Artigo - CAINELLI. Grounded Theory
Artigo - CAINELLI. Grounded Theory
Artigo - CAINELLI. Grounded Theory
24 (2020)
ISSN 2177-6210
Unisinos - doi: 10.4013/edu.2020.241.04
Marlene Cainelli2
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
[email protected]
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Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e
professora de História da Educação Básica do estado do Paraná.
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Doutora em História Social pela Universidade Estadual do Paraná (UFPR). Professora e pesquisadora nos
programas de mestrado e de doutorado em Educação e do mestrado em História Social da Universidade Estadual
de Londrina (UEL). Investigadora do Centro de Investigação Transdisciplinar – Cultura, Espaço e Memória (CITCEM)
– Universidade do Porto, Portugal.
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo
permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Thomson e Cainelli - Grounded Theory
Abstract: This article has as its theme the presentation of a historical report
about the Grounded Theory (GT), establishing some epistemological reflections
about this methodology, within the field of qualitative research. Initiative was
addressed in the context of the emergence of the GT, in the United States in the
1960s, in studies in the Social Sciences (GLASER and STRAUSS, 1967).
Together, there are a number of transformations through which this analysis has
extended over the years. Finally, it was also tried to evidence how History
Education appropriated the Grounded Theory for its research, analyzing the
aspects of this methodology that can favor the research process in this field of
investigation.
Assim, para Barca (2011), a partir dessa escola inglesa foi fundado um novo campo de
estudos dentro do âmbito do ensino de história, que passou a empreender análises de “[...] ideias
que os sujeitos manifestam em e acerca da História” (BARCA, 2011, p. 13). Com isso, passou-se
a investigar por meio de estudos concretos como funciona a base do raciocínio histórico de
estudantes e professores.
Como se fundamenta a partir dos constructos da própria ciência histórica, as pesquisas em
Educação Histórica concedem grande importância aos estudos sobre conceitos de segunda ordem.
Há uma constante preocupação em verificar a questão da aprendizagem histórica para além dos
conteúdos substantivos, compreendendo também como se articulam as noções ligadas à natureza
da ciência histórica, como: explicação intencional, narrativa, argumentação, compreensão
empática e evidência histórica, por exemplo. Os conceitos de segunda ordem se diferenciam dos
conceitos substantivos, que são aqueles ligados aos conteúdos históricos, como monarquia,
feudalismo e democracia, por exemplo. Como afirma Bodo Von Borries (2018, p. 110), “história
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são dois mundos, um de conteúdos, temas e tópicos; o outro de ferramentas, habilidades, métodos
e teorias”.
Assim, a Educação Histórica volta seu olhar para o desenvolvimento da estrutura
constitutiva do pensamento histórico. Nas palavras de Lee (2006, p. 146), uma das preocupações
fundamentais dos pesquisadores deve ser, por exemplo: “como poderemos ensinar uma estrutura
histórica utilizável (UHF) que vai além dos fragmentos ‘eventificados’ ou características
nacionais [...]?” Nessa indagação, Lee (2006) defende a ideia de que os alunos devem ser
capazes de articular o conhecimento histórico de forma satisfatória para sua orientação temporal,
e não apenas como um bloco de conhecimentos e informações desconexas à realidade. Segundo
ele,
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O termo Grounded Theory será tratado nesse texto prioritariamente como GT.
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Como métodos experimentais compreendemos aquelas investigações que “a ciência explica apenas a face
observável da realidade, ou a superfície dos fenômenos” (MARTINS e THEÓPHILO, 2016, p. 37). Tais ideias integram
o contexto de emergência do que convenciona-se como época Moderna (séculos XVI, XVII, XVIII).
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passam a abarcar outras áreas do conhecimento, adentrando nos campos da Psicologia, das
Ciências Sociais e da Educação. Essa segunda fase, que se desenvolve até 1970, é denominada
Modernista e as pesquisas qualitativas começam a se estruturar a partir de tentativas
formalização. Flick (2004) coloca os fundadores da Grounded Theory (Glaser e Strauss) nessa
fase. A partir da década de 1970 desenvolvem-se diversas tipologias de pesquisa qualitativa e se
ampliam as possibilidades de abordagens.
A Grounded Theory
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se sensibilizar (GAGO, 2007) a partir das respostas, impulsionando assim novos passos na
constituição da pesquisa, que vai se refazendo ao longo de todo o processo de investigação. Para
Gago, “o entrevistador deve exibir uma postura curiosa e sensível tanto ao que é dito como ao
que é omitido, estando sempre alerta e criticando as suas próprias pré-suposições e hipóteses”
(2007, p. 175).
Desse modo, as bases da GT favorecem as pesquisas em Educação Histórica, já que essas
são constituídas a partir dos sujeitos realmente atuantes na educação. Os sujeitos e os contextos
sociais pesquisados pela Educação Histórica representam realidades vivas, dinâmicas, maleáveis
e, muitas vezes, até mesmo contraditórias. Como pesquisar uma escola e seu cotidiano, buscando
justamente descortinar aquela “caixa preta” a partir de métodos enrijecidos que limitem o
potencial criativo e sensibilizador do pesquisador?
Nesse sentido, para Charmaz (2009), na GT os dados não são concebidos apenas como
números, informações e repositórios escritos. Os dados, na verdade, representam opiniões,
posicionamentos, intenções, sentimentos e, também, toda uma estrutura de vida daqueles sujeitos
pesquisados. Assim como concebe-se as propostas de pesquisas da Educação Histórica, quando
analisamos os dados devemos encará-los em sua especificidade e também em sua totalidade,
buscando perceber os sujeitos em meio à sua realidade, com suas percepções críticas e
sensibilizadoras; assim como também aspectos da particularidade, do desenvolvimento da
consciência histórica e da narrativa, por exemplo. A GT assume, portanto, o papel de formular
uma teoria representativa da realidade, dos sujeitos e dos fatos (MARTINS e THEÓPHILO,
2016), indo para além de um método apenas descritivo.
Em uma primeira análise dos dados sobre o uso da GT pelos pesquisadores da Educação
Histórica percebemos que, de forma geral, diferentes autores foram usados como fundamentação.
Os autores mais citados e que concedem um aprofundamento metodológico às pesquisas são
Kathy Charmaz (2009) e Juliet Corbin/Anselm Strauss (2008). Em alguns casos notamos também
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Podemos compreender esses tópicos finais como o processo de teorização proposto pela
GT. As pesquisas que seguem tal delimitação metodológica desenvolvem, portanto, elaborações
teóricas sobre o tema, afirmações com base nos dados.
Outra pesquisadora que fez uso da GT em sua pesquisa foi Marília Gago. Em sua tese de
doutorado desenvolvida na Universidade do Minho em Portugal, sob orientação da professora
Isabel Barca, intitulada “Consciência histórica e narrativa na aula de História: concepções de
professores” (2007), ela dialogou com as perspectivas da Educação Histórica e utilizou elementos
da GT. Seu objetivo foi “[...] compreender as concepções de professores de História acerca da
narrativa enquanto uma das faces da consciência histórica” (GAGO, 2007, p. 182). Nesse sentido,
ela empreendeu uma investigação para verificar quais as ideias dos professores sobre consciência
histórica e sobre a questão das narrativas. Ao longo da pesquisa, ela realizou dois estudos
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Na Universidade de São Paulo (USP), orientado pela Prof. Dr. Katia Maria Abud no
programa de Doutorado em Educação, o pesquisador Aaron Sena Cerqueira Reis também utilizou
a metodologia da GT para desenvolver sua investigação intitulada “Brasil em tempos de crise:
um estudo sobre a consciência histórica de jovens estudantes” (2019). O objetivo de Reis era
entender a construção da consciência histórica de jovens estudantes a partir de reflexões sobre
acontecimentos contemporâneos. Assim, ele buscou compreender se acontecimentos recentes na
história política e social brasileira apresentam alguma influência na construção da consciência
histórica dos jovens. Sua pesquisa foi realizada em São Paulo, tendo como instrumentos
questionários escritos e online e também entrevistas.
Reis (2019) utilizou os pressupostos da GT em sua pesquisa na etapa de análise dos
dados, apoiado principalmente na fundamentação de Juliet Corbin e Anselm Strauss (2008).
Inicialmente, notamos uma preocupação do autor em situar sua metodologia dentro dos
parâmetros da pesquisa qualitativa.
Desse modo, em sua tese, ele propõe alguns parágrafos de contextualização histórica
sobre esse tipo de abordagem, demonstrando uma preocupação em situar-se em relação à
metodologia qualitativa e introduzir o leitor a uma reflexão sobre o surgimento desse tipo de
análise. Os pressupostos da GT são explicitados no subtópico “Análise dos dados” e
fundamentados em Tarozzi (2011) e Juliet Corbin e Anselm Strauss (2008).
Esse pesquisador cita algumas características da GT que fundamentaram seu trabalho e
que favoreceram seu caminho de investigação. Ele destaca a GT como um “método inovador” ao
viabilizar a construção de categorias teóricas a partir da pesquisa empírica. Também cita o fato de
a GT assumir um caráter flexível, sem uma linearidade unívoca e aberta aos imprevistos. Assim,
Reis (2019) ressalta a importância da sensibilidade e criatividade do pesquisador que faz uso da
GT. Nas palavras do autor:
Nessa investigação nota-se pouco espaço destinado à descrição das características da GT,
que só é citada cinco vezes na tese (duas no resumo, uma na introdução e duas no corpo da tese).
O autor utiliza a proposta metodológica para encontrar as categorias de análise das narrativas
didáticas, utilizando-a para encontrar os “elementos comuns” das narrativas (BERTOLINI, 2018,
p. 19).
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Software desenvolvido na França por Pierre Ratinaud em 2009 para realizar análises de dados textuais.
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Conclusão
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Referências
BARCA, Isabel. Ideias chave para a educação histórica: uma busca de (inter) identidades.
História Revista, v. 17, n. 1, p. 37-51, dez. 2012. Disponível em:
https://www.revistas.ufg.br/historia/article/view/21683/12756. Acesso em: 26/05/2019.
BERTOLINI, João Luis da Silva. Manual didático e as mediações entre cultura histórica e
cultura escolar: o caso das narrativas sobre o Islã em manuais didáticos brasileiros e
portugueses. Curitiba: Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Paraná, 2018.
BORRIES, Bodo von. Jovens e consciência histórica. Curitiba: W.A. Editores, 2018.
CHARMAZ, Kathy. A construção da teoria fundamentada. Trad. Joice Elias Costa. Porto
Alegre: Artmed, 2009.
FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Trad. Sandra Netz. 2.ed. Porto Alegre:
Bookman, 2004.
NEFF; Joyce Magnotto. Grounded Theory: A Critical Research Methodology. In: FARRIS C. &
ANSON C. (Eds.), Under Construction. University Press of Colorado, 1998. p. 124-135.
Disponível em: https://www.jstor.org/stable/j.ctt46nrqf.12?seq=1#page_scan_tab_contents.
Acesso em: 26/05/2019.
REIS, Aaron Sena Cerqueira. Brasil em tempos de crise: um estudo sobre a consciência
histórica de jovens estudantes. São Paulo: Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; URBAN, Ana Claudia. Afinal, o que é Educação Histórica.
RIBEH, v.1, n. 1, p. 7-31, ago./dez. 2018.
Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/riaeh/article/view/1306/1314. Acesso em: 23 jul.
2019.
Submetido: 25/07/2019
Aceito: 03/02/2020
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