Unidade 5 - Hipersensibilidade, Tolerância e Autoimunidade

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DESCRIÇÃO

Desordens imunológicas como desdobramentos de diferentes tipos de hipersensibilidades e no


envolvimento das doenças autoimunes.

PROPÓSITO
Compreender os conceitos que envolvem os mecanismos moleculares dos diferentes tipos de
hipersensibilidades e as falhas no processo de tolerância imunológica que levam a diferentes
doenças é fundamental para possibilitar o
manejo das doenças envolvidas e para o
desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitem o diagnóstico e tratamento adequados
aos pacientes.

OBJETIVOS
MÓDULO 1

Identificar os mecanismos envolvidos nas reações de hipersensibilidade

MÓDULO 2

Reconhecer o papel dos mecanismos imunológicos de tolerância, seu envolvimento no


desenvolvimento de doenças autoimunes e os elementos relacionados à imunologia das
doenças autoimunes órgão específicas e inespecíficas

Fonte: PopTika/Shutterstock.com

INTRODUÇÃO
O sistema imune apresenta uma série de componentes, entre células e moléculas secretadas,
que apresentam como principal função, a identificação do “próprio e não-próprio” e a posterior
eliminação de agentes estranhos ao organismo.
Apesar de ser extremamente importante para
a defesa do hospedeiro ao ataque de patógenos e para o controle de doenças, nossa resposta
imunológica pode, sob algumas circunstâncias, ser responsável pela destruição e dano
aos
nossos próprios tecidos.

Como isso acontece?


Em certas ocasiões, o sistema imune pode responder inadequadamente. Algumas dessas
respostas são chamadas de hipersensibilidades.
Além disso, os mecanismos celulares e
moleculares dessas reações são semelhantes àqueles envolvidos nas respostas aos
patógenos, mas podem envolver também respostas de imunidade a antígenos próprios. O
reconhecimento de antígenos próprios ocorre quando acontece uma quebra do que chamamos
de autotolerância, processo importante
para a não estimulação do sistema imune a
substâncias próprias. Uma vez iniciadas essas respostas, elas vão causar o desenvolvimento
de doenças autoimunes.

HIPERSENSIBILIDADES

Resposta exagerada ou inadequada da imunidade que vai levar à inflamação e/ou a dano
tecidual.

Fonte: Aldona Griskeviciene/Shutterstock.com


 Processo inflamatório após a entrada de um prego na pele.
ANTÍGENOS PRÓPRIOS

Antígenos próprios (Ag) são moléculas pertencentes ao organismo, como proteínas


teciduais e hormônios, que passam a induzir uma resposta imunológica. Os mecanismos
de hipersensibilidades estão envolvidos em
várias doenças autoimunes. Na diabetes
mellitus, por exemplo, as células β pancreáticas são destruídas por células do próprio
sistema imunológico.

MÓDULO 1

 Identificar os mecanismos envolvidos nas reações de hipersensibilidade

REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE

Fonte: VectorMine/Shutterstock.com
A imunidade adaptativa desempenha uma importante função de defesa do organismo contra
patógenos, mas, eventualmente, alguns distúrbios envolvendo essas respostas podem ocorrer
(reações de hipersensibilidade).
De maneira normal, as reações imunes eliminam os
patógenos sem causar danos ou lesões ao tecido do hospedeiro. No entanto, em algumas
situações, uma resposta exacerbada (hipersensibilidade) do nosso organismo pode acontecer
de maneira inadequada a agentes ambientais inofensivos ou ainda aos próprios tecidos do
indivíduo, levando a patologias como alergias e doenças autoimunes.

Essas respostas vão envolver componentes que atuam nas respostas inatas e adaptativas,
mas, principalmente, fagócitos, linfócitos e anticorpos, além de outras células e moléculas
inflamatórias. O controle após o início da resposta é extremamente complicado, causando,
geralmente, a cronicidade dessas doenças.

Fonte: Shutterstock.com

Fagócito (neutrófilo) rodeado de hemácias


Fonte: Shutterstock.com

Linfócito T

Fonte: Shutterstock.com

Anticorpos

As reações de hipersensibilidade são classificadas de acordo com os componentes do sistema


imune envolvidos e o tipo de mecanismo indutor de lesão em respostas de hipersensibilidade
do tipo I (imediata), hipersensibilidade
do tipo II (citotóxica), hipersensibilidade do tipo III
(mediada por complexos imunes) e hipersensibilidade do tipo IV (tardia). Antes de nos
dedicarmos ao estudo mais aprofundado de cada uma, vamos apresentar esses quatro
tipos
brevemente:

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO I (IMEDIATA)


É a resposta dependente da produção do isótipo de anticorpo IgE produzido especificamente
para antígenos proteicos do meio ambiente e que deveriam ser inócuos (moléculas que não
desencadeariam uma resposta imunológica),
como alimentos, substâncias de plantas e
produtos animais. A ligação desses anticorpos aos antígenos e às células, como os mastócitos
e basófilos, vai induzir a ativação de degranulação dessas células com a
liberação de
moléculas indutoras de inflamação chamadas de mediadores inflamatórios. Essas respostas
são rápidas e ocorrem dentro de minutos após o reencontro com o antígeno. Os mediadores
envolvidos irão induzir
alterações nos vasos e tecidos adjacentes à inflamação como edema,
eritema e coceira.

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO II (CITOTÓXICA)


É a reação também dependente de anticorpo, mas desta vez, dos isótipos IgM/IgG que se
ligam a antígenos presentes na superfície das células ou matriz extracelular, ativando
mecanismos efetores como sistema complemento
e fagócitos, que vão induzir inflamação e/ou
alterações nas funções celulares.

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO III (MEDIADA POR


IMUNOCOMPLEXOS)
Ocorre quando os anticorpos IgM ou IgG se ligam aos antígenos, formando complexos
imunológicos solúveis que podem se depositar nos vasos sanguíneos de vários tecidos e
induzir resposta inflamatória, trombose e lesão
tecidual.

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO IV (TARDIA)


Apresenta lesão tecidual que não é mais induzida por mecanismos dependentes da produção
de anticorpo, mas por linfócitos T (T auxiliares e T citotóxicos), que, uma vez ativados pelo
antígeno, vão produzir citocinas
que levam à inflamação e/ ou à destruição das células-alvo.

Agora que fomos apresentados aos tipos diferentes de reações de hipersensibilidades, vamos
entender mais a fundo cada uma delas.
MECANISMOS ENVOLVIDOS NA
HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO I
(IMEDIATA)

Fonte: VectorMine/Shutterstock.com

Compõem o grupo de doenças humanas que normalmente são causadas por antígenos não
microbianos, moléculas inertes derivadas do ambiente e que não induzem aparente dano ao
organismo do indivíduo. Essas respostas dependem de fatores
genéticos e ambientais para
acontecerem e, em Medicina Clínica, são chamadas de alergias. As alergias são o distúrbio de
imunidade mais comum, afetando aproximadamente 30% da população brasileira. As doenças
alérgicas que
causam maior mortalidade e morbidade são a asma, a rinite alérgica e a
anafilaxia.

MORTALIDADE

Taxa que mede o número de óbitos a cada mil habitantes.


MORBIDADE

Taxa de portadores de determinada doença em relação à população total estudada em


determinado local e momento.

Os antígenos que induzem respostas alérgicas são chamados de alérgenos e apresentam


algumas características em comum, como baixo peso molecular e boa solubilidade nos fluidos
corporais. Dentre os alérgenos mais comuns, estão
as proteínas do pólen, os ácaros
presentes na poeira, pelos de animais, alimentos e fármacos. Nem todas as pessoas vão
apresentar alergias. Um dos principais fatores relacionadas às alergias é a herança de genes
associados aos mecanismos indutores das respostas alérgicas, como genes das moléculas de
histocompatibilidade principal (MHC)
e os genes de receptores de citocinas.

Fonte: insemar.vector.art/Shutterstock.com
 Principais alimentos alergênicos.
ÁCAROS

Fonte: Crevis/Shutterstock.com

Como descrito anteriormente, além dos fatores genéticos, as respostas aos alérgenos também
são influenciadas pelo ambiente que exercerá impacto significativo sobre o desenvolvimento de
alergia e se somará aos aspectos genéticos.

Dados epidemiológicos indicam que a prevalência de doenças alérgicas é maior em países


industrializados, com menor frequência de infecções em comparação aos locais rurais e com
maior exposição a microrganismos ambientais. Baseado
nesses estudos, foi proposta a
hipótese da higiene, que afirma que a atenção exagerada com a limpeza em sociedades
desenvolvidas (uso de antibióticos, desinfetantes e exposição reduzida a patógenos) vem
favorecendo respostas imunológicas que medeiam as alergias. A sequência de eventos que
participam do desenvolvimento da hipersensibilidade do tipo I pode ser dividida em fases: fase
de sensibilização, fase de ativação e fase efetora.

Fonte: Miguelferig/Wikimedia commons/licença (CC0 1.0).


 Fases da reação de hipersensibilidade do tipo I.

A seguir vamos conhecer essas fases:

FASE DE SENSIBILIZAÇÃO
A imunoglobulina responsável pelas reações alérgicas é a IgE. Os indivíduos atópicos
(alérgicos) tendem a produzir altos níveis do anticorpo IgE. No entanto, os indivíduos normais
vão produzir outros
tipos de anticorpos, como IgM e IgG, e, quando em contato com os
antígenos ambientais, a concentração de IgE sérica é a mais baixa de todas as
imunoglobulinas nesses indivíduos.

Fonte: Designua/Shutterstock.com
 Classificação dos anticorpos.

A sensibilização ocorre quando o indivíduo entra em contato com o alérgeno pela primeira
vez. Esse contato pode se dar de inúmeras maneiras: contato com a pele, ingestão, injeção e
inalação. A entrada
do alérgeno mobiliza o sistema imune. Assim células do dendríticas
capturam esse alérgeno, indo em direção aos órgãos linfoides, onde ocorrerá a apresentação
do antígeno aos linfócitos T auxiliares (T CD4+),
induzindo respostas do tipo Th2 com
produção de IgE. Os eventos que direcionam as respostas dos linfócitos para Th2 em resposta
ao encontro de antígenos ambientais ainda não é totalmente elucidada. As células
Th2 vão
promover a troca de classe de anticorpo pelos linfócitos B de IgM para IgE a partir da produção
das citocinas interleucina-4 (IL-4) e interleucina-13 (IL-13). Essas citocinas atuam de
maneira
combinada com células como mastócitos, eosinófilos e basófilos, promovendo respostas
inflamatórias a alérgenos junto aos tecidos.

Os mastócitos são as mais importantes células efetoras responsáveis pelas reações alérgicas.
Geralmente, são encontradas ao redor dos vasos sanguíneos no tecido conjuntivo, no
revestimento do intestino
e nos pulmões. Após várias exposições ao antígeno, por meio de
repetidos contatos com a mucosa, por exemplo, ocorrerá grande produção de IgE. Esse
anticorpo rapidamente se ligará aos mastócitos
e basófilos à medida que circula próximo a
essas células, pois mastócitos e basófilos expressam um receptor FC de alta afinidade para a
cadeia pesada da imunoglobulina IgE, chamado FCƐRI (receptor).
Uma vez ligadas, as
moléculas de IgE permanecem ligadas aos receptores por semanas. A completa ocupação dos
receptores FCƐRI pelas moléculas de IgE na membrana dos mastócitos caracteriza a fase de
sensibilização.

Fonte: Sakurra/Shutterstock.com
 Mastócito.

Fonte: gritsalak karalak/Shutterstock.com


 Receptor da célula imune que se liga à região FC da estrutura da molécula de
imunoglobulina.

FASE DE ATIVAÇÃO
A fase de ativação das respostas de hipersensibilidade do tipo I inicia quando o mastócito é
estimulado a liberar seus grânulos e seus mediadores inflamatórios. Esse evento é
desencadeado pela ligação cruzada de
antígenos multivalentes (alérgenos) a, pelo menos,
duas moléculas de IgE/receptor FCERI. Após essa ligação, os mastócitos são ativados e tem
início uma série de eventos rápidos e complexos que culminam na degranulação
dessa célula
com secreção dos conteúdos pré-formados dos grânulos (histamina), síntese e secreção de
mediadores lipídicos (leucotrienos e prostaglandinas), e síntese e secreção de citocinas (IL-4,
IL-5, IL-13,
entre outras). Os eventos fisiológicos que se seguem após a ativação e
degranulação de mastócitos vão depender da dose do antígeno e da via de inoculação.

Fonte: Soleil Nordic/Shutterstock.com


 Ativação dos mastócitos com liberação de seus grânulos.

FASE EFETORA
Nesta fase, os sintomas das reações alérgicas irão aparecer como resultado da liberação dos
mediadores inflamatórios pela degranulação dos mastócitos ativados. Os mediadores podem
ser divididos em dois tipos: mediadores pré-formados (aqueles que se encontram prontos
dentro do grânulo como a histamina); e mediadores neoformados (que ainda vão ser
sintetizados após a ativação dos mastócitos e incluem os mediadores lipídicos
e as citocinas).

A fase efetora pode ser dividida em imediata e tardia de acordo com o tempo de liberação e
efeitos dos mediadores liberados.

FASE EFETORA IMEDIATA


A fase efetora imediata ocorre minutos após o desafio antigênico (nome dado ao
reconhecimento com o antígeno após a fase de sensibilização) em indivíduo previamente
sensibilizado.
Nessa fase, temos a liberação da histamina e os mediadores lipídicos, que
induzem extravasamento vascular, broncoconstrição e hipermotilidade intestinal.

FASE EFETORA TARDIA

A fase efetora tardia ocorre de 2 a 24 horas depois do desafio alergênico. Nesta fase, irá
ocorrer a liberação novamente de mediadores lipídicos, como leucotrienos e
prostaglandinas e de citocinas
como Fator de necrose tumoral (TNF). A reação imediata é
caracterizada por vasodilatação, congestão e edema. A reação de fase tardia é
caracterizada por um infiltrado rico em eosinófilos, neutrófilos
e células T.

A fase efetora tardia pode ocorrer sem nenhuma resposta de hipersensibilidade imediata
anteriormente identificada.

A figura a seguir resume as sequências das reações de hipersensibilidade do tipo I.

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.


 Sequências de eventos na hipersensibilidade do tipo I.

 EXEMPLO

A asma brônquica é uma doença em que podem ocorrer eventos repetidos de inflamação com
acúmulos de eosinófilos e células Th2, característicos da reação de fase tardia da hiper 1 e que
vão levar a uma hiper-reatividade
das vias aéreas característica dessa doença.

Além das manifestações já citadas, há ainda uma forma sistêmica de hipersensibilidade do tipo
I, chamada anafilaxia. Ela se caracteriza por uma reação de hipersensibilidade do tipo
imediata sistêmica que induz edema em diferentes tecidos, levando ao edema de laringe e a
uma diminuição da pressão arterial secundária à vasodilatação e ao extravasamento vascular,
causando o choque anafilático, que frequentemente é fatal.

Fonte: Designua/Shutterstock.com
 Sinais da anafilaxia.

Este evento normalmente é resultado da ingestão e posterior presença do alérgeno na


circulação sanguínea, ocorrendo mais frequentemente com fármacos, alimentos (peixe,
mariscos, amendoim, ovos), além de moléculas presentes
em animais como veneno de abelha.

O diagnóstico adequado das hipersensibilidades do tipo I conta sempre com a avaliação clínica
e o apoio de técnicas como os testes cutâneos, que verificam visualmente as reações de
hipersensibilidade após a inoculação dos principais
alérgenos no antebraço, e testes
imunológicos e moleculares para a detecção de IgE total e específica no soro dos pacientes.

Fonte: Shutterstock.com
 Diagnóstico das alergias pela detecção cutânea (esquerda) ou pela detecção da presença
de anticorpos no soro do paciente (direita).

MECANISMOS ENVOLVIDOS NA
HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO II
(CITOTÓXICA)

Fonte: Yurchanka Siarhei/Shutterstock.com

A hipersensibilidade do tipo II está envolvida em doenças resultantes da ligação dos anticorpos


IgM e/ou IgG, eventualmente IgA, a células e antígenos teciduais. Nessa resposta, o anticorpo
direcionado contra a superfície celular
ou antígenos teciduais interage com os receptores Fc
(FcR) em uma variedade de células efetoras da resposta imune.
Três diferentes mecanismos de lesão e destruição da célula-alvo mediados por anticorpos
estão envolvidos nessas reações de hipersensibilidade:

REAÇÕES MEDIADAS POR PROTEÍNAS DO SISTEMA


COMPLEMENTO

CITOTOXICIDADE MEDIADA POR ANTICORPO

DISFUNÇÃO CELULAR MEDIADA POR ANTICORPO

Em grande parte das vezes, essas reações serão resultado de eventos de autoimunidade do
indivíduo, com a ligação de anticorpos a antígenos próprios normais ou modificados (como
moléculas que surgem após a ligação de fármacos
a substâncias próprias).

Os anticorpos contra esses antígenos, ao se ligarem, produzirão doença a partir da ativação de


opsonização e de fagocitose.
O reconhecimento do antígeno na célula-alvo promoverá a
opsonização dessa célula. As células opsonizadas são fagocitadas e destruídas pelos
fagócitos.

OPSONIZAÇÃO

Mecanismo de facilitação da fagocitose, que ocorre em decorrência da ligação de uma


opsonina (anticorpo ou proteína do complemento C3b) a um receptor na superfície do
fagócito.

Esse é o principal mecanismo de dano celular na anemia hemolítica autoimune e na


trombocitopenia autoimune, nas quais anticorpos específicos para hemácias e plaquetas
levarão à remoção dessas células da circulação pela ativação
da fagocitose. As reações
transfusionais, aquelas onde o indivíduo recebe sangue não compatível, também causam
hemólise pelo mesmo mecanismo descrito anteriormente. Ao se planejar uma transfusão
sanguínea, é importante
assegurar que os tipos sanguíneos do doador e receptor sejam
compatíveis, caso contrário reações transfusionais ocorrerão. A utilização de testes
diagnósticos corretos e bem executados nos bancos de sangue é de suma importância
para a
minimização dos riscos de reações transfusionais.

Fonte: Shidlovski/Shutterstock.com

Fonte: Jenjira pimtep/Shutterstock.com


Nas reações de hipersensibilidade do tipo II (citotóxicas), os anticorpos também podem reagir
com os antígenos próprios da membrana celular, levando à ativação da cascata do sistema
complemento, que causará
à liberação de várias proteínas inflamatórias que recrutam
neutrófilos e macrófagos e culminará na lise da célula e lesão tecidual. Um exemplo de doença
é a glomerulonefrite mediada por anticorpos.

Além dos danos gerados ao tecido, que já foram citados, algumas vezes essas respostas de
hipersensibilidade II, após o reconhecimento de anticorpos a antígenos celulares, podem
interferir nas funções da célula e gerar danos
a receptores ou proteínas celulares sem causar
destruição ou inflamação.

Veja a seguir como funcionam os mecanismos dos efetores da hipersensibilidade do tipo II:

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Opsonização e fagocitose.

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Inflamação mediada pelo receptor do complemento e de Fc.


Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Respostas fisiológicas anormais sem lesão celular/tecidual.

Inúmeras condições autoimunes acontecem quando anticorpos específicos para antígenos


teciduais causam danos imunopatológico pela ativação de mecanismos de hipersensibilidade
tipo II. Os antígenos são, na maioria das vezes,
extracelulares, e podem ser expressos em
proteínas estruturais ou na superfície das células. As doenças resultantes incluem a síndrome
de Goodpasture, pênfigo, doença de Graves e miastenia grave.

DOENÇA DE GRAVES

Autoanticorpos específicos para o receptor do hormônio estimulador da tireoide (TSH) na


glândula tireoide estimulam a atividade celular mesmo na ausência do TSH, causando
liberação exagerada dos hormônios da tireoide, o que
origina o hipertireoidismo.

Fonte: Designua/Shutterstock.com

MIASTENIA GRAVE

Autoanticorpos específicos para o receptor da acetilcolina em células musculares


bloqueiam a ação da acetilcolina, levando à paralisia muscular e até à morte devido ao
bloqueio dos músculos respiratórios.

A maioria das situações descritas anteriormente envolve a produção de autoanticorpos em


resposta a uma reação autoimune. No entanto, menos frequentemente, esses anticorpos
podem ser produzidos contra um antígeno estranho (microrganismo),
reagindo de forma
cruzada com componentes antigênicos do próprio tecido. Podemos citar, como exemplo, o
caso da febre reumática, em que anticorpos produzidos contra bactérias da espécie
Streptococcus pyogens reagem
de forma cruzada com antígenos do coração, depositando-se
neste órgão e causando inflamação e danos ao tecido.
MECANISMOS ENVOLVIDOS NA
HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO III
(COMPLEXOS IMUNES)
Como já aprendemos, a hipersensibilidade do tipo III envolve dano tecidual associado a
depósito de complexos imunológicos em vasos e tecidos. Complexos imunes são formados
quando o anticorpo encontra o antígeno e, em condições
normais, eles são removidos
eficazmente pelo fígado e baço, via processos envolvendo complemento, fagócitos
mononucleares e eritrócitos. O problema começa a acontecer em situações em que são
encontradas altas concentrações
desses imunocomplexos e os mecanismos fisiológicos não
são mais eficientes para a eliminação dos complexos antígeno-anticorpo. Assim, estes
passam a depositar-se nos tecidos e a desencadear inúmeras condições
patológicas.

Fonte: Soleil Nordic/Shutterstock.com


 Formação de complexos imunes, antígeno + anticorpo.

A quantidade de imunocomplexos depositados nos tecidos é determinada pela natureza dos


complexos e pelas características dos vasos sanguíneos. Em geral, grandes complexos
imunes opsonizados são removidos pelo sistema fagocitário
mononuclear, principalmente no
fígado e baço, em poucos minutos, enquanto complexos menores circulam por longos
períodos. Além disso, a deposição de complexos imunes é mais provável onde há pressão
sanguínea elevada e turbulência,
como curvas ou bifurcações de artérias. Muitas
macromoléculas se depositam nos capilares glomerulares, nos quais a pressão sanguínea é,
aproximadamente, quatro vezes maior do que a maioria dos outros capilares, causando
danos
ao funcionamento renal.

Fonte: urfin/Shutterstock.com

Veja a seguir como funcionam os mecanismos dos efetores da hipersensibilidade do tipo III:

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Lesão causada por anticorpo antitecido.


Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Lesão tecidual por imunocomplexo; imunocomplexos circulantes.

Complexos imunes que se depositaram nas paredes dos vasos sanguíneos são capazes
de desencadear uma grande variedade de processos inflamatórios. Vamos conhecê-los?

Nos tecidos que ativam leucócitos, como monócitos, e mastócitos que secretam citocinas e
mediadores ativadores do endotélio, como as aminas vasoativas (histamina e serotonina),
macrófagos são estimulados a liberar citocinas,
particularmente fator de necrose tumoral-α
(TNF-α) e interleucina-1 (IL-1), as quais desempenham importantes papéis na inflamação.
Esses mesmos mediadores induzem um aumento da permeabilidade vascular e do fluxo
sanguíneo,
o que pode gerar um aumento da deposição dos complexos imunes. A partir
desses eventos, ocorre a inflamação no interior das paredes dos vasos sanguíneos, com
ativação da cascata do sistema complemento e dano ao tecido afetado.

Fonte: Kateryna Kon/Shutterstock.com

Em várias doenças, a ativação do sistema complemento é desencadeada inadequadamente e


conduz a um ciclo vicioso, causando danos teciduais subsequentes: aumento da inflamação e
perpetuação da doença. Este cenário é particularmente
evidente nas doenças autoimunes, em
que os complexos imunes se depositam em tecidos e ativam o complemento, causando danos
e destruição de células hospedeiras.

Diversas doenças dos seres humanos são mediadas por respostas de hipersensibilidade do
tipo III como lúpus eritematoso sistêmico, poliarterite nodosa, glomerulonefrite pós
estreptococócica, doença do soro, entre outras.

Fonte: Sansanorth/Shutterstock.com
 Síntomas do lúpus eritematoso sistêmico.

 ATENÇÃO

As reações de hipersensibilidade tipo II e tipo III são semelhantes quanto aos mecanismos
inflamatórios e uma não exclui a outra. Ambos os tipos de reações podem ser vistos nas
desordens reumáticas autoimunes, tais
como o lúpus eritematoso sistêmico, em que podem
ocorrer a anemia hemolítica autoimune e a púrpura trombocitopênica imune.

MECANISMOS ENVOLVIDOS NA
HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO IV
(MEDIADA POR CÉLULAS OU TARDIA)

Fonte: Design_Cells/Shutterstock.com

Em oposição às reações de hipersensibilidade mediada por anticorpo, discutidas nos tópicos


anteriores, a hipersensibilidade do tipo IV é mediada por células.

Devido à demora nas respostas imunológicas quando comparada às reações de


hipersensibilidade mediadas por anticorpo, a hipersensibilidade do tipo IV é frequentemente
denominada hipersensibilidade do tipo tardia (DTH). Em comum, assim como as demais, as
reações de DTH podem danificar células e tecidos do hospedeiro. Este tipo de
hipersensibilidade consiste
em uma resposta inflamatória induzida por linfócitos T, na qual a
estimulação de linfócitos T efetores antígeno-específicos leva à lesão tecidual causada pela
liberação inadequada de grandes quantidades
de citocinas e quimiocinas pelas células T e pela
ativação de macrófago e inflamação com edema nos tecidos acometidos.

DTH

Do inglês, delayed-type hypersensitivity

A reação inflamatória é induzida principalmente por linfócitos T auxiliares (TCD4+) das


subpopulações Th1 e Th17.
Em algumas condições, o mecanismo de lesão é dependente dos
linfócitos T citotóxicos (TCD8+). As respostas de linfócitos T podem ser elicitadas contra
agentes estranhos, como antígenos microbianos e agentes químicos sensibilizadores
ou contra
antígenos próprios. Os linfócitos T também podem induzir lesão tecidual quando são
estimulados fortemente para controlar microrganismos persistentes, especialmente os
intracelulares, que resistem à erradicação
pelos fagócitos e anticorpos.

TH1 E TH17

Células Th1 e Th17 são subtipos de linfócitos T auxiliares efetores.

Na inflamação induzida nas respostas de hipersensibilidade do tipo IV (DTH), as células Th1 e


Th17 secretam citocinas que recrutam e ativam leucócitos como a IL-17, que promove o
recrutamento de neutrófilos; o interferon gama
(IFNg), que ativa macrófagos; e o fator de
necrose tumoral e as quimiocinas, que estão envolvidos no recrutamento e ativação de
diferentes leucócitos. Os linfócitos T citotóxicos também podem contribuir para a lesão tecidual
na DTH, principalmente em doenças autoimunes quando a destruição celular fizer parte da
patogênese da doença.

Veja a seguir como funcionam os mecanismos efetores da hipersensibilidade do tipo IV:

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Inflamação mediana por citocinas.


Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.

Citotoxidade mediada por células T.

No entanto, dependendo do antígeno envolvido, as reações de DTH medeiam aspectos da


função imunológica, que podem ser benéficos (resistência a vírus, bactérias, fungos e tumores)
ou prejudiciais (dermatite alérgica e autoimunidade).

Uma variedade de doenças autoimunes órgão-específicas é causada pela ativação de células


T reativas ao próprio, o que vai desencadear a liberação das citocinas e consequente
inflamação. Vejamos alguns exemplos a seguir:

Fonte: Lightspring/Shutterstock.com

ESCLEROSE MÚLTIPLA

Fonte: Tefi/Shutterstock.com

DIABETES MELLITUS TIPO I

Fonte: IIIRusya/Shutterstock.com
PSORÍASE

As características clínicas das reações de hipersensibilidade do tipo tardia podem variar,


dependendo do antígeno sensibilizante e da via de exposição. Há três variantes da
hipersensibilidade tardia:

HIPERSENSIBILIDADE DE CONTATO (DERMATITE DE


CONTATO)
É caracterizada pela reação eczematosa da pele no local do contato com um antígeno
(alérgeno).

Nesse caso, o alérgeno é qualquer substância que induza a ativação de linfócitos T e,


consequentemente, lesão tecidual por inflamação mediada por citocinas.

Agentes sensibilizantes para humanos incluem íons metais, tais como níquel e cromo, muitas
substâncias químicas industriais presentes em corantes, drogas, fragrâncias e plantas. Essas
substâncias
(haptenos) apresentam natureza não proteica, baixo peso molecular, geralmente
não imunogênicos. Os haptenos apresentam em comum a capacidade de penetrar na pele e
formar conjugados com as proteínas
normais, dando origem a neoantígenos que ativarão as
respostas imunes. Nesse caso, o órgão-alvo é a pele e a resposta inflamatória é produzida
como resultado do contato com substâncias sensibilizantes
na sua superfície. Essa reação é
caracterizada por erupções cutâneas eczematosas no local de contato com o antígeno
(alérgeno), ocorrendo entre 24 e 48 horas após o reencontro do indivíduo sensibilizado
com a
substância alergênica.

Fonte: Freedom365day/Shutterstock.com

Fonte: Sakurra/Shutterstock.com

A hipersensibilidade de contato apresenta dois estágios: a sensibilização e a elicitação


(desafio). Essa reação tem início com a apresentação de alérgenos irritantes pelas células
apresentadoras de antígenos (APC) presentes na pele (células de Langerhans) aos linfócitos T,
o que vai levar as células T à expansão clonal e diferenciação em linfócitos T efetores e de
memória,
caracterizando a sensibilização de contato. Em um contato subsequente (desafio)
com o antígeno sensibilizante, irá ter início toda a sequência de eventos inflamatórios
induzidos
pelos linfócitos T de memória para aquele antígeno.

A reação característica de DTH se desenvolve, em um indivíduo sensibilizado, entre 24 e 48


horas após o contato com o alérgeno (Ag), surgindo erupções cutâneas no local de contato. O
procedimento
realizado para o diagnóstico da dermatite de contato é o teste de contato. Uma
solução de prováveis antígenos é espalhada na pele e coberta com um curativo. O
aparecimento dentro
de 48 horas de uma área de enduração (rigidez de uma área do corpo
como resultado de uma inflamação, hiperemia ou infiltração neoplásica) e eritema indica
sensibilidade ao alérgeno
testado.

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO TUBERCULINA


Corresponde a reações inflamatórias cutâneas que apresentam como principal característica
uma área de edema firme e avermelhada, na pele, que atinge seu máximo entre 24 e 48 horas
após o desafio antigênico em indivíduos previamente sensibilizados.

Antígenos solúveis de vários microrganismos, como Mycobacterium tuberculosis,


Mycobacterium leprae e Leishmania tropica, induzem reações semelhantes de
hipersensibilidade tipo tuberculina em pessoas sensibilizadas.
A reação de pele é
frequentemente utilizada para testar as respostas aos organismos mediadas por linfócito T,
após uma exposição prévia. O teste de pele para tuberculina é um exemplo da resposta de
memória para
antígeno solúvel previamente encontrado durante a infecção e o tipo de teste
mais conhecido é o chamado PPD (derivado proteico purificado), realizado com um extrato
purificado isolado de M. tuberculosis para avaliar a exposição prévia à bactéria. É observado o
aparecimento de eritema e enduração, alcançando
seu nível máximo 48 horas após o desafio.

ENDURAÇÃO

É a rigidez de uma área do corpo como resultado de uma inflamação, hiperemia ou


infiltração neoplásica, ou uma área ou parte do corpo que tenha sido submetido a uma
reação dessas.

Fonte: Pixel-Shot/Shutterstock.com

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO GRANULOMATOSA


É a forma mais importante de hipersensibilidade tipo IV clinicamente, estando envolvida na
imunopatologia de muitas doenças que envolvem a imunidade mediada por linfócito T, como
tuberculose e hanseníase,
por exemplo. Diferentemente de outras formas de hipersensibilidade
do tipo tardia associada à maioria das reações de dermatite do tipo IV (hipersensibilidade do
tipo IV), nas quais o antígeno
é rapidamente eliminado, as lesões resultantes da forma
granulomatosa regridem lentamente e causam danos teciduais. A reação granulomatosa é uma
resposta crônica e persistente de macrófagos que
não são capazes de eliminar os
microrganismos presentes. Isso leva à estimulação crônica de linfócitos T e à liberação de
citocinas. O processo resulta na formação de granulomas de célula epitelioide
com uma
coleção central de células epitelioides e macrófagos circundados por linfócitos.

Fonte: Kateryna Kon/Shutterstock.com

Fonte: Designua/Shutterstock.com
 Esquema representando os aspectos histológicos dos granulomas.

A aparência histológica das reações granulomatosas é bastante diferente das reações do tipo
tuberculina, apesar de ambos os tipos de reações serem causados por linfócitos T
sensibilizados por antígenos microbianos
semelhantes, como, por exemplo, aqueles de M.
tuberculosis e M. leprae.
Granulomas ocorrem nas infecções crônicas associadas predominantemente a respostas de
linfócito T tipo Th1, como na tuberculose, hanseníase e leishmaniose, e de linfócitos T tipo Th2,
como na esquistossomose. O
tempo máximo de reação para o desenvolvimento de um
granuloma é de 21 a 28 dias. Assim, a hipersensibilidade granulomatosa pode ser atribuída
mais à tentativa persistente do hospedeiro em isolar
e conter o patógeno do que aos efeitos
dos microrganismos propriamente ditos.

ALERGIAS MEDIADAS POR REAÇÕES DE


HIPERSENSIBILIDADE
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre as alergias mediadas por reações de
hipersensibilidade.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. UMA CRIANÇA DE OITO ANOS DE IDADE REALIZA UM LANCHE COM


LEITE, CASTANHAS E BOLO. APÓS ALGUNS MINUTOS, COMEÇA A
APRESENTAR UM QUADRO DE DESCONFORTO COM APERTO NO
PEITO, RESPIRAÇÃO RÁPIDA E OFEGANTE. ALÉM DISSO, APRESENTA
PÁLPEBRAS E LÁBIOS INCHADOS, SENDO ENCAMINHADA
URGENTEMENTE AO PRONTO-SOCORRO. NO CAMINHO, SENTE FRIO E
DESMAIA. AO CHEGAR AO HOSPITAL, É DETECTADA UMA RESPOSTA
DE ANAFILAXIA SISTÊMICA. A SUBSTÂNCIA EPINEFRINA FOI
RAPIDAMENTE ADMINISTRADA. SOBRE A ANAFILAXIA, MARQUE A
ALTERNATIVA CORRETA.

A) É uma resposta de hipersensibilidade do tipo II, envolvendo o sistema complemento e


neutrófilos.

B) É uma resposta de hipersensibilidade tipo I tardia, em que as citocinas liberadas pelos


macrófagos induzem as respostas.

C) É uma resposta de hipersensibilidade do tipo I sistêmica, em que mediadores liberados vão


induzir aumento da permeabilidade vascular (baixa pressão sanguínea) e contração da
musculatura lisa.

D) Envolve respostas de hipersensibilidade granulomatosa do tipo IV com ativação exagerada


de linfócitos T.
E) É resultado da ligação cruzada de IgE sobre mastócitos da pele, ocasionando ativação de
proteínas do sistema complemento.

2. SÃO CARACTERÍSTICAS DAS RESPOSTAS DE HIPERSENSIBILIDADE


DO TIPO IV:

A) Envolvimento de anticorpo IgE, alérgeno, mastócitos e histamina.

B) Fortes respostas imunológicas humorais.

C) Formação de complexos imunes específicos para microrganismos.

D) Ativação de sistema complemento levando a lesão de vasos sanguíneos.

E) Ativação de linfócitos Th1 e Th17, produção de citocinas, recrutamento e ativação de


leucócitos inflamatórios.

GABARITO

1. Uma criança de oito anos de idade realiza um lanche com leite, castanhas e bolo.
Após alguns minutos, começa a apresentar um quadro de desconforto com aperto no
peito, respiração rápida e ofegante. Além disso, apresenta pálpebras e lábios inchados,
sendo encaminhada urgentemente ao pronto-socorro. No caminho, sente frio e desmaia.
Ao chegar ao hospital, é detectada uma resposta de anafilaxia sistêmica. A substância
epinefrina foi rapidamente administrada. Sobre a anafilaxia, marque a alternativa correta.

A alternativa "C " está correta.

Respostas anafiláticas são reações sistêmicas onde a liberação maciça de mediadores no


sangue leva a várias alterações circulatórias como diminuição da pressão arterial devido a
vasodilatação e edema.

2. São características das respostas de hipersensibilidade do tipo IV:

A alternativa "E " está correta.

A hipersensibilidade do tipo tardia é a única que envolve lesões teciduais dependentes da ação
de citocinas liberadas pelos linfócitos T.
MÓDULO 2

 Reconhecer o papel dos mecanismos imunológicos de tolerância, seu envolvimento


no desenvolvimento de doenças autoimunes e os elementos relacionados à imunologia
das doenças autoimunes órgão específicas e inespecíficas

MECANISMOS DE TOLERÂNCIA
IMUNOLÓGICA CENTRAL E PERIFÉRICA

Fonte: Yurchanka Siarhei/Shutterstock.com

O sistema imune apresenta como função a proteção do hospedeiro às invasões por agentes
estranhos. Contudo, a imunidade, ao invés de benéfica, pode causar danos ao hospedeiro se
for elaborada contra os próprios antígenos do
indivíduo, chamados de antígenos próprios ou
autoantígenos.

De maneira interessante, o sistema imunológico vem desenvolvendo, no decorrer de anos,


mecanismos que visam controlar as respostas aos antígenos próprios. Esses vão envolver
formas de reconhecimento e ativação diferenciadas
para as respostas a antígenos próprios e
microbianos. Ambas as respostas inatas e adquiridas evoluíram para fazer essa distinção.
Assim, a autotolerância ou tolerância imunológica é uma propriedade fundamental
do
sistema imune normal que envolve um estado de incapacidade de respostas aos antígenos
próprios.
 ATENÇÃO

Os mecanismos de tolerância eliminam ou inativam linfócitos que expressam receptores de alta


afinidade para autoantígenos. Como consequência à interação da tolerância, diz-se que a
célula se torna tolerante. O estado
de não responsividade a um antígeno próprio pode ser
determinado por linfócitos T e B em diferentes estágios do desenvolvimento e é chamado de
tolerância imunológica.

Para entender melhor isso, é necessário lembrar que os receptores clonais de linfócitos para
antígenos (TCR e BCR) são gerados por recombinação somática aleatória dos diversos
genes que codificam as regiões de ligação aos antígenos. Isso cria a necessidade de eliminar
células que apresentem receptores que podem reconhecer e destruir os próprios tecidos. Os
erros e falhas da tolerância
imunológica contra os próprios antígenos são as causas das
doenças autoimunes.

RECOMBINAÇÃO SOMÁTICA ALEATÓRIA

Mecanismo de recombinação genética que ocorre apenas em linfócitos em


desenvolvimento durante os primeiros passos da maturação de células B e T. Isso
permite que uma grande variabilidade de antígenos, como patógenos, células
humanas
modificadas e antígenos próprios.

Existem dois tipos de tolerância imunológica:


Fonte: Nerthuz/Shutterstock.com

Tolerância central

É aquela que ocorre nos órgãos linfoides primários, como o timo e a medula óssea durante o
desenvolvimento dos linfócitos T e B. Ela é responsável por eliminar linfócitos imaturos
autorreativos, impedindo a sua maturação.

Fonte: sciencepics/Shutterstock.com
Tolerância periférica

É aquela que ocorre nos órgãos linfoides periféricos, como os linfonodos e o baço durante a
ativação de linfócitos T e B maduros, que têm como objetivo impedir a ativação dos linfócitos
autorreativos.

Na figura a seguir, vemos um esquema ilustrando esses mecanismos de tolerância periférica.

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019.


 Mecanismos de tolerância central e periférica.

Agora, vamos abordar os detalhes quanto aos mecanismos envolvidos nos diferentes tipos de
tolerância de linfócitos T e B (periférica e central).

MECANISMOS DE TOLERÂNCIA CENTRAL


DE LINFÓCITOS T
O processo de geração de diversidade de BCR e TCR (receptores específicos de antígenos de
linfócitos B e T, respectivamente) é aleatório e não ocorre em função da exposição dos
antígenos, mas durante o desenvolvimento das células
nos órgãos linfoides geradores ou
primários e, inevitavelmente, vai gerar receptores que podem reconhecer antígenos próprios.

Fonte: 1168group/Shutterstock.com
 Linfócitos T.

A tolerância central envolve os processos de seleção pelos quais as células precursoras de


linfócitos T são submetidas no timo antes de se desenvolverem em linfócitos T maduros. Os
principais mecanismos de tolerância central
de linfócitos T são:

DELEÇÃO (APOPTOSE)
É o mecanismo no qual os linfócitos T autorreativos com alta afinidade para antígenos próprios
são eliminados do organismo por apoptose (morte celular programada). Esse mecanismo pode
ser explicado do seguinte modo:

Linfócitos T que se ligam com alta afinidade aos antígenos próprios expressos no timo
são eliminados no evento chamado seleção negativa;

Linfócitos T que se ligam com baixa afinidade aos antígenos próprios sobrevivem e
amadurecem, no processo chamado seleção positiva.

A expressão de antígenos próprios teciduais em um órgão linfoide primário se deve à


capacidade de uma população especializada de células epiteliais do timo expressar proteínas
de genes expressos de uma maneira
específica estritamente nos órgãos (p. ex., insulina, a
qual é expressa apenas no pâncreas e nas células epiteliais especializadas no timo).
DESENVOLVIMENTO DE CÉLULAS T REGULADORAS
(TREG)
Reguladoras diz respeito a algumas células TCD4+ (auxiliares), que encontram autoantígenos
no timo e não são deletadas. Em vez disso, se diferenciam nesse tipo específico denominado
Treg. Essas células apresentam
como função inibir as respostas a autoantígenos nas regiões
de células maduras por meio da liberação de citocinas inibidoras, como IL-10 e TGF- β. Ainda
não se sabe bem que mecanismos determinam a não morte
dessa célula por deleção, mas
parece que fatores como a afinidade de reconhecimento dos antígenos, o tipo de célula
apresentadora envolvida e as citocinas presentes são importantes.

MECANISMOS DE TOLERÂNCIA CENTRAL


DE LINFÓCITOS B

Fonte: Visuta/Shutterstock.com

A tolerância central de linfócitos B é fundamental para impedir a maturação de linfócitos B que


possam vir a responder a autoantígenos timo-independentes, como polissacarídeos e lipídeos.
Células B imaturas que reconhecem autoantígenos
na medula óssea com alta avidez vão
sofrer os mecanismos de tolerância central. Os principais mecanismos de tolerância
central de
linfócitos B são:
AVIDEZ

Força de ligação do anticorpo ao antígeno.

EDIÇÃO DE RECEPTORES
Acontece quando um linfócito B reconhece com alta avidez um autoantígeno multivalente na
medula óssea, gerando um sinal para a troca da cadeia leve do BCR. Assim, uma nova cadeia
leve é expressa, originando um novo receptor
de antígeno (BCR) com outra especificidade e,
provavelmente, diminuindo a chance de voltar a se ligar novamente a um antígeno próprio.

DELEÇÃO
É o mecanismo de indução de apoptose nas células B imaturas autorreativas e pode ocorrer se
a edição de receptores falhar.

ANERGIA
Ocorre quando as células B imaturas reconhecem autoantígenos fracamente ou com baixa
afinidade, se tornando não responsivas (anérgicas) e saindo da medula nesse estado. A
anergia resulta da regulação negativa do receptor
BCR, assim como de um bloqueio na sua
sinalização.
Embora, como descrito anteriormente, haja vários mecanismos para impedir as células B e T
autorreativas de amadurecerem, algumas células B e T autorreativas podem escapar da
seleção negativa e entrar na periferia, em que irão
reconhecer e responder a antígenos
próprios. Devido a isso, outros mecanismos denominados de tolerância periférica irão atuar
visando uma nova chance de evitar o desenvolvimento de doenças autoimunes.

TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LINFÓCITOS


T
Os mecanismos de tolerância periférica de linfócitos T envolvem o reconhecimento de
autoantígenos nos tecidos linfoides periféricos. Eles são:

Fonte: Alpha Tauri 3D Graphics/Shutterstock.com


 Interação do receptor de células T com as moléculas coestimulatórias.

ANERGIA DE CÉLULAS T

É um estado de irresponsividade funcional após o reconhecimento de um autoantígeno na


ausência da expressão de coestimuladores adequados (B7-1 e B7-2) nas células
apresentadoras e uma fraca imunidade inata. O estado anérgico das células é devido ao
bloqueio da transdução de sinal induzida pelo receptor de antígeno (TCR) e a expressão de
receptores de inibição como o CTLA-4 e PD-1. O CTLA-4 atua como um inibidor competitivo de
CD28 (molécula coestimulatória do linfócito T) e o PD-1 leva a inibição dos sinais provenientes
do complexo
TCR-correceptor (CD3), sendo ambos receptores pontos de controle das
respostas imunológicas.

Fonte: ratlos/Shutterstock.com

CÉLULAS T REGULADORAS (TREGS)

São uma população de linfócitos T CD4+ (auxiliares) que apresentam a função de regular
negativamente as respostas imunes e manter a autotolerância. Essas células vão atuar
suprimindo a ativação e as funções efetoras
de outros linfócitos autorreativos e potencialmente
patogênicos por meio da secreção de citocinas inibidoras como, por exemplo, a interleucina-10
(IL-10) e fator de crescimento transformador beta (TGF- β).

Fonte: Kateryna Kon/Shutterstock.com

APOPTOSE (DELEÇÃO)

Um outro mecanismo de tolerância periférica de linfócitos T é a indução de apoptose


(deleção) daqueles linfócitos que reconhecem autoantígenos com alta afinidade na periferia,
processo denominado de
deleção.

TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LINFÓCITOS


B
Os linfócitos B dependem da interação com os linfócitos T CD4+ para promoverem respostas
imunes adequadas aos antígenos proteicos. Os linfócitos B maduros que reconhecem
autoantígenos em tecidos periféricos sem a presença de
linfócitos T auxiliares, ou seja, sem
uma interação, podem se tornar irresponsivos funcionalmente (anergia) ou sofrerem deleção
periférica pela apoptose.

Fonte: Designua/Shutterstock.com
 Esquema demonstrando a interação dos linfócitos B com as células TCD4+.

COESTIMULADORES

Moléculas necessárias para a transdução do segundo sinal na ativação do linfócito T.

CD3

Correceptor envolvido na transdução de sinal do receptor de antígeno TCR.

ANERGIA
Ocorre quando os linfócitos B são estimulados repetidamente por autoantígenos entrando em
anergia e não respondendo a ativações subsequentes. Os linfócitos B anérgicos não
apresentam a capacidade de proliferação
e não produzem anticorpos em reposta à sinalização
BCR.

DELEÇÃO

É o mecanismo de ativação da morte por apoptose naqueles linfócitos B que se ligaram com
alta avidez aos autoantígenos na periferia.

Além dos mecanismos de indução de tolerância imunológica a antígenos próprios, pode-se


induzir tolerância também a microrganismos e substâncias estranhas. O conhecimento dos
mecanismos de autotolerância possibilitou a utilização
de ferramentas para o controle e
modulação das respostas imunes, além de uma possível estratégia para o tratamento de
doenças imunológicas. Os antígenos estranhos podem ser administrados de maneira que
induzam preferencialmente
a tolerância, em vez de respostas imunológicas. Existem vários
fatores que influenciam e determinam a indução de tolerância por antígenos estranhos. São
eles: a persistência do antígeno, a localização, e a via de entrada.

Fonte: GraphicsRF.com/Shutterstock.com
 Vias de administração.
FATORES ASSOCIADOS À FALHA NA
TOLERÂNCIA IMUNOLÓGICA –
MECANISMOS DE AUTOIMUNIDADE
A autoimunidade envolve a perda da tolerância imunológica a si mesmo. Como já descrito
anteriormente, os linfócitos autorreativos surgem durante o desenvolvimento nos órgãos
linfoides centrais e durante a ativação nos órgãos
periféricos, mas, a partir dos mecanismos de
tolerância descritos, eles são mantidos sob controle e impedidos de amadurecer e se ativarem.

Algumas vezes, os mecanismos de tolerância se comportam diferente do esperado e os


linfócitos autorreativos se comportam de maneira indesejada, escapando dos pontos de
controle reguladores. Uma vez que esses linfócitos sejam
ativados, podem ocorrer
autoimunidade e doença autoimune. As principais alterações imunológicas que vão levar à
autoimunidade dependem de mudanças na forma de desenvolvimento das respostas imunes
que vão levar a padrões
anormais de respostas, como:

DEFEITOS NOS MECANISMOS DE


AUTOTOLERÂNCIA
Quando a regulação errônea dos linfócitos T e B, além de problemas na eliminação das
células, vão levar a um desequilíbrio entre a ativação e o controle de linfócitos, sendo a causa
por trás de todas as doenças autoimunes.

EXPOSIÇÃO ANORMAL DE
AUTOANTÍGENOS
Ocorre quando há um aumento na expressão e persistência de algumas moléculas, que são
normalmente removidas, ou modificações estruturais causadas por estresse ou lesão celular.
INFLAMAÇÃO
Presença de inflamação e ativação da imunidade inata inicial, disparada por infecções ou
danos nas células, ativará células apresentadoras de antígeno e contribuirá para a ativação
dos linfócitos autorreativos.

Como esses linfócitos conseguem escapar do controle imunológico?

Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da autoimunidade são a predisposição


genética e a suscetibilidade ambiental. Vamos falar um pouco sobre cada um desses fatores
a seguir.

As doenças autoimunes são dependentes de genes de suscetibilidade, que podem levar a


quebras dos mecanismos de autotolerância. Embora ocorram tendências familiares, o padrão
de herança é geralmente complexo e indica que a doença
é poligênica (envolve vários e
diferentes genes). Sabe-se que nenhum gene sozinho é suficiente para causar uma doença
autoimune; muitos genes vão interagir entre si, e os indivíduos afetados vão herdar
polimorfismos múltiplos
que contribuem para a suscetibilidade à doença.

Além da herança genética, outros fatores podem influenciar no desenvolvimento de doenças


autoimunes. Um dos fatores mais importantes são os fatores ambientais, tanto infecciosos
como não infecciosos. Os principais fatores infecciosos
são: indução da liberação de antígenos
sequestrados, geralmente após dano tecidual causado por infecções; mimetismo molecular –
que vamos aprender mais à frente – e ativação policlonal de linfócitos. Os fatores não
infecciosos envolvem principalmente: fatores hormonais e a utilização de fármacos.

Fonte: Studio F/Shutterstock.com

ATIVAÇÃO POLICLONAL DE LINFÓCITOS

Expansão clonal (proliferação) de vários clones de linfócitos B.

É bem descrito que muitas doenças autoimunes apresentam uma incidência maior em
mulheres do que em homens. Assim, enquanto fatores genéticos são importantes na
patogênese da autoimunidade, eles não são suficientes para causar
a doença sem influências
ambientais adicionais.

A localização e distribuição dos autoantígenos reconhecidos vão determinar qual o espectro


das doenças autoimunes, que podem ser órgão-específicas ou órgão inespecíficas
(sistêmicas).

O antígeno próprio na doença autoimune órgão-específica é expresso apenas em um tecido


em particular. Em contraste, na doença autoimune sistêmica, os antígenos próprios estão
tipicamente presentes em múltiplos tecidos (se não
ubiquamente) ao longo do corpo.

Vários mecanismos efetores estão envolvidos com o dano tecidual presentes nas diferentes
doenças autoimunes. Esses mecanismos podem envolver a presença de imunocomplexos,
autoanticorpos circulantes e linfócitos T autorreativos.
Se a localização do antígeno é em um
órgão em particular, as reações de hipersensibilidade tipo II, como no caso da hemolítica
autoimune, e hipersensibilidade do tipo IV, como na diabetes mellitus tipo I, são mais
importantes. Nas desordens sistêmicas, como o lúpus eritematoso sistêmico, a deposição de
complexos imunes característico da hipersensibilidade tipo III leva à inflamação.

UBIQUAMENTE

Termo usado para expressar onipresença.

BASES GENÉTICAS DA AUTOIMUNIDADE

Fonte: Yu Ping Chen/Shutterstock.com

As características genéticas são intimamente associadas a suscetibilidade e doenças


autoimunes. Uma das evidências mais importantes é a incidência aumentada destas doenças
entre gêmeos univitelinos, acompanhada pela incidência
em gêmeos fraternos, que se mostra
mais baixa, porém ainda significativa. Claramente, a grande maioria das doenças autoimunes
não é de desordens genéticas únicas. Em vez disso, elas ocorrem como um resultado da
interação
complexa de múltiplos fatores genéticos e ambientais.

Como aprendemos anteriormente, a autoimunidade é decorrente de herança poligênica


complexa nas quais as pessoas que são afetadas vão herdar polimorfismos múltiplos que
contribuem para a suscetibilidade à doença. Os genes envolvidos
influenciam mecanismos
gerais de regulação das respostas imunes e dos mecanismos de tolerância imunológica.

Alguns dos genes mais frequentemente associados às doenças autoimunes serão descritos a
seguir. Eles são organizados em genes HLA e genes não HLA.

O HLA é o nome do MHC humano, molécula de histocompatibilidade principal, que tem como
papel fisiológico a apresentação de antígenos proteicos aos linfócitos T e um papel
fundamental no reconhecimento de células
e tecidos estranhos. Os fatores genéticos nas
doenças autoimunes se originam da tendência de eles estarem associados a especificidades
particulares no HLA. Para a maioria das doenças autoimunes, a região do MHC, a qual
está
localizada no braço curto do cromossomo 6, é o componente genético mais forte para
suscetibilidade à doença. Alguns alelos do MHC estão envolvidos com a probabilidade
aumentada de indivíduos portadores apresentarem
artrite reumatoide, diabetes tipo 1, lúpus
eritematoso sistêmico e espondilite anquilosante. Contudo, a expressão de um gene particular
de HLA, não é o único fator de predição da doença, mas um dos vários fatores que vão
contribuir.

Fonte: bangoland/Shutterstock.com
Os genes não HLA também têm sido amplamente associados à autoimunidade, apesar de os
fatores de risco ligados ao HLA serem mais relevantes. Contudo, as desordens de
autoimunidade são geneticamente complexas.
Pesquisas do genoma para mapear os genes
que estão envolvidos nas doenças autoimunes também revelaram vários genes não HLA
envolvidos. Esses são principalmente aqueles relacionados a diferentes estágios das respostas
imunes:
modulação da tolerância; ativação de linfócitos (vias de sinalização de receptor e
coestimulação); genes envolvidos no reconhecimento dos patógenos; genes de citocinas e
receptores de citocinas; próprias características
do órgão-alvo.

PAPEL DOS FATORES AMBIENTAIS NO


DESENVOLVIMENTO DAS DOENÇAS
AUTOIMUNES

Fonte: peterschreiber.media/Shutterstock.com

O principal fator ambiental indutor de doenças autoimunes são as infecções bacterianas e


virais, que levam ao desenvolvimento e exacerbação da autoimunidade. Essas infecções
podem levar a alterações anatômicas devido à inflamação.
Além disso, lesões isquêmicas e
traumas também são importantes para o aumento da probabilidade de desenvolvimento de
doenças autoimunes.

Como descrito anteriormente, as infecções são importantes predisponentes ambientais. Várias


doenças autoimunes tendem a se manifestar após o desenvolvimento de infecções. Os
microrganismos não vão estar presentes nas lesões
das doenças autoimunes, mas vão induzir
alterações nas respostas imunes dos indivíduos que vão levar à liberação de antígenos
sequestrados; mimetismo molecular e ativação de linfócitos.

Alguns antígenos próprios são protegidos (sequestrados) do sistema imunológico. O que


ocorre é que, mesmo que alguns indivíduos possuam linfócitos T e B que escaparam dos
mecanismos de tolerância central e periférica, essas
células nunca serão ativadas para iniciar
mecanismos autoimunes porque nunca entrarão em contato com os autoantígenos. As lesões
induzidas pelos patógenos podem levar à liberação desses antígenos e a ativação das
respostas
autoimunes.

O mimetismo molecular consiste no fenômeno em que alguns antígenos de microrganismos


mimetizam autoantígenos, desencadeando reações cruzadas, principalmente quando um
anticorpo ou célula T específica para um antígeno microbiano
reage de forma cruzada com o
antígeno próprio. Isso ocorre quando há um epítopo no antígeno microbiano, que é
semelhante
ao epítopo presente no antígeno próprio.

EPÍTOPO

Menor porção de antígeno com capacidade de gerar a resposta imune. Representa o sítio
de reconhecimento do antígeno.

 EXEMPLO

A febre reumática pode se desenvolver após infecções estreptocócicas e tem como causa a
produção de anticorpos antiestreptococócicos, que apresentam reatividade cruzada com
proteínas do miocárdio.

Antígenos microbianos podem induzir respostas inatas e ativação de APC (células


apresentadoras de antígeno), que, quando ativadas, aumentarão a sua expressão de
moléculas coestimulatórias e a síntese de citocinas, podendo levar
a respostas autoimunes por
ativação policlonal de linfócitos. Os ativadores policlonais podem ativar inespecificamente todas
as células B e T. Algumas delas podem ser autorreativas e iniciarem reações autoimunes.
PRINCIPAIS DOENÇAS AUTOIMUNES

Fonte: joshya/Shutterstock.com
 Esquema ilustrando a liberação de acetilcolina na Junção Neuromuscular.

MIASTENIA GRAVE

Envolve o reconhecimento do receptor de acetilcolina (ACh) por autoanticorpos nas junções


neuromusculares, que já foi descrito como um mecanismo de hipersensibilidade do tipo II, em
que o anticorpo vai atuar como um
antagonista do receptor, bloqueando a ligação da ACh e
inibindo o impulso nervoso, o que resulta em fraqueza muscular grave e progressiva. A doença
afeta indivíduos de diferentes faixas etárias e o sintoma característico
é fraqueza muscular por
uso repetido. Os pacientes vão desenvolver dificuldade de mastigação, deglutição, respiração e
até a morte por falência respiratória.

Fonte: Designua/Shutterstock.com
 Esquema ilustrando um neurônio normal (esquerda) e as alterações dos neurônios na
esclerose múltipla (direita).

ESCLEROSE MÚLTIPLA

Doença inflamatória, mediada por células T, caracterizada pela desmielinização ou destruição


da bainha de mielina que circunda os axônios do sistema nervoso central (SNC, cérebro e
medula espinhal). Os mecanismos imunológicos
envolvem a ativação de subpopulações Th1 e
Th17 específicas para autoantígenos de mielina, o que resulta em uma inflamação com
ativação de macrófagos ao redor dos nervos, levando a anormalidades na condução nervosa
e
déficit neurológicos. Clinicamente, a doença vai se caracterizar por fraqueza, paralisia e
sintomas oculares, alternando períodos de exacerbações e remissões.

Fonte: Designua/Shutterstock.com
 Esquema ilustrando as células β-pancreáticas normais (esquerda) e as alterações nessas
células na diabetes melitos do tipo I (direita).

DIABETES TIPO 1 OU DIABETES


INSULINODEPENDENTE

Doença metabólica multissistêmica caracterizada pela destruição crônica das células β


pancreáticas nas ilhotas de Langherhans. Na diabetes, quem mais contribui para a destruição
das células β pancreáticas são as células
T CD8+, embora exista a presença de infiltrados
inflamatórios de células T CD4+, macrófagos e citocinas como TNF e IL-1 que induzirão
inicialmente uma insulite, e posteriormente pouca ou nenhuma produção de insulina, sendo
necessária à sua reposição. A doença é caracterizada por aumento dos níveis de glicose, com
aumento
de fome, vontade frequente de urinar e sede excessiva. Podendo ainda haver perda
de peso, náuseas e fadiga.

Fonte: BlueRingMedia/Shutterstock.com
 Sintomas do lúpus eritematoso sistêmico.

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES)

Afeta diferentes órgãos do corpo. Os pacientes com LES sintetizam anticorpos contra vários
componentes nucleares das células, como anti-DNA, anticorpos contra ribonucleoproteínas,
histonas e antígenos dos nucléolos.
Há formação de complexos imunes na circulação e
deposição desses em diferentes tecidos. Esses complexos podem ativar a cascata do
complemento, atrair granulócitos e iniciar um processo inflamatório. À medida que
esses
eventos se tornam crônicos, linfócitos T auxiliares (CD4+) inflamatórios penetram no local e
atraem monócitos que também vão contribuir para a fisiopatologia da doença. O lúpus
eritematoso sistêmico é uma
doença com diagnóstico mais difícil devido à inespecificidade dos
sintomas, que pode ser febre, perda de peso, dor nas articulações e fadiga.

Fonte: Kateryna Kon/Shutterstock.com

TIREOIDITE DE HASHIMOTO

Doença autoimune da tireoide caracterizada pela produção de anticorpos para as proteínas da


tireoide, tireoide peroxidase e tireoglobulina. A presença desses anticorpos irá desencadear
eventos inflamatórios com destruição
da glândula tireoide e consequente diminuição dos
hormônios produzidos e hipotireoidismo. Além dos anticorpos presentes, as células Th1
também vão participar. Assim, temos uma grande infiltração de linfócitos B
e T. As
manifestações clínicas da doença serão pele seca, cabelo e unhas quebradiças, intolerância ao
frio, ganho de peso, depressão e cansaço extremo.

Fonte: Chaowalit Seeneha/Shutterstock.com

ARTRITE REUMATOIDE

Doença inflamatória que induz inflamação crônica de pequenas e grandes articulações das
extremidades, como os dedos das mãos e pés, punhos, ombros, joelhos e tornozelos,
resultando em dor, inchaço e rigidez. A doença
é caracterizada por um processo inflamatório
sinovial associado à destruição da cartilagem articular e óssea. Anteriormente, se acreditava
que a inflamação era iniciada pelo autoanticorpo produzido específico para
a porção FC de
IgGs. Este anticorpo Anti-IgG é denominado fator reumatoide (FR). A ligação do fator
reumatoide à IgG resulta em complexos imunes que podem se depositar nas articulações,
recrutar complemento e induzir
inflamação. Entretanto, hoje, sabe-se que, além do papel dos
anticorpos, células TCD4+, Th1, Th17, linfócitos B ativados, plasmócitos e macrófagos, outras
células inflamatórias podem ser encontradas na articulação
inflamada. Essas células vão
secretar citocinas inflamatórias como IL-1, TNF, IL-8, IL-6, IL-17 e IFN-y. Após repetidos
processos inflamatórios, com a destruição progressiva da cartilagem e do osso, a cartilagem
é
substituída por tecido fibroso, as articulações se unem e surgem as deformidades ósseas
características dessa doença.
PRINCIPAIS DOENÇAS AUTOIMUNES
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre as principais doenças autoimunes.

INSULITE

Inflamação das ilhotas de Langerhans do pâncreas. As células β pancreáticas tornam-se


infiltradas por células mononucleares, levando à inflamação.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. A TOLERÂNCIA IMUNOLÓGICA É UM MECANISMO EXISTENTE PARA


ASSEGURAR A NÃO ATIVAÇÃO DO SISTEMA IMUNE AOS ANTÍGENOS
PRÓPRIOS. EM RELAÇÃO A ESSE TEMA, MARQUE A ALTERNATIVA
CORRETA.

A) Tolerância periférica é o nome dado aos mecanismos existentes durante a maturação dos
linfócitos que impedem a ativação de células autorreativas e envolvem principalmente
mecanismos de seleção.

B) Os principais mecanismos de tolerância central de linfócitos T envolvem a deleção e a


anergia.

C) Os principais mecanismos de tolerância central de linfócitos T envolvem a seleção negativa


de células T autorreativas, que são deletadas por apoptose.

D) A tolerância periférica de linfócitos B é baseada principalmente na edição dos receptores de


antígeno.

E) A tolerância periférica também é mantida por células T reguladoras que vão ativar linfócitos
específicos para antígenos próprios na periferia.

2. AS DOENÇAS AUTOIMUNES VÃO SE DESENVOLVER NA PRESENÇA


DE UMA COMBINAÇÃO DE FATORES GENÉTICOS E AMBIENTAIS
ESPECÍFICOS PARA CADA DOENÇA. EM RELAÇÃO A ESSES FATORES,
PODEMOS AFIRMAR QUE:

A) Fatores genéticos nem sempre estarão envolvidos no surgimento de doenças autoimunes.

B) Genes de suscetibilidade para as doenças autoimunes incluem somente genes para o


complexo principal de histocompatibilidade.
C) Normalmente, nos indivíduos com distúrbios autoimunes, os mecanismos de tolerância
estão funcionando adequadamente e não vão influenciar o surgimento dessas doenças.

D) As doenças autoimunes são sempre específicas de um órgão e envolvem um tipo de alvo


imunológico.

E) Infecções virais e bacterianas podem contribuir para o desenvolvimento e exacerbação de


eventos autoimunes por ativar a imunidade inata e predispor a ativação de respostas auto
reativas dos linfócitos.

GABARITO

1. A tolerância imunológica é um mecanismo existente para assegurar a não ativação do


sistema imune aos antígenos próprios. Em relação a esse tema, marque a alternativa
correta.

A alternativa "C " está correta.

A seleção positiva ocorre nos órgãos linfoides geradores e envolve mecanismos de controle
para a não maturação de linfócitos T específicos para antígenos próprios. O mecanismo mais
importante é a deleção desses linfócitos através de mecanismos indutores da apoptose.

2. As doenças autoimunes vão se desenvolver na presença de uma combinação de


fatores genéticos e ambientais específicos para cada doença. Em relação a esses
fatores, podemos afirmar que:

A alternativa "E " está correta.

As respostas de autoimunidade não se devem ao agente infeccioso em si, mas resultam das
respostas imunes do indivíduo que podem ser desencadeadas ou desreguladas pelo
microrganismo.

CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema imune envolve uma série de complexos mecanismos para iniciar, controlar e
terminar as respostas imunológicas. Muitas vezes, os componentes envolvidos podem falhar
ou apresentar deficiências. Nesses casos, teremos
condições que levam à imunopatologia de
diferentes doenças.

As alterações na resposta imunológica podem apresentar como resultado imunodeficiência,


hipersensibilidade ou desregulação que leva a doenças autoimunes. Reações imunes alteradas
ou deficientes podem ser inoportunas na medicina
moderna, como, por exemplo, reações a
transfusões de sangue e rejeição aos transplantes. Assim, torna-se fundamental o
conhecimento de todo o funcionamento da imunidade, com a finalidade de controlar e conter as
respostas
indesejadas.

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
ABBAS, A.K.; LICHTMAN, A.H.; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. 9. ed. Rio de
janeiro: Elsevier, 2019.

COICO, R. & SUNCHINE, G. Imunologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

PEAKMAN, MARK, VERGANI, DIEGO. Imunologia: básica e clínica. 2. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011.
EXPLORE+

Aprendemos sobre as reações de hipersensibilidade. Diversas pessoas apresentam


essas reações após a utilização de medicamentos, como a dipirona. Para compreender
como elas ocorrem, consulte o artigo Mecanismos imunopatológicos das reações de
hipersensibilidade a fármacos de REGATEIRO, F. & FARIA, E (2016).

Outros pontos muito importantes e discutidos são a imunologia dos transplantes, como
acontece a resposta imune contra os tumores e as imunodeficiências. Para entender mais
sobre esses assuntos, leia o material Imunologia dos transplantes.

Para compreender mais sobre os assuntos abordados ao longo do tema, leia o artigo de
revisão Sistema imunitário – parte III: o delicado equilíbrio do sistema imunológico entre
os polos de tolerância e autoimunidade,
de Souza et al (2010).

CONTEUDISTA
Aline Cristina Brando Lima Simões

 CURRÍCULO LATTES

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