Livro Sobre Os Indios de Escada
Livro Sobre Os Indios de Escada
Livro Sobre Os Indios de Escada
CONFLITOS, ESBULHOS DE
TERRAS E RESISTÊNCIAS
INDÍGENA EM PERNAMBUCO NO
SÉCULO XIX
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DIREÇÃO EDITORIAL: Maria Camila da Conceição
DIAGRAMAÇÃO: Luciele Vieira / Jeamerson de Oliveira
DESIGNER DA CAPA: Jeamerson de Oliveira. Concepção: Edson Silva.
IMAGEM DE CAPA: Mapa do Aldeamento de Escada a ao fundo a Estação Ferroviária
(1860). A construção da estrada de ferro, ampliou as invasões dos donos de engenho de
açúcar nas terras indígenas.
CDD: 981
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Edson Silva
ALDEIA DE ESCADA
CONFLITOS, ESBULHOS DE
TERRAS E RESISTÊNCIAS
INDÍGENA EM PERNAMBUCO NO
SÉCULO XIX
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DIREÇÃO EDITORIAL
Maria Camila da Conceição
COMITÊ CIENTÍFICO EDITORIAL
Prof. Dr. José Adelson Lopes Peixoto
Universidade Estadual de Alagoas | UNEAL (Brasil)
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Prof. Dr. Augusto César Acioly Paz Silva
Universidade Federal de Pernambuco | UFPE (Brasil)
Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde | AESA-CESA (Brasil)
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Entretanto não puderam nos eliminar!
Nem nos fazer esquecer o que somos,
porque somos a cultura da terra e do céu
somos de uma ascendência milenar e somos
milhões, e mesmo que nosso universo inteiro seja
destruído, NÓS VIVEREMOS por mais tempo que
o império da morte.
Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo
Port Alberni, 1975
Conselho Mundial dos Povos Indígenas - CMPI
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SUMÁRIO
PREFÁCIO
Mariana Albuquerque Dantas.................................................................. 09
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PREFÁCIO
Querido Edson,
Envio em anexo o texto que escrevi para prefaciar
seu novo livro. Espero ter me expressado à altura da
importância do seu trabalho na minha formação.
Muitas das suas ideias e conclusões me inspiraram
na pesquisa da dissertação e da tese.
Obrigada pela confiança!
Grande abraço,
Mariana.
1 CUNHA, Manuela C. da. (Org.). História dos índios no Brasil, São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
2 MONTEIRO, John M., Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Cia. das Letras, 1994.
3 VALLE, Sarah Maranhão, A perpetuação da conquista: a destruição das aldeias indígenas em
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Zona da Mata Sul pernambucana, na segunda metade do século XIX,
enfrentando há anos com esbulhos, conflitos e expropriação das terras
coletivas habitadas promovidos por senhores de engenhos, grandes
proprietários vizinhos.
Ao estudar a dinâmica das relações entre índios e não índios em
Escada, o autor evidenciou as diferentes estratégias articuladas pelos
primeiros com para defender o território e a melhor forma de administrá-lo.
Além das petições enviadas para diferentes autoridades provinciais, os
indígenas de Escada entenderam que seria o momento de empreender uma
migração do aldeamento em direção a uma região conhecida como Riacho
do Mato, para se estabelecerem. O grupo foi liderado por Manoel Valentim,
indígena participante da Guerra dos Cabanos, ocorrida cerca de três
décadas antes e grande conhecedor do Riacho do Mato por ter sido uma
área de refúgio para cabanos e outros rebeldes do período.
Ao mesmo tempo, em que enfatizou as mobilizações dos indígenas
pelo fim dos esbulhos de terras em Escada e a criação de um aldeamento no
Riacho do Mato na década de 1860, o autor apresentou um panorama das
relações entre os diferentes grupos em contatos, em uma abordagem
bastante conectada às propostas de análises da História Social. Dessa
forma, analisou as cisões internas à própria coletividade indígena entre os
que apoiaram e os contrários à mudança, entre os seguidores e os críticos a
Manuel Valentim e as possíveis relações construídas por alguns indígenas
com políticos locais.
Aliando interpretação histórica a conceitos antropológicos, Edson
Silva também apontou como os conflitos locais por terras estavam
relacionados as disputas por categorias étnicas e identitárias. Desde a Lei de
Terras de 1850 e as posteriores regulamentações, as elites políticas e
econômicas na Província de Pernambuco passaram a afirmar que os
habitantes nos aldeamentos não eram indígenas, pois estariam “confundidas
com a massa da população civilizada”. Esse posicionamento, repetido em
documentos oficiais, negava a identidade dos indígenas e, portanto, o acesso
coletivo às terras dos aldeamentos.
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Elaborando uma narrativa inversa à oficial, Edson Silva realizou uma
leitura das fontes, orientada por posicionamento teórico, metodológico e
político, possibilitando visualizar a atuação dos indígenas em Escada e no
Riacho do Mato produzindo as próprias interpretações sobre as conjunturas
sociais e políticas locais, salientando os defendendo seus interesses, e
buscando a satisfação das necessidades. Esse olhar sobre a documentação
e os sujeitos estudados vem inspirando a construção de novos temas e a
realização de pesquisas por ter inspirados caminhos interpretativos a serem
seguidos.
O estudo sobre os aldeamentos de Escada e Riacho do Mato não se
restringiu a acompanhar as dinâmicas locais de alianças e inimizades entre
índios e não índios. Também foram feitas conexões com contextos mais
amplos, como a modernização da América Latina com a instalação de
ferrovias e estações de trem em povoados distantes, baseadas nas ideias de
progresso e desenvolvimento. Certamente, esse também era o momento
vivenciado no Brasil e em Pernambuco, uma vez que a produção de açúcar
se expandia para novas terras, como ocorreu na Zona da Mata Sul,
pressionando trabalhadores livres, pequenos proprietários e indígenas. O
avanço dos canaviais sobre as áreas indígenas, como vivenciado em Escada
e no Riacho do Mato, é mais um aspecto que deve continuar a ser estudado
como um problema historiográfico, relacionando as áreas da História Agrária
e da História Social do Trabalho.
A pesquisa de Edson Silva comporta elementos possibilitando
pensar sobre a inserção da mão de obra indígena, percebida pelas
autoridades provinciais e imperiais como cabocla ou “misturada”, como
alternativa factível à transição do trabalho negro escravizado para o livre nas
grandes lavouras. Como é sabido, para as atuais regiões Sul e Sudeste, o
problema foi enfrentado com o incentivo à migração de trabalhadores
europeus. Para a região conhecida atualmente como Nordeste, líder no
tráfico interprovincial de escravizados negros no contexto da proibição do
comércio atlântico, é para se pensar que a mão de obra utilizada no
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processo de “modernização sem mudança” 4 da agroindústria canavieira,
sabendo-se ser livre e mestiça, era também indígena.
Principalmente, considerando a importância do trabalho indígena nas
regiões dos antigos aldeamentos coloniais que permaneceram até o Século
XIX, e o drástico processo de extinção desses territórios coletivos pelo
governo imperial, intensificado na década de 1870. Apesar de não ser nosso
objeto nesse texto, cabe lembrar que o trabalho de maior fôlego de Edson
Silva, a sua tese de doutoramento em História também publicada, contribui
para encontrar esses fios partidos da historiografia brasileira, ao demonstrar
as vivências de indígenas Xukuru (do Ororubá) como trabalhadores sazonais
na produção de açúcar na Zona da Mata Sul de Pernambuco entre as
décadas de 1950 e 1960.5
Até o momento, essas trajetórias, narrativas e histórias não vêm
sendo incorporadas de maneira significativa pelas pesquisas que se
debruçam sobre a estrutura fundiária brasileira entre o final do Século XIX e o
início do XX, ou sobre os trabalhadores na cana de açúcar. Menos ainda nos
livros didáticos para o ensino de História na Educação Básica. Possivelmente
por ainda se acreditar na velha afirmação do historiador muito criticado, F. A.
de Varnhagen, que para os indígenas não seria possível fazer História, mas
apenas etnografia.6
Ao centrar a atenção para a região tradicional de produção de açúcar
e para as populações habitando no local, Edson Silva rompeu com imagens
cristalizadas e estereótipos, com um salto qualitativo para a historiografia ao
perceber os indígenas aldeados como sujeitos históricos e políticos. Com
isso, foi possível criar uma nova narrativa sobre a ocupação fundiária da
Zona da Mata Sul pernambucana em sua complexidade, mutabilidade e
gestada por sujeitos históricos variados, tais como indígenas, escravizados,
proprietários, trabalhadores livres e posseiros.
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Não por caso, Edson Silva indicou a Constituição Federal de 1988
como um ponto de inflexão nas relações entre Estado brasileiro e povos
indígenas, resultado da participação efetiva do movimento indígena na
concepção da Carta Magna do país. Atento ao presente, o pesquisador pode
refletir sobre as influências mútuas entre as diferentes temporalidades
históricas,7 e como a compreensão de uma das modalidades do tempo pode
interferir de maneira incontornável na nossa visão sobre a outra. As relações
entre passado e presente, portanto, leva a rever pressupostos
historiográficos congelados e às possibilidades de elaborar narrativas mais
inclusivas e complexas, como foi a proposta desse livro disponível ao
público.
6 ALMEIDA, Maria Regina C. de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
2010, p. 17.
7 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014,
p. 57.
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AS ONDAS DO PROGRESSO8
8
Nota: para essa publicação foram realizadas poucas modificações na redação do
texto original da Dissertação concluída em 1995.
9 O relato, bem como o discurso do engenheiro Buarque de Macedo e o comentário sobre a
inauguração da Estação da Escada, estão em uma longa reportagem publicada pelo jornal
Diario de Pernambuco em 04/12/1860, na secção Revista Diária, p. 2.
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minutos, o trem movimentou-se outra vez, prosseguindo a viagem. A grande
surpresa demorou exatamente apenas 20 segundos (quanta precisão!). Foi a
passagem pelo túnel Pavão, onde muitos passageiros e passageiras, pela
primeira vez em tão breve decurso de tempo, experimentaram a passagem
do dia para a noite e rapidamente voltaram a luz do dia. Bela obra!
Despertava especial atenção, representava a vitória da engenharia diante de
um morro bastante elevado. Precisamente as nove horas, o trem chegou a
Estação da Escada, “uma bela e sólida edificação digna de louvor pelo zelo
do bem acabado trabalho”. Após o desembarque festivo, todos os
convidados “de ambos os sexos” dirigiram-se ao salão onde uma mesa
repleta e com 120 talheres estava servida.
O Presidente da Província ocupou seu lugar de honra e iniciaram a
refeição acompanhada pelos acordes musicais militares das bandas
formadas pelos menores aprendizes e a do 3º Batalhão de Infantaria da
Guarda Nacional da Escada. Em meio a tamanha euforia reinante no
ambiente, seis brindes foram feitos. O primeiro proposto pelo
Superintendente da Estrada de Ferro Recife-São Francisco, ao Presidente da
Província. O segundo, ao engenheiro fiscal da via-férrea, Buarque de
Macedo, e em honra “a prosperidade e engrandecimento do paiz”, por seu
futuro promissor representado pelas estradas de ferro. A este brinde, seguiu-
se o longo e “patriótico” discurso do engenheiro.
Diante do “enthusiasmo” das pessoas presentes, Buarque de
Macedo falava da importância daquele momento para o futuro da Província,
recordando, as dificuldades enfrentadas para trazer-se “o elemento
civilizador” até aquelas “paragens”, convidando os presentes a compartilhar
do regozijo, afirmando que se consagrava com a inauguração da Estação da
Escada “uma nova época para estrada de ferro da Província, cujo futuro só
agora se mostra risonho”. Isso porque o traçado paralelo da via-férrea com o
Rio Ipojuca navegável “atravessando em grande parte terrenos até então
improductivos”, unindo aquela localidade aos grandes centros produtores do
interior e “ao vasto imperio comercial da cidade do Recife”, atendendo as
expectativas de futuro para o país: “E por isso, senhores, que acabais de
inaugurar uma época de prosperidade”.
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Em suas palavras o engenheiro fiscal enfatizava a importância da
via-férrea como sinônimo do progresso, manifestando o desejo de ver
concretizado o sonho de estradas de ferro interligadas criando uma rede de
comunicação interna no país, entre os povoados e vilas às capitais das
Províncias e destas à Capital do Império: “É este, senhores futuro que nos
aguarda”. Assim, as estradas de ferro além de chegar aos lugares da
produção, às “fontes de riqueza do Brasil”, estreitando as relações no país,
criaria “sempre uma base sólida, mais uma garantia para a união brasileira”.
O exemplo do México, para Buarque de Macedo, deveria servir de alerta,
pois aquele país não soubera imitar os Estados Unidos no desenvolvimento
das vias-férreas, acarretando o erro a ruína mexicana. O futuro dos países
estavam nas vias de comunicação. No Brasil como brasileiros, todos deverão
“com esforços e sacrifícios desenvolvê-lo”, terminava o engenheiro o
discurso, convidando às pessoas presentes a uma brinde ao Presidente da
Província por “seus esforços empregados para a realização de tão
importante melhoramento”.
Seguiram-se brindes às autoridades e, o último em honra ao
Imperador pelo aniversário naquele dia, razão para alegria e agradecimento,
pois daquele dia em diante a data iria torna-se mais memorável para a
Província com “mais um passo dado por ella na senda do progresso”.
Calorosos aplausos anteciparam a execução do “hynno nacional”. Após a
refeição dançaram-se quadrilhas animadas pelas bandas, até passada meia
hora depois do meio dia, hora do embarque para o retorno. Na despedida, o
trem era saudado “por mais de quatro centos trabalhadores”, concentrados
ao lado dos trilhos da Casa da Estação até a das oficinas. O Diário de
Pernambuco relatou que nos lados do caminho por onde passava o trem
“concorreram” muita gente do povo, aglomerando-se nos cimos dos morros,
“eram bordados de gente, que victoriava o agente do progresso”.
Com a precisão enfatizada de “uma hora e quarenta e tres minutos”,
cumpriu-se o percurso até a Estação das Cinco Pontas no Recife, onde se
despediram os convidados da festa motivada pela abertura de “uma nova
éra” para a Província, em um passo grande para “o entrelaçamento” com as
províncias irmãs do sul do império”. Para o jornal, o dia do aniversário do
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Imperador, iniciara por um ato patriótico, brilhando com seus raios um
acontecimento de “importancia nacional”, marcando também, “um novo
período de prosperidade e engrandecimento” para a Província. A Estrada de
Ferro Recife-São Francisco, bem como a inaugurada Estação da Escada,
estavam localizadas nas terras da Aldeia da Escada, habitada por uma
considerável população indígena, que em nenhum momento sequer foi
mencionada. Ao contrário, afirmava-se representar o evento da inauguração
a chegada do progresso, da “prosperidade”, a um local “em grande parte”
com terrenos até então improdutivos.
A repetida ênfase do engenheiro Buarque de Macedo na importância
das estradas de ferro, é compreendida em um contexto global dos
acontecimentos na época. De forma diferenciada, nas grandes cidades dos
países na América Latina, a partir de meados do século XIX, eram
experimentadas tímidas mudanças que nos anos seguintes formando “um
conjunto de progressos técnicos” e de novos hábitos culturais, como a
iluminação a gás, a urbanização de ruas, as primeiras estradas de ferro, a
introdução da navegação a vapor, os novos teatros, as inovações
arquitetônicas, a imitação do estilo de vida europeu, etc., etc., significando
grandes transformações, toda frutos iniciais da estabilidade econômica
resultante da emancipação política das metrópoles coloniais. Foram indícios
de um progresso que para se consolidar iniciou com o “assalto às terras
indígenas” e em alguns lugares também às propriedades da Igreja Católica
Romana. Em alguns casos, ocorreu também a expansão de uma economia
agroexportadora (DONGHI, 1975, p.124-126).
Em Pernambuco, na Zona da Mata Sul a produção de açúcar
aumentou após meados oitocentista. Os novos mercados de exportação para
a Europa e as ferrovias reduziram os custos com transportes para o Porto do
Recife, estimulando a construção de engenhos em Escada e regiões
circunvizinhas, onde apesar de terem sido mantidas áreas ociosas, quase
dobrou o número de engenhos após 1855 (EISEMBERG, 1977, p.148),
permanecendo a concentração de terras nas mãos de umas poucas
tradicionais famílias.
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O Crescimento da produção açucareira ocorreu com a intensificação
das antigas invasões às terras das Aldeias de Barreiros e da Escada. No
caso de Escada, além da expansão do antigo núcleo populacional de não-
índios nas terras férteis da Aldeia, as mesmas eram motivo de muita cobiça.
Na lógica do aproveitamento econômico o modo indígena de possuir e dispor
das terras passou a ser muito questionado, colocando-se em dúvidas a
própria existência do antigo Aldeamento, como expressava uma autoridade:
“Não conheço nem mesmo sei onde encontrar razões que justifiquem na
presente época a sua existência. Causa dó ver-se esses terrenos
completamente abandonados e de contínuo chamado a indolência e
ignorância do seus possuidores. Tanta miséria no meio de tanta opulência”.10
Posteriormente, devido a gestões dos senhores de engenho, as aldeias
foram oficialmente declaradas extintas.
A História dos povos indígenas no Brasil, as relações entre indígenas
e os não-índios, ainda são muito desconhecidas. Os clássicos estudos sobre
a História do Brasil, mesmo aqueles que primaram por novas abordagens,
minimizaram a presença indígena na história do país, relegando-a aos
momentos iniciais da Colonização. Esta situação também está refletida no
livro didático, salvo raríssimas exceções. Nos últimos anos surgiram obras
pioneiras ao apresentarem explicações gerais para a temática indígena no
Brasil e na América Latina. Com a diminuição das fronteiras entre as
pesquisas de caráter antropológico e histórico, foram publicados vários
estudos a respeito de povos indígenas nas regiões da Amazônia e do
Centro-Oeste. Em algumas poucas iniciativas, estudou-se os povos
indígenas no Nordeste e em Pernambuco.11
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Este estudo foi uma tentativa ainda que limitada, em desvelar essa
invisibilidade dos indígenas como atores no palco da História, no século XIX.
Sendo pesquisada a Aldeia da Escada no período de 1860 a 1880 quando
após o crescimento dos conflitos provocados pelos tradicionais esbulhos,
palavra diversas vezes utilizada na época para expressar as expulsões dos
indígenas de suas terras, a Aldeia foi removida para o lugar Riacho do Mato,
onde também os índios tiveram a área destinada para o novo aldeamento
invadida, elaborando os indígenas diversas estratégias para permanecem no
lugar.
O texto está dividido em três partes. Na primeira, buscamos com
brevidade demonstrar o lugar ocupado pelo índio nas muitas imagens em
vários discursos e as relações existentes entre essas representações e as
práticas da política indigenista oficial no século XIX. Na segunda parte,
pretendeu-se estabelecer uma relação com a primeira, partindo-se de uma
análise da situação da Aldeia da Escada. Para isso, no primeiro e segundo
tópicos foi caracterizada a citada Aldeia, considerada na época a mais rica
da Província de Pernambuco. Em seguida, buscou-se evidenciar o processo
e entraves da remoção e/ou extinção da Aldeia da Escada defendida pelos
senhores de engenho. Com a terceira parte, analisamos a experiência da
1992, apresentam neste texto amplo as poucas pesquisas sobre a temática indígena na
atual Região Nordeste no século XIX; Frans (Francisco) Moonen, professor de Antropologia
na UFPB na década de 1980, publicou trabalhos monográficos sobre os Potiguara na
Paraíba. Na mesma época (1984), o antropólogo Clóvis Antunes, publicou Índios de
Alagoas: Documentário. Ainda desde os anos 1980, um grupo de antropólogos/as na UFBA
e da ANAÍ-BA (Associação Nacional de Apoio ao Índio-Seção Bahia) produziram artigos
discutindo a questão da identidade dos povos indígenas no Nordeste. Chamando a atenção
os texto publicados em revistas especializadas por Maria Hilda Baqueiro Paraíso, a respeito
dos povos indígenas no Sul da Bahia; DANTAS, B. G. , e DALLARI, D. de A. Terra dos
índios Xocó: estudos e documentos, São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1980, é
um trabalho com apresentação e análise de documentação referente a Sergipe no século
XIX; Afora esses estudos, foram realizadas pesquisas em torno da problemática da
identidade indígena, que resultaram em recentes Dissertações de Mestrado na área de
Antropologia na UFPE por Vânia Fialho sobre os Xukuru do Ororubá (PE) e Sílvia Martins
sobre os Xukuru-Kariri (AL). Com o mesmo objetivo, também há pouco tempo, foram
realizadas estudos sobre os Truká e os Atikum (ambos em PE), por estudantes de
Antropologia do Museu Nacional no Rio de Janeiro.
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presença indígena no lugar Riacho do Mato, para onde os aldeados da
extinta Aldeia de Escada foram transferidos.
Na terceira parte, no primeiro tópico é um esboço do quadro de
relações vivenciadas no novo aldeamento. Na tópico seguinte, foram
evidenciadas as várias estratégias de resistência para continuidade dos
indígenas no lugar, frente aos conflitos com invasores, omissão e
conivências das autoridades, etc. Neste processo desempenhou um
significativo papel o Maioral Manoel Valentim, como discutido no terceiro
tópico, pois mesmo com a decretação oficial do fim do Aldeamento do Riacho
do Mato atendendo interesses do avanço da lavoura canavieira, ocorreu a
continuidade da presença indígena naquele lugar.
A elaboração deste texto foi fundamentada leitura de obras sobre o
período e região em estudo, principalmente as pesquisas realizadas por
Peter Eisenberg e o de Cabral de Melo e estudos que fazem análises gerais,
embora mais especificamente sobre a temática indígena no Brasil no século
XIX como os publicados por Manuela Carneiro da Cunha e Carlos Moreira
Neto. Confrontando esses estudos com as informações em documentos
manuscritos e impressos no Arquivo Público Estadual (APE) de Pernambuco.
A redação da primeira parte resultou quase toda de pesquisa bibliográfica.
Para a segunda para foram utilizada principalmente as informações oficiais
contidas em correspondências destinadas ou enviados pela Diretoria de
Índios, Presidência da Província, Câmara de Vereadores da Escada, além de
Petições de Demarcação de Terras, Registros de Terras Públicas e outras
comunicações de autoridades envolvidas com a Aldeia da Escada.
A elaboração da terceira parte, teve por base às Petições de Índios,
documentação inédita onde apesar de muitos indígenas não saberem ler
nem escrever, apelando para redação de terceiros, expressaram através de
vários requerimentos, abaixo-assinados, ofícios, etc., enviados às
autoridades, a situação vivenciada no Aldeamento do Riacho do Mato.
Confrontou-se essa documentação com as informações oficiais, para melhor
compreender o contexto e as relações sociopolíticas na época, somando-se
ainda os ofícios das autoridades da Colônia Militar de Pimenteiras,
organizadas na coleção Colônias Diversas e a correspondência do Ministério
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da Agricultura, enviada a Presidente da Província de Pernambuco. Foram
ainda consultados os periódicos como o Diario de Pernambuco, o Jornal do
Recife e os Relatórios dos Presidentes da Província, pesquisando maiores
referências sobre a temática estudada no quadro geral do século XIX.
Como afirmado, com este estudo buscamos evidenciar a presença
indígena no Brasil no século XIX, especificamente em Pernambuco, no
momento quando o citado crescimento da produção açucareira com a
modernização da indústria do ramo, ocorreram com grandes custos sociais,
inclusive para os indígenas que tiveram dentre os direitos negados, até o de
estarem presentes como protagonistas em análises da história do período.
Passados mais de 500 anos do início da Colonização, pela primeira vez na
História do Brasil, reconheceu-se na Constituição Federal em vigor desde
1988, no Artigo 231 que “São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.”
É bastante conhecido o saldo entre a letra da lei, os interesses e as
práticas indigenistas, principalmente as oficiais, nos exemplos do caso dos
Yanomami e dos conflitos por questões de terras nas diversas áreas
indígenas no Nordeste e em Pernambuco. Em substituição ao caduco
“Estatuto do Índio” de 1973 por estar em flagrante confronto com a
Constituição de 1988, em ritmo de Revisão Constitucional tramita no
Congresso com um sem número de emendas e remendos, o novo “Estatuto
das Sociedades Indígenas”. Estando no jogo das discussões o quase total
desconhecimento da biodiversidade, como também a grande
sociodiversidade dos povos indígenas no Brasil, uma grande fonte de
aprendizados de conhecimentos milenares para nosso presente e futuro. É
preciso entender que “não é a marcha inelutável e impessoal da história que
mata os índios: são ações e omissões muito tangíveis, movidas por
interesses concretos.12
- 21 -
Com esse estudo desejamos contribuir para as pesquisas sobre
história indígena no Brasil, para além dos primeiros anos da Colonização,
como comumente ocorre. Contribuir para ao conhecimento histórico acerca
das relações entre os índios e não-índios, no Nordeste e especificamente em
Pernambuco. Sendo ainda um subsídio em solidariedade com os povos
indígenas, apoiando às suas mobilizações e reivindicações na conquista e
garantia dos negados direitos históricos, para novas práticas da possível
convivência entre diferentes expressões étnicas. Que a História seja nossa
mestra!
- 22 -
Mapa Aldeia de Escada
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O LUGAR DO ÍNDIO:
IMAGENS NO SÉCULO XIX
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indígena Tupi (Guarani) era o personagem principal. Este estava
representado nos painéis das casas nobres e nas estátuas dos seus jardins,
nas fachadas e arquitetura dos edifícios, na pinacoteca nacional a Escola de
Belas Artes. Cantados, exaltados, os indígenas tiveram as línguas estudadas
desde D.Pedro II, foram objetos de pesquisas etnográficas, estudando-se o
folclore, as fábulas, etc. “Imaginou-se confundir brasileirismo, a nação
histórica com antepassados aborígenes” (SODRÉ, 1988, p. 273). O próprio
manto do Imperador era trabalho indígena, confeccionado com penas de
papos de tucanos (AMOROSO; SAÈZ, 1995, p. 251).
A elite política da época encarnou o espírito indianista. Os abrigados
na Maçonaria eram conhecidos por cognomes indígenas, como José
Bonifácio que nas reuniões do Apostolado Maçônico chamava-se “Tibiriçá”,
proprietário do Jornal “O Tamoio”, opositor a Dom Pedro o Grão-Mestre
maçônico, intitulado “Guatimozin”, homenagem ao líder indígena da
resistência ao colonialismo na América Espanhola. Por todo o Brasil o
“grande furor nativista” motivou que nomes indígenas também fossem
incorporados nas famílias nobres da época, assim surgiram os Buritis,
Muritis, Juremas, Jutais, Araripes. E em Pernambuco além da família
Carapeba, seguindo a tendência nativista, outras famílias adotaram os
sobrenomes Brasileiro, Pernambucano, Maranhão. (FREYRE, 1984, p. 452).
Na Literatura o cultivo de uma imagem simbólica para o novo Estado-
Nação, a questão da marginalidade imposta aos indígenas na época foi um
tanto desconsiderada. Na perspectiva do Romantismo, os autores se
dedicaram a reler em tom épico o passado histórico do Brasil. Quanto a
violência imposta aos indígenas pelos colonizadores, o Romantismo
deixando-a de lado, exaltou a bravura indígena, a resistência e a morte
heróica, como expressou Gonsalves Dias em seus poemas. Todavia, a
diversidade do movimento romântico, provocou formas diferenciadas de
abordagens pelos vários autores. Exemplo disso foi uma polêmica ocorrida
entre o poeta Gonsalves Magalhães e José de Alencar, quanto às fontes
para a inspiração literária. Essa polêmica demonstrava além das
compreensões sobre história na época, como também as estreitas relações
entre o Romantismo e a política, sendo as imagens indígenas cultivadas no
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movimento romântico e os reflexos posteriores sobre a política indigenista
oficial.
O poeta Magalhães foi duramente criticado através de cartas
publicadas no Diário do Rio de Janeiro com o pseudônimo “Ig”, cuja autoria
era José de Alencar. O autor da “Confederação dos Tamoios”, publicada em
1856, uma epopéia da nacionalidade onde aparecia “uma galeria inteira de
personagens históricos indígenas, portugueses e franceses (AMOROSO;
SAÈZ, 1995, p. 244), foi criticado pelo jovem Alencar sob acusação de
inspirar-se em relatos de cronistas dos séculos XVI e XVII, desconhecendo a
realidade histórica do país. Intelectuais românticos abrigados no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado e com participação ativa de
D. Pedro II, e o próprio, saíram em defesa de Gonsalves Magalhães. Ocorria
o conflito de duas gerações de escritores românticos, “o jovem Alencar
anunciava o seu desejo de produzir uma nova concepção de brasilidade”,
recusando assim “o modelo classicista de Magalhães que procedia a
aclimatação das musas européias para contar a epopeia nacional”
(ALONSO, 1995, p. 247). Tratava-se de diferentes concepções de imagens
acerca dos indígenas no século XIX.
Gonsalves Dias poeta maranhense autor na época da celebrizada
“Canção do Exílio”, foi recebido triunfalmente no Rio de Janeiro e acolhido no
IHGB, tornando-se estudioso da História do Brasil. O exercício do emprego
público possibilitou afastar-se da inspiração romântica francesa e aproximar-
se dos indígenas concretos. Como funcionário do governo teve a
oportunidade de fazer viagens em 1859 e 1861 às Províncias do Norte, onde
conheceu mais de perto os índios, resultando na produção do seu poema
mais conhecido “Y-Juca Pirama”. Viajou também a Europa, onde capacitou-
se para pesquisas etnográficas, estudando craniologia, galvanoplastia,
fotografia, Física e Fisiologia.
Conhecimentos destinados aos estudos sobre os indígenas quando
retornou ao Brasil (AMOROSO; SAÈZ, 1995, p.245-246), produzindo
relatórios etnográficos lidos em sessões do IHGB. Aliás foi neste local onde
ocorreu em meados do século XIX, um acirrado debate entre os advogando a
História e os defensores da Literatura. Discutiam sobre a viabilidade do
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indígena representar a nacionalidade brasileira. Em 1852, Adolfo Varnhagen
solicitou ao Imperador tomar uma atitude diante do indianismo de Gonsalves
Dias, por este possuir “idéias que acabam por ser subversivas”, em uma
literatura exprimindo a imagem do indígena como representante da
“brasilidade” (GUIMARÃES, 1981, p.14-12).
A produção literária do Romantismo atingiu maior vigor entre as
décadas de 1840 e 1860, tendo em Gonsalves Dias e José de Alencar os
maiores representantes. As obras alencarianas “O Guarani” publicado em
1857 nos folhetins do jornal Correio Mercantil do Rio de Janeiro, e também
“Iracema” (1865) e “Ubirajara” 1874), alcançaram grande sucesso junto ao
público. A oposição entre a imagem do índio domesticado (integrado), manso
e a imagem do “bárbaro” (feroz), está presente nas obras desse período.
Alencar representou essa dualidade entre o Tupi como imagem do índio
assimilado e o bárbaro simbolizado pelos Aimorés, no romance “O Guarani”.
O próprio autor justificava a imagem: “N’O Guarani o selvagem é um idéia
que o escritor intenta poetizar, despindo-o da crosta grosseira de que o
envolveram os cronistas, e arrancando-o ao ridículo que sobre ele projetam
os restos embrutecidos de quase extinta raça” (NICOLA,1994, p. XV). O Tupi
(Guarani) representado é a imagem do índio dócil, sem oferecer perigo,
enfim supostamente submisso, em oposição aos chamados de
“embrutecidos”, o índio bárbaro, simbolizado pelos Aimorés.
Como símbolo da nacionalidade, a imagem do indígena, mais
precisamente do Tupi (Guarani) expressada pelo Romantismo aparecerá
como representação do Brasil na diversas caricaturas políticas em muitos
periódicos ao longo do século XIX13, intitulará também vários jornais
publicados em Recife:” O Tupinambá” (1832), “O Indígena” (1836), “O
Indígena” (1843-44), “Iracema” (1882), “O Tamoyo” (1890-93).14 O indígena
foi representado tanto como imagem heroica, de bravura contra o
colonizador português, servindo para nomear jornais de oposição, quanto
Pernambuco (APE).
- 27 -
como releitura histórica idílica para favorecer aos grupos políticos da
situação.
Nessa perspectiva as obras de José de Alencar, expressaram uma
idealização e mitologização da História do Brasil, onde o horizonte evidente
era a civilização (branca) e suas instituições. As relações dos personagens
Peri e Iracema com o agente colonizador português na obra alencariana,
foram estabelecidas em uma releitura idílica da colonização, para exaltação
heróica de imagens a serem perpetuadas na memória coletiva da
nacionalidade brasileira. A imagem do indígena assimilado, porque
assimilando a civilização (colonização) (BOSI, 1992, p.177-179).
O escritor José de Alencar tornou-se o maior romancista do período
oitocentista. Através de suas obras indianistas publicadas em meados do
século XIX, o escritor cearense consolidava um projeto de descrever a
formação da identidade nacional. As imagens de ambientes indígenas,
pautavam-se por uma preocupação com a “verossimilhança histórica”, por
meio da caracterização dos lugares, hábitos e da própria história do país, em
um esforço de “recontar a própria história, buscando no passado traços da
nossa civilização” (ALONSO, 1995, p.248), estabelecendo um estreita
relação entre imagem indígena e nacionalidade. A idealização das imagens
indígenas compreendeu as necessidades do nacionalismo e do nativismo da
época: o Brasil independente que emergia de um contexto colonial.
O culto épico das imagens indígenas pelo Romantismo literário foi
ironizado por João Francisco Lisboa:
- 28 -
muçuranas, janúbias e maracás (apud CANDIDO, 1975,
p.19).
- 29 -
Tupis e os Tapuias têm caracteres comuns pronunciados”. Quando
comparou-os com a cor e o crânio da raça mongólica da Ásia, escreveu o
que os distinguia principalmente, “é o fato dos Tapuias terem membros mais
robustos, estatura mais elevada e um aspecto, até certo ponto, mais
humano” (RUGENDAS, 1979, p.100).
Nas considerações históricas e as várias descrições de “Usos e
costumes dos índios”, acompanhando as estampas coloridas publicadas por
Rugendas, estão expressas outras imagens onde o autor escreveu: “os
índios não são homens em estado natural e não são selvagens, mas sim que
retrocederam ao estado de selvageria, porque, foram rechaçados
violentamente do ponto a que haviam chegado” (RUGENDAS, 1979, p.104).
Para Rugendas os indígenas estavam reduzidos a uma imagem de
brutalidade, resultado das violentas guerras da colonização. Essa imagem de
total brutalidade indígena, para o artista, destruiu a capacidade de civilização
do índio. O pintor alemão pôs em dúvidas o estado de desenvolvimento físico
e intelectual do indígenas e afirmou que “seria injusto, entretanto, considerar
os índios como depravados; eles não tem nenhuma idéia moral dos direitos e
deveres. A exceção de suas necessidades, sua vida pouco difere das dos
animais selvagens, com os quais partilham das florestas primitivas”
(RUGENDAS, 1979, p. 159).
Quanto as imagens indígenas pintadas nas estampas de Rugendas,
observa-se uma uniformidade nos traços físicos dos rostos desenhados,
além de que as figuras humanas dos índios nus representadas seguem a
uma “concepção rousseuniana de homem primitivo” e segundo os padrões
de perfeição de beleza estética greco-romana. (HARTMANN, 1975, p. 81-
85). As observações dos quadros produzidos por Rugendas onde os
indígenas foram pintados de formas assemelhadas com tipos da época do
Rei francês Luiz XIV, revelando a projeção a partir do horizonte europeu das
imagens como o artista-viajante retratou os indígenas e os descreveu em sua
obras. Significativa foi a declaração do próprio Rugendas: “Mais de uma vez
acontece ao viajante, por na boca do índio a resposta que deseja obter, ou
explicá-la de acordo com suas ideias próprias” (RUGENDAS, 1979, p. 160),
- 30 -
evidenciando, os condicionamentos, as imagens pré-concebidas acerca dos
indígenas, expressas pelos viajantes no Brasil no século XIX.
Por outro lado, ocorreu ainda uma correlação entre indianismo e
sertanismo, estilos literários que se sucederam. O sertanismo procurava
descrever o Brasil verdadeiro, original e puro do interior, transferindo ao
sertanejo, ao habitante do interior, ao trabalhador da terra, o dom de exprimir
o Brasil (SODRÉ, 1988, p. 323). Em “O Sertanejo”, obra de José de Alencar
publicada em 1875, Arnaldo personagem principal do enredo foi apresentado
como homem arredio, bom, simples e servidor. O primeiro vaqueiro de uma
fazenda, figura excepcional e misteriosa, com o pleno conhecimento e
domínio da Natureza, tendo hábito de dormir no alto de árvores na mata,
cercado de animais selvagens, sabendo distinguí-los como ninguém. Ao final
deste romance, há um diálogo significativo. Arnaldo conversando15 com o
fazendeiro, seu patrão:
15Aedição da qual transcrevemos o diálogo foi publicada pela Editora Ática, São Paulo,
1975, p.203.
- 31 -
“Confundidos com a massa da população”
- 32 -
uma das atribuições do Diretor Geral dos Índios de cada Província o
emprego de todos “os meios lícitos, brandos e suaves” para aldear os índios
e também “promover casamentos” entre os indígenas “e pessoas de outra
raça” (apud, BEOZZO, 1983, p.171).
A imagem do indígena em “um estado secundário” (MARTIUS, 1982,
p.11) foi defendida, como fez o pintor Rugendas, por Martius naturalista
viajante pelo Brasil de 1817 a 1820. O cientista bávaro comentava ainda: “Os
mais ilustres estadistas do Brasil, já chegaram a conclusão de que nenhuma
vantagem permanente obterá o país com a fundação de novas aldeias, pois
não correspondem ao seu custeio, e ainda menos ao aumento da população,
pois se crê, em geral, que a raça indígena desaparece aos poucos” (SPIX;
MARTIUS, vol. III, p.44). Martius mesmo residindo na Alemanha, tornou-se
sócio-honorário do IHGB, ocupando um lugar entre os “homens de sciencia”
(SCHWARCZ, 1993, p.23) no Brasil do século XIX.
Em 1843, com a Dissertação “Como se deve escrever a História do
Brasil”, o naturalista alemão conquistou o primeiro lugar em concurso
instituído pelo IHGB na apresentação do melhor plano para escrever a
História do país. No texto premiado, Martius afirmava serem os indígenas
“ruínas de povos” (grifado no original) (MARTIUS, 1993, p. 93), estimulando
as pesquisas etnográficas e lingüísticas para a aquisição de conhecimentos
sobre os indígenas. As idéias do naturalista alemão e os critérios que propôs,
influenciou decisivamente a intelectualidade da época e posterior, nos
estudos a respeito da História do Brasil.
Assim, Francisco Varnhagen, sócio e secretário do IHGB, foi um dos
seguidores do pensamento do naturalista alemão, ao adotar na elaboração
de sua “História do Brasil”, as propostas metodológicas contidas na
dissertação premiada de Martius. O historiador Varnhagen publicou estudos
sobre Linguística, Arqueologia, Etnografia e mitologias indígenas, levando ao
extremo as idéias de Martius sobre a degeneração dos índios, ao defender o
emprego da violência no trato com os indígenas, ao afirmar “longe de
condenarmos o emprego da força para civilizar os índios, é forçoso convir
que não havia outro algum meio para isso” (apud, LISBOA, 1984, p.237).
- 33 -
Em uma polêmica com João Francisco Lisboa a respeito das
referências aos indígenas na obra “História do Brasil”, o pesquisador
Varnhagen publicou em 1867 o texto “Os índios bravos e o Sr. Lisboa”, onde
transcreveu trechos de um discurso do Senador Dantas Barros Leite,
conhecido na época por posições anti-indígenas extremadas. O Senador
alagoano discursando em plenário, declarava o desejo de reviver uma
“guerra aos índios”, afirmava ser contrário aos aldeamentos, pois estes
significavam “colônias de ladrões e assassinos” e “o barbarismo armado”
contra a civilização, de “selvagens” a “perturbarem a sociedade com suas
inclinações ferozes”. O Senador via a “organização physica” dos indígenas
impedida de “progredir no meio da civilização” e assim condenada a
desaparecerem (apud, MOREIRA NETO, 1988, p.335-338)
As imagens de degeneração foram vinculadas ao desaparecimento
dos indígenas, servindo ambas como argumento para a negação da
identidade étnica e a afirmação da mestiçagem das populações indígenas.
Essa afirmação legitimava as tradicionais invasões nas terras habitadas
pelos indígenas, esbulhos ampliado depois da Lei de Terras de 1850, por
particulares ou pelo Estado, em esbulho das terras das aldeias, favorecidos
por mecanismos legais. Em 1861, O Governo Imperial solicitou através de
circular às Diretorias das Terras Públicas e Colonização nas Províncias,
informações para organização do serviço de catequese indígena.
No questionário enviado, dentre outras questões a serem
averiguadas, constava os costumes característicos de cada povo indígena, o
“desenvolvimento intelectual e moral”, as relações dos aldeamentos com as
populações circunvizinhas e quais os índios seriam dispensados da tutela
dos Diretores para demarcação de parte das terras em lotes destinados às
famílias indígenas e outra parte a ser vendida em hasta pública.17 Em 1869, o
Conde de Baependy informava que o Aldeamento da Escada fora extinto,
“porque os poucos índios que ali habitavam achavam-se já confundidos na
- 34 -
massa geral da população”, razão pela qual o governo da Província
determinara a extinção.18
A imagem do indígena como trabalhador foi evidenciada nas
discussões sobre a viabilidade da mão-de-obra de colonos imigrantes para a
lavoura. O Diretor Geral dos Índios da Província de Pernambuco,
comentando sobre a proposta de remoção dos índios da Aldeia da Escada
toda invadida pelos senhores de engenho, para o lugar Riacho do Mato, em
terras da Colônia Militar de Pimenteiras, afirmava existirem no local terras
disponíveis para colonização de imigrantes podendo os índios serem
utilizados como “trabalhadores braçais” a serviço dos colonos, declarando
ainda, “As nossas aldeias de índios estão povoadas de proletários”. 19
O jurista Perdigão Malheiro afirmava que o Governo para promover a
substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, “não deixasse de insistir
em aproveitar também os destroços da raça indígena”, diante das dimensões
dos país a escassez e necessidade de braços (MALHEIRO, 1976, p.243),
declarando também que devia-se “facilitar” de forma a “mais breve possível
que eles (os indígenas) se confundissem na massa da população”
(MALHEIRO, 1976, p. 247). Os debates a respeito da mão-de-obra para a
lavoura e o futuro do país, ocorria desde os anos 1840 no interior do IHGB,
entre os defensores da imigração dos colonos europeus e os favoráveis a
utilização dos indígenas como força de trabalho em substituição a negra
escravizada (GUIMARÃES, 1988, p. 21), uma imagem acerca do indígena
também de caráter integracionista sendo o General Couto de Magalhães, um
dos maiores, senão o maior promotor.
Em 1876, Couto Magalhães cumprindo determinação de D. Pedro II,
realizou um estudo científico sobre “a língua Tupi e a descrição das origens,
costumes e religião dos selvagens”, publicado sob o título “O Selvagem” e
preparado “para figurar na biblioteca americana da Exposição Universal da
Filadélfia”. No estudo, o General citou os indígenas como imagem de “raça
- 35 -
bárbara” em oposição a raça civilizada, naturalmente por representada Couto
Magalhães. O militar no texto, defendeu a imagem do índio civilizado, pacífico
e cristão. Reconhecendo “o imenso poder do homem bárbaro” e a
“selvageira”, advogou a catequese indígena e o investimento no
aproveitamento da mão-de-obra indígena para o país, “mais um milhão de
braços aclimatados e utilíssimos na indústrias pastoris, extrativas e de
transportes internos, únicas possíveis por muitos anos no interior”.
O General construía assim a imagem do índio trabalhador, do índio
potencializador do progresso econômico nacional e além do indígena recluso
a espaços possibilitando “conquistar duas terças partes do nosso território,
que ainda não pôde ser pacificamente povoado por causa dos selvagens”
(MAGALHÃES, 1975, p.13-17). As várias imagens acerca dos indígenas a
partir de meados do século XIX estão relacionadas com os subterfúgios
utilizados para legitimação de esbulhos das terras indígenas. Por outro lado,
também, a grande lavoura diante das pressões e restrições crescentes ao
uso da mão-de-obra negra escravizada tinha nos indígenas, uma
possibilidade de substituição para o trabalho livre.
- 36 -
1875 atacou o Romantismo de Alencar. A crítica de Nabuco representava os
confrontos de duas gerações, de diferentes projetos políticos das elites para
o Brasil. O autor de “Iracema” concebia a nacionalidade como resultado da
formação histórica do país, constituindo uma civilização enraizada nas
diferentes matizes culturais, onde o indígena era a expressão ímpar das
origens americanas. Joaquim Nabuco por sua vez, defendia uma vinculação
entre progresso e civilização, com país inserido no movimento mundial,
configurado no novo contexto das relações capitalistas, onde o Brasil deveria
superar uma “consciência de atraso”, frente ao mundo civilizado europeu
“democrático e capitalista” (ALONSO, 1995, p. 242).
As imagens indígenas cultuadas pelo Romantismo passaram a
simbolizar o atraso do país. O Brasil ainda era “terra de botocudos e aimorés”
(apud, FONSECA, 1994, p.86), como afirmava o abolicionista, monarquista e
engenheiro negro André Rebouças em carta ao amigo o compositor Antonio
Carlos Gomes, que mesmo após ter estreado com grande sucesso no Rio de
Janeiro a ópera “O Guarani”, desejava retornar a Itália, onde morava e
continuaria a trabalhar. Apesar das teorias racistas chegarem no Brasil com
atraso, a partir de 1870, quando estavam em descrédito na Europa
(SCHWARCZ, 1993, p.41), foram porém dominantes em nosso país até os
primeiros trinta anos do século XX, na busca de uma resposta explicativa
para uma identidade nacional, nas concepções das imagens indígenas.
Apoiadas nos argumentos científicos-filosóficos, baseados na
hereditariedade e nas influências do meio para justificar a superioridade da
raça branca européia sobre os outros povos, foram introduzidas no Brasil na
corrente das novas idéias do Liberalismo, da ciência e do progresso da
civilização, empolgando a intelectualidade brasileira.
A recepção das teorias raciais e dos pressupostos para explicações
das diferenças e desigualdades entre as raças, constituiu-se todavia, em um
problema para os pensadores brasileiros. Frente aos paradigmas das teorias
raciais, como explicar a participação histórica e a inegável presença das
chamadas raças indígenas e negras na formação social do Brasil? Além do
mais e, sobretudo, como advogar uma superioridade de uma pretensa
pureza racial no Brasil, onde quase nenhum membro das famílias tradicionais
- 37 -
de uma suposta elite ariana, podia negar na ascendência familiar a
miscigenação negra e indígena? Os modelos deterministas raciais embora
muito aceitos no Brasil, foram adaptados e não simplesmente copiados pela
intelectualidade do país, às peculiaridades da realidade multirracial local. As
teorias raciais encontraram acolhida em diferentes centros de pesquisas e
instituições de ensino, bem como no universo dos museus, nas revistas e
outras publicações científicas.
Os estudos de Etnologia e de Antropologia estabeleceram as
relações entre barbárie, criminalidade, degeneração, doença e inferioridade
racial das “sub-raças” negra e indígena. Foi afirmada a imagem de barbárie
associada ao “índio botocudo”, intensificou-se as pesquisas científicas
oficiais sobre os índios: a imagem do índio “botocudo” como paradigma
explicativo para as origens e desenvolvimento da espécie humana.
Reafirmou-se a imagem do “botocudos” atribuída a todos os povos
indígenas, habitantes nas matas, no interior do país, chamados de selvagens
ao resistirem as frentes colonizadoras invasoras nos territórios onde
habitavam. Como “índios da ciência”, foram examinados muitos crânios de
“botocudos” em estudos no Museu Nacional.
A defesa da mestiçagem, fusão das raças negra e indígena com a
raça branca, como caminho para o branqueamento da raça, foi a solução
encontrada com a adoção das teorias raciais deterministas diante da
realidade multirracial no país. Com a proposta da miscigenação, reafirmou-se
o indígena e o negro com imagens de raças inferiores. No campo das idéias
literárias, a partir da década de 1870 com a virada antirromântica, um dos
maiores expoentes foi Sílvio Romero, crítico vinculado a Faculdade de Direito
de Recife, um dos grandes centros de debates das teorias raciais, frente a
realidade multirracial e na defesa da mestiçagem para explicar o país.
Com a ascensão da literatura realista e naturalista influenciada pelos
pressupostos raciais deterministas, em oposição ao Romantismo e ao
indianismo, ocorreu a exaltação das imagens do mestiço e portanto, as
imagens negras e indígenas foram deixadas de lado nos escritos literários:
“O mestiço é o produto fisiológico, étnico e histórico do Brasil; é a forma nova
de nossa diferenciação nacional” (ROMERO, 1980, p.120). Ao longo do
- 38 -
século XIX existiram uma diversidade e pluralidade de imagens a respeito
dos indígenas, essas imagens corresponderam aos diferentes momentos
políticos e as mudanças sociais ocorridas no país, expressando as
oposições entre o Tupi como símbolo da nacionalidade e o Tapuia como
bárbaro, selvagem. Entre o índio dócil, catequizado, integrado a civilização e
o índio feroz, sem sentimentos, a ameaçar a civilização. Oposição entre o
aldeamento e a selva, entre o ócio a liberdade e o trabalho, entre o atraso e o
progresso, entre a degeneração e a civilização...
Imagens expressando o etnocentrismo nos vários discursos
construídos, a partir da suposta supremacia da raça branca, representante
da obra redentora da civilização. Imagens a respeito dos indígenas,
justificadas com os pressupostos científicos-filosóficos, através das teorias
explicativas das diferenças e desigualdades raciais, para legitimaram a
ordem social vigente, as tradicionais práticas das invasões territoriais, a
negação dos direitos históricos e a dispersão de alguns povos indígenas,
enquanto outros, como será visto, reinventavam as vidas a partir das
próprias imagens.
- 39 -
O ÍNDIO SEM LUGAR:
"USURPAÇÕES", "VEXAMES" E"ESBULHOS"
DAS TERRAS DA ALDEIA DE ESCADA
- 40 -
DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 1954, vol. I, p.316). Embora em 1727 tenha
sido deferido favoravelmente com a doação das quatro léguas em quadro o
requerimento dos índios, apenas uma légua foi concedida, como
demonstrado as referências históricas posteriores.21
Em 1744, o "Capitão mór e mais Índios da Aldeia de N.Sra. da
Escada", compraram de José Pereira Conha, uma légua de terra em quadro
"na Serra da Rolla, distrito de Ipojuca" (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E
CULTURA, 1959, vol. IV, p. 49-50). Os índios da Aldeia de Escada passaram
portanto, a possuir duas léguas de terra em quadro, como informava um
documento do século XIX: uma légua quadrada de terra, que possuía "por
espinhaço o rio Ipojuca", dividindo-a ao meio, ou seja, no sentido Norte e Sul
"duas mil e quatrocentas braças de comprimento, e mil e duzentas de
largura" e além dessa terra, possuíam os índios uma outra légua de terra em
quadro, "por compra que fizeram, no lugar denominado Rôla”, a uma
distância de duas léguas da Aldeia da Escada .22
Situada a dez léguas do Recife, na Comarca de Vitória de Santo
Antão, a Aldeia de Escada em 1861 era considerada "a mais rica da
Província" de Pernambuco, por estar localizada em "terrenos de grande
uberdade e subido valor”. A reconhecida fertilidade de Escada, em uma
região com matas virgens e bastante irrigada por rios, possibilitava uma vida
economicamente estável aos indígenas, onde a maior parte deles possuíam
"casa de telhas e lavouras", alguns com uma condição de vida considerada
mais que "mediana", sendo inclusive o índio José Francisco Ferreira "senhor
de dois Engenhos de assucar" os denominados Boa Sorte e Cassupim,
"fundados em terras da Aldeia e costeados por índios da mesma". 23
21 APE, Cód. DII-10, fl. 198, em 29/12/1849; Cód. Ef-2, fls. 104-107, em 09/06/1850; Cód.
JM-10, fl. 229, em 17/06/1853. Essa documentação registra que a Aldeia da Escada
possuía duas léguas de terras em quadro. Uma légua recebida por concessão da Coroa
Portuguesa e a outra, através de compra efetuada pelos indígenas.
22 Idem.
23 Ofício do Diretor Geral dos Índios, Barão de Guararapes, em 4/12/1861, ao Presidente da
- 41 -
Em uma "Relação Nominal dos Índios existentes na Aldeia da
Escada", elaborada em 1861 por Thomaz Rodrigues Pereira24, então
Secretário da Diretoria-parcial da Aldeia da Escada, contém os nomes de 95
pessoas: sendo 58 homens casados, 23 solteiros, 12 viúvos com e sem
filhos e, mais os nomes de duas mulheres viúvas com filhos.
Quadro – 1
N.º de pessoas Locais %
(inclui filhos e esposo/a)
94 Arraial das Minas* 32,20
05 Engenho Barra 1,71
59 Engenho Cassupim** 20,20
06 Engenho Boa Sorte 2,05
09 Riacho do Matto*** 3,00
01 Engenho Barreiros 0,34
11 Engenho Armonia 3,76
02 Engenho Água Sumida 0,68
21 Engenho Caipora 7,20
17 Escada 5,82
11 Engenho Fortaleza 3,76
02 Engenho S.Elias 0,68
01 Taquara 0,34
01 Engenho Escada 0,34
04 Engenho Maracujá 1,40
10 Engenho 2 Barras 3,42
07 Engenho Sapucagi**** 2,40
01 Engenho Limão 0,34
05 Engenho Limoeiro 1,71
13 Engenho Viração 4,45
12 Engenho Canto Escuro**** 4,10
Total:292 100
*Possivelmente esse é o mesmo local denominado "Propriedade das Minas", por indígenas denunciando invasão de
suas terras, ao presidente da Província por Requerimento de 28/11/1868.
**Com famílias numerosas: 9 pessoas.
***Para onde os indígenas mudaram-se com a extinção da Aldeia da Escada.
****Com famílias de 7 pessoas. Também registradas nos Engenhos Caipora e Cassupim .
- 42 -
Por esta "Relação Nominal", a população indígena totalizava em 292
pessoas. As famílias relacionadas possuíam ente 2 a 5 filhos, existindo casos
de famílias maiores com até 7 filhos. As duas índias viúvas, Josefa Maria da
Conceição e Margarida Francisca, tinham 6 e 4 filhos respectivamente.
Quanto aos locais de moradia, estavam assim distribuídos. Como observado
no quadro acima, depois do Arraial das Minas, o Engenho Cassupim do
indígena José Francisco Ferreira, era a segunda maior concentração de
indígenas em Escada, estando os demais índios espalhados pelos diversos
outros engenhos e locais de Escada. Na "Relação", observa-se 17 pessoas,
habitando em Escada, origens e centro da ação dos Padres Oratorianos,
quando fundaram a missão religiosa destinada a catequese.
Outra relação nominal de 1864, elaborada na presença do Diretor
parcial da Aldeia da Escada, o Ten. Coronel André Dias de Araújo, o
advogado, e o Maioral Manoel Rodriguez da Paz, consta 51 nomes de
homens casados, solteiros e viúvos, e foi afirmado pelo Maioral que além dos
índios relacionados "existiam mulheres e crianças".25 A visível diminuição do
número dos indígenas em comparação com os listados na relação de 1861,
é possivelmente explicável por terem sido incluídos nesta segunda lista
datada de 1864, os indígenas dispersos morando nos engenhos mais
distantes. Esta possibilidade, apoia-se na leitura do conteúdo de um ofício
enviado posteriormente à lista, pelo Diretor-parcial da Aldeia da Escada, ao
Diretor Geral dos Índios da Província, sobre as invasões sistemáticas das
terras indígenas "cada vez estreitão mais os terrenos que os índios cultivão",
e em conseqüência, "alguns tem se retirado da aldeia procurando
estabelecer-se nos engenhos",26
- 43 -
Com "terrenos uberíssimos" e "homens gananciosos": os
senhores de engenho e os esbulhos das terras indígenas em
Escada.
27Ofício do Juiz Municipal de Órfãos de Vitória de Santo Antão, op. cit., fl.229.
- 44 -
tornaram irrisórios, caracterizando ao longo dos anos, os esbulhos das terras
indígenas. A documentação pesquisada registrou outros casos de recusa do
pagamento dos arrendamentos e um dos casos de "rendas vencidas",
comunicado a Presidência pelo Diretor Geral dos Índios, foi protagonizado
pelo Cel. Barros, proprietário dos Engenhos Firmeza e Canto Escuro,
construídos nas mil braças concedidas por arrendamento pelo Governo
Imperial, que se negou a pagar por achar elevados os valores cobrados,
recorrendo à Justiça.28 Outros rendeiros, como o dono do Engenho Três
Braças, antecipando-se às medições realizadas em Escada por
determinação do Governo Imperial, solicitou irregularmente ao Presidente da
Província a "medição particular" da posse ocupada, invasão que fizera nas
terras indígenas.29
O Diretor Geral dos Índios da Província, o Barão de Guararapes, no
"Relatório" sobre as aldeias apresentando em 1861, afirmava ter aumentado
as históricas invasões na área indígena em Escada, "que actualmente se
acha reduzida a menos ainda" pelos invasores "atraídos pela riqueza dos
terrenos". Informava ainda o Diretor Geral que nas "tão prometedoras terras
deu lugar ao levantamento de desesseiz engenhos de fazer assucar pelos
rendeiros dos mesmo", terras concedidas para arrendamento pela Diretoria
de Índios anterior, além dos engenhos citados existiam "trinta e oito
pequenas propriedades que como aqueles absorvem quasi todo o terreno de
que a Aldeia esta de posse", e reconhecia por isto ser "necessário destinar
alguns sítios para o trabalho dos Índios".30
Em ofício Enviado ao Presidente da Província, em fins do mesmo
ano, o Diretor Geral dos Índios, reafirmava a ocorrência de invasões nas
terras da Aldeia de Escada. As terras estavam uma "parte invadida" e outra
"parte arrendada", onde foram construídos engenhos e restava aos índios,
- 45 -
"uma pequena porção insuficiente para seus trabalhos agrícolas". 31
Comunicava também o Barão de Guararapes ter realizado um levantamento
dos terrenos arrendados e constatado os baixos preços pagos. A
continuidade das invasões foi confirmada no anteriormente citado ofício
enviado pelo Diretor-parcial da Aldeia da Escada, em 1864, ao Barão de
Guararapes. Em conseqüência das perseguições impostas pelos invasores,
cada vez estreitavam os terrenos cultivados pelos indígenas, muitos
abandonaram seus antigos locais de moradia, indo se estabelecerem em
terras de engenhos.32
Os índios residentes em locais mais afastados do núcleo central da
Aldeia, onde implantou-se a missão religiosa e surgiu o Povoado da Escada,
identicamente tiveram seus terrenos invadidos e enfrentaram perseguições.
Em 1868 o índio Manoel Ignacio da Silva, "casado e com quatro filhos
menores", dirigiu um Requerimento ao Presidente da Província em seu nome
e "em nome de seos companheiros índios aldeados na Freguesia da
Escada", solicitando a intervenção da Presidência para evitar não serem "elle
e seos companheiros esbulhados dos terrenos" no lugar conhecido como
"Propriedade das Minas".
No Requerimento afirmava Manoel Ignacio que por possuírem os
índios da Escada "Vastos e uberríssimos terrenos", tinham "sido absorvidos
por homens cobiçozos”. Os indígenas moradores em "Minas", organizaram-
se após ameaças da perda total das terras para o proprietário do Engenho
Amizade, este prejudicou as plantações dos indígenas com as águas
represadas de um açude que construíra no local, e pretendia "apropiar-se
completamente dos terrenos e deitar n'elle moradores como já o declarou".
Por sentirem-se "indefezos" e sem recursos financeiros "para fazerem
effectivo o seo direito" na Justiça, Manoel Ignacio solicitava providências ao
Presidente da Província.33
- 46 -
Em resposta a consulta do Presidente da Província a respeito do
Requerimento dos Índios moradores na "Propriedade das Minas", o Diretor
Geral Interino dos Índios Antonio Marques de Holanda Cavalcanti,
proprietário dos Engenhos Barra, Fortaleza, Taquara, Diamante e Mameluco,
todos em Escada, afirmava que o "estado de confusão" dos limites dos
terrenos ocupados por índios e rendeiros, não lhe permitia "conhecer a
veracidade" do alegado pelo suplicante e nem mesmo dos direitos por este
possuído.34 Reconhecendo que alguns rendeiros tinham "tendências" para
aumentar as posses, prejudicando "o direito de terceiro", o Diretor Geral
Interino defendia a extinção da Aldeia e a demarcação das terras, amparada
nos dispositivos legais vigentes, como solução para os conflitos.
34Ofício do Diretor Geral Interino dos Índios, Antonio Marques de Holanda Cavalcanti, em
14/12/1868, ao Presidente da Província, Conde de Baependi. APE, Cód.DII-19, fl.127.
- 47 -
em Escada. Ten. da Guarda Nacional; André dias de Araújo - Diretor-parcial
da Aldeia da Escada, proprietário do Engenho Noruega. Cap. da Guarda
Nacional; Candido José Lopes de Miranda - Major da Guarda Nacional; José
Sancho Bezerra Cavalcanti - dono dos Engenhos Alegria, Crimeia, ocupando
terrenos na Vila da Escada; Secretário: Thomaz Rodrigues Pereira,
ocupando terrenos na Vila da Escada; respondia também, pela Secretaria e
Tesouraria da Aldeia da Escada.35
Após à instalação, a Câmara Municipal enviou ofício ao Presidente
da Província, onde após afirmar estar a Vila da Escada situada nas terras da
aldeia indígena, solicitava por achar justo, que os arrendamentos pagos até
então e os futuros fossem "aplicados para o patrimônio da Municipalidade",
pois "todas as terras ao derredor da Vila eram pertencentes a Aldeia",
achando-se a Câmara impedida de fazer outra aquisição para seu
patrimônio.36 Em 1856 a Câmara solicitou nas terras indígenas um "terreno
para hum cemitério provizorio",37 destinado ao sepultamento das vítimas do
cólera, então propagando-se em Escada. No ano seguinte, a Câmara
Municipal informava a existência de "huma caza aberta" para depositar os
gêneros à venda em dias de feira e de "huma caza que serve de assouge",
construídas em terrenos da Aldeia.38 Em 1859, nas "Necessidades mais
urgentes" do Município, a Câmara incluía, "um terreno da Aldeia", solicitando
a intercessão da Presidência da Província junto ao Governo Imperial para
atender o pedido anterior.39 No mesmo ano, a Câmara informou o aumento
35, fl.256.
37 Ofício da Câmara da Escada, em 27/01/1856, ao Presidente da Província. APE, Cód. CM-
36, fl.73.
38 Ofício da Câmara da Escada, em 12/02/0857, ao Presidente da Província. APE, Cód. CM-
39, fl.47.
39 "Relação das necessidades mais urgentes deste Município da Escada da que se refere o
ofício que o Ex. Sr. Conselheiro Presidente da Província foi dirigido para Câmara em 12 de
março deste anno”. Of. da Câmara da Escada, em 15/03/1859, ao Presidente da Província.
APE, Cód. CM-43, fl. 46.
- 48 -
do aluguel exigido pelo proprietário da casa onde funcionava o legislativo da
Escada.40
O crescimento do povoado de não-índios nas cercanias do local
onde estava a Igreja da antiga missão religiosa junto aos indígenas, foi
estimulado pela implantação da Estrada de Ferro Recife-São Francisco. A
inauguração da Estação da Escada em 1860, trouxe perspectivas
promissoras, motivou os desejos de expansão do povoado para as
proximidades. No mesmo ano a Câmara Municipal da Vila da Escada, voltou
a solicitar terras para o patrimônio, isto porque estando a vila "situada no
Centro de uma aldeia", cujos índios ou teriam "desaparecidos" ou seriam em
número tão "diminuto", podendo sobreviver sem os rendimentos recebidos
pelos foros dos terrenos da Vila. A Câmara reivindicava a concessão de
patrimônio "em huma área quadrada de quatrocentas braças de cada face
formando um total de sessenta mil braças" (grifado no original),41 área está
onde deveria estar compreendida a Vila, possibilitando a Câmara promover
os "milhoramentos" e tornando-se útil aos munícipes, cumprindo as razões
da sua fundação. O Barão de Guararapes convencido das vantagens de um
povoado no lugar afirmava ter recebido da população muitos requerimentos
pedindo aforamento de "terrenos para edificação" na Vila da Escada. 42
Todavia, a disputa pelas terras da Aldeia de Escada evidenciou
interesses conflitantes. Vicissitudes expressas como na situação envolvendo
o Barão de Guararapes e o Engenheiro Henrique José da Silva Quintanilha,
quando ambos foram aforar a área próxima a Estação da Escada, designada
para implantação do novo povoado, e encontraram no local uma plantação
de canas no terreno que o Ten.Cel. José Francisco Farias Sales, rendeiro do
Engenho Sapocagi de Cima, afirmava ser de sua propriedade. Apesar de
inicialmente ser convencido pelo Barão de Guararapes do direito da Aldeia
sobre o terreno em questão destinado para o novo povoado, e ainda da
- 49 -
promessa de conservação da lavoura da cana até a época de colheita, o
Ten.Cel. Sales logo em seguida recuou, não mais aceitando as explicações
do Diretor Geral dos Índios, tendo o mesmo a partir daquele momento
ordenado a alguns índios arrancar as canas.
O Ten. Cel. Sales foi queixar-se e recebeu apoio do ex-Diretor Geral
Interino dos Índios e então Delegado de Polícia do Termo Cap. Antonio
Marques de Holanda Cavalcanti, também rendeiro em terras indígenas e
proprietário de engenhos, que dirigindo-se ao local do conflito e também não
aceitando as explicações do Barão de Guararapes, "mandando carregar as
armas", o declarou preso juntamente com os Índios e "todos os mais que alli
se acharão".43 Embora todos tenham sido levados à Delegacia, apenas os
índios foram os recolhidos a Cadeia pública da Escada, evidenciando mais
uma vez a violência explícita e o não reconhecimento dos direitos dos
indígenas.
"A política tem sido a força motriz d'esses acontecimentos", 44
afirmava o Barão de Guararapes referindo-se aos desmandos praticados
pelos senhores de engenho nas perseguições, invasões e esbulhos das
terras indígenas em Escada. Em 1857 a concentração de terras era a base
do poder para a ocupação de cargos públicos locais e influências políticas na
Província. A oligarquia açucareira da Escada, era formada por "um grupo de
oito famílias inter-relacionadas". A Família Lins de origens portuguesa que
chegara ao Brasil no início do século XVIII, nos quatro decênios finais do
século XIX ampliou as propriedades, com cerca de 30 engenhos somente em
Escada. A família Pontual era proprietária de 17 engenhos e um sítio. Os
Santos, com 16 engenhos, os Velloso da Silveira 12 e um sítio. A família Dias
9 engenhos, os Barros e Silva, eram proprietários também de 9 engenhos.
Os Alves da Silva e os Siqueira Cavalcante, com 5 engenhos
Cód.DII-19, fl.42
- 50 -
respectivamente. A família Araújo, da qual fazia parte o Diretor-parcial da
Aldeia da Escada, André Dias de Araújo, era proprietária de "11 plantações".
Os senhores de engenho em Escada dominavam a política local,
eram eleitos vereadores na Câmara Municipal, ocupavam os cargos de
Delegado de Polícia e no Judiciário. Em 1860, Antonio Marques Holanda
Cavalcanti, genro de Henrique Marques Lins, sendo o Delegado e os
subdelegados, Francisco Antonio de Barros e Silva e, João da Rocha Lins,
também da mesma família. Os três juntos possuíam nove engenhos. Ao
contrário dos juízes municipais e distritais em Escada, os Juízes de Paz a
maioria foram senhores de engenho. Eram ainda os membros das grandes
famílias proprietárias de engenhos, ocupantes dos postos de coronel, major
e capitão da Guarda Nacional em Escada, significando também uma força de
controle social.
Na década de 1860, Henrique Marques Lins, o patriarca da família
Lins, com o título de Tenente Coronel, comandava o 24º Batalhão. Na
década seguinte, os 16 capitães comandantes de companhias possuíam
engenhos de açúcar. (EISENBERG, 1977, p. 151-153). Em 1880, André Dias
de Araújo foi o coronel comandante da Guarda Nacional. Esta representava a
presença do Estado no controle político local. Com os altos postos de
comando formado pelas "notabilidades locais", foram cargos exercidos
voluntariamente por membros das oligarquias ou ricos comerciantes, como
confirmação ou concessão de privilégios concedidos pelo Governo Imperial.
Sendo um forte instrumento de coerção social através do controle da
população pobre e livre.
Além disso, o estreito "compromisso" entre o governo central e os
grandes proprietários rurais, ocorria no âmbito da administração local, com
as nomeações de delegados, subdelegados da polícia e juízes de paz,
cargos também exercidos gratuitamente (CARVALHO, 1981, p. 123-124).
Alguns senhores de engenho em Escada, tiveram também títulos de
nobreza: Henrique Marques Lins, foi Barão (1860) e Visconde de Utinga
(1876); outro membro da família Lins, Belmiro da Silveira Lins, recebeu o
título de Barão de Escada (1874). O Coronel Francisco de Barros e Silva foi
- 51 -
Barão de Pirangi (1873) e André Dias de Araújo, Barão de Jundiá (1880). E
outros foram deputados na Assembleia Provincial (RHEINGANTZ, 1960).
Quando depois dos vexames passados em Escada o Barão de
Guararapes buscou apoio do Presidente da Província, este lembrou da
ilegalidade do Tenente Coronel Sales por estar há muito tempo ocupando
como rendeiro às terras indígenas, após ter sido superado o período de
quatro anos previstos no Regulamento das Missões de 1845, e recomendou
ao Diretor Geral dos Índios recorrer ao Juiz Municipal da Escada para
"prompta expedição as providências que no caso couberem"45 e procurar o
chefe do Delegado de Polícia para exigir o afastamento do Delegado de
assuntos daquela natureza, fora das suas atribuições legais.
O Barão de Guararapes demonstrou surpresa ao relatar o retorno à
Escada, onde fora queixar-se, "... quem era o Juiz Municipal? Era o próprio
Delegado Antonio Marques de Holanda Cavalcanti". Este recusou-se receber
a queixa do Diretor Geral dos Índios que comentou: "Passando a Dellegacia
a um dos seus supplentes, e criatura sua, tinha a polícia e a justiça trancadas
em suas mãos".46 Por pressões políticas, o Engenheiro Quintanilha,
responsável pela medição dos terrenos e elaboração da planta do novo
povoado da Vila da Escada, foi chamado de volta ao Rio de Janeiro. 47
Apoiando-se no exercício dos cargos de autoridades policiais, os
senhores de engenhos aumentaram as perseguições aos indígenas e os
esbulhos de suas terras. Um exemplo foi os indígenas recolhidos à cadeia
por terem passado pela estrada do Engenho Saudade nos supostos limites
das terras da aldeia. Tornando-se comum prisões ilegais dos indígenas,
"mesmo depois de regularmente afiançados", resultando em altos custos
processuais, sendo os recursos da Aldeia esgotados pelas "repetidas custas
Cód.DII-19, fl.30.
47 Ofício do Barão de Guararapes, em 20/11/1860, ao Presidente da Província. APE,
Cód.DII-19, fl.230.
- 52 -
e despesas judiciais",48 exigindo a manutenção de um advogado, pago com
os parcos recursos provenientes dos irrisórios arrendamentos, 49 quando
recebidos.
As "agressões e esbulhos" impostos aos indígenas em Escada, "da
parte de alguns possuidores de terras da aldeia sem títulos legais", era
alegado como impedimento ao trabalho da Diretoria dos Índios, tratava-se de
"um plano" que para o Barão de Guararapes, e tinha como objetivo a
extinção da Aldeia. A extinção, seria "o triunfo completo desse plano". Ao
comentar a respeito do Aviso recebido em setembro de 1861 do Ministério da
Agricultura, onde estava determinada a transferência dos índios para um
novo local em Bonito, o Barão de Guararapes depois de enfatizar a fertilidade
das terras da Aldeia em Escada, questionava se não seria a remoção uma
"verdadeira punição" aos indígenas. O argumento do Diretor Geral dos Índios
que a transferência era desvantajosa em relação ao novo local escolhido,
sem a devida "proteção das Autoridades", era contraditório diante das
práticas das autoridades públicas em Escada, a própria posição de omissão
e/ou conivência da Diretoria dos Índios e da Presidência da Província, diante
dos tantos desmandos cometidos.
Questionava ainda o Diretor Geral dos Índios, os motivos pelos quais
o indígena Manuel Valentim do Santos teria deixado a Aldeia da Escada, indo
morar no Riacho do Mato. Afirmando que quando o índio Valentim e outro
companheiro viajaram ao Rio de Janeiro onde solicitaram ao Governo
Imperial a criação da nova Aldeia Riacho do Mato "foram mandados para a
Corte pelos proprietários que se acham na luta por causa de terras" da
Aldeia da Escada, custeando os senhores de engenho "as despezas da
viagem, e outras ainda", concluindo o Barão de Guararapes afirmando, "É
fácil da conjecturar que na extinção da Aldeia espera-se larga indinização
para essas despesas".
Cód.DII-19, fl.10.
- 53 -
As terras da Aldeia da Escada estavam em muito invadidas, além
dos engenhos e sítios, existiam um "grande número de cazas fundadas na
Villa". O Barão de Guararapes, depois de constatar os baixos valores pagos
pelos arrendamentos e convocado os posseiros dos engenhos para um
reajuste, encontrou a concordância de todos, menos do então Delegado de
Polícia e 1º Suplente de Juiz Municipal do Termo, o Capitão Antonio Marques
de Holanda Cavalcanti, que afirmou só querer tratar do assunto "senão
judicialmente" (grifado no original). O Delegado além de se recusou ao
pagamento do reajuste, juntamente com o Ten. Cel. José Francisco Farias
Sales, proprietário dos Engenhos Sapucagy de Baixo e Sapucagy de Cima,
estimularam aos outros rendeiros não pagarem, "organizaram uma
cruzada"50 contra os novos preços cobrados pelos arrendamentos.
- 54 -
Em outra "Relação de Rendeiros", constava os nomes de 39
ocupantes de "Sítios". O indígena José Francisco Ferreira citado como
proprietário dos sítios Tapicerica, Cuiacu, Tapera, Maracujá; Antonio
Marques de Holanda Cavalcanti ocupava o Sítio "Sape"; Antonio Gomes de
Barros e Silva o Sítio "Ponte" e Thomaz Rodrigues Pereira, o Sítio "Capim".
O indígena José Francisco Ferreira, dono dos Engenhos Boa Sorte e
Cassupim, aceitou o reajuste e era o único "pontual" nos seus pagamentos.
José Francisco, apesar da reconhecida identidade indígena, era proprietário
de engenhos nas da Aldeia da Escada, "Costeados pelos próprios índios", 51
não recebeu tratamento diferenciados dos demais rendeiros, foi identificado e
aceitou a identificação, como mais um rendeiro. A recusa aos pagamentos
dos valores reajustados foi fortalecida pela "esperança na extinção da
Aldeia". Diante disso o Barão de Guararapes defendia a demarcação
definindo os limites de terras para o cultivo dos indígenas e senhores de
engenho, com as rendas devidamente reajustadas. Argumentava com as
grandes vantagens econômicas proporcionadas pelos arrendamentos, como
um negócio lucrativo, pois além do custeamento das despesas da Aldeia da
Escada, possibilitaria a manutenção de "outras Aldeias" sem rendas próprias
na Província de Pernambuco.
Enquanto a demarcação passou a ser defendida pelo discurso
oficial, os senhores de engenho em Escada pretendiam a extinção da Aldeia.
A demarcação apesar de favorecer os senhores de engenhos significaria por
outro lado a regularização dos arrendamentos e o reconhecimento de áreas
de terras destinadas aos indígenas. Isso contrariava os interesses
particulares de alguns dos senhores de engenho em Escada. E qualquer
medida contrária ao interesse particular de alguns deles, provocava a reação
coletiva dos mesmos, como observado na escolha do local destinado para a
nova povoação da Escada. Em oposição a área escolhida na planta
elaborada pelo Engenheiro Quintanilha por determinação da Presidência da
Província, nas proximidades da Estação da Via-Férrea em terras que o Ten.
- 55 -
Cel. Sales dizia pertencerem ao seu Engenho Sapocagy de Baixo, a Câmara
Municipal designou um outro local, longe da Estação com o "solo desigual e
de difícil construção".52 Prevaleceu portanto, a força política dos senhores de
engenho em Escada, preservando-se as terras ocupadas pelo Ten. Cel.
Sales.
Os índios na Aldeia de Escada, sabedores da determinação oficial
para extinção da Aldeia e a remoção das famílias indígenas para o lugar
Riacho do Mato, dirigiram-se através de uma representação ao Diretor Geral
dos Índios, manifestando-se contrários a medida, solicitando apoio da
Diretoria, a fim de ser evitada a extinção julgada pelos indígenas como
"altamente nociva aos seus interesses". 53 Apesar de algumas famílias terem
mudado para o novo local designado para o Aldeamento, em 1862 foi
revogada a transferência, uma nova decisão determinou "distribuir a cada
família no ponto, onde já possua casa e lavoura, bem como aos solteiros
menores de vinte e um annos, que tenhão economia separadas, terreno
sufficiente, que ficará sendo propriedade sua, depois de cinco annos de
efectiva residencia e cultura".54 O cumprimento de decisão esbarrou nas
práticas de esbulhos sistemáticos das terras indígenas em Escada. A partir
daquele momento, definiu-se oficialmente com a demarcação, terras para os
indígenas nos locais de moradia onde deviam permanecer. Além disso, um
grupo de famílias de indígenas da Aldeia da Escada continuou no Riacho do
Mato e onde também enfrentariam conflitos com a invasão das terras que
habitavam.
Apesar da determinação oficial para demarcação de terras para os
indígenas em Escada, os esbulhos continuaram. Em 1864, André Dias de
Araújo, Diretor-Parcial da Aldeia da Escada diante do "estado pouco
animador" com as constantes invasões defendia como primeira e mais
urgente necessidade o conhecimento do real patrimônio dos índios, sem
- 56 -
esse conhecimento não seria possível "avaliar a legitimidade da resistência
por parte dos que allegão não estar de posse de terras pertencentes a
Aldeia". A demarcação determinada sequer pôde ser iniciada, pois os
engenheiros responsáveis foram impedidos por motivos "poderosos". Por
não ter sido realizada a demarcação prevista, rendeiros como o Cap. Antonio
Marques de Holanda Cavalcanti, recusavam-se pagar os arrendamentos, se
apossaram dos terrenos que ocupavam, "sob o pretexto de não pertencerem
a Aldeia", e o dono do Engenho Solidade aproveitava-se para destruir as
matas ainda restantes na Aldeia da Escada.
Defendia o Diretor-Parcial a regularização dos arrendamentos, pois a
continuidade da recusa ao pagamento pelo Ten.Cel. Sales estimulava a
outros senhores de engenho procederem da mesma forma. O Cel. Sales
vendera o Engenho Sapocagy de Baixo, próximo a Estação da Via-Férrea,
ao Cap. Marciolino da Silveira Lins e este, também se recusava pagar as
rendas devidas. O Cap. Antonio Marques de Holanda Cavalcanti estava de
posse do Engenho Barra em terras da Aldeia, mais "allegou que não lhe
pertencia e que visto isto não tinha de que pagar renda alguma". André Dias
de Araújo, confessava-se invadido pelo "desânimo", enquanto "os inimigos
d'Aldeia avizando sua completa extinção não dascanção do emprego de
todos os meios que julgão conducentes a semelhante fim". 55 No final de
1864, o Imperial Instituto de Agricultura de Pernambuco, formado por
grandes proprietários na Província, solicitou ao Governo Imperial a
concessão de terras em Escada onde para fundar uma fazenda modelo.56
Com o afastamento por motivos de saúde do Barão de Guararapes
em 1867 do cargo de Diretor Geral dos Índios da Província, foi nomeado
interinamente o Cap. Antonio Marques de Holanda Cavalcanti. Pouco depois
- 57 -
foi aceito o pedido de exoneração do cargo de Diretor-parcial da Aldeia da
Escada, do então comandante da Guarda Nacional André Dias de Araújo, foi
proposto para substituí-lo o também senhor de engenho em Escada, Antonio
dos Santos Pontual.57 A ocupação destes e demais cargos da política
indigenista leiga oficial foi estabelecido pelo "Regulamento das Missões" de
1845. O Diretor Geral dos Índios em cada Província era nomeado pelo
Imperador, a nomeação dos Diretores-parciais, responsáveis pela
administração das aldeias, eram atributo do Presidente da Província, ouvindo
o Diretor Geral (VALLE, 1992, p. 50-51). As nomeações beneficiavam os
grupos políticos provinciais, os nomeados eram na maioria pessoas com
interesses contrários aos dos índios, grandes proprietários e tradicionais
invasores das áreas indígenas.
A grande desorganização administrativa, o abandono e o
desinteresse pelos indígenas, as apropriações indevidas das rendas das
aldeias, a corrupção, a conivência com os esbulhos das terras, além do
emprego dos índios pelos Diretores-parciais “em seu serviço particular”, tinha
se generalizado com o passar dos anos, como apontava em 1873 no seu
“Relatório Sobre os Aldeamentos de Índios na Província de Pernambuco”, a
Comissão nomeada pela Presidência da Província para emitir parecer sobre
as aldeias. (MELLO, 1975, p. 339-340).
O descaso com os indígenas tornou-se tão explícito a exemplo das
patéticas afirmações em 1879 do Barão de Buíque, então Diretor Geral dos
Índios: “Nunca, em minha vida, procurei entrar em conhecimento de negócio
tendentes a Aldeias. Ouvia fallar n’ellas; mas sem interesse. Agora, depois
de velho, lembarão-se de mim, e nomiarão-me Director Geral interino, lugar
que aceitei somente por deferença a pessoa que teve esta lembrança”,
depois de declarar “não achar-se habilitado” para o cargo, assumindo o
posto ainda como Francisco Cavalcanti Camboim, antes de receber o
baronato, permanecendo anos na interinidade, continuando em sua resposta
a consulta da Presidência da Província afirmava, “Ora, entrei as cegas para o
- 58 -
emprego. Nem mesmo pude obter o Regulamento das Aldeias. A vista disto,
não posso informar mais do que encontrei sete Aldeias que forão extinctas
quatro...”58 As afirmações evidenciavam bem a administração e o exercício
da política indigenista oficial na época.
Diante da denúncia em 1869 do Maioral do "Arraial" da Escada,
contra os "proprietários circunvizinhos" que desejam "expellir dos seus sítios,
onde tem suas casas de telha, e lavouras que lhes serve de sustento", o
então Diretor Geral Interino dos Índios Francisco Alves Cavalcanti Camboim,
futuro Barão de Buíque (1871), dirigiu-se ao Presidente da Província para
saber se os índios deveriam continuar onde habitavam ou serem removidos
para o Riacho do Mato. Ao Diretor Geral, os indígenas informavam sobre os
obstáculos para a mudança, pelas dificuldades com transportes das
"pesadas famílias" que possuíam, além de perderem todos os "seus serviços
e benfeitorias".59
Embora em relatório de 1869 o Presidente da Província informasse
que o Aldeamento da Escada fora extinto "porque os poucos índios que alli
habitavam achavam-se confundidos na massa geral da população" 60, pouco
tempo depois o engenheiro encarregado da medição das terras no Riacho do
Mato, para onde deveria ter sido removida a Aldeia da Escada, constatando
o pequeno número de índios no local, afirmou a existência ainda em Escada
de muitos índios, que não se mudaram para o Riacho do Mato, "a espera da
realização d'aquela demarcação, que elles supunhão irrealizável".61 No final
dos nomes relacionados como habitantes em 1868 na "Aldeia nova" do
Riacho do Mato, lê-se está faltando ainda "100 famílias" existentes no
10/04/1869, p.36.
61Ofício do Diretor Geral Interino dos Índios, Francisco Alves Cavalcanti Camboim, em
- 59 -
"Aldeamento velho da Villa da Escada". Estas famílias não tinham se mudado
por falta de recursos.62
- 60 -
da Escada e conhecer as "posses legitimáveis", nomeou-o como Comissário
de Medição de Terras. Na medição, deveria ser respeitado o terreno
"legitimamente adquirido", para que o governo pudesse dispor da "parte
devoluta", a ser vendida pela Presidência da Província em hasta pública,
"aos actuaes posseiros" ou a quem melhores preços oferecesse. 64 Entre
1870 e 1871 foram encaminhados ao Juiz Comissário diversos processos
para medição e reconhecimento legal de posses, todas situadas nas terras
do antigo Aldeamento da Escada.
Destes processos, em meio aos pedidos de demarcação de vários
sítios, encontramos o Processo dos Engenhos Sapucaji de Cima e de Baixo65
requerido pelo Major Marcolino da Silveira Lins e sua mulher Carolina de
Caldas Lins; o Processo do Engenho Soledade 66 em nome de José Félix da
Câmara Pimentel e esposa Maria de Oliveira Câmara; o processo do
Engenho Harmonia67, requerido pelo Cap. Belmiro da Silveira Lins; o
Processo do Engenho Rua Nova,68 por Joaquim Rodrigues dos Santos; além
do Processo do Sítio Cavalo Podre 69 do Ten. .Cel. Antonio Marques de
Holanda Cavalcanti e o Processo do lugar "Minas" 70 com pedido de
demarcação do Cel. Francisco Antonio de Barros e Silva.
O engenheiro Luiz José da Silva em 1871 apresentou uma "relação"
dos terrenos ocupados no extinto Aldeamento da Vila da Escada, onde afora
os Engenhos "Murissy, Crimeia e Camassari, Bomsucesso, Alegria,
Capricço", foram citadas várias outras localidades a "Rua da Goiabeira", o
"Largo da Feira", a "Rua da Matriz", a "Rua do Lava-Pés", a "Rua do
Compra-Fiado" e a "Rua d'Agua", totalizando 290 ocupantes. Na lista nomes
como o do Vigário Simão de Azevedo Campos e o de Thomaz Rodrigues
Pereira, Secretário da Aldeia da Escada, aparecem repetidos
- 61 -
correspondendo a ocupação de mais de um terreno. Consta ainda como
ocupantes além de nomes de viúvas e herdeiros, o Barão de Utinga, Antonio
Marques de Holanda Cavalcanti, José Sancho Bizerra Cavalcanti proprietário
do Engenho Alegria, Belmiro da Silveira Lins (Barão da Escada em 1874), e
ainda o "Assougue" e a Câmara Municipal. Tratava-se de um levantamento
parcial, por existirem outros terrenos nas "mesmas condições". 71 A "relação"
evidenciava que as terras indígenas foram invadidas e ao longo dos anos
cresceu a urbanização do povoado surgido ao redor da Igreja Matriz, onde
originou-se a Missão religiosa junto aos indígenas na Aldeia da Escada.
A Câmara de Vereadores de Escada, pela primeira vez em 1872
pronunciou-se em um item específico sobre o "Aldeamento". Argumentando
a falta de um patrimônio, pela "terceira vez" recorria ao Presidente da
Província solicitando sua intervenção junto ao Governo Imperial para que
este através de lei considerasse os "afforamentos" dos terrenos do extinto
Aldeamento "na parte reconhecida como Villa", como rendas da
municipalidade.72 No ano seguinte à Presidência da Província, concedeu
"autorização" provisória para Câmara da Escada cobrar "os foros e
laudemios" dos terrenos conforme tinha requerido.73 Neste mesmo ano
ainda, a Câmara iniciou uma disputa com o Vigário local sobre as posses dos
terrenos nas proximidades da Igreja Matriz. Em resposta a apelação do
Vigário à Presidência da Província, a Câmara de Vereadores afirmava em
nada opor-se ao pedido do Vigário, desde que os terrenos por serem
concedidos, não tivessem "utilidade municipal" e fossem respeitados os
"interesses" da Câmara.74 Esta em 1874 comunicou ao Presidente da
Província a preferência para o Vigário Simão de Azevedo Campos em
71 Ofício do Engenheiro Luiz José da Silva, em 24/11/1871, ao Presidente da Província. APE, Cód.
DII-27, fls. 26-35.
72 Ofício da Câmara de Vereadores da Escada, em 04/01/1872, ao Presidente da Província. APE,
fl.444.
74 Ofício da Câmara da Escada, em 05/05/1873, ao Presidente da Província. APE, Cód. CM-63,
fl.442.
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terrenos pelo mesmo aforados, excetuando-se os existente entre a sua
residência e o beco da Matriz e outros "escolhidos" para edifícios públicos.75
Respondendo circular da Presidência da Província em 1875, a
Câmara da Escada afirmou estar de "posse dos terrenos" da extinta Aldeia
não demarcados e legitimados no prazo determinado pelo Governo Imperial.
Informava ainda a Câmara que os foros e laudemios cobrados, constituía
uma "melhoria as suas rendas". Quanto aos terrenos não regularizados em
posse da Câmara, esta pretendia construir neles "alguns edifícios públicos". 76
Em 1876, "700 casas" compunham a Vila da Escada, distribuídas nas ruas
em "direções diversas", com uma dimensão espacial de "um quarto de legoa"
exigindo a instalação de lampiões, iluminação noturna evitando atos
criminosos.77
Todavia os moradores "dos terrenos urbanos" a maioria deixavam de
pagar os respectivos foros, argumentando a provisoriedade de domínio da
Câmara sobre os terrenos.78 Em resposta à consulta da Presidência da
Província sobre a questão, o Ministério da Agricultura afirmava o previsto na
legislação vigente para os casos de terras de extintos aldeamentos, os
terrenos deveriam ser "entregues" a Fazenda Geral, recomendando que
fosse providenciado o devido repasse para a Tezouraria da Fazenda na
Província.79 Em repetidas vezes, o Ministério da Agricultura enviou diversos
67, fl.152.
77 "Relatório das necessidades mais urgentes deste Município", enviado em 25/02/1876 ao
68, fl.182.
79 Ofício do Ministério da Agricultura, em 19/07/1876, ao Presidente da Província de
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ofícios solicitando "informações e esclarecimentos" 80 a respeito dos terrenos
da extinta Aldeia da Escada.
Diante do conflito com a Câmara de Vereadores e sem apoio da
Presidência da Província, o Vigário da Escada recorreu ao Governo Imperial,
solicitando os terrenos que ocupava em área da extinta Aldeia da Escada.81
Depois de receber informações da Presidência da Província, o Ministério da
Agricultura autorizou a venda em hasta pública os terrenos requeridos pelo
Padre José Barbosa Mendes, tendo este a devida preferência para adquiri-
los. Lê-se em um despacho do Presidente da Província que "mandou-se
vender os 25 lotes de terras ao Padre José Barbosa".82
Ainda em 1877 em resposta a circular da Presidência da Província
foram citados como "os principais" criadores de gado em Escada, o Cap.
José Sancho Bizerra Cavalcanti, o Ten. Cel. Antonio Marques de Holanda
Cavalcanti, João de Barros e Silva, o Barão da Escada, José Pereira de
Araújo, o Cap. Antonio dos Santos Pontual e o Cap. Francisco Cavalcante de
Albuquerque Lins.83 Em 1878, dos 31412282,0m2 que media as terras da
Aldeia da Escada, 23261352,50m2 estavam "ocupados por particulares",
restando 8150930,15m2 para os indígenas, divididos em 97 lotes, sendo 16
medindo 108900,0m2 e 51 com "áreas diversas". A população indígena foi
contabilizada em 220 pessoas, onde 47 famílias ocupavam igual número de
lotes.84 Portanto, mais de 2/3 das terras do antigo aldeamento foram
invadidas, com pouco menos da terça parte para os índios.
70, fl.193.
84 APE, Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, Adelino Antonio de Luna
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Ao final dos trabalhos o engenheiro Luiz José da Silva afirmava
medir a superfície das terras do antigo aldeamento da Escada 63148476m 2,
tendo sido legitimado a posse de 17 engenhos, partes dos Engenhos
Soledade, Caipora, Armonia, São Vicente. Dentre todos estes foi "revalidada"
as posses dos Engenhos Jaguaribe e Canto Escuro, uma concessão
Imperial medindo 100.000 braças quadradas, ou seja, 4840000m 2, ao Barão
de Pirangy, este era proprietário também dos Engenhos Cassuá e Firmeza e
dos Sítio Minas, medindo todos 9849898,36m2.
Foi também demarcada a posse Mangueira, outra Concessão
Imperial de igual tamanho, pertencente a Antonio Gonçalves Ferreira. E
reconhecida a posse dos Engenhos Cassupim e Boa Sorte medindo
3538975m2 em nome de José Ferreira do Nascimento. Restava a
regularização de parte dos Engenhos Soledade, Caipora, Armonia, São
Vicente, Camassari, Pirauira, Alegria e Capricho, e ainda os Engenhos Bom-
Sucesso, Crimeia e Muricy. Foram legitimados ainda 55 sítios e uma
pequena Ilha, faltando regularizar parte do Sítio Cavalo Podre, posse de
Antonio Marques de Holanda Cavalcanti e mais 13 outros sítios de outros
diversos posseiros.
Lembrava o engenheiro que afora todas estas posses existiam ainda
"os terrenos onde estão edificada a cidade", em processo de verificação pelo
fiscal da Tesouraria da Fazenda, "afim de serem encorporados aos próprios
Nacionaes". Comentando sobre a fertilidade do solo, afirmava Luiz José da
Silva ser "abondantissima", propício a qualquer tipo de lavoura,
"principalmente a da canna", pois os terrenos além de não serem alagados,
possuíam "mui pouca elevação" eram regados pelo "Rio Ypojuca" e um
grande número de riachos. Para o engenheiro, para se ter uma "ideia de
valôr" das terras em Escada, bastaria observar a quantidade de
"estabelecimentos agricolas" existentes no local motivo porque o Governo
Imperial mandara "permutar" a Aldeia para o Riacho do Mato, objetivando
- 65 -
"disenvolver" a agricultura em Escada, atravessada pela Estrada de Ferro
Recife-São Francisco "d'um lado a outro".85
A demarcação e a extinção da Aldeia da Escada, defendida como
solução para os conflitos provocados pelas invasões das terras indígenas,
favoreceu os senhores de engenho. Com a delimitação e o reconhecimento
das propriedades particulares, legitimando os esbulhos históricos das terras
indígenas em Escada. A decretação da extinção da Aldeia, gerou uma
situação ambígua em vários sentidos. Embora a demarcação tenha
designado terras aos indígenas, tratavam-se de pequenas áreas confinadas
pelo cerco das grandes propriedades legitimadas. Foram destinados, embora
nem todos os índios da Escada tenham recebido, terrenos individualmente a
cada família ou solteiro, mas que somente passariam a pertencer-lhes de
direito após comprovado cinco anos de moradia fixa e cultivo de lavoura.
Argumentou-se como base para essa decisão, estarem os índios em
Escada "confundidos com a massa da população". Se impôs aos índios que
permaneceram em Escada, a condição de pequenos proprietários ou a
semelhança, com isso devido a concentração de terras pelo engenhos
favorecendo a integração dos indígenas a massa de mão-de-obra livre
disponível vivendo na periferia de economia canavieira (MELO, 1984, p.22).
Em um conhecido cenário de confronto, práticas corriqueiras e contínuas de
esbulhos das terras indígenas, onde os senhores de engenho legitimados e
mais fortalecidos, controlavam o exercícios das cargos públicos, mantinham
instrumentos coercitivos e forças de controle social locais como o poder de
polícia, o comando da Guarda Nacional e além disso, consideráveis poderes
de influências no âmbito das decisões políticas provinciais.
Com a decisão do Governo Imperial para realizar a demarcação,
inicialmente este determinara, por reivindicação dos indígenas, a remoção
dos mesmos para o Riacho do Mato em Bonito, aonde foram algumas
- 66 -
famílias sob a liderança do índio Manuel Valentim dos Santos, habitante no
local desde 1858.86 Com a revogação da transferência e apesar de ordens
expressas para retorno a Escada, os índios não voltaram, ao contrário, os
registros documentais indicam o crescimento do número de indígenas no
Riacho do Mato, enquanto a demarcação legitimava as posses dos senhores
de engenho nas terras na antiga Aldeia da Escada. Em tudo isso, estava em
jogo a compreensão da utilidade das reconhecidas fertilíssimas terras da
Escada, propícias para o investimento no cultivo a lavoura canavieira por
interesses até Imperial, como afirmou o engenheiro José Luiz da Silva.
Durante o períodos em que se discutia a posse, o uso sobre as
terras e o destino dos índios aldeados na Escada, e mesmo após a
demarcação, foi constatada na documentação pesquisada a continuidade do
índio José Francisco Ferreira na manutenção da propriedade dos Engenhos
Cassupim e Boa Sorte.87 A Folhinha de Algibeira ou Diário Ecclesiastico e
Civil Para as Províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,
Ceara e Alagoas para o ano de 1853 (.284), informava que o Engenho Boa
Sorte pertencia a José Ferreira. Nas relações dos engenhos em Escada das
edições anuais seguintes da “Folhinha” não consta nenhum engenho
denominado Cassupim. José Francisco Ferreira foi citado em 1859 como
proprietário dos Engenhos Boa Sorte e Cassupim. 88
Serão ambos a mesma pessoa? Tornou-se difícil a verificação uma
vez que grande parte dos exemplares dos “Almanck” disponíveis no Arquivo
como propriedade do Dr. Francisco Elias do Rego Dantas, que possuía além do Engenho
Pedreiras, o Engenho Genipapo arrendado a José do Rego Dantas Coitinho. Fonte:
Folhinha de Algibeira ou Diário Ecclesiastico e Civil Para as Províncias de Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceara e Alagoas, Para o anno de 1853. Recife, Typographya
de M. F. de Faria, 1852, p. 237-238.
88 Almanack Administrativo, Mercantil, Industrial e Agrícola da Província de Pernambuco
Para o anno de 1860. Recife, Typographya Mercantil, 1859, p. 264. As edições seguintes do
- 67 -
Público Estadual estavam danificados e não foram localizados, apesar das
várias tentativas, os poucos números existentes na Biblioteca Pública.
Informou-se das “dificuldades” em localizá-los, depois de “reformas” no
prédio. No período de realização da pesquisa, o proprietário do Cartório na
Cidade da Escada, afirmou que “não existem” inventários antigos de
engenhos no local. Permanecendo, portanto, algumas indagações: como o
Engenho Boa Sorte passou as mãos de José Francisco Ferreira? Quando
surgiu o Engenho Cassupim? Terá sido resultado de uma divisão do
Engenho Boa Sorte?
O lugar do índio era visto a partir do uso que fazia das terras, não
necessariamente da propriedade, esse foi o critério na demarcação das
terras para famílias e solteiros não mais considerados indígenas em Escada.
Enquanto muitos indígenas sem lugar na demarcação mudaram-se para o
Riacho do Mato, onde os conflitos ocorridos com posseiros agravaram-se
como aumento da presença dos índios vindos da Escada, os índios
novamente sem espaço reivindicaram seu lugar, como será discutido no
capítulo seguinte.
“Almanack” até 1868, trazem a mesma informação. A edição de 1883, como também de
1894, citando o nome de José Ferreira da Silva.
- 68 -
“O NOSSO DIREITO”. CONFLITOS E
RESISTÊNCIAS INDÍGENA NO
RIACHO DO MATO
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do Mato status de Aldeia, informava não existir de “direito tal Aldeia” e,
portanto, não ter procedência a solicitação. Isso porque os moradores no
local apenas tinham começado a levantar seus “ranchos” e a “queimarem” as
terras, preparando-as para a lavoura, vivendo até então da derrubada de
madeiras para “comerciarem” e “quase sómente” pesca e da caça.90 No ano
seguinte, o novo Diretor da Colônia depois de averiguar o Riacho do Mato
por solicitação da Presidência da Província, na informação onde
implicitamente era contrário à presença indígena no local, afirmando ter
encontrado em todo o povoado na “intitulada” aldeia “dôze a desesseiz
cazas” mal construídas e algumas desmoronadas. Os moradores
dedicavam-se a “trabalharem nos engenhos” próximos, onde recebiam “um
parco salário” com o qual compravam “bibidas alcoolicas”. Costumavam
realizar festas noturnas, para o Diretor “completa orgia” que duravam um
bom tempo e por isto, “prejudicando o socêgo e a tranquilidade publica”, num
visível confronto de rebeldia e desobediência” as autoridades. 91
Os índios Manoel Valentim dos Santos e Jacinto Pereira da Silva,
diante das invasões das terras da Aldeia da Escada, viajaram em 1861 à
Corte no Rio de Janeiro, onde solicitaram à transferência dos índios para o
Riacho do Mato. Apesar da acusação do Barão de Guararapes ter sido
financiada pelos senhores de engenho, a viagem a Corte resultou em
significativas conquistas. Um Aviso do Ministério da Agricultura para a
Presidência da Província de Pernambuco, determinou “medir e demarcar”
uma área o Riacho do Mato, para “accomodação dos duzentos índios alí já
existentes” e dos outros “restantes” que teriam de “deixar” Escada seguindo
também para o Riacho do Mato.
Foi reconhecido esse local como um “novo aldeamento, onde seriam
22.500 braças quadradas (cerca de doze hectares) de terras para cada
família”, área equivalente a recebida por um ex-soldado do Exército
desejando investir na lavoura. O Aviso garantiu também a continuidade da
Cód.CD-2, fls.37-38v.
- 70 -
medição e demarcação de terrenos para as famílias vindas da Escada, até
completar “o quadrado de uma légoa”, dimensão total das terras destinadas
aos índios no Riacho do Mato. Nomeava um Diretor-parcial: José Marroquim,
“amigo dos índios” e dedicado aos mesmos, “proprietário e fazendeiro das
vizinhanças” reunindo as “qualidades” necessárias para o exercício do cargo.
Em outro Aviso posterior o Ministério da Agricultura determinou que após a
remoção para o Riacho do Mato dos índios ainda existentes na Aldeia da
Escada, esta seria considerada extinta.92
A presença indígena no Riacho do Mato foi questionada desde
quando oficialmente cogitou-se a remoção dos aldeados em Escada para o
local. Citando “os tristes acontecimentos de 1849 e 50”, referências as
ocorrências posteriores a Cabanada protagonizadas por Pedro Ivo e
seguidores, “onde aquelles dos quasi em sua totalidade de degenerados
índios” com acampamentos nas matas fechadas existentes no Riacho do
Mato, diante das possibilidades do local se transformar e um “novo fóco de
criminosos e malfeitores”, preocupavam-se as autoridades. Era preferível
então, favorecer a ocupação da área por colonos estrangeiro “laboriosos”,
contrário aos índios “naturalmente indolentes”, os imigrantes trariam
prosperidade para o Riacho do Mato.93 Com a manifestada desaprovação do
Diretor da Colônia Militar de Pimenteiras, Manuel Valentim dos Santos e “30
outros índios e algumas famílias”, vindas da Escada e morando no Riacho do
Mato, apelaram ao Barão de Guararapes solicitando a este interceder junto à
Presidência da Província, garantindo a continuidade dos indígenas no local. 94
O Diretor de Pimenteiras afirmava não opor-se a residência dos
indígenas no Riacho do Mato, declarando que a reprovação partira do Diretor
da Colônia Militar Leopoldina por “motivos policiaes” envolvendo os índios.
Em Pimenteiras os indígenas estavam “classificados” como moradores de “3ª
classe”, pois para se “constituírem em Aldeia” era necessário o
- 71 -
reconhecimento do Governo Imperial. Os índios não aceitavam a
subordinação ao Inspetor de Quarteirão local “persistindo em considerarem-
se aldeados”. Embora para o Diretor fosse muito “pequeno o numero” de
indígenas, na maior parte “gente mestiça de todas as raças”, ocupando-se do
corte da madeira da caça e da pesca. Por circularem livremente e
atravessando armados para o outro lado do Rio Jacuípe, em terras da
Colônia Leopoldina e tendo a Diretoria desta impedido, resultava em
conflitos.95
Em fins de 1861, Manuel Valentim e um grupo de índios envolveram-
se em um conflito, findando em processos e prisões. Um conflito latente,
agravado, quando os índios estiveram roçando sem autorização uma área
nas proximidades da casa do Inspetor do Quarteirão Manuel Francisco
Jatobá Canuto. Este residente desde 1858 no local denominado Espinho em
terras da Col. Leopoldina, distante pouco mais de “duas léguas” de onde
moravam os índios, fora nomeado para o cargo possivelmente como
recompensa pela participação sob as ordens do comandante da Guarda
Nacional de Porto Calvo e do Diretor da Col. Mil. de Leopoldina, nos
combates aos cabanos “onde prestou relevantis serviços em pról da
legalidade” e ha muito tempo era “alvo da ogerisa e animadversão” dos
índios.96
Um grupo de 20 índios, informou Inspetor Canuto, provocou pânico
no Sítio Espinho, onde “corria a notícia” que Vicente de Paula, o líder cabano,
voltara a Pernambuco e “breve vinha a mata”. No encontro entre os índios e
o Inspetor, este registrou o diálogo ocorrido com “o encarregado do grupo: “O
Semr. empatou hontem um meu camarada empate hoje, eu dicelhe como
inspector deste quarteirão não consinto que o Semr. se me apresentarem
ordem da Diretoria se apresentarem, diceme o encarregado nos temos
Cód.CD-2, fls.23-24.
- 72 -
ordem absoluta do governo não obodecemos a Deretor nem a Delegado nem
damos aeste saptisfação”.97
Informava outra autoridade encarregada para a investigação das
ocorrências e a prisão dos índios, que o grupo a mando de Manuel Valentim
fora liderado pelo “pardo” Antonio Henrique Dias e ainda que quando se
dirigia para efetuar a prisão dos índios acusados, próximo ao pátio do
Engenho Taquara, “rebentou” um conflito. Explicara o senhor do engenho, ter
estado três moradores do Riacho do Mato armados rondando durante toda
manhã daquele dia a estrada e as casas do Engenho. No momento exato da
chegada da tropa, ocorria a tentativa de prisão dos três acusados, estes
depois de muito resistirem foram presos e levados a Subdelegacia da Col.
Leopoldina, uma vez ter sido “o crime” praticado em terras daquele Distrito.
Depois do reforço das tropas com um contingente vindo de Col. Leopoldina,
um total de “sessenta praças”, dirigiram-se ao Aldeamento do Riacho do
Mato, onde aprisionaram sem encontrar resistência Manuel Valentim dos
Santos, Antonio Henrique Dias e mais sete indígenas.98
Processados por crimes de invasão de terras, desobediência as
autoridades, ameaças, uso de armas e tentativa de morte, os índios
apelaram ao Presidente da Província. A maioria dos acusados tiveram o
direito de responder o processo em liberdade, sendo que os índios Pedro
Francisco Bandeira incriminado por tentativa de morte, Manuel Valentim e
Henrique Dias considerados como “cabeças”, indiciados em “crime
inaffiançavel” de sedição, foram condenados e presos. 99
Mesmo após a determinação de remoção dos índios da Aldeia da
Escada para o Riacho do Mato e outro Aviso do Ministério da Agricultura
extinta as funções de todos os empregados da administração da referida
- 73 -
Aldeia100, diante das situações ocorridas e questionamentos formalizados
pelo Diretor da Colônia Militar de Pimenteiras, no início de 1862 o Ministério
da Agricultura entendendo que “não convindo a remoção” revogou-a,
alegando que Manuel Valentim dos Santos que “falsamente” se intitulava
Maioral dos índios e os “reos de polícia” vivendo no Riacho do Mato não
poderiam constituir aldeamento, determinado a distribuição de terras as
famílias em Escada onde estavam com casa e lavouras. 101
Todavia, a garantia legal para permanência no Riacho do Mato foi
reconquistada pelos indígenas, quando Manuel Valentim dos Santos viajou
em 1864 ao Rio de Janeiro e conseguiu do Ministério da Agricultura o direito
de “estabelecer-se no Riacho do Mato, onde tem morada e plantações”. No
ofício enviado a Presidência da Província de Pernambuco lê-se que
“convindo” a permanência de Valentim no local lhe fosse “garantido em seus
direitos”, recomendando ainda ao Presidente da Província que o fizesse
“persistir naquele lugar”, até uma outra decisão ser tomada. 102 De volta a
Pernambuco, Valentim em Requerimento solicitou ao Presidente da Província
e foi atendido por “sertidão” com “o theor” do Aviso expedido pelo Ministério
da Agricultura.103
Embora com as repetidas acusações da presença de não-índios
morando na Aldeia do Riacho do Mato, verbalizadas em diferentes
momentos por pessoas com interesses contrários aos dos indígenas, e ainda
que a negação da identidade indígena foi usada como argumentação para
legitimar-se os esbulhos praticados, por diversas vezes encontrar-se na
documentação referente ao Riacho do Mato, afirmações da convivência de
outras pessoas no aldeamento possibilita concluir as procedências essas
afirmações. Em 1860, o Diretor da Colônia Militar de Pimenteiras declarou
fl.12.
102 Aviso do Ministério da Agricultura em 09/01/1864, ao Presidente da Província de
- 74 -
que no local tinha se vindo “juntar de diversas partes homens de diferentes
raças”, onde há “pouco tempo” fora capturado “hum desertô do Exercito”. 104
Nos documentos oficiais relativos aos acontecimentos citados com
as prisões e processos contra os indígenas, existem várias outras
referências da presença de não-índios, isso ainda também quando dos
primeiros anos de moradia indígena no Riacho do Mato. O líder do grupo que
roçou matos nas proximidades da casa do Inspetor Canuto, foi identificado
pelo mesmo como “um cabra negro intitulado por Índio” e o grupo como
sendo formado por “20 a vinte cinco cabras armados entre estes alguns
índios”.105 Em outro documento, o grupo foi citado como “capitaneado pelo
pardo Antônio Henrique Dias”.106
Dos “doze a treze” presos, somente dois foram tidos como índios,
entre estes Manuel Valentim. Havia também no Riacho do Mato no momento
das prisões, uma mulher, “mas esta tinha chegado ha pouco do Recife” e não
da Escada, e “os mais erão negros e cabras”. 107 Informava o Diretor da
Colônia Militar de Pimenteiras, estarem sendo processados por crime de
sedição, além do índio Valentim, “o pardo” Antonio Henrique Dias, achando-
se a disposição do Juiz Mun. de Porto Calvo “o pardo acaboclado “João
Cavalcanti e o “mameluco Laurentino de tal”, e ainda envolvidos no conflito
com o Inspetor Canuto, “hum pardinho e acaboclado official de carpina,
moradôr no Aterro de Affogados” em Recife; além de Francisco José de
Paula, “hum cabra velho” antigo colono morador no distrito da Col.
Pimenteiras, João Antonio e Manoel Lopes de Souza “pardos claros” e
também Zepherino Bispo Ferreira, “que abandonou sua família, distante 5
legôas, para ser índio”, Severo José da Costa, identificado como “um preto
velho crioulo”. Para o Diretor, todos eram “suppóstos Índio que se julgavam
feridos em seus direitos”.108
- 75 -
Depois de visitar o aldeamento por ordem do Presidente da
Província, o novo Diretor da Col. Mil. de Pimenteiras informava ter
encontrado no Riacho do Mato alguns índios: “dous que tinhão raça índia”,
além de duas outras mulheres “não Indias perfeitas”, concluindo o relato
afirmando ser o povoado composto de “mulatos, cabras negros”, entre estes
existindo “dous que bem pode passar por brancos” os quais tinha deixado a
casa dos pais e achavam-se “refugiados” no lugar. Inquiridos pelo Diretor
sobre as motivações para estarem naquele lugar, teriam respondido os
habitantes no aldeamento que receberam convites do índio Manuel Valentim
para aldearem-se em terrenos a serem doados pelo Governo Imperial, com
direitos ao corte e venda de madeiras. 109 No Riacho do Mato em 1865
estavam “refugiados” Manoel Mendes, João Ignacio e Joaquim Jose de
Santa Ana, índio da Aldeia Cocal em Alagoas. Depois de reconduzidos para
a aldeia de origens pela autoridade policial, “fugirão” outra vez e
encontravam-se “homosiados” no lugar “Certãozinho” no Ricaho do Mato,
com “alguns” índios de outras Aldeias da Província de Pernambuco, todos
“seduzidos” pelo índio Manuel Valentim.110 Em 1866, os índios aldeados no
Riacho do Mato com “cazas e lavouras”,111 somavam “mais de 200 famílias
agrícolas”.112 Em um “Mapa Nominal da Aldeia nova do Riacho do Matto” em
1868, constam 70 famílias, totalizando 336 pessoas, afora “100 famílias”
ainda residindo em Escada, por falta de recursos para se mudarem. 113
Barão de Guararapes, Diretor Geral dos Índios na Província. APE, Cód., Petições: Índios,
fl.88.
113 “Mapa Nominal da Aldeia nova do Riacho de Mattos, da Província de Pernambuco”, por
- 76 -
Quadro - 2
População na Aldeia do Riacho do Mato em 1868
pessoas adultas menores
homens mulheres crianças* adolesc.**
casados viúvos solteiros casadas viúvas solteiras 132 17
52 10 35 52 17 21
sub-total: 187 sub-total: 149
total geral:336
*Considerou-se com idade entre 0-12 anos (ambos os sexos)
**Considerou-se com idade entre 13-18 anos (ambos os sexos)
114 “Atestado” concedido pelo Cap. Reformado Alipio de Carvalho Mendonça, em Recife,
25/09/1868, a pedido do índio Manuel Valentim dos Santos. APE, Cód., Petições: Índios,
fl.93v.
115 Citada em ofício do Diretor Geral Interino dos Índios, Francisco Alves Cavalcante
Cód.RTP-17.
- 77 -
também além de “alguns roçados de algodão” e ainda “duas engenhocas”,
dedicando-se ainda os aldeados no Riacho do Mato, ao corte de madeiras. O
Aldeamento estava dividido como “Aldeamento de Cima e Aldeamento de
Baixo”,117 sendo o primeiro liderado por Manuel Valentim e o segundo não o
aceitando, resultando em conflitos entre os dois grupos. Com referências da
presença de índios “imigrados” da Aldeia de Jacuípe em Alagoas, morando
no Aldeamento de Cima, “protegidos” por Valentim.118
Por o nome de Valentim constando em primeiro lugar nesta lista de
nomes que diferem dos relacionados no “Mapa Nominal”, possivelmente era
o “Alistamento” do Aldeamento de Cima. Quanto ao grande número de
pessoas possivelmente habitando somente no “Aldeiamento de Cima” seno
significativa a informação, considerando a postura antiindígena, do
Engenheiro Luís José da Silva quando escreveu estar residindo mais de
“quatrocentos” indivíduos no Riacho do Mato “considerados” como índios,
sendo “a maior parte negros, pardos e alguns índios de outras aldeias”.
Um “Alistamento” possivelmente de 1872 e de moradores do
Aldeamento de Cima, pois comparando esta relação com o “Mapa Nominal”
anteriormente citado, os nomes diferem em ambos,119 constando 195
famílias, perfazendo um total de 389 pessoas. Dessas, cinco homens eram
artesões e 369 pessoas adultas dedicavam-se à agricultura. O Aldeamento
do Riacho do Mato estava localizado em uma área com “terreno acidentado”,
próprio para o cultivo do algodão, café e cana de açúcar. Eram terras
fertilizadas por diversos riachos, sendo os principais o “Jacuípe-mirim” e o
“Taquara”. No inverno, os caminhos intransitáveis, dificultavam o acesso ao
local e as “veredas” também em diferentes tamanhos tornavam “custuso e
dificil” o percurso aos viajantes, exigindo grandes esforços e provocando os
117 Ofício do Engenheiro Luiz José da Silva, em 03/05/1869, ao Pres. da Província. APE,
Cód.DII-19, fl.140v.
118 Ofício do Diretor Geral dos Índios Francisco Camboim, em 26/01/1870, ao Presidente da
ao ano de 1872, uma vez ser a diferença das idades dos dois filhos de Manoel Valentim que
encabeça tanto este “Alistamento” como o “Mapa Nominal” (1869), de 4 anos. No “Mapa”,
Valentim tem 41 anos e no “Alistamento” 46 anos.
- 78 -
“prejuízos” no transporte de cargas, uma vez que o trânsito era constante e
as mercadorias movimentadas representavam “avultosos valôres”.120
Uma leitura das referências acima e de outras citadas, possibilitou
concluir a importância econômica do Riacho do Mato. Localizado em terras
férteis com considerável produção agrícola, extração e comércio de
madeiras e também com um caminho bastantes utilizado como acesso a
vizinha Província de Alagoas. Situado em uma região onde as lembranças da
Cabanada e dos combates dos seguidores de Pedro Ivo permaneciam vivas,
tanto na memória coletiva popular como na oficial, simbolizadas na
expressão máxima pelas referências ao líder cabano Vicente Ferreira de
Paula permanecendo no local por longo tempo um acampamento estável,
inclusive com a participação indígena, o Riacho do Mato possivelmente na
época do aldeamento foi também “refúgio”, abrigo, moradia, lugar de
vivências e convivências de não-índios com a população indígena local.
Liderados pelo carismático índio Manuel Valentim dos Santos, sem-terras,
trabalhadores de engenhos, atraídos pelas perspectivas de adquirirem uma
posse no lugar e ainda, procurados pela justiça e até adeptos do banditismo,
todos oriundos de diferentes lugares, como os índios das Aldeias Cocal e
Jacuípe, localizadas na Província de Alagoas.
Senhor!
Os índios da Aldeia Riacho do Mato, por seu procurador e maioral, veem
representar a Vossa Majestade Imperial a injustiça que estão soffrendo dos
esbulhadores da mesma Aldeia, que sem direito de domínio nem de posse tem
esbulhado os supplicantes da área da Aldeia, que o governo de V.M.I. concedeu e
ordenou a demarcação para livra-los de conflictos.
Cançados os supplicantes de esperar providenciais [documento ilegível] nos seus
direitos de propriedade esperam que V.M.I. protector como é dos desvalidos, e
recto na distribuição da justiça como por inumeros actos tem provado ha de livrar
os supplicantes das injustiças e perseguições de que estão sendo victima.
- 79 -
Para melhormente defenderem seus direitos, pedem que V.M.I. conceda-lhes
passagem para o Rio de Janeiro aos seus procurador e maioral.
Manoel Francisco da Silva
A rogo de Mel. Antonio d’Araujo
Melchiades Joaquim de Souza Santa Roza
A rogo do índio Mel. Geraudino da Silva. 121
conteúdo do Requerimento recebido de Manoel Valentim. APE, Cód. Petições: Índios, fl.88.
- 80 -
“intrusos posseiros”, estes utilizando violência e liderados pelo “director”
Lourenço de Sá, procurando “afugental-os” de suas propriedades,
expulsando assim um grande número de “famílias agrícolas”. 123
Em resposta ao Presidente da Província, o Diretor Geral dos Índios,
Barão de Guararapes, questionou, baseado ainda na primeira decisão do
Ministério da Agricultura revogando a transferência dos índios para o Riacho
do Mato, a existência legal da constituição do aldeamento no local, acusando
Manuel Valentim de incomodar os moradores vizinhos. Dias depois foi
recebido no Palácio do Governo da Província, um abaixo-assinado dos
“Índios aldeados da Escada”, solicitando a substituição de Valentim na
liderança no Aldeamento do Riacho do Mato.124
Pronunciando-se favorável ao abaixo-assinado, o Diretor dos Índios
lembrava que Valentim estivera pessoalmente na Corte onde fora
“representar” contra a Diretoria dos Índios. 125 Como resposta às acusações,
Valentim buscou apoio de pessoas favoráveis a permanência indígena no
Riacho do Mato. O Cap. da Col. Militar de Pimenteiras, afirmava existirem no
local com Manuel Valentim um número de índios “superior a cem”, sendo
todos “mui obidientes” e declarando ainda que como Subdelegado de Polícia
do Distrito, tinha utilizado os índios para o “serviço de polícia ao qual se hão
prestado com gosto e bôa vontade”, opinando também ter sido providencial a
presença indígena no lugar, evitando que as “matas feixadas” fossem
pedidos) deste com mais as assinaturas de José Faustino da Silva e Manoel Francisco de
Souza, foi protocolado em 25/02/1867 no Pal.do Governo. APE, Cód. DII-19, fl.106. O
registro “Recebeu-se um ofício do Comandante dos Índios da Escada, dizendo que estavam
as ordens deste Governo e se respondeu pelo mesmo portador”, com data de 09/08/1821,
encontra-se no livro de Atas do Conselho de Governo, fl.3, atualmente sendo transcrito no
Setor de Manuscritos do APE.
125 Ofício do Barão de Guararapes, em 01/03/1867, ao Presidente da Província. APE,
Cód.DII-19, fl.105.
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ocupadas por salteadores, por ser o local afastado de povoados e de trânsito
comercial para a Província de Alagoas.126
Apesar de ser uma prática comum os aldeamentos no século XIX
servirem de mão-de-obra” (CUNHA, 1992, p.19), atendendo aos interesses
locais dos moradores e autoridades, ou a interesses provinciais e até
nacionais como o recrutamento para a Guerra do Paraguai, os aldeados no
Riacho do Mato utilizaram por mais de uma vez em benefício próprio, para
contar como o apoio das autoridades diante dos conflitos, por sempre se
disporem ao “serviço publico” de polícia e também a participação nas milícias
legalistas em combates a movimentos tidos como sediciosos, as
perturbações a ordem pública então vigente. Aliás, esta participação dos
indígenas em milícias, era uma prática muito antiga dos índios da Aldeia da
Escada, pois o próprio aldeamento originou-se posteriormente aos combates
aos quilombolas de Palmares.
Um outro exemplo foi registrado em 1821, quando o Capitão dos
Índios da Escada, afirmava que estavam “as ordens” para participarem das
forças legalistas sob o comando do Governador da Capitania Luiz do Rego
Barreto, diante da iminência de conflitos com as tropas apoiando a Junta de
Goiana.127 Diante das situações de conflitos com posseiros negando os
direitos dos indígenas no Riacho do Mato, os índios buscaram dentre outras
estratégias para continuarem no lugar, o reconhecimento através de
“atestados” requeridos a autoridades e pessoas de prestígio público.
Em 1868, Manuel Valentim “por si e seus companheiros”, enviaram
um Requerimento ao Pres. da Província para este reconhecer o atestado
concedido pelo ex-Diretor da Col. de Pimenteiras, o Cap. Reformado do
Exército. Trajano Alipio de Carvalho Mendonça. A este foi solicitado “atestar”
que os índios viviam dos “produtos” de lavouras, estavam estabelecidos com
“cazas” no Riacho do Mato e que “se prestarão sempre com bôa vontade as
estavam as ordens deste Governo e se respondeu pelo mesmo portador”, com data de
- 82 -
exigências do serviço publico”, durante todo o tempo no qual o Capitão
esteve como Diretor de Pimenteiras e também como Subdelegado de Polícia
na região.128 O Capitão confirmou a solicitação dos índios declarando que
“sempre se comportarão”, preservando na Aldeia “a melhor ordem no socego
publico” e por serem muito “obidientes e respeitadores das autoridades”,
foram sempre recrutados para “diligencias publicas”, afirmando ainda o ex-
Diretor: “o que tudo afirmo debaixo de palavra de hopnra por se testemunha
ocular”.129
Com a realização dos trabalhos de demarcação por determinação de
Aviso expedido pelo Ministério da Agricultura, ocorriam muitos protestos dos
indígenas por sentirem-se prejudicados nos seus interesses pelas medições
realizadas. No momento quando se “cravava o marco” para iniciar a medição
da “posse Periperi” de Pedro José da Silva, cerca de “dezoito ou vinte índios”
liderados por Manuel Valentim apareceram no local e “com grande gritaria
dizião que se opunhão a cravação d’aquele marco”, porque os limites
medidos ultrapassavam a linha “Meridiana” e assim adrentava nas terras
indígenas e estes afirmando que não queriam “perder o seu serviço”
recorreriam ao Presidente da Província.130
Possivelmente antecipando-se a comunicação do ocorrido às
autoridades com distorções, Valentim através de Requerimento endereçado
ao Engenheiro Manoel Candido Rocha, solicitou que lhe fosse atestado qual
foi “o procedimento” dos índios na ocasião da cravação dos marcos.
Respondendo a solicitação o engenheiro confirmou o protesto pacífico por
terem os limites da medição ultrapassado a linha divisória das terras
públicas, tendo os índios afirmado “que tinham feito o serviço da picada e
Mato 24/02/1869, ao Juiz Comissário, Engenheiro Luiz José da Silva. APE, Cód.CD-4,
fl.201.
130 Requerimento do índio Manoel Valentim dos Santos, em Leopoldina 16/02/1869, ao Eng.
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não querião perdel-o”, afirmando ainda o engenheiro ter Valentim
permanecido calado procurando “apasiguar” os ânimos exaltados dos
índios.131
O “Atestado” requerido por Valentim, foi anexado a um outro
Requerimento enviado pelo maioral do Aldeamento no Riacho do Mato, ao
Pres. da Província. Neste Requerimento, afirmava Valentim vir “novamente”
fazer denúncias contra a demarcação realizada, onde os posseiros Pedro da
Silva, João Baptista e “Alexandrino de Tal” invadiam a área destinada para o
Aldeamento, argumentando estarem apoiados na medição estabelecida pela
“tropa do Governo” quando esta acampara no lugar. Queixava-se Valentim,
“todo o trabalho que temos feito heram perdidos”.
Além de ser rejeitado e desrespeitado o trabalho dos índios,
realizando as aberturas das picadas para a demarcação, outros posseiros,
“Felix de tal”, Manoel Francisco, “Caetano de tal, Veríssimo de tal” e Braz
Ribeiro, queriam se “apossar” da área destinada “em quadro” aos índios.
Mesmo o Juiz Comissário das Terras afirmando que os invasores seriam
retirados judicialmente, Valentim anexava ao Requerimento, o “incluzo
attestado” e esperara apoio do Pres. da Província para a “Cauza tão justa”
dos índios no Riacho do Mato. E ainda afirmou Valentim: “o nosso direito não
seja desconhecido”, como também, “o nosso trabalho não estaria perdido”. 132
(Grifamos).
O ano de 1869, foi um período de muitas tensões no Riacho do Mato,
como registrado na documentação. Com o prosseguimento da demarcação e
legitimação dos terrenos de posseiros invasores, agravaram-se os conflitos
com os indígenas. Nas terras do Estado localizava-se a Col. Mil. de
Pimenteiras, onde estava situada a área do Riacho do Mato, anteriormente a
criação do Aldeamento, só existia uma posse passível de reconhecimento
legal como declarava o Dir. da Colônia na época. Todavia, o lugar foi
posteriormente em muito invadido por posseiros que se aproveitavam do
131 Requerimento do índio Manuel Valentim dos Santos, em Recife 17/02/1869, ao Pres. da
Província. APE, Documentos Avulsos- Petições: Índios.
132 Ofício do Juiz Comissário de Água Preta, em 01/03/0869, ao Eng. Luiz José da Silva.
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momento da demarcação das terras do aldeamento, para solicitarem a
legitimação das posses ocupadas.
Os indígenas que tinham se prontificado a colaborarem no trabalho
de medição das terras, sentindo-se lesados com o reconhecimento dos
posseiros invasores na área do aldeamento, além de protestarem, muitos
deles se recusaram em continuar apoiando os serviços da demarcação. A
reação dos indígenas foi considerada como um “estado de insubordinação”,
não sendo possível “continuar nos serviços das medições” porque os índios
estavam “divididos em dois partidos e em dois aldeamentos”. Para o Juiz
Comissário de Água Preta, “alguns” do “aldeamento de cima” que era “o
verdadeiro”, aceitavam a liderança de Manuel Valentim, enquanto os
habitantes no “Aldeamento de baixo”, não reconheciam nele o maioral.133
Reagindo os indígenas à demarcação prejudicial aos seus
interesses, foram acusados também de procurarem “embaração o bom
andamento” nos serviços de medições, pois exigiam que as direções que
“elles entendem e não aquellas que devem ser”, rejeitando a auto-
demarcação realizada por alguns posseiros de “bôa vontade” que definindo
seus limites, objetivavam deixar “maior espaço” para o Aldeamento. 134 Em
um longo “Memorial” de conteúdo contundente, Manuel Valentim denunciava
à Presidência da Província as manobras do Juiz Comissário, o então
engenheiro-chefe responsável pela demarcação, por beneficiar os posseiros
com terrenos nas margens do Rio Jacuípe e até mesmo do pequeno Riacho
do Mato, restando aos índios “as sobras destas supostas posses, terrenos
montanhozos, cortados por fracos riachos e que se estinguem com qualquer
verão mais forte, ficando athe privados de alguns servissos seus que forão
cortado pelas linhas dos demarcantes”.135
133 Ofício do Eng. Luiz José da Silva, em 02/03/1869 ao Pres. da Província. APE, Cód.CD-4,
fls.197-197v.
134 O “Memorial” s/d assinado por Manuel Valentim dos Santos, foi endereçado ao Pres. da
Província. É possível situá-lo como anterior a 15/03/1869, data na qual o Dir. Geral Interino
dos Índios Francisco Camboim, enviou também um ofício à Pres. da Província, sobre o
conteúdo do “Memorial” de Valentim.
135 Ofício do Dir. Geral Interino dos Índios, Francisco Camboim, em 15/03/1869, ao Pres. da
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O Diretor dos Índios, confirmava as denúncias de Valentim, como
também acusou de suborno recebido pelos encarregados da demarcação,
pois “mediante alguma pexinxa” estavam “acudindo no querer” dos
posseiros.136 Declarava o Diretor Geral que no final dos trabalhos a
demarcação seria “um buquet de tragante flores, mas que cheira mal aos
índios”.137 E o novo Diretor-parcial nomeado para o Aldeamento do Riacho do
Mato, depois de visitar o local das medições próximo ao Rio Jacuípe,
informava ter encontrado “algumas posses dadas” pelo Juiz Comissário aos
posseiros estando “as picadas” ainda visivelmente recentes, com os
invasores tentando expulsar os indígenas com casas no lugar, quando os
posseiros tinham construído casas que sequer possuíam portas, nem tão
pouco benfeitorias alguma nos terrenos ocupados. O Diretor-parcial, anexou
ao ofício uma lista dos posseiros onde estão entre outros nomes estava o de
Antonio Francisco Jatobá Canuto, posseiro com 500 braças cujos limites
alcançavam as casas dos povoado da Aldeia. Além de Manuel Francisco
Jatobá Canuto (o filho), foram citados os nomes denunciados por Manuel
Valentim.138
Com um abaixo-assinado acompanhado um Requerimento contendo
65 assinaturas, os índios do “Aldeiamento Conde d’Eu no Riacho do Mato”,
solicitaram a demissão do Diretor-parcial nomeado, por este “nenhum
interesse” ter demonstrado pelos índios, além de morar distante do
Aldeamento. Para substituí-lo, os indígenas indicavam o Cap. Manoel
Cavalcante Lins Valcacer, “bem conhecido” dos índios por ter sido
“authoridade” na Col. Leopoldina e também porque mesmo “já como
particular”, defendera os indígenas quando estes “sofriam prizão” ordenada
pelos Diretores da mesma Colônia. O Cap. Valcacer morava próximo, a ‘uma
legoa” do Aldeamento e além disso, os índios se pontificavam assumir “as
depezas pello indicado Director”.
136 Of. do Dir. Geral Francisco Camboim em 27/04/1869, ao Pres. da Província. APE,
Cód.DII-19, fl.132.
137 Of. do Dir. Geral Francisco Camboim em 27/04/1869, ao Pres. da Província. APE,
Cód.DII-19, fl.132.
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Os indígenas concluíram o Requerimento afirmando esperarem o
pleito atendido, lembrando “serem servidores do Estado que tantas provas
tem dado em sempre promptos a dar”.139 Em resposta à consulta do Pres. da
Província sobre o assunto, o Diretor Geral dos Índios, questionou a validade
do documento dos indígenas, afirmando que não sabendo os indígenas ler
nem escrever, tornava-se muito fácil “arranjar um abaixo assinado”, pedindo
a alguém para assinar pelos mesmos. Concordando todavia com a
substituição do Diretor-parcial, uma vez existindo “disgostos”, indicando o
nome de José Alves Maciel “homem prudente e bem conceituado”.140
Na busca da garantia os direitos, diante da situação de conflitos
vivenciada com as invasões dos posseiros, os índios aldeados no Riacho do
Mato recorreram a diferentes estratégias para resistirem no local. Estas
estratégias podem ser situadas num arco amplo, desde a colaboração, as
alianças com autoridades, pessoas influentes, os poderes constituídos, etc.,
até a denúncia, a reivindicação, o protesto pacífico ou com violência. Quando
utilizaram-se de documentos, petições e também abaixo-assinados, às
autoridades locais, províncias e ainda ao Imperador, os aldeados no Riacho
do Mato denunciaram os esbulhos de suas terras e afirmaram os direitos,
apontaram as manobras fraudulentas do engenheiro responsável pela
demarcação.
Reivindicaram providências para os desmandos ocorridos,
reclamaram a demissão do Diretores-parciais e fizeram propostas de
substitutos, protestaram contra a omissão e conivências de autoridades,
exigiram, solicitaram, apelaram para serem respeitados seus direitos.
Quando propuseram o nome do Cap. Manoel Valcacer para Diretor-parcial,
dispondo-se ainda assumirem “as despesas” com o mesmo, não
apresentavam apenas uma proposta, como apontavam também para a
138 Of. do Diretor-parcial da Aldeia “Colonia” do Mato, Manoel Simões Ferreira Braga, s/d, ao
Dir.Geral Francisco Camboim. APE, Cód.DII-19, fl.134.
139 Requerimento acompanhado de abaixo-assinado com 65 assinaturas dos Índios do
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autonomia de decisão (um auto-governo?) da Aldeia frente a política
indigenista oficial.
Por não saberem ler e escrever os indígenas do Riacho do Mato,
recorreram nos diversos momentos a muitas pessoas para redigirem “a rôgo
de” os documentos que desejavam, presumindo-se poderem os índios contar
com pessoas colaboradoras, possivelmente simpáticas aos indígenas. No
campo ainda das alianças, os indígenas recorreram a autoridades e pessoas
de reconhecida importância e prestígio social para conceder-lhes “atestados”
com sendo “trabalhadores”, “obidientes e respeitadores” às autoridades e a
ordem social vigente. E a ainda com a declaração que prestavam sempre o
“serviço público” de polícia e de nunca se pouparem em “sacrifícios” em
defesa do “Trhomo Imperial”, barganhado assim uma relação de troca para a
garantia dos direitos.
Por outro lado, os indígenas aldeados no Riacho do Mato foram
acusados de “insubordinação” ao se recusarem colaborar nos serviços da
demarcação, quando perceberam que estavam sendo beneficiado os
posseiros invasores na área destinada aos indígenas. Estes organizados em
um grupo de “dezoito ou vinte”, reagiram com “gritaria” a colocação dos
marcos em limites favorecendo os posseiros. Incendiaram o engenho de
Manoel Francisco da Silva e o de “Pedro Brabo”, ambos posseiros nas terras
indígena.141 Enviaram representante para pessoalmente reivindicarem ao
Governo Imperial por seus direitos.
Enfim, criaram diversas formas de resistência para continuarem
habitando as terras conquistadas no Riacho do Mato. Um exemplo, foi o
“Bilhete”142 reproduzido em seguida:
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Santos, cujos documentos são tendentes a uma
representação de queira ao Governo, sendo por cincoenta
índios, contendo um mapa nominal de noventa famílias: e
que serão gratificados pela afirmativa
143 Ofício s/d (a data do despacho mais antigo neste documento é 08/02/1860), de Lourenço
de Sá e Albuquerque, Diretor Geral dos índios, ao Pres. da Província. APE, Cód.DII-10,
fl.191.
144 Of. do Dir. da Col. Pimenteiras, em 27/03/1859, ao Pres. da Província. APE, Cód.CD-1,
fl.94.
- 89 -
Para o Inspetor de Quarteirão Manoel Francisco Jatoba Canuto,
Valentim foi cabano. Depois de ter “militado” nas matas da Região de
Pimenteiras, na época do “famigerado salteadôr” e líder da Cabanada
Vicente Ferreira de Paula e tendo “escapado pela fuga á prisão” depois
captura de Vicente em 1849, Valentim conseguiu do então Diretor Geral dos
Índios o Cel. Jose Pedro Velozo da Silveira, uma autorização para “arrancha-
se com os seos companheiros” no Riacho do Mato, (antigo local de
acampamento de Vicente Ferreira de Paula), onde foram admitidos como
“Colonos de 3ª classe”, só devendo considerarem-se aldeados por
reconhecimento do Gov. Imperial.145
Manuel Valentim, foi chamado de “um segundo Vicente”, uma
evidente referência ao líder cabano, pelo Inspetor Canuto afirmando a
participação de Valentim na Cabanada até “quando entrou as tropas do
Governo ele retirou-se da companhia do Vicente”.146 Canuto que mais tarde
tornou-se posseiro invasor combatido pelos indígenas no Riacho do Mato, foi
sempre rejeitado pelos índios no local, talvez, em repulsa poro Inspetor ter
participado das forças legais combatendo os cabanos, entre os quais haviam
índios.
Manuel Valentim com citado em 1859 teve um Requerimento
solicitando o status de Aldeia para o Riacho do Mato, com um parecer
desfavorável do Diretor da Colônia Militar Pimenteiras, afirmando ter apenas
começado o povoamento no local, sendo “um fóco de população mistiça”.147
Chegando de Recife onde possivelmente fora tratar de assuntos
relacionados com o Aldeamento, sabendo das prisões dos companheiros
acusados de estarem rondando para atacarem o Engenho Soledade,
segundo o comandante da tropa que se dirigia ao Riacho do Mato para
2, fl.23.
147Cópia do “Extrato de hum officio do Conselheiro Delegado das Terras Públicas”. Oficio do
- 90 -
realizar novas prisões, Valentim “gritava não render obidiencia as
Authoridades, pois trasia poderes illimitados”.148
As autoridades encarregadas de apurar o conflito classificado como
“crime de sedição”, no qual os índios do Riacho do Mato arrancaram matos
nas proximidades da residência do Inspetor Canuto, embora Valentim não
tenha participando deste acontecimento e ainda assim enviado uma carta
recebida pela patrulha no caminho ao Riacho do Mato, onde o líder indígena
procurava apurar o ocorrido,149 prenderam Manuel Valentim entre “os
cabeças do movimento sediciôso”.150 Na ocasião da prisão Valentim afirmou
que se quisesse “resistir”, teria “duzentos homens” a disposição, embora as
autoridades afirmassem não ver nele “força moral” para juntar “gente de
todas as raças”, onde os indígenas seriam a menor quantidade, como
declaravam ter encontrado no Riacho do Mato.151
Não reconhecendo os índios aldeados no Riacho do Mato, o Dir.
Geral dos Índios, Barão de Guararapes, negou a liderança de Valentim como
exigiu o retorno dos índios para Escada. A posição do Diretor dos Índios
permaneceu irredutível mesmo depois de Valentim ter viajado ao Rio de
Janeiro e conseguido do Ministério da Agricultura um Aviso enviado à
Presidência da Província de Pernambuco reconhecendo a Aldeia no Riacho
do Mato, reconsiderando decisão anterior que sustara a remoção e a
presença indígena no lugar. Todavia, a primeira decisão era o argumento
continuadamente usado pelo Barão de Guararapes, defensor do
estabelecimento dos colonos imigrantes “laboriosos” nas terras de
Pimenteiras.
- 91 -
O indígena Valentim quando viajou pela segunda vez em 1864 ao
Rio de Janeiro, reconquistando o direito de se estabelecer no Riacho do
Mato “onde já morava”,152 de volta a Província através de Requerimento
solicitou ao Presidente da Província como “procurador de seus direitos e de
seus companheiros Índios dispersos da Aldeia da Escada” que lhe fosse
dado por “serthidão”, sendo atendido, “o theor” do Aviso Imperial garantindo
a permanência dos índios aldeados em terras da Col. Pimenteiras. No ano
seguinte, Valentim recorreu a Pres. da Província, a afim de “dispor” das
madeiras sobradas das “derrubadas” feitas para roças e edificação das
“cazas da Aldêa”, com o Barão de Guararapes manifestado-se contrário a
concessão da permissão, justificando não está criada “oficialmente” a Aldeia,
e acusando Valentim de com o “expediente” querer “apadrinhar o seu plano”
para utilização a fins próprios das matas do Estado. 153 O Diretor dos Índios
afirmava não ser “a primeira vez” que Valentim “illudindo alguns
companheiros seus” recorria ao Governo “em seu nome e em nome deles”
solicitando “lecenças e faculdades” para um aludida “Aldeia no Riacho do
Mato” nem oficialmente criada, e por isso “a demarcação requerida” não teria
sentido.
Em 1865, um “morador e agricultor” no Riacho do Mato, queixou-se
ao Subdelegado do Distrito afirmado ser “quotidianamente” perseguido por
Valentim que “arrancava” suas lavouras de mandioca e algodão para
“levantar cazas para se e seus agregados”, desrespeitando o “Direito de
Comerciante” do queixoso. Afirmava ainda o reclamante ser pobre e
“carregado de família”, afirmando ser Manuel Valentim “um homem por
demais perigoso possuindo o queixoso testemunhos de outros moradores do
lugar”.154 A denúncia foi confirmada pelo Inspetor de Quarteirão local,
afirmando ter Valentim mandando construir casas no roçado do reclamante,
152 Requerimento do índio Manuel Valentim dos Santos (por João Lourenço da Conceição)
em 10/03/1864, ao Pres. da Província. APE, Cód. Petições: Índios, fls.27-27v.
153 Of. do Barão de Guararapes, em 29/10/1865, ao Pres. da Província. APE, Cód.DII-19,
fl.91.
154 Requerimento de Theotonio Teixeira Lima (por Julio Cesar Cavalcante), em Riacho do
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sendo “repelido” pelo mesmo por diversas vezes. 155 Diante das acusações,
Manuel Valentim por meio de Requerimento ao Dir. da Col. Pimenteiras,
solicitou-lhe atestar sobre o que soubesse da “conducta civil e moral dos
índios daquella aldeia e também do supplicante”, recebendo um atestado
favorável, igualmente a outro que pedira ao Inspetor de Quateirão do “Riacho
do Mato”, além de mais um outro requerido e concedido por Julio Cesar
Cavalcante, este redator do Requerimento do agricultor denunciante. 156
Com um abaixo-assinado na mesma época endereçado a Pres. da
Província, “agricultores e moradores” do Riacho do Mato e “Sertãozinho”,
queixavam-se das “arbitrariedades” de Manuel Valentim, acusando-o de
destruir suas lavouras para construir casas para si e “agregados”. Afirmando
não existirem no lugar “o número legal de índios previsto na legislação para
cada aldeamento”, acusavam também Valentim de estar trazendo índios de
“aldeias estranhas à província” para o local, como ocorrido há pouco tempo
com a prisão pela subdelegacia da Col. Leopoldina, de “trez Índios da Aldeia
Cocal”, fugitivos outra vez residindo no Riacho do Mato. Solicitavam os
“agricultores” serem colocados à venda em lotes os terrenos a cada um dos
mesmos “abaixo-assignados” como previa a legislação em vigor. 157
Constando no documento dentre outras, as assinaturas de Manoel Francisco
Jatobá Canuto (o pai), Antônio Francisco Jatobá Canuto (o filho), os irmãos
Brás Jose Ribeiro e Francisco Cavalcante Ribeiro, Salustiano Pinto de
Miranda, todos reconhecidos como posseiros invasores no Riacho do Mato,
beneficiados posteriormente com a reconhecida demarcação fraudulenta,
sob protestos indígena, realizada pelo engenheiro José Luís da Silva.
- 93 -
O Barão de Guararapes informava a Pres. da Província ser Manuel
Valentim o índio “pior” de todas as aldeias, pôr esta sempre em “barulho
continuo”, lembrando que o mesmo foi preso preso na cadeia do Rio
Formoso como “desordeiro e criminoso”, em uma possível referência a prisão
de Valentim depois do conflito com o Inspetor Canuto. Afirmava ainda o Dir.
dos Índios estar “convencido da razão” dos posseiros, 158 mais uma vez
argumentando a ilegalidade da permanência indígena no Riacho do Mato,
por Valentim não cumprir “ordens” do Min. da Agricultura para retornar a
Escada, continuando onde estava de “modo inconveniente” e “maltratando”
os moradores nas “terras da Col. Pimenteiras”, sem respeitar “os direitos dos
cidadãos e autoridades”.159 Valentim recorreu outra vez ao Dir. da Col.
Pimenteiras para que este “a bem de seu direito” atestasse sua “boa
conducta moral e civil”, confirmando estar “effectivamente” trabalhando com
todos os índios “seus subordinados” no Riacho do Mato. O Diretor atendeu
integralmente o pedido de Valentim, afirmando ainda presta-se o mesmo
como os outros índios “promptamente as exigencias” do serviço público,
referindo-se a participação indígena em milícias policiais.160
No início de 1867, foi enviado ao Pres. da Província, um abaixo-
assinado dos índios, onde estes afirmavam sofrerem “graves danos sob a
inspeção de Manuel Valentim dos Santos, que se faz senhor do Riacho do
Mato”, e acusavam ainda Valentim de manter no Aldeamento quem fosse do
seu interesse e estar “abusando por ter trabalhadores gratis a sua
disposição”, requerendo os índios por este motivo substituí-lo por Antonio
Henrique Dias, “omem capaz amado por todos”. 161 O abaixo-assinado
contém cinco assinaturas, sendo quatro “a rogo de” (a pedido) Pedro
01/02/1866, ao Dir. da Col. Mil. Pimenteiras. APE, Cód. Petições: índios, fl.86. Na mesma
folha, encontra-se o atestado concedido pelo Diretor.
161 Abaixo-assinado dos Índios Aldeados da Escada, s/d. Recebido no Palácio do Governo
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Francisco Bandeira, este antigo morador no Riacho do Mato.162 Logo depois,
o Barão de Guararapes usando o argumento de sempre, da ilegalidade do
Aldeamento no Riacho do Mato, repetiu as acusações contra Valentim,
chamando-o ainda de “insubordinado” e afirmando estar o indígena
“estragando as matas” da Col. Pimenteiras. E que possuindo “maus
costumes”, sendo “capaz de tudo”, tendo inclusive viajado à Corte
“representar” contra a Diretoria dos Índios da Província, afirmando como
responsável ser favorável ao requerimento dos índios. 163 A partir das
conhecidas posições do Barão de Guararapes, é possível conjecturar seu
envolvimento na elaboração do citado abaixo-assinado. Pouco tempo depois,
alegando motivos de saúde, O Barão pedia renúncia do cargo que ocupava.
Agricultor, Manuel Valentim era casado com a também agricultora
Maria da Penha, em 1868 tendo 41 anos e esposa 24, possuindo o casal
casa e lavouras, contando ainda com uma filha de 8 anos e dois filhos,
Vicente Ferreira dos Santos (homenagem ao líder Cabano Vicente Ferreira
de Paula?) com 6 anos e o outro, um menor de 2 anos de idade. No mesmo
ano, em longo ofício enviado ao Pres. da Província, Valentim defendeu-se de
“proposições aleivosas e athe capiciozas” feitas contra si e demais indígenas
no Riacho do Mato, pelos posseiros Manoel Francisco Jatoba Canuto,
Alexandre Jose de Oliveira e Lourenço Ferreira.
Afirmava Valentim não ser o Aldeamento um “azilo de criminosos” e
de “ladrões de cavalos”, como declaravam os posseiros que nos terrenos do
Riacho do Mato “se faziam donos” e extraíam madeiras. Dizia ainda Manuel
Valentim não ter sido do Aldeamento que teriam saído “homens armados”
para atacarem a cadeia de Leopoldina soltando os presos, mas ao contrário,
uma milícia indígena ajudara recapturar os fugitivos. Valentim afirmava nunca
ter sido preso por crime de morte, como Manoel Canuto pois este “por mais
de uma vez” foi preso na Villa de Porto Calvo de onde fugira na ultima vez,
enquanto Alexandre Oliveira “Inspetor no Riacho do Mato”, respondia “crime”
162 O nome de Pedro Francisco Bandeira, aparece na “Relação Nominal” dos Índios da
Aldeia da Escada em 1861, já como morador no Riacho do Mato.
163 Of. do Barão de Guararapes, em 02/03/1867, ao Pres. da Província. APE, Cód.DII-19,
fl.105.
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no Cartório de Água Preta. Considerando-se único “baluarte” dos índios com
que o governo e “seus agentes” contavam no Riacho do Mato, como
poderiam confirmar “todos” os ex-Diretores das Colônias Pimenteiras e
Leopoldina “e as demais auctoridades em geral”, Manuel Valentim afirmava
fazer a sua defesa e de seus irmãos, diante das falsas acusações. 164
Anexo ao ofício, Valentim incluiu dois “Atestados”. Um solicitado ao
Dir. da Col. Pimenteiras, no qual o mesmo escreveu que residindo no local
desde 1864 e nada constava contra a conduta do requerente e dos demais
índios, estando os mesmos sempre “promptos a auxiliar” a polícia do lugar.
No outro atestado, o Dir. da Col. Leopoldina, afirmava possuir Valentim e os
aldeados no Riacho do Mato “optima conduta, trabalhadores e passificos” e
ainda “respeitadores da lei”, prestavam “valiosos” serviços, sendo o “único
baluarte” com que contava as autoridades, enfatizando a ajuda recente na
captura de um preso, libertado quando um grupo de moradores atacaram a
cadeia de Leopoldina.165
Após o término da Missa do Natal de 1869, Manuel Valentim foi
atacado por “um grupo de pessoas ensultantes” acontecendo no confronto
“cete ferimentos”, quatro em Valentim e “tres da parte dos ensultantes”. O
Maioral do Riacho do Mato, solicitou por Requerimento ao Capelão de
Leopoldina atestar “o que presenciou”, solicitando também “as authoridades
mais vizinhas a Aldeia attestarem o que souberem a vista do attestado do
reverendo”. Em sua resposta, o Capelão escreveu “Attesto ser real o que
requer o supplicante sub fide-sacerdotis” (grifado no original),166 logo abaixo
o coletor da Povoação de Leopoldina, em Atestado escreveu ter presenciado
“um grande barulho”, resultando “alguns ferimentos” em diversas pessoas.
164 Of. do Maioral da Aldeia do Riacho do Mato, Manuel Valentim dos Santos, em Riacho do
Mato 12/10/1868, ao Pres. da Província. APE, Cód.DII-19, fls.123-124
165 O Requerimento de Manuel Valentim dos Santos e os “Atestados” dos Diretores das
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Os outros dois Atestados concedidos por pessoas moradoras em
Leopoldina, baseiam-se nos testemunhos do Capelão e do Coletor.
No último Atestado, Raymundo Candido Wanderley declarou ser
“tudo verdadeiro” o alegado por Valentim por estar na ocasião do conflito,
“em casa do agredido”. Em ofício ao Pres. da Província, o Dir. Geral dos
Índios afirmava ser Manuel Valentim “o motor de todos os barulhos”, não
querendo “ter quem o domine”, por ter sido “um dos, sectarios” de Vicente de
Paula, herdara os arbítrios dele. Sobre o ocorrido, o Dir.Geral escreveu não
ter ordenado que “a prisão” de Valentim fosse “effetuada naquela ocasião”,
poderia ser feita em “outro qualquer dia”. Afirmava ainda o Diretor ter sido
porém um “ato inconsiderado” a reação dos indígenas a prisão do Maioral,
um “procedimento” bastante “repreencivel” pois deveriam deixar “hir o prezo”
e depois queixavam-se, porque Valentim fazia-se de “inocente”, quando era
insubordinado, “sagaz e astuto”, mantendo o Aldeamento dividido,
“protegendo um arraial que lhe é mais submisso” e hostilizando o outro que
recusava “seus arbitrios”.167
No ano seguinte, em 1870, Valentim viajou pela terceira vez ao Rio
de Janeiro, onde foi “representar contra o procedimento” de Alexandre
Falcão, Juiz encarregado das medições no Riacho do Mato, acusando-o pela
“uzurpação” nas terras indígenas, doando-as a pessoas moradoras “legoas
muito arredadas do lugar”, legalizando invasores, estimulando os posseiros a
“tirarem seus títulos” antes das reclamações indígenas. Denunciou Valentim
os “falços posseiros” para ser mandado “sustar” os títulos, evitando conflitos
e os índios “não serem lezados em seus direitos”.168
Valentim recorreu ao Pres. da Província em 1871, solicitando as
demissões do Diretor Geral dos Índios na Província e do Diretor-parcial no
Riacho do Mato. O Diretor-parcial afirmava ter afastado Manuel Valentim,
substituindo-o no posto de Maioral por Manoel Antonio de Araújo, este
possivelmente líder no Aldeiamento de baixo, no Riacho do Mato. Os motivos
167 Ofício do Diretor Geral dos Índios, Francisco Camboim, em 26/01/1870, ao Presidente da
Província. APE, Cód.DII-19, fl.154.
168 Requerimento de Manuel Valentim dos Santos, no Rio de Janeiro em 12/08/1870, a sua
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alegados pelo Diretor-parcial José Alves Maciel, foram as mesmas
acusações contra Valentim dois anos antes pelos posseiros: a presença de
criminosos e ladrões no Aldeamento sob a proteção do Maioral. Acusava
ainda Jose Alves Maciel ter Valentim “aforado” terras da Aldeia, vender
madeiras e “não querer dar cumprimento as ordens” do Diretor-parcial.169
Esta fazia o jogo dos posseiros, aproveitava-se inclusive da situação
dos indígenas estarem divididos no Aldeamento, ao nomear o líder da outra
facção oposta a Valentim. Embora em 1872 diante dos conflitos ocorridos no
Riacho do Mato, Valentim aliou-se com Manoel de Araujo e requereu para
ambos ao Pres. da Província, passagens com destino ao Rio de Janeiro. O
pedido foi indeferido, seguindo recomendações do Min. da Agricultura para
evitar-se a presença indígena na Corte, por serem “constates passeios
onerozos ao Estado e sem o menor proveito”.170 O mesmo José Alves Maciel,
como será visto, anos depois foi acusado de perseguição e esbulhar terras
indígenas no Riacho do Mato.
No requerimento enviado ao Pres. da Província em 1875, Manuel
Valentim afirmava estar enfrentando há "12 anos" uma "guerra civil" para
legitimação e "posses pacíficas" de uma légua de terras do Aldeamento do
Riacho do Mato. Afirmava ainda Valentim, estar no momento o 1º Suplente
do Subdelegado do mesmo distrito querendo lhe "illudir" por ser
"Authoridade" como engenheiro, com "um quarto de meio de legua" das
terras destinadas originalmente para o Aldeamento, legitimando lotes no
lugar "para mais de 1 mil sitios com nomes inversos outro'ora indiversos" e
como queixara-se ao Diretor Geral e "elle não deu providencias", solicitava
estas como Maioral no Riacho do Mato ao Presidente da Província.
Consultado, sobre a questão, o engenheiro Luiz José da Silva chefe
da Comissão de Medição de terras, afirmou ao Pres. da Província estar
"extincto" o Aldeamento do Riacho do Mato e por "conseqüências" também
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desaparecera o titulo de Maioral da Aldeia "fraco arremedo de antigos usos
entre nosso indígenas", pois Valentim desejava "unicamente ser novamente
o chefe do pequeno numero de índios existentes no referido ex-aldeamento".
Um "desejo esse extravagante e sem razão de ser". Nada sabia informar,
escreveu o engenheiro, sobre o citado Subdelegado, mais sobre a equipe da
Comissão encarregada em medir e demarcar lotes destinados às famílias
indígenas, sendo o restante dos terrenos para serem vendidos em "hasta
publica". Concluiu afirmando que seriam verificadas qual o valôr das
"queixas" de Valentim e o resultado das "pesquisas" informado a Pres. da
Província.171 Ao Requerimento, Valentim anexou um "Atestado" de um ex-
Diretor da Col. Mil. Pimenteiras, comprovando ser Maioral dos índios no
Riacho do Mato, que se mostraram sempre "muito obidientes" e
colaboradores do "serviço policial" quando solicitados. 172
Em 1878, Manuel Valentim como Capitão da Aldeia do Riacho do
Mato, requereu ao Vigário da Escada que atestasse "se ainda" existia
"restos" de Índios na Aldeia da Escada no local desta para que s
procurassem os seus lugares na "riffirida Aldeia do Riacho do Mato", como
determinara o Gov.Imperial. O Vigário escreveu: "Attesto afirmativamente".
Em anexo há uma "Lista dos Índios Aldeiados na Freguesia Escada", com 61
nomes de “homens casados com famílias".173 No mesmo ano, "o Capitão"
Valentim através de um Requerimento, denunciava conflitos com a "estada"
dos retirantes no Riacho do Mato, pois os mesmos se apoderavam
"violentamente" das lavouras de muitos índios, que não tinham outra forma
de "subsistência". Solicitava Manuel Valentim ao Presidente da Província,
171 Requerimento de Manuel Valentim dos Santos, no Riacho do Mato 06/06/1875, ao Pres.
da Província. APE, Cód. Petições: Índios, fls.120-121. A resposta do Engenheiro Luiz José
da Silva ao Pres. da Província, encontra-se logo depois do parágrafo final do Requerimento,
na fl.120.
172 Atestado concedido por Trajano Alípio de Carvalho Mendonça, Cap. Reformado do
APE, Cód. Petições: Índios, fls.124-125. Na fl.125, encontra-se a “Lista dos Índios Aldeiados
na Freguesia Escada”.
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"mandar garantir" os terrenos dos índios, afim deles não serem "esbulhados"
das lavouras e ainda "perturbados em seos trabalhos”.174
Homem decidido, persistente, em alguns momentos polêmico em
outros ponderado e negociador de apoios e alianças às resistências dos
aldeados no Riacho do Mato, Manuel Valentim dos Santos foi também
contundente quando denunciou com veemência pedindo providência, para a
invasão pelos posseiros nas terras destinadas ao Aldeamento. Com firmeza
enfrentou tantas situações adversas, as acusações, a perseguição e pressão
da Diretoria do Índios na Província e na Aldeia, a omissão e a conivência das
autoridades com os esbulhos e violências praticadas nas terras indígena.
Buscando outras possibilidades quando esteve por mais de uma vez na
Corte do Rio de Janeiro, recorrendo diretamente ao Governo Imperial.
Valentim com sua atuação assumiu impondo-se ou não, a liderança, um
papel significativo quando da mudança dos índios de Escada, no
reconhecimento e consolidação do Aldeamento no Riacho do Mato,
vivenciando com contradições emblematicamente em sua "guerra civil" para
além dos "12 anos", a experiência da resistência, afirmação e reivindicando
dos direitos dos indígenas nos primeiros decênios da segunda metade do
século XIX em Pernambuco.
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Um conflito interminável
175 A denúncia foi publicada como “Publicações solicitadas”, no Jornal do Recife nº 42, em
20/02/1872, p.2. APE.
176 Of. do Min. da Agricultura, em 29/09/1871, ao Pres. da Prov. de Pernambuco. APE,
Cód.MA-6, fl.98.
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alguns posseiros suas posses confirmadas pelo Governo Imperial, como no
caso dos irmãos Ribeiro.
Por ato, publicado em 1873, o Pres. da Província resolveu "extinguir"
os Aldeamentos de Barreiros e Riacho do Mato, e mais uma vez determinou
a medição e demarcação em lotes das terras dos referidos aldeamentos,
para as famílias indígenas, onde "respeitados os direitos dos aldeados", o
restante das terras seriam "vendidas" em hasta pública. 177 No mesmo ano, o
Juiz Comissário de Água Preta, informava o Pres. da Província ter "de novo"
Manuel Francisco Gomes requerido "a legitimação" de sua posse Fundão de
Baixo no Riacho do Mato, para evitar "actos violentos e tentatarios ao seu
direito como os que já praticarão os Índios do Extinto Aldeamento do Conde
D'Eu, pelo que estão presos e pronunciados". Solicitava o Juiz Comissário
uma resposta ao pedido de legitimação.178
Curdelina Maria dos Reis, "índia moradora no Riacho do Mato", em
Requerimento enviado ao Presidente da Província em 1878, afirmava que
como "algus" índios se achavam de posse de "uns lotes", sendo viúva com
três filhos menores e vivendo do trabalho agrícola, solicitava um lote de
terras onde pudesse "ter onde com seus filhos trabalhar para ter o pão". No
despacho ao seu Requerimento lê-se: "Não sendo a supllicante india não
tem direito ao lote que requereu".179 No mesmo ano, Manoel Felix Honorato,
índio da "Antiga" Aldeia da Cidade da Escada, achando-se "com direito" na
demarcação no Riacho do Mato, solicitou "mandar passar o titulo e demarcar
o terreno que lhe compete", com a aprovação do Juiz Comissário, faltando o
parecer do Presidente da Província. Este, em despacho escreveu: "Prove o
supplicante que é índio" e para isto Manoel Honorato deveria "aprezentar-se"
a Comissão responsável pela demarcação "para verificar-se a sua identidade
do Mato 25/01/1876, ao Pres. da Província. APE, Cód. Petições: Índios, fl.122. O despacho
está na mesma folha.
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de pessôa, afim de lhe ser concedido o lote de terras que requer". 180 Nesses
dois casos a autoridade máxima provincial, se arrogava no direito de
determinar ou pôr em dúvidas a identidade étnica de índios aldeados no
Riacho do Mato, favorecendo com essa atitude os esbulhos das terras
indígenas.
Em um Requerimento no qual o índio Antonio Henrique Dias
apresentava enquanto "procurador" um abaixo-assinado dos "Índios da
Aldeia da Escada" denunciava a "demarcação ambiciosa de outros
pretendentes" no Riacho do Mato, e para não serem "esbulhados
violentamente", diante dos "atentados" praticados pelos posseiros, com
"ferimentos, mortes e prisões" apoiados pelas autoridades dos Inspetores de
Quarteirão. Como "cidadãos livres", os índios requeriam serem mantidos na
posse dos terrenos demarcados", pois estavam sendo "ultimamente
intimidados" com as plantações "destruídas", pelos animais dos posseiros
invasores. Com apoio das autoridades locais "o insolente" Pedro Jose da
Silva, armado de "granadeira, pistola e facão" fora a residência do índio
Silvino Jose de Araújo, ameaçando-o publicamente de morte. Pediam os
índios providências contra aquela situação com um abaixo-assinado
contendo 28 assinaturas de homens e mulheres que chefiavam famílias,
totalizando 113 pessoas.181
O Aldeamento do Riacho do Mato onde desde 1868 iniciara-se as
medições, teve os trabalhos da demarcação em lotes recomeçados em 1875.
Nos 54050296,55m2, superfície total calculada da área do Aldeamento “forão
medidos e demarcados 228 lotes", com diferentes tamanhos. Destes, 77
destinou-se as famílias indígenas, totalizando 243 pessoas Os posseiros
com "demarcações fraudulentas", entre os quais os Canuto não foram
respeitados. Apenas a posse Sertãozinho, concessão do Gov. Imperial, teve
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a metade legitimada.182 Uma vitória dos aldeados no Riacho do Mato? Até
onde? Vejamos.
Em 1878, o Presidente da Província recebeu autorização do Gov.
Imperial para fundar uma colônia agrícola nas "terras devolutas” do Riacho
do Mato (HOANIE, 1992, p.94). Com a Colônia Socorro objetiva-se “auxiliar
aos arretirantes foragidas pela secca” (a grande seca de 1877), para isso
“aproveitando-se os lotes desocupados” no local. A organização inicial da
colônia ficou sob o responsabilidade do engenheiro Luiz José da Silva. No
final do primeiro semestre daquele ano a população da Colônia chegou a
“900 retirantes”, embora havendo restrições para aceitação de colonos e
entre os impedidos estavam “índios moradores da terram allocados em seus
respectivos lotes, com suas velhas e novas lavouras” (HOANIE, 1992, p.96).
Ora, a presença dessa grande quantidade de retirantes da seca vindos de
várias cidades do Nordeste nas terras que fora do Aldeamento Riacho do
Mato, provocaria um conflito social.
Esse conflito era provocado em primeiro lugar com a decretação do
fim do Aldeamento e a demarcação das terras em pequenos lotes para as
famílias indígenas, com muitos índios ser direito aos lotes. As terras do
extinto Aldeamento tidas como “devolutas” eram ocupadas por retirantes. Em
segundo lugar, a considerável concentração de retirantes ainda que nas
terras “devolutas” onde fora fundada a Colônia Socorro, constituía-se em
uma evidente ameaça mesmo às famílias indígenas com lotes demarcados.
Essa evidência foi confirmada pelo afirmado por Manuel Valentim, quando
denunciou os retirantes: “os quais se apoderão violentamente das
lavouras”.183
Após a extinção da Colônia Socorro em 1880, o último Diretor o Frei
Cassiano Camachio apelava a Presidência da Província para um definição
da “situação das posses” e a nomeação de uma pessoa responsável em
acompanhar de perto a situação dos ex-colonos, inclusive defendê-los
“contra as exigências e mal versações dos antigos moradores e vizinhos”
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(HOANIE, 1992, p.100), referindo-se possivelmente o ex-Diretor e mais
diretamente aos grandes proprietários e posseiros da região que sempre
cobiçaram as terras do Riacho do Mato. Terras estas que embora o terreno
fosse bastante “montanhoso”, ainda era em uma parte coberta de “mattas
virgens” e a fertilidade do solo se prestava a “qualquer espécie de cultura”,
próximas às margens dos Rios Jacuípe e Taquara, sendo também “regadas
por quantidade de Riachos”. Neste contexto, a insegurança dos colonos,
colocava em risco o próprio destino deles. Corriam os mesmos riscos os
indígenas do extinto Aldeamento do Riacho do Mato?
Com uma petição Antonio Marques de Holanda Cavalcanti solicitava
em 1881 que o Presidente da Província a determinasse a venda em hasta
publica dos “terrenos devolutos” do extinto Aldeamento, para torna-los úteis e
aproveitáveis com “vantagem” para a agricultura provincial. O requerente
afirmava ser proprietário em Escada do Engenho Mameluco com “apparelhos
os mais modernos “empregados na fabricação de açúcar, sendo sua
pretenção “aproveitar” a “fertil zona” referida, para estabelecer “um outro”
engenho com “identicos apparelhos”, resultando “naturalmente” vantagem
para o futuro agrícola da Província e ainda “lucro para o Tezouro com a
venda dos terrenos do Riacho do Mato”.184
No ano seguinte, em 1882, através de Requerimento Antonio Jose
da Costa, casado com Maria Alexandrina da Conceição, filha da índia
Francelina Maria da Conceição, afirma que com sua esposa “se apossado”
de um lote de terras na então Col. Riacho do Mato ou Socorro, onde
moravam há mais de quatro anos por ter “comprado” uma casa e lavouras “a
um índio que tinha se retirado do lugar”, eram pressionados pelo vizinho
João Deonisio afirmando este ser proprietário do terreno onde residia
Antonio e exigindo dele o pagamento de “rendas”. 185
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Nos primeiros anos do período republicano haviam discordâncias
nos meios oficiais sobre o destino das terras no Riacho do Mato e da extinta
Colônia Socorro. A autorização recebida pelo Governo do Estado para
vender as terras a Manoel Camello de Paula Lins, era contraditória com as
informações prestadas em 1890 pela própria Secretaria de Governo a
Inspetoria Geral das Terras e Colonização em Pernambuco que as referidas
terras tinham sido repassadas a Câmara Municipal de Água Preta,
responsável em cobrar foro para seu patrimônio e vender “particularmente os
lotes de terras” Todavia, esta transação foi impedida pelo Min. da Agricultura
ao determinar estarem as terras “reservadas para núcleos de imigrantes”
(HOUNIE, 1992, p.113).
Em 1892, Manoel Severino dos Santos herdeiro de um lote de terras
no extinto Aldeamento do Riacho do Mato, que pertencera ao irmão e a
cunhada Curdelina Maria da Conceição ambos “naturaes da cidade da
Escada”, falecidos e deixando três crianças órfãs, encontrava-se “coagido”
pelo Cap. Manoel de Souza Leão, dono do Engenho Laranjeiras no mesmo
local. O Capitão oferecera “uma troca” do terreno, recusada por Manoel
Santos, sendo então este conduzido a prisão “debaixo de rifle de
soldados”.186 Na mesma época a índia viúva Maria Madalena da Conceição,
com sete filhos menores “hinucentes morrendo de fome e sustentando-se
com o pão da indulgência”, tendo recebido um lote na demarcação das terras
do extinto Aldeamento do Riacho do Mato, denunciou que Jose Alves Maciel
(ex-Direito-parcial no Aldeamento, indicado para o cargo como “homem bem
conceituado” pelo Barão de Buíque), esbulhava os terrenos, “incendiando
cazas dos índios” e ainda “despejando e vendendo os terrenos ao
subdelegado”, ocorrendo também “prizão incomunicavel, cacetadas, mortes
de facadas e espingardadas”, provocadas por posseiros das
cincunzinhanças do Riacho do Mato e “os republicanos posseiros”. O
186 Requerimento de Manoel Severino dos Santos (por Ignacio Ferreira Lopes) em Riacho do
Mato 15/02/1892, ao Governador do Estado de Pernambuco. APE, Cód. Petições: Índios,
fls.126-127.
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despacho lacônico, “não esta devidamente selado” 187 no documento,
evidenciava a política indigenista oficial no século XIX: a conivência com os
esbulhos por particulares ou até autoridades das terras indígenas.
A lavoura canavieira na área onde localizava-se o extinto
Aldeamento do Riacho do Mato, teve um grande impulso com o avanço da
estrada de ferro Recife-Palmares. Esta atravessava a Mata Sul, considerada
“a mais importante área açucareira de todo o Império” e com o avanço até a
zona onde existira o Aldeamento, ocorrera “a incorporação da ultima fronteira
açucareira” da Província, pois de 1857 a 1877 nesta região “duplicara o
número de engenhos enquanto triplicavam o volume físico da produção de
açúcar” e as receitas províncias. O crescimento econômico naquela região
acontecera a semelhança das zonas cafeeiras do Sudeste brasileiro (MELO,
1984, p.207-208). Porém o “novo sul” surgindo “a Oeste de Agua Preta”, teve
custos socioambientais elevados. A grande produção favorecida pela via-
férrea, fortaleceu uma economia agro-exportadora baseada na monocultura
da cana, na manutenção das estruturas sociais vigentes: assim como outros
segmentos vivendo a margem desse sistema, o indígena permanecia sem
lugar...
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Mapa do Aldeamento Riacho do Mato
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AINDA O LUGAR DO ÍNDIO...
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as terras da Aldeia em Escada e o destino dos aldeados. Ao contrário,
quando da recusa do reajuste aos pagamentos dos arrendamentos pelos
senhores de engenho nas terras indígenas, José Francisco Ferreira foi o
único a aceitar os novos valores, como também a pagá-los de forma
“pontual”, como enfatizava o Diretor Geral dos Índios.
Esses comportamentos indicam que o índio José Francisco Ferreira
assumiu a condição de “senhor” de engenho em terras da Aldeia e ainda
mantendo o sistema vigente de exploração da mão-de-obra, no caso
explicitamente empregando os indígenas, e talvez também como os demais
senhores de engenho com interesses na extinção da Aldeia. Infelizmente não
conseguimos encontrar fontes de informações sobre a propriedade dos dois
citados engenhos após 1894,188 nem tão pouco quando o atual único
engenho Boa Sorte - Cassupim passou a fazer parte dos domínios da Usina
Barão de Suassuna, pertencente a herdeiros da Família Lins.
Duas outras constatações chamaram a atenção. A primeira relativa
as referências a respeito da composição racial tanto da população aldeada
em Escada, como também da posteriormente morando no Riacho do Mato.
Se por um lado houve o reconhecimento por parte das autoridades e mesmo
dos senhores de engenho da presença e pertença das terras em Escada aos
indígenas da antiga Aldeia existente no local, por outro lado, ao longo do
período estudado, com afirmações do tipo estarem os índios “confundidos
com a massa da população”, ou “degenerados”, assiste-se o crescimento da
negação ou de dúvidas sobre a identidade dos aldeados.
Para exame desta questão, faz-se necessário ter presente que as
afirmações não partiram dos índios e sim de pessoas contrárias aos mesmos
e que ao fazerem as afirmações, na maioria das vezes, as vinculavam com
interesses imediatos pelas terras indígenas. Embora que essas afirmações
evidenciavam uma percepção etnocêntrica da sociedade, da história como
uma marcha inelutável da “civilização” naturalmente representada pela raça
- 110 -
branca, eram expressões das imagens da descaracterização visível dos
índios, imposta por uma política oficial de integração compulsória, com a
omissão ou legitimação dos esbulhos praticados nas terras indígenas,
forçando-os a se readaptarem às novas situações vivenciadas.
Quando em 1853, o Juiz de Órfãos de Vitória de Santo Antão,
pronunciava-se favoravelmente ao arrendamento das terras indígenas para
os senhores de engenho, afirmando habitarem nas terras da Aldeia apenas
“onze famílias índias, e trinta e sete pardas, inclusive alguns pretas”, além de
um grande número de “môradores pobre”, considerando os interesses e
significados das afirmações do magistrado simpático ao arrendamento, pode-
se admitir a procedência, pela compreensão do próprio sistema social
vigente com um sem número de marginalizados (escravizados alforriados,
homens livres, brancos pobres, etc.) em sua periferia. A semelhança do
mundo urbano, onde existiam os diversos “laços de solidariedade” (MAIA,
1995, p. 150-151) entre os grupos de excluídos, no mundo rural a exemplo
das áreas indígenas, favorecia e estimulava a moradia e convivência, as
relações interraciais por acomodação e necessidades de sobrevivência,
provocando sem dúvidas a reelaboração da identidade indígena e
configurando uma nova composição racial dos aldeados.
Essa situação foi mais evidente, ainda que permanecendo a
problemática das fontes documentais, quando da habitação dos índios,
transferidos da Escada, no lugar Riacho do Mato. A repetida ênfase em
relatos oficiais sobre a convivência no local de “pardos”, como o citado pelo
sugestivo nome de Antonio Henrique Dias, de “negros e cabras”, um “pardo
acaboclado”, um “mameluco”, “hum pardinho e acaboclado official de
carpina, môrador no Aterro de Affogados” em Recife, índios de outras aldeias
como de Jacuípe e Cocal em Alagoas, ex-cabanos, sem-terras, fugitivos da
polícia, etc.,189 são referências sugerindo está ocorrendo também no
Aldeamento do Riacho do Mato localizado em terras da Colônia Militar de
Pimenteiras, um idêntico processo de reelaboração de identidade dos
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indígenas para continuidade da resistência como os outros marginalizados
da sociedade da época.
A segunda constatação é a existência de conflitos evidenciando a
ausência de homogeneidade na organização dos aldeados no Riacho do
Mato. As fissuras existentes foram expressas principalmente pelas posturas
assumidas por lideranças diante do processo da medição e demarcação das
terras destinadas ao novo Aldeamento, e nas relações de poder com os
liderados. No Riacho do mato, um grupo, possivelmente os habitantes no
“aldeamento de Baixo”, eram liderados pelo índio Manoel Antonio de Araújo
que além de citado como proprietários de engenho, na documentação
pesquisada há indícios de sua oposição ao índio Manuel Valentim dos
Santos, citado por diversas vezes com o “Maioral” no Riacho do Mato. As
autoridades, por mais de uma vez acusaram Valentim por sua constante
insatisfação com o ato demarcatório, de ser o causador de cisões no local,
provocador da divisão no Aldeamento em “dois partidos”, sendo um deles o
“aldeamento de Cima” mantido por sua liderança, o que dificultava os
serviços da demarcação.
Contudo, vale ressaltar que em 1872, quando o andamento da
demarcação favorecia explicitamente os posseiros invasores na área
destinada aos índios, Manoel Araújo, através de um mesmo meio
continuadamente usado por Valentim, enviou carta ao Imperador, onde
denunciou o crescente esbulho das terras indígenas. É significativo ainda
que neste mesmo ano Manuel Araújo e Valentim, juntos requereram
passagens a Presidência da Província para o Rio de Janeiro, onde
pretendiam ir denunciar diretamente ao Governo Imperial as ocorrências no
Riacho do Mato. O que provocou a mudança de comportamento de Manuel
Araújo, inicialmente silencioso diante da demarcação fraudulenta em
andamento? Teriam as medições prejudicando diretamente interesses do
opositor de Valentim? São perguntas de difíceis respostas. Indicativa foi a
informação que após 1880 quando findara a demarcação, Manuel de Araújo
continuava citado como senhor de engenho.190
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Por outro lado, nos confrontos com as autoridades envolvidas na
demarcação Manuel Valentim repetidas vezes foi acusado de abuso de
poder. Chamando a atenção indícios de influências da Diretoria dos Índios no
abaixo-assinado de indígenas do Riacho do Mato acusando Valentim de
abusar dos trabalhadores a sua disposição, propondo os denunciantes a
substituição na liderança da Aldeia por Antonio Henrique Dias. Valentim foi
também acusado por posseiros de perseguí-los e destruir seus roçados a fim
de construir casas para agregados. E ainda de aforar terras, manter um
grupo a seu serviço, proteger parte do aldeamento que lhe era “submisso”,
além de desmatamento e comércio irregular de madeiras. Essas diversas e
repetidas afirmações, possibilitam até certo ponto suspeitar que Manuel
Valentim se arrogava da sua condição para benefícios próprios.
A determinação governamental de estabelecer retirantes da seca de
1877 em terras do decretado extinto Aldeamento no Riacho do Mato,
inversamente a uma aliança por necessidade dos marginalizados da época
na região canavieira, provocou conflitos entre os igualmente excluídos pelo
sistema vigente. Aos retirantes foram destinados a ocupação de terras
anteriormente reconhecidas como Aldeamento, posteriormente distribuídas
em lotes individuais, na estratégia oficial da integração compulsória dos
indígenas. Ambos, retirantes e indígenas, contudo sem amparo legal,
findaram à mercê dos esbulhos provocados pelos senhores de engenho na
região.
Talvez foi essa a situação vivenciada por Antonio José da Costa,
possivelmente não sendo índio, uma vez que em 1882 no Requerimento ao
Presidente da Província, enfatizava ser casado com a filha de uma índia do
Riacho do Mato, denunciando estar sendo pressionado pelo vizinho a pagar
rendas de um terreno, casa e lavouras que o denunciante afirmava ter
comprado “a um índio que tinha se retirado do lugar”, indicando o destino dos
ex-aldeados em Escada. As novas situações exigiram a reelaboração da
identidade indígena para continuidade da resistência como os outros
excluídos da sociedade da época, dos quais são herdeiros os atuais bóias-
frias e os sem-terra como noticiado pela imprensa, ocupando engenhos, em
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Água Preta,191 Região da Mata Sul de Pernambuco. São as mobilizações por
um lugar garantindo o refazer da vida e da história.
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Fontes manuscritas
Fontes impressas
Periódicos
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