Suplemento Pernambuco #192: Fuga em Lilás
De Cepe, Jânio Santos, Hana Luzia e
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Suplemento Pernambuco #192 - Cepe
CARTA DOS EDITORES
E2022 começou sob o signo da alta de casos da atual pandemia, após um breve período quando tivemos a impressão de que viveríamos um novo ciclo, um ciclo de recuperação. No entanto, entramos em 2022 numa verdadeira Roda da Fortuna, como a carta que a nossa designer Hana Luzia usou para ilustrar a crônica da escritora Laura Erber que abre essa edição. Uma crônica sobre padecimento. E mais: sobre o longo trabalho do padecimento. Convalescer é um trabalho imenso, em geral penoso e muito chato. Envolve atravessar sentimentos ingratos, o fel do pessimismo, o enfado, o desespero, em certos casos o fim do ano
, começa o texto de Erber.
Padecimentos e pandemia à parte, nossa matéria de capa se debruça na obra da poeta argentina Alejandra Pizarnik, que tem sido publicada no Brasil pela editora Relicário, em cuidadosas edições, com texto da pesquisadora Fernanda Lobo. Podemos dizer que a literatura de Pizarnik gera uma relação extrema nos seus leitores. São palavras que atuam numa espécie de contágio (palavra cara para os dias que seguem). Para quem escolhe se relacionar com ela, Pizarnik tem talento para provocar um clima de limite
, aponta Lobo. E a argentina aparece nessa edição em imagens quebradas, borradas e incompletas, pelo olhar do ilustrador Guilherme de Lima, tal qual o universo que abordava em seus textos.
O Carnaval, ou melhor o não carnaval de 2022, aparece tanto na coluna da Anpocs do mês escrita pela pesquisadora Maria Laura Viveiro de Castro Cavalcanti quanto no artigo do jornalista Renato Contente sobre como as letras cantadas por Gal Costa retrataram a instabilidade emocional e política da festa nas últimas décadas. Vale ressaltar que os textos da coluna da Anpocs esse ano serão voltados a discutir as principais demandas que o Brasil vive nesse tempo tão decisivo de eleições.
Os cem anos da Semana de 1922 não foram esquecidos e são tratados em textos de Silviano Santiago e na resenha do livro da poeta modernista Julieta Barbara, escrita pela crítica Priscilla Campos, que foi resgatado após décadas de esquecimento.
Boa leitura e que a Roda da Fortuna nos seja favorável a partir de agora!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
Adelaide Ivánova, poeta, autora de O martelo; Carol Almeida, edita a série A ciência como ela é; Eurídice Figueiredo, professora de Estudos de Literatura (UFF); Guilherme Tauil, organizador de Vento vadio: As crônicas de Antônio Maria; Laura Erber, poeta, autora de A retornada; Leonardo Nascimento, mestrando em Antropologia (UFRJ); Maria Laura Viveiros de Castro, antropóloga (IFCS/UFRJ); Matheus Mota, ilustrador de A ciência como ela é; Paloma Vidal, crítica literária e professora (Unifesp); Silviano Santiago, crítico literário e autor, entre outros, de Uma literatura nos trópicos e Fisiologia da composição.
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITORA ASSISTENTE
Priscilla Campos (Interina)
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
Guilherme de Lima, Luis E. Jordán e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
ReVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: [email protected]
Telefone: (81) 3183.2756
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Convalescer é um tipo de trabalho
Flores brancas, cansaço, medo e doenças nos levam para futuro de incertezas
Laura Erber
HANA LUZIA
Convalescer é um trabalho imenso, em geral penoso e muito chato. Envolve atravessar sentimentos ingratos, o fel do pessimismo, o enfado, o desespero, em certos casos o fim do ano.
Nem sempre a convalescença proporciona o luxo da leitura ou das boas ideias literárias. Custa muito passar mal e é desgostoso ter de atravessar horas e horas em função do próprio mal-estar.
Foi mais ou menos assim que me vi convalescente, exausta, entediada, atenta e monotemática, impedida de escrever a crônica do mês dentro do prazo. Na virada do ano, sequestrada pelo aparato dos cuidados médicos pós-operatórios por conta de uma questão não grave nem aguda, mas também não desimportante, tive de fazer a passagem abraçada ao ceticismo. Velho amigo, velho inimigo.
Você sabe como se chama a flor branca que nos puxa para o futuro? O ceticismo abre a boca e diz que não há futuro, e muito em breve não haverá flores brancas. O ceticismo ri com a boca cheia de dentes. Laurie Anderson tem um poema sobre o nome das flores brancas.
Havendo seres sencientes, haverá poemas sobre o que nos empurra para o futuro, haverá ainda e apesar de tudo aceleração dos corpos que se sentem atraídos mutuamente, flores brancas cujo nome nos escapa, o sem sentido dos tempos.
A distância entre a descrição médica de como tudo vai se passar no futuro e como tudo de fato se passa no presente pós-cirúrgico é sempre maior que a distância entre fato e ficção, superstição e realidade, mito e verdade, a intenção da escritora e o seu romance publicado.
Romances são maquetes, são modelos, dizia Barthes, são um tipo especial de simulação do mundo; já as descrições médicas são simulações das próprias descrições médicas, remetendo aos sonhos descritos em livros imaginados pela medicina. Por isso, talvez, a caligrafia médica seja frequentemente uma caligrafia de outra espécie, matéria onírica, como os nomes de fantasia, uma literatura para detetives, palavras com que as próprias palavras sonham em se vestir.
Das coisas que chamam atenção no ambiente hospitalar, o fato de os decoradores desses espaços terem achado razoável e até inteligente adotar a estética dos shoppings diz algo sobre nossa indigência. Há crematórios que também se esforçam por parecer shoppings, e é talvez por isso que alguns shoppings se pareçam tanto com o inferno.
Enquanto aguardava o tomógrafo começar a funcionar, pude admirar a fotografia de uma copa de árvore em contraluz que decorava o teto da sala. O contraste entre o cheiro da sala e o não cheiro da árvore era atordoante. A imagem era bem-feita, bem-impressa, montada em caixas de luz. Tão artificialmente real, que eu quase poderia dizer que, de fato, fiquei um tempo sob aquela árvore aguardando a chegada da técnica, absorvendo os feixes reluzentes que atravessavam a copa verdejante e batiam sobre meus olhos, ofuscando um pouco a visão. Quanto tempo estive ali? Não sei o que pensar sobre esse tipo de imagem que dá tapinhas no nosso ombro e diz, com uma voz falseada, vai ficar tudo bem, querida. Por outro lado, a imagem fala comigo e me diz com eloquência que odeio estar naquele lugar onde estou, à espera da técnica do aparelho há vários minutos, o que ao menos me deu tempo para decidir que desta vez vou me recusar a tomar o contraste, e se me perguntarem vou dizer que já estou quase vomitando antes de tomar qualquer coisa.
De volta ao corredor do shopping, explico ao médico que não quis tomar o contraste, ele diz que se o exame não ficar bom vou te devolver para máquina
. Rio da sua honestidade, é bom quando as palavras não mentem, ele ri de volta, e já nada faz muito sentido, nem a imagem da copa da árvore, nem o laser que nos vai fatiando em camadas de imagens muito finas, a fala espontânea do médico que sem me conhecer acha por bem