ACL Literatura Cearense 03 Neoclassicismo Os Oiteiros

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NEOCLASSICISMO

Talvez devêssemos apresentar a primeira fase da Litera­


tura Cearense sob a denominação ampla de Classicismo (en­
globando o tern1o as manifestações que vão do Renascimento
ao Arcadismo) : é que, se a obra dos poetas que iremos estu­
dar está liberta da maioria dos maneirismos barrocos, o cer­
to é que também não apresenta aquela emoção que perpassa
nos sonetos dos árcades mineiros. Seguimos porém" a classi­
ficação dos autores que nos precederam e que, mais adstritos
à época, chamaram de neoclássica a poesia dos Oiteiros.

OS OITEIROS
.

Florescendo por volta de 1813 ou 1814, a literatura desse


tempo é representada pelos poemas de um grupo que � reu­
nia em tomo do Governador Sampaio (Cel. Manuel Inácio
de Sampaio) , em sessões palacianas que ficaram famosas sob
,

a designação de Oiteiros, onde se destacavam os nomes de


Pacheco Espinosa, Castro e Silva, Costa Barros e outros. Sua
poesia não se afastava dos louvores aos heróis e aos governan­
tes, com o que seguiam 11m dos postulados neoclássicos de
Luís Antônio Verney, teórico da corrente em · Portugal; mas,
ainda impregnados de racionalismo barroco, os poetas dos
Oiteiros não se entregaram aos temas pastoris, a fim de em­
belezar a realidade. Daí, sua produção versificada, que não
se eleva pela grandeza do estro, não poder ser considerada pu­
ramente arcádica ou neoclássica .

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PACHECO ESPINOSA

José PACHECO ESPINOSA- Nasceu na Ilha da Madei-


ra, em data ignora d·a, vindo a falecer em dezembro de 1814,
provavelmente no Ceará. Era um dos principais comercian ­
tes de Fortaleza em seu tempo, chegando a fazer trans ações
diretas com a Europa. Segundo informação do Barão de Stu-
.

dart, Espinosa foi "dos poetas de mais nomeada que teve o


Ceará no começo do século passa do". 3 Apesar de nas cido em
terras de Portugal, aderiu à causa de nossa Independência.

Soneto

Alegrai-vos ó Chefe esclarecido


Pois que extinta está a cruel guerra:
Já respira alegria toda a terra,


Já se esquece do que tem padecido.

Alegrai-vos Congresso enobrecido,


Que a paz, a Santa paz que o mal desterra,
A guerra afugentou que tudo aterra,
E tUdo deixa a cinzas reduzido!

Venceu a justa causa: aniquilado


Esse monstro ficou, esse Tirano,
Que há de perpetuamente ser odiado.

Regozija-te ó bravo lusitano!


Vivas repete, Exército aliado!
Exulta de prazer, Americano!

Soneto 2.0 "Para o Chafariz da Vila Fortaleza"

Esta que , vês, curioso passageiro


Límpida Fonte, clara, sussurrante '

De cristalinas águas abundante,


Que o Sítio faz ameno, e lisonjeiro:

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Este manancial de água, o primeiro,


Que fez surgir na Vila arte prestante,
Para a sede saciar o caminhante,
O sábio, o nobre, o rico, o jornaleiro:

Edificada foi incontinenti,


No memorável, ótimo Governo,
De Sampaio, Varão reto, ciente.

Como ao Povo mostrou amor Paterno,


Para todo o seu bem foi diligente,
Nesta Fonte deixou seu nome eterno.

Soneto 3.0 "Ao Aumento da Vila de Fortaleza"

Vai ó Fama, por toda a redondeza,


Publicando por tuas bocas cento,
Do Ceará que foi pobre o muito aumento,
A grande exportação, suma riqueza.

Dize que já se vê fausto e grandeza,


Na ·sua Capital do Chefe assento:
Que polícia já tem, tem luzimento,
E tem o que não tinha, Fortaleza.

Dize que do Governo a alta mente


Estas obras brotou assaz louvadas,
Por todos, sim, por todos geralmente;

Erários novos, rampas e calçadas,


Aterro, Cllafariz, Aula excelente,

Novas ruas, muralhas elevadas!


(Apud Dolor Barreira. "Associações Literárias no


Brasil e Particularmente no Ceará Oltelros", ln
Revista do Instituto do Ceará, vol. LVII, 1943, pp.
148-204.)

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O s one to inicial refere-se provavelmente ao primeiro des ­
terro de N�poleão, sendo ele, portan to, esse tirano, Que há de
ser odiado, visto haver ordenado a invasão de
Portugal pelas tropas de Junot, como se sabe; por isso deve
regozijar-se o port uguês, assim como o exército aliado contra
Bonaparte, e os americanos, ou seja, os brasileiros; note-se a
dicção clássica sobretudo através d·o hipérbato (A guerra afu­
gentou que tudo ate"a). N o segundo soneto, a pretexto de
falar d a construção de um chafariz em Fortaleza, derrama-se
o poeta em elogios ao Governador Sampaio, que é citado no­
Jninalmente; é um dos raríssimos poemas da época em que há
notas de poesia pastoril, apesar de tratar de uma fonte arti­
ficial: é quando, no primeiro quarteto, fala da fonte "clara,
sussurrante", abundante de águas cristalinas, e Que o Sítio
jaz ameno e lison;eiro; há inversões igualmente nessa estro­
fe. O soneto "Ao Aumento da Vila de Fortaleza", um dos
mais interessantes de Pacheco Espinosa, volta aos elogios,
exaltando o progresso da Vila, devido à "alta mente" do Go­
verno Sampaio; no verso 8.� certamente quis o poeta fazer um
· · trocadilho, dizendo que a vila "já .tem o que não tinha", isto
é : fortaleza (qualidad·e de ser forte) , com o que mostra forte
acento barroco . Os sonetos todos seguem rigorosamente o es­
quema rimático do Classicismo, em ABBA ABBA CDC DCD.
Pelo ·fato de serem quase todos dominados pe
. lo tom louvami­
nheiro, o que, diga-se de passagem� era característica geral no

tempo, assim se expressou Sílvio Júlio, tratando precisamente
de Espinosa:· ''Sonetos, décimas, vários tipos de composições
que deixou referem-se a coisas do Ceará . É pena que estes
acontecimentos não fossem os da sociedade, porém os do go­
verno. E� vez de cantar as praias batidas de vagalhões, o ho­
mem, gelidamente, atravancava o Parnaso com décimas e so­
netos sobre um chafariz!''

Antônio de CASTRO E SILVA Nasceu em Sobral em


21 de dezembro de 1787, e faleceu em Arronches (Porangaba.) ,
em 13 de J ulho de 1862 . Tendo sido arbitrariamente preso em
novembro de 1825, publicou mais tarde uma Resposta ao ma­
nifesto do ex-comandante das armas d o Ceará, Conrado Jacó

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Nlemeyer (1828) , saída no Rio de Janeiro. Era Cônego, ten­
do Sido Capelão do Governador Sampaio.

Este obséquio, Senhor, que vos envia


Meu ânimo fiel, curto parece;
Mas quem o pouco que possui oferece,
Se mais tivera, muito mais daria.

Sobre singelas mãos não se avalia


A oferta, pelo vulto que aparece;
Que então a aceitação fora interesse,
Vício que nunca em vós haver podia.

Bem sei que de meus versos a humildade


Subir não pode àquele desempenho
A que a minha afeição me persuade;

Mas uma salvação convosco tenho,


Saber que a vossa cândida vontade
Mais preza um dom d'amor que d'alto engenho .

(Dolor Barreira. Op. e loc. clt.)


.

Repete-se aqui a poesia palaciana, fundamentada em te­


mas muito pouco poéticos e cheios de lisonjas aos governan­
tes, o que era de praxe na época, e como pregavam os árcades
europeus, para os quais a poesia, entre outras coisas, deveria

celebrar os deuses, os heróis e os homens ilustres. Mas é digna


de nota a segurança com que Castro e Silva trabalha o decas­
sílabo, que sai perfeitamente balançado, sem a dureza ou a
frouxidão de alguns versos do próprio Espinosa. Castro e Sil­
va, pel o menos neste soneto (o único que dele conhecemos),
mostra-se um excelente artífice do verso, conhecedor da técni­
ca do soneto, sabendo ainda tirar efeito dos hipérbatos e dan­
do ao poema uns toques que mais o aproximam da dicção ca­
moniana do que da arcádica. Note-se, no verso 3.0, a sincope
não assinalada de oferece, que deve forçosamente ser Udo
como se estivesse grafado of'rece.

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COSTA BARROS

Pedro José da COSTA BARROS Júnior Nasceu no Ar a-


catl, em 7 de outubro de 1779, e faleceu no Rio de Janeiro�
em 20 de outubro de 1839. Deixou de fazer parte da Consti­
tuinte Portuguesa para ficar no Rio de Janeiro, trabalhando
pela independência do Brasil. Foi eleito à Constituinte Bra­
sileira em 1822, após cuja dissolução foi nomeado Ministro da
Marinha. Veio para o Ceará em 1824, como Presidente da
Província, ao tempo da rebelião de Pereira Filgueira s e Tris­
tão Gonçalves. Um de seus poemas foi incluído no Florilégio
da Poesia Brasileira (1850), de Varnhagen, editado em Po r­
tugal. De sua longa Ode "Aos Heróis Lus'Anglos" damos ape­
nas uma amostra, transcrevendo-lhe 0 início:

Aos Heróis Lus'Anglos


(fragmento)

Estrofe t.a

Do Sacrossanto monte despregando


As lisas, brancas asas pressurosa.,
Baixa celeste Musa: "

Do fogo, com que o Vate de Venusa,


Com que de Elpino a mente estrepitosa,
Dos Heróis a favor foste inflamando,
Benigna hoje me assiste, hoje me inflama:
Com teu divino facho
Tu na minha alma ateia ardente chama:
Guia-me afoita mão, q� as Cordas fira;
E transporei às Eras
Ações, que assustam Mantuana lira.

Antfstrofe 1.a

Dos LUB'Anglos Heróis em toda a terra


O sempre glorioso, imortal nome

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Espalha novos brados:


Heróis, filhos de Heróis, de Heróis traslados,
Louro vivaz, que o tempo não consome,
Verde sempre na paz, verde na guerra:
No Eterno Temp lo só não brilha escrito
Temístocles, Lisandro,
Crasso, Antônio, Pompeu, César invicto:
Admira, ó Grécia; e tu contempla, ó Roma,
O glorioso enxame
De modernos Heróis, que ao Templo assoma.

Epodo 1.o

O monstro vê raivoso
A Lusitana glória!
Ar·ma contra a Nação, que vencedora •

Se1npre firme afrontou perigos, mortes,


Invejoso, cruel, fatais coortes;
Mas vê que à estragadora
Esfinge, que assolou Europa inteira,
Lusos peitos se opõem . Há mor barreira .

(Dolor Barreira. Op. e loc. cit.)

Esta é somente a sexta parte do poema que, seguindo o es­


quema da ode pindárica, é composto de Estrofes, Antístrofes
e Epodos. Fiel a um dos postulados da corrente arcádica, ce-
lebra o poeta a luta de ingleses e portugueses contra os exér­
citos napoleônicos. Na l.a estrofe, pede à Musa, como era de
praxe, que lhe dê inspiração para cantar os feitos de heróis:
a Musa deverá descer do Parnaso (o "Sacrossanto monte"),
'

com o fogo que inflamou a mente de Horácio (o "Vate de Ve-


nusa'.'); assim cantará o poeta ações tão admiráveis, que as­
sustarão a própria inspiração de Vergílio (nascido em Mân­
tua) . Na 1.a antístrofe, são enumerados nomes de várias fi­
guras da História Antiga, aos quais acrescenta o poeta os dos
novos Heróis, igualmente gloriosos. Por fim, no epodo l.o, é

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preparado o ambiente para se iniciar a descrição dos comba­
tes: Napoleão intenta avançar contra Portugal, invejando-lhe
as glórias. Os lusitanos porém se opõem energicamente, e
forma-se inacessível barreira. Essa ode, embora sem grandeza,
representa muito bem o poeta da época, com suas freqüentes
alusões ao mundo antigo, e a pretensão de verem os poetas
·os seus cantos imortalizados tempos afora ("E transporei às
Eras 1 Ações, que assustam Mantuana lira.").

Outros Nomes

Faziam parte dos Oiteiros ainda os poetas EL COR-


REIA LEAL e Padre LINO JOSÉ GONÇALVES DE OLIVEIRA.
Este último escreveu uma Ode Pindárica "Ao Ilmo. e Exmo.
Sr. Governador Manuel Inácio de S . Paio. "

Para o historiador Carlos Studart Filho, os Oiteiros não


devem ter durado apenas de 1813 a 1814. como admitira
Dolor Barreira ; é qu.e o Governador Sampaio, que exerceu

o governo da Capitania de 1812 a 1820, " Sendo inteligente e


muito amigo de incentivar o gosto pelàs Belas-Letras, não
podia, é claro, desinteressar-se das atividades intelectuais de
seus governados dois anos depois de eles terem iniciado com
'

tanto ardor. "E menciona ainda uina carta de 1817, em que


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o governador mecenas falava de uma festa, que teria sido


abrilhantada com " Muitas peças poéticas de mais ou menos
merecimento.''

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