Ponto de Mutação
Ponto de Mutação
Ponto de Mutação
Tais personagens não surgem assim por acaso. Suas crises é que ensejarão as
mudanças necessárias em suas existências. A crise é o sêmen da mudança. São, pois, os
três, retratados no exato instante em que suas vidas estão às voltas com as aflições que
antecedem seus peculiares processos de mutação. No entanto, esses dramas pessoais
prestam-se apenas de pano de fundo à manifestação da personagem central da película,
progressivamente revelada em seus diálogos: o mundo em crise e igualmente arquejante
por mudanças. Mas o mundo não se altera, se não se altera a visão de mundo. Neste
ponto é que o filme torna-se um convite – um convite a uma nova percepção, a partir das
descobertas revolucionárias da Física Moderna.
1
Fritjof Capra - PhD em Física Quântica. Teórico do ambientalismo do Terceiro Milênio.
2
Renée Weber: Prof. de Filosofia Oriental. PhD pela Universidade de Colúmbia. Editora do Revision Journal.
3
WILBER, Ken. O Paradigma Holográfico e Outros Paradoxos: uma investigação nas fronteiras da Ciência. São Paulo:
Cultrix, 1995.
4
Simpósio veiculado no Brasil pela Rede Cultura-cinco episódios. Mystic Fire Vídeo 1992 - Viodeteca TVC.
partir do século XVII, quando o mundo passou a ser encarado como máquina, os recursos
naturais tornaram-se vítimas da exploração obsessiva do homem. Infelizmente, as idéias de
Bacon continuam prevalecendo até hoje, assim como a Teoria Cartesiana de Newton e o
Dualismo e Reducionismo de Descartes. Assomam às faces de Sonia, no filme O Ponto de
Mutação, e de Capra, na conferência em Amsterdã, expressões de profunda decepção
diante da postura anti-ecológica da maioria da comunidade científica.
O filme Ponto de Mutação evidencia que, para atuarem em sintonia com a natureza,
políticos e economistas precisam mudar sua percepção da realidade, incorporando as
noções de crescimento sustentável - aquele que permite ao homem suprir suas
necessidades, sem o remorso de extinguir as oportunidades das gerações vindouras. Capra,
no simpósio, ante os olhares perplexos de célebres economistas, concede-lhes a fórmula: é
tudo uma questão de deslocamento de ênfase – “da quantidade para a qualidade, do
crescimento para a sustentação, da dominação para a parceria”. Assevera, o físico, que a
economia fracassa na solução dos problemas por falta de contexto ecológico. Já em O
Ponto de Mutação – o livro -, no capítulo intitulado A Passagem para a Idade Solar, Capra
deixa claro que a economia não pode mais permanecer unicamente nas mãos dos
economistas, devendo buscar contribuições em outras disciplinas, destacando-se, dentre
elas, a ecologia6.
5
Além do biólogo Rupert Sheldrake, o físico Peter Russell, o teólogo brasileiro Leonard Boff, o Prêmio Nobel de Química
Ilya Prigogine, o filósofo francês Edgar Morin, o ex-astronauta Edgar Mitchell, o guru da Administração de Empresas Peter
Drucker, a indiana ecofeminista Vandana Shiva, dentre outros.
6
CAPRA, F. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982.
a perceber que uma partícula é um conjunto de relações que se estendem, com o propósito
de se conectarem a outras coisas, então, só nos resta aceitar que tudo no Universo está
conectado, principalmente o homem e a natureza. Essa conexão é inevitável. Ainda que o
homem se torne um eremita, recorda o físico David Bohn - um dos representantes da
Ciência no simpósio mencionado - ainda restará, a ele, o contato com a natureza. No filme,
podemos perceber bem essa relação na figura da personagem Sonia. Ela não é
propriamente uma eremita, mas uma reclusa na ilha de La Mont Saint Michel. Mesmo que,
temporariamente e por opção, ela se prive da vida em sociedade, o contato com a natureza
permanece constante. Caminha diariamente por toda a ilha, para ouvir o que esta tem a lhe
dizer. Conectada com o fluxo da natureza, Sonia pratica justamente o que o poeta Thomas
Harrimann, em dado momento da película, recita: “As pedras falam, eu estou calado”.
Sonia Hoffmann surpreende Jack Edwards ao afirmar que, no nível subatômico, dois
seres humanos não são tomados como corpos separados, e, sim, como realidades conexas
que estabelecem trocas de energia entre si. Com inspiração nesta descoberta da Física,
vale indagar: se tudo que há no Universo se inter-relaciona, como pode o homem alimentar
a arrogância de desconsiderar a relação de interdependência existente entre ele e a
natureza e colocar-se na postura errônea de seu dominador? Se “todos são todos”,
então, o mal que causamos à natureza é a nós mesmos que causamos.
7
Dalai Lama, um dos representantes da Espiritualidade no simpósio referido à nota 3.
8
HERCULANO, Ana Maria Xavier. “Métodos e Representações: da Física Clássica à Física Moderna”. In: Temas
Pedagógicos 3: O Problema da Fundamentação dos Conhecimentos e das Ciências Humanas. Fortaleza: Universidade de
Fortaleza, 1999. (*Mestra em Sociologia pela UFC e prof. da UNIFOR/ Uece).
9
Os conceitos de ecologia rasa e ecologia profunda são oriundos da escola filosófica fundada por Arne Naess, no início da
década de 70 – Fonte: CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo:Cultrix, 2003.
Se é possível sintetizar em uma palavra o que a versão cinematográfica do livro de
Fritjof Capra nos suscita, um termo apropriado poderia ser “embate”. São cento e dez
minutos de embate entre nossa visão newtoniana/cartesiana da realidade e a visão
holística/ecológica proposta no filme. A pergunta que fervilha, à medida em que as
argumentações de Capra se sucedem na tela é: conseguirá, ele, persuadir o espectador a
modificar sua percepção de mundo? A resposta, talvez, não seja instantânea, porquanto a
proposta do físico, mesmo que atraente, exige coragem para se romper com os medos
básicos, inerentes a todo processo de mudança – o medo à perda (ansiedade pelo
abandono do vínculo anterior) e o medo ao ataque (vulnerabilidade diante de uma nova
situação)10. O filme nos coloca face a face com a necessidade de mudança e com nosso
medo de mudar. Mas essa resistência é um sentimento a atingir o mundo inteiro. A ONU, por
exemplo, no ano de 2002, em conferência realizada em Joanesburgo, estava, ainda, a
discutir a viabilidade da aplicação das idéias levantadas vinte anos atrás por Capra na obra
O Ponto de Mutação. O físico se diz atônito pelo fato de encontramo-nos hoje nas mesmas
condições do final dos anos 80.
10
Enrique Pichon-Rivière, psicanalista, formulador da teoria dos grupos operativos, buscou, com base na teoria
psicanalítica e nos aportes kleinianos, entender a inércia relativa às mudanças. Concluiu que, à frente de toda mudança, há
dois medos básicos: o medo à perda e o medo ao ataque. – Fonte: OSORIO, Luiz Carlos. Psicologia Grupal: uma nova
disciplina para o advento de uma era. Porto Alegre: Artmed, 2003.
11
Fonte: Rede Brasileira de Educação Ambiental (www.rebea.org.br). O site não informa a data da entrevista.