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O Mistério do Deus-Homem: a relação da perfeição com a identidade na religião cristã.


ISSN 2316-1639 (online)

O MISTÉRIO DO DEUS-HOMEM:
A relação da perfeição com a identidade na
religião cristã.

THE GOD-MAN MYSTERY:


The relation of perfection and identity in Christian religion.

Willibaldo Ruppenthal Neto1

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo mostrar a relação entre a perfeição e a
identidade que é presente na religião cristã a partir do mistério da encarnação,
segundo o qual Deus não se encontra somente na eternidade, mas também se
apresentou na história e com um corpo próprio. A concepção antropológica e
teológica do cristianismo não pode ignorar a encarnação, centro da religião
cristã, que a diferencia em absoluto das demais religiões, em especial as religiões
orientais, nas quais o caminho para a perfeição se dá pela autoanulação até a
nulidade.

Palavras-Chave: Encarnação, Cristologia, Identidade.

ABSTRACT
This article aims to show the relationship between perfection and identity that
is presented in the Christian religion from the mystery of Incarnation, in which
God is not only in eternity, but also performed in history and with his own
body. The anthropological and theological conception of Christianity cannot
ignore the incarnation, the center of the Christian religion, as distinct at all
other religions, especially Eastern religions, in which the path to perfection is by
self-effacement to annulment.

Key-Words: Incarnation, christology, identity.

1Doutorando em História (UFPR). Professor da FABAPAR. Membro discente do


NEMED/UFPR. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

A encarnação é o centro da religião cristã, ao mesmo tempo


que é seu início, sua concretização e mesmo, de certa forma, “a
totalidade da nossa vida cristã” (LECLERCQ, 1997, p. 7). A
encarnação é tanto o núcleo do cristianismo como também é o
grande diferencial deste para com as demais religiões2, como bem
evidenciou o filósofo romeno Constantin Noica:

Que o cristianismo tenha adquirido, no curso da história,


um lugar à parte entre as demais religiões não deixa de ter
relação com o fato de ele ter tido força para assumir
radicalmente (como testemunham os concílios da Igreja –
desde o de Niceia) a encarnação individual do divino.
Tudo se passa como se a encarnação não fosse um dom
feito pelo divino ao mundo, mas a si mesmo: mediante ele,
o ser divino ultrapassa o nada e a ausência de identidade
de sua própria perfeição. (NOICA, 2011, p. 73).

Assim, pela doutrina da encarnação, Deus de alguma forma


concilia a sua perfeição com uma identidade definida e muito
'humana': Jesus Cristo é plenamente divino e plenamente
humano, sendo “verdadeiro Deus de verdadeiro Deus” (Credo a
partir do Concílio de Niceia), feito homem – verdadeiro homem,
Filho do Homem, plenamente humano. Perante tal 'mistério' que
é a encarnação, só podemos ter “admiração”, como bem destacou
Jacques Leclercq (1997, p. 11), ao mesmo tempo que sua negação

2 É com a encarnação que se efetua também uma nova concepção da realidade enquanto processo:
no judeu-cristianismo se dá o primeiro passo para romper-se a concepção cíclica da realidade, que
era defendida especialmente por Heráclito e os estoicos (ELIADE, 1994, p. 61), mas que era
presente em toda a cultura greco-romana. Como bem demonstra Mircea Eliade, é o judaísmo que
apresenta esta inovação da escatologia, na qual “o tempo tem um começo e terá um fim” (ELIADE, 1995, p.
97), mas é o cristianismo que “vai ainda mais longe na valorização do Tempo histórico. Visto que
Deus encarnou, isto é, que assumiu uma existência humana historicamente condicionada, a
História torna-se suscetível de ser santificada” (ELIADE, 1995, p. 97). “Conferindo ao tempo um
sentido, o cristianismo o tira da insignificância do seu fluir e o institui como história. Não é possível
ver o tempo como “história” na concepção cíclica do tempo, que encontra a sua escansão nos
ritmos da natureza; isso só é possível na perspectiva que os cristãos denominaram escatológica,
onde no fim (eschaton) se realiza o que no início fora anunciado” (GALIMBERTI, 2003, p. 25).

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implica na negação do próprio cristianismo, uma vez que esta é


sua base desde os seus primórdios, como lembra o psicólogo
Umberto Galimberti em sua obra Rastros do Sagrado: “o ato
instituidor do cristianismo é a encarnação de Deus” (GALIMBERTI,
2003, p. 24).

1 As duas soluções da razão

O filósofo católico francês Jean Guitton bem percebeu que


além da aceitação do mistério da encarnação só há duas outras
vias de pensamento quanto a Jesus Cristo, duas tendências da
racionalidade humana3: 1) Jesus histórico, ou a primeira via4; 2)
Jesus mítico, ou a segunda vida5.
Trata-se, portanto, de dois caminhos em relação a Jesus e à
compreensão do cristianismo: o primeiro caminho “vai do
homem-Jesus ao Deus” (GUITTON, 1960, p. 107), seguindo a

3 Só há estas duas pois todas as 'tentativas' para fora da ortodoxia possuem em suas ideias as
tendências que se levadas até as últimas consequências, alcançam estas duas vias.
4 Jean Guitton bem percebe que tal via possui características específicas: “A escola crítica germinou

na França e era sem dúvida entre nós que tinha mais possibilidade de nascer. Desenvolveu-se em
Paris, como em sua cidade. Com Renan, encontrou as condições mais perfeitas para que fosse, pelo
talento e pelo saber, revestida da maior plausibilidade.” (GUITTON, 1960, p. 102). Ernest Renan
com sua “Vida de Jesus”, de fato “foi o maior exito de livraria do século [XIX]” (GUITTON,
1960, p. 102), mas “em nossos dias, a Vida de Jesus de Renan é de uma insipidez insuportável”
(GUITTON, 1960, p. 77), especialmente pelo fato de que com o desenvolvimento na história das
religiões e de ideologias (como o marxismo), o “mito Jesus” é de uma flexibilidade ainda maior,
servindo especialmente com a “polissimbolizabilidade” (SANTOS, 1959, p. 16) de seus símbolos, tais
como “a ideia da Virgem-Mãe, do Deus-Menino, do pão da vida, como ricos de sentido, sem que
haja necessidade de preocupação com a verdade de tudo isso.” (GUITTON, 1960, p. 79). A
relação entre mito e religião assim aumentou consideravelmente de tal forma que “espíritos como
Mircea Eliade ou Bultmann deram ao mito estatuto novo; dele fizeram uma forma de pensamento
propícia a exprimir a substância da vida espiritual” (GUITTON, 1960, p. 79), de tal forma que não
se pode compreender o estudo das religiões do nosso século sem compreender a influência destes
dois nomes.
5 Diferente da primeira via, “a escola mítica cresceu na Alemanha. Era a terra de eleição para

pensamentos desse tipo; falta ao gênio germânico o senso das matizes. Em compensação, tem a
faculdade de criar abstrações e fazê-las viver.” (GUITTON, 1960, p. 102). Neste sentido temos
Rudolf Bultmann como grande nome, que “parece pensar que o Evangelho apresenta duma
maneira mítica” (GUITTON, 1960, p. 80), além de outros nomes, como o psicólogo suíço
fundador da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, que entende cristo como um arquétipo
historicizado, assim como a própria Trindade e nos Evangelhos, no qual entende um “caráter não
histórico (…) cuja única preocupação era tornar impressionante a figura de Cristo, na medida de
suas possibilidades descritivas.” (JUNG, 1979, p. 41).

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lógica da crítica histórica, duvidando de qualquer possibilidade de


fatos não-prováveis que contrariem a lógica, tais como milagres.
Assim, segundo a primeira via, Jesus foi uma pessoa – o “Jesus
histórico” - que foi elevado e deificado pelos seus seguidores. O
segundo caminho “vai do Deus ao homem” (GUITTON, 1960, p.
107), ou seja, entende-se Jesus como sendo a historização de um
arquétipo, de um mito divino, a qual tenta-se dar uma aparência
humana. Segundo a segunda via, o 'mito do Deus-Homem'
precede a existência de um personagem histórico Jesus – se é que
existiu! - e assim apenas utiliza-se da 'pele' de alguém para dar um
rosto a este mito atemporal. Assim, ficamos “entre a tese dos
críticos segundo a qual Jesus é um homem que a imaginação deificou
e a dos mitólogos, segundo a qual Jesus é um Deus que a fabulação
fez homem e historificou” (GUITTON, 1960, p. 36, grifo nosso).
Esta separação em dois grupos é justamente a separação
empreendida por Karl Barth com outra nomenclatura: Karl Barth
“observa, como teólogo, que essas duas tendências aparecem
constantemente no curso da história do cristianismo, uma para
inspirar toda a teologia de tipo ebionita, a outra para inspirar toda a
teologia de tipo doceta” (GUITTON, 1960, p. 108)6. Como se pode
perceber no estudo dos primeiros séculos da igreja, os ebionitas
negavam a divindade de Cristo, enquanto os docetas sustentavam
que Jesus seria Deus com apenas aparência carnal 7 . Ambas

6 Leonardo Boff (1972) também expõe uma análise das duas tendências, mas focando-se
especialmente em sua construção histórica a partir das duas escolas teológicas da antiguidade, onde
cada uma tendeu a um caminho. A escola de Alexandria, influenciada pelo platonismo e pela
mística acabou desenvolvendo uma tese onde reduziu-se a humanidade de Jesus frente a sua
divindade, tendo Apolinário de Laodicéia ensinado “que pela encarnação o Logos substituiu o
espírito humano” (BOFF, 1972, p. 201). A escola de Antioquia, sendo influenciada por Aristóteles
desenvolveu a tese onde a união das naturezas em Jesus não seria íntima mas acidental, gerando a
base para a heresia de Nestório (BOFF, 1972, p. 203), segundo a qual seria necessário separar-se o
Jesus-homem e o Jesus-Deus, para preservar-se a humanidade de Cristo. Tais perspectivas parciais,
porém, foram declaradas heréticas e encontrou-se como solução a formulação do Concílio de
Calcedônia: há unidade em Cristo quanto à pessoa, mas há dualidade quanto às naturezas – uma
formulação que deixa espaço para o mistério, mas que “deve ainda hoje ser critério de verdade”
(BOFF, 1972, p. 205).
7 “O termo ebionitas deriva de uma palavra hebraica que significa 'pobres' e designa uma seita de

judeus cristãos ascéticos que sobreviveram à destruição de Jerusalém no ano 70, indo para o leste
do Jordão. Sendo judaizantes, criam na salvação pela obediência à lei, rejeitavam os escritos de

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antigas heresias (a heresia ebionita data do século III e o


docetismo data do primeiro século 8 ) seguem as duas linhas
racionais 9 das duas tendências modernas que Jean Guitton
percebeu, mas ambas são contrárias ao ensinamento evangélico e
apostólico:

A Igreja afastou o ebionismo tanto quanto o docetismo e


por antecipação todas as teorias modernas que a eles se
ligam. Para o Evangelho, a divindade do Cristo só tem
sentido se nos recusamos em ver nela a apoteose de um
grande homem ou a personificação duma ideia sobre
Deus ou duma ideia divina. (BARTH apud GUITTON,
1960, p. 108).

Assim compreende-se que apesar da nossa tendência sobre


Jesus ser a de o “reduzir às nossas duas dimensões habituais”
(GUITTON, 1960, p. 109), devemos entender que o cristianismo
“introduz uma terceira dimensão” (BARTH apud GUITTON,

Paulo e davam ênfase às cartas de Tiago e Pedro. Para eles, Jesus era um profeta humano, o novo
Moisés; era o filho de José que, ao ser batizado, foi adotado como Filho de Deus por causa de sua
obediência à lei. Por serem poucos e estarem isolados não subsistiram por muito tempo.” (MATOS,
2008, p. 38). O docetismo provém da influência gnóstica no cristianismo, que criava doutrinas que
negavam o nascimento de Jesus, sendo que “todas estas doutrinas acerca do Salvador recebem o
nome de 'docetismo' – de uma palavra grega [dokéo] que quer dizer 'aparecer', pois o que estas
doutrinas implicam, de um modo ou de outro, era que o corpo de Jesus era uma aparência.”
(GONZÁLEZ, 2011, p. 98).
8 O docetismo é tão antigo que sua força fez com que o Credo possuísse a precisão histórica que

tem, uma vez que “a referência a Pôncio Pilatos não tem o propósito de culpar ao procurador
romano pela crucificação, mas antes procura dar uma data concreta ao que se está falando. Para
alguns dos gnósticos, Jesus não era um ser histórico, mas um mito ou alegoria universal. Por essa
razão o Credo põe data à crucificação” (GONZÁLEZ, 2011, p. 104).
9 Tais duas “linhas racionais” são dois processos da inteligência: “muitas vezes a inteligência

humana toma um fato na experiência e leva-o até seus limites ideais” (GUITTON, 1960, p. 106),
como o faz a primeira via, do Jesus histórico; mas também “muitas vezes (…) partindo desta vez do
ideal, exprime-o a inteligência sob uma metáfora concreta, personifica-o” (GUITTON, 1960, p.
106). Tais são as “duas grandes tendências [que] ganham validade em todos os trabalhos
científicos” (DILTHEY, 2010, p. 23) segundo Wilhelm Dilthey: ou seja, o processo de abstração a
partir do natural, “sede original de todo conhecimento de uniformidades” (DILTHEY, 2010, p.
23), e o processo contrário, “partindo da natureza, porém, o mesmo homem se volta em seguida
retroativamente para a vida, para si próprio” (DILTHEY, 2010, p. 24). A origem do segundo
processo no primeiro explica o fato de que conceitos não existem enquanto realidades físicas, ou
seja, “negar a autonomia existencial do conceito não é ainda negar a existencialidade do esquema
concreto do fato, do qual ele é apenas um esquema de esquema, um esquema abstrato.” (SANTOS,
1959, p. 17).

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1960, p. 109), com o mistério do Deus-Homem, base e


fundamento de toda a religião cristã, sem o qual nada pode ser
compreendido segundo esta nova dimensão que se estabelece,
segundo o verdadeiro espírito cristão10.

2 A encarnação do Logos

Entendendo que pelo mistério da encarnação “o próprio


Deus tem um corpo, e por toda a eternidade” (LECLERCQ,
1997, p. 19), entendemos porque “quanto ao essencial, a Igreja de
Cristo proclama a concepção mais extraordinariamente positiva
de toda a história humana acerca da condição carnal do ser
humano” (LECLERCQ, 1997, p. 19). Esta valorização do corpo
se dá conjuntamente a uma visão realista da situação de “queda”
humana, baseada na doutrina do “pecado original”, de forma que
a positividade com que o cristianismo relaciona-se com o corpo
não alcança excessos, mas dá-se numa “ambiguidade”
(LECLERCQ, 1997, p. 18) de “esplendor e miséria do corpo”11,
como bem destaca o padre belga André Léonard em seu livro
Cristo e o nosso corpo. A concepção cristã do corpo está portanto em
contraposição à desvalorização platônica deste 12 , como bem
lembra o professor de filosofia antiga italiano Giovanni Reale:

(…) uma reavaliação radical e completa do corpo nas


dimensões ontológica, metafísica e teológica 13 só se

10 “Digamos isto doutra maneira e dum modo mais pascaliano: 'A Encarnação é um mistério
insondável e todavia somente pela Encarnação é que se pode compreender o fato e o sentido do
Evangelho.'” (GUITTON, 1960, p. 35).
11 Nosso corpo é ao mesmo tempo o meio de agradar a Deus quanto o mecanismo de cedermos às

concupiscências, à nossa “natureza terrena”, que não é o corpo em si mas aquilo de mal que se
apresenta neste e através deste: “O corpo não é instrumento só do pecado, mas também da
salvação.” (WINCKEL, 1985, p. 132). Veja: Cl 3.5-11.
12 Um grande exemplo desta contraposição é Santo Agostinho, que “diante da opinião platônica,

comum em sua época, de que o corpo aprisiona a alma e que esta prisão é a origem dos males da
humanidade (…) discorda de Platão e afirma exatamente o contrário: foi a alma quem pecou e
prejudicou o corpo.” (AZEVEDO JR, 2008, p. 86-87).
13 A força do mistério do Deus-Homem no cristianismo primitivo é um indício de que ambas as

tendências racionalistas que pensam Cristo como “Jesus histórico” ou como “Jesus mítico” são

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apresenta na doutrina cristã. Essa reavaliação está, sob


certos aspectos, em nítido contraste com a concepção
platônica: longe de ser um “peso” e um “tronco” para a
alma ou apenas “carne a ser salva”, o corpo é
verdadeiramente “consagrado” e até “santificado”,
porquanto o próprio Deus nasce no corpo como Cristo.
(REALE, 2002, p. 16).

O mistério da encarnação é ainda mais admirável quando


percebido em seus detalhes e características mais profundas: Deus
não apenas se tornou homem, mas preserva sua divindade, ao
mesmo tempo que não é um 'homem celeste' numa total
abstração, mas é um homem completo justamente por ser um
homem com identidade própria. Jesus Cristo é perfeito, “mas não
no sentido de uma perfeição abstrata” (LECLERCQ, 1997, p.
15), como lembra Leclercq, pois possui uma identidade própria,
uma personalidade e tudo o que envolve um ser humano normal –
com a única exceção do pecado. Assim, Jesus Cristo é um judeu
de Nazaré, do período de dominação por parte do Império
Romano: possuía uma cultura própria, e mesmo uma linguagem

incompatíveis com a realidade histórica da Igreja, uma vez que tal mistério (da encarnação) não se
apresenta como resultado de um processo religioso tanto quanto um rompimento, por ser
justamente uma “oposição muito consciente às concepções religiosas judaicas e helenísticas do
tempo” (ADAM, 1986, p. 5). Ou seja, o mistério do Deus-Homem não está relacionado com
influências helenísticas (que C. G. Jung supervaloriza, em: JUNG, 1979, p. 6) ou judaicas tanto
quanto é um rompimento com as mesmas: “é impossível explicar o aparecimento dessa fé por
influências judaicas ou pagãs. Nela não há nada de derivado, de secundário; tudo é
verdadeiramente primitivo, é a fé, o credo original” (ADAM, 1986: 5), sendo “escândalo para os
judeus, loucura para os gentios” (I Co 1.23b). Como bem destaca Joseph Ratzinger, o estudioso
judeu Jacob Neusner bem entendeu que Jesus Cristo não muda completamente a lei judaica, mas
acrescenta algo que é o principal no cristianismo, e inaceitável para o judaísmo: ele mesmo
(RATZINGER, 2007, p. 103). Porém, Jesus ultrapassa também a chamada 'Regra de Ouro', a qual
provém “do grade fariseu Hillel, cerca de uma geração antes do nascimento de Cristo, (…) como
evolução progressiva de Lv 19,18.34, em Sabbat 31a: 'O que não desejas para ti, não faças ao teu
próximo'.” (SCHUBERT, 1979, p. 40). Porém, “(…) a Regra de Ouro é expressa em forma
afirmativa por Jesus e em forma negativa por Hillel. Notável diferença. Hillel diz: 'Guarda-te de
prejudicar a teu próximo'; e Jesus: 'O amor que desejarias receber, mostra-o para com teu
próximo'. Oferecer amor é bem mais do que deixar de prejudicar” (JEREMIAS, 1988, p. 8-9). Que
de fato houve influência na formação da religião cristã por parte do helenismo e da paideia grega é
algo inegável, como bem se percebe no estudo de Werner Jaeger (2002), mas a religião do
paganismo para o cristianismo mudou de tal forma que “as palavras 'deus' e até mesmo 'religião'
não tinham o mesmo sentido” (VEYNE, 2011, p. 68).

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própria, falando “a linguagem do seu país e do seu tempo, não


uma algaravia intemporal que pretendesse dirigir-se a todos os
tempos sem pertencer a nenhum. É verdadeiramente do seu país e
do seu tempo. É um judeu dos primeiros anos da nossa era”
(LECLERCQ, 1997, p. 14). Mas ao mesmo tempo é o Verbo
divino, sendo que “todas as coisas foram feitas por intermédio
dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). De alguma
forma “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e
de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”
(Jo 1.14).

3 O mistério do Deus-Homem

Mas como conciliar a perfeição de Jesus Cristo enquanto


Deus ao mesmo tempo que afirmamos sua personalidade
humana? Como Jesus era e é ao mesmo tempo Filho de Deus e
Filho do Homem? De fato, como bem afirmou Karl Adam, “a
pergunta é desconcertante – mais ainda, é terrível! Temos diante
de nós um homem de carne e osso, um homem com uma
consciência, uma vontade e uma sensibilidade humanas; e no
entanto perguntamos: este homem é Deus?” (ADAM, 1986, p.
89)14.
A resposta da Igreja sempre foi e continua sendo que
Cristo é tanto homem como Deus, é “perfeito quanto à divindade,
e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus e
verdadeiramente homem”, conforme o Credo de Calcedônia,
sendo “preservada a propriedade de cada natureza, concorrendo
para formar uma só pessoa e em uma subsistência” (GRUDEM,

14Tal aparente contradição é presente mesmo na expectativa messiânica dos judeus, que não
compreendiam o caráter ambivalente do próprio Messias, definindo as diferenças como
possibilidades diversas do futuro – afinal, como conciliar um ser divino que vêm das nuvens (Dn
7.13) e um pobre montado em um jumento (Zc 9.9)? '''A única menção notável a este propósito
encontra-se em Sanhedrim 98a: ''Rabi Iehosua bem Levi (um mestre palestino da segunda metade do
século III d.C.) fez observar uma contradição. Está escrito: 'E eis que com as nuvens do céu ele vem
como um Filho do homem' (Dn 7,13) e, além disto, está escrito: 'Pobre e montado num jumento'
(Zc 9,9). Se eles (os israelitas) o merecerem, então ele virá com as nuvens do céu; se não o
merecerem, virá pobre e montando um jumento''.''' (SCHUBERT, 1979, p. 74).

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2009, p. 996). Ou seja, na encarnação Cristo não nega sua


divindade, mas humilha-se (Fp 2.8), participando conosco em
carne e sangue (Hb 2.14), mas não deixando de ser “o resplendor
da glória e a expressão exata do seu Ser” (Hb 1.3). Jesus Cristo
não é nem metade humano e metade deus, nem dois terços deus e
um terço homem 15 , mas é plenamente Deus e plenamente
homem, de modo simultâneo e misterioso.
De fato, esta pergunta nos desconcerta16, da mesma forma
que a resposta nos causa admiração 17 . A verdadeira
'compreensão', no sentido de abstração completa e racionalização
do mistério da encarnação é impossível, sendo que “essa
dificuldade de base tem sua origem no desacordo entre o ser
composto do Cristo e a inteligência ocidental habituada a dissociar”
(GUITTON, 1960, p. 37). Como bem notou Umberto
Galimberti, “efetivamente, a razão humana se abre quando
introduz a diferença, quando decide que uma coisa não é o seu
contrário” (GALIMBERTI, 2003, p. 14), de tal forma que “pela
razão, de fato, é impossível dizer do mesmo ser que é Deus e
homem” (GALIMBERTI, 2003, p. 14). Porém, esta compreensão
não anula a validade ou realidade da ideia do Deus-Homem, mas
evidencia que seu caráter é “além da imaginação” (LECLERCQ,
1997, p. 29), pois é de certa forma 'irracional' ou “supra-racional”
(LECLERCQ, 1997, p. 29). Esta irracionalidade não é apenas
encontrada no cristianismo, mas é uma característica da religião
em si, do sagrado, como bem percebera Rudolf Otto no seu livro
Das Heilige (O Sagrado), como bem evidenciou Mircea Eliade:

15 Gilgamesh, herói mitológico mesopotâmico o qual “é mais do que um herói semidivino” (JUNG,
1979, p. 3), era considerado “dois terços deus e um terço homem”, dentro do imaginário mitológico
mesopotâmico, como relatado na Epopeia de Gilgamesh (ANÔNIMO, 2011, p. 95).
16 Neste sentido a perspectiva mítica se apresenta mais atrativa do que a histórica, uma vez que sua

flexibilidade é maior neste ponto, aceitando o que vai além do racional: “A tradição mítica
transcende as experiências individuais e por isso mesmo é, para cada um, mais um desafio do que
uma solução, no trato com a realidade.” (BURKERT, 1991, p. 29).
17 Segundo Leonardo Boff, a admiração é o início da filosofia e da cristologia (BOFF, 1972, p. 156).

Vemos a admiração do povo diante de Jesus em diversos textos dos evangelhos (Mt 4.24, 7.28, 8.27,
9.33b, 13.54-56; Mc 1.22, 2.12, 4.41, 6.23; Lc 2.47, 4.22-23, 4.31, 4.36-37, 5.26, 8.25; Jo 6.42).

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Negligenciando o lado racional e especulativo da religião,


Otto voltou-se sobretudo para o lado irracional, pois tinha
lido Lutero e compreendia o que quer dizer, para um
crente, o 'Deus vivo'. Não era o Deus dos filósofos, o Deus
de Erasmo18, por exemplo; não era uma ideia, uma noção
abstrata, uma simples alegoria moral. Era, pelo contrário,
um poder terrível, manifestado na 'cólera' divina.
(ELIADE, 1995, p. 15).

Trata-se da loucura divina, pois, a própria 'morte de Deus',


é “escândalo para judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.23b).
Uma análise do texto de 1 Coríntios 1.25-29 pode colaborar para
compreendermos esta questão:

Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens;


e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. (…)
Deus escolheu as coisas loucas do mundo para
envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do
mundo para envergonhar os fortes... (1Co 1.25,27b).

O texto de 1 Coríntios 1.25-29 pode ser entendido como


um de dois tipos de loucura: “Temos duas acepções da loucura:
como o contrário da razão e como aquilo que precede a própria
distinção entre razão e loucura” (GALIMBERTI, 2003, p. 13).
Qual é então o sentido correto de loucura em 1 Coríntios? Trata-
se do segundo tipo de loucura: aquilo que precede a própria
distinção entre razão e loucura19. Sendo assim, trata-se de uma
loucura inalcançável ao homem, intocável à razão, por antecedê-
la. Porém, a razão não é a única via de acesso ao conhecimento de
Deus: “Mas não teríamos recebido outras luzes? E que luzes

18 Mircea Eliade vale-se de Erasmo como exemplo, justamente por este ter sido o representante
teológico da Igreja Católica contra Lutero. Porém, o texto do Elogio a Loucura mostra que Erasmo
não possuía uma visão tão racionalista de Deus quanto pensa-se em geral (como Eliade): “(...) os
devotos, cuja vida não é senão uma imagem e uma meditação contínua da vida celeste, já sentem
na terra um antegozo dessa recompensa deliciosa. (…) Essa é também a parte de loucura que os
justos sentem já na terra, loucura feliz que, longe de lhes ser retirada quando passarem à outra vida,
será, ao contrário, aperfeiçoada, e se tornará aquela loucura inefável que é chamada a bem-
aventurança eterna” (ERASMO, 2010, p. 132).
19 Cf. meu artigo a este respeito: RUPPENTHAL NETO, 2014.

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poderiam ser? As da Revelação, é claro” (KNOX, 1988, p. 37-38).


A razão é o conhecimento do homem a Deus, das criaturas se
elevando ao Criador, enquanto que a Revelação é o
conhecimento passado de Deus às criaturas, é uma auto-
manifestação de Deus20. Desta forma, a encarnação pode apenas
ser parcialmente compreendida e assim tida enquanto “mistério”;
como bem disse Karl Jaspers: “quando o homem, no gozo de sua
liberdade, experimenta a Transcendência, necessita dos enigmas
para elucidá-la” (JASPERS, 2000, p. 111). A Trindade é, de fato,
“o mais sagrado dos símbolos” (JUNG, 1979, p. X) – como
afirmou o psiquiatra Carl Gustav Jung –, sendo que sua
compreensão, apesar de em absoluto ser impossível, é essencial
para o entendimento do cristianismo, uma vez que os símbolos
expressam as realidades religiosas supra-racionais, como bem
destaca Mircea Eliade em sua obra Imagens e Símbolos:

O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais


profundos – que desafiam qualquer outro meio de
conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são
criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma
necessidade e preenchem uma função: revelar as mais
secretas modalidades do ser. (ELIADE, 1996, p. 8-9).

Porém, quando pensamos na possibilidade de


aproximação entre a natureza humana e a divina, não
contrariamos apenas a lógica, mas o próprio cristianismo, que
sempre busca evidenciar a distância entre a natureza de Deus e
dos homens. Assim, temos como resultado a necessidade de uma

20Certamente na perspectiva cristã a racionalidade do homem é uma demonstração de sua


proximidade por semelhança com Deus (LEWIS, 2005, p. 6), mas há também a proximidade por acesso,
que se dá através da piedade e da relação com o Filho de Deus, porém, “quando distinguimos a
proximidade por semelhança da proximidade por acesso, vemos que elas não coincidem
necessariamente. Podem coincidir ou não” (LEWIS, 2005, p. 7). Ou seja, a razão pode não
coincidir com a Revelação. É Deus quem “se dá a conhecer”, como mostram as histórias bíblicas:
“o homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo
absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado,
propusemos o termo hierofania (…), a saber, que algo de sagrado se nos revela” (ELIADE, 1995, p.
17).

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definição como a de Teodoro de Mopsuéstia: “A distinção entre


as duas naturezas deve ser sustentada incondicionalmente, e a
unidade da pessoa mantida perpetuamente” (FLUCK, 2009, p.
71).

4 Perfeição e identidade humana em Jesus Cristo

Jesus Cristo, mesmo sendo Deus e, portanto, perfeito, “não


é exemplo de perfeição angélica” (LECLERCQ, 1997, p. 18),
abstrata e distante, mas de “uma perfeição à nossa medida”
(LECLERCQ, 1997, p. 16), sendo homem em todo o sentido que
esta palavra carrega: “Um autêntico homem, verdadeiramente o
Filho do homem, o Homem. Pode-se tomá-lo como modelo de
humanidade. Eu posso tomá-lo como meu modelo”
(LECLERCQ, 1997, p. 13). Jesus Cristo possuía e possui uma
identidade de tal forma que sua vida é determinável, e não
atemporal e vazia, como bem destaca Leclercq:

Um homem. Nasceste num lugar determinado no tempo e


no espaço, como todos os homens. De uma família e de
um povo. Viveste nos primeiros anos da nossa era. És filho
de Maria. Perfeito entre os filhos do homem, tens uma
perfeição concreta. Um homem pode ser perfeito com
diversas estaturas; Tu tens uma estatura e um peso
determinados, não outros. Os teus cabelos não são ao
mesmo tempo pretos ou louros. Falas a língua de teu país
e não a de outro. A tua linguagem inspira-se nos usos do
teu tempo, e as parábolas evangélicas, como os preceitos
dos teus discursos, trazem a marca da época, do povo, de
todas as circunstâncias que concorreram na tua formação
humana. (LECLERCQ, 1997, p. 57).21

21“Ele não era gnóstico, nem da Nova Era. Ele não era modernista, nem humanista secular. Ele
não era marxista, nem socialista. Ele não era filósofo platônico. Ele não era panteísta brâmane. Ele
não era ariano racista. Ele não era assistente social, nem psicólogo pop, nem mito pagão, nem
mágico. Ele não era democrata nem republicano; na verdade, ele não era norte-americano. Ele não
era libertário, nem monarquista; não era anarquista, nem radical e, tampouco, neoconservador. Ele
não era um homem medieval nem moderno. Ele era judeu” (KREEFT, 2009, p. 19).

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Desta forma, quando lemos os Evangelhos não devemos


“procurar mais o sobrenatural em estado puro”22, pois na verdade
os Evangelhos se apresentam de tal forma que escandalizam os
homens em geral com “o tom singelamente humano e realista do
Evangelho, e parece-lhes mais divina a alienação dos livros
orientais23: que não falam senão de Deus e chegam a negar o
mundo...” (LECLERCQ, 1997, p. 42). Jesus Cristo não foi um
mahatma24, não era um pregador da nulidade25 , mas foi um
homem de tal forma vivo e vivente que lhe acusaram de ser
“glutão e bebedor de vinho” (Mateus 11.19). Como compreendê-
lo? Tentamos pelo que nos relatam os Evangelhos, e assim
entendemos que Jesus “é um conjunto, é a irradiação da tua
personalidade nas tuas palavras, nos teus atos, na menor das tuas
atitudes. (…) É tudo. Não há nada que não se encontre em Ti”
(LECLERCQ, 1997, p. 25) – senão alguma falha ou pecado –,
mas ao mesmo tempo possui personalidade; não é um conjunto
morto de qualidades, mas uma unidade viva, uma pessoa – e o

22 LECLERCQ, 1997: 44.


23 “(...) o Baghavad Gita [livro sagrado dos hindus], em que a experiência espiritual de recusa das
determinações já não assume a forma de uma excentricidade: é a conclusão, consagrada na escala
histórica, de uma tendência superiormente lúcida a se apartar do mundo” (NOICA, 2011, p. 114).
24 “Na palavra Mahatma, maha significa grande, mais elevado ou superior e atman, como o pneuma

grego, significa espírito. Mas como o espírito é o ser real do homem, diferente dos acidentes deste
ser pelo qual o indivíduo é conhecido como Fulano ou Beltrano e tem qualidades ou propriedades
particulares, a palavra atman no uso reflexivo adquire o sentido de 'eu', qualquer que seja a nossa
opinião sobre a natureza desse eu, seja ele físico, psíquico ou espiritual” (COOMARASWAMY,
1992, p. 123). Porém, apesar dessa possibilidade, entende-se atman não como o “ego humano”, mas
como “o Espírito imanente que empresta a si mesmo imparcialmente a qualquer individualidade
sem jamais se tornar ninguém” (COOMARASWAMY, 1992, p. 124), de forma que o Mahtma
torna-se “um morto ambulante, alguém cujo espírito neste momento tem uma morada nas alturas”
(COOMARASWAMY, 1992: 125).
25 A principal crítica de Nietzsche ao cristianismo é de que se trata de uma religião que prega o

nada. Na percepção de Nietzsche, o cristianismo é à semelhança do hinduísmo e – principalmente -


do budismo, “religiões de décadence” (NIETZSCHE, 1988, p. 39), religiões de destruição até a
nulidade, ou seja, são “religiões nihilistas” (NIETZSCHE, 1988, p. 39). Porém, a realidade é muito
diferente: o cristianismo se diferencia completamente das religiões orientais justamente por não se
apresentar associado a uma nulidade divina, mas ter como centro um Deus pessoal e pessoa,
percebido na perspectiva cristã como a falta maior dos orientais: “na Índia, grandes sábios tiveram
a percepção de que a Realidade suprema era única e infinita, mas não sabiam que seu nome era
'Eu'. Ao contrário, a maioria deles pensava que o 'eu' ou 'ego' (a palavra latina para 'eu') – ou seja,
nosso senso de que somos indivíduos únicos, irreduzíveis e distintos – era a ilusão suprema e o
grande obstáculo para o esclarecimento supremo” (KREEFT, 2009, p. 20).

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próprio Deus! Compreendendo-se esta relação entre identidade e


perfeição de Jesus, compreendemos que a forma mítica de ver
Jesus é equivocada, como bem evidenciou Joseph Ratzinger (Papa
Bento XVI) em sua obra Jesus de Nazaré:

(…) o ministério de Jesus não deve ser visto como algo


mítico, que pode ao mesmo tempo significar tudo e nada;
é um acontecimento histórico datável com rigor, com toda
a seriedade da história humana verídica, com a sua
unicidade, cujo modo de contemporaneidade com todos
os tempos se distingue totalmente da intemporalidade do
mito. (RATZINGER, 2007, p. 29).26

5 Perfeição e identidade humana em nós

Podemos perceber que, como destaca Umberto Galimberti


em Rastros do Sagrado, o sentido da redenção “para o cristão é tensão
entre o presente e o futuro27, porque a redenção, presente já na
encarnação de Cristo, espera ser totalmente realizada”
(GALIMERTI, 2003, p. 24). Sendo assim, o homem não possui

26 Jean Daniélou bem percebe essa falha na compreensão de René Guénon do Cristianismo: “O
Cristianismo reconhece perfeitamente a existência de uma simbólica natural, que se liga à religião
cósmica (…) Mas o Cristianismo é precisamente coisa diferente. É uma irrupção de Deus na
História, um acontecimento radicalmente novo. Se a cruz tem uma tal importância para ele, não é,
em primeiro lugar, por causa de seu valor simbólico, é porque Cristo morreu sobre um patíbulo
composto de dois pedaços de madeira. E esse dado histórico está em primeiro lugar. (…) Mas esses
simbolismos são secundários em relação aos fatos históricos. E é essa importância do Cristianismo
como novidade absoluta que Guénon desconhece” (DANIÉLOU, 1964, p. 111-112). Ora, não é à
toa que o kerygma dos cristãos é sobre o que se denominou Evangelho, a 'boa novidade' (Sobre este
termo, veja: RATZINGER, 2007, p. 57-58). Também não é à toa que o historiador francês Marc
Bloch denominava o Cristianismo como uma “religião de historiador”, uma vez que estava baseada
em uma crença histórica datável, diferenciando-se assim das demais religiões. É justamente por isso
que “o problema essencial do cristianismo é determinar quais são as relações entre a fé e a história”
(GUITTON, 1960, p. 38).
27 Como bem mostra Oscar Cullmann, tal tensão é fruto da ideia de que “o fim já está realizado em

Cristo, mas a consumação ainda está no futuro” (CULLMANN, 1968, p. 8) e gera uma situação
complexa mesmo na relação dos cristãos com a política, uma vez que trata-se de um dualismo
cronológico: “O Novo Testamento não afirma nem nega o mundo. O dualismo que encontramos
nele é cronológico entre o Presente e o Futuro. Não é um dualismo helênico entre este mundo e o
outro.” (CULLMANN, 1968, p. 77). A Nova Jerusalém descerá neste mundo, e será este mesmo
mundo que será completamente renovado. “O novo mundo está, a partir de Cristo, germinando e
fermentando dentro do velho mundo” (BOFF, 1973, p. 156).

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uma natureza fixa, mas ambivalente, e esta faz com que ao


mesmo tempo que o homem possa perceber as realidades
espirituais, não possa alcançá-las plenamente em sua situação atual,
de tensão: “o sofrimento do homem reside precisamente em ele
poder escolher a seu bel-prazer um geral e não poder
verdadeiramente alçar-se a ele” (NOICA, 2011, p. 50). Este de
fato é “o conflito fundamental da existência humana” (BOFF,
1972: 132), o qual Cristo suportou e nos possibilitou ultrapassá-lo,
mas cuja superação permanece por enquanto uma “esperança”
para nós, anunciada mas não ainda efetuada, iniciada mas não
ainda concluída.
Paulo bem expressa isto na sua reflexão em Romanos
sobre o fato de que “o querer o bem está em mim; não, porém, o
efetuá-lo” (Rm 7.18b). Assim, encontramo-nos em situação de luta
interna:

Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal


reside em mim. Porque no tocante ao homem interior,
tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus ombros,
outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me
faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus
membros. (Rm 7.21-23).

Com a presença do Espírito de Deus no homem (através


de Cristo), o homem fica possibilitado de cogitar das coisas do
Espírito (Rm 8.5), mas não pode realizar-se plenamente na
dimensão do divino, pois tal realização só será possível após a
glorificação do corpo do cristão28, vivificado pelo Espírito de Deus
(Rm 8.11). Mas que tipo de vida se vive, então? Vive-se a vida do

28 A ressurreição dos santos não será uma simples 'volta à vida' de um cadáver, mas será uma
transformação completa, à semelhança da ressurreição de Cristo, a qual não foi uma simples volta à
vida: “Não como quem volta à vida biológica que tinha antes, a exemplo de Lázaro ou do jovem de
Naim, mas como quem, conservando sua identidade de Jesus de Nazaré, se manifestou totalmente
transfigurado e plenamente realizado em suas possibilidades humanas e divinas. O que aconteceu
não foi a revivificação de um cadáver, mas a radical transformação e transfiguração da realidade
terrestre de Jesus, chamada ressurreição” (BOFF, 1972, p. 135). Assim, a esperança do cristão se
mostra direcionada em um sentido específico: “ressurreição como total transfiguração da realidade
humana espírito-corporal” (BOFF, 1972, p. 149).

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próprio Cristo29: “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive
em mim; e esse viver que, agora, tenha na carne, vivo pela fé no
Filho de Deus...” (Gl 2.20). Porém, este texto Paulo aos Gálatas
não deve ser mal interpretado, e para isto utilizamos a
interpretação de Leclercq:

Quando o Apóstolo nos diz: Já não sou eu que vivo, mas é


Cristo que vive em mim (Gl 2, 20), e quando nos propõe
esse exemplo como ideal, não nos convida somente ao
abandono da nossa personalidade na tua, mas à entrega
da nossa personalidade para que Tu a faças tua e assim
vivas e Te manifestes, meu Mestre, em todas as raças e em
todos os séculos, por meio de todas as línguas e técnicas.
(LECLERCQ, 1997, p. 60).

Quando “morri para e lei” e “estou crucificado com


Cristo” (Gl 2.19), “não anulo a graça de Deus” (Gl 2.21), pois
sendo feito filho de Deus (Jo 1.12), vivo agora de forma diferente,
mas preservando a minha pessoa, pela salvação proporcionada
pela cruz; ou seja, de alguma forma, “nada mudou e tudo mudou”
(LECLERCQ, 1997, p. 35), como lembra Leclercq, “a vida divina
está em mim e, em certo sentido, nada mudou na minha
humanidade. (…) Continuo a ser eu mesmo, continuo a ser o
pobre homem que sou, fraco e submetido a todas as fomes”
(LECLERCQ, 1997, p. 35).
Morremos de alguma forma juntamente com Cristo na
cruz, mas “apesar disso, alguma coisa subsiste em mim, como
minha” (LECLERCQ, 1997, p. 36), pois somos coparticipantes
tanto nos sofrimentos quanto na glória: “se com ele sofremos,
também com ele seremos glorificados” (Rm 8.17b). Mas o que
significa que somos feitos filhos de Deus? Significa que recebemos
o espírito de adoção (Rm 8.15), tornando-nos como Cristo, mas
permanecendo nós mesmos; Deus se encontra agora em nós, uma

29 “É verdade que, batizado, vivendo na fé, me torno como Tu? Que a Encarnação de certo modo
se renova em mim e que a vida cristã não é somente a 'imitação de Cristo', mas é Jesus Cristo vivo,
que continua e volta a viver em cada um dos seus?” (LECLERCQ, 1997, p. 32).

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vez que seu Espírito habita em nós (1Co 3.16) e através de nós se
mostra agora ao mundo, assim como se mostrou por Cristo, sendo
nós “não somente um outro Cristo (…) mas um novo Cristo”
(LECLERCQ, 1997, p. 59): “No cristianismo, é necessário
procurar esta vida divina, não fora do humano, mas através do
humano. Está no humano sem ser do humano” (LECLERCQ,
1997, p. 40)30.
A tensão no homem não é um elemento necessariamente
negativo, pois se dá justamente pela presença da liberdade
humana, conjuntamente à nova consciência que se cria, mediante
a filiação divina, ideia complexa que pode mais uma vez ser bem
resumida pelo católico J. Leclercq: “É a lei da Encarnação. Eu
continuo a ser plenamente humano. Tu decidiste fazer a tua obra
nos homens mediante a sua colaboração, subordinando-a à ação
do homem. E como continuamos a ser homens, tens necessidade
do nosso concurso para que a tua obra se converta em realidade”
(LECLERCQ, 1997, p. 36). Estando nós em tal situação de
contradição, somos nascidos da carne, mas também de Deus (João
1.13).

6 Eu e o outro

A distinção entre o 'eu' e o 'outro' tão marcante no


cristianismo, onde o próprio Deus se dá em três pessoas, tem por
consequência a valorização de um elemento que é a própria
caracterização de Deus: o amor. Quando percebemos que de fato
“é só através do tu que o eu se descobre como tal” (BOFF, 1972:
208), como destaca Leonardo Boff em seu Jesus Cristo Libertador,
percebemos como de fato “a pessoa é essencialmente comunhão,

30Como bem afirma Leonardo Boff, a humanidade não é anulada pela vinda da natureza humana,
mas é plenamente realizada na relação com esta: “a perfeição humana reside exatamente em sua
abertura total e infinita a ponto de poder ser repleta de Deus” (BOFF, 1972, p. 202). Tal
compreensão temos especialmente a partir de João Duns Escoto, que percebeu que “o homem
pode, pelo amor, abrir-se de tal modo a Deus e aos outros, que chega a esvaziar-se totalmente de si
mesmo e plenificar-se na mesma proporção, pela realidade dos outros e de Deus” (BOFF, 1972, p.
221).

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relação e diálogo” (BOFF, 1972, p. 208), ou seja, a pessoa


enquanto ser se torna pessoa sempre para os outros, no que é o
amor.
Não apenas “Deus é amor” (1Jo 4.8b), como é dele que
provém o amor (I João 4.7), que se evidencia pela existência do
outro: nós, objetos de seu amor. É apenas com a distinção, o
corte, que pode existir amor, pois “sem a separação não há amor
e nem vida” (TILLICH, 2004, p. 37), como lembra-nos Paul
Tillich. Sendo assim, é no cristianismo que encontramos o “amor
vivo” da perspectiva cristã, diferenciando-se completamente das
tendenciais abstrações orientais, onde tenta-se diluir a
diferenciação, apagando não apenas o “outro”, como
consequentemente a si mesmo e, portanto – pela perspectiva cristã
– o próprio amor. Afirmar-se a autoanulação31, assim como a
presença de Deus dentro de cada um de nós, são princípios
budistas e orientais32 que fazem com que se afaste cada vez mais
da religião cristã33 , uma vez que assim como as respectivas
representações, como bem lembrou G. K. Chesterton, “o budista

31 O cristianismo de fato fala na “morte para mim mesmo”, mas isto não ganha a dimensão que
tem nas demais religiões como o budismo. De modo algum o ser humano deve se destruir, mas
distanciar-se de si mesmo para melhor observar a si mesmo e ao outro. Trata-se do paradoxo do
êxtase: “o excessus mentis, que se apresenta como uma perda de si mesmo, uma perda de seu proprium,
como uma 'quase' anulação, leva a mente, na verdade, ao seu ponto mais alto, numa extravagante
conformidade ao Outro, a plenitude do ser. Experiência de todos os amores. Possuir Deus é se
possuir a si mesmo. Não há nada de panteísmo nisso porque o amor faz que, na vontade de que o
outro seja o outro, o amado seja tanto mais ele mesmo quanto mais ele é amado” (CHENU, 2006,
p. 33).
32 Na sua crítica ao cristianismo, Nietzsche propõe que a virtude deve fazer o homem viver até a

morte (NIETZSCHE, 2012, p. 25) e não fazer morrer ainda em vida (NIETZSCHE, 2012, p. 102),
de forma a “viver como cadáver” (NIETZSCHE, 2012, p. 98). O espírito não apenas vivifica, mas
“é a vida que clarifica a própria vida” (NIETZSCHE, 2012b, p. 111). Note-se que a ideia de “viver
como cadáver” (NIETZSCHE, 2012, p. 98) é próxima da doutrina metafísica hindu, na qual o
homem deve buscar ser “um morto ambulante” (COOMARASWAMY, 1992, p. 125), através da
anulação “do ego humano para o Espírito imanente que empresta a si mesmo imparcialmente a
qualquer individualidade sem jamais se tornar ninguém” (COOMARASWAMY, 1992, p. 124).
Seria a anulação do “eu como entidade psicológica” (COOMARASWAMY, 1992, p. 123) em prol
de sua vida enquanto “Eu Superior” (COOMARASWAMY, 1992, p. 122).
33 “(...) não acho que existam duas instituições no universo que contradizem uma à outra tão

diametralmente como o budismo e o cristianismo” (CHESTERTON, 2008, p. 216).

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está olhando com uma atenção peculiar para dentro34. O cristão


fixa os olhos com desvairada atenção para fora”
(CHESTERTON, 2008, p. 216). Isto evidencia-se ainda mais
quando comparamos as duas formas de amor pela perspectiva
cristã, como o fez Chesterton, pois, para o cristianismo “a mais
alta forma de amor é aquela pela qual se distingue as culturas
oriental e ocidental: é o amor que preserva o indivíduo que é
ambos, o sujeito e o objeto do amor35. Na amorosa relação cristã
'pessoa-pessoa' manifesta-se sua superioridade36 a qualquer outra
tradição” (TILLICH, 2004, p. 37)37. É sobre este fundamento que

34 Quando Agostinho afirma que “Noli foras ire, in teipsum redi: in interiore homine habitat veritas (não vá
fora, entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade)”, não está se referindo a encontrar a
Verdade absoluta dentro do homem, mas o reflexo desta verdade, uma vez que o homem é “imago
Dei (imagem de Deus)”. Desta forma busca realizar o seu desejo: “Deum et animam scire cupio (quero
conhecer a Deus e à alma)”. Assim, quando Deus diz ao homem “deixa-te, entrega-te a Mim, e
gozarás de uma grande paz interior” (TOMÁS DE KEMPIS, 1995, p. 31), não se refere a uma
anulação, uma destruição, mas uma entrega, “um sacrifício contínuo de tudo o que são” (TOMÁS
DE KEMPIS, 1995, p. 31). “'Entra em ti mesmo', exclama o autor da Imitação de Cristo, mas
acrescenta: 'Prepara ao celeste Esposo uma morada digna dele; ele virá e descansará nela, porque
suas delícias são habitar no coração que o chama” (TOMÁS DE KEMPIS apud WINCKEL, 1985,
p. 52). A elevação espiritual deve servir não como elemento pelo qual anulamos a nós mesmo, mas
pelo qual completamos a nós mesmos: é um sistema circular: “O círculo da interioridade é perfeito:
A te proinde incipiat tua consideratio, non solum autem, sed et in te finiatur. (De ti proceda a consideração
sobre ti mesmo, mas não apenas isso, também em ti ela termine)” (CHENU, 2006, p. 33).
Percebemos o universo a partir de nós mesmos, este 'microcosmo', que reflete o macrocosmo, mas
tal espelho apresenta-se sempre embaçado: “Meto-me dentro de mim mesmo e acho aí um mundo!
Mas antes em pressentimentos e obscuros desejos que em realidade e ações vivas. E então tudo
paira a minha volta, sorrio e sigo a sonhar, penetrando adiante no universo” (GOETHE, 2001, p.
22).
35 “Quero amar o próximo não por ele ser eu, mas precisamente por ele não ser eu”

(CHESTERTON, 2008, p. 217).


36 Paul Veyne, historiador ateu, define o cristianismo (entendendo-o enquanto criação humana –

dos discípulos de Jesus) como uma obra-prima: “Alguns historiadores agnósticos acharão pouco
científico estabelecer uma escala de méritos entre as religiões. Mas, no meu modo de ver, isso não é
violar o princípio de neutralidade axiológica – é como reconhecermos a superioridade de certas
criações artísticas ou literárias; superioridade em relação à qual os contemporâneos não foram
menos sensíveis do que nós. Por que a imaginação criadora das religiões não teria, ela também, suas
obras-primas?” (VEYNE, 2011, p. 35-35).
37 Ananda K. Coomaraswamy pensa que o cristianismo deve ser percebido em aproximação com as

demais tradições religiosas: “Portanto, como diz Eckhart, 'todas as escrituras clamam por uma
libertação do eu' e aqui a palavra todas têm de ser tomada no sentido mais amplo possível, porque
esta é a carga que a escritura bramânica, a budista e a islamítica têm de carregar, do mesmo modo
que a cristã” (COOMARASWAMY, 1992, p. 123). Mircea Eliade parece defender uma ideia
semelhante, afirmando que é “inútil insistir nas diferenças entre os 'filhos' que S. Paulo 'gerou na fé'
e os 'filhos de Buda'...” (ELIADE, 1995: 163). G. K. Chesterton, porém, bem destaca o equívoco
destas ideias: “Há uma frase de liberalidade fácil que é proferida muitas vezes em sociedades éticas

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o cristianismo tende a se colocar enquanto a religião superior, a


revelação mais profunda, a imagem mais próxima de Deus.
Este amor que valoriza a personalidade, a individualidade,
a alteridade, a relação, é o verdadeiro amor38: “O verdadeiro
amor que purifica não consiste em palavras abstratas. É um amor
que vive em nós na medida em que nós mesmos vivemos em
Cristo. É uma realidade viva em Cristo, e daí o seu incomparável
poder de atração” (LECLERCQ, 1997, p. 52).
A doação, resultado do amor caridade39, é o que faz com que
não apenas Deus tenha dado seu próprio filho (Jo 3.16), quanto
nós mesmos nos entregamos em resposta a este amor a Deus,
tornando-nos seus, apesar de conservarmos nossa própria
identidade, como se afirmássemos a Deus junto a Leclercq que
“tudo o que há em mim é tão teu quanto meu” (LECLERCQ,
1997, p. 38). Nosso corpo é o instrumento que utilizamos para
esta adoração, uma vez que não somente o corpo é “santuário de
Deus” (1Co 3.16), como a nossa própria adoração se dá por
ações 40: “louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos

e em parlamentos da religião: 'As religiões da terra diferem em ritos e formas, mas são a mesma
coisa naquilo que ensinam'. Isso é falso; é o contrário dos fatos. As religiões da terra não diferem
muito em ritos e formas; elas diferem muito naquilo que ensinam” (CHESTERTON, 2008, p.
212). Seja como for, os estudos mitológicos têm buscado encontrar pontos em comum na
linguagem e mensagem das religiões, especialmente através do estudo dos mitos e símbolos. A
psicanálise freudiana pretendeu apresentar-se como resposta à organização dos mitos tradicionais
(BURKERT, 1991, p. 33), assim como o foi posteriormente a teoria dos arquétipos do inconsciente
coletivo de C. G. Jung (BURKER, 1991, p. 35-36) e por fim o estruturalismo (BURKERT, 1991,
p. 36), que “é a busca de invariantes ou de elementos invariantes entre diferenças superficiais”
(LÉVI-STRAUSS, 1989, p. 20) de forma a estruturar um sistema na qual entenda-se a mente
humana, uma vez que segundo esta perspectiva “a mente humana, apesar das diferenças culturais
entre as diversas fracções da Humanidade, é em toda a parte uma e a mesma coisa” (LÉVI-
STRAUSS, 1989, p. 33).
38 O amor de Deus se dá na diferenciação: se a todos amasse, se todos lhe fossem iguais, não amaria

na verdade a ninguém: amor é preferência, é escolha. Desta forma se explica a passagem de


Romanos 9.14-18, na qual se afirma a ideia de que “tem ele misericórdia de quem quer e também
endurece a quem lhe apraz” (Rm 9.18), assim como a declaração de Santo Agostinho em suas
confissões: “No entanto, Deus se compadece mais de uns do que de outros, e é mais misericordioso
com uns do que com outros, porque assim o quer; caso contrário, seria como se o céu e a terra
cantassem os seus louvores a Deus para surdos” (AGOSTINHO, 1985, p. 181).
39 Cf. LEWIS, 2005: 161-195.
40 Neste sentido a crítica de Nietzsche é válida de certa forma: “Aos que desprezam o corpo quero

dizer a minha opinião. O que devem fazer não é mudar de preceito, mas simplesmente

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espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes,


seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus,
dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.16b-17). Isto se dá de tal
forma que tudo que eu faça é direcionado a Deus: “quer comais,
quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória
de Deus” (1Co 10.31). O corpo, elemento (dimensão) distintivo e
delimitador do ser humano41, é o que lhe permite tanto ser
alguém, quanto cumprir seu papel de criatura perante Deus. É
este mecanismo de separação que permite a Deus demonstrar seu
amor, e a nós tentarmos retribuí-lo de alguma forma, uma vez que
“o amor deseja a personalidade; por isso deseja a divisão. O
cristianismo instintivamente se alegra por Deus ter fragmentado o
universo em pequenas partes, porque essas partes são vivas”
(CHESTERTON, 2008, p. 218). A vida, portanto, se dá como
“separação e reunião, ou como amor” (TILLICH, 2004, p. 106),
ou seja, a vida – em toda a plenitude de seu termo – não se dá
apenas pela conexão com Deus, mas pela diferenciação deste,
como se mostra no próprio mistério da Trindade, bem percebido
por Paul Tillich:

Tal descrição da vida é estritamente análoga à


interpretação trinitariana do Deus vivo. Em seu filho,
Deus separa-se de si mesmo, e no Espírito ele reúne-se
consigo mesmo. Isso, claro, é uma forma simbólica de
falar, mas ela relembra sempre os cristãos da verdade que
Deus não é identidade morta, mas o fundamento vivo de
tudo que tem vida. (TILLICH, 2004, p. 106).

despedirem-se do seu próprio corpo, e por conseguinte, ficarem mudos” (NIETZSCHE, 2012, p.
42).
41 O corpo e a alma são separados pela perspectiva grega da natureza humana, mas não na

perspectiva judaica, que tende a distinguir não enquanto partes, mas enquanto dimensões. Uma
visão cristã mais próxima da visão judaica é a de Leonardo Boff: “O homem concreto é a unidade
destas duas dimensões. A tradição chamou de corpo ao homem todo inteiro (corpo e alma)
enquanto limitado e, de alma, ao mesmo homem todo inteiro (corpo e alma) enquanto ilimitado e
aberto para a totalidade das relações. Corpo e alma não são pois duas entidades no homem, mas
duas dimensões e perspectivas do mesmo e único homem” (BOFF, 1972, p. 57). Sendo parte ou
dimensão, o corpo é o que permite ao homem diferenciar-se do outro, por ser seu elemento
limitador – o que não deve ser entendido necessariamente enquanto algo “negativo”.

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O cristianismo nos mostra que não somos “almas prezas a


um corpo”, como pensava Platão 42 , mas somos um ser de
natureza ambivalente, um “híbrido” – utilizando-se a expressão
de C. S. Lewis – de carne e espírito: naturezas que são, porém,
indissociáveis em seu ser, já que não se trata de uma alma em um
corpo, nem de um animal apenas, mas de um ser com natureza
ambivalente.

7 Considerações finais

O corpo, assim como a fraqueza humana, não são,


portanto, defeitos ou defeituosos, mas são simplesmente parte da
condição do homem antes de sua glorificação na ressurreição43,
que preservará o ser humano em sua natureza integral e o
renovará ao mesmo tempo, com um novo corpo44. Nesta vida,

42 Platão passa no Fédon uma dissociação do homem com seu corpo evidenciado no final do
diálogo, através das seguintes palavras de Sócrates: “(...) não digas em meus funerais que expõe
Sócrates, que conduz Sócrates, que amortalha Sócrates; porque é preciso que saibas, estimado
Críton, que falar impropriamente não é apenas cometer uma falha no que se diz, mas significa
também prejudicar as almas. Deves ter mais coragem e dizer que é meu corpo o que amortalhas, e
faça-o como te agradar e da forma que acreditas ser mais de acordo com as leis” (PLATÃO, 2000,
p. 187). Algo muito parecido é afirmado pelo hindu Ananda K. Coomaraswamy: “Enquanto nós
dizemos 'não me machuque' referindo-nos ao corpo, ou 'eu sei' ou 'a minha alma', o mestre mais
cuidadoso diria 'não machuque este corpo', 'esta mente sabe' ou 'o Espírito que está em mim' ou 'o
Espírito que habita o meu corpo'” (COOMARASWAMY, 1992, p. 89n6). A dissociação entre alma
e corpo na visão dicotômica/tricotômica bivalente de Platão se evidencia tanto no corpo como na
alma na visão tetratômica de Coomaraswamy, que inclui conjuntamente a corpo, alma e espírito,
esta “alma da alma” como nas palavras de Fílon (COOMARASWAMY, 1992, p. 92-93n15).
43 A ressurreição era um dos principais pontos de diferenciação dos judeus em relação aos gregos de

tal forma que mesmo antes do cristianismo, a tentativa de explicar-se a teologia judaica por parte
de judeus para os pagãos criava equívocos na transmissão como, “por exemplo, a doutrina farisaica
da ressurreição dos mortos é transformada por Flávio Josefo numa interpretação da imortalidade
da alma. A sociedade culta helenista e do classicismo tardio, de fato, não compreendia bem o modo
psicossomático de o judaísmo conceber a vida.” (SCHUBERT, 1979, p. 12); esta diferenciação da
concepção judaica da natureza humana em relação ao pensamento grego fez com que a própria
tradução dos textos sagrados ficasse prejudicada: “Ao traduzir, via de regra, os substantivos
hebraicos mais frequentes com as palavras 'coração', 'alma', 'carne' e 'espírito', ocorreram equívocos
de graves consequências. Eles remontam já à antiga tradução grega da Septuaginta e acarretam
uma antropologia dicotômica ou tricotômica, na qual o corpo, a alma e o espírito se encontram em
oposição mútua. É necessário examinar até que ponto, quando passou a usar a língua grega, a
filosofia helênica deturpou e substituiu concepções semítico-bíblicas” (WOLFF, 2007, p. 29).
44 Is 26.19; Rm 8.23; 1Co 15.42-44; Fp 3.21.

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não precisamos e nem devemos ir contra nossa humanidade45,


mas devemos plenificá-la, indo contra todo o pecado, que não é
naturalmente humano46, mas é uma deturpação de uma realidade
boa criada por Deus. Assim, mais uma vez nos valemos de um
resumo de Leclercq:

Por conseguinte, se eu sinto tantas limitações em mim, isso


não é necessariamente um defeito. Se tenho movimentos
afetivos a que só resisto com dificuldade, isso não é
necessariamente uma prova de imperfeição. Posso chegar
a ser perfeito sem deixar de ser eu mesmo, conservando
uma forte emotividade e mesmo algumas fraquezas. Não
preciso de abdicar em nada da minha humanidade para
me assemelhar a Cristo, tanto quanto é possível uma
criatura. De maneira nenhuma devo deixar de ser eu
mesmo, nem na menor parcela. (LECLERCQ, 1997, p.
17).

Desta forma percebe-se que enquanto criaturas de Deus,


não devemos nos anular nem nos degradar, seja com
“purificações” ou pecados, mas devemos nos encher do próprio
Cristo. As purificações servem enquanto meios de eliminar
defeitos, para “abrir espaço” para Cristo, porém, não têm
validade por si mesmas, sendo meios para se alcançar um fim
determinado, que é a aproximação de Cristo, conclusão à qual
também o teólogo católico Jacques Leclercq chega:

45 “Não é para chegarmos à supressão dos desejos que Cristo nos convida à ascese; não se trata de
mortificar e dominar o corpo e a matéria, mas de santificá-los” (WINCKEL, 1985, p. 44).
46 O pecado não é naturalmente humano por ser uma situação. Pecado não é tanto 'ato' como é

'situação'. Desta forma Jesus Cristo de fato “assumiu sim nossa condição humana marcada pelo
pecado” (BOFF, 1972, p. 219), entrando no mundo em “situação de pecado”, feito por nós pecado
(2Coríntios 5.21), mas não pecou (enquanto ato), nem permaneceu em estado de pecado, pois “ele
foi sem pecado” (BOFF, 1972, p. 218). Jesus de fato “assumiu a condição humana marcada pela
alienação fundamental que é o pecado” (BOFF, 1972, p. 218), mas não tinha o núcleo degenerador
dos atos humanos que é consequência do pecado original. Assumiu em definitivo a situação de
pecado quando afasta-se completamente do pai na cruz, fazendo-se maldição e pecado. Sendo
assim, o pecado enquanto ato é resultado da situação pecaminosa (o pecado), mas que foi revertida
por Cristo, que assumiu o pecado para vencê-lo. Com a glória o homem não perderá uma parte de
si com o fim do pecado, mas mudará sua situação para uma união com Deus.

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Começo a captar a maravilha da Encarnação: que seja


Deus manifestado no humano, vivendo no humano; que
seja o humano a converter-se, de algum modo, em divino
sem deixar de ser humano, plenamente divino, irredutível
ao humano, transcendente ao humano e ao sobre-
humano, ultrapassando o prodigioso, concebido à nossa
medida. E a maravilha da Encarnação é que possamos
realizar isto na nossa vida. (LECLERCQ, 1997, p. 31).

A nossa vida não apenas espelha a humanidade de Cristo,


mas a própria divindade que é com nós compartilhada, de tal
forma que “nada, jamais, poderá separar a natureza humana da
natureza divina” (DANIÉLOU, 1964, p. 8): a indissociabilidade
das naturezas em Cristo é também presente em nós47, pois, tendo
o Espírito de Cristo, permanecemos sendo nós mesmos; somos
novas criaturas (2Co 5.17), mas mantemos nossa pessoa – estamos
de mãos dadas com a perfeição divina ao mesmo tempo que
mantemos nossa identidade. Este é o mistério do Deus-Homem,
presente em Jesus Cristo e realizado em cada cristão.

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doenças espirituais. São Paulo: Editora Canção Nova, 2008.

47Trata-se de um “paradoxo”, como disse Rudolf Bultmann, já que a encarnação é um evento que
se dá na história enquanto “único” mas repete-se em cada cristão (BULTMANN, 1962, p. 101-
102).

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