Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Federal de Pernambuco
CARUARU
2017
JULY RIANNA DE MELO
CARUARU
2017
Catalogação na fonte:
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profº. Dr. Alexsandro da Silva (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
____________________________________________
Profº. Dr. Fábio Marques de Souza (Coorientador)
Universidade Estadual da Paraíba
____________________________________________
Profº. Dr. Artur Gomes de Morais (Examinador interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_____________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria de Oliveira Galvão (Examinadora externa)
Universidade Federal de Minas Gerais
Dedico esta obra, especialmente,
aos meus avós: Antônio Beco da Silva (Asa Branca) e
Julia Maria, in memorian
AGRADECIMENTOS
1
O trabalho de Newton foi precedido por importantes avanços realizados por Johannes Kepler. Galileu
adaptou uma luneta, inventada por Hans Lippershey, e utilizou os resultados de suas observações para ratificar
a teoria heliocêntrica de Copérnico, que, por sua vez, foi proposta na Grécia antiga por Aristarco de Samos.
Darwin definiu o conceito de seleção natural influenciado pela teoria demográfica do economista Thomas
Malthus, ao mesmo tempo em que Wallace chegava a conclusões semelhantes. Einstein desenvolveu a teoria
da relatividade baseado nos trabalhos de Lorentz e Minkowski.
2
O Nome da Rosa. Direção: Jean-Jacques Annaud. Produção: Bernd Eichinger. Coprodução: Franco Cristaldi.
Intérpretes: Sean Connery, Christian Slater, Valentina Vargas, Elya Baskin, Michael Lonsdale, Leopoldo
Trieste, William Hickey e Ron Perlman. Roteiro: Howard Franklin e Jean-Jacques Annaud. [S.I.]: Warner
Home Video, 1986. DVD (131 min), NTSC, color., Widescreen, Dolby Digital 5.1, linguagem original: inglês.
Adaptado do livro “O Nome da Rosa”, do autor Umberto Eco.
Ao meu querido Cícero Jailton, pelo amor e companheirismo em todos os momentos
da vida. Obrigada por ter compreendido as minhas ausências em várias ocasiões, devido à
produção desta investigação;
Ao Prof. Dr. Artur Gomes de Morais e à Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Galvão,
pelas importantes e necessárias contribuições na banca de qualificação e defesa;
Aos cordelistas - J. Borges, Val Tabosa, Zé Guri, Jailton Pereira, Diosman Avelino e
Paulo Pereira - que se dispuseram, gentilmente, a participar desta pesquisa. Agradeço pelo
acolhimento e pela riqueza dos seus depoimentos, sem os quais este trabalho não teria sido
possível;
A Olegário Fernandes, Nogueira Netto, Nelson Lima e Jénerson Alves, com quem
muito aprendi sobre cordel;
Ao meu coorientador, Dr. Fábio Marques de Souza, pela leitura com afinco de todo o
texto;
Aos meus queridos amigos Rafaela Salles e Pedro Brandão, interlocutores de todas
as horas;
Aos colegas do mestrado (2015.1), que, junto comigo, aprenderam as alegrias e os
percalços de serem mestres;
Aos meus professores, sem exceção, que participaram e colaboraram com o meu
processo formativo, desde o período do Curso de Normal Médio até o Mestrado;
À Fundação de Amparo à Pesquisa (FACEPE), pela concessão da bolsa de mestrado
e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa;
A todos aqueles que, nomeados ou não, se fizeram presentes e cooperaram para a
realização deste trabalho.
RESUMO
This study aimed to analyze the metatextual consciousness of poets about the discursive
genre cordel. That it is considering the sociodiscursive, thematic, compositional and
paratextual dimensions of this genre. Six cordelistas, ranging in age from 81 to 34,
participated in this study, of whom one had only attended a few years of elementary school I
and others had finished high school. For this, we used, as a methodological resource, the
semi-structured interview and two tasks of transgression of gender (production and
identification). In the case of the sociodiscursive aspects, there appeared to be get a
relationship between the verbalizations of communicative purposes of the cordel and the
writing time of the genre. We also note that, for some poets, the string should be disposed
only in its prototypical support (in this case, the leaflet), not recognizing other physical and /
or virtual loci of circulation. On the compositional aspects, there were two tendencies
regarding the knowledge about the rhyme: the verbal explication of the reasons for the string
rhyme and the absence of this explanation, despite the recognition of rhyme as a mandatory
element in the structure of this genre. Regarding the metric, we found that some less
educated poets exclusively used the "singing" feature to verify if the verses were in fact
metrified and had difficulty in the verbalizations of the counting of the poetic syllables of
the verses. Some cordelistas even affirmed that the criterion of the number of syllables in the
metrification could be relaxed, because it is in oral performance that this aspect fits. In the
activity of producing transgressions, we verified that there was no correspondence between
the amount of errors committed and the degree of sophistication of the transgressions made.
In addition, it seemed to be more difficult for some respondents to transgress only the
rhyming rule, keeping the others (metrics and prayer) preserved. As for the metric, the more
educated interviewees were able to verbalize the rules of metrification and poetic accidents
because, apparently, they did not learn these principles exclusively through practice and
contact with other leaflets, as seemed to be the case with poets with less schooling. We call
attention to the fact that the participants did better in the production activity than in
identifying the transgressions of prayer. Just one writing cordel was able to indicate in the
verses the errors of coherence. It is important to elucidate that due to having to look at
different aspects simultaneously certain errors may have gone unnoticed. Regarding the
identification of metric transgressions, we were not able to establish an equivalence with the
production activity, since the deponents that produced less errors were those that did better
in the task of identifying errors. The results of this study suggested that the production
opportunities of the genre seemed to influence the metatextual consciousness of the poets.
However, poetic knowledge derived from explicit learning seemed to promote more
elaborate levels of control and explicitness than those embodied, preferably, through
practice.
Quadro 1 – Temática das teses e dissertações sobre cordel produzidas na UFPE, no período
de 2010 a 2016........................................................................................................................55
Quadro 2 – Modelo de Redescrição Representacional de Karmiloff-Smith ........................60
Quadro 3 – Distribuição das teses e dissertações localizadas no Banco de Teses da CAPES
por Instituição de fomento ......................................................................................................79
Quadro 4 – Habilidades Metalinguísticas estudadas nas teses defendidas entre 2011 a junho
de 2016 localizadas no Banco de Teses da CAPES por Instituição de fomento ....................80
Quadro 5 – Habilidades Metalinguísticas estudadas nas dissertações defendidas entre 2011
a junho de 2016 localizadas no Banco de Teses da CAPES ..................................................82
Quadro 6 – Habilidades metalinguísticas estudadas em artigos publicados entre 2011 e
junho de 2016 .........................................................................................................................86
Quadro 7 – Frequência das publicações sobre consciência metalinguística, por periódico,
no período entre 2011 e junho de 2016 ..................................................................................86
Quadro 8 – Perfil dos poetas entrevistados ..........................................................................91
Quadro 9 – Extratos dos cordéis usados na tarefa de produção de transgressões ................96
Quadro 10 – Estrofes de cordel usadas na tarefa de identificação de erros .........................98
Quadro 11 – Materiais impressos que os poetas costumavam ler (ou tinham acesso) no dia
a dia ......................................................................................................................................111
Quadro 12 – Materiais de leitura que os poetas declararam ter em casa ...........................114
Quadro 13 – Como os poetas obtinham informações no dia a dia .....................................116
Quadro 14 – O que os poetas costumam escrever no dia a dia ..........................................117
Quadro 15 – Tempo de atuação como produtor de cordéis................................................124
Quadro 16 – Propósitos comunicativos atribuídos ao cordel pelos poetas ........................134
Quadro 17 – Público leitor dos cordéis declarados pelos poetas .......................................141
Quadro 18 – Leitores/ouvintes dos cordéis produzidos pelos poetas ................................144
Quadro 19 – Indicações de autoria nos folhetos produzidos pelos poetas .........................147
Quadro 20 – O suporte do gênero cordel segundo os cordelistas ......................................150
Quadro 21 – Caráter narrativo ou não dos cordéis .............................................................157
Quadro 22 – Justificativas atribuídas pelos poetas para a necessidade de rima nos cordéis
..............................................................................................................................................162
Quadro 23 – A metrificação dos cordéis segundo os poetas ..............................................171
Quadro 24 – Finalidades dos títulos dos cordéis atribuídas pelos poetas ..........................182
Quadro 25 – Justificativas para o uso de imagens nos cordéis segundo os poetas ............187
Quadro 26 – Tipos de erros de rima cometidos pelos poetas .............................................195
Quadro 27 – Produção de erros de métrica ........................................................................204
Quadro 28 – Produção de erros de oração pelos poetas ....................................................210
Quadro 29 – Transgressões identificadas pelos poetas nas estrofes da quadra ..................216
Quadro 30 – Transgressões identificadas pelos poetas nas estrofes da sextilha ...............219
Quadro 31 – Transgressões identificadas pelos poetas nas estrofes da septilha ................222
Quadro 32 – Transgressões identificadas pelos poetas nas estrofes da décima .................224
LISTA DE TABELAS
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 19
1.1 Percurso trilhado: organização da dissertação ................................................... 26
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................ 28
2.1 Cordel: gênero discursivo, literatura e cultura ................................................... 28
2.1.1 Gêneros discursivos: entre a estabilidade e mudança ........................................... 28
2.1.2 O “entre-lugar” da literatura de cordel ................................................................. 33
2.1.3 O termo “popular” sob a égide da cultura ............................................................. 42
2.1.4 Estado do conhecimento: o que dizem recentes pesquisas sobre cordel? ............. 49
2.1.4.1 Cordel: levantamento de dissertações e teses, no Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia, no período de 2010 a 2016.......................... 50
2.1.4.2 Cordel: o que revelam as dissertações e teses da UFPE, de 2010 a 2016 ................ 53
2.2 Consciência metatextual: reflexão sobre diferentes dimensões do
texto/gênero ............................................................................................................ 57
2.2.1 “Consciência”: uma introdução ao tema ............................................................... 58
2.2.2 Consciência metalinguística ................................................................................... 61
2.2.3 Dimensões da consciência metalinguística ............................................................ 64
2.2.4 Classificação das pesquisas sobre a consciência metatextual ............................... 68
2.2.4.1 Pesquisas que tratam dos aspectos microlinguísticos do texto ................................ 68
2.2.4.2 Pesquisas sobre os aspectos macrolinguísticos do texto .......................................... 70
2.2.4.2.1 A consciência metatextual em relação ao conteúdo ................................................ 70
2.2.4.2.2 A consciência metatextual em relação à estrutura do texto .................................... 71
2.2.5 Consciência metalinguística: considerações sobre as produções acadêmicas
brasileiras (teses, dissertações e artigos) entre 2010 a junho de 2016 .................. 76
2.2.5.1 Resultado e Discussão .............................................................................................. 76
3 OS CAMINHOS PERCORRIDOS: ITINERÁRIO PARA A
CONSTRUÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA.................................................. 90
3.1 Critérios de seleção e perfis dos participantes da pesquisa ................................ 90
3.2 Procedimentos de produção de dados .................................................................. 93
3.2.1 Entrevistas semiestruturadas .................................................................................. 93
3.2.2 Entrevista semiestruturada metalinguística ........................................................... 94
3.3 Tarefas de transgressão ......................................................................................... 95
3.3.1 Produção de transgressões em cordéis ................................................................... 96
3.3.2 Identificação de transgressões em cordéis ............................................................. 97
3.4 Procedimentos de análise dos dados ................................................................... 100
3.4.1 A pré-análise ......................................................................................................... 100
3.4.2 A exploração do material ...................................................................................... 100
3.4.3 O tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação .............................. 101
4 CONTEXTUALIZANDO OS PARTICIPANTES: TRAJETÓRIAS DE
ESCOLARIZAÇÃO, LETRAMENTO E CORDELÍSTICA DOS POETAS
ENTREVISTADOS ............................................................................................. 102
4.1 De quem falamos quando falamos ...................................................................... 102
4.1.1 De onde falavam os cordelistas ............................................................................ 103
4.2 Memórias sobre as experiências escolares: o que os poetas tinham a
dizer? ..................................................................................................................... 104
4.3 Práticas de letramento dos poetas a partir de diferentes gêneros
discursivos ............................................................................................................. 111
4.4 Os primeiros passos para tornarem-se cordelistas: memórias sobre o fazer
poético ................................................................................................................... 118
4.4.1 O início da produção de cordéis ........................................................................... 124
4.5 As concepções dos poetas sobre a produção de cordéis .................................... 128
4.5.1 As concepções dos poetas acerca da origem da sua habilidade poética e da
produção ................................................................................................................ 128
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS: OS CONHECIMENTOS DOS POETAS
SOBRE O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL ............................................... 132
5.1 Os conhecimentos verbalizados dos poetas sobre os aspectos
sociodiscursivos do gênero cordel ....................................................................... 132
5.1.1 Os propósitos comunicativos ................................................................................ 134
5.1.2 Os leitores/ouvintes ............................................................................................... 140
5.1.3 Indicações de autoria do cordel nos folhetos ....................................................... 146
5.1.4 O suporte de circulação dos cordéis ..................................................................... 150
5.1.5 Conteúdo temático................................................................................................. 154
5.2 Os conhecimentos verbalizados pelos poetas sobre os aspectos
composicionais do gênero cordel ........................................................................ 159
5.2.1 As rimas ................................................................................................................. 160
5.2.2 A métrica ............................................................................................................... 170
5.2.3 As modalidades de criação poética ....................................................................... 176
5.2.4 Oração ................................................................................................................... 177
5.3 Elementos paratextuais ....................................................................................... 182
5.3.1 Os títulos nos cordéis ............................................................................................ 182
5.3.2 As imagens nos folhetos ........................................................................................ 186
6 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES E IDENTIFICAÇÕES DE
TRANSGRESSÕES DE ASPECTOS COMPOSICIONAIS (RIMA,
MÉTRICA E ORAÇÃO) DA LITERATURA DE CORDEL ......................... 194
6.1 Análise das produções de transgressões de rima, métrica e oração ................ 195
6.1.1 Análise das produções de transgressões de rima .............................................. 195
6.1.2 Análise das produções de transgressões de métrica .......................................... 204
6.1.3 Análise das produções de transgressões de oração ........................................... 210
6.2 Análise da atividade de identificação de transgressões .................................... 215
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 228
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 233
APÊNDICE A - Roteiro da entrevista para seleção dos participantes da
pesquisa ................................................................................................................. 249
APÊNDICE B - Termo de consentimento da participação da pessoa como
voluntária .............................................................................................................. 250
APÊNDICE C - Roteiro da entrevista semiestruturada 1 ............................... 253
APÊNDICE D - Roteiro de entrevista semiestruturada 2 ................................ 254
19
1 INTRODUÇÃO
3
Bourdieu (2011), em debate com Roger Chartier acerca das práticas de leitura, fez esta afirmação a respeito
do livro, o que nos inspirou a realizar esta proposição.
20
4
Bairro localizado no município de Caruaru-PE, que se tornou um importante polo de produção de arte,
principalmente, produzido em barro.
5
O Clube de Leitura Caruaru é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em outubro de 2012, e que tem
como propósito reunir pessoas, geralmente a cada bimestre, para compartilhar opiniões e emoções
proporcionadas pela leitura.
21
formei e ainda tenho me formado. Desse modo, a escolha do objeto de estudo desta
dissertação surgiu, sobretudo, a partir de duas motivações: o interesse acadêmico por um
tema de pesquisa ainda incipiente no Brasil - e, por isso mesmo, repleto de possibilidades e
reflexões - e pela minha trajetória pessoal com o cordel, que inclui as experiências que tive
como escriba e leitora dos poemas produzidos, oralmente, pelo meu pai e, também, por meu
avô, ambos poetas “analfabetos”6, que não sabiam ler e escrever convencionalmente, mas
que demonstravam outras formas possíveis de interagir com o escrito.
As práticas de produção e leitura de cordéis, ainda hoje, têm sido bastante comuns, já
que pessoas com diferentes níveis de domínio da leitura e escrita apropriam-se de diferentes
maneiras dessa literatura (ABREU, 2004). De acordo com Galvão (2006), a escolarização
restrita, pelo menos na época do apogeu da literatura de cordel, não impedia que as pessoas
“analfabetas” tivessem acesso, lessem ou ouvissem os folhetos. Isso indica que as relações
entre os indivíduos das camadas populares e o universo da escrita nunca estiveram
vinculadas estritamente à escola, pois, apesar de ela ter um papel fundamental nas
diferenciações quanto à participação dos sujeitos na cultura escrita, outras esferas de
socialização também operam como agências de letramento. O estudo das práticas
educativas, portanto, não pode ser restringido aos estudos das práticas de escolarização, já
que os modos de participação na cultura do escrito nunca estiveram única e exclusivamente
associados à escola e ao nível de escolarização (GALVÃO, 2000).
Segundo Abreu (1997), as trajetórias dos cordelistas eram bastante semelhantes,
sobretudo até a década de 1960: muitos deles nasceram no campo e eram filhos de pequenos
proprietários ou de trabalhadores assalariados; apresentavam pouca ou nenhuma
escolarização, embora vários fossem autodidatas ou tivessem aprendido a ler com familiares
e conhecidos; o aprendizado formal, em escolas, era pouco frequente e a escolarização não
era um requisito fundamental para o sucesso na carreira como cordelista, ainda que fosse
necessário o contato com alguns dos conteúdos da tradição letrada.
Contudo, Resende (2010), ao entrevistar poetas e editores entre 2002 e 2004, afirma
que houve um distanciamento desses poetas no que se refere à pouca escolarização que os
caracterizava no período tradicional. Essas mudanças, consoante a autora, não podem, de
modo algum, estarem dissociadas da enorme expansão da escolarização e do acesso à
6
Estamos utilizando esse termo, mas reconhecemos que ele apresenta algumas imprecisões conceituais, como
esclarece Soares (2014). No artigo de Ferraro (2002) sobre o analfabetismo e níveis de letramento no Brasil, o
autor chama atenção para as concepções (excludentes) que estiveram, ao longo da história, atreladas ao termo
analfabeto, que, no sentido epistemológico, significa a (n)alfabeto, aquele que é privado do alfabeto, ou seja,
que não sabe ler e escrever.
22
universidade, que, por sua vez, configuraram o final do século XX. Não é difícil, portanto,
perceber que o perfil dos cordelistas e dos leitores já não são mais os mesmos de décadas
passadas (OLIVEIRA, 1999; AMORIM, et al. 2010; QUINTELA, 2013).
É necessário considerar, igualmente, que, apesar das transformações operadas nas
práticas discursivas e sociais vinculadas ao cordel, algumas normas composicionais do
gênero (como as regras de rima, métrica e oração) têm sido menos flexíveis às mudanças. Os
cordelistas, ao que tudo indica, têm estado atentos a estes aspectos, considerando que eles
precisam mobilizar, durante o processo de escrita, conhecimentos de naturezas diversas e
tomar decisões tanto a nível macro (que envolvem aspectos como o conteúdo e a estrutura
do texto), quanto a nível micro (tais como os marcadores de coesão textual). No entanto,
conforme Cardoso (2001), embora os sujeitos, ao produzirem textos, mobilizem vários tipos
de conhecimento, a sua atenção está voltada, mais diretamente, para a atividade em si e não
para a reflexão sobre os processos cognitivos, sociais e linguísticos envolvidos. Nesta
dissertação, nosso interesse incide, principalmente, sobre conhecimentos de poetas sobre o
gênero cordel, o que a literatura especializada tem denominado de “consciência
metatextual”, uma dimensão da consciência metalinguística.
Ao longo desses últimos três decênios, pesquisadores vêm se voltando para o estudo
da consciência metalinguística, que consiste na reflexão consciente sobre diferentes
unidades da linguagem, incluindo o texto. No levantamento realizado por Maluf, Zanella e
Pagnez (2006) acerca das produções acadêmicas brasileiras (englobando dissertações, teses
e artigos) sobre o desenvolvimento metalinguístico e a linguagem escrita, no período de
1987 a 2004, verificou-se um aumento gradual no número de pesquisas sobre o tema. Tais
autoras consultaram, para esse levantamento, as seguintes bases de dados: Portal da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Portal da
Biblioteca Virtual de Psicologia: Banco de Dados LILACS (Literatura Latino-Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde); SciELO (Scientific Electronic Library Online) e PEPsic
(Periódicos Eletrônicos em Psicologia).
Nesse estudo, foram encontrados 157 trabalhos, sendo 89 dissertações, 24 teses de
doutorado e 44 artigos. Uma primeira constatação feita pelas autoras foi a de que a
consciência fonológica era a habilidade metalinguística mais investigada, estando presentes
em 113 das teses/dissertações e 34 dos artigos. Se houve uma ênfase nos estudos sobre
consciência fonológica, em contrapartida, o percentual de pesquisas envolvendo a
consciência metatextual foi bastante limitado (4 teses e dissertações e 1 artigo). Além disso,
23
uma grande parte das pesquisas tinha como participantes crianças, sendo escassos, até aquele
momento, trabalhos envolvendo adultos.
Moura e Paula (2013) buscaram também fazer um balanço acerca das habilidades
metalinguísticas e a aquisição da linguagem escrita nas teses e dissertações7, no período de
2005 a 2010, ampliando o levantamento realizado por Maluf, Zanella e Pagnez (2006). As
autoras constataram que a produção anual quase que dobrou neste período, somando 187
estudos. Porém, esse aumento não foi acompanhado, igualmente, pela diversificação no tipo
de delineamento, faixa etária dos participantes e habilidades metalinguísticas
investigadas. Das 187 pesquisas encontradas, 47 eram teses de doutorado e 140
dissertações, sendo a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a segunda instituição
com o maior número de trabalhos (18). Assim como no levantamento feito por Maluf,
Zanella e Pagnez (2006), no estudo conduzido por Moura e Paula (2013) observou-se que,
dentre as habilidades e conhecimentos metalinguísticos, a dimensão fonológica foi a mais
estudada. Apenas 4 pesquisas tratavam da consciência metatextual e, a maioria delas, tinham
como participantes as crianças, sendo ainda poucos os trabalhos com adultos.
Não é à toa que estudiosos(as), como Mota (2009) e Cunha e Santos (2014), tenham
discutido sobre a escassez de pesquisas sobre a consciência metatextual. Dos anos de 1987 a
2010, manteve-se praticamente inalterado o número de estudos sobre esse tema. Escassez
essa que parece se intensificar quando procuramos estudos envolvendo poetas. Tomando por
base o levantamento de Maluf, Zanella e Pagnez (2006), bem como o estudo realizado por
Moura e Paula (2013), mapeamos as produções acadêmicas sobre as habilidades
metalinguísticas entre o período de 2011 a junho de 2016.
Reunimos os trabalhos presentes no Banco de Dissertações e Teses da CAPES e
artigos e periódicos disponíveis no Portal da Biblioteca Virtual de Psicologia (acessado em
julho de 2016) com acesso direto aos sites SCIELO e PEPsic. A partir das análises,
encontramos o total de 229 trabalhos, sendo 139 teses e dissertações e 90 artigos e
periódicos. Em comparação às pesquisas supracitadas, verificamos que, em nível de
mestrado e doutorado, a consciência fonológica continuava sendo a habilidade
metalinguística mais estudada. Houve, no entanto, um aumento no número de trabalhos
envolvendo a consciência metatextual, totalizando oito (8) teses e dissertações, e, a partir de
2011, existiu um crescente interesse em pesquisar a consciência morfológica. Do ponto de
7
As respectivas autoras consultaram apenas o Banco de Teses e dissertações da CAPES.
24
8
Uma das denominações atribuídas àqueles que produzem cordéis.
25
Já dizia o poeta espanhol Antônio Machado (2010) que, para o caminhante, não há
caminho, o caminho se faz ao caminhar. Neste sentido, podemos afirmar que, em nosso
itinerário investigativo, ao andarmos pelas veredas do desconhecido nos transformamos
durante o processo. No decorrer dessa caminhada, também, usamos como referência os
rastros deixados por outros, que nos serviram de apoio e nos ajudaram a seguir novos rumos,
a escolher outras trilhas. Na aventura do caminhar nos refizemos enquanto andarilhos e, por
isso, nas próximas andanças, já não seremos mais os mesmos. Assim, deixamos aos futuros
desbravadores as coordenadas do percurso trilhado, os caminhos (e possíveis descaminhos)
pelos quais enveredou esta pesquisa.
O nosso trajeto, nesta pesquisa, está, portanto, registrado em sete capítulos. O
primeiro deles está dedicado a esta introdução. No segundo capítulo, apoiamo-nos em
diferentes estudos para melhor refletir a respeito da temática dessa investigação. Logo,
propomo-nos dialogar com teóricos de várias áreas e cotejar os seus diferentes pontos de
vista, com o propósito de construir uma base analítica mais ampla. Por tais razões, foi
necessário, em nível de esclarecimento, refletirmos sobre a concepção de gênero discursivo.
Posteriormente, realizamos um breve histórico sobre o cordel (atentando para os aspectos do
gênero), para, a posteriori, enveredarmos pelo terreno ainda movediço do conceito de
cultura “popular”. Ademais, recorremos, em particular, a várias teorizações sobre a
consciência metatextual, sem, no entanto, ter a pretensão de considerá-las únicas e
27
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
É sabido que, de acordo com a perspectiva teórica que se adote, um mesmo objeto
pode ser tratado de maneiras diversas. O conceito de gênero, por sua vez, não foge à regra.
Com efeito, diante da profusão de perspectivas epistemológicas, reiteramos que, nesta
dissertação, tomamos como substrato teórico a concepção sócio-histórica e dialógica de
Bakhtin (2011), considerando que este autor, nos termos de Marcuschi (2008), representa
uma espécie de “bom senso teórico” com relação à visão de linguagem. Por essa razão,
utilizamos, também, algumas das ferramentas conceituais elaboradas por aquele autor, em
especial, os conceitos de gênero discursivo e de suas dimensões (conteúdo temático,
construção composicional e estilo verbal); enunciados verbais e escritos; dialogismo e
compreensão responsiva ativa9.
Postas essas reflexões iniciais, partimos do entendimento de que, tal como nos
apresenta Bakhtin (2011), a língua é dialógica e não fruto de um ato monológico isolado
(subjetivismo idealista) ou um sistema abstrato de signos (objetivismo abstrato) como
pensavam alguns estudiosos. Na visão desse autor, a língua se configura no interior das
práticas sociais como um fenômeno da interação verbal, contrariando a ideia de Saussure
(1977, p.22) de que “a língua não constitui, pois, uma função do falante: é produto que o
indivíduo registra passivamente; não supõe jamais premeditação, e a reflexão nela intervém
somente para atividade de classificação [...]”.
Por defender a dialogicidade da língua, Bakhtin argumenta que não existe um
receptor passivo da mensagem proferida pelo falante, posto que, frente ao enunciado, o leitor
9
Ressaltamos que, apesar de apoiarmo-nos nos construtos bakhtinianos, não pretendemos realizar neste
trabalho uma análise dialógica do discurso.
29
ou ouvinte adota uma atitude responsiva ativa. Dito de outro modo, “o falante termina o seu
enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente
responsiva” (BAKHTIN, p.275). Nesse sentido, o leitor/ouvinte torna-se, agora, o locutor,
isto é, formula uma contra palavra diante da palavra do outro.
Todo enunciado proferido é determinado, como sugere Bakhtin, por três elementos
(ou fatores) que estão intimamente ligados, a saber: a relação entre o autor (a partir do seu
projeto discursivo) com os interlocutores; a alternância dos sujeitos falantes; e o acabamento
específico do enunciado, que corresponde à “possibilidade de responder – mais exatamente,
de adotar uma atitude responsiva para com ele (por exemplo, executar uma ordem). […] É
necessário o acabamento para tornar possível uma reação ao enunciado” (BAKHTIN, p.
299).
Destacamos, ainda, que os sentidos, por sua vez, não estão dados a priori. Na
verdade, eles são construídos na interação verbal, resultante, dentre outros fatores, das
condições de produção: quem diz, para quem diz, em que situação tece este dizer e para
atingir determinados propósitos. Dessa maneira, a relação entre o locutor e os destinatários
não está orientada apenas pelo conteúdo do dizer, mas, sobretudo, por sua finalidade
discursiva.
As práticas de linguagem materializam-se por meio de um determinado gênero do
discurso. Então, para que a comunicação entre os falantes ocorra, cada sociedade carrega
consigo um legado de gêneros. Caso assim não fosse, atesta o próprio Bakhtin (2011), a
comunicação seria praticamente impossível. Nessa direção, ele esclarece:
Por isso mesmo, Marcuschi (2008) explica que é muito difícil fazer uma
classificação de gêneros ou contá-los em sua totalidade, uma vez que são eles dinâmicos e
variáveis. De qualquer forma, vale lembrar o que aponta Antunes (2002): cada época e lugar
são marcados pela predominância de certos gêneros, os quais podem permanecer, transmutar
ou desaparecer.
Ainda na esteira dos estudos de Bakhtin (2011), os gêneros discursivos colocam em
funcionamento duas forças (des)reguladoras opostas, porém inter-relacionadas: uma que
responde por sua estabilidade e padronização (forças centrípetas) e outra por sua
desestabilização, tornando-os heterogêneos (forças centrífugas). Daí que “o gênero une
estabilidade e instabilidade, permanência e mudança. De um lado, reconhecem-se
propriedades comuns em conjuntos de textos; de outro, essas propriedades alteram-se
continuamente” (FIORIN, 2006, p.69).
Diríamos que eles servem como horizontes de expectativas para os leitores e
modelos de escrita para os seus produtores (TODOROV, 1980). Dito isto, entendemos que
cada esfera de atividade humana formula seus tipos relativamente estáveis de enunciados
constituídos por convenções e expectativas reconhecíveis e compartilhadas pelos seus
usuários (BAKHTIN, 2011), o que denominamos de gênero do discurso. Essa estabilidade
31
(a) Tipo textual designa uma espécie de construção teórica {em geral
uma sequência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de
sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências
linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a
rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de
meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação,
exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar
tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar. Quando predomina
um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto
argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo.
(b) Gênero textual refere os textos materializados em situações
comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões
sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais,
objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de
33
era que as relações entre o cordel brasileiro e a literatura de cordel portuguesa são mínimas,
enquanto as diferenças são inúmeras. Dentre elas, a autora destaca que, em Portugal, os
poetas eram, predominantemente, adaptadores de textos clássicos na forma de poesia, as
narrativas eram, via regra, escritas em prosa e os cordéis portugueses tendiam a ser prolixos.
No Brasil, por sua vez, os poetas, em sua maioria, tiravam seu sustento da venda de versos
de própria autoria ou realizavam modificações decisivas nos textos que transpunham da
prosa para o verso10. Ainda conforme a autora, essa associação parece ter sido provável em
razão de que
Diante dessa assertiva, o que parece sensato afirmar é que houve certa influência do
cordel português na formação da literatura de cordel brasileira (GALVÃO, 2000), embora
não seja suficiente para dizer que aquele serviu como fonte para o desenvolvimento dos
folhetos no Brasil. Desde 1950 pode-se evidenciar, no país, um movimento de mão dupla no
que concerne às produções científicas sobre o cordel: por um lado, a ênfase na ideia de
vínculo genealógico entre a literatura de folhetos e a literatura de cordel portuguesa e, por
outro, a valorização de uma literatura de cordel genuinamente nacional (QUINTELA, 2005).
Em termos gerais, o fato é que esta questão da origem da literatura de cordel encontra-se
longe de um consenso (GALVÃO, 2006; PINTO, 2009). Por isso, situaremos a discussão
em outro plano: no desenvolvimento deste gênero literário no Brasil.
Segundo Terra (1983), é no século XIX, mais especificamente nos idos de 1893, que
Leandro Gomes de Barros deu início à publicação dos folhetos no Nordeste. Para a autora,
10
No livro “Histórias de cordéis e folhetos”, Abreu (2006) aponta outras distinções entre a literatura de cordel
brasileira e o cordel português.
35
11
Abreu (2006) atribui a Athayde a responsabilidade de reformular as estruturas dos folhetos. Antes dele era
prática comum publicar uma história em mais de um cordel, de forma que cada parte da narrativa era contada
em folhetos diferentes. Era também muito usual a publicação numa brochura de 16 páginas, sendo que se a
história não fosse suficiente para abranger todo o espaço, eram inseridos sonetos, canções e poemas do autor,
mesmo que não estivessem, necessariamente, no padrão do cordel.
36
Um dos pioneiros na inserção de imagens nos folhetos foi Leandro Gomes de Barros,
que contratava desenhistas de cartazes de filmes de cinema do Recife (FARIAS FILHO,
2016). Outros poetas, seguidamente, começaram, também, a pagar ilustradores para compor
os desenhos que seriam colocados nas capas de seus folhetos, mas, segundo Farias Filho
(2016), as imagens utilizadas não eram todas inéditas, pois, com a modernização das
tipografias e o aumento da popularidade dos cinemas, os poetas apropriaram-se de imagens
de outras mídias, principalmente de jornais e cartazes de filmes. Para ilustrar isso, Loureiro
(2010, p. 266) utiliza o exemplo “da foto de Marlon Brando, vestindo a túnica romana no
filme de Júlio César, que no cordel é usado na capa do folheto O filho de Ali-Babá”, como
revela a Figura 2.
Figura 2 – Capa do Folheto O filho de Ali-Ba-Bá
Logo que começaram a serem impressos folhetos com imagens nas capas, as
tipografias utilizavam para esta tarefa clichês de zinco na qual se gravava uma imagem ou
um texto para impressão em prensas tipográficas. No entanto, os clichês se desgastavam
muito e eram pouco econômicos. A utilização da xilografia, em substituição aos clichês de
zinco, foi atribuída, por Farias Filho (2016), a João Martins de Athayde. A associação entre
a literatura de cordel e a xilogravura foi, dessa maneira, uma construção realizada,
ulteriormente, pelos intelectuais que viam na gravura de madeira uma forma de expressão do
37
12
No cordel, também, vigoram diferentes estilos: as pelejas ou desafios, por exemplo, são marcadas pela
disputa entre poetas, em que um tenta depreciar o outro e alteram-se na criação dos versos. Nos ABCs, o
cordelista inicia cada estrofe com uma letra do alfabeto, indo da letra A até a Z.
38
por exemplo, não deixaram de existir, mas, na atualidade, muitos outros foram sendo
incorporados pelos cordelistas, a exemplo das lutas femininas para a inserção no mercado de
trabalho e de busca pela preservação do meio ambiente (AMORIM, 2009). Recorremos,
novamente, a Amorim e outros (2010), por afirmarem que,
13
Na contagem de sílabas poéticas, que diferem das sílabas gramaticais, são desconsideradas as sílabas
posteriores à última tônica, caso o número de sílabas seja superior a sete. Exemplo: O/ cor/ del/ tem/
e/xi/gê/cias. A quantidade de sílabas poéticas são oito, mas a sílaba tônica (gê) é a sétima.
39
o quarto e o sexto verso, enquanto nenhum dos outros versos deve rimar. Vejamos, como
exemplo, uma estrofe de Jénerson Alves, cordelista caruaruense:
Vale ressaltar que a quadra foi a modalidade que deu início à literatura de cordel,
mas hoje não é, usualmente, empregada pelos cordelistas. Sautchuk (2009) atesta que muitas
modalidades de estrofes utilizadas na cantoria passaram a ser empregadas no cordel. Não
obstante, é preciso considerar, também, o movimento inverso, ou seja, a contribuição do
cordel para o repente nordestino (QUINTELA, 2005; SANTOS, 2009).
Quanto às rimas do cordel, elas devem ser preferivelmente consoantes, ou seja,
devem apresentar uma correspondência entre os fonemas desde a vogal tônica até o final da
última palavra do verso. Podemos dizer, assim, que Juazeiro rima com pedreiro e café com
Assaré, mas não com mulher. As rimas assonantes ou toantes, por sua vez, apresentam
coincidem apenas entre as vogais das sílabas tônicas, como em chapéu e menestrel. Esse
tipo de rima considerada, por diversos cordelistas como imperfeita, era muito comum até a
década de 1960, quando os poetas passaram a determinar que as rimas fossem consoantes,
provavelmente em função do aumento da escolarização e da necessidade de adequação aos
padrões de publicação e a um público mais exigente.
A métrica concerne ao ritmo marcado pela quantidade de sílabas poéticas. Ademais,
para alguns, embora não seja unânime, a métrica trata ainda da distribuição dos acentos
prosódicos (também nomeados de censura ou sisura) no interior dos versos. Por exemplo, na
sextilha, a 2a e a 7a sílabas do verso devem ser tônicas.
A oração é, como dissemos anteriormente, outro princípio que rege o cordel e
corresponde à unidade temática e articulação das ideias, tanto do ponto de vista lógico
41
14
GALVÃO, Ibid.,p.35.
42
“declínio” das tipografias de cordel, no Nordeste, esteve mais relacionado ao aumento dos
custos da produção, à inflação e à crise econômica.
Tendo em vista os aspectos apontados, Amorim (2006) expõe que, no decorrer dos
últimos 50 anos, face os prenúncios de morte do cordel, surgiram folhetos datilografados,
copiados, digitalizados. Ainda, conforme a mesma autora, em torno das duas últimas
décadas, os folhetos passaram a serem impressos em computador, na própria residência dos
poetas, e divulgados através da internet, conquistando, até mesmo, outros suportes de
circulação e divulgação. Os folhetos, também, deixaram de ser, há muito tempo, produzidos
unicamente no nordeste brasileiro. Com a migração dos poetas e editores, os cordéis
ultrapassaram os confins dessa região, sedimentando-se em diversos locais, tais como: São
Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belém do Pará, entre outros (AMORIM, 2006).
Na década de 1970, o cordel tornou-se centro de interesses por parte de turistas,
universitários brasileiros e estrangeiros (GALVÃO, 2006). De acordo com Certeau (2012),
foi necessário que a cultura popular estivesse “em vias de extinção” para se tornar objeto da
curiosidade científica, justamente quando se anulam os seus “perigos” por meio do uso de
medidas repressivas. No cerne desse debate, apontando uma questão que merece ser
discutida ainda que concisamente: o que é mesmo “popular”?
empregá-la, sobretudo pelo seu caráter polissêmico e esquivo. Como consequência, ela não é
passível de definição simples e, tampouco, a priori (ABREU, 2003). Hoje, sabemos que
determinar de onde vem o “popular“ é uma busca inócua, porque não há resposta, uma vez
que ele é uma invenção social e não uma solução objetiva que se pretende obter. Afinal,
quem define o que é popular? E, além disto, será que o que se demarca como popular
equivale ao modo como as camadas populares definem a si mesmas?
Por essa razão, Chartier (1995) reconhece, com certo teor de denúncia, que a cultura
popular é uma categoria erudita destinada a “delimitar, caracterizar e nomear práticas que
nunca são designadas pelos seus atores como pertencendo à ‘cultura popular’”15.
Precisamos, portanto, ter cuidado com certas generalizações, já que estas podem “distrair
nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes”
(THOMPSON, 1998, p. 17)16.
Historicamente, o interesse por este tema, como expõe Arantes (2007), foi marcado
pela negação do popular e muitos historiadores, antropólogos e folcloristas, no afã de definir
e delimitar a cultura popular, propuseram concepções equivocadas e com inúmeras
valorações negativas: se, por um lado, o povo é visto como desprovido de cultura, por outro
a cultura popular corresponde, para alguns estudiosos, às tradições nacionais que precisam
ser preservadas. Contudo, para o autor, ambas as concepções não se sustentam, na medida
em que pressupõem que a cultura “seja passível de cristalização, permanecendo imutável no
tempo a despeito das mudanças que ocorrem na sociedade, ou, quando muito, que ela esteja
em eterno ‘desaparecimento’” (ARANTES, 2007, p.27).
Burke (2010) explica que, no final do século XVIII e início do século XIX, período
em que a cultura popular tradicional estava começando a desaparecer, o “povo” tornou-se
mote de discussão dos intelectuais europeus por uma série de razões estéticas, intelectuais e
políticas. Para ele, é no período de consolidação dos estados nacionais que, na Europa,
buscava-se resgatar as produções culturais do “povo” e esse culto ao “povo” fazia parte de
um de um movimento “nativista” que, sob o fulcro das teorias positivistas, viam na figura do
camponês simples, “iletrado” e portador de uma rica tradição oral, o seu principal
representante. Entretanto, o camponês não era apreendido na sua função social, porque ele
correspondia ao que havia de mais isolado na civilização (ORTIZ, 1992). Acerca disso,
Abreu (2003) chama atenção para o fato de que
15
CHARTIER, Ibid., p. 179.
16
É importante esclarecer que Chartier e Thompson apresentam perspectivas teóricas diferentes: enquanto o
primeiro volta-se para a História Cultural, o segundo segue uma vertente Marxista.
44
Assim, os intelectuais românticos do século XIX viram nas festas, nos contos e
canções populares uma forma de resistência cultural e de preservação de uma identidade
nacional (ROCHA, 2009), ao mesmo tempo em que foram os responsáveis pela fabricação
de um popular ingênuo e anônimo (ORTIZ, 1992). Esteve, também, muito presente nos
estudos sobre cordel a associação entre cultura popular, primitivismo e ingenuidade
(GALVÃO, 2005). Segundo essa autora, os poetas eram considerados os guardiões das
manifestações culturais que estariam ameaçadas de extinção. Esse ponto de vista,
preponderante a partir do Romantismo, garantia ainda à literatura denominada “culta” uma
individualidade da produção e à literatura de cordel, considerada “popular”, uma autoria
coletiva, posto que esta era entendida como parte da tradição oral (LUCENA, 2009).
Buscava-se, de igual modo, afirmar uma espécie de identidade nacional brasileira
desvinculada da antiga metrópole portuguesa (AYALA; AYALA, 2011), dado que o país já
não podia mais ser considerado uma “mera” cópia da metrópole. O meio e a raça eram tidos
como dois elementos imprescindíveis para a construção dessa identidade nacional e popular
(ORTIZ, 2006). É diante deste quadro que se reforça, por assim dizer, o imaginário do
Nordeste como o lugar do flagelado, “do arcaico, da imobilidade, da não-modernidade, do
rural, do folclore” (GALVÃO, 2005, p.114) e o cordel seria, portanto, a expressão mais
autêntica da cultura popular brasileira, desenvolvido, quase que exclusivamente, em alguns
estados do Nordeste, uma vez que eles teriam uma predisposição para acolher esse tipo de
literatura. Entretanto, esse imaginário, consoante a autora, seria o responsável por construir
uma visão a-histórica e, ao mesmo tempo, homogênea dessa região, por partir da ideia de
que
[...] nela, habitam homens aparentemente iguais entre si, que possuem
visões de mundo e costumes homogêneos, próximos aos observados na
Idade Média. Os folhetos refletiriam, então, essa “essência” do homem
nordestino: hospitaleiro, puro, ingênuo, triste, inerentemente criativo,
místico. “Homem nordestino”, para muitos desses autores, é sinônimo de
sertanejo: um rosto marcado pela seca e pelo sofrimento [...] (GALVÃO,
2005, p.114).
Assim, podemos dizer que as concepções acerca do literário estiveram marcadas por
um conjunto de valores vigentes, de tal maneira que, a definição do que é literatura não
esteve (ou está) balizada, exclusivamente, por critérios estéticos, já que a seleção de algumas
obras, em detrimento de outras, esteve (e ainda está) intimamente relacionada às relações de
poder e de exclusão que ocorrem no seio da sociedade. Concebemos, tal como Lucena
(2009), que o emprego do adjetivo ”popular”, na verdade, marginaliza o poeta que não é
associado ao campo literário.
Nessa tessitura, Ortiz (1992) afirma que se a história cultural tradicional sempre
esteve preocupada em explicar os feitos dos “grandes homens”, dos “grandes clássicos”, das
“grandes narrativas”, a Nova História Cultural se concentrou em construir uma abordagem
da “história vista de baixo”. Associada à Escola dos Annales, a Nova História Cultural
partiu do princípio de que a realidade seria socialmente e culturalmente produzida. Destarte,
o que antes era considerado imutável passa a ser compreendido como uma “construção
social” sujeita a variações, tanto em função da sua época quanto do seu contexto (BURKE et
al., 1992). Por essa razão, Burke (2010), Ortiz (1992) e Canclini (1989) consideraram que a
cultura só poderia ser entendida no plural (culturas populares), já que não constitui um
complexo uniforme, mas, sim, um conjunto de conhecimentos, crenças, representações e
práticas que variam em função do tempo e espaço.
Nessa concepção, a cultura popular não constituiria uma categoria oposta à cultura
erudita, pois, embora fossem distintas, elas se entrecruzariam. Bakhtin (2013) demonstrou a
heterogeneidade das manifestações culturais, ao analisar a cultura cômica popular na Idade
46
Média e no Renascimento, através da obra de François Rabelais, escritor francês que se opôs
à cultura oficial dominante na medida em que descreveu e recriou o “popular” da época.
Segundo Bakhtin (2013), as múltiplas manifestações da cultura cômica popular poderiam ser
subdivididas em três categorias que se conectam e inter-relacionam: as formas dos ritos e
espetáculos (especialmente, o carnaval), as obras cômicas verbais (orais e escritas, em latim
ou em língua vulgar) e o vocabulário familiar e grosseiro. Essas manifestações seriam
capazes de criar uma “dualidade do mundo” em oposição à cultura oficial (da Igreja e do
Estado). Este autor identificou que, no período do Renascimento e, principalmente, na Idade
Média, havia um profundo diálogo entre a cultura cômica popular e a oficial, algo que o
autor denominou de circularidade cultural.
Burke (2010), também, reconheceu, através de inúmeros exemplos, que a nobreza do
século XV e XVI se apropriava dos costumes da plebe. Contudo, Redfield sugeriu, como
esclarece Burke (2010), que haveria duas tradições culturais no início da Europa Moderna: a
"grande tradição", pertencente a uma minoria “culta”, e a "pequena tradição", atribuída aos
“incultos”. Burke (2010) propôs, então, uma reformulação no modelo apresentado por
Redfield, haja vista que, para aquele autor, existiram duas tradições culturais da Europa do
século XV, mas elas não correspondiam proporcionalmente aos dois principais grupos
sociais, a elite e o povo comum. Essa assimetria emergiu porque as duas tradições eram
transmitidas de modos distintos: a “grande tradição” era divulgada formalmente nos liceus e
universidades da época, sendo, assim, restrita ao grupo que frequentava essas instituições; a
“pequena tradição”, por sua vez, era difundida informalmente e estava aberta a todos. De
acordo com o autor, o fato é que a elite se apropriava, de certo modo, da pequena tradição,
embora não ocorresse o contrário.
Determinados grupos atuavam como mediadores entre as duas culturas. Por isso
mesmo, nessa época, poderíamos dizer que a Europa era constituída por três e não apenas
duas culturas, uma vez que
47
Muitos desses impressos, ainda que retratassem a vida dos camponeses e artesãos,
haviam sido escritos por nobres, padres e doutores. Isso significa que era impossível, no
início da Europa Moderna, realizar uma abordagem direta com a cultura popular, já que
muitas dessas obras eram, em geral, escritas e consumidas pela elite (BURKE, 2010). Abreu
(2006b) atestou que, em Portugal, nos anos oitocentos, os folhetos não eram basicamente
populares, por isso “não se poderia tentar defini-lo como uma literatura dirigida
exclusivamente às camadas pobres ou pressupor que ela expusesse e revelasse o ponto de
vista popular, visto o interesse que despertava desde o rei até as senhoras da corte” (p.45).
Nos séculos XVI e XVIII, com a grande circulação dos materiais impressos,
alteraram-se, radicalmente, as formas de sociabilidade e as próprias relações com o poder
(CHARTIER, 1991). Com o surgimento da impressa houve, de certa maneira, um
rompimento com o monopólio da escrita e isso contribuiu diretamente para o
entrecruzamento das culturas.
A descrição das normas e das disciplinas, dos textos ou das palavras com
os quais a cultura reformada (ou contra-reformada) e absolutista pretendia
submeter os povos não significa que estes foram real, total e
universalmente submetidos. É preciso, ao contrário, postular que existe um
espaço entre a norma e o vivido, entre a injunção e a prática, entre o
sentido visado e o sentido produzido, um espaço onde podem insinuar-se
reformulações e deturpações (CHARTIER, 1995, p.182).
De acordo com Ginzburg (2006), Menocchio costumava ler os textos canônicos, mas
a partir do crivo da tradição oral, o que o levou a, mais tarde, formular opiniões bastante
singulares, isto porque a leitura realizada por Menocchio escapava a qualquer modelo pré-
estabelecido, já que ele recriava, em confronto com a tradição oral, as páginas impressas às
quais tinha acesso. É certo que muitos estudos têm buscado caracterizar a leitura “popular” a
partir de Menocchio, mas Chartier (1995), ao analisar a obra, evidencia que essa concepção,
ainda que pertinente, deva ser problematizada, ao passo que
Consoante Chartier (1995), essa literatura dita popular não difere radicalmente da
literatura da elite que impõe seus próprios repertórios e modelos. Ela é compartilhada por
diferentes meios sociais e não única, e exclusivamente, pelos meios populares. Nesse
sentido,
oportuno perguntar em que medida eles permitem-nos pensar sobre a temática da nossa
investigação. Frente a isto, nesta seção, mapeamos e discutimos pesquisas acadêmicas, de
diferentes campos do conhecimento, que mantêm alguma relação com o tema “cordel”.
Muitas dessas pesquisas, como iremos perceber, apresentam o cordel como coadjuvante e
outros estudos, em menor proporção, os colocam como objeto de exame.
Teses Dissertações
12
11
7
6
5 5
4 4
3 3
2
1
Antropologia Social 1
Artes 2
Ciência da Informação 1
Ciência da Religião 1
Comunicação e Semiótica 2
Desenho, cultura e Interatividade 1
Ensino de Ciências e Matemática 1
Estudos Culturais 1
Estudos da Linguagem 2
Estudos da Linguagem e Letras 1
Estudos da Mídia 1
Educação 1
Formação de Professores 2
Geografia 1
História 7
Letras 25
Língua Portuguesa 1
52
Linguística 6
Literatura 2
Literatura e Crítica Literária 1
Literatura e Diversidade Cultural 1
Literatura e interculturalidade 7
Psicologia 1
Serviço Social 1
Sociologia 2
Total 72
Fonte: A Autora (2017)
imediata havia sido afetada, pois apresentava características distintas sob o ponto de vista da
textualização.
Santos (2015), também, teceu algumas considerações em torno do cordel, ao
problematizar os usos e os significados das práticas de leitura e escrita ocorridas em uma
escola do campo. Para trabalhar este gênero literário, a autora percebeu que uma professora
do 5º ano do ensino fundamental se utilizava de outros gêneros discursivos, como a
entrevista e o relato, porque eram aqueles com que as crianças tinham maior familiaridade.
Após a análise de todos os trabalhos e atendendo aos requisitos supracitados de
seleção desses estudos, restaram apenas 7 pesquisas, sendo 4 teses e 3 dissertações, como
podemos observar no Gráfico 2.
1.5
Teses
1 Dissertações
0.5
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Notamos, no Gráfico 2, que durante os anos de 2010, 2012, 2013, 2015 e 2016 houve
poucas publicações (uma ou duas em cada ano) e, no caso de 2011 e 2014, não foram
encontrados trabalhos que atendessem aos requisitos deste estudo. Contudo, isso não
significa dizer que o cordel não tenha sido pesquisado nesse período, pois reconhecemos que
poderíamos ter elegido outras palavras-chaves (como folheto, livreto e outras) em
substituição ao vocábulo cordel. No entanto, ainda parecem ser poucos os trabalhos que se
detêm a esta temática na base de dados estudada.
No que se refere às áreas nas quais esses trabalhos foram produzidos, constatamos,
no Gráfico 3, que a grande maioria de teses e dissertações sobre cordel foi produzida na área
de História (3), o que representa 43% do total dos trabalhos encontrados. Nas demais áreas
55
Geografia
Educação
Ciências da Informação
História
Letras e Linguística
Gráfico 4 – Metodologias empregadas nas teses e dissertações sobre cordel produzidas na UFPE,
no período de 2010 a 2016
Análise Documental
História oral
Barbosa (2010), por sua vez, investiu exclusivamente na análise documental para
investigar as representações femininas presentes nos cordéis ao longo dos séculos XX e
XXI. Através da análise de 46 folhetos, cujo tema era a mulher em situações ficcionais
distintas, a autora demonstrou os estereótipos femininos recorrentes ao longo do século
XX, nesses folhetos, segundo o prisma do olhar patriarcal, e a desconstrução dessa cultura,
a partir do novo século (XXI). Barbosa (2010) evidenciou que, à medida que o olhar dos
escritores sobre a mulher se transformava, o próprio gênero era renovado. A referida autora
explica, ainda, que as capas dos cordéis eram um dos artifícios estéticos que expressavam,
também, essas abordagens diferenciadas sobre as mulheres.
Na dissertação de Silva (2013), que realizou um estudo de caso, percebemos o papel
educativo do cordel nas aulas de uma professora da 4.ª série da Escola Estadual Professora
Eunice Beltrão, localizada na cidade do Recife, na década de 1970. Ela constatou que os
folhetos eram usados como um recurso didático importante para a aprendizagem das
disciplinas escolares, o que, mais tarde, também, influenciou a profissão de cordelista de um
dos alunos daquela turma.
Face aos dados obtidos por meio deste levantamento, constatamos que, embora o
cordel fosse o objeto de estudo de todas essas pesquisas, as produções possuíam variados
temas. Não obstante, ainda existe uma escassez de trabalhos cujo foco seja o cordel. Essa
literatura, embora pouco frequente no conjunto da produção acadêmica deste repositório,
como demonstramos anteriormente, concentrou-se, em sua quase totalidade (43%), na área
de História como quadro de referência teórica. Isso parece demonstrar, mais uma vez, a
importância científica dessa nossa pesquisa.
O ser humano, desde que nasce, é influenciado pelo meio em que vive, mas, também,
é capaz de transformá-lo através do seu agir individual. Essa interação do indivíduo com o
ambiente, que ocorre, sobretudo, através da linguagem, tem um importante papel no
desenvolvimento cognitivo (VYGOTSKY, 2000). Podemos dizer, tomando como base as
considerações de Luria (1984), que a linguagem e a cognição tornaram-se, no decorrer da
história, um dos domínios mais complexos da ciência. Estas categorias estão, inclusive,
enredadas em muitos aspectos e, por isso mesmo, permanecem despertando o interesse de
inúmeros estudiosos que, por diferentes vias, as têm como objeto de discussão e análise.
58
17
Damásio (2000), ao falar da consciência, propõe a metáfora do “sair à luz”.
59
18
VYGOTSKY, Ibid., p. 90-91.
60
primário (E1) o conhecimento encontra-se explícito para o sistema, mas não para o sujeito,
melhor dizendo, suas representações são explícitas, mas ainda não disponíveis à consciência
e, tampouco, são verbalizáveis. No nível de explicitação secundária (E2), as representações
estão disponíveis para o acesso consciente, embora o sujeito não consiga ainda verbalizar
justificativas. No quarto nível, a explicitação terciária (E3), a representação torna-se
consciente e verbalizável. Podemos simplificar o modelo de Redescrição Representacional
da Mente, através do Quadro 2, do seguinte modo:
19
A autora busca distinguir o domínio do módulo. O primeiro é um conjunto de representações de uma área de
conhecimento com diferentes microdomínios. O segundo corresponde à unidade de processamento da
informação.
20
A atividade epilinguística envolve, segundo Gombert (1992), comportamentos semelhantes aos
comportamentos metalinguísticos, mas que não são controlados conscientemente pelos sujeitos.
62
aquilo que é denotado pelo nome. Sendo assim, quando o termo metalinguístico é utilizado,
expressa um retorno para o linguístico (GOMBERT, 2013).
Entretanto, Poersch (1999, p.515) considera que a partícula meta significa
consciência. Dessa maneira, e segundo esse autor, o termo consciência metalinguística seria
inapropriado, dado o seu caráter redundante. Logo, a consciência estaria presente tanto no
próprio termo consciência quanto na palavra metalinguística. Por conseguinte, a expressão
“consciência metalinguística” traria, portanto, o mesmo significado duas vezes. Por isso,
Poersch (1999) sugeriu que o termo consciência metalinguística fosse evitado e substituído
pela expressão metalinguagem ou consciência linguística.
Embora o uso do termo “consciência linguística” talvez seja mais apropriado que o
de “consciência metalinguística”, optamos por esse último, tendo em vista sua ampla
utilização21. Por outro lado, diferentemente do autor supracitado, consideramos que
substituir o termo consciência metalinguística por metalinguagem parece-nos inviável,
porque esse último termo tem o sentido de linguagem que é usada para se referir à própria
linguagem, não contemplando, portanto, o processo de reflexão ou de análise sobre ela.
Nesse debate, é, igualmente, importante declarar, segundo Morais e outros (2010),
citando Gombert (2003), que o prefixo meta tem significado diferente para a linguística e a
psicologia. Na perspectiva linguística, a metalinguística é compreendida como
autorreferenciação da língua (metalinguagem), isto é, o foco de interesse é dirigido para o
exame da produção verbal, cujo propósito é o de observar a utilização da linguagem para
referir-se a ela mesma. Do ponto de vista da psicologia, a partícula meta, no termo
metalinguístico, é usada, sobretudo, no que diz respeito ao conhecimento do sujeito em
relação ao seu próprio conhecimento. Apesar disso, para Morais e outros (2010), a
psicolinguística tem usado esse termo em ambos os sentidos: no sentindo de metalinguagem
enquanto autorreferenciação da língua e, no sentido mais amplo, de refletir e examinar a
linguagem a partir de um monitoramento intencional e deliberado. Nessa direção, essa
atividade requer, por parte do indivíduo, um distanciamento em relação ao seu uso, para
aproximar-se das suas propriedades.
Em síntese, é preciso distinguir esses dois termos a fim de evitar certos equívocos
conceituais, já que alguns estudiosos têm tratado “consciência metalinguística” e
“metalinguagem” como expressões equivalentes. Como já deixamos antever, a consciência
21
Apesar disso, tem-se observado entre pesquisadores, nacionais e internacionais, a variação quanto ao uso do
prefixo meta, o qual ora é excluído, ora é acrescentado. Por exemplo, Soares (2016), no livro Alfabetização: a
questão dos métodos, agrega para algumas habilidades a partícula meta (metatextual), mas em outras já não o
faz (pragmática, sintática, fonológica, morfológica e semântica).
63
O termo metalinguístico surgiu em meados das décadas de 1950 e 1960 para se referir
à atividade cognitiva na qual a linguagem torna-se objeto de análise. Mas, foi apenas a partir
de 1980 que houve teorizações mais sistemáticas sobre o assunto (SOARES, 2016). Nessa
época, apesar de já terem surgido estudos sobre a consciência metalinguística, Pratt e Grieve
(1984) chamaram atenção para o fato de que a própria psicologia, assim como outras áreas
do saber, ainda não tinha conseguido delimitá-la com exatidão e de forma articulada, haja
vista que não se tinha (ou pouco se tinha) clareza sobre os diferentes tipos ou níveis de
consciência e o modo como eles se relacionavam. Para Soares (2016), com a publicação de
65
Gombert (1992), pode-se ter uma maior especificação das dimensões da consciência
metalinguísticas. Porém, como adverte esse autor no início do livro Metalinguistic
Development22, a classificação das atividades metalinguísticas por ele proposta , tomando
como referência critérios linguísticos e não cognitivos é, de certa forma, artificial.
Como poderemos perceber, a consciência metalinguística engloba várias habilidades
linguísticas em suas diferentes unidades. Soares (2016) ressalta que a complexidade desse
construto é decorrente da diversidade de operações cognitivas nele envolvidas. Com relação
a esse aspecto, pode-se dizer ainda que a consciência metalinguística
22
Estamos nos referindo à data da primeira publicação em inglês. A obra original de Gombert é anterior à data
deste livro e foi publicada em francês no ano de 1990.
66
ou, ainda, ajustar as formas de expressões conforme as situações sejam mais ou menos
formais (MORAIS, no prelo).
Segundo Gombert (1992), as primeiras evidências de um comportamento
metassintático podem ser evidenciadas por volta dos seis anos de idade, quando as crianças
demonstram habilidade para corrigir violações à gramaticalidade. Soares (2016) comenta
que nas pesquisas sobre a consciência metassintática são propostas, por exemplo, tarefas em
que os participantes são solicitados a julgar frases, caracterizando aquelas gramaticalmente
corretas e aquelas com incorreções gramaticais ou corrigir frases que possuem incoerências
gramaticais.
A consciência metamorfológica corresponde à habilidade de refletir sobre os
morfemas, isto é, as menores unidades de significado que integram um vocábulo. Muitas
palavras podem ser deduzidas se conhecermos a sua origem. Por exemplo, no caso da
palavra laranjeira, caso não saibamos a sua grafia, podemos escrevê-la corretamente se
soubermos a palavra de origem: laranja. Há, portanto, um elemento comum que serve de
base para as palavras. No entanto, alguns pesquisadores, como Gombert (1992), não incluem
essa dimensão metalinguística, dada a dificuldade de distinguir a sintaxe e a morfologia.
A consciência metassemântica representa a capacidade de diferenciação das
palavras ou sentenças dos seus significados. Soares (2016) adverte que em estudos
posteriores Gombert não trata mais o componente semântico como uma das habilidades
metalinguísticas. Posteriormente, conforme a autora, ele passa a considerar a consciência
semântica e lexical23 como de natureza fonológica. Logo, “o componente semântico da
língua oral ou escrita não é uma das dimensões da consciência metalinguística, no mesmo
nível das demais, mas se sobrepõe a elas, presente em todas, ora como influência, ora como
obstáculo” (SOARES, 2016, p. 163, grifo da autora). No trabalho de Maluf e Zanella (2011),
a dimensão semântica aparece sempre associada à dimensão metatextual.
A consciência metafonológica envolve a capacidade de identificar, segmentar,
isolar, unir e manipular os segmentos fonológicos da língua. Atentamos, ainda, para o fato
de que a consciência fonológica é algo mais abrangente do que a consciência fonêmica, na
medida em que inclui a consciência não só dos segmentos fonêmicos da fala, mas também
de unidades maiores que eles (MORAIS, 2012). De acordo com este autor, existe uma
relação de causalidade múltipla entre consciência fonológica e a aprendizagem da leitura e
23
Capacidade de segmentação da linguagem oral em palavras, considerando tanto as funções semânticas
(verbos, substantivos, adjetivos) quanto à sintático-relacionais, que adquirem significado no interior das
sentenças.
67
escrita, pois certas habilidades para identificar e manipular unidades sonoras da linguagem
são necessárias para o aprendiz aprender a ler e escrever, enquanto outras parecem ser
consequência.
É importante expormos nessa discussão que a consciência fonológica, conforme
apontado por Morais (2012), não é uma habilidade única, mas um conjunto de habilidades,
com níveis de complexidade diferentes e que se desenvolvem em momentos também
diferentes. Ao conceber, conforme sustentado por Morais (2012, p.79), que “a consciência
fonológica não é algo que se tem ou não, mas um conjunto de habilidades que varia
consideravelmente”, acreditamos que certas habilidades de identificar e manipular as
unidades sonoras da língua mostram-se mais fáceis ou mais difíceis que outras.
A consciência metatextual, que é a que interessa mais diretamente a este estudo,
passa a ser considerada como uma dimensão metalinguística a partir do estudo de Gombert
(1992), sendo composta, para o autor, pelo monitoramento da coerência, da coesão e a
estrutura textual. As suas propriedades são examinadas através de um monitoramento
deliberado, no qual o sujeito focaliza sua atenção no texto e não em seus usos (GOMBERT,
1992). Para Spinillo (2009), as habilidades metatextuais podem ser desenvolvidas
progressivamente e parecem estar, também, relacionadas com a consciência
metapragmática:
É preciso estar atento, porém, para o fato de que não são todos os estudos que
possuem o texto como objeto de análise que tratam a consciência metatextual como um
fenômeno a ser investigado. A consciência metatextual está diretamente relacionada, nas
palavras de Spinillo (2009), com a reflexão consciente, o controle e a explicitação verbal24
das dimensões linguísticas e extralinguísticas do texto.
24
Spinillo e Simões (2003) chamam atenção para o fato de que, com isso, não se quer dizer que não existam
outras situações de investigação que dispensem a explicitação verbal. Entretanto, a explicitação constitui um
recurso importante a ser considerado em estudos sobre esse tema, uma vez que possibilita o exame dos níveis
de consciência que o sujeito possui.
68
primeira sessão (produção), realizada coletivamente em cada série, o examinador lia em voz
alta uma história. As crianças eram, então, solicitadas, individualmente, a reproduzir por
escrito a história ouvida. Na segunda sessão (compreensão), efetuada individualmente, o
examinador mostrava à criança a história que ela própria havia reproduzido na sessão
anterior, e, a partir de uma entrevista clínica, solicitava a identificação das marcas de
pontuação que haviam produzido em seu texto e a explicação dos usos e funções atribuídos a
elas.
Os resultados indicaram diferenças significativas encontradas entre as séries quanto à
produção de pontuação. Os resultados referentes à compreensão, também, revelaram
diferenças entre as séries no que se refere às questões relativas aos usos e funções da
pontuação em um texto, na medida em que as crianças da 1ª série atribuíam vários usos e
funções a um mesmo sinal de pontuação, enquanto as crianças da alfabetização tendiam a
conferir um único uso a cada um dos sinais de pontuação.
em um texto; detectar sentenças que não condizem com o título fornecido e identificar as
principais ideias de um dado texto25. Segundo Spinillo (2009), podemos imaginar que uma
criança, ao ler uma história em que suas partes estão invertidas, percebe que essa história
inicia com uma introdução dos personagens, passa diretamente para o desfecho “E foram
felizes para sempre” e termina com o meio especificando situação-problema com a qual o
personagem principal se depara. Ainda, durante a leitura, a criança nota que o texto está
“misturado” e apresenta diferentes gêneros discursivos: por exemplo, inicia com uma
história e termina com uma carta. Tanto na primeira quanto na segunda situação, ao detectar
as incongruências de um texto, ela está realizando uma atividade metatextual, na qual a sua
atenção se volta para a análise do texto em si mesmo (SPINILLO, 2009).
Além das pesquisas nas quais o foco de análise recai sobre o conteúdo do texto,
recentemente, novas perspectivas têm buscado refletir sobre a forma como o texto se
configura linguisticamente (SPINILLO; SIMÕES, 2003). Um dos primeiros estudos
desenvolvidos no Brasil sobre a consciência da estrutura do texto, segundo Spinillo e
Simões (2003), foi o de Rego (1996), que investigou os critérios adotados por crianças para
julgar histórias. Participaram desse estudo 30 crianças, cuja faixa etária era 7-8 anos e que
frequentavam uma escola particular do Recife. Elas foram submetidas a uma tarefa de
julgamento de textos (dos quais alguns eram histórias convencionais e outros não). Os
textos, portanto, “constituíam histórias convencionais, histórias sem nexo, começos de
história, meios de história e finais de histórias” (p.123). O examinador tinha a função de ler
os textos para as crianças que haviam sido produzidos por alunos de outra escola. No final
de cada leitura, ele questionava a criança: “Você acha que essa foi uma história? ” e “Por
quê?”. Cada criança tinha que justificar a sua resposta.
A partir do julgamento e das justificativas apresentadas, Rego (1996) classificou as
crianças em três níveis de desempenho: no nível 1 elas tendiam a aceitar todos os textos-
estímulos como sendo histórias; no nível 2 (a) as crianças discriminavam os textos com
critérios objetivos (como, por exemplo, o tamanho do texto e a presença de início típico de
história). No entanto, aceitavam os textos incompletos ou sem nexo como sendo histórias, já
que eles apresentavam o início típico de histórias. Os textos longos, mesmo sem qualquer
25
Na verdade, consideramos que tais pesquisas investigam aspectos que se situam na interface com a
compreensão de textos, chegando a confundir-se com ela, como é o caso da identificação da ideia principal de
um texto.
72
nexo, também eram considerados histórias em razão do seu tamanho; no nível 2 (b), as
crianças julgavam quase todos os textos corretamente, mas ainda consideravam como
história textos que tinham começos de história e que eram longos; no nível 3, foram
incluídas as crianças que demonstravam julgar adequadamente todos os textos-estímulos.
Elas sabiam julgar o que era um começo, um final e um meio de história nos textos
incompletos e rejeitavam os textos sem nexo por serem misturados.
Após as quatro ocasiões de testagem, Rego (1996) verificou que havia uma
concentração de crianças nos níveis 2a e 2b, sugerindo que o começo e o tamanho da
história eram características que exerciam muita influência no julgamento das crianças.
Além disso, o desempenho das crianças do nível 3 só começava a emergir em torno dos 8
anos de idade, quando elas já estavam concluindo a primeira série. Sendo assim, tal estudo
demonstrou que a habilidade para usar o esquema de história de uma forma consciente seria
muito precária antes dos 8 anos de idade.
À luz desse debate, no estudo conduzido por Albuquerque e Spinillo (1998) foi
solicitado que crianças de 5, 7 e 9 anos determinassem se o texto apresentado (história, carta
ou notícia de jornal) estava completo ou incompleto e justificassem as suas respostas. A
partir das justificativas fornecidas, as pesquisadoras evidenciaram que a estrutura do texto
era adotada como critério, conclusão não observada em outro estudo de Albuquerque e
Spinillo (1997).
Para Albuquerque e Spinillo (1998), a capacidade de refletir, deliberadamente, sobre
a estrutura do texto emerge por volta dos 7 anos. As mesmas autoras identificaram três
níveis de desenvolvimento: nível I: não adotavam critérios definidos de julgamento,
tendendo a aceitar todos os textos-estímulo como completos; nível II: utilizavam critérios
definidos que não envolviam a estrutura do texto (conteúdo, tamanho); e nível III: adotavam
a estrutura do texto como critério, acertando todos os textos-estímulo de um mesmo gênero.
As autoras revelaram, então, que a habilidade de refletir sobre a estrutura do texto não
estaria somente relacionada à idade e à escolaridade das crianças, mas, também, ao gênero
discursivo que estava sendo adotado como objeto de reflexão.
É importante salientar, em conformidade com Spinillo (2009), que as funções e o
conteúdo do texto podem ser aprendidos informalmente nas práticas cotidianas. Porém, para
a autora, a estrutura textual e as convenções linguísticas seriam saberes adquiridos,
sobretudo, no contexto formal de ensino (escola). Contudo, acreditamos que isso se refere a
gêneros que são aprendidos, predominantemente, na escola.
73
É o que também nos parece apontar a pesquisa de Lucena (2009), que investigou o
desenvolvimento da consciência metatextual em crianças e a influência da aquisição da
leitura e da escrita (alfabetização) nesse desenvolvimento. Nessa pesquisa, foram analisadas
52 crianças de escolas públicas com sete anos de idade, igualmente divididas em dois
grupos: crianças alfabetizadas e não alfabetizadas. Todas foram individualmente
entrevistadas em duas sessões, sendo solicitadas a realizarem quatro tarefas: duas
consideradas de natureza epilinguística26 e duas consideradas de natureza metalinguística.
Nas tarefas epilinguísticas, as crianças deveriam apenas identificar gêneros textuais diversos
e a incompletude de histórias. Nas tarefas metalinguísticas, além de identificar a ausência e a
presença de partes de histórias, as crianças ainda deveriam justificar suas respostas 27. Os
resultados indicaram que as crianças não alfabetizadas conseguiam realizar
competentemente as atividades consideradas epilinguísticas, entretanto, como esperado,
apresentaram dificuldades nas atividades metalinguísticas. Além disso, quando eram
solicitadas a justificarem suas respostas, as crianças desse grupo pautavam-se,
predominantemente, em critérios indefinidos ou relacionados ao conteúdo do texto,
demonstrando que seus conhecimentos sobre a estrutura textual típica de histórias ainda
eram de natureza epilinguística.
As crianças alfabetizadas, por sua vez, não tiveram dificuldades na realização de
nenhuma das tarefas propostas e justificaram suas respostas mediante critérios de natureza
linguística. De modo geral, percebeu-se que crianças alfabetizadas apresentavam uma
consciência metatextual mais sofisticada do que crianças não alfabetizadas, confirmando a
hipótese inicial de que a escolarização seria fator importante na transição de
comportamentos epilinguísticos para comportamentos metalinguísticos, no que se referia ao
conhecimento sobre os textos. Todavia, parece haver, neste estudo, certa confusão entre
alfabetização e escolarização, apesar desses processos não serem sinônimos.
Spinillo e Pratt (2002) também investigaram os conhecimentos quanto aos gêneros
história, carta e notícia de jornal, e o fizeram comparando com o nível socioeconômico das
crianças de classes sociais diferentes. O objetivo era analisar se havia uma relação direta
entre os contextos sociais e o conhecimento dos textos. Esse estudo foi realizado com 48
crianças distribuídas em dois grupos: o primeiro era composto por 24 crianças brasileiras
26
Gombert (1992; 2013) distingue as habilidades metalinguísticas das atividades epilinguísticas. Para o autor,
existem comportamentos que não são conscientemente monitorados pelos indivíduos, sendo derivados das
aprendizagens implícitas. O conhecimento explícito, por sua vez, é caracterizado pela reflexão consciente e
deliberada sobre a linguagem. Este, no entanto, seria fruto das aprendizagens escolares. A repetição dessas
atividades, posteriormente, levaria à automatização.
27
Nesse estudo, a atividade metalinguística é associada apenas à explicitação verbal.
74
pertencentes à classe média e cuja faixa-etária era entre 7 e 8 anos. Já o segundo era formado
por outras 24 crianças brasileiras de 9 e 10 anos de idade de baixa renda e que possuíam
pouca ou nenhuma escolaridade (crianças de rua não escolarizadas).
A fim de responder o objetivo proposto, foram apresentadas duas tarefas: (1)
identificação dos gêneros (história, carta e notícia de jornal) – a examinadora lia nove textos
e pedia que a criança identificasse o gênero discursivo a que pertencia tal texto e justificasse
a resposta; (2) produção textual oral – o propósito era o de que as crianças respondessem à
seguinte pergunta: “para você, o que é uma história/carta/notícia de jornal?”. Os autores
perceberam que, com exceção do gênero notícia de jornal, as crianças de classe média
obtiveram melhores resultados na identificação do gênero. Além disso, as crianças com
maior nível de escolaridade deram melhores justificativas para a escolha do gênero,
enquanto as de baixa renda tinham dificuldades em identificar os gêneros e nunca adotavam
a estrutura nos seus julgamentos. Consideramos que na pesquisa de Spinillo e Pratt (2002)
há certa superposição entre classe social e escolarização, de modo que os resultados não são
claros quanto a influência desses aspectos no desenvolvimento da consciência metatextual.
Spinillo e Pratt (2002) concluíram que as diferenças entre as crianças brasileiras de
ambos os grupos socioeconômicos se davam pela experiência e o contato que elas tinham
com diversos textos de diferentes gêneros. Apesar de a rua ser um espaço de circulação
informal dos textos, a escola ainda se apresentava como espaço importante para o
desenvolvimento das habilidades metatextuais. Então, o conhecimento das crianças sobre a
estrutura variava em função do contato que elas tinham com textos no dia a dia.
Rosa (2011), por sua vez, investigou a explicitação consciente-verbal de
conhecimentos sobre o gênero notícia e a sua relação com o processo de produção de textos.
Neste estudo, realizado com 20 (vinte) crianças de uma escola pública estadual de
Pernambuco e que cursavam o 5º ano do Ensino Fundamental, a autora constatou, dentre
outras coisas, que havia uma correlação entre a capacidade de explicitar e mobilizar os
componentes do gênero notícia, tendo em vista vez que, nos cinco componentes investigados
nas dimensões sociodiscursivas e temáticas (função social da escrita, discurso referencial
noticiando acontecimentos reais, conteúdo factual e temática de interesse público), 80% das
crianças apontaram para uma relação forte entre as duas atividades, 17% apresentaram uma
relação fraca e apenas 3% demonstraram uma ausência dessa relação.
Em outro estudo, Silva (2005) procurou analisar o desenvolvimento da consciência
metatextual em crianças de escola pública de diferentes séries (1ª e 3ª), por meio do conceito
que estas crianças apresentavam em relação a diferentes gêneros de textos (história, carta e
75
notícia de jornal). Esta pesquisa foi realizada com 40 crianças de idades entre 7 e 9 anos.
Todos os participantes foram submetidos, individualmente, a duas tarefas: (1) a primeira
solicitava que a criança definisse de forma aleatória uma história, uma carta e uma notícia de
jornal; (2) na segunda, após a leitura de seis textos (sendo dois de cada gênero), pedia-se que
a criança identificasse a qual gênero pertencia cada texto. A autora notou que tanto na tarefa
de definição, quanto na tarefa de identificação, as crianças da 3ª série demonstraram
melhores habilidades para conceituar os textos, por meio de respostas mistas (que
combinavam vários atributos definidores de cada texto) e, também, de respostas isoladas. Os
resultados indicaram um progresso significativo com a idade e a escolaridade em relação ao
desenvolvimento da consciência metatextual.
Investigações como estas têm apontado que a consciência metatextual está não
somente relacionada com a idade e à escolaridade, mas, também, com os fatores sociais e as
características estruturais de cada texto.
Com o intuito de examinar as possíveis relações entre produção, compreensão de
textos e a consciência metatextual com crianças de diversos níveis de escolaridade, Pereira
(2010) realizou uma pesquisa com 64 crianças de classe média, com idades entre 7 e 9 anos,
que foram divididas em três grupos distintos em função da escolaridade: o grupo 1 era
formado por crianças do 3º ano, o grupo 2 por crianças do 4º ano e o grupo 3 por crianças do
5º ano do ensino fundamental. As crianças participantes desse estudo foram submetidas a
três tarefas: produção, compreensão de textos e a consciência metatextual. Na primeira
tarefa, a criança era solicitada a produzir uma história oralmente, a partir do tema proposto
pela examinadora. Na tarefa de compreensão textual, uma história era lida para a criança e
logo em seguida solicitava-se que ela respondesse um conjunto de perguntas de natureza
inferencial. A tarefa de consciência metatextual consistia na leitura de doze textos-estímulos
pela examinadora (desse total, 9 textos estavam incompletos pois continham apenas o início,
o meio ou o final da história, e apenas três textos apresentavam a história completa) e, após a
leitura de cada um desses textos, pedia-se que a criança julgasse a completude e/ou
incompletude dos textos, justificando as suas respostas. A criança tinha que identificar que
parte havia sido lida (início, meio e final), explicitando os critérios para tal escolha.
A pesquisadora constatou que existia uma correlação positiva entre as três
habilidades (produção, compreensão e consciência metatextual). Isso implicava dizer que, à
medida que uma habilidade se aprimorava, as demais acompanhavam essa evolução. Havia,
portanto, uma relação entre essas habilidades, mesmo quando não se tinha nenhuma
instrução específica sobre a tarefa. No entanto, a autora conseguiu verificar se o domínio de
76
uma de uma dada habilidade afetava as demais, não sendo possível estabelecer uma relação
de causalidade entre elas.
Postas essas considerações, na seção seguinte, apresentaremos o Estado do
Conhecimento sobre as habilidades metalinguísticas, de modo mais amplo.
No curso desse tempo, transcorrido entre 2011 e junho de 2016, foram contabilizados
229 trabalhos, sendo 139 teses e dissertações e 90 artigos em periódicos. Após a análise do
corpus deste estudo, dividimo-lo em dois subtópicos: o primeiro corresponde às teses e
dissertações e o segundo trata dos artigos encontrados em distintos periódicos.
a) Teses e dissertações
Como revela o gráfico, a seguir, das 139 teses e dissertações, 101 referiam-se a
dissertações e apenas 38 a teses. Evidenciamos que, no período de 2011 a junho de 2016, o
número total de obras publicadas no Portal da Capes sobre o tema manteve-se semelhante
aos anos de 2005 a 2010, já indicado no estudo conduzido por Moura e Paula (2013)28. Esse
quantitativo de produções científicas (139), em nível de mestrado e doutorado, parece não
ter acompanhado o crescimento no número de programas de pós-graduação. Segundo o
estudo conduzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o número de
programas de mestrado, no Brasil, em 2010, era de 2.791 e de doutorado era 1.502, enquanto
que, no ano de 2014, o número de programas de mestrado chegou a 3.620 e 1.954 de
doutorado (BRASIL, 2016a), conforme confirma o Gráfico 5.
Número de trabalhos
73%
27%
Apesar de o crescimento, entre 2011 e 2016, ter sido apenas de 1 trabalho (tese),
quando comparado ao período de 2005 a 2010, notamos que no ano de 2015 houve um
28
Nesse estudo foram encontrados 187 trabalhos. Contudo, ao excluirmos os termos-chave que não utilizamos
nesta pesquisa (consciência ortográfica, metalinguagem e alfabetização, fonologia e alfabetização,
metalinguagem, leitura e escrita e metalinguística e alfabetização), as autoras contabilizaram 138 estudos,
sendo 31 teses e 107 dissertações.
78
100
80
Frequência
60
40
20
0
MG SC TO RJ PR PE RS SP AC AL BA CE DF MS PA RN PB -
Teses 2 1 1 2 3 5 9 15 0 0 0 0 0 0 0 0 0 38
Dissertações 12 4 1 14 0 6 5 36 2 1 8 3 1 1 1 1 5 101
Observando o Gráfico 7, vemos que nos estados que compõem a região sudeste
(Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) foram defendidas 81 trabalhos, o que representa
65,4% do total das produções. Essa distribuição também pode ser percebida através dos
dados apresentados no Quadro 3.
UFPA 0 1 1
UFPB 0 3 3
UFPE 5 5 10
UFPel 1 0 1
UFPR 3 1 4
UFRJ 2 3 5
UFRRJ 0 1 1
UFSC 1 3 4
UFSCAR 0 1 1
UFSM 2 1 3
UFT 1 1 2
UFU 0 1 1
UnB 0 1 1
UNESP 0 3 3
UNICAMP 1 1 2
UNICAP 0 1 1
UNICENTRO (Paraná) 0 1 1
UNIFESP 0 3 3
UNIMONTES 0 1 1
UNIPAMPA 0 1 1
UNISC 0 1 1
UNISINOS 1 0 1
UNIVERSO 0 5 5
UNOESC 0 1 1
USP (Ribeirão Preto) 2 5 7
USP (São Paulo) 6 13 19
UVA (RJ) 0 2 2
Fonte: A Autora (2017)
Como também aponta Moura e Paula (2013), as universidades que lideram com o
número de publicações continuam sendo a Universidade de São Paulo (USP), com 19
trabalhos, e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com 10. Pode-se verificar
ainda, como mostra o Quadro 3, que a produção foi proveniente de 46 instituições de
diversas regiões do país.
Na sequência, investigamos quais habilidades metalinguísticas foram as mais
estudadas, tanto em nível de mestrado quanto de doutorado. Nos Quadros 4 e 5, indicamos
os diferentes termos pesquisados e os trabalhos que englobavam o estudo de mais de uma
habilidade metalinguística.
Teses
Habilidade/ Estuda 1 Estuda 2 Estuda 3 Estuda 4 Total
Consciência habilidade habilidades habilidades habilidades
81
Habilidade/
Consciência 28 2 - 1 31
Fonológica
Habilidade/
Consciência 1 - - - 1
Lexical
Habilidade/
Consciência - - - - -
Morfossintática
Habilidade/
Consciência 1 - - - 1
Sintática
Habilidade/
Consciência - - - - -
Semântica
Habilidade/
Consciência - - - - -
Pragmática
Habilidade/
Consciência 3 - - - 3
Metatextual
Habilidade/
Consciência 2 - - - 2
Mofológica
Fonte: A Autora (2017)
Dissertações
Habilidade/ Estuda 1 Estuda 2 Estuda 3 Estuda 4 Total
Consciência habilidade habilidades habilidades habilidades
Habilidade/
Consciência - - - - 1
Metalinguística
Habilidade/
Consciência 81 2 2 1 86
Fonológica
Habilidade/
Consciência - - - - -
Lexical
Habilidade/
Consciência - - 1 - 1
Morfossintática
Habilidade/
Consciência 1 - - - 1
Sintática
Habilidade/
Consciência - - - - -
Semântica
Habilidade/
Consciência - - - - -
Pragmática
Habilidade/
Consciência 5 - - - 5
Metatextual
Habilidade/
Consciência 7 - - - 7
Mofológica
Fonte: A Autora (2017)
Área
Teses Dissertações Total
Diversidade e Inclusão 0 1 1
Ciências da Reabilitação 0 3 3
Ciências da Saúde 0 5 5
Ciências Odontológicas 1 0 1
Educação 9 14 23
Educação (Psicologia da
1 4 5
Educação)
Educação Especial 0 1 1
Ensino de Línguas e Língua e
0 2 2
Cultura
Fonoaudiologia 8 16 24
Letras 2 13 15
Linguística 3 8 11
Linguística e Letras 4 3 7
Medicina 2 2 4
Neurociência 0 1 1
Oftalmologia 0 1 1
Processos Interativos dos 0 1
1
Órgãos e Sistemas
Psicologia 8 25 33
Psiquiatria 0 1 1
aquelas oriundas de programas que contemplam as duas em seus nomes. Desse modo,
teremos, ao todo, 33 trabalhos nessa área (35, se considerarmos também a área de Ensino de
Línguas e Língua e Cultura). Além disso, se adicionarmos os trabalhos da área de Educação
Especial e de Educação (Psicologia da Educação) aos de Educação, teríamos 29 produções
nessa última. Em síntese, as áreas de Psicologia, Letras/Linguística, Educação e
Fonoaudiologia são as que mais se destacam.
Dando prosseguimento à análise, buscamos apontar os participantes que eram
investigados nestas teses e dissertação, tal qual revela a Tabela 4.
Adulto 0 1 1
Crianças e Professores 0 1 1
Crianças e Adultos 1 0 1
Crianças e Jovens 1 3 4
Jovens (14-17anos) 1 5 6
Jovens e Adultos 2 3 5
Professores 4 6 10
b) Artigos em Periódicos
A análise realizada também nos permitiu constatar que os artigos, em número de 90,
investigaram diferentes habilidades metalinguísticas. No entanto, a consciência fonológica
foi mais examinada (77,7%), seguida da consciência morfológica, metatextual,
morfossintática, sintática e pragmática. Para melhor compreender e analisar estes artigos
que vêm sendo produzidos, nos últimos anos, apresentamos tais dados no Quadro 6.
86
Como vemos, a maior parte dos periódicos são da área de Psicologia. Entretanto,
também, tem a ver com as bases de dados consultadas. Em 2012, houve um crescimento de
9% no número de artigos em comparação ao ano anterior, embora, nos anos seguintes,
observemos uma queda em relação a 2012 (GRÁFICO 9).
Gráfico 9 – Distribuição dos artigos por ano de publicação entre 2011 e junho de 2016
No que concerne à faixa etária dos participantes desses estudos, constatamos que, do
total de 90 trabalhos, 84% deles foram realizados com crianças e apenas 7% com adultos ou
jovens e adultos. Isso revela, em certa medida, um número bastante limitado de pesquisas
88
com esse último público. Excluímos os 7 artigos que voltam-se, exclusivamente, para a
análise teórica do tema (GRÁFICO 10).
Gráfico 10 – Perfil dos sujeitos nos artigos publicados entre 2011 e junho de 2016
Adultos 2
Jovens e Adultos 4
Crianças 76
Crianças e Jovens 1
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Total 83
Fonte: A Autora (2017)
José Paulo Pereira José Manuel José Genival Diosman Jailton Pereira
Nome Francisco da Silva dos Santos Tabosa Avelino da Silva
Borges (Val Tabosa)
(Zé Guri)
(J. Borges)
29
Os almocreves eram pessoas que trabalhavam conduzindo animais de carga ou mercadorias de um lugar a
outro.
92
já foi
professora
Fonte: A Autora (2017)
eram pouco (ou não) escolarizados. Apenas um deles, José Genival Tabosa, era filho de pais
com maior nível de escolaridade e que possuíam outro vínculo empregatício.
No que se refere à escolaridade dos entrevistados, distribuímo-los em dois grupos: a)
poetas com pouca escolaridade e b) poetas com maior escolaridade. Utilizamos, neste
trabalho, o termo “escolaridade” como o processo educativo ocorrido na instituição escolar.
Todavia, reconhecemos que a escola não foi (e ainda não é) a única agência mediadora do
processo de apropriação da leitura e escrita (GALVÃO, 2001).
letramento dos participantes, sem, no entanto, termos a pretensão de avaliar e/ou medir os
seus níveis de letramentos. Tendo isso em vista, propusemos algumas perguntas sobre os
materiais a que tinham acesso e a frequência com que os liam, bem como sobre os textos que
escreviam e a frequência com que os faziam. Além disso, apresentamos aos colaboradores
perguntas sobre as suas experiências como cordelistas, de modo a termos acesso a
informações sobre como ocorreram os seus primeiros contatos com o gênero cordel, como
produziam e de que modo o faziam (consultar o Apêndice C).
Essa entrevista, portanto, consistiu em uma série de perguntas verbais abertas, em
uma ordem prevista, na qual o entrevistador acrescentava perguntas de esclarecimento
(LAVILLE; DIONE, 1999). Todas elas foram feitas conforme a disponibilidade dos poetas
e, para os registros dos dados, utilizamos como auxílio a gravação de áudio.
tarefas pelos participantes foi registrada com apoio da gravação de áudio e do diário de
campo.
Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo mal assombrado
A chegada de Lampião no Inferno
(José Pacheco) Foi ele que trouxe a noticia
que viu Lampião chegar
o inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena até contar
(...)
(...)
Pedimos aos poetas que, para a realização desta tarefa, se imaginassem como parte
da comissão avaliadora de um concurso de literatura de cordel cujo tema era o amor. Os
poetas tinham, pois, a função de julgar as estrofes (de modalidades distintas) produzidas por
quatro participantes do concurso. Para tanto, intencionalmente, alteramos as rimas, as
98
métricas, a ordem dos versos e os temas das estrofes33, de modo que os entrevistados
tivessem que identificar os erros cometidos, propositalmente, e explicitar verbalmente por
que eles não atendiam às regras do gênero.
Explicamos aos poetas, a priori à realização da tarefa, que neste concurso de caráter
fictício não foi delimitada a modalidade em que as estrofes seriam construídas (quadra,
sextilha, septilha ou décima) e a quantidade de sílabas poéticas (que podiam ser
versos heptassilábicos ou decassílabos). O único requisito era que os candidatos fizessem
apenas duas estrofes sobre o tema proposto. As estrofes foram apresentadas uma por vez e
pedimos que identificassem, nelas, possíveis erros de rima, métrica e oração. A cada
identificação eles, também, tinham que justificar os erros que foram encontrados nos versos.
A seguir, no Quadro 10, apresentamos as estrofes disponibilizadas aos poetas,
indicando os nomes fictícios dos autores, as modalidades dos versos e os erros que
produzimos intencionalmente.
A justiça do amor
Desmede em suas balanças Erro de metrificação
A chegada traz prazeres do verso (quantidade
MARIA Sua ida traz mudanças inferior de sílabas
E o peito se torna um túmulo poéticas)
(SEXTILHA Guarda velhas lembranças
HEPTASSILÁBICA)
Meu corpo longe do teu Erro de rima (rima
33 Para a produção desta atividade, contamos com a ajuda do poeta Nogueira Netto e, durante as análises, com
o poeta Jénerson Alves, que não eram participantes deste estudo.
99
Em síntese, os cordelistas tiveram não apenas que identificar os erros, mas também
verbalizar as regras que haviam sido transgredidas. Nas análises, deter-nos-emos mais
detalhadamente nos erros e justificativas dadas por eles.
100
3.4.1 A pré-análise
que o levou a optar pelo trabalho. Atualmente, atua como tapeceiro de móveis. É, também,
um dos associados da ACLC.
Diosman Avelino nasceu em 1978 (hoje com 38 anos) em Buíque, município do
estado de Pernambuco localizado a quase 300 (trezentos) quilômetros da capital Recife.
Hoje, ele dedica-se, exclusivamente, à comercialização de cordéis, embora já tenha
trabalhado como garçom, pedreiro, vendedor em lojas de calçados, ajudante de caminhão e
outros. Concluiu o Ensino Médio em 2015, em Pesqueira (onde reside atualmente) na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos, doravante EJA.
Jailton Pereira da Silva, conhecido pelos colegas como Caxingó, nasceu em São
Caetano – PE em 1982, mas ainda na infância foi residir no município de Tacaimbó– PE.
Filho de agricultores, o poeta ajudava os pais na agricultura. Embora no período da pesquisa
estivesse desempregado, ele teve vários empregos informais, tais como: agricultor, servente
de pedreiro, frentista e outros. Terminou o Ensino Médio em 2003.
que de, segundo os dados do IBGE, em 1944, havia, em todo o Estado de Pernambuco,
apenas 853 unidades de ensino localizadas no campo e que ofertavam o ensino
fundamental34.
No tempo que eu me criei lá no sítio não existia escola lá. Só tinha escola
aqui em Bezerros [área urbana] ou lá em Gravatá. Mas era uns vinte e
tantos quilômetros para Gravatá e para aqui [se referindo à cidade de
Bezerros] era dezesseis quilômetros. Então, eu não tinha condição de vir a
pé para escola. Então, fiquei até os doze anos doido para escrever meu
nome, mas não tinha condição. Um dia, um rapaz inventou uma escolinha
particular lá e meu pai falou com ele. Eu fui pra escola, passei dez meses e
com dez meses o irmão dele, que já trabalhava em Recife, arranjou um
emprego, e ele foi embora. Fiquei sem escola (J. Borges).
Para Silva (2003), até as primeiras décadas do século XX, a escola no campo surge
de forma tardia e destinada apenas a uma minoria da população. Ainda que, neste período, o
Brasil se constituísse como um país predominantemente agrário, as especificidades da
cultura local eram desconsideradas, sendo este reflexo de uma política de descaso por parte
do governo. Conforme Zé Guri, era necessário que os pais pagassem aos professores, que
residiam em cidades circunvizinhas, aulas particulares para que os filhos aprendessem a ler e
escrever, sem que fosse preciso se deslocar para os centros urbanos. À vista disso, destacou
o poeta:
Alguns dos cordelistas que entrevistamos, tal como Zé Guri, foram à escola por
períodos curtos e intermitentes. Galvão e Di Pierro (2012) explicam que a interrupção dos
estudos e as aprendizagens pouco significativas levavam muitos indivíduos, a posteriori, a
retornarem à condição de analfabetos.
A escola não era graduada por séries e os alunos eram agrupados pelo nível de
instrução que possuíam. Assim, “naquele tempo, não tinha nem quase nome de série. A
gente começava na carta de ABC, cartilha e o primeiro livro, somente. Não tinha esse
negócio de fazer prova e nem arranjar boletim. Li só até o primeiro livro e bem pouquinho”,
ressaltou Zé Guri durante a entrevista. Nessa direção, Galvão e Batista (1998, p.25) afirmam
que, no início do século XX, “o professor não dava aulas, como hoje estamos acostumados a
34
Informação disponível no site do IBGE:
http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/arquivos_download/educacao/1948/educacao1948m_aeb_47a48.p
df
106
pensar, mas "tomava" a lição de cada um dos alunos, fazendo-os ler em voz alta. Enquanto
isso, os outros alunos ficavam em suas carteiras lendo a lição do dia”.
Apesar do movimento da Escola Nova, emergido na década de 1930, ter criticado
assiduamente o uso dos castigos como forma de condenar o mau comportamento e a
dificuldade de aprendizagem, as práticas punitivas, na década de 1940, ainda eram
empregadas na maioria dos espaços escolares. Essa afirmação encontrou eco nos dizeres de
J. Borges:
[...] Primeiro, a gente fazia uma escrita, copiava numa folha de caderno,
depois fazia uma conta de dez colunas (uma conta de somar), somava e
escrevia por extenso o resultado (um milhão trezentos e vinte e oito
cruzeiros e vinte e cinco centavos). Tinha que escrever por extenso ali
embaixo. Se não lesse, se fizesse a conta e não lesse o resultado, era meia
dúzia de “bolo” que levava. Então, eu nunca apanhei não por conta disso,
mas tinha menino que vinha com a mão inchada. [...] De qualquer modo,
eu apanhava “bolo” também porque o professor perguntava uma pergunta
fácil, eu ganhava. Agora quando era mais difícil, aqui acolá, eu errava.
Mas, só quem dava em mim era o professor, porque o professor dava um
“bolinho” bom e os outros quando davam era para estourar as mãos. Aí, era
proibido passar da orelha à palmatória. A palmatória era uma bola de
madeira com um cabinho feito uma colher de pau e aí não podia passar da
orelha. Quando passava da orelha o professor pegava e dizia: “Olhe, eu
disse a você que não pode passar da orelha”. E Pá!, dava um “bolo” (J.
Borges).
Nós tínhamos tanto medo do professor que bastava ele falar. Ele ensinava a
gente a soletrar. Vê como era que ele ensinava: RATOEIRA. Ele fazia:
RÊ+A=RA (ele puxava muito pelo “r”)| T+O=TO| E+I=EI| RÊ+A=RÁ|
RATOEIRA. Entendeu? Aí, tudo dele era soletrar. Ele fazia uma tábua
com um buraco. Então, ele saia colocando em cima das letras que era pra
você sair conhecendo o alfabeto. Ele botava a taboa aqui e perguntava:
“Que letra é essa?” Que era pra você aprender as letras, porque você vai
escrever o nome. Muitas vezes, você vai escrever o nome, mas não bota o
nome completo. Você pensa que tá certo, mas se você for naquele negócio
(soletrando) está errado. Num passou na televisão um dia desse esse
soletrando que até o garotinho ganhou 40 mil? A gente que soletra, a gente
não erra porque já tem aquele negócio na mente. Tá certo, eu escrevo
errado porque meu estudo é pouco, mas conto as letras que tem naquela
palavra. Olhe, ele tinha um nome que não existe esse nome, que era pra
você aprender a soletrar. Você já viu o nome com cinco “H”? Tá vendo?
Ele fazia isso. Ele inventou esse nome porque era pra a gente aprender a
107
soletrar. Pra você ver ser vai saber que nome é esse: P-H-O-PON/T-H-
TA/D-H-I-DI/L-H-I-LHI/N-H-A-NHA. Que nome é esse? É PONTA DE
LINHA. Ponta de linha não é escrita assim, mas ele fazia assim pra você
aprender a soletrar chamando a letra toda. PONTA DE LINHA (P-H-O-
PON-T-H-TA-D-H-I-DI-L-H-I-LHI-N-H-A-NHA). Tá entendendo como
era? Pronto, a gente tinha medo e através do medo era que a gente
aprendia. A gente lia o primeiro livro, depois, no próximo ano, ia recordar
o mesmo livro (Paulo Pereira).
As trajetórias dos poetas eram bastante semelhantes, sobretudo até o início do século
XX: muitos deles nasceram no campo e eram filhos de pequenos proprietários ou de
trabalhadores assalariados e apresentavam pouca ou nenhuma escolarização e, não muito
raramente, aprenderam a ler a partir da audição dos folhetos, tratando-se de autodidatas
(ABREU, 1997). O pai de Diosman costumava memorizar os versos que havia construído
durante o trabalho, apesar de não ter frequentado a escola e de não dominar determinadas
habilidades de leitura e escrita.
Minha mãe, ela mal assina o nome dela e meu pai é analfabeto de pai e
mãe, como dizem. Se você mostrar qualquer letra pra ele, ele não sabe.
Mas tem uma coisa bacana nele, e chegar aqui e tiver cinco pessoas, ele faz
um verso pra cada uma, improvisado. Sem conhecer métrica, sem conhecer
distribuição de rimas, como a gente estava conversando há pouco tempo.
Sem conhecer as regras da poesia, ele faz uma sextilha e se você escrever
você vai achar que foi escrito por alguém que conhece. [...] Meu pai tem
tudo memorizado. Ele faz músicas, toadas, é tudo na memória. Eu conheci
meu pai faz três anos, acho que ele deve ter 62, por aí. Acho que a minha
mãe tem 60, por aí também (Diosman Avelino).
Ora, muitas pessoas, assim como o pai de Diosman, embora não dominem o sistema
de escrita alfabética, têm um nível de participação na cultura escrita. Em outras palavras,
isso quer dizer que, mesmo os sujeitos “não alfabetizados” que vivem em sociedades
letradas, apropriam-se, de certa maneira, da organização social e da lógica gráfica que
envolve o uso da escrita (COMERLATO, 2004). Contudo, não podemos negar que essa
109
Um deles não sabia nem a letra “A”. Parece que eles nunca entraram numa
escola, nem papai, nem mamãe. Eu ainda fui pra escola no sítio, tentei na
cidade ir lá ao colégio, mas não teve jeito não. Eu digo que não aprendi
nada na escola. O que eu aprendi foi no cordel e até agora eu digo que sei
ler até muito porque todos os dias eu leio um livro, leio uma carta, leio
revista, leio cordel, leio a bíblia, leio tudo. Eu sei ler (Zé Guri).
[...] Foi um período bacana, que foi nesse período que eu descobri que eu
poderia ser cordelista. Por que quando eu estudava oitava série um
professor, aqui de Caruaru, que ensinava História e Geografia, reservava
dez minutos das aulas e lia um cordel pra gente. Ele não escrevia, não sabia
nada de cordel, mas lia pra gente. Eu achei aquilo bacana e antes já tinha
feito algumas rimas em casa escondido para o povo não ver, aí fui e
mostrei a ele. Ele foi e me disse: “Rapaz, não esconda não”. Aí, essa é uma
das lembranças boas. Eu lembro que escrevi uma música também,
provavelmente na sétima série, sobre a história que um cara contou. Ele
escreveu uma carta para uma menina que ele estava a fim e me contou a
história. Sei que passou alguns anos, eu aprendi a tocar um pouco de
violão. Aí como já tinha a letra, eu dei uma ajeitadinha na letra e encaixou
numa melodia que eu arrumei. Aí, tenho esse brega lá em casa guardado
(Jailton Pereira).
São tantas lembranças. Veja bem, são tantas lembranças de escola. Pronto,
eu vou lhe falar uma lembrança que eu guardo muito e é de quando eu
cheguei em São Paulo. Eu com meu jeito de sítio, matuto, porque eu adoro
ser Nordestino, e quando eu entrei na escola alguns alunos... Eu sei que não
era por maldade, sabe? Naquela brincadeira, gaiatice, me botaram logo um
apelido. Se eu não me engano era Sibito do Nordeste. Era um negócio
assim. Foi passando o tempo, passando o tempo, até eu chegar ao ponto
de, lembrando daquilo e de algumas coisas que eu ouvir falar, eu fazer um
poema que está no livro, na primeira antologia da sociedade dos poetas,
intitulado “Meu jeito é matuto”. Isso é uma das coisas que eu lembro
muito. Não lembro com mágoa essa parte de que alguns falavam,
brincavam comigo. Eu sempre levava as coisas na brincadeira. O poeta
tem até a mania de pegar as coisas ruins e transformar em poesia. Então, eu
acho que tenho isso comigo também (Diosman Avelino).
Mesmo diante das intempéries, Diosman transformava as adversidades em temas
para os cordéis. Algo que comentou em diferentes trechos da entrevista: “as dificuldades que
a gente passa também pode ser transformada em poesia”; “Pra mim tudo vira tema, tristeza,
dor, amor...” e “A gente faz cordel do que ocorre de bom e do que acontece de ruim”.
Referindo-se às recordações da escola, Val Tabosa lembrou-se do seu bom
rendimento escolar e de, por isso mesmo, nunca ter ficado em recuperação final nas provas.
Ademais, o poeta comentou sobre as relações de amizade que, ainda hoje, mantinha com os
alunos e professores do período escolar. Resgatamos, abaixo, um excerto da entrevista de
Val Tabosa:
Por meio das narrativas acerca das experiências de escolarização dos poetas,
observamos que aqueles com menor escolaridade apresentaram relatos muito semelhantes,
sobretudo no que diz respeito às práticas educativas a que tiveram acesso e das relações
que, de uma maneira ou de outra, tinham com a escola. Quanto aos mais escolarizados,
mesmo que tenham rememorado vivências diferentes e que de início pudessem parecer
desvinculadas do tema desta dissertação, elas adquirem outros contornos quando nos
defrontamos e os relacionamos com as suas falas expostas nas próximas seções.
111
Quadro 11 – Materiais impressos que os poetas costumavam ler (ou tinham acesso) no
dia a dia
Poetas
Gêneros e J. Borges Paulo Zé Guri Val Diosman Jailton Total
suportes que Pereira Tabosa Avelino Pereira
costumavam ler
ou tinham
acesso
Cordel X X X X X X 6
Canção X 1
Almanaque X 1
35
Segundo Magda Soares (2009, p. 33), o termo letramento parece ter sido usado pela primeira vez no Brasil
em 1986 por Mary Kato no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”. Já em 1995 este
termo apareceu como parte de título de livro “Os significados do letramento”, este por sua vez organizado por
Angela Kleiman e “Alfabetização e letramento” de Leda V. Tfouni.
112
Livro X X X X 4
Revista X 1
Jornal X 1
Bíblia X 1
Total por poeta 3 1 4 2 2 3 15
Fonte: A Autora (2017)
As práticas leitoras dos poetas davam-se a partir de diferentes gêneros e por meio de
suportes textuais distintos (cordéis, almanaques, canções, livros, revistas, jornais e a bíblia).
De modo geral, os participantes reportaram-se ao cordel como um dos materiais impressos a
que costumavam ter acesso e que liam com maior frequência, sobretudo, porque eles tinham
a ideia de que “pra escrever cordel você tem que ler bem os cordéis. Aí, você vai pegando o
macete e já aprende escrever lendo os cordéis”, como revelou J. Borges.
Para além do cordel, Zé Guri citou outros gêneros e suportes (canção, almanaque e
livro), que eram, inclusive, vendidos por ele no ponto comercial de que dispunha. Conforme
assinalado por Melo (2011), os almanaques articulam os conhecimentos astrológico,
medicina popular, ciências ocultas ao saber religioso e às observações sobre a natureza. Eles
guardam muitas semelhanças com a literatura de cordel: muitos são escritos pelos
cordelistas, compartilham os mesmos processos de editoração, circulação (mercados e
feiras) e almejam o mesmo público leitor dos folhetos. Mais adiante, a autora explica que os
almanaques intercalam a poesia em versos com previsões do tempo, astrológicas e
ensinamentos morais. As canções, a que se referiu Zé Guri, eram poemas impressos em
folhas avulsas, comercializadas pelos folheteiros nas feiras e mercados nos anos 1970/1980
(AYALA, 2016). Retornando ao Quadro 11, é possível afirmar ainda que os entrevistados (J.
Borges, Val Tabosa, Diosman Avelino e Jailton Pereira) também recorriam à leitura de
textos fixados em livros (3), revistas (1), jornais (1) e na bíblia (1).
Dos dados apresentados, pode-se depreender que a literatura de cordel tornou-se uma
importante ferramenta de participação dos poetas alfabetizados (ou não) na cultura do
escrito. Galvão (2002) evidenciou que o fato de os folhetos serem lidos de maneira coletiva
e estarem, direta ou indiretamente, ligados à tradição oral os tornavam mais próximos
daqueles que apresentavam pouca familiaridade com o universo da escrita.
Apenas para acrescentar a esta reflexão, vale citar a afirmação de Paulo Pereira:
“Olhe, eu gosto muito de ler e aqueles cordéis que tem no Museu do Cordel quase todos eu
já li. Até antes deu saber ler, eu já gostava de cordel”. Existem diversos espaços de
letramento (como o Museu Olegário Fernandes), o que nos permite dizer que as relações
113
entre os indivíduos das camadas populares e o universo da cultura escrita nunca estiveram
vinculadas estritamente à escola, pois existem outras esferas de socialização que também
operam como agências de letramento (família, igreja, trabalho e outras). De acordo com
Kleiman (1995), a escola preocupa-se com um tipo de prática de letramento, a alfabetização,
concebido em termos de competências individuais, e não com o letramento enquanto prática
social.
Val Tabosa é membro de movimentos religiosos e nos disse: “Eu costumo ler pouco.
[...] a liturgia diária, que é um calendário litúrgico, é seguida de três leituras por dia e eu
faço isso todos os dias, mas outro tipo de leitura eu faço esporadicamente”. Na tese de
Oliveira (2015), que objetivou analisar os significados da leitura e da escrita literárias em
camadas populares residentes no Morro do Papagaio em Belo Horizonte – MG, a partir de
um estudo de natureza etnográfica, se constatou que os três participantes da pesquisa
(Luzia, 32 anos; Tatiana, 10 anos; e Matheus, 15 anos) apresentavam maneiras bastante
singulares de se relacionarem com a literatura em seu cotidiano e, além disso, a dinâmica
intrafamiliar, as trajetórias escolares e outras instâncias socializadoras (como as práticas
religiosas) influenciavam, diretamente, o modo como eles interagiam com o escrito.
Na mesma direção, Reis (2010), ao estudar como João Gumes, um sujeito
proveniente de uma família com poucas condições econômicas da cidade de Caetité – BA,
que participava ativamente na cultura do escrito durante as últimas décadas do século XIX e
anos iniciais do século XX, percebeu, através da análise documental, que existiam várias
instâncias formadoras (dentre elas, a família) que repercutiam no modo como o investigado
se relacionava com a leitura e a escrita. Seus resultados demonstraram ainda que, apesar da
instância familiar ter sido importante, ela não era a única a colaborar com a formação e
socialização de Gumes, pois a escola, o trabalho e as práticas religiosas também os
influenciavam.
Frente ao exposto, sublinhamos que o letramento extrapola a escola e a alfabetização,
referindo-se a processos sociais mais amplos. Passemos, então, a discutir sobre os materiais
de leitura de que os poetas dispunham em casa. Dois entrevistados mais velhos (Paulo
Pereira e Zé Guri) disseram não possuir nenhum material de leitura em suas residências. No
caso de Zé Guri, os objetos de leitura a que costumava ter acesso estavam disponíveis na
loja onde comercializava uma grande variedade de produtos (cordéis, almanaques, chapéus,
quadros, discos e outros).
Lahire (1998) atenta para a existência de modelos e objetos idealizados de leitura. As
representações que muitos indivíduos possuem acerca da leitura e escrita, cingidas,
114
sobretudo, pela lógica escolar, resultam no encobrimento de certas práticas e materiais que
não são considerados “oficiais” ou “legítimos”. Para melhor firmar o expresso, respaldamo-
nos na declaração de Borges: “Eu não leio hoje muito, porque vivo muito ocupado, mas tem
dia que eu subo ali em cima e pego um livro. Tenho um bocado de livro ali, livro que ganho
e eu leio. [...] Não leio muito não porque, ultimamente, eu não tenho muito tempo”. Os
materiais de leitura “legítima” eram os mais declarados pelos entrevistados e os que não
eram, embora de uso frequente, costumavam ser omitidos por eles. Reconhecemos, porém,
que a construção dessa pergunta (Que tipo de material impresso você costuma ler, ou tem
acesso, no dia a dia?) e, mais especificamente, do uso do termo “impresso”, pode ter levado
a isso (QUADRO 12).
2001). Isso nos leva a considerar que, apesar das aprendizagens básicas de leitura e escrita
serem importantes, o nível de escolarização não é, necessariamente, um fator decisivo para
que os indivíduos vivenciem determinadas experiências de letramento (GALVÃO, 2002).
Essa compreensão demonstra, no mínimo, que não há sempre uma relação
proporcionalmente direta entre o grau de escolaridade e os níveis de letramento,
contrariando o que tem defendido Ferraro (2002). Para este autor haveria uma equivalência
entre o nível de escolaridade e as medidas de letramento. Partia-se da concepção de que, em
função de certo grau de instrução, o indivíduo não só teria se apropriado do sistema de
escrita alfabética, isto é, se tornado alfabetizado, mas, também, teria adquirido as
competências básicas para o uso competente das práticas sociais de leitura e escrita, ou seja,
o letramento.
Com a criação do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, doravante INAF,
em 2000, pode-se evidenciar estatisticamente, através de testes e entrevistas, os usos que a
população brasileira tem feito da leitura e escrita. Os resultados deste estudo, realizado em
parceria com o Instituto Paulo Montenegro, entre os anos de 2012 e 2015, com 2.002
pessoas entre 15 e 64 anos de idade, revelaram que entre as pessoas que não chegaram a
frequentar a escola (97 dos entrevistados) ou que tinham no máximo quatro anos de
escolaridade (320), 283 delas permaneciam na condição de analfabetismo funcional, com 79
consideradas analfabetas e 204 no nível rudimentar. Nesse grupo, encontravam-se ainda 113
dos entrevistados no nível elementar, 17 no intermediário e somente 4 atingiram a condição
de alfabetismo proficiente. Levando em consideração as pessoas que cursaram pelo menos
um ano ou terminaram o ensino médio (795 dos respondentes), 382 atingiram, no máximo, o
nível elementar, 246 ficaram no grupo intermediário, enquanto apenas 71 situavam-se na
condição de proficiente. Com base nos dados desta pesquisa, percebemos que, embora a
escolaridade fosse um dos fatores explicativos da condição de alfabetismo, essa relação,
entretanto, não ocorria de maneira uniforme ou linear, pois havia pessoas que, mesmo tendo
chegado ao ensino médio, não conseguiam atingir o grupo mais alto da escala de
alfabetismo36.
Esse tipo de avaliação do letramento por amostragem, como o realizado pelo INAF,
parece ser, de acordo com Soares (2004), mais apropriado, porque evita que certo grau de
instrução seja um indicativo do nível do letramento e foge do pressuposto bastante discutível
de que o letramento seja alcançado, concomitantemente, com os processos de escolarização.
36
Entendemos alfabetismo como alternativa ao termo letramento.
116
Essa é uma noção restritiva e simplificadora do letramento, já que é associado, sob essa
ótica, exclusivamente à pratica da instrução formal (QUINTELA, 2013). No bojo dessa
discussão, para Street (2014), é preciso rejeitar certas concepções que privilegiam uma
forma particular de letramento, já que há múltiplos letramentos. Soares (2002), então, propôs
o uso do termo letramentos, no plural, justamente para enfatizar que as diferentes
tecnologias de escrita (tipográficas e digitais) gerariam diferentes estados ou condições
naqueles que delas fazem uso, resultando em diferentes letramentos.
Nessa acepção, também interpelamos os poetas sobre como, diariamente, obtinham
informações. Ratificamos, novamente, que não tivemos a pretensão de “medir” os níveis de
letramento dos poetas, mas apenas evidenciar alguns indícios acerca de determinadas
práticas de leitura e escrita por eles vivenciadas (QUADRO 13).
relações “entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais
amplamente, entre o ser humano e o conhecimento”. Este letramento, entendido como
estado ou condição de quem se apropria das novas tecnologias digitais e faz uso da leitura e
escrita na tela, difere, em diversos aspectos, dos que exercem as práticas de leitura e escrita
no papel.
O cordel foi o único meio de comunicação exposto por Paulo Pereira e do qual o
cordelista disse fazer uso, embora ele certamente obtenha informações também por outros
meios. Para Zé Guri, além do cordel, o rádio também desempenhava um papel fundamental,
sobretudo porque na cidade em que residia existiam várias rádios em funcionamento, dentre
as quais podemos destacar a Rádio Belo Jardim (104.9FM), Rádio Bitury (153.0 AM) e
Rádio Itacaité (88.1 FM). “Dialogar com as pessoas” e “ouvir rádio” foram respostas menos
recorrente entre os entrevistados, sendo mencionada apenas uma única vez, mas que, apesar
disso, demonstram a força da oralidade primária (conversa com outras pessoas) e da
oralidade secundária (rádio, televisão).
Nessa empreitada, também investigamos (por meio da pergunta: “O que você
costuma escrever no dia a dia e com que frequência?”) outras práticas de escrita vivenciadas
pelos participantes, para além da escrita de textos do gênero cordel. Consideremos, então, o
Quadro 14.
Poetas
Gêneros que Total
J. Paulo Val Diosman Jailton
costumam Zé Guri
Borges Pereira Tabosa Avelino Pereira
escrever
Cordel X X X X X X 6
Conto X 1
Canção X 1
Frases Poéticas X 1
Música X X 2
Toada X 1
Total por poeta 1 2 2 1 3 3 12
Fonte: A Autora (2017)
O cordel é o gênero que mais costumavam escrever, embora, para alguns dos poetas
(J. Borges, Paulo Pereira e Val Tabosa) esta não fosse uma atividade diária como era para os
demais depoentes (Zé Guri, Diosman Avelino e Jailton Pereira). Os poetas Paulo Pereira e
Jailton Pereira compunham músicas que haviam sido gravadas em CDs e, até, recebido
premiações. Diosman também declarou produzir toadas. Sautchuk (2009) elucida que o
118
aboio ou toada é também uma das formas poético-musicais que mantém relações temáticas e
formais com a cantoria. Trata-se de um canto (que pode ser improvisado) usado pelos
vaqueiros para conduzir o gado. As duplas de vaqueiros costumam adaptar esse canto para
os espetáculos (como as apresentações em vaquejadas ou gravações comerciais). Além da
toada, Diosman já tinha produzido alguns contos. No momento, estava dedicando-se à
escrita de cordéis, atualmente uma das suas fontes de renda. No geral, apesar dos poetas
produzirem outros gêneros literários ou não (conto, canção, frases poéticas, música e toada),
a produção de cordéis era mais comum e a que faziam com maior frequência.
4.4 Os primeiros passos para tornarem-se cordelistas: memórias sobre o fazer poético
[...] Eu carregava a mala de livro para todo canto que eu ia. Eu carregava a
viola de um lado, o pandeiro em uma pasta e a mala de livro do outro lado.
Porque quando eu chegava na feira que tinha um cantador de viola, nós
fazia cantoria, se chegasse a outra feira que tivesse um coquista nós fazia
embolada e quando não tinha ninguém eu ia vender folheto sozinho. Aí, de
todo o jeito eu aproveitava o tempo e o trabalho. Eu pegava o cordel,
comprava e saía cantando na feira fazendo a propaganda (Zé Guri).
na oralidade, não apenas por ser cantado ou declamado, mas por ter trazido o repente e a
embolada para o interior da composição escrita.
Reconhecemos que, apesar desses gêneros discursivos (cordel, repente e embolada)
apresentarem semelhanças no que concerne os seus aspectos formais (rima, métrica e
oração) e estarem intimamente relacionados em sua história e prática, eles são distintos
(SAUTCHUK, 2009). O cordel trata-se de um gênero de composição escrita, embora possa
ser oral no que diz respeito à sua transmissão e fruição. Já o repente ou cantoria é um gênero
poético-musical improvisado, no qual, geralmente, os repentistas, com o auxílio da viola,
apresentam-se em dupla, alternando na criação das estrofes. Essa relação entre os
cantadores, como enfatiza Sautchuk (2009), pode ser caracterizada tanto pela disputa quanto,
também, pela parceria. A embolada é um gênero bastante confundido com a cantoria,
contudo o desafio poético entre os dois poetas é acompanhado pelo som do pandeiro ou
ganzá (SAUTCHUK, 2009)37.
Além disso, notamos, através da declaração de Zé Guri, que, para tornar-se
folheteiro, era necessário saber cantar ou declamar os folhetos publicamente. Os poetas,
sobretudo os mais velhos, costumavam usar a expressão “cantar folheto” ou “cantar
cordel”38. Sobre isto, Paulo Pereira comentou:
Olhe, na minha infância eu já cantava cordel. Eu ganhava dois mil réis pra
cantar cordel, porque eu canto cordel. O cordel cantado ele é mais bonito.
Você lê tá certo, mas você vai cantar o cordel chama atenção. Entendeu
como é? Esse cordel da caveira e o viajante eu coloquei uma melodia nele
que é uma melodia bonita pra cantar. Se for o cordel em embolada eu canto
ele no ritmo de embolada, se for de forró, se for de canção, se for de aboio,
do que ele for publicado eu canto. Se for uma história triste eu coloco uma
melodia triste, se for uma história alegre eu coloco uma melodia alegre
(Paulo Pereira).
Esse canto dos folhetos, como explica Arantes (1982), era sempre acompanhado de
breves explicações ou comentários sobre os enredos, chamando-se, dessa maneira, a atenção
dos ouvintes para as histórias narradas pelos vendedores. Este autor, como bases nos dados
da sua pesquisa realizada nos anos 1970, enfatiza que os folheteiros costumavam chegar
cedo à feira para montar sua “banca”. Geralmente, eles colocavam os cordéis em uma maleta
que ficava exposta sob uma armação de madeira, abriam o guarda-sol, levantavam o tripé do
37
Há outras distinções entre os gêneros apontados por Sautchuk (2009).
38
Não podemos desconsiderar que determinadas semelhanças entre esses poetas são decorrentes das
experiências sociais e vivências comuns que compartilham, especialmente por pertencerem a um mesmo grupo
geracional.
120
Poder acompanhar a reação dos ouvintes no transcorrer das histórias permitia que os
vendedores identificassem aquelas narrativas que melhor agradavam os compradores, o que,
possivelmente, o influenciava no momento de compor uma nova história (ABREU, 2006).
As feiras, certamente, constituíam-se como importantes espaços de comercialização dos
folhetos (AYALA; FREIRE, 2010), ainda que houvesse outros locais (como os mercados, as
tipografias, os correios ou até a própria casa do autor) onde facilmente podia-se ter acesso a
esse tipo de material impresso (GALVÃO, 2000). Para a maioria dos poetas que
entrevistamos (J. Borges, Zé Guri, Paulo Pereira e Val Tabosa), a feira havia sido a primeira
instância de leitura/audição dos folhetos, como relembrou Val Tabosa:
Além das feiras, os folhetos costumavam ser lidos/cantados nas próprias residências
dos poetas ou familiares, onde, geralmente, as pessoas reuniam-se em grupos para declamá-
los/lê-los, conforme também atestado por Galvão (2000). O fato é que, declamada ou
cantada, a leitura desses versos torna-se parte da existência de um público leitor/ouvinte
formado por adultos, jovens e crianças, mas que não, necessariamente, dominavam as
habilidades de leitura e escrita. Em outras palavras, a leitura coletiva dos folhetos
congregava pessoas de diferentes localidades e níveis de escolaridade (CABRAL, 2016).
Nessas situações de leitura coletiva dos cordéis, Arantes (1982) informa que as pessoas
costumavam reproduzir em casa o modo de leitura realizada pelo folheteiro. J. Borges, ao se
referir às situações de leitura e audição de folhetos, acrescentou:
A gente não tinha acesso a livro, jornal, não existia televisão nos anos 40,
já tinha a Rádio Clube e a Rádio Jornal, mas só quem possuía rádio era
rico. Aqui ou acolá, tinha um fazendeiro que tinha um rádio de bateria que
levava pra carregar, no sábado, na cidade e usava o rádio só durante a
semana, mas a gente não tinha nem o direito de chegar na porta. Então, não
tinha informação nenhuma e aonde tinha informação era o cordel que era
lido nas bocas de noite, nos feriados, nos sábados e domingos. Meu pai
gostava muito de ler cordel. Toda noite ele lia um, dois e eu ficava na mesa
escutando e ali mesmo eu cochilava, dormia. E eu me apaixonei. Quando
eu cheguei, nos vinte anos, comecei a trabalhar com cordel e até hoje (J.
Borges).
que, no início do século XX, as distinções entre campo e cidade não eram tão evidentes no
Nordeste. Apesar do público dos folhetos pertencer, predominantemente, às classes
populares, a elite também se interessava pelo cordel, considerado como uma das principais
fontes de lazer.
A esse respeito, Galvão (2005) defende que a atribuição de um caráter rural ao cordel
precisa ser complexificada, tendo em vista que o seu surgimento e desenvolvimento só
foram possíveis no contexto de urbanização. Aliás, como discute a autora, os primeiros
folhetos produzidos, sobretudo na sua primeira fase, estavam principalmente direcionados
para um público urbano.
Nas primeiras décadas do século XX, o jornal ainda não estava acessível à grande
parcela da população e o rádio ainda se encontrava em processo de expansão. A
leitura/audição dos folhetos era a principal forma de diversão, lazer e informação.
Com efeito, os chamados “folhetos de acontecido” ou “folhetos circunstanciais”, que
divulgavam as notícias diariamente a nível local, nacional e internacional, eram
considerados os “jornais do povo”. Até mesmo naqueles lugares onde se dispunha do rádio,
os folhetos ainda tinham um importante papel informativo (GALVÃO, 2006). Percebemos
a pertinência desta colocação quando observamos o relato de Paulo Pereira:
O cordel é o jornal do povo. Na época que o cordel surgiu não existia a
tecnologia que existe hoje. Então, quando acontecia um fato, se fazia um
apanhando de tudo aquilo ali, do dia, da hora que aconteceu, os
personagens que estavam envolvidos naquele problema, tudo para poder se
escrever um cordel. [...] Tá certo que a gente faz um cordel de brincadeira,
como um homem casando com uma jumenta ou uma mulher sem cabeça
correndo pelo meio da rua. Isso tudo é pra brincadeira, mas quando são
fatos reais a gente tem que fazer do jeito que aconteceu, porque esse é o
jornal do povo (Paulo Pereira).
[...] Tinha um programa aqui em Caruaru, eu ainda era criança, que era
Cantorias na TV, se eu não me engano. Aí, nesse programa quem
apresentava era Ivan Lourenço. Como meus pais gostam de cantoria, eles
assistiam na antiga TV Pernambuco. Eu criança via e gostava daquilo [...]
(Jailton Pereira).
O pessoal não sabe o que é um cordelista que canta, porque agora eles
dizem que o cordelista é só quem escreve, mas o cordelista que eu digo se
chamava romancista ou folheteiro na época. A gente comprava na
folheteria o folheto e saía cantando. Era cordelista também. Agora, parece
que o cordelista é só se escrever. Também, na época, o nome mais
conhecido era folheteiro. O livro era folheto. E agora é cordelista e o livro
é o cordel. É um nome um pouco diferente. O pessoal novo não sabe o que
é folheto e o pessoal novo ainda não sabe o que é cordel. O cordel quer
124
Tendo em vista o que foi atestado por Zé Guri, a denominação cordel remetia-se ao
fato de os livros serem postos à venda pendurados em um barbante. Embora várias
pesquisas tenham apontado que a origem dos folhetos é ibérica, o estudo conduzido por
Abreu (1993) evidenciou que a literatura de cordel portuguesa, apesar de ter exercido
alguma influência nos folhetos nordestinos, não se constituiu a matriz a partir da qual esse
tipo de literatura se desenvolveu no Brasil. Os poetas nordestinos introduziram significativas
alterações nos enredos e, principalmente, nas formas de composição.
Na seção seguinte, apresentamos como ocorreu o início da produção de cordéis dos
poetas entrevistados.
de material impresso (Jailton Leite e J. Borges); o segundo trata dos poetas que estavam na
faixa etária dos 30 a 40 anos de idade quando produziram o primeiro folheto (Diosman
Avelino e Val Tabosa) e o último concerne àqueles poetas que começaram a produzir
cordéis mais tardiamente (Zé Guri e Paulo Pereira), estando ambos com 60 anos.
No entanto, se observamos o Quadro 15 em função do período de início das
produções de cordéis, averiguaremos a presença de três subgrupos diferentes em relação à
idade de início da produção cordelística e idade atual. Percebemos, por exemplo, que J.
Borges tem o maior tempo de experiência como cordelista (51 anos), distanciando-se, no
que se refere ao tempo de atuação, dos demais poetas. Podemos notar, ainda, que os poetas
Jailton Leite, Val Tabosa e Paulo Pereira apresentam tempos de experiência de produção
próximos (16, 13 e 11 anos), mas com variações de 5 a 3 anos. Zé Guri e Diosman Avelino
são aqueles que começaram a escrever cordéis mais recentemente, em torno de 3 a 6 anos,
embora tenham quase 30 anos de diferença de idade. Se atentarmos para a idade atual dos
poetas quando foram entrevistados, essas divisões que realizamos anteriormente em função
da idade e do período de início da escrita do gênero sofre algumas modificações: J. Borges e
Paulo Pereira correspondem ao grupo dos poetas mais velhos (71-80 anos); Zé Guri e Val
Tabosa estão no grupo intermediário (66-54 anos) e Diosman Avelino e Jailton Pereira são
os poetas mais novos (34-38 anos). Tendo em vista estes aspectos apontados, consideramos
que eles podem nos ser bastante úteis, sobretudo para justificarmos as possíveis
diferenciações e/ou aproximações desses poetas quanto aos seus níveis de conhecimento
sobre o gênero discursivo que produzem.
Tal como indicado por J. Borges, o começo da sua produção de cordéis ocorreu em
1964, anos após ter trabalhado como vendedor ambulante nas feiras.
vender esse, eu já fiz outro. E daí que eu continuei e vi que tinha futuro.
Comecei a escrever, mas ninguém nunca me incentivou não (J. Borges).
Quando eu vim ter mesmo contato com o cordel foi há dez, doze anos
atrás. Por aí. Quando eu vim embora de volta de São Paulo, aí eu trouxe
uma pasta com um monte de poesias que eu já fazia e entre aqueles poemas
ali vários eram no estilo de literatura de cordel em sextilha e em quadra.
Aí, eu conheci um poeta em Arcoverde chamado Manuel de Lima. Ele é
repentista e cordelista. Acho que qualquer repentista pode ser cordelista,
mas nem todo cordelista pode ser repentista. Aí, eu mostrando,
conversando com Manuel de Lima e ele vendendo seus folhetos assim.
Parei lá algumas vezes, conheci, comprei, comecei a ler os cordéis dele e
dizendo: “Mas rapaz, acho que eu faço isso aqui também”. Só que eu via
que sempre tinha 24 estrofes, 32 e tudo longo, mas eu escrevia 10 estrofes,
5, 6, 4. Aí, eu dizia: “Mas rapaz, será que um dia eu vou conseguir fazer
um folheto de cordel um dia?”. Comecei conversando com Manuel de
Lima e ele falando dos cordéis. Ele declamava pra mim, lia e tal. E eu já
gostava, já era amante da poesia de mais. Através disso, dele e de outros
caras que eu fui conhecendo aí, quando vi já estava com vários cordéis. [...]
Agora, o primeiro folheto meu a ser impresso foi esse aqui “O meu Sertão
127
Se por um lado houve entrevistados que tiveram a ajuda de algum poeta, na época,
mais experiente ou que, até mesmo, não foram aparentemente incentivados por alguém a
produzir cordéis, por outro existiram alguns deles (Jailton Pereira e Val Tabosa) que
receberam muito incentivo familiar, o que demonstra, de certo modo, o papel da família nas
experiências de letramento.
Minha mãe quando via eu tímido ainda, até para mostrar os cordéis, ela
sempre incentivava. Ela dizia: “Passe e mostre, é assim”. Eu dizia: “É
porque eu tremo muito, fico nervoso”. Aí, ela dizia: “Tem nada não”. Aí,
isso tudo foi me incentivando. Minha mãe incentivou muito e de fora teve a
prima que eu falei a você. Eu mostrei e ela disse que não era pra eu deixar
numa gaveta não. Aí, eu achei bacana, porque ela usou até o termo assim:
“Olhe, isso Deus está lhe dando pra você compartilhar com a
gente”(Jailton Pereira).
Escrever o cordel eu fui incentivado pelo meu irmão, Dorge Tabosa. Dorge
Tabosa é mais novo do que eu, mas desde cedo ele começou a escrever
cordel, livros, declamações. Eu achava muito interessante ele fazer, mas eu
nunca fazia. Aí, depois, quando houve um concurso de literatura de cordel,
promovido pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional] e nesse concurso era para salvaguardar a feira de Caruaru, e
nesse concurso tinha o critério que tinha que ser com 32 estrofes de seis
linhas em sete sílabas. E ele me incentivou: “Faz, faz, que tu sabe fazer”.
Em algum momento de festividade da família eu fazia alguns versos e ele
achava que eu tinha jeito. Então, eu fiz esse poema, mostrei a ele para
[que] ele corrigisse se estava errada a ortografia e ele disse que estava
muito bom (Val Tabosa).
Durante muito tempo, prevaleceu o mito, dentre vários outros, de que a escrita seria
um dom. Essa perspectiva se manteve (e ainda permanece) intacta no imaginário de
inúmeras pessoas e, até mesmo, de escritores experientes. Ao perguntarmos aos depoentes
sobre os seus primeiros contatos com o cordel, identificamos que três deles (Paulo Pereira,
Diosman Avelino e Jailton Pereira) apresentavam concepções semelhantes sobre a origem
da sua habilidade poética. À guisa de exemplificação, listamos alguns desses depoimentos:
Paulo Pereira: O cordel tem que ter o dom de fazer. Se não tiver, não faz
não. Não faz não, porque você tem que saber colocar as rimas todinhas.
129
Jailton Pereira: Alguns poetas defendem que você pode ser poeta
querendo, mas eu acho que só quando tem dom, porque eu fazia isso sem
saber e ninguém me ensinou a fazer [...].
Jailton Pereira: Eu não sei como aprendi. Eu sei que tentei e fiz. Aí, eu
acho que é do dom da pessoa [...].
Diosman Avelino: [...] Acho que foi a coisa melhor que Deus me deu foi a
de fazer poesia, porque às vezes você tá com raiva, aí faz um verso, faz um
poema.
39
SAUTCHUK, Ibid., p.98.
130
Eu aprendi porque eu lia muito. Você lendo uma coisa muito você vai
aprender tudo. Por que se você tiver o dom, você vai se adequando,
sabendo como faz a rima e as colocações todas do cordel. Você vai
aprendendo (Paulo Pereira).
Entretanto, é preciso considerar que a relação entre leitura e escrita, leitor e escritor
não ocorre de maneira mecânica, embora a leitura constitua, de fato, uma fonte importante
sobre “o que dizer” e “como dizer”: uma pessoa que lê muito não significa que,
automaticamente, ela escreve bem. A fala de Borges nos ajuda a balizar tal afirmação:
2002). Entender essa dinamicidade é, conforme esse autor, uma condição sine qua non para
análise e compreensão dos gêneros, pois, do contrário, corremos o risco de considerá-los
fixos e imutáveis.
Sabemos, também, que ao escrever um texto, o escritor elege o gênero em
decorrência não apenas daquilo que deseja dizer, mas do efeito que pretende produzir no(s)
seu(s) interlocutor(es), dado que cada enunciado integra o eterno diálogo determinado “[...]
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém”
(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV ([1929-1930] 2010, p. 113). Esta concepção da linguagem, de
viés sociointeracionista, se contrapõe à ideia de que a língua é apenas um instrumento de
transmissão de informação, posto que a entende de modo interacional, considerando “os
sujeitos [...] como autores/construtores sociais, sujeitos ativos que - dialogicamente - se
constroem e são construídos no texto” (KOCH; ELIAS, 2008 p.10).
Podemos, assim, frisar que essa dimensão pragmática da língua focaliza a exploração
das atitudes do produtor e do destinatário do texto nas situações de comunicação,
relacionando-se, “por conseguinte, nesse quadro, os traços textuais da intencionalidade
referentes à atitude do produtor; os da aceitabilidade ligados à reação do receptor; os da
situacionalidade relacionados com as situações comunicativas” (GUIMARÃES, 2013, p.55,
grifo da autora).
Ainda a respeito dos aspectos de natureza pragmática, Spinillo (2009) afirma que,
por exemplo, o conteúdo e a função podem ser aprendidos informalmente e, por isso, seriam
menos complexos que os aspectos linguísticos (estrutura do texto, organização de suas
partes constituintes e convenções linguísticas) que demandariam do indivíduo certo nível de
aprendizagem escolar. Contudo, consideramos que os aspectos linguísticos requerem a
aprendizagem escolar quando se trata de gêneros que são aprendidos, majoritariamente, na
escola. O cordel, até a alguns anos, não era aprendido na escola, assim como hoje os posts
do facebook ou as mensagens do whatsapp também não são.
Reconhecemos que os textos são regidos por regras que podem ser aprendidas às
vezes de maneira tácita, outras vezes de forma intencional, porém, isso não significa, de
modo algum, que a dimensão sociodiscursiva dos gêneros não deva ser objeto de ensino na
escola40.
40
Dolz e Schneuwly (2004) propõem a organização do trabalho de produção de textos, dos diferentes gêneros,
por meio de sequências didáticas que se constituem em estratégia de ensino e se tornam instrumentos que
podem guiar os professores em sala de aula.
134
Propósitos Total
Paulo Val Diosman Jailton
comunicativos J. Borges Zé Guri
Pereira Tabosa Avelino Pereira
do cordel
41
Pensamos, a partir de Schneuwly e Dolz (1999), que as práticas de linguagem materializam-se através dos
gêneros e, como dimensões particulares do funcionamento da linguagem, têm implicações sociais, cognitivas e
linguísticas.
135
Informar sobre
X X X X X 5
acontecimentos
Contar uma
X 1
história
Fazer uma
X 1
crítica social
Ensinar algo X X X X 4
Incentivar a
X 1
leitura
Divertir X X X 3
Total por poeta 3 3 2 3 1 3 15
Fonte: A Autora (2017)
Como pode ser observado no Quadro 16, foram predominantes nas verbalizações dos
cordelistas os propósitos comunicativos de informar, ensinar algo e divertir 42. De acordo
com Curran (2011), podemos dizer que as funções do cordel, referidas pelos entrevistados
acompanham a própria história e o surgimento deste gênero no Brasil. Nas primeiras
décadas do século XX, o cordel era consumido, sobretudo, como forma de lazer coletivo, de
socialização e de informação (RESENDE, 2010). Nessa época, para muitos
leitores/ouvintes, os cordéis eram considerados mais acessíveis do que outros meios de
comunicação. Ademais, Galvão (2006) evidenciou, através do depoimento de Zé Moreno
(um leitor/ouvinte de cordéis, entre 1930 e 1950, em Pernambuco), que a preferência das
pessoas pelos folhetos estava relacionada, entre outras coisas, à questão da compreensão: a
familiaridade com esse gênero era importante para que elas melhor entendessem a notícia e
o fato do texto ser impresso permitia várias retomadas a ele por parte do leitor.
Nas entrevistas que realizamos, o cordel foi mencionado pela quase totalidade dos
poetas (5) como um importante veículo de informação. Apresentamos, a seguir, enxertos de
depoimentos que ilustram essa nossa observação:
Hoje, ele [o cordel] serve do mesmo jeito que servia, só que diferente. Ele
serve hoje para diversão: o caba compra pra ler pra achar engraçado. Serve
também para ensinamento, porque antigamente ele ensinava as pessoas que
não sabiam ler e hoje ele ensina.[...] Então, hoje, ele [o cordel] já ensina
esse povo sabidão e ainda serve como diversão. E, às vezes, também ainda
como jornalismo, porque quando acontece alguma coisa alguém faz o
cordel. Tinha o cordel que era tipo jornal, como a “Virada do caminhão em
Gravatá”. Vendeu muito. Foi em 49 [...] (J. Borges).
42
Muitos dos propósitos comunicativos dos gêneros apresentados pelos cordelistas parecem, inclusive, se
fundir.
136
que ele vai gostar de ler, porque tem história de Lampião, história de
regime militar, de tudo tem no cordel. Tudo que você procurar, está tudo
no cordel (Paulo Pereira).
[...] Pode até alguém contestar isso aí, mas ele é uma coisa só pra diversão.
Mas, não pode ser só isso aí não. Pode ser uma ferramenta de informação,
de educação, no sentido do sujeito aprender a ler através de um cordel
(Jailton Pereira).
Nesses relatos, percebemos ainda que, para além da função informativa, como
apontam diversos pesquisadores (LEMAIRE, 2010; RESENDE, 2010; QUINTELA, 2013),
o cordel tornou-se uma fonte de diversão e formação. Durante o apogeu da literatura de
cordel no Brasil, a leitura/audição dos folhetos uma importante forma de informação e lazer,
principalmente em algumas comunidades e para alguns grupos sociais, devido à dificuldade
de acesso aos jornais, aos altos custos do rádio e à ausência da televisão. Em vista disso, os
folhetos eram considerados, para muitos leitores/ouvintes, uma fonte de informação capaz
de divertir (GALVÃO, 2000).
Galvão (2006), ao investigar os meandros da literatura de cordel em Pernambuco nas
décadas de 30, 40 e 50 do século XX, observou o papel educativo presente na leitura e
audição dos folhetos, já que inúmeras pessoas eram, através deles, alfabetizadas em um
processo, por vezes solitário, de reflexão metalinguística. Os cordéis pareciam se constituir,
consoante a autora, como a principal mediação entre os sujeitos e o mundo da leitura e
escrita, visto que, nos idos das primeiras décadas do século XX, em que os baixos índices de
escolarização eram uma realidade brasileira e as taxas de analfabetismo chegavam a quase
70% da população com mais de 15 anos, eles eram tidos como um meio capaz de auxiliá-las
no desenvolvimento das competências de leitura.
Entretanto, para Resende (2010), essa função social de alfabetização, desempenhada
pelo cordel tradicional não se observaria mais nos dias de hoje devido à expansão das
escolas e à ‘despopularização’ do gênero. Não obstante, a autora alerta que, atualmente,
procura-se utilizar os folhetos em sala de aula como atividade de leitura, de valorização
cultural e não como um recurso de alfabetização. Devemos lembrar que essas modificações
apontadas por Resende (2010) decorrem, pelo menos, de dois fatores. Em primeiro lugar, do
fato de que os gêneros, por não serem estáticos, estão constantemente suscetíveis a
alterações sociais, históricas e culturais. Em segundo lugar, pelas transformações da situação
educacional e condições sociais do país, como revelado pelos resultados do Censo de 2010,
divulgado pelo IBGE, que mostra que os índices de analfabetismo caíram, entre a população
de 15 anos ou mais de idade, para 9,6% (o que representa ainda 13.933.173 dos brasileiros).
137
era a de valorização cultural, tal qual podemos observar no seguinte trecho da entrevista de
Jailton:
Sobre a finalidade desse cordel [A feira que tudo tem], eu tenho que ser
bem claro: eu queria ganhar o prêmio. Eu fiquei em segundo. Aí, eu me
preocupei com isso. Mas eu já fiz um cordel “O Nordeste tudo tem” [o
poeta se remete a um folheto de que não dispunha naquele momento]. Aí,
eu fiz buscando mostrar as coisas da cultura Nordestina. Eu falei,
sobretudo, de Pernambuco. Falei do festival de inverno, falei de
bacamarteiros... Aí, eu fiz esse no intuito da rapaziada... que lesse,
valorizasse isso aí que muita gente não valoriza: a cultura. Falei do
cantador de viola, do coquista. Aí, é tão provável que foi... Tinha um
professor que tinha me dado aula, e ele usou esse cordel em aulas de
história. Ele substituiu uma apostila por esse meu cordel. Tem algumas
pessoas que brincam com situações políticas, mas eu nunca fiz não com
situações políticas. Ou eu fiz? Parece que eu fiz há um tempo um cordel
chamado “Preciso ver primeiro pra poder acreditar” em que eu digo umas
coisas com graça, mas, como se diz, dando uns cutucões e fazendo uma
crítica social (Jailton Pereira).
Esse aqui mesmo, religioso, serve para palestras com temas religiosos. Eu
uso muito esse cordel em palestras religiosas. Tem uns humorísticos, tem
uns que são críticos, da atualidade. Então, quando a gente vai pra um
canto... Eu não sei decorado todos eles. Eu sei decorado, mais ou menos,
uns 14. Então, a gente vai pra algum canto, fazer uma apresentação, e no
ambiente a gente vê qual a necessidade daquele público. Então, a gente diz
um poema que o pessoal gosta. Então, depois vem outro e a gente faz uma
reflexão. Depende muito do público. O público jovem gosta de sorrir, dar
risada, gargalhada. O público mais ligado à cultura gosta de apreciar a
riqueza da poesia [...] (Val Tabosa).
139
Eu escrevo mais temas de humor, para divertir, como esse aqui [O homem
que nasceu pra ser chifrudo e as mulheres gaieiras]. Hoje, o povo lê rápido,
dá uma risada e joga pra lá. Não se tem mais tempo de tá lendo cordel
como era antigamente. Agora, eu faço uns por encomenda, também como
esse “Como evitar a AIDS”, que foi orientando como a pessoa se prevenir
da doença [...] (J. Borges).
Jailton Pereira, que, apesar de explicitar as finalidades dos cordéis, mencionou o objetivo
pessoal de “ganhar o prêmio de um concurso”, ao tratar-se de um determinado folheto.
Notamos que Zé Guri, apesar de reconhecer certos propósitos comunicativos do
gênero, como o fez anteriormente, não conseguiu explicitar verbalmente o(s) propósito(s)
funcional(is) dos folhetos de sua própria autoria. Respondeu à pergunta dirigindo-se aos
leitores e não às suas finalidades, como podemos observar no seguinte trecho: “o cordel
agora só serve mais para o aluno, porque ele não sabe o que é folheto e muita gente não sabe
o que é cordel [...]”. De fato, os leitores relacionam-se intimamente com os propósitos a que
se prestam os gêneros discursivos, o que pode fazer com eles se (con)fundam.
Vislumbramos, por conseguinte, que a compreensão acerca dos propósitos
comunicativos parecia não estar relacionada, diretamente, com a escolarização dos poetas,
mas, sim, com o tempo de escrita do gênero (aqueles com maior período de produção do
gênero conseguiram explicitar verbalmente os propósitos dos cordéis, justificando as
respostas).
5.1.2 Os leitores/ouvintes
o mesmo, pois, “hoje, ele está muito mais próximo do autor-texto e o que lhe chega às mãos
está diante de seus olhos, não a centenas de quilômetros de distância”.
Se o cordel tradicional esteve marcado pela autoria individual e a leitura coletiva, no
“ciber cordel” tem ocorrido o inverso - a produção tem sido coletiva enquanto a leitura é
individual (AMORIM, 2009). Para a autora, o leitor pós-revolução eletrônica tem a
possibilidade de intervir no texto, submetendo-o às suas próprias decisões, incluindo ou
excluindo partes da versão original. Perante esta realidade, buscamos identificar,
respaldando-nos nos depoimentos dos entrevistados, o público leitor/ouvinte dos seus
cordéis e, para propiciar visão do conjunto das respostas, elaboramos o Quadro 17.
Total
Público leitor Paulo Val Diosman Jailton
J. Borges Zé Guri
dos cordéis Pereira Tabosa Avelino Pereira
Pessoas mais
X X 2
velhas
Poetas X X 2
Estudantes X X X X 4
Apreciadores de
X 1
poesia, no geral
Povo X 1
Total por poeta 2 1 2 1 2 2 10
Fonte: A Autora (2017)
lê, quem gasta... Tudo que se fabrica no mundo é para vender para o povo
(J. Borges).
No que tange aos leitores/ouvintes dos cordéis dos anos de 1930 e 1940, Galvão
(2006) mostrou que eles eram constituídos por homens, mulheres e crianças. Mesmo que
não dominassem as habilidades de leitura, os homens participavam dos espaços públicos de
leitura, ouviam os vendedores declamando na feira e adquiriam os impressos. Às mulheres e
crianças era reservado, sobretudo, o espaço doméstico de leitura. Fossem moradores de
comunidades rurais ou das cidades de médio e grande porte, os leitores/ouvintes eram,
majoritariamente, analfabetos ou semianalfabetos.
Nas últimas décadas, com a ampliação do nível de escolaridade, as modificações no
perfil socioeconômico do poeta, os processos de distribuição, recepção e produção dessa
literatura alteraram-se radicalmente (RESENDE, 2010).
Dirigindo-nos, novamente, ao Quadro 17, visualizamos que para Diosman e Jailton,
os leitores de cordéis têm sido formados, principalmente, por poetas e estudantes. Em
muitas ocasiões, os cordéis têm circulado entre os próprios cordelistas, por meio das
associações e dos meios de comunicação digital. É nesta linha que interpretamos estes
depoimentos:
Acredito que são mais os próprios poetas. É lamentável a gente falar, mas
eu digo pra você que a gente tem professores que não são leitores, não é
verdade? Quem era mais pra ler... Você vai numa escola qualquer dessas
aí, em qualquer lugar do Brasil, você leva os folhetos, [e] às vezes os
alunos compram, e o professor não compra o cordel (Diosman Avelino).
Essas falas de Diosman e Jailton denunciam que, para eles, muitos professores não
são leitores de cordéis. Atinente a isto, Medeiros e Alves (2014) apontam que a poesia
“popular” na escola tem ainda se deparado com vários problemas: em geral, ela só tem
notoriedade em datas comemorativas ou é utilizada apenas como pretexto para correções
linguísticas e para facilitar o ensino de determinados conteúdos, perdendo o seu valor
estético. Por conseguinte, os professores normalmente não teriam o hábito de leitura desse
gênero literário. Em paralelo a declaração de Medeiros e Alves (2014), recorremos às
palavras de Pinto (2006, p.21) ao afirmar que “a quase ausência de folhetos nos livros
didáticos e o tratamento, muitas vezes, equivocado do assunto quando consegue ser
alcançado à condição de matéria de leitura e de aula provam que o cordel ainda não está
efetivamente na pauta da educação formal”.
144
A partir do exposto, concluímos que os poetas deram respostas mais gerais sobre o
público leitor, embora o questionamento, conforme demonstramos, tenha sido direcionado a
um folheto específico. Os cordelistas, sobretudo os menos escolarizados, disseram não
acionar informações sobre os possíveis leitores durante a escrita dos cordéis. Todavia, cabe
ressalvar que, durante a entrevista, a influência dos leitores/ouvintes sobre a produção foi
mencionada por eles, tal como J. Borges no seguinte excerto: “Eu faço meus cordéis baseado
nisso, no sentimento das pessoas, no que o povo gosta, porque eu fico pensando: isso aqui o
povo não gosta muito, agora desse jeito aqui eles gostam. Aí, é assim. Eu sempre escrevo
dessa maneira”.
Esse testemunho de Borges, inclusive, contradiz a ideia anterior. Diante disso, não
podemos alegar que os participantes investigados não refletiam, de modo algum, sobre os
possíveis leitores dos seus cordéis, pois, durante o processo de interlocução, eles
145
A minha imaginação é que todos pudessem ler esse cordel, todos que
sabem ler lessem e aqueles que ainda não leem que ouvissem, pelo menos,
alguém lendo. A única coisa que eu penso é que seja para qualquer um, se
vai agradar. Eu não penso muito, assim, quem vão ser os leitores, porque a
gente tem que ser consciente de que você pode gostar desse aqui e fulano
pode não gostar, entendeu?” (Diosman Avelino).
Com base neste relato, entendemos que o respectivo entrevistado não definiu, de
maneira específica, o público leitor do seu cordel, todavia, para Val Tabosa, as temáticas e o
contexto narrativo do folheto já revelam o destinatário para quem o escritor dirigiu o texto.
Mas, é preciso considerar, também, que o sentido do texto não está dado, ele é construído
tanto pelas “sinalizações” feitas pelo autor quanto pelo conhecimento que o leitor já possui e
é capaz de mobilizar durante a leitura. Sobre isso, eis o seguinte fala:
Esse cordel com temas religiosos, aí a gente tem a ideia de que as pessoas
ligadas ao movimento vão ter uma apreciação maior, né? O cordel “Águias
do Agreste” eu fiz para o moto clube do qual eu faço parte. Então, outros
cordéis que eu tenho eles nem leem, mas esse eles acham interessante,
porque falam da nossa história, né? Eu não posso levar um cordel desse
que fala de motociclismo e botar na igreja, porque as pessoas não vão achar
interessante, já que não conhecem a história. [...] Aí, cada cordel tem um
público diferente que depende, também, do tema (Val Tabosa).
Indicação de
Paulo Val Diosman Jailton
autoria nos J. Borges Zé Guri Total
Pereira Tabosa Avelino Pereira
folhetos
Insere o nome
do autor na X X X X X X 6
capa
Insere o nome
do autor no
X X X X X X 6
interior do
folheto
Inclui lista com
principais
obras do autor X 1
na quarta capa
do folheto
Faz ou
pretende fazer X X X 3
uma biografia
Total por poeta 2 3 3 3 3 3 16
Fonte: A Autora (2017)
No que se refere às indicações de autoria dos cordéis, todos os poetas (os seis
participantes entrevistados) disseram inserir o próprio nome (ou o nome artístico), por
extenso, na capa, e no interior do folheto (no início ou no final do texto). Metade dos
entrevistados (3) reportou-se ao uso de biografia, tendo já sido empregada nos impressos ou,
ainda, pretendendo utilizá-la em publicações futuras. A totalidade dos participantes (6)
também conseguiu indicar essas informações no próprio folheto.
No bojo dessa discussão acerca da autoria, encontramos no único folheto de Paulo
Pereira ao qual tivemos acesso uma biografia do autor (FIGURA 5), mas durante a
entrevista ela não foi mencionada pelo poeta.
Figura 5 – Terceira capa do folheto A caveira e o viajante
148
Eu só coloco mesmo isso, o nome por extenso aqui [na capa] e aqui [dentro
do folheto]. Na capa eu coloco J. Borges porque a capa do cordel é
pequena. Então, não dá para eu colocar o nome todo cortado na madeira:
José Francisco Borges. [...] A gente coloca o nome que é para identificar
quem fez. É como você pegar um CD: se não tiver o nome do artista você
fica sem saber quem produziu. Colocar o nome é até uma forma de
divulgar quem fez, porque se não tiver o meu nome, como vão saber? (J.
Borges).
Aqui, em algumas obras, era pra ter uma pequena biografia sobre... Aí, isso
eu até conversei com o rapaz que faz as impressões pra mim, porque em
breve acho que não terá mais. Nas próximas impressões eu vou mudar: ao
invés de colocar algumas obras, eu vou colocar uma pequena biografia,
porque muita gente me pergunta isso, e às vezes é bom (Diosman
Avelino).
Nos meus eu coloco a biografia: tenho livros publicados, fiz tal coisa, moro
em tal lugar e uma foto geralmente atrás. Na frente coloco o título e o meu
nome na frente, na capa [aponta para um cordel]. Antes tinham cordéis que
não tinham informações do autor, mas hoje todos têm. Hoje, os autores se
preocupam em dar essa informação. (Jailton Pereira).
quem foi que construiu. Agora, nessa nova geração do cordel, eles sempre
escrevem uma biografiazinha. Esse meu não tem não. Não, não escrevo
nada de biografia. É só o autor e pronto. Do jeito que era antigamente,
assim, olha [ele mostra um cordel]. Os folhetos que agora é cordel, mas
antigamente não tinha nada no autor. Informação não tem não, mas o nome
tem. Olhe aqui, ó [mostra a capa de um cordel dele]. Também tem aqui
[dentro do cordel]. Do jeito dos outros. Aqui também tem a minha
propaganda [ele mostra o verso do cordel]. Alguns têm a data. Esse aqui é
13(treze) do 12 (doze) de 2013 (dois mil e treze). Quando eu termino eu
coloco a data assim (Zé Guri).
Por sua vez, não podemos ignorar, como endossado por Val, que a menção ao autor
da obra pelo leitor é uma questão mais ética do que, propriamente, uma obrigação.
Segundo Marcuschi (2003b), todos os gêneros, tanto orais quanto escritos, possuem
suporte por meio do qual eles conseguem circular na sociedade. Entretanto, Costa (2008)
defende que existe uma grande variedade de gêneros orais para a qual a categoria “suporte”
não se aplica, tal como há gêneros que podem possuir diferentes suportes. Por isso, como
acentua a autora, tem sido preferível restringir a ideia de suporte aos gêneros escritos e
multimodais.
Mediante essas considerações preliminares, não poderíamos deixar de discutir a
relação do gênero cordel com os suportes nos quais os textos são fixados e circulam
socialmente, embora essa associação entre os gêneros discursivos e os seus suportes ainda
seja um tema complexo e a distinção entre ambos não seja simples (COSTA, 2008;
MARCUSCHI, 2003b). Com efeito, atualmente, os pesquisadores têm preferido nomear o
gênero “cordel” e atribuir o nome “folheto” ao suporte no qual o gênero é veiculado,
justamente com o intuito de diferenciá-los.
A fim de compreendermos os conhecimentos que os poetas tinham do gênero que
produziam e dos suportes que permitiam sua circulação, as seguintes indagações guiaram-
nos nesta análise: “Todo cordel precisa ter este formato (apontamos para um folheto)? Por
quê?”. Reunimos as respostas dadas pelos depoentes em dois grupos: aqueles para os quais
o cordel teria que estar disposto apenas no folheto (suporte) e aqueles que entendiam que o
cordel poderia estar em outros suportes para além do folheto (QUADRO 20).
Como pode ser observado no Quadro 20, metade dos participantes entrevistados (3)
ressaltou que o cordel deveria estar disposto apenas no suporte folheto. Costa (2008) advoga
que se costuma estabelecer uma relação metonímica entre o gênero cordel e o suporte, numa
espécie de interligação tão estreita que faz com que muitas pessoas usem o mesmo nome
tanto para o gênero quanto para o suporte. Ficou saliente, na visão desses poetas, que, no
caso do cordel, o gênero e o suporte se fundiam, eram inseparáveis, conforme materializado
neste enunciado:
Tem que ser esse formato de livreto. Se não for, aí não é cordel. A origem
do cordel vem de cordão, que eram onde as pessoas expunham as
literaturas de cordéis feitas bem rudemente, pois não tinha gráfica, mas se
fazia com os tipos móveis ainda - é um processo bem antigo que os jornais
usavam. Então, como eles não tinham umas prateleiras ou estantes para
exporem nas feiras, se pendurava nos cordões. Daí o nome cordéis, que
vem de cordão. Então, essa tradição não pode ser perdida. Quando a gente
tira esse formato de livreto, aí ele passa a ser um livro de poesias ou um
poema normal em folha de papel ofício. Se eu pegar o conteúdo e colocá-
lo em uma única folha de ofício, ele deixa de ser cordel. Ele é um poema
em outro tipo de grafia. É um poema no livro, por exemplo. Pronto, eu
tenho quatro poemas em um livro. No livro de Dorge Tabosa, eu escrevi
quatro poemas que estão no livro dele. [...] Ficou um poema bom, mas não
é no cordel. Se eu quiser, e eu ainda vou fazer, porque esse poema eu não
botei num cordel ainda, eu posso botar ele no cordel. Aí, ele passa a ser um
cordel. Mas, até então, ele é um poema dentro de um livro que fala de
poesias (Val Tabosa).
Hoje, no entanto, temos nos deparado com outras realidades, diferentes daquela do
cordel tradicional, pois este gênero tem aparecido, por exemplo, na tela do computador, nos
livros, em revistas etc. Chartier (1999) argumenta que, com a revolução dos suportes
ocasionada pelos avanços tecnológicos, modificaram-se radicalmente as formas de recepção
dos textos (os modos de ler) e os modos de escrever dos autores. De acordo com o referido
autor, um texto, em dado suporte textual, já não é mais o mesmo, caso seja modicada a base
em que ele é fixado (suporte).
Com a passagem do códice ao monitor, emergiram novos modos de escrever, de ler
e compreender uma obra literária. A tela do computador, certamente, impôs uma nova
relação física, intelectual e estética com o texto, mas isso não significou, de modo algum, o
desaparecimento do impresso ou da cultura manuscrita (CHARTIER, 1994). Ao referir-se a
outros gêneros vendidos pelos folheteiros durante o início do século XX, J. Borges afirmou
que
Como explica Ayala (2016), nos anos de 1970/1980, os poemas e as canções eram
produzidos a partir de recortes de papel das capas dos folhetos que sobravam nas gráficas e
eram vendidos nas bancas das feiras e mercados pelos folheteiros. Os poemas e as canções
eram, portanto, narrativas de curta extensão, diferentemente dos folhetos. Essa é uma das
razões pelas quais alguns poetas consideraram que o cordel não poderia ser escrito em uma
única folha, estando desvinculado do seu suporte prototípico (COSTA, 2008), e classificado
os poemas e as canções como espécies relacionadas ao gênero cordel, por ambos
apresentarem semelhanças nos esquemas de rima e métrica.
Por que isso aqui é a capa do cordel e tem que ser assim o cordel. Tem a
xilogravura, tem que ter o nome do autor, o título daquele cordel. Você tem
que fazer o cordel, fazer a capa na medida certa. Eles fazem assim: dobram
aqui, dobra aqui, aqui assim e corta. O cordel você tem que fazer a
xilogravura, o nome do autor e o título daquele cordel também (Paulo
Pereira).
gerações, há gerações usam cordel, aí ficou. Não sou contra falar: “Olha
aqui o meu cordel”. E, de repente, ele me dá uma folha dessa. Vou ler
tranquilamente como cordel mesmo (Jailton Pereira).
O cordel de uma página, como eu disse, é poema ou canção e que é cordel
também. Mesmo sendo uma página é cordel porque tem o verso da poesia,
é o mesmo autor, sabe? Só que a diferença é que tem canção, poema.
Antigamente, tinha outro menor ainda que era o soneto. Soneto, canção,
poema pode colocar com cordel, porque são tudo da mesma bagagem, tudo
é poesia. O cordel quer dizer aquilo que pendura no grampo, no pegador de
roupa, no cordão. É o cordel. Aí, é a mesma coisa. Tanto faz ser grande
quanto pequena. É tudo cordel (Zé Guri).
Olhe, cordel sempre tem páginas pares: 4 páginas, 8, 16, 24, 32. Os cordéis
são mais publicados nesses números. Agora, existe com 40 páginas, com
48, existe com 62, mas existia. Existe, mas não é mais publicado hoje,
porque esses grandes assim não são mais vendidos (J. Borges).
Como já dissemos, o número de páginas dos folhetos é par devido ao fato de que a
folha de papel dobrada em quatro forma um folheto de 8 (oito) páginas, duas folhas
dobradas compõem um de 16 (dezesseis) e assim por diante. Têm-se prevalecido folhetos
curtos, de 4 (quatro) e 8 (oito) páginas. Como informa Abreu (2006a), o número de páginas
não influi apenas no tamanho do folheto, mas determina também os temas dos escritos. Para
a autora, os folhetos de 8 (oito) páginas destinam-se aos assuntos do cotidiano, os fatos
jornalísticos, bem como os desafios e pelejas. Aqueles com 16 (dezesseis) páginas ou mais
são chamados de romance. Quanto a esta questão, Paulo Pereira se pronunciou assim:
Tem de 8, tem de 16 e tem de 32. O de 16 já é romance. Esse aqui só são 8,
olhe. Aqui é 8 páginas, são 24 estrofes. Aqui: uma, duas, três, quatro, cinco,
seis, sete, oito. É 8 sem contar a capa e a contracapa; só conta o miolo. Isso
aqui é pra você saber o título, saber o autor. Romance é 32 e tem de 36
também. Essa do Ipojuca eu não sei. Essa do Ipojuca não é cordel não, é uma
poesia. Não é em formato de cordel, porque ele tem parte mais e parte
menos. Tem estrofe maior e estrofe menor. Aí, não é cordel, é uma poesia
(Paulo Pereira).
154
No mínimo 8 páginas agora, né? E acabou-se, eu acho, com 42. Não tem
mais. Com 32 ainda existe. Só que os clientes quando chegam não querem
mais de 32, querem do menor que é pra aprender, pra dar tempo ler e tal.
Trinta e duas páginas é um livro que poderia ser outra coisa melhor ou mais
do que cordel, porque os leitores não querem ler de uma vez só como a gente
lia antigamente. Só que, assim, tem cordel com uma página só, mas ele não é
considerado folheto. Tem uma divisão, mas pode ser cordel, porque é verso,
é poesia (Zé Guri).
Os poetas com mais idade (J. Borges, Paulo Pereira e Zé Guri) não faziam uso da
internet, a não ser quando recorriam a pessoas que digitavam os cordéis e os imprimiam. Por
outro lado, os mais jovens (Val Tabosa, Diosman Avelino e Jailton Pereira) mantinham
outras relações com as tecnologias digitais, utilizando-as inclusive como meio para obter
informações diárias, divulgar eventos, participar de grupos de poetas, compartilhar cordéis
através do facebook, blogs, entre outros.
Para Lucena (2016), as mudanças dos suportes representam uma tentativa de
introdução da literatura de cordel no mercado editorial brasileiro, nos estudos acadêmicos e
de emponderamento dos poetas por outras novas formas de publicação que extrapolam os
folhetos.
que muitos desses estudos que procuram demostrar os temas recorrentes nos cordéis na
realidade têm como pretensão “mostrar, exoticamente, que, apesar de o autor popular ser um
homem simples, preocupou-se com temas os mais diversos, como se estivesse descobrindo o
mundo e seus semelhantes, emergindo das trevas profundas da ignorância”. Ademais, os
critérios utilizados para a classificação dos cordéis por “ciclos temáticos” são bastante
imprecisos.
Propomo-nos, à vista disso, refletir sobre os conteúdos temáticos dos cordéis que se
relacionam tanto com o nível sociodiscursivo quanto com o nível linguístico, sem a intenção
de enumerar todos os temas. Ao tratarmos, nesta seção, sobre conteúdo temático, não
estamos nos referindo ao assunto específico de um texto, “mas a um domínio de sentido de
que se ocupa o gênero” (FIORIN, 2006, p 62). Tais proposições fizeram-nos perscrutar os
seguintes questionamentos: “Que assuntos podem ser abordados em um cordel?”, “Qual o
assunto desse cordel?” e “Você costuma realizar alguma pesquisa sobre o tema do cordel?
Onde? Por quê?”.
Os poetas verbalizaram inúmeros temas que dificultaram qualquer tentativa de
categorização. Desta feita, concordamos com Ramos e Pinto (2015, p.54) acerca de que as
classificações do cordel orientadas pelo tema agem no nível do gênero onde mais
vigorosamente atuam as forças de expansão, responsáveis pelas inovações, o que “torna
praticamente impossível qualquer busca de classificação mais sedimentada e/ou definitiva”.
Existe uma grande variedade de temas dos cordéis, como, aliás, já sublinharam estes autores
e que foi reconhecida pelos próprios cordelistas, como ficou evidente neste extrato da
entrevista:
Todos os poetas (6) conseguiram identificar os temas dos seus cordéis rapidamente
quando perguntamos “qual o assunto desse cordel?”. Os folhetos, em geral, abarcavam duas
linguagens, a verbal e a visual, que permitia o acesso imediato, por parte do autor e leitor, do
156
tema do texto. Para melhor firmar o expresso, destacamos, a seguir, algumas falas
consoantes este entendimento:
Pensa bem, se você...Veja aqui. Dá uma olhada pra o tema e pra essa capa,
o que é que você imagina que é o maior trauma do Nordestino?... É a seca.
É exatamente isso. Por isso, a importância da imagem. A imagem já retrata,
né? (Diosman Avelino).
Posto isso, atestamos ainda que a escolha dos temas, por parte dos poetas, dependia
da finalidade e dos objetivos que queriam alcançar, bem como do público-alvo que se visava
atingir.
Qualquer um. Qualquer assunto você pode falar dele. Agora, nem todo
poeta pode falar de qualquer assunto. Aí é diferente. Tem que ter
conhecimento dele. Se você me disse assim: “Me fale do computador”. O
que é que vou dizer? Vou dizer que tem um monitor, tem um CPU e vou
terminar por aí, porque eu não sei desmanchar um computador e nem
montá-lo. Então, pra que você fale, você tem que conhecer. Então, pra
fazer esse poema vou ter que estudar, vou ter que pesquisar, vou ter que...
Por isso que eu digo que um poema você pode fazer com qualquer assunto,
mas nem todo mundo pode fazer, porque tem que ter conhecimento. [...]
Quando a gente pega um tema, às vezes, eu procuro na internet. Hoje, o
livro a gente não usa mais, né? A internet está tão fácil. Por exemplo, eu
participei de um concurso de literatura de cordel falando sobre o Nordeste.
Então, eu pesquisei na internet os pontos principais, as culturas de cada
estado do Nordeste. Então, eu não tinha conhecimento, mas a internet
favorece muito. Aí, quando você tem a história, você pega os fatos e coloca
a rima nos fatos. Tem também o estilo da poesia, né? (Val Tabosa).
Seguidamente, perscrutamos os poetas sobre os cordéis contarem ou não uma
história: “Todo cordel conta sempre uma história? Por quê?” e “Esse cordel conta uma
história? (não sendo uma história, o que é esse cordel?)”.No Quadro 21, reunimos as
resposta dos poetas para esses questionamentos.
Quadro 21 – Caráter narrativo ou não dos cordéis
Nomes dos poetas
pode ser também pra denunciar algo. [...] Acho que se encaixa aí o cordel
“Nosso Brasil é assim”. Aí, é uma parceria minha com Dorge.
5.2.1 As rimas
referencial teórico, a rima é uma das dimensões da consciência fonológica, que consiste em
uma habilidade metalinguística relacionada à reflexão consciente sobre as propriedades
sonoras das palavras, dissociando-as do seu significado, e à segmentação das palavras em
sons (SOARES, 2016).
Existe ainda uma discussão entre os pesquisadores acerca da consciência fonológica:
afinal, seria ela uma habilidade que aparece antes, durante ou depois do processo de
alfabetização? Soares (2016) explica que, para alguns estudiosos, certos níveis de
consciência fonológica, como a sensibilidade à rima, desenvolver-se-iam espontaneamente
nas crianças, e também em adultos analfabetos, como consequência do crescimento
linguístico e cognitivo, embora isso não signifique, necessariamente, que eles sejam capazes
de pronunciar os segmentos das palavras que as representam.
Concebemos, ainda, em consonância com a autora, que a rima tem, em português,
um duplo significado: no primeiro, de uso restrito, ela é entendida como uma unidade
intrassilábica que se soma ao ataque (onset)43 na constituição da sílaba (rima da sílaba); no
segundo, a rima designa a semelhança entre os sons finais de palavras (rima das palavras),
comumente a partir da vogal ou ditongos tônicos, mas também entre fonemas finais de
palavras oxítonas e entre uma ou duas sílabas finais das palavras. Nesta pesquisa, então,
voltar-nos-emos, especialmente, para esta segunda definição.
Na investigação conduzida por Roazzi e outros (1994), que buscou analisar as
habilidades de consciência fonológica entre sujeitos repentistas e não repentistas, foram
realizadas tarefas com 41 pessoas (sendo 22 repentistas e 19 não repentistas) de baixo nível
socioeconômico e que eram capazes de ler e escrever. Estas tarefas foram distribuídas em
três categorias, sendo estas: tarefas de controle (testes de inteligência e memória verbal);
tarefas de leitura (leitura e escrita de palavras) e tarefas de consciência fonológica (tarefa de
inversão de fonemas, tarefa de inversão de sílabas, tarefa de semelhança e detecção de rima
e aliteração, tarefa da língua do “P” e tarefa de produção de aliteração). Constatou-se,
através destas várias atividades de consciência fonológica, que houve diferenças
significativas entre os dois grupos apenas na atividade de inversão de fonemas e que os
repentistas se saíram melhor na tarefa de segmentação fonêmica do que os indivíduos não
repentistas.
43
Quando referimo-nos ao ataque ou onset em uma sílaba, estamos nos remetendo à posição silábica que
envolve os segmentos que precedem a vogal da sílaba. Usando como exemplo a sílaba “lar”, a consoante (l)
está na posição de ataque e a rima concerne a todos os segmentos que não englobam o ataque (ar).
162
Uma das explicações dadas pelo autor foi a de que a produção de repente exige dos
poetas uma capacidade de análise do final (rima) e global da palavra (métrica), o que os
levaria a ter uma consciência fonológica mais aprimorada. Dentre outras coisas, este estudo
também revelou a importância da leitura na detecção de rimas pelo grupo de não repentistas,
o que não ocorreu entre os repentistas, provavelmente por terem muita prática em lidar com
rimas, devido à própria profissão, resolvendo com maior facilidade esse tipo de tarefa.
Todos os cordelistas que entrevistamos (6) apontaram a rima como um dos
elementos determinantes para qualificar um texto como sendo do gênero cordel: “Se não
tiver rima, eu mesmo não considero cordel não” (J. Borges); “Todo cordel tem que ter rima,
porque é uma característica do cordel” (Val Tabosa); “Se não tiver, não é cordel. Alguém
pode chegar e dizer, o cara que faz, que é cordel, mas não é não. O cordel tem que ser uma
poesia popular. Poesia popular, se não tiver rima, não é poesia” (Jailton Pereira).
Em contrapartida, as justificativas dadas por eles sobre a necessidade de haver rimas
nos cordéis foram diferentes, o que nos permitiu agrupar as explicações em três categorias:
1) o texto que não contém rima é considerado prosa; 2) a literatura de cordel brasileira
apresenta rima, diferentemente da portuguesa, que não seguiria padrões de rima e métrica e,
por isso, não seria cordel em sentido estrito; 3) o texto que não apresenta rima não seria
cordel, mas não é apresentada nenhuma justificativa para isso. Tais dados podem ser
observados no Quadro 22 que segue:
Quadro 22 – Justificativas atribuídas pelos poetas para a necessidade de rima nos cordéis
Nome dos Poetas
Total
Paulo Val Diosman Jailton
Justificativas J. Borges Zé Guri
Pereira Tabosa Avelino Pereira
O texto que não
contem rima é
X X X 3
considerado
prosa
A literatura de
cordel brasileira
apresenta rima
X 1
diferente da
literatura de cordel
portuguesa
O texto que não
apresenta rima não
X X 2
é cordel
A literatura de cordel, a cultura popular tem rima e se ela sair desse padrão
vai ser poesias eruditas como a de Mario de Andrade e a poesia de Cecília
Meirelles, que contam um conteúdo muito forte, mas não têm rima O que
não deixa de ser poema, mas não é cordel e, também, não é popular. É uma
coisa erudita, uma coisa mais profunda, para intelectuais. A rima é popular
e a cultura também, da tradição e da modalidade, aí é popular. Por isso que
o cordel é considerado uma cultura popular, diferente das poesias de Mario
de Andrade, de Câmara Cascudo, que são todos poetas renomados, mas
que as rimas passam bem longe deles (Val Tabosa).
Poesia popular, se não tiver rima, não é poesia. Ela pode ser outro tipo de
poesia, menos de cordel. Não pode ser poesia de cordel, não pode ser
repente, não pode ser toada, porque não rima. Eu nunca li não um cordel
sem rima. Agora que num concurso em que eu fui júri há um tempo, um
senhor fez. Era um senhor mesmo que eu cheguei até conhecer depois. Aí,
não tinha rima não. Ele até fez a sextilha, mas não tinha rima. Pronto! Já
não tinha chance nenhuma porque que eles elaboram um edital lá falando:
tem que ser assim e assim, obedecendo aos padrões métricos, de rima,
oração em geral. Aí, esse senhor fez assim. Ele fez um... Tipo a estrofe em
sextilha (estou citando a sextilha, por exemplo). Ele fez num
esquemazinho, mas não tinha uma rima não. Aí, não teve como... Porque
estava pedindo que fosse assim. Isso eu diria que é uma prosa. Aí, dizem:
“Um cordel pode ser em prosa?”. Pode, porque pode tudo desde que tu
queira fazer. Agora, eu não acho legal definir como um cordel, chegar e
vender junto com o de Jénerson, por exemplo, que tá falando… Ele tem
aquele sobre os estremeço no morro. Aí, eu chego com um que tá um texto
sem rima e botar lá no meio. Um é cordel e o outro é um texto em prosa. É
o meu modo de ver (Jailton Pereira).
Dizem que o cordel veio de Portugal, num sei o que e tal... Mas eu digo pra
você: pra mim, o cordel nasceu foi no Brasil. Acho que cordel é 100 %
brasileiro. Eu ainda não me aprofundei pesquisando, ainda não li nenhuma
literatura de lá, que seria um cordel de outro país, mas dizem também que
era sem métrica, era sem rima. Então, pra mim, se era sem rima não era
164
cordel. Pra mim o cordel é 100 % brasileiro. O cordel tem que ser nacional
mesmo, principalmente nordestino (Diosman Avelino).
Na categoria 3, observamos que alguns dos poetas (Zé Guri e Paulo Pereira) tiveram
dificuldade de verbalizar as razões pelas quais a rima era um componente substancial do
cordel, ainda que reconhecessem a sua importância. As palavras de Zé Guri e Paulo Pereira
que passaremos a transcrever ilustram tal afirmação:
O cordel é a poesia, poesia de cordel. Aí, se não tiver rima, não é poesia.
Tem de ter. Se tiver a rima pode ser cordel, mas... Esse aqui mesmo não é.
Esse aqui com o nome literatura de cordel [na capa] não é cordel mesmo.
Deixa eu ver aqui...Não rimou aqui SENHOR com FALOU, ENTROU.
Não está rimado não. LIBERDADE dá AMIZADE, BONDADE,
SAUDADE, CIDADE, mas COMPADRE só dá PADRE ou COMADRE.
Entendeu? Aí, botaram como cordel, mas não está rimado. É, mas não está
certo não (Zé Guri).
Se não tiver rima não é cordel. Tem que ter rima, metrificar. Olhe, é rima,
métrica e oração. O cordel tem isso tudo. Agora, você vai fazer um cordel
assim de doido, mas não tá certo. Você não pode botar uma palavra que
não rime direito. Você tem que rimar. Se não rimar na escrita, tá errado
(Paulo Pereira).
As declarações dos entrevistados permitiram-nos perceber duas tendências quanto
aos conhecimentos sobre a rima: aqueles que conseguiam explicitar verbalmente motivos
para que o cordel teria rima (categorias 1 e 2) e aqueles que não o faziam, apesar de
considerarem a rima como um elemento obrigatório na estrutura desse gênero (categoria 3).
Faz-se importante destacar, também, que algumas experiências eram comuns ao último
grupo de poetas: Zé Guri e Paulo Pereira trabalharam, quando jovens, como folheteiros,
apresentavam recortes etários bastante semelhantes (67 e 71 anos e, dentre os entrevistados,
eram uns dos que tinham menor tempo como produtores de cordel). Já J. Borges, Val
Tabosa e Jailton Pereira, ainda que pertencessem a diferentes gerações, tratava-se dos
cordelistas com maior tempo como escritores do gênero.
Além do aspecto salientado, notamos que, através das respostas à questão posta
“Quais as palavras rimam? Por quê?”, não havia discordância entre os cordelistas quanto à
importância da rima, inclusive para os poetas Zé Guri e Paulo Pereira. Os 6 (seis)
participantes entrevistados conseguiram identificar as rimas presentes no folheto de sua
própria autoria e apontaram a existência de dois tipos de rimas comumente utilizadas nos
textos do gênero cordel: rimas consonantes ou consoantes (correspondência total dos sons e
da grafia) e assonantes ou fonéticas (coincidência sonora desde a vogal ou ditongo tônico
até o último fonema, mas não gráfica). Extraímos das entrevistas algumas declarações que
nos parecem elucidar o que dissemos agora, como, por exemplo, o seguinte relato:
165
Na referida fala, percebemos que para Val Tabosa as rimas ideais são as consoantes,
ainda que os usos das rimas fonéticas fossem também possíveis no cordel. Na mesma
direção, Zé Guri nos explicou sobre as escolhas das rimas, tal como podemos evidenciar
neste trecho:
[...] Então, quer dizer que aqui foi três palavras rimadas [aponta para o
cordel]. Aqui chegou a CANTORIA pra rimar com VENTANIA. GURI,
CARIRI e ALI rima. CANTORIA rima com VENTANIA. Aqui eu botei
CORAGEM, VIAGEM e LAJE. Essa aqui é seis. Aqui é sextilha.
ALGUÉM rima com BEM. Essa parte aqui [a primeira linha] fica parada.
A segunda rima com a quarta e a sexta. Pra dar certo mesmo tem que
ser a escrita igual, porque quando não tá igual não rima não. O poeta
velho disse: “Você pra ser cantador tem de pegar um folheto do melhor que
tem e olhar os versos se rimam ou não rimam. Sabe?”. Aí, esse aqui é um
dos melhores (A donzela Teodora, de Leandro Gomes de Barros). Acho
que aqui é tropeçar ou é tropeço? É “torpeza”. E aqui é “acesa” e aqui é
“surpresa”. Todos eles são assim. É por que, às vezes, um “Z” como
“JOSÉ”... Num tem gente que bota um “Z” e outro bota um “S”? É um “S”
no som de “Z”. Tem letra que cabe. O “Z” tem vez que pega o “S”.
SUPRESA, ACESA e TORPEZA eu rimo. Se não tiver certo, então eu
não sei não. Tem muitas coisas assim, como JESUS com CRUZ. JESUS
eu rimo com CRUZ. Todo poeta rima com CRUZ, mas parece que a letra é
diferente. Ou não? Mas é rimado. Por que o som só não dá assim:
CANTOU e CANTOR, mas JESUS com CRUZ tá rimado. ACESA com
BELEZA ou MASSA com PRAÇA ou com CACHAÇA. Eu rimo tudo.
Se não tiver rimado, então tem pouca gente errado. Por que
CACHAÇA, PRAÇA, MASSA, FAÇA, TAÇA, muda a letra mas está
rimado. E se for pra rimar do jeito que a letra é vai ter pouco cabra
certo (Zé Guri).
Todos os poetas (6) pareciam, assim, reconhecer, implícita ou explicitamente, que as
rimas consoantes, por serem mais difíceis de serem usadas, seriam consideradas “perfeitas”
(idealização), mas poucos utilizavam exclusivamente este tipo de rima, porque, de fato,
davam menos opções de criação poética ao cordelista. Zé Guri reportou-se, no enunciado
exposto mais acima, ao desconhecimento que, muitas vezes, ocorre em relação à grafia
correta das palavras, como a questão do uso do S e Z (ortografia), pelo fato de que um
mesmo som pode ser representado por mais de uma letra, assim como o inverso (uma
mesma letra pode representar mais de um som).
166
Para Jailton Pereira, nos concursos de literatura de cordel, por exemplo, somente as
rimas consoantes devem ser empregadas. Sem embargo, quando não é o caso, a regra pode
ser flexibilizada, mesmo que ele tenha feito questão de dizer que preza pela “rima
verdadeira” quando está escrevendo à vontade.
A rima deve sempre obedecer aquilo que eu já falei: a rima consoante, que
é considerada a rima verdadeira e não aquela rima disfarçada (chamada
fonética ou sonante), tipo CANTAR e CEARÁ, tipo VIOLA e HORA.
Esse tipo aí de rima não serve. Se o cordel tiver uma rima sonante, ele já
começa perdendo um ponto aí, no caso do concurso. Pra você escrever
um trabalho que você não está sendo analisado é diferente. Embora até
quando eu faça à vontade, eu também busco prezar por isso que você me
perguntou sobre o que o cordel tem que ter pra ser bom. Aí, eu sempre
prezo pela rima, métrica e oração (Jailton Pereira).
Faleiros (2006) explica que ainda há uma discussão sobre o que caracteriza a
reiteração total dos sons, tendo em vista que a grafia nem sempre corresponde ao que se
pronuncia. Esta é, aliás, uma das fronteiras, segundo o autor, que separa os estudos clássicos
de rima dos estudos linguísticos. Nestes últimos, a rima é classificada a partir dos sons e não
da grafia das palavras.
Conforme J. Borges, as rimas ainda podem ser classificadas de três maneiras: rimas
positivas (as sílabas finais dos versos têm sons e grafia idênticos); rimas comparativas
(composta por sílabas finais cujos sons são semelhantes, mas se distinguem na ortografia) e
rimas negativas (a grafia e os sons que as sílabas finais apresentam são diferentes). Embora
nos cordéis possam existir essas três formas de rimar, “um bom cordel apresenta apenas
rimas positivas”, proclamou Borges. Ao deter-se sobre a diferenciação entre as rimas, o
poeta fez a seguinte colocação:
Pra ser um bom cordel têm que ter as rimas todas positivas [...]. Agora,
se não tiver rima eu mesmo não considero cordel não. Eu considero o
formato só, o formato que é de cordel, mas a escrita eu considero que é um
livreto de prosa, escrito em prosa. A rima positiva é essa: PREGUIÇA,
ATIÇA e COBIÇA. Essas são positivas. E é como eu disse a você: aquela
pronúncia de RÉU e CORDEL, essa é comparativa. Já a rima negativa é
quando você escreve PENSAMENTO e TEMPO. Isso aqui é rima
negativa, não rima nada (J. Borges).
Cabe-nos, também, referendar a proposição do poeta Diosman Avelino de que
Pra ser realmente um cordel bem feito, bacana, o poeta tem que cumprir
um pouco as regras: tá metrificado, tá com as rimas bacanas, sem muito
pé-quebrado, como dizem. Pé-quebrado é uma rima que... é uma rima
imperfeita. Vamos procurar aqui algo: AMOR às vezes você confunde com
SOU e tem gente que pensa que rima, né? Eu e meu AMOR, num sei o
167
que... SOU. Por exemplo, algo desse tipo. Palavras que parece que rimam,
mas não rimam (Diosman Avelino).
Redizemos, as rimas consoantes ou positivas são consideradas, por diversos poetas, e
pelo público especializado, como “perfeitas”. Apesar de essa regra ser socialmente
legitimada pelos cordelistas, muitas delas costumam ser burladas por eles durante o processo
de escrita dos cordéis, porque o modelo idealizado de rima não é sempre possível de ser
atingido. Porém, o poeta precisa estar atento a certas distinções, como, por exemplo,
“mulhé” com “café” ou “amô” com “dor”, porque, nesses casos, se estará cometendo uma
infração.
Em sua tese de doutorado, Santos (2009) defende que existem algumas confusões
entre o poema matuto e o cordel que ainda precisam ser desfeitas: no cordel não se
permitiria o uso desse tipo de grafia que reproduz a linguagem coloquial (mulhé e amô).
Dessa forma, para o referido autor, essas “rimas” se aproximariam mais da poesia matuta do
que, propriamente, da literatura de cordel.
No tocante à análise de alguns folhetos dos entrevistados, percebemos que alguns
equívocos no emprego de determinadas rimas, por vezes, eram decorrentes das dificuldades
que alguns poetas (Paulo Pereira e Zé Guri) apresentavam quanto ao conhecimento da
norma ortográfica. Em outras palavras, isso significa que, apesar do consenso entre os
cordelistas na utilização das regras de rima, o seu domínio não estava acessível a todos, já
que dependia, em grande medida, da aprendizagem da língua escrita. A escrita é que define
o que é bom, certo. Sobre esta questão, Zé Guri se pronunciou assim:
Galvão e Di Pierro (2012) assinalam que o analfabetismo, na maior parte das vezes,
não é compreendido, pelas pessoas adultas que não sabem ler e escrever, como resultado dos
processos de exclusão social ou como violação de diretos, mas, sim, como experiências
individuais de fracasso. Historicamente, e em diferentes instâncias sociais, a palavra
analfabeto esteve carregada de um sentido negativo (pessoa que não sabe falar e não tem
conhecimento; pessoa sem instrução; incapaz, entre outras adjetivações) que, por vezes, foi
incorporado e legitimado pelo próprio analfabeto. Ao observamos a fala de Zé Guri,
percebemos que não dominar as habilidades de escrita tornou-se marca evidente desse
estigma. Não podemos negar que, por meio do cordel, muitos poetas - como Zé Guri – e
editores deram início às práticas de leitura e escrita, tendo-o como uma primeira referência
de impresso (QUINTELA, 2012).
Prosseguindo, então, analisamos as verbalizações dos poetas por notarmos, também,
que eles faziam distinções quanto ao valor das rimas, já que, para eles, existiam rimas fáceis
e outras mais difíceis, que davam poucas possibilidades de criação e exigiam do cordelista
maior criatividade ao versar.
No caso, o que eu geralmente dou uma reparada é tentar deixar mais ou
menos com a métrica, porque acontece ainda de não ter tanta métrica. Eu
evito repetir rimas, palavras, por exemplo, CRUEL, NOEL e PAPEL.
Evito essa repetição de rimas. Não acho muito bacana a pessoa ficar
repetindo a mesma palavra várias vezes na mesma história... Aí, vai aqui
(pá- pá- pá- cruel). Aí, num sei o que cruel... tá faltando assunto no caso.
Evito um pouco isso, sempre vejo e acontece de passar despercebido.
Eu fiz um poema há pouco tempo e coloquei um verso que dizia que o
trovão grita sorrindo e a criançada grita sorrindo. Aí, eu mudei. Eu deixei o
da criançada grita sorrindo e coloquei que o trovão grita tinindo... Aí, eu
evito um pouquinho essa questão de repetição de palavras que rimam.
Mas qual a palavra que nunca foi repetida, né? (Diosman Avelino).
Essas escolhas lexicais feitas pelos depoentes, ao compor os cordéis, adquiriam uma
notável importância, não apenas quanto à rima, mas também para a manutenção de sentido
do texto como um todo. Nessa perspectiva, os poetas com menor faixa etária (Val Tabosa,
Diosman Avelino e Jailton Pereira) disseram, muitas vezes, recorrer aos dicionários e/ou à
internet para verificar a ortografia das palavras e procurar sinônimos.
A gente vai no dicionário, ou coisa assim, para ver se fez muita besteira.
Eu uso mais dicionário em significados, procurando sinônimos. Às vezes,
você vai numa determinada rima e quer dizer alguma coisa, aí você procura
uma palavra com aquele sentido que você queria dizer, mas ela não dá a
rima, aí é onde você procura uma palavra sinônima. Aí, eu uso o dicionário
para isso. [...]. Às vezes uma palavra perde o sentido da estrofe. É nesse
sentido também (Jailton Pereira).
169
A este respeito, Morais, Leite e Silva (2007) explicam que os adultos mais letrados
costumam usufruir, de forma natural, do dicionário para a resolução de dúvidas ortográficas
durante o processo de produção de um texto, quando se interrogam sobre a escrita de uma
determinada palavra ou, ao final, para valer-se desse recurso com o objetivo de memorizar
as grafias sobre as quais se sentem inseguros ou que ainda não têm automatizado suas
regras.
Além disso, vimos que cordelistas, como Val Tabosa e Jailton Pereira, escreviam os
versos na “deixa”, ou seja, rimavam o primeiro verso da estrofe com o último verso da
estrofe anterior. Conforme Sautchuk (2009), esse é um recurso empregado também no
repente. Essa estratégia, como ressaltaram Val Tabosa e Jailton Pereira, costumava auxiliá-
los na memorização dos versos.
[...] Têm muitos poetas que não escrevem na “DEIXA” e eu, sim, escrevo
na “DEIXA”. A “DEIXA”, o cara termina uma estrofe e começa a outra
rimando com a última palavra da frase anterior. Eu acho que isso é coisa
minha. Eu achei bacana para memorizar o poema. Eu memorizo mais fácil
do que aquelas que não são com “DEIXA”. Quando eu termino uma
estrofe eu já estou me lembrando da primeira frase da outra estrofe. Você
lembrando a primeira, automaticamente, você lembra do resto. O trabalho é
a primeira linha (Jailton Pereira).
As rimas também podem ser classificadas quanto à sua posição nas estrofes: rimas
emparelhadas ou paralelas, como o próprio nome sugere, combinam-se alternadamente,
seguindo o esquema AABB; rimas alternadas ou cruzadas, que correspondem à sequência
ABAB; rimas interpoladas ou opostas (ABBA); e os versos brancos, que são aqueles que
não apresentam rimas. Esta afirmação encontra eco no relato de Diosman Avelino:
A sextilha, você vai ver aqui, as palavras que rimam são geralmente
números pares, dois, quatro e seis. Um, três e cinco não rimam. Mas eu
tenho um poema que rima todas. Mas é raro. Eu fazia mais isso porque eu
ainda não... Eu ainda tava aprendendo. Por exemplo, eu vi um poema
intitulado “Sou Poeta Nordestino”, tem várias que rimam todas.
Sou poeta nordestino
E não sou por opção
No tempo de menino
Já fazia um refrão
Isso é obra do divino
E não tem explicação
É rimando tudo aqui ó: a primeira com a terceira e com a quinta e as pares
com as pares. É mais trabalhoso. Você tem que ter mais palavras pra rimar,
e aqui não.
170
Com isso, e como temos vindo a sustentar, a rima apresenta-se como um dos
elementos formais essenciais do gênero e um importante recurso mnemônico mobilizado
pelos poetas durante o processo de escrita e leitura do texto.
Por fim, insistimos, conforme argumenta Morais (2007), que, apesar de usarmos a
língua para nos comunicarmos, não é sempre que a tratamos como objeto sobre o qual
podemos refletir e examinar as suas características. Ainda que muitas pessoas possam
utilizar a palavra bote e bode sem se confundir, não quer dizer que todas consigam pensar
sobre elas, tomando-as como objeto de análise de tal modo que consigam observar que
ambas possuem duas sílabas, cujas iniciais são semelhantes, porque apresentam a mesma
sílaba. Na esteira dessas observações, compreendemos, com base em Roazzi e outros (1994),
que os repentistas, assim como os cordelistas, são altamente sensíveis à rima, o que não
significa, necessariamente, que isso se estenda para outras habilidades fonológicas.
Soares (2016), citando Bryant e outros (1989), afirma que o autores, ao pesquisarem
a percepção de crianças inglesas sobre as rimas e aliterações, propuseram que as
experiências informais nos anos iniciais da vida possivelmente exerciam influência sobre o
desenvolvimento da sensibilidade fonológica. Para a autora, o mesmo poderia se supor sobre
as crianças brasileiras. Em relação aos cordelistas, poderíamos dizer que as suas
experiências com cordel certamente influenciaram suas habilidades fonológicas relativas à
rima. Em contrapartida, chamamos a atenção também para o fato de que ter certo grau de
“consciência” não significa, necessariamente, que o indivíduo seja capaz dirigir
intencionalmente a sua atenção para os sons das palavras e verbalizar os porquês do que
observa nas mesmas.
5.2.2 A métrica
Como os próprios poetas costumavam declarar, a métrica consiste na medida do
verso, isto é, na contagem dos sons de cada verso (linha poética). No que diz respeito à
metrificação, interpelamos os poetas da seguinte maneira: “De modo geral, como é a métrica
dos versos de um cordel?” e “Como é a métrica de cada verso desse cordel?”. O propósito
dessas indagações era o de compreender os conhecimentos dos cordelistas sobre a métrica,
já que, como referenciado, ela constitui, tal qual a rima e a oração, um dos importantes
elementos de categorização do cordel, em virtude da necessidade dos versos serem
metrificados conforme as peculiaridades de cada modalidade. No Quadro 23, organizamos
as respostas dos depoentes no que concerne à metrificação dos cordéis.
171
Total
Paulo Val Diosman Jailton
Métrica dos cordéis J. Borges Zé Guri
Pereira Tabosa Avelino Pereira
Quantidade de sílabas
X X 2
poéticas
Quantidade de sílabas
poéticas e modalidade X X 2
(posição das rimas)
Quantidade igual de
versos em todas as
X 1
estrofes e comprimento
do verso
Quantidade de sílabas
poéticas, modalidade
(posição das rimas) e
X 1
quantidade igual de
versos em todas as
estrofes
Fonte: A autora (2017)
Observamos também, por meio desse relato de Val, que no cordel as sílabas poéticas
diferem das sílabas gramaticais, sobretudo, pelos seguintes preceitos: 1) as sílabas poéticas
são contadas até a última sílaba tônica do verso. Sendo assim, as sílabas posteriores a esta
não são contabilizadas; 2) os ditongos possuem apenas o valor de uma única sílaba poética;
e 3) duas ou mais vogais átonas e, às vezes tônicas, podem ligar-se entre uma palavra e
outra, formando uma única sílaba poética. Troquemos em miúdos esta afirmação,
examinando-a à luz do seguinte depoimento:
quando uma palavra terminar com uma vogal átona e a palavra seguinte for iniciada por uma
vogal, deve haver a elisão (ambas são contadas como uma sílaba poética apenas).
Entretanto, identificamos que alguns cordelistas (J. Borges, Paulo Pereira e Zé Guri)
não conseguiram verbalizar, durante a entrevista, as divisões silábicas particulares (elisão,
sinérese, diérese, dentre outras), o que levou-nos conjecturar que tal fato poderia estar
relacionado com a escolarização e com a categoria social do tipo geracional.
Ao que tudo indica, a aprendizagem da metrificação por esses poetas se deu através
do intenso contato que tinham como os impressos, especialmente, por terem trabalhado
como folheteiros. O que eles diziam sobre o que faziam e sabiam em torno da métrica
parecia ser muito dependente das categorias de percepção (e de designação) que foram
interiorizadas durante a socialização com estes impressos – ouvindo ou lendo –e com outros
cordelistas. Determinadas exigências de metrificação (elisão, sinérese, diérese) que
demandavam certo grau de dificuldades eram de difícil acesso, sobretudo para os poetas com
menor escolaridade. Estes poetas, então, diziam que, quando o verso apresentava mais de
sete sílabas poéticas ou dez (como exigem os versos decassílabos), o leitor deveria engolir
ou falar mais rápido. No entanto, a(s) ultimas(s) sílabas, eram desconsideradas, pois a
contagem só é feita até a sílaba tônica.
Importa ressaltar que, quando perguntarmos aos poetas sobre a métrica dos cordéis,
suas respostas, de algum modo, já contemplavam o questionamento “Como é a métrica de
cada verso desse cordel”, pois eles costumavam explicitar o funcionamento dela usando
como base os folhetos de sua autoria. A este respeito, no que tange à metrificação,
percebemos que a dificuldade de alguns poetas em verbalizar como faziam ou mesmo por
não ter consciência de como faziam parecia se expressar em suas respostas, que, muitas
vezes, dirigiam-se ao tamanho dos versos, já que “não se pode colocar uma linha com mais e
174
outra com menos não. Muitos fazem o cordel errado. Botam uma estrofe com mais linhas e
outras com menos. Tem que metrificar direitinho”, disse Paulo Pereira. Ou, ainda, para
averiguar se o verso estava metrificado, não recorria, necessariamente, à contagem das
sílabas, mas cantava o conteúdo do cordel em uma melodia reconhecida previamente.
Assim, era obrigatório que os versos “coubessem” nessa melodia, no compasso do ritmo, de
modo a soar agradável:
(2009) reconhece que a literatura de cordel brasileira mantém uma forte relação com a
música, mas acredita que isso ainda requer um estudo mais aprofundado. Neste contexto e
com esta perspectiva, falou-nos Paulo Pereira:
[...] Olhe, é rima, métrica e oração. O cordel tem isso tudo. Agora, você vai
fazer um cordel assim de doido, mas não tá certo. Você não pode botar
uma palavra que não rime direito. Você tem que rimar. Olhe, você está
conversando, aí você tem que pegar e fazer a primeira parte, a segunda, a
quarta... Tem que rimar e ficar tudo rimadinho. Se não rimar na escrita tá
errado. O cordel é como uma música também. Se tiver uma palavra errada
e você for cantar ele, você erra. Cai o ritmo da melodia se tiver errado.
Você repare aqui, ó:
Tem muita gente que conta
Muita história engraçada
História de jogador
De pescador e caçada
E da velha sem cabeça
Lá da casa abandonada
Tá vendo como rima direitinho? Se eu fizer uma rima e a métrica errada
aqui, aí cai o ritmo da música. Pra fazer cordel não é só dizer que vai fazer
não. Se tiver errado não pode dar certo (Paulo Pereira).
Se você for contar em sílabas gramaticais você vai separar PO-E-SI-A, mas
na sílaba poética veja bem como se fala POE-SIA. . PÕE-A-MOR-NO-
CO-RA-ÇÃO tem sete sílabas poéticas. Sete sílabas poéticas. “Abre teu
peito e confia”. Seria oito, mas você vê aqui A-BRE-TEU-PEI-TO- E
CON-FIA. Vê como como tá aqui, ó. O “E”, né? “E CONFIA”? Quando eu
fiz esse daqui, era um pouco bagunçado ainda, depois eu tive que fazer
reparos na questão da métrica. Por exemplo, ele não tava numa métrica
bacana e nem sei se ainda tá. Mas, eu tive que fazer umas correções e
metrificar. Metrificar é o mais complicado. Aqui ó, “vou dizer para
vocês”. Esse aqui tá fácil. “VOU-DI-ZER-PA-RA-VO-CÊS”, sete sílabas.
[...] A questão da métrica, isso é muito chato, eu acho. Acho que muita
gente acha chato, mas é muito bacana se aprofundar na questão da
métrica pra errar menos na poesia. Porque, um exemplo: quem não
entende vai ler e achar normal, mas quem entende, um outro poeta, uma
pessoa que estudou, que conhece um pouco, vai ler seu poema e vai dizer:
“O cara erra demais, o cara não respeita métrica, não respeita distribuição
de rima, não respeita a rima”. Por isso que a gente tem que tá sempre... E
quanto mais você pesquisar... Eu mesmo ainda estou estudando e
pesquisando bem essa questão de métrica (Diosman Avelino).
Existe uma grande variedade de modalidades poéticas (ABREU, 1993) que resultam
das regularidades estróficas. Na literatura de cordel, pode haver estrofes com quatro versos
de sete sílabas (quadra), estrofes com seis versos de sete sílabas (“sextilha”), estrofes de sete
versos com sete sílabas (septilha/setilha), estrofes com oito versos setissílabos (nomeado
“oito pés de quadrão” ou oitava) e com dez versos de sete sílabas (“décima”) ou de dez
sílabas (“martelo agalopado”), entre outras. A modalidade predominante do gênero é a
177
sextilha (com estrutura ABCBDB, sendo B os versos com rima e ACD versos sem rima), em
que o segundo, o quarto e o sexto versos devem estar obrigatoriamente rimados.
Aí, rima essa, essa aqui com essa. A primeira com a quarta e a quarta com
a sexta, que é a última com essa. Você rima a segunda com quarta e a
quarta com a sexta. Num é três rimas aqui? Num é de sextilha? Agora,
quando é septilha, aí você rima duas palavras, uma parecida com a outra,
mas não a mesma palavra. Aqui é sextilha porque é de seis linhas. A
septilha é de sete linhas. Aí, tem de oito, tem de decassílabo também, tem
de quadra. Na sextilha você rima, digamos, MESMO com TESMO, com
ESMO, que é pra rimar pra poder dar embaixo. Agora, depende, porque
aqui não é septilha, é sextilha. Você tem que procurar as palavras
parecidas, mas que não é a mesma palavra. Agora, que essa aqui de baixo
rime com essa segunda. Apesar disso, é possível dizer que há certo
consenso quanto à ideia de coerência como unidade de sentido do texto.
Sextilha, a última tem que rimar com a segunda e com a quarta, porque tem
que ficar tudo rimado (Zé Guri).
A quadra (com quatro versos) foi a mais antiga modalidade (CASCUDO, 2006).
Abreu (2006a) esclarece que, apesar de múltiplas formas/modalidades terem convivido, as
quadras e as sextilhas disputaram a primazia. No começo do século XX, as quadras haviam
praticamente desaparecido, sendo predominantes as sextilhas setessilábicas com rimas em
ABCBDB. Posteriormente, outras formas fixas de composição foram sendo incorporadas, a
exemplo das septilhas setessilábicas com rimas ABCBDDB.
É, depende do que você escolheu para fazer. Pode ter dez, pode ter seis,
pode ter sete. Pode ser feito em quadra. Pode ser em terceto, mas esse
ninguém faz pra cordel não. O mais usado, eu vou lhe dizer, o que é mais
usado no cordel: sextilha, septilha e décima. O decassílabo se usa, que é em
décima, só que com métrica maior. Se usa, mas não tanto quanto esse. O
usado, bem usual mesmo, o mais que é usado é sextilha. O mais de todos é
sextilha. Com a modernidade, muitos cordelistas fazem em décima em
decassílabo (Jailton Pereira).
5.2.4 Oração
178
Não basta construir versos com rimas e métricas adequadas, é preciso que o texto
possua uma coerência interna, ou seja, uma relação lógica entre as ideias subjacentes ao
texto. Com isso, não estamos, de modo algum, pretendendo apresentar uma definição de
coerência, pois, dada à sua complexidade e como apontam diversos pesquisadores (KOCH,
TRAVAGLIA, 1992; SPINILLO; MARTINS, 1997), é muito difícil conceituá-la. Apesar
disso, é possível dizer que há certo consenso, entre os estudiosos, quanto à ideia de
coerência como se referindo à unidade de sentido do texto.
A oração, na literatura de cordel, concerne à coerência e continuidade lógica do
assunto sobre o qual poeta versa (RESENDE, 2010). Perguntamos, então, aos entrevistados:
“De modo geral, um cordel aborda um tema ou vários temas? Por quê?” e “Qual o tema
(ideia central) deste cordel?”. Nesta seção, direcionamo-nos para a compreensão dos poetas
quanto à coerência global do texto. Evidentemente, reconhecemos que tais questionamentos
não abarcaram todos os aspectos que envolviam a construção de um texto coerente.
Spinillo e Martins (1997) consideram que, nas últimas décadas, os estudos têm sido
voltados para a análise da coerência do ponto de vista do receptor do texto (ouvinte e/ou
leitor) e poucas pesquisas buscaram tratá-la pela ótica do narrador. Por essa via de
entendimento, esses autores defendem que os mecanismos necessários no estabelecimento
da coerência para produzir um texto podem ser muito diferentes dos exigidos para interagir
com o texto como leitor ou ouvinte. Em ambas as situações, as relações que se mantem com
o texto são, portanto, distintas. Consideramos, assim, que diversos fatores (tanto micro
quanto macrolinguísticos) são responsáveis pela coerência, seja pela perspectiva do produtor
ou até mesmo do próprio destinatário.
Ainda conforme os autores supracitados existem alguns indicadores que podem estar
relacionados à coerência do gênero história: a manutenção dos personagens ao longo da
narrativa, a relação entre os eventos narrados e entre o desenvolvimento da história e o
desfecho.
Voltando-nos, pois, à questão da estrutura enunciativa do cordel, todos os poetas (os
seis entrevistados) disseram que o tema sobre o qual versavam deveria ser mantido até a
conclusão do texto. Essa “manutenção do tópico” (SPINILLO; MARTINS, 1997) seria
importante para que haja coerência. É isto que vemos neste trecho da entrevista de Zé Guri:
Esse cordel aqui [Tributo a Luiz Gonzaga] fala de muitas coisas. Fala de
Umberto Teixeira, fala em Zé Dantas, em Zé Marcolino, fala em Benito de
Paula, fala em Januário, em Santana, em Zé Gonzaga, em Gonzaguinha,
fala de muita coisa. Agora, tudo ao redor de Luiz Gonzaga (Zé Guri).
179
Assim, deve-se obedecer à temática sobre a qual o cordel foi escrito, ainda que outras
ideias possam se encontrar vinculadas à principal. Os assuntos, embora diferentes, devem
estar conectados de modo a contribuir para a unidade do texto, pois “a ruptura de sentido é o
que cava a ausência de coerência” (GUIMARÃES, 2013, p.16).
Um único tema. Mas, esse único tema pode dar aquelas lapidadas que eu
disse a você, pode apresentar outras coisas. Um único tema é pra não sair
da temática que se pede e a poesia está dizendo, mas que não deixa de ser
livre pra, dentro dessa temática, abordar outros assuntos. Vamos supor, está
falando sobre a feira, mas, de alguma forma, você fala da pessoa que está
ali pedindo uma esmola e o poder público não está arrumando uma
moradia pra ela ou chances que não teve enquanto jovem, caso ela seja
idosa, pra ter uma educação e estar no mercado de trabalho. Então, pode
ser dessa forma. Essa questão que eu digo de ser só um é só no sentido de
obedecer ao tema que está sendo feito, o que não empata de no meio você
dar umas lapidadas. Tudo tem como você dar umas lapidadas sobre um
determinado tema sem precisar, necessariamente, sair da linha de
raciocínio que você está falando. Os jornalistas fazem muito isso, e o
cordel é uma forma de jornal também (Jailton Pereira).
Tal como nesse relato de Val Tabosa, as colocações de Diosman que se seguem
ressaltam a possibilidade de inserir em um só folheto mais de um cordel:
Um livro desse? Pode ter mais de um tema. Olhe, ele pode ser um mini
livro. Um folheto pode ter dois poemas com dois temas diferentes. Agora,
o cordel é um tema só, uma história só. Aí, eu fiquei, você falou... “Cordel
diferenciado”, não sei de onde eu tirei isso. Eu tirei isso justamente disso,
porque é um livrinho com duas literaturas, dois poemas. Aí, eu quis colocar
um nome aqui e coloquei “Cordel Diferenciado”, mas poderia ser um
“folheto diferenciado”. Isso aqui tem dois poemas. Aqui, “Trauma
nordestino”, é um cordel só, um poema só. Não tem como colocar dois
temas nesse poema aqui, não tem. Vai ficar perdido, né? Vai ficar meio... É
igual eu colocar dois nomes no meu filho. O nome dele é Pedro Henrique,
mas também eu quero que seja registrado também como Paulo José,
entendeu? (Diosman Avelino).
Pra ser um bom cordel tem que ter as rimas todas positivas, a métrica toda
bem medida, o assunto seja um assunto interessante, com episódios que o
povo fique ansioso para saber o resultado e ter um desfecho bom, do final.
Porque esses caras que estão escrevendo agora, eles escrevem uma coisa
com o título muito banal, uma coisa sem graça e eles começam a escrever
misturando religião com política, gracejo, crime, sangue, tudo numa
181
história só. No fim, termina, encerra e ninguém sabe o que foi que ele
disse. Então, o romance tem que ser feito do princípio até fim
acompanhando aquela história e o desfecho sempre seja agradável. Tem
uma história muito boa, famosa. Aliás, não é tão boa, mas é famosa:
Romeu e Julieta. Eu não gosto, porque morre os dois. Zezinho e
Mariquinha é uma história boa, famosa, de muitos anos, mas morre os dois.
Eu não gosto de histórias que morrem os dois personagens. Eu gosto de
história que todo o mundo se acabe, mas que o personagem fique vivo (J.
Borges).
Tem que ter. Não pode ser sem título. Tem que ter o título daquele cordel.
O livro sem capa, como pode ser? Porque você num vai contar aquela
história, história de tal canto, chuva em tal canto, terremoto em tal canto.
Aí, pronto, tem que ter aquele título. Aí, você vai trabalhar no cordel
naquilo que está acontecendo. Naquele dia que deu um terremoto e matou
um monte de pessoas, aí você vai escrever aquilo que aconteceu naquele
país. Aí, tem o título “Terremoto em tal canto”. Digamos, deu uma chuva
em Caruaru ou Caruaru estrondando. Aí, já é o título “Estrondo em
Caruaru”. Tudo tem que ter o título. Música sem o título, pode ser? Não
pode. Tem que ter o título da música também. Eu tenho umas 200 músicas,
porque eu faço a hora que eu quero. “A caveira e o viajante” e isso aí é
você criar na mente, na imaginação. Você cria na imaginação. Vou fazer
uma história de malassombro, pronto. Aí, faz a história pra criança, pra
criança ler e ficar com medo. Esse aqui é a história de malassombro.
Digamos, tem uma casa abandonada ali e você vê uma luz. Dali, você, na
sua imaginação, já vai fazer um cordel. É assim. O que você quer fazer dá
cordel, desde que você faça na rima, na métrica e na oração (Paulo
Pereira).
uma das características dos títulos, frente à sua função comercial, está relacionada ao
extenso tamanho dos sintagmas nominais tituladores, principalmente pelo uso da conjunção
“ou”. Em geral, a primeira parte do título era dirigida ao assunto, seguido de uma
especificação ou explicação sobre a natureza da história ou com os nomes dos personagens.
Havia ainda títulos que eram ainda autoexplicativos sobre o enredo da história. Nota-se, por
conseguinte, que o título e a narrativa atuam numa espécie de simbiose, pois nas palavras de
Val Tabosa:
Alguém pode até fazer sem, mas eu coloco título em todos os cordéis que
eu escrevo até pra saber de qual poesia se fala. Às vezes, você está num
local e perguntam sobre aquela poesia que fala de tal coisa, aí você sabe
qual o título. [...] Esse título “Águias do Agreste”, esse aqui é um moto
clube do qual eu faço parte, sou motociclista e fiz um poema falando das
histórias de viagem, do ambiente que a gente convive. Mandaram até fazer
um banner desse poema. Então, outros cordéis que eu tenho eles nem leem,
mas esse eles acham interessante, porque falam da nossa história, né? Eu
não posso levar um cordel desse que fala de motociclismo e botar na igreja,
porque as pessoas não vão achar interessante, já que não conhecem a
história. Como eu participo de outros movimentos também da sociedade...
Aí, cada um tem um público diferente e cada um aprecia do jeito que gosta
de apreciar. Esse título é “Experiência”. Experiência é aquilo que você
vive. Você vai tendo experiência com os anos, os cabelos vão caindo,
outros vão ficando brancos. Então, a experiência que você tem hoje não é a
experiência de uma menina que tem 10 anos, né? Você já passou um
pouquinho dos 10. Então, você tem outra experiência, você vê as coisas
diferentes e assim são todas as pessoas. Então, esse foi um poema pequeno
que eu fiz falando nisso. Eu via uma coisa, mas antigamente eu via de um
jeito e hoje eu a vejo diferente. A experiência está em mim, porque eu vivi.
Então, experiência é vivência. Você vive aquilo, então você passa a
conhecer. Em geral eu escrevo sobre um tema, aí depois o nome. Depois,
eu posso mudar esse nome [título] também, se não deu certo. Tiro esse
nome e boto outro. Geralmente, quando eu vou digitar , o que fica
registrado é a primeira frase e eu uso muito isso também [...] (Val
Tabosa).
Nessa direção, averiguamos que, assim como Val, os demais cordelistas com maior
escolaridade (Diosman Avelino e Jailton Pereira) usavam algum trecho contido no cordel
para o título. Diosman e Jailton fornecem depoimentos que ilustram esta asserção:
Tem que ter. Isso é assim, coisa minha. Como é que tu sabe? Um
personagem falando de Maria, aí tu fica imaginando: “E o nome disso aqui
é o quê? Como é o nome dessa história?” Aí, acho que todo texto, e não
somente o cordel, tem que ter o título. Uma música, por exemplo, tem que
ter também o título. Uma pessoa falando disso e daquilo, mas o nome da
música é o quê? “Não, tem não”. É esquisito. Aí, volta de novo à questão
da organização. O título serve como forma de organizar o cordel. Tem que
ter o título. Esse aí é “A feira que tudo tem”. Aí, o que foi premiado foi
sobre feira também, aí foi “Passeando sobre a feira”. Aí, justamente um dia
de passeio. Pra fazer o título, às vezes eu pego alguma coisa de dentro do
185
cordel mesmo. Agora, eu não sei se esse “Passeando pela feira” tem
alguma coisa dentro falando isso. Não lembro. Mas eu pego alguma
determinada frase e transformo no título (Jailton Pereira).
Imagine você pegar aqui um cordel desses, só com o nome do autor, sem o
título. Só a capa aqui, né? É igual um livro, todo livro tem um título. Um
CD tem um título do CD. Tem que ter um título. Eu não sei como outros
poetas fazem, mas, geralmente, eu tiro o título de dentro da poesia. Agora
aqui “Meu Sertão é Demais Pra Ele Tiro o Chapéu”, eu não sei aonde vai tá
aqui, mas isso vai tá dentro de alguma estrofe dessas aqui. Pronto, tá aqui
no começo:
Vou dizer para vocês
Escrevendo no papel
Vou falar do meu sertão
Em forma de um cordel
Meu sertão é demais
Pra ele tiro o chapéu
Aí, daqui eu já tirei dessa daqui o título, “Meu sertão é Demais Pra Ele
Tiro o Chapéu” (Diosman Avelino).
Atentamos, ainda, para o fato de que, para J. Borges, um bom título contribuía para a
vendagem dos folhetos, o que se relaciona também à função de atrair a atenção do leitor. J.
Borges expressou tal compreensão no que segue:
Do meu modo, dos que eu vi já e li, todos eles têm o título. Às vezes, não
tem o nome do poeta, mas tem o título [...]. O título também é uma coisa
que tem que ser feito com muito cuidado. O título, às vezes, ajuda também.
Tem que ser um título meio engraçado também. O cabra lê, aí diz: “Eu vou
comprar isso aqui, porque isso aqui é bom”. Eu fiz o cordel “O que
acontece no Galo da Madrugada”, o povo leu o título e dizia: “Vou levar
porque eu já fui lá no desfile, mas não olhei o que acontece não”. Esse
título foi o título de um poeta que eu acho que já morreu, aí eu aproveitei e
botei o mesmo título. Não é meu não esse título. Era um cordel desse
mesmo assunto, se perdeu, não tem mais o original, aí eu escrevi outro. O
da chegada da prostituta no céu eu não sei por que foi. Tem a chegada de
Lampião no céu, né? Quer dizer, no inferno. É um dos que mais vende. Aí,
eu disse: “Eu tenho que fazer um personagem chegando no céu. O que é
que eu boto? Boto pato? Boto bispo? Boto papa?” Aí, saí caçando. Aí, eu
me lembro que ia pra Olinda. Eu ia no ônibus de Recife pra Olinda. Aí
pensei: “Ah, vou botar a prostituta que a religião condena e vou fazer esse
contraste da prostituta com o clero e vou ver o que é que dá”. Oxe, foi
mesmo que queijo. [...] Um dos dez poetas melhores que eu considero é o
Cicero Vieira da Silva, que tem o vulgo de Mocó. Ele é paraibano e não
sabe ler. Os romances dele são histórias muito bonitas e até os títulos. “A
filha da mendiga na esquina do pecado” é um romance dele. “O sofrimento
de Elisa: os prantos de uma esposa”, “Os olhos de dois amantes por cima
da sepultura”, que é o romance que eu mais admiro dele, e é muito bem
feito (J. Borges).
Para Zé Guri, no cordel é preciso que se estabeleça uma relação adequada entre a
narrativa verbal (título) e a narrativa visual (imagem):
186
É. Todos eles têm um nome, né? Se não tiver o nome, fica uma coisa só.
Esse aqui é “Tributo a Luiz Gonzaga”, né? Aí, o retrato de Luiz Gonzaga,
que é pra ficar mais parecido. Esse aqui já não tem quase nada:. “Ditado
que o povo diz” não tem nada a ver com a foto, mas não foi eu que botei
não, foi o meu menino. Eu mando ele bolar seja lá o que for. Tudo sou eu,
mas eu mando ele colocar a foto pra completar. Esse aqui é “A peleja dos
dois coquistas”, aí tem o retrato dos dois. Tá bem bacana, né? “Antônio,
João e Maria” [título do cordel] foi a mulher que disse a eu que, quando era
uma moça nova, o marido dela era doidinho por ela e ela não queria. Ele
doido por ela. Pra todo canto que ia, ele sempre no pé dela. Aí, foram na
festa um dia, passaram a noite todinha na festa. Aí, ela ia pra um canto e
ele ia atrás. Assim passou a noite toda. Nem se namoraram, nem ele
arrumou outra e nem ela arrumou outro. Ficou a festa perdida. Com o
tempo ela arranjou outro. Aí, ligeirinho ficou grávida do outro. Esse só fez
e foi embora. Não quis saber dela não. O primeiro, que era doidinho por
ela, quando o menino nasceu, ele de olho, de olho, terminou ganhando ela
e casou com ela. Aí, ficaram, ficaram “mei” mundo de tempo. Quando ela
me contou essa história, ela morava mais ele, mas com o tempo se
separaram. Aí, eu escrevi a história. Não coloquei o nome dela, nem dele e
nem do outro que eu não conheço. Aí, eu fiz a história pelo que ela disse.
Está tudo aqui. Mudou só o nome. Nem tem o nome real dele e nem o dela
(Zé Guri).
Convém ressaltar que para todos os poetas os cordéis deviam ser acompanhados de
alguma ilustração, salvo para Jailton Pereira, que declarou que a imagem não seria um
requisito indispensável, embora apresentasse um valor comercial e estético. Paulo Pereira
afirmou que a xilogravura seria, até mesmo, um componente que caracteriza o gênero e que
o define como tal. Vislumbramos, por conseguinte, a importância atribuída às imagens, que
ora atuam como articuladoras da escrita, ora ampliam seus significados. Observemos, a
seguir, os depoimentos de Zé Guri e de Diosman Avelino:
É importante porque veja só: imagina aqui sem essa foto aqui, sem esse
desenho, né? Num fica mais bonito? E aqui você vê que, geralmente, o
desenho da capa é de acordo com o tema do cordel, da história. “Se não
fosse o leitor eu parava de escrever” [título de um cordel], aqui ele
desenhou um rapaz lendo o próprio cordel. Ele tá lendo o cordel que é um
cordel que a capa é... um cangaceiro aqui, o chapéu de Luiz Gonzaga aqui.
Aí, você vai aqui, vamo lá: “A feira que eu não pude pagar”. Você vê que o
cara tem uma bodega, aqui tá a caixinha com a feira que ele comprou. Vai
de acordo com o tema... (Zé Guri).
Na capa tem que colocar seja lá o que for: um nome, um animal, uma
pessoa. A canção que tem uma folha só é difícil de ter imagem. Então, tem
que ter a imagem, porque ajuda a vender e já pela história. “Macaco
Antônio Ferreira” [título de um cordel], aí já tem o retrato de um
macaquinho; “Donzela Teodora” [título de um cordel], aí já tem o retrato
dela. Conforme a história, sempre, sempre, tem que ter uma fotografia, um
retrato ou qualquer coisa pra fazer jus com a história (Diosman Avelino).
188
Estes relatos podem suscitar-nos várias reflexões. Deles podemos extrair a ideia de
que as imagens que compunham as capas eram um chamariz de vendas (como dito por
Diosman) por, pelo menos, dois motivos principais: devido ao atrativo visual e à
identificação da temática do cordel. Assim, muitos consumidores eram seduzidos pelas
imagens e os títulos que acompanhavam essas publicações, pois como asseverou J. Borges:
Sem figura não vende. Uma vez publicaram um cordel, um cordel famoso,
mas não me lembro do nome, não sei se foi o “Pavão Misterioso” ou
“Juvenal Dragão”. Publicaram em Juazeiro do Norte e nesse tempo os
cordéis vinham pra Recife, vinha de carrada pra Recife e veio um sem
capa, só com as letras, letra grande assim, mas sem figura. Devolveram.
Foi devolvido, porque passou uns seis meses e não vendeu um. Ninguém
queria. Aí, quando o praxista veio cá e disse: “Olhe, vai ter que devolver.
Ou vocês botam uma figura aí ou, senão, queima, toca fogo”. Foi pra
Juazeiro, tiraram a capa e botaram outra capa com o desenho. Aí vendeu
rápido (J. Borges).
Primeiro eu faço o cordel. Agora, eu tenho cordel que o tema foi tirado da
gravura. Por exemplo, “A chegada da prostituta no Céu” eu fiz a gravura e
quando eu chegava com a gravura nos lugares o povo dizia: “Borges, conta
essa história, conta a história”. Eu contava. Então um dia, não sei aonde
foi, uma mulher disse: “Por que não faz um cordel?” Eu disse: “Vou fazer
mesmo”. Aí, larguei o pau, fiz a história todinha, a ilustração e publiquei. É
o meu livro mais vendido, é esse. Já passei de 100.000 exemplares (J.
Borges).
Xilogravura é uma arte que poucos cordelistas fazem. Tem J. Borges, tem
Mestre Dila, que são os pioneiros aqui na nossa região que constroem esse
carimbo, que como todo carimbo é invertido, na madeira ou na borracha.
Depois, faz a impressão. É bem artesanal esse trabalho. Eu não faço assim
44
O clichê concerne a uma matriz gravada em placa metálica ou de madeira destinada à impressão de
imagens e textos em prensa tipográfica.
190
porque eu não tenho acesso pra fazer isso e hoje a gente tem o poder da
internet que pode até copiar uma xilogravura sem realmente ela ter sido
uma xilogravura para aquele cordel. Eu faço mais desenhos, como você
está vendo aqui. Isso aqui é com a ajuda da gráfica. A gente vai lá, senta lá
meia hora, uma hora, e eles perguntam se a imagem está boa, mas esse é
um registro muito forte dentro do cordel, porque enriquece o cordel. Esse
ano eu fui convidado para fazer um julgamento de um concurso de
literatura de cordel pra umas crianças. Então, eu peguei esses cordéis e
trouxe pra casa. A gente julga e a nota a gente dá pela rima, métrica e
oração. Tiveram alguns que ficaram mais ou menos empate e a gente usou
o critério – não só eu mais os outros que fizeram parte dessa comissão –, de
julgar a capa. Então, a capa que tinha uma tendência mais original pra o
lado da xilogravura levou um ponto. Depois, ao final, teve o resultado de
que a capa foi quem decidiu. Então, a capa é muito importante na
construção do cordel. Tem cordéis com algum desenho gráfico, mas sem
imagem nenhuma não. Geralmente, todo cordel tem capa e tem alguma
imagem. A imagem também fala (Val Tabosa).
Percebemos, na declaração de Val Tabosa, que a xilogravura é um elemento
importante na produção do folheto, mas, como pontua Santos (2009), os primeiros
cordelistas não se utilizaram de gravuras talhadas na madeira para ilustrar suas capas.
Leandro Gomes de Barros já introduzia desenhos e fotografias nos folhetos, mas a
xilogravura só surgiu a posteriori. As primeiras técnicas de ilustração dos folhetos de cordel
foram, portanto, o desenho. Para o autor supracitado, apesar, portanto, de a xilogravura se
constituir como um elemento do folheto, ela não pode ser considerada decisiva na sua
formação.
Ao analisar folhetos do período de 1900 a 1919, Galvão (2000) mostrou que nenhum
deles era estampado com clichês de zincogravura ou xilogravura nas capas, mas 76% deles
eram ilustrados com vinhetas e/ou ornamento, que eram, em geral, relacionados ao tema do
poema principal. Em dois impressos, as capas foram ilustradas com fotografias. Consoante a
autora, nas décadas de 20 e 30 do século XX, as vinhetas e/ou ornamentos foram sendo
substituídas, paulatinamente, pelos clichês de zinco. Não foi encontrado pela autora nenhum
folheto contendo xilogravura. Nos anos 40 e 50 do mesmo século, as vinhetas como
ilustração da capa praticamente desaparecem, sendo encontrado apenas um folheto contendo
esse recurso. A autora evidenciou, assim, que a maioria dos impressos (55,6%) analisados
tinham capas ilustradas com clichês de zinco de fotografias e/ou cartões postais. Os clichês
de xilogravura estampam um quarto dos folhetos analisados. Esses dados apresentados por
Galvão demonstram que a associação entre os folhetos e a xilogravura foi uma construção.
Tem, porque se não tiver... Por que você tem por obrigação colocar o nome
do autor e o título daquilo dali. Se você pegar isso aqui, é um cordel e tem a
xilogravura. Tem que ser assim. Antigamente não tinha xilogravura, mas
foram se adequando mais, fizeram a xilogravura e ficou mais enfeitado.
191
Você vê aqueles cordéis que vêm da Luzeiro45? Aqueles que são cinco reais?
Aquele é uma escrita bonita. São uns grandes que tem lá. É a cinco reais. Ele
vem da Luzeiro. A xilogravura é por obrigação você botar no cordel, porque
sem a xilogravura ou sem desenho não é. O livro, você faz um livro sem
capa? Num tem que ter a capa do livro? Pronto, do mesmo jeito é o cordel.
Você pode até desenhar, pode criar, fazer aquele desenho no computador e
fazer a capa no computador [...] (Paulo Pereira).
45
A Editora Luzeiro (antiga Prelúdio) é conhecida como uma das grandes editoras de São Paulo por publicar
os grandes clássicos da literatura de cordel do Brasil, há mais de cinco décadas.
192
Apesar de os poetas mais velhos (J. Borges, Paulo Pereira e Zé Guri) não
manusearem o computador, eles recorrem a alguém que digita os impressos. Alguns deles,
inclusive, têm substituído a xilogravura pelas imagens retiradas da internet, barateando,
assim, a impressão, pois o computador transformou-se na tipografia do cordelista (ver Fig. 8
e 9). Por outro lado, os poetas mais novos (Val Tabosa, Diosman Avelino e Jailton Pereira),
costumam utilizar a internet com maior frequência e, muitas vezes, é por meio dos blogs e
do facebook que divulgam os cordéis. O fato é que, apesar da relação com este recurso
tecnológico ser diferente para ambos os grupos de entrevistados, todos, atualmente, têm feito
uso dele de alguma maneira.
linguístico, mas não se achar ainda em contato com o conhecimento armazenado em outros
formatos” (KARMILOFF-SMITH, 1998, p.33).
Total por
Produção de erros de J. Paulo Zé Val Diosman Jailton
cada erro
rima Borges Pereira Guri Tabosa Avelino Pereira
cometido
Substitui a última
palavra de um verso por
X X X 3
outra, deixando-o sem
rima
Substitui a última
palavra de um verso,
X X 2
criando uma rima
assonante ou toante
196
No Quadro 26, observamos que oito erros distintos foram produzidos pelos
participantes, os quais foram agrupados em cinco categorias, sendo elas: 1) substituição de
palavras; 2) supressão de palavra; 3) inversão de palavras e versos; 4) criação de verso; e 5)
alteração da flexão de número dos substantivos (singular e plural).
Diante dos dados evidenciados acima, percebemos que os tipos de erros mais
frequentes foram de substituição de palavras46, enquanto os menos realizados pelos
depoentes foram de inversão na ordem dos versos, supressão de palavra, criação de um novo
verso (rima assonante) e de alteração da flexão de número dos substantivos. A título de
esclarecimento, mostraremos, à frente, os tipos de transgressões realizadas por eles.
No que concerne à transgressão das regras de rima, por substituição da última
palavra de um verso, por outra, apresentamos o seguinte exemplo de transgressão, o qual foi
produzido pelo poeta J. Borges:
Eis a real descrição
Da história da princesa
Dos sábios que ele venceu
46
Morais (2003) ao analisar, através de tarefas de transgressão o desempenho ortográfico de crianças do 2º, 3º
e 4º ano do Ensino Fundamental, demonstrou que as crianças, geralmente, preferiam criar erros de substituição,
que, nesse caso, envolviam letras e dígrafos.
197
Como vemos neste excerto, Paulo produziu uma frase sem rima e que, também, não
satisfazia os preceitos de métrica e oração que requer a literatura de cordel. Em síntese,
podemos dizer que esta estrofe, tanto apresenta um erro de rima, como solicitado na
atividade, como contém um erro de métrica e de oração.
J. Borges burlou, de forma intencional, as regras de rima ao inverter a posição das
palavras de um dos versos, conforme vemos no trecho da transgressão, abaixo, efetuada por
ele:
Consideramos que criar um novo verso (como fez Diosman) ou substituir a última
palavra do verso (Zé Guri e Jailton Pereira), produzindo uma rima assonante, pressuporia
um erro mais sofisticado e complexo por exigir dos entrevistados um maior nível de reflexão
acerca da palavra, uma vez que tinham que encontrar um vocábulo que apresentasse
semelhança sonora (mas não gráfica) e que, concomitantemente, mantivessem a coerência e
a métrica do verso.
Em um cordel de sua autoria, Jailton Pereira suprimiu a letra “s” da última palavra da
estrofe, deixando alguns versos com rimas flexionadas no plural e uma no singular.
Reconhecemos que é, hoje, consensual entre os cordelistas a ideia de que, na literatura de
cordel, não pode haver rimas singulares e plurais numa mesma estrofe, devendo o escritor
optar por uma ou outra.
Tendo como base as considerações acima, percebemos que J. Borges e Paulo Pereira
foram os poetas que produziram, igualmente, um maior número de transgressões de rima (3
erros, cada um), ao passo que Zé Guri e Diosman realizaram, nos extratos dos cordéis que
lhes foram entregues (tanto nos que haviam sido produzidos por outros autores quanto nos
de sua autoria), um único tipo de erro. Contudo, as transgressões de Zé Guri e de Diosman
foram mais sofisticadas que as de J. Borges e Paulo Pereira.
Assim, de modo distinto ao que constatou Morais (2003), não encontramos, nesta
atividade, uma relação entre a quantidade de erros realizados e o grau de “sofisticação” das
transgressões efetuadas. No entanto, tal como este autor, percebemos que os poetas que
propuseram erros mais “elaborados” concentraram mais nas transgressões sobre os “pontos
problemáticos” da norma.
É mister enfatizar que, ao cometer propositalmente erros de rima, alguns cordelistas
tentaram não fugir da métrica e, em alguns casos, da oração: nas transgressões de rima,
notamos que J. Borges, Val Tabosa (em um dos erros), Diosman Avelino e Jailton Pereira
(em um dos erros) buscaram, inclusive, não fugir da oração (mantendo as outras regras
preservadas). Isso pareceu ser mais difícil para os poetas Zé Guri e Paulo Pereira.
Todos os participantes conseguiram justificar os erros de rima que haviam cometido.
Apresentamos, a seguir, as verbalizações de J. Borges sobre as transgressões que efetuou nos
fragmentos dos cordéis.
Entrevistadora: O senhor vai me dizer como uma pessoa que tem muita dificuldade em
escrever cordel poderia errar e cometer erros de rima nessas estrofes aqui.
J. Borges: Bem, aqui, cometer um erro de rima? No cordel tem que rimar a segunda com a
quarta e a quarta com a sexta. Agora, cometer um erro de rima... Aqui diz:
200
Quer dizer, não estava rimando com princesa, né? Rimou uma com ela (ELA e DELA), mas
essa [PRINCESA] não. É uma rima negativa essa.
Aqui diz:
Quer dizer, aqui armava o mesmo sentido, mas no último verso desmanchava a rima.
Entendeu?
Aqui, ele trocaria a “dama esposa fiel” por “dama fiel esposa”. Agora, tem uns que não faz
nenhuma rima. Sai dizendo, assim, a história (Bá-bá-bá...) como quem está escrevendo
mesmo alguma coisa. Aí fica tudo errado. Não fica um verso com rima.
(...)
Entrevistadora: Pronto, esse verso está correto. Agora, quero que o senhor me diga de que
forma essa estrofe, um cordelista iniciante poderia errar em relação à rima, por exemplo. O
senhor está entendendo?
Val Tabosa: Estou entendendo. Agora, se é pra errar, é desordenar. Por exemplo, se eu
botasse aqui:
Eis a real descrição
Da história da donzela
Dos sábios que ela venceu
E a aposta ganha por ela
Tirado tudo direito
Da história grande dela
Val Tabosa: Então, se ao invés de eu botar “Tirando tudo direito”, eu botasse “Da história
grande dela” e botasse “Tirando tudo direito” na última frase do verso.
Entrevistadora: Então, em relação à rima, o senhor acha que o erro seria em relação à
organização dos versos?
Val Tabosa: É, ou então não rimar com a rima fonética ou sonante.
Entrevistadora: Então, me dê um exemplo.
Val Tabosa: Por exemplo, aqui as rimas estão fonéticas, porque eu falo da mesma forma e
também consoantes, porque termina em ELA, certo? Por exemplo, se eu rimasse CÉU com
MEL.
Entrevistadora: Agora, eu quero que o senhor me diga em relação a essa estrofe.
Aponta, então, para a seguinte estrofe:
Val Tabosa: Ah, de ficar errado? Só se você inverter. Cada verso é uma linha. Vamos dizer
que o quarto verso a gente bote ele no terceiro. Aí, fica fora da rima. E pra tornar ela diferente
a gente poderia rimar com outra palavra que tivesse esse som, mas não tivesse...
Entrevistadora: Tipo qual? Me dê um exemplo nessa estrofe.
Val Tabosa: MEL e CÉU rima também, não tem problema algum. Está dentro da temática da
poesia. Mas, para que ela fique mais completa, pra julgamento, você formá-la assim, com as
mesmas letras na sílaba final e com o [mesmo] som, melhor ainda. A rima quebrada é você
trocar totalmente... Por exemplo, aqui:
Donzela qual é a coisa
202
Aqui, você quebrou a rima. Aqui tem FIEL que está na rima certa. Você pode trocar FIEL por
HONESTA que não dá rima. Você dá o mesmo sentido, mas... Aqui tem “Dama esposa fiel”,
mas eu poderia botar “Dama esposa honesta”. Então, essa estrofe está completa, está bem feita,
e a gente poderia quebrar se tirar a rima substituindo por uma palavra que não dá rima.
(...)
Entrevistadora: Pronto, o senhor vai começar por esse aqui, que é “A história da donzela”.
Em relação à rima, eu queria que o senhor me dissesse de que forma essa estrofe poderia ficar
errada.
Jailton Pereira: Essa aqui eu vou fazer em silêncio, aí depois eu vou ver se eu lhe digo
alguma coisa.
Jailton Pereira: Na minha opinião é onde poderia errar, porque no início acontece muito
isso. Essas duas estrofes... Vou primeiro na questão da rima. Eu acho que poderia ocorrer erro
aqui, porque as rimas “mel”, “fiel” e “fel” o povo tem o hábito de rimar isso com “céu”,
“chapéu”. Aí é uma rima sonante, que é o som, mas a escrita, se você olhar, não rima. Aí, eu
acho que poderia ocorrer um erro aí.
Jailton Pereira: É, eu teria cometido um erro de rima. Aí essas coisas acontecem muito no
início, tá entendendo? Da questão... a gente nem se preocupa. Pronto, não tinha saído da
temática ou da métrica, mas tinha cometido um erro de rima.
Entendemos que, no trecho acima, apesar do poeta fazer a rima fonética (EL –ÉU),
pareceu, de fato, ser difícil encontrar uma palavra que reunisse as condições de semelhança
fonética, mas não gráfica, e pertinência ao contexto semântico. Uma primeira constatação
que pode ser realizada em torno desta atividade é que a quantidade de transgressões de rima
não resultou na elaboração de erros mais sofisticados. Sem embargo, precisamos ressaltar
que a tarefa de transgressão de rima, segundo o cânone da literatura de cordel, foi mais fácil
para os poetas que as que envolviam a métrica. A partir das entrevistas, Morais (2003)
também concluiu que algumas crianças tinham mais dificuldade em verbalizar algumas
regras ortográficas que outras, mesmo aquelas com excelente rendimento ortográfico.
No caso dos repentistas, Sautchuk (2009) explica que as habilidades, muitas vezes,
derivam de princípios práticos incorporados através da experiência (como, por exemplo, a
métrica) e não de um saber reflexivo organizado por regras formuladas objetivamente, como
a rima, em que há uma verificação escrita. Para o autor, essas capacidades incorporadas
trabalham quase sempre em um plano não consciente e, por isso, os poetas dificilmente se
dão conta da lógica implícita nas suas ações.
204
Poetas entrevistados
Total por
Produção de erros J. Paulo Val Diosman Jailton
Zé Guri cada erro
de métrica Borges Pereira Tabosa Avelino Pereira
cometido
Acrescenta
palavras para
aumentar a
X X X X X 5
quantidade de
sílabas poéticas
Retira palavras
para diminuir a
quantidade de X X X 3
sílabas poéticas
Substitui palavras
por outras com
maior ou menor
X 1
quantidade de
sílabas poéticas
Altera a
quantidades de
verso por estrofe,
X 1
deixando algumas
com seis versos e
outras com sete
Comete erros de
X 1
Rima
Total de erros
2 2 2 1 2 2 11
por poeta
Que só Salomão
Teria um igual conhecimento
Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado
Agora pelo sertão
206
Entrevistadora: Tem.
Paulo Pereira: Aí, você botava aqui outras palavras diferentes.
Entrevistadora: Tipo quais?
Paulo Pereira: Aí, você botava CASADA, aí já descontrolou.
Entrevistadora: Aí, se não rimar já desmetrifica tudo?
Paulo Pereira: Desmetrifica tudo.
Entrevistadora: E nessa estrofe aqui:
Donzela qual é a coisa
Mais doce do que mel?
O amor do pai a um filho
Ou dama esposa fiel
A ingratidão de um desses
Amarga mais do que fel
207
Paulo Pereira: Se fosse para desmetrificar? Aí, é você botar uma palavra que não dá certo com
MEL e nem com FIEL. Botou uma palavra diferente, já está desmetrificado. Olhe, você vê: MEL,
FIEL e FEL. Tá vendo que está rimado? Agora, se você botar outra palavra que não tenha MEL,
nem FEL, nem nada, aí já está desmetrificado. Qualquer palavra que você botar errada não dá certo.
Uma mulher que fez o cordel ela falava AMOR, aí falava SINCERIDADE, aí eu olhei e falei que
estava tudo desmetrificado isso aí.
Entrevistadora: A métrica também não tem relação com a quantidade de sílabas?
Paulo Pereira: Depende do seu cordel. Aqui tem 1, 2, 3, 4, 5, 6. Seis sílabas. Aqui já tem
1,2,3,4,5,6,7,8, tá vendo? Mas a palavra é obrigado você falar toda.
Entrevistadora: Como senhor sabe que está desmetrificado?
Paulo Pereira: Desmetrificado é se você fizer uma linha de um jeito, outra de outro (fazer um
cordel com seis versos em uma estrofe, outro com sete na outra estrofe, outro com oito...). Se você,
digamos, vai fazer um cordel e faz com seis e bota a rima errada ou bota uma carreira aqui [verso]
com poucas letras e aqui com muitas, aí, fica tudo desmantelo.
Entrevistadora: Mas, olhe, esse verso está menor do que o de cima. E agora?
Paulo Pereira: Mas num está falando a palavra certa (a rima)? Está entendendo como é?
Paulo Pereira: Eu vi um trabalho de um camarada que ele botava um verso aqui (curto) e outro
assim desse tamanho (comprido). Uma linha curtinha e outra comprida demais. Por que você está
conversando que tomou um banho de mar, foi pra tal canto, aconteceu isso e isso. Aí, você já está
contando aquele negócio ali. E outra que você não pode colocar umas estrofes com seis e outras
com sete.
(...)
A partir do exposto, ficou evidente que Paulo Pereira tentou explicitar as regras de
métrica, com base na extensão (comprimento) dos versos. Ao falar em “comprimento”,
parecia estar se remetendo às sílabas poéticas47, mesmo que não estivesse utilizando esse
termo técnico.
A esse respeito, advertimos, em concordância com Morais (2003), que ter algum
grau de “consciência” não significa, necessariamente, ser capaz de verbalizar. Por exemplo,
julgamos que há uma evidente consciência metatextual, quando o poeta consegue identificar
que a estrofe contém erros de métrica, mesmo que não saiba verbalizar que a quantidade de
sílabas poéticas é inferior ou superior ao que exige a regra. Não obstante a existência dos
liames possíveis entre a métrica e a rima, há distinções que o poeta Paulo Pereira não
conseguiu justificar.
Recorremos novamente a Sautchuk (2009), pois, segundo o autor, algumas
capacidades incorporadas através da prática e automatizadas são mesmo difíceis de serem
verbalizadas pelos poetas. Lahire (1998), ao inscrever no funcionamento do mundo social as
razões para não consciência dos atores ante seus saberes e fazeres, também chama a atenção
para o fato de que pouco sabemos falar sobre disposições construídas implicitamente nas
47
Como já salientamos, as sílabas poéticas diferenciam das sílabas gramaticais e os cordéis podem apresentar
versos heptassilábicos (7 sílabas poéticas) ou decassílabos (10 sílabas poéticas).
208
Entrevistadora: Pronto. Agora, eu quero saber em relação à métrica. Como é que poderia ficar
errado essas estrofes?
[O poeta lê:]
Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo mal assombrado
Diosman Avelino: Tá vendo como fica feio? Fica bem esquisito. Eu vi um repentista,
considerado hoje um dos melhores do Brasil, eu vi num jornal ele falar que tem tanta gente hoje
fazendo folheto de cordel, mas desrespeitando essa questão da métrica, da rima, rimando de todo
jeito. Muita gente pensa que o cordel é só rimar, não tem métrica. E tem pessoas que não fazem
assim por tá iniciando. Eu mesmo já errei tanto. Graças a Deus, eu erro menos hoje. Mas
continuo errando, que a gente é aprendiz até morrer, mas continuo tentando errar menos. Porque
eu vou errando até aprender, errando até acertar. Então, uma hora sai mais ou menos, outra hora
sai bom.
(...)
Como notamos, muitas vezes, os poetas não contavam as sílabas poéticas das
estrofes para saber se o verso estava (ou não) desmetrificado, mas, ao que tudo indica, os
erros de métrica eram percebidos, sobretudo, de forma auditiva. Quando os poetas mais
velhos, como J. Borges, dizem que pode ser flexibilizado o critério do número de sílabas na
metrificação é porque é na performance oral que as coisas se ajustam. Ao mesmo tempo,
afirma que “escrevendo está errado”. Mesmo Diosman Avelino, poeta jovem e mais
escolarizado, justifica a pertinência do uso da metrificação – apesar de achar esse processo
“chato” – para que haja uma boa oralização (“pra declamar, pra cantar”).
Além de alguns entrevistados considerarem esta uma maneira mais fácil de
metrificar, uma das explicações factíveis, baseando-nos em Sautchuk (2009), é a de que a
incorporação da métrica se daria de maneira prática, diferentemente da rima, enquanto
210
técnica, que é mais acessível ao aprendizado pela explicação. Para atender à métrica, essa
regra parecia ser mais complexa e difícil de ser verbalizada e manipulada. Todavia, nem
sempre a dificuldade de verbalização correspondia à falta de conhecimento explícito, pois o
conhecimento poderia estar explícito, mas não acessível à consciência e muito menos à
verbalização (KARMILOFF-SMITH, 1994).
Total por
Produção de erros J. Paulo Val Diosman Jailton cada
Zé Guri
de oração Borges Pereira Tabosa Avelino Pereira erro
cometido
Altera o verso,
colocando palavras
ou frases com o X 1
sentido oposto
(antônimo)
Altera parcialmente
os versos da estrofe,
criando frases sem X X X X 4
continuidade
temática
Cria uma nova
estrofe com
X X X 3
contradições de
sentido
Fuga temática X X 2
Total de erros por
2 1 1 2 2 2 10
poeta
Fonte: A Autora (2017)
No geral, cada poeta produziu de uma (1) a duas (2) transgressões e o tipo de erro
mais frequente (4 ocorrências) consistiu na alteração parcial dos versos das estrofes.
Apresentamos, então, alguns exemplares dos tipos de transgressões produzidas pelos
211
Val, nesta mesma atividade, substituiu apenas algumas palavras, substituindo-as por
antônimos. O poeta, então, alterou algumas palavras da estrofe na intenção de conferir ao
texto um sentido oposto.
J. Borges: Então, quer dizer, sairia da oração, porque aqui ele perguntou qual é a coisa mais doce do
que o mel. Aí, ele diria:
J. Borges: Quer dizer, misturou tudo, né? A oração que a gente chama é a concordância do assunto.
Então, é assim que fica errado dentro do assunto. Quando se vai escrever uma história, digamos uma
história de sofrimento, que tem um assunto que a pessoa fica aqui e vai buscar a outra pessoa que é o
protetor. Que diz:
J. Borges: Avisa aqui no episódio que aqui parou o assunto e que vai buscar outro para seguir a
história (...).
213
À primeira vista, o depoimento nos chama atenção porque o poeta comete erros
diferentes, mas da mesma natureza (altera parcialmente os versos da estrofe, criando frases
sem continuidade temática e cria uma nova estrofe com contradições de sentido), pois em
ambos há uma incoerência semântica marcada pela contradição dos trechos. Em outro
exemplo, destacamos, em relação à fuga temática, a entrevista de Zé Guri, que emitiu a
seguinte justificativa:
Entrevistadora: Seu Zé Guri, e se a gente fosse cometer um erro de oração? Se a gente fosse deixar
sem oração essa estrofe de cordel, tinha como?
Zé Guri: A oração sempre, sempre é... Como a gente poderia fugir da oração? Por que aí é sobre a
história da Donzela, né? Aí, para sair da oração tem que sair da história dela também.
Entrevistadora: E como seria? Como faria?
Zé Guri: Tem de procurar outro assunto com outra pessoa ou com ela mesma, mas como se ela saiu
do estudo ou deixou de estudar e em vez de morar aqui passou pra outro lugar. Uma coisa assim, já
fora da ciência.
Entrevistadora: Eu quero que o senhor me diga a sequência dos versos como eles ficariam se a
gente fosse fugir da oração.
Zé Guri:
[O poeta lê:]
Eis a real descrição
Da história da donzela
Dos sábios que ela venceu
E a aposta ganha por ela
Tirado tudo direito
Da história grande dela
Zé Guri: Aí, se a gente quiser mudar, fica... Por que aqui vem só da sabedoria dela, aí a gente
poderia dizer que:
Ela não quis mais saber das letras e de olhar a lição. Um negócio assim pra fugir do assunto. Aqui é
só contando a história da verdade dela, naquilo que ela estudou, na sabedoria dela. Aí, pra mudar de
estilo com ela mesma, tem que ser assim. Se fosse tirando ela da história dela é a mesma coisa de sair
da oração. Você é de Sanharó, aí para fugir da oração eu iria dizer que você não é de lá, mas é de
Tacaimbó. Aí, ao invés de ser dali, é dali. Aí, já mudou um bocadão. Ao invés de ser professora,
você já seria uma cordelista. Mudar qualquer coisa já é... né?
Poetas entrevistados
Produção de J. Paulo Zé Val Diosman Jailton
transgressões Borges Pereira Guri Tabosa Avelino Pereira TOTAL
Transgressões de
3 3 1 2 1 2 12
rima
Transgressões de
2 1 2 2 1 2 10
métrica
Transgressões de
2 1 1 2 2 2 10
oração
Total de
transgressões 7 5 4 6 4 6 31
cometidas
Fonte: A Autora (2017)
Dos seis entrevistados, J. Borges foi o poeta que se saiu melhor na tarefa de produção
de erros, do ponto de vista da quantidade de transgressões. Vale lembrar que ele era o
participante que tinha mais tempo como produtor do gênero (51 anos).
Os participantes do nosso estudo verbalizaram a maioria das transgressões
efetuadas, o que podia sugerir que muitas restrições da norma do cordel já teriam sido
redescritas em um nível explícito, conforme sugerido por Karmiloff- Smith (1994).
temática) e de rima (pois nas palavras TRAUMA e ALMA há uma coincidência gráfica
apenas parcial e não total). Tratamos, por conseguinte, a rima assonante como erro. No
Quadro 29 apresentamos os erros encontrados pelos poetas na quadra e destacamos em
verde aqueles que eles identificaram, mas não existiam nas estrofes e, em rosa, os que foram
identificados, mas, durante a entrevista de explicitação, os poetas relativizaram a regra.
Eu me transformo em palhaço
Ao lado do amor
Fazendo um circo de sonhos
Debaixo do cobertor
A presença é inconstante
A distância causa trauma
E o seu corpo é nutriente
Que alimenta minha alma
Todos os erros presentes na quadra foram identificados, mas não pela totalidade dos
entrevistados. Outro aspecto a considerar é que alguns deles, como sublinhamos, apontaram,
inclusive, erros que não existiam nas estrofes ou, mesmo identificando, relativizaram o
emprego daquele erro.
No tocante à rima, J. Borges e Jailton Pereira atribuíram um erro à segunda estrofe
pelo emprego das palavras TRAUMA e ALMA. Embora os demais entrevistados (Val
217
J. Borges: Essa é quadrinha, né? Esse “AO LADO DO AMOR” está faltando, está fora... está
curto.
Eu me transformo em palhaço
Ao lado do MEU amor
Fazendo um circo de sonhos
Debaixo do cobertor
J. Borges: Essa última rima está curta, mas dá.
A presença é inconstante
A distância causa trauma
E o seu corpo é nutriente
Que alimenta minha alma
J. Borges: Bem, aqui dá pronunciando TRAUMA e ALMA, mas é a mesma coisa de MEL e
CHAPÉU. É uma rima comparativa, TRAUMA e ALMA. Por que aqui o “L” está
respondendo por esse ”U”. Os cantadores de embolada, os violeiros, eles fazem isso e todo
mundo aceita, mas escrevendo está errado.
Entrevistadora: E a oração, o que o senhor achou?
J. Borges: [o poeta lê novamente as estrofes em voz alta]
J. Borges: É, saiu. Saiu da oração, porque ele tinha que continuar o que diz nesses primeiros
versos aqui, mas aqui ele já vai falando da presença que é inconstante. Saiu do assunto para
outra coisa.
Entrevistadora: Se fosse para dar uma nota, qual nota o senhor daria?
J. Borges: Eu daria nota 5.
218
(...)
Entrevistadora: Veja essa quadra.
[O poeta lê]:
Eu me transformo em palhaço
Ao lado do amor
Fazendo um circo de sonhos
Debaixo do cobertor
Paulo Pereira: Ficaria melhor “AO LADO DO MEU AMOR”. Faltou o “MEU”. Devia ter
botado MEU, mas está bom [relativizou o erro].
A presença é inconstante
A distância causa trauma
E o seu corpo é nutriente
Que alimenta minha alma
Paulo Pereira: Tá bom.
Entrevistadora: E a rima?
Paulo Pereira: Tá bom. Olhe, TRAUMA e ALMA, tá bom também.
Entrevistadora: Qual nota o senhor dá?
Paulo Pereira: Nota 8 também. Bote aí.
Caso, durante a contagem das sílabas, o poeta tivesse recorrido à diérese (separação
de dois sons vocálicos em sílabas distintas de uma mesma palavra), o verso não estaria
desmetrificado (A/O/LA/DO/DO/A/MOR), como o fez Jailton Pereira. Por isso, muitos
poetas mencionaram a dificuldade em avaliar. Durante a contagem das sílabas manualmente,
é necessário que o poeta leve em consideração o fato de que encontros vocálicos ora são
pronunciados como ditongo (sinérese) ora como hiato (diérese). Reiteramos que alguns
poetas não faziam a contagem manualmente, mas, sim, de forma auditiva. Sobre isso,
Sautchuk (2009) aponta que os versos, na cantoria, possuem uma quantidade fixa de sílabas
que comportam uma unidade rítmica específica, possibilitando a sua internalização e seu
uso sem que haja a necessidade de uma contagem “consciente” de sílabas e linhas.
Os participantes Zé Guri e Val Tabosa identificaram dois erros que não estavam
presentes nessas estrofes. Zé Guri, por exemplo, considerou que nas quadras as rimas
deveriam ser exclusivamente alternadas com esquema ABAB. No entanto, nas quadras é
obrigatório que as rimas sejam entre o segundo e o quarto verso, não sendo necessário que
elas sejam alternadas, como defendeu o poeta. Outro erro encontrado (por Val Tabosa), que
219
não conseguimos averiguar nas estrofes, foi em relação à quantidade de sílabas poéticas no
verso (Eu me transformo em palhaço), já que, se levarmos em conta a elisão, obrigatória, em
“transformo em”, a distribuição será a seguinte:
EU/ME/TRANS/FOR/MOEM/PA/LHA/ÇO. Apesar de contabilizarmos ainda oito sílabas, a
última é ignorada por motivos que já mencionamos.
Não podemos desconsiderar que a contagem poética parece obedecer ao ritmo do
canto ou declamação do verso: não são sílabas orais, nem gráficas, mas têm relação com a
dimensão sonora/auditiva. Poderia existir, assim, alguma interface com a consciência
fonológica, já que a extensão sonora da palavra é considerada pelos poetas.
Dando prosseguimento, passamos a analisar as transgressões identificadas na
sextilha, conforme podemos observar nas estrofes a seguir e no Quadro 30. Nesta sextilha,
os erros cometidos também foram de metrificação e de rima. Na primeira estrofe, o último
verso não tem a quantidade de sílabas poéticas necessárias (sete sílabas poéticas) e, sim, seis
(6). Na segunda estrofe propusemos um erro de rima (rima assonante).
A justiça do amor
Desmede em suas balanças
A chegada traz prazeres
Sua ida traz mudanças
E o peito se torna um túmulo
Guarda velhas lembranças
Poetas entrevistados
Quantidade
maior de
sílabas X X 2
poéticas
(MÉTRICA)
Total de
erros
2 1 1 1 1 3 8
identificados
por poeta
Fonte: A Autora (2017)
(...)
Entrevistadora: Agora esse aqui, uma sextilha.
Jailton Pereira: Tá certo. “A justiça do amor” é muito interessante, né?
Jailton Pereira: Praticamente, a mesma coisa. Aqui [primeira estrofe] não houve erro de
rima, mas foi cometido um erro na métrica. Aí quando ele diz:
A justiça do amor
Desmedem suas balanças
A chegada traz prazeres
Sua ida traz mudanças
(bem metrificadinho)
E o peito se torna um túmulo
Guarda velhas lembranças
Jailton Pereira: Esse nem tanto, dava pra engolir, mas tem alguma coisinha, tipo esse
“aos” aí, de “aos teus braços”.
Entrevistadora: O senhor acha que era melhor tirar?
Jailton Pereira: É. “Sem alcançar aos teus braços”.
Entrevistadora: “Sem enlaçar-me”, o senhor acha que tá passando? E em relação à rima?
Jailton Pereira: Está travando.
Jailton Pereira: A rima aí tá bacana [referindo-se à primeira estrofe].
221
Atentamos que Jailton Pereira explicou que havia uma quantidade menor de sílabas
poéticas do que necessário por meio de um acréscimo ao dizer “Tá faltando”. O poeta não só
identificou o erro, como, também, produziu uma solução para metrificar. Ainda no tocante à
metrificação, J. Borges e Jailton Pereira aludiram sobre o segundo verso da segunda estrofe,
pois, para ambos, o uso do pronome oblíquo “me” era desnecessário e atrapalhava a
cadência do verso durante a leitura.
J. Borges explicou-nos que essa (AMASSOS, BRAÇOS E PEDACOS) seria uma
rima positiva (consoante), já que, nesse caso, deveriam ser idênticas apenas as duas últimas
letras “OS” das palavras. No entanto, consideramos que se trata de uma rima assonante e
não consoante, mas é importante ressaltar que é mais aceitável, para os poetas, a rima
AMASSOS, PEDAÇOS e ABRAÇOS do que TRAUMA e ALMA, por simples convenção.
Isso talvez explique o motivo pelos quais os demais entrevistados não apontaram essa
transgressão.
Já no que diz respeito à septilha, cada um dos cordelistas (J. Borges, Paulo Pereira,
Zé Guri, Diosman Avelino e Jailton Pereira) identificou apenas um erro nas estrofes (de
oração ou métrica). Todavia, cometemos dois erros, sendo um deles relacionado à
metrificação (na primeira estrofe) – a quantidade de sílabas poéticas é inferior ao exigido – e
outro de fuga temática (na segunda estrofe). Nessa direção, elaboramos o Quadro 31, que
ilustra esses dados.
Total por
Identificação dos J. Paulo Val Diosman Jailton
Zé Guri cada erro
erros Borges Pereira Tabosa Avelino Pereira
identificado
Quantidade menor
de sílabas poéticas X X X X
4
(MÉTRICA)
Quantidade maior
de sílabas poéticas X X
2
(MÉTRICA)
Fuga temática
X
(ORAÇÃO) 1
Não identifica erros
X
1
Total de erros
identificados por
poeta 2 1 1 0 1 2 8
Para J. Borges e Jailton Pereira havia no verso Do meu próprio eu me aparto uma
desmétrica, mas, em seguida, relativizaram o “suposto” erro. Acreditamos que,
possivelmente, tenham visto como erro, porque a construção do verso soou estranha ao
pronunciarem. Dos seis entrevistados, apenas J. Borges identificou a fuga temática na última
estrofe, ao dizer que “Esse aqui está um pouco desmantelado o assunto. Fugiu da oração”,
conforme pode ser observado no relato que segue:
J. Borges: É, aqui estou achando que está desmetrificado um pouco “Do meu próprio eu me aparto”.
Tem uma sílaba a mais, mas, muitas vezes, o poeta escreve isso, sabe? Quando a gente lê, a gente
engole uma sílaba.
[O poeta lê]:
Tô pensando em dar o troco
E preencher meu vazio
Senti no fio da meada
Sua vida por um fio
Como o ego faz cobrança
Vou provar que a vingança
Nunca foi um prato frio
(...)
Diosman Avelino: Você sabe que toada, aboio, é muito nesse estilo aqui. Eu falo muito em toada
porque eu gosto, meu avô gostava muito.
Entrevistadora: O senhor tem uma voz também de quem canta toada.
Diosman Avelino: Mas eu não canto não.
Diosman Avelino: [Cantando]: “Tô pensando em dar o troco / e preencher meu vazio / sentindo o
fio da meada/ sua vida por um fio / como o ego faz cobrança / vou provar que a vingança / nunca foi
um prato frio”.
Entrevistadora: Pronto, o senhor vai me falar tudo o que o senhor achou aí.
Diosman Avelino: Aqui tá bacana. Eu só tô achando que essa primeira linha, da primeira estrofe, tá
com seis sílabas poéticas: A-fal-ta-que-ela-faz.
Entrevistadora: E em relação à rima e à oração, porque o senhor tá falando só da métrica.
Diosman Avelino: É porque você só falando aqui você já tá vendo que tem oração e tem rima. E
aqui, tudo rima perfeito. Então tá bacana. Um verso bonito desse, não tem nem o que tá procurando.
Não tem como colocar feiura na beleza, não é?
Entrevistadora: Que nota o senhor daria pra esse aí?
Diosman Avelino: Rapaz, minhas notas é tudo assim [o poeta escreve 10].
Na décima em decassílabo (dez versos com dez sílabas poéticas) metade dos
entrevistados (J. Borges, Zé Guri e Diosman Avelino), também, não conseguiram identificar
os erros. Nesta, produzimos dois tipos de transgressões: na distribuição dos versos da
224
primeira estrofe e de metrificação no sexto verso da última estrofe. Quanto à rima, alteramos
os esquemas de rimas (ficando ABABACCDDC), mas deveria ser ABBAACCDDC. No que
tange a métrica, há uma quantidade inferior a dez sílabas poéticas.
Poetas entrevistados
Total por
Identificação dos J. Paulo Zé Val Diosman Jailton
cada erro
erros Borges Pereira Guri Tabosa Avelino Pereira
identificado
Ordem dos versos X X 2
Quantidade menor
de sílabas poéticas X 1
(METRICA)
Não identifica erro X X X 3
Total de erros
identificados por
poeta 1 0 1 0 1 0 6
Zé Guri: Esse está trocado uma frase, mas achei tudo bonito. Tá tudo bom, mas só isso. Aí, muda
aqui. Bonito.
Entrevistadora: Que nota o senhor daria para esse aqui?
Zé Guri: Eu acho que essa frase trocada não foi o poeta não, foi quem escreveu. O poeta sabe
demais disso. Eu dava 10 mesmo. Isso foi erro de quem publicou.
Diosman Avelino: Esse “que” não seria “quem”? Acho que é “quem” [refere-se ao último verso da
primeira estrofe] aqui viu. Sei não, você vê lá.
Diosman Avelino: Acho que tem uma coisinha pequena aqui, mas acho que eu não tenho ainda
conhecimento pra achar não. MAS-DE-PO-IS-QUE-E-LE-EM... Talvez tenha uma
escorregadazinha aqui. Não é necessariamente um erro.
Entrevistadora: E oração e rima?
Diosman Avelino: Ah, esse aqui tá tranquilo. Bonito.
Entrevistadora: Mesmo assim o senhor dá 10?
Diosman Avelino: É.
Poetas entrevistados
Identificação de
erros de oração 2 0 0 0 0 0 2
(2)
Total de erros
identificados por 6 3 4 2 4 4 23
poeta
Fonte: A Autora (2017)
Todos os erros presentes nas estrofes foram identificados: 3 (rima); (4) métrica e (2)
oração. Apresentamos na tabela, apenas os erros que existiam e foram identificados.
Podemos afirmar, ainda, que os poetas J. Borges, Zé Guri e Jailton Pereira demonstraram
identificar um mesmo quantitativo de erros de rima. Contudo, é preciso ratificar que a rima
assonante, para muitos dos depoentes, não eram tidas como erro e, por isso mesmo, não
pontuaram nesse quesito. Reconhecemos que a “norma” tem um caráter sociocultural e que
seu uso é por vezes resultado de um dado “critério” e de “juízos de valor”. Muitos
entrevistados identificavam o erro, mas relativizavam as regras. No que tange à métrica,
chamamos atenção para o fato de que Paulo Pereira e Diosman Avelino foram os poetas que
menos produziram transgressões de métrica (estamos nos remetendo à atividade anterior),
mas foram os participantes que se saíram melhor na atividade de identificação de erros.
Estes dados pareceram, assim, demonstrar que não havia uma correspondência direta entre a
identificação e a produção. Quanto à oração, apenas Borges conseguiu apontar a existência
deste erro. Nossa hipótese é a de os poetas poderiam estar com a atenção mais centrada nos
aspectos formais (rima e métrica), o que fez com que deixassem em segundo plano o sentido
do texto (a oração). Isso talvez tenha ocorrido, também, porque as estrofes anteriores não
tinham tido problema de oração. Sendo assim, passaram a centrar o olhar na parte mais
técnica.
228
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
48
Ressaltamos, porém, apoiando-nos em Tolchinsky (2006), que conhecimento não é sinônimo de
verbalização, uma vez que há níveis de conhecimento que são acessíveis à consciência, mas não são
verbalizáveis.
229
contagem das sílabas poéticas dos versos. Muitos, inclusive, afirmavam que o critério do
número de sílabas na metrificação podia ser flexibilizado, já que é na performance oral que
as coisas se ajustam.
No tocante à atividade de produção de transgressões, evidenciamos que, em relação à
rima, e distintamente do que constatou Morais (2003) acerca da ortografia, não houve uma
correspondência entre a quantidade de erros cometidos e o “grau” de sofisticação das
transgressões realizadas. Em outras palavras, os poetas que produziram um maior número de
erros de rima, nas estrofes que disponibilizamos, não foram aqueles que criaram erros
necessariamente mais “elaborados”. Entretanto, tal como Morais (2003), percebemos que os
participantes que propuseram erros mais sofisticados concentraram-se nos “pontos
problemáticos” da norma.
Pareceu ser mais difícil para alguns entrevistados transgredirem apenas a regra de
rima, mantendo as demais (métrica e oração) preservadas. Os tipos de erros mais frequentes
nesta tarefa foram de substituição das palavras dos versos. As transgressões à rima e à
oração pareceram ser, de modo geral, mais fáceis (em função da quantidade de erros
cometidos, do tempo gasto para o cumprimento da atividade e por todos terem conseguido
justificar as regras que as subjazem) do que aquelas que envolviam a métrica.
Quanto à métrica, os erros, na atividade de transgressão por indução se,
concentraram, majoritariamente, no acréscimo, retirada e substituição de palavras por outras
com maior ou menor quantidade de sílabas poéticas. Alguns poetas (aqueles com menor
escolaridade) utilizavam, exclusivamente, o recurso do “canto” para verificar se os versos
estavam de fato metrificados, demonstrando, por sua vez, dificuldade de verbalização desse
aspecto. Dado, também, evidenciado nas entrevistas semiestruturadas.
Uma explicação plausível, para Lahire (1998), é a de que os indivíduos são mais
conscientes dos saberes oriundos das aprendizagens explícitas. Em contrapartida, pouco
sabem falar sobre aquelas construídas implicitamente. Para Sautchuk (2009), na cantoria, a
métrica, ao contrário da rima, constitui um fundamento incorporado e muito de seu
aprendizado seria irrefletido, tendo em vista que não dependeria de um ensino explícito
intencional. Além disso, ao que tudo indica, os cordelistas mais escolarizados conseguiram
verbalizar as regras de metrificação e os acidentes poéticos (como são denominados, por
exemplo, a elisão, diérese e sinérese), porque não aprenderam tais princípios,
exclusivamente, por meio da prática e do contato com outros folhetos, tal como pareceu
ocorrer com aqueles outros.
231
Isso nos permite considerar que o maior domínio da linguagem escrita pode levar a
níveis mais sofisticados de explicitação e verbalização que, muitas vezes, não são
encontradas em pessoas com pouca escolaridade (GOMBERT, 2003). É importante
ressaltarmos que a dificuldade de verbalização não corresponde per se à falta de
conhecimento explícito, pois o conhecimento pode estar explícito, mas não acessível à
consciência e muito menos à verbalização (KARMILOFF-SMITH, 1994).
No que diz respeito à oração, cada poeta produziu de uma (1) a duas (2)
transgressões e o tipo de erro mais frequente (4 ocorrências) foi na alteração parcial dos
versos das estrofes. Chamamos atenção para o fato de que os entrevistados se saíram melhor
na atividade de produção do que na de identificação das transgressões de oração. Apenas um
cordelista (que tinha maior tempo de escrita do gênero) conseguiu indicar nas estrofes os
erros de coerência. É importante elucidar que, por terem que atentar, simultaneamente, para
diferentes aspectos (rima, métrica e oração), certos erros podem ter passado despercebidos.
Nossa hipótese é a de que eles poderiam ter centrado a atenção nos aspectos formais (rima e
métrica), deixando em segundo plano o sentido do texto (a oração), podendo ainda ter
havido efeito de ordem na aplicação.
Na atividade de identificação, no que tange à rima, todas as transgressões foram
identificadas, mas não pela totalidade dos entrevistados. Duas vias de respostas foram
dadas: identificação de erros que não existiam (sobretudo, em relação à métrica) e, também
o inverso: a não percepção dos erros cometidos, como no caso das rimas. Muitos poetas
chegaram a identificar os erros de rima assonante (pois não havia uma correspondência
gráfica e sonora), mas relativizavam o uso da regra. Naquela ocasião, não consideraram uma
infração grave aos preceitos do cordel. Sobre a identificação de transgressões de métrica,
não conseguimos estabelecer uma equivalência com a atividade de produção, já que os
depoentes que produziram menos erros foram aqueles que se saíram melhor na tarefa de
identificação de erros. É necessário pontuar que a tarefa de identificação foi feita logo após a
de produção e isso pode ter interferido, de alguma maneira, no resultado, uma vez que estas
atividades requerem um esforço deliberado de reflexão.
Não pudemos realizar comparações estritas entre os conhecimentos dos poetas, pois,
para termos um “controle” da atividade, teríamos que ter solicitado, por exemplo, que todos
eles cometessem o erro em uma mesma estrofe, o que não foi o caso. Devido ao curto
período disponível, também não foi possível, por exemplo, analisarmos, nas atividades de
transgressão, como os cordelistas lidavam com outros gêneros discursivos (identificar e
produzir transgressões em cartas, histórias clássicas em prosa, notícias, etc.). Outrossim, não
232
fizemos perguntas que contemplassem a escrita e divulgação online dos cordéis, bem como
sobre a dimensão estilística desse gênero. As relações entre produzir e identificar
transgressões, por exemplo, precisariam ser ainda aprofundadas. Estas e outras questões
merecem ser profundamente investigadas
A presente pesquisa, também, ratifica a importância da consciência metatextual,
tendo em vista que, para se tornar leitor ou produtor de textos competente, é necessário que
se tenha capacidade não apenas de usar a língua, mas, também, de refletir sobre ela. A partir
de sua realização, outras indagações ainda nos espreitam, quais sejam: os poetas que
possuem um nível de explicitação consciente-verbal das dimensões do gênero produziriam
cordéis mais bem elaborados? Para conseguir ensinar adequadamente determinados gêneros
discursivos na escola, os/as professores/as precisariam possuir conhecimentos do gênero e
de suas diversas dimensões no “nível explícito consciente verbalizável” (KARMILOFF-
SMITH, 1994)?
Diante disso, fechamos essa discussão também apontando que “o cordel já não é o
mesmo”, como disse o poeta Zé Guri. A literatura de cordel, por certo, modificou-se, mas
temos que continuar olhando para a sua história, pois não podemos compreender o cordel,
no século XXI ,sem nos familiarizarmos com a tradição e, também, não podemos
permanecer estéreis à inovação. Mudam-se os tempos, assim como mudam-se, em certa
medida, os gêneros; os seus propósitos de escrita; os seus leitores...
233
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Nome:
Idade:
Onde mora atualmente:
Frequentou a escola? Até que série/ano?
A partir de quando começou a produzir cordéis?
Antes de começar a produzir cordéis, já tinha contato com eles? Onde?
250
Eu,_________________________________________________________,
CPF___________________________, abaixo assinado, após a leitura (ou a escuta da
leitura) deste documento e de ter tido a oportunidade de conversar e ter esclarecido as
minhas dúvidas com o pesquisador responsável, concordo em participar do estudo (A
consciência metatextual de poetas populares sobre o gênero cordel), como voluntário (a).
Fui devidamente informado (a) e esclarecido (a) pelo (a) pesquisadora sobre a
pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios
decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar o meu consentimento
a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade (ou interrupção de meu
acompanhamento/ assistência/tratamento).
Nome: Nome:
Assinatura: Assinatura:
Convidamos o (a) Sr. (a) para participar como voluntário (a) da pesquisa,
provisoriamente intitulada, A consciência metatextual do gênero discursivo cordel: entre o
saber e o fazer saber poético, com a palavra, os cordelistas, que está sob a responsabilidade da
pesquisadora July Rianna de Melo, com endereço na Rua 18 de Copacabana, 102, centro,
251
Sanharó/PE, CEP 55250-000 - Tel.: (87) 99141.9277 e sob orientação do Prof. Dr.
Alexsandro da Silva e coorientação do Prof. Dr. Fábio Marques de Souza.
Caso este termo de consentimento contenha informações que não lhe sejam
compreensíveis, as dúvidas poderão ser tiradas com a pessoa que está lhe entrevistando e
apenas ao final, quando todos os esclarecimentos forem dados, caso concorde com a
realização do estudo, pedimos que rubrique as folhas e assine ao final deste documento, que
está em duas vias, uma via lhe será entregue e a outra ficará com a pesquisadora
responsável.
Caso não concorde, não haverá penalização, bem como será possível retirar o
consentimento a qualquer momento, também sem nenhuma penalidade.
1. Natureza da pesquisa: o (a) sr. (sra.) está sendo convidada (o) a participar desta
pesquisa que tem como finalidade investigar a consciência metatextual, uma
habilidade metalinguística cuja unidade de análise e reflexão é o texto (suas partes
constituintes, estrutura, convenções linguísticas e organização, etc.) sobre o gênero
cordel.
2. Participantes da pesquisa: participarão deste estudo seis cordelistas, sendo levado
em consideração, sobretudo, o seu nível de escolaridade.
3. Envolvimento na pesquisa: realizaremos entrevistas semiestruturadas, com a
duração aproximada de dois meses, e, para os registros dos dados, utilizaremos a
gravação de áudio. As entrevistas serão marcadas com antecedência e serão realizadas
em dias distintos, conforme a sua disponibilidade. O (A) sr. (sra.) tem liberdade de se
recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da
pesquisa, sem qualquer prejuízo. Sempre que quiser poderá pedir mais informações
sobre a pesquisa através do telefone dos pesquisadores do projeto e, se necessário,
através do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa.
4. Confidencialidade: O(s) pesquisador(es) irá(ão) tratar a sua identidade com padrões
profissionais de sigilo. Os resultados da pesquisa serão enviados para você e
permanecerão confidenciais. Seu nome ou o material que indique a sua participação
não será liberado sem a sua permissão. Uma cópia deste consentimento informado
será arquivada e outra será fornecida a você. Os dados coletados nesta pesquisa
através das entrevistas ficarão armazenados no computador pessoal da pesquisadora
252
__________________________________
(assinatura do pesquisador)
253
Identificação
1. Nome:
2. Idade:
3. Onde mora atualmente:
4. Profissão atual:
5. Profissão dos pais:
Experiência escolar
1. Frequentou a escola? Até que série/ano?
2. Fale um pouco sobre como foi o tempo em que você frequentou a escola.
3. Por qual razão parou de estudar? (apenas para os poetas pouco escolarizados).
4. Seus pais frequentaram a escola? Estudaram até que série/ano?
Experiências de letramento
1. Que tipo de material impresso você costuma ler (ou tem acesso) no dia a dia?
2. Com que frequência lê (ou tem acesso) a esses materiais?
3. Que materiais de leitura você tem em sua casa?
4. Como você obtém informações? Jornal impresso, televisivo, internet...?
5. Você costuma escrever alguma coisa no seu dia a dia? O quê?
6. Com que frequência você escreve XXXXX (indicar o nome do gênero(s)
mencionado(s) pelo entrevistado)?
7. O que as pessoas de sua família costumam ler e escrever no dia a dia?
1. Para você, o que é necessário que um texto tenha para ser considerado um bom
cordel?
2. De modo geral, para que serve o cordel (finalidade/objetivo/propósito)?
3. Para que você escreveu este cordel? (indicar um dos cordéis do poeta)
4. Em geral, quem são as pessoas que leem ou escutam cordel?
5. Quando você produziu esse cordel (indicar um dos cordéis do poeta), já imaginava
quem poderiam ser os leitores/ouvintes dele?
6. Nos cordéis aparece alguma informação sobre o autor? Qual?
7. Nesse cordel (indicar um dos cordéis do poeta), tem alguma informação sobre o
autor? Qual? (pedir para o poeta mostrar onde essa informação se encontra)
8. Todo cordel precisa ter o formato de livreto? Por quê?
9. De modo geral, quantas páginas tem um cordel?
10. Qual é o número de páginas desse cordel?
11. Todo cordel tem que ter imagem (xilogravura)? Por quê?
12. Todo cordel tem que ter título? Por quê?
13. Qual o título desse cordel? (pedir para o poeta mostrar o título se encontra e dizer o
porquê da escolha dele)
14. Que assuntos podem ser abordados em um cordel?
15. Qual o assunto desse cordel?
16. Todo cordel conta sempre uma história? Por quê?
17. Esse cordel conta uma história? (não sendo uma história, o que é esse cordel?)
18. De modo geral, um cordel aborda um único tema ou vários temas? Por quê?
19. Qual o tema (ideia central) desse cordel?
20. De modo geral, quantos versos tem cada estrofe de um de cordel?
21. Nesse cordel, quantos versos têm cada estrofe?
22. De modo geral, como é a métrica dos versos de um cordel?
23. Como é a métrica de cada verso desse cordel?
24. É necessário que todo cordel tenha rima? Por quê?
25. Nessas estrofes (mostrar a estrofe), quais palavras rimam? Por quê?