura militar.
• o facto de a NVA ser um tipo de violência moral: qualquer tipo de
NVA é uma forma de violência moral uma vez que pressiona de algum
modo os adversários no sentido desejável;

• os prejuízos causados ao adversário: muitas vezes ao fazer valer os


seus direitos um movimento de NVA prejudica seriamente não só o
adversário mas mesmo terceiros, inocentes:

quando Gandhi iniciou o movimento de não-cooperação com a


indústria têxtil que culminou com a adopção do khadi como trajo
nacional indiano, tal campanha teve como consequência uma crise
económica grave na indústria têxtil inglesa o que levou ao desemprego
muitos operários (Carmo, 1983: 22);

• o risco de desencadeamento violência pelo eventual descontrole de


uma situação causada por uma acção não-violenta; exemplo desta
situação foi a explosão de violência que se deu em 1920, no decorrer
de uma campanha de desobediência civil promovida por Gandhi, o
que o levou a interromper a campanha de não-cooperação por vários
anos.

Os dois primeiros problemas não devem ser ignorados. A chave para a sua
resolução parece estar na análise dos custos comparativos da acção de NVA.
De acordo com estes autores a acção tem legitimidade se os danos por si
causados forem menores que os danos que a actual situação causa. Por outro,
lado ainda que seja uma coacção moral, interessa compará-la com a situação
presente no início da acção. O critério que preside à legitimação da acção é,
portanto, o da violência menor e não o da ausência de violência.

174
© Universidade Aberta
Quanto ao terceiro problema, pode ser evitado com uma organização das
acções, que vise controlar e encaminhar para acções não-violentas, as
energias desencadeadas pelo processo de consciencialização da injustiça.
Esta questão remete para a necessidade de uma pedagogia e de uma gestão
da não-violência de que se falará a seguir.

4.3 Fundamentos socio-políticos da NVA

Considerando como objectivos básicos de qualquer sistema político os de


promover a coesão social e a orientação para os projectos colectivos, a
estratégia da NVA procura apresentar-se como uma alternativa viável para
alcançar esses desígnios.

A análise dos conflitos que assolam o planeta mostra que uma das mais fortes
raízes das atitudes favoráveis à resolução de problemas por via violenta, reside 58
Thoreau, H.D., 1987, A
no modo como os actores sociais foram socializados: populações que viveram desobediência civil, Lisboa,
prolongadas situações de conflito armado, interiorizaram os valores e padrões Edições Antígona.

duma cultura militar, caracterizada por estratégias de sobrevivência e de


relacionamento humano dominantemente agressivas, apresentando muitas 59
O conceito de legitimida-
de difere do de legalidade:
dificuldades em se adaptar a uma cultura em que os valores e os padrões enquanto que o primeiro
pacíficos sejam dominantes. É por isso que muitas das principais figuras que exprime uma relação de co-
defendem a NVA, salientam o seu valor sócio-educativo, tanto para ensinar erência entre um dado acto
e uma matriz ética que o
as populações a negociar os seus interesses sectoriais (princípio da coesão) fundamenta, o segundo re-
porta-se à coerência entre
como para adquirir consensos sobre as políticas a adoptar (princípio da um acto e um dado quadro
orientação). legal. Assim, o boicote às
uvas da Califórnia promo-
Do ponto de vista da socialização política a vivência de experiências de luta vido por Cesar Chavez (vide
caso 6.2 ) foi legítimo mas
através da NVA permite aos protagonistas consciencializar o seu poder de não legal, enquanto que a
não cooperar com a injustiça e interiorizar que o poder sobre o qual esta se prisão de Xanana Gusmão
promovida pelas autorida-
escora requer o seu consentimento. Esta constatação levou figuras como des indonésias foi legal (de
acordo com o quadro
Thoreau 58 , Gandhi, Luther King e muitos outros a defenderem a normativo vigente no país)
legitimidade59 da desobediência civil face a uma ordem jurídica injusta mas ilegítima aos olhos da
(Carmo, 1983: 25-26). Deste modo, para a NVA a ideia de coesão social comunidade internacional.

deve estar associada à de coerência entre legalidade e legitimidade, sem a


qual não pode haver paz social60 . 60
Esta ideia encontra-se cla-
ramente exposta em muitos
documentos das Nações
No que respeita ao objectivo político da orientação colectiva, a NVA propõe Unidas, bem como em tex-
algumas ideias interessantes que seguidamente se apontam. tos doutrinários de várias
proveniências. A igreja ca-
• Programa construtivo: qualquer acção de NVA não deve tólica ao promover as cha-
madas Comissões Justiça e
circunscrever-se à mera denúncia de uma dada situação considerada Paz é um bom exemplo des-
ta atitude.

175
© Universidade Aberta
injusta, mas deve conter elementos que integrem o anúncio de
61
Vide na figura 6.4 a noção alternativas viáveis61 .
de inédito viável.

• Organização: dadas as energias sociais que liberta que devem ser


adequadamente enquadradas e a necessidade de manter a coerência
entre meios e fins (vide supra), qualquer movimento que use a estratégia
da NVA deverá ser cuidadosamente organizado, nomeadamente nos
seguintes aspectos: direcção coesa e centralizada, formação de quadros
62
“Há que definir, por exem- e previsão das energias libertadas através da repartição de papéis62.
plo quem está disponível e
preparado para acções di- Em resumo pode concluir-se que, em termos sócio-políticos, a não-violência
rectas e quem vai apoiar eco-
nomicamente o movimen- activa (NVA) procura alterar os processos de comando social, tanto no
to” (Carmo, 1983: 29). que respeita aos que visam a coesão como a orientação colectiva, a partir
duma visão personalista da intervenção social. À tónica de conquista do poder,
escolhida por muitas doutrinas políticas, opõe uma tónica de exercício do
poder, por parte de cada cidadão, como sujeito da sua história e protagonista
solidário de uma história colectiva em construção.

4.4 Metodologia da NVA

Escorada nos princípios político-doutrinários atrás descritos, a estratégia de


NVA operacionaliza-se em passos bem definidos que integram uma
metodologia rigorosa, apresentada de forma diagramada na figura 6.6.

63
Este princípio, enunciado
por Gandhi e seguido por Análise da Situação
todos os doutrinadores da
NVA, defende que a busca
da Verdade constitui o de-
Neste primeiro passo pretendem-se atingir dois objectivos:
sígnio humano fundamen-
tal: ninguém se pode consi- • conhecer as características da injustiça, uma vez que a ignorância
derar dono da Verdade pelo
que a deve procurar tanto
da situação fornece argumentos ao adversário porque trai o princípio
em si como no Outro ainda da Verdade acima de tudo63 , retirando a imagem de autenticidade do
que seja um adversário (o
termo inimigo é proposita-
movimento perante a opinião pública;
damente excluido do voca-
bulário da NVA). Para pro- • avaliar a relação de forças em presença, que consiste em: fazer um
curar a Verdade, o único
método legítimo e eficaz é
retrato rigoroso da situação recolhendo provas adequadas, confrontar
o da não violência, deven- o retrato efectuado com a matriz ética defendida, localizar a injustiça
do o militante da NVA acei-
tar o sofrimento que daí
a denunciar e a combater, identificar potenciais adversários e suas
pode decorrer para a sua li- razões, identificar potenciais aliados, activos e passivos, identificar
berdade e integridade físi-
ca. Estes três princípios in-
as principais redes de poder de decisão (sede do Poder), identificar
tegram a doutrina do as concepções do Mundo e da vida em presença (ideologia do Poder)
Satyagraha, etimologi-
camente busca da verdade
e identificar o quadro jurídico que dá cobertura à situação de injustiça
(Carmo, 1983: 16). (forma do Poder).

176
© Universidade Aberta
Análise da situação

Escolha do objectivo

Primeiras negociações

Apelo à opinião pública

Envio de um ultimato

Acções directas

Acções de não cooperação Acções de intervenção directa

Devolução Greve Boicote Recusa Objecção Sit-in Obstrução Usurpação Governo


de títulos e colectiva ao de civil paralelo
condecora- imposto consciência
ções

Greve Greve Hartal Greve de


parcial geral fome
ilimitada

Fonte: Muller, 1972: 121-172

Figura 6.6 - Momentos e técnicas da NVA.

Escolha do objectivo

Analisada a situação com a objectividade possível, a organização está em


condições de poder definir o(s) objectivo(s) pelo qual se vai lutar. Os critérios
para se definir correctamente um objectivo são, de acordo com Muller (1972)
os seguintes:

• deve ser exequível, isto é, possível de alcançar. Objectivos utópicos


não só são inúteis pela sua ineficácia, como produzem efeito de vacina

177
© Universidade Aberta
sobre a população retirando-lhe confiança sobre a viabilidade de
futuramente lutar pelos seus direitos;
64
A precisão do objectivo • deve ser preciso e limitado no tempo e no espaço64;
pode observar-se pela res-
posta clara e rigorosa às clás-
sicas perguntas de Lasswell: • deve ter em conta a futura reconciliação com o adversário ou, pelo
o quê? quem? onde? quan- menos, a coexistência pacífica com ele, após o termo do processo de
do? quanto? como? e por-
quê? bem como pela respos- intervenção.
ta afirmativa à questão: este
objectivo é avaliável? Ou
seja, está equacionado de
modo a podermos concluir
num dado horizonte tempo- Primeiras Negociações
ral que o conseguimos (ou
não) alcançar? As primeiras negociações visam
• abrir canais de comunicação entre as partes em litígio (suportes de
informação, sistemas de mediatização dos discursos, etc); e
• reduzir os filtros comunicacionais (estereótipos e outros filtros
produtores de ruído na transmissão e na interpretação das mensagens).

Para isso, constituem metas das primeiras negociações:


• expressar aos representantes do adversário as conclusões da
análise da situação e os objectivos do movimento: nas primeiras
negociações e nas que se lhes seguirem o comportamento dos actores
deve ser pautado por critérios de objectividade, rigor e clareza no
discurso;
• dar testemunho da metodologia não violenta: para alcançar esta
meta é exigível um comportamento de respeito pelo adversário, uma
atitude de racionalidade na argumentação e a explicitação da
metodologia não violenta;
• apresentar uma imagem de determinação, procurando mostrar que
se está disposto a assumir as consequências dos actos praticados dentro
do quadro legal existente.

Apelo à Opinião Pública


65
De acordo com Adriano
Moreira (1979: 152) o po-
Se as primeiras negociações não resultarem o passo estratégico seguinte é o
der político assenta o seu de alargar o conflito à praça pública procurando dar a máxima publicidade
poder no apoio activo dado
por certos segmentos soci-
ao movimento, às suas razões e objectivos, e ganhar aderentes.
ais (através de financiamen-
to, militância, etc.) e no O que se pretende com este apelo é movimentar a opinião pública no
apoio passivo do resto da sentido de retirar a sede de apoio passiva65 ao poder político e, tanto
população, pela sua não
oposição ao exercício desse quanto possível, neutralizar a sede de apoio activa. (Carmo, 1983:
poder. 36)

178
© Universidade Aberta
Os tipos de apelo podem ser vários: comunicados, petições, desfiles, marchas,
greves de fome limitadas, entre outros. Dois aspectos revelam-se indispensáveis
nesta fase:

• tomar a iniciativa de controlar a informação que passa para a opinião


pública e

• verificar previamente o seu rigor e veracidade.

Um exemplo interessante de uma acção que visou apelar à opinião pública


mundial para que olhasse a então pouco falada questão de Timor, foi a operação
protagonizada pelo navio Lusitânia Expresso: o seu aluguer, o recrutamento
dos passageiros, alguns dos quais altamente mediáticos, a publicitação da
intenção de fazer a viagem entre Lisboa e Dili, a viagem em si, o contacto
com a armada indonésia que proibiu a entrada em águas de Timor, foram
factos bem explorados no sentido de alertar a opinião internacional para o
drama de Timor.

Envio de ultimatos e acções directas

O ultimato é o traço de união entre as tentativas de acordo negociado e a


prova de força da acção directa, como o caso 6.1 ilustra:

Caso 6.1 O ultimato a Smuts


66
Exemplos desta modali-
Um exemplo de ultimato é o que fez Gandhi em 1908 ao general Smuts a dade foram a devolução por
propósito do Asiatic Act, conhecido por Black Act, pelo qual era criado um Gandhi ao Vice-Rei da Ín-
dia, das condecorações que
bilhete de identidade especial para os indianos. dado o general Smuts ter havia recebido na guerra dos
quebrado o compromisso de anular aquela lei, Gandhi deu-lhe um prazo, findo boers; situações semelhan-
tes ocorreram durante a luta
o qual aconselharia todos os indianos a queimar o seu bilhete de identidade e civil contra a guerra do
a aceitar as consequências desse acto de desobediência civil, o que de facto Vietname.

aconteceu. (Carmo 1983: 38)


67
Um dos mais conhecidos
O passo para a acção directa, em caso de fracasso das negociações anteriores, boicotes da História foi o que
a população negra de
nem sempre é fácil de dar, uma vez que exige muito maior empenhamento por Montgomery fez aos auto-
parte dos protagonistas, podendo ter de entrar no campo da desobediência carros até que deixasse de
ocorrer a situação de segre-
civil com todos os riscos daí decorrentes. Muller tipifica as acções directas em gação. Após muitos meses a
acções de não cooperação e acções de intervenção. andar a pé e recorrendo a
meios alternativos, acabou
a segregação a pedido das
As acções directas de não cooperação, que têm por objectivo retirar o apoio próprias companhias de
ao adversário, usando o poder de não cooperar com ele, podem assumir diversas transportes que não conse-
guiram suportar por mais
modalidades: a devolução de títulos e condecorações66 , os boicotes67, a tempo os prejuizos.

179
© Universidade Aberta
objecção de consciência, a recusa colectiva ao imposto, a greve parcial (nas
68
O hartal consiste na greve
suas diversas versões, desde que não apoiadas em piquetes com acção agressiva
geral não só da população sobre quem quer trabalhar), a greve geral e o hartal68 .
activa mas de toda a socie-
dade civil. Os casos de
hartal são raros, registando-
se ocorrências durante o
processo de independência
da Índia e após a invasão
soviética da Hungria, em
1956.
Caso 6.2 O boicote às uvas da Califórnia

Cesar Chavez, um americano de origem mexicana, deparando com a forte


exploração de que eram alvo os chicanos que trabalhavam nas vinhas
californianas decidiu, em 1965, formar um sindicato. Após longos meses de
estudo da situação e de organização dos camponeses pobres, apresenta uma
lista de reivindicações ao patronato. Como este se recusasse a negociar é
organizada uma greve. É de salientar a metodologia não-violenta deste
movimento. Os piquetes de greve, por exemplo, tinham instruções expressas
para unicamente informarem os trabalhadores da situação e apelar-lhes para a
paralisação. A reacção dos proprietários foi violenta apoiada nas autoridades
locais, tendo havido muitos despedimentos e recrutamento de trabalhadores
doutros locais.

Nessa altura, César Chavez decidiu organizar o boicote às uvas, tendo-se criado
piquetes de boicote em todos os Estados Unidos os quais se revelaram de
grande eficácia. Organizou-se seguidamente uma marcha de 500 km para a
cidade de Sacramento a fim de dar publicidade ao movimento. Em Boston foi
feita uma representação da Boston tea party culminando no lançamento de
caixas de uvas ao mar. Em muitos sítios organizaram-se comités de apoio
formando-se pouco a pouco uma opinião favorável, o que permitiu o suporte
financeiro dos grevistas. Os proprietários decidiram então exportar o mais
possível os excedentes que tinham. O sindicato dos estivadores em S. Francisco
recusou-se a carregar a uva destinada ao Oriente. Em Inglaterra, Finlândia,
Suécia e Noruega os estivadores entretanto alertados, recusaram-se a
descarregar toneladas de uva. Apesar da intervenção das forças armadas que
fizeram compras maciças para os soldados do Vietname o boicote não foi
quebrado. Após cinco anos de luta os proprietários cederam tendo reconhecido
o sindicato e as suas reivindicações em 29 de Julho de 1970. Na sua declaração
final Chavez referiu: (...) Hoje, numa altura em que há tanta violência neste
país estamos felizes por mostrar que este acordo justifica a nossa posição: a
justiça social pode ser realizada pela acção não-violenta (Carmo, 1983: 40-41)

180
© Universidade Aberta
As acções directas de intervenção visam uma confrontação directa com o
adversário, contrariamente às acções de não cooperação que têm por objectivo
retirar-lhe as fontes de poder69 . O movimento Greenpeace é um exemplo de 69
Poderá encontrar uma aná-
lise mais detalhada em
uma ONG que recorre com frequência a este tipo de acções, dispondo já de Carmo, 1983 e Muller, 1972
uma experiência e de uma organização logística bastante sofisticada.

As modalidades de acção directa são muitas, destacando-se, pela frequência o


sit-in, o die-in, a obstrução de vias de comunicação, a usurpação civil e o
governo paralelo.

As duas primeiras, muito usadas em campanhas pelos direitos cívicos, nas


lutas contra a implantação de sistemas nucleares (centrais e sistemas de armas)
e em acções em favor do ambiente, consistem em sentar-se (ou deitar-se) no
território do adversário e não sair de lá pelo seu pé enquanto não forem
reconhecidos os direitos reivindicados.

A obstrução de vias de comunicação tem sido muito usada por agricultores e


camionistas europeus como suporte às suas reivindicações.A usurpação civil
e o governo paralelo são modos mais raros de acção, pretendendo paralisar o
aparelho de Estado através de greves de zelo, de boicote interno de informações,
de criação de chefias paralelas etc. Exemplos deste tipo de actuação ocorreram
nos meses que precederam a democratização dos países de Leste que culminou
com a queda do muro de Berlim em 1989.

Actividade 6.6

Imagine que na sua zona de residência vai ser instalada uma central de
tratamento de lixos e que não se regista acordo entre a população e a
autarquia sobre tal investimento.

Considerando que vai realizar-se brevemente uma reunião entre a


comissão de moradores e uma equipa de técnicos da autarquia, a fim de
examinarem o problema e proporem soluções adequadas, elabore dois
memorandos para preparar essa reunião, recorrendo ao que leu sobre os
conceitos e técnicas de empowerment e advocacy bem como à estratégia
de NVA, para dois cenários possíveis: pertencer à comissão de moradores
e ser técnico da autarquia.

181
© Universidade Aberta
5. Em síntese

Nesta unidade começou-se por fazer um breve panorama da Sociologia de


Intervenção, recorrendo-se a uma tipologia segundo um critério de
complexidade sistémica do sistema-cliente.

Seguidamente apresentou-se o método Paulo Freire como paradigma de uma


Sociologia de Intervenção, em que as escalas micro, meso e macro se encontram
bem integradas.

Na terceira secção reflectiu-se sobre as noções de empowerment e advocacy,


como dois conceitos integradores de uma Sociologia de Intervenção ainda
que dotados de grande ambivalência.

Finalmente, descreveu-se a não-violência activa, como estratégia de intervenção


social integrante na perspectiva da Sociologia de Intervenção.

Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer


ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

Leituras complementares

BARBIER, René
1997 A pesquisa-acção, Brasília, U.de de Brasília.BRASILEAD.

BROWn, M. e May, J.
1990 O Movimento Greenpeace, Lisboa, Círculo de leitores.

CARMO, Hermano
1983 Não violência activa e sistema político, Lisboa, ISCSP, in Estu-
dos Políticos e Sociais vol. XI, nºs 1 e 2, 1983.

182
© Universidade Aberta
FREIRE, Paulo
1967 Educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro, Paz e
Terra.
1972 Pedagogia do Oprimido, Porto, Afrontamento.

MULLER, Jean-Marie
1972 Strategie de l’action non violente, Paris, Fayard.
1997 Princípios e métodos de intervenção civil, Lisboa, Instituto
Piaget.
1998 O princípio de não violência: percurso filosófico, Lisboa, Ins-
tituto Piaget.

HESS, Remi
1982 Sociologia de Intervenção, Lisboa, Rés

GADOTTI, Moacir (coord.)


1996 Paulo Freire: uma biobibliografia, Brasília, Cortez Editora/
UNESCO/ Instituto Paulo Freire.

PINTO, Carla
1998 Empowerment: uma prática de serviço social, in VVAA, 1998,
Política social, Lisboa ISCSP.

TAVARES DA SILVA, Manuel


1983 A liturgia psicossociológica, in “Psicologia”, IV (3-4), 1983, pp
263-324.

VASTO, Lanza del


1971 Technique de la non violence, Paris, Denöel/Gonthier.

183
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
7. Metodologia da intervenção comunitária

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. Uma bússola para a intervenção comunitária: a abordagem sistémica


1.1 O macroscópio
1.2 O nevoeiro informacional
1.3 A questão da informação no trabalho comunitário
1.4 O que é a abordagem sistémica?
1.5 Aplicação da abordagem sistémica ao trabalho comunitário
Actividade 7.1

2. Passos para a intervenção em comunidades


2.1 Aspectos gerais
2.2 Estudo e diagnóstico
Actividade 7.2
2.3 Planeamento e programação em Desenvolvimento Comunitário
Actividade 7.3
2.4 Execução e administração de programas em Desenvolvimento Comunitário
2.5 Motivação e liderança em intervenção comunitária: aproximações teóricas

2.6 Avaliação de programas

3. Redes e parcerias
3.1 Os novos desafios
3.2 Papel das Misericórdias
3.3 A questão das parcerias

4. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

187
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a

• explicitar as principais virtualidades da abordagem sistémica;

• discutir os conceitos de nevoeiro informacional, sobre-informação, sub-


informação e pseudo-informação;

• aplicar a abordagem sistémica ao trabalho comunitário;

• enunciar as diversas fases do trabalho comunitário;

• definir os principais objectivos da fase de estudo e diagnóstico de uma


comunidade;

• descrever as técnicas de recolha de dados mais usadas em trabalho


comunitário;

• explicitar os aspectos mais relevantes no planeamento da intervenção


comunitária;

• explicitar os aspectos mais relevantes na administração de projectos


de intervenção comunitária;

• identificar algumas contribuições para o entendimento dos processos


de motivação e liderança nas comunidades;

• discutir os conceitos de avaliação, de eficácia e de eficiência;

• descrever alguns novos desafios com que as comunidades actuais se


confrontam;

• discutir o papel das Misericórdias no contexto da intervenção


comunitária em Portugal;

• explicar a importância do trabalho em parceria e as suas exigências.

188
© Universidade Aberta
1. Uma bússola para a intervenção comunitária: a abordagem
sistémica

Era uma vez, há muitos anos, na distante Índia, seis cegos decidiram
dar um passeio pela selva. Em dada altura, tendo esbarrado com um
obstáculo, um deles bradou. - Cuidado! Uma serpente!

Após o pânico inicial, o aviso desencadeou uma onda de reacções


contraditórias, à medida que cada um opinava sobre o obstáculo
desconhecido: - Que disparate! É um muro! - disse o segundo cego. -
Não! É uma árvore! Afirmou o terceiro. - A mim parece-me um leque,
retorquiu o quarto. - Não percebes que é uma lança de que alguém se
esqueceu?! Comentou agastado o quinto. O sexto, que vinha um pouco
atrás conversando com um servo, o único do grupo que via, comentou:
- a mim parece-me uma simples vassoura. E tu meu leal servidor que
te parece?

- Eu apenas vejo um elefante, meu senhor!

Esta velha história indiana que já ouvimos contada de mil diferentes maneiras,
chama a atenção para dois problemas bem prosaicos com que qualquer
interventor social se depara permanentemente.

Em primeiro lugar, para a questão da multiplicidade de pontos de vista sobre


a mesma realidade, que condiciona a percepção dos observadores. Assim,
ao esbarrar respectivamente com a tromba do animal, com o seu dorso, com
uma perna, com uma orelha, com um dente e com o rabo, cada um dos cegos
associou o obstáculo à sua experiência anterior, havendo tirado conclusões
erradas. Este problema reafirma a necessidade1 de uma rigorosa vigilância do 1
Esta precaução foi já refe-
rida na unidade 2.
sistema interventor sobre as suas próprias percepções, condicionadas pela
cultura de que é portador.

O segundo ensinamento desta história tem a ver com o erro comum a qualquer
dos seis primeiros protagonistas: é que qualquer deles tinha uma percepção
parcial da realidade. Para identificarem o inesperado obstáculo, foi necessária
a ajuda do servo que possuia uma visão de conjunto do mesmo. Em qualquer
situação de intervenção social e, por maioria de razão, se se tratar de uma
intervenção em comunidades, o sistema-interventor dificilmente será eficaz se
não possuir uma visão de conjunto sobre o sistema-cliente e sobre o ambiente
em que se processa a intervenção.

189
© Universidade Aberta
1.1 O macroscópio

Esta questão é, aliás, comum a outras realidades do Mundo e da Vida. Na


abertura da sua já clássica obra sobre a abordagem sistémica Joël de Rosnay
chama a atenção para a necessidade de uma nova visão global que permita
discernir o que ele chama domínio do infinitamente complexo:

Microscópio, telescópio: palavras que evocam as grandes descobertas


científicas no campo do infinitamente pequeno e do infinitamente
grande. O microscópio permitiu um vertiginoso mergulho nas
profundezas do ser vivo, a descoberta da célula, dos micróbios e dos
vírus, o progresso da biologia e da medicina. O telescópio abriu ao
espírito a imensidade do cosmos, traçou a rota dos planetas e das
estrelas e preparou o homem para a conquista do espaço.
Hoje encontramo-nos perante um outro infinito: o infinitamente
complexo. Mas desta vez não há instrumentos: apenas um cérebro nu,
uma inteligência e uma lógica desarmadas perante a imensa
complexidade da vida e da sociedade.
(...) Precisamos pois de um instrumento novo, tão precioso como o
foram o microscópio e o telescópio para o conhecimento científico do
Universo, mas que seria, desta feita, destinado a todos aqueles que
tentam compreender e situar a sua acção.
A este instrumento chamei macroscópio (macro, grande e skopein,
observar) (Rosnay, 1975: 9).

2
O texto que se segue é uma 1.2 O nevoeiro informacional2
adaptação resumida do que
se escreveu em Carmo,
1997, Ensino superior a
distância ..., op. cit., pp 78 Uma das características da realidade social que nos rodeia é justamente a sua
e sgs. complexidade, o que dificulta extraordinariamente o seu entendimento. Para
exprimir esta dificuldade Edgar Morin propõe o conceito de nevoeiro
3
Morin, E., s/d, As grandes informacional 3 , que impede o homem contemporâneo de enxergar
questões do nosso tempo,
Lisboa, Editorial Notícias, convenientemente a realidade que o rodeia. De acordo com este autor, o
pp. 19-26, data da 1ª ed. nevoeiro informacional integra três componentes que funcionam como filtros
1981.
entre o observador e a realidade:

• A sobre-informação, que se traduz no excesso de informações inúteis


em que é imerso no seu quotidiano. Em termos práticos, a situação de
sobre-informação está sempre presente quando um interventor social
se confronta com um qualquer sistema-cliente. Tal excesso de
informação inútil dificulta-lhe extraordinariamente a análise do real
(produz ruído), indispensável para poder desenvolver uma acção
adequada.

190
© Universidade Aberta
• A sub-informação, segundo elemento do nevoeiro informacional, 4
As grelhas de análise para
estudo e diagnóstico de co-
decorre dos insuficientes dados sobre o que nos envolve. Uma típica munidades propostas por al-
situação de sub-informação era a dos cartógrafos do século XIX que, guns autores, com excessi-
vas variáveis, conduzem a
para não fantasiarem os seus mapas se viam coagidos a representarem situações de sobre-informa-
extensas regiões desconhecidas a branco. ção. Voltaremos ao assunto.

5
Muitas são as situações de
• Para dificultar ainda mais a percepção ainda existe a pseudo- sub-informação em interven-
informação, ou seja o conjunto de informações deliberada ou ção social. Três exemplos
nos bastarão para ilustrar esta
involuntariamente deformadas sobre a realidade social. questão: a falta de conheci-
mento sobre as estratégias
No seu quotidiano profissional, o interventor social confronta-se com qualquer de sobrevivência das famí-
lias que vivem abaixo do li-
dos três filtros referidos. Bastará ao leitor pensar na quantidade de informação miar de pobreza absoluta -
com que foi confrontado apenas no último mês, entre noticiários, publicidade, que só em 1985 se soube
abrangerem mais de um ter-
propaganda, informação de natureza profissional, etc, para entender a dimensão ço das famílias portuguesas,
do problema. pelo estudo pioneiro de Bru-
to da Costa e Manuela Silva
- a ignorância sobre o quo-
tidiano das populações que
vivem de noite e dormem
de dia nas grandes cidades e
1.3 A questão da informação no trabalho comunitário a falta de informação exis-
tente sobre as crianças de
rua e sobre os sem-abrigo.
Qualquer destes grupos são
No trabalho comunitário esta questão põe-se com particular incidência: é preciso clientes privilegiados dos tra-
ter uma metodologia rigorosa que permita seleccionar informação relevante balhadores sociais que, no
entanto, têm em geral um
sobre as comunidades com as quais se trabalha a fim de conhecimento superficial do
seu modo de viver.
• diagnosticar os seus recursos e necessidades;
6
Fontes de pseudo-informa-
ção são os inúmeros
• programar linhas de actuação adequadas; esteriótipos difundidos tan-
to pelos meios de comunica-
• e evitar situações de sobre 4 , sub5 e pseudo-informação6 que ção social como pelos apa-
rentemente objectivos rela-
obscurecem a visibilidade dos problemas. tórios profissionais. Nas pró-
prias comunidades, se o
É neste contexto que a abordagem sistémica se torna um poderoso instrumento interventor não se acautela,
tomará como verdadeira
de trabalho em dois diferentes aspectos: muita informação difundida
pelos vários grupos em pre-
• como esperanto7 científico e técnico, permite que diferentes agentes sença que frequentemente o
tentam instrumentalizar.
com formações diversas possam falar uma mesma linguagem simples,
apesar dos seus múltiplos pontos de vista; 7
O esperanto foi uma língua
internacional criada em 1887
• como ferramenta metodológica, salienta os principais elementos em por Zamenhof, que assenta na
jogo em cada situação e as suas principais relações. máxima internacionalidade
das raízes e na invariabilidade
dos elementos lexicológicos
(in Dicionário enciclopédico
Koogan-Larrousse-Selec-
ções,1978). Ao designar a
abordagem sistémica como
um esperanto científico-técni-
co, pretende-se sublinhar a sua
vocação transdisciplinar.

191
© Universidade Aberta
Transcenderia os limites 1.4 O que é a abordagem sistémica?
8

deste manual a explicação


pormenorizada da aborda-
gem sistémica. Limitar-nos-
emos a seleccionar a infor- Nascida no século XX, a partir da fecundação de várias disciplinas entre as
mação indispensável à com-
preensão da sua utilidade
quais se contam a biologia, a teoria da informação, a cibernética e a teoria dos
para a análise e intervenção sistemas (Rosnay,1975: 77)8 , a abordagem sistémica parte da constatação que
comunitária, remetendo os
leitores mais interessados
o Universo é constituido não por unidades singulares mas por sistemas,
para as leituras recomenda- isto é por conjuntos de elementos em interacção9 . Assim,
das no fim desta unidade.
• o próprio Universo é um sistema de galáxias,
9
Não sendo muito comum
na ontologia Ocidental, esta
ideia de sistema encontra-se
• o sistema solar, como o nome indica, é um sistema de astros que mantém
em outros modos de ver o uma relação entre si e com a estrela em torno da qual gravitam,
Mundo e a Vida. Sobre isto
pode ver-se por exemplo
Tempels, P, 1965, La
• o planeta Terra também o é, com o seu delicado equilíbrio ecológico,
philosophie bantoue, Paris, assim como qualquer continente, país, região, cidade, aldeia, bairro,
Présence Africaine; e Altuna,
Raúl, 1974, Cultura banto
comunidade, grupo, pessoa, célula, atómo ...
e cristianismo, Luanda, Edi-
ções Âncora. Tendo cada sistema uma identidade própria é contido por, e contém, uma
infinidade de outros sistemas (macrossistemas e subsistemas respectivamente),
10
Ex: Tomando uma dada
comunidade como sistema a
como se dum infinito jogo de bonecas russas se tratasse10 .
analisar, o seu macrossistema
(ou sistema contextual) será A identidade de cada sistema é construida no interior da sua fronteira, que
a cidade ou a região onde se
situa com o qual interage;
distingue o que lhe pertence do que lhe é exterior e integra os seguintes
por seu turno, o centro mé- conjuntos:
dico dessa comunidade será,
para este efeito, considerado
como um seu subsistema.
• subsistemas que o compõem;

• relações entre os diversos subsistemas;


11
As modificações do contex-
to que resultam dos outputs • inputs, ou seja, elementos entrados no sistema, provenientes do sistema
do sistema (...) modificam por
sua vez os inputs que ele re-
contextual (macrossistema);
cebe do seu contexto e por
consequência, também os • outputs, ou elementos que saem do sistema para o macrossistema11 ;
outputs subsequentes. É o
anel de retroacção (feed-
back) pelo qual o funciona-
mento de um sistema depen-
de dos seus próprios outputs.
Esta retroacção pode ser 1.5 Aplicação da abordagem sistémica ao trabalho comunitário
compensadora ou regulado-
ra quando o sentido da vari-
ação dos outputs subsequen-
te é contrária ao sentido da Como atrás foi referido, a abordagem sistémica constitui uma útil ferramenta
variação dos outputs prece- para descrever os aspectos mais relevantes de uma dada realidade,
dentes (...) (ex: termostato)
ou amplificadora ou cumu- seleccionando a informação mais relevante e eliminando os elementos de sobre-
lativa quando o sentido da informação.
variação dos outputs subse-
quentes é o mesmo que o da
variação dos outputs prece- Considerando uma dada comunidade como um sistema, vejamos quais as
dentes (ex. fenómenos de interrogações básicas que nos podem servir de guia para formular um
habituação a drogas)
(Lapierre, s/d :48-49).

192
© Universidade Aberta
diagnóstico acerca da sua actual situação, que posteriormente servirá de 12
Para o fazer recorreu-se ao
fundamento ao programa de actuação12 . modelo do avião, diagrama
inicialmente concebido como
instrumento de análise e in-
tervenção organizacional
(Carmo, 1986, 1997), mas
Ambiente
que permite de igual forma
Ambiente interno da Produtos da
salientar os principais ele-
externo da comunidade: comunidade:
mentos em jogo na análise e
comunidade: intervenção comunitária.
Circuitos Imagens de futuro
Ameaças Estrutura formal e Bens
Oportunidades informal Serviços
Rede
comunicacional
Cultura

Fonte: Carmo, 1986

Figura 7.1 - Variáveis relevantes na abordagem sistémica de uma


comunidade: 1ª aproximação (o ambiente, a comunidade e
os seus produtos).

13
Ex: como é que uma co-
munidade rural se organiza
para dar resposta à procura
Numa primeira aproximação (figura 7.1) poderemos formular três conjuntos de produtos hortícolas da
de perguntas: vila mais próxima? como é
que num dado bairro urba-
no os residentes se organi-
• Quanto ao seu ambiente externo, expressão que aqui é sinónimo de zam para reagir ao aumento
sistema contextual ou de macrossistema, interessa saber os aspectos de assaltos supostamente fei-
tos por habitantes de um
ou características do meio exterior que condicionam a vida da bairro vizinho?
comunidade em causa, ou no sentido do seu desenvolvimento
(oportunidades) ou do seu atraso (ameaças); por exemplo, a presença
ou ausência de equipamentos sociais em zonas contíguas à comunidade Quando aqui se fala em
14

bens e serviços não se pre-


ou de acessos rodoviários, constitui uma variável contextual importante. tende adoptar uma perspec-
tiva economicista. Pelo con-
• Quanto ao seu ambiente interno (o interior da comunidade como trário considera-se fazer
parte do conjunto de outputs
sistema) é importante colher, nesta primeira aproximação, informações de uma comunidade toda a
sobre o modo como responde aos inputs do macrossistema produção de bens, serviços
e informação ainda que não
(circuitos)13 , ao modo como está organizado o sistema de poder e contabilizáveis numa eco-
liderança, (estrutura formal e informal), os padrões de comunicação nomia de mercado, que ela
produz para si própria ou
entre os residentes e entre estes e o exterior (rede comunicacional) e para o exterior. Para usar os
os principais valores e comportamentos partilhados pelas pessoas que exemplos anteriores poder-
se-iam formular as seguin-
vivem nessa comunidade (cultura). tes interrogações: que pro-
dutos hortícolas e em que
• O terceiro tipo de questões tem a ver com os outputs da comunidade quantidade é que a comuni-
dade produz para seu auto-
face ao macrossistema (saídas): o que é que os seus habitantes consumo e para vender
produzem para a própria comunidade e para o exterior (bens e fora? Que respostas efecti-
vas dá uma comunidade ur-
serviços)14? Que expectativas tem a população sobre o seu futuro bana ao aumento de assal-
individual e colectivo (imagens de futuro)? tos?

193
© Universidade Aberta
Procurando objectivar mais a nossa análise, há que ter em conta que nem
todas as características do ambiente externo afectam directamente a
comunidade. Por exemplo, num concelho com uma alta taxa de desemprego,
esse problema não se distribui de igual modo por todas as freguesias, uma vez
que a população activa e a oferta de emprego se encontra desigualmente
repartida. Deste modo interessa distrinçar, do quadro de ameaças e
oportunidades que configuram o ambiente externo, aquelas que efectivamente
afectam a comunidade em causa sob a forma de inputs relevantes (figura
7.2).

Ambiente
Ambiente Inputs interno da Produtos da
externo da relevantes da comunidade comunidade
comunidade: comunidade Circuitos
Estrutura formal Imagens de
Ameaças Exigências e informal futuro
Oportunidades Recursos Rede Bens
comunicacional Serviços
Cultura

Fonte: Carmo, 1986

Figura 7.2 - Variáveis relevantes na abordagem sistémica de uma


comunidade: 2ª aproximação (identificação dos inputs
15
Um dos modos como a relevantes da comunidade).
qualidade pode ser obser-
vada é pela procura subse-
quente, que indica o grau
de satisfação do mercado
face às saídas anteriores. Daí
que uma das formas de ava- Tais inputs (entradas) podem ser agrupados sob a forma de exigências que o
liar a qualidade dos outputs
de um sistema seja pela aná- ambiente externo faz à comunidade (ex: solicitações de produção económica
lise do feed-back aos outputs ou cultural, procura de mão-de-obra) e de recursos (investimentos financeiros,
anteriores.
quadros técnicos, equipamentos).

16
Uma comunidade que cria
Numa terceira aproximação, interessa saber com que rapidez e com que
milícias populares para res- qualidade responde a comunidade às exigências referidas (figura 7.3).
ponder a uma onda de as-
saltos, por exemplo, respon-
de de forma atempada mas
Para usar os exemplos acima referidos, não basta saber que uma dada
não adequada aos inputs do comunidade rural se dedica ao cultivo de produtos hortícolas em quantidade:é
ambiente uma vez que, para
além da ilegalidade da reac-
preciso saber com que ritmo o faz para responder às necessidades do mercado
ção, tem uma eficácia duvi- regional e se esses produtos têm a qualidade suficiente15 que lhes permita
dosa por criar condições
para o aumento de violên-
serem competitivos face à concorrência. Do mesmo modo, não basta saber
cia e, portanto, para a redu- que a comunidade urbana reage à onda de assaltos: é preciso saber se o faz
ção da segurança que pre-
tendia restabelecer.
atempadamente e de forma adequada16 .

194
© Universidade Aberta
Rapidez de
resposta
relativamente
aos inputs do
ambiente
externo

Ambiente
Ambiente Inputs interno da Produtos da
externo da relevantes da comunidade comunidade
comunidade: comunidade Circuitos
Estrutura formal Imagens de
Ameaças Exigências e informal futuro
Oportunidades Recursos Rede Bens
comunicacional Serviços
Cultura

Qualidade de
resposta
relativamente
aos inputs do
ambiente
externo

Fonte: Carmo, 1986

Figura 7.3 - Variáveis relevantes na abordagem sistémica de uma


comunidade: 3ª aproximação (identificação de
“equilibradores”).

Actividade 7.1

1. Seleccione uma comunidade que já conheça, perto do local onde vive,


onde trabalha ou onde passa férias.

2. Imagine que dentro de poucos dias haverá uma reunião na Câmara


Municipal de cuja ordem de trabalhos faz parte a selecção de uma
comunidade em que se irá ensaiar um projecto de desenvolvimento
comunitário.

3. Com recurso ao modelo do avião, procure caracterizar e diagnosticar


a comunidade que escolheu, procurando fundamentar a sua opção.

195
© Universidade Aberta
2. Passos para a intervenção em comunidades

Uma vez dotado de uma bússola que lhe permite seleccionar informação
relevante sobre uma dada comunidade onde pretende intervir, o leitor está em
condições de realizar uma reflexão mais aprofundada sobre vários
procedimentos que integram a metodologia de intervenção. Para o fazer
recorreremos aos ensinamentos de Ander-Egg (1980, 1995), autor com grande
experiência neste domínio.

2.1 Aspectos gerais

Em traços gerais podem distinguir-se quatro fases em qualquer projecto de


desenvolvimento comunitário:
• Estudo e diagnóstico
• Planeamento
• Execução do plano
• Avaliação final

No entanto, na sua já clássica obra sobre metodologia e prática do


desenvolvimento de comunidades (1980) Ander-Egg alerta para o erro
frequente de empreender estudos demasiado prolongados e
pormenorizados, que normalmente têm dois tipos de efeitos negativos:

• relativamente ao sistema-interventor produzem o que tem sido


chamado sindroma de paralisia por análise, que se traduz no desvio
dos objectivos principais de uma dada organização que, em vez de
mobilizar os seus recursos para atingir os resultados que constituem a
sua razão de existir (ex: produção de bens ou serviços), gastam-nos
em análises inúteis; em projectos de intervenção comunitária, os estudos
prolongados têm um efeito desmoralizador sobre o sistema–
-interventor, tanto por impedi-lo de contribuir para a resolução de
17
A ausência de valor acres- problemas da comunidade, como pelo facto de tais estudos, quando
centado pode decorrer da
desactualização do estudo concluidos, não produzirem valor acrescentado significativo17 para a
que, quando terminado, re- intervenção subsequente.
trata uma comunidade que
já mudou, ou da sua
desadequação, quando por • relativamente ao sistema-cliente, as investigações de natureza
exemplo os resultados a que demasiado prolongada provocam um efeito de vacina face às mudanças
chegou têm valor académico
mas não têm qualquer valor pretendidas: com efeito, se pensarmos que muitas populações-clientes
para a prática de interven- são portadoras de atitudes de fatalismo e de comportamentos de reacção
ção.

196
© Universidade Aberta
à mudança, ao prolongar excessivamente a fase de estudo e diagnóstico
os interventores reforçam esse tipo de atitudes e comportamentos.

No mesmo sentido são de evitar os hábitos coleccionistas (de informação


inútil), devendo os interventores obedecer a rigorosos critérios, que lhes permita
18
Ander-Egg chama a aten-
seleccionar apenas os dados relevantes para a acção a empreender18. ção para a necessidade de evi-
tar o fetichismo metodoló-
Para combater este erro frequente, aquele autor sugere duas acções gico que crê que os métodos
e técnicas operam por si mes-
diferenciadas ao longo do trabalho, alicerçadas na ideia de que não é mos (Ander-Egg, 1980: 99).
necessário terminar a investigação para iniciar a acção (1980:100):
• Intervenção preliminar
• Intervenção geral

A intervenção preliminar envolve quatro etapas a seguir caracterizadas, e um


processo contínuo de avaliação:

1. a investigação preliminar em que se procede a uma aproximação


exploratória da problemática da comunidade, procurando identificar
os problemas óbvios por ela vividos sob a forma de necessidades
sentidas;

2. o diagnóstico preliminar, através do qual se identificam as situações-


problema mais evidentes para uma acção imediata;

3. O planeamento preliminar, que permite definir estratégias e


objectivos para a acção imediata;

4. a execução preliminar, que tem o objectivo de dar respostas rápidas


aos problemas detectados; e

5. a avaliação preliminar, que não é uma fase mas um processo contínuo


de comparação dos resultados obtidos com os previstos, seguida da
introdução de acções correctivas.

Na esteira das acções preliminares, a intervenção geral tem o objectivo de


solidificar o conhecimento sobre a comunidade, de identificar situações-
problema não percepcionadas na fase preliminar, de afinar o plano de
intervenção, introduzindo-lhe estratégias e objectivos de mais longo prazo e
afectando-lhe os necessários recursos, e criar rotinas de intervenção mais
duradouras. Tal como as acções preliminares tipifica-se em cinco tarefas:
1. investigação geral, a desenvolver enquanto se executa o plano
preliminar
2. diagnóstico geral
3. planificação geral

197
© Universidade Aberta
4. execução do plano geral
5. avaliação geral

2.2 Estudo e diagnóstico

2.2.1 Vertentes do estudo e do diagnóstico preliminar

Dados os objectivos atrás referidos, a fase de estudo preliminar operacionaliza-


se em cinco diferentes procedimentos:
1.º lançar pontes
2.º proceder a uma caracterização preliminar da comunidade
3.º fazer o levantamento de experiências anteriores
4.º identificar necessidades
5.º identificar recursos

Lançar “pontes”

Uma vez que a questão da comunicação é crucial em qualquer situação de


intervenção social, o primeiro procedimento a desenvolver no trabalho com
uma comunidade é o estabelecimento de contactos e de canais (pontes) que a
possibilitem.

São três os tipos de pontes a construir:

• entre sistema-cliente e sistema-interventor, procurando eliminar o


choque cultural referido na unidade 2; nesse sentido, os interventores
deverão estudar previamente a cultura do sistema-cliente e exercer
uma rigorosa auto-vigilância, a fim de não serem traídos por
preconceitos da sua própria cultura;

• entre segmentos da comunidade: é bom não esquecer que em muitas


comunidades há organizações, grupos e pessoas, que se ignoram,
competem entre si ou mesmo hostilizam-se, devendo os interventores
procurar conhecer o sistema de relações em presença, para não se
deixar instrumentalizar por ninguém, procurando assumir um papel
activo de catalizador de comunicação e, se possivel, de cooperação;

198
© Universidade Aberta
• entre comunidade e ambiente tendo em conta que várias situações–
-problema podem ser resolvidas com recurso a meios externos à própria
comunidade, a qual muitas vezes se encontra geográfica, económica
ou socialmente insularizada.

Proceder a uma caracterização preliminar da comunidade

À medida em que os contactos se vão processando e os laços entre sistema–


-cliente e sistema-interventor se vão tecendo, este vai tendo acesso a várias
informações sobre aquele, o que lhe permite fazer um primeiro retrato da
comunidade e dos factores que poderão ter influência na acção subsequente.

São quatro as dimensões desta caracterização sumária a ter em conta:

• Dimensão geográfica, que envolve a identificação de factores dessa


natureza que possam condicionar a qualidade de vida da
comunidade quer como ameaças quer como oportunidades19 . 19
Clima, localização, aces-
sibilidade, potencial agríco-
Interessa ter em conta que nesta, como nas outras três dimensões, la ou industrial, distribuição
frequentemente uma mesma característica pode ser considerada espacial da população, etc.

simultâneamente como ameaça e como oportunidade, como limitação


à qualidade de vida e como recurso para a sua promoção. A falta de
acessibilidade, por exemplo, que em princípio seria considerada como
uma limitação, pode ser transformada em recurso se for combinada
com outros factores: uma região pouco acessível pode ter recursos
paisagísticos, cinegéticos, culturais, lúdicos, etc., que a tornem atractiva
a segmentos de mercado exteriores. Daqui se conclui que o acto de
caracterizar uma comunidade não pode ser uma descrição mecânica
da realidade, mas deve procurar produzir um valor acrescentado de
informação através da indagação, relativamente a cada um dos
elementos observados, sobre a sua dupla característica de limitação e
de recurso.

• Dimensão económica, que envolve a caracterização dos subsistemas


de produção, distribuição e consumo da comunidade;

• Dimensão sociológica, que respeita à estrutura (distribuição espacial e


funcional, estratificação social) e à dinâmica (natalidade, mortalidade,
migrações, mobilidade social, sistema de poder) da população;

• Dimensão ideológica, segundo a qual se procuram identificar os valores


e crenças dominantes, que possam constituir travões ou aceleradores
de mudança.

199
© Universidade Aberta
Em suma, esta caracterização prévia tem como principal objectivo detectar
factores que possam constituir obstáculos ou estímulos à mudança, não
perdendo de vista que o mesmo factor pode revestir-se dos dois aspectos.

Fazer o levantamento de experiências anteriores

A caracterização precedente pode ser muito facilitada se os interventores


tiverem acesso à informação colhida anteriormente sobre a comunidade em
questão. É por isso conveniente, nesta fase, fazer um levantamento dos
documentos existentes - estatísticas, legislação, relatórios, informação difundida
na comunicação social, documentos pessoais, etc20 - o que constitui uma
20
Para aprofundar o modo
de efectivar a pesquisa do- apreciável aconomia de tempo e energias.
cumental e reflectir sobre as
vantagens e inconvenientes No entanto é importante frisar que muitos documentos, ou não têm qualidade
de cada uma das fontes re-
feridas recomenda-se a lei- técnica nem científica, ou mais não são do que caixas de ressonância de
tura de Carmo, H e Ferreira, esteriótipos, preconceitos e medos 21 , podendo ser fontes de nevoeiro
M (1998: 57-88)
informacional. É exigível ao sistema-interventor, portanto um trabalho crítico
sobre a documentação existente, confrontando-a com o resultado das suas
21
Exemplo típico é o que se
tem escrito sobre comuni-
observações directas.
dades ciganas: a maior par-
te da documentação produ-
zida, em vez de contribuir
para o conhecimento da cul-
tura desta etnia, mais não faz
Identificar necessidades
senão apresentar uma visão
ideológica (pró ou contra) Com base nos elementos colhidos, o interventor social está em condições de
preconceituada.
identificar as principais necessidades, materiais e imateriais, da comunidade.
É importante que tal tarefa seja feita em conjunto com elementos da população,
de modo a desvelar necessidades inicialmente ocultas e a negociar uma
22
Essa a razão porque di- hierarquia de necessidades que ajude a estabelecer prioridades de actuação22 .
versos autores defendem
que a população deve parti-
cipar desde o início do pro-
cesso, como foi referido nas
unidades anteriores. Reve-
ja, por exemplo o que se
disse sobre Lebret na uni-
dade 6. Caso 7.1 Um projecto comunitário no Equador

Pela prospecção, uma população pode descobrir necessidades de que


inicialmente não se dava conta, pois há todo um caminho de reflexão que se
vai operando e que se vai traduzindo num aumento de ansiedades e novas
perspectivas que conduzem , por certo, a uma averiguação de necessidades
objectivas, mas que até então não eram sentidas. É o caso de uma comunidade
do Equador, onde trabalhava um técnico de uma organização internacional. A
população sentia como primeira necessidade a falta de luz eléctrica, mas o
técnico descobriu que a erosão do terreno era terrível e que a economia estava

200
© Universidade Aberta
diminuindo anualmente por esse facto. Era preciso consciencializar a população
disto, e levá-la a tomar conta do solo. Como havia muitos habitantes que queriam
aprender a ler, aproveitou este desejo e foi elaborado um plano educativo,
utilizando como material de leitura temas alusivos ao problema do solo. Em
reuniões com os agricultores, foram solicitados dados sobre as colheitas
anteriores a fim de ser possível um confronto. Lentamente os habitantes
captaram o problema da erosão do terreno e o técnico pacientemente aguardou
23
Brito, M. A. Quintela de,
até este momento para sugerir um programa de conservação do solo23. 1965, Prospecção de neces-
sidades e recursos - Auto-
inquérito, in 1965, Desen-
volvimento comunitário,
Seminário de estudo sobre
desenvolvimento comunitá-
Este caso é ilustrativo dos vários tipos de necessidades e do seu relacionamento rio e técnicas auxiliares de
ao longo do processo de intervenção(figura 7.4). promoção social comunitá-
ria, Lisboa, IAF pag.101.

Critério da Critério da natureza


visibilidade Materiais Imateriais
Sentidas ou aparentes A - Ter electricidade C - Alfabetização
Ocultas B - Combater a erosão D - Combater o fatalismo

Figura 7.4 - Tipos de necessidades.

Pela descrição, a estratégia do técnico foi C ⇒ B ⇒ D ⇒ A: aproveitando


uma necessidade sentida de natureza imaterial, a necessidade de alfabetização
(C), concebeu uma estratégia para fazer emergir uma necessidade material até
então oculta (à população), a de combater a erosão (B); é de supor que a
resposta positiva aos dois tipos de necessidades tenha aumentado a auto-estima
da população ajudando a vencer o seu fatalismo (D) e libertando energias e
recursos para responder à necessidade sentida de ter electricidade (A).

Identificar recursos
24
1985, Lisboa, Presença,
Um dos autores mais lidos e conceituados no domínio da Gestão, Peter Drucker, pag. 42.
num livro sugestivamente intitulado Inovação e gestão24 refere:

Um “recurso” é uma coisa que não existe até o homem descobrir uma
utilização para algo existente na Natureza, e desse modo a dotar de
um valor económico. Até essa altura, as plantas não passam de ervas
e os minérios não são mais que pedras. Há pouco mais de um século,
nem o petróleo que empapava o solo nem a bauxite, o minério do
alumínio, eram recursos. Eram coisas nocivas, ambas faziam com que

201
© Universidade Aberta
o solo não fosse fértil. O fungo da penicilina era uma praga não um
recurso. Os bacteriologistas davam-se a grandes trabalhos para protejer
as suas culturas de contaminação por parte dele. Mas então em 1920,
um médico londrino, Alexander Fleming, compreendeu que essa
“praga” era precisamente o bactericida que os bacteriologistas
procuravam - e o fungo da penicilina tornou-se um valioso recurso. O
mesmo se aplica às esferas social e económica.

Este texto chama a atenção para um aspecto fundamental no trabalho


comunitário: é que o acto de identificar recursos é um acto que exige
inteligência e criatividade por parte dos protagonistas.

Por exemplo, na sociedade industrial a população idosa é considerada um


problema, em virtude de não estar inserida na população activa, de ser um
grupo psicológica, económica e socialmente dependente, etc. Como veremos
na unidade 8, actualmente começa a esboçar-se uma tendência diversa,
considerando-o um valioso recurso social, justamente pelas mesmas
características que o apresentavam anteriormente como problema: o facto de
não estar na população activa torna-o num recurso importante e barato de
enquadramento da população infantil25 ; mesmo a sua dependência, um
25
No fundo, é o reconheci- inquestionável problema, deve ser também considerada como um recurso
mento da importância soci-
al do papel dos avós, quer
utilizável para cimentar a coesão familiar e comunitária e promover uma
este seja desempenhado pe- cultura de solidariedade, indispensável à qualidade de vida de qualquer
los avós biológicos quer por
avós profissionais.
sociedade humana.

Tal como as necessidades, os recursos podem ser visíveis ou estar ocultos, e


terem natureza material ou imaterial. Cabe ao interventor social a tarefa de
os desvelar e de os hierarquizar com o sistema-cliente. Na transição da
sociedade industrial para a sociedade de informação cada vez mais se valorizam
os recursos humanos relativamente aos materiais dada a sua capacidade
para gerarem novos recursos e para fazer face a novas situações. Deste
modo, sem naturalmente descurar a questão dos recursos materiais, o interventor
deverá sobretudo estar atento aos recursos humanos disponíveis.

O diagnóstico

Uma vez executados os cinco procedimentos que se acabam de descrever, o


interventor está em condições de fazer o diagnóstico preliminar da
comunidade que se traduz na caracterização da situação encontrada em
termos de desenvolvimento, na perspectivação da sua evolução de acordo
com vários cenários, e opção por uma dada estratégia de actuação.
A operação de diagnosticar é delicada, uma vez que decorre do confronto
da pesquisa empírica, com a teoria existente e com a escala de valores do
diagnosticador.

202
© Universidade Aberta
Técnicas de recolha de dados

Para efectivar o estudo e o diagnóstico, o interventor social deve recorrer às


técnicas de recolha de dados habituais em Ciências Sociais. As que se usam
com mais frequência são as técnicas de pesquisa documental, de observação
participante, de entrevista e de auto-inquérito ou inquérito participação26 . 26
Esta técnica encontra-se
descrita na unidade anterior,
a propósito da contribuição
Não cabendo neste manual o aprofundamento dessas técnicas27 , deixam-se de Lebret para a Sociologia
apenas recomendações práticas. de intervenção.

• Quanto à técnica de observação, é conveniente não esquecer dois


27
O leitor pode encontrá-las
aspectos essenciais - a escolha do observatório e o envolvimento do descritas e discutidas com
observador. Qualquer observatório tem um horizonte de observação detalhe em qualquer manual
de metodologia da Ciências
para além do qual não é possível ver. É por isso necessário que o Sociais, como em Carmo e
interventor social faça observações múltiplas em diversos momentos e Ferreira, 1998, referido no
fim desta unidade.
de diversos locais. Por outro lado quanto mais o interventor se envolver
com a comunidade mais acede a informações vedadas a forasteiros; o
custo dessa vantagem traduz-se numa perda de objectividade e de visão
de conjunto (Cfr. Carmo e Ferreira, 1998:89-118).

• Relativamente à técnica de entrevista, esta deverá der usada para


recolher informação relevante junto de informadores qualificados28, 28
Exemplos de informadores
qualificados típicos numa
sendo recomendável assumir um formato não demasiado estruturado comunidade são o presiden-
a fim de não se perder informação importante (Cfr. Carmo e Ferreira, te da Junta de Freguesia, o
padre, os comerciantes, os
1998:119-150). operadores de transportes,
bem como os líderes formais
• Quanto à pesquisa documental convém diversificar as fontes para e informais que sejam iden-
tificados.
permitir a confrontação da informação e análise da sua veracidade e,
como atrás se referiu, proceder à sua análise crítica.

Actividade 7.2

1. Considere a comunidade que já seleccionou para a actividade 7.1.

2. Imagine que na reunião da Câmara Municipal em que participou foi


seleccionada essa comunidade para ensaiar o projecto referido.

3. Faça um memorando que permita servir de guião à equipa que vai


fazer o estudo e diagnóstico preliminar.

203
© Universidade Aberta
2.2.2 Investigação geral: variáveis relevantes

Longe de ser uma monografia à boa moda etnográfica, a investigação geral de


que nos fala Ander-Egg é o aprofundamento adequado da investigação
preliminar. Isto não significa que não se tenha de se revestir de grande rigor e
abundância de dados, mas tão sómente de que toda essa informação deve ser
organizada em função de um objectivo que é o de conhecer a comunidade
para melhor a ajudar a desenvolver-se.

Na sua obra (1980: 140-187)) Ander-Egg salienta nove aspectos a ter em


conta na investigação geral:
1. Localização
2. Evolução histórica
3. Estruturas físicas fundamentais
4. Infraestruturas e equipamentos
5. Estrutura e movimentos de população
6. Níveis de vida
7. Organização social
8. Percepção da mudança
9. Estudo de recursos e potencialidades

2.3 Planeamento e programação em Desenvolvimento


Comunitário

O que é planear?

O planeamento comunitário é um processo dedutivo que parte da definição de


grandes orientações decorrentes do querer comum - a que se dá o nome de
estratégias, políticas, etc - para a definição de metas claramente avaliáveis e de
meios a afectar para as alcançar.

204
© Universidade Aberta
Procedimentos obrigatórios nos actos de planear e organizar

Para que o planeamento da intervenção comunitária seja bem feito é necessário


que preencha alguns requisitos, habituais em qualquer processo de
planeamento:
• As estratégias e objectivos devem ser clara e rigorosamente
formulados, de modo a evitar problemas de comunicação e
interpretação entre os protagonistas do processo; como regra quando
definimos um dado objectivo deveremos interrogarmo-nos se ele é 29
O leitor poderá encontrar
avaliável29 . uma reflexão mais aprofun-
dada sobre este assunto em
• O quadro de resultados desejáveis traçado sob forma de estratégias e Carmo, 1995.
objectivos, deve apresentar uma hierarquização clara a fim de se
entender quais são as prioridades definidas; esta questão é muito
importante sobretudo quando se registam cortes de recursos: nessa
altura há que abdicar de objectivos e interessa saber quais os menos
importantes para o projecto.
• O plano deve também retratar a relação de dependência entre os
vários objectivos (precedências no tempo, por exemplo), a fim de se
optimizar a sua execução.
• Nesse documento devem estar previstos procedimentos de avaliação
para a monitorização da sua execução.
• Cada objectivo deve ser seguido da previsão de recursos a afectar
(pessoas, instalações equipamentos, verbas, tempo previsto). Esta
medida poupa em regra muitos dissabores pois a tendência geral de
quem planeia é, como diz o povo, ter mais olhos que barriga, isto é,
definir objectivos excessivamente ambiciosos frequentemente
inalcançáveis. Os efeitos de vacina nos técnicos e nas populações são
conhecidos, injectando nuns e noutras resistências à mudança,
exteriorizados muitas vezes sob a forma de comportamentos, cépticos
quanto às perspectivas de alteração do status quo, e cínicos quanto à
boa fé dos agentes (técnicos e políticos).

Actividade 7.3

1. Considere a comunidade que seleccionou para as actividades


anteriores.

2. Simule uma necessidade sentida pela comunidade.

3. Formule um plano sob a forma de objectivos a atingir para responder


à necessidade detectada.

205
© Universidade Aberta
2.4 Execução e administração de programas em Desenvolvimento
Comunitário

O que é administrar?

O termo administrar, do latim ad manus trahere, significa trazer à mão,


comandar. Esta expressão operacionaliza-se no terreno, numa função
complexa, que integra acções de
• planeamento (definição de rumos);
• organização (identificação, hierarquização e articulação de meios);
• controle (comparação dos resultados obtidos com os previstos e
introdução de medidas de correcção;
• comunicação (pôr em comum), para o que deve ter particular atenção
na concepção de um sistema de comunicações aceitável (com
mecanismos fiáveis de produção, distribuição e validação da
informação) e respeitá-lo;
• motivação dos protagonistas, através da capacidade de os convencer
do valor do projecto e de manter a coesão possível para os conduzir
aos objectivos definidos.

Questões-chave na administração de programas: as questões da coesão e


da condução

Como facilmente se vê, administrar (ou gerir) não é tarefa fácil exigindo
conhecimentos diversos e maturidade emocional. A verdade porém é que
qualquer projecto de desenvolvimento comunitário exige esta função, pelo
que quem quer que seja que venha a trabalhar neste domínio precisa de
desenvolver competências nas áreas referidas.

De forma simplificada pode afirmar-se que todas essas competências se


destinam a ser instrumentos de duas estratégias:

• uma estratégia de coesão, que pretende criar laços fortes de


solidariedade entre sistema interventor e sistema cliente, entre os
subsistemas deste e entre este e centros de recursos e decisão exteriores
à comunidade, tudo isto em torno do querer comum formalizado no
projecto;

• uma estratégia de condução que se reporta ao modo como é concebido


o processo de decisão (preparação, tomada e execução das decisões)
(Carmo, 1995: 681).

206
© Universidade Aberta
2.5 Motivação e liderança em intervenção comunitária:
aproximações teóricas

Uma vez que em todo este processo de administração de projectos de


desenvolvimento comunitário estão presentes as questões da motivação e
liderança, passaremos seguidamente em rápida revista algumas contribuições
teóricas com aplicabilidade neste domínio30. 30
Para o leitor que queira
aprofundar esta questão re-
comenda-se a leitura de
Guest, Hersey e Blanchard,
1980 e de Hersey e
Teoria da pirâmide de necessidades de Maslow Blanchard, 1986, cuja iden-
tificação bibliográfica en-
contra no fim desta unidade
De acordo com este autor existem cinco tipos de necessidades humanas, a que em leituras complementares.
corresponde uma ordem de prioridades:
A. Necessidades fisiológicas

B. Necessidades de segurança

C. Necessidades de pertença

D. Necessidades de estima

E. Necessidades de auto-realização

Isto significa que, em regra, as primeiras precedem as segundas e a que as


segundas para se manifestarem exigem uma satisfação suficiente das que as
precedem.

Implicações práticas para o trabalho comunitário:

O interventor comunitário deve ter em conta as prioridades das necessidades


sentidas pela população.

Por exemplo: Considerando, numa dada comunidade, os problemas de ...


... imagem negativa da comunidade no meio envolvente (D)
... falta de espírito cooperativo (C) ...
... fome e malnutrição (A) ...
... insegurança nas ruas (B) ...

O trabalho comunitário deverá ser desenvolvido de acordo com as prioridades


de Maslow (A⇒B⇒C⇒D)

207
© Universidade Aberta
Teoria da realização pessoal de Mc Clelland

De acordo com este autor todas as pessoas têm necessidade de se sentir


pessoalmente realizadas para estarem motivadas para uma acção. Os líderes,
em particular, têm necessidade de

• tomar parte na formulação dos objectivos que lhes digam respeito;

• escolher objectivos moderadamente difíceis de atingir que funcionam


como desafios;

• ter recompensas que lhes aumentem a satisfação pessoal e a auto-


estima de preferência a recompensas externas;

Implicações práticas para o trabalho comunitário:

O interventor social deverá deixar sempre um “espaço de manobra” à


população e, em particular, aos líderes comunitários, sem o qual eles terão
tendência a desinteressarem-se da acção.

Teoria de Homans

De acordo com este autor, certas tarefas exigem um nível mínimo de


comunicabilidade (densidade social) para ser eficazes e eficientes.

Implicações práticas para o trabalho comunitário:

Isto implica, da parte do interventor comunitário, uma particular atenção

• em identificar, controlar, melhorar e manter a rede de


comunicações da comunidade, nomeadamente os centros de produção
de informação, os canais de comunicação e os filtros e amplificadores
de informação;

• em promover programas de formação que desenvolvam as


competências para comunicar e cooperar.

208
© Universidade Aberta
Teoria do processo de maturação de Argyris

De acordo com este autor, o comportamento dos seres humanos é mais ou


menos maduro, podendo identificar-se dois modelos (tipos ideais) de
comportamento:

Variáveis A B
Modelo imaturo Modelo maduro
Atitude global Passiva Activa
Atitude perante os outros Dependente Independente
Comportamentos Padronizados Adequados
Interesses Superficiais Profundos
Atitude face ao tempo Curto prazo Médio prazo
Consciência de si Estereotipada Objectividade

Figura 7.5 - Modelos de comportamento segundo um critério de maturidade.

Implicações práticas para o trabalho comunitário:

O interventor comunitário deverá promover uma estratégia sócio-educativa para


ajudar a comunidade, os seus grupos e lideres, a passar do modelo comportamental
A para o modelo comportamental B.

Teoria da análise transaccional de de Bern e Harris e teorias X e Y de Mc


Gregor

De acordo com estes autores, as transacções comunicacionais entre os seres


humanos efectuam-se segundo modelos de relacionamento (segundo a teoria
da análise transaccional):

• Pai ⇒ Criança,

• Criança ⇒ Pai, ou

• Adulto ⇒ Adulto,

e assentes em atitudes de desconfiança ou de confiança básica (teorias X e


Y de Mc Gregor).

Implicações práticas para o trabalho comunitário:

O interventor comunitário deverá desenvolver estratégias de relacionamento


com a comunidade-cliente de modo a privilegiar uma relação
Adulto ⇒ Adulto e desenvolver um clima de confiança básica.

209
© Universidade Aberta
Teoria de Argyris sobre os estilos de supervisão

De acordo com este autor, os estilos de supervisão obsrvados em qualquer


processo de intervenção podem-se tipificar de acordo com o quadro seguinte:

Estilos de supervisão
Pressupostos básicos do
A B
interventor face ao cliente
Controlador Liberal; participativo;
(Mc Gregor)
directivo facilitador
X
XA XB
Desconfiança
Y
YA YB
Confiança

Figura 7.6 - Estilos de supervisão.

Implicações práticas para o trabalho comunitário:

O interventor comunitário deverá desenvolver estratégias de relacionamento


com a comunidade-cliente de modo a que o seu modelo de relacionamento se
venha a tranformar em YB.

Teoria da liderança de Blake e Mouton

De acordo com estes autores o estilo de liderança pode exercer-se de acordo


com o valor que os actores sociais atribuem às tarefas a realizar ou às relações
sociais a desenvolver. O resultado é expresso em quatro tipos de comportamento
dos quais três deles podem assumir papéis de liderança (Tipos A, C e D da
figura 7.7).

Tipo A Tipo C
• Alta prioridade à relação • Alta prioridade à relação
• Baixa prioridade à tarefa • Alta prioridade à tarefa
Tipo B Tipo D
• Baixa prioridade à relação • Baixa prioridade à relação
• Baixa prioridade à tarefa • Alta prioridade à tarefa

Figura 7.7 - Matriz de Blake e Mouton.

210
© Universidade Aberta
Implicações práticas para o trabalho comunitário:

O interventor comunitário deverá desenvolver estratégias de relacionamento


com a comunidade-cliente de modo a
• seleccionar líderes;
• formar líderes;
• aproveitar os três tipos de líderes existentes;
• propor a distribuição de tarefas de acordo com as suas características
de liderança.

2.6 Avaliação de programas

Já atrás foi afirmado que a avaliação deve ser considerada uma ferramenta
para monitorar a execução de um dado plano e não apenas a sua etapa final.

No entanto, sempre que um projecto termina deve ser realizado um balanço


geral sobre a acção desenvolvida. Essa tarefa que designamos por avaliação
final, deve responder a quatro questões:
• qual foi a eficácia absoluta do projecto, ou, dito de outro modo, será
que os resultados obtidos estão de acordo com os ojectivos planeados?
• qual a eficácia relativa do projecto, ou seja, como comparar a eficácia
deste projecto com a eficácia de projectos análogos realizados noutras
alturas e noutros lugares?
• qual a eficiência absoluta do projecto, isto é, qual a relação entre os
resultados obtidos e os recursos que foram afectados para atingir esses
resultados (relação entre custos e benefícios)
31
O texto que se segue foi
• qual a eficiência relativa do projecto, ou seja, como comparar a na sua versão original apre-
eficiência deste projecto com a eficiência de projectos análogos sentado com o título O pa-
pel das Misericórdias no
realizados noutras alturas e noutros lugares? desenvolvimento local
(parcerias), in II Jornadas
de Solidariedade da Mise-
ricórdia de Santarém, 29-30
de Maio de 2003.

3. Redes e parcerias31

Como de referiu atrás, as sociedades contemporâneas e a portuguesa em


particular têm sofrido um gigantesco processo de transformação, resultante
do choque civilizacional da sociedade agrícola tradicional, com as sociedades

211
© Universidade Aberta
industrial e da informação. Os efeitos de tal processo sobre as pessoas e as
famílias são significativos, reduzindo drasticamente o capital social, traduzido
em níveis de confiança e de cooperação bastante baixos.

Neste contexto, qualquer projecto de intervenção comunitário deve procurar


dar consistência à sociedade civil, particularmente ao terceiro sector, a fim
de fortalecer a rede social de apoio das pessoas e das famílias.

Em Portugal, as Misericórdias, pela sua filosofia e pelas provas dadas no


passado e no presente, têm desempenhado um importante papel. Por esse
motivo, o texto que se segue usa como caso paradigmático o novo papel que
as Misericórdias devem desempenhar na intervenção comunitária, não como
sistemas - interventores isolados, mas como nós estratégicos de uma rede de
intervenção.

3.1 Os novos desafios

Para podermos reflectir sobre o papel das Misericórdias na presente conjuntura


temos de nos interrogar sobre as principais características dessa mesma
conjuntura: será que a sociedade portuguesa neste princípio de milénio é a
mesma de alguns anos atrás? Trata-se de uma pergunta retórica pois todos
estaremos de acordo que a resposta é negativa, não só para Portugal mas para
32
Cfr. o capítulo 3.
todo o planeta.
33
Usa-se o termo anomia
com o mesmo sentido que Todos temos consciência que se vive, hoje, numa sociedade em mudança
lhe dá Durkheim: uma situa-
ção de insegurança social
acelerada, fruto do choque de três modelos civilizacionais – o de uma sociedade
decorrente da ausência de agrícola tradicional, o da sociedade industrial e o da sociedade da informação.
normas para fazer face a si-
tuações novas.
Esse choque imenso à escala planetária configura um processo de mudança
único na história humana, em que as únicas características permanentes parecem
34
Esta tendência não é, no ser a transitoriedade, a novidade e a diversidade32 .
entanto, tão evidente como
o alarmismo da comunica-
ção social faria supor. Para Esta situação deu origem a uma situação de anomia33 planetária, que tem
a situação em Portugal, vide sido recentemente analisada por diversos autores.
Lourenço, N. e Lisboa, M.,
(1998).
Fukuyama (2000), por exemplo, sugere que nas últimas décadas do século
35
O capital social pode ser XX os alicerces da sociedade contemporânea foram seriamente danificados
definido simplesmente como por aquilo a que chama a grande ruptura, cujos efeitos se observam sobretudo
um conjunto de valores in-
formais ou normas partilha- em três domínios: no acréscimo da delinquência34 , na desagregação da
das pelos membros de um família nuclear e no declinar da confiança. De acordo com este autor, as
grupo que permite a coope-
ração entre essas pessoas três tendências conjugadas têm vindo a baixar perigosamente o capital social35.
(Fukuyama, 2000: 36). com evidentes efeitos desagregadores, urgindo reconstruir a ordem social do
século XXI na base da confiança entre os seres humanos.

212
© Universidade Aberta
Outros autores têm vindo a defender vigorosamente a necessidade de combater
as identidades assassinas (Malouf, 1999), valorizando as múltiplas pertenças
de cada ser humano sem as amputar, na consciência da unidade do género
humano e na convicção dos seus objectivos comuns (Dalai-Lama, 2000) e da
eficácia de uma colaboração pacífica na resolução dos problemas (Muller,
1997, 1998).

A glocalização

Uma das mais poderosas tendências que se têm observado nas sociedades
contemporâneas é a que alguns autores designam por glocalização, ou seja o
processo simultâneo e de forças opostas a que as sociedades contemporâneas
(e os seres humanos individualmente considerados) estão sujeitas, de
globalização e de localização.

Hans-Peter Martin e Harald Schumann (1998) procurando analisar este


fenómeno estimaram que, a manterem-se as macrotendências actuais, dentro
de algumas décadas apenas dois décimos da humanidade disporá da
possibilidade de ter uma vida com a qualidade exigida pelos direitos humanos
internacionalmente consagrados. Para prevenir a consolidação desta catastrófica
sociedade dos dois décimos, propõem 10 medidas de fundo, algumas das
quais exigem uma sociedade civil forte, organizada e informada.

Na mesma linha de raciocínio, Alvin e Heidi Toffler (1995: 175-215),


consideram indispensável desenvolver três estratégias para fazer face aos novos
desafios: dar poder às minorias que o não têm, criar uma democracia semi-
directa, tirando partido das novas tecnologias de informação e comunicação,
e promover novas regras de distribuição das decisões.

Os exemplos poderiam multiplicar-se. Estes parecem suficientes para salientar


a necessidade de uma gigantesca ressocialização no sentido da construção
daquilo que Adriano Moreira recentemente designou por cidadania
cosmopolita (Moreira, 2001), isto é uma consciência planetária de direitos e
de deveres Universais que possam reconstruir o tal capital social acima
referido.

Para tal tarefa, o associativismo da sociedade civil afigura-se um instrumento


indispensável que já deu provas no Passado, quer para o desenvolvimento
pessoal e social dos indivíduos, quer como ferramenta de intervenção
para melhorar a vida das populações.

213
© Universidade Aberta
Efeitos nos actores sociais

Os principais recursos que dispomos para fazer face às novas necessidades


são, evidentemente, as pessoas, individualmente consideradas ou
colectivamente organizadas. Esta convicção é hoje consensual. Para comprovar
este consenso, bastará analisar como foi construído o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) pelo Plano das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Como se referiu no capítulo 4, este instrumento,
que é actualmente considerado dos mais fiáveis para avaliar o desenvolvimento
dos povos, integra quatro indicadores, três dos quais não económicos (esperança
média de vida, taxa de alfabetização de adultos e nº médio de anos de
escolaridade da população adulta) e apenas um económico (o PNB per capita)
e mesmo esse corrigido numa escala logarítmica.

Mas como vivem as pessoas, todo este processo, em que o Futuro entra cada
vez mais depressa no Presente sem pedir licença? Observemos, antes de mais,
os três grupos etários clássicos (crianças e jovens, adultos e idosos) dos actores
individuais.

A criança e o adolescente sofrem frequentemente um processo de socialização


desestruturado, dividido entre a família, a escola, os media e os pares. Na
sociedade de consumo a divisão agravou-se, pois entraram em cena os agentes
económicos que atacaram sem dó nem piedade o segmento de mercado juvenil
ocasionando tremendas tensões pela criação de novas necessidades, muitas
vezes fictícias, as quais o jovem-objecto não tem possibilidade real de satisfazer.
É a velha questão da contradição entre fins e meios, tão bem descrita por
Robert K Merton nos anos cinquenta, que aquele autor considerava ser um
factor etiológico da delinquência.

Neste caldo de cultura conturbado e muitas vezes contraditório, algumas


36
A designação decorre do
crianças e adolescentes procuram refúgio entre os seus pares, que lhes fornecem
clássico romance de Jorge a segurança que a família, a escola e os media lhes negam. É o fenómeno dos
Amado que descreve com
invulgar perspicácia a vida
novos capitães da areia36 .
e as estratégias de sobrevi-
vência das crianças e ado- Os adultos, por seu turno vivem uma situação de insegurança nunca
lescentes abandonados da
cidade de Salvador da Baía.
experimentada anteriormente, tanto no que respeita ao seu estilo e qualidade
de vida (ex: amanhã terei emprego?) como nas pequenas decisões quotidianas
(ex: até que horas autorizo que os filhos regressem a casa?). Para caracterizar
a situação destes adultos sujeitos a um stress permanente, a antropóloga
americana Margaret Mead (1969) escreveu que eles se encontravam numa
situação de migrantes no Tempo.

Para tornar o problema mais agudo, vive-se hoje, no mundo, numa conjuntura
de retórica neoliberal triunfalista, que privilegia as relações dissociativas
entre actores sociais como a competição e o conflito, em detrimento de relações
associativas como a cooperação e a solidariedade.

214
© Universidade Aberta
Um grupo frequentemente negligenciado nestas análises é o dos mais velhos,
muitas vezes remetidos para o sótão social das inutilidades, numa atitude
consistente com a cultura de desperdício a que a sociedade de consumo nos
tem habituado.

Para entender os efeitos da conjuntura nos idosos, interessa recordar que este
grupo já não é o que era:

- Antes de mais, trata-se de um grupo muito mais numeroso do que há


uns anos atrás, devido ao aumento da esperança média de vida.

- Em segundo lugar, em resultado dos avanços da medicina e da


emergência de padrões de cultura que favorecem a saúde (ex: luta
anti-tabágica e fomento do exercício físico), este grupo etário tem vindo
a conquistar alguma autonomia. Estudos recentes retractam esta
tendência, distinguindo entre novos-idosos e velhos idosos.

- Tal autonomia foi naturalmente reforçada com o acréscimo de


habilitações e consequente poder de compra dos reformados.

Esta novíssima geração vive os problemas da sociedade contemporânea como


a população adulta, estando, no entanto, muito mais fragilizada do que aquela
para lhes fazer face. Paradoxalmente, recursos que possui em quantidade (por
exemplo tempo disponível e experiência empírica) são frequentemente
desperdiçados pelas comunidades onde residem.

Efeitos da mudança no grupo familiar

Em virtude da mudança operada nas últimas décadas, os sistemas familiares


sofreram profundas transformações, registando-se em geral as tendências para
a redução da dimensão dos núcleos familiares, para a despadronização dos
papéis parentais, para a democratização das relações conjugais e inter-
geracionais e para a redução dos laços emocionais entre núcleos familiares e
família externa.

Por outro lado, com a perda de peso relativo do modelo de família nuclear,
têm aumentado significativamente vários sistemas convivenciais alternativos
como os solos37, as uniões de facto, os casais sem filhos, os núcleos 37
Termo usado para desig-
nar pessoas que vivem sozi-
monoparentais, as famílias agregadas, e tornados visíveis outros sistemas nhas por opção (ex: adultos
anteriormente raros ou ostracizados como o das comunidades geriátricas ou solteiros ou separados) ou
por circunstâncias que não
os pares homossexuais. controlam (ex: viuvez).

Com a mudança operada, tanto os indivíduos como as famílias se fragilizaram


registando-se, como afirmou Fukuyama, uma perda de capital social que é

215
© Universidade Aberta
urgente repor, por via do fortalecimento de redes sociais de apoio que
rejuvenesçam a sociedade civil.

É aqui que se insere o enorme valor social do chamado terceiro sector, e,


particularmente o das misericórdias.

3.2 Papel das Misericórdias

Com a criação em 1498 por D. Leonor, viúva de D. João II, da primeira


Misericórdia em Lisboa, inaugurou-se um modelo de intervenção social duma
enorme modernidade, uma vez que resultou duma parceria entre o Estado
e a sociedade civil em que a esta última foi conferido o principal
protagonismo.

(...) logo em 1499 D. Manuel I recomendava a instituição de novas


Irmandades da Misericórdia. Porto, Évora Coimbra, Setúbal, Santarém
e muitas outras cidades e vilas do Continente viram, em breve, criada
a sua Misericórdia, seguindo o modelo do compromisso da
Misericórdia de Lisboa. Este esforço expandiu-se para as Ilhas do
Atlântico e chegou ao Brasil e à Argentina, à Índia e a Macau, passando
pela África. No fim do primeiro quartel do século XVI, o número
destas instituições em Portugal ascendia já a 61, ultrapassando hoje
(1984) 350 (Organizacion Iberoamericana de Securidad Social,1984,
Segurança social em Portugal: evolução e tendências: 8)

Com mais de meio milénio, este modelo de intervenção social tem, ainda hoje,
uma importância decisiva na sociedade portuguesa, quer no campo da acção
social quer no da saúde. Bastará dizer que, em 1998, no conjunto das quase
quatro mil entidades gestoras de equipamentos sociais (3951) localizados em
Portugal Continental, as 311 Misericórdias existentes correspondiam a 8% da
38
Fontes: Ministério do Tra- rede de instituições e a 11 % das entidades sem fins lucrativos38 . De acordo
balho e da Solidariedade, com a Carta Social publicada nesse ano, os 761 equipamentos das Misericórdias
1998, Carta social: rede de
serviços e equipamentos, correspondiam a 8 % da oferta geral e a 17 % da oferta existente em
Lisboa, MTS. Departamen- organizações sem fins lucrativos (Nunes, Reto e Carneiro, 2001: 86).
to de Estudos, Prospectiva e
Planeamento: 31; Nunes,
Francisco, Reto, Luís e Car- Dos dados expostos pode afirmar-se sem exagero, que as Misericórdias
neiro, Miguel, 2001, O ter- constituem actualmente um modelo organizacional de intervenção viável,
ceiro sector em Portugal:
delimitação, caracteriza- nos campos da acção social e da saúde, legitimado por mais de quinhentos
ção e potencialidades, Lis- anos de tradição e de prática.
boa, INSCOOP.

216
© Universidade Aberta
Responsabilidade das Misericórdias na Sociedade-Providência Santos, Boaventura
39

Sousa,1994, Pela mão de


Alice, Porto, Afrontamento.
Num país com um Estado-Providência fraco, em que tal carência tem sido A este propósito ele afirma:
colmatada por aquilo que Boaventura Sousa Santos chamou um dia Sociedade (...) a sociedade civil por-
tuguesa só é fraca e pouco
Providência39 , o papel do Terceiro Sector e, no caso em análise, das autónoma se, seguindo o
Misericórdias, é de grande responsabilidade, particularmente em dois aspectos: modelo das sociedades cen-
trais, a identificarmos com
como instituições produtoras de serviços de cuidados de saúde e de acção o espaço da produção ou
social; e como grandes empregadoras de pessoal nestes domínios. com o espaço da cidada-
nia. Se, ao contrário, aten-
tarmos no espaço domésti-
Como produtoras de serviços, as misericórdias existentes no continente40 e co, verificamos que a socie-
Ilhas dispõem de uma rede de quase um milhar de equipamentos, 761 de dade civil portuguesa é mui-
to forte, autónoma e auto-
acção social e 145 de cuidados de saúde (quadro 1), servindo cerca de 58 mil regulada ou em todo o caso
utentes (Nunes, Reto, e Carneiro, 2001: 90). é mais forte, autónoma e
auto-regulada que as soci-
edades civis centrais. Aliás
é essa autonomia e auto-
regulação que torna possí-
Equipamentos de vel que o espaço doméstico
Distrito Misericórdias
acção social preencha algumas das la-
41 cunas da providência esta-
CONTINENTE 310 761 tal e assim se constitua em
Aveiro 20 42 sociedade providência,
como lhe tenho chamado.
Beja 13 21 (Santos, 1994: 114).
Braga 16 57
Bragança 14 43
40
De acordo com o livro
Castelo Branco 21 47 branco das misericórdias
Coimbra 14 28 publicado em 1995 havia
383 misericórdias associa-
Évora 22 42 das na União das Misericór-
Faro 20 65 dias (cit in Nunes, Reto, e
Carneiro, 2001: 90).
Guarda 17 25
Leiria 18 31
Lisboa 15 76
Portalegre 24 48
Porto 18 64
Santarém 21 35 41
Sem contar com a Santa
Setúbal 15 36 Casa da Misericórdia de Lis-
boa que tem um estatuto
Viana do Castelo 10 30 único.
Vila Real 11 33
Viseu 21 38

Fonte: Carta social, cit in Nunes, Reto e Carneiro, 2001:91

Quadro 7.8 – Nº de Misericórdias e de equipamentos geridos, por distrito.

Como se observa na figura 7.8, existem misericórdias em todos os distritos


do continente, cada um dos quais com mais de uma dezena de instituições e

217
© Universidade Aberta
duas dezenas de equipamentos. Isto é particularmente importante para os
distritos do interior, que normalmente se encontram pior equipados que os do
litoral.

Quanto às valências oferecidas (figura nº 7.9) observa-se que incidem


primordialmente na área dos idosos, com 951 valências e das crianças e jovens
com 790.

Valências F %
CONTINENTE 1822 100
Idosos 951 52
Crianças e jovens 790 43
Família e comunidade 28 2
Pessoas com deficiência 27 2
Outras 26 1

Figura 7.9 - Nº de valências nas Misericórdias.

Também no domínio do emprego as misericórdias têm prestado um serviço


relevante ao país: de acordo com as fontes consultadas, em 1993 estas
42
5259 em valências de ac- instituições empregaram em Portugal continental cerca de 13081 42
ção social para a 3ª idade e
2583 para a primeira e se- trabalhadores e utilizaram 147 voluntários, só na área da acção social. No
gunda infância. campo dos cuidados de saúde, empregaram 731 pessoas mais 31 voluntários
(Ilhas incluídas).

Em 1997 aqueles números tinham aumentado para 17331 trabalhadores


(acréscimo de 25,5 % relativamente a 1993), o que revela um forte potencial
de empregabilidade. Este facto é particularmente importante, numa altura
em que há sinais inquietantes de aumento substancial da taxa de desemprego.

1993 1997 Variação %


Trabalhadores 13812 17331 25,5 %

Fonte: Nunes, Reto e Carneiro, 2001:90

Figura 7.10 - Emprego nas Misericórdias.

Sabendo que o emprego é um dos principais factores de inclusão social a


elevada empregabilidade das Misericórdias constitui, em si mesmo, um valor
social acrescentado destas organizações.

218
© Universidade Aberta
Sendo incontestável que desempenham um papel extremamente útil, tanto por
oferecerem serviços de saúde e acção social particularmente a idosos, crianças
e jovens, como pelo facto de criarem e manterem um significativo número de
postos de trabalho, importa agora reflectir se as misericórdias podem fazer
mais e melhor pelo desenvolvimento local dentro das suas funções
tradicionais.

As misericórdias e o desenvolvimento local

Para reflectirmos sobre esta questão, vale a pena recordar uma das tendências
inquietantes da intervenção social local: a dispersão de recursos em
actividades muito diversificadas. Esta situação tem como efeitos
encontrarmos na mesma zona diversos serviços a oferecerem o mesmo tipo de
respostas, às vezes aos mesmos utentes enquanto que, diversos cidadãos, que
carecem de cuidados específicos, não os encontram.

Tendo em conta esta situação, parece ser lógico defender que as misericórdias
(aliás como todas as instituições do terceiro sector) se devem concentrar
naquilo que fazem (ou podem fazer) bem, e não se devem dispersar por
actividades múltiplas, muitas vezes com elevados custos e eficácia duvidosa.

Por muito generosas que possam ser as intenções, não é previsível que uma
mesma instituição possa prestar serviços diversificados (Figura 7.11) e de
elevada qualidade a toda a população. Normalmente, à excessiva
diversificação da oferta corresponde a redução da sua qualidade.

Valências Oferta social necessária


1. Infância e juventude • Ama, creche, jardim de infância, ATL, sala de estudo,
centro de férias, lar, centro de acolhimento temporário,
família de acolhimento, ...
2. Pessoas com deficiência • Intervenção precoce, lar de apoio, apoio ambulatório,
serviço de reabilitação, centro de actividade ocupacional
CAO), apoio domiciliário, ...
3. Idosos • Apoio domiciliário, centro de convívio, centro de dia,
lar, cuidados de saúde primários, continuados e
paliativos, hospital de retaguarda, acolhimento familiar,
centro de férias, ...
4. Família e comunidade
• Atendimento/acompanhamento social, centro de
alojamento temporário, comunidade de inserção, centro
comunitário, refeitório, centro de férias
5. Toxicodependentes e pessoas
• Apoio psicossocial, apoio logístico, apartamento de
infectadas com VIH/SIDA reinserção, cuidados de saúde, ...
6. Novas respostas
• Unidade de emergência para acolhimento de crianças e
jovens em situação aguda, apoio domiciliário integrado,
banco alimentar contra a fome, microcrédito, etc.

Figura 7.11 - Oferta social necessária.

219
© Universidade Aberta
Como corolário desta tese, parece ser evidente que a diversificação da oferta
em matéria de intervenção social (particularmente nos domínios da saúde,
segurança social e educação), deve ser feita não tanto pela criação de múltiplas
valências na mesma instituição, mas pela articulação em parcerias sólidas
entre instituições especializadas.

3.3 A questão das parcerias

É esta, aliás, a tendência que se observa em diversos textos de doutrina social


contemporânea (Pintasilgo, 1996, 1998). Vejamos apenas dois exemplos
significativos:

Importância das parcerias

Em Dezembro de 2001 a Comissão Europeia aprovou um Relatório conjunto


sobre a inclusão social. Nesse importante documento, considera-se
indispensável promover parcerias entre os diversos operadores de
intervenção social para melhorar a eficácia e a eficiência da sua oferta e para
se conseguirem criar serviços de alta qualidade

Por seu turno, na Carta Social publicada em 14 de Julho de 2000 pelo governo
português, pode observar-se, particularmente no capítulo consagrado às novas
respostas (pp 377 e sgs), a importância dada à organização de parcerias para
a implementação de respostas eficazes e eficientes aos novos desafios.

Assim, por exemplo, para a criação de um Sistema de Acolhimento de


Emergência no distrito de Lisboa destinado a crianças e jovens em risco,
carentes de acolhimento imediato, foi necessário estabelecer uma parceria sólida
entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Casa Pia de Lisboa, o Centro
Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e o Instituto para o
Desenvolvimento Social.

Também para o estabelecimento de unidades de Apoio Domiciliário Integrado


a idosos, a pessoas com deficiência e com doença mental, foi necessário
estabelecer uma parceria firmada por um Protocolo entre os Ministérios da
Saúde e do Trabalho e da Solidariedade (Carta Social: 377).

Os exemplos poderiam multiplicar-se. Estes bastam para entender que a


organização em parceria não se trata de uma moda passageira mas de uma
macrotendência contemporânea, que surge como resposta organizacional ao
desafio da diversidade.

220
© Universidade Aberta
Parece pois ser consensual a tese de que para a qualificação das respostas aos
problemas sociais contemporâneos é indispensável uma articulação complexa
de recursos, sob a forma de uma organização em rede na qual os actores
(indivíduos e organizações) se assumem como parceiros:

• o primeiro actor é o cidadão-cliente, que deixa de ser considerado


mero objecto de intervenção para ser desafiado a assumir o
protagonismo de parceiro, de sujeito da sua história;

• o voluntário, individualmente considerado ou organizado em ONGs,


deixa de ser considerado como mero instrumento de intervenção social,
para assumir também ele o papel de parceiro nos projectos, com direito
a acompanhamento e formação;

• as agências públicas de segurança social, saúde, educação, emprego


e formação profissional deixam de trabalhar de costas voltadas, uma
vez que a integração de respostas é condição estratégica de eficácia e
de eficiência;

• os serviços de segurança (PSP,GNR), assumem neste modelo um


particular relevo, não só como garantes da integridade física de todos
e particularmente dos mais frágeis, mas também por se assumirem como
efectivos parceiros na reconstrução do capital de confiança
indispensável à construção da paz social;

• finalmente as autarquias, com a sua visão holística local, assumem


um papel decisivo no fomento e no apoio das redes de recursos.

A armadilha da retórica

Pelas razões apontadas, a que se juntou uma violenta crítica politicamente


correcta ao modelo burocrático, uma certa retórica dominante tem vindo a
defender com maior ou menor veemência as virtualidades da organização em
rede.

Ainda que com motivações generosas, tal posição pode ser extremamente
perniciosa para a implantação de parcerias sólidas e auto-sustentadas. E isto
porque enferma de vários erros de avaliação:

• Em primeiro lugar parte da premissa de que o modelo burocrático


é intrinsecamente mau, o que é falso; o modelo burocrático ainda é o
melhor que se conhece para a execução de trabalho rotineiro e tipificado.

• Em segundo lugar porque crê que o trabalho em rede é melhor que


o trabalho burocrático em todas as situações, o que também é falso;

221
© Universidade Aberta
para respostas padrão a problemas sociais tipificados, o modelo
burocrático é mais eficiente que o ad-hocrático.

• Em terceiro lugar porque supõe que o trabalho em parceria é


automaticamente mais eficaz e mais eficiente que o modelo de
trabalho convencional, o que também é falso; ainda que aplicado a
situações em que este modelo seja adequado, exige uma aprendizagem
É ineficaz quando não
específica por parte dos actores e um desempenho coerente com
43

consegue atingir os objecti-


vos que se tinha proposto essa aprendizagem, sem os quais se torna ineficaz43 e ineficiente44 .
alcançar.
Sendo a parceria o instrumento organizacional mais eficaz e mais eficiente
para resolver certo tipo de problemas, tem todavia exigências que decorrem
44
É ineficiente quando a re-
lação entre custos e resulta- da sua natureza e que é necessário conhecer.
dos é desequilibrada, i. é ,
quando os custos são dema-
siados face aos benefícios.

Exigências do trabalho em parceria

Comecemos por observar o significado da palavra no dicionário - conjunto de


parceiros:

• O termo conjunto sublinha a natureza colectiva do conceito, o que já


nos fornece uma primeira pista sobre as condições de funcionamento:
só é possível existir uma parceria quando há um conjunto de actores
sociais (pessoas, grupos, organizações, ...) que trabalham para um dado
fim.

• Por seu turno o termo parceiro significa aquele que participa em ...,
que compartilha de ..., o que apela para um tipo de relação horizontal.
Os parceiros não têm uma relação hierárquica, são pares.

A partir desta primeira análise estamos em condições de listar quatro tipos de


exigências no trabalho em parceria:

• Em primeiro lugar, o trabalho em parceria constitui um desafio ético


para cada protagonista, seja ele um indivíduo, um grupo ou uma
organização. Numa conjuntura que privilegia frequentemente o
individualismo e a competição em detrimento do trabalho cooperativo,
trabalhar em parceria obriga cada actor a um esforço de humildade,
que o leve a controlar o inevitável narcisismo, para se pôr ao serviço
do bem comum.

• Em segundo lugar, o trabalho em parceria exige um estilo democrático


de orientação, que demora tempo a aprender. Tal estilo obriga a que
as decisões sejam preparadas de forma participada, sejam tomadas
por decisores legitimados pela parceria e sejam respeitadas de
forma disciplinada. Para que o processo de decisão decorra desta

222
© Universidade Aberta
forma é indispensável que cada um aprenda a comunicar melhor (a
ler, escrever, falar e escutar melhor), individualmente e em grupo.

• Os dois primeiros tipos de condicionamentos apelam para a exigência


de criar e respeitar um conjunto de regras que dêem coesão à rede,
que, por vezes, podem colidir com os interesses particulares das
instituições parceiras45. É portanto fundamental que as organizações 45
Imagine-se por exemplo
que uma dada parceria é
parceiras viabilizem de facto e não apenas de jure o funcionamento da acordado um conjunto de
parceria sob pena de quebrarem a sua coesão interna. regras de frequência de en-
contros, de pontualidade, e
de deveres mútuos. Para que
• Finalmente, para que o trabalho em parceria tenha êxito, existe uma a parceria funcione é fun-
condição decisiva, muitas vezes invisível a olhares menos atentos: só damental que as organiza-
ções a que pertencem os
é possível tirar partido desta forma superior de organização se as pessoas parceiros legitimem esse
intervenientes tiverem maturidade emocional. Não chega ter-se quadro normativo, sob pena
de os actores se confronta-
competência técnica. Não basta possuir-se recursos financeiros, rem com frequentes dile-
humanos e materiais: é preciso saber lidar com as emoções próprias mas de dupla fidelidade (ex:
vou a esta reunião da parce-
e com as dos outros; é necessário saber mobilizar vontades para atingir ria ou à da minha organiza-
os objectivos colectivos, ultrapassando narcisismos e idiossincrasias ção?).

pessoais e institucionais.

Se forem respeitadas estas quatro exigências, o trabalho social com as


populações locais subirá a um patamar superior de qualidade, quer porque se
criam condições para responder de forma funcionalmente articulada às
necessidades reais da população-cliente, quer porque será possível fazê-lo de
forma participada, estreitando os laços inter-pessoais e aumentando o capital
social.

Neste contexto, as misericórdias são decisivas: pela sua filosofia, pela sua
história, pela sua missão particular, pelo seu actual papel no quadro da
intervenção social, pelo seu enraizamento na cultura dos portugueses, as
misericórdias constituem não só um instrumento de realização da solidariedade
social, mas uma expressão viva da fraternidade cidadã.

Actividade 7.4

Tendo em conta as actividades 7.1 a 7.4, e com base no que acabou de ler
relativamente ao trabalho em parceria, elabore um conjunto de
recomendações práticas a distribuir aos diversos parceiros com vista a
dotar a rede de melhor capacidade de resposta aos problemas detectados.

223
© Universidade Aberta
4. Em síntese

Esta unidade iniciou com uma breve reflexão sobre a complexidade da realidade
social, causadora daquilo que Morin chama nevoeiro informacional.

Como bússola metodológica para a análise e intervenção nas comunidades foi


sugerida a abordagem sistémica, havendo-se proposto um modelo ilustrativo.

Seguidamente discutiram-se as diversas fases de análise e intervenção em


comunidades, seguindo-se de perto as propostas de Ezequiel Ander-Egg.

Completou-se a discussão dos procedimentos metodológicos com a alusão


aos contributos de diversos autores e à sua aplicabilidade no terreno.

A secção terminou fazendo referência às principais variáveis em jogo num


processo de avaliação de projectos comunitários.

Numa terceira secção, discutiu-se o conceito de parceria como instrumento de


intervenção comunitária, a sua importância e as condições para uma boa prática
de trabalho em parceria.

Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer


ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

Leituras complementares

ANDER-EGG, Ezequiel
1980 Metodologia y Pratica del Desarollo de la Comunidad,
Tarragona, UNIEUROP, (10ª ed.).

224
© Universidade Aberta
ANDER-EGG, Ezequiel e Aguilar, M.J.
1995 Avaliação de programas e serviços sociais, Petrópolis, Vozes, 2ª
ed.

CARMO, Hermano
1986 Análise e intervenção organizacional, Lisboa, FUNDETEC.
1995 Avaliação em Intervenção comunitária, in Estudos de home-
nagem ao Professor Adriano Moreira, vol II, Lisboa, ISCSP, pp
671-689, (original de 1992).

CARMO, H. e FERREIRA, Manuela M.


1998 Metodologia da investigação: guia para auto-aprendizagem,
Lisboa, Universidade Aberta.

GIL, António Carlos


1996 Como elaborar projectos de pesquisa, S. Paulo, Atlas.

GUEST, Hersey e Blanchard


1980 A mudança organizacional através da liderança eficaz,
S.Paulo, Multimedia Tecnologia Educacional.

HERSEY e BLANCHARD
1986 Psicologia para administradores: a teoria e as técnicas da
liderança situacional, S. Paulo, EPU.

LAPIERRE, J.W.
s/d A Análise dos sistemas políticos, Lisboa, Rolin.

MOREIRA, Carlos Diogo


1995 Modelos e Métodos de avaliação de programas de investiga-
ção e acção, Lisboa, ISCSP.

ROSNAY, Joel de
1977 O Macroscópio, para uma visão global, Lisboa, Arcádia.

225
© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
8. Campos específicos do desenvolvimento comunitário

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
SUMÁRIO

Objectivos

1. Desenvolvimento comunitário e educação


1.1 A mudança na educação
1.2 Relação da escola com a comunidade: um exemplo
1.3 Comentário
1.4 Parceria escola/comunidade na educação para a cidadania
1.5 E educação intercultural e a intervenção comunitária

2. Desenvolvimento comunitário e saúde


2.1 Apoio a cidadãos fragilizados por condições de saúde particulares
2.2 Em Centros de saúde
2.3 Acção a partir de instituições de cuidados diferenciados de saúde

3. Desenvolvimento comunitário e exclusão social


3.1 A pobreza como forma de exclusão social
3.2 Importância sócio-política da pobreza
3.3 O combate à exclusão social

4. Desenvolvimento comunitário e acção macrossocial


4.1 Planeamento e organização comunitárias
4.2 Programas de defesa dos Direitos Humanos
4.3 Organização comunitária em situações de ameaça à protecção civil
4.4 Trabalho comunitário em programas internacionais

5. Rumos promissores para o século XXI


5.1 Desenvolvimento comunitário e educação para uma democracia renovada
5.2 Desenvolvimento comunitário e educação aberta e a distância
Em resumo

6. Em síntese

Actividade final

Leituras complementares

229
© Universidade Aberta
Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá estar apto a descrever a aplicação


do desenvolvimento comunitário nos seguintes campos:

• absentismo, insucesso e abandono escolares;

• educação intercultural;

• apoio domiciliário e ambulatório a cidadãos fragilizados por condições


de saúde particulares;

• cuidados de saúde primários;

• cuidados diferenciados de saúde;

• apoio a crianças e jovens em situação de exclusão social;

• apoio a adultos em situação de exclusão social;

• apoio a idosos em situação de exclusão social;

• planeamento e organização comunitária;

• defesa dos direitos humanos;

• situações de ameaça à protecção civil;

• acção social internacional;

• educação para a democracia;

• educação aberta e a distância.

230
© Universidade Aberta
Nesta última unidade de aprendizagem discute-se brevemente a aplicação do
Desenvolvimento Comunitário a diversas situações no terreno.

Na selecção dos campos de aplicação, procura-se fazer referência aos cachos


de preocupações enunciadas na unidade 4 deste manual, bem como a alguns
domínios menos estudados mas igualmente importantes.

1. Desenvolvimento comunitário e educação

Um dos problemas mais vigorosamente debatidos no mundo contemporâneo


é, sem dúvida, o da crise da educação.

1.1 A mudança na educação

Em termos resumidos1 pode equacionar-se a questão do seguinte modo: há 1


Para uma discussão mais
aprofundada cfr. Carmo,
bem poucos anos quando se discutia sobre educação quase todos os 1997, pp 71-183.
interlocutores se referiam ao que hoje se chama formação inicial. Estava-se
numa época em que o ciclo de vida do Conhecimento, isto é, o tempo que
mediava entre o momento da sua criação e o da sua morte, era longo, podendo
mesmo exceder o ciclo de vida humano.

Como consequência imediata desta situação, considerava-se que os


conhecimentos acumulados na primeira parte da vida de um indivíduo
constituíam património cognitivo suficiente para o desempenho dos vários
papéis que ele iria ter ao longo da sua vida.

Hoje a situação alterou-se drasticamente: o Futuro entra cada vez mais depressa
no Presente sem pedir licença (Toffler, 1970, 1980, 1990), daí resultando um
processo de mudança acelerada que, na expressão feliz de Margaret Mead,
nos confere o estatuto de migrantes no Tempo (Mead, 1969) levando outros
autores a considerar estarmos a entrar numa espécie de Idade do Ferro
Planetária (Morin, 1991).

Resultante da força conjugada, do aumento da esperança média de vida das


populações e da redução drástica do ciclo de vida do Conhecimento (Knowles,
1980: 40-41), a formação inicial perdeu peso relativo, circunscrevendo-se
à aprendizagem básica de conhecimentos, técnicas e atitudes, susceptíveis de
virem alicerçar a aprendizagem ao longo do resto do ciclo de vida.

231
© Universidade Aberta
Em contrapartida regista-se o alargamento da formação contínua, à medida
em que se vai tomando consciência da degradabilidade do saber e do seu ciclo
de vida cada vez mais curto. Este facto, associado
• ao alargamento da escolaridade obrigatória,
• ao alargamento das taxas de cobertura dos ensinos secundário e
terciário
• e à generalização da ideia de que a educação não se deve circunscrever
às camadas infanto-juvenis mas estender-se
- a montante, às coortes infantis pré-escolares e,
- a jusante, a toda a população adulta, activa ou não,

tem contribuído para pressionar os sistemas educativos com uma sobrecarga


de exigências a que estes não têm conseguido dar resposta.

1.2 Relação da escola com a comunidade: um exemplo

Em consequência deste quadro geral têm vindo a crescer os problemas de


Estudantes, professores e ensino-aprendizagem cuja resolução exige uma intervenção concertada, entre
2

outro pessoal não docente.


os protagonistas directamente ligados ao sistema educativo2 e a comunidade
envolvente3 .
3
Famílias, autarquias, insti-
tuições públicas, organiza-
ções não governamentais,
Exemplos típicos são os problemas do absentismo, insucesso e abandono
líderes comunitários, entre escolar. Qualquer intervenção sobre este tipo de problemas deve ser precedida
outros. Pode ver sobre este
assunto Staudt, 1995, Soci-
de um estudo cuidado, feito o mais precocemente possível (figura 8.1), de
al work in the shools, in modo a poderem ser implementadas medidas de prevenção adequadas.
Johnson, 1995 pp 115-128
(Cfr. Leituras complementa-
res).
O absentismo, por exemplo, pode ser limitado a certos dias da semana, a
certos tempos do dia escolar ou a certas disciplinas. Mas também pode
apresentar-se sob a forma de ausências prolongadas resultantes de doença,
de acidente ou de outras razões como mudança de residência, dificuldades de
acesso à escola ou ainda como reacção a situações de insucesso.

O insucesso, por seu turno, pode ser limitado a alguns períodos escolares, a
uma deficiente interacção com determinados professores ou a certas disciplinas
ou, generalizado, criando condições para a ocorrência de uma primeira ou de
novas reprovações.
4
Exs: Cuidar dos irmãos en-
quanto os pais trabalham, Finalmente o abandono pode dever-se a razões de natureza extra-escolar,
contribuir com o seu traba-
lho para o orçamento fami- como à necessidade de desempenhar precocemente papéis de adulto4 , ou ser
liar, gravidez precoce, etc.). consequência de situações directamente ligadas à escola como insucessos

232
© Universidade Aberta
académicos e problemas de natureza disciplinar, que podem fazer emergir
comportamentos de isolamento, depressão, refúgio em grupos de pares mal
sucedidos na escola, etc.

Absentismo Insucesso Abandono

• Limitado a • Limitado a • Para desempenho


certos(as) certos(as) precoce de papéis
- dias - períodos de adulto
- tempos - professores (Ex: trabalho
- disciplinas - disciplinas remunerado,
substituição dos pais,
• Ausências • Generalizado, gravidez precoce,
prolongadas conduzindo a uma etc.)
- Doença primeira
- Acidente reprovação ou a • Como reacção ao
- Outras razões reprovações insucesso escolar
(ex: mudança sucessivas (Ex: isolamento,
de residência, depressão, refúgio
intenção de em grupos de pares
abandono, mal sucedidos na
acessibilidade) escola, etc.)

Figura 8.1 - Absentismo, insucesso e abandono escolar: prevenção


análise e diagnóstico precoce.

No estudo deste tipo de situações devem evitar-se juízos pré-concebidos e


ter-se em conta que cada caso é um caso diferente exigindo respostas
personalizadas, ainda que se possam e devam estabelecer medidas preventivas
que criem um ambiente dissuasor da sua ocorrência.

Após o seu estudo e diagnóstico, impõe-se uma intervenção precoce e


concertada, tendo em conta que quanto mais cedo se age maior é a
probabilidade de êxito (figura 8.2).

Salvaguardadas as especificidades de cada caso, qualquer intervenção neste


campo deve visar o desenvolvimento pessoal e social dos protagonistas (cfr.
Unidade 6 – empowerment) e a criação de uma rede social que os apoie
nesse processo.

As situações de abandono pela a sua maior gravidade aconselham


intervenções de natureza mais diferenciada, nomeadamente o recurso a 5
Sobre o apoio à constru-
especialistas das áreas da psicologia e serviço social, no sentido de apoiar o ção de um projecto de vida
menor na construção progressiva de um projecto de vida5 , do qual possa ver Carmo (1993).

233
© Universidade Aberta
fazer parte um contrato personalizado de formação com objectivos e tarefas
bem definidos para todos os protagonistas do processo.

Absentismo Insucesso Abandono

Objectivos: Objectivos: • Criação de uma


1. Promover o 1. Promover o rede social de apoio
desenvolvimento desenvolvimento com os diferentes
pessoal e social pessoal e social actores educativos.
dos dos
protagonistas protagonistas • Contrato
2. Criar uma rede 2. Criar uma rede personalizado de
social de apoio social de apoio formação, em
com os com os função do projecto
diferentes diferentes de vida (com todos
actores actores os protagonistas no
educativos. educativos. processo).

Sistemas-cliente: Sistemas-cliente:
• estudante • estudante
• colegas • colegas
• professor(es) • professor(es)
• pessoal não • pessoal não docente
docente • família
• família • comunidade
• comunidade • (ex: hospital,
• (ex: hospital, autarquias, ONGs)
autarquias,
ONGs,)

Figura 8.2 - Absentismo, insucesso e abandono escolar: objectivos da


intervenção precoce.

1.3 Comentário

Em qualquer das três situações que nos servem de exemplo a comunidade


6
Nomeadamente técnicos exterior à escola desempenha um papel activo, quer como parte do
com formação em Política problema quer como instrumento para a sua solução. Este facto tem levado
Social, Serviço Social, Psi-
cologia, Sociologia ou An- muitas vozes a reclamar a presença de especialistas em intervenção social6
tropologia. nas equipas escolares ou pelo menos, entre os protagonistas exteriores à escola

234
© Universidade Aberta
que com ela têm de concertar estratégias. As áreas-chave da sua actuação são
as seguintes:

• Prevenção primária de problemas que possam afectar a igualdade


de oportunidades dos estudantes, tanto no que respeita ao acesso ao
ensino como no que concerne ao seu sucesso académico;

• Despiste e diagnóstico precoce desses problemas;


7
Ex: estudantes emocional-
• Intervenção precoce para reduzir os seus efeitos mente mais maduros, aca-
demicamente mais bem su-
Em qualquer destes três campos é indispensável, como atrás se referiu, que a cedidos e socialmente mais
autónomos; professores
intervenção social vise criar condições para mais competentes como
educadores; famílias mais
• o desenvolvimento pessoal e social dos sistemas clientes7 ; responsáveis; autarcas mais
solidários com a escola, etc.
• a implementação de redes sociais de apoio mais sólidas
8
O desenvolvimento de ac-
tividades da área-escola, de
No caso específico do trabalho comunitário com instituições de ensino pré- forma integrada, a valori-
escolar e escolar (creches, jardins de infância, e escolas de ensino básico), zação efectiva das discipli-
nas de Desenvolvimento
deve ser procurada uma forte ligação à família e à comunidade de residência, Pessoal e Social e a valori-
numa estratégia integrada de socialização das faixas etárias envolvidas; zação dos sistemas de ges-
tão democrática, são três
exemplos de acções a em-
No que respeita à intervenção em escolas de ensino secundário e superior, preender neste domínio.
a intervenção deve ser conduzida em duas vertentes:
9
Por exemplo como cen-
• de modo a que estas instituições se assumam como verdadeiros tros de voluntariado e de
instrumentos de socialização da população discente, não se educação cívica através de
programas de serviços co-
reportando à execução de programas escolares atomizados8 ; munitários prestados pelos
vários elementos da comu-
• no sentido de se poderem vir a instituir como instituições socialmente nidade escolar (estudantes,
docentes e mesmo pessoal
activas nas comunidades onde estão inseridas9 . não docente).

10
O texto que se segue cons-
titui parte de Carmo, H.,
2005, Parceria escola–co-
munidade na educação
1.4 Parceria escola/comunidade na educação para a cidadania10 para a cidadania, in Con-
ferência Internacional sobre
Promoção do bem-estar na
Para alcançar melhores resultados nos domínios referidos, a escola tem de se escola, Painel - Escola e co-
munidade: uma sinergia
articular com a comunidade envolvente através de parcerias sólidas11 . Ao iniciar para o bem-estar, 6-7 de
o trabalho, a questão que imediatamente se coloca é em que áreas é que uma Maio de 2005, Seixal, Uni-
versidade Aberta.
parceria entre a escola e a comunidade se pode realizar?

As áreas são inúmeras. Para ilustrar a variedade de domínios em que a Verifique, no capítulo an-
11

terior, as condições exigíveis


colaboração pode existir, basta rever a listagem de áreas-chave de educação para a constituição de uma
para o desenvolvimento (figura 4.1, capítulo 4). boa parceria.

235
© Universidade Aberta
Perante uma tal diversidade de opções, há que estabelecer prioridades
educativas. Do ponto de vista do autor deste texto, sendo a grande finalidade
de qualquer parceria deste género, a promoção do desenvolvimento pessoal
e social dos alunos, tal desígnio deve abranger três vertentes (figura 8.3):

Prioridade: desenvolvimento pessoal e social dos alunos

Desenvolver competências
Desenvolver talentos Desenvolver a autonomia
para viver em comum

Ter uma Ser sujeito da sua Ser cidadão de corpo


identidade rica própria história inteiro

Educação do Educação p/a Educação p/a


carácter liderança democracia

Figura 8.3 - Vertentes da parceria escola/comunidade.

• A educação do carácter, com o objectivo de desenvolver os talentos


individuais de modo a formar personalidades individuais mais ricas.

• A educação para liderança, afim de conseguir que cada aluno possa


vir a ser suficientemente autónomo para ser sujeito da sua própria história
(Freire, 1972).
12
O termo carácter, aqui, é • A educação para a democracia, para que cada aprendente desenvolva
usado como marca iden-
tificativa de cada pessoa, em
competências para viver em comunidade de modo a poder vir a ser
permanente construção (com um cidadão de corpo inteiro.
eventuais episódios de
desconstrução). Tecnicamen-
te poderia ser mais correcta-
mente designado por perso-
nalidade. Desenvolver os talentos: construir identidades ricas

O carácter de uma pessoa12 é um conjunto de traços que a identificam e


que a tornam um fenómeno que não se repete (Moreira, 1979), que integra
as suas diversas pertenças (a grupos, organizações, local e época em que
viveu), e um perfil único de traços cognitivos, emocionais e éticos,

236
© Universidade Aberta
diagramados a partir da teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner,
do conceito de inteligência emocional de Goleman e da tipologia de
comportamentos éticos de Dalailama (2000), o que permite isolar 10 traços
identificadores. (figura 8.4)

Carácter: Conjunto de traços

que definem a

identidade

da
do
da da da

organização grupo região nação espécie humana


da

pessoa

integra integra

Traços cognitivo-emocionais traços éticos

Cfr. Gardner e Goleman integra Cfr. Dalailama, 2000


integra

• Factores • Factores cinestésico- Factores que


Factores que inibem
linguísticos -corporais desenvolvem a
a solidariedade
• Factores lógico- • Factores naturalistas solidariedade (amor,
(ódio, impaciência,
-matemáticos ou biológicos intolerância, rancor, paciência, tolerância,
• Factores espaciais • Factores interpessoais perdão, humildade e
soberba e afins)
• Factores musicais afins)
• Factores intrapessoais ⇒ ética de
refreamento:
disciplina interior

Fonte: Carmo, 2004

Figura 8.4

237
© Universidade Aberta
Ao estabelecer uma parceria escola-comunidade, com vista ao desenvolvimento
dos talentos individuais dos alunos para construir identidades mais ricas,
percebemos que, à partida, a família e a escola isoladamente não cobrem, em
regra, todas as necessidades educativas da criança e do adolescente:

Desenvolver os talentos
(construir identidades)

Factores formadores da identidade Urgência de uma perceria entre


(Gardner, Goleman, Dalailama): família, escola e comunidade:
1. Linguísticos • Família

2. Lógico-matemáticos • Escola
3. Espaciais • Rede comunitária de apoio

4. Musicais Portanto:
5. Cinestéticos-corporais • Colmatar as zonas desguarnecidas
6. Naturalistas ou biológicos (3, 4, 5, 6)
• Reforçar zonas estratégicas
7. Interpessoais
(7, 8, 9, 10)
8. Intrapessoais
9. Ética reactiva (disciplina interior)
10. Ética proactiva (factores
fomentadores de solidariedade)

Figura 8.5

• Grande parte das famílias procura incidir o seu papel educativo nos
domínios emocionais e éticos (domínios 7,8,9 e 10).

• Muitas escolas circunscrevem a sua actuação ao desenvolvimento da


inteligência linguística e lógico-matemática (Gardner, domínio 1 e
2) e também, ainda que de forma menor, nos domínios emocionais e
éticos.

• Constituída a parceria numa rede comunitária de apoio, esta pode


não só, colmatar as zonas desguarnecidas (domínios 3,4,5,6), mas
também reforçar as zonas estratégicas (domínios 7,8,9 e 10).

238
© Universidade Aberta
No fio da navalha: ser sujeito da sua história

Vejamos agora a educação para a liderança: se considerarmos a liderança


como a capacidade para mobilizar através do consentimento (figura 8.6),
sabemos que a aprendizagem desta capacidade se faz através do desempenho
de sucessivos papéis de obediência e de comando, que cada um vai
experimentando ao longo do seu processo de socialização, num quadro de
valores comummente aceite. Este tripé – experiência de obediência e de
comando num quadro de valores – é que distinguirá mais tarde o líder que
serve do líder que se serve.

Liderança
Capacidade para mobilizar através do consentimento
níveis

Individual Grupal Organizacional Comunitária Política

Saber Centrada em Planeamento Coesão


relações Organização social
Maturidade
Controlo Orientação
emocional Centrada em
tarefas Comunicação social
Motivação
Desenvolvimento

Aprendizagem

Saber obedecer Saber mandar

Valores

A liderança como serviço

Fonte: Carmo, 2004

Figura 8.6 - Liderança: a questão da autonomia.

Naturalmente que tal processo tem vários níveis de aprendizagem, consoante


o objecto da liderança seja o próprio indivíduo, ou os grupos, organizações,
comunidades ou sistemas mais complexos. Mas em todos esses níveis, ele terá
de aprender a obedecer e a mandar num quadro de valores consentido.

239
© Universidade Aberta
No quadro de uma parceria da escola com a comunidade, a fim de conseguir
que cada aluno possa vir a ser suficientemente autónomo para ser sujeito da
sua própria história, um dos instrumentos que imediatamente ocorre é o fomento
do trabalho voluntário a partir da escola.

A experiência tem demonstrado que o fomento do trabalho voluntário a partir


da escola, para além de criar recursos humanos adicionais à comunidade, a
custos baixos, é um forte contributo para o desenvolvimento pessoal e social
dos próprios voluntários, ensinando-os a desempenhar papéis de obediência
e de coordenação num quadro de valores partilhados, experiência riquíssima
que lhes irá ser extremamente útil ao longo do seu ciclo de vida nos vários
papéis que virão a desempenhar.

Para além destes efeitos positivos imediatos, é de esperar que o aumento de


trabalho voluntário a partir da escola, tenha um efeito de legitimação desta
junto da comunidade, para além de aumentar os níveis de confiança e de
participação, induzindo o crescimento do capital social da comunidade
envolvente.

Viver em comum: ser cidadão de corpo inteiro


13
O texto que serviu de base
a esta secção foi apresenta- A vertente da educação para a democracia será analisada na última secção
do pelo autor na sua forma deste capítulo. Por agora bastará dizer que uma parceria sólida entre a escola
original, na Universidade de
Florença, em Maio de 1998, e a comunidade pode apoiar a aprendizagem significativa da democracia,
num seminário para estu- encarada quer como meta a alcançar quer como método de vivência em comum.
dantes de pós-graduação
intitulado Educação inter-
cultural e ensino a distân-
cia: A questão da forma-
ção de formadores. Algu-
mas partes já haviam sido 1.5 A educação intercultural e a intervenção comunitária13
discutidas em Carmo, 1998,
Educación intercultural a
nivel de posgraduados y
enseñanza flexible. reali- Com o aumento de pressão social sobre os sistemas educativos e com a abertura
dades y desafios in La destes a todos os segmentos sociais, tornou-se regra dominante a
educación intercultural en
Europa: un enfoque curri- coexistência de diversas culturas num mesmo espaço, o que ainda há poucos
cular, Barcelona. anos era uma situação pouco frequente ou pelo menos ignorada em muitos
países.
Reveja a secção educação A educação intercultural emerge, neste contexto, como elemento indispensável
14

para o desenvolvimento,
ponto 1.1. da unidade IV. à realização das teses da Revolução Francesa14 , contribuindo para a criação
de uma sociedade mais livre, mais igualitária e mais fraterna, em que os seus
segmentos aprendam, não só a saber respeitar a diferença mas também a tirar
partido da diversidade para viver melhor.

240
© Universidade Aberta
A educação intercultural e as doutrinas da assimilação, da integração e do
pluralismo cultural

O modo de gerir a crescente diversidade social e, em particular, os seus efeitos


no sistema educativo, tem variado de acordo com os pressupostos doutrinários.
Em termos simplificados pode-se dizer que existem três modos principais
de encarar a diversidade social que designaremos como doutrinas da
assimilação cultural, da integração cultural e do pluralismo cultural
(Winitzkly, 1995)

• a doutrina da assimilação cultural parte de pressupostos


etnocêntricos, considerando haver uma cultura-referência da qual todas
as outras se devem aproximar; é a perspectiva típica das doutrinas
racistas, e de todas as que partem de teorias evolucionistas hoje
cientificamente postas em causa mas ainda com bastantes adeptos;

• a doutrina da integração cultural arranca do pressuposto mais


generoso da igualdade do género humano e defende que, no mesmo
espaço, todas as culturas devem misturar-se e transformar-se numa
que delas resulte; a metáfora aplicável a esta perspectiva é a do caldo
de culturas (melting pot); apesar de partir de pressupostos opostos do
assimilacionismo, tal como aquela doutrina parece considerar a
diversidade cultural como um mal a eliminar;

• contrariamente às anteriores, a doutrina do pluralismo cultural


considera que a diversidade é um valor a preservar e que a sociedade
enriquece o seu património ao preservar essa diversidade sob o guarda-
chuva de um conjunto de valores e padrões de convivência comuns; a
metáfora para este ponto de vista é a da salada de culturas.

A corrente da educação intercultural é herdeira desta última doutrina, assumindo


que a crescente diversidade étnica, linguística, de género, de estatuto social
e de capacidade de aprendizagem, deve ser considerada não só como
problema mas também (e sobretudo) como recurso educativo. 15
Carmo, H., 2005,
Multiculturalidade e edu-
cação a distância, in
Des(a)fiando discursos:
Homenagem a Maria Emília
Aprendizagens da educação intercultural Ricardo Marques, Lisboa,
Universidade Aberta, pp
159-177, a partir da comu-
Num recente encontro internacional15 foi defendido que qualquer programa nicação ao Simpósio Inter-
de educação intercultural exige oito tipos de aprendizagens: nacional sobre Possibilida-
des e Limites do Ensino Vir-
tual no Âmbito Universitá-
No domínio do Saber: rio, 10-14 de Dezembro de
2002, Universidad Interna-
1. aprender a conhecer o Eu cional de Andalucia, Con-
sorcio Fernando de los Rios.
2. aprender a conhecer o Outro

241
© Universidade Aberta
No domínio do Saber fazer:
3. aprender a gerir informação
4. aprender a comunicar
5. aprender a gerir situações de diversidade

No domínio do Saber situar-se:


6. aprender a avaliar valores e padrões
7. aprender a ser autónomo
8 aprender a agir de modo cooperativo e solidário

Neste quadro de objectivos, uma parceria escola/comunidade pode organizar


programas de desenvolvimento das competências cognitivas, emocionais, éticas
e práxicas, que permitam melhorar substancialmente o bem estar da escola e
da comunidade em geral, olhando o Outro não como uma ameaça mas como
uma Oportunidade de crescimento em Paz.

Um grupo estratégico: os formadores

Objectivos tão ambiciosos, apesar de justos, confrontam-se com a complexidade


dos grupos a educar: crianças, jovens, adultos, velhos e minorias. Uma vez
que nenhum país tem recursos para criar em simultâneo programas para toda
a população, a questão de política educativa que se põe é a de seleccionar
grupos-alvo prioritários, em quem se possam concentrar os recursos
educativos.

Na hierarquização das prioridades sobressai claramente o grupo dos


formadores, de que os professores constituem um subgrupo importante. Trata-
se de um conjunto muito diversificado de profissionais cuja formação, se for
feita com padrões de exigência e qualidade, pode ter efeitos multiplicadores
extremamente benéficos sobre o conjunto da população. Na figura 8.3 registam-
se alguns exemplos de grupos de formadores e dos efeitos previsíveis de
programas de formação em educação intercultural.

Naturalmente que para poder desenvolver tais estratégias o formador tem de


estar disponível, ele próprio, para se assumir como aprendente,

• assumindo a sua condição de migrante no Tempo em processo de


constante adaptação à mudança e aos seus desafios e

• aprendendo a coabitar com a diversidade nas suas variadas vertentes


(geracional, linguística, tecnológica, económica, social, religiosa,
cultural, etc).

242
© Universidade Aberta
Tipos Exemplos Efeitos previsíveis
Formadores • Educadoras de infância • Redução de comportamentos racistas
de crianças • Enfermeiros e xenófobos por parte dos
• Professores educadores, das crianças e,
indirectamente das suas famílias.
• Produtores / realizadores
de rádio e televisão • Interiorização de atitudes de respeito
educativa pela diferença.
• Criação de hábitos de cooperação
entre culturas
• Redução do absentismo e do
abandono escolar
• Aumento do sucesso escolar
Formadores • Professores • Redução do absentismo escolar
de jovens • Líderes juvenis • Aumento do sucesso do ensino e
• Líderes comunitários formação
(políticos, religiosos, e • Redução do abandono escolar e do
sociais) abandono das acções de formação
• Profissionais de profissional
intervenção social • Prevenção de problemas sociais de
• Profissionais da comportamento desviado
comunicação social
(jornalistas, produtores,
realizadores,
publicitários, etc.)
Formadores • Os mesmos referidos • Os mesmos resultados que para os
de adultos para os jovens jovens
• Gestores de recursos • Emergência de mais grupos de
humanos (tanto de cidadãos, activos e competentes no
organizações oficiais seio das comunidades.
como particulares Melhoramento da produtividade das
organizações públicas, cooperativas
e privadas
Formadores • Profissionais de • Melhoramento da qualidade de vida
de idosos intervenção social dos idosos
Alteração da imagem social do
idoso de problema para recurso

Figura 8.7 - Um grupo estratégico: os formadores.

Ainda que se seleccionem apenas os professores para um programa de educação


intercultural, somos confrontados com um grupo-alvo gigantesco, para o qual
os meios disponíveis de comunicação educacional são francamente
insuficientes, uma vez que
• o número de especialistas em educação intercultural é abaixo das
necessidades, e

243
© Universidade Aberta
• os recursos materiais (instalações e equipamentos) e financeiros são
insuficientes.

Para além destes problemas de reduzida oferta educacional, regista-se um


conjunto de substanciais dificuldades na perspectiva da procura.

Com efeito, os professores a formar, são muitos, encontram-se


geograficamente dispersos, possuem diferentes qualificações iniciais,
desempenham papéis profissionais muito diversos, de acordo com os grupos
que ensinam, apresentam, em regra, disponibilidade de tempo muito reduzida,
o que lhes dificulta o acesso a programas convencionais de formação e
pertencem, por vezes, a comunidades linguísticas diversas, o que dificulta
substancialmente o processo de comunicação educacional.

É neste quadro de dificuldades que as estratégias de desenvolvimento


comunitário se tornam indispensáveis tirando partido dos recursos locais e
16
O ensino flexível, com criando sinergias com meios externos às comunidades em questão16 .
uma forte componente de
ensino a distância, pode re-
velar-se um modelo alta-
mente adequado, tanto para
aumentar a taxa de cobertu-
ra do ensino presencial
Actividade 8.1
como para atingir popula-
ções adultas que, doutra for-
ma, não teriam oportunida- 1. Seleccione e caracterize um problema específico existente numa
de de melhorar as suas qua-
lificações. Ver adiante o
instituição educativa que conheça (creche, jardim de infância, escola
ponto 5. do ensino básico, secundário ou superior).

2. Identifique esquematicamente diversas acções conducentes à sua


resolução, bem como as pessoas, grupos ou instituições que deverão
ser chamadas a colaborar. (Escreva no máximo uma página A4).

2. Desenvolvimento comunitário e saúde

No domínio da protecção da saúde das populações podem identificar-se três


campos em que as técnicas de intervenção comunitária têm sido usadas com
êxito:
• no apoio a cidadãos fragilizados por condições de saúde particulares;
• em programas de cuidados primários de saúde;
• em instituições de cuidados diferenciados de saúde.

244
© Universidade Aberta
2.1 Apoio a cidadãos fragilizados por condições de saúde
particulares

Na literatura de especialidade encontram-se várias alusões ao apoio


comunitário (domiciliário e ambulatório) a cidadãos fragilizados por
condições de saúde particulares como idosos, deficientes, doentes crónicos,
doentes mentais, alcoólicos, toxicodependentes, seropositivos, portadores de
SIDA e doentes terminais17 ; Reveja o ponto 5.1. da
17

unidade 4.

Em termos genéricos e salvaguardadas as especificidades de cada grupo, o


tipo de apoio requerido pode agrupar-se em duas vertentes:
• ajuda logística
• apoio psico-social

A ajuda logística requer a criação de condições materiais que


proporcionem uma melhor autonomia ao sistema-cliente em situação de
risco. É o caso do apoio medicamentoso para doentes crónicos, dos programas
de troca de seringas para toxicodependentes, do apoio domiciliário para idosos
e doentes, da instalação de sistemas de telecomunicações para isolados e da
adaptação do espaço doméstico a certos tipos de deficiências18 . 18
Por exemplo a redução de
barreiras arquitectónicas e a
O apoio psico-social visa reduzir o sofrimento solitário em que estes cidadãos adaptação de instalações sa-
muitas vezes se encontram e criar uma rede social de apoio que contribua nitárias para deficientes
motores.
para melhorar a sua qualidade de vida. São exemplos de apoio psico-
social, os centros de dia para idosos e deficientes, as visitas domiciliárias para
doentes crónicos e os programas de apoio para grupos de doentes mentais,
alcoólicos, toxicodependentes, seropositivos, portadores de SIDA e doentes
terminais.

2.2 Em Centros de saúde

Alguns dos programas atrás referidos podem ser desenvolvidos nos Centros
de Saúde que constituem instrumentos fundamentais da organização e do
desenvolvimento das comunidades locais.

Para além deste tipo de acções, os Centros de Saúde, que estão particularmente
vocacionados para a prestação de cuidados primários, podem melhorar
substancialmente os seus serviços recorrendo às técnicas de intervenção
comunitária. São exemplos de acções em que tal tem sido observado, diversas
campanhas de vacinação em massa, programas de apoio a grávidas em geral e

245
© Universidade Aberta
a certos grupos de risco (mães demasiado novas ou demasiado velhas), acções
19
O campo da educação para de educação para a saúde19 e programas de prevenção de epidemias
a saúde é muito amplo,
abrangendo áreas tão diver-
sas como a educação para a
saúde mental, para o plane-
amento familiar, a forma-
ção de socorristas e 2.3 Acção a partir de instituições de cuidados diferenciados de saúde
paramédicos, o ensino de
medidas de prevenção con-
tra as chamadas doenças de
mãos sujas (ex: cólera, sar- Os hospitais como recursos da comunidade deveriam ser encarados pelos
na), etc. utilizadores como instituições seguras e instrumentos de cura. No entanto,
quer pelas condições envolventes20 , quer pela falta de recursos, quer ainda
20
Os exemplos de condições
envolventes ameaçadoras
pela situação objectivamente frágil em que o utilizador se encontra - por estar
para quem entra num hos- doente ou por requerer acompanhamento específico21 - a vivência de uma
pital são inúmeros. Bastará
fazer referência aos espaços
estadia num hospital é habitualmente traumática.
frios e despersonalizados e
à cultura organizacional Neste sentido, é desejável que, a par dos cuidados diferenciados de saúde
autoritária, em que o cida-
dão-utilizador tem frequen-
prestados nessas instituições, sejam desenvolvidas acções que permitam ao
temente a sensação de perda doente
da cidadania, pelo modo
como lhe é negado o acesso • durante a sua estadia, sentir-se tratado como pessoa, sem perda dos
à informação que lhe diz
respeito, pela dinâmica seus direitos de cidadania;
inter-pessoal infantilizadora,
etc. • após ter alta, contar com ajuda logística e apoio psico-social no local
onde vai convalescer.
21
É o caso das grávidas em
risco, por exemplo.
É nestas duas vertentes que o serviço social hospitalar tem um papel
extremamente importante a desempenhar, servindo de interface entre o
cidadão-utilizador e a comunidade hospitalar e entre o hospital e a comunidade
envolvente.

Actividade 8.2

1. Seleccione e caracterize um problema de saúde existente na zona


onde reside ou onde trabalha.

2. Identifique esquematicamente diversas acções conducentes à sua


resolução, bem como as pessoas, grupos ou instituições que deverão
ser chamadas a colaborar. (Escreva no máximo 1 página A4).

246
© Universidade Aberta
3. Desenvolvimento comunitário e exclusão social

3.1 A pobreza como forma de exclusão social

Como foi referido anteriormente, a consciência crescente dos problemas sociais


e particularmente da pobreza e do subdesenvolvimento levou a várias tentativas
de operacionalizar estes conceitos. Um exemplo conhecido foi o índice de
desenvolvimento humano (IDH) criado pelo PNUD, que teve o mérito de
chamar a atenção para o facto de que a carência de recursos materiais – expressa
pelo produto nacional bruto per capita corrigido – era apenas uma componente
da qualidade de vida das populações e que esta depende, em grande parte, da
capacidade para viver mais e melhor (esperança média de vida) e dos
conhecimentos que dispõe (taxa de alfabetização, e número médio de anos de
escolaridade da população adulta).

Recentemente, uma equipa brasileira reconhecendo algumas fragilidades no


IDH calculou um índice de exclusão social (IES), procurando “incorporar
em si um maior número e uma maior variedade de dimensões da vida humana,
de maneira a constituir uma síntese mais robusta, focada na exclusão social
e capaz de captar mais eficientemente as condições em que essa última se
efectiva em determinada unidade geográfica” (Pochmann, 2004: 17). Os
índices escolhidos foram sete22, todos eles já usados em agências das Nações 22
Os números que figuram
entre parêntesis designam a
Unidas, integrados nas três seguintes dimensões: ponderação percentual no
total do IES.
1ª dimensão: vida digna (51.00): Índices de pobreza (22.65), de
desemprego (5.70) e de desigualdade (22.65).

2ª dimensão: conhecimento (17.00): Índices de alfabetização (5.70) e


de escolarização superior (11.30).

3ª dimensão: vulnerabilidade (32.00): Índices de população infantil


(17.00) e de violência (15.00).

Diagramando as variáveis do IES sob a forma de um mapa conceptual (Novak,


2000), podemos considerar que a pobreza é um subconjunto da exclusão
social e que está frequentemente relacionada com outras das suas dimensões,
que a podem agudizar (figura 8.8).

247
© Universidade Aberta
Exclusão Social

Vida digna Conhecimento Vulnerabilidade

Pobreza Desemprego Desigualdade Alfabetização Escolaridade População Violência


superior infantil

% de % de população
Rend. dos 10% Nº de
% de população desempregados + ricos/rend. activa com
c/rend.<2 na população formação homicídios por
dos 10% + % > 15 anos % de população
activa superior 100 mil
US$dol/dia pobres alfabetizados < 15 anos habitantes

Figura 8.8

Este modo de olhar a pobreza, altera radicalmente a ideia de alguns autores,


algo idílica, de que pode haver pobreza sem exclusão: com a globalização,
toda a pobreza exprime, ainda que possa não haver consciência disso, uma
situação de ruptura com os padrões mínimos de qualidade de vida de
um grupo de referência, ou seja, um certo nível de exclusão social. Isto é
particularmente evidente quando à pobreza está associada alguma das situações
descritas no IES, nomeadamente o desemprego, desigualdade gritante, baixa
escolarização ou insegurança decorrente de uma população activa
sobrecarregada com a responsabilidade de famílias numerosas imersa em
ambientes mais ou menos violentos.

Aplicando o IES a Portugal observa-se (Pochmann, 2004: 189)


- um índice de pobreza de 0.988,(32ª posição mundial)
- um índice de população infantil de 0.931 (12ª posição mundial)
- um índice de homicídios de 0.985 (51ª posição mundial)
- um índice de desemprego de 0.912 (35ª posição mundial)
- um índice de desigualdade de 0.915 (96ª posição mundial)
- um índice de alfabetização de 0.909 (75ª posição mundial)
- um índice de escolarização superior de 0.174 (73ª posição mundial)
- um índice agregado de exclusão social de 0.860 (36ª posição mundial)

Comparando com outros países, Portugal apresenta em termos globais,


índices de pobreza e de exclusão social que colocam o país numa posição

248
© Universidade Aberta
semiperiférica (médio alto), a par da Grécia e ao nível de alguns dos novos
países da União Europeia como a Chipre, República Checa, Eslováquia e
Eslovénia e a países como a Islândia, Coreia do Sul e Nova Zelândia. Para
esta posição, razoável em termos globais mas baixa em termos europeus,
contribuiu sobretudo a baixa escolarização e a forte desigualdade social.

Esta constatação fornece-nos para já uma primeira pista para a análise do


fenómeno: é que a pobreza em Portugal é fortemente influenciada por
aspectos culturais e políticos. Se isto é verdade, então o combate à pobreza
só poderá ser eficaz se tiver uma forte componente cultural e política.

Esta primeira pista confirma-se e clarifica-se, se a cruzarmos com os resultados


da investigação recente sobre a reprodução da pobreza em Portugal (Amaro
et al, 2001), sobre o trabalho infantil (Pinto, 1998), e sobre os efeitos da
imigração (Rocha-Trindade, 2004): com efeito, qualquer destas linhas de
investigação sublinha a importância das duas componentes referidas.

3.2 Importância sócio-política da pobreza

Esta primeira constatação leva-nos a uma segunda questão: qual a importância


política da pobreza?

Se nos recordarmos que a função política, em qualquer sociedade, se pode


operacionalizar em dois conjuntos de tarefas – as que promovem a coesão
social e as que coordenam a orientação para objectivos colectivos, então, as
perguntas a fazer serão:
- em primeiro lugar, se a existência da pobreza contribui para a coesão
social ou, pelo contrário, para a desagregação da sociedade global;
- em segundo lugar, se a sua presença, facilita ou dificulta a orientação
para objectivos colectivos.

Da investigação empírica feita nos últimos anos, corroborada pela análise


histórica, parece não haver dúvidas que, em termos de saldo global, a presença
continuada de situações de pobreza enfraquece a coesão das sociedades
globais, uma vez que
- cristaliza solidariedades defensivas (de sobrevivência) nos grupos
excluídos, (efeito de ghetização),
- reduz os laços de solidariedade interestratos e aumenta
drasticamente os níveis de desconfiança e de insegurança

249
© Universidade Aberta
enfraquecendo o capital social (Fukuyama, 2000; Josine Junger-Tas,
2001), e
- reforça, objectivamente, comportamentos de violência de vários tipos
(violência política, social, ... doméstica)

Por outro lado, as orientações neoliberais e neoconservadoras


implementadas nos últimos anos, têm contribuído claramente para o aumento
da anomia, por todos reconhecida.

3.3 O combate à exclusão social

De forma sumária, podemos dizer que o combate contra a pobreza tem de


conjugar um conjunto de políticas articuladas, nas quais se devem inscrever
duas prioridades estratégicas e dois imperativos tácticos.

Em termos políticos, a primeira articulação a fazer é entre políticas locais,


estatais, europeias e globais, respeitando o princípio da subsidiariedade e a
autonomia relativa da escala do combate, mas tendo consciência que os níveis
mais abrangentes constituem contextos constrangedores.

Neste contexto, é fundamental desburocratizar os programas de luta contra a


pobreza, combatendo o efeito de paralisia por análise a que tem conduzido
vários projectos, em virtude da sobrecarga de procedimentos inúteis e de
controles desproporcionados.

Qualquer que seja a escala do combate à pobreza (local, estatal, ...) será
indispensável articular as políticas a desenvolver com os três valores herdados
da Revolução Francesa, que constituem património europeu doado à
Humanidade: a liberdade, a igualdade e a solidariedade, novo nome dado
à Fraternidade. A História dos últimos 200 anos mostrou que se não houver
um equilíbrio entre eles, construir-se-á uma sociedade mutilada.

A terceira articulação política a fazer, será entre políticas sectoriais que


promovam uma vida materialmente digna através de uma economia solidária,
o desenvolvimento do conhecimento ao serviço das pessoas e a criação de
uma sociedade segura (não securitária), promotora de uma paz social
sustentada.

Neste quadro político, duas prioridades estratégicas se impõem:

- por um lado, o reforço do capital social (Putnam, 1993, Correia, 2005)


através de medidas que fomentem a confiança e a participação das
populações; o reforço da participação deve ser fomentado ao nível das

250
© Universidade Aberta
comunidades de vizinhança, através de medidas como o
desenvolvimento do associativismo e da vigilância dos locais de
residência (mais olhos na rua), num processo de responsabilização
crescente.

- por outro lado, a preocupação com a educação da juventude, que


deve assumir-se como um empreendimento colectivo, capaz de unir
jovens, famílias, escolas, instituições religiosas e cívicas, em torno de
projectos de vida que assentem na educação do carácter, para a
liderança e para a democracia (Carmo, 2004) como foi referido atrás.

Poder-se-á dizer que o que acaba de afirmar-se aplica-se a toda a sociedade e


não apenas aos pobres. É verdade. Mas os pobres são antes de mais pessoas,
ainda que normalmente excluídas.

E a melhor maneira de se combater a pobreza, é ajudar os pobres a tornarem-


se pessoas autónomas e líderes do próprio destino.

Para isso, todas as acções de combate à pobreza deverão obedecer a uma


táctica de autonomização. Isto implica duas medidas complementares: uma
luta pelos direitos dos pobres, particularmente assumindo a voz dos que não
têm voz (advocacy), que deverá decrescer progressivamente, à medida que
os sujeitos pobres ganhem maior capacidade de intervenção sobre o seu próprio
destino (empowerment)23 . 23
Tanto o processo de
advocacy como o de
empowerment assumem ca-
É neste contexto que se situa a enorme importância da intervenção comunitária. racterísticas típicas das in-
tervenções de modelo C de
Seguidamente e sem a intenção de esgotar o assunto, far-se-á referência a Rothman

certos aspectos a ter em conta no trabalho com alguns grupos específicos.

24
Parte do texto desta sec-
3.4 Crianças e jovens em situação de exclusão social24 ção pode encontrar-se na
íntegra em Carmo (1993:
321-333)
A infância é considerada em todas as culturas, como uma fase que deve ser
particularmente protegida, quer em virtude da fragilidade da própria criança,
quer pelo facto desta ser o garante da sobrevivência futura do grupo.

A convergência à volta da prioridade a dar à protecção social da infância,


ficou claramente expressa, na Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a
protecção e o desenvolvimento da criança e num plano mundial para década
de 90, aprovados no Encontro Mundial de Cúpula Pela Criança, realizado
sob o patrocínio da ONU, em 30 de Setembro de 1990.

251
© Universidade Aberta
O consenso então verificado entre os 71 Presidentes e Primeiros Ministros
presentes, decorreu da tomada de consciência da gravidade da situação em
que se encontram actualmente as crianças (e adolescentes) em muitos países.

25
Expert, F.; Myers, W. De entre elas, a UNICEF considera sete grupos de alto risco25 , sobre os
(1988), Análises de situa- quais devem incidir especiais preocupações dos governos e das Organizações
ção: crianças em circuns-
tâncias especialmente difí- Não Governamentais (ONGs), uma vez que configuram situações que afectam
ceis, 1988/91, Bogotá, o desenvolvimento da criança e do jovem, ou fazem mesmo perigar a sua
UNICEF.
existência física:
• crianças em estratégia de sobrevivência;
• crianças maltratadas e abandonadas
26
Grant, 1991, Situação
Mundial da Infância,
Brasília, UNICEF, p. 36.
• crianças institucionalizadas
• crianças em conflito armado
27
Existe já vária investiga-
ção sobre crianças na rua (as • crianças em desastres naturais e ecológicos
que trabalham ou vivem
durante o dia nas artérias das • crianças com necessidades específicas
grandes cidades) e crianças
de rua (as que além disso • crianças de rua
dormem na rua). Para
aprofundar esta questão po-
derá recorrer a bibliografia
Segundo estimativas da UNICEF, são actualmente obrigadas a trabalhar para
produzida pela UNICEF, sobreviver cerca de oitenta milhões de crianças em todo o mundo. Dessas,
pelo Instituto de Apoio à
Criança, e a diversos traba-
trinta milhões vivem nas ruas das grandes cidades, em virtude de terem fugido
lhos académicos que encon- de casa, de terem sido abandonadas ou de terem ficado órfãs (Carmo, 1993:
trará em instituições de en-
sino superior como o ISCSP/
324).
UTL ou a Universidade
Aberta. A maioria é privada de cuidados com a saúde e educação e quase todas são
levadas a enfrentar a difícil escolha entre resistir ou aderir, à violência, ao
crime, à prostituição e ao uso de drogas, que são a realidade da vida da rua
28
No trabalho com crianças
e adolescentes de (e na) rua desde Lima e Rio de Janeiro até Bombaim, Lagos e Nova York26.
é importante não esquecer
que o primeiro e principal Para além do estigma da pobreza, muitas destas crianças e adolescentes
trabalho é com os própri-
os, respeitando a autonomia confrontam-se com a acusação frequentemente infundada de viverem à custa
por eles dolorosamente da delinquência, o que as tem tornado alvos fáceis para os instrumentos de
conquistada. A intervenção
é feita por animadores de repressão pública e privada27 .
rua, com apoio técnico de
retaguarda que após o esta- A resposta a este tipo de situações tem de ser necessariamente de natureza
belecimento de uma relação
estável com a criança a aju- comunitária, envolvendo um trabalho com o próprio jovem28, com a família
dam a construir um projec- (quando existe), com a rede de instituições públicas e privadas de protecção
to de vida que pode passar
pela sua reintegração na fa- social e com a comunidade de residência (de onde fugiram) e de fuga (para
mília, na escola e/ou num onde foram residir).
posto de trabalho (Carmo,
1993:328-331).

252
© Universidade Aberta
3.5 Adultos em situação de exclusão social Sobre esta situação reveja
29

o ponto 3. Da unidade 5.

30
As acções de protecção
São muitos os grupos de adultos em situação de exclusão social. Para além social em situações de alto
das situações referidas em pontos anteriores destacam-se, pela sua gravidade, risco pessoal e familiar, pas-
sam por medidas para ga-
as famílias em situação de pobreza absoluta, os imigrantes e minorias étnicas rantir níveis de alimentação,
excluídas, os sem abrigo, os desempregados e os reclusos e ex-reclusos. saúde, habitação, emprego
e rendimento mínimo, que
permitam evitar o agrava-
A questão da pobreza já atrás debatida29 , requer medidas de alta complexidade mento da situação social do
que envolvem toda a comunidade envolvente bem como um esforço político sistema-cliente e ganhar es-
paço de manobra para in-
considerável, no sentido não só de combater os seus efeitos imediatos30 mas tervenções continuadas so-
também de evitar a sua reprodução inter-geracional31 . bre os factores de reprodu-
ção de situações de pobre-
za.
Os imigrantes e minorias étnicas são grupos particularmente vulneráveis a
todo o género de exploração32 , em virtude das características que os identificam 31
As acções continuadas
como física, cultural e juridicamente diferentes. A intervenção comunitária sobre os factores de repro-
dução da pobreza, inte-
necessária, passa obrigatoriamente pelo desenvolvimento de programas de gram programas de educa-
educação intercultural, pela necessidade de se ter em conta o muitas vezes ção geral e para a cidada-
nia, orientação e formação
presente bilinguismo e pela indispensabilidade de integrar nesses programas profissional e reforço dos
estratégias claras de prevenção do racismo e da xenofobia. factores de resiliência.

32
Vale a pena sublinhar que
Um grupo que tem vindo a crescer de forma preocupante é o dos desalojados o tipo de exclusão e a inten-
ou sem-abrigo33 . Com demasiada frequência esta tendência tem resultado de sidade com que ocorre va-
ria, não só de acordo com
medidas políticas incorrectas, como a desinstitucionalização apressada de factores históricos e cultu-
doentes mentais sem o cuidado de encontrar alternativas viáveis para substituir rais da sociedade
envolvente, mas também
os internamentos crónicos, ou em virtude da desregulamentação neoliberal com as características dos
cujos nefastos efeitos sócioeconómicos afectam dominantemente os indivíduos grupos excluídos.
já de si fragilizados por outras circunstâncias como os idosos, os doentes
mentais, os ex-reclusos, as crianças, etc. Sobre os sem-abrigo vide
33

Alves, Sandra, 1996, in


Carmo (coord.), 1996.
Tal com em relação às crianças de rua, o trabalho com desalojados deve passar
pela conjugação de intervenções personalizadas de natureza psico-social, 34
De entre eles destacam-se
acompanhadas por vezes de medidas psicoterapêuticas, com acções de os jovens que procuram um
primeiro emprego e os de-
(re)construção da rede social de apoio do sem-abrigo. sempregados de longa du-
ração. Os grupos mais afec-
Como é sabido o desemprego é um dos factores principais de exclusão social tados têm sido as mulheres,
os jovens e os mais velhos,
nas culturas que possuem uma economia de mercado. Para além das vitimas de políticas desuma-
indispensáveis medidas de política social que excedem o objecto deste manual, nas de motivações
economicistas.
é de salientar o valor da intervenção comunitária no apoio aos vários tipos de
desempregados34 . Constituem exemplos interessantes as iniciativas locais de 35
O estudo dos projectos
de ILE pode ser feito pelo
emprego (ILE ), e os Clubes de Emprego, umas e outros procurando recurso aos Departamentos
conjugar acções do empowerment do sistema-cliente com a advocacy do ligados à política de Empre-
go e de Solidariedade Soci-
sistema interventor35 . al. Quanto aos Clubes de
Emprego, vale a pena co-
Um grupo extremamente marcado pela exclusão social, quer no que respeita nhecer a experiência pionei-
ra da Santa Casa da Miseri-
ao emprego quer ao do restabelecimento de laços de vizinhança é o dos reclusos córdia de Lisboa.

253
© Universidade Aberta
e ex-reclusos. exigindo um apoio personalizado para a sua reinserção na
comunidade.

36
O texto que serviu de base 3.6 Idosos em situação de exclusão36
a esta secção foi apresenta-
do pelo autor na sua forma
original, numa intervenção
no painel sobre Formação
O fenómeno da velhice, tal como o vemos hoje, é relativamente novo. Esta
ao longo da vida, do 2º afirmação, aparentemente paradoxal, merece uma explicação.
Encontro de Professores
Aposentados, no Funchal,
em Fevereiro de 1997
Em primeiro lugar, é novo na sua dimensão: por exemplo, a esperança média
intitulado Potencialidades de vida nos EUA, no começo do século, era de 45 anos. Menos de 10% da
do ensino aberto e a dis-
tância para a população
população tinha mais de 55 anos e só uma pessoa em cada vinte e cinco chegava
mais velha. aos 65 anos. Hoje são numerosos os adolescentes que conhecem todos os
avós, contrariamente à geração dos seus pais para quem conhecer todos os
avós era relativamente raro. Em consequência, prevê-se que a população com
mais de 85 anos irá crescer, em 2030, para o triplo da sua dimensão de 1980
(Mann, 1995, in Johnson, 1995: 223).

Em segundo lugar, trata-se de um fenómeno novo nas suas implicações


qualitativas: dada a extensão da esperança média de vida e dos sistemas
sanitários de apoio à sua continuidade, ser idoso hoje já não é o que era. Em
consequência, observa-se na literatura de especialidade a frequente distinção
entre novos-idosos e velhos-idosos, com estilos de vida e necessidades
claramente diferenciados conforme se procura sintetizar na Figura 8.9.

A complexidade do fenómeno apela cada vez mais para uma reflexão séria no
sentido de se combater o preconceito designado por alguns autores como
etarismo (ageism), tão grave como os do etnocentrismo, do racismo e do
sexismo, mas até agora menos visível que os seus pares.

Podemos definir etarismo como uma atitude preconceituada sobre um dado


grupo etário, traduzida em opiniões e condutas discriminatórias com efeitos
de exclusão social desse grupo. Tal como em outras atitudes estereotipadas
observa-se o etarismo não só em membros de outros grupos etários mas também
naquele que é alvo de discriminação.

O objectivo da luta contra o etarismo é, basicamente para que a sociedade


É neste sentido de cidada- assuma que o idoso é um cidadão de corpo inteiro37 , (seja ele um novo ou
37

nia plena que se deve enca-


rar o idoso não apenas como velho idoso), com potencialidades e limitações como outro qualquer cidadão
um grupo-problema mas e, como tal, deve ser olhado e tratado. É neste contexto doutrinário que se
como recurso social que
pode e deve ser posto ao deve ler o quadro 8.4, onde se sumarizam alguns objectivos do trabalho
serviço da comunidade. comunitário com os dois grupos de idosos e se enunciam linhas de actuação
desta população numa linha de formação contínua.

254
© Universidade Aberta
Objectivos do Tipos de formação
Tipo de Idades de
Características trabalho para populações
idoso referência
comunitário idosas
Novos Dos 55-60 aos • autónomos • ajudar a adaptar- • formação de
idosos 75-80 anos • devido às se à situação de segunda
campanhas anti- reforma, sobretudo oportunidade
tabágica, pela ao tempo livre como
alimentação oportunidade para o • formação para o
racional e pelo seu desempenho de
fomento do desenvolvimento papéis sociais
exercício físico, pessoal e para o compatíveis com a
regista-se uma desempenho de sua idade e
melhoria substancial papéis socialmente experiência
da saúde deste úteis
grupo etário • ajudar a
reorganizar o dia-
a-dia
• ajudar a definir
novas metas de
vida
Velhos Acima dos 75- • cada vez mais • garantir apoio psico-
idosos 80 anos dependentes social
• menor saúde física e • garantir ajuda
mental logística

Figura 8.9 - Uma nova velhice.

Actividade 8.3

1. Seleccione e caracterize um problema social relacionado como um


grupo socialmente excluído que resida ou trabalhe na sua zona de
residência.

2. Imagine que dentro de dois dias vai realizar-se uma reunião da


Assembleia de Freguesia em que se vai equacionar a questão e
procurar-se debater estratégias de intervenção social para a solucionar.
Faça um plano que resuma a sua contribuição para essa reunião.
(Escreva no máximo uma página A4).

255
© Universidade Aberta
4. Desenvolvimento comunitário e acção macrossocial

Como se registou na tipologia de modelos de intervenção de Rothman (cfr.


unidade 4, ponto 3.3.) há situações de intervenção comunitária que
transcendem a simples acção local (modelo A), apelando a uma perspectiva
macro pela sua evidente dimensão sócio-política (modelos B e C). Sem querer
repetir o que então foi dito vale a pena chamar a atenção, ainda que de forma
resumida, para algumas especificidades destes tipos de intervenção comunitária.

4.1 Planeamento e organização comunitárias

No planeamento e organização comunitárias a nível municipal, regional e


38
O sistema cliente pode
integrar vários grupos, or- nacional, assume uma particular importância a questão da articulação entre
ganizações e comunidades; os protagonistas do processo uma vez que se trata de sistemas colectivos38 .
do mesmo modo o sistema
interventor é aqui cons-
tituido por diversos indiví- Neste tipo de trabalho em rede de parceiros é fundamental que, para além dos
duos, grupos, organizações, aspectos técnicos adequados a cada situação-problema, a própria rede seja
com diferentes estilos de ac-
tuação, estatuto legal, cul- assumida como um sistema-cliente cuja coesão e locomoção merecem
tura organizacional. cuidados especiais por parte de quem lidera o processo, sob pena de não se
atingirem os objectivos desejados, ou de se conseguir esse desígnio a custos
39
Reveja, a este propósito demasiado elevados39 .
os pontos 2.4. e 2.5.da uni-
dade 7.

4.2 Programas de defesa dos Direitos Humanos

Numa conjuntura profundamente marcada pela consciência da desigualdade,


a sociedade do século XXI confronta-se permanentemente com a questão dos
Direitos Humanos, tanto para alargar o seu âmbito, como para defender o
património cívico conquistado. A intervenção social, como seria de supor
encontra-se no epicentro desta dinâmica, sendo chamada a agir sobretudo nesta
segunda vertente.

As gerações de Direitos Humanos

No sentido de explicar a afirmação dos direitos humanos, Galtung (1994: 226)


considera que estes foram emergindo a partir da Europa, como um bolo em

256
© Universidade Aberta
camadas, a partir do desafio de grupos sociais dominados, em face de grupos
40
Adaptação do autor.
dominantes40 : Galtung antecede a geração
zero pelo desafio ao clero
- Geração zero: a Igreja desafia a aristocracia; pela secularização e sugere
uma quarta geração, resul-
- Primeira geração: a burguesia desafia a aristocracia; tante do desafio do não Oci-
dente ao Ocidente (Galtung,
- Segunda geração: os camponeses e trabalhadores (industriais) desafiam 1994:226).
a burguesia;
- Terceira geração: Mulheres, crianças, outros povos e a Natureza
desafiam a tecnocracia.

De acordo com esta evolução, os direitos humanos foram-se afirmando, em


três grupos distintos, ainda que indivisíveis e interdependentes41 : 41
Declaração e Programa de
Acção de Viena, 1993, UN
- Direitos civis e políticos (geração azul): direito à vida, a um julgamento Doc A/49/668 (1993) Pt. 1,
parágrafo 5, cit in Hegarty
justo, à privacidade, à liberdade de reunião, de palavra, de religião, ... (1999: 29).
(Hegarty, 1999:28);
- Direitos económicos e sociais (geração vermelha): direito ao trabalho,
abrigo, alimentação, segurança social, cuidados de saúde, ...;
- Direitos de solidariedade (geração verde): direitos colectivos ou de
grupo, (...) incluem o direito à autodeterminação, (...) ao
desenvolvimento, dos povos indígenas à sua identidade, o direito a
um ambiente protegido e à paz (Hegarty, 1999: 30).

O reforço normativo
De acordo com Hegarty, (1999:25)

Foi o holocausto, e o facto de a Alemanha ter sido capaz de cometer


atrocidades contra milhões dos seus próprios cidadãos nos anos de
1930, com pouca interferência das outras nações, que acabou por
empurrar a comunidade internacional para a codificação de regras
para proteger os direitos do homem (...)

Assim, e procurando operacionalizar os princípios aprovados na Carta das


Nações Unidas de 1945, foram sucessivamente aprovados diplomas que
procuraram explicitar os direitos humanos:
- A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) que, nos
seus 30 artigos garante um conjunto de direitos civis e políticos (1-21)
e reconhece vários direitos económicos, sociais e culturais (22-30).
Apesar de bastante vaga nas suas disposições constituiu uma espécie
de Magna Carta do Mundo (Humphrey, 1988, cit in Hagerty,
1999:27) ou, como foi descrita por João Paulo II, a pedra angular
das Nações Unidas (idem);

257
© Universidade Aberta
- Os Pactos Internacionais para os Direitos Civis e Políticos e sobre
os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966), actualmente
com 136 e 135 aderentes respectivamente, que procuraram clarificar a
Declaração Universal (idem: 27-28);

- A Declaração e Programa de Acção de Viena (1993), que afirma a


interdependência dos direitos humanos e o seu igual valor, consagra
diversos direitos colectivos, como os das mulheres, e explicita diversos
modos de os monitorizar (idem: 27).

Na Europa, foi-se ainda mais longe com a aprovação, da Convenção Europeia


para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais
(1953) e da Carta Social Europeia (1965), criando-se o Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem, encarregue de vigiar o cumprimento da Convenção.
Recentemente, a Estratégia de Lisboa (2000), ao associar o crescimento
económico à coesão social, deu um passo significativo na operacionalização
dos direitos de segunda e de terceira geração.

A dificuldade de execução

Apesar de todo este reforço normativo, muito caminho há por percorrer:

Em primeiro lugar, no reforço do quadro normativo, no sentido de melhor


interpretar as situações (por exemplo, a explicitação dos estados de emergência
em que se possam suspender os direitos) e de fazer face a novos desafios
como o da pobreza, do envelhecimento, da genética e das relações interculturais.

Em segundo lugar, na redução do fosso entre o mundo do dever ser, expresso


por um quadro normativo progressivamente aperfeiçoado, e uma realidade
de atropelos quotidianos a esse padrão. Dois factores têm contribuído para
esta contradição:

- Por um lado, a complexidade crescente da sociedade


contemporânea, expressa
na multiplicação dos actores
políticos, económicos e culturais;
regionais, nacionais e transnacionais;
legitimados ou erráticos;
estatais e da sociedade civil),

e a multiplicação e mistura das suas relações


política/economia;
sociedade civil/Estado
exigem um sistema de respostas igualmente complexo.

258
© Universidade Aberta
- Por outro lado, a conjuntura explosiva criada por uma globalização
desequilibrada, pela revolta dos Condenados da Terra (Fanon, s.d.)
que culminou nos acontecimentos do 11 de Setembro de 200142 , tem 42
Para aprofundar os argu-
mentos e a evolução das prá-
criado um quadro preocupante, de retrocesso dos direitos, liberdades ticas terroristas, vide Fanon,
e garantias. s.d. e Moreira, 2002, 2004.

A resposta da administração Bush, a nosso ver, em nada contribuiu para


melhorar a situação, tendo-se revelado desproporcionada e desadequada:

- desproporcionada, pela violência com que respondeu e pelos


chamados efeitos colaterais quer em populações civis quer nos próprios
militares;

- desadequada, porque o terrorismo não se combate com terrorismo,


mas com desenvolvimento.

A estratégia imperial dos EUA (Todd, 2002) traduzida por intervenções


militares unilaterais contra um alegado eixo do Mal, pela não ratificação de
tratados como o Protocolo de Osaca e o que cria o Tribunal Penal Internacional,
pelo menosprezo relativamente às NNUU e às suas agências (ex: UNESCO),
tem constituído um factor de regressão dos DH, ainda que acompanhado de
um discurso com cosmética democrática.

A intervenção no terreno

Os programas de defesa dos Direitos Humanos requerem cuidados


especiais por parte do sistema-interventor, sobretudo em virtude de duas
características a ter em conta:

• uma conjuntura marcada por fortes tensões e

• um sistema-cliente de contornos nem sempre bem definidos.

As características da conjuntura requerem grande maturidade emocional


por parte dos interventores, uma vez que o seu trabalho se reveste de um
envolvimento directo na defesa do sistema cliente (advocacy) obrigando-o,
no entanto a um distanciamento necessário à sua condição técnica. Esta
situação delicada confronta-o frequentemente com um dilema de dupla
43
Sobre movimentos soci-
fidelidade: ao sistema-cliente e à organização de quem funcionalmente ais há vária bibliografia so-
depende. ciológica e politológica, re-
comendável a quem venha
Um factor que torna este tipo de acção mais complexa é o facto de, muitas a especializar-se nesta área
de intervenção, que trans-
vezes, o sistema-cliente não ser uma organização estruturada mas um cenderia a dimensão de uma
movimento social, com toda a fluidez de funcionamento que daí decorre. A disciplina semestral. Para
este desígnio específico vale
estratégia da não-violência activa (NVA) parece ser, nestas circunstâncias, a pena rever a unidade 6,
uma escolha recomendável43 . particularmente o ponto 4.

259
© Universidade Aberta
44
Forças Armadas ou 4.3 Organização comunitária em situações de ameaça à protecção
Militarizadas (Exército,
Marinha, Força Aérea, Guar- civil
da Nacional Republicana,
Polícia de Segurança Públi-
ca e Cruz Vermelha).
Outras situações que requerem grande maturidade emocional e capacidade
45
Sapadores Bombeiros, de gestão por parte dos interventores sociais são as de ameaça à protecção
Bombeiros Municipais e
Bombeiros Voluntários.
civil nomeadamente devido à ocorrência de cheias, terramotos, epidemias e
conflitos armados.
46
Na Administração Central
(AC) e Regional (AR), há Para ilustrar a complexidade do que está em jogo, observe-se a figura 8.5 em
que identificar os serviços
envolvidos da área da saú-
que se listam, de modo meramente exemplificativo, alguns dos principais
de (ex: Instituto Nacional de problemas a resolver em caso de emergência de protecção civil bem como
Emergência Médica, Insti-
tuto Nacional de Sangue,
agentes e serviços que podem coordenar, executar ou fornecer meios.
Hospitais, Centros de Saú-
de), segurança social (ex:
Direcções Gerais, Centros
Regionais, Estabelecimen- Acções a Agentes envolvidos
tos, Equipas de acção soci- desenvolver FAM
44
Bomb.
45 46
AC/ AR Autarquia
47 48
SNPC Empresas
49 50
ONGs…
al), agricultura, ambiente e
Acções de
outros.
emergência:
47
Câmara Municipal, Junta
Salvamento e
de Freguesia, Serviços Téc-
1ºsocorro
nicos Municipais.
Emergência
médica pré-
48
Serviço Nacional de Pro- -hospitalar
tecção Civil. 1º abrigo e
alimentação
49
Por área de actividade e Transportes
produto acabado (bens e Comunicações
serviços). Coordenação
Acções de
50
Cooperativas, Instituições reorganização:
Particulares de Solidarieda-
de Social, Escuteiros, Orga- Infra-
nizações religiosas, clubes -estruturas
51

desportivos, redes de rádio- 52


Habitação
amadores ou de utilizadores
da Internet, etc. Pequenos
53
equipamentos
Grandes
51
Reparar estradas e cami- 54
equipamentos
nhos, reparar sistema eléc-
trico, de saneamento básico, Alojamentos
etc. Alimentação

52
Construção e reparações
de habitações provisórias ou Figura 8.10 - Intervenção em situações de protecção civil.
definitivas.

53
Reparação e fornecimento
de equipamentos domésticos
e de trabalho.

54
Reparação e fornecimen-
to de equipamentos de pro-
dução.

260
© Universidade Aberta
Como decorre da análise da figura 8.10, nestas situações é exigido que o sistema-
interventor actue com o máximo de eficácia e de eficiência, num curto espaço
de tempo para
• caracterizar a situação-problema nas suas linhas mestras,
distinguindo os problemas que requerem acção imediata dos que, sendo
importantes exigem uma resposta diferida.
• desenhar um plano de intervenção55 com resultados a atingir de 55
O hábito de elaborar e
manter actualizados planos
imediato, a curto e a médio prazo; de emergência para fazer
face a várias situações de ris-
• identificar, mobilizar e organizar os recursos necessários à co para as populações tem,
intervenção. em vários momentos e lo-
cais, sido responsável pelo
salvamento de muitas pes-
soas e bens. Seria recomen-
dável, por isso, que cada
comunidade concebesse os
4.4 Trabalho comunitário em programas internacionais seus planos de emergência
contra riscos colectivos.

Se em programas de intervenção comunitária de maior amplitude em território


nacional é exigida uma grande capacidade de organização, em acções
internacionais56 tal capacidade é condição de sobrevivência, dado o apoio As intervenções das Na-
56

ções Unidas e de várias das


político, militar e logístico a que obriga. suas agências em várias par-
tes do Mundo com auxílio
Neste tipo de projectos a área-chave das comunicações é indispensável, sendo humanitário, com forças de
interposição entre belige-
condição indispensável ao sucesso das operações em curso. rantes ou com programas de
desenvolvimento social,
bem como certas acções da
Cruz Vermelha Internacio-
nal e de ONGs como os
Actividade 8.4 Médicos sem Fronteiras ou
a Acção Médica Internacio-
nal, são exemplos de acções
deste tipo que exigem gran-
1. Imagine que o município onde reside foi devastado por um tremor de de especialização técnica, e
terra que causou grandes prejuízos materiais e humanos. fortes conhecimentos da lín-
gua e da cultura dos siste-
mas-clientes.
2. Dentro de algumas horas vai reunir-se um Gabinete de Crise
coordenado por si, a fim de tomar medidas imediatas e propor acções
para restabelecimento da normalidade da vida do concelho.

3. Elabore um esquema de trabalho que lhe permita orientar a reunião de


forma eficaz. (Escreva no máximo uma página A4)

261
© Universidade Aberta
5. Rumos promissores para o século XXI

Ao terminar este manual gostaria de partilhar com o leitor algumas reflexões


sobre duas áreas de aplicação do desenvolvimento comunitário que desenham
rumos promissores para o uso desta estratégia de intervenção social como
instrumento sócio-educativo, neste período de construção da Sociedade de
Informação:

• a educação para a democracia;

• a educação aberta e a distância.

5.1. Desenvolvimento comunitário e educação para uma


democracia renovada

Como referimos noutro lugar (Carmo, 1997: 140), nas sociedades deste final
de século

observa-se uma tendência para a crescente participação popular, quer


no que respeita à preparação e execução das decisões políticas, quer
quanto à própria tomada de decisão em si. Esta tendência para um
novo tipo de democracia participativa, ainda há bem poucos anos
considerada utópica tem vindo a alastrar por todo o mundo, com força
crescente.

Torna-se imperioso, por isso, uma acção permanente e organizada de


educação dos cidadãos para o exercício dos seus direitos democráticos, sem
a qual eles se tornam extremamente vulneráveis a manipulações de natureza
populista destinadas a plebiscitar decisões, legitimando-as com a capa da
participação democrática.

Variáveis em jogo na educação para a democracia

A figura 8.11 resume de forma diagramada algumas das principais ideias-


chave que, a nosso ver, devem estar presentes em qualquer programa de
educação para a democracia:

• em primeiro lugar a tese de que a educação para a democracia não


pode ser o resultado de uma aprendizagem mecânica, livresca,
desinserida da experiência dos aprendentes, mas deve ser efeito de
uma aprendizagem significativa (Novak e Gowin, 1996), ou seja,
ancorada na sua experiência anterior;

262
© Universidade Aberta
Educação para a democracia

É uma

Aprendizagem significativa

do que é

Democracia

vista como

Meta de sociabilidade Método de sociabilidade

traduzida em prática de

Democracia Comunicação de Democracia


participativa qualidade representativa

que implica saberes nos seguintes domínios:

1.Preparação 4.Leitura crítica 8.Escolha


2.Tomada 5.Escrita 9.Respeito
3.Execução 6.Fala 10.Substituição
7.Escuta
de com de
decisões clareza e rigor representantes

que se concretiza em:

• Respeito pelos direitos humanos


• Estabilidade sócio-política
• Prática da cidadania, traduzida no
aperfeiçoamento do funcionamento social dos
grupos, organizações, comunidades e
instituições sociais.

Figura 8.11 - Educação para a democracia: variáveis em jogo.

263
© Universidade Aberta
• em segundo lugar a ideia de que a democracia deve ser encarada
como meta, querendo com isto dizer-se que este conceito configura
um quadro axiológico de referência traduzido,
- na assunção de um conjunto de direitos humanos como projecto
comum da humanidade,
- no reconhecimento da necessidade de vida em comum em
condições de estabilidade sócio-política, e
- na valorização das práticas de cidadania como instrumentos
57
Reveja acerca disto o pon- de aperfeiçoamento pessoal e social57 .
to 2 da unidade 6 sobre o
método Paulo Freire.
• em terceiro lugar a constatação de que a democracia deve também
ser entendida como um método de sociabilidade, um caminho para
viver melhor em comum, que exige práticas de comunicação, de
participação e de representação, as quais requerem um treino prévio
que integra, a nosso ver, um conjunto de dez aprendizagens básicas.

Papel do desenvolvimento comunitário

Como facilmente se compreende, as técnicas de desenvolvimento comunitário


adequam-se extraordinariamente bem a programas de educação para a
democracia nas suas duas vertentes:

• no que respeita ao entendimento da democracia como meta a


alcançar, já vimos que os princípios e as raízes que fundamentam esta
58
Reveja sobre isto o ponto forma de intervenção social58 decorrem de uma concepção democrática
2 da unidade 4.
de entender o desenvolvimento das sociedades;

• no que concerne à assunção da democracia como método de


aperfeiçoamento do funcionamento social, a prática do
59
Na aprendizagem das
quatro competências
desenvolvimento comunitário leva os cidadãos a comunicar melhor59 ,
comunicacionais enuncia- a preparar, tomar e executar as decisões que lhes dizem respeito de
das no diagrama deve tam-
bém constar o estudo da
forma mais responsável, e treina-os, no seu quotidiano local, para actos
publicidade, da propagan- políticos típicos das democracias representativas como escolher,
da e das técnicas de rela-
ções públicas, bem como o
respeitar e substituir representantes.
treino para a utilização de
diversos meios de comuni-
cação, escrita, audiovisual
e telemática, hoje habituais
no trabalho comunitário.

264
© Universidade Aberta
5.2 Desenvolvimento comunitário e educação aberta e a 60
O texto que se segue foi
distância60 extraído de Carmo, 1996a,
1996b e 1997.

Para responder aos desafios educativos a que se fez referência no ponto 1


desta unidade, tem vindo a desenhar-se na consciência internacional a ideia
de um sistema de respostas complementares às tradicionais, que permitam
ampliar e diversificar a oferta educativa.

O ensino aberto e a distância

Entre estas, emerge com particular evidência o ensino aberto e a distância


(EAD) que se pode definir como uma modalidade de ensino que obriga a
um processo de mediatização para suprir a descontiguidade entre
ensinante (professor ou formador) e aprendente (estudante ou formando).

Este tipo de ensino nasceu e desenvolveu-se ao longo dos últimos 150 anos
sob múltiplos formatos que, de comum, têm duas características dominantes:

• uma filosofia de aprendizagem aberta o que significa que o


aprendente possui margem de manobra para escolher:
- o que quer aprender (conteúdos de aprendizagem),
- onde quer aprender (local de aprendizagem),
- como quer aprender (métodos e media),
61
O problema da descon-
- quando quer aprender (ocasião do dia ou da semana), tiguidade espaço-temporal
reduziu-se profundamente
- o ritmo a que quer aprender , com a evolução tecnológica,
à medida em que se foram
- a quem quer recorrer para aprofundar conhecimentos ou colher adoptando, cumulativamen-
te com o correio, outros
orientações metodológicas (equipa central ou centros de apoio meios de comunicação.
locais), Hoje, tal descontiguidade é
ultrapassável tanto no que
- a que sistema de creditação se quer submeter (grau académico, respeita à distância espacial
(com a rádio e da televisão)
certificado profissional ou certificado de frequência). como no que concerne à
distância temporal (com o
• e um processo de ensino-aprendizagem em situação de telefone e o rádio ama-
dorismo) entre ensinante e
descontiguidade geográfica e por vezes mesmo temporal, i.é, em aprendente. Com o desen-
que o aprendente e o ensinante não se encontram juntos, habitualmente, volvimento e generalização
do uso da informática e da
ao longo do processo educativo61. telemática registados desde
a década de oitenta, a possi-
A universalização desta modalidade de ensino pode constatar-se a partir de bilidade de interactividade
tem vindo a crescer em
levantamentos recentes que identificam mais de mil diferentes organizações, exponencial, reduzindo
localizadas em cerca de 110 países bem como a sua inclusão nas agendas drasticamente a questão
da distância entre ensinante
internacionais como tema prioritário. e aprendente.

265
© Universidade Aberta
Em âmbito Europeu, o próprio Tratado de Maastricht menciona
expressamente a necessidade de considerar métodos de ensino a distância na
formação de recursos humanos para a União Europeia. No mesmo contexto e
sentido, é de mencionar a inclusão da educação aberta e a distância como
Acção do Programa Sócrates das Comunidades Europeias e a criação de
sistemas de ensino e formação a distância para apoiar o processo de revisão e
de reforço das estruturas educativas dos países da Europa Central e de Leste,
tarefa essa assumida pelas Redes da European Association of Distance
Teaching Universities (EADTU) e European Distance Education Network
(EDEN).

No plano global, a UNESCO entendeu elevar o International Council for


Distance Education (ICDE), entidade representativa dos sistemas de ensino a
distância em todo o mundo, à categoria de Organização Não Governamental
(ONG) classe A daquele organismo das Nações Unidas; bem como
encomendar-lhe um conjunto de estudos de estratégia a integrar num
documento sobre “A Educação no Século XXI”.
62
População: 853.1 milhões A análise dos resultados dos sistemas de EAD, em termos de eficácia e de
de habs (1991); IDH:0.309;
PNB per cap.: 350 US$dol.
eficiência, conduz a um saldo global positivo, sobressaindo o efeito de
(1990); esperança média de multiplicador de oportunidades a custos mais baixos que os do ensino
vida: 60 anos (1991); taxa
de mortalidade de menores
presencial, o que parece contribuir para a aceleração do metabolismo
de cinco anos: 126 por mil socioeconómico dos países onde estão implantados.
(1991); taxa de alfabe-
tização de adultos: 48.2%
(1990).
No campo específico da formação de quadros locais para o desenvolvimento
pode dizer-se que o contributo do ensino a distância se tem integrado em três
tipos de estratégias educativas:
63
Sobre a experiência do • na educação para a resolução de problemas básicos,
Paquistão reveja o caso 4.5
da unidade 4. • no reforço à educação formal
• e no desenvolvimento da educação contínua
64
Indira Gandhi National
Open University e Univer-
sidades de Andhra, de Kota
e de Nalanda
O EAD e a educação para a resolução de problemas básicos

Em países com problemas estruturais de subdesenvolvimento, como a Índia62


65
Gujarati, hindi, marata,
urdu e inglês.Cfr Perry op. ou o Paquistão63 , o ensino a distância tem assumido o papel de instrumento da
cit. pag.18. política educativa para a resolução de problemas básicos da população.

O caso da Índia é paradigmático: a partir de um sistema de quatro


66
Nestes números näo se in-
cluem numerosos estudan-
Universidades Abertas 64 e de diversas universidades presenciais com
tes, matriculados em diver- departamentos de ensino a distância que leccionam em cinco línguas65 , o
sos programas näo formais
e livres integrados na polí-
número de matrículas cresceu três vezes mais rapidamente que o do ensino
tica de desenvolvimento superior presencial, correspondendo actualmente a perto de 24% de todas as
global daquele país.
matrículas em programas formais do ensino superior do país66 .

266
© Universidade Aberta
A formação intensiva de técnicos de desenvolvimento comunitário tem sido
uma preocupação constante. A IGNOU, por exemplo, oferece um curso em
Desenvolvimento Rural com duração de três meses, para população sem
qualificações académicas e desenvolve programas diversos nas áreas de
educação para a saúde, gestão dos recursos hídricos, educação paramédica,
entre outros, frequentados por muitos milhares de pessoas que trabalham no
terreno, as quais de outro modo nunca poderiam aceder a qualquer tipo de
formação.

O EAD e o reforço à educação formal

A função de reforço à educação formal das populações periféricas tem sido


a preocupação dominante dos sistemas de ensino a distância de países de
desenvolvimento intermédio como alguns da América Latina e Ásia-Pacífico.
Esta função é bem ilustrada pela actividade desenvolvida pela Sukhothai
Thammathirat Open University da Tailândia criada em 1978. Tendo aberto os
seus primeiros cursos em 1980 em 1983 já possuía 110 mil estudantes e nove
mil diplomados alcançando 177 mil estudantes em 1989.

A preocupação com a formação de quadros para o Desenvolvimento não é


nova, na Tailândia, nomeadamente no respeitante à formação dos recursos
humanos da função pública : desde a reforma Chakkri da segunda metade do
sec.XIX — comparada por alguns autores à Era Meiji do Japão — que este
país se tem vindo progressivamente a modernizar. A partir de 1932, com o
nascimento de uma monarquia constitucional, passou a ser governado por uma
elite civil e militar, que construiu um aparelho de Estado em padrões europeus,
com um funcionalismo qualificado. Neste contexto, merece ser sublinhado o
cuidado posto pelos decisores da STOU em se integrarem na política
desenvolvimentista do seu país. Talvez por isso, esta instituição haja sido
designada pela UNESCO como a “instituição de vanguarda” (lead institution)
no Consórcio para a Inovação do Ensino Superior para a Ásia e Pacífico.

O EAD e o desenvolvimento da educação contínua

Nos países mais industrializados, para além de uma oferta diversificada de


programas formais, uma importante contribuição do ensino a distância para o
desenvolvimento local tem sido através das acções de formação contínua que
permitem a actualização e especialização de grupos situados em áreas geográfica
ou funcionalmente periféricas constituindo um poderoso factor de
democratização da distribuição do Conhecimento. Os exemplos
multiplicam-se, bastando dizer que praticamente todos os países desenvolvidos
utilizam este modelo de formação com êxito assinalável.

267
© Universidade Aberta
Tal êxito tem sido legitimado pelo cuidado posto numa trilogia de estratégias
educativas:

• em primeiro lugar, pela elaboração de materiais escritos, audiovisuais


e informáticos de alta qualidade científica e andragógica;

• em segundo lugar, pela criação de sistemas de comunicação


educacional diversificados;

• finalmente, pela implementação de exigentes procedimentos de


avaliação tanto dos estudantes como dos próprios sistemas ensinantes.

Em resumo

A diversidade de campos de aplicação do EAD ao trabalho comunitário pode


ser ilustrada pela figura 8.12.

Actividade 8.5

1. Imagine que a partir de um acordo entre a sua Câmara Municipal, a


Caixa de Crédito Agrícola e a Universidade Aberta vai instalar-se
um Centro de Animação Sócio-Cultural com valências de ensino a
distância formal, formação profissional mista (presencial e a distância)
e um ninho de empresas.

2. Você foi encarregado de colaborar na feitura do estudo de viabilidade


desse projecto. Na próxima semana terá lugar a primeira reunião das
entidades parceiras.

3. Elabore um esquema que lhe permita preparar a sua intervenção nesse


encontro de forma a que o Centro possa começar a funcionar
brevemente. (Escreva no máximo duas páginas A4)

268
© Universidade Aberta
Programas de acção
Áreas-chave Hipóteses de apoio através do EAD
comunitária
Programas • Famílias em risco • Cursos formais (bacharelatos,
comuns licenciaturas, mestrados e
• Voluntariado social doutoramentos)
• Cursos de formação profissional (não
formais e livres)
• Articulação de serviços
• Cursos de formação de voluntários
(para o exercício da liderança e de
• Apoio a organizações de
tarefas específicas)
economia social
• Formação contínua para pessoal
dirigente, técnico, administrativo e
auxiliar de organizações públicas e
particulares
Crianças • Amas e creches • Formação de amas
familiares • Formação de voluntários
• Centros infantis • Formação de pessoal
• Adopções • Formação de pais adoptivos
• Colocações familiares • Formação de familiares de crianças
• Crianças deficientes e deficientes
suas famílias
Jovens • Apoio psicossocial a • Formação de voluntários
jovens • Formação de pessoal
• Associativismo juvenil • Formação de líderes juvenis
• Jovens deficientes • Formação de jovens deficientes
Idosos • Apoio domiciliário • Formação de voluntários de Apoio
• Centros de idosos (de Domiciliário
convívio e de dia) • Formação de pessoal
• Lares de retaguarda • Formação contínua para os idosos
(tipo universidade de terceira idade)
Minorias • Minorias étnicas • Formação de pessoal
• Novos pobres • Formação de voluntários
• Sem abrigo • Formação para a integração
• Crianças da rua
•…

Figura 8.12 - Hipóteses de contribuição do ensino a distância em


diversos campos úteis ao desenvolvimento comunitário.

269
© Universidade Aberta
6. Em síntese

Nesta última unidade foram referidos sucintamente alguns domínios em que o


uso das técnicas de organização e desenvolvimento comunitário se têm revelado
eficazes.

No campo da educação foi salientado o contributo do trabalho comunitário


para resolver problemas educativos, como o absentismo, o insucesso e o
abandono escolar, e para enfrentar novos desafios como a educação
intercultural.

Na área da saúde sublinhou-se a importância da intervenção comunitária na


ajuda logística e no apoio psico-social a cidadãos fragilizados por condições
de saúde particulares, bem como na qualificação dos cuidados de saúde
primários e diferenciados.

Seguidamente, fez-se alusão aos processos de empowerment e advocacy nos


processos de ajuda a segmentos de população excluída de várias idades e
condições, no quadro de luta pelos Direitos Humanos.

Num quarto ponto chamou-se a atenção para algumas especificidades do


trabalho comunitário em contextos macrossociais como em serviços
vocacionados para o planeamento e organização comunitária, em campanhas
de defesa dos direitos humanos, em situações de ameaça à protecção civil e
em programas de âmbito internacional.

A unidade foi concluída com uma discussão sobre dois campos em que se
começa a observar a grande utilidade do desenvolvimento comunitário como
instrumento sócio-educativo: a educação para a democracia e a educação
aberta e a distância.

Actividade final

1. Após leitura aprofundada do texto do capítulo e feitas as respectivas


actividades, abra o manual na página intitulada objectivos da unidade.

2. Tente atingir os objectivos, escrevendo as suas respostas sem recorrer


ao texto do interior do capítulo.

3. Confira as suas respostas com o texto e proceda à sua correcção.

270 6444
© Universidade Aberta
Leituras complementares

ANDER-EGG, Ezequiel
1980 Metodologia y Pratica del Desarollo de la Comunidad,
Tarragona, UNIEUROP, (10ª ed.).

BEZDENOV, S.
1976 Uma escola comunitária na Jugoslávia, Lisboa, Moraes.

CARMO, Hermano
1993 A criança da rua: um rejeitado da cidade, in A cidade, Jorna-
das pluridisciplinares, Actas vol II, Lisboa, Universidade aberta,
pp 321-333.
1996a Ensino a distância e desenvolvimento de quadros locais in
Forum 2000: regionalização e desenvolvimento, Lisboa, ISCSP/
UTL, pp 75-92.
1996b Ensino a distância e desenvolvimento comunitário. Contributo
para uma estratégia de reabilitação, (1ª conferência sobre Re-
abilitação e comunidade, ISPA, 20-22 de Junho de 1996).
1997 Ensino superior a distância: contexto mundial; modelos ibé-
ricos, Lisboa, Universidade Aberta.

CARMO, Hermano (coord.); Alves, Sandra; Dias, Isabel; Monteiro, Susana;


Albuquerque, Rosana
1996 Exclusão social: rotas de intervenção, Lisboa, ISCSP.

JOHNSON, H. Wayne et al.


1995 The social services. An introduction, Itasca (Ilinois), F.E. Peacock
Publishers, Inc.

MEAD, Margaret
1969 O Conflito de Gerações, Lisboa, D. Quixote.

ROSEMBERG, Fúlvia
1994 Estimativa de crianças e adolescentes em situação de rua na
cidade de S. Paulo, “Cadernos de Pesquisa” nº 91, pp 30-45,
Novembro de 1994, S. Paulo, Fundação Carlos Chagas.

271
© Universidade Aberta
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.)
1996 Educação intercultural de adultos, Lisboa, Universidade Aber-
ta, com uma excelente bibliografia sobre educação intercultural
de adultos complementada por uma bibliografia analítica de obras
seleccionadas

272
© Universidade Aberta
Bibliografia geral

© Universidade Aberta
Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
Nota prévia

No fim de cada unidade de aprendizagem listou-se uma bibliografia


recomendada. A escolha das obras teve em conta o pouco tempo disponível
do estudante. Procurou-se não ceder à tentação de aconselhar todas as obras
julgadas interessantes como complemento de informação ao manual, mas
apenas as mais relevantes.

A bibliografia que agora se apresenta segue uma lógica diferente: pretende


servir de referência para quem queira aprofundar algumas das temáticas
afloradas ao longo do livro. Tal bibliografia inclui todas as obras recomendadas
em cada unidade bem como outras consideradas interessantes para um estudo
mais apurado. Apesar de mais extensa, esta bibliografia procura integrar apenas
títulos de maior relevância, não pretendendo ingenuamente esgotar o assunto
mas apenas apoiar o estudante no acesso a obras, algumas antigas, que pode
não encontrar em suporte informático.

Bibliografia de referência

ABECASSIS, Henrique Manzanares


s/d Economia Agrária do Ultramar Português, Lisboa,
ISCSPU.Associação Académica.
s/d Problemas Sociais Contemporâneos, Lisboa, ISCSPU. Asso-
ciação Académica.

ALMEIDA, P. V.
1968 Irrigação e Cooperativismo, Lisboa, CEPS.
1969 Nova contribuição para a criação de uma grelha integrada
de equipamentos sociais, (“Informação Social” nº 16, Outu-
bro-Dezembro), pp 26-51.

ALMEIDA, Susana de
1967 O Serviço Social em regiões subdesenvolvidas, “ANÁLISE
SOCIAL” 5 (19), 518-524.

ALVAREZ, R. Mateos; LOPEZ, A. Rodriguez


1989 Estudio de Epidemioloxia Psiquiatrica na Comunidade Ga-
lega, Santiago, Xunta de Galicia. Servicio galego de saúde.

ALVES, Fátima (coord)


2001 Acção social na área da saúde mental, Lisboa, Universidade
Aberta.

275
© Universidade Aberta
ALVES, P.
1985 Dinâmica social e produção de arquitectura num bairro ur-
bano, “INTERVENÇÃO SOCIAL” nº 1, Junho, pp 17-30.

ALVES, Sandra
2006 Filhos da Madrugada: percursos adolescentes em lares de
infância e juventude, Lisboa, ISCSP.

AMARO, F.
1970 Alguns aspectos da composição da família no Bairro Dr. Má-
rio Madeira (periferia de Lisboa), (“ESTUDOS POLÍTICOS
E SOCIAIS”-3-4), pp 737-806.

AMARO, Fausto et al
2001 Filhos e netos da pobreza: estudo de uma família numa área
urbana degradada, Lisboa; Fundação Nossa Senhora do Bom
Sucesso, 2005, Factores sociais e culturais da esquizofrenia,
Lisboa, ISCSP.

AMARO, Rogério Roque


2003 A luta contra a pobreza e a exclusão social em Portugal –
Experiência do Programa Nacional de Luta contra a Pobre-
za, Genève BIT – Programa STEP.

AMNISTIA INTERNACIONAL
1992 Informe 1992, Madrid.

ANDER-EGG, Ezequiel
1995 Avaliação de programas e serviços sociais, Petrópolis, Vozes,
2ª edição.
1980 Metodologia y pratica del desarollo de la comunidad,
Tarragona, UNIEUROP, 10ª ed.

ANDRADE, M.
1993 Serviço Social, habitação e autarquias: Movimento e liames
da prática e da teoria, “INTERVENÇÃO SOCIAL” nº 7, ano
III, pp. 35-44.

276
© Universidade Aberta
ARETIO, Lorenzo G.
1986 Educación Superior a Distancia. Analisis de su Eficacia,
Mérida, UNED. Centro Regional de la Estremadura.
1987 Eficacia de la UNED en Extremadura, Mérida, UNED. Cen-
tro Regional de la Estremadura.

ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE BOMBA GRANDE


1994 Moradia e Saber: a luta organizada em Bomba Grande, Re-
cife, UFPE. Departamento de Serviço Social.

ATHAYDE, I. M.
1964 Tentativa de diferenciação dos conceitos de Desenvolvimento
comunitário, Organização Comunitária e Serviço Social de
Comunidades, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-4),
pp. 1039-1051.
1966 Trabalho social de voluntários, (“Informação Social” nº 4, Ou-
tubro Dezembro), pp. 92-103.

ATHAYDE, I. M.; PEIXOTO, J. ; COSTA, A.


1960 Serviço Social de Comunidades, Lisboa, Império.

BALES, Kevin
2001 Gente descartável: a nova escravatura na economia global,
Lisboa, Caminho.

BAPTISTA, J.; KOVÁCS, I. E; ANTUNES, C. L.


1985 Uma gestão alternativa, Lisboa, Relógio d’Água.

BAPTISTA, Myriam V.
1973 Desenvolvimento da Comunidade, S. Paulo, Cortez e Moraes
(3ªed.).

BARATA, O.S.
1974 Introdução às Ciências Sociais, Amadora, Bertrand.
1985 Natalidade e Política Social em Portugal, Lisboa, ISCSP.
1987 Mudança Demográfica e Estrutura Social em Portugal, “Es-
tudos Políticos e Sociais”, Lisboa, ISCSP, vol XV, (3-4), pp. 5-48.

277
© Universidade Aberta
1988 A Conferência do México e a Política Internacional da Po-
pulação, “Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa”, Lis-
boa, série 106ª (nº1-6), Janeiro-Junho, pp. 39-99.

BARBIER, René
1997 A pesquisa-acção, Brasília, Universidade de Brasília, Brasilead.

BARRETO, António
1996 A situação social em Portugal, 1960-1995, Lisboa, ICS.

BARRETO, António (Org.)


2000 A situação social em Portugal 1969-1999, volume II, Lisboa,
Imprensa de Ciências Sociais.

BARROSO, Durão
1984 Desenvolvimento Político, in “Polis”, Lisboa, Verbo, vol. 2, pp.
188-196.

BASTIDE, Roger
1979 Antropologia aplicada, S. Paulo, Perspectiva.

BECKER, Gary S.
1964 Human Capital, N. York, Columbia.

BELEZA, J.
1968 Desenvolvimento económico e promoção humana, (“ESTU-
DOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-2), pp 355-382.

BENEDICT, R.
1972 O Crisântemo e a espada, S. Paulo, Perspectiva.

BEZDENOV, S.
1976 Uma escola comunitária na Jugoslávia, Lisboa, Moraes.

BILHIM, João F.
1991 Cultura organizacional: Moda ou Paradigma, “Lusíada, Re-
vista de Ciência e Cultura”, Lisboa, Universidade Lusíada, Série
de Gestão, (1), Abril, pp. 63-84.

278
© Universidade Aberta
BLAUSTEIN, Arthur I.; WOOCK, Roger R. (org.)
1969 O Homem contra a Pobreza: III Guerra Mundial, Rio de Ja-
neiro, Expressão e Cultura.

BOUDON, R. et al, (coord.)


1990 Dicionário de Sociologia, Lisboa, D. Quixote.

BOURDET, Y. e GUILLERM, A.
1975 A autogestão, Lisboa, D. Quixote.

BRANCO, F.
1991 Municipios e políticas sociais em Portugal, “INTERVENÇÃO
SOCIAL” nº 5-6, ano II, pp 9-20.

BRANCO, Portas, Sá e Sá
1985 Ópticas sectoriais de intervenção social em comunidades “IN-
TERVENÇÃO SOCIAL” nº 1, Junho, pp 85-102.

BRANDÃO, M.F. e FEIJÓ, R.


1984 Entre textos e contextos: os estudos de comunidade e as suas
fontes históricas, “ANÁLISE SOCIAL” 20(83), 489-503.

BREDERODE, Silva e Garcia


1970 Uma freguesia de Lisboa - os Anjos (“ESTUDOS POLÍTI-
COS E SOCIAIS”-1-2).

BRITO, M.A.Q.
1966 A avaliação social: processo básico do desenvolvimento co-
munitário, (“Informação Social” nº 12, Outubro-Dezembro),
pp. 5-33.
1968 Os centros sociais -sua evolução em França, (“Informação So-
cial” nº 12, Outubro-Dezembro), pp 5-33.

BROWN, M. e MAY, J.
1990 O Movimento Geenpeace, Lisboa, Círculo de Leitores.

CÂMARA, D. Helder
1968 Revolução dentro da paz, Rio de Janeiro, Sabiá.

279
© Universidade Aberta
CÂMARA, J.B.
1986 A III Revolução industrial e o caso português, in Seminário
dos 80. Portugal face à 3ª Revolução Industrial, Lisboa, ISCSP.

CANCELAS, A.
1985 Uma perspectiva prática da Antropo-Sociologia do Desen-
volvimento, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-1-2),
pp. 289-475.

CARMO, A.
1965 O povo Mambai, Lisboa, ISCSPU.

CARMO, H., (coord.); ALVES, Sandra; DIAS, Isabel; MONTEIRO, Susana;


ALBUQUERQUE, Rosana
1996 Exclusão social: rotas de intervenção, Lisboa, ISCSP.

CARMO, H.
1983 Não violência activa e sistema político, Lisboa, ISCSP, (“ES-
TUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-1-2).
1986 Análise e intervenção organizacional, Lisboa, FUNDETEC.
1987 Os dirigentes da administração pública portuguesa, Lisboa
ISCSP, (separata de “ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS” vol
XV, nºs 3 e 4, 1987).
1987 Os indicadores como instrumentos de inovação, Lisboa,
DGORH, in Actas do IX Congresso Iberoamericano de
Seguran‡a Social.
1993 A criança da rua: um rejeitado da cidade, in A cidade, Jorna-
das pluridisciplinares, Actas vol II, Lisboa, Universidade aberta,
pp 321-333.
1995a Avaliação em Intervenção comunitária, in Estudos de Home-
nagem ao professor Adriano Moreira, Volume II, Lisboa, ISCSP.
1995b Educação para o desenvolvimento: um imperativo estratégi-
co, in Poder e Sociedade, volume 2, Lisboa Universidade Aberta.
1996a Ensino a distância e desenvolvimento de quadros locais in
Forum 2000: regionalização e desenvolvimento, Lisboa, ISCSP/
UTL, pp. 75-92.
1996b Ensino a distância e desenvolvimento comunitário: contributo
para uma estratégia de Reabilitação in 1ª Conferência sobre
Reabilitação e Comunidade, ISPA, polic.

280
© Universidade Aberta
1997 Ensino Superior a Distância. Contexto mundial. Modelos ibé-
ricos, Lisboa, Universidade Aberta.
1998 O Desenvolvimento Comunitário no dobrar do século, in Po-
lítica Social, Lisboa, ISCSP.
2000 Intervenção social com Grupos, Lisboa Universidade Aberta.
2001a Problemas sociais contemporâneos, Lisboa, Universidade Aber-
ta.
2001b A educação intercultural: uma estratégia para o desenvolvi-
mento in Ornelas, José e Maria, Susana (coord.), Diversidade e
multiculturalidade, Actas da 2ª Conferência sobre Desenvolvi-
mento comunitário e saúde mental (29-31 de Maio de 2000), Lis-
boa, ISPA, pp. 175-194.
2002 Direitos sociais para uma sociedade inclusiva: linhas mestras
de um encontro, “Cidade Solidária”, Lisboa, Santa Casa da Mi-
sericórdia de Lisboa.
2004 Educar para a identidade nacional, numa economia solidá-
ria e numa cultura de paz, in Educação da juventude: carác-
ter, liderança e cidadania, “Nação e Defesa” (Número Extra
Série) Lisboa, Instituto de Defesa Nacional, edição também em
CD Rom.
2006 Multiculturalidade e educação a distância, in Des(a)fiando
discursos, Lisboa, Universidade Aberta.

CARMO, H.; FERREIRA, M.M.


1998 Metodologia da Investigação: guia para a auto-aprendiza-
gem, Lisboa Universidade Aberta.

CARREIRA, Henrique Medina


1996 As políticas sociais em Portugal, Lisboa, Gradiva.

CARVALHO, J. M. Crespo de
2003 Elementos de Gestão para o terceiro sector, Lisboa Universi-
dade Aberta.

CARVALHO, José Luz


1970 Instrução e mudança social - resultados de um inquérito aos
proprietários do perímetro de rega do Mira, (“Informação
Social” nº 20, Outubro-Dezembro), pp 37-56.

281
© Universidade Aberta
CASTAÑO, Javier Garcia
1994 Antropologia de la Educación: el Estudio de la Transmisión-
Adquisición de Cultura, Madrid, Eudema.

CASTELS, Manuel
2001 O poder da identidade, Lisboa, FC Gulbenkian, in A era da
informação: economia sociedade e cultura, vol II, c. 1997
2005 A sociedade em rede, Lisboa, FC Gulbenkian, 2ª edição,
in A era da informação: economia sociedade e cultura, vol I, c.
1996.

CASTRO COELHO
1965 Aspectos da política de povoamento em Moçambique, (“ES-
TUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS” 2), pp 425-486.

CASTRO, Josué de
1966 Geografia da fome, Porto, Brasília, 1ª ed. 1946.
1966 O livro negro da fome, Porto, Brasília, 1ª ed. 1957.
1974 Geopolítica da Fome, 4ª ed. rev. aum., Porto, Brasília.
1975 Sete palmos de terra e um caixão, Lisboa, Seara Nova, 1ª ed.
1970.

CELESTIN, Georges
1970 Notas metodológicas sobre a planificação da saúde e da assis-
tência social, (“Informação Socia” nº 17, Janeiro-Março), pp. 19–
-59.

CHAUVEY, D.
1970 O que é a autogestão, Lisboa, Edições 70.

CHOPART, Jean-Noël (org)


2003 Os novos desafios do trabalho social, Porto, Porto Editora.

CLOUTIER, Jean
1975 A Era de Emerec ou a comunicação audio-scripto-visual na
hora dos self-media, Lisboa, Instituto de Tecnologia Educativa.

282
© Universidade Aberta
COMISSÃO DA CONDIÇÃO FEMININA
1981 Programa de Acção Para a Segunda Metade da Década das
Nações Unidas para a Mulher, 1976/1985, Lisboa, Comissão
da Condição Feminina.

CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II


1967 Constituições - Decretos - Declarações. Documentos pontifícios.
Legislação pós-conciliar, Braga, Secretariado Nacional do
Apostolado da Oração.

CORREIA, J. Martins
2003 Introdução à gerontologia, Lisboa Universidade Aberta.

CORREIA, Sofia
2007 Capital social e comunidade cívica: o círculo virtuoso da ci-
dadania, Lisboa, ISCSP.

COSTA, A. Bruto da
1984 Conceito de Pobreza, “Estudos de Economia”, Lisboa, (3),
Abril-Junho, pp. 275-295.
1998 Exclusões Sociais, Lisboa, Gradiva.

COSTA, A.B.; Silva, M. et al.


1985 A pobreza em Portugal, Lisboa, Caritas.

COSTA, A.B.; Silva, M. et al.


1989 A Pobreza urbana em Portugal, Lisboa, Caritas.
2002 Sociedade Portuguesa Contemporânea, Lisboa Universidade
Aberta.

CROZIER, Michel
1977 L’acteur et le système, Paris, Seuil.

DALAI-LAMA
2000 Ética para o novo milénio, Lisboa, Círculo de Leitores.

283
© Universidade Aberta
DAMÁSIO, Manuel
1968 O projecto Abruzzo, (“Informação Social” nº 12, Outubro-De-
zembro), pp 5-33.

DANIEL, John S.
1988 Distance education and national development, in “Developing
distance education”. Paper submitted to the 14th World conference
in Oslo, 9-16 August, 1988, Oslo, ICDE, pp. 21-30.

DELORS, Jacques
1968 A integração dos aspectos sociais no desenvolvimento econó-
mico, (“Informação Social” nº 10, Abril-Junho), pp 24-44.

DOLCI, Danilo
1964 Inquérito em Palermo, Lisboa, Morais.
1971 Inventar o futuro, Lisboa, Morais.

DREWE, Paul
1967 Investigação social e planeamento regional, (“Informação So-
cial” nº 7, Julho-Setembro), pp 5-22.

DRUCKER, P.
1986 Inovação e gestão, uma nova concepção da estratégia das em-
presas, Lisboa, Presença.
1993 Sociedade pós-capitalista, Lisboa, Difusão Cultural.
1994 As organizações sem fins lucrativos, Lisboa, Difusão Cultural.

DRULOVIC, M.
1976 A autogestão à prova, Lisboa, Seara Nova.

DUMONT, René
1962 A África começa mal, Lisboa, D. Quixote.

ELKINGTON, J. e BURKE, T.
1991 Os capitalistas verdes, Lisboa, Círculo de leitores.

284
© Universidade Aberta
ELSDOM, K. T.
1984 Enseignement et apprentissage en éducation des adultes,
“Bulletin du Bureau International d’Éducation”, (58), UNESCO,
pp. 1-115. Esta bibliografia de referência não dispensa, por isso, a
consulta de Bases de Dados de Ciências Sociais disponíveis em
CDRom ou acessíveis pela Internet. Por exemplo: UMI (1996),
Social Sciences Index/ Full Text, Lusodoc; UMI (1995)
Dissertations Abstracts; Sociofile; ERIC; ICDL/UKOU.

FANON, Frantz
1975 Pele Negra Máscaras Brancas, 2ª ed., Porto, Paisagem.

FAURE, Edgar et al.


1977 Aprender a Ser, 2ª ed., Venda Nova, Bertrand.

FEIO, Paulo
2000 Serviços de Proximidade: Caracterização e Perspectivas de
Evolução, Lisboa, Instituto de Emprego e Formação Profissio-
nal.

FERNANDES, J.A.
1966 A mulher africana. Alguns aspectos da sua promoção social
em Angola (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-2),
pp. 575-684 e (3), pp. 1027-1096.

FERREIRA, Manuela Malheiro


2003 Educação intercultural, Lisboa Universidade Aberta.

FERREIRA, Vicente P.
1968 Teoria Social da Comunidade, S. Paulo, Herder.

FONSECA, I.
1987 Impacto sócio-cultural da barragem do Alqueva na Fregue-
sia da Luz, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS” 3-4).

FONSECA, M. J. S.
1966 Administração pública e desenvolvimento comunitário - al-
guns aspectos gerais, (“Informação Social” nº 4, Outubro De-
zembro), pp 104-107.

285
© Universidade Aberta
FORTUNA, V.
1963 Conceito de subdesenvolvimento, (“ESTUDOS POLÍTICOS
E SOCIAIS”-3), pp 489-528.

FOSTER, G.
19741 Antropologia aplicada, Cidade do México, Fondo de de Cultu-
ra Economica.
s.d. As Culturas tradicionais e o impacto das tecnologias, Rio de
Janeiro, Fundo de de Cultura Económica.

FRAGOSO, D. António
1973 Libertar o povo, Lisboa, Base.
s/d Evangelho e problemática social, Porto, A. Ferreira.

FRANCO,C.G.
1966 Da utilidade e viabilidade dos métodos de Desenvolvimento
Comunitário em programas de promoção sócio-económica em
algumas regiões de Angola, Lisboa, ISCSPU, 176 pp.

FREIRE, Paulo e MACEDO, Donaldo


1990 Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra, Rio de
Janeiro, Paz e Terra.

FREIRE, Paulo
1972 Pedagogia do Oprimido, Porto, Afrontamento.
1973 Extensión o comunicación?, Madrid, Siglo XXI, 1ª ed. 1969.
1977 Acção cultural para a libertação e outros escritos, Lisboa,
Moraes.
1977 Cartas da Guiné-Bissau, Lisboa, Moraes.
1977 Educação política e conscientização, Lisboa, Sá da Costa.
1989 Educação como prática de liberdade, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1ª ed. de 1967.
1989 Educadores de rua. Uma abordagem crítica, Bogotá, UNICEF.
1991 A educação na cidade, S. Paulo, Cortez.
1992 Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
1993 Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, S. Paulo
Olho d’Água.

286
© Universidade Aberta
1994 Cartas a Cristina, S.Paulo, Paz e Terra.
1995 À sombra desta mangueira, S.Paulo, Paz e Terra.
1996 Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa, S.Paulo, Paz e Terra, 5ª edição.

FUKUYAMA, Francis
2000 A grande ruptura, Lisboa, Quetzal Editores.

FURTADO, Celso
1971 Teoria e política do desenvolvimento económico, Lisboa,
D. Quixote.

GADOTTI, Moacir
1997 Paulo Freire: uma biobibliografia, Brasília/S. Paulo, Cortez Edi-
tora/ /UNESCO/Instituto Paulo Freire.

GALBRAITH, John Kenneth


1979 A Sociedade da Pobreza, Lisboa, D. Quixote.

GALTUNG, Johan
1994 Direitos humanos: uma nova perspectiva, Lisboa, Instituto
Piaget.

GARAUDY, R.
1981 Ainda e Tempo de Viver, Lx, D.Quixote.

GEADA, I.
1985 Anos 60-Intervenção social em comunidades urbanas: acções
de promoção social em Lisboa, IS nº 1, Junho, pp 31-40.

GIDDENS, A.
1997 Sociology, Cambridge, Politys Press, 3ª ed.

GIL, António C.
1996 Como elaborar projectos de pesquisa, S. Paulo, Atlas.

287
© Universidade Aberta
GIRALDES, M. R.
1968 Determinação de zonas prioritárias de investimentos em pro-
moção social, (“Informação Social” nº 12, Outubro-Dezembro),
pp. 5-33.
1967 Animação de base e desenvolvimento, (“Informação Social”
nº 8, Outubro Dezembro), pp 66-74.
1968 Índice de nível de vida - tentativa de medição de desenvolvi-
mento social, (“Informação Social” nº 9, Janeiro-Março),
pp. 89-96.

GIRALDES, M. R. e OLIVEIRA, I.R.


1968 Técnicas de planeamento social, (“Informação Social” nº 9, Ja-
neiro-Março), pp 89-96.

GONÇALVES, J.J.
1969 Sociologia, Porto, Portucalense Editora.

GOODE,W. e HATT, P.
1969 Métodos em Pesquisa Social, S. Paulo, Companhia Nacional.

GRÁCIO, Sérgio
1982 Sociologia da educação: a construção social das práticas
educativas, Lisboa, Livros Horizonte.

GRÁCIO, Sérgio; MIRANDA, S. de; STOER, Stephen


1982 Sociologia da Educação - Antologia, Lisboa, Livros Horizonte.

GRANT, James (coord.)


1991 Situação mundial da infância - 1991, Brasília, UNICEF.

GRAWITZ, M.
1992 Méthodes des Sciences Sociales, Paris, Dalloz.

GREEN, Herbold
1990 Teorias e ideologias do desenvolvimento: Algumas reflexões
sobre orientação objecto e método, “Revista Internacional de
Estudos Africanos” (12 e 13), Jan-Dez., pp. 199-219.

288
© Universidade Aberta
GRILO, E. Marçal et al.
1987 Desenvolvimento dos Recursos Humanos em Portugal. Ce-
nários até 2005, Lisboa, MEC.GEP.

GUARESCHI, Pedrinho (coord.)


1992 Os aprendizes da sobrevivência, Recife, UFPE.

Guerra, Isabel
2000 Fundamentos e Processos de uma Sociologia de Acção, Cascais,
Principia.

Guerreiro, Óscar
1966 Papel do assistente social junto das comissões de desenvolvi-
mento comunitário, (“Informação Social” nº 2, Abril-Junho),
pp. 68-79.

GUEST, Hersey e BLANCHARD


1980 A mudança organizacional através da liderança eficaz, S.Paulo,
Multimedia Tecnologia Educacional.

GUPTA, S.K.
1990 Development of distance education in India: problems,
priorities and policies, “ICDE Bulletin”, Milton Keynes, vol. 23,
Maio, pp. 27-33.

HAECHT, Anne Van


1992 A escola à prova da sociologia, Lisboa, Instituto Piaget.

HAIN, Peter
1976 Community Politics, London, ed. John Calder.

HARRISON, Paul
1990 Inside the Third World, London, Penguin.

HAYES JR., Samuel


1972 Avaliação de projectos de desenvolvimento, Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas.

289
© Universidade Aberta
HEGARTHY, Angela
1999 Direitos do Homem: uma agenda para o século XXI, Lisboa,
Instituto Piaget.

HERAS, P. Cortajarena
1985 Introduction al Bienestar Social, Madrid, Consejo General de
Colegios Oficiales de Diplomados en Trabajo Social y Assisten-
tes Sociales, Madrid.

HERSEY, Paul; BLANCHARD, Kenneth


1986 Psicologia para Administradores. A Teoria e as Técnicas da
Liderança Situacional, S. Paulo, E.P.U.

HESS, Remi
1982 Sociologia de Intervenção, Lisboa, Rés.

IBAÑEZ, Ricardo M.; SERRANO, Gloria P.


1985 Pedagogia Social Y Sociologia De La Educación, 3ª ed., Madrid,
UNED.

IBAÑEZ, Ricardo Marin


1988 Principios de la Educación Contemporanea, 5ª ed., Madrid,
RIALP.

ILLICH, Ivan
1974 Educação Sem Escola?, Lisboa, Teorema.

ITURRA, R.
1990 A construção social do insucesso escolar: memória e aprendi-
zagem em Vila Ruiva, Lisboa, Escher.

JAHODA et al.
1967 Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais, S. Paulo, Herder.

JOÃO PAULO II
1988 A Solicitude Social da Igreja, Braga, A.O.

290
© Universidade Aberta
JOHNSON, H. Wayne et al.
1995 The social services: an introduction, Itasca (Ilinois), F.E. Peacock
Publishers, Inc.

JUNGER-TAS, Josine
1999 Ethnic minorities, social integration and crime, “European
Journal on Criminal Policy and Research”, 9: 5-29, Kluwer
Academic Publishers, Printed in the Netherlands.

KNOWLES, Malcolm
1980 The modern practice of adult education - from pedagogy to
andragogy, New York, Cambridge, The Adult Education
Company.

LAMMERINK, Prinsen e DIEGO


1991 Educación popular en Nicaragua, IS nº 5-6, ano II, pp 87-100.

LAPIERRE, Jean-William, s/d, A Análise dos Sistemas Políticos, Lisboa,


Rolim.

LAURIN, Paul, 1991, An adapted model of distance education for


developing countries, “ICDE Bulletin”, Milton Keynes, vol. 26,
Maio, pp. 37-45.

LAUWE, P. Chombart de
1967 O papel da observação em Sociologia, (“Informação Social”
nº 5, Janeiro-Março), pp 43-62.

LEBRET, Louis
1964 Suicídio ou Sobrevivência do Ocidente?, S. Paulo, Livraria Mo-
rais, 1ª ed. 1958.
1966 Para uma ética do desenvolvimento, (“Informação Social” nº
4, Outubro Dezembro), pp 68-83.

LECLERC, G..
1973 Crítica da Antropologia, Lisboa, Estampa.

291
© Universidade Aberta
LEMA, Paula e REBELO, Fernando
1996 Geografia de Portugal: meio físico e recursos naturais, Lis-
boa, Universidade Aberta.

LEWIS, Oscar
1969 A cultura da pobreza, in Blaustein, A. e Woock, R., 1969, III
Guerra Mundial: o homem contra a pobreza, Rio de Janeiro,
Ed. Expressão e Cultura.
1970 A death in the Sanchez family, N. York, Random House.
1970 Os filhos de Sanchez, Lisboa, Moraes.

LIJPHART, Arend
1989 As democracias contemporâneas, Lisboa, Gradiva.

LOFF, P.
1985 Guião de caracterização duma comunidade urbana, “INTER-
VENÇÃO SOCIAL” nº 1, Junho, pp 57-82.

LOPES, Hernâni et al.


1989 Portugal o Desafio dos Anos 90, Lisboa, Presença.

LOPES, Simões
1984 Desenvolvimento Regional, in “Polis”, Lisboa, Verbo, vol. 2.
pp. 196-202.

LOURENÇO, N. e LISBOA, M.
1998 Dez anos de crime em Portugal: análise longitudinal da
criminalidade participada às polícias (1984-1993), Lisboa, Ga-
binete de estudos Jurídico-sociais do Centro de Estudos Judiciá-
rios.

LOURO, Cristina (coord.)


2001 Acção social na deficiência, Lisboa Universidade Aberta.

M. M. S.
1966 Programa de promoção comunitária do distrito do Funchal,
(“Informação Social” nº 3, Julho-Setembro), pp 114-121.

292
© Universidade Aberta
MALLEY, François
s/d Lebret: a economia ao serviço dos homens, Lisboa, União Grá-
fica, 1ª ed. 1968.

MARSHALL, Gordon (coord.)


1994 Oxford concise dictionary of Sociology, Oxford, Oxford
University Press.

MARTIN, H.-P. e SCHUMANN, H.


1998 A armadilha da globalização: o assalto à democracia e ao bem
estar social, Lisboa, Terramar.

MARTINS, M. Morais
1958 Contacto de culturas no Congo português (Achegas para o
seu estudo), Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar.CEPS,
166 pp.

MATOS, Francisco Gomes de


1996 Pedagogia da positividade: comunicação construtiva em por-
tuguês, Recife, UFPE.

MCLEAN, Iain (coord.)


1996 Oxford concise dictionary of Politics, Oxford, Oxford University
Press.

MEAD, M.
1969 O conflito de gerações, Lisboa, D. Quixote.

MENDES, Afonso
1958 A Huila e Moçamedes (Considerações sobre o trabalho indí-
gena), Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar.CEPS, 208 pp.

MERTON, Robert
1979 Ambivalência Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar.

MESQUITA, M.
1988 O adolescente em risco face à problemática da
toxicodependência, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”
1-2), pp. 267-357.

293
© Universidade Aberta
MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE
1998 Carta social: rede de serviços e equipamentos, Lisboa, MTS.
Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento.

MIRANDA, H.
1965 O Desenvolvimento comunitário e a promoção social na in-
dústria da construção civil (“ESTUDOS POLÍTICOS E SO-
CIAIS”-4), pp. 1167-1233.

MIRANDA, J.
1969 Autarquias locais e promoção comunitária, (“Informação So-
cial” nº 13, Janeiro-Março), pp. 92-103.
1970 Aspectos institucionais da promoção social comunitária, (“In-
formação Social” nº 17, Janeiro-Março), pp. 19-59.

MISHRA, Ramesh
1995 O Estado-Providência na sociedade capitalista, Oeiras, Celta.

MÓNICA, M. Filomena
1981 Escola e Classes Sociais. Introdução a uma problemática da
sociologia da educação, Lisboa, Presença/Gabinete de Investi-
gações Sociais.

MONTEIRO, Ramiro L.
1973 A família nos musseques de Luanda, Luanda, FASTA.

MOREIRA, Adriano
1979 Ciência Política, Lisboa, Bertrand.
1986 O Pacifismo, “Estudos Políticos e Sociais”, Lisboa, ISCSP, vol.
XIV, (3-4), pp. 5-30.
1999 Cidadania activa e direitos sociais, in Simpósio Sobre os Di-
reitos Sociais na Europa, Lisboa, Comité Português do
International Council on Social Welfare (CPCISS)/ICSW Região
Europa
1999 Os trópicos na Europa, Lisboa, Academia Internacional de
Cultura Portuguesa.
2005 Terrorismo, Coimbra, Almedina.

294
© Universidade Aberta
MOREIRA, C. Diogo
1987 Populações marítimas em Portugal, Lisboa, ISCSP.
1988 A entreajuda e a cooperação em meio rural, (“ESTUDOS PO-
LÍTICOS E SOCIAIS”-3-4), pp 49-76.
1989 A prática antropológica da aplicação, (“ESTUDOS POLÍTI-
COS E SOCIAIS”-1-2), pp 99-106.
1989 As populações marítimas portuguesas: estratégias e evolução,
(“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-1-2), pp 107-118.
1989 Pescadores de Porto Mosquito, (“ESTUDOS POLÍTICOS E
SOCIAIS”-1-2), pp. 77-98.
1995 Modelos e Métodos de avaliação de programas de investiga-
ção e acção, Lisboa, ISCSP.

MOREIRA, M.A.; BUCHWEITZ, B.


1993 Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas
conceptuais e o Vê epistemológico, Lisboa, Plátano.

MORIN, E.
1981 As grandes questões do nosso tempo, Lisboa, Noticias.
1991 Os problemas do fim do século, Lisboa, Notícias.

MOURO, Helena e SIMÕES, Dulce, (coord.)


2001 100 anos de serviço social, Coimbra, Quarteto.

MUCHIELLI, Roger
1975 Les méthodes actives dans la pédagogie des adultes, Paris,
Entreprise Moderne d’Edition et Libraires Techniques.

MULLER, Jean-Marie
1972 Strategie de l’action non violente, Paris, Fayard
1997 Princípios e métodos de intervenção civil, Lisboa, Insti-
tuto Piaget.
1998 O princípio de não violência: percurso filosófico, Lisboa, Ins-
tituto Piaget.

MURTEIRA, Mário
1990 Teorias e ideologias do desenvolvimento, “Revista Internacio-
nal de Estudos Africanos”, (12 e 13), Jan-Dez, pp. 221-232.

295
© Universidade Aberta
MUSGRAVE, P.W.
1984 Sociologia da Educação, Lisboa, F.C. Gulbenkian.

NAISBITT e ABURDENE
1990 Megatrends 2000, S. Paulo, Amana-Key, 3ª ed.

NAISBITT, J.
1988 Macrotendências, Lx, Presença.

NEGREIROS, M.A.
1985 Anos 60-Intervenção social em comunidades urbanas: traba-
lho social de comunidades nos bairros camarários do Porto,
“INTERVENÇÃO SOCIAL” nº 1, Junho, pp 41-56.

NETO, J. P (coord.)
1971 Vale de Milhaços: Indicadores sociais para a urbanização de
um loteamento clandestino do concelho do Seixal, Lisboa, Ins-
tituto de Alta Cultura.

NETO, J.P.
1967 O especialista em Ciências Sociais perante o problema da saú-
de pública (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-1),
pp. 25-36.
1968 Israel -1967. Impressões de viagem, (“ESTUDOS POLÍTICOS
E SOCIAIS” 2).
1972 A evolução social em Portugal depois de 1945 (contribuição
para o seu estudo), separata de “Estudos Políticos e Sociais”
IV, nº 3, 1966.
1988 Desenvolvimento e mudança cultural, (“ESTUDOS POLÍTI-
COS E SOCIAIS”-1-2), pp 39-132.

NETO, José P.
1964 O Baixo Cunene. Subsídios para o seu desenvolvimento, Lis-
boa, Junta de Investigações do Ultramar. CEPS, 217 pp.

NETO, M.J.
1990 A propósito da ocupação de tempos livres na cidade de Lis-
boa, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS” 1-4).

296
© Universidade Aberta
NORTHEDGE, Andrew
1990 The good study guide, Milton Keynes, The Open University.

NOVAK, Joseph
2000 Aprender, criar e utilizar o conhecimento – mapas conceptuais
como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lis-
boa, Plátano.

NOVAK, Joseph; GOWIN, Bob


1996 Aprender a aprender, Lisboa Plátano, 1ª ed. de 1984.

NUNES, A. Sedas
1968 Sociologia e ideologia do desenvolvimento, Lisboa, Moraes.

NUNES, Francisco, RETO, Luís e CARNEIRO, Miguel


2000 O terceiro sector em Portugal: delimitação, caracterização e
potencialidades, Lisboa, INSCOOP).

OAKLEY, P. e Marsden, D.
1984 Approaches to Participation in Rural Development, Genova,
ILO.

OLIVEIRA, A. e TEIXEIRA, C.
2004 Jovens portugueses e luso-descendentes no Canadá, Lisboa,
Celta.

OMS
1985 As metas da Saúde para todos, Lisboa, Ministério da Saúde,
GEP.

ONU
1972 Administracion de programas y proyectos de desarrollo:
algunas cuestiones importantes, N. York, NNUU.

OPPO, Anna
1991 Socialização política, in “Dicionário de Política”, Norberto
Bobbio et al. (org.), Brasília, Editora da Universidade de Brasília,
vol 2, pp. 1202-1206.

297
© Universidade Aberta
PAUGAM, Serge
2003 A Desqualificação Social: Ensaio sobre a Nova Pobreza,
Porto, Porto Editora.

PAYNE, Malcolm
2002 Teoria do trabalho social moderno, Coimbra, Quarteto.

PECCEI, Aurélio
1981 Cem páginas para o Futuro, Brasília, Universidade de Brasília.

PEREDA, Carlos; PRADA, Miguel Ángel de; ACTIS, Walter


1996 La educación intercultural a prueba: hijos de inmigrantes
marroquíes en la escuela, Madrid, Ministerio de Educación y
Ciencia. Centro de Investigación y Documentación Educativa.

PEREIRA DE MOURA, F.
s.d. A planificação do desenvolvimento económico e as necessida-
des de dados estatísticos, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCI-
AIS”-3), pp. 529-550.

PEREIRINHA (coord.)
1992 Observatory on nacional policies to combat social exclusion:
Portugal, Lisboa, CISEP - Centro de Investigação sobre Econo-
mia Portuguesa.

PETERS e WATERMANN
1987 Na Senda da Excelência, Lisboa D.Quixote.

PETITAT, André
1989 Sociologie de l’éducation, in “Sociologie Contemporaine”, Jean-
Pierre Durand e Robert Weil, Paris, Vigot.

PIMENTA, C. et al.
1986 Aposta no Homem, Lx, IPSD-FSC.

PIMENTEL, Alberto
2001 Acção social na reinserção social, Lisboa Universidade Aberta.

298
© Universidade Aberta
PINTASILGO, M.L.
1985 Dimensões da Mudança, Lisboa, Afrontamento.

PINTASILGO, Maria de Lourdes (coord.)


1996 Para uma Europa dos Direitos Cívicos e Sociais: relatório
do Comité dos Sábios, Bruxelas, Comissão Europeia
1998 Cuidar o Futuro: um programa radical para viver melhor,
Lisboa, Trinova.

PINTO, Carla
1999 Empowerment: uma prática de serviço social, in VVAA, 1998,
Política social, Lisboa ISCSP.
2005 Autorepresentação e heterorepresentação dos condutores de
veículos automóveis ligeiros: contributo para a compreensão
da guerra civil rodoviária em Portugal, Lisboa, ISCSP.

PINTO, Graça Alves


1998 O trabalho das crianças, Oeiras, Celta.

PINTO, Maria da Conceição Alves


1991 Effects D’Agregation et Sociologie de L’Éducation, Lisboa,
Univ. Lisboa, lição de agregação.

POCHMANN, Marcio et al. (org.)


1999 A exclusão no mundo: Atlas de exclusão social, volume 4,
S. Paulo, Cortez Editora.

PORTER, Michael (dir.)


1994 Construír as vantagens competitivas de Portugal, Lx, Monitor
Company/Forum para a Competitividade

POSSINGER, H.
1970 Extensão rural, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-1-2),
pp. 65-84.

PUTNAM, Robert
1993 Making democracy work: civic traditions in modern Italy,
Princeton, N. Jersey, Princeton University Press.

299
© Universidade Aberta
RAMESH MISHRA
1995 O Estado-Providência na sociedade capitalista: estudo com-
parativo das políticas públicas na Europa, América do Norte
e Austrália, Lisboa, Celta.

RAMOS, Maria da Conceição


1999 Acção social na área do emprego e formação profissional, Lis-
boa, Universidade Aberta.

RELATÓRIOS DA UNICEF
1990, 1991, 1992, 1993, 1994,1995,1996.

RELATÓRIOS DO PNUD
1990, 1991, 1992, 1993.

RIBEIRO, António Carrilho; RIBEIRO, Lucie Carrilho


1990 Planificação e Avaliação do Ensino-Aprendizagem, Lisboa,
Universidade Aberta.

ROCHA-TRINDADE, M.B.; ARROTEIA, José (org.)


1984 Bibliografia da emigração portuguesa, Lisboa, Instituto Portu-
guês de Ensino a Distância.

ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (coord.)


1996 Educação intercultural de adultos, Lisboa, Universidade Aberta.

ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz


1995 Sociologia das Migrações, Lisboa Universidade Aberta, bloco
multimedia integrando um manual, 10 videogramas, 6
audiogramas e um guia de exploração dos videogramas.

RODRIGUES, Fernanda (coord.)


2003 Acção social na área da exclusão social, Lisboa Universidade
Aberta.

ROLO, J.
1966 Reordenamento rural em Angola, Lisboa, ISCSPU, 158 pp.

300
© Universidade Aberta
ROMÃO, Maurício C.
1993 Pobreza: conceito e mensuração, Recife, Editora universitária
UFPE.

ROSANVALLON, P.
1984 A Crise do Estado Providência, Lisboa, Inquérito.

ROSEMBERG, Fúlvia
1994 Estimativa de crianças e adolescentes em situação de rua na
cidade de S. Paulo, “Cadernos de Pesquisa” nº 91, pp 30-45,
Novembro de 1994, S. Paulo, Fundação Carlos Chagas.

ROSNAY, Joel de
1977 O Macroscópio, para uma visão global, Lisboa, Arcádia.

RUBINGTON, E. e Weinberg, M.S.


1995 The study of social problems. Seven perspectives, New York/
Oxford, Oxford University Press, fith edition.

SANTOS, Boaventura S.
1994 Pela mão de Alice.O social e o político na pós-modernidade,
Porto, Afrontamento, 2ª edição.

SARDAN, J.P.O.
1990 Para uma abordagem antropológica das ideologias e práti-
cas de desenvolvimento, “Revista Internacional de Estudos Afri-
canos”, Jan-Dez, (12 e 13), pp. 189-198.

SCHULTZ, Theodore W.
1963 The economic value of education, N. York, Columbia University
Press.

SCHUMACHER
1981 Small is Beautiful, Lx, D.Quixote.

SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard
1979 Sociologia Política. Elementos de Ciência Política, S.Paulo/Rio
de Janeiro, Difel.

301
© Universidade Aberta
SEN, Amartya
1999 Pobreza e fomes: um ensaio sobre direitos e privações, Lis-
boa, Terramar.

SEQUEIRA, M.L.
1969 Condições económicas de existência da população idosa da
cidade de Lisboa, (“Informação Social” nº 16, Outubro-Dezem-
bro), pp 5-25.

SILVA, Luisa Ferreira da


1985 Prevenção em saúde mental - Projecto de acção directa numa
comunidade urbana, “INTERVENÇÃO SOCIAL” nº 1, Ju-
nho, pp 105-118.
1991 Planeamento social de nível comunitário como prevenção pri-
mária de saúde mental, “INTERVENÇÃO SOCIAL” nº 5-6,
ano II, pp 81-86.
2001a Intervenção Psico-Social, Lisboa Universidade Aberta.

SILVA, Luisa Ferreira da (org.)


2001b Acção social na área da família, Lisboa, Universidade Aberta.
2002 Promoção da saúde, Lisboa Universidade Aberta.

SILVA, Manuel Tavares da


1983 A liturgia psicossociológica, “Psicologia”, Lisboa, vol IV, (3 e
4), pp. 223-324.

SILVA, Manuela
1962 Desenvolvimento Comunitário: uma técnica de promoção so-
cial, Lisboa, Associação Industrial Portuguesa.
1963 Fases de um processo de desenvolvimento comunitário, "Aná-
lise Social" 1(4), Out 1963, pp 538-558.
1964 Oportunidade do desenvolvimento comunitário em Portugal,
"Análise Social" 2(7-8), 2º semestre, pp 498-510.

1991 A Pobreza Infantil em Portugal, Lisboa, UNICEF.Comité Por-


tuguês.

302
© Universidade Aberta
SOARES, M. C. P.
1967 Desenvolvimento urbano e acção social, (“Informação Social”
nº 5, Janeiro-Março), pp 63-77.

SOUSA, Alfredo de
1963 A preocupação económica no desenvolvimento comunitário,
AS 1(3), Jul 1963, pp 464-468.
1963 O desenvolvimento comunitário: um método viável na Euro-
pa?, AS 1(1), Jan 1963, pp 113-118.
1963 Organização e programas de Desenvolvimento Comunitário,
(“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS”-3), pp 551-596.
1964 Desenvolvimento Comunitário e Desenvolvimento Económi-
co, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS” 2).
1964 Desenvolvimento Comunitário em Angola in VVAA, 1963-64,
Angola Curso de extensão universitária, Lisboa, ISCSPU,
pp. 421-440.

STEER, Andrew (coord.)


1992 Informe Sobre el Desarrollo Mundial 1992 - Desarrollo y
Medio Ambiente, Washington, Banco Mundial/Banco Interna-
cional de Reconstruccón y Fomento.

STOER, Stephen
1982 Educação Estado e Desenvolvimento em Portugal, Lisboa, Li-
vros Horizonte.

TAVARES, Maria José Ferro


1989 Sociedade e Cultura Portuguesas 1, Lisboa, Universidade Aber-
ta.

Thoreau, H.D.
1972 A desobediência civil, Lisboa, Estúdios Cor, trad. de Júlio Sal-
gueiro ou 1987, A desobediência civil, Lisboa, Edições Antígona,
trad. de Manuel J. Gomes.

TODD, Emmanuel
2000 Após o império: ensaio sobre a decomposição do sistema ame-
ricano, Lisboa, Edições 70.

303
© Universidade Aberta
TOFFLER, A. e H.
1970 Choque do Futuro, Lisboa, Livros do Brasil.
1980 A Terceira Onda, S, Paulo, Record (há tradução portuguesa).
1991 Os Novos Poderes, Lisboa, Livros do Brasil.
1995 Criando uma nova civilização, Lisboa, Livros do Brasil.
2006 A Revolução da Riqueza, Actuel, Editone.

TRIGO DE MORAIS
1964 O colonato do Limpopo, (“ESTUDOS POLÍTICOS E SOCI-
AIS” 2).

TRILLA, Jaume
2004 Animação sociocultural: Teorias, programas e âmbitos, Lis-
boa, Instituto Piaget.

TRINDADE, Armando Rocha


1992 Distance Education for Europe: terms of reference for a
european distance education structure, 2ª ed., Lisboa.

UNESCO
1980 O Educador e a abordagem sistémica, Lisboa, Estampa.

VASTO, Lanza del


1971 Technique de la non violence, Paris, Denoël/Gonthier.

VVAA
1958 Colóquios sobre metodologia das Ciências Sociais, Lisboa, Jun-
ta de Investigaçções do Ultramar. ”ESTUDOS POLÍTICOS E
SOCIAIS”.
1960 Colóquios sobre problemas de povoamento, Lisboa Junta de
Investigações do Ultramar.CEPS.
1961 Colóquios sobre problemas humanos nas regiões tropicais
Lisboa Junta de Investigações do Ultramar.CEPS.
1963 Bibliografia sobre desenvolvimento comunitário, “Estudos Po-
líticos e Sociais”, Vol I, nº 4.
1965 Desenvolvimento comunitário, Lisboa, Ministério da Saúde e
Assistência.
1970 Programa para uma política humanista, Lisboa, Moraes.

304
© Universidade Aberta
1970 Fenómeno urbano e desenvolvimento social na região de Lis-
boa, (“Informação Social” nº 19, Julho-Setembro), pp 37-56.
1982 Educação e Desenvolvimento, “Análise Psicológica”, Lisboa,
ISPA, (4), série II Abril/Maio/Junho.
1984 La Securité Sociale à L’Horizon 2000, Genéve, OIT.
1987 Actas do IX Congresso Iberoamericano de Segurança Soci-
al, Lisboa, DGORH.
1992 II seminário sobre A pobreza - mudança/desenvolvimento:
Documentação, Lisboa, Comissariado Regional do Sul de Luta
Contra a Pobreza.
1994 Pobreza é com todos: mudanças possíveis, Lisboa, Comissão
das Comunidades Europeias.
1995 Metodologia de acção social. Análises sócio-históricas do ser-
viço social, Lisboa, Centro Português de Investigação em Histó-
ria e Trabalho Social.

WINITZKLY, Nancy
1995 Salas de aula multiculturais e de ensino integrado, in Arends,
Richard I., 1995, Aprender a ensinar, Lisboa, McGraw-Hill,
pp. 141-183.

XUNTA DE GALICIA
1990 O consumo de drogas en Galicia - Plan autonómico sobre
drogodependencias, Santiago de Compostela, Equipo de
Investigacións Sociolóxicas (EDIS).

YUNUS, Mohammad
2002 O Banqueiro dos Pobres, Oeiras, Difel.

305
© Universidade Aberta
Composto e paginado
na UNIVERSIDADE ABERTA

2.a edição

Lisboa, 2007

© Universidade Aberta
184 ISBN: 978-972-674-587-7

Você também pode gostar