Abordagens de Ensino Na Educação Da Pessoa Com Surdez

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Módulo II - Teórico

AGENDA 2 - TEXTO 2:
ABORDAGENS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO DA PESSOA COM
SURDEZ

Rosimar Bortolini Poker

Ter conhecimento sobre a história, bem como sobre as filosofias e


métodos educacionais criados para os alunos com surdez, permite a
compreensão da relação existente entre o comprometimento lingüístico dessa
população, a qualidade das suas interações interpessoais e o seu
desenvolvimento cognitivo. A história serve de suporte para que seja feita uma
análise crítica das conseqüências de cada filosofia ou método de ensino no
desenvolvimento destas crianças, contextualizando as práticas vigentes.
Inicialmente a sociedade tinha uma idéia muito negativa da surdez,
enfatizando sempre os seus aspectos negativos. Segundo Goldfeld (1997), na
antiguidade os surdos foram percebidos de diversas formas: com piedade e
compaixão, como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas
enfeitiçadas. Por isso mesmo, foram abandonadas ou sacrificadas.
Para Goldifeld (1997), a crença de que a pessoa com surdez era uma
pessoa primitiva fez com que persistisse até o século quinze a idéia de que ele
não poderia ser educado. Sendo assim, tais pessoas viviam totalmente à
margem da sociedade e não tinham nenhum direito assegurado. Só a partir do
século dezesseis é que se tem notícias dos primeiros educadores de pessoas
com surdez.
De acordo com Reis (1992), Fornari afirma que "Cardano foi o primeiro a
afirmar que o surdo deveria ser educado e instruído, afirmando que era crime
não instruir um surdo - mudo".
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A partir daí, vários educadores se propuseram a criar diferentes


metodologias para ensinar as crianças com surdez. Alguns se baseavam
apenas na linguagem oral, ou seja, a língua auditiva -oral utilizada em seu país.
Outros, diferentemente, pesquisaram e defenderam a língua de sinais, que se
constitui em uma língua espaço-visual criada através de gerações pelos
próprios surdos. Outros ainda criaram alguns códigos visuais com o objetivo de
manter a comunicação com seus alunos com surdez. Até hoje existem diversas
correntes teóricas a respeito da educação do aluno com surdez.
Conforme Goldfield (1997), no século dezesseis, na Espanha, o monge
beneditino Pedro Ponce de Leon (1520 - 1584) desenvolveu uma metodologia
de educação para crianças com surdez que incluía datilologia (representação
manual das letras do alfabeto), escrita e oralização, e criou uma escola de
professores de surdos. Em 1620, Juan Martin Pablo Bonet publicou, também
na Espanha, um livro que tratava do alfabeto manual de Ponce de Leon.
Em 1750, na França, surge Abade Charles Michel de L'Epée que aprende
com as pessoas surdas a língua de sinais criando os "Sinais Metódicos". Teve
grande sucesso na educação das pessoas com surdez transformando sua casa
em uma escola pública. L'Epée e seu seguidor Sicard defendiam que todos as
pessoas com surdez, independentemente de seu nível social, deveriam ter
direito à educação pública e gratuita.
Na Alemanha, nesta mesma época, com Samuel Heinick, surge a filosofia
educacional Oralista que defende que o ensino da língua oral, e a rejeição à
língua de sinais, é a melhor forma de educar o aluno com surdez. Heinick funda
a primeira escola pública para crianças com surdez baseada no oralismo.
Em 1817 Thomas Hopkins Gallaudet, junto com Laurent Clerc, fundou a
primeira escola permanente para alunos com surdez nos EUA, que utilizava
como forma de comunicação o francês sinalizado, adaptado para o inglês. A
partir de 1821, todas as escolas públicas americanas passaram a caminhar na
direção da ASL (Língua de Sinais Americana). Em 1864 foi fundada a primeira
universidade nacional para surdos, a Universidade Gallaudet.
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Apesar da disseminação da língua de sinais, a partir de 1860, com os


avanços tecnológicos que facilitavam a aprendizagem da fala pelas pessoas
com surdez, o método oral ganhou força.
Ainda segundo Goldfield (1997), o mais importante defensor do Oralismo
foi Alexander Graham Bell, que exerceu grande influência no resultado da
votação do Congresso Internacional de Educadores de Surdos, realizado em
Milão no ano de 1880. No Congresso, foi colocado em votação qual método
deveria ser utilizado na educação dos surdos. O Oralismo venceu e o uso da
língua de sinais foi oficialmente proibido. Ressalta-se que foi negado aos
professores surdos o direito de votar.
No início do século vinte a maior parte das escolas em todo o mundo
deixa de usar a língua de sinais. A oralização passa a ser o principal objetivo
da educação das crianças surdas e, para aprenderem a falar, passavam a
maior parte do seu tempo nas escolas recebendo treinamento oral. O ensino
das disciplinas escolares foi deixado para segundo plano levando a uma queda
significativa no nível de escolarização dos alunos com surdez.
O Oralismo dominou até a década de sessenta quando William Stokoe
publicou um artigo demonstrando que a Língua de Sinais constituía-se em uma
língua com as mesmas características das línguas orais.
A partir daí, surgiram outras pesquisas demonstrando a importância da
língua de sinais na vida da pessoa com surdez bem como revelando a
insatisfação por parte das pessoas surdas com a abordagem oral.
Em 1968, surge a filosofia da Comunicação Total que utiliza todas as
formas de comunicação possíveis na educação dos surdos, acreditando-se que
a comunicação e não apenas a língua, deve ser privilegiada.
Conforme Goldfield (1997), a partir da década de setenta, percebeu-se
que a língua de sinais deveria ser utilizada independentemente da língua oral.
Surge assim a filosofia Bilíngue, que desde a década de oitenta vem se
disseminando por todos os países do mundo.
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No Brasil, a educação das pessoas com surdez teve início em 1857, ao


ser fundada a primeira escola especial no Rio de Janeiro por um professor
surdo francês, Ernest Huet, com o apoio de D. Pedro II, e que hoje tem o nome
de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que utilizava a língua de
sinais.
Segundo Goldfield (1997), o INES em 1911, seguindo a tendência
mundial, passou a assumir a abordagem oralista, apesar da forte resistência
dos alunos que continuavam a utilizar de forma proibida a língua de sinais nos
corredores e pátios da escola.
A Comunicação Total chega ao Brasil no fim da década de setenta e, na
década seguinte começa o Bilinguismo, que surge com as pesquisas da
Professora linguista Lucinda Ferreira Brito, sobre a Língua Brasileira de Sinais.

Métodos de ensino para alunos com surdez

Durante o decorrer dos séculos tem-se proposto uma variedade de


abordagens e métodos para a educação dos alunos com surdez. A maioria
deles fundamenta-se em substituir a audição perdida por um outro canal
sensorial, como a visão, o tato, ou aproveitando os restos da audição
existentes.
O aspecto dos métodos que tem sido mais problemático é a ausência de
trabalhos, ou afirmação de que existe um único método para todas as crianças
com surdez. Para aquelas que têm resíduos auditivos, pode ser oferecido um
acesso para o código da fala dentro de uma abordagem oral. Diferentemente,
para aqueles que não têm razoável resíduo ou mesmo grande dificuldade em
desenvolver a oralidade, a Língua de Sinais constitui-se na língua mais
adequada para o sujeito interagir com o meio.
A querela existente entre os defensores dos diferentes métodos ou
abordagens demonstra que há diferentes formas de enfrentar as
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consequências da surdez respeitando-se cada pessoa e sua família. O


professor, junto com os pais, deve explorar e buscar alternativas para cada
aluno, no sentido de provocar o desenvolvimento pleno de suas
potencialidades.
Os métodos de ensino dividem-se em três abordagens principais que
produziram muitas formas de se trabalhar com o aluno surdo. São elas:
Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo.

Oralismo

De acordo com Goldfield (1997) o Oralismo ou filosofia oralista visa a


integração da criança com surdez na comunidade de ouvintes, dando-lhe
condições de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o português). Para
alguns defensores desta filosofia, a linguagem restringe-se à língua oral sendo
por isso mesmo esta, a única forma de comunicação dos surdos. Acreditam
assim que para a criança surda se comunicar é necessário que ela saiba
oralizar.
Para Goldfield, o Oralismo concebe a surdez como uma deficiência que
deve ser minimizada por meio da estimulação auditiva que possibilitaria a
aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na
comunidade ouvinte, desenvolvendo sua personalidade como a de alguém que
ouve. Isto significa que o objetivo do Oralismo é fazer a reabilitação da criança
surda em direção à normalidade.
A educação oral requer um esforço total por parte da criança, da família e
da escola. De acordo com os seus defensores, para se obter um bom
resultado, é necessário:
- Envolvimento e dedicação das pessoas que convivem com a criança
no trabalho de reabilitação todas as horas do dia e todos os dias do ano;
- Início da reabilitação o mais precocemente possível, ou seja, deve
começar quando a criança nasce ou quando se descobre a deficiência;
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- Não oferecer qualquer meio de comunicação que não seja a


modalidade oral. O uso da língua de sinais tornará impossível o
desenvolvimento de hábitos orais corretos;
- A educação oral começa no lar e, portanto, requer a participação ativa
da família, especialmente da mãe;
- A educação oral requer participação de profissionais especializados
como fonoaudiólogo e pedagogo especializado para atender sistematicamente
o aluno e sua família;
- A educação oral requer equipamentos especializados como o aparelho
de amplificação sonora individual.

Para alcançar os seus objetivos, a filosofia oralista utiliza diversas


metodologias de oralização: método acupédico, método Perdoncini, método
verbo-tonal, entre outros. Essas metodologias se baseiam em pressupostos
teóricos diferentes e possuem, em certos aspectos, práticas diferentes. O que
as tornam comum é o fato de defenderem a língua oral como a única forma
desejável de comunicação da pessoa surda, rejeitando qualquer forma de
gestualização, especialmente a Língua de Sinais.
Em resumo o Oralismo consiste em fazer com que a criança receba a
linguagem oral através da leitura orofacial e amplificação sonora, enquanto se
expressa através da fala. Gestos, Língua de Sinais e alfabeto digital são
expressamente proibidos.

Comunicação Total

Define-se como uma filosofia que requer a incorporação de modelos


auditivos, manuais e orais para assegurar a comunicação eficaz entre as
pessoas com surdez. Tem como principal preocupação os processos
comunicativos entre surdos e surdos, e entre surdos e ouvintes.
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Esta filosofia se preocupa também com a aprendizagem da língua oral


pela criança surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e
sociais não devem ser deixados de lado só por causa da aprendizagem da
língua oral. Defende assim a utilização de qualquer recurso espaço - visual
como facilitador da comunicação.
Segundo Ciccone (1990), os profissionais que defendem a Comunicação
Total concebem o surdo de forma diferente dos oralistas: ele não é visto só
como alguém que tem uma patologia que precisa ser eliminada, mas sim como
uma pessoa, e a surdez como uma marca que repercute nas relações sociais e
no desenvolvimento afetivo e cognitivo dessa pessoa.
Diferentemente do Oralismo, a Comunicação Total acredita que o
aprendizado da língua oral não assegura o pleno desenvolvimento da criança
surda.
Ciccone (1990) demonstrou que muitas crianças que foram expostas
sistematicamente à modalidade oral de uma língua, antes dos três anos de
idade, conseguiram aprender está língua mas, no desenvolvimento cognitivo,
social e emocional, não foram bem sucedidas.
Uma diferença marcante entre a Comunicação Total e as outras
abordagens educacionais constitui-se no fato de que a Comunicação Total
defende a utilização de qualquer recurso linguístico, seja a língua de sinais, a
linguagem oral ou códigos manuais, para propiciar a comunicação com as
pessoas com surdez.
A Comunicação Total valoriza a comunicação e a interação e não apenas
a língua. Seu objetivo maior não se restringe ao aprendizado de uma língua.
Outro aspecto a ser salientado é que esta filosofia respeita a família da
criança com surdez. Acredita que cabe à família o papel de compartilhar
valores e significados, formando, junto com a criança, através da possibilidade
da comunicação, sua subjetividade.
Os defensores da filosofia da Comunicação Total recomendam então o
uso simultâneo de diferentes códigos como: a Língua de Sinais, a datilologia, o
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português sinalizado, etc. Todos esses códigos manuais são usados


obedecendo à estrutura gramatical da língua oral, não se respeitando a
estrutura própria da Língua de Sinais.
Nesse sentido a Comunicação Total acredita que esse bimodalismo pode
atenuar o bloqueio de comunicação existente entre a criança com surdez e os
ouvintes. Tenta evitar que as crianças sofram as consequencias do isolamento.
Tal abordagem compreende, então, que a criança seja exposta:
- ao alfabeto digital;
- a língua de sinais;
- a amplificação sonora;
- ao português sinalizado.

A abordagem da Comunicação Total chegou ao Brasil na década de


setenta e vem sendo adotada em escolas mais recentemente. Os Estados
Unidos é o maior representante desta abordagem. Sofreu muitas críticas, uma
vez que não trouxe os benefícios esperados no âmbito do desempenho
acadêmico das crianças com surdez no que se refere ao seu processo de
escolarização (leitura e escrita).

Bilinguismo

É uma filosofia que vem ganhando força na última década principalmente


no âmbito nacional. Na Suécia já existem trabalhos nesta perspectiva há um
bom tempo. No Uruguai e Venezuela verifica-se a presença desta abordagem
nas propostas de ensino das instituições públicas. Na Inglaterra existem
estudos iniciais e, na França, aparece nas propostas das escolas que
trabalham especificamente na educação dos alunos surdos.
Configura-se, no caso do Brasil, como uma proposta recente defendida
por linguistas voltados para o estudo da Língua de Sinais. Ainda não foi feita
uma avaliação crítica pois, de maneira geral, não foi efetivamente implantada.
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Parte do princípio que o surdo deve adquirir como sua primeira língua, a
língua de sinais com a comunidade surda. Isto facilitaria o desenvolvimento de
conceitos e sua relação com o mundo. Aponta o uso autônomo e não
simultâneo da Língua de Sinais que deve ser oferecida à criança surda o mais
precocemente possível. A língua portuguesa é ensinada como segunda língua,
na modalidade escrita e, quando possível, na modalidade oral. Contrapõe-se
às propostas da Comunicação Total uma vez que não privilegia a estrutura da
língua oral sobre a Língua de Sinais.
De acordo com Brito (1993) no bilingüismo a língua de sinais é
considerada uma importante via para o desenvolvimento do surdo, em todas as
esferas de conhecimento, e, como tal, “propicia não apenas a comunicação
surdo – surdo, além de desempenhar a importante função de suporte do
pensamento e de estimulador do desenvolvimento cognitivo e social”.
Para os bilinguistas os surdos formam uma comunidade, com cultura e
língua próprias, tendo assim, uma forma peculiar de pensar e agir que devem
ser respeitadas.
Existem duas vertentes dentro da filosofia Bilíngüe. Uma defende que a
criança com surdez deve adquirir a língua de sinais e a modalidade oral da
língua, o mais precocemente possível, separadamente. Posteriormente, a
criança deverá ser alfabetizada na língua oficial de seu país. Outra vertente
acredita que se deve oferecer num primeiro momento apenas a língua de sinais
e, num segundo momento, só a modalidade escrita da língua. A língua oral
neste caso fica descartada.
Segundo Quadros (1997), o bilingüismo é uma proposta de ensino usada
por escolas que se propõem a tornar acessível à criança duas línguas no
contexto escolar. Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo a
mais adequada para o ensino das crianças surdas, tendo em vista que
considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto
para o ensino da língua escrita.
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A preocupação do bilingüismo é respeitar a autonomia das línguas de


sinais organizando-se um plano educacional que respeite a experiência
psicossocial e linguística da criança com surdez.
Quando o professor ouvinte conhece e usa a Língua de Sinais, tem
condições de comunicar-se de maneira satisfatória com seu aluno surdo. A
introdução da Língua de Sinais no currículo de escolas para surdos é um
indício de respeito a sua diferença. É o que caracteriza uma escola inclusiva
para esse alunado.
O aluno surdo para se desenvolver necessita então de professores
altamente participativos e motivados para aprender e tornar fluente a
linguagem. Só assim, ou seja, respeitando e considerando às suas
necessidades educacionais, é que será possível proporcionar o pleno
desenvolvimento emocional e cognitivo e a efetiva inclusão e participação do
aluno surdo no meio social.

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_______A educação do surdo no Brasil. Campinas, SP : Autores


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