Historia Quantitativa e Serial - Nilton

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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

Departamento de História

Curso de licenciatura em História

Cadeira de Oficina de História

1ͦAno, Laboral 1º Semestre

TEMA: A história serial e história quantitativa no movimento dos Annales

Discentes:
Américo Novela
Helena Pumbane
Nilton Ussete
Telma Cuambe
Rosina Mabuiangue

Docente:
Emília Machaieie

Maputo, Junho de 2021


Índice
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 3

1.1. Objectivos......................................................................................................................... 3

1.1.1. Geral .......................................................................................................................... 3

1.1.2. Específicos ................................................................................................................ 3

1.2. Metodologia ..................................................................................................................... 4

1.2.1. Tipo de pesquisa ....................................................................................................... 4

2. A HISTÓRIA SERIAL E HISTÓRIA QUANTITATIVA ..................................................... 5

2.1. História Serial ................................................................................................................... 5

2.2. História Quantitativa ........................................................................................................ 6

3. Sobre as diferenças entre o serial e o quantitativo ................................................................... 7

3.1. Diferença entre a História serial e História quantitativa .................................................. 7

4. Riscos e dilemas da história quantitativa e da história serial .................................................. 8

5. A expansão de temáticas na história serial-quantitativa .......................................................... 9

5.1. Esgotamento do modelo serial-quantitativo ................................................................... 10

6. As mentalidades e o serialismo ............................................................................................. 11

7. CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 12

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 13


1. INTRODUÇÃO
A História Quantitativa e a História Serial – e a oportuna combinação destas duas modalidades,
que em um primeiro momento se apresentaram juntas na história da historiografia europeia –
constituem um capítulo parti cularmente importante na história do movimento dos Annales, e
na história da historiografia como um todo.

De certo modo, as realizações desta nova modalidade – a “história serial-quantitativa” – acabam


quebrando a habitual cronologia do movimento dos Annales, pois temos aqui uma contribuição
que é introduzida já nos primeiros Annales, intensifica-se na segunda geração (a de Braudel), e
segue um pouco adiante (nos terceiros annales), até começar a declinar sensivelmente, de todo
modo sem nunca desaparecer totalmente. Bem antes destes desdobramentos, contudo, a História
Quantitativa tivera já uma história progresso. Desde as últimas décadas do século XIX, a
modalidade vinha se desenvolvendo nas mãos dos economistas, principalmente através de um
campo temático específico que foi a História dos Preços

Portanto, este trabalho propende arrazoar sobre especificidades dos modelos historiográficos
quantitativo e serial, bem como sua interacção, durante as duas primeiras fases do movimento
dos Annales. A distinção entre o serial e o quantitativo, bem como uma reflexão sobre os perigos
e dilemas da história quantitativa e da história serial. Considerações sobre as interacções entre a
história serial e modalidades historiográficas como a História Económica e a História das
Mentalidades também serão contempladas

1.1.Objectivos
O seguinte trabalho foi elaborado considerando os seguintes objectivos:

1.1.1. Geral
 Compreender a história serial e história quantitativa no movimento dos Annales.

1.1.2. Específicos
 Explicar as ideias sobre a história serial e quantitativa;
 Aclarar sobre Riscos e dilemas da história quantitativa e da história serial;
 Apresentar as diferenças entre a história serial e quantitativa.
1.2. Metodologia
Tomando em consideração que a metodologia ilustra o caminho ou os passos pelos quais a
pesquisa se orienta para o alcance dos objectivos definidos, neste caso específico, iremos abordar
aspectos relativos aos procedimentos da pesquisa e seus instrumentos.

No dizer de Quivy e Campenhoudt, “Importa, acima de tudo, que o investigador seja capaz de
conhecer e de pôr em prática um dispositivo para a elucidação do real, isto é, no seu sentido
mais lato, um método de trabalho. Este nunca se apresentará como uma simples soma de
técnicas que se trataria de aplicar tal e qual se apresentam, mas sim como um percurso global
do espírito que exige ser reinventado para cada trabalho”.

A postura metodológica adoptada na realização deste trabalho, como forma de garantir a


confiabilidade das informações apresentadas, para estruturação desse trabalho é eles: científico
investigatório e Dedutivo.

1.2.1. Tipo de pesquisa


O presente trabalho baseou-se na pesquisa bibliográfica, que permitiu buscar informação dos
documentos públicos e reconhecidos na internet, também informações advindas de manuais
contendo a informação a respeito do tema.
2. A HISTÓRIA SERIAL E HISTÓRIA QUANTITATIVA

2.1. História Serial


A possibilidade de se estabelecer uma História Serial está relacionada a um novo conceito: o de
“série”. Trata-se de considerar os documentos ou as fontes históricas não mais em sua
perspectiva singular, como documento único, a ser analisado nos seus próprios limites, mas sim
como partes constituintes de uma grande cadeia de fontes de mesmo tipo.

A série é necessariamente formada por fontes homogéneas, comparáveis, capazes de serem


apreendidas no interior de uma continuidade (seja uma continuidade tem pluralizada ou
especializada), e que permitam uma „abordagem de conjunto‟ através de aportes metodológicos
como a quantificação, a análise tópica, a identificação de recorrências ou mudanças de padrão no
decorrer da série. O objectivo da análise de séries, neste sentido, é perceber tanto as
permanências como as oscilações e variações (por exemplo, em uma determinada sequência de
tempo).

Não é todo o tipo de documento que se presta à quantificação ou à serialização, mas podem ser
mencionadas entre as diversas fontes que se abrem a estas abordagens as listas de preços, os
documentos contáveis, os documentos do fisco, os balanços financeiros, a documentação de
compra e venda, os registos de alfândega, os arquivos notariais e paroquiais, os documentos do
censo, a documentação judicial, as fontes cartoriais como os testamentos, certidões de
nascimento e casamento, os registos de imóvel, o estabelecimento de firmas.

Também os objectos de cultura material poderiam se beneficiar de uma abordagem serial


(embora não quantitativa), e ainda outros tipos de fontes, como os anúncios de um periódico ou
os processos criminais. Um historiador pode serializar perfeitamente imagens (pinturas,
fotografias), letras de música censuradas por um regime repressivo, e assim por diante.

Quando surgiu, a História Serial chegou a ser vista por diversos autores como uma revolução nas
relações do historiador com as suas fontes, e alguns chegaram mesmo a pensar que este tipo de
historiografia substituiria de todo o antigo fazer histórico tradicional.

Ao invés das fontes habituais que costumavam ser tomadas para uma abordagem que, em outras
modalidades historiográficas, era habitualmente qualitativa, a chamada História Serial introduzia
na primeira metade do século XX uma perspectiva inteiramente nova: tratava-se de constituir
“séries” de fontes e de abordá-las de acordo com técnicas igualmente inéditas. Temos aqui um
novo campo histórico que é definido em relação à abordagem ou ao modo de fazer a História que
a perpassa, uma vez que a História Serial refere-se a um tipo de fontes e a um modo específico
de tratamento destas mesmas fontes.

Trata-se, neste caso, de abordar fontes com algum nível de homogeneidade, e que se abram para
a possibilidade de quantificar ou de serializar as informações ali perceptíveis no intuito de
identificar regularidades, variações, mudanças tendenciais e discrepâncias reveladoras. Em outro
sentido, a História Serial também lida com a serialização de eventos ou dados, e não só com a
serialização de fontes, propondo-se, neste caso, a avaliar eventos históricos de certo tipo em
séries ou unidades repetitivas por determinados períodos de tempo.

A interconexão entre História Serial e História Económica – que foi a combinação que alçou
Ernst Labrousse a uma posição de destaque no movimento dos Annales – podemos lembrar que
se enquadram neste último caso os estudos dos ciclos económicos, a partir, por exemplo, da
análise das curvas de preços, tais como as empreendidas por Ernst Labrousse nos anos 1930 e
1940.

A História Serial foi de fato um campo que se abriu como nova „oportunidade de saber‟ a partir
de uma estreita parceria com a História Económica, e que daí se estendeu à História Demográfica
e à História Social no sentido restrito, expandindo-se depois (nos terceiros Annales) para os
estudos relacionados à História das Mentalidades.

2.2. História Quantitativa


No interior da história da Escola dos Annales, a História Quantitativa terá o seu próprio ritmo e
as suas próprias balizas cronológicas – quebrando- -se a periodização através da qual se costuma
historiar este movimento em três gerações bem definidas – isto porque, depois de emergir sob o
contexto da crise econômica de 1929, e acompanhar as duas gerações iniciais de annalistas (a de
Bloch e a Braudel), a nova modalidade consolida-se entre os anos 1945 e 1975 (seu período
áureo), para depois, a partir dos anos 1980, perder a majestade que reteve durante tantos anos no
universo de metodologias praticadas pelos historiadores dos Annales e também de outras
correntes historiográficas.
Em compensação, uma “história serial” desligada do quantitativo começa desde os anos 1970 a
se apresentar como uma das abordagens possíveis para um novo campo histórico que estava
então surgindo, a História Quantitativa. No seio deste novo campo histórico ela terá uma vida
ainda bastante activa, mas aí já estaremos na época dos terceiros annales, que não constituirão
uma das preocupações mais específicas deste trabalho.

Para entender a História Serial-Quantitativa na história do movimento dos Annales devemos


forçosamente nos remeter a Ernst Labrousse (1895-1988) – um historiador-economista que traz
em seu acorde teórico a tríade fundamental do Materialismo Histórico, o que não o impediu de se
associar ativamente ao projecto de Marc Bloch e Lucien Febvre já na primeira geração dos
Annales . Sua importância, contudo, vai ainda se redobrar na fase dos segundos Annales, pois
nesta época, depois de Braudel, ele será o nome de maior influência, ocupando a segunda
posição na hierarquia dos Annales.

O marco inicial de sua produção como historiador económico que desenvolve a quantificação é a
obra Esboço do movimento dos preços na França do século XVIII (1933), e sua maior realização
A Crise da Economia ao fim do Antigo Regime e às vésperas da Revolução (1944). Nosso
objetivo aqui será menos o de historiar a produção historiográfica de Labrousse e de outros
historiadores econômicos dos Annales, do que esclarecer alguns aspectos que se relacionam às
histórias Serial e Quantitativa como novas modalidades historiográficas.

3. Sobre as diferenças entre o serial e o quantitativo

3.1. Diferença entre a História serial e História quantitativa


A diferença entre História Serial e História Quantitativa deve ficar clara, embora sejam muitos
comuns os casos em que as duas abordagens se superpõem para formar uma História Serial-
Quantitativa9 . A História Serial propriamente dita, conforme já foi discutido, refere-se ao uso de
determi nado tipo de fontes (homogêneas, do mesmo tipo, referentes a um período coerente
com o problema a ser examinado), que permitam uma forma espe cífica de tratamento
historiográfico (a serialização de dados, a identificação de elementos ou ocorrências comuns que
permitam a identificação de um padrão e, em contrapartida, uma atenção às diferenças, às vezes
graduais, para se medir variações).
Já com relação à História Quantitativa, esta deve ser definida através de outro critério, que é o
seu campo de observação. O que a História Quantitativa pretende observar da realidade está
atravessado pela noção de “número”, “quantidade”, valores a serem medidos. As técnicas
utilizadas pela abordagem quantitativa serão estatísticas, ou baseadas na síntese de dados através
de gráficos diversos e curvas de variação a serem observadas de acordo com eixos de abcissas e
coordenadas. Algumas análises quantitativas mais sofisticadas poderão mesmo utilizar
logaritmos, assim como recursos matemáticos avançados como integrais e derivadas. O
computador, ademais, oferece aqui a ajuda imprescindível. Com relação ao tipo de fontes,
conforme já foi remarcado, a História Quantitativa costuma constituir fundamentalmente “fontes
seriais”.

É aqui que encontramos o ponto nodal para entender a nuance diferencial entre História Serial e
História Quantitativa. A quantificação pressupõe a serialização, se não de fontes, ao menos de
dados. O inverso é que não ocorre necessariamente, uma vez que é trabalhar com séries de fontes
sem estar necessariamente interessado no número. O historiador, neste caso, pode estar
interessado em verificar recorrências, mas não necessariamente quantidades. Foi assim que
alguns historiadores ligados à História das Mentalidades, como Vovelle, posteriormente
utilizariam séries de fontes nos quais se buscava perceber as recorrências e variações, mas não
aspectos quantitativos. É possível, por exemplo, constituir uma série para verificar padrões
iconográficos. A quantidade de documentos em que se repete um determinado padrão, ou a sua
recorrência com variações mínimas, isto pode até ser contabilizado – mas como um recurso
paralelo, e não necessária mente. A chave para definir uma prática como História Serial é,
portanto, a busca de padrões recorrentes e variações ao longo de uma série de fontes ou materiais
homogéneos, mas não necessariamente a quantidade, tal como ocorre com a História
Quantitativa, ou pelo menos isto não é o principal. A “série” é o que conduz a análise do
historiador na modalidade da História Serial; o “número” ou a medida é o que concentra a
atenção do historiador no caso da História Quantitativa.

4. Riscos e dilemas da história quantitativa e da história serial


Desde que se lançaram ao empreendimento da história quantitativa e da história serial, os
historiadores tiveram de se por em guarda contra alguns dos vícios que podem ser decorrentes de
um mau uso, ou de um uso limitado, da História Quantitativa. Podemos lembrar inicialmente
que, ao empreender uma História Quantitativa, o historiador deve cuidar de não realizar uma
história meramente descritiva de informações numéricas, um vício que pode ocorrer na história
quantitativa aplicada à História Económica, mas também a outras modalidades, como a História
Demográfica.

Quando a História Quantitativa se resume à mera exposição de quantidades ou de informações


numéricas, fatalmente se transforma em uma história descritiva, não-problematizada, o que vem
a ser a contrapartida, para o caso da história narrativa, daquela modalidade historiográfica do
século XIX que ficou conhecida como História Factual. Assim como é passível de crítica o
historiador que simplesmente se dispõe a narrar os fatos, de maneira não -problematizada, como
se o importante fosse a mera descrição “dos fatos que aconteceram”, é igualmente passível de
críticas descrever simplesmente os dados econômicos de certa sociedade. Este tipo de vício pode
ser con siderado uma espécie de fetichização da quantificação. O número, a quantificação, a
descrição estatística parecem valer por si mesmos.

Rigorosamente falando, é até mesmo uma ilusão acreditar que seja sequer possível expor o
número como dado bruto, expressivo por si mesmo, pré-existente; isso porque, na verdade, o
número é uma construção do historiador, mesmo que ele não o saiba. É a partir de uma certa
concepção que ele o escolhe, define os limites no interior do qual o número aparecerá e terá
validade, ordena em uma série de outros, e os expressa através de uma estratégia discursiva.
Nenhuma destas operações, e tampouco outras que envolvem a construção do número, são
neutras.

5. A expansão de temáticas na história serial-quantitativa


Ainda que o serialismo e o quantitativismo tenham seguido adiante após as duas primeiras
gerações dos Annales, o período dos segundos Annales, sob a regência de Braudel e a vice-
regência de Labrousse, constituiu efectivamente o grande momento da história Serial-
Quantitativa. No âmbito da História Económica, a história serial-quantitativa beneficiou-se
mesmo de uma expansão temática interna: da „história dos preços‟, da qual partira nos primeiros
Annales, ela atinge outros patamares temáticos: as relações comerciais, a produção industrial e
agrícola, o movimento dos salários – nada do que era económico lhe eram estranhos.
Ao mesmo tempo, o modelo serial-quantitativo expandira-se desde os anos 1950 para fora da
modalidade da história económica, e já se formara uma vigorosa produção de História
Demográfica. Também a História Social, em sentido estrito, recebe como novas possibilidades as
abordagens serial ou serial-quantitativa, e estas já começam a ser aplicadas a problemas
históricos relacionados a ambientes temáticos específicos deste campo – as revoluções e revoltas,
o banditismo, a marginalidade, o desemprego e a mendicância, apenas para mencionar alguns.
Breve, nos primeiros anos da próxima geração dos Annales, uma história serial (mas não mais
obrigatoriamente quantitativa) alcançaria o patamar das Mentalidades, conforme depois veremos.

Domínios temáticos vários também a assimilariam, tal como a História das Religiões, ou, mais
propriamente ainda, a História das Práticas Religiosa, e ainda a História da Leitura, para a qual
François Furet contribuiu com uma pesquisa serial-quantitativa sobre “a alfabetização no Antigo
Regime” (FURET e SACHS, 1974).

5.1. Esgotamento do modelo serial-quantitativo


Por fim, o modelo serial-quantitativo começa a dar sinais de esgotamento na historiografia
europeia produzida no decorrer dos anos 1980, e ao cabo desta década já teremos contra ela um
edital dos Annales assinado por Bernard Lepetit, em nome de uma nova geração que muitos
chamarão de “quartos Annales” (LEPETIT, 1989, p.319) . Em outros países teria vida mais
longa, e a abordagem serial-quantitativa fará ainda sucesso durante toda a década de 1980, ou
mesmo durante a década de 1990, como foi o caso do Brasil. Depois, também declina, ou ao
menos perde a centralidade que antes tivera em certos domínios historiográficos. Desde então, a
História Quantitativa não deixa de ter conquistado um lugar perene e reconhecido no repertório
de alternativas metodológicas para a História, mas sem já conseguir sustentar as pretensões de
ser o grande modelo dominante.

Na França, embora isso não explique tudo, ocorreram mudanças nas práticas historiográficas
institucionais que podem ter contribuído, de algum modo, para desmotivar as pesquisas
quantitativas. Jacques Revel, historiador dos terceiros Annales que ainda fez pesquisa
quantitativa nos anos 1980, dá-nos depoimento sobre dois ambientes institucionais distintos: o
que perdurou na segunda geração dos Annales, co-extensivo até fins dos anos 1970, quando
ainda eram possíveis pesquisas coletivas e no qual havia até mesmo uma certa estrutura
centralizada e autoritária que impunha a discreta exploração de auxiliares de pesquisa, e o
ambiente dos anos 1980, quando isso já não parecia mais defensável.

6. As mentalidades e o serialismo
Ao abraçar a perspectiva teórica de que existem de fato mentalidades colectivas – isto é, longos
padrões sociais de pensar e de sentir que permanecem durante um período muito extenso e que
custam a se transformar ou desaparecer – o historiador que se dedica a esta linha de investigação
precisou ampliar a sua concepção documental, e também o seu repertório de possibilidades
metodológicas. Conforme assinala François Furet (1991, p.93), se o historiador das mentalidades
pretende alcançar níveis médios de comportamento, não pode mais se satisfazer com a literatura
tradicional do testemunho histórico – subjectiva, não representativa, ambígua. Assim, como
veremos, ocorreu um feliz casamento entre a História das Mentalidades (campo histórico que se
refere a uma „dimensão‟) e a História Serial (campo histórico que se refere a uma „abordagem‟).

A revalidação dos estudos de natureza qualitativa, ao lado da abordagem serial, não esteve,
contudo, alheia a outros historiadores das mentalidades – como é o caso de Michel Vovelle,
historiador marxista das mentalidades que defende o uso das duas abordagens como igualmente
válidas para captar a dimensão mental de uma sociedade (1987, p.31). Para resumir três ordens
de tratamentos metodológicos que, a partir dos anos 1970, os historiadores das mentalidades
passaram a empregar na sua ânsia de captar os modos colectivos de pensar e de sentir, podemos
registar (1) a abordagem serial, (2) a eleição de um recorte privilegiado que funcione como lugar
de projecção das atitudes colectivas (uma aldeia, uma prática cultural, uma vida), ou finalmente
(3) uma abordagem extensiva de fontes de naturezas diversas. Neste último caso enquadra-se O
Homem diante da Morte, de Philippe Ariès (1977).
7. CONCLUSÃO
A passagem da segunda para a terceira geração dos Annales, predomina a História Económica,
na sua combinação com a História Serial, como o grande advento que introduz uma nova era
historiográfica: “Historicamente, no seio da nossa muito velha disciplina, que justapõe tantos e
tantos domínios cada vez mais heterogêneos, é à História Económica que cabe o privilégio de
mudar a História, de dar progressivamente origem a uma forma de história, a que chamamos
serial, que sobrepõe suas próprias exigências, próximas das Ciências Sociais, às exigências
sempre válidas da História tradicional” (CHAUNU, 1976, p.69). Mais adiante, Chaunu, que está
escrevendo este texto em 1974 – no mesmo ano da publicação da primeira colectânea colectiva
da Nouvelle Histoire – chega a se referir à nova historiografia dos Annales como o advento da
própria história verdadeiramente científica: “A História ainda viva, a História, cujas experiências
continuam alimentando nosso trabalho de pesquisa, é posterior ao início dos anos 1929- 1933.
Tudo o que é anterior a esse período tem valor de documento” (CHAUNU, 1976, p.72).

Voltando às possibilidades seriais, podemos dizer que, ao atingir o âmbito dos estudos de
mentalidades, a História Serial completou o seu grande arco de expansões. Da Economia deste a
primeira fase dos Annales, até novas possibilidades como a História Demográfica na segunda
fase deste movimento, ela atingia a partir dos anos 1990 um novo patamar de possibilidades,
com a História das Mentalidades. Hoje, embora a história serial já não constitua mais o grande
paradigma dominante da historiografia francesa, podemos dizer que ela tornou-se parte
importante do repertório historiográfico do historiador contemporâneo. Conhecê-la é
fundamental para a formação dos historiadores de hoje, independente dos caminhos a serem
trilhados por estes historiadores.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ariès, P. O homem diante da Morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. 2 vol [original:
1977];

Baehrel, R. Une croissance: La Basse Provence depuis La fin Du XV siècle jusque à la veille de
la Révolution. Paris: SEVPEN, 196;

Braudel, F. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. São Paulo: Martins Fontes, 1984


[original: 1949, revisto em 1965].

Chaunu, P. e Chaunu, H. Seville et l‟Atlantique (1504-1650). Paris, 1960-1965;

Febvre, L. «Pour une histoire dirigée: les recherches collectives et l‟avenir de histoire» In:
Combats pour l‟Histoire. Paris: A. Colin, 1953. p.55-60 [original: 1936].

Febvre, L. Le problème de l‟incroyance au XVI siècle – La Religion de Rabelais. Paris: A.


Michel, 1968 [original: 1942];

FlorEntino, Manolo e Fragoso, João. “A História Econômica: Balanço e Perspectivas Recentes”.


In: Cardoso, Ciro Flamarion. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de
Janeiro: Campus, 1997.

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