RESENHA História Universal Da Música Volume 2 - Roland Candé

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 5

RESENHA

Por
Kátia Gally Calabrez

CANDÉ, Roland, História Universal da Música Volume 2 (1ª. Edição). São Paulo: Livraria
Martins Fontes Editora LTDA, 1994. ISBN 85-336-0297-9.

O autor CANDÉ, é musicólogo francês, co-fundador e diretor de "Semanas


Internacionais de musical Royaumont.
A música é uma antiga sabedoria coletiva, cuja longa história se confunde com as
sociedades humanas. Do ponto de vista cronológico, somos limitados por lacunas em
nossos conhecimentos. Para que o amador inadvertido deixe de ser mistificado pelo
expert, para que a grande música perca seus privilégios de risco aristocrático, é preferível
examinar escrupulosamente os princípios e as funções, permitindo a cada um separar o
que há de essencial em todo um amontoado de convenções e de luxos culturais.
No início do Século XIX, à subversão da sociedade correspondem uma nova
sensibilidade e uma concepção renovada da arte. Substituição do culto à antiguidade pelo
da civilização cristã, fonte inesgotável de inspiração; a sensibilidade torna-se um tema
preponderante, em que o poderoso não se distingue do fraco, pois ambos são sujeitos à
melancolia, ao entusiasmo, ao sentimentalismo idílico. Romantismo seria, em cada época,
a atitude artística mais significativa de um espírito novo. À subjetividade do romantismo:
cada um encontra seus modelos em si mesmo; mas essa introspecção permitirá que o
artista encubra e exprima a alma de todos os homens. Confundindo-se o romantismo com
o romantesco. Na ausência de uma doutrina coerente, dotada de bases intelectuais e
sociológicas sólidas, o romantismo se tornou uma maneira de ser, uma moda; se
entusiasma por novos objetos, mas não propõe novas leis estéticas. Revolta-se contra o
“gosto” clássico, mas sem substituir as regras herdadas do classicismo abre-se enfim às
realizades exteriores. A relativa independência do compositor, livre da obrigação de
escrever por encomenda, deixa-lhe a liberdade de escrever o que lhe apraz e apresentar
sua música onde bem entende. Se aproveita para abalar, ao sabor da sua inspiração, o
formalismo de uma sociedade caduca; mas, não possuindo doutrina. O aspecto literário
do romantismo na música é a consequência do velho mal-entendido. As pessoas tinham
uma falsa ideia da personalidade e da vida dos músicos, tendo má percepção deformada
de suas músicas. Muitos músicos românticos evitaram essa espécie de exibição ou
promoção barulhenta. Imputa ao romantismo ter-se voltado para o passado, não para o
futuro. Esse conservadorismo não é uma orientação doutrinal, mas, antes, a
consequência da cultura musical romântica. Na primeira metade do século XIX, as
pessoas começam a interessar-se pela música do passado.
O concerto perde seu caráter experimental; se aproxima muito mais do museu do
que do ateliê; e o músico ainda conserva sua curiosidade pela nova música. A profissão
de músico mudou consideravelmente, entregue-se a si mesmo, não trabalhando mais
contra remuneração. A função não é mais social e sim cultural; o compositor encontra a si
mesmo o motor de sua inspiração.
A partir de 1840, um prodigioso movimento de ideias abala o sonho romântico, e
esse abalo não cessará antes do século XX. Em alguns países que lutam por sua
identidade nacional, o sentimento de uma comunidade de cultura e de destino se traduz
em música, a partir de 1850. No entanto, nos países independentes e unificados, em
estado de resolução social, a música torna-se novamente elitista. A burguesia inventa o
mito da música “verdadeira”.
Na Itália, a ópera dá mostras, ao longo de todo o século XIX, de uma constante
vitalidade, cinco compositores garantem sua perenidade: Rossini, Doniztti, Bellini, Verdi e
Puccini. As qualidades do Teatro dedicado ao Bel Canto, sua generosidade melódica, a
franqueza de sua expressão dramática, o brio dos conjuntos, os atrativos cênicos; se
ampliando, adaptando-se ao gosto romântico. No entanto, os grandes cantores do século
XIX não baseiam mais seu prestígio no desempenho vocal ou na extravagância do
comportamento. Século que exigirá de todos os tipos de vozes cada vez mais vigor.
O declínio do espírito romântico se deu por volta de 1840., mas os movimentos de
ideias que provocaram esse declínio não eram de natureza a suscitar uma estética
musical nova.
As técnicas de composição não são modificadas no século XIX. Os gêneros
tradicionais subsistem: sinfonia, sonata, concerto, quarteto... Gêneros que são mais
especificamente românticos: o poema sinfônico, o lied. A orquestra conserva sua
fisionomia geral. A orquestra permanece apegada às suas convenções. O teatro musical
permanece muito mais musical do que teatral, como exigia a autonomia fundamental da
música. A música sacra inspira pouco o gênio do século, ao qual falta espiritualidade; é
abordada de fora w num estilo profano, que pouco se distingue do da ópera e da sinfonia.
Na segunda metade do século, a emancipação da dissonância suscita no grande
público resistências, produzindo um fenômeno marginal de consequências ainda
imprevisíveis: o aparecimento de uma música ligeira escrita em reação ao idealismo
romântico e ao mito da música erudita.
A musicologia é uma conquista da época romântica, porém sua eficácia prática
limita-se ainda mais ao século XVIII.
Nos últimos anos do século XIX, a história da música se acelera. Por volta de 1918
se toma consciência de novas correntes musicais.
A música do século XX é bastante diferente das outras épocas. A contestação dos
modelos torna-se tão ampla e tão profunda que a assimilação de novas técnicas e
estéticas implica rupturas completas. O ensino da música neste século nunca
corresponderá à realidade musical contemporânea. A música moderna apresenta
características sem precedentes: diversidade de tendências, questionamento de
princípios fundamentais, incomunicabilidade imediata, defasagem do ensino do ensino;
extraordinários meios de difusão, cujo controle permite orientar a cultura coletiva e agir
sobre a história por uma seleção arbitrária. No inicio do século, o questionamento
sistemático das antigas imposições formais, a dissolução da tonalidade, a libertação do
ritmo favoreceu um novo espírito de pesquisa. Uma das características dominantes da
música do século XX será a busca de novos métodos de composição capazes de integrar
logicamente as formas melódicas e as estruturas harmônicas oriundos dessa
emancipação. O par dominante-tônica reaparece sorrateiramente nas harmonias mais
ousadas. No plano rítmico, é difícil encontrar características comuns ao conjunto da
música do século XX.
No final do século XVI, sentiu-se a necessidade de um retorno às estruturas mais
simples, privilegiou-se o primado do modo de dó, odo maior. A complexidade logo tornou
a crescer e os recursos harmônicos enriqueceram-se no âmbito de um sistema de
relações hierárquicas e dinâmicas muito fecundo, o sistema tonal. No fim do século XIX, a
multiplicação das alterações cromáticas, a emancipação da dissonância e a audácia das
modulações conduzem à dissolução das funções em que repousa o sistema. Nos
primeiros anos do século XX, todos os compositores confrontam-se com os problemas
colocados por essa dissolução. A maneira pela qual percebem a crise e organizam o
universo monótono e inerte da escola cromática determina as grandes orientações da
música do século XX, antes da 1ª. Guerra mundial.
O continente americano liga-se musicalmente à Europa. O desaparecimento das
civilizações autóctones priva de tradições musicais de que se encontra nos raros folclores
preservados das influencias ocidentais. Apesar de uma mistura de povos favorável à
eclosão de culturas originais, apesar da animação da vida artística nas grandes cidades
das três américas, não se formaram escolas nacionais tão originais e fecundas quanto as
Europas.
Após o drama do primeiro conflito mundial, que freou o desenvolvimento universal
do espírito inovador, a geração do pós-guerra. A produção musical é abundante e não
faltam compositores de grande talento, mas o pensamento musical é indigente. De um
ponto de vista histórico, esse período aparece como um parêntese na progressão de
grandes correntes musicais. Os músicos seguidores de moda substituem a reflexão séria
que a efervescência artística do momento deveria inspirar pelos partis pris de panelinhas,
pela investigação às cegas\ dos meios de expressão, não raro pelas infantilidades e pela
mistificação.
Após a grande renovação artística dos primeiros quinze a vinte anos do século, a
maioria dos compositores do período entre as duas guerras acreditou-se instalada num
novo classicismo. Podia considerar que uma ordem musical duradoura se baseava no
sistema tonal ampliado, nas frmas tradicionais renovadas, na reabilitação do contraponto
e da melodia, numa estética ordenada, desembaraçada do pathos romântico, e que era
preciso proteger essa ordem clássica contra as especulações dissolventes. Nas épocas
precedentes, os compositores adquiriram sua dimensão histórica ao cabo de uma seleção
muito lenta e sujeita a frequentes revisões, em que o público desempenhava o papel
preponderante.
À exploração genial, o neoclassicismo se opõe, ao contrário, ao horizonte limitado;
revestindo apenas com novas cores (harmônicas e instrumentais) as formas e os estilos
melódicos familiares, se congela num conformismo temeroso.
A opera não morreu no século XX; apenas deixou de ser popular. A magnitude das
subversões públicas e o preço elevado dos ingressos fazem delas, em quase todos os
lugares, um elemento do prestígio cultural, para o qual todos os cidadãos contribuem e do
qual só alguns privilegiados participam. A abundancia das operas recentes justificaria
ainda algumas observações, e sem dúvida haveria mais elogios a fazer do que críticas.
A indústria musical, ramo florescente do show business (discos, rádios, televisão,
promoção de artistas), tem o poder exorbitante de orientar a cultura coletiva segundo
critérios extremamente pouco rigorosos e sem a ciência que tal responsabilidade requer.
O público faz sua opção, pela música da atualidade; hoje em dia o mercado musical
decide promover determinada música e tem meios para impor o gosto por ela e provocar
sua demanda. As musicas desfavorecidas pela mídia e pelos circuitos de promoção não
tem a menor possibilidade de alcançar o público.
As instituições musicais tradicionais e os tabus que impõem possuem grande força
conservadora desde que os ouvintes se tornaram passivos e não se sentem mais
responsáveis coletivamente pela civilização musical.
Sufocado pelo poderio do show business, pela inércia das instituições musicais ou
pela ditadura das ideologias dominantes, o gênio inovador tem a tentação de se isolar em
sua arte, afastando-se da sociedade.

Você também pode gostar