Cláudio Manoel Da Costa - Sonetos (ARCADISMO) PDF
Cláudio Manoel Da Costa - Sonetos (ARCADISMO) PDF
Cláudio Manoel Da Costa - Sonetos (ARCADISMO) PDF
sans
Gayeté
(Montaigne, Des livres)
Ex Libris
José M i n d l i n
OBRAS POÉTICAS
DE
N O V A E D I Ç Ã O
Contendo a reimpressão do que deixou inédito ou anda
esparso, e um estudo sobre a sua
vida e obras por
JOÃO RIBEIRO
da Academia Brasileira
TOMO I
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
71, — RUA DO OUVIDOR, — 71
RIO DE JANEIRO
1903
OBRAS POÉTICAS
DE
TOMO I
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
7 1 , — BUA DO OUVIDOR, — 7 1
RIO DE J A N E I R O
1903
ADVERTÊNCIA
« Formosas habitantes
Do pátrio ribeirão...
Venturoca Mariana
III
E mais adiante :
Assim dos Orbes o Motor glorioso
Prova o constante ardor no braço erguido
Do velho Pai que com piedade estranha
Victima o Filho vê, ara a Montanha.
(1) A esses opusculos deve-se junctar os Números harmônicos
temperados em heróica e lírica consonância. Coimbra 1753 V.
Notas Bibliogr. pelo dr. Teixeira de Mello, Rev. Inst. t. L1II. É
possível que estes últimos fossem aproveitados na edição das
Obras.
20 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
Na penúltima estrophe encontra-se essa outra
imagem :
Tu que ao túmulo triste da agonia
Entregas por cadáver a alegria...
De parte o interesse que poderiam despertar nos
eruditos, creio que bem fez o poeta em expurgar o
seu livro de versos taes.
Entretanto se as Obras marcam a máxima altura
do seu gênio poético, a acreditar nas próprias confis-
sões do auctor foram na maior parte escriptas ainda
em Coimbra. Foram-n'o algumas,ou talvez nenhuma;
tenho que não se deve aceitar, sem reservas, a affir-
mativa do poeta. As Obras datam de 1768, quinze
annos depois do seu regresso (1). É natural que an-
tes de entregal-as ao prelo muito polisse, fizesse e
refizesse com tanto maior talento quanto o provam
de sobejo as composições de origem nacional como
a Fábula do Ribeirão do Carmo que inda tem o
mesmo vigor e emoção do auctor dos sonetos e das
eclogas. A sua confissão de que compoz a maior
parte do livro em Coimbra resulta de que deseja
justificar o seu tanto falar das nymphas, das faias,
dos sovereiros e de outras cousas de que no novo
mundo não acha como substituir ; mas n'esse falar,
percebe-se bem que é a saudade e não o bem pre-
sente que o inspira; aqui, elle se diz poeta dester-
rado, não pode «entre a grossaria» da terra»
« substabelecer aqui as delicias do Tejo e do Mon-
(1) Quinze annos (de 1754 a 1768) e não cinco como por um pe-
queno lapso, diz uma vez o mais bem informado e consciensoso dos
eus biographos, Norberto de Sousa Silva.
OBRAS POÉTICAS 21
IV
(1) 0 dr. Ramiz Galvão publicando na Rev. Brás. tomo II, 1895,
as poesias inéditas de Cláudio Manoel da Costa, fel-as preceder de
noticia onde declara ter visto uma carta autographa do poeta já ad-
vogado em Minas, de 1761. Não é todavia este o documento mais
antigo; outro fora descoberto e publicado na revista do A rchivo
Publico mineiro por X. d a Veiga por onde se prova que em de-
zembro de 1758 residia em Ouro Preto o notável poeta. É o docu-
cumento referente a uma carta topographica, de que falaremos
depois.
É possível que ainda se venham a descobrir outros documentos
mais antigos e fique assim provada a data de 1754 ou quando
muito 1755, que são as mais plausíveis do regresso de Cláudio.
24 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
não era profissão somenos em terra tão rica e
rixosa.
Offerecia singular caracter o estado de espirito e
de costumes da capitania pelos meiados do sécu-
lo xvin. Da psychologia moral d'esta época, ainda
que pouco lisongeira, temos o testemunho e a pala-
vra leal de um hábil administrador, de vinte annos
gastos na experiência do governo e dos homens e das
cousas do Brasil (1).
Ao dirigir-se ao seu successor, em 1752, diz o
Conde de Bobadella :
« Amparar os pobres é obrigação dos governadores; mas
adverti que nas minas ha d'estes muito trapaceiros insolen-
tes e petulantes; ide com grande sentido.
Effectivamente, a lista das misérias moraes de
tanta gente que a aventura ou a ambição reunira,
não é pequena. Os officiaes militares « são poucos e
mal criados » ; a ignorância os torna presumidos e
« não ha cabo que se não presuma alferes ». Os ou-
vidores andam em rixas com os juizes de fora. Assas-
sinos poderosos não minguam, ao menos no gênero
d'aquelles que se cercam de malfeitores profissio-
naes, e « atiram a pedra e escondem a mão » ; os go-
vernadores traçam por acabar com estas hordas de
condottieri, « congregação de pés rapados, caribócas
e mulatos que hoje são executores das insolencias ».
Aqui ou alli, formam-se estranhas parcialidades,
mas « é mais de ladrões que de poderosos ». É d'essa
(1) 0 Conde de Bobadella, na Instrucçáo e norma que deu a seu
irmão para o governo de Minas, de 7 de fevereiro de 1752. Na Rev
do Inst., tomo XVI, pgs. 366-376.
OBRAS POÉTICAS 25
VI
E dou aqui por terminada a minha tarefa. A morte
de Cláudio é assaz conhecida e anda em todas as
historias da nossa terra, na lista dos martyres que
se sacrificaram pela independeneia d'ella (1). E ura
fim glorioso sem duvida e digno de um grande
poeta. Envolvido na conspiração e homem conheee-
dor da lei e do destino que o esperava, talvez por
ser o mais culpado ou por ser o mais innocenle
desesperou da vida e se foi embora d'ella, aos ses-
senta annos de edade. Suicidou-se para evitar a
ignomínia do carrasco, o que é um tão santo modo
de morrer como o finar-se já sem amigos entre as
consolações da egreja. Na Roma antiga, os venci-
dos abandonavam a vida já não tendo nenhum de-
ver n'ella.
Ha quem pense que foi assassinado, hypothese
inútil, por que o governo tinha então o direito de
matal-o ; e ainda hoje, sem esse direito já, assas-
sina por vezes os seus inimigos.
Eis ahi o que pude dizer respeito do poeta sem o
prestigio e a clarividencia que V. poria n'estas
paginas.
Cláudio Manoel da Costa não tinha propriamente
gênio, e nada creou, que se podesse dizer, de si
próprio; foi um producto do tempo sem ser um
creador ou educador do seu tempo. É um arcade e
acadêmico quando todos da sua época e antes d'elle
(1) No lugar próprio inserimos n'esta edição os documentos que
se referem á vida e á morte do poeta.
OURAS POÉTICAS 45
B1BLI0GRAPHIA
CHRONOLOGIA
CÓPIA.
DEFEZA
apresentada pelo advogado
da casa da mesericordia, nomeado defensor
e curador dos três reos falescidos,
José de Oliveira Fagundes, em 31 de Outubro
de 1791.
a) Requerimento.
Exmo e Rmo g n r
b) Instrumentos de genere.
Vem primeiro o remettido de Coimbra pelo Dr. Ma-
nuel Rodrigues Teixeira, alli Provisor do Bispado,
com data de 13 de novembro de 1755. — e depois o
remettido de S. Paulo pelo Dr. Manuel José Vaz, vi-
gário geral d'aquella diocese, com data de 13 de de-
zembro de 1757, — ambos em resposta á carta Re
quisitoria mandada de Mariana.
Comprehende se facilmente o processo. Tratando-
se de indagar da pureza de sangue dos avós do sup-
plicante, fez-se requisição de taes informações para
Coimbra, porque os avós paternos de Cláudio eram
portuguézes, e mais tarde para S. Paulo, porque os
seus ascendentes pelo lado materno d'alli procediam.
Da longa Requisitoria remettida para a visinha
diocese brasileira extractamos o trecho final, que
nos dá idéa clara das exigências feitas n'aquella épo-
ca para semelhantes habilitações :
Requisitoria do Dr. Amaro Gomes de Oliveira,
piovisor do bispado de Marianna, ao Dr. Provisor e
Juiz das justificações de genere do bispado de S.
Paulo, etc.
c) Conclusão.
Conclusões.
1768
CARTA
DEDICATÓRIA
Ao Exm.0 Snr.
D. José Luiz de Menezes Abranches Castello
Branco.
EPIGR.
IX
Pouco importa, formoza Daliana,
Que fugindo de ouvir-me, o fuzo tomes ,
Se quanto mais me affliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bella serrana.
Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos immortaes os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tiranna.
Um obzequio, que foi de amor rendido,
Bem pôde ser, Pastora, desprezado ;
Mas nunca se verá desvanescido :
Sim, que para lizonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este valle, aquelle prado.
X
Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Porás a ovelha branca, e o cajado ;
E ambos ao som da flauta magoado
Podemos competir de extremo a extremo.
Principia, Pastor; que eu te não temo;
Inda que sejas tão avantejado
No cântico Amabêo : para louvado
Escolhamos embora o velho Alcemo.
Que esperas ? toma a flauta, principia ;
Eu quero acompanhar-te; os orizontes
Já se enchem de prazer, e de alegria :
Parece, que estes prados, e estas fontes
Já sabem, que é o assumpto da porfia
Nize, a melhor Pastora destes montes.
108 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XI
Formoza é Daliana; o seu cabello,
A testa, a sobrancelha é peregrina ;
Mas nada tem, que ver co' a bella Eulina,
Que é todo o meu amor, o meu desvelo :
Parece escura a neve em parallelo
Da sua branca face ; onde a bonina
As «ores misturou na côr mais fina,
Que faz sobresahir seu rosto bello.
Tanto os seus lindos olhos enamoram,
Que arrebatados, como em doce encanto,
Os que a chegão a ver, todos a adoram.
Se alguém disser, que a engrandeço lanto
Veja, para desculpa dos que choram,
Veja á Eulina; e então suspenda o pranlo.
XII
Faligado da calma se acolhia
Junto o rebanho á sombra dos salgueiros ;
E o Sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violência maior no campo ardia.
Suffocava-se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos Pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.
Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Dalizo atravessava
O campo todo em busca de Violante.
Seu descuido em seu fogo desculpava ;
Que mal feria o Sol tão penetrante,
Onde maior incêndio a alma abrazava.
OBRAS POÉTICAS JQ9
XIII
Nize ? Nize ? onde estás ? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira ;
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera !
Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira !
Nize, cuido, que diz; mas é mentira.
Nize, cuidei que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde'
Mostrai, mostrai.me a sua formozura.
Nem ao menos o ecco me responde !
Ah eomo é certa a minha desventura!
Nize ? Nize ? onde estás ? aonde ? aonde ?
XIV
Quem deixa o trato pastoril, amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhecce o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.
Que bem é ver nos campos trasladado
No gênio do Pastor, o da innocencia !
E que mal é no trato, e na apparencia
Ver sempre o cortezão dissimulado !
Alli respira Amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre ;
Um só trata a mentira, outro a verdade.
Alli não ha fortuna, que soçobre ;
Aqui quanto se observa, é variedade :
Oh ventura do rico ! Oh bem do pobre ! •
HO CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
W
Formozo, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturozo rebanho, feliz gado,
Que á bella Antandra estais obedecendo;
Jâ de Corino os eccos percebendo
A frente levantais, ouvis parado ;
Ou já de Alcino ao canto levantado
Pouco, e pouco vos ides recolhendo ;
Eu o misero Alfêo, que em meu destino
Lamento as semrazões da desventura,
A seguir-vos também hoje me inclino :
Medi meu rosto : ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um Peregrino
Sempre faz novidade na espessura.
XVI
Toda a mortal fadiga adormecia
No silencio, que a noite convidava;
Nada o somno suavíssimo alterava
Na muda confuzão da sombra fria :
Só Fido, que de Amor por Lize ardia,
No socego maior não repouzava;
Sentindo o mal, com lagrimas culpava
A sorte; porque delia se partia.
Vê Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecel-a é inútil arte;
Fazer o que ella quer, é rigor forte :
Mas de modo entre as penas se reparte ;
Que á Lize rende a alma, a vida á morte :
Porque uma parte alente a outra parte.
OBRAS POÉTICAS 111
XVII
Deixa, que por um pouco aquelle monte
Escute a gloria, que a meu peito assiste :
Porque nem sempre lastimozo e triste
Hei de chorar á margem desta fonte.
Agora, que nem sombra há no orizonte,
Nem o alamo ao Zefiro resiste,
Aquella hora ditoza, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.
Mas que modo, que accento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil Pastora,
Para explicar affectos de alegria!
Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
Só costumada às vozes da agonia,
A fraze do prazer ainda ignora !
XVIII
Aquella cinta azul, que o Ceo estende
A' nossa mão esquerda, aquelle grito,
Com que está toda a noite o corvo afflicto
Dizendo um não sei que, que não se entende ;
Levantar-me de um sonho, quando attende
O meu ouvido um misero conflicto,
A tempo, que o voraz, lobo maldito
A minha ovelha mais mimoza oftende ;
Encontrar á dormir tão preguiçozo
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre anciozo ;
Ah ! queira Deos, que minta a sorte irada :
Mas de tão triste agouro cuidadozo
Só me lembro de Nize, e de mais nada.
112 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XIX
Corino, vai buscar aquella ovelha,
Que grita lá no campo, e dormiu fora;
Anda ; acorda, Pastor ; que sae a Aurora ;
Como vem tão rizonha, e tão vermelha !
Já perdi n'outro tempo uma parelha
Por teu respeito; queira Deos, que agora
Não se me vá também esfoutra embora;
Pois não queres ouvir, quem te aconselha.
Que somno será este tão pezado!
Nada responde, nada diz Corino :
Ora em que mãos está meu pobre gado !
Mas ai de mim ! que cego desatino.
Como te hei de accusar de descuidado
Se toda a culpa tua é meu destino!
XX
Ai de mim! corno estou tão descuidado I
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo-o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!
Ouço o rumor, que faz desaforado
0 lobo nos redis; ouço o successo
Da ovelha, do Pastor; e desconheço
Não menos, do que ao dono, o mesmo gado;
Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indecizo,
Ao ver, quanto em meu damno se executa.
Um pouco apenas meu pezar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta
Que triste allivio ! ah infeliz Dalizo !
OBRAS POÉTICAS 113
XXI
De um ramo desta faia pendurado
Vejo o instrumento estar do Pastor Fido;
D'aquelle, que entre os mais era applaudido,
Se alguma vez nas selvas escutado.
Ser-lhe-há eternamente consagrado
Um ai saudozo, um fúnebre gemido;
Em quanto for no monte repetido
0 seu nome, o seu canto levantado.
Se chegas a este sitio, e te persuade
A' algum pezar a sua desventura,
Corresponde em affectos de piedade;
Lembra-te, caminhante, da ternura
De seu canto suave; e uma saudade
Por obzequio dedica á sepultura.
XXII
Neste àlamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
. Do feio assombro a horrida figura;
Aqui, onde não geme, nem murmura
Zefiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.
A's lagrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D'ancia mortal a copia derretida:
A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha commovida ;
Fido estatua da dor, se congelava.
114 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XXIII
Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura e ingrata Almena
Contra o meu rendimento se conjura :
Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da Filomena,
E bem que este martírio hoje me ordena,
Já mais espero ter melhor ventura.
Veio a dar-me somente uma esperança
Nova idca do ódio ; pois sabia,
Que o rigor não me assusta, nem me cansa:
Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quiz mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirannia.
XXIV
Sonha em torrentes d'agoa, o que abrazado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquelle, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado :
Assim na agitação de meu cuidado
De um continuo delírio esta alma preza,
Quando é tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.
Ao despertar a louca fantazia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:
Que importa pois, que a idea allivios cobre,
Se a pezar desta ingrata aleivozia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.
OBRAS POÉTICAS 115
XXV
Não de Tigres as testas descarnadas,
Não de Hircanos leões a pelle dura,
Por sacrifício á tua formozura,
Aqui te deixo, ó Lize, penduradas :
rincias ardentes, lagrimas cansadas,
Com que meu rosto em fim se desfigura,
São, bella Ninfa, a victima mais pura,
Que as tuas aras guardarão sagradas.
Outro as flores, e fructos, que te envia,
Corte nos montes, corte nas florestas;
Que eu rendo as magoas, que por ti sentia.
Mas entre flores, fructos, pelles, testas,
Para adornar o altar da tirannia,
Que outra victima queres mais, do que estas?
XXVI
Não ves, Nize, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos ? Não ves esta,
Que vem cobrindo o Ceo, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido.
Não ves a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo ? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arraza, e infesta
0 raio a cada instante despedido.
Ah ! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal; que o Ceo destina
Vejas mais fêa, mais cruel desgraça:
Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás então, o que é ruina.
116 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XXVII
Appressa-se a tocar o caminhante
O pouzo, que lhe marca a luz do dia ;
E da sua esperança se confia,
Que chegue a entrar no porto o navegante;
Nem aquelle sem termo passa avante
Na longa, duvidoza, e incerta via ;
Nem este atravessando a região fria
Vae levando sem rumo o curso errante:
Depois que um breve tempo houver passado,
Um se verá sobre a segura arêa,
Chegará o outro ao sitio desejado :
Eu só, tendo de penas a alma chêa,
Não tenho que esperar; que o meu cuidado
Faz, que gire sem norte a minha idéa.
XXVIII
Faz a imaginação de um bem amado,
Que nelle se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do mgu cuidado.
Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver bem que distante;
Mas ao passo, que a busco, neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.
Pois se Anarda em mim vive, e eu nella vivo,
E por força da idea me converto
Na bella cauza de meu fogo activo;
Como nas tristes lagrimas que verto,
Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe delia estou, e estou tão perto.
OBRAS POÉTICAS 117
XXIX
Ai Nize amada! se este meu tormenlo,
Se estes meus sentidissimos gemidos
Lá no teu peito, lã nos teus ouvidos
Achar pudessem brando acolhimento ;
Como alegre em servir-te, como attento
Meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem soffridos
Trocara todo o meu contentamento.
Mas se na incontrastavel pedra dura
De teu rigor não há correspondência
Para os doces affectos de ternura ;
Cesse de meus suspiros a vehemencia ;
Que é fazer mais soberba a formozura
Adorar o rigor da resistência.
XXX
Não se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mizera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.
Mil imagens debuxa a fantazia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de üa esperança,
Que allivio pôde dar-me esta porfia!
Tiranno foi commigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca victoria.
Me deixou para sempre o teu retrato :
Eu me alegrara da passada gloria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também delle a memória.
118 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XXXI
Estes os olhos são da minha amada:
Que bellos, que gentis, e que formozos!
Não tão para os mortaes tão preciozos
Os doces fructos da estação dourada.
Por elles a alegria derramada,
Tornão-se os campos de prazer gostozos,
Em Zefiros suaves, e mimozos
Toda esta região se vê banhada ;
Vinde, olhos bellos, vinde; e em fim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas bellas,
Dai allivios ao mal, que estou gemendo :
Mas ah delírio meu, que me atropellas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Erão (quem crera tal!) duas estrellas.
XXXII
Se os poucos dias, que vivi contente,
Forão bastantes para o meu cuidado,
Que pôde vir a um pobre desgraçado,
Que a idéa de seu mal não accrescente !
Aquelle mesmo bem, que me consente,
Tal vez propicio, meu tiranno fado,
Esse mesmo me diz, que o meu estado
Se ha de mudar em outro differente
Leve pois a fortuna os seus favores;
Eu os desprezo j á ; porque é loucura
Comprar a tanto preço as minhas dores:
Se quer, que me não queixe, a sorte escura,
Ou saiba ser mais firme nos rigores,
Ou saiba ser constante na brandura.
OBRAS POÉTICAS 119
XXXIII
Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nbme heide estampar, ó Franceliza,
A vèr, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formozura.
Já scintillão teus olhos : a figura
Avultando já vai; quanto indeciza
Pasmou na effigie a idéa, se diviza
No engraçado relevo da escultura.
Teu rosto aqui se mostra; eu não duvido
Accuzes meu delírio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;
E' losca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido l
Só me dá esta penha o teu retrato !
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de Amor, de Amor a gloria,
Igualmente dos gostos a memória
Ficasse para sempre consumida!
Mas a pena mais triste, e mais crescida
He vêr, que em nenhum tempo é transitória
Esta de Amor fantástica victoria,
Que sempre na lembrança é repetida.
Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de Amor ao venenozo intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.
Não vos engane o infiel contentamento ;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéa do tormento.
120 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XXXV
Aquelle, que enfermou de desgraçado,
Não espere encontrar ventura alguma:
Que o Ceo ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.
Por mais, que gire o espirito cançado
A traz de algum prazer, por mais em Su.-nma
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.
Não basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho :
E bem que o peito humano as forças prove,
Que hade fazer o temerário empenho,
Onde o raio é do Ceo, a mão de Jove.
XXXVI
Estes braços, Amor, com quanta gloria
Forão throno feliz da formozura !
Mas este coração com que ternura
Hoje chora infeliz esta memória !
Quanto vês, é trofeo de uma victoria,
Que o destino em seu templo dependura:
De uma dor esta estampa é só figura,
Na fé occulta, no pezar notória.
Saiba o mundo de teu funesto enredo;
Porque desde hoje um coração amante
De adorar teus altares tenha medo :
Mas que emprendo, se ao passo, que constante
Vou a romper a fé do meu segredo,
Não há, quem acredite um delirante !
OBRAS POÉTICAS 121
XXXVII
Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tão pezada
Hade ser sempre afflicta, e magoada,
Se com o tempo em fim se hade ir mudando
Em golfos de esperança fluctuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez não esperada
Aopelago infeliz me vai levando.
Tenho já o meu mal tão descuberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois não pôde ser mais seu desconcerto.
Que me pôde fazer a sorte dura,
Se para não sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!
XXXVIII
Quando, formoza Nize, dividido
De teus olhos estou nesta distancia,
Pinta a saudade, á força de minha anciã.
Toda a memória do prazer perdido.
Lamenta o pensamento amortecido
A tua ingrata, pérfida inconstância;
E quanto observa, é só a vil jactancia
Do fado, que os troféos tem conseguido.
Aonde a dita está ? aonde o gosto ?
Onde o contentamento ? onde a alegria,
Que fecundava esse teu lindo rosto ?
Tudo deixei, ó Nize, aquelle dia,
Em que deixando tudo, o meu desgosto
Somente me seguio por companhia.
122 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XXXIX
Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A gloria, que minha alma appetecia;
E sem desconfiar da aleivozia,
Teu lizonjeiro obzequio acreditava.
Eu só á minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas scenas, que então me offerecia,
0 maior gosto, o maior bem lograva;
Fugio, faltou-me o bem : já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitectura,
Vê-se a ruina ao desengano exposta:
Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formozura!
XL
Quem chora auzente aquella formozura,
Em que seu maior gosto depozita,
Que bem pôde gozar, que sorte, ou dita,
Que não seja funesta, triste, e escura !
A apagar os incêndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita :
Mas se era a que perdi, gloria infinita,
Outra igual que esperança me assegra !
Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipício encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.
Triste 1 A quanto chegou meu duro fado !
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que allivio posso dar a meu cuidado!
OBRAS POÉTICAS 123
XLI
Injusto Amor, se de teu jugo izento
Eu vira respirar a liberdade,
Se eu pudesse da tua Divindade
Cantar um dia alegre o vencimento;
Não lográras, Amor, que o meu tormento,
Victima ardesse a tanta crueldade ;
Nem se cobrira o campo da vaidade
Desses troféos, que paga o rendimento :
Mas se fugir não pude ao golpe activo,
Buscando por meu gosto tanto estrago,
Porque te encontro, Amor, tão vingativo ?
Se um tal despojo ateus altares trago,
Siga a quem te despreza, o rayo esquivo;
Alente a quem te busca, o doce affago.
XLII
Morfeo doces cadèas estendia,
Com que os cançados membros me enlaçava ;
E quanto mal o coração passava,
Em sonhos me debuxa a fantazia.
Lize prezente vi, Lize, que um dia
Todo o meu pensamento arrebatava,
Lize, que na minha alma impressa estava,
Bem a pezar da sua tirannia.
Corro a prendêl-a em amorozos laços
Buscando a sombra, que apertar intento ;
Nada vejo (ai de mim!) perco os meus passos.
Então mais acredito o fingimento :
Que ao vêr, que Lize foge de meus braços,
A crê pelo costume o pensamento.
124 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XL1II
Quem es tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma vibora! Ah tiranna!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente suffocado!
Não era essa, que eu tinha posto ao lado,
Da minha Nize a imagem soberana?
Não era... ? mas que digo 1 ella me engana :
Sim, que eu a vejo inda no mesmo estado ;
Pois como no letargo a fantazia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi... ? mas nada vi; que eu nada cria.
Foi sonho ; foi quimera; a um peito amante
Amor não deo favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.
XLIV
Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsissimo bem, com que dourando
0 veneno mortal, vais enganando
Os tristes corações n'uma esperança !
Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obzequio, que tomando
Lições do desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!
Há quem crêa, que pôde haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da belleza !
Há inda, e hade haver, eu não duvido,
Em quanto não mudar a Natureza
Em Nize a formozura, o amor em Fido.
CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
II
XLV
A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidozo mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante,
Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do allivio mal formado ;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.
Corre o desejo ao vêllo descuberto;
Logo aos olhos mais longe se affigura,
0 que se imaginava muito perto.
Faz-se parcial da dita a desventura ;
Porque nem permanece o damno certo,
Nem a gloria tão pouco está segura.
XLVI
Não vês, Lize, brincar esse menino
Com aquella avezinha? Estende o braço ;
Deixa a fugir; mas apertando o laço,
A condemna outra vez ao seu destino ?
Nessa mesma figura, eu imagino,
Tens minha liberdade; pois ao passo,
Que cuido, que estou livre do embaraço,
Então me prende mais meu desatino.
Em um continuo giro o pensamento
Tanto a precipitar-me se encaminha,
Que não vejo onde pare o meu tormento.
Mas fora menos mal esta anciã minha,
Se me faltasse a mim o entendimento,
Como falta a razão a esta avezinha.
126 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XLVII
Que inflexível se mostra, que constante
Se vê este penhasco ! já ferido
Do procellozo vento, e já batido
Do mar, que nelle quebra a cada instante !
Não vi; nem heide vêr mais similhante
Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Já mais pôde fazer, que enternecido
Seu peito attenda ás queixas de um amante.
Tal es, ingrata Nize : a rebeldia,
Que vês nesse penhasco, essa dureza
Hade ceder aos golpes algum dia :
Mas que diversa é tua natureza !
Dos contínuos excessos da porfia,
Recobras novo estimulo á fereza.
XLVIII
Traidoras horas do enganozo gosto,
Que nunca imaginei, que o possuía,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquelle bem de ser supposto.
Já de parte o tormento estava posto ;
E meu peito saudozo, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.
Desanda então a fabrica elevada,
Que o plácido Morfêo tinha erigido,
Das espécies do somno fabricada ;
Então é, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruina, o bem fingido.
OBRAS POÉTICAS 127
XLIX
Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante ;
As ondas bate o Grego navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao vento :
Em vão se esforça o harmoniozo accento
Da Serêa, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espirito constante
Vence as lizonjas do enganozo intento.
Se pois, Ninfas gentis, rompe a Cupido
0 arco, a flexa. o dardo, a chama acceza
De um peito entre os Heróes esclarecido;
Que vem buscar commigo a néscia empreza,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da belleza!
LI
Adeos, ídolo bello, adeos, querido,
Ingrato bem ; adeos : em paz te fica ;
E essa victoria misera publica,
Que tens barbaramente conseguido.
Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém applica
0 rouco accento de um mortal gemido.
E se acazo alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A serie vil da sua desventura;
Na immensa confuzão de seus pezares
Acharâs, que ardeu simpleu, ardeu pura
A victima de uma alma em teus altares.
LU
Que molesta lembrança, que cançada
Fadigaé esta! vejo-me opprimido,
Medindo pela magoa do perdido
A grandeza da gloria já passada.
Foi grande a dita, sim; porém lembrada,
Inda a pena é maior de a haver perdido ;
Quem não fora feliz, se o haver sido
Faz, que seja a paixão mais avultada !
Propicio imaginei (é bem verdade)
O malévolo fado : oh quem pudera
Conhecer logo a hypocrita piedade !
Mas que em vão esta dòr me desespera,
Se já entorpecida a enfermidade,
Inda agora o remédio se pondera !
OBRAS POÉTICAS 129
LIII
Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturozo Pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.
Lá te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razão me accuzes, mais crimines.
Que te fiz eu, Pastor? em que condemnas
Minha sincera fé, meu amor puro ?
As provas, que te dei, serão pequenas ?
Queres vêr, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és cauza tu das minhas penas ?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
LIV
Ninfas gentis, eu sou, o que abrazado
Nos incêndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cithara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.
Se vós, glorias de Amor, de Amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
Não ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.
Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tão livre de vós, que da saudade
Não recêa abrazar-se no tormento.
Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio heide ter do esquecimento
Este, aonde já mais achei piedade.
130 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LV
Em profundo silencio já descança
Todo o mortal; e a minha triste idéa
Se estende, se dilata, se recrèa
Pelo espaçozo campo da lembrança.
Fatiga-se, prosegue, em vão se cança;
E neste vario giro, em que se enlêa,
Ao duvidozo passo já recèa,
Que lhe possa faltar a segurança.
Que differente tudo está notando !
Que perplexo as imagens do perdido
N'um, e n'outro despojo vem achando !
Este não é o templo (eu o duvido)
Assim o affirma, assim o está mostrando:
Ou morreo Nize, ou este não é Fido.
LVI
Tu, Ninfa, quando eu menos penetrado
Das violências de Amor vivia izento,
Propondo-te então bella a meu tormento,
Foste doce occazião de meu cuidado.
Roubaste o meu focêgo, um doce agrado,
Um gesto lindo, um brando acolhimento
Forão somente o único instrumento,
Com que deixaste o triunfo assegurado.
Já não espero ter felicidade,
Salvo se for aquella, que confio,
Por amar-te, a pezar dessa impiedade.
Em prêmio dos suspiros, que te envio,
Ou modera o rigor da crueldade,
Ou torna-me outra vez meu aivedrio.
OBRAS POÉTICAS 131
LV1I
Bella imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memória repetido,
Estás, doce occazião de meu gemido.
Assegurando a fé de meu cuidado.
Tem-te a minha saudade retratado;
Não para dar allivio a meu sentido ;
Antes cuido ; que a magoa do perdido
Quer augmentar co' a pena de lembrado.
Não julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéa ; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.
Que allivio em te lembrar minha alma alcança;
Se do mesmo tormento de não vêr-te,
Se fôrma o desafogo da lembrança ?
LVIII
Altas serras, que ao Ceo estais servindo
De muralhas, que o tempo não profana,
Se Gigantes não sois, que a fôrma humana
Em duras penhas forão confundindo ;
Já sobre o vosso cume se está rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana .
Pois na face, que ostenta, soberana,
0 rosto de meu bem me vai fingindo.
Que alegre, que mimozo, que brilhante
Elle se me affigura 1 Ah qual affeito
Em minha alma se sente neste instante !
Mas ai! a que delírios me sujeito !
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vós descubro ó penhas o seu peito ?
132 CÍ.AU:>IO MANOEL DA COSTA
LIX
Lembrado estou, ó penhas, que algum dia,
Na muda solidão deste arvoredo,
Communiquei com vosco o meu segredo,
E apenas brando o Zefiro me ouvia.
Com lagrimas meu peito enternecia
A dureza fatal deste rochedo,
E sobre elle uma tarde triste, e quedo
A cauza de meu mal eu escrevia.
Agora torno a vèr, se a pedra dura
Conserva ainda intacta essa memória,
Que debuxou então minha escultura.
Que vejo ! esta é a cifra: triste gloria
Para ser mais cruel a desventura,
Se fará immortal a minha historia.
LX
Valha-te Deos, cançada fantazia !
Que mais queres de mim? que mais pertendes?
Se quando na esperança mais te accendes,
Se desengana mais tua porfia !
Vagando regiões de dia em dia,
Novas conquistas, e troféos emprendes :
Ah que conheces mal, que mal entendes,
Onde chega do fado a tirannia !
Trata de accomodar-te ao movimento
Dessa roda volúvel, e descança
Sobre tão fatigado pensamento.
E se inda crês no rosto da esperança,
Examina por dentro o fingimento ;
E verás tempestade o que é bonança.
OBRAS POÉTICAS 133
LXI
Deixemos-nos, Algano, de porfia;
Que eu sei o que tu es, contra a verdade
Sempre hasde sustentar, que a Divindade
Destes campos é Brites, não Maria :
Ora eu te mostrarei inda algum dia,
Em que está teu engano : a novidade,
Que agora te direi, é, que a Cidade
Por melhor, do que todas a avalia.
Há pouco, que encontrei lá junto ao monte
Dous Pastores, que estavão conversando,
Quando paffárão ambas para a fonte ;
Nem falarão em Brites : mas tomando
Para um cedro, que fica bem defronte,
0 nome de Maria vão gravando.
LXII
Torno a ver-vos, ó montes ; o destino
Aqui me torna a por nestes oiteiros ;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo trage da Corte rico. e fino.
Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fieis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atraz de seu cançado desatino.
Se o bem desta choupana pôde tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisongeiro encanto ;
Aqui descance a louca fantazia ;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em affectos de alegria,
i.
]34 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LX1II
Já me enfado de ouvir este alarido,
Com que se engana o mundo em seu cuidado ;
Quero vêr entre as pelles, e o cajado,
Se melhora a fortuna de partido.
Cance embora a lisonja ao que ferido
Da enganoza esperança anda magoado ;
Que eu tenho de acolher-me sempre ao lado
Do velho desengano apercebido.
Aquelle adore as roupas de alto preço,
Um siga a ostentação, outro a vaidade;
Todos se enganão com igual excesso.
Não chamo a isto já felicidade :
Ao campo me recolho, e reconheço,
Que não há maior bem, que a soledade.
LXIV
Que tarde nasce o Sol, que vagarozo I
Parece, que se cança, de que a um triste
Haja de apparecer : quanto resiste
A seu rayo este sitio tenebrozo!
Não pôde ser, que o giro luminozo
Tanto tempo detenha : se persiste
Acazo o meu delírio I se me assiste
Ainda aquelle humor tão venenozo !
Aquella porta alli se está cerrando ;
Delia sahe um Pastor : outro assobia,
E o gado para o monte vai chamando.
Ora não ha mais louca fantazia I
Mas quem anda, como eu, assim penando,
Não sabe quando é noite, ou quando é dia.
OBRAS POÉTICAS 135
LVX
Ingrata foste, Eliza ; eu te condemno
A injusta semrazão ; foste tyranna,
Em renderes, bellissima Serrana,
Atua liberdade ao néscio Almeno.
Que achaste no seu rosto de sereno,
De bello, ou de gentil, para inhumana
Trocares pela delle esta choupana,
Em que tinhas o abrigo mais ameno ?
Que canto em teu louvor entoaria ?
Que te podia dar o Pastor pobre ?
Que extremos, mais do que eu, por ti faria ?
0 meu rebanho estas montanhas cobre :
Eu os excedo a todos na harmonia ;
Mas ah que elle é feliz! Isto lhe sobre.
LXVI
Não te assuste o prodígio : eu, Caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o Pastor Fido; de um delicto
Me veio o meu estrago; eu fui amante.
UmaNinfa perjura, uma inconstante
Neste estado me poz : do peito afflicto,
Por eterno castigo, arranco um grito;
Que dezengane o peregrino errante.
Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Altende ao meu avizo derradeiro :
Lagrimas não te peço, nem ternura :
Por voto um desengano, te requeiro,
Que consagres á minha sepultura.
136 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LXV1I
Não te cazes com Gil, bella Serranna,
Que é um vil, um infame, um desestrado ;
Bem que elle tenha mais devêza, e gado,
A minha condição é mais humana.
Que mais te pôde dar sua cabana,
Que eu aqui te não tenha aparelhado ?
0 leite, a fructa, o queijo, o mel dourado ;
Tudo aqui acharás nesta choupana.
Bem que elle tange o seu rabil grosseiro,
Bem que te louve assim, bem que te adore,
Eu sou mais extremozo, e verdadeiro.
Eu tenho mais razão, que te enamore :
E se não, diga o mesmo Gil vaqueiro :
Se é mais, que elle te cante, ou que eu te chore.
LXVIII
Apenas rebentava no Oriente
A clara luz da Aurora, quando Fido,
0 repouzo deixando aborrecido,
Se punha a contemplar no mal, que sente.
Vê a nuvem, que foge ao transparente
Annuncio do crepúsculo luzido ;
E vê de todo em rizo convertido
O horror, que dissipara o raio ardente.
Porque (diz) esta sorte, que se alcança
Entre a sombra, e a luz, não sinto agora
No mal, que me atormenta, e que me cança t
Aqui toda a tristeza se melhora :
Mas eu sem o prazer de uma esperança
Passo o anno, e o mez, o dia, a hora.
OBRAS POÉTICAS 137
LXIX
Se á memória trouxeres algum dia,
Bellissima tiranna, Ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfêo gemia,
Confunda-te a soberba tirannia,
0 ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atraz de teus olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.
E já que em fim tão misero o fizeste,
Vêl-o-has, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vêl-o-has, cruel, morrer; que assim quizeste.
Dirás, lizongeando a dôr em parte :
Fui-teingrata, Pastor; por mim morreste ;
Triste remédio a quem não pôde amar-te !
LXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo o infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuía !
Já credito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento :
Que é mui fácil n'um triste estar attento
Aos enganos, que pinta a fantazia.
Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa gloria, do fingido gosto
Ao cume, donde venho a despenhar-me :
Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lizongear-me;
Porque o estrago, me diga, que é supposto.
8
138 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LXXI
Eu cantei, não o nego, eu algumdia
Cantei do injusto Amor o vencimento ;
Sem saber, que o veneno mais violento-
Nas doces expressões falso encobria.
Que Amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de Amor izento ;
Inda agora de Amor cantara attento,
Se lhe não conhecera a aleivozia.
Ninguém de Amor se fie : agora canto
Somente os seus enganos ; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.
De seu favor hoje as quimeras pinto :
Amor de uma alma é pezarozo encanto ;
Amor de um coração é labirinto.
LXXII
Já rompe, Nize, a matutina Aurora
0 negro manto, com que a noite escura,
Suffocando do Sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.
Que alegre, que suave, que sonora,
Aquella fontezinha aqui murmura !
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora f
Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder vêr, Nize adorada,
Não sabe inda, que coiza é alegria ;
E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.
OBRAS POÉTICAS 139
LXXIII
Quem se fia de Amor, quem se assegura
Na fantástica fé de uma belleza,
Mostra bem, que não sabe, o que é firmeza,
Que protesta de amante a formozura.
Anexa a qualidade de perjura
Ao brilhante explendor da gentileza,
Mudavel é por lei da natureza,
A que por lei de Amor é menos dura.
Deste, ó Fábio, que vês, desordenado,
Ingrato proceder se é que examinas
A razão, eu a tenho decifrado :
São as settas de Amor tão peregrinas,
Que esconde no gentil o golpe irado ;
Para lograr pacifico as ruinas.
LXX1V
Sombrio bosque, sitio destinado
A' habitação de um infeliz amante,
Onde chorando a magoa penetrante
Possa desafogar o seu cuidado ;
Tudo quieto está, tudo calado ;
Não ha fera, que grite, ave, que cante ;
Se acazo saberás, que tens diante
Fido, aquelle Pastor dezesperado !
Escuta o cazo seu : mas não se atreve
A erguer a voz ; aqui te deixa escrito
No tronco desta faia em cifra breve :
Mudou-se aquelle bem : hoje é delito
Lembrar-me de Masirza: era mui leve :
Não ha mais, que attender; tudo está dito.
140 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LXXV
Clara fonte, teu passo lisongeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante ;
Que em paga de piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.
Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da Ninfa mais constante
Pude vèr da fortuna a face errante
Jazer por gloria de um triunfo inteiro.
Dura mão, inflexível crueldade
Divide o laço, com que a gloria, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade :
E para sempre a dòr ter n'alma escrita,
De um breve bem nasce immortal saudade,
De um caduco prazer magoa infinita.
LXXV1
Em fim te hei-de deixar, doce corrente
Do claro, do suavíssimo Mondego ;
Hei-de deixar-te em fim ; e um novo pego
Formará de meu pranto a copia ardente.
De ti me apartarei; mas bem que auzente,
Desta lira serás eterno emprego ;
E quanto influxo hoje a dever-te chego,
Pagará de meu peito a voz cadente.
Das Ninfas, que na fresca, amena estância
Das tuas margens humidas ouvia,
Eu terei sempre n'alma a consonância ;
Desde o prazo funesto deste dia
Serão fiscais eternos da minha anciã
As memórias da tua companhia.
OBRAS POÉTICAS 141
LXXVII
Não há no mundo fé, não ha lealdade ;
Tudo é, ó Fábio, torpe hypocrizia ;
Fingido trato, infame aleivozia
Rodêão sempre a cândida amizade.
Veste o engano o aspecto da verdade ;
Porque melhor o vicio se avalia :
Porém do tempo a misera porfia,
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.
Se talvez descobrir-se se procura
Esta de Amor fantástica apparencia,
E como á luz do Sol a sombra escura :
Mas que muito, se mostra a experiência,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a baze maior na dependência !
LXXVII1
Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e sêcca tornais vossa verdura,
Não vos assuste a pallida figura,
Com que o meu rosto vedes tão desfeito.
Vós me vistes um dia o doce effeito
Cantar do Deos de Amor, e da ventura ;
Isso já se acabou; nada já dura;
Que tudo á vil desgraça está sujeito.
Tudo se muda em fim : nada ha, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que não encontre o fado, o tempo, a inveja.
Esta ordem natural a tudo alcança ;
E se alguém um prodígio vèr deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.
142 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LXXIX
Entre este álamo, ó Lize, e essa corrente,
Que agora estão meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o Ceo me vem pintando
A magoa triste, que meu peito sente.
Firmeza a nenhum deli es se consente
Ao doce respirar do vento brando ;
0 tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.
Na liquida porção, na vegetante
Copia daquellas ramas se figura
Odiro rosto, outra imagem similhante :
Quem não sabe, que a tua formozura
Sempre immovel está, sempre inconstante,.
Nunca fixa se vio, nunca segura ?
LXXX
Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florecentes,
Então me vem as lagrimas ardentes
Com mais anciã, mais dòr, mais agonia.
Aquelle mesmo objecto, que desvia
Do humano peito as magoas inclementes.
Esse mesmo em imagens differentes
Toda a minha tristeza desafia.
Se das flores a bella contextura
Esmalta o campo na melhor fragancia,
Para dar uma idéa da ventura ;
Como, ó Ceos, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formozura
Da bella causadora de minha anciã ?
OBRAS POÉTICAS ]43
LXXXI
Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem, que adoro ;
Aqui entre estas lagrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.
Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras Hamadriades o coro ;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estão chorando.
Mas que peito hade haver tão desabrido,
Que fuja á minha dôr! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido !
Igual cazo não temo que se conte ;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.
LXXXII
Piedozos troncos, que a meu terno pranto
Commovidos estais, uma inimiga
E' quem fere o meu peito, é quem me obriga
A tanto suspirar, a gemer tanto.
Amei a Lize; é Lize o doce encanto,
A bella occazião desta fadiga;
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga
Em um tormento, em um fatal quebranto ?
Deixou-me a ingrata Lize : se alguma hora
Vós a vedes talvez, dizei, que eu cego
Vos contei... mas calai, calai embora.
Se tanto a minha dôr a elevar chego,
Em fé de um peito, que tão fino adora,
Ao meu silencio o meu martírio entrego.
144 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LXXXIll
Polir na guerra o bárbaro Gentio,
Que as leis quazi ignorou da natureza,
Romper de altos penhascos a rudeza,
Desentranhar o monte, abrir o rio ;
Esta a virtude, a gloria, o esforço, o brio
Do russiano Heróe, esta a grandeza,
Que igualou de Alexandre a fortaleza,
Que venceo as desgraças de Dario :
Mas se a lei do heroismo se procura,
Se da virtude o espirito se altende,
Outra idéa, outra máxima o segura :
Lá vive, onde no ferro não se accende ;
Vive na paz dos povos, na brandura :
Vós a ensinais, ó Rei; em vós se aprende.
LXXXIV
Apre Giano il gran Tempio; orrido, e nero,
-Tutto scomposto '1 crin, Marte s' adira;
Ecco F armi, 1' infegne; ecco s' aggira
Con torbidi rugitti '1 Leon Ibero:
Lasciai freddi Trioni '1 Duce altero ;
Viene sopra di noi Ia strage, e V ira ;
Altro, fuor che vendetta, non respira
1 Ebro audace, il Rhodano guerriero :
Par, che giá d'Acheronte in sulla spuma,
Del Dio feroce lampeggiando il volto,
Vaghe schiere d' Eroi varcano il fiume ;
Oh Dei! tutto é in terrore il mondo accolto :
Ma che auspizio é mai questo ! contro il Nume,
D' Andrada sol, d'Andrada il nome ascolto.
OBRAS POÉTICAS 145
LXXXV
Sposi felici, per Ia vostra face
Splenda di Portugal provido il Nume.
Portando a noi Ia sospirata pace,
Delia Madre d' Amor fra 1' auree piume.
Fatte, che a pró di noi Ia Diva audace
L' empia ruota suspenda : entro il suo fiume
Spirar non vegga il vostro amor verace
II Domator delle Tartaree spume.
Vivete in dolce nodo : altre faville
II ciei non fecondó cosi giocondo ;
Amor, che 1' inspiro, Amor nutrille.
Sorger vegg' io dal thalamo fecondo
Fra mille gioje, fra trionfi mille
E gloria a Portugal, e gloria ai mondo.
LXXXVI
De cosi degno Eróe ia Regia fronte
Cinga d'eterno allor, chi virtude ama :
Che il ciei Ia gloria sua per altro chiama :
Sentier, che guida a piú sicuro monte.
Non di Parnaso, non d' audace fonte
Ifiori, ed i cristalli alia sua fama
Omaggio esser potran ; ciascun, che brama
I suoimerti Iodar, lodi à piú pronte.
Voto faccia di voglia assai sincera,
Dell' anima tributa sia Ia fede ;
Questa victima ei solo ama, ei Ia spera.
Non piú 1' Eróe, mortali, da voi chiede ;
II non sprezar Ia vostra fé si vera,
E' de tributi vostri ampia mercedc.
i.
146 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LXXXVII
Sorprezo de cosi sonori accenti,
Non ho ragion, che basti, ó Vate degno,
A consecrare ai tuo discreto ingegno
Questi voti, non só, se assai cadenti.
Udir credei aintempestivi eventi
Tutto il Pindo sonar, si che á tal segno
Forse non dubitai dei crudo regno
Frenasse Orpheo gli spiriti inclementi.
Questa dal mondo poi giammaí probata
Beltá da labri tuoi abbia 1' ardore
D' en si rozzo paese essere amata.
Ed io pur non avró culto maggiore,
Che render vada a Ia tua Musa grata,
Fuor di quel dei silenzio fido onore.
LXXXVII1
Non ho valor, che basti; io corro in vano
A ricoprirmi dei pesante scudo ;
Senza armi'l sen, senza armi'l cor ignudo
S'abbandona ai tuo strale, Amor insano.
L'idolo mio, che m'offre in volto umano
Bellâ quasi divina, ai petto rudo
Si suave gli porge il velen crudo,
Che orror non ho nel venerar Ia mano.
Reggi'l colpo ; Ia strage io non pavento ;
Ti daranno, crudel, poça victoria
La mia ruína, il mio duol, il mio tormento.
Saremmo entrambi esempi a grata istoria,
Tu mostrando il tuo tardo pentimento,
ljeuo mártir trovando Ia mia gloria.
OBRAS POÉTICAS ]47
LXXXIX
Mísera rimembranza, che mai tenti!
Perché venirmi tormentando ancora I
Non m' accordar, ti chiedo, Ia dolce ora
De' primi miei suavissirai contenti.
Fuorono brevi; e sono cosi lenti
I passi tuoi, che nella grata Aurora
Del mio piacer, io ritrovai tallora,
In sembianza digioja 1 miei tormenti.
Ah non lasciassi mai laspiaggia aprica,
Per girne in grembo ai procelloso flutto,
Allor che si mostro ia sorte amica.
Non sarebbe il mio ben per lei distrutto;
Nè havrei nel alma una crudel fatica,
Che tutto afflige, e che scónsola tutto.
XC
Esci d'ingano, ó Nice ; io non fadoro ;
Chi ti parla cosi, parla sincero;
Mi piace'l volto tuo ; mi piace, é vero;
Ma non mi punse Amor col' strale d'ôro,
Piangon gl' amanti ovunque; i voti loro
Sono tributi d'immortal pensiero :
Or vedi; io son tranquillo, io sono altero,
Io non sento fatica, ed ho ristoro.
O non é amore, o pur, s' amor si chiama,
D' ogni d'amor martiro l'ordin.muta,
Ch' in tanti euori '1 suo trionfo acclama ;
Ma che mai vanta 1' alma d' assoluta 1
Rícanteró : Questa alma altro non brama,
Che nel incêndio tuo restar perduta.
148 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XCI
Non parlarmi d' amor, ingrata Nice ;
- Ch'io non ho giá per te questi pensieri :
Crédulo a tanti affetti lusinghieri
T'adorai, non te T nego ; era infelice :
II vechio disinganno or odo; ei dice :
Folie che sei! come adorar gl'alteri
Transporti puoi d'affanni cosi fieri ?
Ei parla; ed i suoi detti ascoltar lice.
Saggio dunque '1 rimprovero dei cuore
Nel piú vivo Io stampo, ed il coneiglio
Per seguitar, ó Nice, ho gran valore :
Augel saro, che fuor dei cauto artiglio
Per fuggire a tuoi lacei andró, Amore,
Portando in fronte il volto dei periglio.
XC1I
Dolci compagni miei, dolce mia cura,
Consolate '1 mio duol ; se pur vi piace
Rendermi quella sospirata pace,
Che mi tõglie crudel Ia mia sventura.
Senza Ia vostra compagnia oscura
Parmi dei Sol Ia scintillante face ;
Sul' orme vostre'l mio pensier seguace
Tutto ció, ch'e diletto, odia, e scongiura.
Altro ciei, altre genti astri infelici
Mi sforzano á veder : mi fu ribelle
La mia sorte ; e son tutti miei nemici.
Ma se vedervi piú negan Ie stelle,
Vi priego almen pe' suoi bei lumi, Amici,
Curate Ia mia Nice, e le sue agnelle.
OBRAS POÉTICAS 149
XCIII
Dolci parole, or piú non siete quelle :
Nice, a cui piacqui un giorno, or me deride ;
E le pupille sue, un tempo fide,
OF sono a danni miei barbare stelle.
Piú costante, che incontro alie procelle
Scoglio, che ürtano i venti, e le onde infide,
Quanto piú col rigor crudel m' uccide,
Tanto ardo piú per le sue luci belle.
Quell' ira sua, cred' io, dei amor mio
Alimento é tal volta, e deli' imparo,
Per strugermi a suoi rai, nov' arti anch' io.
Pur non veggo '1 Destin, con mé si avaro,
Se dei suo sdegno a stimol cosi rio
Sento 1' incêndio, Amor, esser piú chiaro.
XC1V
Non lasciarmi, crudel; quella, ch< io rendo,
Victima voluntária dal mio cuore
E ben degna di te, se pur 1' amore,
Se pur il prêmio tuo non ti contendo.
Io senza speme a Ia tua luce attendo,
Come Clicie tallor : se dei maggiore
Pianeta ogn' un' adora lo splendore,
Senza ch' il raggio I' urte, '1 va sieguendo.
Ma tu fuggi, crudel! Ah ! non son io
Inteso a divorarti, ó mostro, ó fiera;
Placarti voglio con il pianto mio.
Se pur muoverti ancor 1' alma non spera,
Questo, barbara, (oime !) questo desio
Pera, ma innanzi a tuoi bell' ochi pera.
150 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XCV
Del tuo Fileno alia incerata avena
Ferma, Nice crudel, ferma le piante ;
Mentre in tua Iode '1 Pastorello amante
Dolce fa risona Ia selva amena.
Vedi, come di gioja in questa arena
Tutto par ch' innamore '1 tuo sembiante,
11 feroce Leon, Ia Tigre errante,
11 mar, che freme, il ciei, che ne balena.
Di sopra questo sasso ah ben vegg' io
Giungersi intorno a me dei tuo bel nome
Al ecco amato di Protheo Ia gregge :
Tutto vien' ad udirmi ; é pieno il rio
De gl' umidi abitanti; e (non so come)
Altra legge non han, che Ia tua legge.
XCVI
Erra d' intorno a me 1' ombra onorata
Di quella dolce, incantatrice Donna,
Che cinta or de piú lúcida corona
Splende fra gl' Astri alia mia fede ingrata.
Io Ia riveggo in torvo aspetto irata;
Or m' accusa, or mi siegue, or mi abbandona;
L'orribil você mi spaventa, e sona,
Comme fiamma di Giove in ciei vibrata.
Qual misero destin (oh Dei! qual forte
Amor mi dié 1 veggo Ia face mia,
Fuggo, tremo, m' aghiaccío, e non son forte :
M' accordo allor, che ai flanco in ogni via
La seguitai: oh quanto, Amor, Ia morte
Quanto fá, quanto mutta, quanto oblia !
OBRAS POÉTICAS 151
XCV1I
Questo, che Ia mia Musa oggi a te rende,
Indegno omaggio di beltà si rara,
Non Io sdegnar, ti chiedo, ó Nice cara,
Nice, di ch' il bel volto il cor m' accende.
Di merti tuoi quel, ch' il mio canto prende,
Onorato argumento (ó legge amara !)
D' umili voei alia cadenza avara
Non si concede, fugge, e se difende :
Desti nel alme poi Ia meraviglia
Del nome tuo quel dissonante accento,
Che preziasi i mei voti mi consiglia :
A cosi dolce indulto andró contento,
Se tu di Citheréa, di Giove figlia,
Non disapprovi, ó Nice, '1 mio concento.
XCVIII
Destes penhascos fez a natureza
0 berço, em que nasci : oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se creara
Uma alma terna, um peito sem dureza !
Amor, que vence os Tigres, por empr za
Tomou logo render-me; elle declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu mesmo conhecesse o damno,
A que dava occazião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engaao:
Vós, que ostentais a condição m a s durr>,
Temei, penhas, temei; que Amor franno,
Onde há mais rezistencia, mais se apura.
152 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
XCIX
Parece, ou eu me engano, que esta fonte
De repente o licor deixou turvado ;
O Ceo, que estava limpo, e azulado,
Se vai escurecendo no Orizonte :
Porque não haja horror, que não aponte
O agouro funestissimo, e pezado,
Até de susto já não pasta o gado ;
Nem uma voz se escuta em todo o monte.
Um raio de improvizo na celeste
Região rebentou : um branco lirio
Da còr das violetas se reveste;
Será delírio ! não, não é delírio.
Que é isto, Pastor meu? que anuncio é este ?
Morreo Nize (ai de mim !) tudo he martírio.
EPIGEDIOS
EPICEDIO I
A* MORTE
DE
SALICIO
EPICEDIO II
Espirito immortal, tu que rasgando
Essa esfera de luzes, vaes pizando
Do fresco Elizio a região bemdita,
Se nesses campos, onde a gloria habita,
Centro do gosto, do prazer estância,
Entrada se permitte á mortal anciã
De uma dôr, de um suspiro descontente,
Se lá relíquia alguma se consente
Desta cançada, humana desventura,
Não te offendas, que a victima tão pura,
Que em meus ternos soluços te offereço,
Busque seguirte, por lograr o preço
Daquella fé, que ha muito consagrada
Nas aras da amizade foi jurada.
Bem sabes, que o suavíssimo perfume,
Que arder pôde do amor no casto lume,
Os suores não são deste terreno,
Que odorifero sempre, e sempre ameno,
Em qualhadas porções Chypre desata:
Mais que os thesouros, que feliz recata
A Arábica região, amor estima
Osincensos, que a fé, que a dôr anima,
Abrazados no fogo da lembrança.
Esta pois a discreta segurança,
166 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
10
170 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
A' MORTE
APRESSADA
DE
UM AMIGO
EPICEDIO III
Commigo falas; eu te escuto ; eu vejo,
Quanto apezar de meu lethargo, e pejo,
Me intentas persuadir, ó sombra muda,
Que tudo ignora, quem te não estuda.
Ha poucas horas, que um activo alento
Te dirigia o ardente movimento ;
E em breve instante (oh dor I) em breve instante
Se torna em luto o resplendor brilhante.
Arrebatado em vão te solicito
Por qualquer parte, que se estenda o grito ;
E aos eccos, ao clamor, que aos troncos passa,
(Funestissimo avizo da desgraça)
Apenas fala, apenas me responde
O desengano, que efla penha esconde :
Mas como em te encontrar minha anciã tarda,
Se só este penhasco é, quem te guarda!
Elle a saudade tua recommenda;
Elle me escute pois, elle me attenda.
Mármore bruto, que em teu seio encobres
Triste despojo de relíquias pobres,
OBRAS POÉTICAS* 171
ROMANCE
FÁBULA
DO RIBEIRÃO
DO CARMO
SONETO
A desgrenhada frente,
Maior espaço occupo dilatado,
Por dar mais desafogo a meu cuidado.
Competir não pertendo
Comtigo, ó cristallino
Tejo, que mansamente vas correndo :
Meu ingrato destino
Me nega a prateada magestade,
Que os muros banha da maior Cidade.
Às Ninfas generozas,
Que em tuas praias girão,
0' plácido Mondego, rigorozas
De ouvir-me se retirão ;
Que de sangue a corrente turva, e feia
Teme Ericina, Aglaura, e Deyopéa.
Não se escuta a harmonia
Da temperada avena
Nas margens minhas; que a fatal porfia
Da humana sede ordena,
Se attenda apenas o ruido horrendo
Do tosco ferro, que me vai rompendo.
Porém se Apollo ingrato
Foi causa deste enleyo,
Que muito, que da Musa o bello trato
Se auzente de meu seio,
Se o Deos, que o temperado coro tece,
Me foge, me castiga, e me aborrece !
Em fim sou, qual te digo,
O Ribeirão prezado,
De meus Engenhos a fortuna sigo ;
Commigo sepultado
Eu choro o meu despenho; elles sem cura
Chorão também a sua desventura.
188 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
ECLOGAS
OS MAMÃES DO TEJO
ECLOGA I
De rizo, e de alegria
0 Ceo, a terra, o mundo se cobria.
Mais que nunca suaves,
Ao despertar da Aurora,
De ramo em ramo as sonorozas aves,
Sobre os campos de Flora,
Alegres vem saudando
Da fresca manhã bella o rosto brando.
As arvores copadas
Orvalho cristallino
Derramão sobre a relva : restauradas
Ainfluxo peregrino,
Do inverno, que as rendera,
Formão as flores nova primavera.
Os Gênios da espessura
Então mais concertados
Andão mostrando annuncios da ventura.
Vem-se os campos cercados
De avizos superiores,
Mandados desde o Ceo para os Pastores.
Um salgueiro, que havia
Deixado a pompa verde,
De repente (oh assombro!) se vestia
Das folhas, que em vão perde;
E em prodígios maiores
As mesmas folhas derão logo flores.
Duas rolas, cantando
Naquella sovereira,
Docemente se estavão namorando ;
Uma, e outra ligeira
Com suave reclamo,
De folha em folha vão, de ramo em ramo.
192 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
SONETO
Se este Tronco adorado dos Pastores
Do tempo está zombando tão robusto,
Esta vide enlaçada ao Tronco augusto,
Fará que os seus brazões sejão maiores.
Brotando fructos, sazonando flores
Se verá triunfar do fado injusto;
Sem que da lei mortal se atreva o susto
A profanar seus claros resplendores.
Feliz do pátrio Tejo o áureo terreno,
Que Amor quiz, que dispôs a sorte avara,
Fosse de arvores taes o sitio ameno.
Quanta ventura, quanto bem declara
Este final, que pinta o Ceo sereno !
Oh Tronco generozo ! Oh Planta rara i
200 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
Cor. Depois que abraza o Sol a secca terra,
Não é tão agradável para as plantas
0 chuveiro do Ceo, que os ares cerra,
Qual foi para a minha alma, quando cantas,
Ouvir na tua flauta a doce historia,
Com que tu me arrebatas, e me encantas.
Na bella competência desta gloria
Quem me dera passar a noite, e dia,
Sem trazer outra couza na memória !
Mon. Comtigo, caro Amigo, eu gostaria
De consumir o tempo ; mas o gado
Anda correndo solta a relva fria.
Algum se acolhe ao mato emmaranhado ;
Fugio-me o meu Barozo; já não vejo
Onde se foi meter o meu Bargado.
Cor. Eu vou juntar as cabras; que desejo
Não trepem sobre aquella penha dura,
Que fica lá fronteira ao manso Tejo.
Adeos, Montano, adeos ; que é noite escura,
Aqui cessava o canto
Dos músicos Pastores:
E se do teu influxo a esforço tanto
Imito estes Cantores,
Tu, generozo Infante,
Faze que as Tuas glorias sempre cante.
Verás, que ao nosso rio,
Verás, que ao campo nosso,
Sentado junto ao alamo sombrio,
Se tanto acazo posso,
Em suave harmonia,
O teu nome repito noite, e dia.
OBRAS POÉTICAS -01
FILENO
ECLOGA II
Na margem deleitoza
Do cristallino Tejo
Sentado um Pescador, a pobre rede
Em quanto tem nas praias estendida,
Ao longe uma harmonia,
Nunca ouvida já mais, ao longe escuta
Um canto tão sonoro,
Que nem Glauco suave, nem o cego
Amante da formoza Galatéa,
De Sicilia entoou na branca arèa.
Corino era, que vinha
Da aldêa já voltando; onde o pescado
A vender estivera: alli no povo
Uma noticia achou, a qual em trovas,
Por um Pastor discreto
Ordenadas ao som da acorde avena,
Trazia para o mar; quando aos ouvidos
Foi mais próximo o som. Eu, que attendia,
Estas doces cadências percebia.
Que alegria, que gosto
Ao mundo communica
0 nosso Maioral! O grato rosto
Do júbilo se explica
202 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
Um louva a providencia
Com que a tudo consulta ;
Outro applaude entre todos a excellencia,
Com que o seu gênio avulta;
Tornando venturozos
Deste campo os Pastores mais ditozos.
Já torna ao nosso mundo
Aquella idade de ouro:
O campo sem cultura já fecundo
Produz o trigo louro.
Tudo está melhorado
A montanha, a campina, o valle, o prado.
OBRAS POÉTICAS 203
A nós torna a innocencia
Do século primeiro:
Torna a Justiça, as Graças, a Clemência,
Que do tempo grosseiro
Desterrara a maldade.
Oh feliz estação'! Oh doce idade !
Assim cantava, quando
Ao chegar o seu barco
Junto á margem frondoza
Um pouco se calou : eis entre tanto
Dos versos, que lhe ouvia,
Applicando uma parte ao tosco alento
Da flauta piscatoria, desta sorte
A seu modo dispunha,
Das praias, onde estava,
Fileno, o Pescador, que o escutava :
SONETO
Assim como o Pastor, também o pobre,
O rude Pescador lá desde a praia,
Onde primeiro o Sol nas ondas raia,
Do seu voto a innocencia não encobre.
Se elle cantando alegre se descobre
Talvez á sombra da copada faia,
Igual o nosso canto aqui se ensaia
Ao susurro domar, que a penha cobre.
Pôde render ao Rei talvez Corino
Desde a rústica choça o brané"o leite,
0 mel dourado, o pomo peregrino;
Mas espero eu também, que elle me aceite
A rama de coral, que por tão fino
A coroa lhe esmalte, o scetro enfeite.
ALBANO
ECLOGA III
Louva-se a pacificação da guerra, mediante a direcçâo do
Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Sebastião Joze
de Carvalho e Mello, Conde de Oeyras, Primeiro Mi-
nistro, de Portugal, etc
Offerecida ao mesmo Senhcr
ILL. MO E EX. MO SNR.
Entrou em Roma o Pastor de Mantua : e dos benefícios
que lá recebera, tirou a conseqüência de que devia adoraj
por Deos ao seu Augusto. Continuou com o gênio dos mon-
tes a fazer estimavel a flauta; e não tardou a equivocar
entre os louvores de Augusto as glorias de Pollião. Trans-
portado aos agouros da felicidade promettida, levou o
pensamento á dureza dos carvalhos: delles disse: viria
tempo, em que das suas vèas nasceria a torrente do
mel suave.
Estes dous lugares do Poeta Latino são, Excellentissimo
Senhor, os que derão alento á minha Musa; para fazer
chegar á presença de V. Excellencia a Ecloga de Albano.
Eu não distingo, se canto de Augusto, se de Pollião:
sei, que é constante ao mundo, deveo Portugal na presente
guerra todos os princípios da sua inexplicável felicidade
á direcçâo prudentíssima de V. Excellencia.
Não é este o único argumento, que se nos tem dado do
zelo, da vigilância, da actividade, que a nosso beneficio
respira em todas as distinctas acções de V. Excellencia. 0
seu Ministério felicíssimo foi para nós uma nova idade de
ouro; que fez produzir a terra sem fadiga; tornou inno
centes os gênios, restituio ao mundo a Justiça. Estes sã-
OBRAS POÉTICAS 205
ALBANO
ECLOGA III
Salicio, Alcino, Melibeo
De Alcino, e de Salicio,
Áquelles dous cantores,
Que da voz, e da flauta no exercício,
Dão assumpto aos Pastores,
Benigno Apollo ordena,
Que eu repita, o que ouvi, na doce avena.
Tu, Muza, que ensaiada
A' sombra dos salgueiros,
Esta inculta região viste animada
Dos eccos lisongeiros,
Um novo empenho agora
Commigo entoe a lira mais sonora.
As iras de Amarillis,
De Licida os extremos
Basta já de cantar, basta de Filis;
Couzas dignas cantemos,
Dignas pela grandeza
De estampar-se dos cedros na dureza.
Para estender meu brado,
Igual á aquelle empenho,
Que eu concebo no assumpto levantado,
OBRAS POÉTICAS }QJ
A tarde já cahia;
E o Sol mais temperado
Seu rosto dentro da água recolhia,
Quando n'um verde prado
Salicio se avistava
Com Alcino, que acazo alli chegava.
Distante está do Tejo
O sitio peregrino;
E bem, que a Alcino alraz do seu dezejo
Conduzira o destino
A ver da Corte o estado,
Para o campo outra vez tinha voltado.
Largas horas havia,
Que estavão praticando
Em Laura, e Dinamene : na porfia
De conversa mudando
Salicio assim se avança :
E Alcino de escutallo se não cança.
Sal. Conta-nos, o que ouviste, o que notaste,
Alcino meu, naquella grande Corte
Para onde ha tanto tempo te apartaste.
Explica-nos, Pastor, o como a sorte
Assim se melhorou ; que jà se ausenta
Do nosso campo a guerra, a fome, a morte.
Deos sabe, quanto susto esta tormenta
Fez aqui entre nós, ao ver, que vinha
O inimigo com mão dura, e violenta.
Esses campos d'alcm, dizem, que tinha
Destruído, e arrazado ; sem que nada
Lhe contivesse fúria tão damninha.
Todos se forão pondo em retirada,
Salvando cada qual por modo estranho,
OBRAS POÉTICAS 209
LYSIA
ECLOGA IV
SONETO
Guarda, ó tronco, este fúnebre lelreiro,
Que em ti descreve Lisia: saiba a idade,
Que todo o coração, toda a vontade
Dei a Silvio em affecto verdadeiro.
Oh nunca se te atreva o horror grosseiro
De raio algum ! Mas com feliz vaidade
Ostenta sempre a fresca amenidade ;
E em todo o tempo, ó tronco, vive inteiro.
Crescer em tuas ramas veja um dia
De Silvio o nome : Silvio se remonte
Dos Cantores na doce melodia.
Assim dizia Lisia: eis que uma fonte,
Que no seio do tronco se escondia,
De repente saltou, banhando o monte.
228 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
A11UNCI0
ECLOGA V
Frondozo e Alcino.
SONETO
EULINO
ECLOGA VI
FIDO
ECLOGA VII
Ao successo acodia
Algano, que de longe o divizara :
Apressado corria;
Mas a cega ambição da Parca avara
De seu golpe violento
Já fazia despojo o doce alento.
0 Pescador Algano,
Que a cauza deste mal não ignorava,
Alli de tanto damno
Um funesto padrão em letras grava;
E nellas deixa impresso
0 triste cazo, o infeliz successo :
244 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
SONETO
Ninfas, que sobre a espuma prateada
Do Mondego suavíssimo cantando,
Brandas queixas ao Zefiro estais dando,
Com que fica a campina magoada;
POLIFEMO
ECLOGA VIII
LAURA
ECLOGA IX
Buscando o dezafogo
Ao mal vehemente, subo a um alto monte;
Do qual divizo logo
As bellas margens dessa clara fonte,
Que em pródiga corrente, em fértil vèa,
Anima os verdes campos de Amalthéa.
Já procura enganoza
Outro Pastor : e a seu favor convida
Um néscio amante, a quem talvez espera
Na gloria, que hoje goza, a ruina fera.
Para desvanecer-te,
0 enganado amante, bem discorro,
Que se chego a deverte
Inteira fé das penas, em que morro,
Verás dessa inimiga a vil mudança :
E inda eu de ser feliz tenho esperança!
Eu me vi levantado
Ao mais soberbo cume dessa dita;
E medi despenhado
A distancia, (ai de mim !) que era infinita;
Como podes julgar, que advirto louco
Na mesma gloria, que perdi ha pouco.
Essa mesma, que agora
Branda te acolhe, te recebe affavel,
Já me entregou uma hora
A bella mão, dizendo : nunca instável
Tu me verás, Pastor: a experiência
Mostrou bem desigual correspondência.
Mais feliz te contemplo,
Do que fui; porque tens a minha sorte ;
Onde seguro exemplo
Tema a tua ventura: o peito forte
Oh não a creia não; que eu quando a cria,
Mil vezes cada hora me mentia.
Quem emendar pudera
Osacrilego impulso da vontade,
Quando rompi a austera,
Segura condição da liberdade,
OBRAS POÉTICAS 251
ANGÉLICA
ECLOGA X
Frondelio, e Umbrano.
Fron. Valha-me o Ceo; e como estou pasmado
De ver quam brevemente
Um Pastor, que mostrava tanto avizo,
Que era aqui respeitado
Da nossa pastoril, sincera gente
Pelo mancebo de melhor juizo,
Em louco transformado, o campo todo
Admira, de tal modo,
Que já fogem de ouvir seu triste enredo
Alguns de compaixão, outros de medo !
Ah grande Umbrano ! E quem entenderia,
Que a desatino tanto
Uma alma conduzia Amor injusto !
Quem eu golpe creria
De tal vigor, de tal esforço, quanto
Neste Pastor se emprega a tanto custo !
A' margem desse lago macilento,
Pallido, e sem alento
Anda girando este infeliz amante,
Absorto sempre, e sempre delirante.
Que loucuras, a idéa fatigada
Não persuade a um triste
Na saudoza lembrança do perdido !
A alma, que estampada
Traz a imagem do bem, que mal resiste
Da infausta pena ao fúnebre ruido !
Deste Pastor tão bello bem sabemos,
Com que finos extremos
*• 15.
254 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
DALIZO
ECLOGA XI
AMARILLIS
ECLOGA XII
A fúnebre harmonia,
Dissonante lamento
Dos estragos de Amor, escuta um dia,
Adorada occazião de meu tormento ;
E em mísera figura
Verás do teu Pastor a desventura.
Dalizo sou, que canto
De Salicio a desdita ;
A ver, se deixo pela voz do pranto,
A minha magoa duramente escrita,
Tomando a sombra alheia;
Por não fazer a magoa inda mais feia.
Em um bosque sombrio,
Funesto sitio, escuro,
Levado do seu louco desvario
Salicio, a quem o duro,
Ingrato fado havia
Roubado em Amarillis a alegria ;
Apascentava o gado
De si tão esquecido,
Que todo pelas serras espalhado,
Qual ficava perdido,
268 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
Imagem da alegria,
No fúnebre apozento,
Dormirá entre os sustos do tormento t
Ora a fineza minha
De cobarde accuzando,
Ora a piedade, que em minha alma tinha,
De ingrata condemnando ;
Tudo opposto em meu damno,
Convertida a esperança em desengano !
Ah! Quando em tal discorro,
Frondelio meu, a vida
Me enfada, e me aborrece; expiro, e morro
Entre a confuza lida
De tão profunda pena,
Que injusto Amar em meu marlirio ordena.
Vê tu, quanto hei perdido,
E quanto em fim me resta !
De Amarillis o encanto appetecido,
A minha dôr funesta,
A gloria, a dita, o gosto,
A desventura, a magoa, e o desgosto.
Fron. Na verdade, Salicio, o teu successo
Notável compaixão me tem devido.
Sei, onde chega o bárbaro progresso
De uma dôr na lembrança do perdido :
Porém não devo desculpar o excesso
A tempo que parece o teu gemido
Algum remédio tem : vê, discorramos;
Podemo-lo applicar, se acazo o achamos.
Sal. Pertendes, que nos laços da esperança
Outra vez, caro Amigo, a vida ponha !
Queres, que entre as ruinas da mudança
Para novo tormento me disponha !
OBRAS POÉTICAS 277
SYLV10
EGLOGA XIII
Silvio e Algano.
ALCINO
ECLOGA XIV
Em região distante,
Aonde o Sol dourado
Mal os raios estende sobre os mon
Em um sitio funesto, e carregado,
Alcino que de Thisbe foi amante.
Dos olhos duas fontes
Derramava em seu liquido lamento
Dura, e precisa lei do seu tormento.
A rústica floresta
Apenas habitada
Era do rude gênio dos Pastores;
A quem a doce flauta desagrada,
A quem o baile, o jogo mais molesta.
Os suaves Amores
Não parão á escutar Ninfas mimosas,
De adorno inculto, sem louvor, formosas.
Turvo e feio um ribeiro
0 campo dividia
Por entre as penhas com medonho estrondo.
A vista se assustava, quando via
Baixar seu curso de um soberbo oiteiro,
Os troncos descompondo,
As profundas raízes arrancando,
Por onde a crespa enchente o vai levando.
OBRAS POÉTICAS 297
Se os olhos levantava
As altas serranias,
0 peito de uma nuvem de tristeza,
(Qual se vira da noite as sombras frias),
Ancioso em triste luto se occupava:
E sempre a chama acceza
Da memória propunha o bem perdido,
Para maior verdugo do sentido.
BELTZA E AMARILLIS
ECLOGA XV
Corebo e Palemo
PESCADORES
ECLOGA XVI
Alicuto e Marino.
LIZE
ECLOGA XVII
Laurenio e Lize.
FRANGELIZA
ECLOGA XVIII
Menalca e Licida.
VIDA DO CAMPO
EfiLOGA XIX
Oh doce soledade !
Oh pátria do descanço !
Da paz, e da concórdia
Grosseira habitação, tosco palácio !
Quantos a meus delírios
Tu dietas desenganos,
Oráculos fazendo
Das arvores, dos troncos, dos penhascos!
Não fere os meus ouvidos
O estrondo cançado,
Que levanta a lisonja,
Junto aos pórticos d'ouro em regio Paço.
A macilenta inveja
Não derrama o contagio
Nas innocentes almas,
Que são de seu furor mísero estrago.
Dos olhos se retira
0 objecto sempre ingrato
Dos que suspirão mudos,
Em vez do prêmio, as semrazões do damno.
Aqui tem a virtude
Erguido o seu thealro ;
E nas rústicas scenas
Aqui mostra a pobreza os apparatos.
As mal seguras canas,
Que move o vento brando.
Da pobre rede tecem
Ao mísero Pastor o abrigo caro.
320 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
LIRA
ECLOGA XX
Aqui deste salgueiro
Pendente ficarás, ó lira minha !
Tu qae foste primeiro,
Em quanto á Amor convinha,
Allivio de meus males,
Ferindo os montes, abalando os valles.
De todo já deixada,
Nem se quer nas imagens da memória
Vi virás retratada;
De tanta antiga gloria
Se consultada fores,
As delicias aponta nos horrores.
Será lingua eloqüente
A mesma face macilenta : o rosto
De meu mal inclemente
Pela voz do desgosto,
Com a muda harmonia
Poderá declarar minha agonia.
De Araehne o enredo escuro,
Em ti as debdis linhas estendendo,
Cubra teu centro impuro,
Que acorde respondendo
Do verso ás consonâncias,
Tantas vezes ouvio as minhas ancias.
322 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
ALCINO A F1LENO
EPÍSTOLA I
FILENO A ALGANO
EPÍSTOLA 11
De todos os Pastores
Foi mui sentida a tua ausência dura:
Que o bem de uma ventura
Se se perde, inda os mesmos moradores
Da choça, que os abriga,
Sabem sentir : oh quanto a dôr obriga !
Crede-me : eu suspirando
Mil vezes a ventura
De ver-vos, a um Pastor dessa montanha
Perguntava por vós ; e a doce cura
Do desejo buscando
Da noticia, que tinha em nada exlranha,
Da que notei, feliz realidade,
Maior motivo achava á saudade.
332 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
MELIZO A SALICIO
EPÍSTOLA IV
Oh ditoso salgueiro
Aquelle, Pastor bello, em que pendente
A cithara cadente
No silencio me vio por derradeiro,
Em quanto choro a vossa ausência dura !
Quanto maior ventura
É ver da solitária sombra fria
A perdida alegria,
0 gosto desmaiado, expor brilhante,
Mais risonho esta vez o seu semblante,
Bem como a tenebrosa
Noite, que a luz do Sol faz mais formosa !
Do musico instrumento
0 espirito té agora suffocado
Bebeo mais esforçado,
U que respira, harmonioso alento :
Deva-se tanto obséquio á saudade.
De Pan a Divindade,
Que unio primeiro a cera á débil cana,
Nunca tão soberana
A voz ergueo; nem lá no Idalio monte
Ao murmurar feliz do Xanto a fonte,
Respirou tão suave,
De Enone bella no tormento grave.
Só vós, Pastor querido,
As sombras desterrando da tristeza,
Podeis lograr a empreza
De suftbcar os eccos do gemido,
Com tão acorde, sonoroso excesso !
A tanto bem confesso,
Que do campo os prodígios celebrados
Serão mal comparados;
Inda quando a memória os eternize
Pelos troncos de faias ; bem que avize
OBRAS POÉTICAS 335
Um, e outro letreiro,
Qual o segundo foi, qual o primeiro.
Se pois é de Salicio
Tão poderosa a voz ; se a mão tão destra
No jogo, na palestra
Tem a gloria maior; se no exercício
Do canto o verde louro elle consegue ;
EURILLO A ALCIDO
EPÍSTOLA V
SYLVIO A ALGANO
EPÍSTOLA VI
Deixei-a desmaiada.
Triste, desconsolada,
Seu rizo convertido em vivo pranto :
E eu (triste de mim !) martírio tanto
Sopporto neste fúnebre retiro ;
Que a meus ais, a meu pranto, a meu suspiro
Enterneço os rochedos,
Movo as feras, os troncos, e os penedos.
Quem me dissera, Algano,
Que o fado deshumano,
Fingindo-se propicio,
Me encaminhava a tanto precipício !
E já que foi tão duro,
Que com rosto perjuro
Me pôde conceder um breve instante
De alegria, e de gosto ao peito amante,
Que causa teve o fado
Para me não levar traz meu cuidado,
Conspirando a fereza
De Corebo cruel contra a firmeza
346 CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
ADVERTÊNCIA i
CLÁUDIO MANOKL DA COSTA. — Sua vida e suas obras . . . . 1
BlBLIOGRAPHU 46
CHRONOLOGIA 48
DOCUMENTOS *i0
SONETOS
EP1CEDIOS
I. — A' morte do Senhor Conde de Bobadella 153
II. — A' morte de Salicio 16 . ;
'II- — A' morte de um Amigo 170
ROMANCE HERÓICO
Ao Senhor Jozé Gomes de Araújo 173
FABCLV
Do Ribeirão do Carmo IgO
ECLOGAS
111. — Albano 204
XIV. — Alcino 296
XII. — Amarillis 267
X. — Angélica 253
V. — Aruncio 228
XV. — Beliza, e Amarillis 301
XI. — Dalizo 257
VI. — Eulino 235
VII. — Fido 240
II. — Fileno 201
XVIII. — Franceliza 315
ÍNDICE 351
247
IX. — Laura
321
XX. — Lira
311
XV11. — Lize
223
IV. — Lysia
i88
I. — Os Maioraes do Tejo .
306
XVI. — Pescadores
245
VIII. — Polifemo
288
XIII. — Silvio
319
XIX. — Vida do campo.
EPÍSTOLAS
1. Você apenas deve utilizar esta obra para fins não comerciais.
Os livros, textos e imagens que publicamos na Brasiliana Digital são
todos de domínio público, no entanto, é proibido o uso comercial
das nossas imagens.