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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fabio Eduardo Umeki Cidade

ESQUIZOFRENIA: PSIQUIATRIA, PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE.


DIFERENTES TERRITÓRIOS, DIFERENTES ESQUIZOS.

Mestrado em Psicologia Clínica

Tese apresentada à banca examinadora da


Pontífice Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de mestre em psicologia clínica sob a
orientação do Prof. Doutor Luis Benedito
Lacerda Orlandi.

São Paulo
2007
CIDADE, Fabio Esquizofrenia: Psiquiatria, Psicanálise e Esquizoanálise.
Diferentes territórios, Diferentes Esquizos.São Paulo, 2007, Dissertação
(Mestrado)- Departamento de Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Orientador: Prof° Dr Luis Benedito Lacerda Orlandi.

RESUMO

Esse trabalho estuda a questão da esquizofrenia a partir de três


produções conceituais diferentes: A psiquiatria, a psicanálise e a
esquizoanálise.
A metodologia utilizada é a produção de sentido, como proposta por
Deleuze. O sentido é transversalizado através das seguintes proposições: A
designação, a manifestação e a significação.
O esquizofrênico serve para a psiquiatria sustentar uma clínica de
tratamento médica. Na psicanálise o esquizofrênico aponta as conseqüências
de um complexo de édipo que fracassa no sujeito. Na esquizoanálise o
esquizofrênico é o sustentáculo de uma produção desejante baseada no
excesso, não na falta.
Ao final desse trabalho se discute, ilustrado pelo filme PI de Darren
Aranofsky a ligação entre o esquizo e a sociedade de controle e disciplinar, e o
modo como o capitalismo aprisiona as linhas de fuga construídas pelo esquizo.

Palavras Chaves: Esquizofrenia, Psiquiatria, Psicanálise, Esquizoanálise


ABSTRACT

This dissertation studies the question of squizofrenia through three


difrente theories: The psychiatry , the psychoanalysis and the squizoanalysis.

The methodology used is the production of sense, as proposed by


Deleuze. The sense is a transversal of three propositions: The designation, the
manifestation and the meaning.

The squizofrenic is used by the psychiatry to develop a medical


treatment. In psychoanalysis the squizofrenic is used to mark the failure of the
Oedipus complex. In the squizoanalysis the squizofrenic is a role model for a
new theory of desire, sustained by the excess.

At the end of this dissertation, the control society and the disciplinary
society is discussed by the movie PI by Darren Aranofski.

Key Words: Psychiatry , Psychoanalysis , Squizoanalysis, Squizofrenia


1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP

Fabio Eduardo Umeki Cidade

ESQUIZOFRENIA: PSIQUIATRIA, PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE.


DIFERENTES TERRITÓRIOS, DIFERENTES ESQUIZOS.

Mestrado em Psicologia Clínica


2

São Paulo
2007
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Fabio Eduardo Umeki Cidade

ESQUIZOFRENIA: PSIQUIATRIA, PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE.


DIFERENTES TERRITÓRIOS, DIFERENTES ESQUIZOS.

Mestrado em Psicologia Clínica

Tese apresentada à banca examinadora da


Pontífice Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de mestre em psicologia clínica sob a
orientação do Prof. Doutor Luis Benedito
Lacerda Orlandi.
3

São Paulo
2007

Banca Examinadora

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________
5

Aos meus Pais e a querida


Nanda.
6

CIDADE, Fabio Esquizofrenia: Psiquiatria, Psicanálise e Esquizoanálise.


Diferentes territórios, Diferentes Esquizos.São Paulo, 2007, Dissertação
(Mestrado)- Departamento de Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Orientador: Prof° Dr Luis Benedito Lacerda Orlandi.

RESUMO

Esse trabalho estuda a questão da esquizofrenia a partir de três


produções conceituais diferentes: A psiquiatria, a psicanálise e a
esquizoanálise.
A metodologia utilizada é a produção de sentido, como proposta por
Deleuze. O sentido é transversalizado através das seguintes proposições: A
designação, a manifestação e a significação.
O esquizofrênico serve para a psiquiatria sustentar uma clínica de
tratamento médica. Na psicanálise o esquizofrênico aponta as conseqüências
de um complexo de édipo que fracassa no sujeito. Na esquizoanálise o
esquizofrênico é o sustentáculo de uma produção desejante baseada no
excesso, não na falta.
Ao final desse trabalho se discute, ilustrado pelo filme PI de Darren
Aranofsky a ligação entre o esquizo e a sociedade de controle e disciplinar, e o
modo como o capitalismo aprisiona as linhas de fuga construídas pelo esquizo.

Palavras Chaves: Esquizofrenia, Psiquiatria, Psicanálise,


Esquizoanálise
7

ABSTRACT

This dissertation studies the question of squizofrenia through three


difrente theories: The psychiatry , the psychoanalysis and the squizoanalysis.

The methodology used is the production of sense, as proposed by


Deleuze. The sense is a transversal of three propositions: The designation, the
manifestation and the meaning.

The squizofrenic is used by the psychiatry to develop a medical


treatment. In psychoanalysis the squizofrenic is used to mark the failure of the
Oedipus complex. In the squizoanalysis the squizofrenic is a role model for a
new theory of desire, sustained by the excess.

At the end of this dissertation, the control society and the disciplinary
society is discussed by the movie PI by Darren Aranofski.

Key Words: Psychiatry , Psychoanalysis , Squizoanalysis, Squizofrenia


8

SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO ........................................................................09

2-METODOLOGIA .......................................................................11

3-A CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA


PSIQUIATRIA
3-1 Origens: Kraepelin, Bleuler e Schneider ........................................15
3-2 O período de expansão do conceito............................................. 20
3-3 O período de restrição do conceito................................................ 21
3-4 O sentido da esquizofrenia na psiquiatria...................................... 25

4- CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


FREUD

4-1 A paranóia em Freud.......................................................................33


4-2 A esquizofrenia em Freud ..............................................................36
4-3 A teoria da representação em Freud e sua relação com a
esquizofrenia..........................................................................................39
4-4 A psicose e a Neurose em Freud, diferenças básicas. ...................42
4-5 O sentido da esquizofrenia em Freud. ............................................43

5-CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


LACAN
9

5-1 A alucinação e os fenômenos psicóticos........................................47


5-2 O esquema L e R ...........................................................................53
5-3 A metáfora e a função nome-do-pai................................................55
5-4OesquemaI ......................................................................................57
5-5A esquizofrenia em Lacan ...............................................................59
5-6 O sentido da esquizofrenia em acan...............................................61

6-O CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA ESQUIZOANÁLISE

6-1 O passeio do esquizo e o processo das máquinas desejantes......64


6-2 O corpo sem órgãos e o registro.....................................................67
6-3 É necessária a estrutura edípica ....................................................69
6-4 O registro ........................................................................................69
6-5 Eu sinto isso....................................................................................71
6-6 Psiquiatria Materialista....................................................................72
6-7 O desejo não é falta e nem é teatral...............................................74
6-8 Máquinas e o desejo como fluxo.....................................................75
6-9 O sentido da esquizofrenia na esquizoanálise. ..............................76

7- A ESQUIZOFRENIA COMO MODELO EXPLICATIVO PARA


AS RELAÇÕES COM O CAPITALISMO E SUA POSSÍVEL
RELAÇÃO COM O DISCURSO CAPITALISTA PROPOSTA POR
LACAN

7-1 A sociedade de controle, segundo Deleuze...................................80


7-2 O esquizo solto no mundo: Um rápido relance desse passeio
fornecido pelo cinema em π(pi)............................................................85
7-3 A psicanálise e o discurso capitalista.............................................90
7-4 Jogos de Força entre esses esquizos............................................99

8-CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................101


10

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................103

1- INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende estudar as diferenças conceituais da


esquizofrenia na psicanálise, na psiquiatria e na esquizoanálise.

Esse estudo é relevante, pois o conceito de esquizofrenia é múltiplo,


implicando em clínicas e práticas diferentes.

A esquizofrenia é um território de múltiplos fazeres e conceituações.


Essa multiplicidade permite uma expressão de diferentes posicionamentos e
agenciamentos.

Quais são esses agenciamentos forçados pela esquizofrenia? Creio


que tais agenciamentos surgem do caráter desconcertante dessa condição,
condição que esfrega no rosto de todo homem o esvaziamento da identidade e
da subjetividade. Esse esvaziamento é absolutamente aterrador e
esperançoso, provavelmente é esse efeito que faz com que parcelas da
humanidade se debrucem sobre ela.

Um dos agenciamentos mais poderosos da esquizofrenia é o


psiquiátrico: é a psiquiatria que se autoriza (e é autorizada) a produzir um
diagnóstico médico, uma epidemiologia e um tratamento para o esquizo.
11

O segundo agenciamento é o da psicanálise, que tenta produzir uma


compreensão do fenômeno da esquizofrenia, compreensão frágil e
questionável, no entanto, possui uma potência teórica e clínica, implicando
uma concepção de subjetividade que parte do esquizo, mas rebatendo-o a
uma referencia neurótica.

O terceiro agenciamento é o da esquizoanálise, que se utiliza do


esquizofrênico como ressonância do desejo. O esquizo é tido como aquele que
possui a expressão do desejo, possibilitando novos agenciamentos e
construções. Creio que esse esquizofrênico é esperançoso, quem sabe
revolucionário.

Esse trabalho tratará da esquizofrenia de dois diferentes modos, um


que chamarei de orgânico e outro de inorgânico. O modo orgânico diz respeito
a uma organização conceitual da esquizofrenia; o segundo diz respeito a
relações possíveis a esse conceito, apontando para um possível
acontecimento.

O objetivo desse trabalho não é buscar a essência conceitual da


esquizofrenia, mas buscar o trabalho conceitual, como acontecimento,
segundo Deleuze:

Nós, ao contrário, nos interessamos pelas


circunstâncias de uma coisa: em que casos, onde,
como etc... Para nós, o conceito deve dizer do
acontecimento, e não mais da essência.
(DELEUZE,1969, pg, 37)
12

2- METODOLOGIA

A metodologia deste trabalho é orientada pelo objetivo de pesquisar


expressões que estabelecem sentidos distintos no esforço de conceituar a
esquizofrenia na psiquiatria, na psicanálise e na esquizoanálise.

O estudo da expressão e do sentido pressupõe uma aproximação


diferente da questão da verdade. É possível concordar com Garcia Roza
quando diz que a verdade se tornou uma das grandes questões filosóficas e foi
por ela que Sócrates e Platão criaram o discurso filosófico. Esse discurso não
prescinde da posição de seu enunciador, mas necessita de uma coerência e
uma lógica interna que a torne universal e atemporal:

O critério da permanência do discurso era a


persuasão se esta na melhor das hipóteses se fazia
por virtudes retóricas, em casos extremos tornava a
verdade dependente da violência das paixões se a
verdade estava ausente na certeza subjetiva, como
evitar que ela fosse presa das paixões individuais ?
Platão acreditava que o único meio era constituir um
discurso que contivesse ele próprio seu critério de
validade, um discurso que fosse auto legitimado, e
essa auto legitimação se traduzia na exigência da
não-contradição. O que nesse momento estava
surgindo era a razão conceitual fundada no princípio
da não contradição, e ao discurso assim constituído,
se chamou de filosofia.(GARCIA -ROZA,1990, pg.
61)
13

A questão deste trabalho está centrada em certa variedade dos


conceitos de esquizofrenia. Como operador metodológico, aplicaremos no
estudo das expressões da esquizofrenia sugestões encontradas em certas
passagens de lógica do sentido de Gilles Deleuze. É privilegiado,
especialmente o modo como ele delineia as dimensões da proposição. Esse
posicionamento permite levar a sério a dificuldade encontrada em dizer qual é
o sentido de um acontecimento qualquer, como o de manifestações
esquizofrênicas. Onde está a dificuldade? Está em que o sentido de um
acontecimento qualquer, apesar de se exprimir em proposições, não se esgota
nas dimensões empiricamente dadas por tais proposições

Temos três dimensões empíricas imediatamente observáveis. A


primeira é a designação ou indicação. Uma proposição sempre comporta a
designação ou indicação de um determinado objeto ou de um estado de coisas
externas, segundo Deleuze:

O estado de coisas é individual comporta tal ou tal


corpo, mistura de corpos, qualidades e quantidades,
relações. A designação opera pela associação das
próprias palavras com imagens particulares que
devem representar o estado de coisas: entre todas
aquelas que soa associadas a palavra, tal ou tal
proposição. ”.(DELEUZE,1969,pg.13)

A segunda dimensão é a manifestação subjetiva. A manifestação pode


ser definida como aquela dimensão da proposição em que o autor deixa
transparecer os afetos que sente em face do acontecimento, dimensão em que
podem se revelar suas crenças e desejos, o que produz um deslocamento, de
14

modo que a questão se desloca do par verdadeiro-falso par o par veracidade-


engano, como nota Deleuze:

“Da designação à manifestação se produz um


deslocamento de valores lógicos, representado pelo
cogito: não mais o verdadeiro e o falso, mas a
veracidade e o engano” (DELEUZE,1969,pg.14)

A terceira dimensão é a da significação lingüística ou categorial da


proposição, a significação dos termos que a compõem, sua construção
sintática e conceitual, os operadores lógicos, como ‘implica’, ‘logo’ etc... que
estabelecem as relações internas entre os termos ou entre os conceitos que
nela atuam como universais.

Mesmo que sejam atualizações empíricas do sentido de um


acontecimento, essas três dimensões, que delimitam nossos primeiros três
passos metodológicos, devem ser ainda trabalhadas através de uma
experimentação conceitual, de um construtivismo interessado na pulsação de
um sentido em fuga. O sentido é quarta dimensão da proposição, diz Deleuze.
Segundo ele:

Os estóicos a descobriram com o acontecimento: O


sentido é o expresso da proposição, esse
incorporável na superfície das coisas , entidade
complexa irredutível que insiste e subsiste na
proposição. (DELEUZE,1969,pg.20)
15

Temos aí nosso quarto passo metodológico, passo que possibilita a


transversalização das três dimensões anteriores no esforço de uma aventura
construtivista do sentido.

O trabalho pretende acompanhar proposições que precipitam variados


sentidos de acontecimentos, tidos como manifestações esquizofrênicas.
Assim, preocupamo-nos com discursos que constroem diversos sentidos das
esquizofrenias, sentidos que insistem e subsistem no jogo das proposições,
sem a pretensão de dizer a verdade desta ou daquela manifestação
esquizofrênica.
16

3- A CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA


PSIQUIATRIA.

O desenvolvimento conceitual da esquizofrenia, na psiquiatria, será


estudado através de uma divisão temporal proposta por ELKIS (2000). Desde
o seu surgimento no século dezenove, esse autor divide essa história em três
partes:

1-As origens: Kraepelin, Bleuler e Schneider,

2-O período de expansão do conceito.

3-O período de restrição do conceito.

3-1 Origens: Kraepelin, Bleuler e Schneider

A nosologia conceitual da esquizofrenia foi elaborado a partir da


“demência precoce” proposta por Kraepelin, em seu Kompendium der
Psychiatrie, cuja a primeira versão foi publicada em 1883 sendo revisada e
ampliada até se tornar um colossal tratado de quatro volumes. COLODRON
(1990, pg 54)

Os processos degenerativos são agrupados por Kraepelin, na quarta


edição de seu tratado COLODRON (1990, pg.55-59), em três quadros
diferentes: a demência paranóide, a catatonia e a demência precoce. A
demência paranóide é descrita como um quadro diferente da paranóia, pois a
17

última é caracterizada por um sistema de idéias delirantes, crônicas e


imutáveis, sem distorção do juízo e da organização das idéias. A catatonia é
definida pelos conceitos de Kahlbahaum, como um estado de impossibilidade
de contato exterior. E a demência precoce é descrita como uma hebefrenia,
um distúrbio que surge na adolescência, com perda do juízo e da organização
das idéias.

Na sexta edição de seu Compendim, Kraepelin agrupa os três quadro


santeriormente descritos na classificação e denominação de demência
precoce, como uma entidade nosográfica autônoma e referenciada a critério
clínico evolutivo que se caracteriza por:

• Transtornos do pensamento (Desordem de pensamento, e


pensamento recortado, não inteligível para o médico)

• Evolução progressiva por surtos

• Desfecho por uma debilidade parademencial

• Síndrome Avolicional

Assim as três formas descritas na quarta edição por Kraepelin podem


se dar em um mesmo paciente. Segundo COLODRON:

“As três formas podem se dar em um mesmo


paciente. Caracterizando-se por um estado de
déficit cognitivo, bloqueio,negativismo, diminuição
da produtividade psíquica, empobrecimento motor,
perda de energia e embotamento afetivo”
(COLODRON1990,pg. 38)
18

As construções nosográficas de Kraepelin sobre a demência precoce


possibilitaram a Bleuler construir a definição clássica da esquizofrenia, sendo
que ambas conviveram na comunidade médico-psiquiátrica por certo período
de tempo. Segundo ELKIS:

“A “síndrome avolicional” foi identificada por muitos


autores como a primeira descrição de um conjunto
de sintomas posteriormente batizados com o nome
de “negativos”. Já a “síndrome da perda da unidade
interna”, na descrição do próprio Kraepelin,
“apresenta-se como no distúrbio das associações
descrito por Bleuler, na incoerência do pensamento,
nas mudanças intensas do humor e na inconstância
do pragmatismo”. Tal afirmação não deve
surpreender, pois o conceito de esquizofrenia fora
proposto por Bleuler em 19083 e publicado em seu
livro em1911, antes, portanto, de Kraepelin publicar
a última edição de seu tratado. Assim, o conceito de
esquizofrenia não representou simplesmente uma
substituição ao de demência precoce sendo que
ambos conviveram por alguns anos.”
(ELKIS,,2000,pg.23)

De acordo com COLODRON (Colodron,1990,pg.62), Bleuler


conceituou a esquizofrenia como um grupo de psicose de curso crônico, que
se apresenta em surtos, podendo retroceder ou não. No entanto a
característica principal dessa enfermidade é a impossibilidade de um retorno a
um estado anterior íntegro, caracterizando-se por uma alteração específica do
pensamento, sentimento e das relações com o mundo
19

O termo esquizofrenia (Skizeb-Dividido/ phrenos-espiritu) foi forjado


desse modo por Bleuler para descrever esse modo de adoecimento, segundo
COLODRON “Se a doença é pronunciada, a personalidade perde sua
unidade, em diferentes momentos aparecem complexo psíquicos diferentes”.
(1990,pg-75)

As principais diferenças conceituais da esquizofrenia entre Bleuler e


Kraepelin são segundo COLODRON (1990, p-g68):

1- A característica principal da esquizofrenia para Bleuler é a


cisão da personalidade, a spaltung da vida psíquica do sujeito.
Kraepelin coloca que a principal característica da esquizofrenia é o
seu curso (evolução parademencial)

2- Como resultado dessa “spaltung” se produz uma perda de


contato com o meio social.

3- A esquizofrenia perde o caráter nosológico único para se


encaixar no grupo das psicoses.

A noção de esquizofrenia proposta por Kraepelin não é abandonada


por Bleuler, mas ele não a considera como um conceito nosológico,:

“A partir de agora, a demência precoce precisa ser


definida, não como uma doença, mas sim como
uma família, do mesmo modo que a psicose
orgânica, ou de forma mais precisa, como a
demência paralítica de outras décadas”.
(KRAEPELIN 1919, Pg 279)
20

A definição da esquizofrenia proposta por Bleuler, adotava uma lógica


diferente da proposta por Kraepelin. O desenvolvimento Kraepeliano da
demência precoce não permitia aos clínicos da época elaborarem um
diagnóstico perene, eram necessárias vária alterações diagnósticas com o
passar do tempo. Desse modo, Bleuler aponta como principais características
definidoras da esquizofrenia os sintomas de confusão mental e distúrbios
afetivos:

“Quando o distúrbio da afetividade é revelado, ou


as anomalias associativas são provadas, o
diagnóstico é confirmado. O conceito de
esquizofrenia, dessa forma, é superior a qualquer
conceito evolutivo, seu critério é absoluto. Assim
que o critério é demonstrado, o diagnóstico é
validado, dessa forma é necessário esperar pela
evolução da doença, podendo esse ocorrer ou não.”
(KRAEPELIN, 1919, pg.281)

Segundo ELKIS (2000,pg.24) a necessidade de precisão diagnóstica


motivou Kurt Schineider a propor os sintomas de primeira ordem (SPO) no
diagnóstico da esquizofrenia. Segundo DALGALARRONDO (2000,Pg 203) os
sintomas de primeira ordem podem ser elencados e apresentados da seguinte
forma:

• Percepção delirante (Uma percepção absolutamente normal


recebe uma significação delirante)

• Vozes que comentam a ação (É definida como uma


alucinação auditiva, percepção sem objeto)
21

• Vozes que comandam a ação (É definida como uma


alucinção auditiva)

• Ecos ou sonorização do pensamento (O paciente escuta


seus pensamentos ao pensar)

• Difusão do pensamento (O paciente sente que seus


pensamentos são ouvidos ou percebidos claramente pelos outros no
momento em que os pensa)

• Roubo do pensamento (Experiência na qual o indivíduo


sente que seu pensamento foi inexplicavelmente extraído de sua mente,
como se fosse roubado)

• Vivências de manipulação. (São várias as experiências de


influência características da esquizofrenia. Vivências de influência corporal,
vivências de influência sobre o pensamento e vivências de influência sobre
a afetividade).

A classificação e o trabalho conceitual de Kraepelin, Bleuler e


Schneider são os elemento básico para a compreensão conceitula da
esquizofrenia nos dias de hoje.

3-2 O período de expansão do conceito

A expansão conceitual da esquizofrenia foi mais violenta nos Estados


Unidos no período do pós-guerra. Segundo COLODRON (1990,pg 89)
motivada por dois fatores: o primeiro, a existência de três diferentes
orientações teóricas frente à esquizofrenia (psicodinâmica, psicobiologismo e
22

interpessoalismo); e a segunda foi a demora na tradução para o inglês do


trabalhos e tratado de Jaspers e Kraepelin.

A conseqüência dessa expansão foi a imprecisão do diagnóstico da


psicose e da esquizofrenia com uma alta taxa, segundo Elkis:

“Como resultado desses fatos, a segunda edição do


Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-II), classificação de transtornos
mentais da Associação Psiquiátrica Americana feita
em 1968, apresenta um conceito de esquizofrenia
muito amplo, com uma descrição de sintomas
pouco elaborada, sendo considerado psicótico todo
paciente que era “incapazde atender às demandas
da vida diária” (ELKIS,2000,PG .24)

3-3 O período de restrição do conceito.

A publicação do DSM-III (1980), que visava precisar e planificar os


critérios diagnósticos psiquiátricos, restringiu o espectro diagnóstico da
esquizofrenia. A classificação posterior, DSM IV (1994), ainda manteve esse
posicionamento. A Organização Mundial da Saúde, com o CID-9 e CID-10,
procurou restringir o alcance diagnóstico da esquizofrenia, no entanto a idéia
dos sintomas de primeira ordem de Schneider ainda é muito presente nessa
classificação. Por isso alguns autores consideram as classificações da OMS
muito amplas (ELKIS-2000)
23

A partir de 1970, em ambas as classificações, começou-se a se


pensar na idéia de sintomas positivos e negativos. Os sintomas positivos são
os delírios e alucinações, os negativos são os deficitários. Segundo ELKIS:

“A noção de sintomas positivos e negativos teve


grande influência sobre o conceito de esquizofrenia,
sobretudo a partir de 1980, quando Crow introduziu a
idéia de dimensões positivas e negativas pelo
conceito de duas “síndromes da esquizofrenia”.

A dimensão ou síndrome positiva (tipo I) era


representada por um quadro agudo, reversível, com
boa resposta ao tratamento neuroléptico, provável
aumento de receptores dopaminérgicos e ausência
de alterações cerebrais estruturais. A dimensão
negativa (tipo II) associava-se a uma má resposta
ao tratamento neuroléptico, cronicidade, provável
redução de receptores dopaminérgicos e alterações
cerebrais estruturais.19 Além disso,o conceito de
sintomas negativos passou a figurar oficialmente
dentro dos critérios A do DSM-IV.”
(ELKIS,2000,Pg.25)

Atualmente, na psiquiatria o critério diagnóstico da esquizofrenia é


definido pelo CID-10 e DSM-IV:

Diagnóstico de esquizofrenia pelo DSM IV (Apud Almeida, 1994)

Características essenciais
24

A- Sintomas característicos- Presença de pelo menos dois dos


subitens abaixo durante uma proporção considerável de 1 mês

1- Delírios

2- Alucinações

3- Discurso desorganizado

4- Comportamento profundamente desorganizado ou catatônico

5- Sintomas negativos, como, por exemplo embotamento afetivo,


alogia ou avolição

B- Declínio em relação ao nível de funcionamento pré-


mórbido

Em áreas como trabalho, relações sociais, cuidados pessoais

C- Duração da doença continuamente por pelo menos seis-


Pelo menos um mês com sintomas referidos em A e sintomas
prodrômicos ou residuais caracterizados por:

1- Sintomas negativos

2- Formas atenuadas de dois ou mais sintomas de A, como


experiências perceptuais anormais, idéias incomuns, bizarras

D- Ausência de sinais maiores de distúrbio afetivo ou


esquizoafetivo

E- Ausência de fatores orgânicos definidos causando os


sintomas.
25

Critério proposto para a CID-10

OMS, 1992

Características essenciais

Presença de sintomas de pelo menos um dos seguintes subgrupos,


durante o período mínimo de um mês

a) Eco do pensamento, inserção ou roubo do pensamento, difusão do


pensamento

b) Delírios de controle, passividade; percepção delirante

c) Alucinação auditivas de primeira ordem

d) Delírios bizarros de conteúdo político, religioso ou de grandeza

Ou

Presença de sintomas de pelo menos dois dos seguintes


subgrupos, durante o período mínimo de um mês

e) Alucinações em geral acompanhadas de delírios pouco


estruturados.

f) Incoerência do pensamento, neologismos.

g) Comportamento catatônico

h) Sintomas negativos como apatia, embotamento afetivo pobreza do


discurso isolamento social.

Ausência de sintomas afetivos proeminentes


26

Ausência de doenças cerebrais, intoxicações por drogas, ou síndrome


de abstinência

A esquizofrenia tem seu quadro clínico definido pela medicina


psiquiátrica, sendo dividido didaticamente em: características pré-mórbidas,
sintomatologia, classificação em subtipos e critérios diagnósticos, Almeida et.al
(1996, Pg129)

As definições das características pré-mórbidas na esquizofrenia não


foram traçadas com precisão, no entanto, alguns autores apontam a existência
de alguns traços comuns, tais como: tendência ao isolamento social,
introversão, indiferença emocional, preferência por ocupações solitárias e
passividade. No entanto ainda não foram identificados traços pré-mórbidos na
personalidade que predigam o surgimento dos sintomas esquizofrênicos.
(Dalgalorrando, Pg 201)

Os sintomas esquizofrênicos, segundo Almeida et al (1996,Pg 129),


começam a se apresentar durante a adolescência ou no início da idade adulta.
O quadro inicia-se de forma insidiosa, mas em alguns casos pode apresentar –
se de forma aguda. O início da enfermidade se dá com sintomas pouco
específicos, e de duração variada podendo surgir por meses ou semanas
antes da sintomatologia, tais como:

• Comportamento inadequado

• Humor depressivo

• Negligência com a higiene e aparência pessoal


27

• Mudanças no comportamento

O delírio é a principal característica da sintomatologia aguda da


esquizofrenia, Jaspers (1985) define o delírio presente na esquizofrenia como
implausível, rompendo todas as barreiras com a realidade e é incompreensível
sua relação com os traços de personalidade. Os conteúdos dos delírios podem
estar sistematizados ou não, podendo ter conteúdos persecutórios, de
grandeza ou hipocondríacos.

O conceito de trema, proposto por Conrad, é definido a partir de duas


alterações características: a primeira delas é o humor delirante, na qual o
indivíduo percebe o mundo de forma ameaçadora, diferente e o colorido
emocional é de perplexidade, ansiedade ou depressão;a outra alteração é a
percepção delirante, na qual o indivíduo passa subitamente a atribuir
significado a eventos a seu redor; são os delírios de auto-referência.

Segundo Almeida et al (1996, pg130), as alucinação auditivas ocorrem


em 70% dos casos de esquizofrenia e na maioria dos casos são vozes que
comentam, ordenam ou se dirigem ao indivíduo. Os distúrbios de pensamento
mais comuns são aqueles ligados à incoerência de pensamento, sendo
denominados de desagregação do pensamento ou neologismo.

3-4 O sentido da esquizofrenia na psiquiatria.

O sentido não está incluído nesses passos, pois não pode ser
apreendido por nenhum deles. Ele é fugaz e é expresso, ele corta os três
passos como uma faca cega. Cega, pois não deixa traços visíveis em sua
28

passagem. É movimento, dessa forma a possibilidade que se delineia é a do


fotograma. Cada passo será usado como elemento de uma foto, e o sentido
será descrito ou expresso de forma estática. O sentido não existe, ele insiste
ou subsiste, e um esforço de descrição desse sentido será feito para o
conceito de esquizofrenia na psiquiatria.

Primeiro Passo:

A designação da esquizofrenia passou por dois períodos diferentes, o


proposto por Kraepelin e o proposto por Bleuler.

Kraepelin nomeou o conjunto de sintomas observados por ele de


dementia precox, por possuir como característica principal um estado
avolicional presente em alguns pacientes ao final do curso da doença. Esse
estado avolicional se assemelhava a uma demência, no entanto, acometia
pacientes com idade inferior a quarenta anos.

Essa foi a primeira tentativa de sistematização dos transtornos


psicóticos, mas o conceito de “Dementia Precox” possui um problema de
imprecisão, seu diagnóstico só pode ser dado ao término da doença
produzindo um diagnóstico mutante.

O conceito de esquizofrenia proposto por Bleuler, possuía como


principal característica a desagregação do pensamento, sendo, dessa forma,
possível propor um diagnóstico no início da enfermidade. Por isso seu nome:
“Pensamento dividido”. A desagregação de pensamento pode ser descrita
como um pensamento dividido.
29

A renomeação de dementia precox para esquizofrenia permitiu uma


precisão maior do diagnóstico, não necessitando mais o desenvolvimento da
doença para a definição de seu diagnóstico. No entanto essa precisão não foi
alcançada com a simples mudança de nome, como Bleuler coloca:
Eventualmente algumas histéricas são confundidas com esquizofrênicas.

O Segundo Passo:

A manifestação da esquizofrenia é circunscrita aos manuais


diagnósticos. Os manuais diagnósticos são produzidos pela OMS, e pela
Associação Norte Americana de psiquiatria, e sua elaboração é baseada em
estudos epidemiológicos de distribuição da esquizofrenia na população. O seu
principal propósito é a uniformização e a territorialização global do diagnóstico.
Na esquizofrenia a conseqüência mais clara dessa territorialização é um
número mágico: 1%. Esse é o número de esquizofrênicos em qualquer
população. A partir desse número se definem as políticas públicas e os
recursos materiais destinados às políticas de saúde mental.

O terceiro Passo:

É possível pensar a significação da esquizofrenia através dos


sintomas de primeira ordem propostos por Schineider. Os sintomas de
primeira ordem são os signos principais para o diagnóstico de esquizofrenia.
Segundo diversos autores, os sintomas de desagregação mental são os
principais para o diagnóstico da esquizofrenia.

Os SPO são uma das principais ferramentas que a psiquiatria se


utiliza para o diagnóstico diferencial em psiquiatria.
30

Traçando o sentido da esquizofrenia na psiquiatria.

Após a localização dos três passos, é possível traçar, ou fotografar um


sentido possível da esquizofrenia na psiquiatria. O sentido escapa por essa
três proposições.

Ao se conceituar a esquizofrenia na psiquiatria é preciso ir além de


sua utilidade médica e epidemiológica.

É possível pensar a esquizofrenia na psiquiatria como mero


apontamento de um sofrimento atroz que se abate sobre um determinado
indivíduo. Esse tipo de “funcionamento” do conceito de esquizofrenia, pode ser
comparado com a doença da insônia, criada por Gabriel Garcia Márquez em
cem anos de solidão:

“Foi Aureliano quem concebeu a fórmula que


havia de defendê-los, durante vários meses, das
evasões da memória. Descobriu-a por acaso.
Insone experimentado, por ter sido um dos
primeiros, tinha aprendido com perfeição a arte
da ourivesaria. Um dia, estava procurando a
pequena bigorna que utilizava para laminar os
metais, e não se lembrou do seu nome. Seu pai
lhe disse: “tás”. Aureliano escreveu o nome num
papel que pregou com cola na base da
bigorninha: tás. Assim ficou certo de não
esquecê-lo no futuro. Não lhe ocorreu que fosse
aquela a primeira manifestação do
esquecimento, porque o objeto tinha um nome
difícil de lembrar. Mas poucos dias depois,
31

descobriu que tinha dificuldades de se lembrar


de quase todas as coisas do laboratório. Então,
marcou-as com o nome respectivo, de modo que
bastava ler a inscrição para identificá-las.
Quando seu pai lhe comunicou o seu pavor por
ter-se esquecido até dos fatos mais
impressionantes da sua infância, Aureliano lhe
explicou o seu método, e José Arcádio Buendía
o pôs em prática para toda a casa e mais tarde o
impôs para todo o povoado. Com um pincel
cheio de tinta, marcou cada coisa com seu
nome. (...) Pouco a pouco, estudando as infinitas
possibilidades do esquecimento, percebeu que
podia chegar um dia em que se reconhecesse as
coisas pelas suas inscrições, mas não se
recordasse a sua utilidade. Então foi mais
explícito. O letreiro que pendurou no cachaço da
vaca era uma amostra exemplar da forma pela
qual os habitantes de Macondo estavam
dispostos a lutar contra o esquecimento: Esta é a
vaca, tem-se que ordenhá-la todas as manhãs
para que leite e o leite é preciso ferver para
misturá-lo com o café e fazer café com leite.
Assim, continuaram vivendo numa realidade
escorregadia, momentaneamente capturada
pelas palavras, mas que haveria de fugir sem
remédio quando esquecessem os valores da
letra escrita.”

(Trecho extraído do romance Cem Anos de solidão,


de Gabriel García Márquez)”
32

Assim como José Buendia, os manuais de psiquiatria atuais se


propõem a nomear e a catalogar os sintomas esquizofrênicos, e como esse
personagem criam pequenas etiquetas explicativas (os códigos e numerais
presentes nas classificações). Esse tipo de classificação possibilita um
automatismo no tratamento psiquiátrico, um computador com uma boa base
de dados e um técnico bem treinado na descrição sintomática são capazes de
elaborar um diagnóstico e uma direção de tratamento. E como os habitantes
de Macondo, os psiquiatras não necessitam da memória, apenas da
capacidade de leitura.

De forma repetida, os manuais de psiquiatra funcionam com a lógica


encontrada por José Buendia para enfrentar os sintomas da doença da
insônia. São arrolados sintomas e proposto um caminho de tratamento.

O conceito nosológico de esquizofrenia também é um desafio para o


diagnóstico psiquiátrico, pois não possui um marcador empírico, ou uma
etiologia precisa e incontestável. Esse desafio traz uma conseqüência
impensável para o fazer médico: a utilização da subjetividade do médico,
segundo Aguiar:

Na psiquiatria, no entanto, esse modelo não


funciona perfeitamente. Os instrumentos
diagnósticos são todos fundados sobre o
interrogatório e a observação dos pacientes. O ato
diagnóstico depende sempre da avaliação subjetiva
do médico e do paciente. Não há marcador
biológico preciso de um transtorno
mental.(AGUIAR,2005, Pg.75)
33

Dessa forma o DSM –IV e as classificações decorrentes escolheram


um caminho que não leve em conta a subjetividade do profissional na hora da
elaboração do diagnóstico. A classificação diagnóstica se baseou em
descrições sindrômicas, evitando um debate etiológico e teórico, segundo
Aguiar :

Além de ser usado por psiquiatras, o DSM também


pode ser usado por outros clínicos, psicólogos,
assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais e de reabilitação, conselheiros e outros
profissionais de saúde e saúde mental. Os critérios
são bastante simples e objetivos, tanto que foi preciso
advertir, logo na introdução do DSM IV, que seus
critérios não devem ser usados mecanicamente como
um livro de receitas culinárias. Podemos entender
agora porque os diagnósticos são sindrômicos. Eles
designam determinados grupos de sinais e sintomas
cujo processo patológico de base é totalmente
desconhecido. A esquizofrenia, por exemplo, pode ser
considerada uma síndrome psiquiátrica que parece
abranger diferentes doenças mentais.
(AGUIAR,2005,Pg.79 )

Essa simplificação possui conseqüências para o tratamento e o


diagnóstico da esquizofrenia.Ocorre uma certa inversão. O peso do
diagnóstico fica com o tratamento proposto. É comum se imaginar a gravidade
do diagnóstico a partir do tratamento proposto. Nesse processo o próprio
medicamento acaba se tornando preponderante no diagnóstico dos
transtornos mentais.
34

Dessa forma, o conceito de esquizofrenia na psiquiatria é um


“amontoado” de sintomas. Esse amontoado de sintomas é o que dirigirá o
tratamento.

4- CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


FREUD

A primeira formulação teórica freudiana sobre a psicose é elaborada


em 1894, no rascunho H. Nesse texto a psicose abordada é a paranóia, não
ocorrendo nenhuma menção à demência precoce ou à esquizofrenia; no
entanto, para a compreensão psicanalítica dos processos psíquicos da psicose
35

e da esquizofrenia, essa discussão é de fundamental importância. Apesar de


Freud esboçar o princípio do funcionamento paranóico nesse texto, é possível
admitir que esse mesmo princípio vale para a esquizofrenia, já que esses
conceitos ainda estavam sendo delineados pela psiquiatria da época. Apesar
de os princípios de funcionamento da paranóia e da esquizofrenia serem
semelhantes, eles não são iguais, segundo Simanke:

“Coerentemente com a relativa independência


atribuída à repressão e à formação dos sintomas,
Freud localiza separadamente, nestes dois tópicos, os
caracteres distintivos: a esquizofrenia vai possuir uma
fixação predisponente diversa e um mecanismo
distinto para o retorno do reprimido. Ou seja, ela vai
se diferenciar da paranóia pelos pólos inicial e
terminal do processo defensivo, mantendo em comum
o termo médio, que é a repressão propriamente dita, a
qual tanto num caso como no outro, se apóia na
retração da libido objetal” (SIMANKE,1994,Pg .153)

4-1 A paranóia em Freud

No raschunho H, Freud considera a paranóia como um modo de


defesa patológica do eu, com a mesma lógica de funcionamento da histeria, da
neurose obsessiva e da confusão alucinatória. Para demonstrar como o
36

funcionamento e a etiologia paranóica, Freud se utilizou de um exemplo clínico


de uma mulher solteira, que sofrera um trauma sexual e apresentava surtos
paranóides:

“Uma mulher solteira, já não muito nova (cerca de


trinta anos), morava numa casa com o irmão e a irmã
[mais velha]. Pertencia à classe trabalhadora superior;
seu irmão trabalhou até tornar-se um pequeno
industrial. Nesse meio tempo, alugaram um quarto a
um colega de trabalho, um homem muito viajado, um
tanto enigmático, muito talentoso e inteligente. Ele
morou na companhia deles durante um ano e
mantinha [com essa família] um relacionamento muito
amável e comunicativo. A seguir, foi-se embora, mas
voltou seis meses mais tarde. Dessa vez, ficou
morando na casa por um tempo relativamente breve,
e então desapareceu definitivamente. As irmãs,
muitas vezes, costumavam lamentar sua ausência e
não podiam senão falar bem dele. Não obstante, a
irmã mais nova contou à mais velha um episódio em
que ele fizera uma tentativa de deixá-la em
dificuldade. Ela estava fazendo a arrumação dos
quartos, enquanto ele ainda estava na cama. Ele a
chamou para junto da cama e quando,
inadvertidamente, ela obedeceu, ele colocou o pênis
na mão dela. A cena não teve seqüência, e bem
pouco tempo depois o estranho foi embora.

No decorrer dos anos seguintes, a irmã que tinha tido


essa experiência adoeceu. Passou a se queixar e, por
fim, desenvolveu delírios inequívocos de estar sendo
observada e perseguida, no seguinte sentido: achava
que suas vizinhas tinham pena dela por ter sido
abandonada pelo pretenso namorado e por ainda
37

estar esperando que o homem voltasse; estavam


sempre a lhe dizer insinuações dessa natureza,
diziam-lhe todo tipo de coisas a respeito do homem, e
assim por diante. Tudo isso, dizia ela, era
naturalmente inverídico. A partir daí, a paciente cai
nesse estado somente por algumas semanas de cada
vez. Sua compreensão interna (insight) retorna
temporariamente e ela explica que tudo isso foi
conseqüência de se haver excitado; mesmo assim,
nos intervalos, padece de uma neurose que pode ser
facilmente interpretada como neurose sexual. E logo
cai em novo surto de paranóia.” (FREUD,1895,Pg
254)

Freud aponta que a paciente, intencionalmente, reprime o evento do


trauma, colocando-o afastado da consciência. A recriminação e culpa, que
antes eram internas e que constituíam uma autocensura, são projetadas para o
exterior, constituindo uma recriminação externa. Segundo Freud: “As pessoas
estavam dizendo aquilo de que algum modo ela dizia a si mesma.” (1895,Pg
255).

Esse caso permitiu a Freud teorizar que o propósito da paranóia é o


afastamento de uma idéia incompatível com as aspirações egóicas,
projetando-a no mundo exterior.

Com o estudo da autobiografia de Schereber, Freud avança na


teorização psicanalítica dos fenômenos psicóticos, mais precisamente na
dementia paranóide. É possível supor que para Freud a dementia paranóide e
a dementia precox (Esquizofrenia) possuem o mesmo modo de
funcionamento1. Na análise do livro de Schereber Freud se utiliza da

1
O modo de funcionamento é o mesmo, mas não significa que Paranóia e Esquizofrenia sejam
conceitos imprecisos na teoria Freudiana.
38

metodologia proposta por Jung ao analisar um caso de demência precoce,


segundo Freud:

“O primeiro método parece tentador, desde o brilhante


exemplo fornecido por Jung em sua interpretação de
um caso de demência precoce que era muito mais
grave que este e exibia sintomas muito mais
afastados” (FREUD,1911,pg. 45)

O perseguidor, no delírio paranóico, é um indivíduo com quem o


doente possui uma forte ligação emocional. Freud coloca que a intensidade da
emoção é projetada sob a forma de poder externo, e sua qualidade é
transformada em oposto. Dessa forma se o paciente ama intensamente
alguém, esse amor é expresso como se o amado perseguisse o paciente, com
ódio. Esse tipo de reviravolta, presente na paranóia, motivou Freud, a postular
que essa doença é uma defesa contra um desejo homossexual2,

A estrutura do delírio paranóico é um jogo de contradições e


reviravoltas de uma proposição única: “eu o amo”

A proposição “eu o amo” pode ser contradita e “virada” pela


proposição “eu não o amo” Eu o odeio, pois ele me persegue. A erotomania
também possuía a mesma proposição, de forma invertida.

Outra característica fundamental da paranóia é a projeção,


característica não exclusiva da psicose, segundo QUINET:

2
É importante observar que a Freud tenta teorizar o início do surto do presidente Schereber,
depois de um anseio: “Quisera poder ver Flechsig novamente”. E de uma fantasia: Como deve
ser bom ser mulher e se submeter ao ato da cópula.
39

“Mas se insiste no mecanismo de projeção na


paranóia é justamente porque é um mecanismo que
depende essencialmente do narcisismo e portanto do
imaginário”(QUINET,2001, Pg.5)

Para Simanke (1994) a lógica dinâmica da paranóia é o retorno das


catexias libidinais do eu ao narcisismo primário do sujeito. A lógica interna
completamente coerente do delírio paranóico diverge muito da lógica
incoerente do delírio esquizofrênico. Provavelmente o paranóico não “regride”
tanto quanto o esquizofrênico em seu surto.

4-2 A esquizofrenia em Freud

Em 1915, no artigo O inconsciente, Freud trabalha com a


esquizofrenia (ou dementia precox) pela primeira vez. Nesse trabalho Freud
teoriza o processo dinâmico de formação dos sintomas esquizofrênicos. A
libido que é retirada, pela perda de um objeto, não procura um novo objeto,
mas se refugia no ego, segundo Freud:

“As catexias objetais são abandonadas,


restabelecendo-se uma primitiva condição de
narcisismo de ausência de objeto. A incapacidade de
transferência desse pacientes, seu repúdio ao mundo
externo, surgimento de sinais de uma hipercatexia do
próprio ego, o resultado final de uma completa apatia,
parecem concordar plenamente com a suposição que
40

suas catexias libidinais foram abandonadas.”


(FREUD,1915, Pg.202)

A idéia do retorno da libido para o próprio eu do sujeito, como


mecanismo da esquizofrenia, surgiu de um caso apresentado por Tausk a
Freud. Essa paciente queixava-se que seus olhos não estavam direitos,
estavam tortos. Seus olhos estavam tortos, pois acusava seu amante de ser
um “entortador de olhos”. O termo em alemão “AGENVERDREHER” possui o
sentido figurado de enganador. Essa mesma paciente também se queixou que
teve que mudar de posição na igreja: “Teve de mudar de posição, como se
alguém a estivesse pondo numa posição, como se ela estivesse sendo posta
numa certa posição”. A explicação da paciente é dada novamente através de
acusações contra seu amante: “Ele dera uma falsa impressão da posição dele,
agora ela era igual a ele, ele a pusera numa falsa posição”

A explicação da paciente é tomada por Freud com valor analítico, ou


seja, possui a possibilidade de explicar a gênese e o significado sobre a fala
esquizofrênica. Esse processo, denominado por Freud de “fala do órgão”
consiste na tomada do órgão corporal (o olho), a representação de todo o
conteúdo de seus pensamentos.

Na esquizofrenia, o retorno das catexia libidinais é mais extenso e


intenso do que na paranóia. A catexia retorna para até o auto-erotismo infantil
segundo Simanke:

“Uma possível solução se eboça a partir da


especificidade do ponto de fixação da esquizofrenia.
O desenlace mais desfavorável dessa última, o
fracasso na reconstrução da realidade perdida vão
levar Freud a situa-lo um passo atrás do ponto de
41

fixação narcísico: a esquizofrenia implicará num


retorno até o auto-erotismo infantil. Essa regressão de
maior alcance, até um momento menos estruturado
da atividade pulsional, vai, então responder pela
maior desagregação observada nos estados
esquizofrênicos., ao contrário da impenetrável
coerência dos sistemas paranóicos.”
(SIMANKE,1994, Pg.154)

Nesse momento Freud aponta que a fala esquizofrênica é regida


pelo processo primário (Condensação-Deslocamento):

“Passam por um condensação, e por meio de


deslocamento transferem integralmente suas catexias
de uma para a outra. O processo pode ir tão longe,
que uma única palavra, se for especialmente
adequada devido a suas numerosas conexões pode
assumir a representação de todo um encadeamento
de pensamento.” (FREUD,1915, Pg.204)

A hipótese de a esquizofrenia surgir do desligamento da libido objetal


surge a partir da teoria da representação, o que permite definir a diferença de
forma precisa entre esquizofrenia e paranóia. Na paranóia ocorre um retorno
da energia libidinal para o narcisismo; na esquizofrenia ocorre um
desligamento da energia libidinal, em relação aos objetos, e um conseqüente
retorno da energia ao auto-erotismo infantil.
42

4-3 A teoria da representação em Freud e sua relação com a esquizofrenia

Freud divide idéia de representação de coisa em duas: Representação


de coisa e representação de palavra.3. Segundo Freud:

“O que livremente denominamos de apresentação


consciente do objeto pode agora ser dividido na
apresentação da palavra e na apresentação da coisa;
a última consiste na catexia, se não das imagens
diretas da memória da coisa, pelo menos de traços de
memória mais remotos derivados delas. Agora parece
que sabemos de imediato qual a diferença entre uma
apresentação consciente e uma inconsciente. As duas
não são, como supúnhamos, registros diferentes do
mesmo conteúdo em diferentes localidades psíquicas,
nem tampouco diferentes estados funcionais de
catexias na mesma localidade; mas a apresentação
consciente abrange a apresentação da coisa mais a
apresentação da palavra que pertence a ela, ao passo
que a apresentação inconsciente é a apresentação da
coisa apenas.” (FREUD,1915, Pg 206)

3
Wortvorstellung representação de palavra
Sachsvortellung representação de coisa
43

O conceito de representação de Brentano foi utilizado por Freud para


sua teoria representacional (Garcia-Roza). Brentanto não define a
representação (Vorstellung) como o objeto representado, mas o ato de
representá-lo, Garcia Roza propõe o seguinte esquema para a Vorstellung de
Brentano:

Representação→Coisa representada → COISA

(Vorstellung) Objeto (Gegenstand)

Segundo Garcia Roza, Brentano coloca que toda a representação


implica em um ato e um conteúdo do ato (objeto) de tal forma que um não
existe sem o outro. Desta forma não existe percepção sem objeto e objeto sem
percepção. É importante ressaltar que Brentano não aceita a idéia idealista da
que nega a existência do objeto externo a consciência, o que Brentano coloca
é que a Vorstellung não é a reprodução de um objeto externo, e seu sentido
vem das relações com outras Vorstellung. A teorização de Brentano é a pedra
fundamental da teorização freudiana sobre a esquizofrenia.

Freud divide as Vorstellung em dois tipos: representação de palavra e


representação de coisa.

No esquizofrênico a retirada da catexia libidinal ocorre na


representação da coisa, e sua energia busca como objeto a representação de
palavra, possibilitando a construção delirante. Nesse sentido o psicótico é
44

forçado a procurar nas palavras aquilo que procuraria nas coisas. Segundo
Freud:

“Quando pensamos em abstrações, há o perigo de


que possamos negligenciar as relações de palavras
com as apresentações inconscientes da coisa,
devendo-se externar que a expressão e o conteúdo
do nosso filosofar começam então a adquirir uma
semelhança desagradável com a modalidade de
operação dos esquizofrênicos. Podemos, por outro
lado, tentar uma caracterização da modalidade de
pensamento do esquizofrênico dizendo que ele trata
as coisas concretas como se fossem
abstratas”.(FREUD,1915, pg. 208)

A metáfora fica impossibilitada para o esquizofrênico, pois ele trata a


palavra como coisa, segundo Simanke:

“Em primeiro lugar, a esquizofrenia parece ficar


definida como o inverso do inconsciente; melhor
dizendo, ela parece implicar a anulação daquilo que
acabou de ficar definido como inconsciente, ou seja o
conjunto apenas das representações de palavra”
(SIMANKE,1994, pg.158)

A partir da afirmação de Simanke é possível pensar que Freud coloca


o esquizofrênico como um sujeito que não possuí inconsciente. Segundo o
autor a estratégia utilizada por Freud para não abandonar a concepção
45

dinâmica do inconsciente foi criar a idéia de ID, já que com a esquizofrenia o


inconsciente não poderia ser apenas o lugar do recalcado.

Freud por várias vezes, foi levado a falar da


insuficiência da concepção que reduz o inconsciente
ao reprimido. Esta idéia culminou na introdução do
conceito de Id em 1923. Assim, a situação da
esquizofrenia deixa de poder ser considerada o
avesso do inconsciente, mas permanece válida a
idéia de que ele se constitua no avesso do reprimido.
A progressiva inadequação da repressão àquilo que
vem ser considerado como psicose parece dar aqui
mais um passo. (SIMANKE,1994, Pg. 159)

4-4 A psicose e a Neurose em Freud, diferenças básicas.

Freud propõe a diferença do conflito da neurose e da psicose se


utilizando da estratégia da localização tópica do conflito. Na psicose o conflito
ocorre entre o eu e a realidade externa, enquanto na neurose esse conflito
ocorre entre o id e o ego. Antes de 19244, a conceituação de psicose feita por
Freud não encaixava em uma categoria nosográfica própria (Simanke).

No início do artigo “Neurose e Psicose” Freud define a diferença entre


a neurose e a psicose com a seguinte fórmula:

4
Antes da publicação dos textos: ”Neurose e Psicose”, “Perda da realidade na neurose e na
psicose”, “O ego e o Id”
46

Neurose= Conflito entre Eu e o Id

Psicose= Conflito entre o eu e o ambiente externo

A neurose surge com uma resposta a uma exigência do Id, forçando o


ego a construir uma defesa que o proteja exigência do Id, formando, assim, o
sintoma, como coloca Freud:

Nossas análises demonstram todas que as neuroses


transferênciais se originam de recuar-se o ego a
aceitar um poderoso impulso instintual do Id ou a
ajudá-lo a encontrar um escoador ou motor, ou de o
ego proibir aquele impulso o objeto a que visa. Em tal
caso, o ego se defende contra o impulso mediante ao
mecanismo de repressão. O material reprimido luta
contra esse destino. Cria para si próprio, ao longo de
caminhos sobre os quais o ego não tem poder, uma
representação substitutiva. (que se impõe mediante a
uma conciliação)- o sintoma (FREUD,1924,Pg.168)

Na neurose o resultado do conflito é a formação de um sintoma; na


psicose o resultado do conflito com a realidade é um “remendo” na realidade,
posição sustentada por Freud, desde o caso Schreber:

“Com referência a gênese dos delírios, inúmeras


análises nos ensinaram que o delírio se encontra
47

aplicado como um remendo no lugar em que


originalmente uma fenda apareceu na relação do ego
com o mundo externo.” (FREUD, 1911,Pg.169)

Posteriormente, Freud precisa ainda mais a diferença entre neurose e


psicose: na neurose o Eu afasta uma parcela da realidade; na psicose o Eu
remodela a realidade, através de uma produção delirante.

4-5 O sentido da esquizofrenia em Freud.

Assim como foi feito na psiquiatra, o traçado do sentido será feito em


três passos: o primeiro é a designação, o segundo sua manifestação e o
terceiro sua significação. A partir desses três passos talvez seja possível
apreender o sentido que a psicanálise de Freud atribui a encontros ditos
esquizofrênicos.

1º Passo: Designação

A designação da esquizofrenia na psicanálise de Freud é baseada na


psiquiatria do final do século XIX, ou seja, Freud não propôs um diagnóstico
da esquizofrenia. Frente à questão da esquizofrenia o que foi proposto é um
jogo de catexias. Na esquizofrenia, o esquizofrênico faz suas catexias serem
48

retiradas dos objetos, retornando ao próprio corpo, o que se tornou uma


possível explicação para os estados catatônicos.

O grande interesse de Freud sobre a esquizofrenia é teórico. Ele cria


uma teoria da esquizofrenia, no entanto essa teoria não é utilizada como
balizadora de uma clínica das psicoses. De fato Freud não recomenda o
método analítico para o tratamento das psicoses.

As teorizações de Freud sobre a psicose e a paranóia, encontrados


no caso Schereber, são fundamentais para a compreensão da dinâmica
esquizofrênica. Foi pela teorização Freudiana que a esquizofrenia se
encontrou localizada no grande grupo das psicoses.

2º Passo: Manifestação

A manifestação do conceito da esquizofrenia na psicanálise de Freud


demonstra a incapacidade de o dispositivo clínico freudiano lidar com os
desafios impostos pelos esquizofrênicos. A clínica proposta por Freud era
sistemática, baseada na transferência e na interpretação, ambas bem
situadas e utilizadas como ferramenta de desmontagem de conflitos
psíquicos.

No entanto, Freud é obrigado a se deter um pouco na esquizofrenia,


afinal possuía como ambição construir uma teoria da subjetividade e, por
mais complicada que seja, a esquizofrenia é uma expressão da subjetividade,
e um “abandono” dessa questão, implicaria em uma falha teórica grave.

É possível supor que a teorização das psicoses e da esquizofrenia


elaborada por Freud tenha sido um imperativo de formatação universal da
teoria psicanalítica, funcionando como um mito explicativo dos processos
49

inconscientes. Creio que essa teorização é mítica, na medida que funciona


apenas como explicativa de determinados fenômenos psíquicos.

3º Passo: Significação

A significação da esquizofrenia na psicanálise freudiana passa pela


localização da questão da esquizofrenia. Em Freud, o esquizofrênico é
aquele que toma a palavra pela coisa. É incapaz de perceber a diferença
existente entre o ideal e o real. Desse modo, seu inconsciente é estruturado
de outra forma.

O esquizofrênico é aquele que possui como defesa uma


transmutação do mundo, e essa mudança do mundo é delirante, e
considerada como um remendo.

O posicionamento de Freud frente ao esquizofrênico e a psicose


demonstra uma impotência frente a psicose, afinal esse tipo de enfermidade
não permite um enquadre clínico como o proposto pela psicanálise freudiana.

O sentido da esquizofrenia na psicanálise Freudiana

É possível supor que a esquizofrenia possua um sentido fundamental


na teorização freudiana. O esquizofrênico serve para Freud criar uma teoria
explicativa psicanalítica e, como sustenta Deleuze, justificar o complexo de
Édipo . É como se fosse um universalizador do édipo, na medida que aqueles
que passam pela castração não esquizofrenizam, e aqueles que não passam,
esquizofrenizam.
50

Nesses termos é fundamental para a psicanálise a teorização da


esquizofrenia e da psicose. Apesar de não tratá-las, essas categorias são
úteis para demonstrar e sustentar a posição do complexo de édipo como
universal. Todos os seres humanos são referidos a ele, os que passam pela
castração são neuróticos, os que não passam são psicóticos.
51

5- CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


LACAN

Lacan propôs um tratamento psicanalítico das psicoses e


consequentemente da esquizofrenia. Para atingir seus objetivos teóriocos
clínicos propões uma releitura de Freud sobre a psicose. Esse trabalho
possibilitou uma mudança radical no modo de compreensão da psicose pela
psicanálise.

5-1 A alucinação e os fenômenos psicóticos.

A concepção Lacaniana da psicose e da esquizofrenia está baseada


em dois textos: Seminário 3, “As Psicoses” ”, e por um artigo intitulado “O
tratamento possível das psicoses”.

No texto “O tratamento possível das psicoses”, Lacan inicia a


discussão sobre a psicose discutindo a alucinação e discordando da posição
corrente na psiquiatria, que define a alucinação como “Percepção clara e
definida de um objeto sem a presença real do objeto.”(Dalgalarrondo pg 84).
Segundo Quinet (2003), essa definição de alucinação surge de uma herança
fenomenológica na psiquiatria que define o sujeito da percepção como uno
(percepiens) e o objeto da percepção como unívoco (perceptum).
52

A univocidade do percerptum e a unicidade do percepiens é posta


em questão por Lacan, por postular que a alucinação não é redutível a um
sensorium5, e nem a um sujeito da percepção que lhe daria uma unidade.
Segundo o autor:

“... uma alucinação é um perceptum sem objeto,


essas posições contentam-se em pedir ao
percepiens justificativa desse perceptum, sem que
ninguém se dê conta que, nesse pedido um tempo é
saltado: o de interrogar se o perceptum em si deixa
um sentido unívoco no percepiens aqui requisitado
a explicá-lo.” (LACAN,1998,Pg 538)

A psiquiatria de tradição fenomenológica e psicologia do ego


encaram o perceptum como unívoco, mas o percepetum, por ser simbólico,
carrega a equivocidade do significante. Para Quinet, a divisão do sujeito ocorre
devido a equivocidade do percepetum, no entanto sua divisão é mascarada
pelo eu, fazendo o sujeito acreditar que é unívoco. Segundo Lacan:

“Mais impressionante ainda, porém, é a relação do


sujeito com sua própria fala, onde o importante é
mascarado sobretudo pelo fato puramente acústico
de que ele não poderia falar sem se ouvir. Que ele
não possa se escutar sem se dividir tampouco é
privilégio dos comportamentos da consciência. Os
clínicos deram um passo ao descobrir a alucinação
verbal motora pela detecção do esboço dos
movimentos fonatórios esboçados. Mas nem por

5
Sensorium pode ser definido como órgão sensorial que é afetado pelo objeto (Quinet, 2003)
53

isso articulam onde reside o ponto principal, que é


que sendo o sensorium indiferente na produção de
uma cadeia significante,

1-esta se impõe por si ao sujeito em sua dimensão


de voz

2-ela assume como tal uma realidade proporcional


ao tempo – perfeitamente observável na experiência
– que sua atribuição subjetiva comporta; e

3-sua estrutura própria, como significante é


determinante nessa atribuição que, em regra, é
distributiva, isto é,com diversas vozes e colocando
portanto o percepiens como tal pretensamente
como equívoco”. (LACAN,1998,Pg 539)

A divisão subjetiva promovida pelo perceptum (sendo concebido


como significante) é ilustrada pela análise da alucinação “porca” pg 540 e 541.
A paciente murmura ao avistar um homem: “-eu venho do salsicheiro” e em
seguida alucina que esse homem a xinga de “porca”. A alucinação surge como
um significante que designa o ser dessa moça. Segundo Lacan:

É assim que o discurso vem a realizar sua intenção


de rejeição na alucinação. No lugar em que o objeto
indizível é rechaçado no real, uma palavra faz-se
ouvir (LACAN,1998, pg.541)

É possível encarar a alucinação presente na psicose como análoga


à formação neurótica do sintoma. O sintoma é o resultado do retorno do
54

recalcado, na psicose o retorno se dá no real como voz pois o recalque é


inexistente. Segundo Lacan:

Esse exemplo é aqui destacado apenas para captar


no ponto essencial que a função de irrealização não
é tudo no símbolo. Pois, para que sua irrupção no
real seja indubitável, basta que ele se apresente,
como é comum, sob a forma da cadeia rompida.
(LACAN,1998,pg. 542).

O estudo do efeito do significante sobre o sujeito é elaborada a partir


do caso Schereber, sendo suas alucinações de dois tipos: Fenômenos de
código e Fenômenos de mensagem, segundo Lacan:

Mas não é necessário ter chegado a esse ponto


para sentir interesse pela variedade com que se
apresentam as alucinações verbais nas Memórias
de Schreber, nem para reconhecer ali diferenças
totalmente diversas daquelas em que elas são “
classicamente” classificadas segundo seu modo de
implicações no percipiens ( o grau da sua “crença”)
ou na realidade deste (a “auditivação”): ou seja,
diferenças, antes, que se prendem a sua estrutura
de fala, na medida em que essa estrutura já está no
perceptum. Considerando o simples texto das
alucinações, uma distinção logo se estabelece para
o lingüista entre o fenômeno de código e fenômenos
de mensagem. (LACAN,1998,pg 543).
55

Quando o próprio signifcante é o objeto da comunicação, sendo


especificado em locuções neológicas, o fenômeno de código está presente. É
a língua divina Schrebiana, definida como um alemão arcaico (Grundsprache),
de acordo com Lacan:

Essa parte dos fenômenos é especificada em


locuções neológicas por sua forma (novas palavras
compostas, mas numa composição conforme às
regras da língua do paciente) e por seu emprego.
As alucinações instruem o sujeito sobre as formas e
emprego que constituem o neocódigo: o sujeito lhes
deve, por exemplo, antes de mais nada, a
denominação de Grundsprache para designa-lo.
(LACAN,1998, p.544)

Quando o alucinação implica o sujeito, designando-o, alucinação é


um fenômeno de mensagem, segundo Lacan:

Podemos observar que a frase se interrompe no


ponto onde termina o grupo de palavras que
poderíamos chamar de termos-índice, isto é,
aqueles cuja função no significante é designada,
conforme o termo empregado acima, por shifters, ou
seja, precisamente os termos que, no código,
indicam a posição do sujeito a partir da própria
mensagem. (LACAN,1998, pg.546)
56

De acordo com a leitura da obra freudiana, proposta por Lacan,


Freud coloca como gênese da erotomania e do perseguidor uma lógica
gramatical. Esta surge a partir da proposição: Eu amo, e seus
desdobramentos, Eu não o amo, Não ele me ama, não ele me odeia etc ...
Essa proposição define o tipo de relação existente entre o paranóico e o outro
segundo o autor:

Embora Freud, em sua tentativa de interpretação do


caso do Presidente Schreber, que é mal lida quando
se a reduz aos ramerrões que vieram depois,
empregue a forma de uma dedução gramatical para
expor as mudanças de orientação da relação com o
outro na psicose, ou seja, os diferentes meios de
negar a proposição eu o amo, donde se segue que
esse juízo negativo estrutura-se em dois tempos –
primeiro, a inversão do valor do verbo: eu o odeio,
ou a inversão do gênero do agente ou do objeto: não
sou eu, ou então, não é ele, é ela ( ou vice-versa);
segundo, a permutação dos sujeitos: ele me odeia, é
a ela que ele ama, é ela que me ama –, os
problemas lógicos formalmente implicados nessa
dedução não retém a atenção de ninguém.
(LACAN,1998, Pg.548).

A questão fundamental dos delírios, da alucinação e da psicose não


é a perda da realidade, mas o que se remenda desta. Segundo Lacan:
57

Como nos surpreendermos com o fato de não se


haver tirado disso outro benefício, no tocante à
psicose, senão a promoção definitiva da noção de
perda da realidade? E isso não é tudo, Em 1924,
Freud escreveu um artigo incisivo, “A perda da
realidade na neurose e na psicose”, no qual chamou
atenção para o fato de que o problema não é o da
perda da realidade, mas o expediente daquilo que
vem substituí-la. Discurso para surdos, já que o
problema está resolvido: a loja de acessórios está no
interior, eles são retirados ao sabor das
necessidades. (LACAN, 1998 Pg.549).

A idéia psicanalítica da homossexualidade latente como gênese da


paranóia, não é sustentada por Lacan. A homossexualidade seria apenas
mais um sintoma que se articula no processo psicótico, não sua etiologia
estrutural, sendo de fundamental importância para o entendimento das
transferências delirantes de Schereber. E especificamente por se configurar
em Schereber um dos indícios do início do surto psicótico, para Lacan:

A homossexualidade, pretensamente determinante da


psicose paranóica, é propriamente um sintoma
articulado em seu processo. Esse processo iniciou
muito antes, no momento em que surgiu seu primeiro
sinal em Schreber, sob a aparência de uma dessas
idéias hipnopômpicas que, em sua fragilidade,
apresentam-nos uma espécie de tomografias do eu,
idéia cuja função imaginária é-nos suficientemente
indicada em sua forma: como seria belo ser uma
mulher na hora da copulação. (LACAN,1998, Pg.550).
58

5-2 O esquema L e R.

Para a discussão da psicose, Lacan elabora três esquemas que lidam


com a questão do Outro, permitindo construir uma topologia da realidade que
se sustenta no neurótico através do significante nome do pai, e que no
psicótico se estrutura de forma diferente6. O primeiro esquema é o L:

S a

a´ A

Esse esquema é definido da seguinte forma:

S: É sujeito

a´: É o eu especular (imaginário)

a: são os objetos imaginários

A: É o lugar do Outro, lugar de onde é formulada a questão de sua


existência.

Esse esquema demonstra que o que se passa no sujeito (S) é


dependente do Outro (A), que se desenrola como discurso já que o

6
O esquema I de schereber será comentado posteriormente nesse trabalho
59

inconsciente é estruturado como linguagem. A relação a-a´é a relação


imaginária, onde os objetos são postos em cena.

O esquema R é constituído por um duplo ternário imaginário que


condiciona a realidade do Sujeito. O ponto fundamental de sustentação desse
esquema, na neurose, é o P, segundo Lacan, a posição em A do Nome-do-
pai.

O esquema R é o esquema de condicionamento do Sujeito (Lacan,


Pg-559). I é considerado como o ideal de Eu; M é o significante do objeto
primordial; e P é a posição em A do nome-do-pai. O campo da realidade é
MimI , onde é possível localizar o aprisionamento do sujeito S sob o
significante do falo como sustentador do campo da realidade.

O fundamental desse esquema é a noção do falocentrismo como


fundante do campo da realidade no neurótico, segundo Lacan:
60

O falocentrismo produzido por essa dialética é tudo o


que temos a reter aqui. Ele é, bem entendido,
inteiramente condicionado pela intrusão do significante
no psiquismo do homem, e estritamente impossível de
deduzir de qualquer harmonia pré-estabelecida do dito
psiquismo com a natureza que ele exprime.
(LACAN,1998, Pg.561)

5-3 A metáfora e a função nome-do-pai.

A neurose possuí como fundamento o Nome-do-Pai, permitindo a


inscrição do sujeito no mundo simbólico, segundo Lacan:

Com efeito, como não haveria Freud de reconhece-la,


quando a necessidade de sua reflexão o levar a ligar o
aparecimento do significante do Pai, como autor da Lei,
à morte, ou até mesmo ao assassinato do Pai ?- assim
mostrando que, se esse assassinato é o momento
fecundo da dívida através da qual o sujeito se liga à
vida e à Lei, o Pai simbólico, como aquele que significa
essa Lei, é realmente o Pai morto. (LACAN,1998, Pg
563)

Na neurose a significação do falo deve ser chamada no imaginário de


metáfora paterna, segundo a seguinte fórmula7:

7
Fómula da metáfora, ou da substituição do significante
61

()
S.$´→S I
$´x S

O significantes são representados pelo S; x é significação


desconhecida, s é o significado metafórico, constituído pela substituição de $´
por S. O sucesso da metáfora é a elisão de $`. Segundo Lacan esse processo
também se aplica à metáfora do Nome-do-Pai. Essa metáfora se coloca em
substituição ao lugar primeiramente simbolizado pela ausência da mãe:

Nome do pai . Desejo da Mãe __________→ Nome do pai A ()


Desejo da mãe Significado para o sujeito Falo

A ausência do significante do Nome-do-pai cria uma estrutura


diferente da neurose: a Psicose. A diferença da neurose está em seu
mecanismo de defesa. Na psicose a defesa é a Verwerfung, ou foraclusão do
Nome-do-pai. Ou seja, não existe metaforização do desejo materno, segundo
Lacan:
62

A verwerfung será tida para nós, portanto, como


foraclusão do significante. No ponto em que, veremos de
que maneira é chamado o Nome-do-Pai, pode pois
responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela
carência do efeito metafórico provocará um furo
correspondente no lugar da significação fálica. (LACAN,
1998, Pg 564)

Os fenômenos psicóticos de Schereber só podem ser explicados


através da foraclusão do Nome-do-Pai, segundo Lacan:

Essa é a única forma pela qual nos é possível conceber


aquilo de que Schereber nos apresenta o resultado, como
sendo um dano que ele só tem condições de desvendar
parcialmente, e onde, diz-nos com os nomes de Flechsig e
Schereber a expressão “assassinato das almas”
desempenha um papel essencial. (LACAN,1998, Pg.564)

5-4 O esquema I

Com a finalidade de explicar as conseqüências da foraclusão do


Nome-do-Pai, Lacan constrói o esquema I:
63

No esquema R o ponto P, ou o ponto da metáfora do Nome-do-Pai,


que sustenta um do ternários imaginários, permitindo a construção da realidade.
No esquema I, o criado I assume o lugar de P.O lugar do criador é designado
por “Deixar Largado”, segundo Lacan: “Esse abandono fundamental em que
parece se desnudar, pela foraclusão do Pai, a ausência que permitiu construir-
se na primordial simbolização o M da Mãe.

A elisão do Nome-do-Pai no sujeito produz um colapso no imaginário


que determina sua realidade de forma delirante, segundo Lacan:

“Pois já desde antes abrira-se para ele, no campo do


imaginário, a hiância que correspondia à falta da metáfora
simbólica, aquela que só poderia encontrar meios de
efetivação na emasculação. Objeto de horror para o
64

sujeito, inicialmente, depois aceita como um compromisso


razoável e desde então, decisão irreversível e motivo futuro
de uma redenção concernente ao universo.” (LACAN,1998,
pg.570)

A ausência do significante Nome-do-pai promove um colapso no


imaginário de Schereber possibilitando uma estruturação delirante da realidade,
segundo Lacan:

Terá esse outro abismo sido formado pelo simples efeito,


no imaginário, do vão apelo feito no simbólico à metáfora
paterna? Ou deveremos concebe-lo como produzido num
segundo grau pela elisão do falo, que o sujeito reduziria,
para resolve-la à hiância mortífera do estádio do espelho?
Seguramente, o vínculo- dessa vez genético- desse estádio
com a simbolização da mãe como primordial não pode
deixar de ser evocado, para motivar essa solução
(LACAN,1998,Pg.577)

5-5 A esquizofrenia em Lacan

A psicanálise começa a estudar a esquizofrenia através dos estudos


freudianos sobre o inconsciente (Soller). O esquizofrênico é considerado por
Freud como um redutor da palavra à coisa, colocando as palavras como coisa
elidindo seu caráter representativo. Assim a perturbação do esquizofrênico é
simbólica. Lacan também partilha dessa mesma posição, já que considera todo
simbólico como real:
65

Na ordem simbólica, os vazios são tão significativos


quanto os cheios; realmente parece, ao ouvir Freud hoje,
que é a hiância de um vazio que constitui o primeiro
passo de todo o seu movimento dialético.

É justamente isso que explica, ao que parece, a


insistência do esquizofrênico em reiterar esse passo. Em
vão, já que, para ele todo simbólico é real
(LACAN,1998,pg.394)

O esquizofrênico, segundo Soller, pode ser caracterizado por uma


operação simbólica frustrada. O jogo da ausência-presença não ocorre no
esquizofrênico, não existindo a simbolização da ausência materna na
realidade, segundo a autora:

Podemos, dessa forma, situar o esquizofrênico na tese de


Lacan sobre a metáfora paterna, escrevendo-o a partir do
primeiro vazio, o desejo da mãe, que é a simbolização da
presença-ausência, (SOLLER,2001, Pg.239)

O paranóico, por possuir essa simbolização primordial, toma que nem


todo simbólico é real. Para o paranóico o retorno do significante se dá no real,
enquanto para o esquizofrênico o significante é real. Qual a diferença entre o
significante no real e o significante real?

Segundo Soller, o significante no real é sozinho, mas não está sem


outro do qual está cindido. O significante no real implica em uma relação
completa e total, impedindo deslizamentos metafóricos. Desse modo ele é
66

absolutamente exterior e ordenador de um terror, ele é mortífero. O significante


real é um elemento sozinho e não representa o eu, segundo a autora:

Porca visa o sujeito porque houve a simbolização primordial


do eu, quando falta esse vazio, a função de representação
significante não está presente. A formula proposta por
Lacan “um significante representa o sujeito para outro
significante se aplica à paranóia, mas não a esquizofrenia.
(SOLLER,2001, Pg.240)

Quando um significante não representa um sujeito, o resultado é a


fragmentação, o sujeito termina não possuindo uma unidade, segundo Soller:

Os efeitos sobre a libido, evidentemente, são


completamente diferentes, pois a falta pode ter uma função
dinâmica. A fragmentação preside a abulia. Não impulsiona
vetores. Dito de outro jeito, quando o sujeito é dividido, ou
seja nas formas neurótica ou paranóica, a metonímia- que
preside a série das relações de objeto- funciona. Essa é a
primeira definição de metonímia em Lacan: A metonímia
precipita a falta a ser na relação de objeto (SOLLER,2001,
pg.241)

O esquizofrênico, por possuir uma relação baseada no significante


real, também acaba possuindo uma relação diferenciada com seu corpo.
Diferentemente da histérica, que possuí um corpo “perturbado”, o
esquizofrênico possuí um corpo absolutamente fragmentado, segundo soller,
67

imerso em um delírio corporal. No esquizofrênico, os efeitos do gozo


repousam sobre o corpo, enquanto na paranóia o gozo vem do outro.

5.6 O sentido da esquizofrenia em Lacan

Assim como foi feito na psiquiatra, o traçado do sentido será feito em


três passos. O primeiro é a designação; o segundo sua manifestação e o
terceiro sua significação. A partir desses três passos talvez seja possível
apreender o sentido que a psicanálise de Lacan atribui a encontros ditos
esquizofrênicos.

Primeiro Passo

Lacan propôs um diagnóstico da esquizofrenia, diferente do da


psiquiatria. Nessa leitura a esquizofrenia é diagnosticada ao se observarem
fenômenos foraclusivos, que possuem como alvo o corpo. É importante
lembrar que a foraclusão é a não existência do nome do pai no discurso do
individuo.

Na esquizofrenia a não existência da falta, faz com que os sintomas


do esquizofrênicos sejam corporais, não possuindo uma relação simbólica.

Segundo Passo

A manifestação da esquizofrenia na psicanálise de Freud e Lacan


pode ser descrita da seguinte forma: Como um retorno de algo que não foi
68

simbolizado. Em Freud isso ocorre quando afirma que o esquizofrênico cria


um remendo na realidade. Lacan afirma isso ao fazer sua crítica ao conceito
de alucinação sem objeto da psiquiatria.

Desse modo, o esquizofrênico possui uma formação de sintoma


análoga ao do neurótico. No entanto esse sintoma não é referenciado pelo
recalque, como no neurótico, mas pela foraclusão. Desse modo a explicação
dos fenômenos psicóticos recai sobre a não existência do nome-do-pai ou do
fracasso do complexo de Édipo

Terceiro Passo

Para Lacan, a esquizofrenia é definida como a impossibilidade da


existência de um eu que agregue as representações corporais. De certa
forma o esquizofrênico continua sendo aquele que é incapaz de lidar com as
relações entre o ideal e o real.

O sentido da esquizofrenia na psicanálise de Lacan

Uma das possibilidades de sentido do conceito de esquizofrenia na


psicanálise é a sustentação ou afirmação do complexo de Édipo como
fundamental na estruturação da subjetividade. A esquizofrenia e a psicose
foram colocadas por Freud como impossíveis de serem tratadas pela
psicanálise; no entanto, ele criou uma caracterização psicodinâmica da
psicose e da esquizofrenia, onde o fator preponderante é uma incapacidade
do indivíduo psicótico atingir formulações subjetivas mais elevadas.

Lacan, ao contrário de Freud, propôs um tratamento e uma


teorização mais consistente da psicose e da esquizofrenia. Em comum com
69

Freud, Lacan propõe uma teorização da esquizofrenia que privilegia uma


falha do complexo de Édipo. A foraclusão e todos seus fenômenos podem ser
encarados como uma falha na subjetivação do sujeito. Desse modo, a
esquizofrenia pode ter o sentido de afirmar o complexo de Édipo na
psicanálise.

6- O CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA ESQUIZOANÁLISE

O esquizofrênico da obra de Deleuze e Guatarri, não é o doente


mental da psiquiatria e também não é o sujeito que constrói suas defesas pela
70

foraclusão da psicanálise. Esse esquizofrênico é produtivo, ele funciona como


um escriba-contador.

No entanto, esse escriba-contador escreve e conta sem o domínio de


uma linguagem ou de um código matemático. Ele escreve sobre o corpo, um
corpo que vai além do organismo, um corpo que funciona como suporte do
desejo e como o próprio desejo. O esquizofrênico é a engrenagem
fundamental do desejo, entendido como fluxo e corte de fluxo, não como
busca por algo que lhe falte.

6-1 O passeio do esquizo e o processo das máquinas desejantes.

Na teoria de Deleuze e Guattari a esquizofrenia está presente em


todos os indivíduos. Não é restrita a 1% da população como mostra a
epidemiologia e também não é a falha de uma falta primordial, como coloca a
psicanálise. A esquizofrenia é um novo conceito, que possui como principal
característica uma função maquínica. Essa função é basicamente uma função
de junção e disjunção de fluxos. Ao inspirar, o nariz obriga um fluxo de ar
caminhar para o sistema respiratório; imediatamente antes da expiração,
ocorre uma disjunção do fluxo de ar. O fluxo desejante funciona dessa forma,
continuidade e corte, segundo Deleuze e Guatarri:

“O seio é uma máquina que produz leite, e a boca é


uma máquina acoplada nela. A boca do anoréxico
hesita entre uma máquina de comer, uma máquina
anal, uma máquina de falar, uma máquina de respirar
(crise de asma). É assim que todos somos
71

“bricoleurs”; cada um com as suas pequenas


máquinas.”. (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.07)

As máquinas entendidas como fluxo desejante só podem ter sua


função e natureza definidas a partir dos encontros. Não é possível determinar
sua função pela forma ou conteúdo. Isso é percebido por todos os autores da
psicologia e da psicanálise. O exemplo mais célebre é a brincadeira do fort-da,
descrita por Freud. A máquina desejante, o passeio do esquizo e o próprio
desejo são dimensões da própria natureza humana.

Essas dimensões humanas só existem no encontro, não determinadas


pela sua forma ou conteúdo. Segundo Deleuze:

Dado determinado efeito, qual é a máquina que


poderá produzí-lo? e, dada uma máquina, para que
servirá ela? Adivinhem qual é a utilidade de um
faqueiro, por exemplo, a partir da sua descrição
geométrica. Ou então, diante de uma máquina
completa formada por seis pedras no bolso direito do
meu casaco (o bolso que debita), cinco no bolso
direito da minha calça, cinco no bolso esquerdo da
minha calça (bolsos de transmissão), recebendo o
último bolso do meu casaco as pedras utilizadas à
medida que as outras avançam, qual é o efeito deste
circuito de distribuição no qual a própria boca se
insere como máquina de chupar as pedras? Qual será
aqui a produção de volúpia? (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg. 08)
72

A esquizofrenia não é uma entidade nosológica para Deleuze e


Guatarri, é mais do que isso, é um universo de máquinas que juntam, separam,
registram e consomem o desejo, ou seu produto. A esquizofrenia é uma
produção de produção.

Na esquizofrenia é como no amor: não há


especificidade alguma e nem entidade esquizofrênica;
a esquizofrenia é o universo das máquinas desejantes
produtoras e reprodutoras, a universal produção
primária como “realidade essencial do homem e da
natureza”. (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.11)

Produção de produção, significa dizer que o desejo e o


esquizofrênico funcionam através de uma “desfragmentarão construtiva”.
Toda máquina desejante funciona ligada a outra, situação na qual uma corta
um determinado fluxo, e outra toma esse fluxo para si.

Todo “objeto” supõe a continuidade de um fluxo, e


todo fluxo supõe a fragmentação do objeto. Sem
dúvida, cada máquina-órgão interpreta o mundo
inteiro segundo seu próprio fluxo, segundo a energia
que flui dela: o olho interpreta tudo em termos de ver
— o falar, o ouvir, o cagar, o foder... Mas sempre uma
conexão se estabelece com outra máquina, numa
transversal em que a primeira corta o fluxo da outra
ou “vê” seu fluxo cortado pela outra. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg 11)
73

6-2 O corpo sem órgãos e o registro.

O desejo é produção, mas é preciso algo a mais para compreender


seu fluxo e sua produção: é necessário estabelecer sua anti-produção. O lugar
da anti-produção é o corpo sem órgãos (CSO). O CSO pode ser encarado
como um tabuleiro de xadrez, ou como um livro de contabilidade. Não possui
relação com o corpo do sujeito, com sua imagem corporal ou com seu
organismo.

É o corpo acoplar a produção à antiprodução, a um


elemento de antiprodução. Ele, o improdutivo, existe
aí onde é produzido, no terceiro tempo da série
binário-linear. Ele é perpetuamente re-injetado na
produção. O corpo catatónico é produzido na água do
banho. O corpo pleno sem órgãos é antiprodução;
mas é ainda uma característica da síntese conectiva
ou produtiva . (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.13)

Talvez o exemplo mais claro de como o CSO opera é demonstrado


pelo paralelo entre o corpo sem órgãos e o capital, para o capitalista. O capital
é o que permite a circulação da mais valia no capitalismo. Ele não produz nada,
no entanto, move a produção capitalista, fazendo com que novas máquinas
sejam enganchadas em si, capturando uma determinada produção desejante,
produzindo mais valia.
74

O capital é, sem dúvida, o corpo sem órgãos do


capitalista, ou melhor, do ser capitalista. Mas, como
tal, ele não é apenas substância fluida e petrificada do
dinheiro: é que ele vai dar à esterilidade do dinheiro a
forma sob a qual este produz dinheiro. Produz a mais-
valia, como o corpo sem órgãos se reproduz a si
próprio, floresce e se estende até aos confins do
universo. Encarrega a máquina de fabricar uma mais-
valia relativa, ao mesmo tempo em que nela se
encarna como capital fixo. E é no capital que se
engancham as máquinas e os agentes, de modo que
seu próprio funcionamento é miraculado por ele. É
objetivamente que tudo parece produzido pelo capital
enquanto quase-causa. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.15)

O CSO possui uma característica fundamental: permite a disjunção


dos elementos desejantes, no momento em que estes são inscritos no próprio
CSO. De certo modo é possível pensar no CSO como um livro de contabilidade
desejosa, onde cada movimento do desejo é registrado, para poder ser
computado e reutilizado em algum outro encontro.

O corpo sem órgãos não é Deus, antes pelo contrário.


Mas divina é a energia que o percorre, quando ele
atrai a si toda a produção e lhe serve de superfície
encantada miraculante, inscrevendo-a em todas as
suas disjunções. Donde as estranhas relações que
Schreber entretém com Deus. À quem pergunta:
acredita em Deus? devemos responder de uma
maneira estritamente kantiana ou schreberiana:
75

certamente, mas só como senhor do silogismo


disjuntivo, como princípio a priori deste silogismo
(DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.17)

6-3 É necessária a estrutura edípica ?

Na psicanálise, o complexo de Édipo é o regulador das relações


desejantes e essa regulação se dá pela falta. O desejo é compreendido pela
posição do sujeito frente a essa falta. Se o sujeito está às 12:00 hs da falta, ele
é neurótico; às 11:00 hs, perverso; e se estiver as 10:00hs é psicótico.

Na teorização de Deleuze e Guatarri, o desejo é definido por junção e


disjunção contínua de um determinado fluxo, não é necessário uma falta para
se compreender o desejo. O desejo ele flui, é cortado por uma máquina e a
reconexão é estabelecida por outra.

As disjunções são a forma da genealogia desejante;


mas seria edipiana essa genealogia, inscrever-se-ia
na triangulação de Édipo? Ou não seria Édipo uma
exigência ou uma consequência da reprodução social,
enquanto esta pretende domesticar uma matéria e
uma forma genealógicas que lhe escapam por todos
os lados? (DELEUZE E GUATARRI,1972, Pg.20)
76

6-4 O registro

Na questão do desejo, existe um jogo entre o registro e o consumo. É


comum pensar que existe uma relação de importância menor no registro. O
registro sempre foi relegado a um segundo plano, os contadores, burocratas e
escriturários nunca foram considerados essenciais no sistema capitalista
diferentemente do proprietário, do operário e do consumidor. É um erro não
prestar atenção à questão do registro, se não fosse importante não existiria,
afinal de contas o desejo é um fluxo que não permite penduricalhos extras.

A relação entre o registro, o consumo e o desejo é mediada pela


produção. A produção do consumo é produzida na produção do registro. De
certo modo na inscrição de algo é possível observar o surgimento de um
sujeito, indefinido que pode ter seu contorno traçado por aquilo que consome,
segundo Deleuze e Guatarri:

Do mesmo modo, o consumo sucede ao registro,


mas a produção de consumo é produzida pela e na
produção de registro. É que, na superfície de
inscrição, algo da ordem de um sujeito se deixa
assinalar. É um estranho sujeito, sem identidade
fixa, errando sobre o corpo sem órgãos, sempre ao
lado das máquinas desejantes, definido pela parte
que toma do produto, recolhendo em toda parte o
prêmio de um devir ou de um avatar, nascendo dos
estados que ele consome e renascendo em cada
estado. (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.21)
77

O presidente Schereber sabe bem como funciona a questão do registro


e do consumo do desejo, ele se dá para deus como mulher, é ofertado como
objeto de consumo para Deus, e em retribuição recebe uma certa cota de
prazer. Essa cota de prazer é ligada ao registro (numen) e o consumo
(voluptas) é ligado ao prazer de deus.

. “É meu dever oferecer a Deus este gozo; e se, ao


fazê-lo, me cabe um pouco de prazer sensual,
sinto-me justificado em aceitá-lo como leve
compensação pelo excesso de sofrimentos e de
privações que me couberam durante tantos
anos”. Do mesmo modo que uma parte da
libido, como energia de produção, se transformou
em energia de registro (Numen), uma parte desta se
transforma em energia de consumo (Voluptas). É
esta energia residual que anima a terceira síntese
do inconsciente, a síntese conjuntiva do “então
é...”, ou produção de consumo. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg. 21)

Ao receber essa cota de Numen e Voluptas a produção do consumo é


inscrita no inconsciente desejante.

6-5 Eu sinto isso

Na teoria de Deleuze e Guatarri, a alucinação, o delírio e todos os outros


fenômenos psicóticos possuem uma preponderância menor sobre outra
78

questão, a questão do EU SINTO. O “eu sinto” possibilita o sentido do delírio, e


a formatação do objeto na alucinação.

O “Eu sinto” advém de relações intensivas de atração e repulsão. Essas


relações não se equilibram, pois não possuem intensidade negativa. Elas são
intensidades positivas geradas de um ponto 0, o CSO. A conseqüência dessa
combinação de forças é a uma multiplicidade andante, e com um equilíbrio
inatingível, essa “andança” das forças é um paradigma desejante
completamente diferente do existente nas psicologias e em alguns tipos de
psicanálise. Essas forças não equilibradas não procuram uma homeostase,
como alguns psicanalistas pensam, elas procuram novos caminhos de fuga,
como observam Deleuze e Guatarri:

Experiência dilacerante, demasiado emocionante,


pela qual o esquizo é maximamente aproximado da
matéria, de um centro intenso e vivo da matéria:
“emoção situada fora do ponto particular em que o
espírito a busca... emoção que dá ao espírito o som
sublevador da matéria, para onde toda a alma escorre
e arde” (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.23)

Essas intensidades não representam nada. Não são interpretativas, são


materiais, provêem do corpo sem órgãos e, de certa forma podem livrar os
esquizofrênicos de uma maldição “ representativa” a que estão submetidos. O
problema do esquizofrênico não é a representação, é a dureza com a qual tem
que lidar diariamente frente ao que sente. Para o esquizofrênico tudo é material
e como tal, impossível de ser relativizado, suavizado ou dubitável.
79

6-6 Psiquiatria Materialista

O processo delirante e alucinatório do esquizofrênico foi explicado por


Claramebault, através do automatismo mental. Essa concepção supõe que os
delírios e alucinações são resultado de uma “intoxicação” dos sistemas
neurológicos e o que advém do “caráter” é o conteúdo das alucinações ou
delírios. Clérambault sempre foi considerado um dos grandes expoentes da
psiquiatria biologicista, ou seja foi um dos representantes do materialismo na
psiquiatria. Não é essa a opinião que Deleuze e Guatarri sustentam no anti-
édipo:

Assim, no automatismo, Clérambault via tão-somente


um mecanismo neurológico no sentido mais geral da
palavra, e não um processo de produção econômica
que pusesse em jogo máquinas desejantes; e,
quanto à história, contentava-se em invocar o carácter
inato ou adquirido. Clérambault é o Feuerbach da
psiquiatria, no sentido em que Marx diz: “Quando
Feuerbach é materialista, não leva em conta a
história, e quando leva em consideração a história, ele
não é materialista”. Uma psiquiatria verdadeiramente
materialista define-se, ao contrário, por uma dupla
operação: introduzir o desejo no mecanismo e
introduzir a produção no desejo. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.27)

Não é possível se fazer uma psiquiatria materialista verdadeira sem


abandonar o estatuto de um definidor ou de marca perdida que defina a
80

esquizofrenia. Para alguns autores a explicação da esquizofrenia resulta na


perda do eu, ou da inoperância do Édipo, segundo Deleuze e Guatarri:

Dirão que o esquizo não pode mais dizer eu, e que é


preciso devolver-lhe essa sagrada função de
enunciação. É o que ele resume, ao dizer: me re-
sabotam. “Não mais direi eu, nunca mais o direi, é
uma asneira. A cada vez que ouvi-lo, porei no seu
lugar a terceira pessoa, se pensar nela. Se isso os
diverte. Isso nada mudará.” E se torna a dizer eu, isso
também não altera nada. Acha-se tão fora desses
problemas, tão para além deles. Nem mesmo Freud
sai desse estreito ponto de vista do eu. E o que o
impedia era sua própria fórmula trinitária -- a edipiana,
a neurótica: papai-mamãe-eu. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.30)

6-7 O desejo não é falta e nem é teatral

A psicanálise define o desejo como uma resposta a uma falta primordial.


Essa falta define o “objeto” do desejo. Se algo falta, o desejo existe; se o
desejo não é realizado ele ainda persiste. Freud demonstrou muito bem essa
questão em seus estudos sobre os sonhos e sua relação como desejo. No
81

sonho da bela açougueira, Freud demonstra o mecanismo pelo qual a paciente


exige uma insatisfação para o desejo continuar vivo.

O problema de se colocar o desejo como falta é um caminho para uma


lógica idealista, onde sempre se duplica a realidade em uma determinada
formação fantasmática, e o objeto faltante se torna um elemento
transcendente, determinando todos os possíveis agenciamentos existentes.

Se o desejo implica em uma falta de um determinado objeto, esse objeto


é representado por essa falta, como um fantasma. Segundo Deleuze e
Guatarri:

Em suma, quando se reduz a produção desejante a


uma produção de fantasma, contentamo-nos em tirar
todas as consequências do princípio idealista que
define o desejo como uma falta, e não como
produção, produção “industrial”. Clément Rosset diz
muito bem: sempre que se insiste numa falta que
faltaria ao desejo para definir o seu objeto, “o mundo
se vê duplicado por um outro mundo, seja qual for,
segundo este itinerário: o objeto falta ao desejo; logo,
o mundo não contém todos os objetos, falta-lhe pelo
menos um, o do desejo; logo, existe um objeto,
alhures, que contém a chave do desejo (um, que falta
ao mundo)” (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.31)

6-8 Máquinas e o desejo como fluxo


82

Se tomarmos o desejo como relacionado a uma falta, cairemos em


relações idealistas. Será possível tomar o desejo de forma materialista ? É
possível pensar o desejo com um fluxo material e continuo. A natureza desse
fluxo pode ser qualquer, desde um fluxo material concreto passando por fluxos
relacionados ao som, à palavra etc...

No entanto, um fluxo puro não pode ser considerado desejante, ele


necessita de um aparato máquinico que o corte e faça a reconexão. Uma
máquina se junta a outra para fazer essa, operação e desse modo o fluxo
desejante surge, de acordo com Deleuze e Guatarri:

Connecticut, Connect-l-cut, grita o pequeno Joey.


Bettelheim descreve esta criança que só vive, só
come, só defeca, só dorme, se estiver agarrada a
máquinas com motores, fios, lâmpadas, carburadores,
hélices e volantes: máquina eléctrica alimentar,
máquina-automóvel para respirar, máquina luminosa
anal. Há poucos exemplos que mostrem tão bem o
regime da produção desejante e como o desequilíbrio
faz parte do próprio funcionamento, ou o corte das
conexões maquínicas. Dir-se-á, sem dúvida, que esta
vida mecânica, esquizofrênica, exprime mais a
ausência e a destruição do desejo do que o próprio
desejo, e que supõe certas atitudes familiares de
negação extrema, às quais a criança responde
tornando-se uma máquina. Mas até Bettelheim,
partidário de uma causalidade edipiana ou
pré-edipiana, reconhece que esta apenas intervém
em resposta a certos aspectos autônomos da
produtividade ou da actividade da criança, pronta a
determinar nela, de seguida, uma estase improdutiva
ou uma atitude de retraimento absoluto. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.39)
83

6-9 O sentido da esquizofrenia na esquizoanálise.

Assim como foi feito na psiquiatra e na psicanálise, o traçado do


sentido será feito em três passos. O primeiro é a designação, o segundo sua
manifestação e o terceiro sua significação. A partir desses três passos é
possível apreender o sentido.

Primeiro Passo

A designação do esquizofrênico na obra de Deleuze e Guatarri pode


ser colocada como a de um trabalhador incansável do desejo. O esquizo é o
personagem que mobiliza todo o movimento do desejo proposto por Deleuze
e Guatarri.

Um esquizofrênico não possui sua atenção voltada para a falta, sua


atenção e seus movimentos são condicionados pela sua produção delirante e
alucinatória. No entanto é necessário e prudente fazer uma observação, o
esquizofrênico que é tratado na clínica, não é o mesmo esquizo personagem.
O esquizofrênico da clínica é territorializado por completo. O esquizo
personagem não, ele é a possibilidade encarnada da testerritorialização.

Segundo Passo

A manifestação da esquizofrenia na esquizoanálise pode ser


observada na teorização do CSO, afinal é a partir dele que o desejo se
inscreve e surge. E é através dessa teorização que se faz uma ligação entre
a esquizofrenia e o capitalismo.
84

O esquizofrênico é tão produtivo, e o CSO tão vasto que é impossível


para o capitalismo, apropriar-se desse tipo de produção. É possível pensar
que o esquizofrênico e o seu passeio produtivo excedente possam ser uma
possível solução frente as questões do capital.

Terceiro Passo

A esquizofrenia é o paradigma das produções desejantes. O


esquizofrênico do Anti-Édipo não é o clínico e territorializado, ele é um novo
paradigma produtivo.

O esquizofrênico é um personagem conceitual que cria um


paradigma novo para o desejo. O desejo na psicanálise é fundamentado em
cima de uma falta. A presença dessa falta e o posicionamento relativo do
indivíduo frente a ela define sua subjetivação.

A esquizofrenia cria uma nova possibilidade de entendimento do


funcionamento do desejo, o fluxo e o corte de fluxo. O esquizofrênico seria o
operário do desejo, o operador da máquina desejante e seu alvo máximo.

O sentido da esquizofrenia na esquizoanálise

Uma das possibilidades de sentido do conceito de esquizofrenia na


esquizoanálise é a “pendularidade”. Em um momento esse esquizo é o
territorializado e, um outro é a presentificação da desterritorialização radical. O
esquizofrênico pode ser pensado dessa maneira.

Essa pendularidade do esquizo pode produzir uma exaltação do


esquizofrênico clínico e seu, sofrimento e esse tipo de celebração é perigoso e
85

fatalmente caminha para um estatuto transcendente do esquizo. O esquizo de


forma alguma é transcendente, mesmo que seus delírios sejam religiosos.

É preciso uma prudência ao se trabalhar com a questão do esquizo,


ele pode ser a produção ou o aprisionamento completo do desejo. De certo
modo é preciso trabalhar sobre o bom esquizo.
86

7- A ESQUIZOFRENIA COMO MODELO EXPLICATIVO PARA


AS RELAÇÕES COM O CAPITALISMO E SUA POSSÍVEL
RELAÇÃO COM O DISCURSO CAPITALISTA PROPOSTO POR
LACAN.

A esquizofrenia passa por diferentes campos do saber ocidental,


produzindo sentidos múltiplos por onde esse conceito passeia. Nessa etapa do
trabalho pretendo fazer uma relação entre esse conceito e as conseqüências
da ordem capitalista na subjetividade.

Esse percurso será constituído por quatro etapas:

1- A apresentação da sociedade de controle, como entendida


por Deleuze, através de sua interlocução com Foucalt

2- A discussão do conceito da esquizofrenia na


contemporaneidade balizada pelo filme PI, de Aranofski

3- A apresentação do discurso capitalista de Lacan

4- Os jogos de força possíveis nas apresentações anteriores


87

A figura do esquizofrênico pode ser uma das formas novas que


sustentam o pensamento e a produção do homem contemporâneo. Esse
capítulo discutirá se a forma de pensamento homem esta sendo substituída
pela forma esquizofrênica desterritorializada e desterritorializante.

7-1 A sociedade de controle, segundo Deleuze

As sociedades disciplinares são o modelo da idade moderna. Nesse


ambiente histórico a grande questão presente é a domesticação das forças
produtoras do homem. Era necessário um homem que fosse regulado por
algum dispositivo externo, tal como a hierarquia, a escola, o trabalho, o
sindicato etc...

Não é de se estranhar que no início da psicanálise o ideal de cura


seria o controle do inconsciente através da consciência. Esse tipo de direção
de tratamento sempre esteve presente nos seus casos clínicos iniciais.

As disciplinas eram sistemas fechados onde os indivíduos circulavam


de um ponto a outro, de acordo com as normas sociais vigentes. Existia uma
hierarquia que deveria ser seguida por cada indivíduo. Tal concepção traçava
um modo de vida disciplinado, e sustentado por um determinado tipo de ideal,
segundo Deleuze:
88

Foucalt situou as sociedades disciplinares nos


séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do
século XX. Elas procedem à organização dos grandes
meios de confinamento. O indivíduo não cessa de
passar de um espaço fechado a outro, cada um com
suas leis: primeiro a família, depois a escola (“você
não está mais na sua família), depois a caserna
(“você não esta mais na escola), depois a fábrica, de
vez em quando o hospital, eventualmente a prisão,
que é o meio de confinamento por excelência.
(DELEUZE,1990,Pg. 219)

A sociedade disciplinar começou a ruir com o fim da Segunda Guerra


Mundial, devido a um novo jogo de forças que começa a se estabelecer. Creio
ser possível pensar que, após as exigências logísticas desse conflito, os
capitalistas e a classe política perceberam que a alta mobilidade e a
descentralização dos processos permitiam um uso mais efetivo dos recursos,
gerando mais lucro. Essa nova configuração de forças pode ser também
observada na introdução do Toyotismo, onde a produção é baseada na
demanda instantânea do mercado.

Esse novo jogo de forças rejeitava o homem disciplinar, demandado


por uma nova lógica produtiva. A produção não poderia mais funcionar em
uma cadência linear e continua, era necessário um novo tipo de sociedade. A
disciplina não era suficiente para a sustentação do capital, de acordo com
Deleuze:

Mas as disciplinas, por sua vez também conheceriam


uma crise, em favor de novas forças que se
89

instalavam lentamente e que se precipitaram depois


da Segunda Guerra Mundial: Sociedades disciplinares
é o que já não éramos, o que deixávamos de ser.
(DELEUZE,1990,Pg. 220)

A nova organização social que surge é nomeada por Foucalt, como


sociedade de controle. Nesse tipo de organização a construção do indivíduo e
do sujeito não é elaborada de forma analógica, mas numérica. Isso significa
dizer que a sociedade de controle modula o sujeito, não definindo mais como
as produções devem ser feitas, mas fazendo com que os indivíduos se
adaptem a determinadas formas de produção. Os indivíduos são adaptados e
moldados, no entanto essa exigência de adaptação é constante e fluída.

Essa fluidez, porém, não é livre, é coordenada e controlada através


de certos parâmetros. Tais parâmetros não são estáticos, como nas
disciplinas, mas são mutáveis e numéricos. Essa característica numérica da
sociedade de controle permite ao capital o controle dos indivíduos e dos fluxos
de produção, segundo Deleuze:

Os diferentes internatos ou meios de confinamento


pelos quais passa o indivíduo são variáveis
independentes: supõe-se que a cada vez ele
recomece do zero, e a linguagem comum a todos
esses meios existe, mas é analógica. Ao passo que
os diferentes modos de controle, os controlatos são
variações inseparáveis, formando um sistema de
geometria variável cuja linguagem é numérica. Os
confinamentos são moldes distintas moldagens, mas
os controles são uma modulação, como uma
modelagem auto-deformante que mudasse
continuamente, a cada instante, ou como uma peneira
90

cujas malhas mudassem de um ponto ao outro


(DELEUZE,1990,Pg. 221)

A sociedade de controle cria um tipo de indivíduo que é


necessariamente marcado por um signo, que o define e o divide frente aos
outros indivíduos e à sociedade. Esse signo pode ser exemplificado pelos
controles existentes nos sistemas informatizados, o indivíduo é uma
corporeidade e um número de acesso. Esse signo pode permitir ou
desautorizar um trânsito, ou um acesso a algum serviço etc...

Os coletivos não possuem mais uma identidade visível, eles se


tornaram amorfos e estatísticos e, para serem controlados, é necessário
agrupar os coletivos e ordená-los de forma numérico transformando-os em
estruturas “epidemiológicas”, que podem ser processadas e tratadas, segundo
Deleuze:

Os indivíduos se tornaram dividuais, divisíveis, e as


massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou
bancos. (DELEUZE,1990, Pg. 222)

Essa mudança nos indivíduos e no coletivo também gera


conseqüências no modo de funcionamento das trocas simbólicas. Entendo
como troca simbólica qualquer tipo de transação que envolva um elemento
que represente outro, a maior expressão de troca simbólica criada pela
humanidade é o dinheiro, e sua circulação demonstra como os jogos de força
se alteram.
91

Nos controlatos, o dinheiro não possuí mais um valor representativo


fixo, ele é variável. O lastro da moeda em ouro foi trocado pela flutuação livre e
desimpedida dos fluxos monetários. Hoje é possível produzir riqueza, apenas
com as trocas de diferentes moedas, explorando a diferença entre os valores
das mesmas. No mundo disciplinar a riqueza produzida demandava um
produto acabado e com um valor determinado, segundo Deleuze:

É o dinheiro que talvez exprima a distinção entre as


duas sociedades, visto que a disciplina sempre se
referiu a moedas cunhadas em ouro- que servia de
medida padrão-, ao passo que o controle remete a
trocas flutuantes, modulações que fazem intervir
como cifra uma percentagem de diferentes amostras
de moeda. (DELEUZE,1990,Pg. 222)

Na sociedade de controle a definição de lucro e prejuízo é


absolutamente variável, dependendo de interpretações contábeis. Nas
disciplinas o lucro é simplesmente definido pela variação entre o preço de
custo e de venda.

No mundo disciplinar, por ser estático e descontínuo, os meios e bens


de produção são propriedade de um número delimitado e definido de pessoas.
Nos controlatos a propriedade dos bens de produção e serviços estão
pulverizadas em mercados de ações. A figura do dono e empresário está
cedendo lugar para a figura do acionista (que em muitos casos é um
funcionário assalariado da própria empresa, da qual é acionista).

Essa dança e jogos de força alteram o modo de como o trabalhador


produz. A responsabilidade do comando e cobrança saiu do capataz e se
deslocou para o próprio trabalhador.
92

Esta mudança leva a uma produção muito maior e mais eficiente. O


trabalhador mesmo controla o que faz e sua própria remuneração (em alguns
casos, trabalhando até morrer). O homem da disciplina podia travar a
produção, o homem do controle não deseja isso, ele busca uma produção
maior e contínua, constantemente, segundo Deleuze

O homem da disciplina era um produtor descontínuo


de energia, mas o homem do controle é antes
ondulatório, funcionando em órbita em um feixe
continúo . (DELEUZE,1990,Pg.223)

A fluidez produzida pelas sociedades de controle altera os elementos


produtivos, e as relações de troca. Com os adventos tecnológicos da
produção, a geração de lucro e riqueza se alterou, gerando uma nova
necessidade de trabalho. Esse trabalho sobre o produto não altera suas
características tangíveis, ele modifica o sentido do produto. A publicidade e o
marketing fazem isso com os produtos. Nos controlatos, o conceito do produto
é mais importante que o produto em si, segundo Deleuze:

As conquistas do mercado se fazem por tomada de


controle, e não mais por formação de disciplinas, por
fixação de cotações , mais do que por redução de
custos, por transformação do produto, mais do que
por especialização da produção. (DELEUZE,1990,Pg
.224)
93

É possível supor uma relação entre a sociedade de controle e o


esquizo. Ele passeia por esse modelo e a questão a ser debatida é: O esquizo
é o novo paradigma da sociedade de controle ? Ou o esquizo escapa pela
sociedade de controle ?

7-2 O esquizo solto no mundo: Um rápido relance desse passeio fornecido


pelo cinema em π(pi)

Nesse filme de Darren Aronofsky8, o personagem principal (Max) é um


matemático que busca desvendar a lógica embutida no número PI (razão
existente entre o tamanho da circunferência e seu diâmetro, resultando no
número 3,1415926535897932.... que se repete ao infinito).

Caso Max fosse procurar um atendimento de saúde mental, seria


fatalmente diagnosticado como portador de esquizofrenia. Ele alucina, constrói
delírios e possuí uma interpretação delirante do mundo. No entanto, não
pretendo explicitar os conteúdos psicopatológicos existentes no filme, mas irei
buscar pontos de intensidade ali presentes que permitam um paralelo entre a
sociedade de controle e o esquizo.

Max inicia em sua infância seu passeio pelos números e pelo


desvelamento da realidade. Começa construindo um ponto zero de intensidade
inventando para si um corpo sem órgãos, que parte da luz:

8
Nesse filme π(pi) dirigido por Darren Aranofsky em 1998 é contada a história de Max, um
matemático que estuda o número π(pi). A filmagem é montada em um esquema preto e
branco bicolor, em uma estética assemelhada à dos vídeo-clipes.
94

9:13 Anotação Pessoal


Quando eu era criança minha mãe disse para não olhar para o Sol
Mas quando eu tinha seis, eu olhei
Os médicos não sabiam se eu perderia a visão.
Fiquei apavorado naquela escuridão
Devagar a luz entrou entre as ataduras, e consegui ver.
Mas algo mudou dentro de mim, naquele dia tive minha primeira dor de
cabeça...

A luz que cega e a luz que entra pela atadura é o primeiro fluxo e corte
de fluxo que obriga Max a pesquisar e produzir algo, é levado por um plano
desejante. Após esse corte Max é obrigado a transformar a Luz em algo
compartilhável, a fim de manter uma intensidade produtiva:

12:45
1-Reitero minhas suposições matemática é a linguagem da natureza
2-Tudo pode ser representado e compreendido através de números
3- Ao fazer os gráficos dos números de qualquer sistema, surgem padrões,
portanto há padrões na natureza
Evidência o ciclo das epidemias
O aumento e a diminuição da população de caribous
Os ciclos das mancha solares
A cheia e a baixa do nilo.
E a bolsa de Valores ?
O universo de números que representa a economia global, bilhões de mentes.
Uma vasta rede pulsante e viva. Um organismo, um organismo natural
Minha hipótese, há na bolsa de valores um padrão
Bem na minha frente, atrás dos números
95

A produção desejante não é registrável, mas seus efeitos sim. Dessa


forma Max registra sua intensidade em uma teoria matemática, que busca
localizar um padrão preditivo. Seu conjunto de dados é a bolsa de valores, que
é um organismo vivo e pulsante com fluxo e cortes infinitos.

A pesquisa de Max não passa despercebida por uma empresa de


previsões. Essa empresa pretende capturar a produção desejante de Max e
utilizá-la em seus negócios. Os funcionários perseguem Max insistentemente,
e ele simplesmente os ignora. Essa empresa busca controlar a produção de
Max, em um primeiro instante com um jogo de sedução e posteriormente com
violência.

O trabalho elaborado por Max também interessa a um grupo de judeus


ortodoxos, que busca um número místico “escondido” na Tora. Esses
religiosos também perseguem Max, em uma tentativa disciplinadora de sua
descoberta. Para esses rabinos o número que Max procura é sagrado, pois
remete a uma antiga profecia judaica criada na primeira destruição do templo
de Jerusalém. Tal número é a chave para a decodificação do nome de deus,
permitindo a chegada do messias.

Coloco a personagem que desempenha o papel de executiva no filme


como uma força da sociedade de controle, enquanto que os judeus são uma
força da sociedade disciplinar. A executiva procura modular a produção de
Max, oferecendo ou negando o acesso a diferentes objetos tecnológicos. Os
judeus procuram regular a produção

Max sofre e usufrui das conseqüências das sociedades de controle e


disciplinar. Usufrui das possibilidades ofertadas e sofre com a constante
ameaça de ver seu produto desejante ser cooptado por um desses modos de
funcionamento. O processo desejante de fluxo e corte de fluxo é raptado e
96

sustentado por esses funcionamentos sociais, e o esquizo (no caso Max)


precisa lidar com isso.

A executiva que persegue Max oferece um novo processador


poderoso, que é aceito por Max, em troca de seu trabalho. E os Judeus
oferecem uma tora digital para Max poder obter uma base de dados maior.

Max durante sua pesquisa percebe que a regulação da lógica


numérica do número PI está relacionada à lógica das espirais:

9-22 Anotação do sol, mas diferente minhas Pupilas encolheram e tudo ficou
nítido
Nova hipótese:
Se somos criados apartir de espirais, vivendo numa espiral gigante, então tudo
que existe está impregnado de espirais.

Ao relacionar essas espirais com a seqüência numérica do PI, Max


descobre a sintaxe numérica existente entre as repetições contidas no
numeral. Essa seqüência permite a Max descobrir um padrão na bolsa de
valores, e uma lógica numérica intrínseca na Tora.

Ambos os grupos perseguem Max, os executivos e os religiosos. Os


executivos utilizam força e tentam capturar Max, para que entregue o número
que descobriu. No entanto os religiosos salvam-no da perseguição, e o levam
para uma sinagoga, onde será coagido a entregar a sintaxe numérica.

Frente a essa tentativa de rapto do seu conhecimento, Max vê apenas


uma saída: Fura sua cabeça com uma furadeira. Um novo corpo sem órgãos
surge nesse ato: Max desvia a produção desejante para outro caminho.
97

A sociedade de controle e a disciplinar tentam raptar a produção


desejante do esquizo. No caso de Max, isso não foi possível, o desejo foi
encaminhado para outro lado, Max se torna um débil mental.

O que Max demonstra em seu passeio esquizofrênico é a tentativa de


captura do desejo pela sociedade e pela lógica de produção vigente. O esquizo
pode ser capturado por variante de uma lógica transcendente,seja do mercado
ou da religião. O que mantém o desejo, entretanto, é uma lógica imanente.
Desse modo o esquizo acaba por escapar das variantes de captura dos fluxos
desejosos.

Se o fluxo desejante do esquizo for capturado, seu corte virá, não


importando as conseqüências.

Como demonstra Max, o desejo é um fluxo e um corte de fluxo, a sua


captura pode ser definida como uma ação que impeça o fluxo, ou seu corte.

Max sente na pele a constante insistência da sociedade de controle


exigindo uma produção contínua e infinita, sem o corte desejante. A executiva
exige que Max produza e lhe entregue o número, mas não permite nenhuma
linha de fuga ou corte. O esquizo fica sem saída, assim como os
trabalhadores.

Os religiosos querem apenas o produto de Max. Eles querem o


número sagrado, deixando o esquizo de fora da produção religiosa. Esse corte
produzido pela lógica transcendente é menos violento que a produção
continuada, sem cortes. A religiosidade, no entanto, exige um represamento do
fluxo desejante, deixando apenas espaço para seu corte. O esquizo não pode
produzir, mas lhe é permitido um novo devir, obrigatoriamente transcendente.

Max é um exemplo de como diferentes lógicas sociais tentam se


apropriar do desejo do esquizo.
98

7-3 A psicanálise e o discurso capitalista

A psicanálise não se furtou de teorizar e trabalhar com a questão dos


efeitos do capitalismo sobre a subjetividade. É impossível construir uma prática
clínica que não leve em conta as relações produtivas existentes na sociedade,
na qual está inserida.

Com a finalidade de se compreender os efeitos discursivos sobre o


sujeito, Lacan propôs quatro diferentes discursos: O do mestre, o universitário,
do analista e o histérico. O funcionamento desses discursos não será
aprofundado, apenas a reviravolta do discurso do mestre para o capitalista
será explorada.

O discurso do mestre é proposto como aquele que determina e orienta


uma realidade qualquer. Esse discurso permite a criação de um laço social, já
que coloca um regulador do desejo e do gozo. Essa regulação é elaborada
pelo escravo e tomada como verdade pelo mestre, no entanto o desejo é
regulado pelo posicionamento do escravo, e seu saber é tomado pelo mestre,
como coloca Rosa:

Lacan chamou de discursos os laços sociais tecidos e


estruturados pela linguagem. O discurso do Mestre,
"quer dizer, o fato de que ele ordene, intervenha no
sistema de saber..." (LACAN, 1969-70/1992, p.191), é
aquele no qual o poder faz laço social entre aquele que
manda e aquele que trabalha. É o laço que permite
governar. Lacan baseou-se na dialética do senhor e do
escravo tal como apresentada por Hegel na elucidação
99

da constituição da consciência de si. Nesta, há uma


articulação entre o desejo de um com o desejo do outro,
entre a vida e a morte, entre o objeto e o gozo. Neste
discurso, o saber transformador representado pelo
trabalho está do lado do escravo, embora ele não saiba
disso, pois o Mestre dita o que é a realidade afirmando-
a como verdade. (Rosa,2006,Pg.38)

O discurso do mestre funciona em qualquer sociedade, porém ele é


desestabilizado pela entrada da lei de mercado. O funcionamento dessa lógica
altera os posicionamentos do mestre, do desejo, do escravo e do saber. Essa
desestabilização provocada pela entrada do capital, não permite uma saída
subjetiva, diferente do discurso do mestre, no qual o escravo possuí uma
possibilidade de escape, segundo Rosa:

No entanto, em Televisão (1974), diferente do que


afirmara em 1969/1970, no seminário O avesso da
psicanálise, Lacan apresenta o Discurso Capitalista,
característico da civilização científica, como uma
modalidade degradada do Discurso do Mestre, que
desestabiliza o laço social dominante na sociedade
contemporânea. No capitalismo avançado, a verdade do
sujeito e de seu objeto de gozo é a do atravessamento
da lei do mercado na lei do desejo. A lógica do capital e
lucro é apresentada como a única possível, provada
pelo sucesso. Tais atravessamentos e lógica não
operam sem conseqüências para o sujeito.
(Rosa,2006,Pg.39)

O discurso do mestre permite uma relação de transparência entre os


sujeitos, diferente da relação existente no discurso capitalista. De acordo com
100

o pensamento psicanalítico, o capitalismo extraí o sujeito das relações de


troca, substituindo-o por indivíduos, que são valorados pela sua capacidade de
consumo. Essa substituição altera todas as relações simbólicas existentes
anteriormente, segundo Rosa:

O discurso capitalista esclarece uma concepção de


funcionamento social em que o indivíduo se adapta a
uma realidade dada. Privilegia não o sujeito, mas o
indivíduo consumidor que, em sua dimensão de
consumido, não encontra lugar para o seu pathos
(sofrimento), para formular demandas, remetido que fica
à colagem do objeto da demanda ao objeto do
consumo. O desdém e a ridicularização de outras
estratégias societárias que não as instituídas — estas
últimas, tais como apresentadas por Graziano —
expõem como é incitada a supressão da demanda e do
pathos para construir 'realidades' alternativas. Conflitam
com o reconhecimento de que os laços
sociais/discursivos determinam o sujeito, o sentido do
seu ato e dito, o seu gozo, a sua psicopatologia, o seu
pathos e o transbordamento para além do sintoma, do
íntimo, do privado, do individual. (Rosa,2006,Pg.40)

As trocas mercadológicas alteram as relações simbólicas entre os


sujeitos. Essa alteração, na visão de alguns psicanalistas, altera a própria
constituição da subjetividade, já que a função simbólica é fundante da
subjetividade psicanalítica. E se a função simbólica é alterada, a subjetividade
é alterada. Essa mudança da subjetividade promovida pelo neo-liberalismo, é
uma das principais questões da psicanálise nesse início de século, segundo
Dufuor:
101

O que é preciso enunciar sem demora: o triunfo do


neoliberalismo traz consigo uma alteração do
simbólico. Se como diz Marcel Gauchet “a esfera de
aplicação do mercado está destinada a expandir bem
além do domínio da troca mercadológica, então há um
preço a pagar por essa expansão: o enfraquecimento
e até a alteração da função simbólica
(DUFUOR,2005,Pg.14)

A grande circulação de mercadorias, produz uma ruptura das relações


simbólicas, não existindo qualquer garantia transcendente das trocas. Essa
perda traz complicações para o modo de subjetivação proposto pela
psicanálise. Desde Freud, a transcendência é fundamental para a constituição
do sujeito, como coloca Dufuor:

Essa mudança radical das trocas traz consigo uma


verdadeira mutação antropológica. A partir do
momento em que toda a garantia simbólica das trocas
entre os homens tende a desaparecer, é a própria
condição humana que muda. Com efeito, esse estar
no mundo não pode ser mais o mesmo quando a
questão de uma vida humana não se liga mais à
busca de valores transcendentais representando
papéis de garantias, está ligada a capacidade de estar
em acordo com os fluxos sempre móveis da
circulação da mercadoria (DUFUOR,2005,Pg.14)
102

Antes do surgimento do neo-liberalismo, as trocas simbólicas


pressupunham um conhecimento dos agentes das mesmas, existia a figura do
patrão, do dono da empresa, do explorador, do explorado. Nos tempos de
hoje, essas figuras estão sumindo, as corporações não pertencem mais a uma
pessoa, pertencem a milhares de acionistas. As relações dos exploradores e
dos explorados pelo trabalho se confundem. Hoje as ordens de produção e
organização vêm anônimas, não há mais o capataz, mas um imperativo fluído,
sem corpo, segundo Rosa:

Associado ao discurso capitalista que é segregador,


pois não faz laço social como o discurso do Mestre —
este, conforme vimos, ordena as relações, mesmo na
assimetria, permitindo a governabilidade — o anonimato
move uma lógica paranóica, externa ao sujeito. Junto
com a abstração, faculta a convicção e a opacidade aos
discursos. Mesmo que sejam emitidos por pessoas
identificadas, pois estas, conforme observamos nos
noticiários midiáticos, funcionam como ventríloquos das
vozes poderosas (anônimas) do mercado,
constrangendo a resposta do sujeito dividido.
(Rosa,2006,Pg .41)

O sujeito neurótico criado por Freud, não responde bem as demandas


do mercado, ele precisa de um elemento transcendente relativamente estável
para seu funcionamento. O fluxo de mercadorias e capital, não conversa bem
com esse modo de subjetivação, segundo Dufuor:

Com efeito a neurose, com suas fixações compulsivas e


suas tendências a repetição, não oferece melhor
103

garantia de flexibilidade necessária às conexões


múltiplas no fluxo de mercadorias (DUFUOR,2005,Pg.
21)

O tipo de subjetividade produzida e útil para o capital é aquela


que os psicanalistas denominam de psicótica, o psicótico não possuí o
recalque, liberando-o para a aceitação de todos os fluxos do capital. A
foraclusão, ou a falta de ancoramento em referências simbólicas, permite ao
psicótico um “surf” mais “azeitado” sobre os fluxos do capital, no entanto isso
possui algumas conseqüências, com coloca Dufuor:

Na tendência a dessimbolização em que


presentemente vivemos, não é mais, com efeito o
sujeito crítico, colocando prioritariamente uma
deliberação conduzida em nome do imperativo moral
da liberdade, que convém, também não é o sujeito
neurótico preso numa culpabilização compulsiva, é um
sujeito precário, acrítico e psicotizante que é
doravante requerido. O cerne do sujeito
progressivamente da lugar ao vazio.
(DUFUOR,2005,Pg.22)

A tendência observada atualmente pelos psicanalista é a


desinstitucionalização da vida, isso leva a algumas conseqüências no campo
simbólico, o sujeito perde suas referência e fica a mostra e a disposição da
sanha mercadalógica, segundo Dufuor:
104

Ora, o que essa desinstitucionalização imediatamente


produz é bem uma dessimbolização dos indivíduos. O
limite absoluto da dessimbolização é quando mais
nada vem assegurar e assumir o encaminhamento
dos sujeitos para a função simbólica encarregada da
relação e da busca do sentido. Nunca se chega aí
verdadeiramente, mas, enfim quando a relação de
sentido se desfalece, é sempre em detrimento do
próprio da humanidade, a discursividade, e em
proveito da relação de forças. O que o novo
capitalismo visa hoje é o núcleo primeiro da
humanidade: A dependência simbólica da
humanidade.

(DUFUOR,2005,Pg.198)

A subjetividade que o capitalismo agencia nos tempos de hoje é


percebida pelos psicanalistas como aquela na qual o sujeito se esvai,
produzindo um vazio, esse vácuo não é a falta desejante pela psicanálise, é a
perda das ancoragens subjetivas supostas por essa teoria, Dufuor coloca que:

Na tendência a dessimbolização em que


presentemente vivemos, não é mais, com efeito o
sujeito crítico, colocando prioritariamente uma
deliberação conduzida em nome do imperativo moral
da liberdade, que convém, também não é o sujeito
neurótico preso numa culpabilização compulsiva, é um
sujeito precário, acrítico e psicotizante que é
doravante requerido. O cerne do sujeito
progressivamente da lugar ao vazio.
(DUFUOR,2005,Pg.22)
105

Esse processo psicotizante apontado por Dufuor, produz


sofrimento e faz com que as relações desejosas e de gozo sejam agenciadas e
utilizadas pelo capitalismo como fonte e alvo de sua ação. Uma das
conseqüências desse discurso sobre a subejtividade humana é apontada por
Rosa:

São essas as questões recalcadas nas modalidades de


laço social ensejadas pelo discurso capitalista, as quais
empurram violentamente o sujeito ao gozo, sob a forma
de consumo e lucro desmedido ou de sofrimento e
geram, para além do mal-estar, violências. Esta
estratégia concebe sujeitos alheios, descomprometidos
frente a uma realidade posta (imposta), em que são
suspensos seus dilemas éticos, recolocados pela
psicanálise. Diz Lacan em A ciência e a verdade: "Por
nossa posição de sujeito sempre somos responsáveis.
Que chamem a isto como quiserem, terrorismo"
(LACAN, 1966/1998, p.873). A psicanálise comparece,
através do sujeito do inconsciente, como modo de
resistência a instrumentalização social do gozo.
(Rosa,2006,pg.42)

O estudo da psicanálise sobre os efeitos do capitalismo tardio, não


se furtou de refletir sobre o trabalho de Deleuze e Guatarri, no entanto seus
pressupostos teóricos e conceituais são absolutamente diferentes, gerando
uma impossibilidade de conversa e agenciamento entre ambos, como
demonstra Soller:
106

Em 1972 Lacan retoma, em duas ocasiões distintas o


que já havia avançado em seus seminários dos anos
anteriores sobre os quatro discursos, para debater um
deslizamento do discurso do mestre, que ele apresenta
como discurso capitalista. É justamente o discurso do
capitalista que vai nos interessar, posto que, a partir
desse discurso podemos extrair uma tese que contraria
em tudo a tese de Deleuze. Neste ano Lacan especifica
o que de fato distingue o discurso do capitalista e em
que ponto preciso ele é o avesso do discurso do
analista: a foraclusão. Ora se é a foraclusão que
caracteriza o discurso do capitalista, o que ele sustenta
não é o laço social baseado na lei edipiana do pai. São
antes relações esquizofrênicas e esquizofrenizantes que
vêm como produto desse discurso. (Soller,1999, Pg-
169)

Ainda assim, a simples substituição do pensamento Deleuziano-


Guatarriano pela crítica da psicanálise ao capitalismo não implica na resolução
dessa questão e seus efeitos sobre a subjetividade. Dufuor coloca uma boa
questão a ser trabalhada:

Deleuze acreditou poder ultrapassar o


capitalismo, suspeito de não desterritorializar
suficientemente rápido e de proceder a
reterritorializações ditas paranóicas capazes de
bloquear fluxos maquínicos, ao colocar em suas
pegadas a figura do esquizofrênico, que podia
desarranjar tudo e perturbar os fluxos normatizados,
conectando tudo com tudo. O que Deleuze não tinha
visto é que seu programa, longe de permitir a
ultrapassagem do capitalismo, apenas antecipava seu
107

curso. Tudo se passa hoje como se o novo


capitalismo houvesse entendido a lição deleuzeana.
Com efeito é preciso que os fluxos de mercadoria
circulem, e eles circulam ainda melhor porque o velho
sujeito freudiano, com suas neuroses e falhas na
identificação que não param de se cristalizar em
formas rígidas antiprodutivas, será substituído por um
ser aberto a todas as conexões.
(DUFUOR,2005,Pg.21)

Será que o esquizofrênico proposto por Deleuze e Guatarri é uma


nova forma de subjetivação em formação e forçada pelo jogo de forças
capitalistas existentes ?

Se a resposta for afirmativa, isso não necessariamente é um


desastre a ser vivido pela frente, como aponta Dufuor:

Em resumo é preciso decidir: Estamos na hora,


próxima do grande meio-dia nietzschiano, de um
niilismo filosófico enfim lúcido? Ou na hora
crepuscular de um niilismo cansado ?
(DUFUOR,2005,Pg.81)

7-4 Jogos de Força entre esses esquizos.

Será possível pensar o esquizo como uma resposta conceitual (e


eventualmente prática) para a sociedade de controle e neo-liberal que se
constrói atualmente ? O esquizofrênico parece ser um personagem que
108

responde bem a uma nova forma de pensamento que começa a se instalar no


mundo atual. As duas primeiras formas de pensamento existentes podem ser
classificadas como forma “deus” e forma “homem”. A forma esquizofrênica

pode ser um modo de pensamento que começa a tomar (des)forma na


contemporaneidade.

A forma deus pode ser definida como todo pensamento que busca
uma forma superior, que determina todos os elementos nessa construção. A
forma homem é a formulação conceitual onde todos os elementos gravitam em
torno de alguma concepção antropológica.

A psicanálise já começou a perceber que ambas as formas de


pensamento e subjetivação estão em decadência, assim como Deleuze e
Guatarri também construíram um sistema conceitual que leva conta esse
desmoronamento desses modos de subjetivação.

Com o Anti-Édipo, Deleuze e Guatarri criam seu próprio esquizo,


como portador da produção desejante, onde todos os elementos podem se
ligar a qualquer outro elemento produzindo um fluxo desejante. A psicanálise
não toma o esquizofrênico como elemento portador do desejo, mas o toma
também como aquele que é livre para qualquer tipo de agenciamento. Mais
precisamente, o esquizofrênico da psicanálise é apenas uma das
possibilidades de agenciamento incotidos, a possibilidade da conectividade
“livre” é pensada na psicose como um todo.

Tanto a psicanálise, quanto a dita esquizoanálise apontam para a


existência de um movimento no capitalismo recente, que captura a
subjetividade e a altera em função de sua própria reprodução.

Entretanto, a saída para a psicanálise está baseada em um retorno


as referências simbólicas, que estão sendo carcomidas e destruídas pelas
109

relações impostas pelo capitalismo tardio. Esse retorno implicaria em uma


resistência aos avanços do capital sobre a subjetividade.

Já Deleuze e Guatarri, não propõem um retorno às referências


simbólicas, eles propõem a sustentação de uma resistência baseada no
movimento, que de certo modo impediria o seqüestro da subjetividade pelo
capital.

Ambas as correntes de pensamento sustentam as conseqüências do


capitalismo tardio sobre as relações humanas e a subjetividade. É necessário
saber, como coloca Dufuor, qual vai ser a saída: Um niilismo cansado, ou um
niilismo lúcido.

8- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A idéia da esquizofrenia surgiu com o desenvolvimento da psiquiatria


e do tratamento médico da saúde mental, e seu conceito se expandiu
possibilitando um agenciamento que envolve os modos de produção atuais. A
esquizofrenia se expandiu para além do território do manicômio, ela se tornou
um conceito operativo que pode agenciar novos modos de subjetivação.

Para o psiquiatra, a esquizofrenia é um conjunto de sinais e


sintomas que traz uma série de sofrimentos, para o paciente e sua família.
Esses sinais e sintomas indicam um caminho de tratamento, que pode ser
farmacológico, psicológico e social. Essa tríade de tratamentos fez surgir a
110

solução bio-psico-social. Esse tipo de posicionamento frente à esquizofrenia


aponta para uma prática que pretende controlar e diminuir os danos dessa
enfermidade em um indivíduo.

O psicanalista pode encarar a esquizofrenia de dois diferentes


modos: Como um limite ao tratamento psicanalítico, ou como uma nova clínica
a ser desbravada. Em ambos os casos a esquizofrenia e a psicose servem
como explicitação dos efeitos do complexo de édipo. Essa explicitação diz
respeito a uma falha na resolução desse complexo. Apesar de possuir um
interesse eminentemente clínico na esquizofrenia, a conceituação psicanalítica
começa a apontar que a psicose é uma das novas exigências de subjetivação
no modo de produção capitalista.

A esquizoanálise propõe a esquizofrenia como novo paradigma da


produção desejante. O esquizofrênico é aquele que é capaz de produzir
múltiplas conexões, de diferentes modos através de seu fluxo e corte
desejante. O fluxo do capitalismo impede ao esquizo a expressão de seu
desejo, que é capturado pela produção capitalista.

A relação entre o capitalismo e a esquizofrenia não interessa à


psiquiatria, no entanto os estudos do inconsciente perceberam que existe uma
relação de produção entre ambos.

A esquizofrenia existe em duas vertentes problemáticas que


coexistem. As manifestações clínicas e as manifestações como processo
imanente do desejo da esquizofrenia produzem efeitos variados. No entanto,
em ambos os casos as linhas de fuga são primeiras e o capitalismo não cessa
de capturá-las para si.
111

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1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP

Fabio Eduardo Umeki Cidade

ESQUIZOFRENIA: PSIQUIATRIA, PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE.


DIFERENTES TERRITÓRIOS, DIFERENTES ESQUIZOS.

Mestrado em Psicologia Clínica


2

São Paulo
2007
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Fabio Eduardo Umeki Cidade

ESQUIZOFRENIA: PSIQUIATRIA, PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE.


DIFERENTES TERRITÓRIOS, DIFERENTES ESQUIZOS.

Mestrado em Psicologia Clínica

Tese apresentada à banca examinadora da


Pontífice Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de mestre em psicologia clínica sob a
orientação do Prof. Doutor Luis Benedito
Lacerda Orlandi.
3

São Paulo
2007

Banca Examinadora

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________
4
5

Aos meus Pais e a querida


Nanda.
6

CIDADE, Fabio Esquizofrenia: Psiquiatria, Psicanálise e Esquizoanálise.


Diferentes territórios, Diferentes Esquizos.São Paulo, 2007, Dissertação
(Mestrado)- Departamento de Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Orientador: Prof° Dr Luis Benedito Lacerda Orlandi.

RESUMO

Esse trabalho estuda a questão da esquizofrenia a partir de três


produções conceituais diferentes: A psiquiatria, a psicanálise e a
esquizoanálise.
A metodologia utilizada é a produção de sentido, como proposta por
Deleuze. O sentido é transversalizado através das seguintes proposições: A
designação, a manifestação e a significação.
O esquizofrênico serve para a psiquiatria sustentar uma clínica de
tratamento médica. Na psicanálise o esquizofrênico aponta as conseqüências
de um complexo de édipo que fracassa no sujeito. Na esquizoanálise o
esquizofrênico é o sustentáculo de uma produção desejante baseada no
excesso, não na falta.
Ao final desse trabalho se discute, ilustrado pelo filme PI de Darren
Aranofsky a ligação entre o esquizo e a sociedade de controle e disciplinar, e o
modo como o capitalismo aprisiona as linhas de fuga construídas pelo esquizo.

Palavras Chaves: Esquizofrenia, Psiquiatria, Psicanálise,


Esquizoanálise
7

ABSTRACT

This dissertation studies the question of squizofrenia through three


difrente theories: The psychiatry , the psychoanalysis and the squizoanalysis.

The methodology used is the production of sense, as proposed by


Deleuze. The sense is a transversal of three propositions: The designation, the
manifestation and the meaning.

The squizofrenic is used by the psychiatry to develop a medical


treatment. In psychoanalysis the squizofrenic is used to mark the failure of the
Oedipus complex. In the squizoanalysis the squizofrenic is a role model for a
new theory of desire, sustained by the excess.

At the end of this dissertation, the control society and the disciplinary
society is discussed by the movie PI by Darren Aranofski.

Key Words: Psychiatry , Psychoanalysis , Squizoanalysis, Squizofrenia


8

SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO ........................................................................09

2-METODOLOGIA .......................................................................11

3-A CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA


PSIQUIATRIA
3-1 Origens: Kraepelin, Bleuler e Schneider ........................................15
3-2 O período de expansão do conceito............................................. 20
3-3 O período de restrição do conceito................................................ 21
3-4 O sentido da esquizofrenia na psiquiatria...................................... 25

4- CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


FREUD

4-1 A paranóia em Freud.......................................................................33


4-2 A esquizofrenia em Freud ..............................................................36
4-3 A teoria da representação em Freud e sua relação com a
esquizofrenia..........................................................................................39
4-4 A psicose e a Neurose em Freud, diferenças básicas. ...................42
4-5 O sentido da esquizofrenia em Freud. ............................................43

5-CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


LACAN
9

5-1 A alucinação e os fenômenos psicóticos........................................47


5-2 O esquema L e R ...........................................................................53
5-3 A metáfora e a função nome-do-pai................................................55
5-4OesquemaI ......................................................................................57
5-5A esquizofrenia em Lacan ...............................................................59
5-6 O sentido da esquizofrenia em acan...............................................61

6-O CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA ESQUIZOANÁLISE

6-1 O passeio do esquizo e o processo das máquinas desejantes......64


6-2 O corpo sem órgãos e o registro.....................................................67
6-3 É necessária a estrutura edípica ....................................................69
6-4 O registro ........................................................................................69
6-5 Eu sinto isso....................................................................................71
6-6 Psiquiatria Materialista....................................................................72
6-7 O desejo não é falta e nem é teatral...............................................74
6-8 Máquinas e o desejo como fluxo.....................................................75
6-9 O sentido da esquizofrenia na esquizoanálise. ..............................76

7- A ESQUIZOFRENIA COMO MODELO EXPLICATIVO PARA


AS RELAÇÕES COM O CAPITALISMO E SUA POSSÍVEL
RELAÇÃO COM O DISCURSO CAPITALISTA PROPOSTA POR
LACAN

7-1 A sociedade de controle, segundo Deleuze...................................80


7-2 O esquizo solto no mundo: Um rápido relance desse passeio
fornecido pelo cinema em π(pi)............................................................85
7-3 A psicanálise e o discurso capitalista.............................................90
7-4 Jogos de Força entre esses esquizos............................................99

8-CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................101


10

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................103

1- INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende estudar as diferenças conceituais da


esquizofrenia na psicanálise, na psiquiatria e na esquizoanálise.

Esse estudo é relevante, pois o conceito de esquizofrenia é múltiplo,


implicando em clínicas e práticas diferentes.

A esquizofrenia é um território de múltiplos fazeres e conceituações.


Essa multiplicidade permite uma expressão de diferentes posicionamentos e
agenciamentos.

Quais são esses agenciamentos forçados pela esquizofrenia? Creio


que tais agenciamentos surgem do caráter desconcertante dessa condição,
condição que esfrega no rosto de todo homem o esvaziamento da identidade e
da subjetividade. Esse esvaziamento é absolutamente aterrador e
esperançoso, provavelmente é esse efeito que faz com que parcelas da
humanidade se debrucem sobre ela.

Um dos agenciamentos mais poderosos da esquizofrenia é o


psiquiátrico: é a psiquiatria que se autoriza (e é autorizada) a produzir um
diagnóstico médico, uma epidemiologia e um tratamento para o esquizo.
11

O segundo agenciamento é o da psicanálise, que tenta produzir uma


compreensão do fenômeno da esquizofrenia, compreensão frágil e
questionável, no entanto, possui uma potência teórica e clínica, implicando
uma concepção de subjetividade que parte do esquizo, mas rebatendo-o a
uma referencia neurótica.

O terceiro agenciamento é o da esquizoanálise, que se utiliza do


esquizofrênico como ressonância do desejo. O esquizo é tido como aquele que
possui a expressão do desejo, possibilitando novos agenciamentos e
construções. Creio que esse esquizofrênico é esperançoso, quem sabe
revolucionário.

Esse trabalho tratará da esquizofrenia de dois diferentes modos, um


que chamarei de orgânico e outro de inorgânico. O modo orgânico diz respeito
a uma organização conceitual da esquizofrenia; o segundo diz respeito a
relações possíveis a esse conceito, apontando para um possível
acontecimento.

O objetivo desse trabalho não é buscar a essência conceitual da


esquizofrenia, mas buscar o trabalho conceitual, como acontecimento,
segundo Deleuze:

Nós, ao contrário, nos interessamos pelas


circunstâncias de uma coisa: em que casos, onde,
como etc... Para nós, o conceito deve dizer do
acontecimento, e não mais da essência.
(DELEUZE,1969, pg, 37)
12

2- METODOLOGIA

A metodologia deste trabalho é orientada pelo objetivo de pesquisar


expressões que estabelecem sentidos distintos no esforço de conceituar a
esquizofrenia na psiquiatria, na psicanálise e na esquizoanálise.

O estudo da expressão e do sentido pressupõe uma aproximação


diferente da questão da verdade. É possível concordar com Garcia Roza
quando diz que a verdade se tornou uma das grandes questões filosóficas e foi
por ela que Sócrates e Platão criaram o discurso filosófico. Esse discurso não
prescinde da posição de seu enunciador, mas necessita de uma coerência e
uma lógica interna que a torne universal e atemporal:

O critério da permanência do discurso era a


persuasão se esta na melhor das hipóteses se fazia
por virtudes retóricas, em casos extremos tornava a
verdade dependente da violência das paixões se a
verdade estava ausente na certeza subjetiva, como
evitar que ela fosse presa das paixões individuais ?
Platão acreditava que o único meio era constituir um
discurso que contivesse ele próprio seu critério de
validade, um discurso que fosse auto legitimado, e
essa auto legitimação se traduzia na exigência da
não-contradição. O que nesse momento estava
surgindo era a razão conceitual fundada no princípio
da não contradição, e ao discurso assim constituído,
se chamou de filosofia.(GARCIA -ROZA,1990, pg.
61)
13

A questão deste trabalho está centrada em certa variedade dos


conceitos de esquizofrenia. Como operador metodológico, aplicaremos no
estudo das expressões da esquizofrenia sugestões encontradas em certas
passagens de lógica do sentido de Gilles Deleuze. É privilegiado,
especialmente o modo como ele delineia as dimensões da proposição. Esse
posicionamento permite levar a sério a dificuldade encontrada em dizer qual é
o sentido de um acontecimento qualquer, como o de manifestações
esquizofrênicas. Onde está a dificuldade? Está em que o sentido de um
acontecimento qualquer, apesar de se exprimir em proposições, não se esgota
nas dimensões empiricamente dadas por tais proposições

Temos três dimensões empíricas imediatamente observáveis. A


primeira é a designação ou indicação. Uma proposição sempre comporta a
designação ou indicação de um determinado objeto ou de um estado de coisas
externas, segundo Deleuze:

O estado de coisas é individual comporta tal ou tal


corpo, mistura de corpos, qualidades e quantidades,
relações. A designação opera pela associação das
próprias palavras com imagens particulares que
devem representar o estado de coisas: entre todas
aquelas que soa associadas a palavra, tal ou tal
proposição. ”.(DELEUZE,1969,pg.13)

A segunda dimensão é a manifestação subjetiva. A manifestação pode


ser definida como aquela dimensão da proposição em que o autor deixa
transparecer os afetos que sente em face do acontecimento, dimensão em que
podem se revelar suas crenças e desejos, o que produz um deslocamento, de
14

modo que a questão se desloca do par verdadeiro-falso par o par veracidade-


engano, como nota Deleuze:

“Da designação à manifestação se produz um


deslocamento de valores lógicos, representado pelo
cogito: não mais o verdadeiro e o falso, mas a
veracidade e o engano” (DELEUZE,1969,pg.14)

A terceira dimensão é a da significação lingüística ou categorial da


proposição, a significação dos termos que a compõem, sua construção
sintática e conceitual, os operadores lógicos, como ‘implica’, ‘logo’ etc... que
estabelecem as relações internas entre os termos ou entre os conceitos que
nela atuam como universais.

Mesmo que sejam atualizações empíricas do sentido de um


acontecimento, essas três dimensões, que delimitam nossos primeiros três
passos metodológicos, devem ser ainda trabalhadas através de uma
experimentação conceitual, de um construtivismo interessado na pulsação de
um sentido em fuga. O sentido é quarta dimensão da proposição, diz Deleuze.
Segundo ele:

Os estóicos a descobriram com o acontecimento: O


sentido é o expresso da proposição, esse
incorporável na superfície das coisas , entidade
complexa irredutível que insiste e subsiste na
proposição. (DELEUZE,1969,pg.20)
15

Temos aí nosso quarto passo metodológico, passo que possibilita a


transversalização das três dimensões anteriores no esforço de uma aventura
construtivista do sentido.

O trabalho pretende acompanhar proposições que precipitam variados


sentidos de acontecimentos, tidos como manifestações esquizofrênicas.
Assim, preocupamo-nos com discursos que constroem diversos sentidos das
esquizofrenias, sentidos que insistem e subsistem no jogo das proposições,
sem a pretensão de dizer a verdade desta ou daquela manifestação
esquizofrênica.
16

3- A CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA


PSIQUIATRIA.

O desenvolvimento conceitual da esquizofrenia, na psiquiatria, será


estudado através de uma divisão temporal proposta por ELKIS (2000). Desde
o seu surgimento no século dezenove, esse autor divide essa história em três
partes:

1-As origens: Kraepelin, Bleuler e Schneider,

2-O período de expansão do conceito.

3-O período de restrição do conceito.

3-1 Origens: Kraepelin, Bleuler e Schneider

A nosologia conceitual da esquizofrenia foi elaborado a partir da


“demência precoce” proposta por Kraepelin, em seu Kompendium der
Psychiatrie, cuja a primeira versão foi publicada em 1883 sendo revisada e
ampliada até se tornar um colossal tratado de quatro volumes. COLODRON
(1990, pg 54)

Os processos degenerativos são agrupados por Kraepelin, na quarta


edição de seu tratado COLODRON (1990, pg.55-59), em três quadros
diferentes: a demência paranóide, a catatonia e a demência precoce. A
demência paranóide é descrita como um quadro diferente da paranóia, pois a
17

última é caracterizada por um sistema de idéias delirantes, crônicas e


imutáveis, sem distorção do juízo e da organização das idéias. A catatonia é
definida pelos conceitos de Kahlbahaum, como um estado de impossibilidade
de contato exterior. E a demência precoce é descrita como uma hebefrenia,
um distúrbio que surge na adolescência, com perda do juízo e da organização
das idéias.

Na sexta edição de seu Compendim, Kraepelin agrupa os três quadro


santeriormente descritos na classificação e denominação de demência
precoce, como uma entidade nosográfica autônoma e referenciada a critério
clínico evolutivo que se caracteriza por:

• Transtornos do pensamento (Desordem de pensamento, e


pensamento recortado, não inteligível para o médico)

• Evolução progressiva por surtos

• Desfecho por uma debilidade parademencial

• Síndrome Avolicional

Assim as três formas descritas na quarta edição por Kraepelin podem


se dar em um mesmo paciente. Segundo COLODRON:

“As três formas podem se dar em um mesmo


paciente. Caracterizando-se por um estado de
déficit cognitivo, bloqueio,negativismo, diminuição
da produtividade psíquica, empobrecimento motor,
perda de energia e embotamento afetivo”
(COLODRON1990,pg. 38)
18

As construções nosográficas de Kraepelin sobre a demência precoce


possibilitaram a Bleuler construir a definição clássica da esquizofrenia, sendo
que ambas conviveram na comunidade médico-psiquiátrica por certo período
de tempo. Segundo ELKIS:

“A “síndrome avolicional” foi identificada por muitos


autores como a primeira descrição de um conjunto
de sintomas posteriormente batizados com o nome
de “negativos”. Já a “síndrome da perda da unidade
interna”, na descrição do próprio Kraepelin,
“apresenta-se como no distúrbio das associações
descrito por Bleuler, na incoerência do pensamento,
nas mudanças intensas do humor e na inconstância
do pragmatismo”. Tal afirmação não deve
surpreender, pois o conceito de esquizofrenia fora
proposto por Bleuler em 19083 e publicado em seu
livro em1911, antes, portanto, de Kraepelin publicar
a última edição de seu tratado. Assim, o conceito de
esquizofrenia não representou simplesmente uma
substituição ao de demência precoce sendo que
ambos conviveram por alguns anos.”
(ELKIS,,2000,pg.23)

De acordo com COLODRON (Colodron,1990,pg.62), Bleuler


conceituou a esquizofrenia como um grupo de psicose de curso crônico, que
se apresenta em surtos, podendo retroceder ou não. No entanto a
característica principal dessa enfermidade é a impossibilidade de um retorno a
um estado anterior íntegro, caracterizando-se por uma alteração específica do
pensamento, sentimento e das relações com o mundo
19

O termo esquizofrenia (Skizeb-Dividido/ phrenos-espiritu) foi forjado


desse modo por Bleuler para descrever esse modo de adoecimento, segundo
COLODRON “Se a doença é pronunciada, a personalidade perde sua
unidade, em diferentes momentos aparecem complexo psíquicos diferentes”.
(1990,pg-75)

As principais diferenças conceituais da esquizofrenia entre Bleuler e


Kraepelin são segundo COLODRON (1990, p-g68):

1- A característica principal da esquizofrenia para Bleuler é a


cisão da personalidade, a spaltung da vida psíquica do sujeito.
Kraepelin coloca que a principal característica da esquizofrenia é o
seu curso (evolução parademencial)

2- Como resultado dessa “spaltung” se produz uma perda de


contato com o meio social.

3- A esquizofrenia perde o caráter nosológico único para se


encaixar no grupo das psicoses.

A noção de esquizofrenia proposta por Kraepelin não é abandonada


por Bleuler, mas ele não a considera como um conceito nosológico,:

“A partir de agora, a demência precoce precisa ser


definida, não como uma doença, mas sim como
uma família, do mesmo modo que a psicose
orgânica, ou de forma mais precisa, como a
demência paralítica de outras décadas”.
(KRAEPELIN 1919, Pg 279)
20

A definição da esquizofrenia proposta por Bleuler, adotava uma lógica


diferente da proposta por Kraepelin. O desenvolvimento Kraepeliano da
demência precoce não permitia aos clínicos da época elaborarem um
diagnóstico perene, eram necessárias vária alterações diagnósticas com o
passar do tempo. Desse modo, Bleuler aponta como principais características
definidoras da esquizofrenia os sintomas de confusão mental e distúrbios
afetivos:

“Quando o distúrbio da afetividade é revelado, ou


as anomalias associativas são provadas, o
diagnóstico é confirmado. O conceito de
esquizofrenia, dessa forma, é superior a qualquer
conceito evolutivo, seu critério é absoluto. Assim
que o critério é demonstrado, o diagnóstico é
validado, dessa forma é necessário esperar pela
evolução da doença, podendo esse ocorrer ou não.”
(KRAEPELIN, 1919, pg.281)

Segundo ELKIS (2000,pg.24) a necessidade de precisão diagnóstica


motivou Kurt Schineider a propor os sintomas de primeira ordem (SPO) no
diagnóstico da esquizofrenia. Segundo DALGALARRONDO (2000,Pg 203) os
sintomas de primeira ordem podem ser elencados e apresentados da seguinte
forma:

• Percepção delirante (Uma percepção absolutamente normal


recebe uma significação delirante)

• Vozes que comentam a ação (É definida como uma


alucinação auditiva, percepção sem objeto)
21

• Vozes que comandam a ação (É definida como uma


alucinção auditiva)

• Ecos ou sonorização do pensamento (O paciente escuta


seus pensamentos ao pensar)

• Difusão do pensamento (O paciente sente que seus


pensamentos são ouvidos ou percebidos claramente pelos outros no
momento em que os pensa)

• Roubo do pensamento (Experiência na qual o indivíduo


sente que seu pensamento foi inexplicavelmente extraído de sua mente,
como se fosse roubado)

• Vivências de manipulação. (São várias as experiências de


influência características da esquizofrenia. Vivências de influência corporal,
vivências de influência sobre o pensamento e vivências de influência sobre
a afetividade).

A classificação e o trabalho conceitual de Kraepelin, Bleuler e


Schneider são os elemento básico para a compreensão conceitula da
esquizofrenia nos dias de hoje.

3-2 O período de expansão do conceito

A expansão conceitual da esquizofrenia foi mais violenta nos Estados


Unidos no período do pós-guerra. Segundo COLODRON (1990,pg 89)
motivada por dois fatores: o primeiro, a existência de três diferentes
orientações teóricas frente à esquizofrenia (psicodinâmica, psicobiologismo e
22

interpessoalismo); e a segunda foi a demora na tradução para o inglês do


trabalhos e tratado de Jaspers e Kraepelin.

A conseqüência dessa expansão foi a imprecisão do diagnóstico da


psicose e da esquizofrenia com uma alta taxa, segundo Elkis:

“Como resultado desses fatos, a segunda edição do


Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-II), classificação de transtornos
mentais da Associação Psiquiátrica Americana feita
em 1968, apresenta um conceito de esquizofrenia
muito amplo, com uma descrição de sintomas
pouco elaborada, sendo considerado psicótico todo
paciente que era “incapazde atender às demandas
da vida diária” (ELKIS,2000,PG .24)

3-3 O período de restrição do conceito.

A publicação do DSM-III (1980), que visava precisar e planificar os


critérios diagnósticos psiquiátricos, restringiu o espectro diagnóstico da
esquizofrenia. A classificação posterior, DSM IV (1994), ainda manteve esse
posicionamento. A Organização Mundial da Saúde, com o CID-9 e CID-10,
procurou restringir o alcance diagnóstico da esquizofrenia, no entanto a idéia
dos sintomas de primeira ordem de Schneider ainda é muito presente nessa
classificação. Por isso alguns autores consideram as classificações da OMS
muito amplas (ELKIS-2000)
23

A partir de 1970, em ambas as classificações, começou-se a se


pensar na idéia de sintomas positivos e negativos. Os sintomas positivos são
os delírios e alucinações, os negativos são os deficitários. Segundo ELKIS:

“A noção de sintomas positivos e negativos teve


grande influência sobre o conceito de esquizofrenia,
sobretudo a partir de 1980, quando Crow introduziu a
idéia de dimensões positivas e negativas pelo
conceito de duas “síndromes da esquizofrenia”.

A dimensão ou síndrome positiva (tipo I) era


representada por um quadro agudo, reversível, com
boa resposta ao tratamento neuroléptico, provável
aumento de receptores dopaminérgicos e ausência
de alterações cerebrais estruturais. A dimensão
negativa (tipo II) associava-se a uma má resposta
ao tratamento neuroléptico, cronicidade, provável
redução de receptores dopaminérgicos e alterações
cerebrais estruturais.19 Além disso,o conceito de
sintomas negativos passou a figurar oficialmente
dentro dos critérios A do DSM-IV.”
(ELKIS,2000,Pg.25)

Atualmente, na psiquiatria o critério diagnóstico da esquizofrenia é


definido pelo CID-10 e DSM-IV:

Diagnóstico de esquizofrenia pelo DSM IV (Apud Almeida, 1994)

Características essenciais
24

A- Sintomas característicos- Presença de pelo menos dois dos


subitens abaixo durante uma proporção considerável de 1 mês

1- Delírios

2- Alucinações

3- Discurso desorganizado

4- Comportamento profundamente desorganizado ou catatônico

5- Sintomas negativos, como, por exemplo embotamento afetivo,


alogia ou avolição

B- Declínio em relação ao nível de funcionamento pré-


mórbido

Em áreas como trabalho, relações sociais, cuidados pessoais

C- Duração da doença continuamente por pelo menos seis-


Pelo menos um mês com sintomas referidos em A e sintomas
prodrômicos ou residuais caracterizados por:

1- Sintomas negativos

2- Formas atenuadas de dois ou mais sintomas de A, como


experiências perceptuais anormais, idéias incomuns, bizarras

D- Ausência de sinais maiores de distúrbio afetivo ou


esquizoafetivo

E- Ausência de fatores orgânicos definidos causando os


sintomas.
25

Critério proposto para a CID-10

OMS, 1992

Características essenciais

Presença de sintomas de pelo menos um dos seguintes subgrupos,


durante o período mínimo de um mês

a) Eco do pensamento, inserção ou roubo do pensamento, difusão do


pensamento

b) Delírios de controle, passividade; percepção delirante

c) Alucinação auditivas de primeira ordem

d) Delírios bizarros de conteúdo político, religioso ou de grandeza

Ou

Presença de sintomas de pelo menos dois dos seguintes


subgrupos, durante o período mínimo de um mês

e) Alucinações em geral acompanhadas de delírios pouco


estruturados.

f) Incoerência do pensamento, neologismos.

g) Comportamento catatônico

h) Sintomas negativos como apatia, embotamento afetivo pobreza do


discurso isolamento social.

Ausência de sintomas afetivos proeminentes


26

Ausência de doenças cerebrais, intoxicações por drogas, ou síndrome


de abstinência

A esquizofrenia tem seu quadro clínico definido pela medicina


psiquiátrica, sendo dividido didaticamente em: características pré-mórbidas,
sintomatologia, classificação em subtipos e critérios diagnósticos, Almeida et.al
(1996, Pg129)

As definições das características pré-mórbidas na esquizofrenia não


foram traçadas com precisão, no entanto, alguns autores apontam a existência
de alguns traços comuns, tais como: tendência ao isolamento social,
introversão, indiferença emocional, preferência por ocupações solitárias e
passividade. No entanto ainda não foram identificados traços pré-mórbidos na
personalidade que predigam o surgimento dos sintomas esquizofrênicos.
(Dalgalorrando, Pg 201)

Os sintomas esquizofrênicos, segundo Almeida et al (1996,Pg 129),


começam a se apresentar durante a adolescência ou no início da idade adulta.
O quadro inicia-se de forma insidiosa, mas em alguns casos pode apresentar –
se de forma aguda. O início da enfermidade se dá com sintomas pouco
específicos, e de duração variada podendo surgir por meses ou semanas
antes da sintomatologia, tais como:

• Comportamento inadequado

• Humor depressivo

• Negligência com a higiene e aparência pessoal


27

• Mudanças no comportamento

O delírio é a principal característica da sintomatologia aguda da


esquizofrenia, Jaspers (1985) define o delírio presente na esquizofrenia como
implausível, rompendo todas as barreiras com a realidade e é incompreensível
sua relação com os traços de personalidade. Os conteúdos dos delírios podem
estar sistematizados ou não, podendo ter conteúdos persecutórios, de
grandeza ou hipocondríacos.

O conceito de trema, proposto por Conrad, é definido a partir de duas


alterações características: a primeira delas é o humor delirante, na qual o
indivíduo percebe o mundo de forma ameaçadora, diferente e o colorido
emocional é de perplexidade, ansiedade ou depressão;a outra alteração é a
percepção delirante, na qual o indivíduo passa subitamente a atribuir
significado a eventos a seu redor; são os delírios de auto-referência.

Segundo Almeida et al (1996, pg130), as alucinação auditivas ocorrem


em 70% dos casos de esquizofrenia e na maioria dos casos são vozes que
comentam, ordenam ou se dirigem ao indivíduo. Os distúrbios de pensamento
mais comuns são aqueles ligados à incoerência de pensamento, sendo
denominados de desagregação do pensamento ou neologismo.

3-4 O sentido da esquizofrenia na psiquiatria.

O sentido não está incluído nesses passos, pois não pode ser
apreendido por nenhum deles. Ele é fugaz e é expresso, ele corta os três
passos como uma faca cega. Cega, pois não deixa traços visíveis em sua
28

passagem. É movimento, dessa forma a possibilidade que se delineia é a do


fotograma. Cada passo será usado como elemento de uma foto, e o sentido
será descrito ou expresso de forma estática. O sentido não existe, ele insiste
ou subsiste, e um esforço de descrição desse sentido será feito para o
conceito de esquizofrenia na psiquiatria.

Primeiro Passo:

A designação da esquizofrenia passou por dois períodos diferentes, o


proposto por Kraepelin e o proposto por Bleuler.

Kraepelin nomeou o conjunto de sintomas observados por ele de


dementia precox, por possuir como característica principal um estado
avolicional presente em alguns pacientes ao final do curso da doença. Esse
estado avolicional se assemelhava a uma demência, no entanto, acometia
pacientes com idade inferior a quarenta anos.

Essa foi a primeira tentativa de sistematização dos transtornos


psicóticos, mas o conceito de “Dementia Precox” possui um problema de
imprecisão, seu diagnóstico só pode ser dado ao término da doença
produzindo um diagnóstico mutante.

O conceito de esquizofrenia proposto por Bleuler, possuía como


principal característica a desagregação do pensamento, sendo, dessa forma,
possível propor um diagnóstico no início da enfermidade. Por isso seu nome:
“Pensamento dividido”. A desagregação de pensamento pode ser descrita
como um pensamento dividido.
29

A renomeação de dementia precox para esquizofrenia permitiu uma


precisão maior do diagnóstico, não necessitando mais o desenvolvimento da
doença para a definição de seu diagnóstico. No entanto essa precisão não foi
alcançada com a simples mudança de nome, como Bleuler coloca:
Eventualmente algumas histéricas são confundidas com esquizofrênicas.

O Segundo Passo:

A manifestação da esquizofrenia é circunscrita aos manuais


diagnósticos. Os manuais diagnósticos são produzidos pela OMS, e pela
Associação Norte Americana de psiquiatria, e sua elaboração é baseada em
estudos epidemiológicos de distribuição da esquizofrenia na população. O seu
principal propósito é a uniformização e a territorialização global do diagnóstico.
Na esquizofrenia a conseqüência mais clara dessa territorialização é um
número mágico: 1%. Esse é o número de esquizofrênicos em qualquer
população. A partir desse número se definem as políticas públicas e os
recursos materiais destinados às políticas de saúde mental.

O terceiro Passo:

É possível pensar a significação da esquizofrenia através dos


sintomas de primeira ordem propostos por Schineider. Os sintomas de
primeira ordem são os signos principais para o diagnóstico de esquizofrenia.
Segundo diversos autores, os sintomas de desagregação mental são os
principais para o diagnóstico da esquizofrenia.

Os SPO são uma das principais ferramentas que a psiquiatria se


utiliza para o diagnóstico diferencial em psiquiatria.
30

Traçando o sentido da esquizofrenia na psiquiatria.

Após a localização dos três passos, é possível traçar, ou fotografar um


sentido possível da esquizofrenia na psiquiatria. O sentido escapa por essa
três proposições.

Ao se conceituar a esquizofrenia na psiquiatria é preciso ir além de


sua utilidade médica e epidemiológica.

É possível pensar a esquizofrenia na psiquiatria como mero


apontamento de um sofrimento atroz que se abate sobre um determinado
indivíduo. Esse tipo de “funcionamento” do conceito de esquizofrenia, pode ser
comparado com a doença da insônia, criada por Gabriel Garcia Márquez em
cem anos de solidão:

“Foi Aureliano quem concebeu a fórmula que


havia de defendê-los, durante vários meses, das
evasões da memória. Descobriu-a por acaso.
Insone experimentado, por ter sido um dos
primeiros, tinha aprendido com perfeição a arte
da ourivesaria. Um dia, estava procurando a
pequena bigorna que utilizava para laminar os
metais, e não se lembrou do seu nome. Seu pai
lhe disse: “tás”. Aureliano escreveu o nome num
papel que pregou com cola na base da
bigorninha: tás. Assim ficou certo de não
esquecê-lo no futuro. Não lhe ocorreu que fosse
aquela a primeira manifestação do
esquecimento, porque o objeto tinha um nome
difícil de lembrar. Mas poucos dias depois,
31

descobriu que tinha dificuldades de se lembrar


de quase todas as coisas do laboratório. Então,
marcou-as com o nome respectivo, de modo que
bastava ler a inscrição para identificá-las.
Quando seu pai lhe comunicou o seu pavor por
ter-se esquecido até dos fatos mais
impressionantes da sua infância, Aureliano lhe
explicou o seu método, e José Arcádio Buendía
o pôs em prática para toda a casa e mais tarde o
impôs para todo o povoado. Com um pincel
cheio de tinta, marcou cada coisa com seu
nome. (...) Pouco a pouco, estudando as infinitas
possibilidades do esquecimento, percebeu que
podia chegar um dia em que se reconhecesse as
coisas pelas suas inscrições, mas não se
recordasse a sua utilidade. Então foi mais
explícito. O letreiro que pendurou no cachaço da
vaca era uma amostra exemplar da forma pela
qual os habitantes de Macondo estavam
dispostos a lutar contra o esquecimento: Esta é a
vaca, tem-se que ordenhá-la todas as manhãs
para que leite e o leite é preciso ferver para
misturá-lo com o café e fazer café com leite.
Assim, continuaram vivendo numa realidade
escorregadia, momentaneamente capturada
pelas palavras, mas que haveria de fugir sem
remédio quando esquecessem os valores da
letra escrita.”

(Trecho extraído do romance Cem Anos de solidão,


de Gabriel García Márquez)”
32

Assim como José Buendia, os manuais de psiquiatria atuais se


propõem a nomear e a catalogar os sintomas esquizofrênicos, e como esse
personagem criam pequenas etiquetas explicativas (os códigos e numerais
presentes nas classificações). Esse tipo de classificação possibilita um
automatismo no tratamento psiquiátrico, um computador com uma boa base
de dados e um técnico bem treinado na descrição sintomática são capazes de
elaborar um diagnóstico e uma direção de tratamento. E como os habitantes
de Macondo, os psiquiatras não necessitam da memória, apenas da
capacidade de leitura.

De forma repetida, os manuais de psiquiatra funcionam com a lógica


encontrada por José Buendia para enfrentar os sintomas da doença da
insônia. São arrolados sintomas e proposto um caminho de tratamento.

O conceito nosológico de esquizofrenia também é um desafio para o


diagnóstico psiquiátrico, pois não possui um marcador empírico, ou uma
etiologia precisa e incontestável. Esse desafio traz uma conseqüência
impensável para o fazer médico: a utilização da subjetividade do médico,
segundo Aguiar:

Na psiquiatria, no entanto, esse modelo não


funciona perfeitamente. Os instrumentos
diagnósticos são todos fundados sobre o
interrogatório e a observação dos pacientes. O ato
diagnóstico depende sempre da avaliação subjetiva
do médico e do paciente. Não há marcador
biológico preciso de um transtorno
mental.(AGUIAR,2005, Pg.75)
33

Dessa forma o DSM –IV e as classificações decorrentes escolheram


um caminho que não leve em conta a subjetividade do profissional na hora da
elaboração do diagnóstico. A classificação diagnóstica se baseou em
descrições sindrômicas, evitando um debate etiológico e teórico, segundo
Aguiar :

Além de ser usado por psiquiatras, o DSM também


pode ser usado por outros clínicos, psicólogos,
assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais e de reabilitação, conselheiros e outros
profissionais de saúde e saúde mental. Os critérios
são bastante simples e objetivos, tanto que foi preciso
advertir, logo na introdução do DSM IV, que seus
critérios não devem ser usados mecanicamente como
um livro de receitas culinárias. Podemos entender
agora porque os diagnósticos são sindrômicos. Eles
designam determinados grupos de sinais e sintomas
cujo processo patológico de base é totalmente
desconhecido. A esquizofrenia, por exemplo, pode ser
considerada uma síndrome psiquiátrica que parece
abranger diferentes doenças mentais.
(AGUIAR,2005,Pg.79 )

Essa simplificação possui conseqüências para o tratamento e o


diagnóstico da esquizofrenia.Ocorre uma certa inversão. O peso do
diagnóstico fica com o tratamento proposto. É comum se imaginar a gravidade
do diagnóstico a partir do tratamento proposto. Nesse processo o próprio
medicamento acaba se tornando preponderante no diagnóstico dos
transtornos mentais.
34

Dessa forma, o conceito de esquizofrenia na psiquiatria é um


“amontoado” de sintomas. Esse amontoado de sintomas é o que dirigirá o
tratamento.

4- CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


FREUD

A primeira formulação teórica freudiana sobre a psicose é elaborada


em 1894, no rascunho H. Nesse texto a psicose abordada é a paranóia, não
ocorrendo nenhuma menção à demência precoce ou à esquizofrenia; no
entanto, para a compreensão psicanalítica dos processos psíquicos da psicose
35

e da esquizofrenia, essa discussão é de fundamental importância. Apesar de


Freud esboçar o princípio do funcionamento paranóico nesse texto, é possível
admitir que esse mesmo princípio vale para a esquizofrenia, já que esses
conceitos ainda estavam sendo delineados pela psiquiatria da época. Apesar
de os princípios de funcionamento da paranóia e da esquizofrenia serem
semelhantes, eles não são iguais, segundo Simanke:

“Coerentemente com a relativa independência


atribuída à repressão e à formação dos sintomas,
Freud localiza separadamente, nestes dois tópicos, os
caracteres distintivos: a esquizofrenia vai possuir uma
fixação predisponente diversa e um mecanismo
distinto para o retorno do reprimido. Ou seja, ela vai
se diferenciar da paranóia pelos pólos inicial e
terminal do processo defensivo, mantendo em comum
o termo médio, que é a repressão propriamente dita, a
qual tanto num caso como no outro, se apóia na
retração da libido objetal” (SIMANKE,1994,Pg .153)

4-1 A paranóia em Freud

No raschunho H, Freud considera a paranóia como um modo de


defesa patológica do eu, com a mesma lógica de funcionamento da histeria, da
neurose obsessiva e da confusão alucinatória. Para demonstrar como o
36

funcionamento e a etiologia paranóica, Freud se utilizou de um exemplo clínico


de uma mulher solteira, que sofrera um trauma sexual e apresentava surtos
paranóides:

“Uma mulher solteira, já não muito nova (cerca de


trinta anos), morava numa casa com o irmão e a irmã
[mais velha]. Pertencia à classe trabalhadora superior;
seu irmão trabalhou até tornar-se um pequeno
industrial. Nesse meio tempo, alugaram um quarto a
um colega de trabalho, um homem muito viajado, um
tanto enigmático, muito talentoso e inteligente. Ele
morou na companhia deles durante um ano e
mantinha [com essa família] um relacionamento muito
amável e comunicativo. A seguir, foi-se embora, mas
voltou seis meses mais tarde. Dessa vez, ficou
morando na casa por um tempo relativamente breve,
e então desapareceu definitivamente. As irmãs,
muitas vezes, costumavam lamentar sua ausência e
não podiam senão falar bem dele. Não obstante, a
irmã mais nova contou à mais velha um episódio em
que ele fizera uma tentativa de deixá-la em
dificuldade. Ela estava fazendo a arrumação dos
quartos, enquanto ele ainda estava na cama. Ele a
chamou para junto da cama e quando,
inadvertidamente, ela obedeceu, ele colocou o pênis
na mão dela. A cena não teve seqüência, e bem
pouco tempo depois o estranho foi embora.

No decorrer dos anos seguintes, a irmã que tinha tido


essa experiência adoeceu. Passou a se queixar e, por
fim, desenvolveu delírios inequívocos de estar sendo
observada e perseguida, no seguinte sentido: achava
que suas vizinhas tinham pena dela por ter sido
abandonada pelo pretenso namorado e por ainda
37

estar esperando que o homem voltasse; estavam


sempre a lhe dizer insinuações dessa natureza,
diziam-lhe todo tipo de coisas a respeito do homem, e
assim por diante. Tudo isso, dizia ela, era
naturalmente inverídico. A partir daí, a paciente cai
nesse estado somente por algumas semanas de cada
vez. Sua compreensão interna (insight) retorna
temporariamente e ela explica que tudo isso foi
conseqüência de se haver excitado; mesmo assim,
nos intervalos, padece de uma neurose que pode ser
facilmente interpretada como neurose sexual. E logo
cai em novo surto de paranóia.” (FREUD,1895,Pg
254)

Freud aponta que a paciente, intencionalmente, reprime o evento do


trauma, colocando-o afastado da consciência. A recriminação e culpa, que
antes eram internas e que constituíam uma autocensura, são projetadas para o
exterior, constituindo uma recriminação externa. Segundo Freud: “As pessoas
estavam dizendo aquilo de que algum modo ela dizia a si mesma.” (1895,Pg
255).

Esse caso permitiu a Freud teorizar que o propósito da paranóia é o


afastamento de uma idéia incompatível com as aspirações egóicas,
projetando-a no mundo exterior.

Com o estudo da autobiografia de Schereber, Freud avança na


teorização psicanalítica dos fenômenos psicóticos, mais precisamente na
dementia paranóide. É possível supor que para Freud a dementia paranóide e
a dementia precox (Esquizofrenia) possuem o mesmo modo de
funcionamento1. Na análise do livro de Schereber Freud se utiliza da

1
O modo de funcionamento é o mesmo, mas não significa que Paranóia e Esquizofrenia sejam
conceitos imprecisos na teoria Freudiana.
38

metodologia proposta por Jung ao analisar um caso de demência precoce,


segundo Freud:

“O primeiro método parece tentador, desde o brilhante


exemplo fornecido por Jung em sua interpretação de
um caso de demência precoce que era muito mais
grave que este e exibia sintomas muito mais
afastados” (FREUD,1911,pg. 45)

O perseguidor, no delírio paranóico, é um indivíduo com quem o


doente possui uma forte ligação emocional. Freud coloca que a intensidade da
emoção é projetada sob a forma de poder externo, e sua qualidade é
transformada em oposto. Dessa forma se o paciente ama intensamente
alguém, esse amor é expresso como se o amado perseguisse o paciente, com
ódio. Esse tipo de reviravolta, presente na paranóia, motivou Freud, a postular
que essa doença é uma defesa contra um desejo homossexual2,

A estrutura do delírio paranóico é um jogo de contradições e


reviravoltas de uma proposição única: “eu o amo”

A proposição “eu o amo” pode ser contradita e “virada” pela


proposição “eu não o amo” Eu o odeio, pois ele me persegue. A erotomania
também possuía a mesma proposição, de forma invertida.

Outra característica fundamental da paranóia é a projeção,


característica não exclusiva da psicose, segundo QUINET:

2
É importante observar que a Freud tenta teorizar o início do surto do presidente Schereber,
depois de um anseio: “Quisera poder ver Flechsig novamente”. E de uma fantasia: Como deve
ser bom ser mulher e se submeter ao ato da cópula.
39

“Mas se insiste no mecanismo de projeção na


paranóia é justamente porque é um mecanismo que
depende essencialmente do narcisismo e portanto do
imaginário”(QUINET,2001, Pg.5)

Para Simanke (1994) a lógica dinâmica da paranóia é o retorno das


catexias libidinais do eu ao narcisismo primário do sujeito. A lógica interna
completamente coerente do delírio paranóico diverge muito da lógica
incoerente do delírio esquizofrênico. Provavelmente o paranóico não “regride”
tanto quanto o esquizofrênico em seu surto.

4-2 A esquizofrenia em Freud

Em 1915, no artigo O inconsciente, Freud trabalha com a


esquizofrenia (ou dementia precox) pela primeira vez. Nesse trabalho Freud
teoriza o processo dinâmico de formação dos sintomas esquizofrênicos. A
libido que é retirada, pela perda de um objeto, não procura um novo objeto,
mas se refugia no ego, segundo Freud:

“As catexias objetais são abandonadas,


restabelecendo-se uma primitiva condição de
narcisismo de ausência de objeto. A incapacidade de
transferência desse pacientes, seu repúdio ao mundo
externo, surgimento de sinais de uma hipercatexia do
próprio ego, o resultado final de uma completa apatia,
parecem concordar plenamente com a suposição que
40

suas catexias libidinais foram abandonadas.”


(FREUD,1915, Pg.202)

A idéia do retorno da libido para o próprio eu do sujeito, como


mecanismo da esquizofrenia, surgiu de um caso apresentado por Tausk a
Freud. Essa paciente queixava-se que seus olhos não estavam direitos,
estavam tortos. Seus olhos estavam tortos, pois acusava seu amante de ser
um “entortador de olhos”. O termo em alemão “AGENVERDREHER” possui o
sentido figurado de enganador. Essa mesma paciente também se queixou que
teve que mudar de posição na igreja: “Teve de mudar de posição, como se
alguém a estivesse pondo numa posição, como se ela estivesse sendo posta
numa certa posição”. A explicação da paciente é dada novamente através de
acusações contra seu amante: “Ele dera uma falsa impressão da posição dele,
agora ela era igual a ele, ele a pusera numa falsa posição”

A explicação da paciente é tomada por Freud com valor analítico, ou


seja, possui a possibilidade de explicar a gênese e o significado sobre a fala
esquizofrênica. Esse processo, denominado por Freud de “fala do órgão”
consiste na tomada do órgão corporal (o olho), a representação de todo o
conteúdo de seus pensamentos.

Na esquizofrenia, o retorno das catexia libidinais é mais extenso e


intenso do que na paranóia. A catexia retorna para até o auto-erotismo infantil
segundo Simanke:

“Uma possível solução se eboça a partir da


especificidade do ponto de fixação da esquizofrenia.
O desenlace mais desfavorável dessa última, o
fracasso na reconstrução da realidade perdida vão
levar Freud a situa-lo um passo atrás do ponto de
41

fixação narcísico: a esquizofrenia implicará num


retorno até o auto-erotismo infantil. Essa regressão de
maior alcance, até um momento menos estruturado
da atividade pulsional, vai, então responder pela
maior desagregação observada nos estados
esquizofrênicos., ao contrário da impenetrável
coerência dos sistemas paranóicos.”
(SIMANKE,1994, Pg.154)

Nesse momento Freud aponta que a fala esquizofrênica é regida


pelo processo primário (Condensação-Deslocamento):

“Passam por um condensação, e por meio de


deslocamento transferem integralmente suas catexias
de uma para a outra. O processo pode ir tão longe,
que uma única palavra, se for especialmente
adequada devido a suas numerosas conexões pode
assumir a representação de todo um encadeamento
de pensamento.” (FREUD,1915, Pg.204)

A hipótese de a esquizofrenia surgir do desligamento da libido objetal


surge a partir da teoria da representação, o que permite definir a diferença de
forma precisa entre esquizofrenia e paranóia. Na paranóia ocorre um retorno
da energia libidinal para o narcisismo; na esquizofrenia ocorre um
desligamento da energia libidinal, em relação aos objetos, e um conseqüente
retorno da energia ao auto-erotismo infantil.
42

4-3 A teoria da representação em Freud e sua relação com a esquizofrenia

Freud divide idéia de representação de coisa em duas: Representação


de coisa e representação de palavra.3. Segundo Freud:

“O que livremente denominamos de apresentação


consciente do objeto pode agora ser dividido na
apresentação da palavra e na apresentação da coisa;
a última consiste na catexia, se não das imagens
diretas da memória da coisa, pelo menos de traços de
memória mais remotos derivados delas. Agora parece
que sabemos de imediato qual a diferença entre uma
apresentação consciente e uma inconsciente. As duas
não são, como supúnhamos, registros diferentes do
mesmo conteúdo em diferentes localidades psíquicas,
nem tampouco diferentes estados funcionais de
catexias na mesma localidade; mas a apresentação
consciente abrange a apresentação da coisa mais a
apresentação da palavra que pertence a ela, ao passo
que a apresentação inconsciente é a apresentação da
coisa apenas.” (FREUD,1915, Pg 206)

3
Wortvorstellung representação de palavra
Sachsvortellung representação de coisa
43

O conceito de representação de Brentano foi utilizado por Freud para


sua teoria representacional (Garcia-Roza). Brentanto não define a
representação (Vorstellung) como o objeto representado, mas o ato de
representá-lo, Garcia Roza propõe o seguinte esquema para a Vorstellung de
Brentano:

Representação→Coisa representada → COISA

(Vorstellung) Objeto (Gegenstand)

Segundo Garcia Roza, Brentano coloca que toda a representação


implica em um ato e um conteúdo do ato (objeto) de tal forma que um não
existe sem o outro. Desta forma não existe percepção sem objeto e objeto sem
percepção. É importante ressaltar que Brentano não aceita a idéia idealista da
que nega a existência do objeto externo a consciência, o que Brentano coloca
é que a Vorstellung não é a reprodução de um objeto externo, e seu sentido
vem das relações com outras Vorstellung. A teorização de Brentano é a pedra
fundamental da teorização freudiana sobre a esquizofrenia.

Freud divide as Vorstellung em dois tipos: representação de palavra e


representação de coisa.

No esquizofrênico a retirada da catexia libidinal ocorre na


representação da coisa, e sua energia busca como objeto a representação de
palavra, possibilitando a construção delirante. Nesse sentido o psicótico é
44

forçado a procurar nas palavras aquilo que procuraria nas coisas. Segundo
Freud:

“Quando pensamos em abstrações, há o perigo de


que possamos negligenciar as relações de palavras
com as apresentações inconscientes da coisa,
devendo-se externar que a expressão e o conteúdo
do nosso filosofar começam então a adquirir uma
semelhança desagradável com a modalidade de
operação dos esquizofrênicos. Podemos, por outro
lado, tentar uma caracterização da modalidade de
pensamento do esquizofrênico dizendo que ele trata
as coisas concretas como se fossem
abstratas”.(FREUD,1915, pg. 208)

A metáfora fica impossibilitada para o esquizofrênico, pois ele trata a


palavra como coisa, segundo Simanke:

“Em primeiro lugar, a esquizofrenia parece ficar


definida como o inverso do inconsciente; melhor
dizendo, ela parece implicar a anulação daquilo que
acabou de ficar definido como inconsciente, ou seja o
conjunto apenas das representações de palavra”
(SIMANKE,1994, pg.158)

A partir da afirmação de Simanke é possível pensar que Freud coloca


o esquizofrênico como um sujeito que não possuí inconsciente. Segundo o
autor a estratégia utilizada por Freud para não abandonar a concepção
45

dinâmica do inconsciente foi criar a idéia de ID, já que com a esquizofrenia o


inconsciente não poderia ser apenas o lugar do recalcado.

Freud por várias vezes, foi levado a falar da


insuficiência da concepção que reduz o inconsciente
ao reprimido. Esta idéia culminou na introdução do
conceito de Id em 1923. Assim, a situação da
esquizofrenia deixa de poder ser considerada o
avesso do inconsciente, mas permanece válida a
idéia de que ele se constitua no avesso do reprimido.
A progressiva inadequação da repressão àquilo que
vem ser considerado como psicose parece dar aqui
mais um passo. (SIMANKE,1994, Pg. 159)

4-4 A psicose e a Neurose em Freud, diferenças básicas.

Freud propõe a diferença do conflito da neurose e da psicose se


utilizando da estratégia da localização tópica do conflito. Na psicose o conflito
ocorre entre o eu e a realidade externa, enquanto na neurose esse conflito
ocorre entre o id e o ego. Antes de 19244, a conceituação de psicose feita por
Freud não encaixava em uma categoria nosográfica própria (Simanke).

No início do artigo “Neurose e Psicose” Freud define a diferença entre


a neurose e a psicose com a seguinte fórmula:

4
Antes da publicação dos textos: ”Neurose e Psicose”, “Perda da realidade na neurose e na
psicose”, “O ego e o Id”
46

Neurose= Conflito entre Eu e o Id

Psicose= Conflito entre o eu e o ambiente externo

A neurose surge com uma resposta a uma exigência do Id, forçando o


ego a construir uma defesa que o proteja exigência do Id, formando, assim, o
sintoma, como coloca Freud:

Nossas análises demonstram todas que as neuroses


transferênciais se originam de recuar-se o ego a
aceitar um poderoso impulso instintual do Id ou a
ajudá-lo a encontrar um escoador ou motor, ou de o
ego proibir aquele impulso o objeto a que visa. Em tal
caso, o ego se defende contra o impulso mediante ao
mecanismo de repressão. O material reprimido luta
contra esse destino. Cria para si próprio, ao longo de
caminhos sobre os quais o ego não tem poder, uma
representação substitutiva. (que se impõe mediante a
uma conciliação)- o sintoma (FREUD,1924,Pg.168)

Na neurose o resultado do conflito é a formação de um sintoma; na


psicose o resultado do conflito com a realidade é um “remendo” na realidade,
posição sustentada por Freud, desde o caso Schreber:

“Com referência a gênese dos delírios, inúmeras


análises nos ensinaram que o delírio se encontra
47

aplicado como um remendo no lugar em que


originalmente uma fenda apareceu na relação do ego
com o mundo externo.” (FREUD, 1911,Pg.169)

Posteriormente, Freud precisa ainda mais a diferença entre neurose e


psicose: na neurose o Eu afasta uma parcela da realidade; na psicose o Eu
remodela a realidade, através de uma produção delirante.

4-5 O sentido da esquizofrenia em Freud.

Assim como foi feito na psiquiatra, o traçado do sentido será feito em


três passos: o primeiro é a designação, o segundo sua manifestação e o
terceiro sua significação. A partir desses três passos talvez seja possível
apreender o sentido que a psicanálise de Freud atribui a encontros ditos
esquizofrênicos.

1º Passo: Designação

A designação da esquizofrenia na psicanálise de Freud é baseada na


psiquiatria do final do século XIX, ou seja, Freud não propôs um diagnóstico
da esquizofrenia. Frente à questão da esquizofrenia o que foi proposto é um
jogo de catexias. Na esquizofrenia, o esquizofrênico faz suas catexias serem
48

retiradas dos objetos, retornando ao próprio corpo, o que se tornou uma


possível explicação para os estados catatônicos.

O grande interesse de Freud sobre a esquizofrenia é teórico. Ele cria


uma teoria da esquizofrenia, no entanto essa teoria não é utilizada como
balizadora de uma clínica das psicoses. De fato Freud não recomenda o
método analítico para o tratamento das psicoses.

As teorizações de Freud sobre a psicose e a paranóia, encontrados


no caso Schereber, são fundamentais para a compreensão da dinâmica
esquizofrênica. Foi pela teorização Freudiana que a esquizofrenia se
encontrou localizada no grande grupo das psicoses.

2º Passo: Manifestação

A manifestação do conceito da esquizofrenia na psicanálise de Freud


demonstra a incapacidade de o dispositivo clínico freudiano lidar com os
desafios impostos pelos esquizofrênicos. A clínica proposta por Freud era
sistemática, baseada na transferência e na interpretação, ambas bem
situadas e utilizadas como ferramenta de desmontagem de conflitos
psíquicos.

No entanto, Freud é obrigado a se deter um pouco na esquizofrenia,


afinal possuía como ambição construir uma teoria da subjetividade e, por
mais complicada que seja, a esquizofrenia é uma expressão da subjetividade,
e um “abandono” dessa questão, implicaria em uma falha teórica grave.

É possível supor que a teorização das psicoses e da esquizofrenia


elaborada por Freud tenha sido um imperativo de formatação universal da
teoria psicanalítica, funcionando como um mito explicativo dos processos
49

inconscientes. Creio que essa teorização é mítica, na medida que funciona


apenas como explicativa de determinados fenômenos psíquicos.

3º Passo: Significação

A significação da esquizofrenia na psicanálise freudiana passa pela


localização da questão da esquizofrenia. Em Freud, o esquizofrênico é
aquele que toma a palavra pela coisa. É incapaz de perceber a diferença
existente entre o ideal e o real. Desse modo, seu inconsciente é estruturado
de outra forma.

O esquizofrênico é aquele que possui como defesa uma


transmutação do mundo, e essa mudança do mundo é delirante, e
considerada como um remendo.

O posicionamento de Freud frente ao esquizofrênico e a psicose


demonstra uma impotência frente a psicose, afinal esse tipo de enfermidade
não permite um enquadre clínico como o proposto pela psicanálise freudiana.

O sentido da esquizofrenia na psicanálise Freudiana

É possível supor que a esquizofrenia possua um sentido fundamental


na teorização freudiana. O esquizofrênico serve para Freud criar uma teoria
explicativa psicanalítica e, como sustenta Deleuze, justificar o complexo de
Édipo . É como se fosse um universalizador do édipo, na medida que aqueles
que passam pela castração não esquizofrenizam, e aqueles que não passam,
esquizofrenizam.
50

Nesses termos é fundamental para a psicanálise a teorização da


esquizofrenia e da psicose. Apesar de não tratá-las, essas categorias são
úteis para demonstrar e sustentar a posição do complexo de édipo como
universal. Todos os seres humanos são referidos a ele, os que passam pela
castração são neuróticos, os que não passam são psicóticos.
51

5- CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA EM


LACAN

Lacan propôs um tratamento psicanalítico das psicoses e


consequentemente da esquizofrenia. Para atingir seus objetivos teóriocos
clínicos propões uma releitura de Freud sobre a psicose. Esse trabalho
possibilitou uma mudança radical no modo de compreensão da psicose pela
psicanálise.

5-1 A alucinação e os fenômenos psicóticos.

A concepção Lacaniana da psicose e da esquizofrenia está baseada


em dois textos: Seminário 3, “As Psicoses” ”, e por um artigo intitulado “O
tratamento possível das psicoses”.

No texto “O tratamento possível das psicoses”, Lacan inicia a


discussão sobre a psicose discutindo a alucinação e discordando da posição
corrente na psiquiatria, que define a alucinação como “Percepção clara e
definida de um objeto sem a presença real do objeto.”(Dalgalarrondo pg 84).
Segundo Quinet (2003), essa definição de alucinação surge de uma herança
fenomenológica na psiquiatria que define o sujeito da percepção como uno
(percepiens) e o objeto da percepção como unívoco (perceptum).
52

A univocidade do percerptum e a unicidade do percepiens é posta


em questão por Lacan, por postular que a alucinação não é redutível a um
sensorium5, e nem a um sujeito da percepção que lhe daria uma unidade.
Segundo o autor:

“... uma alucinação é um perceptum sem objeto,


essas posições contentam-se em pedir ao
percepiens justificativa desse perceptum, sem que
ninguém se dê conta que, nesse pedido um tempo é
saltado: o de interrogar se o perceptum em si deixa
um sentido unívoco no percepiens aqui requisitado
a explicá-lo.” (LACAN,1998,Pg 538)

A psiquiatria de tradição fenomenológica e psicologia do ego


encaram o perceptum como unívoco, mas o percepetum, por ser simbólico,
carrega a equivocidade do significante. Para Quinet, a divisão do sujeito ocorre
devido a equivocidade do percepetum, no entanto sua divisão é mascarada
pelo eu, fazendo o sujeito acreditar que é unívoco. Segundo Lacan:

“Mais impressionante ainda, porém, é a relação do


sujeito com sua própria fala, onde o importante é
mascarado sobretudo pelo fato puramente acústico
de que ele não poderia falar sem se ouvir. Que ele
não possa se escutar sem se dividir tampouco é
privilégio dos comportamentos da consciência. Os
clínicos deram um passo ao descobrir a alucinação
verbal motora pela detecção do esboço dos
movimentos fonatórios esboçados. Mas nem por

5
Sensorium pode ser definido como órgão sensorial que é afetado pelo objeto (Quinet, 2003)
53

isso articulam onde reside o ponto principal, que é


que sendo o sensorium indiferente na produção de
uma cadeia significante,

1-esta se impõe por si ao sujeito em sua dimensão


de voz

2-ela assume como tal uma realidade proporcional


ao tempo – perfeitamente observável na experiência
– que sua atribuição subjetiva comporta; e

3-sua estrutura própria, como significante é


determinante nessa atribuição que, em regra, é
distributiva, isto é,com diversas vozes e colocando
portanto o percepiens como tal pretensamente
como equívoco”. (LACAN,1998,Pg 539)

A divisão subjetiva promovida pelo perceptum (sendo concebido


como significante) é ilustrada pela análise da alucinação “porca” pg 540 e 541.
A paciente murmura ao avistar um homem: “-eu venho do salsicheiro” e em
seguida alucina que esse homem a xinga de “porca”. A alucinação surge como
um significante que designa o ser dessa moça. Segundo Lacan:

É assim que o discurso vem a realizar sua intenção


de rejeição na alucinação. No lugar em que o objeto
indizível é rechaçado no real, uma palavra faz-se
ouvir (LACAN,1998, pg.541)

É possível encarar a alucinação presente na psicose como análoga


à formação neurótica do sintoma. O sintoma é o resultado do retorno do
54

recalcado, na psicose o retorno se dá no real como voz pois o recalque é


inexistente. Segundo Lacan:

Esse exemplo é aqui destacado apenas para captar


no ponto essencial que a função de irrealização não
é tudo no símbolo. Pois, para que sua irrupção no
real seja indubitável, basta que ele se apresente,
como é comum, sob a forma da cadeia rompida.
(LACAN,1998,pg. 542).

O estudo do efeito do significante sobre o sujeito é elaborada a partir


do caso Schereber, sendo suas alucinações de dois tipos: Fenômenos de
código e Fenômenos de mensagem, segundo Lacan:

Mas não é necessário ter chegado a esse ponto


para sentir interesse pela variedade com que se
apresentam as alucinações verbais nas Memórias
de Schreber, nem para reconhecer ali diferenças
totalmente diversas daquelas em que elas são “
classicamente” classificadas segundo seu modo de
implicações no percipiens ( o grau da sua “crença”)
ou na realidade deste (a “auditivação”): ou seja,
diferenças, antes, que se prendem a sua estrutura
de fala, na medida em que essa estrutura já está no
perceptum. Considerando o simples texto das
alucinações, uma distinção logo se estabelece para
o lingüista entre o fenômeno de código e fenômenos
de mensagem. (LACAN,1998,pg 543).
55

Quando o próprio signifcante é o objeto da comunicação, sendo


especificado em locuções neológicas, o fenômeno de código está presente. É
a língua divina Schrebiana, definida como um alemão arcaico (Grundsprache),
de acordo com Lacan:

Essa parte dos fenômenos é especificada em


locuções neológicas por sua forma (novas palavras
compostas, mas numa composição conforme às
regras da língua do paciente) e por seu emprego.
As alucinações instruem o sujeito sobre as formas e
emprego que constituem o neocódigo: o sujeito lhes
deve, por exemplo, antes de mais nada, a
denominação de Grundsprache para designa-lo.
(LACAN,1998, p.544)

Quando o alucinação implica o sujeito, designando-o, alucinação é


um fenômeno de mensagem, segundo Lacan:

Podemos observar que a frase se interrompe no


ponto onde termina o grupo de palavras que
poderíamos chamar de termos-índice, isto é,
aqueles cuja função no significante é designada,
conforme o termo empregado acima, por shifters, ou
seja, precisamente os termos que, no código,
indicam a posição do sujeito a partir da própria
mensagem. (LACAN,1998, pg.546)
56

De acordo com a leitura da obra freudiana, proposta por Lacan,


Freud coloca como gênese da erotomania e do perseguidor uma lógica
gramatical. Esta surge a partir da proposição: Eu amo, e seus
desdobramentos, Eu não o amo, Não ele me ama, não ele me odeia etc ...
Essa proposição define o tipo de relação existente entre o paranóico e o outro
segundo o autor:

Embora Freud, em sua tentativa de interpretação do


caso do Presidente Schreber, que é mal lida quando
se a reduz aos ramerrões que vieram depois,
empregue a forma de uma dedução gramatical para
expor as mudanças de orientação da relação com o
outro na psicose, ou seja, os diferentes meios de
negar a proposição eu o amo, donde se segue que
esse juízo negativo estrutura-se em dois tempos –
primeiro, a inversão do valor do verbo: eu o odeio,
ou a inversão do gênero do agente ou do objeto: não
sou eu, ou então, não é ele, é ela ( ou vice-versa);
segundo, a permutação dos sujeitos: ele me odeia, é
a ela que ele ama, é ela que me ama –, os
problemas lógicos formalmente implicados nessa
dedução não retém a atenção de ninguém.
(LACAN,1998, Pg.548).

A questão fundamental dos delírios, da alucinação e da psicose não


é a perda da realidade, mas o que se remenda desta. Segundo Lacan:
57

Como nos surpreendermos com o fato de não se


haver tirado disso outro benefício, no tocante à
psicose, senão a promoção definitiva da noção de
perda da realidade? E isso não é tudo, Em 1924,
Freud escreveu um artigo incisivo, “A perda da
realidade na neurose e na psicose”, no qual chamou
atenção para o fato de que o problema não é o da
perda da realidade, mas o expediente daquilo que
vem substituí-la. Discurso para surdos, já que o
problema está resolvido: a loja de acessórios está no
interior, eles são retirados ao sabor das
necessidades. (LACAN, 1998 Pg.549).

A idéia psicanalítica da homossexualidade latente como gênese da


paranóia, não é sustentada por Lacan. A homossexualidade seria apenas
mais um sintoma que se articula no processo psicótico, não sua etiologia
estrutural, sendo de fundamental importância para o entendimento das
transferências delirantes de Schereber. E especificamente por se configurar
em Schereber um dos indícios do início do surto psicótico, para Lacan:

A homossexualidade, pretensamente determinante da


psicose paranóica, é propriamente um sintoma
articulado em seu processo. Esse processo iniciou
muito antes, no momento em que surgiu seu primeiro
sinal em Schreber, sob a aparência de uma dessas
idéias hipnopômpicas que, em sua fragilidade,
apresentam-nos uma espécie de tomografias do eu,
idéia cuja função imaginária é-nos suficientemente
indicada em sua forma: como seria belo ser uma
mulher na hora da copulação. (LACAN,1998, Pg.550).
58

5-2 O esquema L e R.

Para a discussão da psicose, Lacan elabora três esquemas que lidam


com a questão do Outro, permitindo construir uma topologia da realidade que
se sustenta no neurótico através do significante nome do pai, e que no
psicótico se estrutura de forma diferente6. O primeiro esquema é o L:

S a

a´ A

Esse esquema é definido da seguinte forma:

S: É sujeito

a´: É o eu especular (imaginário)

a: são os objetos imaginários

A: É o lugar do Outro, lugar de onde é formulada a questão de sua


existência.

Esse esquema demonstra que o que se passa no sujeito (S) é


dependente do Outro (A), que se desenrola como discurso já que o

6
O esquema I de schereber será comentado posteriormente nesse trabalho
59

inconsciente é estruturado como linguagem. A relação a-a´é a relação


imaginária, onde os objetos são postos em cena.

O esquema R é constituído por um duplo ternário imaginário que


condiciona a realidade do Sujeito. O ponto fundamental de sustentação desse
esquema, na neurose, é o P, segundo Lacan, a posição em A do Nome-do-
pai.

O esquema R é o esquema de condicionamento do Sujeito (Lacan,


Pg-559). I é considerado como o ideal de Eu; M é o significante do objeto
primordial; e P é a posição em A do nome-do-pai. O campo da realidade é
MimI , onde é possível localizar o aprisionamento do sujeito S sob o
significante do falo como sustentador do campo da realidade.

O fundamental desse esquema é a noção do falocentrismo como


fundante do campo da realidade no neurótico, segundo Lacan:
60

O falocentrismo produzido por essa dialética é tudo o


que temos a reter aqui. Ele é, bem entendido,
inteiramente condicionado pela intrusão do significante
no psiquismo do homem, e estritamente impossível de
deduzir de qualquer harmonia pré-estabelecida do dito
psiquismo com a natureza que ele exprime.
(LACAN,1998, Pg.561)

5-3 A metáfora e a função nome-do-pai.

A neurose possuí como fundamento o Nome-do-Pai, permitindo a


inscrição do sujeito no mundo simbólico, segundo Lacan:

Com efeito, como não haveria Freud de reconhece-la,


quando a necessidade de sua reflexão o levar a ligar o
aparecimento do significante do Pai, como autor da Lei,
à morte, ou até mesmo ao assassinato do Pai ?- assim
mostrando que, se esse assassinato é o momento
fecundo da dívida através da qual o sujeito se liga à
vida e à Lei, o Pai simbólico, como aquele que significa
essa Lei, é realmente o Pai morto. (LACAN,1998, Pg
563)

Na neurose a significação do falo deve ser chamada no imaginário de


metáfora paterna, segundo a seguinte fórmula7:

7
Fómula da metáfora, ou da substituição do significante
61

()
S.$´→S I
$´x S

O significantes são representados pelo S; x é significação


desconhecida, s é o significado metafórico, constituído pela substituição de $´
por S. O sucesso da metáfora é a elisão de $`. Segundo Lacan esse processo
também se aplica à metáfora do Nome-do-Pai. Essa metáfora se coloca em
substituição ao lugar primeiramente simbolizado pela ausência da mãe:

Nome do pai . Desejo da Mãe __________→ Nome do pai A ()


Desejo da mãe Significado para o sujeito Falo

A ausência do significante do Nome-do-pai cria uma estrutura


diferente da neurose: a Psicose. A diferença da neurose está em seu
mecanismo de defesa. Na psicose a defesa é a Verwerfung, ou foraclusão do
Nome-do-pai. Ou seja, não existe metaforização do desejo materno, segundo
Lacan:
62

A verwerfung será tida para nós, portanto, como


foraclusão do significante. No ponto em que, veremos de
que maneira é chamado o Nome-do-Pai, pode pois
responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela
carência do efeito metafórico provocará um furo
correspondente no lugar da significação fálica. (LACAN,
1998, Pg 564)

Os fenômenos psicóticos de Schereber só podem ser explicados


através da foraclusão do Nome-do-Pai, segundo Lacan:

Essa é a única forma pela qual nos é possível conceber


aquilo de que Schereber nos apresenta o resultado, como
sendo um dano que ele só tem condições de desvendar
parcialmente, e onde, diz-nos com os nomes de Flechsig e
Schereber a expressão “assassinato das almas”
desempenha um papel essencial. (LACAN,1998, Pg.564)

5-4 O esquema I

Com a finalidade de explicar as conseqüências da foraclusão do


Nome-do-Pai, Lacan constrói o esquema I:
63

No esquema R o ponto P, ou o ponto da metáfora do Nome-do-Pai,


que sustenta um do ternários imaginários, permitindo a construção da realidade.
No esquema I, o criado I assume o lugar de P.O lugar do criador é designado
por “Deixar Largado”, segundo Lacan: “Esse abandono fundamental em que
parece se desnudar, pela foraclusão do Pai, a ausência que permitiu construir-
se na primordial simbolização o M da Mãe.

A elisão do Nome-do-Pai no sujeito produz um colapso no imaginário


que determina sua realidade de forma delirante, segundo Lacan:

“Pois já desde antes abrira-se para ele, no campo do


imaginário, a hiância que correspondia à falta da metáfora
simbólica, aquela que só poderia encontrar meios de
efetivação na emasculação. Objeto de horror para o
64

sujeito, inicialmente, depois aceita como um compromisso


razoável e desde então, decisão irreversível e motivo futuro
de uma redenção concernente ao universo.” (LACAN,1998,
pg.570)

A ausência do significante Nome-do-pai promove um colapso no


imaginário de Schereber possibilitando uma estruturação delirante da realidade,
segundo Lacan:

Terá esse outro abismo sido formado pelo simples efeito,


no imaginário, do vão apelo feito no simbólico à metáfora
paterna? Ou deveremos concebe-lo como produzido num
segundo grau pela elisão do falo, que o sujeito reduziria,
para resolve-la à hiância mortífera do estádio do espelho?
Seguramente, o vínculo- dessa vez genético- desse estádio
com a simbolização da mãe como primordial não pode
deixar de ser evocado, para motivar essa solução
(LACAN,1998,Pg.577)

5-5 A esquizofrenia em Lacan

A psicanálise começa a estudar a esquizofrenia através dos estudos


freudianos sobre o inconsciente (Soller). O esquizofrênico é considerado por
Freud como um redutor da palavra à coisa, colocando as palavras como coisa
elidindo seu caráter representativo. Assim a perturbação do esquizofrênico é
simbólica. Lacan também partilha dessa mesma posição, já que considera todo
simbólico como real:
65

Na ordem simbólica, os vazios são tão significativos


quanto os cheios; realmente parece, ao ouvir Freud hoje,
que é a hiância de um vazio que constitui o primeiro
passo de todo o seu movimento dialético.

É justamente isso que explica, ao que parece, a


insistência do esquizofrênico em reiterar esse passo. Em
vão, já que, para ele todo simbólico é real
(LACAN,1998,pg.394)

O esquizofrênico, segundo Soller, pode ser caracterizado por uma


operação simbólica frustrada. O jogo da ausência-presença não ocorre no
esquizofrênico, não existindo a simbolização da ausência materna na
realidade, segundo a autora:

Podemos, dessa forma, situar o esquizofrênico na tese de


Lacan sobre a metáfora paterna, escrevendo-o a partir do
primeiro vazio, o desejo da mãe, que é a simbolização da
presença-ausência, (SOLLER,2001, Pg.239)

O paranóico, por possuir essa simbolização primordial, toma que nem


todo simbólico é real. Para o paranóico o retorno do significante se dá no real,
enquanto para o esquizofrênico o significante é real. Qual a diferença entre o
significante no real e o significante real?

Segundo Soller, o significante no real é sozinho, mas não está sem


outro do qual está cindido. O significante no real implica em uma relação
completa e total, impedindo deslizamentos metafóricos. Desse modo ele é
66

absolutamente exterior e ordenador de um terror, ele é mortífero. O significante


real é um elemento sozinho e não representa o eu, segundo a autora:

Porca visa o sujeito porque houve a simbolização primordial


do eu, quando falta esse vazio, a função de representação
significante não está presente. A formula proposta por
Lacan “um significante representa o sujeito para outro
significante se aplica à paranóia, mas não a esquizofrenia.
(SOLLER,2001, Pg.240)

Quando um significante não representa um sujeito, o resultado é a


fragmentação, o sujeito termina não possuindo uma unidade, segundo Soller:

Os efeitos sobre a libido, evidentemente, são


completamente diferentes, pois a falta pode ter uma função
dinâmica. A fragmentação preside a abulia. Não impulsiona
vetores. Dito de outro jeito, quando o sujeito é dividido, ou
seja nas formas neurótica ou paranóica, a metonímia- que
preside a série das relações de objeto- funciona. Essa é a
primeira definição de metonímia em Lacan: A metonímia
precipita a falta a ser na relação de objeto (SOLLER,2001,
pg.241)

O esquizofrênico, por possuir uma relação baseada no significante


real, também acaba possuindo uma relação diferenciada com seu corpo.
Diferentemente da histérica, que possuí um corpo “perturbado”, o
esquizofrênico possuí um corpo absolutamente fragmentado, segundo soller,
67

imerso em um delírio corporal. No esquizofrênico, os efeitos do gozo


repousam sobre o corpo, enquanto na paranóia o gozo vem do outro.

5.6 O sentido da esquizofrenia em Lacan

Assim como foi feito na psiquiatra, o traçado do sentido será feito em


três passos. O primeiro é a designação; o segundo sua manifestação e o
terceiro sua significação. A partir desses três passos talvez seja possível
apreender o sentido que a psicanálise de Lacan atribui a encontros ditos
esquizofrênicos.

Primeiro Passo

Lacan propôs um diagnóstico da esquizofrenia, diferente do da


psiquiatria. Nessa leitura a esquizofrenia é diagnosticada ao se observarem
fenômenos foraclusivos, que possuem como alvo o corpo. É importante
lembrar que a foraclusão é a não existência do nome do pai no discurso do
individuo.

Na esquizofrenia a não existência da falta, faz com que os sintomas


do esquizofrênicos sejam corporais, não possuindo uma relação simbólica.

Segundo Passo

A manifestação da esquizofrenia na psicanálise de Freud e Lacan


pode ser descrita da seguinte forma: Como um retorno de algo que não foi
68

simbolizado. Em Freud isso ocorre quando afirma que o esquizofrênico cria


um remendo na realidade. Lacan afirma isso ao fazer sua crítica ao conceito
de alucinação sem objeto da psiquiatria.

Desse modo, o esquizofrênico possui uma formação de sintoma


análoga ao do neurótico. No entanto esse sintoma não é referenciado pelo
recalque, como no neurótico, mas pela foraclusão. Desse modo a explicação
dos fenômenos psicóticos recai sobre a não existência do nome-do-pai ou do
fracasso do complexo de Édipo

Terceiro Passo

Para Lacan, a esquizofrenia é definida como a impossibilidade da


existência de um eu que agregue as representações corporais. De certa
forma o esquizofrênico continua sendo aquele que é incapaz de lidar com as
relações entre o ideal e o real.

O sentido da esquizofrenia na psicanálise de Lacan

Uma das possibilidades de sentido do conceito de esquizofrenia na


psicanálise é a sustentação ou afirmação do complexo de Édipo como
fundamental na estruturação da subjetividade. A esquizofrenia e a psicose
foram colocadas por Freud como impossíveis de serem tratadas pela
psicanálise; no entanto, ele criou uma caracterização psicodinâmica da
psicose e da esquizofrenia, onde o fator preponderante é uma incapacidade
do indivíduo psicótico atingir formulações subjetivas mais elevadas.

Lacan, ao contrário de Freud, propôs um tratamento e uma


teorização mais consistente da psicose e da esquizofrenia. Em comum com
69

Freud, Lacan propõe uma teorização da esquizofrenia que privilegia uma


falha do complexo de Édipo. A foraclusão e todos seus fenômenos podem ser
encarados como uma falha na subjetivação do sujeito. Desse modo, a
esquizofrenia pode ter o sentido de afirmar o complexo de Édipo na
psicanálise.

6- O CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA NA ESQUIZOANÁLISE

O esquizofrênico da obra de Deleuze e Guatarri, não é o doente


mental da psiquiatria e também não é o sujeito que constrói suas defesas pela
70

foraclusão da psicanálise. Esse esquizofrênico é produtivo, ele funciona como


um escriba-contador.

No entanto, esse escriba-contador escreve e conta sem o domínio de


uma linguagem ou de um código matemático. Ele escreve sobre o corpo, um
corpo que vai além do organismo, um corpo que funciona como suporte do
desejo e como o próprio desejo. O esquizofrênico é a engrenagem
fundamental do desejo, entendido como fluxo e corte de fluxo, não como
busca por algo que lhe falte.

6-1 O passeio do esquizo e o processo das máquinas desejantes.

Na teoria de Deleuze e Guattari a esquizofrenia está presente em


todos os indivíduos. Não é restrita a 1% da população como mostra a
epidemiologia e também não é a falha de uma falta primordial, como coloca a
psicanálise. A esquizofrenia é um novo conceito, que possui como principal
característica uma função maquínica. Essa função é basicamente uma função
de junção e disjunção de fluxos. Ao inspirar, o nariz obriga um fluxo de ar
caminhar para o sistema respiratório; imediatamente antes da expiração,
ocorre uma disjunção do fluxo de ar. O fluxo desejante funciona dessa forma,
continuidade e corte, segundo Deleuze e Guatarri:

“O seio é uma máquina que produz leite, e a boca é


uma máquina acoplada nela. A boca do anoréxico
hesita entre uma máquina de comer, uma máquina
anal, uma máquina de falar, uma máquina de respirar
(crise de asma). É assim que todos somos
71

“bricoleurs”; cada um com as suas pequenas


máquinas.”. (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.07)

As máquinas entendidas como fluxo desejante só podem ter sua


função e natureza definidas a partir dos encontros. Não é possível determinar
sua função pela forma ou conteúdo. Isso é percebido por todos os autores da
psicologia e da psicanálise. O exemplo mais célebre é a brincadeira do fort-da,
descrita por Freud. A máquina desejante, o passeio do esquizo e o próprio
desejo são dimensões da própria natureza humana.

Essas dimensões humanas só existem no encontro, não determinadas


pela sua forma ou conteúdo. Segundo Deleuze:

Dado determinado efeito, qual é a máquina que


poderá produzí-lo? e, dada uma máquina, para que
servirá ela? Adivinhem qual é a utilidade de um
faqueiro, por exemplo, a partir da sua descrição
geométrica. Ou então, diante de uma máquina
completa formada por seis pedras no bolso direito do
meu casaco (o bolso que debita), cinco no bolso
direito da minha calça, cinco no bolso esquerdo da
minha calça (bolsos de transmissão), recebendo o
último bolso do meu casaco as pedras utilizadas à
medida que as outras avançam, qual é o efeito deste
circuito de distribuição no qual a própria boca se
insere como máquina de chupar as pedras? Qual será
aqui a produção de volúpia? (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg. 08)
72

A esquizofrenia não é uma entidade nosológica para Deleuze e


Guatarri, é mais do que isso, é um universo de máquinas que juntam, separam,
registram e consomem o desejo, ou seu produto. A esquizofrenia é uma
produção de produção.

Na esquizofrenia é como no amor: não há


especificidade alguma e nem entidade esquizofrênica;
a esquizofrenia é o universo das máquinas desejantes
produtoras e reprodutoras, a universal produção
primária como “realidade essencial do homem e da
natureza”. (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.11)

Produção de produção, significa dizer que o desejo e o


esquizofrênico funcionam através de uma “desfragmentarão construtiva”.
Toda máquina desejante funciona ligada a outra, situação na qual uma corta
um determinado fluxo, e outra toma esse fluxo para si.

Todo “objeto” supõe a continuidade de um fluxo, e


todo fluxo supõe a fragmentação do objeto. Sem
dúvida, cada máquina-órgão interpreta o mundo
inteiro segundo seu próprio fluxo, segundo a energia
que flui dela: o olho interpreta tudo em termos de ver
— o falar, o ouvir, o cagar, o foder... Mas sempre uma
conexão se estabelece com outra máquina, numa
transversal em que a primeira corta o fluxo da outra
ou “vê” seu fluxo cortado pela outra. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg 11)
73

6-2 O corpo sem órgãos e o registro.

O desejo é produção, mas é preciso algo a mais para compreender


seu fluxo e sua produção: é necessário estabelecer sua anti-produção. O lugar
da anti-produção é o corpo sem órgãos (CSO). O CSO pode ser encarado
como um tabuleiro de xadrez, ou como um livro de contabilidade. Não possui
relação com o corpo do sujeito, com sua imagem corporal ou com seu
organismo.

É o corpo acoplar a produção à antiprodução, a um


elemento de antiprodução. Ele, o improdutivo, existe
aí onde é produzido, no terceiro tempo da série
binário-linear. Ele é perpetuamente re-injetado na
produção. O corpo catatónico é produzido na água do
banho. O corpo pleno sem órgãos é antiprodução;
mas é ainda uma característica da síntese conectiva
ou produtiva . (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.13)

Talvez o exemplo mais claro de como o CSO opera é demonstrado


pelo paralelo entre o corpo sem órgãos e o capital, para o capitalista. O capital
é o que permite a circulação da mais valia no capitalismo. Ele não produz nada,
no entanto, move a produção capitalista, fazendo com que novas máquinas
sejam enganchadas em si, capturando uma determinada produção desejante,
produzindo mais valia.
74

O capital é, sem dúvida, o corpo sem órgãos do


capitalista, ou melhor, do ser capitalista. Mas, como
tal, ele não é apenas substância fluida e petrificada do
dinheiro: é que ele vai dar à esterilidade do dinheiro a
forma sob a qual este produz dinheiro. Produz a mais-
valia, como o corpo sem órgãos se reproduz a si
próprio, floresce e se estende até aos confins do
universo. Encarrega a máquina de fabricar uma mais-
valia relativa, ao mesmo tempo em que nela se
encarna como capital fixo. E é no capital que se
engancham as máquinas e os agentes, de modo que
seu próprio funcionamento é miraculado por ele. É
objetivamente que tudo parece produzido pelo capital
enquanto quase-causa. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.15)

O CSO possui uma característica fundamental: permite a disjunção


dos elementos desejantes, no momento em que estes são inscritos no próprio
CSO. De certo modo é possível pensar no CSO como um livro de contabilidade
desejosa, onde cada movimento do desejo é registrado, para poder ser
computado e reutilizado em algum outro encontro.

O corpo sem órgãos não é Deus, antes pelo contrário.


Mas divina é a energia que o percorre, quando ele
atrai a si toda a produção e lhe serve de superfície
encantada miraculante, inscrevendo-a em todas as
suas disjunções. Donde as estranhas relações que
Schreber entretém com Deus. À quem pergunta:
acredita em Deus? devemos responder de uma
maneira estritamente kantiana ou schreberiana:
75

certamente, mas só como senhor do silogismo


disjuntivo, como princípio a priori deste silogismo
(DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.17)

6-3 É necessária a estrutura edípica ?

Na psicanálise, o complexo de Édipo é o regulador das relações


desejantes e essa regulação se dá pela falta. O desejo é compreendido pela
posição do sujeito frente a essa falta. Se o sujeito está às 12:00 hs da falta, ele
é neurótico; às 11:00 hs, perverso; e se estiver as 10:00hs é psicótico.

Na teorização de Deleuze e Guatarri, o desejo é definido por junção e


disjunção contínua de um determinado fluxo, não é necessário uma falta para
se compreender o desejo. O desejo ele flui, é cortado por uma máquina e a
reconexão é estabelecida por outra.

As disjunções são a forma da genealogia desejante;


mas seria edipiana essa genealogia, inscrever-se-ia
na triangulação de Édipo? Ou não seria Édipo uma
exigência ou uma consequência da reprodução social,
enquanto esta pretende domesticar uma matéria e
uma forma genealógicas que lhe escapam por todos
os lados? (DELEUZE E GUATARRI,1972, Pg.20)
76

6-4 O registro

Na questão do desejo, existe um jogo entre o registro e o consumo. É


comum pensar que existe uma relação de importância menor no registro. O
registro sempre foi relegado a um segundo plano, os contadores, burocratas e
escriturários nunca foram considerados essenciais no sistema capitalista
diferentemente do proprietário, do operário e do consumidor. É um erro não
prestar atenção à questão do registro, se não fosse importante não existiria,
afinal de contas o desejo é um fluxo que não permite penduricalhos extras.

A relação entre o registro, o consumo e o desejo é mediada pela


produção. A produção do consumo é produzida na produção do registro. De
certo modo na inscrição de algo é possível observar o surgimento de um
sujeito, indefinido que pode ter seu contorno traçado por aquilo que consome,
segundo Deleuze e Guatarri:

Do mesmo modo, o consumo sucede ao registro,


mas a produção de consumo é produzida pela e na
produção de registro. É que, na superfície de
inscrição, algo da ordem de um sujeito se deixa
assinalar. É um estranho sujeito, sem identidade
fixa, errando sobre o corpo sem órgãos, sempre ao
lado das máquinas desejantes, definido pela parte
que toma do produto, recolhendo em toda parte o
prêmio de um devir ou de um avatar, nascendo dos
estados que ele consome e renascendo em cada
estado. (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.21)
77

O presidente Schereber sabe bem como funciona a questão do registro


e do consumo do desejo, ele se dá para deus como mulher, é ofertado como
objeto de consumo para Deus, e em retribuição recebe uma certa cota de
prazer. Essa cota de prazer é ligada ao registro (numen) e o consumo
(voluptas) é ligado ao prazer de deus.

. “É meu dever oferecer a Deus este gozo; e se, ao


fazê-lo, me cabe um pouco de prazer sensual,
sinto-me justificado em aceitá-lo como leve
compensação pelo excesso de sofrimentos e de
privações que me couberam durante tantos
anos”. Do mesmo modo que uma parte da
libido, como energia de produção, se transformou
em energia de registro (Numen), uma parte desta se
transforma em energia de consumo (Voluptas). É
esta energia residual que anima a terceira síntese
do inconsciente, a síntese conjuntiva do “então
é...”, ou produção de consumo. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg. 21)

Ao receber essa cota de Numen e Voluptas a produção do consumo é


inscrita no inconsciente desejante.

6-5 Eu sinto isso

Na teoria de Deleuze e Guatarri, a alucinação, o delírio e todos os outros


fenômenos psicóticos possuem uma preponderância menor sobre outra
78

questão, a questão do EU SINTO. O “eu sinto” possibilita o sentido do delírio, e


a formatação do objeto na alucinação.

O “Eu sinto” advém de relações intensivas de atração e repulsão. Essas


relações não se equilibram, pois não possuem intensidade negativa. Elas são
intensidades positivas geradas de um ponto 0, o CSO. A conseqüência dessa
combinação de forças é a uma multiplicidade andante, e com um equilíbrio
inatingível, essa “andança” das forças é um paradigma desejante
completamente diferente do existente nas psicologias e em alguns tipos de
psicanálise. Essas forças não equilibradas não procuram uma homeostase,
como alguns psicanalistas pensam, elas procuram novos caminhos de fuga,
como observam Deleuze e Guatarri:

Experiência dilacerante, demasiado emocionante,


pela qual o esquizo é maximamente aproximado da
matéria, de um centro intenso e vivo da matéria:
“emoção situada fora do ponto particular em que o
espírito a busca... emoção que dá ao espírito o som
sublevador da matéria, para onde toda a alma escorre
e arde” (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.23)

Essas intensidades não representam nada. Não são interpretativas, são


materiais, provêem do corpo sem órgãos e, de certa forma podem livrar os
esquizofrênicos de uma maldição “ representativa” a que estão submetidos. O
problema do esquizofrênico não é a representação, é a dureza com a qual tem
que lidar diariamente frente ao que sente. Para o esquizofrênico tudo é material
e como tal, impossível de ser relativizado, suavizado ou dubitável.
79

6-6 Psiquiatria Materialista

O processo delirante e alucinatório do esquizofrênico foi explicado por


Claramebault, através do automatismo mental. Essa concepção supõe que os
delírios e alucinações são resultado de uma “intoxicação” dos sistemas
neurológicos e o que advém do “caráter” é o conteúdo das alucinações ou
delírios. Clérambault sempre foi considerado um dos grandes expoentes da
psiquiatria biologicista, ou seja foi um dos representantes do materialismo na
psiquiatria. Não é essa a opinião que Deleuze e Guatarri sustentam no anti-
édipo:

Assim, no automatismo, Clérambault via tão-somente


um mecanismo neurológico no sentido mais geral da
palavra, e não um processo de produção econômica
que pusesse em jogo máquinas desejantes; e,
quanto à história, contentava-se em invocar o carácter
inato ou adquirido. Clérambault é o Feuerbach da
psiquiatria, no sentido em que Marx diz: “Quando
Feuerbach é materialista, não leva em conta a
história, e quando leva em consideração a história, ele
não é materialista”. Uma psiquiatria verdadeiramente
materialista define-se, ao contrário, por uma dupla
operação: introduzir o desejo no mecanismo e
introduzir a produção no desejo. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.27)

Não é possível se fazer uma psiquiatria materialista verdadeira sem


abandonar o estatuto de um definidor ou de marca perdida que defina a
80

esquizofrenia. Para alguns autores a explicação da esquizofrenia resulta na


perda do eu, ou da inoperância do Édipo, segundo Deleuze e Guatarri:

Dirão que o esquizo não pode mais dizer eu, e que é


preciso devolver-lhe essa sagrada função de
enunciação. É o que ele resume, ao dizer: me re-
sabotam. “Não mais direi eu, nunca mais o direi, é
uma asneira. A cada vez que ouvi-lo, porei no seu
lugar a terceira pessoa, se pensar nela. Se isso os
diverte. Isso nada mudará.” E se torna a dizer eu, isso
também não altera nada. Acha-se tão fora desses
problemas, tão para além deles. Nem mesmo Freud
sai desse estreito ponto de vista do eu. E o que o
impedia era sua própria fórmula trinitária -- a edipiana,
a neurótica: papai-mamãe-eu. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.30)

6-7 O desejo não é falta e nem é teatral

A psicanálise define o desejo como uma resposta a uma falta primordial.


Essa falta define o “objeto” do desejo. Se algo falta, o desejo existe; se o
desejo não é realizado ele ainda persiste. Freud demonstrou muito bem essa
questão em seus estudos sobre os sonhos e sua relação como desejo. No
81

sonho da bela açougueira, Freud demonstra o mecanismo pelo qual a paciente


exige uma insatisfação para o desejo continuar vivo.

O problema de se colocar o desejo como falta é um caminho para uma


lógica idealista, onde sempre se duplica a realidade em uma determinada
formação fantasmática, e o objeto faltante se torna um elemento
transcendente, determinando todos os possíveis agenciamentos existentes.

Se o desejo implica em uma falta de um determinado objeto, esse objeto


é representado por essa falta, como um fantasma. Segundo Deleuze e
Guatarri:

Em suma, quando se reduz a produção desejante a


uma produção de fantasma, contentamo-nos em tirar
todas as consequências do princípio idealista que
define o desejo como uma falta, e não como
produção, produção “industrial”. Clément Rosset diz
muito bem: sempre que se insiste numa falta que
faltaria ao desejo para definir o seu objeto, “o mundo
se vê duplicado por um outro mundo, seja qual for,
segundo este itinerário: o objeto falta ao desejo; logo,
o mundo não contém todos os objetos, falta-lhe pelo
menos um, o do desejo; logo, existe um objeto,
alhures, que contém a chave do desejo (um, que falta
ao mundo)” (DELEUZE E GUATARRI,1972,Pg.31)

6-8 Máquinas e o desejo como fluxo


82

Se tomarmos o desejo como relacionado a uma falta, cairemos em


relações idealistas. Será possível tomar o desejo de forma materialista ? É
possível pensar o desejo com um fluxo material e continuo. A natureza desse
fluxo pode ser qualquer, desde um fluxo material concreto passando por fluxos
relacionados ao som, à palavra etc...

No entanto, um fluxo puro não pode ser considerado desejante, ele


necessita de um aparato máquinico que o corte e faça a reconexão. Uma
máquina se junta a outra para fazer essa, operação e desse modo o fluxo
desejante surge, de acordo com Deleuze e Guatarri:

Connecticut, Connect-l-cut, grita o pequeno Joey.


Bettelheim descreve esta criança que só vive, só
come, só defeca, só dorme, se estiver agarrada a
máquinas com motores, fios, lâmpadas, carburadores,
hélices e volantes: máquina eléctrica alimentar,
máquina-automóvel para respirar, máquina luminosa
anal. Há poucos exemplos que mostrem tão bem o
regime da produção desejante e como o desequilíbrio
faz parte do próprio funcionamento, ou o corte das
conexões maquínicas. Dir-se-á, sem dúvida, que esta
vida mecânica, esquizofrênica, exprime mais a
ausência e a destruição do desejo do que o próprio
desejo, e que supõe certas atitudes familiares de
negação extrema, às quais a criança responde
tornando-se uma máquina. Mas até Bettelheim,
partidário de uma causalidade edipiana ou
pré-edipiana, reconhece que esta apenas intervém
em resposta a certos aspectos autônomos da
produtividade ou da actividade da criança, pronta a
determinar nela, de seguida, uma estase improdutiva
ou uma atitude de retraimento absoluto. (DELEUZE E
GUATARRI,1972,Pg.39)
83

6-9 O sentido da esquizofrenia na esquizoanálise.

Assim como foi feito na psiquiatra e na psicanálise, o traçado do


sentido será feito em três passos. O primeiro é a designação, o segundo sua
manifestação e o terceiro sua significação. A partir desses três passos é
possível apreender o sentido.

Primeiro Passo

A designação do esquizofrênico na obra de Deleuze e Guatarri pode


ser colocada como a de um trabalhador incansável do desejo. O esquizo é o
personagem que mobiliza todo o movimento do desejo proposto por Deleuze
e Guatarri.

Um esquizofrênico não possui sua atenção voltada para a falta, sua


atenção e seus movimentos são condicionados pela sua produção delirante e
alucinatória. No entanto é necessário e prudente fazer uma observação, o
esquizofrênico que é tratado na clínica, não é o mesmo esquizo personagem.
O esquizofrênico da clínica é territorializado por completo. O esquizo
personagem não, ele é a possibilidade encarnada da testerritorialização.

Segundo Passo

A manifestação da esquizofrenia na esquizoanálise pode ser


observada na teorização do CSO, afinal é a partir dele que o desejo se
inscreve e surge. E é através dessa teorização que se faz uma ligação entre
a esquizofrenia e o capitalismo.
84

O esquizofrênico é tão produtivo, e o CSO tão vasto que é impossível


para o capitalismo, apropriar-se desse tipo de produção. É possível pensar
que o esquizofrênico e o seu passeio produtivo excedente possam ser uma
possível solução frente as questões do capital.

Terceiro Passo

A esquizofrenia é o paradigma das produções desejantes. O


esquizofrênico do Anti-Édipo não é o clínico e territorializado, ele é um novo
paradigma produtivo.

O esquizofrênico é um personagem conceitual que cria um


paradigma novo para o desejo. O desejo na psicanálise é fundamentado em
cima de uma falta. A presença dessa falta e o posicionamento relativo do
indivíduo frente a ela define sua subjetivação.

A esquizofrenia cria uma nova possibilidade de entendimento do


funcionamento do desejo, o fluxo e o corte de fluxo. O esquizofrênico seria o
operário do desejo, o operador da máquina desejante e seu alvo máximo.

O sentido da esquizofrenia na esquizoanálise

Uma das possibilidades de sentido do conceito de esquizofrenia na


esquizoanálise é a “pendularidade”. Em um momento esse esquizo é o
territorializado e, um outro é a presentificação da desterritorialização radical. O
esquizofrênico pode ser pensado dessa maneira.

Essa pendularidade do esquizo pode produzir uma exaltação do


esquizofrênico clínico e seu, sofrimento e esse tipo de celebração é perigoso e
85

fatalmente caminha para um estatuto transcendente do esquizo. O esquizo de


forma alguma é transcendente, mesmo que seus delírios sejam religiosos.

É preciso uma prudência ao se trabalhar com a questão do esquizo,


ele pode ser a produção ou o aprisionamento completo do desejo. De certo
modo é preciso trabalhar sobre o bom esquizo.
86

7- A ESQUIZOFRENIA COMO MODELO EXPLICATIVO PARA


AS RELAÇÕES COM O CAPITALISMO E SUA POSSÍVEL
RELAÇÃO COM O DISCURSO CAPITALISTA PROPOSTO POR
LACAN.

A esquizofrenia passa por diferentes campos do saber ocidental,


produzindo sentidos múltiplos por onde esse conceito passeia. Nessa etapa do
trabalho pretendo fazer uma relação entre esse conceito e as conseqüências
da ordem capitalista na subjetividade.

Esse percurso será constituído por quatro etapas:

1- A apresentação da sociedade de controle, como entendida


por Deleuze, através de sua interlocução com Foucalt

2- A discussão do conceito da esquizofrenia na


contemporaneidade balizada pelo filme PI, de Aranofski

3- A apresentação do discurso capitalista de Lacan

4- Os jogos de força possíveis nas apresentações anteriores


87

A figura do esquizofrênico pode ser uma das formas novas que


sustentam o pensamento e a produção do homem contemporâneo. Esse
capítulo discutirá se a forma de pensamento homem esta sendo substituída
pela forma esquizofrênica desterritorializada e desterritorializante.

7-1 A sociedade de controle, segundo Deleuze

As sociedades disciplinares são o modelo da idade moderna. Nesse


ambiente histórico a grande questão presente é a domesticação das forças
produtoras do homem. Era necessário um homem que fosse regulado por
algum dispositivo externo, tal como a hierarquia, a escola, o trabalho, o
sindicato etc...

Não é de se estranhar que no início da psicanálise o ideal de cura


seria o controle do inconsciente através da consciência. Esse tipo de direção
de tratamento sempre esteve presente nos seus casos clínicos iniciais.

As disciplinas eram sistemas fechados onde os indivíduos circulavam


de um ponto a outro, de acordo com as normas sociais vigentes. Existia uma
hierarquia que deveria ser seguida por cada indivíduo. Tal concepção traçava
um modo de vida disciplinado, e sustentado por um determinado tipo de ideal,
segundo Deleuze:
88

Foucalt situou as sociedades disciplinares nos


séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do
século XX. Elas procedem à organização dos grandes
meios de confinamento. O indivíduo não cessa de
passar de um espaço fechado a outro, cada um com
suas leis: primeiro a família, depois a escola (“você
não está mais na sua família), depois a caserna
(“você não esta mais na escola), depois a fábrica, de
vez em quando o hospital, eventualmente a prisão,
que é o meio de confinamento por excelência.
(DELEUZE,1990,Pg. 219)

A sociedade disciplinar começou a ruir com o fim da Segunda Guerra


Mundial, devido a um novo jogo de forças que começa a se estabelecer. Creio
ser possível pensar que, após as exigências logísticas desse conflito, os
capitalistas e a classe política perceberam que a alta mobilidade e a
descentralização dos processos permitiam um uso mais efetivo dos recursos,
gerando mais lucro. Essa nova configuração de forças pode ser também
observada na introdução do Toyotismo, onde a produção é baseada na
demanda instantânea do mercado.

Esse novo jogo de forças rejeitava o homem disciplinar, demandado


por uma nova lógica produtiva. A produção não poderia mais funcionar em
uma cadência linear e continua, era necessário um novo tipo de sociedade. A
disciplina não era suficiente para a sustentação do capital, de acordo com
Deleuze:

Mas as disciplinas, por sua vez também conheceriam


uma crise, em favor de novas forças que se
89

instalavam lentamente e que se precipitaram depois


da Segunda Guerra Mundial: Sociedades disciplinares
é o que já não éramos, o que deixávamos de ser.
(DELEUZE,1990,Pg. 220)

A nova organização social que surge é nomeada por Foucalt, como


sociedade de controle. Nesse tipo de organização a construção do indivíduo e
do sujeito não é elaborada de forma analógica, mas numérica. Isso significa
dizer que a sociedade de controle modula o sujeito, não definindo mais como
as produções devem ser feitas, mas fazendo com que os indivíduos se
adaptem a determinadas formas de produção. Os indivíduos são adaptados e
moldados, no entanto essa exigência de adaptação é constante e fluída.

Essa fluidez, porém, não é livre, é coordenada e controlada através


de certos parâmetros. Tais parâmetros não são estáticos, como nas
disciplinas, mas são mutáveis e numéricos. Essa característica numérica da
sociedade de controle permite ao capital o controle dos indivíduos e dos fluxos
de produção, segundo Deleuze:

Os diferentes internatos ou meios de confinamento


pelos quais passa o indivíduo são variáveis
independentes: supõe-se que a cada vez ele
recomece do zero, e a linguagem comum a todos
esses meios existe, mas é analógica. Ao passo que
os diferentes modos de controle, os controlatos são
variações inseparáveis, formando um sistema de
geometria variável cuja linguagem é numérica. Os
confinamentos são moldes distintas moldagens, mas
os controles são uma modulação, como uma
modelagem auto-deformante que mudasse
continuamente, a cada instante, ou como uma peneira
90

cujas malhas mudassem de um ponto ao outro


(DELEUZE,1990,Pg. 221)

A sociedade de controle cria um tipo de indivíduo que é


necessariamente marcado por um signo, que o define e o divide frente aos
outros indivíduos e à sociedade. Esse signo pode ser exemplificado pelos
controles existentes nos sistemas informatizados, o indivíduo é uma
corporeidade e um número de acesso. Esse signo pode permitir ou
desautorizar um trânsito, ou um acesso a algum serviço etc...

Os coletivos não possuem mais uma identidade visível, eles se


tornaram amorfos e estatísticos e, para serem controlados, é necessário
agrupar os coletivos e ordená-los de forma numérico transformando-os em
estruturas “epidemiológicas”, que podem ser processadas e tratadas, segundo
Deleuze:

Os indivíduos se tornaram dividuais, divisíveis, e as


massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou
bancos. (DELEUZE,1990, Pg. 222)

Essa mudança nos indivíduos e no coletivo também gera


conseqüências no modo de funcionamento das trocas simbólicas. Entendo
como troca simbólica qualquer tipo de transação que envolva um elemento
que represente outro, a maior expressão de troca simbólica criada pela
humanidade é o dinheiro, e sua circulação demonstra como os jogos de força
se alteram.
91

Nos controlatos, o dinheiro não possuí mais um valor representativo


fixo, ele é variável. O lastro da moeda em ouro foi trocado pela flutuação livre e
desimpedida dos fluxos monetários. Hoje é possível produzir riqueza, apenas
com as trocas de diferentes moedas, explorando a diferença entre os valores
das mesmas. No mundo disciplinar a riqueza produzida demandava um
produto acabado e com um valor determinado, segundo Deleuze:

É o dinheiro que talvez exprima a distinção entre as


duas sociedades, visto que a disciplina sempre se
referiu a moedas cunhadas em ouro- que servia de
medida padrão-, ao passo que o controle remete a
trocas flutuantes, modulações que fazem intervir
como cifra uma percentagem de diferentes amostras
de moeda. (DELEUZE,1990,Pg. 222)

Na sociedade de controle a definição de lucro e prejuízo é


absolutamente variável, dependendo de interpretações contábeis. Nas
disciplinas o lucro é simplesmente definido pela variação entre o preço de
custo e de venda.

No mundo disciplinar, por ser estático e descontínuo, os meios e bens


de produção são propriedade de um número delimitado e definido de pessoas.
Nos controlatos a propriedade dos bens de produção e serviços estão
pulverizadas em mercados de ações. A figura do dono e empresário está
cedendo lugar para a figura do acionista (que em muitos casos é um
funcionário assalariado da própria empresa, da qual é acionista).

Essa dança e jogos de força alteram o modo de como o trabalhador


produz. A responsabilidade do comando e cobrança saiu do capataz e se
deslocou para o próprio trabalhador.
92

Esta mudança leva a uma produção muito maior e mais eficiente. O


trabalhador mesmo controla o que faz e sua própria remuneração (em alguns
casos, trabalhando até morrer). O homem da disciplina podia travar a
produção, o homem do controle não deseja isso, ele busca uma produção
maior e contínua, constantemente, segundo Deleuze

O homem da disciplina era um produtor descontínuo


de energia, mas o homem do controle é antes
ondulatório, funcionando em órbita em um feixe
continúo . (DELEUZE,1990,Pg.223)

A fluidez produzida pelas sociedades de controle altera os elementos


produtivos, e as relações de troca. Com os adventos tecnológicos da
produção, a geração de lucro e riqueza se alterou, gerando uma nova
necessidade de trabalho. Esse trabalho sobre o produto não altera suas
características tangíveis, ele modifica o sentido do produto. A publicidade e o
marketing fazem isso com os produtos. Nos controlatos, o conceito do produto
é mais importante que o produto em si, segundo Deleuze:

As conquistas do mercado se fazem por tomada de


controle, e não mais por formação de disciplinas, por
fixação de cotações , mais do que por redução de
custos, por transformação do produto, mais do que
por especialização da produção. (DELEUZE,1990,Pg
.224)
93

É possível supor uma relação entre a sociedade de controle e o


esquizo. Ele passeia por esse modelo e a questão a ser debatida é: O esquizo
é o novo paradigma da sociedade de controle ? Ou o esquizo escapa pela
sociedade de controle ?

7-2 O esquizo solto no mundo: Um rápido relance desse passeio fornecido


pelo cinema em π(pi)

Nesse filme de Darren Aronofsky8, o personagem principal (Max) é um


matemático que busca desvendar a lógica embutida no número PI (razão
existente entre o tamanho da circunferência e seu diâmetro, resultando no
número 3,1415926535897932.... que se repete ao infinito).

Caso Max fosse procurar um atendimento de saúde mental, seria


fatalmente diagnosticado como portador de esquizofrenia. Ele alucina, constrói
delírios e possuí uma interpretação delirante do mundo. No entanto, não
pretendo explicitar os conteúdos psicopatológicos existentes no filme, mas irei
buscar pontos de intensidade ali presentes que permitam um paralelo entre a
sociedade de controle e o esquizo.

Max inicia em sua infância seu passeio pelos números e pelo


desvelamento da realidade. Começa construindo um ponto zero de intensidade
inventando para si um corpo sem órgãos, que parte da luz:

8
Nesse filme π(pi) dirigido por Darren Aranofsky em 1998 é contada a história de Max, um
matemático que estuda o número π(pi). A filmagem é montada em um esquema preto e
branco bicolor, em uma estética assemelhada à dos vídeo-clipes.
94

9:13 Anotação Pessoal


Quando eu era criança minha mãe disse para não olhar para o Sol
Mas quando eu tinha seis, eu olhei
Os médicos não sabiam se eu perderia a visão.
Fiquei apavorado naquela escuridão
Devagar a luz entrou entre as ataduras, e consegui ver.
Mas algo mudou dentro de mim, naquele dia tive minha primeira dor de
cabeça...

A luz que cega e a luz que entra pela atadura é o primeiro fluxo e corte
de fluxo que obriga Max a pesquisar e produzir algo, é levado por um plano
desejante. Após esse corte Max é obrigado a transformar a Luz em algo
compartilhável, a fim de manter uma intensidade produtiva:

12:45
1-Reitero minhas suposições matemática é a linguagem da natureza
2-Tudo pode ser representado e compreendido através de números
3- Ao fazer os gráficos dos números de qualquer sistema, surgem padrões,
portanto há padrões na natureza
Evidência o ciclo das epidemias
O aumento e a diminuição da população de caribous
Os ciclos das mancha solares
A cheia e a baixa do nilo.
E a bolsa de Valores ?
O universo de números que representa a economia global, bilhões de mentes.
Uma vasta rede pulsante e viva. Um organismo, um organismo natural
Minha hipótese, há na bolsa de valores um padrão
Bem na minha frente, atrás dos números
95

A produção desejante não é registrável, mas seus efeitos sim. Dessa


forma Max registra sua intensidade em uma teoria matemática, que busca
localizar um padrão preditivo. Seu conjunto de dados é a bolsa de valores, que
é um organismo vivo e pulsante com fluxo e cortes infinitos.

A pesquisa de Max não passa despercebida por uma empresa de


previsões. Essa empresa pretende capturar a produção desejante de Max e
utilizá-la em seus negócios. Os funcionários perseguem Max insistentemente,
e ele simplesmente os ignora. Essa empresa busca controlar a produção de
Max, em um primeiro instante com um jogo de sedução e posteriormente com
violência.

O trabalho elaborado por Max também interessa a um grupo de judeus


ortodoxos, que busca um número místico “escondido” na Tora. Esses
religiosos também perseguem Max, em uma tentativa disciplinadora de sua
descoberta. Para esses rabinos o número que Max procura é sagrado, pois
remete a uma antiga profecia judaica criada na primeira destruição do templo
de Jerusalém. Tal número é a chave para a decodificação do nome de deus,
permitindo a chegada do messias.

Coloco a personagem que desempenha o papel de executiva no filme


como uma força da sociedade de controle, enquanto que os judeus são uma
força da sociedade disciplinar. A executiva procura modular a produção de
Max, oferecendo ou negando o acesso a diferentes objetos tecnológicos. Os
judeus procuram regular a produção

Max sofre e usufrui das conseqüências das sociedades de controle e


disciplinar. Usufrui das possibilidades ofertadas e sofre com a constante
ameaça de ver seu produto desejante ser cooptado por um desses modos de
funcionamento. O processo desejante de fluxo e corte de fluxo é raptado e
96

sustentado por esses funcionamentos sociais, e o esquizo (no caso Max)


precisa lidar com isso.

A executiva que persegue Max oferece um novo processador


poderoso, que é aceito por Max, em troca de seu trabalho. E os Judeus
oferecem uma tora digital para Max poder obter uma base de dados maior.

Max durante sua pesquisa percebe que a regulação da lógica


numérica do número PI está relacionada à lógica das espirais:

9-22 Anotação do sol, mas diferente minhas Pupilas encolheram e tudo ficou
nítido
Nova hipótese:
Se somos criados apartir de espirais, vivendo numa espiral gigante, então tudo
que existe está impregnado de espirais.

Ao relacionar essas espirais com a seqüência numérica do PI, Max


descobre a sintaxe numérica existente entre as repetições contidas no
numeral. Essa seqüência permite a Max descobrir um padrão na bolsa de
valores, e uma lógica numérica intrínseca na Tora.

Ambos os grupos perseguem Max, os executivos e os religiosos. Os


executivos utilizam força e tentam capturar Max, para que entregue o número
que descobriu. No entanto os religiosos salvam-no da perseguição, e o levam
para uma sinagoga, onde será coagido a entregar a sintaxe numérica.

Frente a essa tentativa de rapto do seu conhecimento, Max vê apenas


uma saída: Fura sua cabeça com uma furadeira. Um novo corpo sem órgãos
surge nesse ato: Max desvia a produção desejante para outro caminho.
97

A sociedade de controle e a disciplinar tentam raptar a produção


desejante do esquizo. No caso de Max, isso não foi possível, o desejo foi
encaminhado para outro lado, Max se torna um débil mental.

O que Max demonstra em seu passeio esquizofrênico é a tentativa de


captura do desejo pela sociedade e pela lógica de produção vigente. O esquizo
pode ser capturado por variante de uma lógica transcendente,seja do mercado
ou da religião. O que mantém o desejo, entretanto, é uma lógica imanente.
Desse modo o esquizo acaba por escapar das variantes de captura dos fluxos
desejosos.

Se o fluxo desejante do esquizo for capturado, seu corte virá, não


importando as conseqüências.

Como demonstra Max, o desejo é um fluxo e um corte de fluxo, a sua


captura pode ser definida como uma ação que impeça o fluxo, ou seu corte.

Max sente na pele a constante insistência da sociedade de controle


exigindo uma produção contínua e infinita, sem o corte desejante. A executiva
exige que Max produza e lhe entregue o número, mas não permite nenhuma
linha de fuga ou corte. O esquizo fica sem saída, assim como os
trabalhadores.

Os religiosos querem apenas o produto de Max. Eles querem o


número sagrado, deixando o esquizo de fora da produção religiosa. Esse corte
produzido pela lógica transcendente é menos violento que a produção
continuada, sem cortes. A religiosidade, no entanto, exige um represamento do
fluxo desejante, deixando apenas espaço para seu corte. O esquizo não pode
produzir, mas lhe é permitido um novo devir, obrigatoriamente transcendente.

Max é um exemplo de como diferentes lógicas sociais tentam se


apropriar do desejo do esquizo.
98

7-3 A psicanálise e o discurso capitalista

A psicanálise não se furtou de teorizar e trabalhar com a questão dos


efeitos do capitalismo sobre a subjetividade. É impossível construir uma prática
clínica que não leve em conta as relações produtivas existentes na sociedade,
na qual está inserida.

Com a finalidade de se compreender os efeitos discursivos sobre o


sujeito, Lacan propôs quatro diferentes discursos: O do mestre, o universitário,
do analista e o histérico. O funcionamento desses discursos não será
aprofundado, apenas a reviravolta do discurso do mestre para o capitalista
será explorada.

O discurso do mestre é proposto como aquele que determina e orienta


uma realidade qualquer. Esse discurso permite a criação de um laço social, já
que coloca um regulador do desejo e do gozo. Essa regulação é elaborada
pelo escravo e tomada como verdade pelo mestre, no entanto o desejo é
regulado pelo posicionamento do escravo, e seu saber é tomado pelo mestre,
como coloca Rosa:

Lacan chamou de discursos os laços sociais tecidos e


estruturados pela linguagem. O discurso do Mestre,
"quer dizer, o fato de que ele ordene, intervenha no
sistema de saber..." (LACAN, 1969-70/1992, p.191), é
aquele no qual o poder faz laço social entre aquele que
manda e aquele que trabalha. É o laço que permite
governar. Lacan baseou-se na dialética do senhor e do
escravo tal como apresentada por Hegel na elucidação
99

da constituição da consciência de si. Nesta, há uma


articulação entre o desejo de um com o desejo do outro,
entre a vida e a morte, entre o objeto e o gozo. Neste
discurso, o saber transformador representado pelo
trabalho está do lado do escravo, embora ele não saiba
disso, pois o Mestre dita o que é a realidade afirmando-
a como verdade. (Rosa,2006,Pg.38)

O discurso do mestre funciona em qualquer sociedade, porém ele é


desestabilizado pela entrada da lei de mercado. O funcionamento dessa lógica
altera os posicionamentos do mestre, do desejo, do escravo e do saber. Essa
desestabilização provocada pela entrada do capital, não permite uma saída
subjetiva, diferente do discurso do mestre, no qual o escravo possuí uma
possibilidade de escape, segundo Rosa:

No entanto, em Televisão (1974), diferente do que


afirmara em 1969/1970, no seminário O avesso da
psicanálise, Lacan apresenta o Discurso Capitalista,
característico da civilização científica, como uma
modalidade degradada do Discurso do Mestre, que
desestabiliza o laço social dominante na sociedade
contemporânea. No capitalismo avançado, a verdade do
sujeito e de seu objeto de gozo é a do atravessamento
da lei do mercado na lei do desejo. A lógica do capital e
lucro é apresentada como a única possível, provada
pelo sucesso. Tais atravessamentos e lógica não
operam sem conseqüências para o sujeito.
(Rosa,2006,Pg.39)

O discurso do mestre permite uma relação de transparência entre os


sujeitos, diferente da relação existente no discurso capitalista. De acordo com
100

o pensamento psicanalítico, o capitalismo extraí o sujeito das relações de


troca, substituindo-o por indivíduos, que são valorados pela sua capacidade de
consumo. Essa substituição altera todas as relações simbólicas existentes
anteriormente, segundo Rosa:

O discurso capitalista esclarece uma concepção de


funcionamento social em que o indivíduo se adapta a
uma realidade dada. Privilegia não o sujeito, mas o
indivíduo consumidor que, em sua dimensão de
consumido, não encontra lugar para o seu pathos
(sofrimento), para formular demandas, remetido que fica
à colagem do objeto da demanda ao objeto do
consumo. O desdém e a ridicularização de outras
estratégias societárias que não as instituídas — estas
últimas, tais como apresentadas por Graziano —
expõem como é incitada a supressão da demanda e do
pathos para construir 'realidades' alternativas. Conflitam
com o reconhecimento de que os laços
sociais/discursivos determinam o sujeito, o sentido do
seu ato e dito, o seu gozo, a sua psicopatologia, o seu
pathos e o transbordamento para além do sintoma, do
íntimo, do privado, do individual. (Rosa,2006,Pg.40)

As trocas mercadológicas alteram as relações simbólicas entre os


sujeitos. Essa alteração, na visão de alguns psicanalistas, altera a própria
constituição da subjetividade, já que a função simbólica é fundante da
subjetividade psicanalítica. E se a função simbólica é alterada, a subjetividade
é alterada. Essa mudança da subjetividade promovida pelo neo-liberalismo, é
uma das principais questões da psicanálise nesse início de século, segundo
Dufuor:
101

O que é preciso enunciar sem demora: o triunfo do


neoliberalismo traz consigo uma alteração do
simbólico. Se como diz Marcel Gauchet “a esfera de
aplicação do mercado está destinada a expandir bem
além do domínio da troca mercadológica, então há um
preço a pagar por essa expansão: o enfraquecimento
e até a alteração da função simbólica
(DUFUOR,2005,Pg.14)

A grande circulação de mercadorias, produz uma ruptura das relações


simbólicas, não existindo qualquer garantia transcendente das trocas. Essa
perda traz complicações para o modo de subjetivação proposto pela
psicanálise. Desde Freud, a transcendência é fundamental para a constituição
do sujeito, como coloca Dufuor:

Essa mudança radical das trocas traz consigo uma


verdadeira mutação antropológica. A partir do
momento em que toda a garantia simbólica das trocas
entre os homens tende a desaparecer, é a própria
condição humana que muda. Com efeito, esse estar
no mundo não pode ser mais o mesmo quando a
questão de uma vida humana não se liga mais à
busca de valores transcendentais representando
papéis de garantias, está ligada a capacidade de estar
em acordo com os fluxos sempre móveis da
circulação da mercadoria (DUFUOR,2005,Pg.14)
102

Antes do surgimento do neo-liberalismo, as trocas simbólicas


pressupunham um conhecimento dos agentes das mesmas, existia a figura do
patrão, do dono da empresa, do explorador, do explorado. Nos tempos de
hoje, essas figuras estão sumindo, as corporações não pertencem mais a uma
pessoa, pertencem a milhares de acionistas. As relações dos exploradores e
dos explorados pelo trabalho se confundem. Hoje as ordens de produção e
organização vêm anônimas, não há mais o capataz, mas um imperativo fluído,
sem corpo, segundo Rosa:

Associado ao discurso capitalista que é segregador,


pois não faz laço social como o discurso do Mestre —
este, conforme vimos, ordena as relações, mesmo na
assimetria, permitindo a governabilidade — o anonimato
move uma lógica paranóica, externa ao sujeito. Junto
com a abstração, faculta a convicção e a opacidade aos
discursos. Mesmo que sejam emitidos por pessoas
identificadas, pois estas, conforme observamos nos
noticiários midiáticos, funcionam como ventríloquos das
vozes poderosas (anônimas) do mercado,
constrangendo a resposta do sujeito dividido.
(Rosa,2006,Pg .41)

O sujeito neurótico criado por Freud, não responde bem as demandas


do mercado, ele precisa de um elemento transcendente relativamente estável
para seu funcionamento. O fluxo de mercadorias e capital, não conversa bem
com esse modo de subjetivação, segundo Dufuor:

Com efeito a neurose, com suas fixações compulsivas e


suas tendências a repetição, não oferece melhor
103

garantia de flexibilidade necessária às conexões


múltiplas no fluxo de mercadorias (DUFUOR,2005,Pg.
21)

O tipo de subjetividade produzida e útil para o capital é aquela


que os psicanalistas denominam de psicótica, o psicótico não possuí o
recalque, liberando-o para a aceitação de todos os fluxos do capital. A
foraclusão, ou a falta de ancoramento em referências simbólicas, permite ao
psicótico um “surf” mais “azeitado” sobre os fluxos do capital, no entanto isso
possui algumas conseqüências, com coloca Dufuor:

Na tendência a dessimbolização em que


presentemente vivemos, não é mais, com efeito o
sujeito crítico, colocando prioritariamente uma
deliberação conduzida em nome do imperativo moral
da liberdade, que convém, também não é o sujeito
neurótico preso numa culpabilização compulsiva, é um
sujeito precário, acrítico e psicotizante que é
doravante requerido. O cerne do sujeito
progressivamente da lugar ao vazio.
(DUFUOR,2005,Pg.22)

A tendência observada atualmente pelos psicanalista é a


desinstitucionalização da vida, isso leva a algumas conseqüências no campo
simbólico, o sujeito perde suas referência e fica a mostra e a disposição da
sanha mercadalógica, segundo Dufuor:
104

Ora, o que essa desinstitucionalização imediatamente


produz é bem uma dessimbolização dos indivíduos. O
limite absoluto da dessimbolização é quando mais
nada vem assegurar e assumir o encaminhamento
dos sujeitos para a função simbólica encarregada da
relação e da busca do sentido. Nunca se chega aí
verdadeiramente, mas, enfim quando a relação de
sentido se desfalece, é sempre em detrimento do
próprio da humanidade, a discursividade, e em
proveito da relação de forças. O que o novo
capitalismo visa hoje é o núcleo primeiro da
humanidade: A dependência simbólica da
humanidade.

(DUFUOR,2005,Pg.198)

A subjetividade que o capitalismo agencia nos tempos de hoje é


percebida pelos psicanalistas como aquela na qual o sujeito se esvai,
produzindo um vazio, esse vácuo não é a falta desejante pela psicanálise, é a
perda das ancoragens subjetivas supostas por essa teoria, Dufuor coloca que:

Na tendência a dessimbolização em que


presentemente vivemos, não é mais, com efeito o
sujeito crítico, colocando prioritariamente uma
deliberação conduzida em nome do imperativo moral
da liberdade, que convém, também não é o sujeito
neurótico preso numa culpabilização compulsiva, é um
sujeito precário, acrítico e psicotizante que é
doravante requerido. O cerne do sujeito
progressivamente da lugar ao vazio.
(DUFUOR,2005,Pg.22)
105

Esse processo psicotizante apontado por Dufuor, produz


sofrimento e faz com que as relações desejosas e de gozo sejam agenciadas e
utilizadas pelo capitalismo como fonte e alvo de sua ação. Uma das
conseqüências desse discurso sobre a subejtividade humana é apontada por
Rosa:

São essas as questões recalcadas nas modalidades de


laço social ensejadas pelo discurso capitalista, as quais
empurram violentamente o sujeito ao gozo, sob a forma
de consumo e lucro desmedido ou de sofrimento e
geram, para além do mal-estar, violências. Esta
estratégia concebe sujeitos alheios, descomprometidos
frente a uma realidade posta (imposta), em que são
suspensos seus dilemas éticos, recolocados pela
psicanálise. Diz Lacan em A ciência e a verdade: "Por
nossa posição de sujeito sempre somos responsáveis.
Que chamem a isto como quiserem, terrorismo"
(LACAN, 1966/1998, p.873). A psicanálise comparece,
através do sujeito do inconsciente, como modo de
resistência a instrumentalização social do gozo.
(Rosa,2006,pg.42)

O estudo da psicanálise sobre os efeitos do capitalismo tardio, não


se furtou de refletir sobre o trabalho de Deleuze e Guatarri, no entanto seus
pressupostos teóricos e conceituais são absolutamente diferentes, gerando
uma impossibilidade de conversa e agenciamento entre ambos, como
demonstra Soller:
106

Em 1972 Lacan retoma, em duas ocasiões distintas o


que já havia avançado em seus seminários dos anos
anteriores sobre os quatro discursos, para debater um
deslizamento do discurso do mestre, que ele apresenta
como discurso capitalista. É justamente o discurso do
capitalista que vai nos interessar, posto que, a partir
desse discurso podemos extrair uma tese que contraria
em tudo a tese de Deleuze. Neste ano Lacan especifica
o que de fato distingue o discurso do capitalista e em
que ponto preciso ele é o avesso do discurso do
analista: a foraclusão. Ora se é a foraclusão que
caracteriza o discurso do capitalista, o que ele sustenta
não é o laço social baseado na lei edipiana do pai. São
antes relações esquizofrênicas e esquizofrenizantes que
vêm como produto desse discurso. (Soller,1999, Pg-
169)

Ainda assim, a simples substituição do pensamento Deleuziano-


Guatarriano pela crítica da psicanálise ao capitalismo não implica na resolução
dessa questão e seus efeitos sobre a subjetividade. Dufuor coloca uma boa
questão a ser trabalhada:

Deleuze acreditou poder ultrapassar o


capitalismo, suspeito de não desterritorializar
suficientemente rápido e de proceder a
reterritorializações ditas paranóicas capazes de
bloquear fluxos maquínicos, ao colocar em suas
pegadas a figura do esquizofrênico, que podia
desarranjar tudo e perturbar os fluxos normatizados,
conectando tudo com tudo. O que Deleuze não tinha
visto é que seu programa, longe de permitir a
ultrapassagem do capitalismo, apenas antecipava seu
107

curso. Tudo se passa hoje como se o novo


capitalismo houvesse entendido a lição deleuzeana.
Com efeito é preciso que os fluxos de mercadoria
circulem, e eles circulam ainda melhor porque o velho
sujeito freudiano, com suas neuroses e falhas na
identificação que não param de se cristalizar em
formas rígidas antiprodutivas, será substituído por um
ser aberto a todas as conexões.
(DUFUOR,2005,Pg.21)

Será que o esquizofrênico proposto por Deleuze e Guatarri é uma


nova forma de subjetivação em formação e forçada pelo jogo de forças
capitalistas existentes ?

Se a resposta for afirmativa, isso não necessariamente é um


desastre a ser vivido pela frente, como aponta Dufuor:

Em resumo é preciso decidir: Estamos na hora,


próxima do grande meio-dia nietzschiano, de um
niilismo filosófico enfim lúcido? Ou na hora
crepuscular de um niilismo cansado ?
(DUFUOR,2005,Pg.81)

7-4 Jogos de Força entre esses esquizos.

Será possível pensar o esquizo como uma resposta conceitual (e


eventualmente prática) para a sociedade de controle e neo-liberal que se
constrói atualmente ? O esquizofrênico parece ser um personagem que
108

responde bem a uma nova forma de pensamento que começa a se instalar no


mundo atual. As duas primeiras formas de pensamento existentes podem ser
classificadas como forma “deus” e forma “homem”. A forma esquizofrênica

pode ser um modo de pensamento que começa a tomar (des)forma na


contemporaneidade.

A forma deus pode ser definida como todo pensamento que busca
uma forma superior, que determina todos os elementos nessa construção. A
forma homem é a formulação conceitual onde todos os elementos gravitam em
torno de alguma concepção antropológica.

A psicanálise já começou a perceber que ambas as formas de


pensamento e subjetivação estão em decadência, assim como Deleuze e
Guatarri também construíram um sistema conceitual que leva conta esse
desmoronamento desses modos de subjetivação.

Com o Anti-Édipo, Deleuze e Guatarri criam seu próprio esquizo,


como portador da produção desejante, onde todos os elementos podem se
ligar a qualquer outro elemento produzindo um fluxo desejante. A psicanálise
não toma o esquizofrênico como elemento portador do desejo, mas o toma
também como aquele que é livre para qualquer tipo de agenciamento. Mais
precisamente, o esquizofrênico da psicanálise é apenas uma das
possibilidades de agenciamento incotidos, a possibilidade da conectividade
“livre” é pensada na psicose como um todo.

Tanto a psicanálise, quanto a dita esquizoanálise apontam para a


existência de um movimento no capitalismo recente, que captura a
subjetividade e a altera em função de sua própria reprodução.

Entretanto, a saída para a psicanálise está baseada em um retorno


as referências simbólicas, que estão sendo carcomidas e destruídas pelas
109

relações impostas pelo capitalismo tardio. Esse retorno implicaria em uma


resistência aos avanços do capital sobre a subjetividade.

Já Deleuze e Guatarri, não propõem um retorno às referências


simbólicas, eles propõem a sustentação de uma resistência baseada no
movimento, que de certo modo impediria o seqüestro da subjetividade pelo
capital.

Ambas as correntes de pensamento sustentam as conseqüências do


capitalismo tardio sobre as relações humanas e a subjetividade. É necessário
saber, como coloca Dufuor, qual vai ser a saída: Um niilismo cansado, ou um
niilismo lúcido.

8- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A idéia da esquizofrenia surgiu com o desenvolvimento da psiquiatria


e do tratamento médico da saúde mental, e seu conceito se expandiu
possibilitando um agenciamento que envolve os modos de produção atuais. A
esquizofrenia se expandiu para além do território do manicômio, ela se tornou
um conceito operativo que pode agenciar novos modos de subjetivação.

Para o psiquiatra, a esquizofrenia é um conjunto de sinais e


sintomas que traz uma série de sofrimentos, para o paciente e sua família.
Esses sinais e sintomas indicam um caminho de tratamento, que pode ser
farmacológico, psicológico e social. Essa tríade de tratamentos fez surgir a
110

solução bio-psico-social. Esse tipo de posicionamento frente à esquizofrenia


aponta para uma prática que pretende controlar e diminuir os danos dessa
enfermidade em um indivíduo.

O psicanalista pode encarar a esquizofrenia de dois diferentes


modos: Como um limite ao tratamento psicanalítico, ou como uma nova clínica
a ser desbravada. Em ambos os casos a esquizofrenia e a psicose servem
como explicitação dos efeitos do complexo de édipo. Essa explicitação diz
respeito a uma falha na resolução desse complexo. Apesar de possuir um
interesse eminentemente clínico na esquizofrenia, a conceituação psicanalítica
começa a apontar que a psicose é uma das novas exigências de subjetivação
no modo de produção capitalista.

A esquizoanálise propõe a esquizofrenia como novo paradigma da


produção desejante. O esquizofrênico é aquele que é capaz de produzir
múltiplas conexões, de diferentes modos através de seu fluxo e corte
desejante. O fluxo do capitalismo impede ao esquizo a expressão de seu
desejo, que é capturado pela produção capitalista.

A relação entre o capitalismo e a esquizofrenia não interessa à


psiquiatria, no entanto os estudos do inconsciente perceberam que existe uma
relação de produção entre ambos.

A esquizofrenia existe em duas vertentes problemáticas que


coexistem. As manifestações clínicas e as manifestações como processo
imanente do desejo da esquizofrenia produzem efeitos variados. No entanto,
em ambos os casos as linhas de fuga são primeiras e o capitalismo não cessa
de capturá-las para si.
111

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