Análise Do Conto - O Pirotécnico Zacarias - Murilo Rubião (
Análise Do Conto - O Pirotécnico Zacarias - Murilo Rubião (
Análise Do Conto - O Pirotécnico Zacarias - Murilo Rubião (
SLIDE 1
O Pirotécnico Zacarias é um dos melhores contos de Murilo Rubião. Nele, temos um
narrador autodiegético (um narrador que protagoniza a história que narra) e que,
considerando se trata de um “morto vivo”, instaura o efeito fantástico na narrativa, na
medida em que, paradoxalmente, narra a própria morte, movimentando-se em um plano no
qual estão eliminados os limites entre VIDA e MORTE. Tal condição abre espaço para
Zacarias transitar livremente de um estado para outro, além de permitir que ele viva
simultaneamente esses dois estados antagônicos e inconciliáveis.
Esta insólita situação rompe radicalmente com o princípios da lógica, resvalando para uma
inconcebível contradição, na proporção em que contraria o princípio estabelecido segundo o
qual duas proposições que mutuamente se contradizem não podem ser consideradas
verdadeiras e, portanto, jamais será possível afirmar e negar concomitantemente a mesma
coisa, sob pena de provocar uma negação do real. A transgressão de tal princípio
significaria o advento de uma nova lógica que irromperia sob a égide do princípio da
contradição, via absurdo.
Esta lógica contraditória e insólita é a que rege a instauração do fantástico muriliano neste
conto, na qual qualquer tipo de diferença é banida, permitindo que estados tão
diferenciados, antinômicos e inconciliáveis sejam nivelados, confundindo-se no indizível do
fantástico.
No próprio conto são levantadas algumas respostas lógicas pelas personagens que tentam
encontrar uma explicação para o inusitado fato que testemunham. Daí o surgimento de
indagações: “Teria morrido o pirotécnico Zacarias?” As possíveis explicações lógicas e
verossímeis são dadas na narrativa, à guisa de excluir ou dirimir o paradoxo instaurador do
fantástico. Duas hipóteses de explicação, que reduziria o efeito fantástico a um mero fato
natural, sem mistério, são discutidas:
1) O pirotécnico estaria vivo e o morto não passava de alguém parecido com ele.
Ora bem, a escolha, pelo leitor, de qualquer uma das sugestões dissolveria o paradoxo e,
consequentemente, excluiria o elemento fantástico. Todavia, se, por um lado, ambas as
escolhas são lógicas e coerentes, ambas neutralizariam o efeito fantástico, por outro lado
elas são igualmente possíveis. Sendo assim, a ambigüidade típica do fantástico
permaneceria: O pirotécnico poderá estar vivo ou poderá estar morto.
O conto questiona a condição existencial do homem, a sua condição dramática, a sua
tragédia individual: Zacarias só tem a sua existência reconhecida depois que morre.
Quando era vivo, todos o ignoravam, nunca o perceberam como um ser humano. Ele passa
a ter existência no âmbito do trágico.
O texto convida a uma reflexão sobre a realidade humana. Afinal, o que é o homem antes e
depois de sua morte? Em qual das duas condições ele existe mais? Esta resposta cabe aos
leitores responderem.
SLIDE 2
Com a publicação da coletânea de oito contos O Pirotécnico Zacarias (1974), o
contista Murilo Rubião (1916-1991) chega ao sucesso como escritor.
O conto começa com o narrador- protagonista questionando sobre a morte do “pirotécnico
Zacarias”, que mais tarde se saberá, trata-se do próprio narrador. Ele segue tentando
explicar : “uns acham que estou vivo – o morto tinha apenas alguma semelhança comigo.
Outros mais supersticiosos, acreditam (...) que quem andam chamando Zacarias não passa
de “alma penada”.
O narrador continua tecendo reflexões sobre sua situação de “morto-vivo” e como os
antigos amigos, pessoas conhecidas, fogem dele quando o encontra nas ruas, algumas até
se assustam, assim, ele não têm oportunidade de explicar o ocorrido. Mas mesmo assim,
ele tenta: “em verdade morri(...). Por outro lado, também não estou morto, pois faço tudo
que antes fazia e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente. “
Zacarias começa, então, narrar os fatos que colocaram-no naquela situação, quando em
uma noite, voltando de uma festa, fora atropelado: 1“A princípio foi azul, depois verde,
amarelo e negro. Um negro espesso, cheio de listras vermelhas, de um vermelho compacto,
semelhantes a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos amarelado, de um
amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor.”
A partir daí, o narrador revive momentos, como em flash-back, de sua infância, lembranças
de uma professora invadem sua memória.
SLIDE 3
É quando o grupo de jovens, moças e rapazes, discutem sobre o que fariam com o cadáver.
Inicialmente eles discutiam em voz baixa e com medo. Contudo, passado alguns minutos,
passam a falar alto e tratar o fato como algo corriqueiro. Mas a indignação do
defunto-narrador aumenta com os planos que os jovens têm, para desfazer-se de seu
corpo. A primeira idéia, a de levá-lo a um necrotério logo foi rejeitada, pois sujaria o carro.
Depois um jovem propôs que deixassem as moças e levassem o corpo até um cemitério, o
que foi visto como bobagem pelos demais companheiros e por último decidiram lançar o
corpo de um precipício , o que não interessava, nada-nada, o defunto.
“mas aquele seria um dos poucos desfechos que não me interessavam. Ficar jogado em um
buraco, no meio de pedras e ervas, tornava-se para mim a idéia insuportável.”
E aí que o defunto decide dar sua opinião. “Alto lá! Também quero ser ouvido.” Ao ouvir tais
sentenças, o jovem que tinha opinado em levá-lo para um cemitério desmaiou. Assim, “para
tornar a situação mais confusa , sentiam a impossibilidade de dar rumo a um defunto que
não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuídos aos vivos.”
Foi quando um deles sugeriu que Zacarias vestisse as roupas do jovem que havia
desmaiado e seguissem com a farra. Foi o que aconteceu, a noite inteira beberam,
cantaram e até uma dama foi designada a ser acompanhante do defunto.
Na manhã seguinte, perguntaram onde Zacarias queria ficar, ele disse que em um
cemitério, a turma respondeu que seria impossível , pois naquela hora, nenhum estaria
aberto. Mas o problema maior foi a aceitação das pessoas já que:
“não fosse o ceticismo dos homens, recusando-se a aceitar-me vivo ou morto, eu poderia
abrigar a ambição de construir uma nova existência.”
Zacarias tenta restabelecer contato com os amigos daquela fatal noite, só eles eram
testemunha de sua morte, mas não os encontra. Agora, morto-vivo, Zacarias tenta provar
que mesmo morto consegue amar e sentir as coisas, ainda mais do que quando estava
vivo.
SLIDE 4
Difícil é discutir sobre a caracterização desse conto entre meramente estranho, fantástico
ou maravilhoso, tendo em vista que o fantástico, segundo Tzvetan Todorov, em seu livro
Introdução à Literatura Fantástico, seria “uma hesitação entre o estranho e o maravilhoso”.
O estranho seria quando estamos de frente a um frente com algo
extraordinário/sobrenatural, mas tudo nos é explicado. Já o maravilhosos se dá quando não
encontramos explicação alguma e esta só pode ser admitida pela fé na religião ou na
magia. E se, segundo ele, o fantástico estaria numa hesitação entre o estranho e o
maravilhoso, difícil e discutível, seria apontar o fantástico nessa hesitação entre dois
gêneros.
Por isso, retomaremos Aristóteles, um dos primeiros a se dedicar aos estudos literários, que
desenvolveu o principio da arte como imitação da realidade, verossimilhança. Assim, se a
literatura fantástica é aquela que se afasta do preceito clássico da verossimilhança, então,
temos sim um conto Fantástico.
Como hipótese de uma possível interpretação do conto, podemos crer que o
protagonista morto em um atropelamento, mas que continua com todos os
predicados de um vivo, simboliza uma transformação pela qual todos passamos um
dia. Quantas gente nos atropela e quantas vezes somos atropelados por alguém e
tornamos e somos tornados como zumbis, mortos-vivos, para a família, para os
amigos e muitas vezes para a sociedade.