Anglicanismo Robinson Cavalcanti

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Robinson Cavalcanti

Anglicanismo:
Identidade, Relevância, Desafios
2

Recife-PE
2009
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

ÍNDICE

Prefácio 05

Primeiro Capítulo: Uma História em Comum 06


Os Anglicanos
A Fase Celta (século I a VII)
A Fase Católica Romana (século VII a XVI)
A Fase Reformada (século XVI...)

Segundo Capítulo: Da Igreja da Inglaterra à Comunhão Anglicana 19


Anglicanismo Não-Inglês
Criando Uma Comunhão: A Expansão Mundial
Organização: Os Instrumentos de Unidade

Terceiro Capítulo: A Doutrina 31


O Livro
Credos e Confissões
Os Sacramentos
O Episcopado

Quarto Capítulo: A Vida 44


A Palavra
Construção

Quinto Capítulo: Os Ministérios 51


Os Pais Apostólicos
Os Anglicanos
Os Ministérios

Sexto Capítulo: A Organização 64


Comunhão
Províncias
Dioceses
Comunidades

Sétimo Capítulo: A Estética 77


Israel
Igreja
Anglicanismo
Obstáculos

Oitavo Capítulo: As Tendências 91


Consenso

Bispo Robinson Cavalcanti


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Tendências
Correntes
Mudanças

Nono Capítulo: A Presença no Brasil 107


Capelanias
Migração
Tentativas
Missão (1890-1907)
Distrito (1907-1947)
Dioceses (1949-1965)
Província
Crise

Décimo Capítulo: Identidade 122


Igreja: Histórica, Bíblica, Católica, Reformada, Missionária, Litúrgica,
Carismática, Sacramental, Hierárquica, Inclusiva, Afetiva,
Ecumênica, Evangélica
Obstáculos
Consolidando

Décimo-primeiro Capítulo: A Crise 136


Antecedentes
Cristianismo e Modernidade
Cristianismo e Pós-Modernidade
As Duas Religiões
Intolerância
Modelos

Décimo-segundo Capítulo: Perspectiva 153


Modelos
Windsor
Realinhamento

Apêndices 171
1. Correntes Anglicanas
2. Arcebispos de Cantuária
3. Sucessão Apostólica (do autor)

Bibliografia 186
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

PREFÁCIO

O Anglicanismo é um ramo histórico e reformado da Igreja de Jesus Cristo,


presente em 164 países, e em dinâmico processo de expansão missionária. É
a religião oficial da Inglaterra, e doze dos seus membros ocuparam a
Presidência da República dos Estados Unidos da América. É a Igreja de
pensadores como John Stott, C.S. Lewis, J.I. Packer, Alister McGrath e N.T
Wright. Mas, para muitos leitores brasileiros ela é “a religião fundada pelo rei
Henrique VIII”.

Estamos presentes no Brasil desde a Regência, com as Capelanias


Consulares Britânicas; chegamos em grande número, com a imigração
japonesa para o sudeste e o sul; estabelecemos uma vigorosa missão, de
origem norte-americana, no Rio Grande do Sul, no final do século XIX, e,
mesmo assim, para muitos, somos apenas “a Igreja do bispo gay Gene
Robinson”.

Em nosso País ainda se confunde romanismo com catolicismo, e há, entre os


protestantes, preconceitos contra a estética na adoração e contra o governo
episcopal. Católicos romanos, desconhecedores da Igreja Celta, e da ampla e
complexa realidade da Reforma Inglesa, ainda nos encaram como simples
cismáticos.

Este é um livro que procura esclarecer, a partir da ótica Anglicana, e o


evangelicalismo nele presente como corrente principal. Surgiu para preencher
uma lacuna, sendo primeiramente apresentado como curso no Seminário
Anglicano Teológico de Pernambuco (SAT-PE), a cujos professores e alunos
agradecemos os enriquecedores debates em sala de aula.

O autor – como tantos – é um anglicano por opção e convicção, convencido de


que o mesmo é uma alternativa positiva ao fragmentado e confuso quadro
religioso brasileiro.

Uma boa leitura!

Paripueira (AL), Epifania de 2009.

Dom Robinson Cavalcanti, ose

Bispo Robinson Cavalcanti


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Primeiro Capítulo: Uma História em Comum

INTRODUÇÃO
A origem da Igreja está na pessoa histórica de Jesus Cristo, o Messias
prometido a Israel para as nações. A base fundacional da Igreja está na
“pedra” (afirmativa): “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16:16),
expressada por Pedro, representando o pensamento coletivo do Colégio
Apostólico. Sobre essa “pedra” (afirmativa) Ele edificaria a Sua Igreja: “Pois
também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;” (Mt 16:18). Após a
sua vitoriosa ressurreição, Ele soprou sobre os discípulos, dizendo: “Recebei o
Espírito Santo” (Jo 20:22). Esse Consolador prometido – Terceira Pessoa da
Santíssima Trindade – seria derramado sobre os discípulos atemorizados no
Dia do Pentecostes, dando início à Igreja. Cristo é o fundamento, e os
Apóstolos os seus instrumentos de expansão, desde Jerusalém até “os confins
da terra” (At 1:8). Os Apóstolos conviveram com o Senhor por três anos, foram
testemunhas da Ressurreição (Lc 24:48; At 2:32), e receberam a tarefa de dar
continuidade à obra do Senhor (Mt 10:5-14; Mt 28:18-20; Lc 9:1-6).

Os Apóstolos se espalharam por diversas regiões, estabeleceram centros de


irradiação do Evangelho em cidades-chaves, as Sés, ou sedes, lugar das
cátedras, do ensino: as Catedrais. São Marcos, por exemplo, inicia a Igreja de
Alexandria, no Egito, de onde descende hoje a Igreja Copta, e as Igrejas da
Etiópia e da Eritréia, no Leste da África. São Tomé evangeliza em Antioquia, e,
segundo a tradição, chega à Índia. Dele descende hoje as Igrejas Ortodoxas
Antioquinas, Sirianas e Mar Thoma. A primeira fase de expansão foi no
Oriente. As Igrejas Orientais são as primeiras, as mais antigas. Não havia uma
autoridade central, mas a instituição se baseava na colegialidade dos bispos,
metropolitas ou arcebispos (cidades principais) e patriarcas, reunidos em
Concílio, os chamados “Concílios da Igreja Indivisa”.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Os discípulos dos Apóstolos foram chamados de Pais Apostólicos, e os


discípulos destes de Pais da Igreja. Muitos foram Mestres e muitos foram
Mártires. Essa Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica estabeleceu o Cânon
(lista oficial) do Novo Testamento, as doutrinas nucleares, nos Credos
Apostólico e Niceno, o reconhecimento dos dois Sacramentos instituídos pelo
próprio Cristo: o Batismo e a Eucaristia, os primeiros ritos e o estabelecimento
universal do Episcopado como forma de governo eclesiástico, com os Bispos
sucedendo os apóstolos, ao lado das ordens dos Presbíteros e dos Diáconos.
Os Bispos ou eram missionários pioneiros ou eram superintendentes de uma
região (Diocese). Os Presbíteros pastoreavam as comunidades locais
(Paróquias), sob a autoridade do Bispo, e auxiliados pelos Diáconos (estes
voltados prioritariamente para o serviço).

Diferenças culturais, e de aspectos secundários da doutrina, dividiram os


cristãos do Oriente em:
a) Bizantinos (a maioria) sob a liderança espiritual do Patriarca de
Constantinopla (hoje Istambul, na Turquia);
b) Os Pré-Efesianos, ou Nestorianos, que chegaram junto até o
Concílio de Éfeso (431): Igreja Assíria do Leste, que, em seu
apogeu, teve 400 Dioceses;
c) Os Pré-Calcedônicos, que não incorporaram as decisões do
Concílio de Calcedônia (realizado entre 8 de Outubro e 1 de
Novembro de 451): Igrejas Siriana, Armênia, Copta, Etíope,
Mar Thoma (da Índia). Algumas outras Igrejas orientais, como
a Maronita, a Melquita e a Caldéia, séculos depois, se uniriam
à Igreja de Roma, mantendo a sua autonomia, e são
denominadas de “Uniatas”.

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Uma rivalidade maior se estabeleceu entre as Igrejas das duas capitais
imperiais: Constantinopla (depois chamada de Bizâncio), capital do Império
Romano do Oriente, e Roma, capital do Império Romano do Ocidente, a
primeira de cultura grega e a segunda de cultura latina. O Império Romano do
Ocidente foi destruído pelos povos ditos “bárbaros” no século V, concorrendo
para o fortalecimento da Igreja de Roma como força cultural, moral e espiritual
re-aglutinadora, do que seria depois (com hegemonia germânica) denominado
de Sacro-Império Germânico Romano, dando lugar ao papado como poder
político. O Império Romano do Oriente subsistiu por mais mil anos, até o
século XV, com os imperadores mais fortes que os patriarcas, em um sistema
conhecido como césaro-papismo.

Um conflito entre o Ocidente e o Oriente se deu em razão da “cláusula filioque”


no Credo.

No Oriente, a versão original dizia que o Espírito Santo procede do Pai. No


Ocidente, posteriormente, foi acrescentado “e do Filho” (filioque). O Bispo de
Roma nunca foi aceito como chefe pelos bispos e patriarcas de todas as
Igrejas orientais por muitos séculos, mas recebia honorificamente um “primado
de honra”, por ser o Bispo da antiga capital. Seu papel não era maior do que o
do Arcebispo de Cantuária hoje, entre os Anglicanos.

A história difundida no Ocidente até os nossos dias, de que a Igreja de Roma


é a Igreja Original, fundada por Cristo em Pedro, e que todas as outras se
separaram dela, não se sustenta pelas evidências históricas científicas, e
nunca foi aceita pelas Igrejas do Oriente.

Para os historiadores das Igrejas orientais, o Bispo de Roma, Patriarca do


Ocidente, é que se separou dos seus irmãos, não apenas por razões culturais
ou doutrinárias menores, mas por sua pretensão de ser “a” Igreja e ele “o”
“Vigário de Cristo”. Lamentamos que a História da Igreja sob uma perspectiva
dos seus ramos orientais tão antigos seja, em geral, desconhecida no
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Ocidente, e que seminários reformados continuem ensinando a mais do que


questionável versão romana.

Em resumo: a Igreja é fundada por Jesus Cristo, sobre o seu messiado, pelo
poder do Espírito Santo, sob a autoridade dos Apóstolos, e dos seus
sucessores, os Bispos, com a doutrina definida nos Credos deliberados pelos
Concílios da Igreja Indivisa.

OS ANGLICANOS
Os Anglicanos formam o ramo do Cristianismo Histórico que têm suas raízes
na Grã-Bretanha, onde se situa a Inglaterra, cuja região central é denominada
de Anglia, a terra dos anglos. A Grã-Bretanha também inclui a Escócia, Gales,
Irlanda e a Ilha de Man. A Inglaterra (terra dos anglos) foi conquistada pelo
imperador Júlio César no ano 55 a.C., mas Roma levou um século para
dominar toda a Grã-Bretanha, com suas colônias, estabelecimentos militares e
entrepostos militares, em uma era de prosperidade, que durou três séculos. A
Irlanda, a Escócia, Gales, a Ilha de Man e o norte da Inglaterra passaram a ser
habitados, permanentemente, pelo povo Celta, originário da Bulgária, no leste,
e que se expandiu por toda a Europa, fincando raízes nas Gálias (França),
Península Ibérica e Ilhas Britânicas. O sul da Inglaterra conheceu sucessivas
levas de invasores.

Podemos dividir a História da Igreja na Ilhas Britânicas em três fases:


1. A Fase Celta;
2. A Fase Católico-Romana;
3. A Fase Reformada.

A FASE CELTA (Séculos I ao VII)


Não houve nenhum esforço missionário formal, nem das Igrejas do Oriente,
nem da Igreja do Ocidente, para evangelizar as Ilhas Britânicas. Ela foi o

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resultado do esforço dos leigos. Soldados, funcionários civis e comerciantes
cristãos romanos levaram o Evangelho para aquelas ilhas. Também, no ano
70 d.C., dentre os escravos perseguidos nas Gálias (França) que fugiram para
o litoral inglês, estavam grupos de cristãos. Uma tradição atribui à presença de
José de Arimatéia, no primeiro século. Há sítios arqueológicos desse período,
como uma Capela em Kent, uma Igreja em Silchester e a presença, em vários
lugares, de símbolos cristãos, como o XP. Tertuliano afirma a existência da
comunidade cristã britânica no ano 200. Três bispos ingleses estiveram
presentes ao Concílio de Arles, no sul da França, em 314. Não se sabe se
estiveram no Concílio de Nicéia (325), mas Atanásio informa que a Igreja
inglesa se submeteu às suas deliberações.

A realidade é que o povo Celta se converteu ao Cristianismo, e teve o seu


primeiro mártir na pessoa de Santo Albano, sacerdote morto durante a
perseguição do imperador Diocleciano (305). A Irlanda foi marcada pelo
ministério de Patrício e Paládio, a Escócia pelo ministério de Nínian e
Columba, e Gales pelo ministério de Davi.

A Igreja Celta tinha um forte acento místico, ascético e missionário, sendo


influenciado pela contemplação da Igreja Oriental, inclusive pela adoção da
sua versão do Credo. Essa contemplação litúrgica, esse sentir da fé, essa
valorização da natureza, a diferenciava da visão jurídica, filosófica e
institucional da Cristandade euro-ocidental sob Roma. Sua unidade básica era
o mosteiro, com uma área de influência, sob a autoridade de um Abade.
Alguns abades eram bispos, mas a maioria dos bispos era missionária. Com
essas regiões abaciais, eles não conheceram a figura da Diocese, no modelo
romano.

A Igreja Celta funcionou até o século VII como um ramo autônomo do


Cristianismo, se comportando como parte da Igreja Católica (universal), mas
sem vínculos formais ou subordinação à Igreja de Roma.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A partir do século V as regiões sul e centro da Inglaterra foram invadidas por


anglos, saxões e jutos, que a descristianizaram ou re-paganizaram. Foi por
isso que o Papa Gregório Magno, decidiu enviar uma força missionária para
aquelas regiões, formada por 40 monges beneditinos, sob a liderança de
Agostinho, que se estabeleceram na cidade de Cantuária (Canterbury) perto
do litoral. Além do objetivo de re-cristianizar a Inglaterra, aqueles monges
deveriam tentar levar a Igreja Celta a se vincular a Roma, respeitando, tanto
quanto o possível, os seus costumes.

Agostinho foi feito Bispo, bem como o seu companheiro Paulinus, responsável
pelo batismo do rei Dewin, da Nortúmbia, e pela “conversão” da nação. Nessa
época é estabelecido um importante centro monástico na ilha de Iona, sob a
liderança de Santo Aidan.

O período da Igreja Celta autônoma chegou ao fim com a convocação, pelo rei
Oswy, da Nortúmbia, de delegados celtas e romanos, para um Concílio na
cidade de Whitby, em 664, quando os celtas aceitaram a data da Páscoa
romana e se submeteram à autoridade papal, apesar de resistências de vários
líderes, como São Cutberto, Bispo de Lindisfarne (uma histórica Sé celta). O
Papa cria o Arcebispado de York, segundo em honra ao Arcebispado de
Cantuária, e símbolo da herança celta. Não houve uma continuidade de
sucessão apostólica dos bispos celtas. O Episcopado Histórico Anglicano tem
início com Agostinho.

A FASE CATÓLICO-ROMANA (Séculos VII a XVI)


Nos primeiros séculos, após a vinculação com a Igreja de Roma, prosseguiu a
vida tradicional da Igreja Celta, mas a criação das Dioceses e a designação de
bispos, com a evangelização das áreas mais remotas, e uma maior disciplina
para o clero, sendo percebido como líder de toda a Igreja inglesa, foi obra de

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Teodoro de Tarso, titular de Cantuária por 21 anos. Os papas canalizaram o
fervor missionário dos celtas para a evangelização da Alemanha e da
Escandinávia. Politicamente, a Inglaterra não era um país unificado, mas um
conjunto de reinos e feudos, aos quais se ligavam os párocos de aldeia.
Enquanto isso, o monasticismo celta ia adotando a regra beneditina. Os
séculos VII e VIII produziram intelectuais de expressão, como Adelmo, Alcuino
e o Venerável Beda, autor da “História Eclesiástica do Povo Inglês”.

No século IX a Inglaterra foi invadida pelos vikings, que destruíram quase tudo
o que tinha sido construído pela Igreja, saquearam Cantuária e incendiaram a
Catedral. Alguns desses invasores se fixaram na terra concorrendo para o
sincretismo com o cristianismo popular, particularmente a prática de magias.
Ironicamente, enquanto os vikings escandinavos estavam destruindo o
cristianismo inglês, os missionários ingleses estavam evangelizando a
Escandinávia. A resistência aos invasores se fez, principalmente, a partir do
reino cristão de Wessex, liderado pelo rei Alfredo, cujas leis se constituíram na
base do Direito inglês, e que foi denominado de “o protetor dos pobres”. Outro
foco de resistência foi um movimento de reavivamento monástico, liderado por
Dunstam, Abade de Glastombury, e, depois Arcebispo de Cantuária. No
século X a Inglaterra caminhava para uma maior união política, e a Igreja
contava com 18 Dioceses, com todos os cargos paroquiais preenchidos.

Em 1016 a Inglaterra sofreu nova invasão normanda, mas, dessa vez, tendo à
frente um cristão convertido, dinamarquês de nascimento, Cnut, que foi
proclamado rei do país, aprofundou os vínculos dos cristãos ingleses com a
Igreja de Roma, e quebrou o monopólio dos beneditinos, abrindo as portas
para outras ordens e congregações.

Já se afirmou que:

“A conquista normanda deu fim a uma era de sete


séculos de um cristianismo inglês, que tinha nascido na
Britânia romana e tinha passado, sucessivamente,
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

pelas etapas celta, anglo-saxônica e escandinava. Do


tempo de Agostinho em diante, por quatro séculos, a
Igreja Inglesa tinha estado na órbita papal. Na era
normanda, a autoridade papal passaria a ser fortalecida
grandemente...”.

Outro autor, comentando esse período, afirmou:

“...sempre houve uma certa insatisfação na Igreja Inglesa,


por ter que se submeter a uma Igreja estrangeira
(romana). Esta animosidade se intensifica a partir do
décimo segundo século, e dá início a tensões que são
inegáveis. No século XII, por exemplo, o rei Henrique II
limitou o poder do clero inglês, quando lhe proibiu a
possibilidade de apelar a Roma, quando limitou a
autoridade da Igreja em imprimir censuras, e quando
subordinou a permissão ao rei as viagens dos bispos para
o exterior. Em 1164, ficou estabelecido, na Dieta de
Cheredon, que a eleição dos prelados só se faria com a
aprovação do rei, a quem os eleitos antes da sagração
deveriam prestar juramento de vassalagem e fidelidade. O
Ato de Provisão (1351) e o Estatuto Praemunire (1353)
proíbem, respectivamente, a entrada em território
britânico de qualquer bula ou sentença papais, e impedem
a apelação a tribunais eclesiásticos estrangeiros,
declarando ilegítimas todas as nomeações feitas pelos
papas”.

As tensões entre os monarcas e os papas eram uma marca da Europa


daquela época, com o início das consciências nacionais (que resultariam na
criação dos Estados Nacionais) e os sentimentos nacionalistas. Um caso
dramático foi, primeiro, o exílio, e, posteriormente, o assassinato do Arcebispo
de Cantuária Thomas Becket, no reinado de Henrique II.

No século XIII, com a ida para as cruzadas do rei Ricardo, “Coração de Leão”,
assumiu o trono inglês o seu irmão, João, o “Sem Terra”, a que os nobres,
reunidos em Parlamento, forçaram a assinar o histórico documento de direitos,
a “Magna Carta” (1215), onde aparece pela primeira vez a expressão “Igreja
Anglicana”, na cláusula que diz “a Igreja Anglicana será livre”.

Bispo Robinson Cavalcanti


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O século XIV significou um momento de inflexão na história medieval, com o


início da decadência do poder papal, com o chamado “Cativeiro Babilônico”,
com os papas, de 1309 a 1377, prisioneiros dos reis franceses em Avignon
(todos os papas desse período foram franceses...), e o desgaste para a
instituição com um papa em Roma excomungando o Papa de Avignon e vice-
versa. A eleição de um terceiro papa “desempatador” não foi aceita, e somente
com a eleição de um quarto papa, com suficiente respaldo dos poderes
temporais, houve o regresso a um papado unificado, mas desgastado e
fragilizado.

É nesse contexto que a Inglaterra vai ser o lugar para o mais importante
episódio da Pré-Reforma, com John Wycliffe (1328-1384), professor da
Universidade de Oxford, denominado de “a estrela matutina da Reforma”.
Wycliffe teceu fortes críticas à instituição do papado, condenou a simonia
(compra de cargos eclesiásticos) e as indulgências (anistia de pecados
mediante pagamento), negou a doutrina da transubstanciação, defendeu o
confisco dos bens da Igreja pelo Estado, e a necessidade do povo conhecer
as Sagradas Escrituras em sua própria língua, sendo as mesmas o único
fundamento da fé. Suas idéias correram a Europa, e influenciaram Jerônimo,
professor da Universidade de Praga (na Boêmia, província Tcheca) e seu
jovem discípulo Jan Huss, que, apesar de ter conseguido um Salvo Conduto
do Concílio de Constança, foi queimado vivo.

Wycliffe fundou, dentre os jovens alunos de Oxford, oriundos da aristocracia,


uma ordem mendicante, conhecida como os “Lolardos”, que iam pelas aldeias
pregando e distribuindo porções bíblicas, e que foi condenada pelo estatuto
“De Herético Carburendo”, que autorizava a execução dos que não
abjurassem. O movimento, mesmo perseguido, permaneceu clandestino por
cerca de um século e meio, até a Reforma.
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A FASE REFORMADA (Século XVI aos Nossos Dias)


O Sacro-Império Germânico Romano, como unidade política sob a hegemonia
papal, estava se desintegrando sob a força do emergente nacionalismo. O
feudalismo também iniciava o seu declínio. Dentre as forças políticas
medievais, declinavam o Papa, o Imperador e os Barões, e se fortaleciam os
Reis e a nobreza. O próximo passo seria a independência dos países, mas
romper com o Sacro-Império era, também, romper com o papado. A situação
da Inglaterra não era diferente, com a diferença que sua Igreja fora
independente no passado, que sempre tinha mantido uma relativa autonomia,
e que recebera a influência da Pré-Reforma de John Wycliffe.

Ao contrário de Wycliffe, Lutero e os reformadores tiveram a seu favor a


descoberta da imprensa e a conversão do seu inventor, Gutemberg, o que
possibilitaria uma rápida disseminação de suas idéias. As 95 Teses foram
afixadas por Lutero, em Wittemberg, em 31 de outubro de 1517. Já em 1520
as idéias protestantes eram estudadas pelo clero inglês e por professores e
alunos das Universidades de Oxford e Cambridge. Cambridge se tornou,
desde cedo, o epicentro da Reforma Inglesa, com as reuniões de debate se
dando todas as tardes na Taverna do Cavalo Branco.

Por um lado, temos que desmitificar a versão de que “a Igreja Anglicana foi
fundada pelo rei Henrique VIII”, pois, como já se disse: “A Reforma Inglesa
viria com Henrique VIII, sem ele ou contra ele”.

Henrique VIII, a partir de 1509, teve uma gestão positiva como rei, fundando a
primeira escola secundária pública do reino, em um anexo à Catedral de
Cantuária (o “King’s School”), que funciona até hoje. A questão da sucessão
dinástica não era, então, um assunto privado, mas uma questão de segurança
nacional. Anulações de casamentos, por interesse político, já conheciam
precedentes por parte do papado. O que não acontece em seu caso, em razão

Bispo Robinson Cavalcanti


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da sua primeira esposa ser sobrinha do Imperador. O rei era, originalmente,
um devoto católico romano, chegando a escrever um texto para refutar as
posições de Lutero sobre os Sacramentos, recebendo do papa o título de
Defensor da Fé (Defensor Fidei), usado pelos reis ingleses ainda hoje.

O cenário começa a mudar com a posse de Thomas Cranmer como Arcebispo


de Cantuária, em 1533. Cranmer, professor em Cambridge, já tinha aderido ao
Protestantismo, e era um dos componentes do grupo da Taverna do Cavalo
Branco. Ele anula o primeiro casamento do rei, e celebra o novo casamento. O
Parlamento – cheio de nacionalistas – aprova essas medidas. O Parlamento
agora tratando o papa de “o Bispo de Roma, também chamado de Papa”, foi
aprovando uma sucessão de leis de afirmação da autonomia da Igreja Inglesa.
Os mosteiros foram dissolvidos. As terras da Igreja sofreram uma reforma
agrária. Suspendeu-se o envio de impostos para o papa e para o imperador. O
rei recebeu, em 1534, o título de “Governador e Suprema Cabeça da Igreja”. O
Arcebispo de Cantuária é estabelecido como titular da hierarquia. Surgia a
Igreja da Inglaterra como Igreja Nacional.

A Reforma Inglesa se deu por Atos do Parlamento sancionados pelo rei, com o
apoio dos intelectuais e da liderança do clero. Embora a Bíblia (secretamente)
já fosse distribuída desde Wycliffe, no século XIV, agora o povo a demandava
abertamente, o que foi feito com a nova tradução para o vernáculo, liderada
por William Tyndale.

De seus casamentos, o rei Henrique VIII, ao falecer, deixara três filhos, de três
esposas diferentes, que seguiam a religião de suas mães: Eduardo, o mais
velho e Elizabeth, a mais nova, eram protestantes; e Maria, a do meio, era
católica romana.

De 1547 a 1553 reinou Eduardo VI, que, por ser menor de idade, foi
assessorado por regentes, igualmente protestantes, que aprofundaram a
Reforma, com a aprovação pelo Parlamento, em 1549, do Livro de Oração
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Comum (LOC) compilado pelo Arcebispo Cranmer. Os altares de pedra foram


substituídos por mesas de madeira, o celibato clerical foi revogado, o povo
passou a receber a Ceia nas duas espécies, foram retiradas as imagens dos
altares, a Eucaristia deixou de ter um caráter sacrificial, foi abolida as orações
pelos mortos e simplificadas as vestes clericais. São decretados os “Quarenta
e Dois Artigos”, de forte inspiração calvinista.

De 1553 a 1558 reinou Maria, que se reconcilia com Roma, impõe de volta a
religião católica romana, recebendo o epíteto de “a sanguinária”, por ter sido
responsável pela execução de mais de 300 clérigos, dentre eles o Arcebispo
de Cantuária Thomas Cranmer (o pensador principal da Reforma Inglesa) e os
Bispos Latimer e Ridley, queimados vivos na estaca no centro de Oxford. Na
execução, já queimando, o Bispo Latimer gritou para o seu companheiro de
infortúnio: “Conforte-se, mestre Ridley, e seja homem; devemos encarar esse
dia com sendo candelabros da Graça de Deus sobre a Inglaterra, e essa
chama jamais será apagada”.

Segue-se o longo reinado de Elizabeth I, de 1558 a 1603, que rompe, outra


vez, com a Igreja de Roma, edita, em 1559, uma nova versão do Livro de
Oração Comum (LOC), como única liturgia oficial, reduzindo para 39 “Os
Artigos de Religião”. Elizabeth sofre pressão; de um lado, do remanescente
dos restauracionistas pró-Roma, e, do outro, dos “puritanos”, que voltavam do
exílio sob forte influência de expressões mais extremadas da Reforma. Ela se
mantém fiel ao espírito da Primeira Reforma, fazendo o Parlamento aprovar
duas leis fundamentais: O Ato de Supremacia e o Ato de Uniformidade, o que
significaria não voltar para Roma e não ceder às pressões de Genebra. Esse
“estabelecimento elizabethano” forjou a face do Anglicanismo, como Igreja
Católica e Protestante. O principal pensador dessa época, e defensor da “via
média” Anglicana, foi Richard Hooker, autor da obra clássica “Das Leis da
Política Eclesiástica”, 1594.

Bispo Robinson Cavalcanti


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Com a morte de Elizabeth, em 1603, assume o trono o rei Jaime I, da Escócia,


que autoriza a edição da famosa “Bíblia King James”, sendo sucedido, em
1625, por seu filho Carlos I, tentando manobrar no meio do conflito entre
romanistas, elizabethanos e puritanos, todos insatisfeitos, e com seus próprios
projetos.

Uma Guerra Civil tem início em 1642, vencida pelo exército de hegemonia
puritana, que prende o rei Carlos I e o executa, em 1649. A partir de 1643,
todo poder permanece com o Parlamento, que estabelece o presbiterianismo
como religião oficial, e convoca a Assembléia dos teólogos calvinistas para,
reunidos na Abadia de Westminster, redigirem um Guia de Culto, uma
Confissão de Fé e um Pequeno e um Grande Catecismo. Em 1648, Oliver
Cromwell, máximo dirigente militar, dissolve o Parlamento e dá início a uma
ditadura de puritanos, se denominando de “Protetor”. Com sua morte, em
1660, o seu filho Richard não consegue segurar o regime. O Parlamento volta
a funcionar normalmente, chamando para o trono o filho de Carlos I, Carlos II,
restaurando o Episcopado e o Livro de Oração Comum (LOC), retomando a
hegemonia Anglicana.

Perto de sua morte, em 1685, Carlos II abraça o catolicismo, e é substituído


por seu irmão Jaime II, um católico, que pretendia nova vinculação à Igreja de
Roma, o que põe a nação inglesa em ebulição. A aristocracia, respaldada pela
maioria do exército, da burguesia e do povo, entra em contato com a princesa
Maria, filha de Jaime II, casada com o príncipe holandês, Guilherme de
Orange, ambos protestantes, que concordam em derrubar o pai/sogro. Em 18
de dezembro de 1688, o rei Jaime II foge de Londres, e Guilherme e Maria
entram, triunfalmente, no que viria a ser denominada de “A Revolução
Gloriosa”, pelo não derramamento de sangue e pelo alto consenso.

No final do século XVII, 154 anos desde a separação de Roma com Henrique
VIII, após avanços e recuos em várias direções, surge uma nova nação
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

inglesa com uma Monarquia Parlamentarista e uma Igreja Nacional, que, com
pequenos ajustes, restaura o estabelecimento elizabethano. A Igreja na
Inglaterra se torna a Igreja da Inglaterra. O Anglicanismo – católico e
reformado – se torna um ramo específico na Igreja de Cristo.

Fixação de aprendizagem:

1. Qual a importância para o Anglicanismo o fato de termos tido uma


origem antiga entre os Celtas das Ilhas Britânicas?
2. Qual o legado positivo e negativo do nosso vínculo com a Igreja de
Roma entre o Sínodo de Whitby e o Ato de Supremacia?
3. O Anglicanismo, como expressão reformada é resultado de um
homem, um ato ou um processo?
4. É o Anglicanismo Protestante? Justifique.

Segundo Capítulo: Da Igreja da Inglaterra à Comunhão Anglicana

INTRODUÇÃO
Terminamos o século XVII com a Reforma Inglesa consolidada, juntamente
com um país independente e a monarquia parlamentarista. A velha Igreja dos
Celtas, que passara por Roma, se reformara, era outra, e era a mesma, pois
não houve uma ruptura ou uma refundação, mas uma Reforma. Ficaria essa
experiência restrita apenas à Inglaterra?

Acontece que a Inglaterra iniciava uma caminhada na direção de se


transformar no maior império da História, em termos de território e de
população, atingindo o seu apogeu em meados do século XIX com a rainha
Vitória. Fiéis Anglicanos – funcionários civis e militares, comerciantes – iriam
se fazer presente em todo o Império e em países fora do Império, onde a
presença inglesa seria marcante. E Capelanias Anglicanas iriam se
estabelecer nos quatro cantos do mundo, com o envio de clérigos, de início
somente para atender os expatriados.

Bispo Robinson Cavalcanti


20

Dois episódios, contudo, seriam ainda mais marcantes para transformar uma
experiência localizada em um ramo mundial do Cristianismo: a Igreja
Escocesa e as Sociedades Missionárias.

ANGLICANISMO NÃO-INGLÊS
Com a independência do Reino Unido do Sacro-Império Germânico Romano,
e do poder temporal do Papa, o novo país incluía a Inglaterra, Escócia,
Irlanda, Gales, a Ilha de Man e as Ilhas do Canal, também chamadas de Ilhas
Normandas: Jersey e Guernesey. Mas, a Igreja da Inglaterra era apenas a
Igreja da Inglaterra e não a Igreja da Grã-Bretanha, porque a Igreja da Escócia
(sob a influência de John Knox), como Igreja oficial, tinha optado pelo
Presbiterianismo, formando com a Holanda e a Suíça, o trio de países
calvinistas. Algumas Paróquias de ingleses na Escócia foram formadas sob a
autoridade da Igreja da Inglaterra, mas os escoceses de origem Celta, que
apoiaram a reforma inglesa, organizaram o que viria a ser a primeira Província
Anglicana fora da Inglaterra: a Igreja Episcopal da Escócia, com sete
Dioceses, cerca de 5% da população, com seus próprios Cânones, sob a
presidência de um Primus (Arcebispo Primaz) e seu próprio Livro de Oração
Comum (LOC).

Os reis ingleses seriam os reis da Escócia, do ponto de vista político, mas não
seriam “Governadores e Cabeça” da Igreja Episcopal da Escócia, totalmente
Anglicana e totalmente independente, reconhecendo apenas a autoridade
histórica e moral do Arcebispo de Cantuária. A segunda Província também
surgiria de circunstâncias históricas: os Estados Unidos da América.

O Anglicanismo estava presente naquela região desde o final do século XVI, e


era oficial em várias das 13 colônias. Tivemos a Guerra pela Independência,
dois séculos depois, com a derrota dos ingleses. Os norte-americanos leais à
Coroa (cerca de 50 mil) se mudaram para New Brunswich, no Canadá, para
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

continuarem como súditos britânicos. E agora, o que fazer com os Anglicanos,


pois os Bispos e o Clero não mais poderiam, no Rito de suas Ordenações,
jurar lealdade ao rei e às leis inglesas? Uma assembléia de Anglicanos na
América elegeu o reverendo Samuel Seabury para ser o seu primeiro Bispo,
fato recusado pelos bispos ingleses. A solução foi apelar para a Igreja
Episcopal da Escócia. Em 14 de novembro de 1784, três bispos escoceses
Sagraram Samuel Seabury como primeiro Bispo da nova Igreja Protestante
Episcopal dos Estados Unidos da América (PCUSA), como seria denominada
a segunda Província Anglicana não-inglesa.

A Coroa inglesa havia imposto o Anglicanismo como Igreja Nacional tanto na


Irlanda quanto em Gales. Acontece que na Irlanda os Anglicanos nunca
passaram de 10% da população, com um norte de maioria presbiteriana e um
sul de maioria católica romana. O sul se tornaria, na primeira metade do
século XX, um país independente: a República da Irlanda (Eire) e o norte
(Ulster) uma região autônoma do Reino Unido. Isso levou a revogação do
Anglicanismo como religião oficial e a criação de uma Província Anglicana
única para todo o país: a Igreja da Irlanda, sob a Sé primacial de Armagh. Em
Gales, como a Escócia e Irlanda, culturalmente de origem Celta, com o
avivamento Metodista, primeiro, e o secularismo, em seguida, os Anglicanos
ficaram com cerca de 4% da população, renunciaram ao status de religião
oficial e se organizaram em uma Província: a Igreja de Gales, com seis
Dioceses.

A Igreja da Inglaterra seria a religião nacional da Inglaterra, Man, Jersey e


Guernesey, e responsável pelos Capelães espalhados pelo mundo, dentro e
fora do Império. A Escócia, os Estados Unidos, a Irlanda e Gales seriam
Províncias Anglicanas, mas não-inglesas, com sua autonomia.

Bispo Robinson Cavalcanti


22
A Igreja da Inglaterra nunca organizou uma Junta de Missões Estrangeiras,
para alcançar os nativos sob império ou sob outras bandeiras, e, muitas vezes,
a autoridade imperial proibiu a evangelização de algumas áreas. A expansão
missionária foi resultado do esforço voluntário de agências missionárias,
organizadas por clérigos e leigos, porém, sob a chancela da Igreja (hoje são
14), principalmente no século XIX, sendo a mais antiga a SPG (Sociedade
para a Propagação do Evangelho), depois USPG, anglo-católica, seguida da
CMS (Sociedade Missionária da Igreja), e da SIM (Missão ao Interior do
Sudão), evangélicas, e tantas outras, que escreveram páginas heróicas na
África, Ásia, Oceania e Caribe, inclusive em áreas sob colonização francesa,
belga e portuguesa, ou em países independentes, como a China.

CRIANDO UMA COMUNHÃO: A EXPANSÃO MUNDIAL


O Anglicanismo, de forma paradoxal, é antigo e muito novo. É antigo porque é
herdeiro de dois mil anos do Cristianismo Celta nas Ilhas Britânicas. É novo
porque sua organização internacional tem pouco mais de um século.

Do século XVI ao século XIX havia a – reformada e estatal – Igreja da


Inglaterra, a Igreja Episcopal da Escócia e a Igreja Protestante Episcopal dos
Estados Unidos, cada um vivendo a sua vida, centrada nas suas Dioceses,
com seus Bispos, seus Livros de Oração Comum (LOC), seus Cânones, seu
Clero, suas Paróquias e seus fiéis. O Episcopado era quase-monárquico e os
Sínodos compostos apenas pelos Bispos. Com a Convenção Geral da PCUSA
e o Sínodo Geral da Escócia, se vai introduzindo a representação do clero e
do laicato, na direção da sinodalidade, segundo as heranças das Igrejas do
Oriente e dos outros ramos reformados.

O Arcebispo de Cantuária presidia a província interna (com p minúsculo) de


Cantuária (sul e centro da Inglaterra), enquanto o Arcebispo de York presidia a
província de York (região norte da Inglaterra), ambos – juntamente com os
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

titulares das Sés mais antigas – integrando a Câmara dos Lordes. Apenas no
século XX foi criado um Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra, para ambas as
províncias internas, com o Arcebispo de Cantuária como presidente e o
Arcebispo de York como vice-presidente. Enquanto isso, os Capelães no
exterior se subordinavam ao Bispo de Londres (terceira figura na hierarquia
anglicana). Ser Anglicano, então, era partilhar de uma herança e reconhecer o
Arcebispo de Cantuária como representante simbólico de unidade e
identidade.

O termo “Comunhão Anglicana” somente passou a ser usado a partir de 1850.

Um conflito entre Bispos na África do Sul (então colônia inglesa) convenceu o


Arcebispo de Cantuária de então, Charles Longley, de convidar os demais
Bispos do mundo Anglicano (que não eram muitos) para uma consulta no
Palácio de Lambeth, sua residência oficial (que não fica em Cantuária,
condado de Kent, onde ele tem um apartamento no "Palácio Velho”, mas em
Londres), quando poderiam trocar informações e idéias sobre aquela situação
e sobre o panorama geral da Igreja. Isso veio a ocorrer em 1867, com a
presença de apenas 76 bispos, a ausência do Arcebispo de York, e a crítica
impiedosa da imprensa inglesa, que achava ser aquela reunião uma perda de
tempo, um “chá de bispos...”.

Novas reuniões se repetiram a partir de 1878, a cada década, nos anos


terminados em 8, e sempre a convite do Arcebispo de Cantuária, agindo como
um “primus inter pares”, com uma adesão cada vez maior de Bispos, que
perceberam a sua importância, passando a ser denominadas de “Conferências
de Lambeth”, tida, com o lado do Arcebispo de Cantuária, como mais um
Instrumento de Unidade da nascente Comunhão Anglicana.

As Conferências de Lambeth nunca foram consideradas um Sínodo ou um


Concílio, com poder para emitir decretos, pelo fato de a Comunhão Anglicana

Bispo Robinson Cavalcanti


24
não ter jurisdição sobre as Províncias e Dioceses, autônomas e
interdependentes, mas, como fórum maior e principal as suas Resoluções
passaram a ter um grande peso moral, e dar as coordenadas da vida da
instituição, além do valor dos textos teológicos e éticos por elas produzidos,
que constituem em um acervo docente de inestimável valor no conjunto da
Cristandade.

Nas primeiras décadas do século XX, vários dos antigos “Domínios” britânicos
se tornaram países independentes, e as suas Igrejas Anglicanas se reuniram
em novas Províncias: Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul. Depois
da Segunda Guerra Mundial, o processo de descolonização foi estendido aos
países da África, Ásia, Oceania e Caribe, multiplicando-se o número de
Dioceses e surgindo novas (e, inicialmente, imensas) Províncias. Depois da
descolonização, com um clero nativo e um forte processo de inculturação, se
verificou uma verdadeira “explosão” no crescimento Anglicano, particularmente
na África, sendo hoje a Nigéria a maior Província em número de membros.

A consciência de ser minoria divididas e fragilizadas em países solidamente


hinduístas, budistas ou islâmicos, e a influência do Movimento Ecumênico,
levou denominações asiáticas a um busca orgânica e institucional pela
unidade. Anglicanos, Metodistas, Presbiterianos e Congregacionais se
fundiram nas Igrejas Unidas: Sul da Índia, Paquistão e Bangladesh. Somem-
se, também, Luteranos, Batistas e Irmãos Livres na Igreja Unida do Norte da
Índia. Todas adotaram o Episcopado Histórico, e, uma vez consolidadas, se
filiaram à Comunhão Anglicana. Os seus Primazes são chamados de
Moderadores (tradição presbiteriana).

Na China, com a Revolução Comunista, em 1948, todas as denominações


protestantes foram forçadas a se integrarem em uma única Igreja pós-
denominacional: O Conselho Cristão/Movimento Patriótico dos Três Autos
(auto-governo, auto-sustento, auto-propagação), os bispos, clero, fiéis e
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

instituições da então Igreja Anglicana deram uma grande contribuição para a


nova entidade. Continua a haver a Diocese Anglicana em Taiwan (ligada à
TEC), enquanto Hong Kong (com Macau) formam a mais nova Província da
Comunhão Anglicana.

Dois outros países, com história própria, que vieram a se integrar ao


Anglicanismo foram: Portugal e Espanha. Ali, depois do Concílio Vaticano I
(1870) da Igreja de Roma, e o decreto da infalibilidade papal, em movimento
simultâneo aos Vétero-Católicos, sacerdotes e leigos procuram criar uma
Igreja Católica, reformada e nacional, resgatando as tradições autonomistas
celtas havidas séculos antes (o “rito mossáribe”, na Espanha; o Concílio de
Elvira, em Portugal). O resultado foi a fundação da Igreja Episcopal Reformada
Espanhola e da Igreja Lusitana – Católica, Apostólica, Evangélica, que não
receberam apoio da Inglaterra, tiveram seus primeiros bispos, finalmente,
Sagrados pelo Episcopado da Igreja da Irlanda, sendo aceitos, na segunda
metade do século XX, como Dioceses Extra-Territoriais à Sé de Cantuária.

A América Latina, embora tendo Capelanias em quase todos os países, desde


o início do século XIX (a maioria sob a autoridade do Bispo das
Malvinas/Falkland), foi o continente onde a evangelização anglicana foi mais
tardia e mais débil. Em parte isso se deve à decisão da primeira Conferência
Missionária, realizada em Edimburgo, na Escócia, que exclui nosso continente,
considerado já um “continente cristão” (desconhecendo o caráter nominal e/ou
sincrético de nossas massas). Uma minoria inconformada foi responsável pelo
Congresso do Panamá, de 1916. No caso do Anglicanismo, este somente
deveria existir para servir cidadãos estrangeiros ou, como aconteceu,
posteriormente (Argentina, Chile, Paraguai etc.) para a evangelização de tribos
ameríndias. O quadro começou a mudar mais significativamente na segunda
metade do século XX, e hoje já temos (mesmo numericamente pouco
expressivas) Dioceses Anglicanas em todos os países da América Latina.

Bispo Robinson Cavalcanti


26

ORGANIZAÇÃO: OS INSTRUMENTOS DE UNIDADE1


Na segunda metade do século XIX surgia a Comunhão Anglicana com dois
Instrumentos de Unidade: o Arcebispo de Cantuária, como figura simbólica, e
a Conferência de Lambeth, como fórum mundial.

As Conferências de Lambeth (que duram, em média, três semanas, e são


precedidas pelo estudo dos documentos temáticos), convocadas e presididas
pelo Arcebispo de Cantuária, se reuniram no Palácio de Lambeth até 1958.
Com o crescimento do número de Bispos, foi realizada em 1968 na Church
House, sede da Igreja da Inglaterra, e desde 1978 passou a ter lugar na
Universidade de Kent, perto da Catedral de Cantuária, com apenas uma
recepção no Palácio de Lambeth, oferecida pelo Arcebispo de Cantuária, e um
chá no Palácio de Buckingham, a convite do(a) soberano(a) inglês(a).

Um importante marco, na construção da Comunhão Anglicana, foi a


Conferência de Lambeth de 1908, que foi precedida por um “Congresso Pan-
Anglicano”, com a presença de 7.000 delegados clericais e laicos de várias
partes do mundo. Percebeu-se a necessidade de que algo fosse feito no
interregno longo (10 anos) entre cada Conferência. Foi criado um comitê que,
por carência de verbas, se reunia raramente. Um Secretário Executivo (hoje
denominado Secretário Geral) foi contratado, por decisão da Conferência de
1958, para, em tempo integral, assessorar o Arcebispo de Cantuária nas
questões internacionais. A Secretaria Geral tem seus escritórios na St.
Andrew's House, perto do Palácio de Lambeth.

1
Os quatro "Instrumentos de Unidade": Arcebispo de Cantuária, Conferência de
Lambeth, Conselho Consultivo Anglicano e Encontro dos Primazes, passaram a ser
denominados, recentemente, de “Instrumentos de Comunhão".
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A Conferência de 1968, por sua vez, criou o Conselho Consultivo Anglicano


(ACC), formado por bispos, clérigos e leigos, que se reuniria nos intervalos
das Conferências para compartilhar informações, promover pesquisas e
relações ecumênicas, criar redes temáticas, assessorar em questões
institucionais, particularmente na criação de novas Províncias (que requerem,
pelo menos, três Dioceses autônomas). O ACC passou a ser o terceiro
Instrumento de Unidade.

Finalmente, um quarto Instrumento de Unidade foi criado pela Conferência de


Lambeth de 1978, por proposta do então Arcebispo de Cantuária, Donald
Coggan: o Encontro dos Primazes (Bispos Presidentes de cada Província),
para “refletir, orar e realizar consultas profundas”. O Encontro dos Primazes
vem se realizando cada vez com mais freqüência, e esse foro de líderes vem
adquirindo importância cada vez maior para a condução da Comunhão
Anglicana, embora não seja, exatamente, um “Colégio de Cardeais...”.

Até 1988, apenas os Bispos Diocesanos (titulares) eram convidados para as


Conferências de Lambeth. Por decisão do Arcebispo George Carey, a
Conferência de 1998 também incluiu os Bispos Coadjutores (auxiliares com
direito a sucessão) e Bispos Sufragâneos (auxiliares sem direito a sucessão),
excluindo-se apenas os aposentados e resignatários, o que aumentou, em
muito, o número de participantes, e os custos do evento. A esposa do
Arcebispo de Cantuária, Sra. Eileen Carey, organizou uma “Conferência para
Cônjuges”, de inegável conteúdo e valor.

Hoje há 38 Províncias constituindo a Comunhão Anglicana, composta de cerca


de 800 Dioceses, presentes em 164 países, com mais de 77 milhões de
membros. Algumas Províncias são formadas por um só país como, por
exemplo, a Nigéria, e outras são constituídas por vários países, como a

Bispo Robinson Cavalcanti


28
Província Sul-Africana: África do Sul, Lesotho, Suazilândia, Namíbia,
Moçambique e Angola.

São as seguintes as Províncias da Comunhão Anglicana:

1. África Central; 14. Filipinas; 27. Nova Zelândia;


2. África Ocidental; 15. Gales; 28. Oceano Índico;
3. América Central; 16. Hong Kong; 29. Papua-Nova Guiné;
4. Austrália; 17. Índias Ocidentais; 30. Paquistão;
5. Bangladesh; 18. Inglaterra; 31. Quênia;
6. Brasil; 19. Irlanda; 32. Ruanda;
7. Burundi; 20. Japão; 33. Sudão;
8. Canadá; 21. Jerusalém e Oriente Médio; 34. Sudeste da Ásia;
9. Cone Sul; 22. Melanésia; 35. Sul-Africana;
10. Congo; 23. México; 36. Sul da Índia;
11. Coréia; 24. Myanmar; 37. Tanzânia;
12. Escócia; 25. Nigéria; 38. Uganda;
13. Estados Unidos; 26. Norte da Índia;

Alguns países são Dioceses Extra-Provinciais (não fazem parte de uma


Província): Portugal, Espanha, Bermudas e Sri Lanka.

Um grupo de países forma a IX província interna da Igreja Episcopal (dos


Estados Unidos/TEC): Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti,
Honduras, Porto Rico, Venezuela, Taiwan e Ilhas Virgens. Cuba é Extra-
Provincial sob um triunvirato de Primazes: Canadá, Estados Unidos e Índias
Ocidentais.

A Diocese de Gibraltar é a Sé das Paróquias da Igreja da Inglaterra no


continente europeu. Embora haja uma superposição de jurisdições, não
apenas em relação a Portugal (Igreja Lusitana) e Espanha (IERE), mas as
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Paróquias norte-americanas formam uma Convocação (status inferior a


Diocese) com um Bispo em Paris.

Uma marca da presença anglicana tem sido a construção de uma imensa rede
de obras sociais, muitas vezes pioneiras e únicas, particularmente no campo
da saúde e da educação (nos três níveis). Uma das primeiras universidades
norte-americanas foi o nosso “William and Mary College”, e a pequena
Província de Hong Kong (com Macau) possui hoje cerca de 100
estabelecimentos escolares. Muitos líderes das ex-colônias estudaram em
Escolas da Igreja, enquanto nos Estados Unidos, doze presidentes da
república foram Anglicanos, começando com George Washington (ex-primeiro
guardião da sua Paróquia) até Gerald Ford. Na África do Sul, o nosso então
Primaz, Arcebispo Desmond Tutu, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz,
por seu papel no combate ao regime racista do “apartheid” e na reconciliação
do país democrático e pluriracial.

ANGLICANOS FORA DE CANTUÁRIA?


Dos séculos XVI a XIX o Anglicanismo manteve-se totalmente unido, em sua
diversidade interna quanto ao não essencial. Enquanto o período 1850-1950
marca a história do protestantismo (particularmente o norte-americano) com a
trágica fragmentação de denominações e sub-denominações, o Anglicanismo
apenas conheceu dois cismas localizados e de reduzida expressão: a Igreja
Episcopal Reformada (nos EUA) e a Igreja Anglicana da África do Sul (CESA),
ambas evangélicas, da “Igreja baixa”, que, desvinculando-se de comunhão
com Cantuária, se mantiveram fiéis a herança Anglicana em tudo o mais,
particularmente no Livro de Oração Comum (LOC) e no Episcopado Histórico.

Na segunda metade do século XX, as controvérsias sobre a Ordenação


feminina (anos 80) e sobre a Ordenação de homossexuais praticantes (anos
90), especialmente nos EUA, viram surgir o chamado “Movimento Anglicano

Bispo Robinson Cavalcanti


30
Continuante”, que não se manteve unido, mas, lamentavelmente, tem-se
subdividido em dezenas de jurisdições autônomas, a maioria de corte anglo-
católico. Um outro fenômeno católico reformado (também nos EUA) foi o
“Movimento de Convergência”, reunindo católicos romanos, católicos
nacionais, anglicanos, protestantes históricos e protestantes pentecostais,
criando duas jurisdições principais: a Igreja Episcopal Carismática (que não
ordena mulheres) e a Igreja Episcopal Evangélica (que as ordena), e que hoje,
em crise de identidade, têm suas Paróquias, em número cada vez maior,
migrando para Províncias da Comunhão Anglicana ou para Igrejas Anglicanas
Continuantes.

Especula-se que o número total de anglicanos não em comunhão com a Sé de


Cantuária, em todo o mundo, aproxima-se de um milhão. A Conferência de
Lambeth de 1998 votou uma resolução na direção do diálogo e da
reconciliação com esses grupos, o que foi feito em alguns países,
principalmente pelo movimento “Parceiro Por Uma Causa Comum”, hoje co-
participantes (alguns) do processo de realinhamento por que passa a
Comunhão Anglicana.

CONCLUSÕES
Em um século e meio a Comunhão Anglicana estava estabelecida em 164
países. A expansão continua. Muitas Províncias e Dioceses, desde a “Década
do Evangelismo”, votada pela Conferência de Lambeth de 1988, têm
priorizado a expansão missionária, visando os povos não alcançados, em seus
países e em outros países. A Província do Leste da Ásia, por exemplo, tem
enviado missionários para a Indonésia, Tailândia, Vietnam, Laos, Camboja e
Nepal, e a Província da África Ocidental já está evangelizando em países
vizinhos, como a Guiné-Bissau. Em breve teremos Dioceses em novos países.

Com a crise do secularismo no hemisfério norte, e o rápido crescimento no


hemisfério sul, estamos testemunhando um deslocamento no eixo e no
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

epicentro da Cristandade, que é uma realidade muito clara no Anglicanismo, e,


em parte, responsável por sua crise atual, cujo novo desenho institucional
ainda está, com todas as dificuldades, sendo escrito. Um comentarista
observou que um “anglicano típico” é uma mulher, não-branca, com menos de
30 anos de idade, vivendo nas periferias pobres do Terceiro Mundo.

A Comunhão Anglicana vive uma dolorosa crise institucional, mas o


Anglicanismo, como proposta, conhece um dos seus mais dinâmicos
momentos.

Fixação de aprendizagem:

1. O que teria acontecido com o Anglicanismo se não tivesse havido a


Igreja Episcopal Escocesa?
2. A Comunhão Anglicana teria existido sem o Império Britânico?
3. É válida a afirmação: o Anglicanismo é missionário?
4. Como você vê o papel dos Instrumentos de Unidade/Instrumentos de
Comunhão?

Terceiro Capítulo: A Doutrina

INTRODUÇÃO
Define um dicionário o conceito de Doutrina como: “Conjunto de princípios em
que se baseia um sistema religioso, político ou filosófico”. Na realidade, toda
instituição possui uma doutrina, seja escrita, seja costumeira, elas se
constituem e operam a partir de um núcleo de idéias compartilhadas por seus
membros. Sem doutrinas não haveria identidade, organização ou propósitos.
Não haveria a instituição.

Há, nessa construção (no caso religioso) um elemento subjetivo racional: o


pensamento elaborado; um elemento subjetivo místico: a fé, a crença; e um
elemento objetivo sistematizado: os textos dos Credos, das Confissões, dos

Bispo Robinson Cavalcanti


32
Catecismos e outros. Pensa-se o que se crê, e se crê no que se pensa. Na
Idade Média tivemos a controvérsia entre Anselmo e Abelardo sobre o que
viria primeiro: o entendimento ou a crença. As fórmulas seriam: “Creio porque
entendo”, ou “Entendo porque creio”. Na realidade, vive-se uma permanente
dinâmica no processo de crença e de compreensão da fé.

Embora, como cristãos, creiamos que a mente humana é finita para apreender
toda a compreensão sobre o Sagrado, e a partir do Sagrado sobre a Criação,
cremos, também, que a imago dei (imagem de Deus) nos dotou de razão para
apreender o suficiente. Se a mente caída gera reflexões distorcidas, ou falsas,
a mente iluminada readquire possibilidades de verdade, pois, como nos diz o
apóstolo Paulo “temos a mente de Cristo”.

Sendo o Anglicanismo um ramo histórico da Igreja de Jesus Cristo, nossa


doutrina é, em muito, compartilhada com os demais ramos. Sendo o
Anglicanismo, também, uma Igreja Reformada, nossa doutrina é, em muito,
compartilhada com outras Igrejas Reformadas. Mais ainda, sendo a Igreja
Cristã, por seu fundamento Jesus Cristo, a culminação das profecias
messiânicas e povo da Nova Aliança, do segundo e Novo Testamento, não
começamos o nosso corpo doutrinário do zero, mas somos herdeiros de
conceitos elaborados pelo povo da Antiga Aliança, do Antigo Testamento, os
hebreus.

Há, no cenário religioso, doutrinas de negação, como o ateísmo; doutrinas de


indiferença, como o agnosticismo; e doutrinas de outras matrizes, como o
politeísmo, o panteísmo ou o animismo. Em nosso caso, somos uma religião
de revelação: Deus se comunica com o seu povo, se des-vela, se re-vela,
transmite, explica, preceitua, exorta. Essa tradição semítica é conhecida como
“o Povo do Livro”.

Não sendo apenas um apêndice ou uma seita judaica, mas se vendo como um
desdobramento peculiar, o Cristianismo elabora novas doutrinas, a partir das
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

velhas doutrinas. Ao interagir com o mundo greco-romano, entra em contato


com outras formas de pensar e outros conceitos, não mais apenas o que
chamaríamos de Teologia, mas da Filosofia. Eles foram úteis para a
sistematização doutrinária e para a sua explicação, defesa e contra-ataque em
relação ao paganismo, aos cultos de mistério e às seitas heréticas, na tarefa
conhecida como Apologética.

Quando um Diácono, Presbítero ou Bispo vai ser Ordenado ou Sagrado, e um


Conselho de Missão ou Junta Paroquial empossada, há o compromisso,
dentre outros de “conformação à Doutrina” da Diocese, Província ou da
Comunhão Anglicana. Esse ato, que é falado e subscrito, pressupõe duas
coisas: 1. Que o Anglicanismo tem uma Doutrina; 2. Que a pessoa a conhece
e está sendo sincera em expressar o seu compromisso de conformação, de
adequação, de crer, viver e promover a Doutrina.

Em que consistiria a Doutrina Anglicana?

O LIVRO
Somos herdeiros do Antigo Testamento. Sendo ele uma revelação –
conquanto de destinação universal – entregue ao povo hebreu, a Igreja
sempre acreditou que o Cânon, ou conjunto de livros do Primeiro Testamento
deveria ser definido pelas lideranças religiosas do povo hebreu, a partir da
vivência histórica da sua fé. Assim, aceitamos as decisões do Concílio de
Jamnia, ano 70 d.C., no estabelecimento, pelos hebreus, desse Cânon de 39
Livros, incluindo a Lei (Torah), ou livros históricos, os livros proféticos e a
literatura sapiencial. Muito da literatura religiosa judaica foi então descartada, e
outros livros reconhecidos apenas como úteis para a instrução e a devoção,
mas sem o mesmo status dos demais. Esses Livros foram incluídos no Cânon
da Igreja de Roma, no século XVI, pelo Concílio de Trento (1546).

Bispo Robinson Cavalcanti


34
Essa posição, sustentada, inclusive por Jerônimo, o tradutor da Vulgata (Bíblia
em Latim), foi mantida pelas Igrejas da Primeira Reforma (Anglicanos e
Luteranos): “a Igreja os lê para exemplo de vida e instrução de costumes, mas
não os aplica para estabelecer doutrinas” (VI Artigo de Religião). Algumas
Províncias da Comunhão Anglicana os põe no Lecionário, mas, após a leitura
em público não se diz: “Palavra do Senhor”, mas, “Aqui termina a Lição” ou
“Aqui termina a Leitura”.

A Igreja, iluminada pelo Espírito Santo, e tomando decisões baseadas em


critérios, como antiguidade, coerência e consenso, estabeleceu o Cânon do
Novo Testamento, de 27 Livros, acatados por toda a Cristandade: Oriental,
Ocidental e Reformada.

Em seu Rito de Ordenação, o Anglicanismo requer dos seus ministros a


crença nas Escrituras Canônicas do Antigo e do Novo Testamento como a
Palavra de Deus, e que nelas se contêm todas as coisas necessárias para a
salvação.

A Bíblia, apesar de escassa e em língua latina (com um povo de maioria


analfabeta) esteve presente e foi reverenciada nos períodos Celta e Católico
Romano do Cristianismo nas Ilhas Britânicas; foi defendida, traduzida e
distribuída na Pré-Reforma do século XIV por John Wycliffe e os Lolardos; e
seria popularizada no vernáculo, ocupando um lugar central, a partir da
Reforma do Século XVI.

O VI dos XXXIX Artigos de Religião expõe a posição que o Anglicanismo


mantém até hoje: “As Escrituras Sagradas contêm todas as coisas
necessárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por
ela se pode provar não deve ser exigido de pessoa alguma que seja crido
como artigo de Fé ou julgado como exigido ou necessário para a salvação.
Pelo nome de Escrituras Sagradas entendemos os Livros canônicos do Antigo
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

e do Novo Testamentos, de cuja autoridade jamais houve qualquer dúvida na


Igreja”.

Esse artigo de fé é central para caracterizar o caráter também Reformado ou


Protestante do Anglicanismo: a centralidade e a supremacia da Bíblia como
fonte de Revelação e regra de fé e de vida.

Contemporaneamente, o documento conhecido como o “Quadrilátero de


Lambeth”, deliberado pela Conferência de Lambeth de 1888, tem como seu
item primeiro: “As Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento como
contendo todas as coisas necessárias para a salvação, e como sendo a regra
e o padrão último de fé”. O Arcebispo de Cantuária, Donald Coggan, afirmou:
“a Bíblia é o livro através do qual, e através de nenhum outro, o Espírito de
Deus fala ao homem”.

O Relatório da Virgínia nos diz que: “Os Anglicanos afirmam a autoridade


soberana das Sagradas Escrituras como o meio através do qual Deus, pelo
Espírito Santo, comunica a sua palavra à Igreja, e, conseqüentemente,
capacita as pessoas a responder com compreensão e fé. As Escrituras são
testemunho singularmente inspirado da revelação divina... (e) norma
fundamental de fé e de vida”. Essa autoridade das Escrituras e o seu lugar
singular na Doutrina Anglicana foi reafirmada por várias Conferências de
Lambeth, inclusive pela última, de 1998 (Resolução III.1) e pelo Relatório de
Windsor, de 2005.

Apesar de históricas divergências entre correntes internas do Anglicanismo


sobre regras de interpretação, e da negação da visão histórica por pensadores
dentro e fora do Anglicanismo, essa é a nossa posição oficial e amplamente
majoritária. Concordamos com o Rev. Aquino, em sua obra Anglicanismo:
Uma Introdução, quando sustenta que: “...a credenda da Igreja, o que ela crê,

Bispo Robinson Cavalcanti


36
e a agenda da Igreja, o que ela faz, precisam basear-se na Bíblia, sob pena de
transformar-se apenas em pios e infrutíferos clubes religiosos”.

A Igreja Anglicana é uma Igreja Bíblica!

CREDOS E CONFISSÕES
Herdamos da revelação hebraica – o Antigo Testamento – a crença
monoteísta, ou seja, em um só Deus, criador de todas as coisas, soberano,
que se comunica, que intervém na História dos povos e dos indivíduos, que
prometeu um Messias, que requer louvor e adoração, que responde às
orações e que tem a proposta de um Reino.

Tendo que enfrentar as correntes judaizantes, a influência pagã que a


cercava, e as seitas e heresias que surgiam periodicamente, com as crenças
as mais exóticas, aprouve à Igreja dos primeiros séculos, reunida em Concílios
e buscando a iluminação do Espírito Santo, definir o núcleo central da Doutrina
cristã em documentos como o Credo Apostólico e o Credo Niceno, adotados,
por séculos (salvo a cláusula filioque) por todos os ramos históricos da
Cristandade, antes e depois da Reforma.

O segundo item do “Quadrilátero de Lambeth” afirma: “O Credo Apostólico


como símbolo batismal e o Credo Niceno como declaração suficiente da fé
cristã”.

E que doutrinas estão contidas nesses Credos?

O Credo Apostólico, com início no século II, e redação final no século IV, à
base do sagrado depósito da fé dos Apóstolos e dos Pais Apostólicos, afirma:
1. O monoteísmo, de um Deus criador e Todo-poderoso;
2. O trinitarismo, do Pai, do Filho e do Espírito Santo;
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

3. A encarnação e o nascimento virginal do Jesus Cristo histórico, sua


crucificação, morte e sepultura sob Pôncio Pilatos (pró-consul romano
na Palestina);
4. A ressurreição e a ascensão de Jesus Cristo ao Céu;
5. O retorno de Jesus Cristo para julgar os vivos e os mortos;
6. A Igreja, como comunhão dos santos;
7. A remissão dos pecados;
8. A ressurreição do corpo;
9. A vida eterna.

O Credo Niceno foi aprovado pelo Concílio de Nicéia, em 325 d.C., e revisado
pelo Concílio de Constantinopla, em 381 d.C., daí ser chamado de Credo
Niceno-Constantinopolitano; aprofunda as doutrinas do Credo Apostólico,
especialmente as duas naturezas (divina e humana) de Jesus Cristo e o papel
do Espírito Santo. A expressão “e do filho” (cláusula filioque) somente foi
introduzida pelo Concílio de Toledo, na Espanha, em 589 d.C., sendo uma das
causas da divisão entre o Oriente e o Ocidente, e a expressão “Reconheço um
só batismo para remissão de pecados” tem sido entendida como o “batismo
com o Espírito Santo” que ocorre na conversão de todos os fiéis.

Um outro documento importante, que tem sua redação inicial no século IV e


sua redação final no início do século VI foi o Credo Atanasiano, reforçando a
cristologia da trindade e das duas naturezas, contra as heresias dos
sabelianos, dos apolinarianos e dos arianos. Esse Credo foi estudado ao longo
dos séculos, e consta como autoritativo, por quase todas as Confissões de Fé
da Reforma, com exceção da Confissão de Westminster.

Os Credos foram usados para definir as doutrinas e para ensinar os fiéis,


especialmente na preparação para o Batismo e para a Confirmação (Crisma,

Bispo Robinson Cavalcanti


38
Profissão de Fé). Eles eram a base para os Catecismos, textos simplificados,
em forma de perguntas e respostas, como instrumentos de popularização dos
ensinos cristãos.

Os séculos XVI e XVII, com o surgimento do Protestantismo, foram marcados


por um confessionalismo, a redação de Confissões de Fé, tanto por Luteranos
quanto por Calvinistas (Westminster, Augsburgo, Helvética etc.), aprofundando
e atualizando os Credos, com ênfases maiores na autoridade das Sagradas
Escrituras e na Salvação pela Graça mediante a fé em Jesus Cristo. O
Anglicanismo optou por uma Confissão mais concisa – os XXXIX Artigos de
Religião – o suficiente para afirmar o seu caráter católico e reformado, o
diferenciando da Igreja de Roma, dos Luteranos, dos Calvinistas e dos
Anabatistas, evitando definir aspectos da fé tidos como mistério (como o
significado da “presença real” de Cristo na Eucaristia).

Os XXXIX Artigos de Religião, de 1562, tratam, dentre outros, dos seguintes


temas: Da Fé na Santíssima Trindade, da Descida de Cristo ao Hades, da
Ressurreição de Cristo, do Espírito Santo, da Suficiência das Escrituras
Sagradas para a Salvação, dos Credos, do Pecado Original, do Livre Arbítrio,
da Justificação do Homem, das Boas Obras, das Obras de Superrogação, de
Cristo único sem Pecado, do Pecado depois do Batismo, da Predestinação e
Eleição, da Obtenção da Salvação Eterna Unicamente Pelo Nome de Cristo,
da Igreja, da Autoridade da Igreja, da Autoridade dos Concílios Gerais, da
Ministração na Igreja, da Língua Vernácula no Culto, dos Sacramentos, do
Batismo, da Ceia do Senhor, da Única Oblação de Cristo Consumada na Cruz,
do Casamento dos Ministros, das Tradições da Igreja, das Homilias, da
Consagração de Bispos e Ministros, do Juramento de Um Cristão.

Embora nem todas as Províncias da Comunhão Anglicana requeiram a


subscrição dos XXXIX Artigos de Religião, este se constitui no mais importante
documento doutrinário do Anglicanismo, todos os documentos posteriores têm
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

se harmonizado com ele, e sua influência se projeta no conjunto do


Cristianismo: um exemplo – as Bases de Fé da maior denominação
protestante do Chile, a Igreja Metodista Pentecostal, formada por 20 dos
nossos 39 Artigos.

No campo doutrinário um lugar central é ocupado pelo Livro de Oração


Comum (LOC), cuja primeira edição, compilada pelo Arcebispo de Cantuária e
mártir Thomas Cranmer, é de 1552, no reinado de Eduardo VI, com revisões
posteriores e, em nossos tempos, com edições próprias de cada Província. O
LOC não apenas significou colocar uma liturgia simplificada e no vernáculo à
disposição dos fiéis, mas representou uma peculiaridade Anglicana, que, no
lugar de longas e detalhadas Confissões de Fé, como aconteceu com os
outros ramos do Protestantismo, optou pelo que foi conhecido como “lex
orandi, lex credendi”, ou seja: “cremos no que oramos”.

O Livro de Oração Comum (LOC), todo harmonizado com a Bíblia, além dos
Ritos e dos 39 Artigos, contém: Orações, o Saltério, o Lecionário, o Ordinal e
um Catecismo da Doutrina Cristã, extremamente didático em suas perguntas e
respostas, usado para a instrução básica dos neófitos, centrado nos temas do
Batismo, do Credo Apostólico, do Decálogo, da Oração do Senhor, dos
Sacramentos e do Rito de Confirmação. A solidez ou a fragilidade doutrinária
dos espaços anglicanos sempre esteve relacionada com a popularização ou
não do uso do Livro de Oração Comum (LOC).

Desde o final do século XIX, a síntese doutrinária mais usada na Comunhão


Anglicana tem sido o Quadrilátero de Lambeth (Bíblia, Credos, Sacramentos,
Episcopado), embora a preocupação com a continuidade, a compreensão, a
atualização e a vivência doutrinária tenha sempre estado presente nas
Conferências de Lambeth, e em documentos dos outros Instrumentos de
Comunhão (Arcebispo de Cantuária, Conselho Consultivo Anglicano e

Bispo Robinson Cavalcanti


40
Encontro dos Primazes). Nas últimas décadas ressaltamos o valor e o
conteúdo do Relatório da Virgínia e do Relatório de Windsor, com sua
proposta da adoção de um Pacto Anglicano, reafirmador das doutrinas bíblicas
e históricas.

OS SACRAMENTOS
O terceiro item do Quadrilátero de Lambeth afirma: “Os dois Sacramentos
ordenados por Cristo mesmo – Batismo e Ceia do Senhor – ministrados com o
uso das inexauríveis palavras de Cristo na instituição, e dos elementos
ordenados por ele”.

O nosso Catecismo define um Sacramento como “um sinal externo e visível,


de um sinal interno e de uma graça espiritual que nos foram dados e
ordenados pelo próprio Cristo”.

O XXV Artigo de Religião assim se posiciona sobre os Sacramentos: “Os


Sacramentos, instituídos por Cristo, não são unicamente designações ou
indícios de profissão dos cristãos, mas antes testemunhos certos e firmes, e
sinais eficazes da graça e da bondade de Deus para conosco, pelos quais ele
opera invisivelmente em nós, e não só vivifica, mas também fortalece confirma
a nossa fé nele”.

O termo Sacramento (= mistério) foi usado em toda a História da Igreja do


Oriente e do Ocidente e pelos Protestantes da Primeira (Luteranos,
Anglicanos) e Segunda (Presbiterianos, Reformados) Reformas. A partir da
Terceira Reforma (Anabatistas) setores do Protestantismo passaram a negar o
entendimento histórico do Sacramento e a denominá-los de “Ordenanças”
(para nós “Ordenanças” são assessores militares...).

Para o nosso Catecismo, o sinal visível do batismo é a “água, na qual a


pessoa é batizada, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e o
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

significado da graça interna e espiritual é “a morte para o pecado e um novo


nascimento em justiça”.

O XXVII Artigo de Religião entende que o Batismo “não é só um sinal de


profissão, e marca de diferença, com que se distinguem os cristãos dos que
não o são, mas também, um sinal de Regeneração ou Novo Nascimento, pelo
qual, como por instrumento, os que recebem o Batismo devidamente são
enxertados na Igreja; as promessas de remissão dos pecados, e de nossa
adoção como filhos de Deus pelo Espírito Santo são visivelmente marcadas e
seladas, a Fé é confirmada, e a Graça aumentada, por virtude da oração a
Deus”.

Baseado nas mais antigas tradições e nos mais antigos documentos, os


anglicanos tanto batizam os novos convertidos adultos, como as crianças
filhas ou netas de crentes, dentro da teologia da aliança, da promessa para a
descendência, e no semear da fé, que uma vez regada, a seu tempo dará o
fruto das consciência, conversão e profissão de fé. Por julgar sem sentido se
pelejar por recursos hídricos, os anglicanos praticam o batismo por imersão,
infusão ou aspersão, tanto em mares, rios e lagos, quanto em tanques,
piscinas e pias, seja ela corrente ou parada, morna ou quente, com gás ou
sem gás, pois a água não salva, mas é um sinal externo para o que realmente
conta: a fé no Senhor e Salvador Jesus Cristo. Os relatos históricos atestam a
diversidade de formas nos primeiros séculos da Igreja.

Para o nosso Catecismo, o Sacramento da Ceia do Senhor foi ordenado “para


extrair da morte do Senhor uma contínua lembrança de seu sacrifício, e dos
benefícios que nós recebemos por ele”, o seu sinal visível e exterior é “o pão e
o vinho, que o Senhor ordenou serem recebidos”, significando “o Corpo e o
Sangue de Cristo, que são espiritualmente tomados e recebidos pelos fiéis”,

Bispo Robinson Cavalcanti


42
“unicamente de maneira espiritual, e o meio pelos quais eles são recebidos é a
Fé”.

O XXVIII Artigo de Religião entende que a Ceia do Senhor “não é só um sinal


do mútuo amor que os cristãos devem ter uns para com os outros, mas antes
é um Sacramento da nossa Redenção pela morte de Cristo, de sorte que para
os que devida e dignamente, e com fé, o recebem, o Pão que partimos é uma
participação do Corpo de Cristo; e, de igual modo, o Cálice da Bênção é uma
participação do Sangue de Cristo”.

O Anglicanismo, enquanto afirma a “presença real” de Cristo na Ceia do


Senhor, ou Eucaristia, julga que esse mistério não pode ser definido em
linguagem humana (transubstanciação, consubstanciação, memorial etc.),
mas que deve ser recebido com contrição e fé, para a edificação espiritual. A
Igreja Anglicana, ao contrário de outros ramos do Cristianismo, que se
afastaram da Palavra, pelo uso de pão fermentado e suco de uva, se mantém
rigorosamente fiel à Bíblia, pelo uso do pão não-fermentado e do vinho.

Outros ritos que as Igrejas do Ocidente e do Oriente consideram como


Sacramentos (Confirmação, Penitência, Ordens, Matrimônio e Unção dos
Enfermos), dentro de uma visão da Reforma, não são aceitos pelos
Anglicanos como tais, por não terem sido instituídos pelo próprio Cristo, e não
terem a mesma natureza, nem serem parte da economia da salvação. Embora
úteis, não podem ser obrigatórios. São eles chamados de “ritos sacramentais”
ou de “sacramentos menores”. Destes, o mais valorizado no Anglicanismo é a
Confirmação.

O nosso Catecismo entende que a Confirmação “não é um Sacramento, mas


um antigo rito da Igreja, advindo do costume dos Apóstolos de impor as mãos
sobre aqueles que tinham sido batizados... nele os Candidatos ratificam e
confirmam os votos feitos sobre o seu comportamento por aqueles que os
ensinaram na infância a serem batizados, e, também, proporciona uma
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

oportunidade para aqueles que foram batizados na maturidade para renovar e


confirmar os votos que eles mesmos fizeram no batismo... as pessoas
confessam e declaram publicamente a Jesus Cristo, o Filho de Deus, como
seu Senhor e Salvador”.

O EPISCOPADO
O quarto item do “Quadrilátero de Lambeth” afirma: “O Episcopado Histórico,
localmente adotado nos métodos de sua administração, para as variadas
necessidades das nações e dos povos chamados por Deus para a unidade da
Igreja”.

Coerente com séculos de história da Igreja, na Primeira Reforma, o


Anglicanismo e o Luteranismo Escandinavo e Báltico mantiveram o seu
caráter Episcopal, ou seja, Igrejas governadas por Bispos. Essa é uma marca
comum a toda Comunhão Anglicana.

(Esse tema será desenvolvido na aula sobre “Governo”).

CONCLUSÕES
O Anglicanismo, mesmo afirmando a licitude de conviver com diferenças
quanto a questões secundárias, de forma ou acidentais, sempre foi um ramo
da Igreja de Cristo que definiu, se comprometeu e ensinou um sólido Corpo
Doutrinário, consoante com a Bíblia e a Tradição Apostólica. A Diocese do
Recife se mantém fiel a esse princípio.

A crise ora vivida nas Igrejas Históricas do Ocidente tem como base a
negação doutrinária.

(Estudaremos, com mais detalhe, essa questão, na aula “A Crise”).

Fixação de aprendizagem:

Bispo Robinson Cavalcanti


44

1. À luz da nossa Doutrina, por que se afirma que somos uma Igreja
Católica Reformada?
2. Qual a importância dos Sacramentos?
3. A que você atribui às opiniões incorretas de membros de outras
denominações sobre o nosso conteúdo doutrinário?
4. A Doutrina Anglicana é suficiente para enfrentar a Pós-Modernidade?

Quarto Capítulo: A Vida

INTRODUÇÃO
A experiência religiosa abrange três áreas principais: a Mística, a Dogmática
e a Ética, ou seja, a relação com o Sagrado, a reflexão sobre o Sagrado, e a
vivência a partir dessa relação e dessa reflexão. E isso não se restringe ao
Cristianismo. Ninguém pode negar que há uma Mística no Bramanismo, uma
Dogmática no Mormonismo, e uma Ética no Espiritismo. Por outro lado, no
Cristianismo, nem sempre essas três dimensões funcionam adequadamente,
harmonicamente ou corretamente, gerando unilateralismos, distorções e
danos à experiência da fé. Em muitos capítulos da História da Igreja,
encontramos místicos que foram hereges e corruptos, ou pensadores da
Dogmática (doutrina), que eram áridos em sua espiritualidade e não-
conseqüentes em sua vida cotidiana, ou, ainda, militantes carentes de uma
vida devocional regular e de um conhecimento e adequação à Sã Doutrina.

A Pré-Modernidade medieval foi cheia de ênfases místicas, enquanto a


Cristandade, em geral, professava uma dogmática distante das doutrinas
originais e a falta de ética era generalizada, tanto na hierarquia quanto no
povo.

A Modernidade, com seu racionalismo, desprezou os aspectos místicos,


retirou da Dogmática, a Revelação e o Mistério, com a negação dos milagres,
e a afirmativa que a razão humana era o único caminho para se chegar à
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

verdade, e os seus teóricos, encastelados em torres de marfim, terminaram


por trazer danos à Missão da Igreja. “Um Deus sem ira, um Cristo sem Cruz e
um Homem sem Pecado”, foi o cerne de uma mensagem deficiente, cujo
resultado concreto são os templos esvaziados de uma Civilização Euro-
Ocidental em crise de descristianização, depois dos fracassos
desumanizantes dos projetos utópicos.

Na Pós-Modernidade que ora estamos atravessando, juntamente com a


Globalização assimétrica, um conhecido líder pentecostal brasileiro afirmou,
recentemente, que as pessoas não estão interessadas em doutrinas, mas na
vida demonstrada pelos religiosos.

Depois da derrocada das propostas materialistas, o retorno do sagrado ou


“reencantamento do mundo” pós-moderno tem apelado para todo tipo de
mística, da oriental à sincrética, passando pela auto-ajuda, descolado das
instituições e doutrinas históricas e sem propostas para a História senão a
competição do mercado, em um darwinismo social.

Mulheres seminaristas anglicanas nos Estados Unidos são também


sacerdotisas do culto Wicca, da religião celta pagã. Uma pastora se disse
cristã e muçulmana ao mesmo tempo. Um culto conjunto foi celebrado por um
ministro episcopal e um sacerdote bramânico. Um bispo teve um pagé
indígena entre os que impuseram as mãos em sua Sagração. Advoga-se a
participação na Ceia do Senhor de pessoas não-batizadas, enquanto o
Batismo não deveria invocar a Santíssima Trindade. Um deão de Catedral
afirmou ter sido um grande equívoco dos discípulos colocar nos lábios de
Jesus a expressão: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, e ninguém vem
ao Pai senão por mim”, tida como politicamente incorreta, imperialista,
arrogante e ofensiva aos de outra fé ou aos sem fé. Aquela Província, já há
décadas, afirmou em um Tribunal Eclesiástico ser uma Igreja “sem Doutrinas”,

Bispo Robinson Cavalcanti


46
e os Credos, ou os XXXIX Artigos de Religião são considerados, apenas
“documentos históricos”.

Com a Igreja considerada apenas um ente social e cultural, onde não deve
haver lugar para se definir doutrinas nem normas de comportamento, a Bíblia
sendo considerada apenas uma literatura religiosa de origem judaica útil para
a devoção particular e para a liturgia pública, de onde não se deve buscar
doutrina, nem normas de comportamento, pois todos os ensinos éticos eram
apenas expressões culturais do contexto dos seus autores, a celebração da
liturgia se reduz a um teatro, onde não se crê no que se recita, nem se vive o
que se recita.

A ética se torna “situacional”, sem normas gerais, dependendo de cada caso,


baseada na subjetividade dos sentimentos e “no mútuo consentimento entre
adultos que não cause danos a terceiros”. Como não crêem no Pecado
Original, e que a salvação, universalista em seus efeitos, veio na Encarnação
e não na Cruz, afirmam que “Deus nos criou como nós somos”, não havendo
necessidade de mudança de vida, de transformação, de santidade, mas,
apenas da afirmação de direitos humanos, sem os deveres humanos e os
direitos de Deus. O único absoluto é a afirmação de que “tudo é relativo”.

Enquanto isso, a construção do novo homem em Cristo, tem sofrido sob o


peso ora da repressão ora da permissividade, uma reagindo à outra, se indo
de um pólo ao outro, com multidões de “desviados” em nosso País, vítimas de
“disciplinas” mais policiais do que pastorais, enquanto o liberalismo vai
introduzindo o pólo do “vale tudo”.

Ao longo da sua trajetória, o Anglicanismo tem buscado afirmar uma


Espiritualidade Integral e uma Missão Integral. E onde tem ele buscado a fonte
para essa construção?
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A PALAVRA
O deserto, o batismo, a transfiguração, o Getsêmane, foram momentos de
intensa experiência mística para Jesus. Mas, ao reafirmar as Escrituras da
Primeira Aliança, ensinar a oração do Pai Nosso, proferir o Sermão do Monte
e a Oração Sacerdotal – e nos diálogos com os seus discípulos – Jesus foi
alguém que reflexionou profundamente sobre a doutrina, como pedra angular
da Dogmática da Igreja. Sua vida, percorrendo as cidades e aldeias, indo ao
encontro dos necessitados – a partir do seu esvaziamento e da sua
encarnação – foi um exemplo de engajamento conseqüente no projeto do
Reino do seu Pai.

Os Evangelhos nos dizem que Jesus pregou, ensinou, curou e expulsou


demônios. Ele passava horas em oração. Ainda menino discutiu os textos
sagrados com os doutores no templo, citava seguidamente as Escrituras, a lia
na sinagoga, e o seu messiado assume a realização do “Dia do Senhor”, tanto
em seu aspecto de antecipação escatológica, do grande dia final, como de
realização histórica do que tinha sido ensaiado no Ano Sabático e no Ano do
Jubileu, pela promoção de uma paz que é fruto da justiça. O Espírito que ele
envia não somente convence, converte e consola, mas conduz à verdade e à
transformação existencial.

Dentro das comunidades de fé os convertidos descobriam e exercitavam os


seus dons, para o crescimento mútuo; viam a “obra da carne” (marcas da
natureza caída) ser substituída pelo “fruto do Espírito”; em termos de
temperamento e comportamento, seus talentos naturais eram purificados e
redirecionados pelo compromisso com o Reino. Eles tinham os seus bens em
comum, não os considerando como se seus fossem, mas apenas mordomos
do que lhes foi confiado por Deus.

Bispo Robinson Cavalcanti


48

Os apóstolos exortavam para que não fossem enganados pelos falsos


mestres, pelos falsos ensinos, mas que, conhecendo a Palavra, fossem firmes
na verdade. Exortavam para que eles fossem praticantes, e não apenas
ouvintes, que não eram salvos pelas obras, mas que eram salvos para elas, e
que a fé sem obras era morta.

O exemplo e os ensinos de Jesus e dos apóstolos apontam para uma


Espiritualidade Integral, onde a relação com Deus, a mística, não aliena nem
isola, que, tendo a mente de Cristo, conhecemos a vontade de Deus “pela
renovação do nosso entendimento”, sabendo “dar razão da fé que há em nós”.
Jesus demonstrou o valor da experiência de subir ao monte, ser cercado pela
nuvem, ouvir a voz de Deus, conviver com os trasladados, mas se recusou a
ficar ali “acampado”, fugir das multidões carentes e evitar a cruz. Esse
exemplo e esses ensinos também apontam para uma Missão integral, onde há
lugar para o anúncio, o ensino, a comunhão, o serviço e a denúncia profética
aos pecados sociais e estruturais.

CONSTRUÇÃO
O Livro de Oração Comum (LOC) se constitui, sem sombra de dúvidas, em um
modelo de Espiritualidade Integral. Suas orações nos levam a Deus, seus ritos
nos trazem Deus, seus ensinos equipam os fiéis para serem “fortes e
corajosos” para viver o Evangelho no mundo, entre as pessoas. O LOC atesta
a realidade das hostes espirituais da maldade nas regiões celestes, quando,
na Confirmação, pede ao novo professo a renúncia a satanás e a todas as
suas obras. Várias das orações tratam da ministração aos enfermos, da vida
profissional, das autoridades civis, e da santidade como caminho para os
justificados pela Graça mediante a fé, os salvos, os eleitos.

Os Artigos de Religião tratam tanto da dinâmica do pecado dos crentes,


quanto da necessidade das boas obras como evidência da fé. Senão vejamos:
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

O Artigo XVI trata “Do Pecado Depois do Batismo”, e afirma:

Nem todo pecado mortal, voluntariamente cometido


depois do Batismo é contra o Espírito Santo, e
irremissível. Pelo que não se deve negar a graça do
arrependimento aos que tiverem caído em pecado
depois do batismo. Depois de termos recebido o
Espírito Santo, podemos nos apartar da graça
concedida, e cair em pecado, e, pela Graça de Deus,
nos levantar de novo, e corrigir nossa vida. Devem,
portanto, ser condenados os que dizem que já não
podem pecar mais, enquanto aqui vivem, ou os que
negam a oportunidade de perdão às pessoas
verdadeiramente arrependidas.

Enquanto isso, o Artigo XII trata “Das Boas Obras”, e ensina:

Ainda que as boas obras, que são fruto da fé, e


seguem a Justificação, não possam expiar os nossos
pecados, nem suportar a severidade do juízo de Deus,
são, todavia, agradáveis e aceitáveis a Deus em Cristo,
e brotam, necessariamente, de uma verdadeira e viva
fé, tanto que por elas se pode conhecer tão
evidentemente uma fé viva como uma árvore se julga
pelo fruto.

A Espiritualidade Integral, que procura conhecer a realidade, discernindo-a,


intercedendo por ela e nela intervindo, tornando cada um agente da
concretude da oração “seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu”,
se relaciona com uma visão também integral da Missão, conforme definida
pela Conferência de Lambeth, de 1988, como constando das seguintes
dimensões:

a) Proclamar as Boas Novas do Reino de Deus; b)


Ensinar, Batizar e Instruir os novos crentes; c)
Responder às necessidades humanas por serviço em
amor; d) Procurar transformar as estruturas injustas da

Bispo Robinson Cavalcanti


50
sociedade; e) Defender a vida e a integridade da
criação.

As próprias Conferências de Lambeth são microcosmos dessa Espiritualidade


Integral e dessa Missão Integral, com seus Cultos (Orações Matutinas e
Vespertinas e Eucaristias), seus estudos bíblicos, seus grupos de compartilhar
e orar, seus grupos de estudos temáticos, e suas resoluções sobre os temas
que desafiam os cristãos em cada geração e conjuntura (da guerra à
eutanásia, do meio ambiente à sexualidade), em um total de 94 na última
Conferência, de 1998, trazendo subsídios e orientações valorosas para a
espiritualidade da nossa comunidade mundial.

O Anglicanismo tem profundo interesse com os temas da Ética, da Santidade


e da Disciplina, conforme veremos no documento elaborado por este autor, e
aperfeiçoado por debates em sala de aula e em plenário de Concílio, hoje um
dos documentos doutrinários oficiais de nossa Diocese, e que incorporamos a
presente aula.

CONCLUSÕES
Ao longo da sua História, o Anglicanismo tem procurado conciliar Ortodoxia
com Ortopraxia. A Ortodoxia tanto significa a adoração correta (ao Deus
Triuno, em espírito e verdade) quanto a elaboração correta (Sã Doutrina); e a
Ortodoxia pode ser entendida como a vivência coerente da adoração e da
elaboração.

Lembramo-nos do século XVII, após a Reforma Protestante, que foi


denominado de o século da “Ortodoxia Fria”, pois a vida cristã se centrava no
conhecer e no concordar, intelectualmente, com as doutrinas contidas nas
“Confissões de Fé”. O Pietismo reagiu corretamente, enfatizando uma “religião
do coração”, que incluísse a devoção, as emoções e a santidade. Mas, ao
desvalorizar a doutrina, concorreu para abrir caminho para o Liberalismo, pois
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

(apenas para citar um exemplo) foram os Quackers liberais que trouxeram a


Teosofia para o Ocidente.

Quando o pensador pentecostal citado no início desta aula, diz que o homem
pós-moderno não está interessado em doutrinas, mas na vida coerente, nos
perguntamos: coerente com o que? Por outro lado, outro pensador pentecostal
afirmou que seja a pré-modernidade, a modernidade ou a pós-modernidade –
ou outra coisa que vier – elas são “o espírito do século”, e deve ter dos
cristãos uma atitude crítica e não uma adesão acrítica.

Fala-se muito em “diálogo”, “conciliação”, “amor”, e muito pouco sobre a


verdade e a santidade, quando, o que aconteceu foi que a adoração foi
sincretizada (“macro-ecumenismo”), a doutrina desvalorizada e a ética
relativizada. Os documentos das Conferências de Lambeth, e da grande
maioria de Províncias e Dioceses Anglicanas estão cheios de referência ao
compromisso e à coerência, com o Senhor da Igreja e com a Igreja do Senhor.
O mesmo se diga dos nossos autores, que têm edificado o conjunto de toda a
Igreja: John Stott, C.S. Lewis, J.I. Packer, Michael Greene, Alister McGrath, e
tantos outros.

Por fim, não posso deixar de citar Stott, em seu devocionário: “A Bíblia Toda, o
Ano Todo” (Ed. Ultimato, Viçosa, MG), quando, escrevendo sobre “Marcas de
Uma Igreja Viva”, afirma que elas são:

a) ”...seus membros estão comprometidos com o


ensino dos apóstolos, e se submetem a ele”; b)
”...manter comunhão... Amavam uns aos outros... é
interessada em pessoas”; c) “...é uma igreja
adoradora”; d) “...é uma igreja evangelizadora”.

No mesmo livro, ele afirma, muito apropriadamente, sobre a Igreja Primitiva


como paradigma:

Bispo Robinson Cavalcanti


52
Observe que esses novos convertidos, cheios do
Espírito Santo, não desfrutaram de uma experiência
mística que os levou a negligenciar o intelecto,
desprezar a teologia, ou parar de pensar. Ao contrário,
eles se dedicaram ao ensino dos apóstolos. Não hesito
em afirmar que anti-intelectualismo e plenitude do
Espírito Santo são mutuamente incompatíveis, pois,
que é o Espírito? Jesus o chama de “o Espírito da
Verdade”, pois onde quer que ele atue, a verdade
prevalece.

Fixação de aprendizagem:

1. Você prefere uma santidade passiva ou uma santidade ativa, como


caminho para o crescimento espiritual, aliando a ortodoxia com a
ortopraxia?
2. O que difere a Disciplina Anglicana das disciplinas de outras
denominações?
3. O Conselho de Missão/Junta Paroquial tem autoridade para
disciplinar um membro?
4. Você é favorável ou contrário à suspensão da participação
eucarística como forma de disciplina? Justifique.

Quinto Capítulo: Os Ministérios

INTRODUÇÃO
Recém empossado como Bispo Diocesano, fui a uma confraternização
evangélica em uma capital do Nordeste. Aproximou-se um jovem universitário
evangélico que me interpelou: “Eu tenho dificuldade de entender esse negócio
de Bispo. O senhor é Bispo como Dom Amaral (o Arcebispo Católico Romano
daquela cidade) ou como o Bispo Macedo?”. Ao que respondi: “Nenhum dos
dois!”. O que não ajudou muito, pois o mesmo (como a grande maioria dos
brasileiros) não conhecia senão aqueles dois modelos. Isso não teria
acontecido nos muitos países onde a maioria das Igrejas é de governo
Episcopal, mas em nosso País, onde fora o Episcopado monárquico e distante
da Igreja de Roma (o Episcopado Ortodoxo Oriental é de pouca expressão,
localizado e étnico), durante muito tempo apenas tínhamos os Bispos
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Anglicanos (Episcopado histórico) na região sul, ou os Bispos Metodistas


(Episcopado administrativo) no sul e sudeste.

Houve, durante século e meio desde os seus primórdios, uma clara


predominância no Protestantismo Brasileiro – “tradicional” e “renovado” – de
Igrejas de governo congregacional e presbiteriano, embora tenha havido,
também, algumas expressões de um “episkopé sem episkopos” (Episcopado
sem bispos), como na Assembléia de Deus, Igreja do Nazareno, Igreja
Luterana etc., com seus pastores-presidentes, superintendentes, pastores
sinodais ou pastores distritais exercendo funções típicas de um Bispo, porém
sem o título ou a legitimação do ministério. Um dado novo é que hoje, com o
questionável (em sua identidade protestante) neo/pos/iso/pseudo-
pentecostalismo, se adiciona novas formas de Episcopado monárquico “de
facto”, com “bispos”, “missionários”, e, até, “apóstolos”, auto-nomeados.

Como Anglicanos, nos deparamos, quase sempre, com um misto de


desinformação histórica e preconceito eclesiológico, não somente de parte dos
de fora, mas, inclusive dos de dentro dos nossos arraiais (inclusive ministros)
que trazem o “ranço” das suas antigas denominações, ou são influenciados
pela literatura e pela mídia de outras correntes. O individualismo secular, o
egocentrismo pós-moderno e o estrelismo e caudilhismo religioso autocráticos
são obstáculos adicionais para uma internalização e vivência funcionais da
nossa teologia de ministério.

O irônico é que o modelo Episcopal e as três Ordens – Bispos, Presbíteros e


Diáconos – estão aí por dois mil anos. O congregacionalismo e o
presbiterianismo é que são frutos tardios de teóricos do século XVI, com
leituras equivocadas da Igreja Primitiva, mil e seiscentos anos depois, e sob
outra ótica cultural e de outro modo de produção.

Bispo Robinson Cavalcanti


54
O Episcopado Histórico participativo (colegial, conciliar, sinodal) da Comunhão
Anglicana evita os extremos do clericalismo romano e do populismo ministerial
do protestantismo posterior.

Vejamos uma breve retrospectiva histórica:

OS PAIS APOSTÓLICOS
Embora tenha sido um assunto presente em vários textos e escritores dos
primórdios, três foram os autores principias, dentre os Pais Apostólicos, que se
dedicaram ao tema do Episcopado: Inácio de Antioquia, Irineu de Lyon e
Cipriano de Cartago.

Inácio de Antioquia – Como sabemos, a Igreja, nos finais do primeiro século,


havia deslocado o seu centro irradiador de Jerusalém para Antioquia, e é um
dos seus primeiros bispos, sucessor dos apóstolos, Inácio, que será o grande
pioneiro na reflexão eclesiológica daquele período. Titular de um profícuo
Episcopado, Inácio seria martirizado (entre os anos 107 e 110 ad). Antes,
porém, escreveu sete Cartas: a Policarpo de Esmirna, aos Efésios, aos
Magnesianos, aos Travelianos, aos Romanos, aos Filadelfenses, e aos
Esmirnionitas, onde exorta as Igrejas à perseverança na doutrina apostólica,
condenando as heresias nascentes, e que o compromisso com a verdade
deveria se dar em unidade: unidade para com Deus em Jesus Cristo, unidade
entre si como comunidade de fé, e unidade com os seus dirigentes – os
Bispos, os Presbíteros e os Diáconos. Em seus textos já há um
reconhecimento explícito das três Ordens.

Ensina Inácio:

...convém caminhar de acordo com o pensamento do


vosso bispo, como já o fazeis. Vosso presbitério, de boa
reputação, está unido ao bispo (aos Efésios 4.1).
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

...eu vos felicito por estardes unidos a ele, assim como a


Igreja está unida em Jesus Cristo como o Pai (ibid, 5.1).

...devemos olhar ao bispo como ao próprio Senhor (ibid,


3.1).

....por isso vos peço que estejais dispostos a fazer todas


as coisas na concórdia de Deus, sob a presidência do
bispo, que ocupa o lugar de Deus, dos presbíteros que
representam o colégio dos apóstolos, e dos diáconos que
são muito caros para mim, aos quais foi confiado o
serviço de Jesus Cristo (ibid, 6.1).

...uma voz de Deus: permanecei unidos ao bispo, ao


presbitério e aos diáconos (aos Filadelfenses 7.1).

E, ainda escreve:

...foi o Espírito que me anunciou dizendo: ...não façais


nada sem o bispo, guardai os vossos corpos como
templos de Deus, amai a união, fugi das divisões, sede
imitadores de Jesus Cristo, como ele também o é o do
seu Pai (ibid, 2.2).

...sem o bispo ninguém faça nada do que diz respeito à


Igreja (aos Esmirnionitas, 8.1).

...é bom reconhecer a Deus e ao bispo. Quem respeita o


bispo é respeitado por Deus; quem faz algo às ocultas do
bispo, serve ao diabo (ibid, 9.1).

Inácio de Antioquia põe particular ênfase na Eucaristia como celebração de


unidade, e é o primeiro escritor cristão a usar a expressão “Igreja Católica”:
“...onde aparece o bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo onde está
Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica” (ibid, 8.2). Ele é também, enfático em
afirmar que o modelo de governo episcopal não é algo peculiar à Antioquia, ou
de algumas Igrejas, mas que era algo já estabelecido por toda a Igreja “até os
confins da terra” (aos Efésios, 3.2).

Bispo Robinson Cavalcanti


56
Irineu de Lyon – Na geração seguinte, ainda no primeiro século, destaca-se a
figura de Irineu, Bispo de Lyon, discípulo do mártir Policarpo, que, reafirmando
o legado doutrinário dos apóstolos, elaborou um notável trabalho apologético
contra as heresias dos gnósticos e dos montanistas, com uma mensagem
cristocêntrica (com as duas naturezas), e o caráter canônico dos quatro
evangelhos. Suas obras principais foram: “Contra os Hereges” e
“Demonstração da Pregação Apostólica”.

Irineu elabora a compreensão da Tradição Apostólica:

...poderíamos enumerar aqui os bispos, que foram


estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos, os seus
sucessores até nós, e eles nunca ensinaram, nem
conheceram nada, que se parecesse com o que essa
gente está delirando... com efeito, queriam que os seus
sucessores, os quais transmitiam a missão de ensinar...
(Adversus Haereses, III, 3:1).

...os bem aventurados apóstolos que fundaram e


edificaram a Igreja, transmitindo o governo episcopal a
Lino (...) Lino teve como sucessor Anacleto. Depois
dele, em terceiro lugar, depois dos apóstolos, coube o
episcopado a Clemente, que tinha visto os próprios
apóstolos e estivera em relação com eles, que ainda
guardava viva em seus ouvidos a pregação deles e
diante dos olhos a tradição (...) A este Clemente
sucedeu Evaristo, Alexandre; em seguida, sexto depois
dos apóstolos foi Sisto; depois dele, Telésforo, que
fechou a vida com glorioso martírio; em seguida Higino,
depois Pio, depois dele Anicleto. A Anicleto sucedeu
Sóter, e, presentemente, Eleutério, em décimo segundo
lugar na sucessão apostólica... com esta ordem e
sucessão chegou até nós, na Igreja, a tradição
apostólica e a pregação da verdade. Esta é uma
demonstração mais plena de que uma e idêntica fé
vivificante que, fielmente, foi conservada e transmitida,
na Igreja desde os apóstolos (ibid, 3.3.).

Irineu enfatiza a ligação entre a sucessão apostólica nos bispos e a sucessão


da doutrina dos apóstolos, e a importância das Sés Episcopais (Igrejas-Mães,
onde o Bispo tem assento, ou Cátedra = Catedrais).
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Por desconhecimento, ou preconceito, há quem pense que o Episcopado foi


uma construção muito posterior, medieval, e não algo estabelecido já no final
do primeiro século e início do segundo século, na transição entre os Apóstolos
e os Pais Apostólicos; ou que o Episcopado era uma das formas de governo
encontradas naquela época, e não a única forma, como podemos ver, pois
não há nenhum trabalho, de nenhum pensador, defendendo outra forma; ou
que o Episcopado era algo localizado, e não algo universalmente aceito,
adotado e ensinado, pela Cristandade do Ocidente e do Oriente.

Cipriano de Cartago – O terceiro grande sistematizador da eclesiologia


Episcopal foi Cipriano de Cartago, em meados do terceiro século. Cipriano
(Thascius Caecilius Cyprianus), convertido do paganismo com paixão pelo
Senhor e por sua Palavra, em apenas dois anos após o seu batismo, era eleito
Bispo de Cartago, a potência do norte da África que rivalizava com Roma, e de
que seria, posteriormente, derrotada nas “Guerras Púnicas”. Foi ele quem
convocou dois importantes Concílios de Bispos daquela região. Escreveu 81
epístolas e 11 monografias, destacando-se: “A Unidade da Igreja Católica” (De
Catholicae Ecclesiae Unitate), onde defende a unidade, a verdade e a
santidade como marcas da Igreja. Foi martirizado (degolado), em 14.09.249
ad, durante a perseguição do imperador Valeriano.

A Igreja de Cristo – a Igreja Católica – para Cipriano, deve ser uma, e é uma,
pois procede de Cristo e de um só núcleo, confessando a ortodoxia herdada
dos apóstolos, e sob a autoridade da sua liderança: os Bispos. O Episcopado
seria uma providência divina para preservar a unidade da Igreja. Os apóstolos
foram escolhidos por Cristo, e os Bispos estão no lugar dos apóstolos, como
seus sucessores, e ocupam esse lugar por decisão de Deus:

Bispo Robinson Cavalcanti


58
...ao largo dos tempos, vai-se continuando a sucessão
dos Bispos e a administração da Igreja, de sorte que a
Igreja sempre esteve estabelecida sobre os bispos, e
todo ato da Igreja era dirigido por estes propósitos (De
Unitate, 23.4).

Para Cipriano, os Bispos presidem as suas Dioceses e se mantêm em


comunhão com outros Bispos, como uma só Ordem, preservando a unidade.
Sendo o Bispo símbolo da unidade e guardião da fé, se requer do clero e dos
fiéis, submissão à sua autoridade. São dele as conhecidas frases: “Não pode
ter Deus como Pai quem não tem a Igreja como mãe”, e “Ninguém se salva
fora da Igreja”.

Ele não somente reafirma a existência de três Ordens de ministros na Igreja:


os Bispos, os Presbíteros e os Diáconos, mas compreende essas Ordens
como cumulativas. Identifica os Bispos como os apóstolos (apóstolos, it est
episcopos), e se preocupou com a seriedade, inclusive do processo de
Sagração Episcopal, que deveria se dar.

...com toda diligência; é preciso guardar a tradição


divina e as práticas apostólicas, e é preciso atentar
para o que se faz entre nós, que é o que se faz em
quase todas as Províncias do mundo, a saber, que para
haver uma ordenação bem feita, os bispos mais
próximos da mesma Província se reúnam com o povo a
frente de estar o bispo ordenado (Epístola 67.5).

A referência ao termo Igreja é sempre em seu sentido geral: a Igreja Católica.


Os conceitos de “Igreja Particular” ou “Província”, para suas expressões
regionais mais amplas, e de Diocese, para suas expressões regionais mais
restritas ou locais, já era de uso corrente.

Estávamos, então, no terceiro século de existência da Igreja, e a compreensão


e a prática do governo episcopal estava estabelecida e consolidada em todo o
mundo. Não seria mais uma preocupação, nem dos Concílios, nem da terceira
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

geração, dos Pais da Igreja, nem das gerações posteriores. Estávamos diante
de uma clara percepção da “mente da Igreja”, do “consenso dos fiéis”,
percebida como uma resposta iluminada pelo Espírito Santo, como a velha
fórmula “pareceu-nos bem ao Espírito Santo e a nós”. Esse sistema estava
mencionado no mais antigo texto de instrução da Igreja: o Didaké, e registrado
nos mais antigos dos seus historiadores, como Eusébio de Cesaréia (História
Eclesiástica), e tomado por sentado pelos Pais da Igreja.

Em meados do segundo século, todos os centros de


liderança do Cristianismo apareciam com os seus
próprios bispos, e, desde então, até a Reforma, o
Cristianismo em toda a parte estava organizado sob
uma base episcopal (The Oxford Dictionary of the
Christian Church).

OS ANGLICANOS
Desde a sua primeira edição inglesa, até as edições mais recentes de outras
Províncias, o Livro de Oração Comum (LOC) tem uma de suas secções
denominadas de Ordinal, com os Ritos Sacramentais de Ordenação às três
Ordens históricas: Bispos, Presbíteros e Diáconos. Sempre temos sido, tanto
nos períodos Celta e Católico Romano quanto no atual período Reformado,
uma Igreja Episcopal. No início dos Ritos de Ordenação é lido um Prefácio,
também denominado de “Prefação”, onde se encontra uma síntese da nossa
visão do ministério:

As Sagradas Escrituras e os antigos escritores cristãos


expressam com clareza, que, desde os tempos do
Novo Testamento, têm existido diversos ministérios na
Igreja. A Igreja Cristã tem sido caracterizada por
apresentar três ordens distintas de ministérios
ordenados: a Ordem do Episcopado, a Ordem do
Presbiterado e a Ordem do Diaconato. Os Bispos
continuam a obra apostólica de dirigir, supervisionar e
unir a Igreja. Os Presbíteros e os Diáconos, juntos com

Bispo Robinson Cavalcanti


60
os Bispos, participam do governo da Igreja, em seu
trabalho missionário e pastoral, e na pregação da
Palavra de Deus. Aos Presbíteros cabe a função de
ministrar os Santos Sacramentos e liderar as
congregações locais em seu crescimento espiritual e na
realização da Missão. Aos Diáconos cabem: a função
litúrgica de assistir aos Bispos e Presbíteros na
ministração dos Sacramentos; a função de liderar o
povo nas orações e na leitura da Palavra de Deus; e a
função de buscar compreender e interpretar os anseios
e necessidades do povo em seu contexto, levando
essas necessidades ao Bispo e à Igreja, e liderando a
Igreja na resposta a essas necessidades. É
responsabilidade especial dos Diáconos ministrar, em
nome de Cristo, às pessoas pobres, excluídas,
enfermas, às que sofrem e às abandonadas. As
pessoas escolhidas e reconhecidas pela Igreja como
chamadas por Deus ao Ministério Ordenado são
admitidas a estas Sagradas Ordens por meio da oração
solene e imposição de mãos do Bispo. Tem sido, e é
intenção e propósito desta Igreja, manter e continuar
essas Ordens e, para isso, os Ritos de Ordenação e
Sagração são estabelecidos. A nenhuma pessoa é
permitido o exercício das funções de Bispo, Presbítero
e Diácono nesta Igreja a menos que tenha sido
Ordenado com imposição de mãos de Bispos
devidamente qualificados. É também reconhecido e
afirmado que estes ministérios não são propriedades
exclusivas deste ramo católico e reformado da Igreja de
Cristo, mas Dom de Deus para o crescimento do Seu
povo e proclamação do Seu Evangelho por todos os
lugares. Conseqüentemente, o modo de Ordenar nesta
Igreja há de ser, como tem sido, reconhecido por todo
povo cristão como adequado para conferir as Sagradas
Ordens do Episcopado, do Presbiterado e do
Diaconato.

O “Quadrilátero de Lambeth”, depois de afirmar as Sagradas Escrituras, os


Credos e os Sacramentos, conclui com seu quarto item:

O Episcopado Histórico localmente adotado nos


métodos de sua administração, para as variadas
necessidades das nações e dos povos chamados por
Deus para a unidade da sua Igreja.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Várias Conferências de Lambeth têm-se ocupado de tratar o tema do


Episcopado como pastor chefe, superintendente, administrador dos
Sacramentos, mestre, defensor da fé, guardião dos Cânones e da liturgia, e
missionário. O Episcopado Histórico é o termo Anglicano para indicar um
Episcopado com Sucessão Apostólica ininterrupta. A Conferência de Lambeth
de 1988 se expressa a respeito do bispo como:

Símbolo da unidade da Igreja em sua missão; mestre e


defensor da fé; pastor dos pastores e do laicato;
capacitador da pregação da Palavra e da ministração
dos Sacramentos; líder na missão e iniciador da
mesma no mundo em que a Igreja se encontra; médico
a que as feridas da sociedade são trazidas; voz da
consciência da sociedade em que a Igreja Local se
situa; profeta que proclama a justiça de Deus no
contexto do Evangelho da redenção; o cabeça da
família como um todo, em sua miséria e alegria.

Como afirmou o Primaz de Uganda, Arcebispo Henry Orombi:

Na Igreja de Uganda, o Anglicanismo tem sido


construído sobre três pilares: os mártires, o avivamento
e o Episcopado. E cada um deles se refere à Palavra
de Deus, a base sobre a qual nos edificamos.

É sabido que com a Reforma Protestante do Século XVI, e a fragmentação da


Cristandade Ocidental tivemos a manutenção do Episcopado Histórico por
Anglicanos e Luteranos Escandinavos e Bálticos; a criação do Episcopado
Administrativo (sem Sucessão Apostólica) por Luteranos Germânicos e pelos
Moravianos (posteriormente adotado na dissidência Metodista); e a criação
pela Segunda Reforma (Calvinista) do governo presbiteriano, aplicando à
Igreja a democracia indireta de Genebra, com a hegemonia da nova classe
burguesa e o individualismo no modo de produção capitalista e, na Terceira
Reforma (Anabatistas, Batistas, Congregacionais) do governo

Bispo Robinson Cavalcanti


62
congregacionalista, atribuindo idealisticamente à Igreja Primitiva as regras do
Parlamento de Westminster. No primeiro, o poder está nas mãos dos
Conselhos de Presbíteros Regentes (o pastor é um Presbítero Docente), e nas
unidades regionais, ou Presbitérios; e, no segundo, o poder reside nas
assembléias das comunidades locais independentes.

Como um ser em evolução tem três estágios distintos: embrião, feto e


nascituro, assim, também, as instituições em suas origens (inclusive a Igreja
Antiga). No breve período de institucionalização, deslocando-se do mundo
judaico para o mundo greco-romano, com seus modelos de organização,
houve um processo, denominado por um teólogo de “cristalização” dos papéis
dos Bispos, dos Presbíteros e dos Diáconos, já claramente definido, em todo o
mundo cristão, no final do século II (e, assim, permanecendo até o século
XVI). O equívoco dos congregacionais foi tomar como paradigma o ainda
embrião; o equívoco dos presbiterianos foi se fixar no ainda transitório feto. Os
Anglicanos esperaram o nascimento do novo ser...

OS MINISTÉRIOS
Como Igreja Reformada, afirmamos e encorajamos o “sacerdócio universal de
todos os crentes”, com o Espírito Santo derramando os seus dons sobre todos
os convertidos, para a edificação conjunta do Corpo. Como Igreja Católica,
afirmamos o papel especial de coordenação, ministração e manutenção da
unidade e da verdade que é confiado ao ministério Ordenado, como tem sido
por vinte séculos: os Bispos, os Presbíteros e os Diáconos, vocacionados,
reconhecidos e selados, indelevelmente, pelo Rito Sacramental.

Dentre os fiéis, temos, ainda, além dos Ministérios Ordenados, os chamados


Ministérios Instituídos, não sacramentais nem permanentes: os Ministros
Locais (Ministros Leigos/Leitores), os Evangelistas, os Catequistas e os
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Acólitos (que servem ao altar), além das funções ministeriais específicas:


louvor, juventude, visitação, serviço etc.

O laicato anglicano também é mobilizado em Sodalícios: movimentos de


homens, mulheres e juventude, movimentos culturais, evangelísticos e de
serviço e em atividades de Capelania (hospitalar, prisional etc.), bem como
nas Juntas Paroquiais/Conselho de Missões, e outras Juntas ou Comissões
Paroquiais, Diocesanas ou Provinciais, em instituições mantidas pela Igreja,
como creches, escolas, ambulatórios, e em movimentos ligados a
organizações ligadas às diversas correntes internas do Anglicanismo (anglo-
católicos, anglo-evangélicos, anglo-carismáticos etc.) ou a entidades
ecumênicas.

Um outro espaço para o desenvolvimento da espiritualidade e


desenvolvimento dos dons são as Ordens Religiosas, residenciais ou
dispersas, por gênero ou mistas, contemplativas e/ou missionárias. Na
Conferência de Lambeth, de 1998, tínhamos cerca de 100 Ordens Religiosas
na Comunhão Anglicana, todas registradas em uma Diocese-sede e sob
Autoridade Episcopal.

O alvo do Anglicanismo sempre foi “o ministério de todos os cristãos”, com


criatividade e flexibilidade, ao mesmo tempo mantendo a ordem bíblica e
histórica.

CONCLUSÕES
Somos um ramo da Igreja de Jesus Cristo com dois mil anos de História,
quando nos identificamos com a concepção e as expressões do ministério
estabelecidas nos primórdios, mantida por um milênio e meio, e ainda
amplamente majoritária no conjunto da Cristandade até os nossos dias. Sob a
iluminação do Espírito Santo, e respondendo aos tempos e lugares, temos

Bispo Robinson Cavalcanti


64
feito ajustes e aperfeiçoamentos nesse modelo, sem descaracterizá-lo. A
trágica fragmentação denominacionalista sofrida pelo Cristianismo Ocidental,
desde, principalmente, o século XVIII, e atingindo uma situação dilacerante em
nossos dias, teve origem, maiormente, em espaços de governo
congregacionalista, e, em grau mais reduzido nos espaços de governo
presbiteriano.

O “ranço” da origem denominacional da maioria dos anglicanos brasileiros de


primeira geração, deve ser assumido para ser superado por um
convencimento profundo do que somos e do que cremos. Isso nos possibilitará
um olhar crítico, e “anticorpos” diante do diverso e do exótico representado na
literatura e na mídia que nos cercam. O individualismo moderno, o
egocentrismo pós-moderno, com sua rejeição às instituições e às autoridades
constituídas, são marcas do pecado que se expressam no “espírito do século”,
e devem ser vencidos em nossas lutas espirituais, pela Palavra e pelos
Sacramentos, para a harmonia do Corpo, a disciplina, e a construção do
Anglicanismo como uma opção de maturidade para o confuso quadro da
Cristandade na Terra da Santa Cruz.

Um corpo de fiéis mobilizados, sob a autoridade do seu Bispo, e dos seus


representantes: os Presbíteros e os Diáconos, integrados à Diocese como
Igreja-local, vivenciando as suas expressões localizadas: Paróquias, Missões
Pontos Missionários, eis o modo de vida eclesiástica, segundo a Tradição
Histórica e o ensino dos órgãos oficiais da Comunhão Anglicana.

Fixação de aprendizagem:
1. Diferencie as formas de governo eclesiástico: Episcopal,
Presbiteriano e Congregacional.
2. Por que o Anglicanismo manteve a forma de governo Episcopal?
3. Qual a função dos Bispos, dos Presbíteros e dos Diáconos?
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

4. Como compatibilizar os Ministérios Ordenados e os Ministérios


Instituídos com o sacerdócio universal de todos os crentes? Como o
laicato pode exercitar os seus dons?

Sexto Capítulo: A Organização

INTRODUÇÃO
Todas as instituições se estruturam em torno de normas, procedimentos e
formas de organização. Elas somente subsistem se sua forma de ser for aceita
por todos os seus integrantes, o que garante não somente a sua legalidade,
mas, igualmente, a sua legitimidade. Nenhuma instituição subsiste de forma
anárquica (= sem governo), e entra em crise se há uma maioria de infratores.
A Igreja, divinamente criada pela perfeição de Deus, e humanamente
constituída por seres imperfeitos, é um organismo vivo e uma organização
social sujeita aos mesmos processos históricos e sociológicos de qualquer
instituição social, necessitando de normas jurídicas e formas organizacionais.
O plano de Deus de um só povo em uma só instituição não se realizou em
virtude do pecado, tanto na limitada divisão dos ramos históricos, quanto na
ilimitada divisão das “denominações” recentes.

O Anglicanismo, como ramo histórico do Cristianismo, possui,


semelhantemente, suas normas e formas de organização, que foram sendo
construídas historicamente, têm subsistido pela adesão dos seus fiéis às
mesmas, e sofre crises quando são contestadas ou desobedecidas.

Ser Anglicano não é apenas compartilhar de uma História em comum, de uma


Doutrina em comum, de uma Vida em Comum, de uma Liturgia em comum,
mas, também, de Normas e Formas de Organização em comum, o que o torna
peculiar, que forma o nosso ethos. Como instituição civil, as pessoas são livres
para se filiar e se desfiliar, mas são obrigadas, contudo, enquanto membros

Bispo Robinson Cavalcanti


66
forem, de se adequar ao seu sistema normativo, organizacional e à autoridade
das deliberações de seus órgãos constitutivos legítimos.

COMUNHÃO
Ao contrário das Igrejas Orientais ou da Igreja de Roma, com o seu
Patriarcado, ou dos conglomerados protestantes com suas Federações ou
Alianças, o Anglicanismo constitui uma Comunhão, onde a História, a
Doutrina, a Liturgia e os Laços de Afeição contam mais que os vínculos
institucionais formais. Esse é um sistema único, relativamente novo na
História, e, de certa forma, ainda em construção.

No topo simbólico desse edifício está o Arcebispo de Cantuária, titular da Sé


Diocesana continuamente mais antiga, Primaz da Província denominada de
Igreja da Inglaterra, designado pelo Chefe de Estado daquele país, em lista
apresentada pelo Chefe de Governo, em processo que envolve a Igreja e o
Estado. Ele é o líder espiritual da Comunhão Anglicana, símbolo de unidade, e
presidente dos seus organismos internacionais. Para auxiliá-lo nesse
ministério internacional, conta com o apoio técnico de uma Secretaria Geral.

O fórum mais importante da Comunhão Anglicana é a Conferência de


Lambeth, que reúne todos os bispos ativos de todas as Províncias e Dioceses
do mundo a cada dez anos, para troca de informações, estudos e
deliberações. Essas deliberações não possuem força de Lei, mas de
recomendações com força moral, como expressão da “mente da Igreja”.

Um fórum menor e mais recente, e cada vez mais importante, que se reúne
durante o intervalo entre as Conferências de Lambeth é o Encontro dos
Primazes, dos bispos presidentes das 38 Províncias da Comunhão Anglicana,
e que, convocado pelo Arcebispo de Cantuária, acompanha e orienta a vida da
instituição.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Uma quarta expressão desses Instrumentos de Unidade/Instrumentos de


Comunhão, é o Conselho Consultivo Anglicano (ACC), que promove
estudos, apóia redes e programas específicos e dá pareceres sobre a
formação de novas Províncias. Ele é não somente de Bispos, mas inclui outras
ordens de clérigos e leigos, sugeridos pelas Províncias ao Arcebispo de
Cantuária.

PROVÍNCIAS
As Dioceses Anglicanas de todo o mundo são agrupadas em 38 entidades
regionais denominadas de Províncias. As Províncias (formadas por um mínimo
de três Dioceses) são regidas por dois documentos legais básicos: a
Constituição, registrada perante o Estado, com seus objetivos gerais e
organização, e os Cânones Gerais, de direito interno, mais detalhado, que
estabelece a competência e atribuições dos organismos constitutivos. Estes
podem, por sua vez, ser regido por seus Estatutos.

Cada Província tem como titular um dos Bispos ativos, denominado de


Arcebispo Primaz, Bispo Primaz, Bispo Presidente (EUA) ou Primus (Escócia),
eleitos por um órgão legislativo principal denominado de Sínodo, Sínodo Geral
ou Convenção Geral (EUA). Têm assento no Sínodo Geral todos os Bispos e
uma delegação de clérigos e de leigos das diversas Dioceses, em número
previsto nos Cânones Gerais. A Nova Zelândia é dirigida por um triunvirato de
Primazes (um branco, um maori e um polinésio), com presidência rotativa.
Dioceses como Portugal, Espanha e Bermudas não são membros de uma
Província, mas vinculadas diretamente ao Arcebispo de Cantuária, e são
denominadas de “extra-provinciais”. Cuba, também “extra-provincial”, é regida
por um triunvirato formado pelos Primazes do Canadá, dos Estados Unidos e
das Índias Ocidentais.

Bispo Robinson Cavalcanti


68
Os Primazes representam a Província perante o Estado e a Sociedade Civil,
preside o Sínodo Geral, a Câmara dos Bispos e a Comissão Executiva
(formada por Bispos, Clérigos e Leigos) eleita pelo Sínodo e que rege a
administração provincial no interregno das reuniões sinodais. Eles exercem a
função de supervisão geral e de pastoral das lideranças, e prolata as
sentenças disciplinares recomendadas pelo Tribunal Superior Provincial, que
aprecia os recursos dos Tribunais Eclesiásticos Diocesanos, ou os processos
disciplinares contra os Bispos. As Câmaras dos Bispos, em seu papel de
colegiado pastoral superior, também se reúnem nos interregnos entre os
Sínodos Gerais. Com exceção dos EUA, onde têm direitos plenos, os Bispos
Aposentados têm apenas residência canônica, assento e voz nas Câmaras
dos Bispos e nos Sínodos Gerais.

A maioria dos Sínodos adota o sistema bi-cameral: uma Câmara dos Bispos e
uma Câmara de Clérigos e Leigos. Alguns Sínodos são tri-camerais: uma
Câmara de Bispos, uma Câmara de Clérigos e uma Câmara de Leigos. O
Sínodo se reúne em assembléias conjuntas ou por Câmaras, e algumas
votações são tomadas “por ordens”, ou seja, bispos, clérigos e leigos votam
em urnas separadas, e as deliberações somente serão válidas de obtiverem
maioria nas três urnas.

Os Sínodos das Províncias, além de elegerem os Primazes e os Bispos das


Dioceses Missionárias, homologam ou elegem os ocupantes dos seus cargos
dirigentes: Juntas, Comissões, Procuradoria, Tribunal etc., além de fazer
pronunciamentos públicos oficiais e traçar as políticas regionais em áreas
como: educação teológica, missões, serviço etc.

Embora o termo “Província”, “Igreja Particular” ou “Igreja Nacional” tenha


aparecido muito cedo na História da Igreja, tanto no Ocidente quanto no
Oriente, ele nunca foi encarado como uma dimensão eclesiológica, mas,
apenas, geográfica e administrativa.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

No caso do Anglicanismo, as Províncias são autorizadas a serem


desmembradas de outras pelo Arcebispo de Cantuária, atualmente mediante
Parecer do Conselho Consultivo Anglicano (ACC). Algumas Províncias são
subdivididas em províncias (com “p” minúsculo), como sub-regiões internas
(Inglaterra, Canadá, EUA, Austrália e Nigéria).

Além das verbas de doações especiais ou de convênios, as Províncias são


sustentadas pelas “cotas provinciais” pagas por cada uma de suas Dioceses,
mediante percentual dos respectivos ingressos.

DIOCESES
A unidade eclesiástica básica do Anglicanismo (e dos demais ramos históricos
do Cristianismo) é a Diocese, denominada de Igreja-Local (conceito histórico
e usado em todos os documentos eclesiológicos oficiais da Comunhão
Anglicana e das Províncias), formada por um determinado território e dirigida
por um Bispo, tendo como Sé, ou Igreja-Matriz, uma Catedral, gozando de
ampla autonomia, e regida pelos Estatutos Sociais, Cânones Diocesanos e
Estatutos de suas organizações internas.

O fórum principal de uma Diocese é o seu Concílio (também denominado de


Sínodo Diocesano ou Convenção Diocesana), onde tem assento os Bispos e
os delegados de suas Paróquias e Missões, e observadores dos Pontos
Missionários. O Concílio é um espaço de confraternização, intercâmbio de
idéias, apreciação de propostas, recebimento oficial de relatórios e
homologação e eleição de cargos. O Bispo Diocesano preside o Concílio. Há
votações por todo o plenário, e votação “por ordens”, como ocorre nos
Concílios Extraordinários para a eleição dos Bispos. A freqüência aos
Concílios é uma obrigação de todo clero ativo, salvo por razões de força
maior, mediante a apresentação de justificativa.

Bispo Robinson Cavalcanti


70

O Concílio elege, dentre os membros em plena comunhão da Diocese, os


integrantes do Conselho Diocesano, que assessora o Bispo no interregno das
reuniões dos Concílios, é de composição paritária de clérigos e leigos, e
substituição periódica. O Concílio toma ciência da designação dos cargos de
assessoria direta dos bispos, homologa os cargos designados (como
Arcediagos e Secretários) e elege, além dos membros do Conselho, os
membros de Juntas e Comissões Diocesanas.

O Conselho elege, anualmente, um Presidente, dentre os seus membros


clericais e um Secretário, clérigo ou leigo. O Presidente do Conselho
Diocesano substitui o Bispo em suas funções administrativas, em caso de
impedimento, vacância, licença ou ausência. Substitui o Presidente do
Conselho o “clérigo sênior”, ou seja, o Presbítero de maior tempo de
Ordenação integrante daquele colegiado superior. O Vigário-Geral é um
Chefe de Gabinete do Bispo, um assessor especial e representante em
questões e eventos de natureza religiosa, e um canal entre o Bispo e o
conjunto do Clero.

As Dioceses poderão ser divididas em circunscrições internas denominadas


de Arcediagados, dirigidas por um Arcediago, representante do Bispo, para a
coordenação das questões sub-regionais e seus empreendimentos
missionários.

Cada Diocese deverá ter uma Igreja-Matriz (ou Sé = Sede) denominada de


Catedral, por ser o lugar da Cátedra do bispo, em seu simbolismo de mestre
da doutrina e da fé, dirigida por um Deão, e tendo como órgão colegiado dos
atos simbólicos um Cabido, que inclui, além da Junta Paroquial, os
Arcediagos e os Cônegos (residentes, efetivos ou honorários), que são cargos
honoríficos e de colaboração com a Catedral, como centro irradiador da vida
diocesana, principalmente no campo litúrgico. As Dioceses possuem um
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

escritório denominado de “Centro Diocesano”, em geral em espaço contíguo à


Catedral.

O termo Arcipreste (que, como os Arcediagos, levam o título de “venerável”) é


concedido pelo Bispo a Presbíteros Aposentados que tenham tido vida
exemplarmente piedosa e relevantes serviços prestados.

De acordo com a legislação provincial, cada Diocese, além do seu Bispo


titular, denominado de Bispo Diocesano, poderá ter um Bispo Coadjutor
(que é um auxiliar com direito a sucessão) e Bispos Sufragâneos (auxiliares
sem direito a sucessão). Algumas Províncias e Dioceses podem ter Bispos
Auxiliares, que são aposentados ou resignatários, que prestam serviços
técnicos, de assessoria, ou exercem funções delegadas pelo Bispo Diocesano.
Os Ritos Sacramentais de Ordenação e de Confirmação, no Anglicanismo, são
privativos dos Bispos. Os Diáconos são Ordenados pela imposição de mãos
apenas dos Bispos, e os Presbíteros são Ordenados pela imposição de mãos
dos Bispos e dos Presbíteros.

O tratamento Reverendíssimo, que é uma única palavra em português,


representa palavras diversas na língua inglesa para cargos diversos (Most
Reverend = Arcebispos/Primazes; Right Reverend = Bispos; Very Reverend =
Deões). Aos Presbíteros e Diáconos deve-se o tratamento de Reverendos. O
Presbítero deverá por uma cruz (+) após a sua assinatura; os Bispos uma cruz
antes de sua assinatura (+) e os Arcebispos/Primazes, duas cruzes (++), como
símbolos que facilitam a identificação e o seu lugar na hierarquia.

O Clero Diocesano é integrado pelos Presbíteros Regulares, pelos


Presbíteros do Ministério Ordenado Auxiliar (MOA), pelos Diáconos
Transitórios (a caminho do Presbiterado) e pelos Diáconos Permanentes,
como vocação particular. Aos Presbíteros Regulares (dentre os quais são

Bispo Robinson Cavalcanti


72
eleitos os Bispos) se exige, como mínimo, o Bacharelado em Teologia ou
programa especial equivalente.

Os Arcediagos, as Secretarias, o Conselho Diocesano, as Juntas e Comissões


Diocesanas, os Sodalícios e as Ordens Religiosas são os instrumentos
institucionais para promover a integração diocesana.

As Dioceses, afora doações e verbas especiais, são mantidas pelas “cotas


diocesanas”, ou seja, 10% (dez por cento) da arrecadação de cada Paróquia
ou Missão.

No Anglicanismo (como em outras Igrejas Históricas) ninguém é membro de


uma Paróquia ou Missão, e, sim, membro da Diocese, mas arrolado em uma
Paróquia ou Missão. A transferência se dá de Diocese para Diocese, e o
arrolamento de Paróquia para Paróquia, mediante pedido à primeira ou
comunicação à segunda (que notificará a primeira).

Em todo o mundo os principais eventos e movimentos são promovidos,


prioritariamente, ao nível diocesano ou arcediagal, e somente de forma
secundária ao nível paroquial. Há autores e correntes minoritárias e periféricas
no Anglicanismo (por influência do Puritanismo do século XVI, e de contextos
congregacionalistas posteriores) que advogam a primazia do paroquialismo,
mas o fazem sem o amparo do entendimento eclesiológico histórico e dos
documentos oficiais.

COMUNIDADES
A Diocese como Igreja-Local é representada, nas diversas cidades e/ou
bairros, por suas Paróquias, Missões e Pontos Missionários.

Um Ponto Missionário é qualquer grupo de anglicanos que se reúne


regularmente, em local e horário definido, para o Culto ao Senhor, tendo, para
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

tanto, recebido autorização do Bispo ou do Arcediago. Os Pontos Missionários


podem estar vinculados a Paróquias ou, diretamente, à Diocese. No caso –
majoritário – de vinculação paroquial, seus membros são arrolados naquela
Paróquia, estando sob a orientação direta do seu Pároco, e para onde devem
enviar os seus dízimos e ofertas. Os Pontos Missionários podem enviar
observadores ao Concílio Diocesano. Os Ministros Locais, Evangelistas,
Candidatos, Postulantes, ou outros leigos autorizados podem ser
encarregados pela condução de um Ponto Missionário.

Uma Missão é um antigo Ponto Missionário que atingiu estabilidade,


organização, tem um mínimo de membros Confirmados e em comunhão (vinte
em nossa Diocese), Estatutos e um Conselho de Missão (em geral, de três
membros) eleito por seus membros, com os cargos clássicos de: Guardião,
Secretário e Tesoureiro. Uma Missão que se torna um ente diocesano pleno,
poderá fazer parcerias com outros entes, mas não pode ser considerada uma
congregação de uma Paróquia. O seu dirigente tem o título de Ministro
Encarregado, podendo ser exercido por um Diácono, devidamente designado
pelo Bispo e sob a supervisão do respectivo Arcediago. Uma Missão poderá
ter um Ministro Auxiliar ao Ministro Encarregado. As Missões têm o direito
de enviar um delegado ao Concílio Diocesano.

Uma Paróquia Subvencionada é uma comunidade que atingiu um número


maior de membros Confirmados e em comunhão (quarenta em nossa
Diocese), conta com maiores recursos humanos e financeiros e uma Junta
Paroquial (em geral, de seis membros) embora a maioria ainda funcione em
espaços alugados. O seu dirigente tem o título de Pároco, e será designado
pelo Bispo dentre os Presbíteros. Os auxiliares de uma Paróquia são
denominados de Coadjutores. Uma Paróquia Subvencionada tem direito a dois
delegados ao Concílio Diocesano.

Bispo Robinson Cavalcanti


74

Uma Paróquia Emancipada é uma comunidade que, além de possuir prédio


próprio e auto-sustento, atingiu a marca de mais de sessenta Membros
Confirmados e em Comunhão, e uma Junta Paroquial (em geral de nove
membros). O seu dirigente tem o titulo de Reitor. O Reitor e/ou o Coadjutor de
uma Paróquia Emancipada será eleito, por votação secreta, pela Junta
Paroquial, em eleição autorizada pelo Bispo, que, também homologará a lista
de candidatos e a eleição, designando e empossando os eleitos, pelo mandato
e condições estabelecidas pela Junta Paroquial quando da convocação da
eleição. Uma Paróquia Emancipada tem direito a três delegados ao Concílio
Diocesano.

As Juntas Paroquiais e os Conselhos de Missão são eleitos pela


assembléia das Paróquias e Missões, pelos Membros Comungantes maiores
de dezesseis anos, e dentre os membros em plena comunhão (comungantes,
contribuintes financeiros e maiores de dezoito anos) e têm um terço dos seus
componentes renovado anualmente, tendo autoridade em assuntos
administrativos, patrimoniais e financeiros, auxiliando os Ministros Ordenados
na Missão, conforme forem demandadas pelos mesmos.

Uma ampla parcela das Dioceses, em diversas Províncias, ainda mantém o


dispositivo canônico da territorialidade paroquial, ou seja, só se pode arrolar
na comunidade em cujo território está a residência do fiel. Reconhecendo o
fenômeno da conurbanização, das afinidades e vínculos afetivos, a Diocese do
Recife, em seu Concílio de 1999, eliminou esse dispositivo. É, porém,
recomendável que se viva a fé e se dê o testemunho cristão na comunidade
onde se reside e onde, em princípio, também se deve congregar, evitando-se
os riscos da perda do caráter pluriracial e pluriclassista que deve marcar o
Cristianismo.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

O Bispo é o Pastor de toda a Diocese, e os Reitores, Deões, Párocos,


Ministros Encarregados, Coadjutores, Ministros Auxiliares e demais
integrantes de Equipes Pastorais locais serão seus representantes locais
(Vigários = Vicarius = representante, o que está no lugar de), não “pastores de
Igrejas locais” (como nas eclesiologias congregacional ou presbiteriana).
Todos os Reverendos e Reverendas – Presbíteros e Diáconos – que integram
a Diocese e a Equipe Pastoral Diocesana, sob a autoridade e liderança do
Bispo, e, com as especificidades locais, devem adequar a vida das
comunidades sob a sua responsabilidade delegada, aos Cânones, Resoluções
do Concílio e do Conselho, e às Diretrizes do Bispo Diocesano.

Além das visitas rotineiras do Bispo Diocesano, as Paróquias e Missões


deverão, pelo menos uma vez a cada dois anos, preparar uma Visitação do
mesmo, ocasião em que lhes serão mostrados os livros de registros e
apresentado relatórios por todos os segmentos da comunidade, para que o
mesmo tenha uma visão mais profunda e de conjunto, e possa melhor exercer
a sua supervisão e ensino para o conjunto da Diocese e para cada
comunidade em particular.

CONCLUSÕES
Quando os ministros anglicanos são Ordenados, como Bispos, Presbíteros e
Diáconos, ou quando sua liderança leiga é empossada nas Juntas Paroquiais
ou Conselhos de Missão, eles se comprometem com a doutrina, o culto e a
disciplina desse ramo do Cristianismo. A Doutrina é o nosso conjunto de
crenças, o Culto a nossa expressão litúrgica, e a Disciplina com as nossas
normas e procedimentos organizacionais vigentes.

Como os cidadãos, em relação ao Estado, se aplicam também aos fiéis o


princípio de que “a ninguém é lícito desconhecer a Lei”, o desconhecimento

Bispo Robinson Cavalcanti


76
não pode servir de escusa para o descumprimento. Nenhuma instituição pode
subsistir se cada um dos seus integrantes avocar o direito de escolher que
normas vai ou não seguir. Um cristão maduro é sempre alguém presente nos
processos decisórios: assembléias paroquiais, concílios diocesanos, sínodos
provinciais etc., como demonstração de maturidade, que se expressa em
compromisso e participação.

As normas e procedimentos anglicanos são um rico somatório de práticas


costumeiras (consuetudinárias), que foram sendo construídas, ao longo dos
séculos, pela catolicidade da Igreja, desde os séculos primeiros, passando
pela Reforma Protestante, e chegando aos nossos dias, em uma convergência
entre o antigo e o novo, o universal e o local.

Usamos as expressões “poder partilhado” ou “autoridade dispersa” para o


nosso sistema de governo anglicano, com quatro esferas verticais: Comunhão
Anglicana, Província, Diocese e Paróquia/Missão, e, cada uma delas, com
várias esferas horizontais, envolvendo o Episcopado, o Clero presbiteral e
diaconal, e o laicato. Há uma hierarquia sacerdotal em cooperação com a
conciliaridade e a sinodalidade, como assembléias de todos os fiéis. Tem sido
chamado de “episcopalismo participativo”, em contraste com o episcopalismo
monárquico e com basismo populista. “Episcopalmente dirigidos;
conciliarmente governados” é uma outra expressão descritiva do nosso modo
de administrar os negócios do Reino.

Para esse conjunto de normas e procedimentos, escritos ou costumeiros, se


usa a expressão inglesa de “church order”, a ordem na/da Igreja, como ela se
ordena, se estrutura, estuda, debate, planeja, decide, implementa. Isso implica
em continuidade e mudança, em rejeição ao imobilismo tradicionalista e ao
radicalismo mudancista, pois cremos que o Espírito Santo tem sido invocado
por nossos dirigentes por dois mil anos, e não esteve surdo ou ausente, mas
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

em escuta e presente. É verdade que nem sempre tivemos o discernimento


para escutá-lo ou, em o escutando, para obedecê-lo.

Por um lado, cremos que as normas e os procedimentos estabelecidos, bem


como as autoridades deles decorrentes, se constituem em meios, em canais,
para a boa implementação da Missão da Igreja, e nunca fins em si mesmos.
Por outro lado, devemos rejeitar como anti-históricos, anti-providência e
irresponsável todo neo-platonismo pretensamente espiritualizante, que negue
o valor do institucional, que esteve no coração de Deus quando concedeu à
humanidade um mandato cultural, ou quando concedeu aos apóstolos a tarefa
de organizar a Igreja.

Fixação de aprendizagem:

1. Quais as funções dos Instrumentos de Unidade/Instrumentos de


Comunhão na Comunhão Anglicana?
2. Como se dá o funcionamento de uma Província? E qual a diferença
entre uma
Província e uma província?
3. Por que se diz que, no Anglicanismo, a Igreja-Local é a Diocese?
4. Diferencie: Ponto Missionário, Missão, Paróquia Subvencionada,
Paróquia Autônoma.

Sétimo Capítulo: A Estética

INTRODUÇÃO
Sendo Deus o único ser incriado e perfeito, Ele é portador – em perfeição – de
todos os atributos. Dentre estes, podemos afirmar que Deus é, também, o
Sumo Belo. Em decorrência, toda a Criação é Bela. Qualquer limitação,
distorção ou ausência de beleza, é uma decorrência da Queda, que trouxe a
entropia física, espiritual e moral à natureza. A Beleza marcou o Jardim do
Éden e marcará a Nova Jerusalém. Embora pecadores, resta a nós seres

Bispo Robinson Cavalcanti


78
humanos a capacidade de valorizar a beleza, no que podemos denominar de
sensibilidade estética, e a capacidade de criar a beleza, que poderíamos
denominar de capacidade artística, malgrado as diferenças culturais.

Estética é percepção, é sensação. Os gregos a sistematizaram como um ramo


da Filosofia, sempre vinculada não só à Lógica, mas à Ética, quando a obra
ideal e a visão ideal da obra devem compatibilizar o belo com o bom, a
estética com os valores. Tendo Deus atribuído à humanidade um mandato
cultural, que inclui a intervenção na natureza e na criação, a Estética tanto é
uma percepção do belo criado diretamente pelo Criador, como do belo criado
pelas criaturas. Os pensadores gregos, por meio da Estética, pensavam os
objetos belos criados pela cultura, como harmonia, simetria, definição. No
século XVIII, o autor alemão Alexander G. Baumgarten, com sua obra
Aesthetica, procurou destacar a Estética como disciplina autônoma do
conjunto da Filosofia, tendo como objeto “o estudo das obras de arte e o
conhecimento dos aspectos da realidade sensorial classificáveis em termos de
belo e feio”.

A produção estética é a arte, seja plástica, dramática ou musical. E elas tanto


podem ter uma temática “natural” (impropriamente tida como “secular”) quanto
religiosa. Os registros históricos mais antigos atestam manifestações artísticas
de temas religiosos, nas mais diversas épocas e culturas: a arte na adoração e
nos ritos sagrados de passagem. E aqui se faz uma diferenciação entre a “Arte
Religiosa”: toda aquela que trata de temas religiosos; e a “Arte Sacra”: aquela
destinada especificamente ao culto. Daí o paradoxo que um artista não
religioso (em virtude da Graça Comum) é capaz de criar um objeto inspirativo
para decorar um templo, enquanto um artista religioso pode tanto criar uma
obra apenas “religiosa” e não “sacra”, ou, ainda, uma obra “natural” (ou
secular).
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A arte sacra, além do prazer estético, conduz o pensamento e as emoções em


direção ao sagrado, ao místico, ao transcendente, ao mistério divino, tanto em
seus temas como em suas expressões. Ela não somente é um canal na
direção criatura-divindade, mas, ao transmitir verdades e valores (Estética +
Ética) na direção divindade-criatura. A arte sacra se destina a um fim litúrgico,
se vincula à Liturgia, colaborando para a adoração dos fiéis, para uma atitude
de contrição, de respeito, de adoração, no contexto do culto divino.

A arte sacra inclui a arquitetura dos templos e os objetos de sua decoração, os


utensílios do culto, as vestes dos ministros, a música ou a dança, as
cerimônias, os símbolos e os ritos, ou seja, a Liturgia, o trabalho religioso do
povo, que os gregos redefiniram como ofício religioso.

Embora o homem natural seja dotado de inatas sensibilidades e capacidades


artísticas, tanto essa sensibilidade, quanto essa capacidade, podem ser
aprimoradas com a educação, reduzindo o que vulgarmente é denominado de
“grossura”, ou de expressões mais simples, e menos refinada (o “brega”),
concorrendo para a polidez e a gentileza dos seres humanos, sua civilidade,
sua humanização, sua espiritualidade.

Estética, arte religiosa, arte sacra, liturgia, são encontradas em todas as


épocas e culturas, e em todas as manifestações, correntes e instituições
religiosas, de modo assumido ou não, cultivado ou não, valorizado ou não. O
seu cultivo adequado concorre para a edificação e amadurecimento dos fiéis,
além de comunicarem socialmente um conteúdo, uma mensagem e uma
identidade (p.ex.: símbolos, logomarcas).

Uma das características do Anglicanismo, como ramo histórico, católico e


reformado da Igreja de Jesus Cristo, é a sua valorização da Estética.

Bispo Robinson Cavalcanti


80
ISRAEL
Sabemos que os céus e o firmamento proclamam, explicitam à humanidade a
glória e o poder de Deus. Cedo, Ele aceitou o primeiro rito no sacrifício de
Abel, e na rejeição do sacrifício de Caim, evidenciando que nem todas as
formas de culto são aceitáveis. Ele usa da beleza do arco-íris, em sua
policromia, para selar o pacto com Noé. Na Era patriarcal, vemos Abraão, em
sua peregrinação de Ur a Canaã ir erigindo altares (Livro de Gênesis).

O Livro de Êxodo nos descreve o processo de libertação do exílio no Egito, e


nele a primeira Páscoa é um rito com todos os seus elementos requeridos. A
escultura da serpente como símbolo de vitória sobre as falsas serpentes dos
sacerdotes egípcios é destruído, porque o povo no lugar de ver no símbolo
algo que lhe lembrasse o Deus libertador, estava começando a adorar o
próprio símbolo, no mecanismo que denominamos de idolatria. Esta também
vem com qualquer objeto, ser ou sistema que tome o lugar de Deus como
centro da vida dos seres humanos. A idolatria é uma manifestação de pecado,
uma relação incorreta com os objetos da arte sacra, ou a criação de objetos
artísticos incorretos em si mesmo, como no episódio da confecção do bezerro
de ouro.

A idolatria (expressa ou sutil) é sempre um risco na Arte Sacra, mas nunca foi
razão suficiente para Deus condenar esta per se, ou em sua totalidade, antes
Ele sempre continuou a promovê-la. Porque a destruição da serpente, ou do
bezerro de ouro, não impediu a construção da Arca que levaria as tábuas da
Lei na peregrinação do povo, o propiciatório (inclusive com o detalhe da
escultura dos anjos), a mesa, o candelabro, as cortinas do tabernáculo, a
coberta de pele e de tábuas, os véus, o reposteiro, as colunas, o altar do
holocausto, o átrio do tabernáculo, o azeite para o candeeiro, a instituição do
sacerdócio dentre os filhos de Arão, as vestes sacerdotais: o peitoral, a estola
sacerdotal, a sobrepeliz, a túnica bordada, a mitra e o cinto. E, ainda, as
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

cerimônias de consagração e de sacrifícios, as ofertas contínuas, o altar do


incenso, a bacia de bronze, o óleo da santa unção, o incenso sagrado (Ex
caps. 26 a 30).

Todos esses detalhes arquitetônicos, de decoração e ritual, foram


expressamente comunicados por Deus mesmo a Moisés. A beleza do
Tabernáculo deveria trazer consciência da presença do Criador e a lembrança
da glória do céu. Os artistas que os confeccionariam não deveriam ser simples
“profissionais competentes”, mas pessoas especiais, chamadas e ungidas
para essa obra:

Disse mais o Senhor a Moisés: Eis que chamei pelo nome


a Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o
enchi do Espírito de Deus, de habilidade, de inteligência e
de conhecimento, em todo artifício, para elaborar
desenhos e trabalhar em ouro, em prata, em bronze, para
lapidação de pedras de engaste, para entalho de madeira,
para toda sorte de lavores. Eis que lhe dei por
companheiro Aoliabe, filho de Alsamaque, filho de Dã; e
dei habilidade a todos os homens hábeis para que me
façam tudo o que tenho ordenado: a tenda da
congregação,a arca do Testemunho, e o propiciatório que
está de cima dela, e todos os pertences da tenda; e a
mesa com seus utensílios, e o candelabro de ouro puro
com todos os seus utensílios, e o altar de incenso, e o
altar do holocausto com todos os seus utensílios,e a bacia
com seu suporte, e as vestes finamente tecidas, e as
vestes sagradas do sacerdote Arão, e as vestes dos seus
filhos, para oficiarem como sacerdotes, e o óleo da unção
e o incenso aromático para o santuário; eles farão tudo
que tenho ordenado (Ex 31:1-11).

Com o estabelecimento do reino, é Davi quem leva a arca em festiva


procissão para Jerusalém, a capital, e seu filho Salomão (século X a.C.) quem
edifica o primeiro Templo, com uma planta específica, a decoração das
paredes e das portas, as colunas, e os utensílios, trazendo, por fim, a Arca

Bispo Robinson Cavalcanti


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para o Templo. Deus aprova aquela obra de arte e a relaciona com a vida
espiritual e a obediência, como requisitos para a sua presença:

Então veio a palavra do Senhor a Salomão, dizendo:


Quanto a esta casa que tu edificas, se andares nos meus
estatutos, e executares os meus juízos, e guardares todos
os meus mandamentos, andando neles, cumprirei para
contigo a minha palavra, a qual falei a Davi, teu pai. E
habitarei no meio dos filhos de Israel e não desamparei o
meu povo (I Rs 6:11-13).

Houve, durante toda a história dos hebreus, uma íntima relação entre a
observância da Lei, o cuidado com o culto, a vida espiritual e moral, a
independência nacional e a valorização do Templo, com a sucessão de reis
desobedientes e de reis piedosos. Podemos destacar, como exemplo, o
contraste entre os reinados de Acaz e de Ezequias. Em virtude de um acordo
político com o rei da Síria, Acaz ofereceu sacrifício a seus deuses, e profanou
o Templo: “Ajuntou Acaz os utensílios da Casa do Senhor, fê-los em pedaços
e fechou as portas da Casa do Senhor; e fez para si altares em todos os
cantos de Jerusalém. Também, em cada cidade de Judá, fez altos para
queimar incensos a outros deuses; assim, provocou a ira o Senhor Deus dos
seus pais” (II Cr 28:24-25). Em contraste, Ezequias: “No primeiro ano do seu
reinado, no primeiro mês, abriu as portas da Casa do Senhor e as reparou,
denunciando os que voltaram as costas à Casa do Senhor, a profanaram”...
“...pelo que veio grande ira do Senhor sobre Judá...” (II Cr 29: 3-11).

O Templo foi destruído pelos babilônios, em 586, a.C. Sob as profecias de


Ezequiel, Ageu e Zacarias, foi reconstruído em 520 a.C. Ele foi profanado por
Antioco Epifanes, em 167 a.C., e re-dedicado dois anos depois por Judas
Macabeus. A última versão do Templo foi erigida por Herodes, o Grande (o da
época de Jesus), sendo destruído pelos romanos no ano 70 a.D., e nunca
reconstruído, encerrando a dispensação da Lei. Jesus foi apresentado no
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Templo, ali teve, no início da adolescência, o seu colóquio com os doutores, o


freqüentou e o purificou.

Os Ritos e as Cerimônias judaicas, além do Templo, eram praticados nos lares


(Culto do Shabath, Páscoa, Casamentos) e nas sinagogas de cada cidade ou
povoados (maioridade, circuncisão, Louvor, Liturgia da Palavra). As sinagogas
haviam surgido durante o exílio babilônico (século VI a.C.). Com a diáspora do
primeiro século a.D., o Calendário e a Liturgia judaica estavam tão arraigados
como parte da cultura e da identidade do povo, que têm subsistido, por vinte
séculos, nos lares e nas sinagogas, até o presente.

Se, de um lado, em nossos dias, é compreensível que os chamados “judeus


messiânicos” (judeus convertidos a Cristo) procurem compatibilizar a sua fé
com as suas tradições, por outro lado, a adoção de práticas judaizantes por
outros grupos cristãos é apenas um atestado da necessidade de se preencher
um vácuo deixado pelo desconhecimento ou desvalorização do nosso
calendário e dos nossos símbolos, dos ritos e cerimônias históricas da Igreja.

Antes do que a forma, os Anglicanos – que valorizam a Palavra de Deus


também do Antigo Testamento, e o lugar da tradição na espiritualidade cristã –
procuram levar em conta a verdade central: de que o nosso Deus se comunica
com o seu povo na História valorizando a Estética e a santidade de lugares,
utensílios, vestes e liturgia.

IGREJA
Em seus primórdios, a Igreja, formada por judeus e prosélitos, manteve
vínculos com o Templo (até a sua destruição e a diáspora) e com as
sinagogas, tanto na Palestina, quanto nas localidades com colônias judaicas
no Império Romano. Os convertidos gentios, por sua vez, abandonam os
templos pagãos, e não foram encorajados a se vincular às sinagogas. O

Bispo Robinson Cavalcanti


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próximo passo foi procurar lugares estáveis para suas reuniões e cultos,
tantas vezes sob a perseguição imperial. As reuniões nos lares, às margens
dos rios, ou nas catacumbas, não foi uma opção (muito menos opção
definitiva), mas uma resposta contingencial e emergencial, e não podem ser
tomadas por norma ou paradigma.

O peixe, o alfa e o ômega, e outros símbolos passaram a ser usados, e a


grande revolução cultural foi a transformação da Cruz, de símbolo de
execução criminal (como a forca) em sua maior identificação, e de toda uma
civilização que seria erigida com a mesma no topo dos templos, que passaram
a ser construídos, no Oriente e no Ocidente, nos tempos de liberdade. Nos
diversos ramos da Cristandade e nos diversos locais e culturas, foram
surgindo estilos arquitetônicos e escolas de arte sacra na decoração, e nos
utensílios dos mesmos: vitrais, azulejos, ícones, altares, púlpitos, batistérios
etc. As Catedrais, em sua grandeza e beleza, foram monumentos à fé, ou
como já se afirmou “Orações em forma de pedra e cal”. Por sua vez, fórmulas,
como os ritos do Batismo e da Eucaristia foram elaborados muito cedo, sendo
o primeiro atribuído a Tiago, o irmão do Senhor, e, até hoje, base da liturgia
siriana.

Se fizermos uma “viagem” no tempo e no espaço, dos sirianos de Kerala, na


Índia, aos nestorianos, na Pérsia (Ásia) aos caldeus, no Iraque, aos coptas, no
Egito e na Etiópia (África), à mui antiga Igreja Armênia, ao amplo espaço
bizantino, ou às diversas regiões européias sob a Igreja de Roma, o que
vamos constatar é uma variedade de estilos arquitetônicos, musicais,
litúrgicos, de decoração ou de vestes, mas nunca a sua ausência.

A História da Igreja Cristã, por dois mil anos, é, simultaneamente, a História da


Arte Sacra Cristã, a História da Liturgia Cristã, enfim, a História da Estética
Cristã, pois os cristãos celebram a beleza do Deus da Criação e da Criação de
Deus e, no exercício do seu mandato cultural, procuram expressar esse
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

sentimento e essa sensibilidade ao belo, exceto episódios localizados de


fanatismo iconoclasta.

Essa unanimidade de atitude se rompe quando da Reforma Protestante do


Século XVI. Na Primeira Reforma, os Luteranos combateram vigorosamente
os desvios das indulgências, da superstição e da idolatria; foram igualmente
firmes em manter o legado estético da Cristandade, e acrescentar seus
próprios estilos, na Alemanha, Escandinávia e no Báltico. Uma ruptura e uma
desvalorização da Arte já é, porém, evidente com a Segunda Reforma, o
Calvinismo, e ela se aprofunda com a Terceira Reforma, Anabatista, com a
leitura do passado como uma “apostasia geral da Igreja”, uma identificação da
Arte como sendo sempre idolatria, e uma rejeição aos artistas como
“preguiçosos” ou “perigosos”, e a predominância do princípio extremista do
templo e do culto como: “Quatro Paredes Caiadas e Um Sermão”.

Para Lutero, como os protestantes estavam reformando a mesma e única


Igreja de Cristo, assistida pelo Espírito Santo em séculos de cultura, deveriam
preservar todo esse rico legado, menos seus aspectos ou expressões que se
chocassem com as Sagradas Escrituras. Conforme, ensinava Melanchton, há
aspectos da cultura que não são nem revelação, nem pecado, mas adiáforas,
ou seja, indiferentes ante o juízo de Deus. Enquanto isso, as expressões
radicais da Reforma não trabalharam com o conceito de adiáfora e
raciocinaram de forma inversa a Lutero: tudo aquilo que não estivesse
prescrito pelas Sagradas Escrituras deveria ser eliminado. Os resultados
foram trágicos para a Cultura, para a Arte e para a saúde espiritual da Igreja,
além de ser a primeira porta aberta para o Secularismo que seguiria o
Iluminismo.

O Anglicanismo, com sua herança celta e romana, e seu forte intercâmbio com
os pensadores luteranos, apesar das marchas e contramarchas ocorridas

Bispo Robinson Cavalcanti


86
entre Henrique VIII e a Revolução Gloriosa, sábia e sensatamente, optou por
preservar e promover a estética do sagrado, sendo hoje uma das suas marcas
mais evidentes, a despeito dos pequenos bolsões de herdeiros do
Puritanismo, que permaneceram, tencionando, na periferia da instituição.

ANGLICANISMO
Quem visita as quarenta e quatro Catedrais inglesas, suas Abadias e as
Capelas de suas Universidades, se depara com construções de rara beleza,
onde, desde o estilo do edifício a cada detalhe da decoração, dos móveis e
dos utensílios (o altar, o púlpito, o atril, o presbitério, a cátedra, as cores das
estações, os instrumentos musicais, o espaço para os cantores etc.) formam
uma harmonia, porque foram pensados como expressão do culto. O mesmo
se pode dizer de templos de vários estilos, refletindo diversas épocas, estilos e
culturas, da Catedral Nacional de Washington às Capelas no interior da África,
da Ásia ou da Oceania. Essa harmonia estética, histórica e inculturada,
revelam a piedade anglicana e sua seriedade e, especialmente, reverência
diante de Deus. Os santuários são lugares separados (santos) para o serviço
a Deus, desvinculados do uso comum, e devem criar uma atmosfera propícia
ao recolhimento espiritual e à comunicação com o Senhor.

Não se pode negar, também, a beleza do processional e do recessional dos


cultos, precedidos pelo cruciferários, seguindo-se o coro, os acólitos e outros
ministérios instituídos (catequistas, evangelistas, ministros leigos/locais),
membros de Ordens Religiosas, Diáconos, Presbítero e Bispos, com suas
vestes (cassoques, sobrepeliz, alva, faixas, estolas, típete, capa etc.)
respectivas e diferenciadoras, em um raro momento de polifonia e de
policromia.

Salta aos olhos a estética dos paramentos do altar, com a Toalha Encerada, o
Frontal, o Véu de Seda do Cálice, a Toalha de Linho Branco, a Bolsa, o Cálice,
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

a Patena, as Galhetas, a Caixa de Obréias e o Lavabo, seus linhos, como o


Corporal, a Pala, o Véu da Pós-Comunhão, o Purificador, o Manustérgio, a
Toalha Batismal, bem como os seus ornamentos, como a Cruz, os Castiçais e
a Salva, o Antepêndio do Púlpito, o Antepêndio do Atril, os Marcadores dos
Livros, os Estandartes etc., (com maior ou menor ênfase entre as alas da
“Igreja alta” e da “Igreja baixa”), variando com as cores litúrgicas das estações
(Advento, Natal, Epifania, Quaresma, Pentecostes) e datas ou ocasiões
especiais: o Roxo: penitência, recolhimento; o Verde: esperança,
regeneração, imortalidade; o Vermelho: Espírito Santo, martírio, amor de
Deus, e o Branco: pureza, perfeição.

Quanto à Liturgia, devemos diferenciar os Símbolos (objetos), as Cerimônias


(gestos) e os Ritos (palavras). Na lícita diversidade anglicana (inclusividade
limitada), tem sempre havido lugar para diferenciação e criatividade quanto
aos Símbolos e Cerimônias, preservando-se, contudo, o Rito. Este não é
estático, e o Culto não tem que se limitar unicamente ao que prescreve o Livro
de Oração Comum (LOC), mas, por outro lado, não se deve omitir do texto,
que não foi escrito pelo Arcebispo Cranmer, mas compilado e sistematizado
por ele, de uma rica tradição de séculos. O correto é manter todo o texto e
intercalá-lo com orações e falas improvisadas, músicas instrumentais e/ou
vocais, danças etc., harmonizando-se, assim, a história e a universalidade,
com a localidade e a atualidade. O importante é que cada fiel possa seguir um
Culto Anglicano onde estiver, em qualquer parte do mundo, e que os Ministros,
em idênticas circunstâncias, estejam em condição para celebrá-lo.

Quanto aos Ritos: Batismo, Confirmação, Orações Matutinas, Vespertinas,


Completas, Eucaristia (Ceia do Senhor), Matrimônio, e outros, a História da
Igreja Cristã registra uma longa e diversa elaboração, desde o primeiro e o
segundo século (Carta de Clemente Romano aos Coríntios, 96 d.C.; Carta de

Bispo Robinson Cavalcanti


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Plínio ao Imperador Trajano, 112, d.C.; Didaquê, 110-140 d.C.; Relato de
Justino, o Mártir, 150 d.C.), e, no terceiro século, partes da Liturgia, como o
“Corações ao Alto” (Sursum Corda), a Instituição, a Anamnese, a Epiclese,
estão registradas em obras como A Tradição Apostólica de Hipólito e as
Catequeses Mistagógicas de Cirilo.

Vai-se dando somatórios, sínteses, criatividade, das diversas fontes, tanto


orientais: São Tiago, São João Crisóstomo; quanto ocidentais: Romana,
Ambrosiana, Hispânica, Celta e Galicana; e, no caso inglês, mais tarde, o Rito
de Sarum (da Catedral de Salisbury, no século XI). Na época que antecede a
Reforma Inglesa, vários Ritos eram usados nas ilhas britânicas e na língua
latina. Cranmer os unifica, os simplifica e os reforma, particularmente sob a
influência dos liturgistas luteranos. A semelhança litúrgica entre o Luteranismo
e o Anglicanismo permanece até hoje.

Esses Ritos, comunitários, com sua seqüência, sua “lógica”, preservam a


tradição e se centram na Bíblia, levando os fiéis à adoração, ao louvor, à
contrição, ao arrependimento, à edificação para a vida, pela leitura e
exposição da Palavra e pela ministração dos Sacramentos e Ritos
Sacramentais, acordes com a Palavra, superando o mágico medieval sem cair
no mero discursivo centrado na figura do pastor, típicos das manifestações
extremadas posteriores do Protestantismo.

Sabemos que não há Igreja sem Liturgia, e que o Anglicanismo se caracteriza


pelo caráter bíblico, histórico, sistemático e estético da sua Liturgia.

OBSTÁCULOS
Todas as outras manifestações religiosas diversas da Igreja de Roma no Brasil
foram duramente perseguidas no período Colonial, inclusive com a Inquisição.
Com a vinda da Família Real e o Reino Unido (1808), e posteriormente, com a
Constituição Imperial (1824), mantida as discriminações legais, foi promovida
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

uma política de “tolerância” (não de liberdade religiosa), com os outros cultos a


terem lugar em espaços privados, ou que não tivessem sinais exteriores de
templo, mesmo aqueles permitidos aos súditos de Sua Majestade Britânica
(Anglicanos), em língua inglesa e aos imigrantes luteranos, em alemão. Essas
restrições permaneceram até a Proclamação da República e a Constituição de
1891.

Missionários protestantes que aqui chegaram tinham receio de afrontar a Lei,


“perturbar a ordem pública”, podendo ser expulsos do País, fazendo o seu
trabalho evangelístico de forma discreta, inclusive construindo os templos sem
cara de templo.

Grande parte das novas comunidades protestantes era formada por gente
simples, carente de maiores recursos, realizando os seus cultos nos lares, em
salões alugados ou em construções rústicas.

Missionários estrangeiros e pastores nacionais integravam, em sua maioria,


instituições herdeiras da Segunda e da Terceira Reforma e – salvo exceções –
eram defensores de um radicalismo litúrgico anti-tradição e anti-símbolos.

A identidade protestante no Brasil (e na maior parte da América Latina) foi


construída não pela afirmação dos seus próprios princípios, mas pela negação
de qualquer marca associada à Igreja de Roma, desvalorizadas todas,
preliminarmente.

O resultado dessa polarização e imaturidade foi a ausência de uma arquitetura


protestante, ou de expressões de arte plástica na decoração e utensílios dos
templos, nas vestes dos Ministros, ou na elaboração da Liturgia. Houve uma
ruptura absoluta com a História da Arte Cristã, um bloqueio à criatividade, um
empobrecimento estético evidente, quando se confundiu o legado “católico”
(patrimônio comum) com o apenas “romano”.

Bispo Robinson Cavalcanti


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Com a República, tanto as Capelanias Consulares no Brasil construíram os


seus templos, como réplicas inglesas, como as colônias anglicanas de
imigrantes japoneses e a Missão Episcopal de origem norte-americana (bispos
Kinsolving e Thomas) foram responsáveis pelos primeiros templos
protestantes com cara (e interior) de templos no Brasil (bem como as colônias
rurais luteranas alemães e suíças), principalmente nas regiões sul e sudeste.

Foi na região Nordeste, porém, onde a polarização (e a perseguição) entre


católicos romanos e protestantes encontrou suas expressões mais
extremadas, com danos à estética religiosa evangélica que persistem até o
presente, e que, lamentavelmente, tem afetado a consolidação do
anglicanismo na região.

CONCLUSÕES
A cura emocional e espiritual do Protestantismo brasileiro passa pela re-
inclusão da estética no sagrado, com a apropriação do legado artístico
histórico e a liberdade para a criação autóctone, liberto do medo de se parecer
“católico” (ou, mais exatamente, “romano”). O uso de símbolos (como a cruz
de pescoço ou lapela, ou o colarinho eclesiástico) são elementos facilitadores
à missão, pela explicitação do seu conteúdo e estabelecimento de diálogos. O
Anglicanismo, ortodoxo, da Diocese do Recife, deve dar exemplo dessa
libertação de preconceitos, para o bem do Reino de Deus, como uma
alternativa compatibilizadora entre o Bem (a Sã Doutrina) e o Belo (a Arte
Sacra, a Liturgia), que uma parcela crescente da população brasileira,
insatisfeita com as expressões polares encontradas, está (ainda que
inconscientemente) a buscar.

Por último, vale a pena chamar a atenção para a agressividade da ideologia


Secularista, que quer eliminar todos os símbolos e valores religiosos do
espaço público, encetando, na realidade, um novo ciclo de perseguição
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

religiosa no Ocidente. Nesse conflito de propostas que se expressa em


símbolos, que o preconceito, as neuroses ou a estreiteza mental de cristãos
evangélicos (Anglicanos, inclusive) não termine por colaborar com o inimigo.

Resgatemos a Beleza!

Fixação de aprendizagem:

1. O que você entende por: Estética, Arte Religiosa, Arte Sacra e


Liturgia?
2. Que lições você tira da Bíblia para a Arte Sacra?
3. Por que se diz que a Igreja Anglicana é uma Igreja litúrgica? As
outras Igrejas também não são?
4. Por que há barreiras à Arte Sacra e à Liturgia no Protestantismo
Brasileiro?

Oitavo Capítulo: As Tendências

INTRODUÇÃO
Com sua História específica, a Igreja da Inglaterra – e, por extensão, o
Anglicanismo – desenvolveria uma identidade peculiar. A influência celta,
católica romana, da pré-reforma de Wycliffe; a influência luterana e calvinista,
a luta pela independência contra o domínio do Sacro-Império Germânico
Romano, a dubiedade religiosa de Henrique VIII (apesar da independência
nacional e o estabelecimento de uma Igreja nacional), as marchas e
contramarchas das preferências religiosas dos seus três filhos e herdeiros: o
protestantismo de Eduardo, o catolicismo romano de Maria e o
estabelecimento de um modelo próprio – católico/protestante – por Elizabeth.
E, ainda, os sinais contraditórios de Jaime I e Jaime II; Carlos I e Carlos II,
passando pelos regimes presbiterianos do Parlamento e dos Cromwell (Oliver
e Richard).

Bispo Robinson Cavalcanti


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Havia o desafio de não voltar a Roma, nem ser uma mera continuação do
romanismo sem vínculos com Roma, sendo católica, mas não romana, com
continuidade, mas com reforma. Havia o desafio da pressão por radicalização
por parte dos Puritanos, tanto presbiterianos quanto congregacionais. Do
continente chegavam os ecos de Lutero, de Calvino e dos Anabatistas. O Ato
de Supremacia e o Ato de Uniformidade foram diplomas legais autoritários,
mas inevitáveis no contexto da época, como se teve que apelar para a
autoridade do Estado, tanto no estabelecimento elizabethano, quanto no
estabelecimento posterior da Revolução Gloriosa.

A Igreja da Inglaterra se tornou uma Igreja-encruzilhada, caminho por onde


todos passaram, e uma Igreja-síntese, onde se procurou consolidar o que se
julgou ser o melhor de cada proposta. Assim, se conseguiu um alto grau de
consenso na Doutrina e na Ordem, em torno do conteúdo do Livro de Oração
Comum (LOC), mas não se evitou que ela se tornasse, também, até certo
ponto, uma Igreja-frente, com suas alas ou tendências internas, ora em
cooperação, ora em conflito.

O Anglicanismo terminaria por adotar o princípio herdado da Patrística: “No


Essencial Unidade; no Não-Essencial Diversidade; em Tudo Caridade”.
Momentos históricos e realidades regionais (Províncias/Dioceses) implicaram
na hegemonia de uma ou outra corrente. Mas, como uma “via média” entre
extremos, e com essa diversidade interna, o Anglicanismo sobreviveu, e se
expandiu, por cinco séculos. Hoje esse princípio está seriamente ameaçado
por aqueles que negam qualquer item “essencial”. O desafio deles, por outro
lado, também tem concorrido para uma maior cooperação e intercâmbio entre
correntes históricas, com desdobramentos ainda imprevisíveis.

CONSENSO
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Do triunfo da Revolução Gloriosa, de Guilherme e Maria (1688), ao surgimento


do Movimento de Oxford (1838) viveu a Igreja da Inglaterra um período que foi
denominado de Consenso Protestante. O Anglicanismo se via como uma
Igreja Nacional resultante do fenômeno sócio-político-econômico-cultural-
religioso conhecido como a Reforma Protestante do Século XVI. Uma Igreja
Reformada, Protestante, que afirmava a autoridade das Sagradas Escrituras,
popularizado o seu uso e “livre exame” no vernáculo entre o povo, com uma fé
centrada na Graça de Deus manifestada no sacrifício de Cristo, e cujo
conteúdo doutrinário, litúrgico e teológico estava expresso no Livro de Oração
Comum (LOC), edição de 1662. Doutrinas tidas como “irracionais”, como a
transubstanciação, ou extra-bíblicas, como o purgatório, o papado, o celibato
obrigatório do clero foram combatidas, bem como práticas como a venda de
indulgências, a veneração de relíquias, a adoração do sacramento ou das
imagens e o excesso de ritualismo. Procurou-se ensinar uma religião mais
simples, pessoal e espiritual, que facilitasse o acesso do fiel a Deus.

Com a escassez de Presbíteros, e visitas apenas ocasionais dos Bispos,


grande parte das Capelas (especialmente na zona rural), eram dirigidas por
“Leitores” (Ministros Leigos) ou por Diáconos, com uma estética mais
despojada e uma liturgia mais simples, com uma ênfase na celebração
dominical da Oração Matutina, e mensal da Oração Eucarística, ausente o uso
de candelabros, nos altares, capas, mitras ou estolas. Essa tônica de
simplicidade seria conhecida como algumas das marcas do que foi
denominado de “Igreja Baixa”.

Nesse período existiam, também, setores minoritários que defendiam uma


maior ênfase no passado pré-reformado, como os Teólogos Carolíngios
(surgidos nos reinados de Carlos I e Carlos II), origem do que seria
posteriormente conhecida como “Igreja Alta” cuja influência foi grandemente

Bispo Robinson Cavalcanti


94
diminuída pelo surgimento do movimento dos Non-Jurors (Não-Juradores),
primeiro cisma anglicano, quando 9 (nove) Bispos e 400 (quatrocentos)
sacerdotes foram afastados por se recusarem a jurar lealdade a Guilherme e
Maria. Levou quase duzentos anos para que esse movimento fosse
reabsorvido pela Igreja instituída, e o seu maior legado foi contribuir para
garantir a sucessão apostólica da Igreja Episcopal Escocesa.

Igualmente, nesse período, encontramos outra minoria, mais racionalista,


influenciada pelo Iluminismo, que viria a ser a origem do que depois seria
conhecido como “Igreja Larga”.

TENDÊNCIAS
A – IGREJA ALTA
A expressão “Igreja Alta” (High Church) foi cunhada no final do século XVII
para se referir à ala da Igreja da Inglaterra que, desde o período elizabethano
resistia às investidas dos reformadores puritanos, enfatizando a continuidade
histórica com a Cristandade Católica pré-reformada, o que implicava em um
conceito “alto” sobre a autoridade da Igreja, especialmente no que diz respeito
ao Episcopado e aos Sacramentos. No século XVI Bancroft e Hooker, e, no
século XVII Andrewes e Laud, são tidos como representantes desse
pensamento. Alguns aderiram ao cisma dos “Non-Jurors”, e outros
permaneceram na Igreja Estabelecida, havendo um declínio dessa proposta
no século XVIII, apesar da influência de nomes como Butler e Johnson. A
tendência da “Igreja Alta”, de certa forma, veio a renascer, na terceira década
século XIX, com o Movimento de Oxford, conhecido, também, como
Tratarianismo ou Anglo-Catolicismo.

B – IGREJA BAIXA
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A expressão “Igreja Baixa” (Low Church), por sua vez, foi usada para se referir
ao outro extremo do espectro eclesial inglês, àqueles herdeiros da tradição
Reformada, mais influenciado pelos Puritanos, dando menor importância ao
Episcopado, ao Sacerdócio e aos Sacramentos, cujas crenças se
aproximavam, muitas vezes, dos Protestantes Não-Conformistas. O termo foi
cunhado no século XVIII, em contraste com a “Igreja Alta”, e foi reavivado, no
século XIX, em setores do Evangelicalismo.

C – IGREJA LARGA
Uma terceira designação aparece no século XIX, com a “Igreja Larga” (Broad
Church), com autores como Arnold, Hampdem, Clough e Stanley, que
contribuíram para a publicação “Ensaios e Revisões” (1860). Eles opunham
objeções a definições positivas na teologia, buscando interpretar as rubricas e
formulários anglicanos de um modo “largo” ou “amplo”. Foram, depois,
chamados de “modernistas”, precursores do Liberalismo. Na realidade, se
pode traçar uma relação entre a “Igreja Larga” e os Latitudinarianos do século
XVII, que emprestavam pouca importância à verdade dogmática, a
organização eclesiástica e à liturgia, representados, por exemplo, pelos
“Platônicos de Cambridge”, arminianos, e que influenciaram a atmosfera
“morna” do Anglicanismo do século XVIII.

CORRENTES
1. CATÓLICAS
Os segmentos tidos como mais “Católicos” do Anglicanismo são aqueles que
enfatizam o papel dos Pais da Igreja, dos Pais Apostólicos e dos Concílios da
Igreja Indivisa, a Tradição, o Episcopado, os Sacramentos (dando aos Ritos
Sacramentais quase o mesmo status de sacramentos plenos), a Liturgia,
minimizando a importância da Reforma (“Somos uma Igreja Católica que
passou pela Reforma, ou que recebeu sua influência”). Não gostam de ser

Bispo Robinson Cavalcanti


96
chamados de “protestantes”, nem de considerar o Anglicanismo como um
mero ramo ou “denominação” do Protestantismo, e desenvolveram a teoria
dos “Três Ramos do Catolicismo: Roma, Bizâncio e Cantuária”, que,
ironicamente, não é aceita nem por Roma nem por Bizâncio, além de deixar
fora os outros ramos do Catolicismo, tanto no Oriente quanto no Ocidente.
Podem ser classificados, grosso modo, em quatro grupos: 1. Anglo-Católicos;
2. Moderados; 3. Liberais; 4. Carismáticos.

1.1.ANGLO-CATÓLICOS
O Anglo-Catolicismo, também chamado de “Movimento de Oxford”, ou
“Tratarianismo”, tem o seu ponto de partida com a publicação, a partir de
1838, da série denominada: “Tratados sobre os Tempos”, condenando o
estado de apatia espiritual e moral em que se encontrava a Igreja da
Inglaterra, e enfatizando os aspectos dogmáticos e sacramentais da vida
eclesiástica. Os seus principais expoentes foram J. H. Newman, autor de
Apologia Pro Vita Sua, J. Keble, E. B. Pusey, dentre outros. O Movimento teve
um forte impacto na renovação litúrgica (apesar das controvérsias e a
acusação de “papistas”) e nos pontos missionários nas favelas das grandes
cidades inglesas, mas sofreria uma crise que o dividiu, com um ala, liderada
por Newman (que seria feito Cardeal) indo para a Igreja Romana, e outra
permanecendo no interior da Igreja da Inglaterra.

O Anglo-Catolicismo veio a ser um movimento muito forte na segunda metade


do século XIX e início do século XX, contribuindo para a expansão missionária
do Anglicanismo (Caribe, partes da África e da Oceania, com sociedades
como a USPG), e para a revitalização das Ordens Religiosas, mas a sua
rigidez tradicionalista e hierárquica, o surgimento em seu meio de grupos mais
extremados (marianismo do santuário de Walshinghan), concorreu para que
surgissem outras expressões na ala católica, como os moderados, os liberais
e os carismáticos, que o levou a um crescente isolamento e declínio. Com a
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

controvérsia da Ordenação feminina, foi do Anglo-Catolicismo que saiu o


maior número de clérigos e leigos para Roma, para as Igrejas Orientais e para
as Jurisdições Anglicanas Continuantes.

Para pessoas – inclusive no Brasil – que de modo precipitado e sem maior


conhecimento, se intitulam, de “anglo-católicos” (confundindo anglo-
catolicismo com catolicismo nacional ou cismático), vale a advertência do Rev.
J. Aquino: “...Ser anglo-católico não significa de alguma forma ser um católico
romano. Em que pese haver semelhanças nas tendências e nas ênfases... um
anglo-católico continua a ser um protestante”. O principal movimento Anglo-
Católico hoje é o “Foward in Faith”.

1.2. MODERADOS
Há hoje, em muitas Províncias e Dioceses Anglicanas, paróquias e clérigos
que, embora reconhecendo o valor da contribuição histórica do Anglo-
Catolicismo, e mantendo, no geral, seu estilo de culto e ênfases teológicas,
rejeitam a rigidez e o tradicionalismo que veio a marcar esse movimento. Eles
se denominam de “católicos”, mas não de “anglo-católicos”, também se
percebendo como “moderados” ou “midle-of-the road” (católicos centristas), se
recusando a participar de qualquer movimento organizado e militante do
Anglo-Catolicismo. Essa corrente, embora expressiva numericamente, não
parece ser articulada em torno de pensadores ou organizações específicas.
Podem ser tidos, vagamente, como meros tradicionalistas, ou
institucionalistas, tendendo a aceitar a Ordenação feminina e contribuições de
outras correntes.

1.3. LIBERAIS
O termo Liberalismo (conhecido na Igreja de Roma por Modernismo) foi uma
corrente de pensamento protestante do século XIX, influenciado pelo

Bispo Robinson Cavalcanti


98
Iluminismo e pelo Racionalismo, presente em diversas Igrejas Históricas,
inclusive no Anglicanismo que, no campo político, defendia a democracia, o
progresso e a liberdade, mas que, no campo teológico tendeu para a crítica
racional das Escrituras (crítica bíblica) uma tendência anti-dogmática (negação
das doutrinas), uma soteriologia universalista, um relativismo moral, e um
humanismo social otimista, julgando que, com a negação dos milagres estaria
tornando o Cristianismo mais aceitável ao homem moderno, e que a
“cristianização” do mundo, como processo civilizatório, em uma perspectiva
pós-milenista, transformaria o século XX no “Século Cristão” (título de uma de
suas mais influentes revistas).

O Anglo-Liberalismo, também conhecido como corrente Liberal-Católica ou


Catolicismo Liberal, originário do Latitudinismo e da “Igreja Larga”, surgiu no
final do século XIX na Igreja da Inglaterra, com pensadores como F. D.
Maurice, e a revista “Lux Mundi”, em que se mantinham as exterioridades
herdadas do Anglo-Catolicismo (cerimônias, vestes), mas sem o seu conteúdo
doutrinário ortodoxo, antes compatibilizando com as idéias liberais. Essa
corrente conheceu uma rápida expansão na primeira metade do século XX,
principalmente nas Províncias anglo-saxãs, substituindo, crescentemente, o
Anglo-Catolicismo, principalmente nos Estados Unidos (e, países sob a sua
influência direta, como o Brasil).

Os princípios do Liberalismo foram assim resumidos por Cauthen:


1. “O Princípio da Continuidade, que desfaz a relação entre o natural
e o sobrenatural, explicando todo e qualquer milagre um uma
perspectiva racional;
2. O Princípio da Autonomia, que prega a completa autonomia da
razão e da experiência religiosa em relação à religião e ao dogma;
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

3. O Princípio do Dinamismo, que afirma ser o mundo um sistema


aberto e em desenvolvimento e que, portanto, qualquer afirmação
inflexível, absoluta, fixa ou inegociável, não é digna de confiança”.

O Liberalismo, em muitas Províncias e Dioceses, tem concorrido para o


declínio do evangelismo e para a prática do “macro-ecumenismo”, com uma
visão apenas cultural e social da missão. Hoje o Liberalismo pode ser dividido
em dois subgrupos: o mais antigo, ou “moderno”, privilegiando a Razão e a
Ciência, e o mais recente, ou “pós-moderno”, ensinando a impossibilidade de
se atingir a verdade por qualquer via, restrita esta ao relativismo subjetivista,
diversa, e apenas descoberta por um processo interminável de
“discernimento”. O principal movimento aglutinador do Liberal-Catolicismo é o
“Affirming Catholicism”, sendo um dos seus fundadores o teólogo galês Rowan
Williams, que viria a ser Arcebispo de Cantuária.

A ironia é que, com o passar do tempo, a tolerância liberal tem dado lugar a
uma intolerância, discriminação e perseguição às demais correntes, no que foi
denominado de “fundamentalismo liberal”. No caso do Anglicanismo (como em
outros ramos do Cristianismo Histórico) há, por parte deles, uma negação da
unicidade e da autoridade de Cristo, das Escrituras e da Igreja, das doutrinas e
de princípios éticos universalmente válidos.

1.4. CARISMATICOS
Embora que os episódios históricos que o precederam (Avivalismo, Movimento
de Santidade, Pentecostalismo, Movimento de Renovação Espiritual) tenha se
dado no espaço protestante, a partir dos anos 1970, o Movimento de
Renovação Carismática surge na Igreja de Roma, no Luteranismo e no
Anglicanismo. No caso dos Estados Unidos da América (onde as tradições da
“Low Church” e do Evangelicalismo tinham quase que desaparecido), o

Bispo Robinson Cavalcanti


100
Movimento Anglicano de Renovação Carismática teve um impacto significativo
nas alas católicas: anglo-católicos, moderados, e, até liberais (que se
converteram, no processo), conciliando a herança litúrgica e sacramental
católica com uma pneumatologia de corte mais pentecostal, sem provocar
rupturas institucionais, pregando a santificação, mas não o legalismo,
adotando novos instrumentos e novos estilos musicais em um culto mais
espontâneo, com uma revalorização da Bíblia junto com a experiência e uma
volta à ênfase no evangelismo (quase desaparecida naquela Província).

O apogeu do movimento se deu entre meados dos anos 70 e meados dos


anos 90. Deixou uma marca, tem alguma influência, mas declinou bastante,
com a morte, enfermidade ou aposentadoria dos “super-pastores”
personalistas e centralizadores, em suas grandes Paróquias. Os Carismáticos
tanto “Católicos” quanto “Protestantes”, no Anglicanismo, tendem a um
trabalho conjunto. O seu principal movimento aglutinador é o SOMA, com sede
nos EUA.

2. PROTESTANTES
As correntes Protestantes do Anglicanismo, embora reconhecendo valores nos
períodos antecedentes, tanto Celta quanto Católico Romano, e a rica herança
que a Cristandade possui (malgrado seus erros e desvios) da Antiguidade até
a Pré-Reforma, reputam de especial valor os episódios e as ênfases da
Reforma Protestante, particularmente o lugar central das Sagradas Escrituras
e da Salvação pela Graça mediante a Fé. Essas correntes têm mais afinidades
com outros ramos do Protestantismo, do que com as Igrejas não-reformadas
do Oriente e do Ocidente, com o princípio dinâmico que “A Igreja Reformada
sempre está se Reformando” (Ecclesia Reformada Semper Reformanda), pelo
sacerdócio universal de todos os crentes. Evangélicos, Carismáticos,
Fundamentalistas e Liberais são expressões que têm estado nesse lado da
Comunhão Anglicana. Se a Igreja Anglicana é uma “via média” entre Roma,
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Genebra e os Anabatistas, para as correntes protestantes, ela é uma “via


média” Reformada, conforme atestam o Livro de Oração Comum (LOC), o
pensamento de Cranmer e os XXXIX Artigos de Religião.

2.1.EVANGÉLICOS
O Evangelicalismo tem sido uma escola de pensamento na Igreja da
Inglaterra, que traça suas origens à Pré-Reforma de Wycliffe, e às ênfases
reformadas do século XVI, particularmente, a salvação pela fé na morte
remidora de Jesus Cristo. Ele também enfatiza a inspiração e a autoridade das
Sagradas Escrituras, a crença no retorno de Cristo para redimir os eleitos, a
importância central da pregação (com uma liturgia mais simples), negando a
regeneração batismal e a Eucaristia como sacrifício, afirmando a necessidade
da experiência de conversão, ou “novo nascimento”, e da santificação, e a
urgência missionária, em histórico conflito com os Tratarianos e as doutrinas
da “Igreja Alta” (Anglo-Catolicismo). Até poucas décadas (e ainda hoje em
muitas regiões) a veste padrão dos evangélicos era o cassoque preto, a
sobrepeliz longa e o típete (em contraste com a batina romana, a sobrepeliz
curta e a estola dos Anglo-Católicos).

No Evangelicalismo, tanto tem havido uma ala calvinista, de herança puritana,


como uma arminiana, de herança metodista. O movimento teve uma forte
expressão no século XVIII (“Evangelical Revival”) e primeira metade do século
XIX, com nomes como Fletcher, Venn, Newton (“Maravilhosa Graça”), e, por
sua influência sobre os estudantes universitários, Charles Simeon, Capelão de
Cambridge. A piedade e a ortodoxia foram seguidas de um forte ardor
missionário e de um engajamento social, com a fundação de sociedades
missionárias, nacionais e estrangeiras (CMS, SAMS, SIM) e de inúmeros
projetos entre os pobres, e mobilização por legislações sociais. O movimento
de intelectuais e políticos ligados à Paróquia de Claphan, teve em Williams

Bispo Robinson Cavalcanti


102
Wilberforce o denodado parlamentar contrário ao tráfico negreiro e à
escravidão no Império Britânico, às condições desumanas de trabalho no
início da Revolução Industrial (especialmente crianças e mulheres) e as
condições prisionais.

Um problema recorrente no Evangelicalismo inglês tem sido a tensão entre


aqueles que optaram conscientemente, e de forma comprometida, pelo
Anglicanismo, e uma minoria periférica extremada, herdeira dos puritanos, que
não saiu da Igreja da Inglaterra, mas que nela permaneceu apenas por
conveniência, rejeitando o Episcopado e a Liturgia, desinteressada da vida
institucional. Aproveitando-se da crise atual, eles retornam, tanto em sua
expressão tradicional: com “cultos batistas” de paletó e gravata, como em sua
expressão renovada, com “cultos pentecostais” de manga de camisa.
Rebelados contra as normas e as autoridades constituídas, esses segmentos
se constituem em um problema a mais a ser enfrentado pelos comprometidos
com nossa herança, nosso ethos, e nossa identidade.

O principal movimento atual aglutinador dos Evangélicos é a EFAC –


Evangelical Fellowship in the Anglican Communion, organizada pelo Rev. John
Stott, com organizações regionais e locais espalhados por todo o mundo. Sem
dúvida, o Evangelicalismo, com suas variações, é hoje a corrente majoritária, e
mais articulada no conjunto do Anglicanismo, hegemônico nas Províncias
maiores e mais dinâmicas.

2.2. FUNDAMENTALISTAS
Hans Kung afirmou que uma das marcas do Anglicanismo era a moderação, e
Alistair McGrath diz que: “Os historiadores estão de acordo em que o
Fundamentalismo nunca achou um lugar significante no Anglicanismo”. O
Fundamentalismo foi um fenômeno inicialmente localizado nos Estados
Unidos, de reação ao Liberalismo e de reafirmações de verdades
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

consideradas “fundamentais” para o Cristianismo: nascimento virginal,


milagres, expiação, ressurreição, segunda vinda, mas, que, posteriormente, se
transformou em uma expressão extremada do Evangelicalismo, uma ideologia
racista, sectária e anti-intelectual. Esse fenômeno não se reproduziu na
Inglaterra, e teve escasso impacto sobre o Anglicanismo mundial. O que os
liberais denominam hoje de “fundamentalistas” na Comunhão Anglicana são
os contrários à Ordenação feminina, os defensores de uma liturgia mais
“baixa”, de uma teologia mais calvinista, os conservadores políticos ou, até os
que são contrários à Ordenação e bênçãos sobre uniões de homossexuais.

2.3. LIBERAIS
Por muito tempo temos tido em diversas Províncias e Dioceses Anglicanas os
chamados “low church liberals” (liberais da Igreja Baixa), ou seja, integrantes
das alas protestantes influenciados pelo pensamento liberal de outros ramos
históricos reformados (onde esse pensamento surgiu). Na Inglaterra, de 1906
a 1967, existiu um movimento denominado de Grupo Anglicano Evangélico, ou
Grupo da Irmandade (J. C. Wright, F. S. Guy Warman, J. E. Watts-Dithcfield e
outros) que pretendia um “Liberalismo Evangélico”, preocupados com as
implicações sociais do Evangelho e com uma abertura para com a ciência e a
crítica da verdade. O movimento terminou por se dissolver, por não ser nem
suficientemente evangélico, nem suficientemente liberal... Hoje, tanto os
antigos liberais “modernos” quando os novos liberais “pós-modernos”
(revisionistas) da ala protestante se alinham com os seus correspondentes da
ala católica no conjunto do Liberalismo.

2.4. CARISMÁTICOS
É no Protestantismo contemporâneo que vamos encontrar os Avivamentos e o
Movimento de Santidade (que sai do Metodismo na segunda metade do

Bispo Robinson Cavalcanti


104
século XIX) como antecedentes dos acontecimentos da Rua Azuza, em Los
Angeles, Califórnia, EUA, onde na Igreja pastoreada por W. J. Seymour
(oriundo do Movimento de Santidade), se inicia, em 09 de abril de 1906, o
Movimento Pentecostal, evidenciado pela glossolalia (falar em línguas
estranhas) como sinal do “batismo com o Espírito Santo”. Nos anos 60 do
século XX, em alguns países e denominações (batistas, presbiterianos,
metodistas, congregacionais) veio a se dar o Movimento de Renovação
Espiritual, que as divide institucionalmente entre “tradicionais” e “renovados”
(os que aceitam os princípios pentecostais). Nos anos 70 ocorre o Movimento
de Renovação Carismática, que, no caso do Anglicanismo inglês, se dá em
sua ala Protestante, com figuras como os Reverendos Michael Harper (então
Coadjutor do Rev. John Stott, na Paróquia de All Souls) e David Watson, um
evangelista itinerante.

A permanência no interior da instituição, uma visão menos legalista e uma


visão menos centrada na glossolalia, diferenciaram esse “carismatismo
anglicano” dos seus congêneres pentecostais, embora se reconheça seu
impacto na consagração de vidas, na flexibilização e inculturação litúrgicas e
no fervor missionário. Com a questão da Ordenação feminina um grupo
expressivo, liderado pelo Rev. Michael Harper deixou o Anglicanismo pela
Igreja Ortodoxa Antioquina, e o Rev. David Watson morreu prematuramente
(vale a pena ler o livro que escreveu durante a sua enfermidade: Fear no Evil).
Os carismáticos protestantes anglicanos tanto têm trabalhado junto com os
evangélicos não-carismáticos, quanto com os carismáticos das alas católicas,
no interior do SOMA. Muitos anglicanos, católicos e protestantes, que não
aderiram à Renovação Carismática, incorporaram algumas das suas
influências, reconheceram a contemporaneidade dos dons espirituais, mas
com reservas quanto ao lugar das experiências e revelações particulares em
relação às Escrituras e o aparente débil compromisso sócio-político dessa
corrente.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

MUDANÇAS
O cenário anglicano atual evidencia que a era dos grandes conflitos entre as
tendências católicas e protestantes é coisa do passado, embora essas
tendências continuem, e mantenham suas peculiaridades. O conflito externo
com o Secularismo, e interno com o Liberalismo sinalizou para a necessidade
do estabelecimento de um clima mais fraterno e de cooperação, já que as
tradições católicas, protestantes e carismáticas prezam a Palavra de Deus e a
Tradição Apostólica. A constituição de movimentos e entidades “frente” com
essas tendências tornou possível a vitória da ortodoxia na Conferência de
Lambeth, de 1998. Essas tendências convergem para uma concepção de uma
inclusividade limitada, o que não inclui o nihilismo, a ausência de verdade e o
relativismo absoluto do Liberalismo Pós-Moderno Revisionista (e a sua defesa
de uma inclusividade ilimitada).

Essa convivência tem sido fecunda, em termos de intercâmbio e de


aprendizagem mútua. Muitas Paróquias norte-americanas são hoje uma
combinação de liturgia católica, soteriologia evangélica e pneumatologia
carismática. As Redes Anglicanas e os Movimentos Parceiros Por Uma Causa
Comum, nos Estados Unidos e no Canadá, ou o Anglican-Mainstream, na
Inglaterra são alguns desses foros aglutinadores, bem como o próprio
movimento internacional do Sul-Global, de cuja ação, em muito, dependerá o
futuro do realinhamento da Comunhão Anglicana.

CONCLUSÕES
O Anglicanismo, por cinco séculos, foi um admirável exemplo de coexistência
de diversidades acidentais e convergências essenciais: direita e esquerda
política, calvinistas e arminianos, sacramentalistas e conversionistas,
aspersionistas e imersionistas, tradicionais e inovadores, formalistas e

Bispo Robinson Cavalcanti


106
informais. A História, a maneira de fazer teologia e pastoral, o Livro de Oração
Comum, as Escrituras Sagradas, os Credos, os Sacramentos, o Episcopado
Histórico, a legislação Canônica diocesana e provincial, e os Instrumentos de
Unidade/Instrumentos de Comunhão (Arcebispo de Cantuária, Conferência de
Lambeth, Encontro dos Primazes, Conselho Consultivo Anglicano) tinham sido
suficientes para manter não um Papado, um Patriarcado, uma Federação ou
uma Aliança, mas uma Comunhão, marcada pelos laços de afeição.

A realidade da presença do Liberalismo Pós-Moderno (com seu ideário


completamente destoante) nos diversos níveis das instâncias decisórias se
constitui uma ameaça, demonstrando que o atual modelo não está mais
respondendo aos novos desafios. É papel prioritário das diversas correntes
históricas ortodoxas o repensar e o redesenhar o Anglicanismo. O nosso
futuro vai depender da contribuição e da cooperação de todas elas.

Fixação de aprendizagem:

1. Por que se diz que a Igreja Anglicana é inclusiva? Qual a diferença


entre Inclusividade Limitada e Inclusividade Ilimitada?
2. Por que se pode dizer que um Anglo-Católico é um protestante e
um Anglo-Evangélico é um católico?
3. Em que o conjunto histórico das tendências ou correntes
anglicanas se diferencia do Liberalismo Pós-Moderno?
4. Por que se diz que a Diocese do Recife é de hegemonia
evangélica? Diferencie Hegemonia de Exclusividade.

Nono Capítulo: A Presença no Brasil

INTRODUÇÃO
A exceção das presenças francesa no Rio de Janeiro e no Maranhão, e do
breve domínio holandês no Nordeste, as Igrejas reformadas estiveram
ausentes do Brasil no período Colonial, inclusive a Igreja Anglicana. Tentativas
infrutíferas de Missões Anglicanas ocorreram no século XIX, mesmo período
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

em que aqui se estabeleceram as Capelanias Consulares inglesas. Nos


primórdios do século XX tivemos a imigração de anglicanos japoneses. Mas a
consolidação de uma presença permanente anglicana no Brasil somente se
dará após 1890, com a chegada dos missionários norte-americanos no Rio
Grande do Sul, oriundos do Seminário de Virgínia.

CAPELANIAS
A presença de navegadores e comerciantes ingleses no território do Reino de
Portugal já era uma realidade no início do século XIX. Em 1800, um decreto
real os proibiu de se reunirem para culto, bem como o direito de terem
cemitérios próprios. A situação muda completamente com a vinda da Família
Real para o Brasil, em 1808, fugindo do imperador francês Napoleão, e
protegida pela armada britânica. Em 1810, foi assinado entre os dois países o
Tratado de Comércio e Navegação, que incluía cláusulas que permitiam o
Culto em língua inglesa e espaços que não tivessem formas exteriores de
templo, o direito de residência e o direto de terem seus cemitérios e clubes.

Em 1819 teve início, na cidade do Rio de Janeiro, a construção do primeiro


templo não Católico Romano em território brasileiro, denominado de Christ
Church, tendo sua inauguração se dado em 26 de maio de 1822, sob o
patrocínio do Cônsul britânico, sob proteção policial, e contando com a
presença de diversas autoridades governamentais. Essas capelanias eram
mantidas por sociedades civis registradas no país, estando, até 1869, sob a
supervisão episcopal do Bispo de Londres, e, após essa data, do Bispo para
as Ilhas Faklands (Malvinas) e América do Sul, com Catedral em Port Stanley,
naquelas ilhas, mas residência em Buenos Aires. Antes da designação de
Capelães para cada comunidade, os ofícios eram dirigidos pelos Capelães dos
navios ingleses que aqui aportavam.

Bispo Robinson Cavalcanti


108
Capelanias foram instaladas, além do Rio de Janeiro, em Niterói, São Paulo,
Santos, Nova Lima (MG), Recife e Salvador, e, posteriormente, em Belém
(PA). Seus cultos, seguindo o BSB (Book of Common Prayer) da Igreja da
Inglaterra não eram vedados aos raros brasileiros que falassem a língua
inglesa, mas o tratado proibia a tentativa de sua conversão. Embora a
presença de comunidades de língua inglesa no Brasil fosse crescente, com a
propriedade de companhias de gás, trem, bondes, eletricidade, telegrafia,
telefonia, siderurgia e comércio de exportação e importação, as Capelanias se
mantiveram como clubes religiosos fechados, de impacto nulo sobre a
realidade religiosa nacional.

Os ingleses resistiram quanto puderam a uma integração com o anglicanismo


nacional, fruto dos missionários norte-americanos, somente ocorrendo,
progressivamente, após longas e difíceis negociações, a partir de 1955, a
exceção da Christ Church (que, em razão de reformas urbanas) seria
transferida do Centro para o Botafogo), que não tem vínculos com a Província
do Brasil (IEAB) até hoje, embora hospede, nos horários vagos, uma das suas
comunidades, a Paróquia São Lucas.

No Recife, a Holy Trinity Church foi estabelecida em 1822, tendo o seu templo
construído na então Rua Formosa, esquina com a Rua da Aurora (futuro local
do Cinema São Luís), sendo transferida, na década de 1940 (com o
alargamento da agora Avenida Conde da Boa Vista) para a Rua da Matinha
(depois Carneiro Vilela), no Bairro dos Aflitos, e apenas se filiaria à Igreja
Episcopal Brasileira em 1976, integrando a Diocese do Brasil Central, com
sede no Rio de Janeiro, sob o Bispo Edmund Knox Sherrill. Em Salvador os
cultos tiveram início em 1815, e o templo do Campo Grande foi inaugurado em
1853.

Com a nacionalização de várias empresas, após o vencimento dos períodos


de concessão, com a hegemonia inglesas sendo substituída pela norte-
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

americana, após a Segunda Guerra Mundial, como retorno crescente dos


ingleses para o seu país, com os falecimentos, casamentos e adesão ao
catolicismo romano por parte dos seus descendentes, as Capelanias foram
entrando em declínio, apesar do compromisso da Província do Brasil em
prover assistência espiritual e cultos em inglês para os remanescentes. Com
exceção da Christ Church (que permanece autônoma) há, ainda hoje, cultos
em inglês em São Paulo, Santos, Niterói e Brasília (comunidade de
funcionários das Embaixadas).

Os pioneiros da evangelização protestante no Brasil sempre se queixaram da


completa falta de apoio dos anglicanos aqui residentes, e diziam que os
ingleses quando saíam de sua terra deixavam lá três coisas: seu clima, seu
sobretudo e sua religião. O que parece dar razão ao Bispo da Igreja de Roma
no Rio de Janeiro, Dom José Caetano da Silva Coutinho, que, defendendo, na
época, o direito dos ingleses terem suas Capelanias (contra a opinião do
Núncio Apostólico Lourenço Collepi), afirmava, então: “Os ingleses realmente
não têm religião, mas são um povo orgulhoso e obstinado. Se houver
oposição, eles persistirão e farão disso assunto de máxima importância; mas
se atender seus desejos, a Capela será construída e ninguém chegará perto
dela".

MIGRAÇÃO
Uma segunda experiência de presença anglicana no Brasil foi a imigração
japonesa, um século após o início do estabelecimento das Capelanias
inglesas, após a Primeira Guerra Mundial. Cerca de 200 mil nipônicos se
mudaram para o nosso País naquela época, principalmente para os Estados
de São Paulo, Paraná e Pará. Embora os cristãos, no conjunto de suas
denominações, seja uma pequena minoria naquela nação asiática, o próprio
governo, visando facilitar a integração dos imigrantes à sua nova terra, dava

Bispo Robinson Cavalcanti


110
preferência a candidatos membros de Igrejas cristãs, inclusive da Igreja
Anglicana (Santa Igreja Católica Japonesa), a segunda presença cristã mais
antiga no país, e possuidora de uma rede de instituições sociais, inclusive de
uma Universidade.

Um outro fato foi a abertura dos japoneses que aqui chegaram a tudo o que
dizia respeito ao nosso modo de vida, inclusive à fé cristã. A Igreja Romana, e,
depois, grupos como os Metodistas Livres e a Igreja Evangélica Holiness,
trouxeram missionários do Japão, e terminaram por consolidar uma forte
presença nas suas colônias.

A aglutinação dos japoneses anglicanos e a evangelização dos não-cristãos


tiveram como grande apóstolo o Reverendo João Yasoji Ito, formado pelo
Seminário Teológico de Tóquio, e que aqui começou a trabalhar, realizando o
seu primeiro culto em 25 de novembro de 1923. Esse empreendimento
missionário foi bem sucedido, com muitas conversões e o estabelecimento de
inúmeros Pontos Missionários, principalmente no interior, e o despertamento
de vocações, com um número crescente de Ordenações.

Ao contrário dos ingleses, além do fervor missionário, os japoneses


trabalharam dentro das estruturas anglicanas nacionais, como a bênção e o
apoio do primeiro Bispo Anglicano no Brasil, Lucien Lee Kinsolving. Com o
passar dos anos, a maioria das Paróquias, Missões e Pontos Missionários
Anglicanos em São Paulo e no Paraná era formada por japoneses e seus
descendentes, com o seu próprio clero, inclusive deles saíram dois dos Bispos
da Diocese de São Paulo (Sumio Takatso e Hiroshi Ito).

Como a maioria das comunidades era formada por agricultores e situada na


zona rural, o fenômeno da migração cidade-campo e a industrialização, a
busca por oportunidades de estudo e trabalho por parte das novas gerações
provocou, nas últimas décadas do século XX, um crescente esvaziamento das
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Paróquias de origem japonesa, algumas hoje em processo de extinção. Além


do mais havia nas comunidades uma resistência a ter os cultos em língua
portuguesa para os filhos e netos, que manejavam cada vez menos o idioma
dos seus antepassados, concorrendo para a perda das novas gerações.
Apesar do estabelecimento de Paróquias nos centros urbanos, nem todos os
migrantes do interior a elas se filiariam, optando por se integrar a outros ramos
cristãos de sua vizinhança, ou dos seus cônjuges, buscar religiões orientais
ou, simplesmente, se secularizar.

A experiência da evangelização anglicana japonesa no Brasil está cheia de


belas páginas, de grandes feitos, com a vida sacrificial dos missionários
adentrando os nossos grotões, mas se constitui hoje, cada vez mais, em um
episódio histórico, embora com comunidades remanescentes.

TENTATIVAS
Além da Capelanias Inglesas e da Migração Japonesa, registramos intentos
missionários anglicanos aos brasileiros não bem sucedidos, no século XIX.

O primeiro clérigo anglicano a por os pés em nosso solo, o fez de passagem


para a Índia, para onde ia como missionário que foi Henry Martin, cujo navio
passou quinze dias em Salvador, BA, em 1805. Como falava, também, francês
e latim, manteve contato com autoridades locais e clero romano. Ao final do
período, escreveu, profeticamente, em seu diário: “Quem será o ditoso
missionário que irá trazer o nome de Cristo a esta região ocidental? Quando
será este belo país libertado da idolatria e do cristianismo espúrio? Cruzes há
em abundância, mas quando será aqui anunciada a doutrina da Cruz?”. Henry
Martyn, um discípulo do Capelão evangélico da Universidade de Cambridge,
Charles Simeon, foi evangelista da Índia e na Pérsia, morrendo aos 31 anos,

Bispo Robinson Cavalcanti


112
após abrir Igrejas, fundar escolas e traduzir a Bíblia e o Livro de Oração
Comum, em apenas sete anos.

Em 1853, a pedido dos anglicanos norte-americanos residentes no Rio de


Janeiro, a Sociedade Missionária da Igreja Protestante Episcopal dos Estados
Unidos da América (PCUSA) enviou o primeiro missionário para o Brasil, na
pessoa do Reverendo William Cooper. O seu navio naufragou, ele voltou aos
Estados Unidos, e desistiu de ser missionário.

A Sociedade Missionária, posteriormente, enviou o Reverendo escocês de


nascimento Richard Holden, que trabalhou aqui por doze anos (1860-1872),
primeiro em Belém, PA, e depois em Salvador, BA, onde foi levado a travar
fortes polêmicas com o clero da Igreja de Roma pela imprensa. Apesar de ter
feito amizades com políticos e maçons (tendo participado, no início, da
chamada “Questão Religiosa”), foi duramente perseguido em ambos os
lugares. A Sociedade Missionária o desvinculou, e ele foi trabalhar no Rio de
Janeiro com a Sociedade Bíblica, colaborando com a Igreja Evangélica
Fluminense, liderada pelo pastor e médico congregacional escocês Robert R.
Kalley. Ele faleceu em Lisboa, aos 58 anos, colaborando com os Irmãos
Livres, deixando um legado e poesias, hinos (inclusive usado em hinários
brasileiros), e, principalmente, a primeira tradução do Livro de Oração Comum
(LOC) para a língua portuguesa.

MISSÃO (1890-1907)
Nas últimas décadas do século XIX o Seminário de Virgínia, da PCUSA, na
cidade de Alexandria, era de linha evangélica, e entre os seus estudantes
havia uma forte motivação para as missões nacionais e mundiais, inclusive
com a criação de uma Associação Missionária. Dali saíram os primeiros
missionários para a Grécia, a China, a África e o Japão.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Nas vizinhanças do Seminário vivia a filha de Ashbel G. Simonton, fundador


da Igreja Presbiteriana do Brasil, e suas duas tias, cujo lar sempre recebia
seminaristas, motivando-os sobre o campo brasileiro. Um grupo de recém-
formados e recém-Ordenados, formado por James Watson Morris, Lucien Lee
Kinsolving, John Gaw Meem e William Cabell Brown formou o núcleo dos
primeiros missionários anglicanos no Brasil.

Kinsolving e Morris vieram na frente, chegando ao Rio de Janeiro em 1889,


passaram alguns meses em São Paulo estudando a língua portuguesa com os
presbiterianos, que apoiaram a sua ida para o Rio Grande do Sul, onde
passariam, posteriormente, para os mesmos sua única congregação naquele
Estado, e o seu seminarista Vicente Brade, que se tornaria o primeiro
brasileiro a ser Ordenado como Ministro Anglicano.

Em 01 de junho de 1890, às 3h da tarde foi realizado, na cidade de Porto


Alegre, o primeiro Culto em língua portuguesa, sendo criada a Igreja
Protestante Episcopal no Sul dos Estados Unidos do Brasil. Logo os
missionários estavam evangelizando em várias cidades, como Rio Grande,
Santa Rita e Pelotas, sofrendo perseguições e agressões.

A estratégia dos missionários era sempre começar pela cidade pólo de cada
região, alugando um imóvel em uma área central, de preferência em frente à
Igreja Matriz romana. Organizavam grupos que visitavam a maioria de
residências possíveis, onde oravam, liam a Bíblia, cantavam hinos e
convidavam para o Culto de Inauguração, quando expunham a história e o
caráter do Anglicanismo e pregavam um sermão evangelístico. Conferências
evangelísticas e a Escola Bíblica Dominical para todas as idades, eram outros
dos meios de evangelização.

Bispo Robinson Cavalcanti


114
Com fervor evangelísticos, os missionários foram sendo instrumentos de
conversões cada vez em maior número, abrindo Pontos Missionários, um
Seminário, um jornal e várias obras sociais. Como não se constituía uma
Diocese, mas apenas uma Missão, não havia Concílios, mas Convocações
regulares, a partir de 1892.

Estas sentiram a necessidade de se vincular a uma Província e a um Bispo.


Em 1907 a Convenção Geral da PCUSA deliberou criar um Distrito Missionário
no Brasil. Em 17 anos a Missão já constava com trabalhos organizados em 13
municípios, 25 Escolas Dominicais, com mais de mil alunos, 13 clérigos e
1366 membros comungantes.

DISTRITO (1907-1949)
Com o status de Distrito Missionário da PCUSA a obra missionária continuou a
crescer no sul do Brasil. Os brasileiros escolheram o Rev. Lucien Lee
Kinsolving para ser o seu primeiro Bispo. Essa escolha foi oficializada pela
Província dos Estados Unidos, sendo o mesmo sagrado em 06 de janeiro de
1899, na Paróquia de São Bartolomeu, em Nova Iorque. O Bispo Kinsolving,
incansável, viajava todo o tempo, visitando o máximo de localidades. Era um
homem piedoso, ortodoxo, erudito, bom orador, de fácil comunicação e
capacidade de liderança.

Em 1910 foi realizada a famosa Conferência Ecumênica de Edimburgo, na


Escócia, onde os anglo-católicos e os sacramentalistas luteranos conseguiram
passar uma resolução excluindo a América Latina por ser este já “um
continente cristão" (por ter a sua população batizada). Na mesma época o
anglo-catolicismo substituía o evangelicalismo como tendência hegemônica na
PCUSA. Como, a partir de então, os Anglicanos somente poderiam
evangelizar os indígenas e os descendentes de ingleses, o Bispo Kinsolving
se tornou em um batalhador pela evangelização deste continente de
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

cristianismo nominal e sincrético, na linha do Congresso Missionário do


Panamá, de 1916.

Além da expansão dentro do Estado do Rio Grande do Sul, o Bispo Kinsolving


apoiou os esforços de evangelização entre os japoneses de São Paulo e
Paraná, e o trabalho do Rev. José Orthon, um pernambucano de origem
inglesa e anglicana, mas que fora membro de Igreja Congregacional, na
abertura, a partir de 1925, de cerca de uma dúzia de Pontos Missionários na
Baixada Santista (hoje quase todos desaparecidos) e na Capital Federal, o Rio
de Janeiro.

Em 1925, atendendo a uma sugestão do Bispo Kinsolving, a Convenção Geral


da PCUSA elegeu um dos seus mais denodados colaboradores, o Rev.
William M.M. Thomas como seu Bispo Sufragâneo, sendo o mesmo Sagrado
também na Paróquia de São Bartolomeu, em Nova Iorque, em 28 de
dezembro daquele ano. Àquela altura, a agora Igreja Protestante Episcopal
dos Estados Unidos do Brasil, com 28 clérigos, já contava com 13.535
membros batizados, mantendo os mesmos percentuais anuais de crescimento
que a Igreja Presbiteriana do Brasil.

O Bispo Kinsolving trabalhou arduamente como missionário no Brasil durante


37 anos, sendo 30 dos quais no exercício do Episcopado. Aposentou-se em
06 de janeiro de 1927, em razão de uma cardiopatia, vindo a falecer três anos
depois, aos 67 anos de idade. O Distrito ficara sob os cuidados do Bispo
Sufragâneo Thomas, que, por não ter direito à sucessão, teve que ser eleito
como titular em 1928. O Bispo Thomas trabalhou no Brasil 45 anos como
missionário, sendo 25 dos quais como Bispo. Tinha grande fervor
evangelístico, aliado às obras de cunho social, era um educador, e procurou
fazer o clero refletir sobre a realidade nacional e sobre o papel da Igreja
Episcopal no nosso País.

Bispo Robinson Cavalcanti


116

Sobre ele escreve Kickofel: “Thomas acreditava que a Igreja Episcopal tinha
uma valiosa contribuição a dar ao povo brasileiro. Ela mantinha a verdade
evangélica e as ordens apostólicas. Era uma igreja católica com uma missão
especial para o protestantismo brasileiro. Era a única Igreja católica com
heranças e sentimentos protestantes... era a única denominação evangélica,
no sentido original do termo, que oferecia um culto que conservava a prática e
a fé católicas”. Foi Thomas que supervisionou a revisão do Livro de Oração
Comum, de 1930, procurando afastá-lo do modelo norte-americano. Ele era
um entusiasta do LOC, e esperava que todos – clérigos e leigos – o usassem
sempre. Seu lema era: “Governemo-nos pelo Livro de Oração Comum”.

Kinsolving e Thomas eram ambos evangélicos da "Igreja baixa", vestindo


apenas a chamarra e a roquete (nunca capa e mitra) e o clero vestia cassoque
preto com faixa, uma sobrepeliz branca longa e o típete (não estola), dentro
daquela tradição. Os cultos principais eram as Orações: Matutina e a
Vespertina, com a celebração mensal da Ceia do Senhor sobre a Santa Mesa
(não chamavam de altar), coberta apenas por uma toalha branca de linho.
Eles davam grande importância à pregação, tanto em seu conteúdo bíblico
quanto em sua homilética e retórica, gerando uma Igreja de grandes
pregadores.

Com as mudanças que estavam ocorrendo na PCUSA, a Igreja no Brasil, na


década de 1930, recebeu os primeiros missionários de linha liberal, Raymond
Fuessle e Martin Fifth. Este último bebia muito, freqüentava cassinos, jogava,
e dançava no carnaval, inclusive ns domingos, para escândalo geral,
terminando por voltar aos Estados Unidos (sendo precursores, décadas antes,
do que se tornaria comum na Província, no século XXI..., inclusive entre seus
líderes...).
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Com a Revolução de 1930, e a vinda de muitos gaúchos com Vargas, o


trabalho episcopal se expandiu no Rio de Janeiro. Dentre esses gaúchos
estava o ex-seminarista e membro comungante Lindolpho Collor (avô do
presidente Collor), Ministro do Trabalho e sistematizador na CLT.

No cinqüentenário da Missão Episcopal, em 1940, tivemos a eleição e


Sagração do primeiro Bispo Anglicano brasileiro, o Sufragâneo, Athalício
Theodoro Pithan, Pároco da cidade de Bagé, e alto grau na maçonaria.

Em 1949 o Bispo Thomas se aposenta, falecendo dois anos depois nos


Estados Unidos, quando fazia a sua devocional diária com o LOC em
português. A aposentadoria do Bispo Thomas encerra, por um lado, os 60
anos de clara hegemonia evangélica no anglicanismo missionário brasileiro, e
por outro, o período do Distrito Missionário.

DIOCESES (1949-1965)
Com a expansão do trabalho missionário nos Estados do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, o Concílio do Distrito, em
1949, deliberou por sua divisão em três Dioceses, o que foi aprovado pela
Câmara dos Bispos e pela Convenção Geral da PCUSA: Diocese Brasil
Meridional, com sede em Porto Alegre e território sobre o leste do Rio Grande
do Sul e de Santa Catarina; Brasil Sul-Ocidental, com sede em Santa Maria,
e território sobre o Oeste do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e Brasil
Central, com sede no Rio de Janeiro, com território sobre os Estados do
Paraná, São Paulo e Distrito Federal (Rio de Janeiro) e territórios a serem
ocupados acima dos seus limites norte.

Para as novas Dioceses, foram eleitos os seguintes Bispos: Diocese Brasil


Meridional: Athalício Theodoro Pithan; Brasil Sul-Ocidental: Egmont Machado
Krischke e Brasil Central: Louis Chester Melcher, missionário norte-americano

Bispo Robinson Cavalcanti


118
exaltado seguidor da linha anglo-católica. O órgão dirigente seria o Conselho
Nacional, instalado em 1950, ficando sob a direção de norte-americanos da
nova linha. Presidente: Bispo Melcher; Secretário Executivo Rev. Curtis
Fletcher.

Em 1952 foram aprovados a Constituição e os Cânones.

A partir de 1961 começou as conversações com a PCUSA, visando a


autonomia da agora Igreja Episcopal Brasileira, que deveria se tornar a 19ª
Província da Comunhão Anglicana, o que veio a acontecer em 1965, se
procurando afirmar a identidade nacional.

Durante esse período, com as mudanças de linha que tiveram lugar na


PCUSA, a vinda de missionários e livros, a ida de clérigos para os EUA, vai-
se, progressivamente, debilitando a influência evangélica e crescendo a
influência anglo-católica, com reflexos no evangelismo, pois “por que
evangelizar um povo que já é batizado?”.

PROVÍNCIA
Com a criação da nova Província, tivemos, depois, nova mudança de nome,
para Igreja Episcopal do Brasil. A grande questão era de natureza financeira,
pois os salários e pensões, até então, vinham da PCUSA, desmotivando a
mordomia dos leigos e acomodando o clero.

Foi criado um “Plano Decenal”, com a redução progressiva dessa verba em


10% ao ano, além da criação de um Fundo de Aposentadoria local. Se o
dinheiro norte-americano acomodava, com seu paternalismo, a falta dele
provocou uma “crise de vocações” e a debandada parcial do clero para a vida
secular, já que não possuía nem a teologia, nem a prática de “fazedores de
tendas”.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Há uma mudança de nomenclatura e a criação de novas Dioceses:


Meridional, Sul-Ocidental, Central, Setentrional (Norte e Nordeste),
Brasília (Centro Oeste) e Pelotas. A Diocese Setentrional, com sede no
Recife, desmembrada da Diocese Central, foi criada pelo Sínodo Nacional de
20 de maio de 1997, com comunidades em Belém-PA, Recife-PE e Salvador-
BA, tendo como seu primeiro Bispo o Revmo. Edmund Knox Sherrill, um
protestante de “Igreja baixa”, teologia neo-ortodoxa, com pitadas evangélicas e
carismáticas. Os cultos em português já vinham se realizando desde a década
anterior. O seu pioneiro no Recife foi o Rev. Alfredo Rocha da Fonseca Filho.
Para a implantação da nova Diocese foram convidados missionários ingleses
da Sociedade Missionária da América do Sul (SAMS) e foi trazido do Rio de
Janeiro o Reverendo paulista Paulo Ruiz Garcia.

A primeira geração de Bispos brasileiros teve uma origem evangélica e uma


influência posterior anglo-católica: Pithan, Simões, Kriscke, Kratz, Soria, Ruiz,
o que vai acarretando mudanças teológicas e litúrgicas (vestes, celebração
dominical da eucaristia etc.) naquela direção, um afastamento do convívio com
os outros evangélicos (que era a prática anterior) e um declínio no
evangelismo. A segunda geração já reflete nova mudança que estava
ocorrendo na PCUSA, a partir dos anos 1960, com o anglo-catolicismo sendo
substituído pelo liberal-catolicismo como tendência hegemônica.

Com a aposentadoria e\ou a morte da geração anterior, com os primados,


primeiro do Revmo. Olavo Ventura Luiz (do “grupo de Santa Maria”), e, a
seguir, do Revmo. Glauco Soares de Lima, a, agora Igreja Episcopal
Anglicana do Brasil, vai se direcionando para o liberal-catolicismo, mantidas as
exterioridades anglo-católicas com um conteúdo liberal, que afeta a ética e o
evangelismo (de “todos os batizados estão salvos” para “todos estão salvos =
universalismo”). A IEAB se torna a única Igreja cristã declinante no Brasil,

Bispo Robinson Cavalcanti


120
além da Igreja de Roma, com o fechamento de comunidades, o surgimento de
comunidades de idosos e a substituição de um espírito de “protestantismo de
missão” por um “protestantismo de migração”, fechado, mais preocupado com
a manutenção do que com a expansão.

Como a Diocese Setentrional, depois denominada de Diocese Anglicana do


Recife, era uma Diocese Missionária, e, como tal, não-autônoma, a eleição de
um Bispo Coadjutor, em 1984, para substituir o Bispo Sherrill, que se
aposentaria em final de 1985, início de 1986, este não foi eleito pelo Concílio
Diocesano, mas pelo Sínodo Nacional. O candidato local, Rev. Paulo Garcia
foi derrotado por um católico-liberal (com pitadas de Teologia da Libertação), e
que não conhecia o Nordeste nem como turista, Deão da Catedral de Santa
Maria, Rev. Clóvis Erly Rodrigues, que permaneceria no Recife até 1997, em
tensão com o evangelicalismo local, mas que cooptaria uma minoria que hoje
ocupa os cargos chaves da Província (ex-evangélicos tornados liberais).

Com a elevação da Diocese do Recife ao status de Autônoma, a substituição


do Bispo Clóvis pelo atual Bispo Diocesano já se fez por eleição local, não
sem resistência de setores da Província, que a encaravam como “uma
ameaça para o futuro da Igreja”, e tentaram impedir a sua homologação.

CRISE
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) foi-se tornando uma aliada e
seguidora da ex-PCUSA, depois ECUSA, hoje TEC, primeiro com o
Liberalismo moderno, e, depois, com o Liberalismo Pós-Moderno, ou
Revisionista, radicalizando o seu discurso e a sua prática em favor de uma
inclusividade e de uma diversidade ilimitada, em matéria de doutrina e de
moral, negando a autoridade normativa das Sagradas Escrituras, a unicidade
de Jesus Cristo como Salvador (macro-ecumenismo), e a própria existência da
verdade, ou a possibilidade do seu conhecimento, como se vê nos
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

documentos emitidos durante o breve primado do Revmo. Orlando Santos de


Oliveira e do agora primaz (o ex-irmão livre, ex-presbiteriano) Revmo. Maurício
Andrade e do seu Secretário-Geral (o ex-congregacional renovado, ex-batista)
Francisco de Assis Silva, ambos ex-militantes da Aliança Bíblica Universitária
(ABU). A maioria dos seus Bispos votou contra a Resolução 1.10 sobre
Sexualidade Humana, na Conferência de Lambeth de 1998.

A Diocese do Recife sofreu, em 2002, um cisma, encabeçado pelo Rev. Paulo


Garcia, que foi para a Igreja Episcopal Carismática, e outro pelo o Rev.
Leonides Menezes para a Igreja Episcopal Evangélica, sem razões teológicas
que os justificasse, além de projetos pessoais, e ambos do chamado
“Movimento de Convergência”.

A posição firme do Bispo, do Clero e do Povo desta Diocese em defesa da fé


bíblica e apostólica e contra o revisionismo, custou todo tido de pressão e
cooptação, terminando pela deposição do Bispo em um processo
politicamente motivado e espúrio, a excomunhão de 32 clérigos e a exclusão
da maioria das comunidades, não convidadas para o irregular pretenso
Concílio de nº.24. Desde setembro de 2005, reconhecidas nossas Ordens e
Ministérios, estamos sob a Autoridade Primacial da Igreja Anglicana do Cone
Sul da América, na pessoa do Revmo. Gregory J. Venables.

Enquanto isso, por influência da crise norte-americana, vimos aportar no Brasil


várias jurisdições anglicanas Continuantes (sem comunhão com a Sé de
Cantuária), embora algumas de suas lideranças tenham demonstrado
limitados conhecimentos de Anglicanismo.

CONCLUSÕES
Com o Ocidente, a Cristandade e o Anglicanismo em crise, era de se esperar
que o Brasil não ficasse imune a seus efeitos, notadamente quando a

Bispo Robinson Cavalcanti


122
Província se afastou totalmente de suas origens e das convicções que
motivaram os Bispos Kinsolving e Thomas. Belas e sacrificiais páginas foram
escritas no passado. E elas não foram em vão, pelas vidas que foram
atingidas.

A Diocese do Recife, com convicção e serenidade, procura resgatar o espírito


dos pioneiros, na crença de que o Anglicanismo se constitui em uma opção
válida de vida cristã, mais do que necessária para o confuso quadro por que
passam as Igrejas reformadas no Brasil, atingidas pelo fundamentalismo, pelo
liberalismo e pelo sincretismo, debilitadas pelo caudilhismo.

Das lições do passado se pode tirar esperanças!

Fixação de aprendizagem:

1. Por que o Anglicanismo inglês e japonês teve um mínimo impacto


evangelístico no Brasil?
2. Quais as marcas da missão norte-americana liderada por Kinsolving?
3. O que levou a Província do Brasil a mudar de corrente?
4. Como analisa o panorama anglicano brasileiro?

Décimo Capítulo: Identidade

INTRODUÇÃO
A Filosofia clássica já afirmava que “o ser é aquilo que é; o que não é, é o
não-ser”. E um personagem de Shakespeare nos coloca diante do dilema
existencial básico: “Ser ou não ser: eis a questão!”. Ressalvando os fatores
genéticos, e as peculiaridades de cada ser humano, a identidade de pessoas e
grupos sociais é construída culturalmente, na História. As culturas mais
simples, especialmente isoladas, e os tempos de mudanças menores e mais
lentas concorrem para a estabilidade das identidades. A urbanização, o
cosmopolitismo e os momentos de mudanças amplas, profundas e
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

prolongadas (crises) concorrem para crises de identidade. A identidade é


fundamental para o ser em si e para o ser no mundo. Esta pressupõe
convicções, práticas, valores que caracterizam e diferenciam.

O ser humano define a sua identidade pela sua idade, seu sexo, seu lugar de
nascimento, pela família, etnia, cultura nacional e regional, profissão,
vinculação a movimentos sociais e religião. As instituições, movimentos e
grupos sociais definem sua identidade pelo seu legado histórico, suas crenças
e seus propósitos. No século passado, as ideologias políticas foram fatores
determinantes na Civilização. A crise das ideologias, conforme analisa Phillip
Jenkis, em sua obra “A Próxima Cristandade” reforça a posição de Samuel
Huntington em “O Choque de Civilizações”, sobre o “Retorno do Sagrado”, ou
a revalorização da variável religiosa para a vida dos povos e o futuro da
humanidade.

Uma identidade religiosa isolacionista tem a ver com o sectarismo e o


fanatismo, o temor do impacto das outras identidades. A valorização excessiva
do modo de ser dos outros, contudo, indica uma crise na própria identidade. A
pertença a uma instituição religiosa se dá por tradição, por acomodação ou por
opção.

O Anglicanismo é um gênero de uma espécie: o Cristianismo. Ser Anglicano é,


antes, ser cristão.

O Cristianismo, porém, por uma série de razões, se expressa em uma


diversidade de ramos ou formas.

O conjunto de nossas marcas distintivas é denominado de ethos anglicano,


elaborado ao longo dos séculos, sofre processos de mudanças, mas não
subsistiríamos com uma rejeição ou ruptura do mesmo. Seríamos outra coisa.

Bispo Robinson Cavalcanti


124
Afinal, quem somos, como Anglicanos?

01. SOMOS UMA IGREJA


Cremos em Jesus Cristo, como único Senhor e Salvador, e que Ele, pelo
derramamento do Espírito Santo, gerou um Povo da Nova Aliança, a universal
assembléia dos remidos, o conjunto dos eleitos, o que se denomina de Igreja.
Esta tem a tarefa de anunciar e viver o Evangelho, as Boas Novas do Reino
de Deus. Ela existe por iniciativa de Deus, que a assistirá, a despeito de todas
as adversidades, até o Dia Final. Suas marcas espirituais são: a unidade, a
santidade e a apostolicidade. O pecado fracionou institucionalmente a Igreja.

O Anglicanismo tem sempre se definido como “um ramo provisório da Igreja


de Cristo”. Se somos um ramo, reconhecemos que há outros; se somos
provisórios, reconhecemos que um dia haverá “um só rebanho e um só
pastor”, e intercedemos por isso.

É por nos vermos como Igreja, que definimos os nossos membros como
eclesianos.

02. SOMOS UMA IGREJA HISTÓRICA


Há ramos do Cristianismo que são recentes. Há ramos que ignoram ou negam
a presença e a ação do Espírito Santo na História, até julgando que a Igreja
viveu uma longa “apostasia geral” entre Constantino e Lutero. O Anglicanismo
tem as suas raízes nos primórdios do Cristianismo. Por um lado, valoriza o
legado histórico, em sua herança apostólica; por outro lado, o Anglicanismo é
a sua própria História. A nossa identidade não pode se dar sem o
conhecimento e a adesão a essa História. É a soma do nosso passado quem
dá conteúdo ao nosso presente, e se projeta no futuro.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

03. SOMOS UMA IGREJA BÍBLICA


Há uma revelação geral de Deus na natureza, e Jesus Cristo é a revelação
encarnada, mas a narrativa dos feitos da revelação está contida, de modo
especial, nas Sagradas Escrituras Canônicas do Antigo e do Novo
Testamento, que aponta para Cristo, e é legitimada por Ele. Ela é a nossa
regra suprema de fé e de vida. Nada devemos ensinar ou exigir que seja crido,
que não esteja respaldado pelo testemunho bíblico. O Livro de Oração
Comum (LOC), em todas as suas partes, expressa o ensino bíblico.

A Tradição, a Razão e a Experiência não são consideradas “fontes de


revelação” adicionais à Bíblia, mas ferramentas adequadas para a sua melhor
compreensão e aplicações.

O Anglicanismo – como todos os ramos do Cristianismo – tem sido desafiado


pelo literalismo fundamentalista e pelo ceticismo liberalista. O acervo de uma
maneira séria de fazer teologia tomando em conta as Sagradas Escrituras, é
uma marca do Anglicanismo.

04. SOMOS UMA IGREJA CATÓLICA


Não somos descendentes das heresias dos primeiros séculos, mas da
expressão majoritária da Igreja, em seu consenso, que as rejeitou e combateu,
procurando preservar a pureza da fé e o legado apostólico. Essa corrente
majoritária, católica, portadora de uma mensagem universal, para todos os
povos, nos deixou alguns fundamentos:
a) A escolha dos livros canônicos do Novo Testamento;
b) A explicitação dos Sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor;
c) A definição das Doutrinas fundamentais contidas no Credo Apostólico
e no Credo Niceno;
d) A forma de governo eclesiástico herdada dos Apóstolos e dos Pais

Bispo Robinson Cavalcanti


126
Apostólicos: o Episcopado (mais as ordens do Presbiterado e do
Diaconato).

Outros ramos do Cristianismo se vinculam a essas mesmas bases, e com eles


compartilhamos da catolicidade da Igreja. Como católicos, valorizamos a
totalidade da Cristandade, em seu conjunto de pensamentos e feitos ao longo
dos séculos, e em suas expressões ao longo do espaço global, nos diversos
lugares e culturas.

05. SOMOS UMA IGREJA REFORMADA


A despeito dos nossos antecedentes Celtas e Romanos, somos, também,
resultado da Reforma Protestante do século XVI. Não negamos que os ramos
não reformados (no Oriente e no Ocidente) sejam expressões genuínas do
Corpo de Cristo, mas rejeitamos as inovações doutrinárias que se afastam da
Igreja Primitiva e/ou se chocam com o ensino escriturístico, bem como
superstições. Compartilhamos com os ramos reformados em nossa ênfase
absolutamente cristocêntrica: a salvação unicamente pela graça, mediante a fé
e a ênfase na autoridade suprema das Sagradas Escrituras. Os nossos
“XXXIX Artigos de Religião” (distantes do imobilismo de Roma e de
Constantinopla, e do extremismo Anabatista), tem muito a ver com as pautas
doutrinárias convergentes das diversas Confissões de Fé das Igrejas
Reformadas, o mesmo se diga da nossa liturgia.

Cremos no princípio dinâmico de que, diante dos constantes desvios da


natureza humana, “a Igreja reformada está sempre se reformando”, e que a
Bíblia, na língua e na linguagem do povo, deve estar aberta a todo o povo, no
princípio do “livre exame” (que não deve ser entendido como “livre
interpretação”), e na diversidade de dons no Corpo: o sacerdócio universal d
todos os crentes.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A edição de 1662 (como a de 1552) do Livro de Oração Comum (LOC), como


padrão doutrinário e litúrgico, é uma expressão e garantia do nosso caráter
reformado. Somos protestantes, não como criadores de uma nova fé, mas
como reformadores, purificadores e revitalizadores da fé católica e apostólica.

06. SOMOS UMA IGREJA MISSIONÁRIA


Embora localizada nas Ilhas Britânicas – e fruto da ação missionária – embora,
a partir do século XVI seja uma Igreja nacional na Inglaterra, a “ecclesia
anglicana” sempre se viu como portadora de uma missão de anunciar as Boas
Novas e estabelecer Igrejas além de suas fronteiras2, chegando, em nossos
dias, a 164 países, com trabalho missionário começando em novas terras.

Contemporaneamente, o conteúdo dessa missão foi definido como: proclamar,


ensinar, integrar, servir e se manifestar profeticamente em defesa da
integridade da criação e contra as iniqüidades dos sistemas deste mundo.

Cristo criou a Sua Igreja com uma missão ampla e integral, a partir do Seu
próprio exemplo.

Cada Anglicano é chamado a ser um missionário, com seus talentos naturais,


seus dons espirituais e sua vocação.

No final de cada culto, na despedida, somos exortados a estarmos no mundo


na paz de Cristo, para viver o exemplo junto a todas as pessoas, servindo ao
Senhor com alegria, no poder do Espírito Santo.

07. SOMOS UMA IGREJA LITÚRGICA


Os Anglicanos levam a sério a beleza e a ordem no culto. Por um lado,
valorizamos o que foi elaborado nos primeiros séculos da História da Igreja,

2
A exceção das Capelanias do século XIX.

Bispo Robinson Cavalcanti


128
seus símbolos, cerimônias e ritos, bem como as contribuições de todas as
épocas e lugares; por outro lado, defendemos a inculturação litúrgica,
relacionando-a a cada povo.

Nossas raízes, sem dúvida, estão nas Ilhas Britânicas, e, em particular, na


Reforma Inglesa. O Livro de Oração Comum (LOC) foi uma compilação de
uma variedade de ricas contribuições litúrgicas, em forte intercâmbio com o
que estava sendo feito pelos luteranos, graças ao gênio, a piedade e a
ortodoxia do Arcebispo Thomas Cranmer. Hoje, quase todas as 38 Províncias
e as Dioceses Extra-provinciais da Comunhão Anglicana, têm sua própria
edição do LOC, mantendo os princípios históricos em comum, mas com uma
cor local. Cada Bispo Diocesano é detentor do “jus liturgicum” para autorizar
ritos. Estes não podem ser inovados por Presbíteros, Diáconos ou leigos, sem
autorização episcopal.

A posição clássica é que as palavras do LOC não esgotam a liturgia, nem


essa deve descartar essas palavras, mas mantê-las, intercaladas pelo
espontâneo.

Um culto Anglicano não é uma missa romana ou bizantina, ou um culto batista


ou pentecostal, mas algo próprio, peculiar, como as vestes próprias do seu
clero e ministérios leigos. Os Anglicanos têm um compromisso de preservar a
estética na adoração.

08. SOMOS UMA IGREJA CARISMÁTICA


A pessoa e a obra do Espírito Santo são centrais no Anglicanismo.
Confessamos o Espírito Santo nos Credos e nos XXXIX Artigos de Religião e
o invocamos nos ritos e orações do LOC. Refletimos sobre o seu papel como
inspirador, consolador, operador da conversão e da santificação, doador de
dons e condutor a toda a verdade. Relacionamos a atual ação do Espírito
Santo com sua atuação especial: a inspiração dos autores da Bíblia e a
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

iluminação dos seus leitores, que deve prevalecer sobre as revelações


particulares. O Batismo com o Espírito Santo é vinculado à conversão, e não
como uma “segunda bênção”, conquanto creiamos na contemporaneidade dos
dons, e de seguidas experiências de aprofundamento da relação com o
Espírito Santo, inclusive místicas.

Cremos que o Senhor purifica e consagra os talentos ou dons naturais e


outorga dons espirituais a cada cristão, para a edificação do conjunto do
Corpo de Cristo.

Celebramos, com alegria, o Dia de Pentecostes, e associamos a quadra que


se segue no Calendário Eclesiástico com a Missão da Igreja.

09. SOMOS UMA IGREJA SACRAMENTAL


Cremos na Sacralidade da Criação e no contínuo uso dos elementos da
criação como canais de bênçãos de Deus para a raça humana. Esses
elementos do mundo material: o ar, a água, os alimentos, o contato com as
plantas e animais, o contato com outros seres humanos podem ser elementos
visíveis que transmitem uma graça invisível. Usamos a imposição de mãos
para Ordenar, comissionar e abençoar, bem como o óleo da oração pela
saúde. Os Sacramentos do Batismo e da Eucaristia (criados pelo próprio
Cristo) e outros Ritos Sacramentais são de suma importância para a vida da
Igreja. Há um mistério sacramental na arte sacra, particularmente na liturgia. O
Rito Sacramental da Ordenação confere autoridade para o ministério. Temos
elaborado, com piedade e base bíblica, ritos para diversas ocasiões da vida.

A comunicação e a ação de Deus têm base mais ampla que apenas o


discurso.

Bispo Robinson Cavalcanti


130

10. SOMOS UMA IGREJA HIERÁRQUICA


Deus é o Senhor de tudo, e, pelo mandato cultural outorgado à humanidade,
cria instituições de governo, leis e autoridades. O apóstolo Paulo escreve que:
“Todo poder vem de Deus”. Ele separou a tribo de Levi para o sacerdócio da
Antiga Aliança. Jesus separou os apóstolos dentre os discípulos, e estes
criaram os ministérios dos Diáconos, Presbíteros e Bispos (seus sucessores).
Há tarefas, direitos e obrigações para cada um desses ministérios, e estes
coordenam e equipam os demais ministérios. Segundo a diversidade de dons
dos fiéis.

A Igreja não pode, simplesmente, reproduzir os sistemas políticos humanos:


ditadura, monarquia ou democracia. Uma hierocracia, de mútua
responsabilidade e prestação de contas, com um poder partilhado (autoridade
dispersa), sob o Espírito e Palavra, é necessária para a ordem na Igreja.

Essa é a visão Anglicana, que vem sendo aperfeiçoada e fazendo necessários


ajustes locais.

11. SOMOS UMA IGREJA INCLUSIVA


O Anglicanismo não se exercita pela padronização ou universalização em
tudo, em cada detalhe. Cremos em aspectos essenciais de fé e vida, mas que
a diversidade cultural e as limitações da mente humana justificam o direito à
diversidade em aspectos secundários, tais como liturgia e aspectos
doutrinários periféricos. Em nosso meio há espaço para “tradicionais” e
“renovados”, aspersionistas e imersionistas, calvinistas e arminianos, órgão de
tubos e bateria. “No essencial unidade; no não essencial diversidade”: esse
princípio é denominado de inclusividade ou compreensividade, e, por
afirmar os essenciais, ele tem limites. O liberalismo é que, a partir dos EUA,
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

tem afirmado, cada vez de forma mais incisiva e extremista, uma inclusividade
ilimitada, com a Igreja sendo um espaço para todas as crenças e formas de
comportamento. Essa não é a compreensão histórica anglicana. Como já se
afirmou: “Diferimos em vestes e cerimônias, não em doutrinas”.

12. SOMOS UMA IGREJA AFETIVA


“Vejam como eles se amam!”, era a percepção dos pagãos diante do impacto
do Cristianismo primitivo. Em uma de suas pioneiras reuniões internacionais, o
Conselho Consultivo Anglicano (ACC) chamou a atenção para um elemento
central na manutenção da Comunhão Anglicana: os laços de afeição.

O Anglicanismo tem sido um espaço de acolhida para pessoas com diversas


histórias, e tem enfatizado o lugar da afetividade na comunidade dos remidos.
Nossa disciplina é sempre em primeiro lugar pastoral e recuperativa, e não
policial e punitiva.

Essa afetividade, ausente em grupos fanatizados, estreitos, legalistas e


moralistas (e que nos cercam e influenciam) é fruto do Espírito (amor) para a
cura espiritual, emocional e física dos fiéis, para o ajuste do Corpo, e não uma
tolerância ilimitada com o mal, uma permissividade ou um relativismo.

É nossa ênfase o suporte (apoio) mútuo em amor.

13. SOMOS UMA IGREJA ECUMÊNICA


Os Anglicanos estiveram participando da primeira Conferência Ecumênica
Mundial, realizada em Edimburgo, na Escócia, em 1910, e nos movimentos
que o seguiram: Fé e Ordem, Vida e Missão, e Conselho Missionário
Internacional. Foi o então Arcebispo de Cantuária, Geoffrey Francis Fisher,
quem fez a oração consagratória na Assembléia fundacional do Conselho
Mundial de Igrejas, em Amsterdã. As Províncias Anglicanas têm estado

Bispo Robinson Cavalcanti


132
envolvidas nos Conselhos continentais, nacionais e locais de Igrejas e/ou de
pastores.

Durante todo o século XX estabelecemos comissões bi-laterais de diálogo e


estudo com diversos ramos do Cristianismo: Romanos, Bizantinos, Pré-
Calcedônios, Pré-Efesianos, Vétero-Católicos, Moravianos, Luteranos,
Presbiterianos, Metodistas. Temos acordo de reconhecimento de ordem e
ministério, e intercomunhão, com os Vétero-Católicos da União de Utrech e
com os Luteranos europeus do Acordo Porvoo. Integramos a fusão de várias
denominações em uma Igreja Unida: Sul da Índia, Norte da Índia, Paquistão e
Bangladesh. As Resoluções das Conferências de Lambeth foram sempre de
apoio aos movimentos pela unidade dos cristãos, preservando a nossa
identidade e contribuições.

O termo “ecumenismo”, porém, é apenas usado nos documentos oficiais da


Comunhão Anglicana, para se referir às Igrejas que compartilham do conteúdo
doutrinário dos Credos Apostólico e Niceno. Não se usa a expressão “macro-
ecumenismo” nos diálogos inter-religiosos ou ações cívicas inter-religiosas,
quando se trata de religiões não cristãs.

A Conferência de Lambeth, 1998, deu início ao diálogo com os Batistas,


advogou um acercamento ao Movimento Pentecostal e às Jurisdições
Anglicanas Continuantes, e uma observação mais atenta ao fenômeno
neo/iso/pós/pseudo-pentecostal.

A busca da unidade da Igreja não somente é coerente que a nossa auto-


identificação como uma parcela provisória da mesma, mas em obediência à
Oração Sacerdotal do Senhor: “Que todos sejam um, para que o mundo creia”.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

14. SOMOS UMA IGREJA EVANGÉLICA


A ênfase central do Anglicanismo tem sido com a Proclamação e a vivência do
Evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Na Ceia do Senhor, nas
várias fórmulas da Grande Oração Eucarística, nos reunimos e reafirmamos o
Plano da Salvação, como expressão da Graça e do Amor de Deus,
manifestada no Seu Filho crucificado e ressuscitado. Conclamamos as
pessoas ao arrependimento e à fé. Em cada culto lemos, normalmente, quatro
passagens das Sagradas Escrituras: Antigo Testamento, Salmo, Novo
Testamento e Evangelho. As Boas Novas do Evangelho fluem dos Sermões e
da Eucaristia. A conversão, a santidade e o imperativo missionário integram o
nosso ideário. Somos irmãos dos que confessam essa mesma fé, nos outros
ramos da Igreja.

A Igreja Anglicana, de certo, é uma Igreja Evangélica!

OBSTÁCULOS
A Pós-modernidade, como expressão do “espírito do século”, nos trouxe a
superficialidade, a instabilidade, o individualismo, o subjetivismo e o
relativismo. Falta clareza ao mundo! Os seres se tornam, nas palavras da
música: “metamorfoses ambulantes”. É a civilização da falta de nitidez, a
civilização do self-service e seus pratos “pluralistas”.

Pessoas chegam às nossas Paróquias ainda presas ao seu passado de outras


denominações. As livrarias e a mídia cristã bombardeiam outros conteúdos.
Pastores são tentados pelo mito da “grama mais verde” de outras Igrejas. Não
valorizam a nossa identidade, e não a priorizam no ensino aos arrolados em
suas comunidades.

Há membros por tradição, por acomodação, ou por conveniência, não por


convicção e opção consciente. Reconhecemos os possíveis riscos para os

Bispo Robinson Cavalcanti


134
Seminaristas menos convictos, quando estudando em estabelecimentos não
denominacionais ou de outras denominações.

Mais do que crises de identidade, o que presenciamos, muitas vezes, é uma


ausência de identidade, ou, até, uma desvalorização da identidade.

CONSOLIDANDO
O que poderíamos destacar como necessário para se forjar, se consolidar,
uma identidade anglicana?

1. O Estudo das Sagradas Escrituras com a nossa abordagem


instrumental da Razão (senso comum + ferramentas filosóficas e
científicas), Tradição (como ela foi lida e entendida ao longo dos
séculos) e Experiência (comunitária e individual);
2. O Estudo da nossa História;
3. O Estudo da nossa Doutrina e Teologia (especialmente a
Eclesiologia);
4. O Estudo da nossa Ética e nossa Pastoral;
5. O Estudo da nossa Liturgia, particularmente do Livro de Oração
Comum (LOC);
6. O Estudo dos Cânones Provinciais e Diocesanos;
7. O Estudo dos Documentos Oficiais da Comunhão Anglicana,
particularmente das Conferências de Lambeth;
8. O Estudo de Teólogos Anglicanos, tanto clássicos quanto
contemporâneos;
9. O manter-se informado sobre o que acontece na Comunhão
Anglicana, na Província e na Diocese;
10. O integrar-se à vida diocesana.

CONCLUSÕES
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

O Anglicanismo é um ramo do Cristianismo, com uma longa história e um rico


legado, de presença mundial, atraindo as mais diversas classes sociais, com
uma diversidade de métodos, ênfases e abordagens, valorizando o saber,
promovendo o serviço e o exercício da cidadania responsável.

O confuso e fragmentado cenário religioso brasileiro, com o estrelismo


personalista, a crise de ética e o crescente sincretismo, está a clamar por
propostas alternativas. Cristãos nominais, ou insatisfeitos com suas
experiências de idolatria, superstição ou legalismo, estão também a clamar por
propostas alternativas.

Cremos, firmemente, que o Anglicanismo tem tudo para preencher esses


vazios, e ser uma das mais válidas alternativas para o nosso povo.

Para tanto, é necessário, preliminarmente, que os Anglicanos sejam


anglicanos. Ser é conhecer, é viver, é “vestir a camisa”, é vibrar, é acreditar, é
compartilhar com convicção e alegria.

Não iremos a lugar algum se não conhecermos e não tivermos uma firme e
sólida convicção do que pretendemos ser.

A Igreja que tem um John Stott, um C.S. Lewis, um J.I. Packer, um Michael
Greene, um Alister McGrath, não pode ser formada por encabulados ou
complexados de inferioridade.

Corações ao Alto!

O Senhor nos tem reservado um espaço e um papel no seu Reino. Sectários?


Nunca! Nem invertebrados ou amargos. Apenas autênticos!

Anglicanos? Sejamos!

Bispo Robinson Cavalcanti


136

Fixação de aprendizagem:

1. Por que o tema Identidade é central para nosso ramo do


Cristianismo?
2. Quais as dificuldades para a consolidação de uma Identidade
Anglicana entre nós?
3. Quais os itens mais importantes para se definir um(a) anglicano(a)?
4. Que devemos fazer para consolidar essa Identidade?

Décimo-primeiro Capítulo: A Crise

INTRODUÇÃO
Pode-se definir uma crise como um período prolongado de mudanças amplas
e profundas. As crises acontecem nas vidas dos indivíduos e instituições, bem
como das Civilizações. Com o ocaso da Modernidade e o advento, ainda
errático, da chamada Pós-Modernidade, a Civilização Euro-Ocidental passa
por uma crise. As crises trazem insegurança, porque antigos padrões parecem
estar desaparecendo, e os novos padrões ainda não estão claros e
cristalizados. As crises são momentos de dificuldades, mas, também, de
oportunidades, e, o que vale salientar, não se pode fugir delas.

A presente crise tem um rebatimento no segmento religioso, a partir da Europa


e Estados Unidos, impactando, de forma mais ou menos aguda, os povos
periféricos. A Modernidade tinha visto surgir a ideologia do modernismo e a
teologia do liberalismo. A Pós-Modernidade está vendo surgir a ideologia e a
teologia do Pós-Modernismo. Ambas têm implicado em um fato singular na
História, de uma religião “implodir” pela autonegação.

Não se pode dizer que o Anglicanismo, como um combinado de fatos


históricos, convicções e práticas estejam, em seu conjunto, em crise. Ele está
sólido e em expansão em mais de 150 países, pela sua riqueza intrínseca e
por sua relevância. Em uma dúzia de países situados no epicentro da
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Civilização Euro-Ocidental ele vive a mesma crise da maioria dos outros


segmentos do Cristianismo. Podemos falar, sim, em uma crise principal – que
é decorrência da anterior – no aspecto institucional, organizacional da
Comunhão Anglicana, quando o eixo se desloca do hemisfério norte para o
hemisfério sul, e o norte liberal, até então hegemônico e no “centro do mundo”,
não aceita esse deslocamento ideológico.

A grande questão central da crise no advento da Pós-Modernidade diz


respeito à negação da Verdade, como possibilidade. È nessa questão central
que o Cristianismo Histórico se choca com o Secularismo fora dos seus muros
e com o Revisionismo dentre deles.

Tomar consciência e analisar a crise é o primeiro passo para podermos


enfrentá-la sem maiores temores e com maiores possibilidades de êxito. Ela
não é a primeira, nem será a última na História da Igreja, essa Igreja que o seu
Criador e Senhor prometeu acompanhar e assistir até o final dos tempos.

ANTECEDENTES
Há duas décadas, no início do movimento Nova Era (“New Age”) li um folheto
escrito por seus propagadores, onde dizia que as três frases que maiores
danos causaram a humanidade foram: “Não terás outros deuses diante de
mim”; “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, e ninguém vem ao Pai senão
por mim”, e “Somente Alá é Deus, e Maomé o seu profeta”. O texto atacava o
monoteísmo como a causa principal dos conflitos humanos, e mais ainda as
pretensões de exclusividade no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo,
expressões do monoteísmo semítico. Esse ataque inclui a denúncia contra a
noção de Revelação, de um Deus que se comunica, se autodefine, define a
vida e a história, e faz prescrições religiosas e morais.

Bispo Robinson Cavalcanti


138
Registramos uma Crise de Civilização com a transição do que poderíamos
denominar de pré-modernidade (a última fase da Idade Média) para a
modernidade (Idades Moderna e Contemporânea, na divisão clássica). A
hegemonia política e intelectual da Europa sobre o mundo já tivera início com
o Império Romano, suas instituições e o seu Direito, e a Grécia, com o seu
pensamento filosófico (civilização greco-romana).

Essa hegemonia prossegue, posteriormente, com a consolidação do poder


espiritual e temporal do papado e o Sacro Império Germânico-Romano, na
Idade Média. A crise da Pré-modernidade e o advento da Modernidade
provocaram profundas mudanças na Civilização, mas não alteraram – antes
consolidaram a hegemonia européia (eurocentrismo).

Essa crise tem início na segunda metade do século XV e durante todo o


século XVI. O nacionalismo europeu leva à derrocada do Sacro Império e o
declínio do poder temporal do papado, bem como ao declínio do feudalismo,
dando lugar aos Estados Nacionais soberanos. O modo de produção feudal dá
lugar ao capitalismo mercantil. A aristocracia vai sendo substituída pela
burguesia, como classe dominante. Com os Descobrimentos, o mundo se
alarga sob o colonialismo europeu: Portugal, Espanha, Inglaterra, França,
Holanda.

No campo religioso, aquela cosmovisão de um Cristo débil, demônios fortes,


santos e anjos importantes, espiritual e emocionalmente opressiva,
legitimadora do poder religioso e temporal da Igreja de Roma, foi confrontada
pela Reforma Protestante, com sua ênfase na Palavra, na Graça, no livre
exame e no sacerdócio universal dos crentes. A redescoberta dos Clássicos
Gregos pelo Renascimento dá um novo ao saber humano.

A Modernidade vai se estabelecendo com a noção da autonomia do ser


humano em relação a Deus e às instituições religiosas, uma primazia da
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

razão, uma valorização primeiro da Filosofia e depois da Ciência, como


ferramentas do saber ilimitado (com a desvalorização da Teologia), a crença
na bondade natural do ser humano (erradicada a noção de pecado), a crença
em uma história linear e ascendente. O bom ser humano, exercitando a sua
razão, lançando mão das descobertas científicas ia construindo uma história
em que cada momento seria melhor do que o outro (noção de “progresso”),
em um profundo otimismo.

O estabelecimento do Estado de Direito e da Democracia Liberal, bem como a


velocidade das grandes descobertas científicas e tecnológicas pareciam dar
razão a essa maneira de pensar. Surgiram os grandes sistemas de
pensamento, as chamadas meta-narrativas, as ideologias, com suas
propostas de utopias globais. Dentre estas, o Liberalismo, o Nazismo e o
Marxismo.

Pretendeu-se interpretações universais e valores universais, que, na realidade,


eram interpretações e valores euro-ocidentais, universalizados, primeiro pelo
Colonialismo, depois pelo Neo-Colonialismo (independência formal com
dependência cultural e econômica), e, mais recentemente, pela sua terceira
expressão, a Globalização ou mundialização do modo de vida norte-americano
(agora mais forte do que o europeu, embora da mesma matriz).

O movimento cultural mais importante e impactante desse período foi o


Iluminismo. O pretendido obscurantismo das eras religiosas estava por
desaparecer. Chegara a libertação do ser humano do obscurantismo religioso.
Chegara a “Era das Luzes”, a iluminação, com a autonomia do ser humano e
sua capacidade, agora livre, de criar novas e melhores instituições e modos de
vida.

Bispo Robinson Cavalcanti


140
Podemos, ainda, destacar a Revolução Industrial, a urbanização e a
secularização (autonomia das esferas humanas, dissociadas do sagrado)
como características da Modernidade.

É claro que nesse mesmo tempo milhões de seres humanos continuavam a


viver como silvícolas ou como camponeses isolados, e que as velhas
civilizações da Ásia e as suas religiões (Bramanismo, Budismo, Jainismo,
Sikismo) não foram atingidas por essa Modernidade, ou o foram minimamente,
com o Islã, a cristandade oriental e o judaísmo. A Modernidade e o Iluminismo
tiveram algum impacto na Igreja de Roma, que reprimiu o “Modernismo” como
heresia. Entre as Igrejas Protestantes Históricas, primeiro na Europa, e depois
na América do Norte, a história seria outra. Elas seriam seriamente afetadas
pelo que veio a ser conhecido como Liberalismo: uma religião que incorporava
o que vinha de fora dela, se auto-negava, tentava ser relevante e, ao contrário,
declinava.

O século XX ainda tivera início sob o signo do otimismo. A Igreja, com sua
missão civilizatória, seria aliada das forças “esclarecidas” seculares. Aquele
seria o “século cristão”.

Duas Guerras Mundiais, o Holocausto dos Judeus, os horrores do nazismo, do


stalinismo e de outras ditaduras pretensamente libertárias, a fome, os
refugiados, a bomba atômica, a proliferação da criminalidade e do consumo
das drogas, a desagregação da família, a crise de valores. Algo havia dado
errado com a Modernidade. Parecia que não se poderia negar a noção do mal.
Como andava a Cristandade àquela altura?

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
A Modernidade foi, no geral, um período fecundo para o Cristianismo, e
podemos destacar alguns desses episódios marcantes para a sua História:
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

01. A Reforma Protestante, como movimento religioso, mas muito mais


do que isso, sua reflexão teológica, suas confissões de fé, seu
impacto cultural, e seus movimentos internos, em desdobramento:
Puritanismo, Pietismo, Metodismo, Avivalismo, Pentecostalismo,
Ecumenismo. O Protestantismo teve nexo de causalidade com o
Capitalismo e com a Democracia Liberal, bem como com
movimentos por reformas sociais;

02. A Expansão Missionária, começando com a Igreja de Roma, com


os Descobrimentos, e prosseguindo com o Protestantismo. A Igreja
sai da Europa e Oriente Médio para todos os continentes. As Igrejas
Orientais, contudo, permaneceram mais restritas, em virtude das
limitações impostas pelo poder político ou comunista, majoritários
nas áreas onde se situam.

Como período cultural, podemos ver a Modernidade como interregno entre a


queda de dois muros: o da Bastilha e o de Berlim.

Enquanto as missões consolidavam em todo o mundo a fé cristã histórica,


tornando essa expressão bíblica e clássica majoritária até hoje, na Europa,
primeiro, e na América do Norte, depois, ela sofreria o impacto do Iluminismo
racionalista, e ora responderia se fechando e atacando (Integrismo Católico
Romano, Fundamentalismo protestante), ora se abrindo demasiado,
terminando por absorver o espírito do século, em perigoso processo de
descaracterização: Liberalismo.

Se a intenção inicial do Liberalismo foi estabelecer um intercâmbio da Teologia


com a Filosofia e a Ciência do seu tempo, procurando tornar a fé relevante
para a nova situação cultural, a absorção dos paradigmas iluministas, porém,

Bispo Robinson Cavalcanti


142
teve um efeito desastroso para a cristandade ocidental, com o esvaziamento
das Igrejas.

Uma leitura racionalista das Sagradas Escrituras, uma soteriologia


universalista e uma ética relativista minaram os alicerces da herança
apostólica. Esse fenômeno se dá via luteranismo da Alemanha e
Escandinávia; via presbiterianismo na Suíça, Holanda e Escócia; via
batistismo e metodismo na Inglaterra e via congregacionalismo nos Estados
Unidos.

No Anglicanismo o impacto foi menor e o avanço mais lento, em um


desdobramento do latitudinarismo e da Igreja Larga, com o surgimento do
Liberal Catolicismo e do Liberal Protestantismo no final do século XIX, e que
vai ser tornar hegemônico primeiro nos Estados Unidos a partir dos anos
1960.

Com o Liberalismo Moderno teve início um processo de autonegação do


Cristianismo, com fortes desdobramentos no período seguinte, sendo a raiz da
crise que passamos hoje.

O Protestantismo, com sua ênfase inicial na soteriologia e na autoridade das


Escrituras, se construiu frágil em Eclesiologia, não tendo criado mecanismos
para salvaguardar a sã doutrina, e quando o seu paradigma maior – a Bíblia –
foi frontalmente atacado pelo Liberalismo, o resultado foi dos mais
desastrosos. O Episcopalismo Anglicano e o seu apego ao Livro de Oração
Comum (LOC) permitiram uma maior resistência por mais tempo, e na maioria
dos países, ao avanço do Liberalismo.

Seria a Pós-Modernidade uma ruptura com a Modernidade, ou o seu


aprofundamento com outros paradigmas e outra linguagem?
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

CRISTIANISMO E PÓS-MODERNIDADE
A Pós-Modernidade chega como uma nova revolução cultural no Ocidente. No
resto do mundo muita gente continua vivendo na Pré-Modernidade, na
Modernidade ou em um pouco de tudo. Por um lado ruíram, rapidamente, os
quatro mitos sustentadores da Modernidade: Bondade natural, Razão,
Progresso e Utopias Globais, mas, fora do espaço euro-ocidental, a China e
a Índia ressurgem como potências emergentes, e antigas propostas, como o
Confucionismo e o Bramanismo exibem sinais de vitalidade, bem como o
Budismo e outras religiões orientais. Com os petrodólares e a emigração para
o Ocidente, e a alta taxa de natalidade, o Islã se apresenta como uma forte
ameaça expansionista. Extremismos violentos se manifestam nas diversas
religiões.

No interior do ocidente, porém, presenciamos um conflito entre o Cristianismo


Histórico, um “retorno do sagrado” vago e, muitas vezes, esotérico, Estados
agressivamente secularistas e teologias que absorvem algumas marcas
negativas do novo momento ideológico: individualismo, subjetivismo,
experiencialismo, consumismo neo-hedonista, dentre os quais se destaca a
Teologia da Prosperidade.

O Secularismo como ideologia dos Estados Ocidentais representa não uma


ruptura, mas uma exacerbação da herança iluminista, agressivamente anti-
religiosa, especialmente no que diz respeito à expressão dos pontos de vista
religiosos e participação no espaço público, cultural e político. A religião seria
tolerada como algo apenas para a subjetividade, para o “recôndito da alma”,
irrelevante. Tolera-se uma religiosidade, uma espiritualidade, no campo dos
sentimentos e da mística. A religião, para o Secularismo, é associada ao
atraso e à ameaça a liberdade.

Bispo Robinson Cavalcanti


144

O grande problema, porém, é o surgimento do Liberalismo Pós-Moderno, que,


de dentro das Igrejas, adota os paradigmas e a agenda secularista.

Há um mal estar com o monoteísmo, uma negação da possibilidade de


qualquer Revelação. Nada se pode saber sobre a Divindade, nem o que ela
pensa sobre a Criação. Não há intervenção de Divindade na História, nem na
vida das pessoas. Não há meta-narrativas válidas. Não se pode conhecer a
verdade. Ela é apenas a provisória “verdade” de cada um. Em decorrência, a
Bíblia perde todo e qualquer valor normativo (inclusive para a moralidade) a
Igreja é uma instituição religiosa dentre tantas, e Jesus Cristo um caminho
dentre todos; o dado objetivo da pluralidade é substituído pelo Pluralismo
como ideologia (com um caráter “prescritivo”, segundo análise de Allister
McGrath). Todo diálogo religioso se deve fazer com crença de que todas as
propostas são não só de igual valor, mas, no fundo, de igual conteúdo.

Quem defende essa visão dentro das Igrejas – geralmente em cargos de


mando – se vêm como portadores de uma mensagem civilizatória, e vêm aos
que defendem as doutrinas e postulados éticos tradicionais do Cristianismo
como inimigos da Civilização, a serem duramente denunciados e combatidos.

Essa é a raiz da crise da Comunhão Anglicana, conforme foi presenciada na


Conferência de Lambeth de 1998, e que teve como momento mensurador a
votação por uma amplíssima maioria da Resolução 1.10 sobre a Sexualidade
Humana, e a reação posterior da minoria derrotada. Mais do que diferenças o
que se foi evidenciando foi a existência de duas religiões inteiramente
diferentes e conflitantes no interior da mesma instituição, e inadequação dos
órgãos e mecanismos dessa instituição para dirimir o problema.

AS DUAS RELIGIÕES
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A Comunhão Anglicana, em nossos dias, pode ser representada por uma


mansão, que, olhada de fora parece ser apenas uma grande casa, mas que
dentro há dois apartamentos separados por paredes, onde os dois setores da
família habitam cada um em seu espaço, com seus próprios costumes e
amizades. 90% em um apartamento e 10% no outro, sendo que esse setor
minoritário tem maior poder aquisitivo e insiste em ocupar o andar de cima...

Podemos, então, verificar contrastes marcantes entre o que a Bíblia ensina e o


que afirmam os liberais Pós-modernos, como bem destacou Moheb Ghalil.

01. É Jesus o Único Caminho?


“Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida;
ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14:6); Pedro: “E não há
salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum
outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos
salvos” (At 4:12). Paulo afirma que “toda língua confessará a Jesus
Cristo como Senhor” (Fl 2:9-11). Para o ex-deão da Catedral de São
Francisco, na Califórnia, a afirmativa de João 14:6 é “infeliz,
imperialista e politicamente incorreta” e foi, lamentavelmente,
colocada na boca de Jesus pelo evangelista. Para a Bispa Presidente
da Igreja Episcopal dos EUA (TEC): “Essa é uma construção estreita,
que tende a eliminar outras possibilidades”. Para ela os Mulçumanos,
os Sikhs ou os Jainistas chegam a Deus “de um modo radicalmente
diferente”. E o Dr. Marcus Borg, da Catedral de Portland, afirmou: “Eu
não penso que Deus se importa se somos cristãos, judeus,
mulçumanos, budistas ou o que seja. O que importa é uma relação
profunda com Deus”.

02. A Ressurreição

Bispo Robinson Cavalcanti


146
Jesus afirmou que ressuscitaria no terceiro dia (Mt 20:18-19). Pedro
testemunhou o fato da ressurreição (At 2:23-25), e para Paulo: “...se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, e nós estamos ainda em
nossos pecados” (1 Co 15:17). Para o Bispo da Diocese de
Washington: “A estória da ressurreição corporal de Jesus é, no
melhor, uma conjectura, os relatos da ressurreição nos Evangelhos
são contraditórios e confusos... o significado da Páscoa não é que
Jesus realmente retornou à vida, mas que mesmo a morte não pode
encerrar o poder de sua presença em suas vidas”.

03. A Bíblia
Para Jesus, suas palavras não haveriam de passar (Lc 21:33); para
Paulo, toda Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3:16-17); e para
Pedro, elas não tiveram origem humana, mas homens falaram da
parte de Deus movidos pelo Espírito Santo (2 Pd 1:20-21).

Documento da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil considera a Bíblia


como um livro religioso útil para a devoção privada e para a liturgia, e
não se pode nela buscar base para doutrinas ou normas de
comportamento. Outro documento da mesma IEAB nega a existência
de uma verdade, afirma várias verdades, e que as afirmações dos
autores bíblicos foram para o seu contexto, e não para hoje, inclusive
quando trata de homossexualismo. A Bispa Presidente da TEC
afirmou não achar que os escritores das Escrituras tivessem qualquer
noção do que fosse o homossexualismo. O Bispo da Pensilvânia
disse: “Nós escrevemos a Bíblia, nós podemos reescrever a Bíblia” e
que “A sua interpretação varia de acordo com as necessidades dos
ouvintes”.

04. A Salvação
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Jesus afirmou ser a porta, e que os que por ela entram são salvos (Jo
10:9), e essa unicidade de Cristo como Salvador é afirmada por
Paulo (Rm 10:9-13) e por Pedro (At 4:12). Para a Bispa Presidente da
TEC, a salvação é sair dos interesses próprios e ajudar a
necessidade das outras pessoas.

05. Evangelismo
Jesus mandou fazer discípulos de todas as nações (Mt 28:19-20),
tarefa que foi enfatizada por Paulo (2 Tm 4:2) e por Pedro (At 10:42-
43), enquanto isso a Diocese Episcopal de Los Angeles pediu
desculpas a hindus de todo o mundo pelas tentativas dos cristãos em
convertê-los. Isso foi dito pelo Bispo J. J. Bruno em cerimônia “macro-
ecumênica” com 100 (cem) líderes hindus, que incluiu os seus
cânticos sagrados. No Brasil, tais cerimônias incluem pais ou mães-
de-santo.

06. A Igreja
Para o apóstolo Paulo, a Igreja é o Corpo de Cristo, do qual ele é o
Salvador (Ef 5:23; Cl 1:18). Para a teóloga liberal Sally McFague, o
Corpo de Cristo é toda a Criação. Para a IEAB a Igreja é um ente
social, cultural, religioso, afetivo e litúrgico, onde não há lugar para
doutrinas ou normas comportamentais, ou seja, uma inclusividade
ilimitada, onde cabem todas as crenças e todas as formas de
comportamento.

07. Os Credos
Para o Cristianismo Histórico, os Credos contém explicitações de
suas doutrinas centrais, que devem ser cridas e confessadas. Os

Bispo Robinson Cavalcanti


148
liberais os vêem, apenas, como “documentos históricos”, pois como
afirmou a Bispa Schori: “Você não tem que professar exatamente o
mesmo entendimento sobre o conteúdo central da fé... o importante é
a adoração em conjunto”.

08. O Casamento
A Bíblia tem afirmado a origem divina e a santidade do matrimônio
heterossexual (Mc 10:6-9; 1 Tm 3:2-3; Hb 13:4), mas a Diocese de
Olympia, em sua 96ª Convenção deliberou afirmar: “a plena inclusão
em todas as áreas da vida da Igreja Episcopal de todos os nossos
qualificados irmãos e irmãs que são solteiros ou parceiros
heterossexuais, as pessoas gays, lésbicas, bissexuais e
transgêneros, e aqueles heterossexuais não-celibatários, e aqueles
divorciados, bem como a sua plena inclusão na vida plena da Igreja
Episcopal e da Comunhão Anglicana”.

Documento da IEAB recomenda que as instâncias diocesanas não


perguntem da preferência sexual dos candidatos ao ministério. 56
(cinqüenta e seis) Dioceses dos EUA rejeitaram em seus Concílios a
Resolução 1.10 da Conferência de Lambeth, 1998, que afirma a
normatividade da heterossexualidade, e que considerou, por mais de
80% dos Bispos presentes, ser a prática homossexual “incompatível
com as Sagradas Escrituras”.

O Primaz do Cone Sul, Revmo. Gregory J. Venables, tem afirmado que está
sendo pregado na Comunhão Anglicana dois Evangelhos.

A questão central não é de ética sexual. Essa é a ponta de um iceberg, e,


apenas uma expressão de algo mais profundo, relacionado à unicidade de
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Jesus Cristo como Senhor e Salvador, a unicidade da Igreja como agência da


salvação e a autoridade e normatividade das Sagradas Escrituras.

INTOLERÂNCIA
McGrath se refere ao núcleo do Secularismo e do Liberalismo como
“pluralismo prescritivo”, ou seja, “diversidade na marra”, e pergunta se o
mesmo “está preparado para permitir que o Cristianismo seja Cristianismo, e
não forçá-lo a ser a manifestação de uma realidade desconhecida e
desconhecível, mas, mesmo assim, totalizante, universal”.

Para aquele teólogo anglicano, o Modernismo e o Pós-Modernismo são


satélites intelectuais do Iluminismo, ligados a agendas totalizantes e
hegemonizadoras. Para essa ideologia impositiva:

Todas as religiões devem ser vistas da perspectiva pluralista, a única


que permite que sejam observadas em sua luz apropriada. É onde
acontece o fato de religiões não se coadunarem com os pressupostos
deste paradigma em particular, elas são forçadas a se conformar a
eles – no caso o Cristianismo, é colocado sob pressão para abandonar
suas crenças tradicionais, as que o definem, crenças na ressurreição e
divindade de Jesus Cristo, e a doutrina da Trindade. Isso é o mesmo
que stalinismo intelectual. Em fazer essa asserção, estou
deliberadamente apontando a agenda e raízes modernistas comuns
que estão por trás do pluralismo prescritivo, do nazismo e do
stalinismo. Todos três são colônias intelectuais do modernismo,
governados pelas mesmas regras e arrogâncias, ainda que possam
variar em relação a questões de detalhe local.

No lado de fora, o Secularismo agressivo pressiona a agenda do


“politicamente correto”, procurando erradicar os símbolos religiosos e
deslegitimar o discurso religioso na esfera pública, especialmente do
Cristianismo. Particularmente na Europa Ocidental e na América já se vive em
um novo ciclo de perseguição religiosa, que, em breve, poderá chegar aos

Bispo Robinson Cavalcanti


150
países periféricos. No lado de dentro, o Pós-Modernismo Liberal igualmente
agressivo, procura controlar as instituições religiosas e redigir as suas normas
institucionais. No caso do Anglicanismo, enquanto as Sagradas Escrituras são
desqualificadas, se presencia um fundamentalismo dos Cânones e das
fronteiras geográficas.

Os defensores da fé bíblica e histórica vão sendo espremidos, tratados como


cidadãos de segunda classe, levados na conversa de que é preciso “diálogo”,
“escuta”, “discernimento”, para serem vencidos pelo cansaço, como uma
espécie em extinção. Promove-se uma “limpeza teológica”, como as “limpezas
étnicas” dos Bálcãs. A “sacralidade” das fronteiras geográficas das Dioceses e
Províncias vai se transformando em “campos de concentração religiosos”.
“Você será aceito por todos se aceitar a todos e a tudo”, é o novo dogma.

É um momento muito sério da História da Igreja com esses “Cavalos de Tróia”.


Por isso, o Primaz do Cone Sul, Revmo. Gregory J. Venables, expressa sua
acurada análise da situação:

Eu creio que a divisão do momento presente é sobre


como definir o Cristianismo: que Deus falou; que a Bíblia
é a Palavra de Deus; que Jesus é a Palavra de Deus
Encarnada; e que Ele é o único meio de reconciliação
com Deus. Isso marca a verdade fundacional do
verdadeiro Cristianismo.

O que devemos sempre enfatizar, no caso de Anglicanismo, é que a mais


ampla maioria pensa exatamente como o Primaz Gregory; está cansada de
uma “década perdida” desde a Conferência de Lambeth, 1998, não pretende
permitir ser tiranizada pela minoria organizada e rica dos países centrais,
começa a se mexer e a esboçar reações, procurando compreender mais
profundamente as raízes da crise e a buscar saídas que preservem a fé uma
vez entregue aos santos.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

MODELOS
A Comunhão Anglicana tem instituições internacionais historicamente
recentes. Apenas o Arcebispo de Cantuária tem sido um símbolo e uma
autoridade moral por mais tempo. A Conferência de Lambeth é da segunda
metade do século XIX, enquanto o Conselho Consultivo Anglicano e o
Encontro dos Primazes são da segunda metade do século passado. Eles não
são Sagrados, nem imutáveis, e devem se adequar à nova conjuntura, pois
parecem não estar respondendo adequadamente a presente crise.

O Bispo David Anderson (CANA) presidente do Conselho Anglicano


Americano fez recente estudo estatístico sobre o número de membros da
Comunhão Anglicana, que é oficialmente de 77 milhões. Acontece que dos 25
milhões de batizados na Igreja da Inglaterra, apenas um (1) milhão e
seiscentos (600) mil são comungantes regulares, e dos dois (2) milhões e
quatrocentos (400) mil batizados da Igreja Episcopal (EUA), que já teve três
(3) milhões e meio há quarenta anos, também cerca de um (1) milhão e
seiscentos (600) mil freqüentam suas Paróquias e Missões. Realisticamente,
isso reduz o total de membros, ao nível mundial, para cinqüenta e cinco (55)
milhões e oitocentos (800) mil. Destes, cerca de 70% estão na Nigéria, em
Uganda e em Quênia. 80% integram o Movimento Ortodoxo Sul-Global.
Enquanto isso, as antigas e ricas Províncias euro-ocidentais são diminutas em
número de membros.

Em suma, as Províncias antigas e ricas, com pouca gente, são dominadas


pelo Liberalismo, enquanto a maioria das Províncias, novas e pobres, está
cheia de gente e são ortodoxas. Por razões históricas aquelas Províncias
euro-ocidentais dominavam a máquina administrativa da Comunhão Anglicana
e ditavam a ideologia, a agenda e os espaços para as maiorias. Estas
cansaram, e estão partindo para estabelecer a própria agenda e espaço. A

Bispo Robinson Cavalcanti


152
Conferência sobre o Futuro Global do Anglicanismo (Jerusalém, junho de
2008), convocada por líderes do Sul-Global é um passo nessa direção.

Ao desrespeitar e rejeitar a Resolução 1.10 sobre Sexualidade Humana, de


1998, os liberais fragilizaram a legitimidade da Conferência de Lambeth, fato
agravado pela recusa de Bispos a ela comparecer, por não haver espaço para
deliberações, além de que o Arcebispo convidou as Províncias do Canadá e
dos Estados Unidos sem arrependimento, e deixou de convidar bispos
ortodoxos (considerados “válidos, porém irregulares?”).

Todas as decisões de reafirmação da autoridade das Escrituras e toda


condenação a Ordenação de clérigos homossexuais praticantes e a benção
sobre uniões do mesmo sexo, feitas, reiteradamente pelo Encontro dos
Primazes e apoiadas pelo Conselho Consultivo Anglicano, na última década,
tem caído no vazio, bem como não funcionou o Painel de Referência como
instância arbitral. O Relatório de Windsor não tem sido levado adequadamente
a sério, e sua proposta sobre um Pacto Anglicano corre o risco de
esvaziamento com a segunda redação mais vaga e a dilatação do possível
prazo para a sua conclusão. O Arcebispo de Cantuária apresentou,
inicialmente, um comportamento de isenção, depois tirou uma licença e agora
parece mais comprometido com o modelo Cânones + Fronteiras Geográficas
vs. Bíblia e Tradição.

Como falei para o Arcebispo de Cantuária, quando o mesmo me recebeu no


Palácio de Lambeth, após sermos desvinculados da IEAB, o precedente das
exceções de modelos organizacionais que sempre tivemos na Comunhão
Anglicana pode ser um ponto de partida válido para um redesenho que
preserve a unidade sem a custa da verdade. Mas, hoje, me pergunto se isso
ainda é possível, humanamente falando.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A crise quase não tem chegado a 150 dos 164 países onde o Anglicanismo se
faz presente, mas esse não é o caso do Brasil, em razão de a IEAB ser
caudatária do liberalismo norte-americano, e cuja direção atual tem um
discurso mais claro e mais extremado do que sua matriz norte-americana.

A Diocese do Recife, nesse rincão periférico do mundo, tem involuntariamente


estado no epicentro da crise, em virtude de sua fidelidade à Palavra de Deus,
ao Anglicanismo Histórico e à memória dos pais fundadores em nosso país.

Nossa Diocese não age, nem reage isoladamente, mas, comprometida e


integrada à Igreja Anglicana do Cone Sul da América e ao majoritário
Movimento Ortodoxo do Sul-Global, vai analisando a crise, procurando
entender as suas causas e as suas possíveis soluções, em conjunto, e
buscando o discernimento do Espírito Santo.

Como essa não é a primeira, nem será a última crise na Igreja até à volta de
Jesus, e como temos exemplos na História, e cremos na Providência,
haveremos de superá-la, com decisões firmes, construindo novos modelos
que preservem a herança e o conteúdo, para a glória de Deus.

Fixação de aprendizagem:

1. Por que a Civilização Ocidental está em crise?


2. Por que o Cristianismo Ocidental foi atingido por essa crise?
3. O que há de peculiar com a crise da Comunhão Anglicana?
4. Como reagir proativamente aos desafios desse tempo de transição?

Décimo-segundo Capítulo: Perspectiva

INTRODUÇÃO
Temos estudado o Anglicanismo, como ramo histórico da Igreja de Cristo, sua
longa história, seu conteúdo doutrinário, seus princípios éticos, sua

Bispo Robinson Cavalcanti


154
abordagem pastoral, seu ministério, sua organização, sua identidade, e, por
último, a crise que vem presentemente atravessando. Sabemos que as crises,
por mais amplas, prolongadas e profundas que sejam, elas são transitórias.
Um dia elas terminarão, para que viva um novo momento histórico, até que
outras crises venham a surgir, e, assim, prossegue a história, conosco – a
humanidade – em seu permanente processo de construção, como atores
centrais desse drama, que teve início, e que, um dia, terá fim.

As crises são dolorosas, e é natural que se queira ver o seu final. Todos
querem concorrer para o seu término, e, quanto seja possível, controlar o seu
curso. Nessas circunstâncias se procura analisar as causas, os
desdobramentos e as conseqüências. Mais importante ainda, se procura
elaborar os cenários alternativos possíveis para o próximo estágio, e para o
estágio final.

Que a Civilização Ocidental globalizada e pós-moderna está em crise já o


sabemos, o sentimos, e o sofremos. Que essa crise tem afetado, de fora e de
dentro a Cristandade, é também evidente. Que a crise atingiu o Anglicanismo,
é uma realidade do nosso cotidiano. Estamos, nas palavras de Paulo ao
Areópago, “tateando como se o pudéssemos achar”.

Como o sambista, nos perguntamos: “Como será o amanhã?”.

Há uma certeza cada vez mais forte de que um modelo (diga-se de passagem,
historicamente recente) já se foi. Um outro modelo virá. Mas, qual? E quando?

A essa altura, além de acompanhar os acontecimentos, procurando nos


manter bem informados e orar por eles, somos chamados pelo Senhor da
História e Senhor da Igreja, a participar do processo, que é de desconstrução
e de reconstrução. Isso requer discernimento, desprendimento, espírito de
sacrifício, riscos de martírio, escolha correta dos companheiros de luta e de
vinculação aos movimentos corretos.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

É isso que a Diocese do Recife tem procurado fazer, em nossos encontros de


lideranças, em nossos Concílios Ordinários e Extraordinários. Temos avaliado
a conjuntura, temos intercedido, temos tomado posicionamentos. Nossa
vinculação, cada vez mais estreita, e o breve caminho de um vínculo regular e
institucional permanente com a Igreja Anglicana do Cone Sul da América, é
parte importante dessa caminhada, bem como nossa participação no
Movimento ortodoxo do Sul-Global.

Nossos relacionamentos com as Redes Anglicanas dos Estados Unidos e do


Canadá; com o Movimento Parceiros Por uma Causa Comum; com o
Anglican-Mainstream, no Reino Unido; com a Ekklesia, nos Estados Unidos,
onde mantemos uma relação de Diocese Companheira com a Diocese de
Springfield (ortodoxa, mas ainda integrando a Igreja Episcopal dos EUA),
nossa amizade com bispos, professores, ministros, jornalistas, webmasters e
leigos dos mais diversos países, indicam a ampla rede de relacionamentos
sadios de nossa Diocese e a nossa decisão de caminharmos nessa crise, não
isolados, mas no conjunto do que há de melhor entre o povo de Deus nesse
ramo da Igreja.

Como Diocese, fizemos uma opção pela verdade, que é Jesus Cristo
Encarnado, Crucificado e Ressurreto. Fizemos uma opção pela autoridade das
Escrituras canônicas do Antigo e do Novo Testamento e pelos Credos, como
expressão do núcleo central das doutrinas do legado apostólico. E fizemos a
opção, igualmente, por estarmos ombreados com os que partilham dessas
convicções e sofrem por elas.

Temos que depositar as nossas ansiedades na cruz. Não nos é digno o


caminho da fuga, nem o caminho da adesão ao mal. A Sua Graça nos basta.
No mais, é mantermos serenidade, maturidade, compromisso, trabalhar na

Bispo Robinson Cavalcanti


156
“santa rotina” missionária, fazer o que está ao nosso alcance, e deixar que a
cada dia baste o seu próprio mal.

Como costumava dizer meu avô: “Não há bem que sempre dure, nem mal que
sempre perdure”.

MODELOS
Se tomarmos o Anglicanismo como o conjunto dos fiéis que se auto-
identificam como tal, pelo apelo a uma herança histórica e um ethos em
comum, poderemos, na atualidade, representá-lo por quatro círculos
concêntricos:

O Primeiro Círculo é formado pelas Províncias e Dioceses Extra-Provinciais


em plena comunhão com a Sé de Cantuária.

O Segundo Círculo inclui aquelas Dioceses, Convocações, Paróquias e


Missões que estão sob a Autoridade Primacial ou como membros
extraterritoriais de entidades do Primeiro Círculo: CANA, Amia, Rede
Anglicana do Canadá, Conferência Internacional da Rede Anglicana dos EUA
(Quênia, Uganda, Cone Sul), Diocese do Recife, Missão Episcopal na Itália
etc., em número cada dia crescente.

O Terceiro Círculo é constituído pelas Jurisdições Continuantes, que fazem


parte de Redes (Networks) Anglicanas e Causa Comum (EUA), juntamente
com parceiros dos primeiro e segundo círculos. O próprio Arcebispo de
Cantuária disse no III Encontro Sul-Sul, no Egito, em 2006, que as Redes são
uma realidade nova que integram a Comunhão Anglicana.

Assim, o Primeiro Círculo tem um vínculo direto, e os Segundo e Terceiro


Círculos vínculos indiretos com a Sé de Cantuária, todos dentro do guarda-
chuva da Comunhão Anglicana.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

O Quarto Círculo é integrado pelas Jurisdições Anglicanas Continuantes


isoladas, que não fazem parte de Redes, ou, no caso dos EUA, da Causa
Comum (que está lá mais formal do que meramente fraternal).

SÉ DE CANTUÁRIA –
COMUNHÃO ANGLICANA

1º Círculo:
Províncias e Dioceses Extra-
Provinciais

2º Círculo: Dioceses,
Convocações, Paróquias e
Missões

3º Círculo: Jurisdi-ções
Continuantes (Redes/Causa
Comum)

4º Círculo:
Jurisdições Anglica-nas
Continuantes isoladas

Em um processo dinâmico, Dioceses, Paróquias e Jurisdições poderão mudar


de Círculos, ou até, vermos criados novos Círculos, ou mecanismos de
relacionamento entre os mesmos.

O Círculo Primeiro nunca foi absoluto no Anglicanismo, nem as tais


“fronteiras geográficas” nunca se constituíram em dogmas. Por séculos,
tivemos Paróquias da Igreja da Inglaterra dentro do território da Igreja da
Escócia; a Convocação de Igrejas Norte-Americanas na Europa faz

Bispo Robinson Cavalcanti


158
justaposição territorial sobre a Diocese da Europa (Igreja da Inglaterra) e sobre
as Dioceses Extra-Territoriais de Portugal e da Espanha.

Além disso, há situações dentro das Províncias que também são atípicas: as
províncias (internas) da Província da Austrália possuem ampla autonomia, e
as Dioceses australianas têm poder de veto sobre decisões da Província
dentro de sua área (uma resolução provincial só vale nas Dioceses se os
respectivos Concílios Diocesanos aprovarem), e a Província da Nova Zelândia
tem territórios diocesanos justapostos para as três etnias: européia, maori e
polinésia, e um triunvirato de Primazes com um representante de cada uma
delas.

Por isso, o Arcebispo de Cantuária – quando me recebeu no Palácio de


Lambeth – disse que, naquela tarde, ele e os Bispos Diocesanos da Igreja da
Inglaterra estavam justamente debatendo as exceções do passado ou ora
existentes como precedentes para novos arranjos no futuro. Essa flexibilidade
– denominada de redesenho – poderia ser o caminho para o futuro da
Comunhão Anglicana.

Os liberais são contra, pois já que descartaram a Bíblia e a Tradição, só lhes


resta a “sacralidade” dos Cânones e das fronteiras territoriais rígidas. Eles
tentaram criar o mecanismo das Supervisões Episcopais Delegadas, com
bispos ortodoxos supervisionando dentro de outras Dioceses que não a sua,
mas isso requeria a concordância de um Bispo Visitador, a concordância do
Bispo Local e a concordância das comunidades, o que terminou não
funcionando nos Estados Unidos e no Canadá. Uma Supervisão Episcopal
Alternativa funciona na Igreja da Inglaterra, com os chamados “Bispos
Voadore”, que são quatro que cuidam das Paróquias que não aceitam a
Ordenação feminina.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Quando o Encontro dos Primazes propôs Supervisores Primaciais Alternativos


sobre Dioceses e Paróquias dos EUA, com a concordância da Primaz daquela
Província, a proposta foi rejeitada pela Câmara dos Bispos, assim como pelos
ortodoxos locais, que não confiaram em ninguém que fosse de confiança de
sua Primaz ultra-liberal.

Houve exceções, há exceções e exceções estão sendo tentadas, estas nem


sempre com êxito, diante dos impasses e das distintas correlações de força.

Como diria um ideólogo contemporâneo em seu livro-título: “O que fazer?”.

WINDSOR
As tensões começaram a aumentar na Comunhão Anglicana com a decisão
da Diocese de New Westminster, Província de Columbia Britânica, no Canadá,
com o apoio do seu Bispo, Michael Ingham, de autorizar o rito de benção de
uniões entre pessoas do mesmo sexo. A seguir, a imprensa internacional
noticia com grande destaque a eleição pela Diocese de New Hampshire, nos
Estados Unidos, de um ex-casado e pai de duas filhas, que assumira a prática
da sua homossexualidade publicamente, com o seu parceiro, o Rev. Vicky
Gene Robinson. Essa eleição foi confirmada pela Convenção Geral da Igreja
Episcopal (EUA), seguindo-se a Sagração com um número expressivo de
bispos, aposentados e na ativa, apesar do apelo de várias Províncias de todo
o mundo.

No Brasil, os Bispos – Diocesano e Sufragâneo – e o Conselho Diocesano da


Diocese do Recife, publicaram a “Afirmação do Recife”, reiterando o apoio à
Resolução 1.10 da Conferência de Lambeth, 1998, condenando a Sagração
de Gene Robinson e suspendendo o seu relacionamento institucional com a
Igreja Episcopal (EUA) e com a Diocese de New Westminster, no Canadá. O
Primaz da IEAB emitiu nota de apoio à Sagração, tendo por base a autonomia

Bispo Robinson Cavalcanti


160
provincial e a cultura, sem qualquer menção às Escrituras, em nome da
Província, sem para isso ter recebido autorização seja da Câmara dos Bispos,
seja do Conselho Executivo da Província.

O Arcebispo de Cantuária e o Encontro dos Primazes criaram uma comissão


de alto nível, presidida pelo Primaz da Província das Índias Ocidentais
(Caribe), Revmo. Drexel Gomez, para elaborar um documento analisando a
conjuntura e fazendo sugestões de encaminhamento de soluções. Esse
documento ficou conhecido como o Relatório de Windsor. O Bispo da Diocese
do Recife foi convidado para a cerimônia da sua divulgação, dando entrevista
em contraponto a uma reverenda lésbica à televisão pública inglesa BBC nas
escadarias da Catedral de São Paulo, em Londres.

O Relatório reconhece a culpa das Igrejas do Canadá e dos Estados Unidos


em caminharem descoladas do conjunto em seu vanguardismo, demanda um
arrependimento e uma moratória nas Sagrações de homossexuais, reafirma o
caráter ortodoxo e reformado da Comunhão Anglicana, e propõe a redação de
um Pacto Anglicano com as doutrinas e padrões éticos que deveriam ser
compartilhados por todos. O Arcebispo de Cantuária, em um primeiro
momento, chegou a declarar que as Províncias que assinassem o Pacto
seriam consideradas membros plenos da Comunhão Anglicana, e as que não
o fizessem, teriam o status apenas de membros associados, posição que o
mesmo, tempos depois, voltou atrás.

Uma primeira versão do Pacto foi encorajadora, mas a segunda versão, por
pressão das Províncias liberais, significou um evidente recuo em seu caráter
afirmativo, e a data para a conclusão do processo de redação e escuta às
Províncias se pretende estender de 2010 para 2015, implicando no seu
esvaziamento. A IEAB condenou a existência de qualquer Pacto, pois, os
liberais que a dominam pretendem que a Comunhão Anglicana se dê apenas
em laços afetivos, sem conteúdo ético ou doutrinário.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Um dado complicado nos Estados Unidos é que cada Diocese liberal tem uma
minoria conservadora, e que cada Diocese conservadora tem uma minoria
liberal, o mesmo acontecendo no interior da maioria das Paróquias e Missões.
Muita gente saiu para outras denominações, para jurisdições anglicanas
Continuantes ou para Paróquias sob a autoridade de outras Províncias, outras
Dioceses e Paróquias estão em processo de saída, mas questões patrimoniais
e salariais, bem como o tradicionalismo institucionalista concorrem para que
ortodoxos permaneçam ainda no interior da Igreja Episcopal, adotando uma
postura opinionista (“minha opinião é firme que Jesus ressuscitou, mas aceito
conviver com quem duvida e quem negue” = inclusividade ilimitada).

Diante da perseguição a Paróquias ortodoxas no interior de Dioceses liberais,


e o não funcionamento da chamada Supervisão Episcopal Delegada
Alternativa (DEPO), o Arcebispo de Cantuária, acatando uma recomendação
do Encontro dos Primazes, criou o Painel de Referência, como uma comissão
internacional de arbitragem, para mediar e aliviar essas situações. Isso
suscitou muitas esperanças, que terminaram por se frustrar, pois o Arcebispo
de Cantuária teria o direito de determinar que processos seriam, ou não,
encaminhados ao Painel, e acatar, ou não, as deliberações, que também
seriam acatadas ou não pelas Dioceses perseguidoras. Foi mais um esforço
em vão. A Diocese do Recife foi a primeira a encaminhar um processo,
entregue na portaria do Palácio de Lambeth pelo secretário executivo do
Anglican-Mainstream, e que foi indeferido, com a opção do Arcebispo por
enviar diplomatas para se pronunciar sobre o contencioso.

Nem o Relatório de Windsor, nem o Painel de Referência, nem as Resoluções


dos Encontros dos Primazes tiveram qualquer resultado prático em mudar o
curso dos liberais, nem aliviar as perseguições aos ortodoxos. A Igreja
Episcopal pediu desculpas porque suas atitudes causavam desconforto na

Bispo Robinson Cavalcanti


162
Comunhão Anglicana, mas que não pretendia mudar de posição, por achar
que as mesmas eram corretas. Com o veto à proposta de Supervisão
Primacial Alternativa, feita pelo Encontro dos Primazes à Igreja Episcopal, e
com o convite aos Bispos que apoiaram (e alguns sagraram) Gene Robinson,
sem arrependimento, pelo Arcebispo de Cantuária, a Conferência de Lambeth,
2008, todos os esforços de uma década foram perdidos e voltaram à estaca
zero, gerando uma descrença de que qualquer solução possa vir a ser
encaminhada pelos Instrumentos de Unidade/Instrumentos de Comunhão, e
que um realinhamento é inevitável, resultado de outras iniciativas.

Vale ressaltar que o Arcebispo de Cantuária ao não convidar o Bispo Gene


Robinson; o Bispo de Harare, em Zimbábue; o Bispo do Recife e os Bispos da
Amia e da CANA fez questão de esclarecer que um não-convite para Lambeth
não significava que esses bispos não pertenciam à Comunhão Anglicana, mas
que ou suas presenças causariam tensões, ou os mesmos se encontravam
com ordens válidas, porém irregulares... Posteriormente ele oficialmente
desconvidou o Bispo da Diocese de São Joaquim, na Califórnia, EUA, quando
aquela Diocese se desvinculou da Igreja Episcopal para estar sob a autoridade
da Província do Cone Sul.

Tendo em vista a experiência positiva do surgimento de fóruns regionais como


a Conferência dos Bispos Anglicanos da África, que está encaminhando
localmente questões daquele Continente, se tentou criar algo similar nas
Américas, a CAPAC (Conferência de Províncias e Dioceses Anglicanas das
Américas), mas a iniciativa não foi à frente por falta de apoio formal de
algumas instâncias (a Diocese do Recife era uma das integrantes).

REALINHAMENTO
Uma instituição com o caráter internacional (164 países) e com a longa
história, como a Igreja Anglicana, tem o seu processo de mudanças, na
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

presente crise, necessariamente lento, em uma velocidade muito menor do


que gostaríamos. Mas são assim os processos históricos.

Não dá para os conservadores simples deixarem a Comunhão Anglicana, por


duas razões: a primeira é que nós somos os continuadores do que o
Anglicanismo sempre representou; e, a segunda, é que nós somos a imensa
maioria, e nunca maiorias deixam instituições. São as minorias que deixam, ou
são deixadas, como aconteceu com as heresias dos primeiros séculos. Com a
falta de poder jurisdicional por parte dos Instrumentos de
Unidade/Instrumentos de Comunhão, e a autonomia de Províncias e Dioceses,
o processo segue necessariamente lento, mas segue.

Não temos ainda uma clara opção de modelo institucional. O monárquico


absoluto da Igreja de Roma não nos serve; tampouco os modelos de vínculos
ainda mais frágeis e plurais das federações (como os Luteranos) ou das
alianças (como os Metodistas, os Presbiterianos e os Batistas).

Talvez tenhamos mais o que aprender com as Igrejas Orientais. O Patriarca


Ecumênico de Constantinopla (Istambul), como foco de história e símbolo de
unidade, primeiro entre iguais, tem menos autoridade ainda que o Arcebispo
de Cantuária, embora seja eleito pelo Santo Sínodo e não nomeado por
indicação do Primeiro-Ministro, com um viés político. Mas, cada uma das
Igrejas autocéfalas pode existir ao lado de outras. Nos Estados Unidos,
Paróquias Ortodoxas ligadas ao Patriarcado de Moscou, da Romênia, da
Bulgária ou da Sérvia podem coexistir na mesma cidade, todas prestando
honra ao Patriarca Ecumênico, mas vinculadas ao seu próprio Patriarcado. Um
Colégio de Bispos dos vários ramos dirige uma associação nacional que
represente os interesses coletivos.

Bispo Robinson Cavalcanti


164
É isso que vai acontecendo com a Causa Comum norte-americana: temos a
Convocação das Igrejas Anglicanas na América (CANA), ligada à Nigéria; a
Missão Anglicana nas Américas (AMiA), ligada à Ruanda; os episcopados
missionários vinculados ao Quênia e Uganda; as Paróquias e Missões ligadas
ao Cone Sul; aquelas que ainda estão na Igreja Episcopal (Rede Anglicana) e
algumas jurisdições Continuantes, como a Igreja Episcopal Reformada,
apontando para Cantuária como foco histórico e simbólico, cada uma ligada ao
seu “Patriarca”, mas formando uma nova jurisdição ortodoxa, sob o
Moderador, Revmo. Robert Duncan, da Diocese de Pittisburg, que deixou a
TEC.

No Canadá as Igrejas da Rede (Network) estão todas sob a autoridade do


Cone Sul, e um outro grupo ortodoxo (ACiC) está sob a autoridade de Ruanda,
mas com intercomunhão entre si.

Se olharmos mais de perto para o diagrama dos quatro círculos concêntricos


representando o Anglicanismo, veremos que dentro do primeiro círculo há um
número expressivo de Províncias que ou romperam ou suspenderam
comunhão com a Província dos EUA, com a Diocese de Westminster ou com
a própria Igreja do Canadá. Ou seja, estão no primeiro círculo, mas não se
reconhecem, nem se relacionam. Enquanto isso, os ortodoxos do primeiro, do
segundo e do terceiro círculo se reconhecem plenamente, não se importando
em que círculo estão, e, ainda, respeitamos o quarto círculo. Quer dizer, as
relações são mais pluricirculares do que intracirculares.

As fronteiras geográficas, que são, ao lado dos Cânones, as últimas


trincheiras para o domínio liberal, são desconhecidas, cada vez mais, pela
maioria ortodoxa, que vai firmando um novo tipo de fronteira: a fronteira
ideológica. Como bem descreveu o Rev. John Sutton, da SAMS-UK, a
Comunhão Anglicana vai se tornando, como uma empresa holding, uma rede
de redes, ou como falei ao Congresso de Pittisburg, redes de assemelhados.
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Enquanto a maioria das Províncias Asiáticas se isola do conflito e as


Províncias da África vão consolidando uma entidade regional forte, ortodoxos
de 17 Províncias promovem, em Jerusalém, a Conferência sobre o Futuro
Global do Anglicanismo (GAFCON), simbolicamente em Jerusalém, para
comunhão e apóio mútuo, avaliação da conjuntura, estabelecimento de metas
de ação conjunta na missão. Alguns Bispos comparecendo, também, para
“marcar presença” na Conferência de Lambeth; outros não. O importe é a não
aceitação do fato de que a minoria liberal rica do primeiro mundo dite a
agenda e o espaço. Usando a imagem, os ortodoxos estão tomando a brideira
nos dentes...

Uma Conferência de Lambeth (2008), planejada para não ter sessões


deliberativas se fragiliza e perde a antiga legitimidade como fórum mundial. A
proposta da segunda versão do Pacto Anglicano (revisto e piorado) propõe
maior autoridade ao Arcebispo de Cantuária, um fortalecimento do fórum onde
os liberais têm maior presença: o Conselho Consultivo Anglicano (ACC), e
esvazia o poder do Encontro dos Primazes, que, consultivamente, somente se
reunirá quando convocado pelo Arcebispo de Cantuária, sem capacidade de
auto-convocação. Na prática é o que já está acontecendo, quando o Arcebispo
de Cantuária não convocou o Encontro dos Primazes para avaliar a resposta
da Igreja Episcopal (EUA), em sua resposta ao que lhe foi exigido, antes
convidado todos os seus Bispos para a Conferência de Lambeth. Os
ortodoxos já estão cientes desses movimentos no jogo de xadrez e não
pretendem ficar passivos, mas, reagir proativamente.

Por outro lado, uma é a figura simbólica permanente do Arcebispo de


Cantuária; outra é a figura pessoal do Revmo. Rowan Williams, que é
historicamente transitório.

Bispo Robinson Cavalcanti


166
Como se percebe, o processo de realinhamento não é algo para o futuro, mas
já está acontecendo. O reconhecimento mútuo dos ortodoxos em qualquer dos
círculos, e a criação de novos organismos vai consolidando o processo. Com o
possível fracasso do Pacto Anglicano, uma arma importante proposta pelos
ortodoxos é a redação de um novo Catecismo Anglicano, a ser confessado e
ensinado pelos ortodoxos de todas as jurisdições, em escala mundial, como
uma base de crença em comum.

Nesse momento, pode-se diferenciar a postura racionária dos liberais


aferrados aos Cânones e às fronteiras geográficas (ironia = criadas no século
IV para impedir a circulação de Bispos hereges), tentando manter o domínio
pela rigidez institucional, sem levar em conta as Escrituras e o legado histórico
da Igreja em termos de doutrina e de ética, e a postura dos ortodoxos em
manter estas últimas, alterando o modelo institucional.

Estamos presenciando o parto de um novo modelo Anglicano, enquanto


alguns autores vão mais além, crendo que a crise está provocando uma nova
Reforma.

CONCLUSÃO
Um dado a ser levado em conta é a diversidade de situações dentro da
Comunhão Anglicana.

Há as Províncias e Dioceses ortodoxas, ou de ínfima minoria liberal, que não


se sentem diretamente atingidas pela crise, pois, no geral, continuam
acreditando e fazendo o que sempre foi sua história, e tendem a se isolar, ou a
não se envolver mais diretamente nos conflitos.

Há outras que, igualmente ortodoxas, são pobres, enfrentam grandes desafios


para manter o seu evangelismo e a sua obra social, e terminam por ter que
depender de verbas oriundas das Províncias e Dioceses liberais, o que,
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

mesmo se mantendo fiéis à sã doutrina, as fazem optar pelo silêncio e pela


omissão por força da necessidade de sobrevivência. A soma desses dois
grupos resulta em algo bem expressivo.

Há, por outro lado, Províncias e Dioceses ortodoxas que estão sendo
cobradas pelos seguidores do Islã, de outras religiões não-cristãs, e de outras
denominações cristãs, se elas são iguais às suas co-irmãs do Ocidente em
suas heresias e relativismo moral. A estas não resta outra opção do que uma
clara afirmação de identidade e uma denúncia do caráter desviante daquelas
suas co-irmãs.

Um terceiro grupo é formado pelas Províncias e Dioceses de maioria liberal,


cuja escalada de discriminação e perseguição às minorias ortodoxas é cada
vez mais crescente. Elas estão, principalmente, no mundo anglo-saxão, mas
possuem seguidores nos países periféricos, como o Brasil.

Em todas elas se registra uma grande evasão de fiéis, e uma busca dos
ortodoxos por uma proteção provisória por parte de outras Províncias,
almejando o dia quando terão as suas próprias jurisdições, e as mesmas
reconhecidas pelo conjunto do Anglicanismo.

Nesse conflito entram em jogo os conceitos de legalidade e de legitimidade.


As instituições liberais passam a depor, cassar, excomungar, expulsar clérigos
e comunidades, procurando desqualificá-los como Anglicanos. Quanto menos
anglicanismo histórico elas professam e quanto maior for a escalada de atos
repressivos, menos os mesmos terão algum efeito prático, pela erosão da
legitimidade dos algozes.

O formalismo institucional vazio, ou negador do conteúdo, não pode suplantar


a autoridade moral dos que preservam a herança bíblica e histórica, sendo
reconhecidos pelo seu povo, pelas autoridades públicas, pela sociedade civil,

Bispo Robinson Cavalcanti


168
pelas outras denominações, e, mais importante ainda, pelo conjunto do
Anglicanismo.

O ciclo de afirmação de um fundamentalismo canônico é uma sacralidade das


fronteiras territoriais, e a profusão de bulas punitivas vai se esgotando
rapidamente, deixando as instituições liberais fortemente desgastadas. A
deposição do ministério de J.I. Packer (considerado uma das cem
personalidades mais importantes do cristianismo, e uma das 25
personalidades mais importantes do evangelicalismo no século XX) pela
Diocese de New Westminster, no Canadá, não teve efeito prático algum,
senão aumentar a revolta e o protesto contra tais atos inquisitoriais, até que o
mesmo recebeu uma carta de reconhecimento de ordem e ministério do
Primaz do Cone Sul, à semelhança do clero excomungado do Recife.

Esse modelo de cassação, iniciado no Brasil, e adotado hoje, principalmente


nos Estados Unidos e no Canadá, vai caindo no vazio. Nos Estados Unidos, a
Diocese de San Joaquin, ao trocar a Igreja Episcopal (EUA) pela Província do
Cone Sul, teve o seu Bispo cassado e o seu clero deposto (o que deve
acontecer em breve com outras Dioceses daquele país), em um filme que a
Diocese do Recife dolorosamente já viu.

Por sua vez, o discurso revisionista liberal vai ficando cada vez mais claro,
com a defesa do batismo sem invocar a Trindade, ou a oferta da Ceia do
Senhor a não-cristãos, a Ordenação de homossexuais praticantes e a benção
de uniões do mesmo sexo, o questionamento da autoridade das Escrituras e
do papel singular da Igreja, mas, principalmente, e cada vez mais, a negação
da unicidade de Jesus Cristo como Senhor e Salvador.

Por trás de velhos prédios, velhas vestes e velhas palavras, o que existe é um
outro conteúdo. De fato, já existe, há muito tempo, uma denominação
congregacional com essa proposta, e para onde esses pseudo-anglicanos
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

deveriam se mudar; se não estivessem presos às benesses materiais de suas


instituições: a Igreja Unitária-Universalista.

O Arcebispo de Cantuária insiste no Processo de Windsor e no Pacto


Anglicano, quando a sua segunda versão não trouxe senão decepção e
desesperança, e insiste em um interminável “diálogo”, onde todos sejam
escutados e onde todos saiam satisfeitos, chegando-se a uma nova síntese ou
a uma aceitação mútua das diferenças, na linha de uma inclusividade ilimitada
e do pluralismo multicultural relativista.

Enquanto isso, muitos fiéis do espaço liberal vão “votando com os pés”, por
não aceitarem aquelas heresias, ou por estarem impacientes com líderes
ortodoxos acomodados, opinionistas ou tardios e lentos em se mover.

As fronteiras territoriais vão sendo entendidas como as das Províncias


Anglicanas e não as dos Estados Nacionais onde elas se situam. Daí, quando
um Primaz recebe Paróquias que saíram ou foram expulsas daquelas
Províncias, embora situadas nos territórios daqueles países, eles não estão
cruzando fronteiras territoriais provinciais, mas acolhendo seus ex-membros
na continuidade dos vínculos com a Comunhão Anglicana. E isso vai
acontecer, no futuro próximo, em uma incidência cada vez maior.
Convocações serão criadas, Bispos Missionários enviados, Dioceses e
Paróquias recebidas sob a Autoridade Primacial e/ou no interior das próprias
Províncias e Dioceses ortodoxas, em caráter provisório ou definitivo.

A Diocese de Attabasca, no Canadá, por decisão conciliar reconheceu o


caráter anglicano das Paróquias e clérigos expulsos por sua Província (Rede
Anglicana), deliberando manter comunhão com os mesmos e com a Província
do Cone Sul. A Diocese de Springfield, embora integrando a Igreja Episcopal
(EUA) tem um status de Diocese Companheira com Recife, aprovada

Bispo Robinson Cavalcanti


170
sucessivamente, por unanimidade, por três anos seguidos, pelo seu Concílio,
com o seu Bispo vindo ao Recife e o Bispo do Recife indo ao seu Concílio.
Várias Dioceses e um grande número de Paróquias nos Estados Unidos
desconhecem as deposições e excomunhões perpetradas pela IEAB contra a
Diocese do Recife, acolhendo plenamente o seu Bispo e os seus clérigos.

Ao lado disso, entidades como a CANA, a AMiA, as Missões de Quênia,


Uganda e Cone Sul nos Estados Unidos são reconhecidas pelos ortodoxos
que ainda têm estado no interior da Igreja Episcopal (EUA) e pelo conjunto de
Províncias do Sul-Global, que totalizam mais de 80% dos fiéis da Comunhão
Anglicana. O mesmo acontece com a Rede do Canadá e a Diocese do Recife,
gênese de uma nova Província.

Enquanto as Províncias liberais são pequenas, e tendem a diminuir, uma


Província como a Nigéria, com o programa evangelístico 1+1 = 3, caminha
para ser 25% da população do país.

O eixo demográfico-eclesiástico já se deslocou do norte para o sul, e tende a


continuar nesse processo durante o próximo período histórico. As redes de
assemelhados estão se formando, se expandindo, se fortalecendo, e se
reconhecendo mutuamente, a despeito dos atos de força das instituições
dominadas pelos liberais e da omissão dos Instrumentos de Comunhão. Elas
não vão mais aceitar passivamente que a minoria detentora de poder
institucional imponha a sua agenda ou limite o seu espaço, mas prosseguirão
na missão que o Senhor as confiou, confessando a sã doutrina, em um
processo de renovação e unidade.

É possível que não tenhamos uma solução mais ampla e mais profunda nos
próximos anos, e que tensões continuem entre as duas religiões que se
abrigam no mesmo guarda-chuva. Mas, a visão dos ortodoxos é a de gastar o
mínimo de tempo e de energia possível nesses conflitos, e, sim, trabalhar na
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

missão e na construção de instituições meios, dentro dos laços de afeição, do


reconhecimento e do apoio mútuo das diversas redes de assemelhados. O
GAFCON, a Declaração de Jerusalém, o surgimento da Fraternidade de
Anglicanos Confessantes (FCA) e o nascimento da nova e ortodoxa Igreja
Anglicana na América do Norte (ACNA), são sinais de esperança na
construção de um novo tempo.

Como afirmou, com autoridade, o Primaz das Índias Ocidentais (Caribe),


Revmo. Drexel Gomez, um dos líderes do Movimento do Sul-Global: “No meio
dessa crise o Anglicanismo nunca foi tão atual nem tão pujante”.

A fé na Providência do Senhor da Igreja conduz a maioria ortodoxa da


Comunhão Anglicana à paz interior e à serenidade para enfrentar os desafios
e o martírio, continuando o sagrado depósito da fé apostólica e promovendo a
missão integral da Igreja, até que Ele venha.

Fixação de aprendizagem:

1. Por que se diz que os atuais Instrumentos de Unidade/Comunhão


estão superados em sua presente forma e atribuição?
2. Quais as principais conclusões e sugestões do Relatório de Windsor?
3. O que se entende por Realinhamento?
4. Como você antevê o Anglicanismo no futuro?

Bispo Robinson Cavalcanti


172
APÊNDICES

1. Correntes Anglicanas
2. Os Arcebispos de Cantuária
3. Sucessão Apostólica (do autor)
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Episcopado Histórico 3
A SUCESSÃO APOSTÓLICA (DO BISPO ROBINSON CAVALCANTI)

Ao lado das Escrituras, dos Credos e dos Sacramentos, o Episcopado


Histórico, entendido como uma Ordem (as outras Ordens são a dos Diáconos
e a dos Presbíteros), é um dos quatro princípios doutrinários basilares da
Comunhão Anglicana, denominado de “Quadrilátero de Lambeth”. Usa-se no
Anglicanismo a expressão Episcopado Histórico para a sucessão Episcopal
desde os tempos apostólicos, em forma (rito sacramental com imposição de
mãos) e em conteúdo (confissão doutrinária dos Credos: Apostólico e Niceno).
Fiel à mais antiga Tradição, a Sagração de um Bispo Anglicano se dá pela
imposição de mãos de, pelos menos, três Bispos sagrantes.

Pode-se traçar, de forma documentada, uma lista sucessória do Bispo Dom


Robinson Cavalcanti, por doze séculos, começando com a investidura papal
dos primeiros Arcebispos de Cantuária, passando pelo movimento dos “non-
jurors”, pela Igreja Episcopal Escocesa e pela Igreja Protestante Episcopal dos
Estados Unidos da América (PCUSA), até chegar ao Anglicanismo brasileiro,
por setenta e quatro gerações episcopais, a saber:

1. O Papa NICOLAU I (Sagrado em 858), em 864 sagrou


2. FORMOSIUS como Bispo do Porto (Papa em 891), que em 891
sagrou
3. PLEGMUND como Arcebispo de Cantuária, que, em 909, sagrou
4. ANTHELM como Bispo de Wells (914 Cantuária), que, em 914,
sagrou
5. WULFHELM como Bispo de Wells (923 Cantuária), que, em 927,
sagrou
6. ODO como Bispo de Ramsbury (942 Cantuária), que, em 957, sagrou
7. DUNSTAN, como Bispo de Worcester (960 Cantuária), que, em 984,
sagrou

3
Texto veiculado pela Internet, através da Secretaria Diocesana Anglicana de
Comunicação Social (SDAC), em 30 de maio de 2007.

Bispo Robinson Cavalcanti


174
8. AELPHEGE como Bispo de Winchester (1005 Cantuária), que, em
990, sagrou
9. ELFRIC como Bispo de Ramsbury (995 Cantuária), que, em 1003,
sagrou
10. WULFSTAN como Bispo de Worcester e York, que, em
13.11.1020, sagrou
11. ETHELNOTH como Arcebispo de Cantuária, que, em 1035, sagrou
12. EADSIGE como Bispo de St. Martin’s, Cantuária (Arcebispo de
Cantuária, 1038), que, em 03.04.1043, sagrou
13. STIGAND como Bispo de Elmham (1052 Cantuária), que, em 1058,
sagrou
14. SIWARD como Bispo de Rochester, que, em 29.09.1070, assistido
por William, Bispo de Londres, sagrou
15. LANFRANC como Arcebispo de Cantuária, que, em 1070, sagrou
16. THOMAS como Arcebispo de York, que, em 04.12.1094, sagrou
17. ANSELM como Arcebispo de Cantuária, que, em 26.07.1108,
sagrou
18. RICHARD DE BELMEIS como Bispo de Londres, que, em
18.02.1123, sagrou
19. WILLIAM DE CORBEUIL como Arcebispo de Cantuária, que, em
17.11.1129, sagrou
20. HENRY DE BLOIS como Bispo de Winchester, que, em
03.07.1162, sagrou
21. TOMAS BECKET como Arcebispo de Cantuária, que, em
23.08.1164, sagrou
22. ROGER DE GLOUCESTER como Bispo de Worcester, que, em
07.11.1176, sagrou
23. PETER DE LEIA como Bispo de St. David’s, que em 29.09.1185,
assistiu Baldwin, Arcebispo de Cantuária, na Sagração de
24. GILBERT GLANVILLE como Bispo de Rochester, que, em
23.05.1199, assistiu Hubert Walter, Arcebispo de Cantuária na
Sagração de
25. WILLIAM OF S. MERE L’ÉGLISE, que em 05.10.1214, assistiu
Stephen Langhton, Arcebispo de Cantuária, na Sagração de
26. WALTER DE GRAY como Bispo de Worcester (1216 Arcebispo de
York), que, em 05.12.1249, sagrou
27. WALTER KIRKHAM como Bispo de Durham, que em 07.02.1255
sagrou
28. HENRY como Bispo de Whitthern, que, em 09.01.1284, assistiu
William Wickwane, Arcebispo de York, na Sagração de
29. ANTHONY BECK como Bispo de Durham (1306, Patriarca de
Jerusalém), que, em 14.09.1292, sagrou
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

30. JOHN OF HALTON como Bispo de Carlile, que em 27.06.1322,


assistiu Thomas Cobham, Bispo de Worcester, na Sagração de
31. ROGER NORTHBOROUGH como Bispo de Lichfield, que, em
15.07.1330, assistiu Henry Burghersh, Bispo de Lincoln, na
Sagração de
32. ROBERT WYVIL como Bispo de Salisbury, que, em 12.03.1340,
sagrou
33. RALPH STRATFORD como Bispo de Londres, que, em 15.05.1346
assistiu Stratford, Arcebispo de Cantuária, na Sagração de
34. WILLIAM EDENDON como Bispo de Winchester, que, em
20.03.1362, sagrou
35. SIMON SUDBURY como Bispo de Londres (depois Arcebispo de
Cantuária), que, em 12.05.1370, sagrou
36. THOMAS BRENTINGHAM como Bispo de Exeter, que, em
05.01.1382, sagrou
37. ROBERT BRAYBROOKE como Bispo de Londres, que, em
03.02.1398, sagrou
38. ROGER WALDEN como Arcebispo de Cantuária, que, em
14.07.1398, sagrou
39. HENRY BEAUFORT como Bispo de Londres, que, em 1405, se
tornou Bispo de Winchester, e que, em 15.05.1435, sagrou
40. THOMAS BOUCHIER como Bispo (1443 Ely; 1454 Cantuária), que,
em 31.01.1479, sagrou
41. JOHN MORTON como Bispo de Ely (1486 Cantuária), que, em
21.05.1497, sagrou
42. RICHARD FITZJAMES como Bispo de Rochester (1503
Chichester; 1506 Londres), que, em 25.09.1502, sagrou
43. WILLIAM WARHAM como Bispo de Londres (1503 Cantuária), que
em 15.05.1521, sagrou
43. JOHN LONGLANDS como Bispo de Lincoln, que, em 30.03.1533,
sagrou
44. THOMAS CRANMER como Arcebispo de Cantuária, que, em junho
de 1536, sagrou
45. WILLIAM BARLOW como Bispo de St. Davis (1549 Bath; 1559
Chichester), que, em 17.12.1559, sagrou
46. MATTHEW PARKER como Arcebispo de Cantuária, que, quatro
dias depois, sagrou
47. EDMUND GRINDAL como Bispo de Londres (1570 York; 1576
Cantuária), que, em 21.04.1577, sagrou
48. JOHN WHITGIFT como Bispo de Worcester (1583 Cantuária), que,
em 08.05.1597, sagrou

Bispo Robinson Cavalcanti


176
49. RICHARD BANCROFT como Bispo de Londres (1604 Cantuária),
que, em 03.12.1609, sagrou
50. GEORGE ABBOT como Bispo de Lichfield (1610 Londres; 1611
Cantuária), que, em 14.12.1617, sagrou
51. GEORGE MONTAIGNE como Bispo de Lincoln (1621 Londres;
1628 Durham; 1628 York), que, em 18.11.1621, sagrou
52. WILLIAM LAUD como Bispo de St. David’s (1626 Bath; 1628
Londres; 1633 Cantuária), que, em 17.06.1638 sagrou
53. BRIAN DUPPA como Bispo de Chichester (1641 Salisbury; 1660
Winchester), que, em 28.10.1660, sagrou
54. GILBERT SHELDON como Bispo de Londres (1663 Cantuária),
que, em 06.12.1674, sagrou
55. HENRY COMPTON como Bispo de Oxford (1675 Londres), que,
em 27.01.1678, sagrou
56. WILLIAM SANCROFT como Arcebispo de Cantuária (que, mais
tarde se tornaria um “non-juror”), que, em 25.10.1685 sagrou
57. THOMAS WHITE como Bispo de Peterborough (deposto em 1690
como um “non-juror”) e que, sob exílio imposto pelo rei James II,
em 24.02.1693, sagrou
58. GEORGE HICKES (também um “non-juror”), que, em 24.02.1712,
sagrou
59. JAMES GADDERAR (sagrado sem uma Sé; depois Bispo de
Aberdeen e Moray, na Escócia), que, em 04.06.1727, sagrou
60. THOMAS RATTRAY como Bispo de Dunkold, da Igreja Episcopal
Escocesa, que, em 1741, sagrou
61. WILLIAM FALCONAR como Bispo de Ross e Caithness, da Igreja
Episcopal Escocesa, que, em 21.09.1768, sagrou
62. ROBERT KILGOUR como Bispo de Aberdeen, da Igreja Episcopal
Escocesa, que, em 14.11.1784, sagrou
63. SAMUEL SEABURY como Bispo de Connecticut, e primeiro Bispo
da Igreja Protestante Episcopal dos Estados Unidos da América
(PECUSA), que, em 1792, sagrou
64. THOMAS J. CLAGGET, que, em 1797, sagrou
65. EDWARD BASS, que, em 1797, sagrou
66. ABRAHAM JARVIS, que, em 1811, sagrou
67. ALEXANDER VIETS GRISWOLD, que, em 1819, sagrou
68. THOMAS CHURCH BROWNELL, que, em 1854, sagrou
69. HORACIO POTTE, que, em 1867, sagrou
70. DANIEL SYLVESTER TUTTLE, que, em 1911, sagrou
71. JAMES DE WOLF PERRY, que, em 1930, sagrou
72. HENRY KNOX SHERRILL Bispo de Massachussets, depois Primaz
da PECUSA, que, em 1959, sagrou (seu filho)
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

73. EDMUND KNOX SHERRILL Bispo do Brasil Central, Rio de


Janeiro (1976 primeiro Bispo da Diocese Setentrional, Recife), que,
juntamente com outros três Bispos da Igreja Episcopal Anglicana
do Brasil (4), com Episcopado histórico, em 05.10.1997, sagrou
74. EDWARD ROBINSON DE BARROS CAVALCANTI Bispo
Coadjutor (05.10.1997) (Diocesano do Recife desde 19.10.1997).

Fonte: Aquino, Jorge L. F. O Episcopado Anglicano: Fundamentos, Práticas,


Desafios. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em
Teologia, Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, Recife, 2004,
pp.155-158.

4
Bispo Glauco S. de Lima, Almir dos Santos e Clóvis E. Rodrigues, de linha sucessória
de Lucien Lee Kinsolving, primeiro Bispo Anglicano do Brasil, que, por sua vez,
também se vincula à linha sucessória de Samuel Seabury (nº.63), primeiro Bispo
Anglicano dos Estados Unidos da América.

Bispo Robinson Cavalcanti


178

ARCEBISPOS DE CANTUÁRIA D.C.


1. S. Augustine 597
2. S. Laurentius 604
3. S. Mellitus 619
4. S. Justus 624
5. S. Honorius 627
6. S. Deusdedit 655
7. S. Theodore 668
8. Berhtwald 693
9. S. Tatwine 731
10. Nothelm 735
*11. Cuthberht 741
*12. S. Breogwine 759
13. Jaenberht 766
*14. Aethelhard 793
*15. Wulfred 805
*16. Feologild 832
*17. Ceolnoth 833
*18. Aethelred 870
*19. Plegmund 890
*20. Athelm 914
*21. Welfhelm 923
*22. S. Odo 942
23. Aefsige 959
24. Beorhthelm 959
*25. S. Dunstan 960
*26. Ethelgar 988
*27. Sigeric 990
*28. Aelfric 995
*29. Aelfeah 1005
*30. Lyfling 1013
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

*32. Aedsige 1038


33. Robert 1051
34. Stigand (Privado, 1070) 1052
*35. Lanfranc 1070
*36. S. Anselm 1093
*37. Ralph d'Escures 1114
*38. William de Corbeuil 1123
*39. Theobald 1139
*40. S. Thomas Becket 1162
*41. Richard 1174
42. Baldwin 1185
*43. Hubert Walter 1193
*44. Stephen Langton 1207
45. Richard Grant 1229
46. S. Edmund (Rich) 1234
47. Boniface 1245
48. Robert Kilawrdby 1273
*49. John Peckham 1279
*50. Robert Winchelsey 1294
*51. Walter Reynolds 1313
*52. Simon Mepeham 1328
*53. John Stratford 1333
*54. Thomas Bradwardine 1349
*55. Simon Islip 1349
56. Simon Langham 1366
*57. William Whittlesey 1368
*58. Simon Sudbury 1375
*59. William Courtenay 1381
*60. Thomas Arundel 1397
61. Roger Walden 1398
Thomas Arundel (restaurado) 1399
*62 Henrey Chichle 1414
*63. John Stafford 1443
*64. John Kemp 1452

Bispo Robinson Cavalcanti


180

*65. Thomas Bourchier 1454


*66. John Morton 1486
*67. Henrey Dean 1501
*68. William Warham 1503
69. Thomas Cranmer 1533
*70. Reginald Pole 1556
71. Matthew Parker 1559
72. Edmund Grindal 1576
73. John Whitgift 1583
74. Richard Bancroft 1604
75. George Abot 1611
76. William Laud (Decapitado,
1633
1645: vacante, 15 anos)
77. William Juxon 1660
78. Gilbert Sheldon 1663
79. William Sancroft (Privado,
1678
1690)
80. John Tillotson 1691
81. Thomas Tenison 1695
82. William Wake 1716
83. John Potter 1737
84. Thomas Hering 1747
85. Matthew Hutton 1757
86. Thomas Secker 1758
87. Frederick Cornwallis 1768
88. John Moore 1783
89. Charles Manners Sutton 1805
90. William Howley 1828
91. John Bird Sumner 1848
92. Charles Thomas Longley 1862
93. Archibald Campbell Tait 1868
*94. Edward White Benson 1883
*95. Frederick Temple 1897
*96. Randall Thomas Davidson
1903
(Renunciou, 1928)
*97. Cosmo Gordon Lang 1928
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

*98. William Temple 1942


99. Geoffrey Francis Fisher 1945
100. Arthur Michael Ramsey 1961
101. Frederick Donald Coggan 1975
102. Robert Alexander Kennedy
1980
Runcie
103. George Leonard Carey 1991
104. Rowan Douglas Williams 2003
* Enterrados Em Cantuária

Bispo Robinson Cavalcanti


182
CORRENTES DO ANGLICANISMO

ARCEBISPO DE
CANTUÁRIA

CONFERÊNCIA DE
LAMBETH

ENCONTRO
DOS PRIMAZES

CONSELHO
CONSULTIVO
ANGLICANO
A – CATÓLICOS HISTÓRIA B – PROTESTANTES
ANGLO TRADICI CARISMÁT LIBE LAÇOS DE AFEIÇÃO LIBE CARISM EVAN FUNDAM
ONAIS ICOS RAIS RAIS ÁTICOS GÉLIC ENTALIS
OS TAS
1 2 3 4 LOC 1 2 3 4
QUADRILÁTERO DE
LAMBETH:
1. ESCRITURAS
2. CREDOS
3. SACRAMENTOS
4. EPISCOPADO

PROVINCIAIS

DIOCESES

PARÓQUIAS E
MISSÕES
Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

A – CATÓLICOS

ANGLO-CATÓLICOS TRADICIONAIS CARISMÁTICOS LIBERAIS

TEMAS
ÊNFASE PRÉ-REFORMA PRÉ-REFORMA PRÉ-REFORMA PRÉ-
HISTÓRICA REFORMA

AFINIDADES ORTODOXOS E ORTODOXOS E ORTODOXOS E ORTODOXOS


ROMANOS ROMANOS ROMANOS E ROMANOS
FONTES PATRÍSTICA/ PATRÍSTICAS/
TEOLÓGICAS PATRÍSTICA PATRÍSTICA PENTECOSTAIS ILUMINISTAS
QUADRILÁTERO TRADIÇÃO, TRADIÇÃO, TRADIÇÃO, TRADIÇÃO,
DE LAMBETH EPISCOPADO, EPISCOPADO, CREDO, EPISCOPADO, EPISCOPADO
CREDO, ESCRITURAS CREDO, CREDO,
ESCRITURAS ESCRITURAS ESCRITURAS
TRADIÇÃO/ TRADIÇÃO/
REVELAÇÃO TRADIÇÃO TRADIÇÃO EXPERIÊNCIA RAZÃO

FERRAMENTAS SIM, COM RESERVAS SIM, COM


CIENTÍFICAS NÃO RESERVAS SIM
SACRAMEN-TALISTA SACRAMENTA-LISTA SACRAMENTALI
SOTERIOLOGIA STA/EXPERIÊNC UNIVERSALIS
IA TA
MORALISTA MODERADA/ SITUACIONAL/
ÉTICA MORALISTA SOCIAL MORALISTA SOCIAL
INSERÇÃO SOCIO- ALIENAÇÃO/ FORMAL/ DIREITA SIM,
POLÍTICA DIREITA FORMAL/ TENDÊNCIA À
DIREITA ESQUERDA
LOCUS LITÚRGIC0
ALTAR ALTAR ALTAR ALTAR
RITUALISTA
LITURGIA RITUALISTA RITUALISTA EMOÇÕES RITUALISTA
DIVÓRCIO NÃO SIM SIM, COM SIM
RESERVAS
ORDENAÇÃO
FEMININA NÃO DIVIDIDOS DIVIDIDOS SIM
ORDENAÇÕES/
UNIÕES GAYS NÃO NÃO NÃO SIM

Bispo Robinson Cavalcanti


184

B – PROTESTANTES
LIBERAIS CARISMÁTICOS EVANGÉLICOS FUNDAMENTALISTA
REFORMA REFORMA REFORMA REFORMA
PROTESTANTES PROTESTANTES PROTETANTES PROTESTANTES

REFORMADORES/ REFORMADORES/ REFORMADORES/ REFORMADORES/


ILUMINISTA PENTENCOSTAIS EVANGÉLICOS FUNDAMENTALISTA
ESCRITURAS ESCRITURAS ESCRITURAS ESCRITURAS
TRADIÇÃO CREDOS CREDOS CREDOS
EPISCOPADO TRADIÇÃO TRADIÇÃO TRADIÇÃO
CREDO EPISCOPADO EPISCOPADO EPISCOPADO
ESCRITURAS/ ESCRITURAS/ ESCRITURAS ESCRITURAS
RAZÃO EXPERIÊNCIA

SIM SIM, COM SIM, COM RESERVAS NÃO


RESERVAS
UNIVERSALISTA CONVERSÃO/ CONVERSÃO CONVERSÃO
EXPERIÊNCIA (CALV./ARM.) (CALV./ ARM.)

SITUACIONAL/ MORALISTA MORALISTA MORALISTA


SOCIAL MODERADA/
SOCIAL
SIM, TENDÊNCIA À FORMAL, SIM, DIFUSA ALIENAÇÃO/ DIREITA
ESQUERDA TENDÊNCIA À
DIREITA
PÚLPITO PÚLPITO PÚLPITO PÚLPITO

DESPOJADA/ DESPOJADA/ DESPOJADA/ DESPOJADA/ EXTREMADA


MODERADA EMOÇÕES MODERADA

SIM SIM, COM RESERVA SIM NÃO


SIM DIVIDIDOS DIVIDIDOS NÃO

SIM NÃO NÃO NÃO


Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

REFERÊNCIAS

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Anglicanismo: Identidade, Relevância e Desafios

Bispo Robinson Cavalcanti


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Anglicanismo

• Católico e protestante?
• Não criado pelo rei Henrique VIII?
• História
• Doutrina
• Ética
• Liturgia
• Organização
• Correntes
• Expansão
• Dilemas

Dom Robinson Cavalcanti, ose, escritor, cientista político, professor


universitário, é Bispo da Diocese do Recife – Comunhão Anglicana
(www.dar.org.br).

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