A Serpente e o Arco
A Serpente e o Arco
A Serpente e o Arco
Pungente. A história não para e não nos ouve quando a gente quer pegar o seu trem
desembestado andando: segue e nos atropela. Agora sim, velho também entendo o que
há por trás do enfado dos velhos, o filme passando de novo, replay pós replay e as
pessoas nem aí.
A história que passou antes e que eu vivi em 1997 ( esta que historio logo abaixo) já
continha todos os dados do sofremos na quinta feira passada…tim tim, por timttim.
Não acho que as soluções esboçadas na experiencia que conto abaixo sejam ainda
pertinentes. Acho até que o ponto de ruptuta talvez já tenha sido ultrapassado. Não por
causa da realidade em si, mas por causa da alma das pessoas que, depois de tanto se
esgarçar, rompeu, tornou-se imoral e desiludida. Sei lá. par mim já deu.
Quem tiver ainda esperanças que leia e decida, sugerir a saída antes do atirador.volte
a atirar.
Murais Urbanos
Uma intervenção de arte-educação numa escola da rede pública
Você já viu um lobo uivando para a lua? Já imaginou, vendo um numa história em
quadrinhos, num livro infantil, num filme, já se perguntou de que dilemas poderia ser
feito aquele uivo doído, aquela manifestação de não-sei-bem-o-que que o lobo exprime
assim, de forma tão pungente, quase religiosa?
Pois sempre me ocorreram estranhas reflexões sobre isto (junto com o medo gélido que
a referida imagem me transmitia).
Seria algo sugerido pelas sombras no relevo, formando a silhueta de algum São-Jorge-
lobo, com os dentes à mostra, babando conspirações – lobos do mundo uni-vos! -
Alcatéias se mobilizando por meio de uivos sincronizados, uma rede inteira de uivos
anunciando o ataque para logo mais.
E a mensagem? Qual seria a mensagem? Por meio de que sentido, de que Pedra da
Roseta a decifraríamos enfim? O que aprenderíamos de crucial para a nossa vida ao
decifrar esta instigante mensagem? Qual seria o sentido educacional de seu mistério?
Convenhamos: Tudo que, realmente, precisa ser aprendido é vital, imperativo demais e
só se deixará apreender, se cristalizar em memórias perenes, se usarmos todas as nossas
inteligências juntas, como mosqueteiras sem dicotomia – uma por todas, todas por
uma! – todos os sentidos juntos enfim.
Vendo a imagem do lobo. É assim que aprendemos – lemos - o que os lobos são enfim.
CV de A a Z
Aprender para demolir a escola
A exibição no fim do ano de 1997, por uma grande rede de TV de pichações alusivas a
uma facção do crime ‘organizado’ (C.V.), grafadas nas salas da Escola Martin Lhuter
King, no bairro da Praça da Bandeira, Rio de Janeiro, de algum modo evocava este
inquietante significado do lobo-esfinge uivando para a lua.
Mais ainda: evocava a imagem de uma Serpente má, gerada pelos reflexos evidentes dos
seculares mecanismos de exclusão social perpetrados – quiçá premeditados – por nossos
programas de Educação pública, desde os tempos da escravidão.
Queriam o quê?
Queriam o quê?
Talvez fosse este o significado daquelas imagens na TV. Sensacionalistas, terroristas até
já que, de forma cifrada, o que propunham mesmo era a identificação (processo ao qual
a escola, realmente, se dedicou antes do projeto assumir o problema), a exclusão, quiçá
a prisão definitiva para aqueles vândalos, expondo com seu escorregadio significado, a
irresponsabilidade flagrante das autoridades, mais do que elas seriam capazes de
escamotear, com suas campanhas de propaganda salpicadas de imagens de Escolas
felizes.
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Pois foi este constrangimento providencial que ensejou a proposta feita por um grupo de
artistas plásticos à Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, para a realização no início de
1998, de uma original intervenção de arte educação na escola.
“…Durante o ato de criação dos murais, foi interessante observar que o processo de
descontrução da capacidade de expressão visual ou gráfica dos alunos, aparentemente
ocorre na mesma medida em que estes vão se tornando mais velhos. A educação
convencional parece perder terreno, rapidamente, para os apelos e conteúdos banais
da indústria cultural de massa, cuja maioria dos signos nos remete, por exemplo, para
palavras da língua inglesa, em detrimento do português.
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E foi assim que o Lobo (os alunos) e a Lua (a escola) se viram envolvidos numa paixão
desmedida e salvadora já que, surpreendentemente, obtendo ampla liberdade da
autoridade municipal, os artistas puderam interferir na rotina da escola, em todos os
aspectos, identificando, criando e mediando conflitos.
“…O sucesso desta mobilização dos alunos, trouxe-nos, portanto, outros problemas,
que começaram a ser detectados. Uma tendência para a evasão das aulas
convencionais, uma exagerada disponibilidade de alguns alunos para permanecer na
‘sala dos murais…”
Neste quadro a equipe optou por reconhecer e ‘aliciar’ para as oficinas os diversos
‘pichadores’ da escola municipal, esboçando junto com estes, algumas abordagens
isoladas, num jogo sutil de contra-mensagens dirigidas aos marginalizados alunos da
noite…”
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A intervenção propunha enfim a expressão de todas as imagens porventura contidas na
alma de cada indivíduo da escola, sem nenhuma espécie de censura moral ou mesmo
estética. O seu amor, ódio ou mesmo o seu desprezo por aquele neurótico (lunático?)
organismo em que as circunstâncias sociais transformaram sua escola, devia ser
exprimido num segmento qualquer do corpo daquela cobra mágica. Era esta a única
condição exigida. A pedagogia estaria contida no próprio processo.
“…A relativa perda da capacidade de se exprimir com cores e formas, observada nos
alunos adolescentes, a forte tendência à banalização de sua própria comunicação
interpessoal, restrita, exclusivamente, ao uso de signos alfabéticos ininteligíveis para
‘estranhos’ (nomes, números de turmas, marcas do Comando vermelho, suásticas,
diabo da Tazmânia, etc.), foram sendo, desta forma, lentamente trabalhadas, para que,
do ponto de vista da comunicação, algumas mensagens pudessem ser elaboradas pela
escola como um todo.
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E foi assim que a boa Serpente - metáfora talvez da Educação, tal como deveria ser
exercida – se transformou num arco-íris de novas possibilidades e mensagens – ou
culturas – a serem decifradas pelos futuros habitantes de uma escola que, talvez disposta
a nunca mais voltar a ser aquela outrora hipócrita prisão de anseios, compreendeu que,
definitivamente, o Meio pode mesmo ser a Mensagem.
Spírito Santo
Junho 2008
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Notas:
(As citações em itálico foram extraídos do livro ‘Da Serpente ao Arco Íris” publicado
pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1998, cujo texto é do mesmo autor. O título é
inspirado diretamente em um livro do etnobotânico Wade Davis que estudou o vudu
haitiano, religião africana oriunda do antigo Dahomey (hoje Benin), na qual a serpente
‘Dan’ (‘Dambalah Wedo’) representa a entidade principal. A exemplo do que acontece
também em Cuba, um Vodu algo aclimatado, ocorre também no Maranhão, Brasil, sob
o nome de ‘Tambor de Mina‘.