Luto
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Luto
CAPÍTULO 1: O LUTO
ajudar.”
O LUTO
todas as pessoas em vários momentos ao longo da vida. A perda pode ser relacionada
É quase um consenso que a perda por morte constitui a mais difícil das
seja, reaver o ente querido, nos coloca frente a nossa própria fragilidade e
mortalidade e exige do enlutado experienciar uma dor quase insuportável. Talvez por
tudo isso a morte seja ainda um tema tabu. Entretanto, negar a ação da morte torna
mais difícil a experiência do luto para o familiar que perde o ente querido.
precisa experimentar para “resolver o luto” de forma saudável. Há vários fatores que
interesse nas reações próprias do luto por suicídio. A compreensão desta experiência
no Brasil.
do luto, suas reações próprias e como o modo de morte (um dos determinantes do
luto), especialmente o suicídio, exerce influência sobre a vivência do luto. Este foi o
Ariès (2003) realizou um estudo sobre vários aspectos da morte ao longo dos
quase banal. Por isso a morte não causava tanta comoção nas pessoas.
século XIX, que talvez tenha influenciado a forma como as pessoas passaram a
vivenciar o luto advindo da morte de um ente querido até os dias de hoje: o local da
morte do moribundo. A morte passa a não acontecer mais em casa, ao alcance dos
pessoas, resultando em um enorme distanciamento entre vivos e mortos. Ele cita que
falar sobre a morte causava dor ao enlutado. Daí surgiu o comportamento das
diárias], a fingir que vive na companhia do morto,... a imitar seus gestos, palavras e
principalmente à perda de um ente querido por morte (Worden, 1998; Parkes, 1998).
comportamentais frente à perda. O enlutado precisa lidar com a falta desta pessoa em
situações concretas, já que não estará mais presente no Natal, nos aniversários,
compartilhar.
ainda outras perdas. Tomemos o exemplo de uma jovem viúva que, ao perder o
cônjuge, pode também estar perdendo o apoio do esposo na educação dos filhos, o
sexual, entre outros. São perdas adjacentes (ou secundárias) importantes, a serem
ele alerta que, embora o luto “envolva graves afastamentos daquilo que constitui a
atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma
intenso não deve ser visto como um quadro médico ou transtorno psiquiátrico, mas
uma boate de Boston, Coconut Grove. Havia acontecido um jogo de futebol entre
dois times universitários conhecidos na cidade e após o jogo, muitas pessoas foram a
esta boate para comemorar o resultado do jogo. A boate estava lotada quando o
incêndio começou. Quase 500 pessoas perderam a vida naquela ocasião. Lindemann,
somáticos entre pessoas que estavam vivenciando o luto intenso. Essas pessoas
sentiam ondas de desconforto que duravam entre 20 minutos e 1 hora, com sensações
sensação de vazio no estômago, falta de ar (ou “respiração curta”), boca seca e ainda
quando a pessoa enlutada sente que ela própria é irreal” (pp. 89).
das razões do enlutado evitar o contato com as pessoas. Outros sintomas somáticos
marcantes relatados pelos enlutados desse estudo foram a sensação de exaustão física
outras pessoas, uma imagem idealizada do falecido. Parkes (1998) também faz
percebeu em seus contatos com enlutados que “as lembranças dos aspectos negativos
Sobre isso, cabe citar a teoria de Bowlby (1961 apud Parkes, 1998), que destaca o
protesto da criança como uma reação à separação da mãe, o qual muitas vezes é
partir desse protesto, este adquire então, o valor de sobrevivência para o bebê. Na
visão dele, essa reação à perda é esperada na vida adulta. Essa raiva pode tomar três
contra si mesmo.
Enlutados sentem muita raiva do “causador” de sua dor, que pode ser a morte
propriamente dita, Deus, os médicos que atendiam o falecido e até mesmo o próprio
perdeu a vida. A raiva pode também ser dirigida a outro membro familiar, como se
este tivesse causado ou pudesse ter evitado a morte. Parece ser preciso
“personificar”, nesses casos, a causa da morte para que se possa projetar a imensa
enlutado.
1- O luto patológico
(1944) aponta alguns sinais do luto patológico. O mais comum deles é o atraso das
reações normais do luto. É possível observar esse atraso nos enlutados que se vêem
familiares (que como ele, também foram atingidos pela perda). Estes enlutados
mais. Outra reação distorcida pode ser observada em enlutados que se envolvem num
apresentar algumas expressões reativas à perda do ente querido, que vão desde
tempo. Isso aconteceria porque, nesses casos, o ego do enlutado não está
utiliza alguns mecanismos narcisistas de proteção do self para evitar o processo” (pp.
92). Ela alerta que nesses casos o luto pode ser vivenciado sob duas formas: de forma
agudos ou os sintomas que o falecido apresentava antes de sua morte) ou sob a forma
atentos a tal aspecto quando são procurados por pacientes que apresentam sintomas
sem apresentar a doença ou uma causa específica. Muitas das pessoas que
Zisook and DeVaul (1976 apud Worden, 1998) chamam essa reação de
realizada por ele. Ele diz que “em geral, havia queixa de dor no mesmo lugar em que
havia dor forte durante a doença do parente, cuja morte precedeu o aparecimento da
em 201 familiares e amigos próximos de pessoas que haviam falecido e uma de suas
dessas características.
A persistência por mais de seis meses das reações de luto (tais como raiva,
suma importância que profissionais de saúde estejam atentos para esses sintomas
Hauser (1987 apud Knieper 1999) aponta que quando uma pessoa perde um
processo de luto, na visão dela, refere-se aos costumes sociais e rituais que ajudam o
falecido e a perda. Knieper (1999) compartilha dessa visão quando atribui grande
importância ao âmbito social para a elaboração do luto. Ressalta que, no caso das
76 adultos jovens para avaliar a relação entre luto patológico e a presença de ideação
matar-se até 5 vezes mais que os outros sujeitos da pesquisa. Entretanto, este estudo
apresenta uma falha: não estabeleceu um grupo por outros modos de morte. Os
resultados da pesquisa podem ter sido influenciados pelo modo de morte (suicídio).
enlutado faz o “trabalho de luto”, que requer reajustes frente à ausência do falecido, a
(Lindemann, 1944). Parkes (1998) defende que fazem parte do trabalho de luto: o
enlutado passar pela procura do falecido (com isso, ele tende a pensar sobre o que foi
de luto, em que tanto a resolução do luto quanto a adaptação durante este período
a rede social de suporte e a forma como o enlutado passou por perdas e eventos
estressores anteriormente.
Não é possível precisar a um enlutado o tempo que irá durar seu luto, apesar
da maioria dos teóricos falarem em até dois anos. Lindemann (1944) já diz que, se o
luto não for complicado ou distorcido, tende a ser elaborado em torno de seis
tempo varia conforme cada pessoa. Ele diz que “perguntar quando o processo de luto
termina é como perguntar qual é a altura mais alta. Não há resposta pronta” (pp. 30).
O tempo do luto, a vivência das fases ou se o luto será normal ou patológico vai
Luto).
a partir de uma pesquisa que durante o processo de luto “há uma redução gradual dos
resolução de alguns pontos. Por isso, não haveria um ponto exato, no que diz respeito
ao tempo e fases, em que o luto se resolve e a dor termina. A dor pela perda poderia
durar por toda a vida do enlutado, na visão deles. Tomemos por exemplo uma das
primeiras reações de luto apresentada por enlutados, que é a sensação de choque que
aparece pela primeira vez quando o enlutado recebe a notícia da morte. Eles
tempo. Mas alguns participantes da pesquisa realizada por eles, relataram a presença
acerca do tempo de duração nem mesmo acerca do número de fases num processo de
luto saudável. Serão apresentadas aqui as fases descritas por Parkes (1970 apud
Worden, 1998). Parkes concebe o luto como um processo e não um estado em que o
(Parkes, 1998). Por isso a idéia de processo é mais condizente com a experiência das
pessoas em luto, já que uma fase pode retornar ao longo do processo, pode co-existir
com outra fase e há fases que nem são vivenciadas pelo enlutado (Ex.: alguns
inesperada).
Fase I:. Ocorre logo após a notícia da morte. É nessa fase que o enlutado tem
muito comum ouvir o enlutado, quando recebe a notícia da morte, dizer que
Durante esses episódios de dor aguda, que costumam ter seu pico por volta do
Fase II: é denominada por Parkes como a fase do anseio ou procura. É quando
o enlutado deseja a volta da pessoa falecida. Mesmo pessoas que relatam total
consciência de que o ente querido está morto e que não vejam sentido nessa
procura, eles o fazem (Parkes, 1998). Isso pode ser exemplificado pelo
exemplo, pode ser sinal de luto patológico. Nesta fase o enlutado experimenta
a dor psíquica continua nessa fase. Segundo Parkes (1998), essa dor teria uma
emocional/psicológico para lidar com a perda do ente querido, assim como sem
o preparo financeiro para lidar com a queda dos rendimentos ou sem o preparo
para assumir os papéis, que até então eram desempenhados pelo falecido. É
depois da perda. É quando a raiva típica da fase anterior cede lugar à tristeza e
desespero.
que agora precisam ser realocados. Parkes (1998) alerta-nos para o fato de que
alguns dos papéis desempenhados antes pelo falecido não serão desempenhados
por outra pessoa. Exemplo: um viúvo pode decidir que não se casará novamente
e assim, o papel marital do falecido não será mais exercido. Outros papéis
podem ser atribuídos a outro membro familiar. Exemplo: falece o chefe do clã
membros desta família e intervinha nos problemas familiares. Este papel, que
outrora era exercido pelo avô, pode passar a ser exercido por sua viúva. Outros
provedor financeiro pode ser assumido pela viúva juntamente com o filho mais
velho. Oates (2003) aponta que o enlutado precisa agora estabelecer outras
relações, além de construir uma nova identidade. Uma viúva que esteve casada
por mais de 50 anos, agora precisa se perceber sem o papel de esposa. Precisa
A dificuldade em lidar com a morte parece ser algo inerente ao ser humano.
Freud (1915) assegurou que tendemos a evitar o assunto morte, como se isso a
colocasse à parte da vida. Ele escreveu Nossa atitude para com a morte (Freud,
1915) nos tempos da Primeira Guerra Mundial. Talvez por sentir-se em luto por
todos aqueles que morriam em combate, neste artigo ele discorre de forma tão íntima
sobre a morte. Segundo ele, “nosso inconsciente não crê em sua própria morte;
comporta-se como se fosse imortal” (pp. 306). Então enfatizamos uma causa fortuita
à morte, a fim de distorcer a maior de todas as certezas: o fato da morte ser infalível.
Mas quando esta acomete alguém emocionalmente próximo de nós, somos abatidos.
No mesmo ano ele começou a escrever Luto e Melancolia, concluindo dois anos
depois, em 1917, mas sob o prisma das conseqüências pelas quais passam aquele que
sofre perdas, cabendo aí entendermos também a morte como um tipo de perda. Ele
destaca que não é raro alguns enlutados apresentarem quadros depressivos após uma
perda por morte e alerta para a disposição patológica que algumas pessoas possuem
seguinte forma:
Freud (1917) diz que após a constatação, na realidade, que o ser amado não
existe mais, é necessário que toda a libido seja retirada deste objeto. Isso não
constitui tarefa fácil, porque causa grande oposição devido ao abandono de uma
posição libidinal, que estava estabelecida com este objeto. Então é natural que o
trabalho de luto demande um tempo, com gasto de energia catexial, já que o objeto
psiquicamente persistirá por um tempo ainda, para só depois o ego ficar livre. Nesse
enlutado até pode ter consciência de quem ele perdeu, mas não lhe vem à consciência
que há aí outra perda subjacente. Ele não sabe o que ele perdeu junto com a perda
desse alguém.
ocorre devido ao fato de que no luto “é o mundo que se torna pobre e vazio; na
melancolia, é o próprio ego” (Freud, 1917, pp. 251). No luto, o que se perde é o
objeto, na melancolia o que se perde refere-se ao próprio ego. Por isso, o enlutado
superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida” (pp. 252). Talvez
verdade ao objeto perdido, que foram deslocadas para dentro do ego do melancólico.
Na visão de Freud (1917), a prova disso é que o melancólico não adquire atitudes
humildes (que seriam condizentes com uma figura tão “desprezível”, se assim o
enlutado realmente se visse), mas sim atitudes de revolta como se tivesse sido vítima
amorosa e que, segundo Freud, se faz “efetiva e manifesta” com a perda do objeto
patológico “onde exista uma disposição para a neurose obsessiva. Nos estados
conflito da ambivalência” (Freud, 1917, pp. 256). Na melancolia, a perda por morte
pode trazer para a relação com o objeto, sentimentos opostos como amor e ódio. Se o
ódio entra em ação nesse objeto substitutivo - o próprio ego - dele abusando,
fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento” (pp. 257). Entretanto,
é importante salientar que a renúncia do amor ao objeto (mesmo este já tendo sido
o ódio interfere aí, devido à ambivalência. Por isso, Freud defendia a idéia de que o
paciente (ou o enlutado) parece punir o objeto perdido através da autopunição. É uma
hostilidade para com o objeto, mas de forma indireta, sem que esta seja abertamente
como o objeto, ou seja, de forma hostil (contra aquele que está causando a dor da
perda). Isso explicaria a tendência ao suicídio após uma perda por morte em que o
Aqui serão apresentados somente aqueles que são mais relevantes para o tema
natureza dos sentimentos que existiam entre falecido e enlutado. Parkes (1998)
falecido.
Bowlby (1977 apud Worden, 1998) é um dos teóricos adotados para se tratar
esse ponto. Ele postula sobre a necessidade do ser humano de estabelecer laços
afetivos que tendem a durar por grande parte do ciclo vital. São direcionados a
primeiro desses laços costuma ser estabelecido com a mãe biológica e esta se torna
então a primeira “figura de apego” para o bebê. É a Teoria do Apego, que se baseia
2004) observou que a criança tende a procurar pela figura de apego quando está
“cansada, doente, faminta, alarmada ou insegura” (pp. 24). Quando está feliz e
segura, também tende a procurar pela figura de apego, mas para brincar. A forma
futuros relacionamentos desse indivíduo. Ele poderá estabelecer relações onde sentir-
protesto emocional” (Bowlby, 1977 apud Worden, 1998, pp. 20). Fonseca (2004)
parte desse pressuposto, defendendo a idéia de que a forma como a pessoa lida com a
perda de um ente querido é determinada pela forma como os primeiros laços afetivos
Parkes (1998) alerta ara o fato de que “uma relação de amor bem estabelecida
é aquela na qual a separação ou o afastamento pode ser bem tolerado, porque existe a
confiança de que a pessoa amada voltará quando necessário” (pp. 146). Isso é
também de quem era o ente querido que faleceu. Muller and Thompson (2003)
alertam para o fato: “as reações variam dependendo de quem era o ente querido
Estudos apontam que pais e cônjuges tendem a sentir mais a perda do que
3 – Sexo do enlutado
Parkes (1996) postula que mulheres tendem a sentir mais a perda do que
homens. Ele relata uma pesquisa em que a proporção de adesão dos participantes era
viúvos concluiu-se que as mulheres apresentaram maior sofrimento pelo luto e maior
Entretanto, os homens parecem reprimir com mais rigor as manifestações de luto que
dessa repressão pode ser o fato de que, em grande parte das pesquisas sobre luto, o
número de homens que concordam em participar costuma ser muito menor do que o
nessas pesquisas, as inferências sobre as diferenças quanto ao sexo podem não ser
pode ser um sinal de que homens lidem com a dor da perda de forma diferente das
mulheres, ou seja, através da evitação do assunto. Isso não significa que o homem
sofra menos uma morte que a mulher, mas de forma diferente. Esse é um assunto que
Reed (1998) compartilha dessa hipótese e afirma que homens tendem a negar
medo esmagador. Eles também podem agir como se nada de significativo houvesse
Outro ponto que precisa ser mencionado refere-se ao fato de que homens e
and Strigel (1995 apud Parkes, 1998) realizaram uma pesquisa com 26 casais que
haviam perdido um filho. Concluíram que quando a perda acomete o casal, o homem
tende a conter suas próprias manifestações do luto para poder cuidar da esposa.
“Mães e pais ficam enlutados de maneira diferente: as mães sentem por seus filhos;
Alien and Hayslip (2000 apud Henderson, 2004) relatam que, em relação aos
homens, após a perda por morte, as mulheres tendem a expressar mais a aflição
da pesquisa realizada por eles, relataram mais apreensão sobre o futuro, medo, maior
luto a partir de um estudo com 125 cônjuges enlutados. Eles postulam que a
diferença que se pode observar entre pessoas de idades distintas no processo de luto é
cada indivíduo. Até a forma de ver um evento estressor ligado à perda (Ex.: como
Ness and Pfeffer (1990) alertam para o fato que poucas pesquisas foram
realizadas para se avaliar o impacto da perda por morte em crianças e idosos. Estudos
por anos.
Stern, Williams and Prados (1951 apud Farberow et al., 1992), num dos
que estes tendem a apresentar mais culpa do que enlutados mais jovens. Além disso,
são mais propensos a desenvolver sintomas físicos, entretanto, são menos propensos
aceitável a morte de uma pessoa mais idosa, que viveu muito tempo, realizou
costumam tornar a perda mais difícil. Reed and Greenwald (1991) alertam que esse
importante para explicar as diferenças nas reações de luto. Esse determinante do luto
perdas que aqueles que não apresentam esse histórico. Essa foi a conclusão a que
Zisook and Shuchter (1991 apud Reed 1998) chegaram em seus estudos, segundo o
ao estresse do luto. Gallagher et al. (1989 apud Reed 1998) alertam para
comportamentos que ele chama de “evitativos” , como abuso de álcool e drogas, que
realizada com pessoas que haviam perdido o cônjuge. Observaram que entre os
longo da vida, ou seja, não era o primeiro episódio depressivo que esse indivíduo
Parkes (1998) também postula sobre transtornos dessa natureza, que são
agravados pela perda por morte. Ele diz que é como se o luto fosse incorporado à
comportamentos tais como abuso de álcool e drogas após uma perda por morte. Um
adicto ao álcool, pode sofrer uma psicose alcoólica após a morte de um ente querido.
Nesse caso, o sintoma claro é o abuso de álcool, mas a dor da perda e dificuldade de
constitui um dos focos de interesse desse estudo, esse determinante será discutido no