Monografia - NIETZSCHE/Graduação em FILOSOFIA.
Monografia - NIETZSCHE/Graduação em FILOSOFIA.
Monografia - NIETZSCHE/Graduação em FILOSOFIA.
1 INTRODUÇÃO
1
Melhor explicado e demonstrado no capítulo 3.
2
Para Nietzsche, o ideal ascético é um ideal hostil à vida. Este ideal ascético busca uma vida outra, uma vida
mais perfeita. Os dois tipos de ideais serão explicados no 3º capítulo.
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2 A MORTE DE DEUS.
Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como
haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo
possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos
golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que
nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de
inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não
teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos
dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós,
passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a
história até hoje!
(NIETZSCHE, 2001, p.147).
Nietzsche não quer provar que Deus não existe, como faziam os ateus. O que
lhe interessa é mostrar como e por que surgiu e desapareceu a crença de que
haveria um Deus. [...]; é o fato de que “a fé no Deus cristão deixou de ser
plausível”; é a evidência de que a fé em Deus, que servia de base à moral
cristã, se encontra minada, de que desapareceu o princípio em que o homem
cristão fundou sua existência; é o diagnóstico da ausência cada vez maior de
Deus no pensamento e nas práticas do Ocidente moderno; é a percepção por
alguém dotado de uma capacidade de suspeita penetrante, de um olhar sutil, do
“maior acontecimento recente”: a desvalorização dos valores divinos.
(MACHADO, 1997, p. 47).
Neste sentido, a crença em Deus não é mais do interessante para o homem, que passa a
viver em função de seu desenvolvimento, “a substituição de uma beatitude celeste por um
bem-estar terrestre” (MACHADO, 1997, p. 48). Essa morte é a perda dos valores absolutos.
Contudo, a morte de Deus também é uma crítica ao modo de vida cristã, já que é
uma morte atribuída ao deus cristão. “A morte de Deus é, pois, aquela do deus de revelação
cristã, do deus trinitário, e Nietzsche nunca disse outra coisa” (FRANCK, 2005, p. 13).
Aqui é apresentada uma constatação de que Deus foi atropelado por um Deus cristão após
sua morte. “O que Paulo depois conduziu ao fim [...], foi, apesar de tudo, apenas o processo
de declínio que teve início com a morte do Redentor” (NIETZSCHE, 2007, p. 51. grifo
nosso). Trata-se de um conceito que, à luz dos princípios nietzschianos, pode ser entendido
como decadente por excelência. A vida cristã é um modo de vida que poda qualquer
potencialidade.
Retomando a citação da Gaia Ciência, vemos destacado no parágrafo 125 que além
da afirmação “Deus está morto”, há uma sinalização sobre os culpados por esse assassinato.
O texto afirma que somos nós os responsáveis pela morte de Deus. Cabe perguntar pela
identidade deste “nós” indicado no referido aforismo. Entendemos que a culpa pela morte
de Deus recai sobre toda a humanidade. Não foram somente o louco ou os ateus que
estavam no mercado, mas toda a humanidade. O filosofo francês Didier Franck 4 entende
que os assassinos de Deus são aqueles que estão em comunhão com os ideais cristãos. Para
ele, o mais feio dos homens, personagem descrito em Assim falou Zaratustra, é o assassino
de Deus. Didier entende que essa feiúra é agente do cristianismo. O mais feio dos homens
representa o que há de negativo no mundo, ou seja, que é a moral cristã. A feiúra do
homem é o que predispõe esse assassinato. O homem não suporta que Deus o esteja
observando e sente vergonha. “Deus precisava morrer porque ele era a eterna testemunha
da feiúra humana” (FRANCK, 2005, p. 20).
O conceito de feiúra está entrelaçado com o belo, antagonicamente, assim como os
valores de bom e mau, que exemplificaremos mais à frente. O belo e o feio se opõem no
sentido afirmativo e negativo e também estão inseridos em um sistema de valor.
4
Professor da l'Université Paris X-Nanterre, especialista em história da filosofia contemporânea alemã.
13
A feiúra que constitui o homem, que denigre o próprio homem, é composta por
valores reativos. “Assim, há dois tipos de valores, aqueles que, ativos, abrem um curso livre
à vontade de potência e aqueles que a retornam contra ela mesma, reativos [...], a feiúra do
assassino de Deus deve ser compreendida a partir dos valores reativos” (FRANCK, 2005, p.
18).
Roberto Machado também identifica o assassino de Deus.
Dizer que Deus morreu significa dizer, como faz “o insensato”, que o homem
matou Deus. Mas esse homem pode ser facilmente identificado: é o homem
moderno, o homem reativo, “o mais feio dos homens”, que, por não suportar
aquele que via toda a vergonha e a fealdade ocultas no âmago de seu ser,
vingou-se dessa testemunha. (MACHADO, 1997, p. 47).
Aqui se entende que o homem – identificado como ser reativo - percebe que Deus o
observa, identifica que Ele estava atento a toda sua vergonha e feiúra. Esse tipo de homem
não suportava mais que Deus o visse e entendeu que precisava matar essa testemunha,
como também pudemos observar em Franck.
O filósofo percebe que o homem moderno, reativo, passa a não confiar mais em
Deus e rompe com o lado teológico em defesa da ciência, da razão. O homem moderno ao
seguir uma razão “absoluta”, uma razão que não tem lugar para Deus, que tenta ser
independente, é, outrossim, também um dos mais relevantes culpados pela morte de Deus
também.
Contudo, ainda deve-se destacar que a humanidade é responsabilizada por essa
morte por possuir valores cristãos, valores que não sublimam o homem, que o transformam
num ser ressentido. Valores como humildade, castidade e pobreza, depreciam a vontade de
potência existente em todo ser. Tais valores que não identificam a idéia do eterno retorno5,
já que saem em defesa de uma vida que não é a vida mesma, mas uma outra vida, uma vida
idealizada. “A feiúra do mais feio dos homens provém, então, dos valores ontológicos e dos
5
Conceito que é identificado como ordenador. Já que a realidade não tem objetivo final, o eterno retorno
apresenta que o mundo é constituído de aspectos complementares que estão em eterna alternância. Não
trabalharemos com esse conceito, fizemos somente breve apresentação.
14
8
O Além-do-homem é o tipo mais elevado de homem, é a figura essencia da humanidade que passa mais
além e acima do tipo anterior humano. Conceito que não trabalharemos na presente monografia, mas que
fizemos somente uma breve menção.
16
9
Oswaldo Giacoia Junior, professor livre-docente do Departamento de Filosofia da Unicamp. Graduado em
Direito pela USP, Mestre em Filosofia pela PUCSP, Doutor em Filosofia pela Freie Universität Berlin e
professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas.
17
No capítulo anterior vimos que Nietzsche identifica a morte de Deus como uma
desvalorização de todos os valores supremos até então divinizados. Neste segundo capítulo,
nos voltaremos para o entendimento da maldição que Nietzsche atribui ao cristianismo e à
seus valores. Identificaremos, também, que seu alvo de sua crítica é em torno de Paulo e
não Jesus.
Nietzsche é um áspero crítico da religião cristã, “Em o Anticristo (Ensaio de uma
Crítica do Cristianismo), Nietzsche combate a religião cristã com um fervor sem igual no
ódio” (FINK, 1988, p. 146). O cristianismo paulino, como entenderemos mais à frente, é o
alvo da crítica nietzschiana, é o responsável por cultivar valores que ridicularizam o homem
ao transformá-lo num animal domesticado e enfermo “o animal doméstico, o animal de
rebanho, o animal doente homem – o cristão...” (NIETZSCHE, 2007, p. 11). Esta é a
concepção que destrói toda e qualquer potência que lhe seria conseqüente. Nietzsche parece
defender que a religião cristã constitui a total quebra dos valores que ele considerava
importantes para o próprio homem e para a criação, nascimento, fundamentação do além-
do-homem.
A obra O Anticristo principia discutindo os significados dos valores de bom e mau.
O conceito de bom, defendido pelo cristianismo, não era o mesmo compartilhado por
Nietzsche. O filósofo analisa que o cristianismo falseia os conceitos de bom e mau. Ele
entende o bom e o mau da seguinte forma: “O que é bom? – Tudo o que eleva o sentimento
de poder, o próprio poder no homem. O que é mau? – Tudo o que vem da fraqueza”
(NIETZSCHE, 2007, p. 11). O cristianismo, por outro lado, distorce essa concepção,
seguindo por uma tendência que adoece cada vez mais seus seguidores, “O que faz doente é
bom, o que vem da plenitude, da abundância, do poder é mau” (NIETZSCHE, 2007, p. 63).
Nietzsche então encara o homem cristão como um animal subjugado, doente.
Neste sentido, o filósofo vê a necessidade do cultivo de um tipo de homem que seja
mais digno de vida, e esse, com certeza, não é o homem cristão. Esse tipo de homem é o
além-do-homem, o “mais digno de vida, mais certo de futuro” (NIETZSCHE, 2007, p. 11).
19
Não se deve embelezar e ataviar o cristianismo: ele travou uma guerra de morte
contra esse tipo mais elevado de homem, ele proscreveu todos os instintos
fundamentais desse tipo, ele destilou desses instintos o mal, o homem mau – o
ser forte como o tipicamente reprovável, o réprobo. O cristianismo tomou
partido de tudo o que é fraco, baixo, malogrado, transformou em ideal aquilo
que contraria os instintos de conservação da vida forte (NIETZSCHE, 2007, p.
12).
10
Paixão, excesso.
21
O próprio homem se tornara seu maior erro, ele criou para si um rival, a
ciência torna igual a Deus – acabam-se os sacerdotes e deuses, se o homem se
torna científico! – Moral: a ciência é a coisa proibida em si – somente ela é
proibida. A ciência é o primeiro pecado, o gérmen de todos os pecados, o
pecado original. Apenas isso é moral. – “Não conhecerás” (NIETZSCHE, 2007,
p. 58).
O homem passa a não precisar mais de Deus, passa a ser independente. O homem
passa a manipular e deter conhecimento, ele passa a pensar. Ante o medo oferecido pela
ciência e o perigo que ela representa, também, para a classe sacerdotal, tanto Deus quanto o
sacerdote vêem a necessidade de se defender dela. Deus expulsa o homem do paraíso, para
que não passe seu tempo ocioso pensando, “Todo pensamento é um mau pensamento... O
homem não deve pensar” (NIETZSCHE, 2007, p. 58). Portanto, entre religião e ciência há
uma verdadeira batalha. Por um lado, o sacerdote combate a ciência da seguinte forma, cria
subterfúgios para tentar destruí-la, “o ‘sacerdote em si’ inventa a penúria, a morte, a
gravidez com perigo de morte, todo tipo de miséria, velhice, fadiga, sobretudo a doença –
todos meios de luta contra a ciência” (NIETZSCHE, 2007, p. 58). Por outro lado, a ciência,
a busca pelo conhecimento, consegue superar tudo isso. Neste sentido, o sacerdote concebe
o pecado criando uma imagem de culpa e castigo contra a ciência “A noção de culpa e
castigo, toda a ‘ordem do mundo’ foi fundada contra a ciência” (NIETZSCHE, 2007, p.
59). O pecado tem significado punitivo “A idéia do pecado seria a forma gigantesca de
degradação e de aviltamento; seria um atentado perpetrado contra a vida pelos padres e
pelos parasitas” (FINK, 1988, p. 148). O pecado nasce para acabar com qualquer tipo de
elevação humana, é um castigo para o sentido causal do homem, destruindo toda e qualquer
nobreza que possa existir no homem “então foi cometido o maior crime contra a
humanidade – O pecado, diga-se mais uma vez, essa forma de autoviolação humana par
excellence, foi inventado para tornar impossível a ciência, a cultura, toda elevação e
nobreza do homem” (NIETZSCHE, 2007, p. 59). Todo tipo de intelecto é visto com
oposição pelo cristianismo.
Nietzsche ainda discute a idéia de pessoas que são vistas como santos e mártires.
Conceito muito aclamado dentro do cristianismo. Ele acredita que se trata de idéias
inadequadas e equivocadas, assim como o conceito de gênio e de herói. O santo, o mártir
não deve ser o homem que pratica a penitência ou qualquer hábito cristão e sim aquele que
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pratica a vida que eleva o amor fati11. Os chamados mártires “prejudicaram a verdade”
(NIETZSCHE, 2007, p. 64), pois dar a vida por uma causa não altera o valor de nada
“Altera o valor de algo o fato de alguém dar a vida por ele? – Um erro que se torna
respeitável é um erro que possui um encanto de sedução a mais” (NIETZSCHE, 2007, p.
64), nada mais do que isso. Retornando à idéia de gênio e de herói, entendemos que Jesus
pode até ser chamado de um espírito livre, mas, chamá-lo, porém, de herói ou de gênio,
como até pode acontecer, é cair em erro. “Se existe algo não evangélico, é o conceito de
herói” (NIETZSCHE, 2007, p. 36). Ele é o portador da boa nova e que ensinou como os
espíritos livres devem viver, e ainda, que esses são capazes de entender o erro da mentira
santa “Esse ‘portador da boa nova’ morreu como viveu, como ensinou – não para ‘redimir
os homens’ mas para mostrar como se deve viver” (NIETZSCHE, 2007, p. 42). Já Paulo,
criou um cristianismo decadente que promete tudo e nada cumpre indo na contra mão da
boa nova inspirada por ele. Para Nietzsche, o evangelho termina antes mesmo de se iniciar,
a chama da mencionada boa nova se extingue antes mesmo de se queimar.
Para Nietzsche, não houve cristãos - o único, morreu na cruz - mas que é possível
ainda existir, é possível um se fazer cristão.
11
Amor ao destino. Amor à vida como ela é. Melhor exemplificada no capítulo 4.
23
iniciou o fim, a destruição do cristianismo “Jesus não podia querer outra coisa, com sua
morte, senão dar publicamente a mais forte demonstração, a prova de sua doutrina... Mas
seus discípulos estavam longe de perdoar essa morte” (NIETZSCHE, 2007, p.47). A
crucificação de Jesus declara a extinção de um cristianismo e a criação de outro, de um
outro que exibe conceitos morais e virtudes que comemoram a domesticação de qualquer
vontade de potência. O que deveria ser a prova dos ensinamentos de Jesus se tornou sua
total desfiguração, o corrompimento do caminho a ser tomado. Consideramos que
Nietzsche não o culpa por uma “boa nova” equivocada, mas esclarece que sua crucificação
foi em vão. Nietzsche vai além e diz que “seria possível, com alguma tolerância de
expressão, chamar Jesus um ‘espírito livre’ – ele não faz caso do que é fixo: a palavra mata,
tudo que é fixo mata” (NIETZSCHE, 2007, p. 39). Para Nietzsche, ele ensinava de forma
diferente do que o cristianismo paulino tentava ensinar: “Jesus disse aos seus judeus: a lei
era para servos, amem a Deus como eu o amo, como seu filho! Que nos importa a moral, a
nós, filhos de Deus?” (NIETZSCHE, 2005, p. 71).
Segundo Barros (2002)12 entendemos que Jesus é isento de qualquer culpabilidade
que possa lhe ser atribuída pelo cristianismo que Nietzsche tanto critica.
A figura de Jesus pode ser resguardada de toda crítica nietzschiana, já que, como
podemos ver até aqui, o real alvo foi a figura de Paulo.
Para Nietzsche, Paulo cria seu tipo de cristianismo, totalmente diferente do que
Jesus tentou inspirar nos homens. Ele – Paulo – inventa um cristianismo e coloca na boca
do Mestre, um grande equívoco moral e mesmo conceitual talvez até o maior que já existiu,
ele inventa um cristianismo que destrói o conceito de Deus que Jesus tenta transmitir.
“Deus, tal como Paulo o criou, é a negação de Deus. [...] O ‘Deus’ que Paulo inventou, um
Deus que ‘arruína’ a ‘sabedoria do mundo” (NIETZSCHE, 2007, p. 56). O conceito de
Deus que o cristianismo prega é um conceito que aspira a uma moral falsa, uma moral
12
Fernando de Moraes Barros, mestre e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo.
24
mentirosa e que violenta a vida. “O conceito cristão de Deus [...] é um dos mais corruptos
conceitos de Deus que já foi alcançado na Terra” (NIETZSCHE, 2007, p. 23). O
cristianismo é um inimigo da realidade, um inimigo mortal.
O cultivo do Deus cristão é criticado por Nietzsche, já que esse tal Deus, é um Deus
arruinado. Desde a morte de Jesus na cruz, o homem, aqui como o cristão, apresenta um
Deus decadente, com um conceito corrupto e totalmente contraditório àquilo a que
Nietzsche procura apontar para uma vida que eleva a dignidade humana “O conceito cristão
de Deus – Deus como deus dos doentes, Deus como aranha, Deus como espírito – é um dos
mais corruptos conceitos de Deus que já foi alcançado na Terra” (NIETZSCHE, 2007, p.
23). O Deus que os cristãos divinizam, por excelência, é um Deus que hostiliza a vida, que
declara oposição direta a uma vontade de vida e é esse conceito de Deus que Nietzsche
tanto critica, é esse Deus que Nietzsche diz fazer parte do imaginário humano e que passou
a ser uma coisa-em-si.
Fink (1988)13 apresenta também o conceito de corrupção no cristianismo e em seu
Deus.
Para Nietzsche, o Cristianismo representa <<a guerra de morte contra o tipo
superior de homem>>, a corrupção, a perversão dos instintos humanos, a
religião contrária à Natureza; [...], Nietzsche afirma que a concepção cristã de
Deus é uma das concepções mais corruptas a que jamais se chegou na Terra”
(FINK, 1988, p. 146).
13
Eugen Fink, filósofo alemão, discípulo de Husserl.
25
Os alemães privaram a Europa da última grande colheita cultural que ela podia
ter – a do Renascimento Compreende-se enfim, quer-se compreender o que foi o
Renascimento? A tresvaloração dos valores cristãos, a tentativa, empreendida
com todos os meios, com todo gênio, de conduzir à vitória dos valores opostos,
os valores nobres (NIETZSCHE, 2007, p. 77).
cristianismo, atacava o renascimento quando restaura a Igreja que parecia estar em declínio
“Lutero restaurou a Igreja: ele a atacou...” (NIETZSCHE, 2007, p. 78).
Ao final do seu Anticristo, Nietzsche condena o Cristianismo. No aforismo 62 ele
deixa clara essa oposição direta contra uma cultura decadente, doente e de personagens
ressentidos. “Eu declaro o Cristianismo a grande maldição, o grande corrompimento
interior, o grande instinto de vingança [...] eu o declaro a perene mácula da humanidade”
(NIETZSCHE, 2007, p. 79). E o culpado maior por isso tudo foi Paulo. “Paulo foi o maior
de todos os apóstolos da vingança” (NIETZSCHE, 2007, p. 55).
27
O período da transvaloração dos valores tem fortes razões para ser assim
denominado é nele que se torna operatória a idéia de valor. Antes, Aurora
apresentava como subtítulo “Pensamentos sobre Preconceitos Morais”, O
Andarilho e sua Sombra tratava de sentimentos morais, Humano, Demasiado
Humano examinava conceitos morais. O filósofo ocupava-se com conceitos,
pré-juizos, sentimentos em suas considerações sobre a moral e até podia
empregar, eventualmente, o termo “valor” ou a expressão “apreciações de
valor”. Mas é a partir de Assim falava Zaratustra que passa a trabalhar com a
noção de valor. Isso possibilita uma reorganização de seu pensamento: suas
idéias são submetidas a nova articulação seus escritos são por ele mesmo
encarados segundo nova ótica, [...] os valores morais ganham nova
consistência. (MARTON, 2000, p.78).
Nietzsche defende que é preciso uma total reavaliação dos valores humanos,
defende que os valores que a Igreja cristã prega são valores que escravizam os homens e
que os transformam em animais contrários à própria natureza, como já observamos nos
capítulos anteriores. O caminho para se tornar um espírito livre é uma transvaloração dos
valores. Nietzsche aponta um caminho para a “transvaloração de todos os valores”, para o
filósofo, um “homem bem constituído, um homem ‘feliz’, precisa empreender certas ações
14
Scarlett Zerbetto Marton, professora de história da filosofia moderna e contemporânea na Universidade de
São Paulo. Pós-Doutorado pela Université de Reims, U.R., França, Pós-doutorado pela Ecole Normale
Superieure e Fon Tenay-Saint Cloud, ENS FONTENAY-ST, França, Pós-Doutorado Université de Paris X,
Nanterre, Paris X, França, Doutorado em Filosofia. Universidade de São Paulo, USP, Brasil, Mestrado em
Filosofia, Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), SORBONNE, França
28
O cristão foi, até agora, o “ser moral”, uma curiosidade ímpar – e, como “ser
moral”, mais absurdo, falso, vaidoso, leviano, mais prejudicial a si mesmo do
que o maior dentre os desprezadores da humanidade jamais ousaria sonhar... A
moral cristã – a forma mais maligna da vontade de mentira, a verdadeira Circe
da humanidade: aquilo que a deteriorou. (NIETZSCHE, 2006, p.151).
O cristão, para Nietzsche, é um ser falso, acrítico, que, com sua moral, a moral
cristã, se mostra perigoso, mais nocivo do que qualquer ser desprezivel. Nietzsche afirma
que a moral cristã é a Circe15 da humanidade. A moral cristã então é a feiticeira da
humanidade, que nos transforma em animais impossibilitados de alcançar a superação do
próprio homem.
A moral cristã é a difamação do mundo (cf. NIETZSCHE, 2006, p.150), é a maior
calúnia que já existiu contra o mundo e contra toda a humanidade. É uma moral que faz o
homem renunciar a sua própria existência, a si mesmo e ao mundo em que vive, “A moral
da renúncia-a-si-mesmo é a moral do declínio par excellence” (NIETZSCHE, 2006, p.
152). A moral cristã é uma moral em decadência por excelência. A vida é completamente
negada e seus valores são corrompidos, alterados. Além disso, para o filósofo, a moral
cristã é uma moral maldosa. Sua maldade é mais ampla do que qualquer tipo de
perversidade, como já visualizamos na citação anterior. É um tipo de moral que vai contra o
que é natural.
15
Circe foi uma deusa feiticeira que, na Odisséia de Homero, transforma os homens de Ulisses em animais.
29
A moral antinatural, ou seja, quase todas as morais que foram até aqui
ensinadas, honradas e pregadas, remete-se, de modo inverso, exatamente contra
os instintos vitais. Ela é uma condenação ora secreta, ora tonitruante e
insolente destes instintos. No que ela diz “Deus observa os corações”, ela diz
Não aos desejos vitais mais baixos e mais elevados, tomando Deus como
Inimigo da Vida... O santo, junto ao qual Deus sente prazer, é um castrado
ideal... A vida chega ao fim, onde o “Reino de Deus” começa...(NIETZSCHE,
2000, p, 37).
O cristianismo cria noções que são noções descabidas, sem sentido, com um único
propósito: escravizar o homem, torná-lo um ser sem potencialidade, sem valores de
superação.A cristandade transforma a homem num animal submisso, incapaz de viver com
glória uma vida que deveria simplesmente ser vivida.
Nietzsche esclarece que existem dois tipos básicos de morais que se revelam no
mundo, “Há uma moral dos senhores e uma moral de escravos” (NIETZSCHE 2005, p.
155). Barros (2002) entende que esses dois tipos de morais, é resultado de
O homem de moral de senhor é um ser afirmativo, ele exalta a vida, eleva a si mesmo, que
vê em seu oponente, uma forma de se elevar mais ainda. Esse tipo de homem se valoriza,
pois esse tipo de moral é uma ostentosa afirmação. Os senhores parecem estruturar o que
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deve ser seguido e aceito. A moral dos senhores agem sobre os escravos que apenas se
ressentem com tal situação.
A moral escrava tende a conter qualquer tipo de intenção que vá de encontro ao que
os senhores ditam como verdade. No modo de viver do tipo escravo, suas ações, sua
moralidade, tudo está programado e condicionado para não se tornar capaz de superar o
tipo senhor.
Barros (2002) nos apresenta o homem da moral de escravo, da seguinte forma:
Aquele que é de tipo moral escravo, tem receio do tipo moral senhor e de sua
inabalável força. Por esse motivo, o tipo escravo então o transforma o tipo senhor no seu
inimigo. O homem de moral de tipo escravo é um ser de ressentido por excelência, que
reage em vez de agir. “Ressentimento designa um tipo em que as forças reactivas imperam
sobre as forças activas” (DELEUZE, 1996, p. 168). O tipo escravo se ofende com o que
acontece, está sempre na defensiva ao inves de ser o agente da ação. Deleuze nos apresenta
a seguinte compreensão, “E a palavra ressentimento fornece uma indicação rigorosa: a
reacção deixa de ser agida para se tornar qualquer coisa de sentido. As forças reactivas
imperam sobre as forças activas porque se furtam à sua acção”(DELEUZE, 1996, p. 168).
Marton (2000) esclarece que o fraco já se revela como o contrário do forte e já se
coloca como o sofredor de uma moral opressora.
O tipo de homem fraco, ressentido, o escravo, por assim dizer, não é um ser
afirmativo, ele próprio se considera um perdedor e se posiciona secundariamente numa
comparação com o tipo forte. Enquanto o forte se afirma, se mostra sempre um ser que
vence, o fraco se mostra negativista e aceita a derrota passivamente. O único momento em
que se afirma é quando nega o forte, quando nega e se opõe a ele.
O ressentido acredita que sua fraqueza é uma virtude e assim acredita que seu
entender sobre penitência é redentor. Assim sendo, ele passa a defender o que é negativo
como sendo na verdade, bom. Assim, “o homem do ressentimento traveste sua impotência
em bondade, a baixeza temerosa em humildade, a submissão aos que odeia em obediência,
a covardia em paciência” (NIETZSCHE, 2000, p. 82).
A crença do ressentido é enganosa, mas enganosa para si mesmo. Nietzsche julga
que a moral cristã é a culpada por isso, e expressão consumada deste modo de ser, já que
castra o homem em seus instintos, nega ao homem viver de acordo com aquilo em que ele
mesmo acredita e personifica um mundo aleatório, já que dá mais valor a uma vida além da
que estamos vivendo e não valoriza a que vivemos agora, dia a dia.
Para Nietzsche, a vida por si só, constitui crescimento e os valores morais cristãos
definham isso.
Como ja vimos nos capítulos anteriores, os valores cristãos, para Nietzsche, são
valores que denigrem o homem, que o poda em sua potencialidade. Vimos que esses
valores são valores de declínio. Os valores defendidos pelo cristão, são valores que negam a
vida. Nietzsche defende que a vida deveria ser amada em sua essência, que ela mesma é um
impulso fortalecedor.
Nietzsche defendia o conceito de amor fati. Um conceito presente em seus livros e
que indicavam como ele observava a vida e como ele acreditava que os homens deveriam
viver.
Em Ecce Homo e em o Anticristo encontramos passagens que assim o demonstram.
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Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: não querer ter nada de
diferente, nem para frente, nem para trás, por toda a eternidade... Não apenas
suportar aquilo que é necessário, muito menos dissimulá-lo – todo idealismo é
falsidade diante daquilo que é necessário –, mas sim amá-lo. (NIETZSCHE,
2006, p.67).
Amar a vida como ela simplesmente é era defendido por Nietzsche. Amar a vida em
toda sua característica de dificuldade é importante para o caminho da superação. Os mais
capacitados, os espíritos livres, viviam com mais dificuldade. Os mais preparados passavam
por provações maiores e viviam mais intensamente.
O amor fati é um conceito que estabelece que a vida não deve ser questionada,
idealizada e sim apenas vivida, amada. Deve-se amar a vida como ela se nos mostra. Não
querer mais nem menos e nem mesmo focar em objetivos diferentes daqueles que se
postam à nossa frente. Tudo que é necessário para se viver encontra-se em nosso dia a dia.
Amar a vida como ela é mostra-se algo muito difícil. Tentamos sempre acrescentar
algo ou estamos sempre tentando encontrar explicação para todo tipo de acontecimento,
mas esquecemos, muitas vezes, de apenas viver e deixar a vida seguir seu curso natural.
O homem luta muito contra sua natureza. O cristianismo, tão atacado por Nietzsche,
é o que se mostra como o grande culpado por isso. A moral cristã, valores cristãos,
conceitos cristãos, todos eles, para Nietzsche, são contra a natureza e proporcionam a
destruição do amor fati.
A Igreja cristã renega o que há de mais sagrado e divino na vida, a própria vida. As
lutas diárias de viver, de estar em constante mudança, de estar em constante contestação é
abolida, é descartada pela Igreja cristã. Ela e seus sacerdotes percebem que o ideal ascético
é a forma de poder pela qual eles têm o poder de transformar os cristãos, seres doentes por
natureza, em seres mais doentes ainda. O padre ascético vê no asceticismo uma autoridade.
“A dominação sobre sofredores é seu reino, a ela o encaminha seu instinto, nela ele tem sua
arte mais própria, sua maestria, sua espécie de felicidade” (NIETZSCHE, 1983, p. 315). O
ideal ascético é contrário à vida como deveria ser vivida.
O ideal ascético é o ideal de vida do ser ressntido, é o ideal, em que, o ser de moral
escrava, vive. Esse ideal, compõe um processo condicional que possibilita o modo de viver
do ser ressentido e o sacerdote é seu formador, o total organizador, fazendo com que o que
é reativo, vença.
Finalizamos o capítulo com o entendimento de que a moral cristã, para Nietzsche é
uma ofensa ao homem, e que os tipos morais existentes, servem tanto para exaltar quanto
para menorizar-lo. E identificamos, também, que o ideal do tipo ascético despreza aquilo
que é nobre e que é o tipo de ideal em que o ressentido, que é o escravo, vive.
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5 CONCLUSÃO.
Por essa monografia tentamos compreender que Nietzsche, mediante sua filosofia a
“marteladas”, intui que o modo de vida cristão é um modo de vida que deixa seus
seguidores doentes, submissos e enfraquecidos em todas as suas potencialidades.
Começamos nosso discurso identificando a morte de Deus e aqueles quem devem
ser responsabilizados por ela. Essa morte nos leva a um tipo de niilismo. Nietzsche, então
propõe que transformemos esse niilismo num tipo afirmativo, para que possamos trilhar
uma “transmutação de todos os valores vigentes até agora”.
Em outro capítulo buscamos apresentar que a crítica de Nietzsche está centrada no
cristianismo desenvolvido por Paulo, que como podemos observar é o maior apóstolo da
vingança. Esse capítulo é desenvolvido a partir de uma leitura e um entendimento do
Anticristo, que, com se torna evidente aqui, é uma maldição ao cristianismo.
No último capítulo, discursamos sobre o desvalor que Nietzsche concede à moral
cristã e quais são os tipos morais identificados por ele. Como os valores morais cristãos
destroem a base axiológica que o filósofo julga importantes para a vida e como a vida, em
si, é violentada por um interesse cristão que se estende além da vida, não nos esquecendo
de que Nietzsche também defende que a vida deve ser querida como ela é. Concluímos está
último capítulo com uma breve análise sobre o ideal ascético que é visto, por Nietzsche,
como o ideal que despreza o que é nobre e que deprecia a vida, encarcerando o homem e o
adestra a viver como o sacerdote cristão deseja.
Compreendemos, com todo o discurso estruturado na presente monografia, que a
crítica de Nietzsche sobre o cristianismo, apresenta dados relevantes para um
conscientização daquilo que é vil e escravizante. Acreditamos que essa depreciação
nietzschiana é oportuna e também coerente. Acreditamos que o cristianismo precisa ser
continuamente debatido, principalmente quando seus conceitos desprezam o poder da
significação humana. Não somos radicais como Nietzsche ao dizer que o cristianismo só
possui institos vingativos e que é uma grande maldição, mas concordamos que esse
cristianismo indicado pelo filósofo corrompe o homem, que o desestabiliza, que o escraviza
e que, muitas vezes, o reduz.
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BIBLIOGRAFIA:
De Nietzsche:
Estudos: