Luto

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Uma avaliação da vivência do luto conforme o modo de morte 12

CAPÍTULO 1: O LUTO

“A perda de uma pessoa querida é uma das experiências mais

dolorosas, mais intensas que qualquer ser humano pode sofrer, e

não só é dolorosa como vivência, mas também dolorosa de ser

testemunhada. Apenas pelo fato de sermos impotentes para

ajudar.”

(Bowlby, 1980 apud Worden, 1998, pp. 153)

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O LUTO

A perda é um dos fenômenos universais da existência humana, pois acomete

todas as pessoas em vários momentos ao longo da vida. A perda pode ser relacionada

a um objeto (por exemplo, ter um carro roubado ou um objeto de estima danificado),

à constatação da impossibilidade de atingir um objetivo traçado, à perda da juventude

ou à perda de um ente querido (por distância geográfica, por rompimento de relações

ou por morte). O traço comum em todos esses tipos de perda é a dificuldade de

tolerar a ausência do que foi perdido.

É quase um consenso que a perda por morte constitui a mais difícil das

perdas. A morte nos remete ao sentimento de impossibilidade de reverter a perda, ou

seja, reaver o ente querido, nos coloca frente a nossa própria fragilidade e

mortalidade e exige do enlutado experienciar uma dor quase insuportável. Talvez por

tudo isso a morte seja ainda um tema tabu. Entretanto, negar a ação da morte torna

mais difícil a experiência do luto para o familiar que perde o ente querido.

Sabe-se que o luto compreende fases e reações próprias, que o enlutado

precisa experimentar para “resolver o luto” de forma saudável. Há vários fatores que

influenciam nessa experimentação e no resultado do luto. Compreender a influência

de alguns desses fatores é o objetivo desse trabalho, com ênfase específica em um

deles: avaliar como o modo de morte influencia na vivência do luto. Há um especial

interesse nas reações próprias do luto por suicídio. A compreensão desta experiência

é essencial para a formação de grupos de suporte aos familiares enlutados por

suicídio, que são denominados sobreviventes do suicídio. Este é o próximo passo

para se constituir um corpo de conhecimento científico sobre o tema, relacionado à

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cultura brasileira. Esse é ainda um tema insuficientemente pesquisado, especialmente

no Brasil.

Ao discorrer sobre o luto, depara-se com vários aspectos relevantes para

compreensão do assunto. Neste trabalho serão discutidos os principais determinantes

do luto, suas reações próprias e como o modo de morte (um dos determinantes do

luto), especialmente o suicídio, exerce influência sobre a vivência do luto. Este foi o

parâmetro adotado para a escolha dos aspectos do luto aqui citados.

Neste capítulo serão brevemente apresentadas as transformações da visão

sobre o luto ao longo do tempo, as reações de luto, seus determinantes e a visão de

alguns teóricos importantes - Freud, Bowlby, Lindemann e Parkes.

I - As Transformações da Visão Acerca da Morte e do Luto ao Longo dos

Tempos e a Influência nos Dias de Hoje

Ariès (2003) realizou um estudo sobre vários aspectos da morte ao longo dos

tempos. Na Antiguidade a morte costumava acontecer em casa. Os doentes

permaneciam em casa, junto de seus familiares e das crianças, até a chegada da

morte. Na Idade Média, com a presença de doenças infecto-contagiosas e sem cura, a

morte era um acontecimento freqüente e cotidiano. As epidemias causavam várias

mortes simultaneamente, tornando a perda advinda da morte constante e, portanto,

quase banal. Por isso a morte não causava tanta comoção nas pessoas.

Áries (2003) alerta-nos sobre uma mudança ocorrida na segunda metade do

século XIX, que talvez tenha influenciado a forma como as pessoas passaram a

vivenciar o luto advindo da morte de um ente querido até os dias de hoje: o local da

morte do moribundo. A morte passa a não acontecer mais em casa, ao alcance dos

olhos da família, mas no hospital. Assim, a agonia da morte passa a incomodar as

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pessoas, resultando em um enorme distanciamento entre vivos e mortos. Ele cita que

o ritual pós-morte ficou então, limitado ao mínimo necessário:

“... as manifestações aparentes do luto são

condenadas e desaparecem... Uma dor

demasiado visível não inspira pena, mas

repugnância. Dentro do círculo familiar ainda se

hesita em desabafar, com medo de impressionar

as crianças. Só se tem direito de chorar quando

ninguém vê nem escuta: o luto solitário e

envergonhado é o único recurso” (pp. 87)

Ariès (2003) conclui então que “o recalque da dor, a interdição de sua

manifestação pública e a obrigação de sofrer só e às escondidas agravam o

traumatismo devido à perda de um ente querido” (pp. 88).

Outro aspecto interessante apontado por Ariès (2003) é a transferência da

compaixão para o familiar do morto (outrora dirigida ao próprio morto). Entretanto,

falar sobre a morte causava dor ao enlutado. Daí surgiu o comportamento das

pessoas evitarem o assunto. A proibição do tema morte e luto estaria, portanto

intimamente ligada ao fato do enlutado “aturdir-se com o trabalho [e atividades

diárias], a fingir que vive na companhia do morto,... a imitar seus gestos, palavras e

manias e a simular os sintomas da doença que o matou” (pp. 262).

II - O Luto e Suas Reações

O luto é concebido como reação natural a qualquer perda significativa,

principalmente à perda de um ente querido por morte (Worden, 1998; Parkes, 1998).

O enlutado experimenta um conjunto de respostas fisiológicas, psicológicas, sociais e

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comportamentais frente à perda. O enlutado precisa lidar com a falta desta pessoa em

situações concretas, já que não estará mais presente no Natal, nos aniversários,

almoços dominicais nem em situações alegres ou difíceis que costumavam

compartilhar.

Entretanto não é “somente” a pessoa em si que o enlutado está perdendo. Há

ainda outras perdas. Tomemos o exemplo de uma jovem viúva que, ao perder o

cônjuge, pode também estar perdendo o apoio do esposo na educação dos filhos, o

suporte financeiro da família, o companheiro de um projeto de vida, o parceiro

sexual, entre outros. São perdas adjacentes (ou secundárias) importantes, a serem

destacadas quando se fala sobre a dimensão da perda por morte.

Segundo Freud (1917), no luto há perda de interesse no mundo externo,

desânimo profundamente penoso e inibição de toda e qualquer atividade. Entretanto,

ele alerta que, embora o luto “envolva graves afastamentos daquilo que constitui a

atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma

condição patológica” (pp. 250).

Lindemann (1944) compartilha dessa visão ao postular que mesmo o luto

intenso não deve ser visto como um quadro médico ou transtorno psiquiátrico, mas

uma reação normal à situação de estresse. Em 1942 houve um grande incêndio em

uma boate de Boston, Coconut Grove. Havia acontecido um jogo de futebol entre

dois times universitários conhecidos na cidade e após o jogo, muitas pessoas foram a

esta boate para comemorar o resultado do jogo. A boate estava lotada quando o

incêndio começou. Quase 500 pessoas perderam a vida naquela ocasião. Lindemann,

naquela época, chefiava o Departamento de Psiquiatria do Hospital Geral de

Massachusetts. Ele e sua equipe acompanharam 101 familiares em luto recente,

decorrente do incêndio de Coconut Grove.

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A partir desse estudo, Lindemann (1944) observou que o luto se apresenta

como uma síndrome, pois o enlutado apresenta sintomas somáticos, preocupação

com a imagem do falecido, culpa, reações de hostilidade e perda dos padrões de

comportamento. Ele verificou a existência de um quadro similar de sintomas

somáticos entre pessoas que estavam vivenciando o luto intenso. Essas pessoas

sentiam ondas de desconforto que duravam entre 20 minutos e 1 hora, com sensações

de aperto na garganta, fôlego curto, respiração ofegante, perda da força muscular,

sensação de vazio no estômago, falta de ar (ou “respiração curta”), boca seca e ainda

despersonalização. Parkes (1998) define a despersonalização como algo que “ocorre

quando a pessoa enlutada sente que ela própria é irreal” (pp. 89).

Os enlutados de Coconut Grove relataram que, aos poucos, percebiam que

essas ondas de desconforto estavam associadas ao recebimento de visitas por ocasião

da morte, recebimento de condolências e lembranças acerca do falecido. Essa é uma

das razões do enlutado evitar o contato com as pessoas. Outros sintomas somáticos

marcantes relatados pelos enlutados desse estudo foram a sensação de exaustão física

e sintomas digestivos (alterações no apetite e digestão lenta).

Outro aspecto importante refere-se à preocupação com a imagem do falecido.

Lindemann (1944) relata casos de enlutados que expressavam em conversas com

outras pessoas, uma imagem idealizada do falecido. Parkes (1998) também faz

menção a essa tendência que o enlutado apresenta de idealizar o falecido. Ele

percebeu em seus contatos com enlutados que “as lembranças dos aspectos negativos

do morto são perdidas...” e “as lembranças felizes e os aspectos valorizados do

relacionamento é o que o enlutado quer guardar e perpetuar” (pp. 93).

Reações de raiva e hostilidade também são freqüentes entre os enlutados.

Sobre isso, cabe citar a teoria de Bowlby (1961 apud Parkes, 1998), que destaca o

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protesto da criança como uma reação à separação da mãe, o qual muitas vezes é

carregado de raiva. Como a mãe passa a evitar se ausentar da companhia do bebê a

partir desse protesto, este adquire então, o valor de sobrevivência para o bebê. Na

visão dele, essa reação à perda é esperada na vida adulta. Essa raiva pode tomar três

caminhos: a raiva generalizada, sem destinatário específico (muito relatada pelos

enlutados); a culpabilização do outro; ou a auto-acusação, que seria a raiva revertida

contra si mesmo.

Enlutados sentem muita raiva do “causador” de sua dor, que pode ser a morte

propriamente dita, Deus, os médicos que atendiam o falecido e até mesmo o próprio

falecido. Há casos de enlutados que perderam o familiar num assalto e passaram a

culpar as autoridades responsáveis pela segurança pública. Outros podem culpar a

má conservação de uma rodovia pelo acidente automobilístico no qual o ente querido

perdeu a vida. A raiva pode também ser dirigida a outro membro familiar, como se

este tivesse causado ou pudesse ter evitado a morte. Parece ser preciso

“personificar”, nesses casos, a causa da morte para que se possa projetar a imensa

culpa que o enlutado sente.

Foi também observado que enlutados podem apresentar alterações nas

relações com amigos e familiares, devido à irritabilidade e evitação de encontros

sociais. Lindemann (1944) observou ainda em alguns casos, um quadro em que as

reações de luto se assemelham a “depressão agitada”, com tensão, agitação, insônia,

sentimentos de inutilidade e auto-acusação. O sentimento de auto-acusação pode

evocar a necessidade de punição, podendo resultar daí o risco de suicídio do

enlutado.

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1- O luto patológico

O luto patológico é caracterizado por distorções do luto normal. Lindemann

(1944) aponta alguns sinais do luto patológico. O mais comum deles é o atraso das

reações normais do luto. É possível observar esse atraso nos enlutados que se vêem

envolvidos com tarefas importantes durante o luto. Exemplo clássico é aquele

enlutado que assume a organização do velório, providencia os documentos

necessários para o sepultamento do falecido ou se propõe a dar suporte a outros

familiares (que como ele, também foram atingidos pela perda). Estes enlutados

podem apresentar poucas reações ou simplesmente não apresentá-las por semanas ou

mais. Outra reação distorcida pode ser observada em enlutados que se envolvem num

excesso de atividades e trabalho, que os possibilita postergar o sentimento da perda.

Deutsch (1937, apud Worden, 1998) estudou uma interessante reação

distorcida do luto: a ausência de reações do luto. Segundo ela, o enlutado deixa de

apresentar algumas expressões reativas à perda do ente querido, que vão desde

reações esperadas do luto até ausência dessas reações. O problema se configura

quando a ausência dessas expressões torna-se intensa e persistente ao longo do

tempo. Isso aconteceria porque, nesses casos, o ego do enlutado não está

“suficientemente desenvolvido para suportar o esforço do trabalho de luto, então

utiliza alguns mecanismos narcisistas de proteção do self para evitar o processo” (pp.

92). Ela alerta que nesses casos o luto pode ser vivenciado sob duas formas: de forma

mascarada ou reprimida (em que o enlutado apresentaria sintomas psicossomáticos

agudos ou os sintomas que o falecido apresentava antes de sua morte) ou sob a forma

de uma conduta aberrante ou mal-adaptada.

Apresentar os sintomas que o falecido apresentava constitui, então, sinal de

reação distorcida e merece cuidado especial. Os profissionais de saúde precisam estar

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atentos a tal aspecto quando são procurados por pacientes que apresentam sintomas

sem apresentar a doença ou uma causa específica. Muitas das pessoas que

apresentam sintomas da doença do falecido tendem a procurar ajuda médica, mas o

diagnóstico não é conclusivo, já que não apresentam a doença (Lindemann, 1944).

Zisook and DeVaul (1976 apud Worden, 1998) chamam essa reação de

“enfermidade facsímile”. Parkes (1998) também relata a ocorrência desse fenômeno,

constatando a presença de sintomas em 5 dos 21 participantes em uma pesquisa

realizada por ele. Ele diz que “em geral, havia queixa de dor no mesmo lugar em que

havia dor forte durante a doença do parente, cuja morte precedeu o aparecimento da

queixa” (pp. 140).

Vargas, Loya and Hodde-Vargas (1989) avaliaram algumas reações do luto

em 201 familiares e amigos próximos de pessoas que haviam falecido e uma de suas

conclusões refere-se justamente ao cuidado necessário ao diagnosticar o luto como

normal ou patológico. Eles constataram, a partir da pesquisa que realizaram, que

“algumas das características que costumam ser associadas principalmente ao luto

patológico, estão presentes durante o luto da maioria da população pesquisada” (pp.

1488). A proposta deles é que, para se determinar a patologia no luto, o mais

indicado seria a mensuração por freqüência (inclusive a ausência) ou intensidade

dessas características.

A persistência por mais de seis meses das reações de luto (tais como raiva,

isolamento, pensamentos intrusivos sobre o falecido, etc) em um contexto de

prejuízo no funcionamento familiar, social ou do trabalho do enlutado é sinal de luto

patológico na visão de Neimeyer, Prigerson and Davies (2002). É quando as reações

normais do luto passariam a ser “sinais” de luto complicado. Eles alertam, em

conformidade com a visão de Lindemann (1944), que o luto complicado pode

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facilitar o desenvolvimento de problemas de saúde para o enlutado tais como:

elevação da pressão sanguínea, doenças cardíacas, câncer, úlcera, alergias, distúrbios

relacionados à alimentação, abuso de álcool e fumo, além da ideação suicida. É de

suma importância que profissionais de saúde estejam atentos para esses sintomas

associados a perdas, para o diagnóstico de luto patológico e o emprego de

intervenções e tratamentos eficazes.

Hauser (1987 apud Knieper 1999) aponta que quando uma pessoa perde um

ente querido, o processo de elaboração da perda envolve dois importantes pontos: o

pesar e o luto propriamente dito. O pesar refere-se à resposta emocional do enlutado

à perda, com expressão da dor. Diz mais respeito ao âmbito do indivíduo. Já o

processo de luto, na visão dela, refere-se aos costumes sociais e rituais que ajudam o

enlutado a expressar seus sentimentos, dores, pensamentos e memórias sobre o

falecido e a perda. Knieper (1999) compartilha dessa visão quando atribui grande

importância ao âmbito social para a elaboração do luto. Ressalta que, no caso das

mortes por suicídio, devido ao estigma e preconceito, os rituais sociais ficam

alterados e o suporte social ao enlutado apresenta-se falho. Isso dificulta o trabalho e

elaboração do luto para o enlutado.

Prigerson, Bridge, Maciejewski and Beery (1999) realizaram um estudo com

76 adultos jovens para avaliar a relação entre luto patológico e a presença de ideação

suicida no enlutado. Os participantes da pesquisa haviam perdido um amigo por

suicídio. Constataram que os participantes que apresentavam sintomas de luto

patológico (Ex.: medo de abandono e agressividade excessiva) relataram pensar em

matar-se até 5 vezes mais que os outros sujeitos da pesquisa. Entretanto, este estudo

apresenta uma falha: não estabeleceu um grupo por outros modos de morte. Os

resultados da pesquisa podem ter sido influenciados pelo modo de morte (suicídio).

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De qualquer forma, fornece um dado importante: pessoas com vulnerabilidades

frente a uma perda significativa apresentam maior probabilidade de desenvolverem o

luto patológico e ainda terem pensamentos sobre se matar.

III - O Trabalho de Luto

A duração das reações de luto parece estar relacionada à forma como o

enlutado faz o “trabalho de luto”, que requer reajustes frente à ausência do falecido, a

formação de novas relações e a “libertação” em relação ao pesar pelo falecido

(Lindemann, 1944). Parkes (1998) defende que fazem parte do trabalho de luto: o

enlutado passar pela procura do falecido (com isso, ele tende a pensar sobre o que foi

perdido); elaborar as dolorosas lembranças acerca da perda (isso requer que o

enlutado não as evite) e conciliar um “sentido para a perda para encaixá-la no

conjunto de crenças sobre o mundo” (pp. 100).

Peterson (1980 apud Farberow at al. 1992) propõe um modelo de resolução

de luto, em que tanto a resolução do luto quanto a adaptação durante este período

depende da interação de três principais fatores: a força de enfrentamento do enlutado,

a rede social de suporte e a forma como o enlutado passou por perdas e eventos

estressores anteriormente.

Não é possível precisar a um enlutado o tempo que irá durar seu luto, apesar

da maioria dos teóricos falarem em até dois anos. Lindemann (1944) já diz que, se o

luto não for complicado ou distorcido, tende a ser elaborado em torno de seis

semanas. Worden (1998) expressa a especificidade desse processo e coloca que o

tempo varia conforme cada pessoa. Ele diz que “perguntar quando o processo de luto

termina é como perguntar qual é a altura mais alta. Não há resposta pronta” (pp. 30).

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O tempo do luto, a vivência das fases ou se o luto será normal ou patológico vai

depender de vários aspectos (alguns serão abordados na seção Determinantes do

Luto).

Farberow, Gallagher-Thompson, Gilewski and Thompson (1992) constataram

a partir de uma pesquisa que durante o processo de luto “há uma redução gradual dos

sintomas físicos e psicológicos à medida que o funcionamento pessoal e social é

retomado e a adaptação começa acontecer” (pp. 357). Eles compartilham da visão de

luto já descrita, ou seja, como um processo com tarefas a serem executadas e

resolução de alguns pontos. Por isso, não haveria um ponto exato, no que diz respeito

ao tempo e fases, em que o luto se resolve e a dor termina. A dor pela perda poderia

durar por toda a vida do enlutado, na visão deles. Tomemos por exemplo uma das

primeiras reações de luto apresentada por enlutados, que é a sensação de choque que

aparece pela primeira vez quando o enlutado recebe a notícia da morte. Eles

observaram que a sensação de choque vai tendo diminuída a intensidade ao longo do

tempo. Mas alguns participantes da pesquisa realizada por eles, relataram a presença

dessa sensação até dois anos após a morte do familiar.

Quanto às fases do luto, não há um consenso entre os estudiosos do tema

acerca do tempo de duração nem mesmo acerca do número de fases num processo de

luto saudável. Serão apresentadas aqui as fases descritas por Parkes (1970 apud

Worden, 1998). Parkes concebe o luto como um processo e não um estado em que o

enlutado apresenta sintomas típicos, que gradualmente passam. Um sintoma sentido

pelo enlutado no início do processo costuma acometer o enlutado novamente

(Parkes, 1998). Por isso a idéia de processo é mais condizente com a experiência das

pessoas em luto, já que uma fase pode retornar ao longo do processo, pode co-existir

com outra fase e há fases que nem são vivenciadas pelo enlutado (Ex.: alguns

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enlutados por mortes naturais não costumam apresentar a sensação de

entorpecimento ou negação da morte, que são muito comuns quando a morte é

inesperada).

 Fase I:. Ocorre logo após a notícia da morte. É nessa fase que o enlutado tem

a sensação de choque ao receber a notícia da morte e logo em seguida

costuma duvidar que a morte realmente ocorreu – é a negação da morte. É

muito comum ouvir o enlutado, quando recebe a notícia da morte, dizer que

não acredita que a pessoa em questão morreu, ou perguntar se o portador da

notícia tem certeza da morte. Ocorre também o entorpecimento, que se

configura como um sinal marcante do luto. O entorpecimento parece operar

como uma defesa do enlutado, como se exercesse função de uma “anestesia

emocional”. Nesta fase iniciam-se os episódios agudos de dor psíquica

intensa pela qual o enlutado passa. Na opinião de Parkes (1998), esses

episódios de dor psíquica constituem o traço mais característico do luto.

Durante esses episódios de dor aguda, que costumam ter seu pico por volta do

14º dia, o enlutado costuma sentir a “boca seca, hiperatividade com

inquietação e sentimentos de pânico” (pp. 63). Esses são sinais da atividade

do seu sistema nervoso autônomo, devido à situação de estresse.

 Fase II: é denominada por Parkes como a fase do anseio ou procura. É quando

o enlutado deseja a volta da pessoa falecida. Mesmo pessoas que relatam total

consciência de que o ente querido está morto e que não vejam sentido nessa

procura, eles o fazem (Parkes, 1998). Isso pode ser exemplificado pelo

comportamento de procura daqueles enlutados que visitam o túmulo quase que

diariamente quando a perda ainda é recente. Se essa procura persistir sob a

forma de sensação de ter visto a pessoa falecida no meio da multidão, por

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exemplo, pode ser sinal de luto patológico. Nesta fase o enlutado experimenta

dificuldade de concentração e pensamento em assuntos que não se refiram ao

falecido ou à perda. Como o enlutado pensa a maior parte do tempo no falecido,

a dor psíquica continua nessa fase. Segundo Parkes (1998), essa dor teria uma

função: “é componente subjetivo e emocional da urgência em procurar o objeto

perdido” (pp. 63). Nessa situação, torna-se compreensível o choro constante e

intenso do enlutado nesses episódios de dor. O enlutado também sente uma

raiva e irritabilidade que podem ser externalizadas sob a forma de

comportamentos hostis. Parkes (1998) defende que é uma forma de protesto

contra a separação do ente querido. A irritabilidade parece também estar ligada

à frustração por não se conseguir lidar com a perda até então.

 Fase III: é quando ocorre a desorganização e desespero. A morte de um ente

querido implica em mudanças drásticas. O familiar pode estar sem preparo

emocional/psicológico para lidar com a perda do ente querido, assim como sem

o preparo financeiro para lidar com a queda dos rendimentos ou sem o preparo

para assumir os papéis, que até então eram desempenhados pelo falecido. É

nessa fase que o enlutado experimenta as dificuldades de adaptação ao ambiente

depois da perda. É quando a raiva típica da fase anterior cede lugar à tristeza e

desespero.

 Fase IV: é a fase de adaptação à perda. O enlutado precisa se adaptar à nova

rotina, sem o ente querido. Essas adaptações vão desde a reorganização

financeira e emocional, até rever os papéis antes desempenhados pelo enlutado,

que agora precisam ser realocados. Parkes (1998) alerta-nos para o fato de que

alguns dos papéis desempenhados antes pelo falecido não serão desempenhados

por outra pessoa. Exemplo: um viúvo pode decidir que não se casará novamente

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e assim, o papel marital do falecido não será mais exercido. Outros papéis

podem ser atribuídos a outro membro familiar. Exemplo: falece o chefe do clã

familiar, aquele que resolvia os problemas da família, dava conselhos aos

membros desta família e intervinha nos problemas familiares. Este papel, que

outrora era exercido pelo avô, pode passar a ser exercido por sua viúva. Outros

podem ser divididos entre os membros familiares. Exemplo: o papel de

provedor financeiro pode ser assumido pela viúva juntamente com o filho mais

velho. Oates (2003) aponta que o enlutado precisa agora estabelecer outras

relações, além de construir uma nova identidade. Uma viúva que esteve casada

por mais de 50 anos, agora precisa se perceber sem o papel de esposa. Precisa

também redescobrir outros papéis, hábitos e comportamentos que comporão

parte dessa nova identidade.

IV - A Morte e o Luto Segundo Freud

A dificuldade em lidar com a morte parece ser algo inerente ao ser humano.

Freud (1915) assegurou que tendemos a evitar o assunto morte, como se isso a

colocasse à parte da vida. Ele escreveu Nossa atitude para com a morte (Freud,

1915) nos tempos da Primeira Guerra Mundial. Talvez por sentir-se em luto por

todos aqueles que morriam em combate, neste artigo ele discorre de forma tão íntima

sobre a morte. Segundo ele, “nosso inconsciente não crê em sua própria morte;

comporta-se como se fosse imortal” (pp. 306). Então enfatizamos uma causa fortuita

à morte, a fim de distorcer a maior de todas as certezas: o fato da morte ser infalível.

Mas quando esta acomete alguém emocionalmente próximo de nós, somos abatidos.

No mesmo ano ele começou a escrever Luto e Melancolia, concluindo dois anos

depois, em 1917, mas sob o prisma das conseqüências pelas quais passam aquele que

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sofre perdas, cabendo aí entendermos também a morte como um tipo de perda. Ele

destaca que não é raro alguns enlutados apresentarem quadros depressivos após uma

perda por morte e alerta para a disposição patológica que algumas pessoas possuem

para a melancolia ao invés do luto. É difícil precisar os limites entre um quadro

normal de luto e um quadro depressivo ou melancólico. Freud os distinguiu da

seguinte forma:

“Os traços mentais distintivos da melancolia

são um desânimo profundamente penoso, a

cessação de interesse pelo mundo externo, a

perda da capacidade de amar, a inibição de

toda e qualquer atividade, e uma diminuição

dos sentimentos de auto-estima a ponto de

encontrar expressão em auto-recriminação,

culminado numa expectativa de punição...

com única exceção, os mesmos traços são

encontrados no luto... A perturbação da auto-

estima está ausente no luto”.

(Freud, 1917, pp. 250)

Freud (1917) diz que após a constatação, na realidade, que o ser amado não

existe mais, é necessário que toda a libido seja retirada deste objeto. Isso não

constitui tarefa fácil, porque causa grande oposição devido ao abandono de uma

posição libidinal, que estava estabelecida com este objeto. Então é natural que o

trabalho de luto demande um tempo, com gasto de energia catexial, já que o objeto

psiquicamente persistirá por um tempo ainda, para só depois o ego ficar livre. Nesse

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caso, o enlutado tem consciência de quem ele perdeu. No caso da melancolia, o

enlutado até pode ter consciência de quem ele perdeu, mas não lhe vem à consciência

que há aí outra perda subjacente. Ele não sabe o que ele perdeu junto com a perda

desse alguém.

O rebaixamento da auto-estima na melancolia, que não está presente no luto,

ocorre devido ao fato de que no luto “é o mundo que se torna pobre e vazio; na

melancolia, é o próprio ego” (Freud, 1917, pp. 251). No luto, o que se perde é o

objeto, na melancolia o que se perde refere-se ao próprio ego. Por isso, o enlutado

melancólico/depressivo busca punição, culpa-se, degrada-se podendo ir até “a uma

superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida” (pp. 252). Talvez

isso explique melhor o motivo de alguns enlutados pensarem em se matar.

As auto-acusações que o melancólico se faz, são acusações que se referem na

verdade ao objeto perdido, que foram deslocadas para dentro do ego do melancólico.

Na visão de Freud (1917), a prova disso é que o melancólico não adquire atitudes

humildes (que seriam condizentes com uma figura tão “desprezível”, se assim o

enlutado realmente se visse), mas sim atitudes de revolta como se tivesse sido vítima

de enorme injustiça. É por isso que em determinados momentos o enlutado chora, se

queixa, se auto-recrimina, mas ao mesmo tempo é extremamente agressivo com

aqueles que estão à sua volta.

Outro ponto que merece atenção refere-se à ambivalência presente na relação

amorosa e que, segundo Freud, se faz “efetiva e manifesta” com a perda do objeto

amoroso. O conflito devido à ambivalência pode ser determinante para o luto

patológico “onde exista uma disposição para a neurose obsessiva. Nos estados

obsessivos de depressão que seguem à morte de uma pessoa amada revela-nos o

conflito da ambivalência” (Freud, 1917, pp. 256). Na melancolia, a perda por morte

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pode trazer para a relação com o objeto, sentimentos opostos como amor e ódio. Se o

amor ao objeto não for renunciado e sim se “refugiar na identificação narcisista, o

ódio entra em ação nesse objeto substitutivo - o próprio ego - dele abusando,

fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento” (pp. 257). Entretanto,

é importante salientar que a renúncia do amor ao objeto (mesmo este já tendo sido

perdido), representa no melancólico, o perigo de sua extinção (do amor). Entretanto,

o ódio interfere aí, devido à ambivalência. Por isso, Freud defendia a idéia de que o

paciente (ou o enlutado) parece punir o objeto perdido através da autopunição. É uma

vingança do objeto original através da própria doença. Assim, dá-se curso à

hostilidade para com o objeto, mas de forma indireta, sem que esta seja abertamente

expressa contra aquele que está causando a dor da perda ao paciente/enlutado.

Uma parte da catexia (no caso do melancólico), antes direcionada ao objeto, é

dirigida ao ego via identificação narcisista; a outra parte, devido ao conflito da

ambivalência, é dirigida à etapa do sadismo. Assim, o ego passa a tratar a si próprio

como o objeto, ou seja, de forma hostil (contra aquele que está causando a dor da

perda). Isso explicaria a tendência ao suicídio após uma perda por morte em que o

luto não se desenvolve de forma saudável.

V - Alguns Determinantes do Luto

A forma como o luto é vivenciado e resolvido (conforme uma visão de

processo) depende de vários determinantes: experiências prévias de perda, idade do

enlutado e do falecido, religião, fatores culturais e familiares, estresses secundários

para o enlutado, habilidades de enfrentamento do enlutado para suportar perdas, etc.

Aqui serão apresentados somente aqueles que são mais relevantes para o tema

proposto neste estudo.

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Uma avaliação da vivência do luto conforme o modo de morte 30

1- A “intensidade do amor” ou força do apego

Um dos pontos que mais influenciam no luto é a proximidade da relação e

natureza dos sentimentos que existiam entre falecido e enlutado. Parkes (1998)

denomina esse determinante de intensidade do amor, existente entre enlutado e

falecido.

Bowlby (1977 apud Worden, 1998) é um dos teóricos adotados para se tratar

esse ponto. Ele postula sobre a necessidade do ser humano de estabelecer laços

afetivos que tendem a durar por grande parte do ciclo vital. São direcionados a

poucas e selecionadas pessoas, com o intuito de obter segurança e proteção. O

primeiro desses laços costuma ser estabelecido com a mãe biológica e esta se torna

então a primeira “figura de apego” para o bebê. É a Teoria do Apego, que se baseia

nos laços que o indivíduo estabelece desde a infância.

A partir de sua experiência como psiquiatra, Bowlby (1977 apud Fonseca,

2004) observou que a criança tende a procurar pela figura de apego quando está

“cansada, doente, faminta, alarmada ou insegura” (pp. 24). Quando está feliz e

segura, também tende a procurar pela figura de apego, mas para brincar. A forma

como a mãe atende a esses comportamentos e necessidades da criança vai determinar

futuros relacionamentos desse indivíduo. Ele poderá estabelecer relações onde sentir-

se-á em relação a outras figuras de apego, seguro ou ansioso. Quando a “figura de

ligação/apego desaparece ou está ameaçada, a resposta é intensa ansiedade e forte

protesto emocional” (Bowlby, 1977 apud Worden, 1998, pp. 20). Fonseca (2004)

parte desse pressuposto, defendendo a idéia de que a forma como a pessoa lida com a

perda de um ente querido é determinada pela forma como os primeiros laços afetivos

foram estabelecidos no início da vida: de forma ansiosa ou segura. Isso influencia

diretamente na resolução do luto.

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Uma avaliação da vivência do luto conforme o modo de morte 31

Parkes (1998) alerta ara o fato de que “uma relação de amor bem estabelecida

é aquela na qual a separação ou o afastamento pode ser bem tolerado, porque existe a

confiança de que a pessoa amada voltará quando necessário” (pp. 146). Isso é

chamado por Ainsworth e Witting (1969, apud Parkes, 1998) de segurança do

apego, que constitui um dos determinantes do luto.

2 – Grau de parentesco entre falecido e enlutado

Outro determinante do luto refere-se ao grau de parentesco entre enlutado e

falecido. As reações vivenciadas, bem como sua duração e intensidade dependem

também de quem era o ente querido que faleceu. Muller and Thompson (2003)

alertam para o fato: “as reações variam dependendo de quem era o ente querido

perdido, (...) pai/mãe, filho, cônjuge ou amigo. Diferentes relacionamentos evocam

diferentes respostas ao luto” (pp. 184).

Estudos apontam que pais e cônjuges tendem a sentir mais a perda do que

outros familiares. Lundin (1984) realizou um estudo longitudinal ao longo de 8 anos

com pais e cônjuges enlutados. Constatou maiores evidências de choro e luto

persistentes entre os primeiros. Entretanto, os segundos apresentaram maior

tendência a continuar pensando no falecido e a expressar culpa. Parkes (1998) relata

que de 171 pacientes encaminhados a ele para tratamento psiquiátrico conseqüente

ao luto, 45% haviam perdido o cônjuge.

3 – Sexo do enlutado

Parkes (1996) postula que mulheres tendem a sentir mais a perda do que

homens. Ele relata uma pesquisa em que a proporção de adesão dos participantes era

de sete mulheres para cada um homem.

Em um outro estudo realizado em Harvard (Parkes, 1998) com 49 viúvas e 19

viúvos concluiu-se que as mulheres apresentaram maior sofrimento pelo luto e maior

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Uma avaliação da vivência do luto conforme o modo de morte 32

inadequação para se ajustarem psicológica e socialmente até um ano após a perda.

Entretanto, os homens parecem reprimir com mais rigor as manifestações de luto que

as mulheres, além de procurarem menos ajuda psiquiátrica e psicológica. Um indício

dessa repressão pode ser o fato de que, em grande parte das pesquisas sobre luto, o

número de homens que concordam em participar costuma ser muito menor do que o

de mulheres. Como há uma grande desigualdade numérica entre homens e mulheres

nessas pesquisas, as inferências sobre as diferenças quanto ao sexo podem não ser

fidedignas com a realidade. O fato de não participarem de pesquisas sobre o luto

pode ser um sinal de que homens lidem com a dor da perda de forma diferente das

mulheres, ou seja, através da evitação do assunto. Isso não significa que o homem

sofra menos uma morte que a mulher, mas de forma diferente. Esse é um assunto que

requer mais estudos.

Reed (1998) compartilha dessa hipótese e afirma que homens tendem a negar

a perda, num “esforço de evitar pensamentos e emoções que os fariam sentir um

medo esmagador. Eles também podem agir como se nada de significativo houvesse

acontecido para manterem sua auto-suficiência e controle” (pp. 286).

Outro ponto que precisa ser mencionado refere-se ao fato de que homens e

mulheres tendem a expressar sofrimento de forma diferente. As mulheres tendem a

chorar mais, aderirem a tratamentos psicológicos e/ou medicamentoso enquanto os

homens tendem a se isolar mais e apresentarem comportamentos agressivos. Thomas

and Strigel (1995 apud Parkes, 1998) realizaram uma pesquisa com 26 casais que

haviam perdido um filho. Concluíram que quando a perda acomete o casal, o homem

tende a conter suas próprias manifestações do luto para poder cuidar da esposa.

“Mães e pais ficam enlutados de maneira diferente: as mães sentem por seus filhos;

os pais, além disso, sentem por suas esposas” (pp. 153).

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Alien and Hayslip (2000 apud Henderson, 2004) relatam que, em relação aos

homens, após a perda por morte, as mulheres tendem a expressar mais a aflição

emocional, admitem mais o sentimento de desesperança, expressam de forma mais

significativa às mudanças que sentem em suas identidades e nos papéis sociais.

Farberow et al. (1992) constataram que mulheres enlutadas que participaram

da pesquisa realizada por eles, relataram mais apreensão sobre o futuro, medo, maior

tendência a desenvolver sintomas obsessivos-compulsivos e mais ansiedade ao lidar

com aspectos práticos para continuar a vida do que homens.

4 - A idade do enlutado e a idade do falecido

Henderson et al. (2004) interessaram-se em estudar a relação entre a idade do

enlutado e a influência no processo de luto. Observaram diferenças no processo de

luto a partir de um estudo com 125 cônjuges enlutados. Eles postulam que a

diferença que se pode observar entre pessoas de idades distintas no processo de luto é

devido às diferentes estratégias de enfrentamento de situações difíceis e de adaptação

que cada um apresenta. Essa diferença é atribuída ao nível de desenvolvimento de

cada indivíduo. Até a forma de ver um evento estressor ligado à perda (Ex.: como

pagar a hipoteca da casa da família) é qualitativamente diferente conforme a idade.

Conseqüentemente, as soluções de ajuste também o serão.

Ness and Pfeffer (1990) alertam para o fato que poucas pesquisas foram

realizadas para se avaliar o impacto da perda por morte em crianças e idosos. Estudos

realizados sugerem que a perda de um dos pais na infância é experienciada como

traumática, causando distúrbios comportamentais e emocionais que podem persistir

por anos.

Stern, Williams and Prados (1951 apud Farberow et al., 1992), num dos

primeiros estudos dedicados a observar as reações de luto entre idosos, concluíram

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que estes tendem a apresentar mais culpa do que enlutados mais jovens. Além disso,

são mais propensos a desenvolver sintomas físicos, entretanto, são menos propensos

à dificuldades emocionais, em relação aos enlutados mais jovens.

A idade do falecido também influencia no processo de luto. Parece mais

aceitável a morte de uma pessoa mais idosa, que viveu muito tempo, realizou

projetos, formou uma família, etc. Já a morte de crianças e adolescentes chocam e

costumam tornar a perda mais difícil. Reed and Greenwald (1991) alertam que esse

determinante é tão importante que em sua pesquisa mostrou-se mais significativo

para a vivência do luto do que o grau de parentesco. A idade do falecido mostrou-se

importante para explicar as diferenças nas reações de luto. Esse determinante do luto

será abordado mais profundamente no capítulo seguinte.

5- Histórico psiquiátrico prévio do enlutado

Enlutados com histórico de depressão, por exemplo, são mais vulneráveis a

perdas que aqueles que não apresentam esse histórico. Essa foi a conclusão a que

Zisook and Shuchter (1991 apud Reed 1998) chegaram em seus estudos, segundo o

qual, um histórico prévio de depressão é um importante indicador de vulnerabilidade

ao estresse do luto. Gallagher et al. (1989 apud Reed 1998) alertam para

comportamentos que ele chama de “evitativos” , como abuso de álcool e drogas, que

seriam formas de enfrentamento empregadas pelo enlutado, que estariam

relacionadas à depressão. A relação entre abuso de álcool/drogas e depressão ainda

permanece obscura e requer mais estudos.

Horowitz et al. (1997) concordam que a depressão é um importante fator que

influencia no processo de luto. Chegaram a essa conclusão a partir de uma pesquisa

realizada com pessoas que haviam perdido o cônjuge. Observaram que entre os

indivíduos que desenvolveram o luto complicado (ou luto patológico) e também

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apresentaram o transtorno depressivo maior tinham um histórico deste transtorno ao

longo da vida, ou seja, não era o primeiro episódio depressivo que esse indivíduo

vivenciava. Assim, episódios anteriores de depressão podem ser um fator preditivo

de dificuldades na vivência do luto.

Parkes (1998) também postula sobre transtornos dessa natureza, que são

agravados pela perda por morte. Ele diz que é como se o luto fosse incorporado à

doença pré-existente e passasse a fazer parte desta, não apresentando

necessariamente, os sinais clássicos do luto patológico. Ele cita como exemplo

comportamentos tais como abuso de álcool e drogas após uma perda por morte. Um

adicto ao álcool, pode sofrer uma psicose alcoólica após a morte de um ente querido.

Nesse caso, o sintoma claro é o abuso de álcool, mas a dor da perda e dificuldade de

ajustamento à nova situação favoreceu o agravamento do quadro.

Um importante determinante da vivência do luto é o modo de morte. Como

constitui um dos focos de interesse desse estudo, esse determinante será discutido no

próximo capítulo. Assim torna-se possível o maior detalhamento e especificidades

das reações ao luto (já discutidas) conforme cada modo de morte.

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