Luto Na Contemporaniedade
Luto Na Contemporaniedade
Luto Na Contemporaniedade
2018
RESUMO
O objetivo deste trabalho é compreender experiências e a vivência do luto diante de morte concreta,
ou seja, a morte de um ente querido, e a vivência do luto diante de perdas consideradas como morte
simbólica, tais como separação, perda de emprego, divórcio, perdas frente à velhice, assim como
outras perdas significativas que exigem do indivíduo uma readaptação de vida. O processo de luto é
um trabalho psíquico de elaboração de perdas através do qual o indivíduo reorganiza sua vida,
sendo um processo gradual e de aceitação do que se perdeu. A ressignificação das relações,
atividades e papéis em relação a busca do equilíbrio perdido, é etapa posterior a experiência do luto
a qual poderá ser sentida como vivência de crescimento e ajustamento da personalidade.
ABSTRACT
The objective of this work is to understand experience and the experience of mourning before
concrete death, that is, the death of a loved one, and the experience of mourning before losses
regarded as symbolic death, such as separation, job loss, divorce, losses against to old age, as well
as other significant loss of the individual one requiring redeployment of life. The grieving process is a
psychic work of drafting losses whereby the individual reorganizes his life, being a gradual process
and acceptance of what was lost. The redefinition of relationships, activities and roles in their quest
for the lost balance, it is later stage will experience the grief which can be felt as a growth experience
and adjustment of personality.
1 Psicóloga pela Universidade de Guarulhos (2013). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em
Psicologia Clínica. Exerceu Monitoria na Disciplina Avaliação Psicológica. Estratégia, Técnicas e Instrumentos
no Curso de Psicologia, referente aos Testes de Bateria Fatorial de Personalidade - BFP, AC- Atenção
Concentrada, PMK- Psicodiagnóstico Miocinético e Palográfico.
2 Psicóloga, professora universitária da UNG, psicanalista atuando em consultório particular e empresária de
ensino.
O presente trabalho se propõe mostrar e a outra que lamenta essa falta, um pedaço
defesa são acionados em cada vivência Segundo Caruso (1982 apud KOVACS, 2008)
experiência de perder, abandonar e desistir. sendo uma das experiências mais dolorosas
Esta condição permanente é inerente a vida e para o ser humano. A separação, processo
mesmo assim é dolorosa e o processo de que todos nós viveremos, e que vivenciar a
entre outros tipos de perdas, existe um fim separação pode ser em muitos casos pior do
para isto como existe um fim para todas as que a própria, morte, porque significa uma
coisas que amamos. Portanto o enlutar-se é capitulação diante da morte ainda em vida, por
um processo de mudança de esquemas que outro. A separação pode ser a saída menos
pelo qual todos os seres humanos passam em “pequenas mortes”, como por exemplo, a fase
somente de pessoas, mas qualquer processo medo e solidão trazendo sempre alguma
como pequenas mortes, pelo fato de implicar sentimento de dor e tristeza e uma certa
Kovács (2008) afirma que a morte reflexão sobre ações preventivas onde se
como perda nos fala em primeiro lugar de um busca a elaboração do luto diante de perdas
considerações de Melanie Klein (1934) esses qualquer atividade que não esteja envolvida
perda do primeiro objeto, o seio faz parte da E que essa inibição do ego é
elaboração dessa perda atingido pelo devoção que nada deixa a outros propósitos
determina se irá ou não desenvolver quadros teste de realidade revelando que o objeto
patológicos (OLIVEIRA, 2001). amado não existe mais, passando a exigir que
Porém, tomaremos por principais as toda a libido seja retirada de suas ligações
ideias contidas em Luto e Melancolia (1917) com aquele objeto, essa exigência provoca
que segundo Freud (1917) o luto de modo uma oposição compreensível, em que as
geral, é a reação á perda de um ente querido, pessoas nunca abandonam de bom grado a
a perda de alguma abstração que ocupou o posição libidinal, nem mesmo quando já existe
percebendo que essas pessoas tem uma expectativas em que a libido está vinculada
constitui atitude normal para com a vida, delas, sendo uma fase penosa e difícil para o
jamais é visto como uma condição patológica indivíduo, e quando o trabalho do luto se
sendo submetido a tratamentos médicos conclui o ego fica outra vez livre e desinibido.
desânimo, a perda do interesse pelo mundo talvez não tenha morrido, mas tenha sido
externo, a perda da capacidade de amar, a perdido como objeto de amor, verifica-se que
inibição de toda e qualquer atividade, e uma a perda ocorreu, mas não se percebe o que foi
ponto de se autorecriminar, sendo que esses perceber o que perdeu, consciente no sentido
mesmos traços são encontrados no luto, de que perdeu alguém, mas não sabe o que
KOVÁCS, 2008) o que se define como luto recordações, como palavras e atos, e
mundo externo, ligado a uma perda definitiva processo de luto estará finalizado quando
de uma perda nos fornece muitos elementos depender como a pessoa sentiu essa perda,
chamada de morte consciente ou morte vivida. sendo entendida pelas fases frente às perdas
não ocorrerem complicações graves, tudo Importante lembrar que todos os povos da
volta ao normal, mas em situações graves terra, ainda hoje dão destino aos seus
podem ocorrer surtos psicóticos ou doenças cadáveres, realizando rituais que marcam a
que podem levar a morte. realidade da morte e o término do luto, sendo
Segundo Kovács (2008) quando um dos traços comuns a todas as culturas, e
ocorre um processo de identificação com o conclui que há importância dos rituais de cada
morto, a pessoa enlutada se percebe fazendo cultura na elaboração do luto que ajudam o
as mesmas coisas que a pessoa fazia ou homem a aceitar a morte,
gostava, e se esses comportamentos forem Atualmente os rituais de morte
compulsivamente repetidos, poderão se tornar (extrema unção velório na casa da família,
patológicos. procissão fúnebre e manifestações) foram
Durante a elaboração do luto também ocorrem substituídos por organizações funerárias, em
distúrbios alimentares e também no sono, que o ambiente é neutro e higiênico, pelos
além de quadros somáticos e de doenças cortejos fúnebres rápidos e discretos, pelo
graves depois do luto podendo levar a uma autocontrole do indivíduo enlutado, que não
depressão reativa. pode expressar verdadeiramente suas
emoções.
Rituais e sua importância na elaboração do O homem tenta excluir a morte do
luto processo de desenvolvimento, ou seja, do
ciclo da vida, abolindo os rituais de luto como
Segundo Cabral e Nick (1990) ritos a cremação do corpo que dispensa o ritual do
especial, religioso ou outro, colocando como pesar, que são tão necessários nestas
fúnebres, o enterro, visitas aos cemitérios, o um ente querido provoca intensa perturbação
Oliveira (2001) o luto pode ser elaborou os rituais cuja função é propiciar
do homem elaborar a morte, a separação vida reflexão sobre tais produções mostra-nos a
e morte, sendo uma forma de comunicar a dor importância dos rituais, da religião, da filosofia
recursos utilizados pelo homem para lidar com mesmo ter valor psicológico em ajudá-los a
o medo da morte. ” (OLIVEIRA, 2001, p. 27) expressar a sua dor (PARKES, 1998).
“A celebração da morte e os rituais de Não basta recomendar só o ritual, é
luto são processos culturais que ajudam o necessário acreditar nele, tomar cuidado para
homem a viver a dor da perda. Quando essas que não passe a impressão de enlutado bem-
práticas deixam de ocorrer, podem surgir sucedido, visto pela sociedade como aquele
distúrbios graves, e é em vista disso que os que mostra o controle adequado de suas
psicólogos e psicanalistas vem estudando emoções em todas as ocasiões. Porque
esse tema. ” (OLIVEIRA, 2001, p.42). nessas circunstâncias o velório, o enterro
Segundo Kovács (2010) os rituais torna-se uma experiência penosa, vivida com
ajudam a elaborar perdas de forma sentimentos ambivalentes.
construtivas, principalmente a participação das Parkes (1998) diz que término dos
crianças, porque ela é membro dessa família, rituais associados ao destino a ser dado ao
o contexto social ajuda na aquisição de corpo, ocorre um período de enlutamento que
significados, ajudando as crianças a se dá reconhecimento social ao fato das pessoas
despedirem do falecido, tendo seus afetadas pela perda estarem em estado de
sentimentos reconhecidos. afastamento depressivo.
Os rituais oferecem conforto e Na cultura ocidental usam-se coisas
suporte, porque em uma sociedade que que simbolizem o luto, como uma faixa de
interdita a morte, existe a crença de que esses tecido preto no braço, ou uma roupa de cor
eventos poderiam causar sofrimento a criança, escura, indicando que essas pessoas devem
e que nessas cerimônias as emoções podem ser tratadas de forma diferente pelos os
ser expressas, acolhidas e compartilhadas e a outros, não se espera que essas pessoas
criança se sente parte da família. participem de festas, como elas não se
Segundo Parkes (1998) o funeral é sentem no clima de participar.
geralmente considerado o último presente Segundo Gorer (1965 apud
dado ao falecido, e muitos que comparecem PARKES,1998) esses costumes da roupa
para apresentar seus respeitos estão tratando escura vêm mudando, sendo usado apenas
o falecido como se ele ainda estivesse vivo, pelos pobres, velhos, e pelos despreparados.
pronto para partir em uma viagem.
O autor fala sobre os aspectos Efeitos do luto sobre a Saúde
negativos do funeral que seria a dor que
sentem em velar o corpo, e como os aspectos Segundo Parkes (1998) questiona
positivos: que seria o não se sentir só, ter com sobre os efeitos que o luto tem sobre a saúde,
quem apoiar, como a presença dos amigos, e verificou que muitas doenças físicas e
que o apoio social é visto positivamente. mentais têm sido atribuídas a experiência de
Crenças e rituais que oferecem uma perda, ou seja, baseado nas informações que
explicação para a morte e apoio social para a a doença surge em seguida de uma perda.
expressão do pesar, deveriam reduzir a Considera que as perdas ocorrem na vida de
confusão sentida pelos recém-enlutados, e até todos nós, é possível que se esteja frente a
uma associação casual. Uma das melhores sintomas psicológicos, que eram por conta do
pesquisas a respeito dos efeitos luto.
psicossomáticos da perda foi realizada no
Strong Memorial Hospital em Rochester, nos AS PERDAS
Estados Unidos, onde um grupo de psiquiatras
elaborou a teoria de que sentimentos de Segundo Cassorla (1991 apud
desamparo e desesperança que acompanham KOVÁCS, 2008) considera que a morte está
o luto, e que são responsáveis pelas doenças presente em nossas vidas e das mais variadas
físicas. maneiras e que a morte física será última, mas
Parkes (1998) pesquisou um grupo de teremos as mortes parciais ou totais na área
mulheres que fez exame Papanicolau, e que somática, mental e social.
apresentou a presença de células estranhas e Segundo Kovács (2008) são várias
sem saber se era câncer ou não, fez experiências de morte em vida, o
entrevistas individuais, perguntaram a cada desenvolvimento futuro representa perda,
mulher quais eram os sentimentos sobre morte e sacrifício de formas anteriores, onde
perdas recentes, e quando encontrava existia angústia diante do novo, e que a
evidências de haver tanto sentimentos de velhice é um momento de profundas
desamparo e desesperança, ele predizia que separações, onde ocorre a despedida do
aquela mulher poderia ter um diagnóstico de trabalho, dos familiares, do seu corpo e
câncer, em 71 % dos casos, ele provou estar pertences, e também da própria vida.
correto. E que as perdas e sua elaboração são
Grande número de perdas foram também presentes no nosso cotidiano, já que são
relatados por pessoas com outras queixas de necessárias para o desenvolvimento humano.
saúde, por meio de revisão da literatura, foi Várias perdas por mortes, separações
apontado câncer, distúrbios cardiovasculares, amorosas, assim como outras perdas
doença de Cushin, Lúpus eritematoso consideradas como pequenas mortes
disseminado, colite ulcerativa, mesmo sendo simbólicas, como mudança de emprego, de
resultados não conclusivos, não podem ser casa, casamento, nascimento de um filho,
ignorados (PARKES, 1998). onde se perde algo conhecido para viver o
Em estudos retrospectivos deste tipo, desconhecido, como no papel de solteiro para
o pesquisador começa com uma pessoa que papel de casado, despertam angústia, medo,
está doente, ou sob suspeita de estar doente, solidão, e que se relacionam com a morte
e tenta descobrir se sofreu uma perda antes concreta, apresentando aspectos psicológicos
do aparecimento da doença. de dor, tristeza e sofrimento, sendo saudável
Parkes (1998) coloca achados de se fazer uma elaboração dessas perdas.
evidências que pessoas recém-enlutadas Morrer muitas vezes significa que
consultam seu médico com mais frequência, o durante o processo vital, passamos por várias
clinico geral, do que faziam antes do luto, e o mortes: fases do desenvolvimento,
aumento das consultas ocorreram por separações, doenças e a psicose. Algumas
ansiedade, depressão, insônia e outros dessas situações são universais, como as
fases do desenvolvimento e as separações; tentam nos consolar. Raiva por que a pessoa
outras não, como as psicoses e as doenças; nos abandonou, e sentimento de culpa
mas nenhuma delas ocorrer à morte concreta fazendo parte do processo de dor e perdas
e a pessoa sobrevivem muitas vezes mais do sofridas.
que sobrevive (KOVÁCS, 2011). Segundo a autora, raiva, culpa,
Kovács (2011) a pessoa se reorganiza idealização são tentativas de reparação, nos
e ressignifica a vida como em algumas mostrando que houve a perda da pessoa, mas
doenças e perdas, ocorrendo uma evolução que essa perda não pode ser negada.
no desenvolvimento, morrer várias vezes, mas
não definitivamente, e continuarmos a viver os Aspectos psicológicos diante das mortes
significados adquiridos. simbólicas
A importância dos vínculos primários permanente vai estar com a pessoa que não
frente á elaboração das perdas está mais viva, abrindo espaço para reações
patológicas, tais como, negação, distorção e
Segundo Bowlby (1985 apud adiamento do luto, onde o impacto da perda
KOVÁCS, 2008) a mãe exerce uma das pode ser diminuído quando são formados
maiores funções de objeto de vínculo, vínculos substitutos.
proporcionando uma base de segurança que Viorst (2005) relata que nos primeiros
permite ao indivíduo explorar o meio, e anos de vida, as primeiras perdas são vividas
mesmo que ameaçado, ele não somente se como mortes, onde a criança tem a
afasta do estímulo ameaçador, como também experiência de ser abandonada e
se protege no objeto de vínculo. Com a perda desamparada. Tem sentimentos que não é
desse objeto, não há mais a base segura onde digna de ser amada com reações de
se refugiar diante do perigo, o que faz o bebê desamparo, culpa, e fúria sentindo uma
sentir uma sensação aterrorizante, sendo a tristeza insuportável, podendo não ter
razão pela qual o sofrimento é uma reação recursos internos ou externos, para resolver
universal a separação de uma figura de esses sentimentos.
vínculo. Segundo Viorst (2005) perdas vividas
Sendo assim o processo de luto se na infância nos acompanham durante toda
apresenta como uma forma de ansiedade e de nossa vida, onde uma criança lamenta a morte
separação explicando os sintomas de um ente querido, mas não compreende a
aparentemente encontrados no luto normal e dimensão da perda, e não resolve as perdas
patológico, a necessidade de encontrar a da infância. Durante este período, pode
pessoa perdida, a sensação de ter presença desenvolver o enfrentamento com o apoio de
da pessoa morta e até mesmo a raiva sentida adultos que permitam a expressão de
por essa pessoa, os sentimentos ambivalentes sentimentos.
acerca da perda refletem a tentativa de manter De acordo com Viorst (2005) toda
o vínculo. perda vivida na infância pode acarretar
Dependendo da qualidade do vínculo dificuldades futuras frente às perdas e
estabelecido primariamente, isto determinará separações. Porém crianças que foram
os vínculos futuros e os recursos disponíveis poupadas de perdas importantes no decorrer
para o enfrentamento e elaboração de do crescimento, também não elaboravam as
rompimentos e perdas, ou seja, quando o perdas de forma saudável porque não
vínculo é rompido, os recursos que o indivíduo compreendem o que está acontecendo, ou
dispõe para elaborar o luto devem ser seja, não é poupando as crianças dos
buscados na qualidade do vínculo acontecimentos de perdas que elas não vão
anteriormente existente (BOWLBY, 1985 apud sentir ou perceber o que está acontecendo,
KOVÁCS, 2008). sendo de extrema importância comunicá-las
No luto patológico, a pessoa dos acontecimentos, para que elas possam
encontrará dificuldades de vinculação a vivenciar, e elaborar as perdas sem
pessoas, atividades, porque o vínculo
preferido, onde é considerado mais capacitado o choro, o chamar que inclui os cuidados, o
para ajudá-lo a lidar com o mundo, como apego, e os protestos se a criança fica
diante da separação. Sem a formação desses se com confiança, segurança e amor. Apego
vínculos, a criança poderia se distanciar inicia com a mãe nas fases iniciais do
mundo, ela fica exposta a inúmeros perigos, diminuem os laços de dependência, pois a
portanto os comportamentos de apego são criança vai explorar outros ambientes, tendo
Apego uma ligação afetiva ou um laço projetos de vida, saber desapegar lentamente
que vai designar a intensidade da relação com sofrimento maior, quando acontecer à perda
como prender-se, apegar a algo ou alguém, teve com figuras parentais nos primeiros
dependência. (BOWLBY,1990).
perdas, morte e suas vivências, onde serão cuidado possibilita a formação de vínculos
Kovács, Freud, Franco, Bowlby, Parkes, entre condição de base segura, de proteção, os
concreta ou perdas por morte simbólica. intensos e ambivalentes de dor, raiva, tristeza,
Pretende-se com este estudo, contribuir para saudade e culpa, e muitas das vezes uma luta
emocional, que foi psicologicamente momentos felizes que lhe foram tirados.
e confiança para nos aproximarmos de algo com a fantasia que a pessoa perdida vai
novo, sem medos que nos rondam, e que voltar, além do sentimento de culpa.
efeitos de certas transições na vida é muito Os fatores socioculturais também
mais benéfico do que prejudicial, onde influenciam e dificultam a elaboração do luto,
trabalho do luto se torna necessário para tais como negar que a morte existe, falta de
facilitar a aceitação da perda e da mudança. rituais de passagem, falta de rituais funerários,
A elaboração do luto colabora para A expressão do luto, os sentimentos e a forma
que a pessoa se permita chorar, viver a de comunicação vai depender da cultura em
perda sem culpa ou julgamentos, expressar que a pessoa vive.
suas emoções e sentimentos. É período em Muitas vezes a sociedade dificulta o
que o enlutado se fecha em seu mundo processo de luto, quando vê a pessoa como
interior, o interesse pelo mundo diminui, fraca ao expressar seus sentimentos, e não
causando desânimo, muita tristeza, onde nada como necessidade psicológica e necessária
mais parece ter sentindo, como se as energias de viver a dor da perda. A imagem que deve
fossem junto com a pessoa perdida. prevalecer é “ ser forte”, o que muitas vezes
O trabalho do luto tem como objetivo resulta no recebimento de pouco apoio social,
frente a morte concreta mostrar que o objeto da família e amigos.
perdido não existe mais, e que esses As consequências futuras serão
sentimentos vividos seriam uma forma de doenças relacionadas a luto mal elaborado,
tentar manter o vínculo. como tais ansiedades, tristezas, tentativas de
Em determinados casos há ocorrência suicídios.
do luto complicado, patológico, tanto em A pessoa frente ao luto complicado se
crianças como em adultos, que nos mostra a vê impossibilitado de voltar as atividades
elaboração não saudável. Essas experiências rotineiras, sendo muitas vezes necessário a
se referem aos vínculos primários ajuda de profissionais especializados em luto.
fragilizados e inseguros, como também ao tipo Uma das principais observações encontradas
de morte que ocorreu, como no caso de no luto patológicos, foram a dificuldade de se
mortes traumáticas, mortes repentinas, separar da pessoa que se foi, dificuldades de
assassinatos e acidentes. se vincular com outras pessoas e outras
Cheguei a ter dúvidas sobre a atividades. O vínculo permanece com a
presença de crianças nos funerais, ou até que pessoa que se foi, não se permitindo a novos
ponto elas poderiam ter a compreensão a vínculos, abrindo espaço para reações
respeito das perdas. Porém foi possível ver o patológicas como negação e distorção da
quanto é necessário que os adultos não realidade, ou adiamento e inibição do luto.
escondam a ocorrência de morte das crianças, A dor do luto faz parte nossas vidas,
para que haja possibilidade de elaborar o sendo o preço que pagamos pelo o amor que
luto. As crianças percebem e sentem que algo temos a pessoas importantes. Ignorar esse
aconteceu, reagindo negativa e fator é fingir que a morte existe, é cegar-se
agressivamente, sem entender o ocorrido, ou emocionalmente, de maneira a ficarmos
despreparados para lidar com as perdas que mesmos. Não permitir entrar em contato com
ocorrem em nossas vidas. o sofrimento, chorando escondido e em
Muitas vezes achamos que as silêncio, como se sentissem envergonhadas,
pessoas que amamos são imortais, e temos a só agrava ainda mais o estado de luto
sensação de que não vamos aguentar perdê- Apesar do sofrimento devido às
las, muitas vezes as pessoas preferem morrer perdas por mortes, segundo a literatura existe
junto do que suportar a dor. possibilidade de transformação, ou seja, de
Tive a oportunidade de ver a analogia renascer para uma nova vida, eliminando a
entre a morte concreta e a morte simbólica condição de “nunca mais”, ou de que “acabou
como exemplo: a perda frente a separação de tudo”, e que “não vale a pena viver”.
casais, sendo um dos eventos mais dolorosos Eu percebi ao fazer esse trabalho, que
para o ser humano, sendo considerado como em alguns momentos ia ser difícil me deparar
a presença de morte em vida, porque separar, com algo que queremos evitar, como falar de
partir é morrer um pouco. A separação morte e perdas, pois é assunto doloroso. Mas
associada à morte concreta traz um a vontade de entender esse tema foi muito
sentimento de “nunca mais”, ocorrendo muitas mais forte, me intrigava ver como prestar
vezes tentativas de suicídios diante de ajuda a pessoas enlutadas, o que falar frente
separações como maneira de aliviar a dor. aquele momento? Fui vendo o quanto é
A importância do apoio e ajudar aos inesgotável no sentido ter muitas coisas a
enlutados, no momento da perda e como pesquisar e entender, sendo uma área na qual
ajudar a entendê-las e ajudar a modificar o pretendo me especializar.
seu mundo, dando lhes novos significados. As Para mim esse trabalho mobilizou aspectos
primeiras fontes de apoio são os familiares, pessoais e profissionais. Ao entrar em contato
amigos e profissionais da Saúde. Sempre com emoções, com fragilidades e angústias,
respeitando o tempo do enlutado e não as no sentido de me sensibilizar e me emocionar
forças a entender a realidade, onde em partes a cada página que eu escrevia, enriqueceu
ela perceba que ocorreu a mudança, mas sobremaneira meu campo de experiências.
prefere ignorar como uma defesa para se
proteger. REFERÊNCIAS
O enlutado vive uma tarefa pela frente
de não apressar o luto e nem de evitá-lo, onde BOWLBY, John. Formação e Rompimentos
a terapia ajuda tanto na expressão de dos Laços Afetivos. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
sentimentos, quando ajuda as pessoas que
não conseguem sair do luto, necessitando de BROMBERG, Maria Helena Pereira Franco.
Luto em Cuidados Paliativos In: OLIVEIRA,
apoio, sendo uma base segura e acolhedora e Reinaldo Ayer de. Cuidado Paliativo. São
que oferece proteção. Paulo. Cremesp. Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo, 2008.
A maioria das pessoas desconhece p.559 -573.
esse assunto, ou preferem nem saber,
CABRAL. Álvaro, NICK EVA. Dicionário
julgando-se fortes para sobreviver, não tendo Técnico de Psicologia. 13 ed. São Paulo:
consciência do grande mal que fazem a si Cultrix, 1990.
KOVÁCS, Maria Júlia. A Morte em Vida. In: PARKES, Colin Murray. Luto: estudos sobre a
FRANCO, Maria Helena Pereira. (et al ) Vida perda na vida adulta. 3 ed. São Paulo:
e Morte: laços da Existência. São Paulo: Casa Summus, 1998.
do Psicólogo, 2011. p.11-33.
ROSENBERG, Rachel Léa. Envelhecimento e
KOVÁCS, Maria Júlia. Representações de Morte. In: KOVÁCS, M, J (Coord.). Morte de
Morte. In: KOVÁCS, Maria Júlia ( Coord. ). Desenvolvimento Humano. 5 ed. São Paulo:
Morte e Desenvolvimento Humano. 5 ed. Casa do Psicólogo, 2008. p.58-89.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p.01-13.
VIORST, Judith. Perdas Necessárias. 4 ed.
KOVÁCS, Maria Júlia. Medo da Morte. In: São Paulo: Melhoramentos, 2005.
KOVÁCS, Maria Júlia (Coord. ). Morte e
Desenvolvimento Humano. 5 ed. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2008. p.14-27.