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Análise do Sistema de Exploração dos Recursos Florestais em Moçambique

Book · November 2014

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Tarquinio Mateus Magalhães


Eduardo Mondlane University
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Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

Novembro de 2014 Maputo, Novembro de 2014


Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique
Ficha técnica

Título: Análise do Sistema de Exploração dos Recursos


Florestais em Moçambique
Publicação: Justiça Ambiental
Elaborado por: Tarquínio Mateus Magalhães
Coordenação e revisão:
Equipe Justiça Ambiental Daniel Ribeiro
Vanessa Cabanelas
René Machoco
Edição de texto: Justiça Ambiental – Janice de Lemos
Layout: Lourenço Dinis Pinto

Distribuição gratuita
Maputo, Novembro de 2014
O conteúdo desta publicação é de inteira responsabilidade da
Justiça Ambiental e de nenhuma maneira reflecte a posicão ou
opinião dos financiadores.
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

4 Resumo
RESUMO
Resumo
O objectivo desde estudo é analisar os principais componentes para
assegurar a sustentabilidade das lorestas, identi icar as lacunas no
sistema lorestal e analisar criticamente os fundamentos e argumen-
tos utilizados na justi icação das lacunas do sistema lorestal em Mo-
çambique. Moçambique é um país rico em recursos lorestais: as lo-
restas produtivas cobrem aproximadamente 26,9 milhões de hectares
e 13 milhões de hectares são de inidos como áreas não adequadas
para a produção de madeira, principalmente onde estão localizados
os Parques Nacionais e as Reservas Florestais.
O elevado nível de pobreza em Moçambique constitui o principal
constrangimento para a gestão sustentável dos recursos naturais por
isso, o Governo de Moçambique, de iniu em 1997, na sua Política e
Estratégia de Florestas e Fauna Bravia, o objectivo social referente
ao envolvimento das comunidades locais no maneio e conservação
dos recursos lorestais, tendo em consideração a dependência das
comunidades pelos recursos naturais. No entanto, ainda não estão
alcançados os resultados desejados, pois as comunidades continuam
sendo prejudicadas e a fome e a urgência de satisfação das necessida-
des básicas não permitem que a comunidade tenha um horizonte de
plani icação e uso dos recursos a longo prazo. Ademais, os bene ícios
previstos para a comunidade, no âmbito da exploração dos recursos
lorestais na sua área, ainda não se traduzem em acções concretas,
pois não existem mecanismos claros para fazer chegar este fundo às
comunidades.
Por sua vez, o processo de iscalização dos recursos lorestais e
faunísticos ainda não traz resultados satisfatórios, pois existem vá-
rios constrangimentos que fragilizam o processo.
Os instrumentos de inidos para a avaliação e gestão dos recursos
lorestais - inventário lorestal e plano de maneio - da forma como
vêm sendo feitos em Moçambique não permitem uma determinação
exacta dos recursos que existem assim como o seu ritmo de cresci-
mento. Este facto deriva principalmente destes documentos serem
elaborados à base de estimativas estatísticamente não recomendadas
e que não consideram a variação das condições ecológicas do país o
que compromete os resultados inais obtidos. 5
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

Lista de Acrónimos e Abreviaturas


CAA – Corte Anual Admissível
CENACARTA – Centro Nacional de Cartografia e Teledetecção
COGEP – Conselho de Gestão de Participativa
DAP – Diâmetro a Altura de Peito
DINAGECA – Direcção Nacional de Geografia e Cadastro
DIRN – Departamento de Inventário de Recursos Naturais
DMC – Diâmetro Mínimo de Corte
DNFFB – Direcção Nacional de Florestas e Fauna Bravia
DNTF – Direcção Nacional de Terras e Florestas
EIA - Environmental Investigation Agency (Agência de Investigação Ambiental)
FAEF – Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal
FAO – Organização das Nações Unidas Para Alimentação e Agricultura
GIS – Sistema de Informação Geográfica
ha/ano – Hectar por ano
IIAM – Instituto de Investigação Agrária de Moçambique
IMAv – Incremento Médio Anual do Volume
km – Quilómetro
LFFB – Lei de Floresta e Fauna Bravia
MCRN – Maneio Comunitário dos Recursos Naturais
m3 – Metro cúbico
m3/ano – Metro cúbico por ano
m3 há-1/ano – Metro cúbico por hectar por ano
ONG – Organização Não Governamental
PEDFFB – Politica e Estratégia de Desenvolvimento das Florestas e Fauna Bravia
SDAE – Serviços Distritais de Actividades Económicas
SPFFB – Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia
WRM – World Rainforest Movement
6 %- Percentagem
ÍNDICE

Índice
1. INTRODUÇÃO 9

2. METODOLOGIA 13

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 15
3.1. Sustentabilidade das Florestas Moçambicanas 15
3.2. Definição do volume de madeira permitido relativamente
ao ritmo de crescimento das florestas 18
3.3. Diâmetro Mínimo de Corte 24
3.4. Características do corte ilegal em Moçambique 26
3.5. Inventários Florestais e Planos de Maneio 28
3.5.1. Inventários Florestais Nacionais e Provinciais 28
3.5.2. Plano de Maneio 33
3.6. Processo de Fiscalização Florestal em Moçambique 37
3.6.1 Principais Constrangimentos da Fiscalização
Florestal em Moçambique 39
3.7. Investimentos do Sector Florestal 40
3.8. Participação das Comunidades locais na gestão dos
Recursos naturais 41

4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 47
4.1. Conclusões 47
4.2. Recomendações 49

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 53 7
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

8 Introdução
1. INTRODUÇÃO
1. Introdução
Moçambique é um país rico em recursos lorestais, com uma área
lorestal de aproximadamente 40,6 milhões de hectares e 14,7
milhões de hectares de outras áreas arborizadas (DNTF, 2007).
As lorestas produtivas cobrem aproximadamente 26,9 milhões
de hectares, enquanto 13 milhões de hectares são de inidos como
áreas não adequadas para a produção de madeira, principalmente
onde estão localizados os Parques Nacionais e as Reservas Flores-
tais. As lorestas que têm algum tipo de protecção legal ou estado
de conservação cobrem cerca de 22% da extensão lorestal total
de Moçambique (WRM Bulletin, 2009).
A maioria dos moçambicanos vive em áreas rurais e depen-
de dos recursos naturais para a sua subsistência diária. Segundo
Nhabanga e Ribeiro (2009), apenas 7 a 9% da população total de
Moçambique tem acesso à electricidade, cabendo à restante popu-
lação fazer o uso da lenha, do carvão, petróleo e do gás. No entan-
to, o baixo acesso à electricidade, não se deve à baixa produção de
energia no país, mas à priorização desta para exportação e indus-
trialização. Consequentemente, a colecta de lenha e a produção de
carvão vegetal para efeitos de cozinha e aquecimento representa
mais de 85% do consumo total de energia no país. Para além de
usos com ins energéticos, a madeira comum e a madeira preciosa
também são usadas pelas comunidades na construção de casas e
nas artes e o ícios. Madeiras de todo tipo, incluindo as de alto va-
lor são usadas pelas comunidades para a construção de moradias
e para artesanato, especialmente entalhes e esculturas.
Segundo Marzoli (2007), uma das principais causas do desma-
tamento no país é a pressão humana que provoca as queimadas
das áreas lorestais para abrir áreas de cultivo, colecta de lenha
e produção de carvão. O índice de desmatamento anual no país
está na casa dos 219.000 ha/ano, equivalente a uma mudança de
0,58% ao ano (DNTF, 2007).
Apesar de Marzoli (2007) sugerir que os índices de desma-
tamento estão directamente relacionados com a densidade de-
mográ ica por província, há vários estudos que indicam que as
principais causas de desmatamento são a extracção ilegal e insus- 9
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

tentável de madeira, e em menor medida, as queimadas lorestais. A


exploração ilegal das lorestas é um problema bem documentado e,
com base em estimativas feitas pela DNFFB (2002) e a FAO (2003), a
produção clandestina de madeira em Moçambique pode ser respon-
sável por 50 a 70% da produção nacional total.
Estatísticas o iciais indicam que mais da metade do volume de
madeira comercial explorada nos últimos anos é obtido apenas de
três espécies comerciais: Afzelia quanzensis (Chanfuta), Pterocarpus
angolensis (Umbila) e Millettia stuhlmannii (Panga-panga), e a outra
metade corresponde a mais de 28 espécies (FAEF, 2013). Por outro
lado, apesar de escassez de dados, a exploração madeireira ilegal nas
suas diferentes formas é provavelmente um dos factores da degrada-
ção da loresta nativa que poderá ter implicações na sustentabilidade
da produção madeireira se não forem tomadas e reforçadas as medi-
das correctivas (FAEF, 2013).
A aprovação da Lei de Florestas e Fauna Bravia em 1999 (Lei no
10/99) assim como o respectivo regulamento em 2002 pelo Decreto
no 12/2002 constituíram sinais importantes não só por trazer uma
base legal para o combate ao corte ilegal como também por incluir
novas abordagens tais como a possibilidade de participação das co-
munidades locais, do sector privado e da sociedade civil em geral em
acções inerentes ao combate ao corte ilegal. No entanto, Moçambique
não possui um sistema de maneio lorestal e iciente, o que leva a uma
exploração inadequada dos recursos lorestais. A maioria do volume
de madeira explorado é através de operadores de licença simples em
vez de exploração em regime de concessão. A fraca capacidade indus-
trial para a transformação secundária dos toros em madeira serrada
ou outros produtos acabados leva a que muita madeira exportada
seja em toros brutos, trazendo retornos relativamente reduzidos em
comparação à madeira serrada (PEDFFB, 1999), que é mais cara de-
vido ao acabamento.
Dado o referido acima, é objectivo desde estudo analisar os prin-
cipais componentes para assegurar a sustentabilidade das lorestas,
identi icar as lacunas no sistema lorestal e analisar criticamente os
fundamentos e argumentos utilizados na justi icação das lacunas do
sistema lorestal em Moçambique.
10
1. INTRODUÇÃO

11
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

12 Metodologia
2. METODOLOGIA
2. Metodologia
A realização deste estudo foi baseada na revisão de literatura, que
consistiu num apanhado sobre os principais trabalhos cientí icos já
realizados sobre o tema em estudo e que são revestidos de impor-
tância por serem capazes de fornecer dados actuais e relevantes.
Abrangeu publicações avulsas, livros, jornais, revistas, relatórios de
inventários lorestais provínciais, nacionais, de concessões lorestais
e respectivos planos de maneio.

13
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

14 Resultados e Discussão
3. RESULTADOS E
3. Resultados e Discussão DISCUSSÃO

3.1. Sustentabilidade das Florestas


Moçambicanas
A inalidade de qualquer sistema de maneio lorestal racional é con-
seguir que as lorestas forneçam continuamente bene ícios económi-
cos, ecológicos e sociais, mediante um planeamento mínimo para o
aproveitamento dos recursos madeireiros e não-madeireiros dispo-
níveis (Gama et al. 2005).
A Política de Desenvolvimento de Florestas e Fauna Bravia (PE-
DFFB) de ine como objectivo geral, para um horizonte a longo prazo
o seguinte: “…proteger, conservar, desenvolver e utilizar de forma sus-
tentável os recursos ϔlorestais e faunísticos para o beneϔício económi-
co, social e ecológico da actual e futura gerações de moçambicanos…”.
Devendo, assim, haver um equilíbrio entre os objectivos de produção
e conservação, bem como entre os objectivos económicos, sociais e
ambientais.
De acordo com Mackenzie (2006) três pilares são fundamentais
para uma gestão sadia do sector das lorestas com vista a garantir o
desenvolvimento local a longo prazo: (i) um sistema para limitar o
corte anual para níveis que possam ser sustentáveis a longo prazo;
(ii) concessões lorestais, com planos de maneio, de áreas su icien-
tes para serem económicas; e (iii) processamento dentro do país com
uma capacidade industrial que esteja em equilíbrio com a produtivi-
dade das lorestas.
No entanto, de acordo com Nhantumbo & Macqueen (2004), ci-
tados por Nube (2013), o elevado nível de pobreza em Moçambique
constitui o principal constrangimento para a gestão sustentável dos
recursos naturais comprometendo os três pilares para uma gestão sa-
dia referidos por Mackenzie (2006). A fome e a urgência de satisfação
de necessidades básicas não permitem que a comunidade tenha um
horizonte de plani icação e uso dos recursos a longo prazo. Assim, o
Governo de Moçambique, de iniu em 1997, na sua Política e Estraté-
gia de Florestas e Fauna Bravia o objectivo social referente ao “envol-
vimento das comunidades locais no maneio e conservação dos recursos 15
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

ϔlorestais”, tendo em consideração a dependência das comunidades


pelos recursos naturais. Com base nesse conhecimento, surgiram as
iniciativas de Maneio Comunitário dos Recursos Naturais (MCRN)
que visam melhorar simultaneamente as condições de vida das co-
munidades rurais e garantir a participação e a gestão sustentável dos
recursos disponíveis. Mesmo assim, ainda não foram alcançados os
resultados desejados, pois as comunidades continuam sendo preju-
dicadas.
Segundo o IIAM (2009), a exploração de recursos lorestais para
diferentes ins e principalmente a exploração de biomassa lenhosa e
madeireira das lorestas naturais, não está a ser realizada com base
num conhecimento da ecologia e requisitos das espécies nativas que
compõem estas formações, sua capacidade de regeneração e taxas de
incremento, e nos processos de evolução e sucessão lorestal após
perturbação. Isto resulta na degradação dos ecossistemas, pondo em
causa a sustentabilidade do recurso lorestal. Assim sendo, é impres-
cindível que se adquira um conhecimento destes processos funda-
mentais para que se desenvolvam programas de maneio que garan-
tam a capacidade de regeneração e desenvolvimento das espécies e
que identi iquem tecnologias silviculturais adequadas às diferentes
formações lorestais.
Ainda pode-se notar, segundo relatos do Jornal Notícias, publica-
do no blogue Moçambique para Todos em 2013, que a exploração lo-
restal em Moçambique é um negócio que lesa o Homem e a natureza,
pois a mão do Estado continua curta demais para conter os desman-
dos que crescem e se so isticam nas lorestas moçambicanas. Segun-
do a mesma fonte, tudo acontece apesar do recente agravamento das
multas previstas na Lei de Florestas e Fauna Bravia, através do De-
creto 76/2011 de 30 de Dezembro, reforçado pelo Decreto 30/2012,
de 1 de Agosto, que actualiza os requisitos para a exploração lorestal
em regime de licenças simples. Paralelamente, o governo agravou as
taxas de exploração lorestal e faunística, através do Diploma Ministe-
rial 293/2012, de 7 de Novembro, que ixa aumentos em mais de 150
por cento comparativamente aos valores que vinham sendo pratica-
dos ao abrigo do Decreto 12/2002, de 6 de Junho.
O Decreto 12/2002 concede exclusividade aos cidadãos moçam-
16 bicanos, a título individual, colectivo ou comunitário, para a explora-
ção dos recursos lorestais para ins comerciais, industriais ou ener- 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
géticos, a coberto das licenças simples. Estas licenças, válidas por
períodos de um ano, abrem o direito de exploração de qualquer tipo
de recursos lorestais até ao limite de 500 m3, numa área equivalen-
te, sujeita a um plano de maneio simpli icado. A operação deste tipo
de licenças, ganhou espaço sobretudo nas províncias de Inhambane,
Manica, Zambézia e Nampula, onde nos últimos anos se assistiu à
emergência de muitos operadores neste regime, atraídos tanto pelas
facilidades que o mesmo oferece quanto pela abertura que a Lei dá
à exportação em toros, da madeira explorada em moldes de licença
simples. Como consequência desta abertura aumentou o nível de pro-
cura de produtos lorestais e consequentemente da pressão exercida
sobre as lorestas, situação favorecida um pouco pela fragilidade dos
mecanismos de iscalização, e pela explosão do mercado chinês como
alternativa rentável para a colocação da produção dos operadores de
licenças simples.
Assim, mesmo os operadores lorestais munidos de licenças sim-
ples foram acelerando as incursões pelas matas do país, abatendo ár-
vores de todas espécies sem preocupação com algum critério de sus-
tentabilidade. Em contraponto a este regime de exploração, o Estado
autoriza, através do artigo 25 do Decreto 12/2002, as concessões
lorestais, permitidas a qualquer pessoa singular ou colectiva, nacio-
nal ou estrangeira ou grupos comunitários interessados em explorar
recursos lorestais para ins comerciais, industriais ou energéticos, de
acordo com um plano de maneio elaborado com observância do regu-
lamento sobre avaliação ambiental.
Para o Jornal Notícias, todo este cenário deixa clara a protecção do
Estado aos operadores de licenças simples, ao colocar-lhes em igual-
dade de circunstâncias no acesso ao mercado de exportação de ma-
deira em toros, quando na verdade é aos operadores das concessões
que recai o maior peso de custos de exploração, devido às condições
e investimentos que a Lei impõe para se aceder e operar uma conces-
são lorestal, mas a opinião dos operadores de licença simples é de
que os operadores de concessões continuam em vantagem, pois não
têm que procurar novas zonas de 5 em 5 anos e têm maior segurança
nos investimentos, pois o período de intervenção é longo e garantido
no contrato.
17
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

No entanto, há que realçar que as concessões lorestais garantem a


sustentabilidade teoricamente, à medida que o plano de maneio nun-
ca é implementado e muitas vezes este é de icitário e visto como um
documento burocrático aos olhos dos concessionários, fazendo com
que no inal do dia, as concessões lorestais degradem a uma escala
maior as lorestas uma vez que estas são dotadas de equipamentos
de exploração avançados o que associado à exploração desregreda
traz danos ambientais assustadores. Senão vejamos: o Artigo 29 do
Decreto 12/2002 diz que a concessão lorestal deve ser dividida em
blocos de exploração anual; no entanto, em raros planos de maneio
as concessões lorestais são divididas em blocos de exploração o que
faz com que, em cada ano, o concessionário explore a área que bem o
convier. Isso traz consigo outro problema: a ausência de inventários
pré-exploratórios que, normalmente, devem ser realizados em cada
ano e em cada bloco de exploração anual (Sitoe e Bila 2002); fazendo
com que não haja plani icação da exploração e mapeamento da ex-
ploração lorestal (mapeamento de abate e arraste), resultando em
abate não dirigido, arraste desordenado que por sua vez causa dano
na vegetação remanaescente, especialmente na regeneração natural
não estabelecida, que é a mais vulnerável. Esse fenómeno arrasta-se
para todo período em que durar o contracto da concessão, que tem o
máximo de 50 anos renováveis. Do outro lado, nos planos de maneio
em que tais blocos existem, simplesmente são ignorados pelos con-
cessionários. Recomenda-se, portanto, como medida para minimizar
tal facto que, anualmente, os concessionários façam um inventário
lorestal de pré-exploração do bloco a ser explorada, onde deverá ser
incluso um mapa de abate e arraste, identi icadas as árvores matrizes
para a produção de sementes e os principais tratamentos a realizar
antes e depois da exploração. Este inventário deverá ser entregue e
aprovado pelos SPFFB.

3.2. Definição do volume de madeira


permitido relativamente ao ritmo de
crescimento das florestas
De acordo com Marzoli (2007), o Corte Anual Admissível (CAA), que
corresponde ao volume anual de madeira ou biomassa que poderá
18
ser retirado em cada compartimento de exploração, com vista a ga- 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
rantir a sustentabilidade do recurso situa-se entre 515.700 – 640.500
m3/ano para as espécies preciosas e da primeira classe e entre 2
143.900-2 309.300 m3/ano para todas espécies comerciais. De acor-
do com fontes governamentais, os volumes explorados no país situ-
am-se entre 25 a 38% do CAA das espécies preciosas e de primeira
classe (DNTF, 2010). Com base nestes volumes, pode se entender que
a exploração de madeira no país, em geral, está a ser efectuada dentro
dos intervalos do CAA, garantido deste modo a sustentabilidade do
recurso (DNTF, 2010), mas não é o que acontece na realidade pois a
maior quantidade de madeira explorada é feita de forma ilegal e não
existem registos da sua exploração o que conduz a cortes acima do
volume permissível em algumas províncias. Steierer (2011) mostrou
que em 2010 apenas, foram explorados cerca de 11.203.998 m³ de
lenha para a produção de carvão, cinco vezes maior ao CAA reportado
por Marzoli (2007).
O estudo realizado pela EIA (2013) revela que em 2012, a expor-
tação de madeira para China aumentou em 22%, estando somente
40.000 m3/ha abaixo do CAA de Moçambique. Esta tendência de-
monstra que, em 2013, as importações chinesas excederam o CAA
de Moçambique. Segundo Mackiensie & Ribeiro (2009), continua a
haver discrepâncias entre os valores reportados pelas entidades res-
ponsáveis pela tramitação e controle da exploração da madeira, tais
como SPFFB que emite as licenças, as Alfândegas e a Cornelder que
processam as licenças. A titulo de exemplo o estudo apresenta dados
o iciais das três entidades acima, referentes aos anos de 2004 a 2007
que ilustram uma grande discrepância. Os dados apresentados pelos
SPFFB, são os mais baixos, apresentando-se numa diferença acima
de 100%. A título de exemplo, no ano de 2007, os SPFFB registaram
um total de 18,487m3 de exportações de madeira em toros e madeira
serrada enquanto as Alfandegas registaram 47,257m3 e a Cornelder
41,405m3. Com estes dados, re lecte-se, tal como refere o estudo, que
os SPFFB facilitam o processo de exportação ilegal de madeira.
Neste caso, informação sobre o crescimento das espécies arbóreas
é fundamental para uma avaliação futura dos níveis de madeira que
a loresta pode oferecer. Em lorestas naturais, a avaliação da taxa de
crescimento é bastante complexa para uma grande gama de espécies
19
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

arbóreas com diferentes padrões de taxas de crescimento. Em geral,


Moçambique não dispõe de dados consistentes sobre a taxa de cres-
cimento das espécies nativas. Contudo, para efeitos de estimativas,
utilizam-se dados esporádicos da região com condições ecológicas
comparáveis. Assim, a avaliação dos dados existentes dentro do país
sugerem um Incremento Médio Anual do Volume (IMAv) que varia
entre 0.4 a 1.6 m3 ha-1/ano, que pode não constituir a realidade de
toda região pois é in luenciada pelas condições ecológicas, que va-
riam de região para região (António, 2001).
Os resultados do estudo feito pela FAEF (2013a) mostram uma
tendência crescente do consumo doméstico dado provavelmente pela
melhoria das condições de vida, sobretudo, nas cidades e por outro
lado pelo crescimento da população e das necessidades em produ-
tos madeireiros. Apesar da tendência crescente, de acordo com tal
estudo, o consumo doméstico manteve-se dentro dos limites do cor-
te anual admissível. Entretanto, é preciso observar que o consumo
doméstico concentra-se apenas em poucas espécies, cerca de 85%
do consumo doméstico de madeira nativa nas cidades é derivada de
apenas três espécies, nomeadamente Chanfuta, Umbila e Jambire. As-
sumindo este valor percentual para todo o país, o consumo das três
espécies foi estimado em um pouco mais de 352 mil m3/ano, valor
que se encontra acima do CAA estimado por DNTF (2008) para as três
espécies (cerca de 200 mil m3/ano).
A solução, segundo o estudo, passa por uma ampla promoção
de espécies secundarizadas com grande potencial de uso e dispo-
nibilidade como é o caso das Messassas (Brachystegia speciformis e
Julbernardia globiϔlora). Estas duas espécies têm os maiores CAAs.
As carpintarias da cidade da Beira têm mostrado ampla experiência
no uso de espécies secundarizadas, onde as Messassas e a Missanda
contribuem com cerca de 38% do consumo local. O volume de ex-
portações tem igualmente mostrado uma tendência crescente com
os anos e também encontra-se dentro dos intervalos do corte anual
admissível. Entretanto, o volume explorado que resulta do somatório
do consumo doméstico e das exportações baseadas em estatísticas
o iciais do sector lorestal, tem apresentado uma tendência crescente,
apresentando um valor ligeiramente superior ao corte anual admissí-
vel em 2011. Estimativas baseadas em dados de países destinatários
20
apresentaram valores maiores que o limite superior do corte anual 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
admissível nos últimos três anos (FAEF, 2013a).
Face a esta tendência crescente de procura de produtos madei-
reiros, a FAEF (2013a), chama à necessidade da adopção de estraté-
gias de modo a garantir a sustentabilidade da exploração madeireira,
onde a promoção de plantações lorestais pode ser uma estratégia
chave. Quando bem trabalhada a madeira de plantações de rápido
crescimento como Pinus e Eucaliptos pode substituir em certa me-
dida a madeira nativa, tal como já se veri ica na cidade de Chimoio e
na província de Manica em geral, e que poderia ser replicada noutras
províncias do país.
Dados disponíveis sobre a promoção de plantações de espécies
de rápido crescimento, revelam que de 2005 a 2010 foram plantados
46.000 ha com espécies de rápido crescimento e mais de 500 mil hec-
tares foram atribuídos a diferentes empresas para o estabelecimento
de novas plantações com a inalidade de produção de madeira. Esti-
ma-se que se as plantações já estabelecidas até então fossem destina-
das a produção madeireira para o consumo doméstico, considerando
uma rotação de até 25 anos, resultariam numa produção de madeira
em toro de pelo menos 300 mil m3/ano, volume correspondente a
um pouco menos de metade do CAA actual da loresta nativa para as
espécies da classe preciosa e da primeira. Os mais de 500 mil hectares
atribuídos as empresas lorestais constituem um passo importante
para o alívio da pressão sobre a loresta nativa, mas uma estratégia de
longo prazo deveria ser desenhada pelas autoridades competentes de
modo a garantir o re lorestamento efectivo dessa área e que parte da
produção seja revertida para o consumo doméstico.
No entanto, há que salientar que tais plantações, que a FAEF
(2013a) sugere a sua promoção, são estabelecidas em áreas com lo-
restas nativas secundárias, onde predominam arbustos e árvores de
pequeno porte, devido à exploração passada. Portanto, para além dos
bene ícios acima mencionados, as plantações lorestais contribuem
para o declínio da biodiversidade à medida que extensas áreas com
lorestas nativas secundárias são destruídas para dar lugar a uma
única espécie exótica.

21
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

A promoção das plantações lorestais sugerida pela FAEF (2013a)


subentende que o principal objectivo dos recursos lorestais é a pro-
dução da madeira, o que é incorrecto. Para além das inúmeras des-
vantagens das plantações, estas não fornecem os mesmos serviços e
produtos às comunidades locais que as lorestas secundárias que são
destruídas para dar acesso às plantações lorestais. Não há produtos
lorestais não madeireiros associados às plantações lorestais, tais
como os tubérculos para alimentação, plantas medicinais, gramíneas
e cordas para construções rústicas, ratazanas para a alimentação, le-
nha e ervas comestíveis que geralmente crescem no sub-bosque das
lorestas. Aliás, o efeito alelopático de algumas plantações lorestais
(ex.: as de eucaliptos) não permite que haja o estrato graminal e her-
báceo no sub-bosque.
Ademais, se cerca de 85% do consumo doméstico de madeira na-
tiva nas cidades é derivada de apenas três espécies arbóreas, a pro-
moção das plantações lorestais mostra-se controversa. No entanto,
a promoção de espécies arbóreas nativas secundarizadas como já
adiantado pela FAEF (2013a) mostra-se como a melhor solução.
As plantações lorestais que estão a tomar de assalto as lorestas
nativas e áreas onde outrora a comunidade local praticava a agricultu-
ra itinerante e que estão a ser largamente promovidas pelo Governo,
têm como grande objectivo a produção de polpa de papel, produção
meramente industrial virada à exportação, ignorando aspectos am-
bientais básicos. Essas plantações são, na verdade, desertos verdes
– grandes áreas cobertas por vegetação introduzida arti icialmente,
seja por re lorestamento com espécies exóticas ou por plantações
de larga escala. Enquanto as lorestas nativas, sustentam e mantêm
a fauna bravia, os desertos verdes não o fazem, contribuindo para o
declíneo da biodiverdade animal.
Ainda, segundo um estudo feito na Zambézia “Tristezas Tropicais”
de Mackiensie e Ribeiro (2009) veri icou-se naquela província que,
apesar de ter se de inido um ciclo de corte de madeira para a pro-
víncia de pelo menos 30 anos, os planos de maneio eram baseados
num ciclo de corte de 20 anos. A justi icação dada a este facto era
de que caso fosse utilizado o ciclo de corte apropriado, o lucro seria
baixo demais para o negócio em questão, facto que, segundo o estudo,
22 demonstra que a sustentabilidade das lorestas está a ser sacri icada
pela conveniência comercial e pelo lucro. Ora, o ciclo de corte é de- 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
inido como o tempo entre duas explorações sucessivas no mesmo
bloco, tempo esse su iciente para que as árvores das classes diamé-
tricas imediatamente anteriores ao diâmetro mínimo de corte (DMC),
transitem para a classe seguinte, atingindo assim o DMC. Portanto, se
a exploração subsequente é feita antes de fechar o ciclo de corte, ex-
plorar-se-ão árvores sem DMC ou as que foram eleitas na exploração
passada como árvores matrizes – para garantir o banco de sementes.
Portanto, neste caso não há equilíbrio entre a intensidade de corte e o
tempo necessário para o restabelecimento do volume extraído da lo-
resta, de modo a garantir a produção lorestal contínua. Vulgarmente
falando, seria equivalente a doar sangue diariamente.
As concessões foram criadas como forma de garantir a sustenta-
bilidade da exploração lorestal e com a perspectiva de redução das
licenças simples, mas aliado a este facto o estudo “Tristezas tropicais”
revela que as concessões estão a tornar se uma forma de subcontratar
informalmente os donos de licenças simples e tem havido uma total
falta de transparência e de responsabilização no processo, onde exis-
tem demasiados actores e nenhum controlo. O estudo revela ainda
que mesmo nas concessões que estão a operar de acordo com o regi-
me preendido, que é cortar a madeira com a sua própria mão-de-obra,
processa-la numa serração apropriada e exportar a madeira serrada
ou outros produtos manufacturados, ainda não são cumpridos os re-
quisitos básicos de boa gestão. Estes operadores não trabalham com
base nos cortes anuais planeados e não há nenhum controlo espa-
cial da madeira que esta a ser colhida e isto cria um cenário em que,
apesar de haver madeira que ica na província da Zambézia, ninguém
sabe realmente onde esta está. Face a isto, a única medida do gover-
no para promoção de uma gestão sólida nas concessões resumia-se a
visitas programadas às concessões para assegurar que tinham insta-
lado as suas tabuletas de identi icação.
A título de exemplo, nos distritos de Manjacaze e Chibuto, na
província de Gaza, a empresa Madeiraarte possui uma concessão
lorestal de 7.000 hectares e como uma das suas obrigações sociais
construiu um posto de saúde local. Em contrapartida, nas áreas adja-
centes a esta concessão lorestal há operadores de licenças simples,
que embora com os mesmos bene ícios que o concessionário local, as
23
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

obrigações com as comunidades são nulas. Este facto levou com que
a Madeiraarte abandonasse, por um tempo, o contracto da concessão,
passando a comprar a madeira de Cimbiri aos operadores de licença
simples, o que, no ponto de vista económico foi mais proveitoso.
Portanto, a exploração lorestal sob contracto (concessão lores-
tal) tem custos e obrigações mais elevados do que as licenças simples,
à medida que às concessões lorestais são exigidos inventários lo-
restais e planos de maneio detalhados, obrigações sociais, ecológicas
e ambientais, avultando os seus custos. Como consequência disso,
muitos empresários preferem candidatar-se a licenças simples, que
embora competindo com as mesmas lorestas com as concessões
não demanda tantos custos e exigências. A consequência, disso é a
degradação das lorestas e do ambiente e a marginalização das comu-
nidades locais, uma vez que as licenças simples não têm obrigações
sociais, ecológicas e ambientais.

3.3. Diâmetro Mínimo de Corte


Os diâmetros mínimos de corte são estabelecidos por lei com o prin-
cipal objectivo de garantir que as árvores abatidas tenham adquiri-
do a maturidade e tenham deixado uma descendência signi icativa
(regeneração) antes do abate. No entanto, os diâmetros mínimos de
corte são únicos para todo o país, sem ter em conta as diferenças tão
fortes existentes em termos de crescimento natural pela qualidade
do sítio. Devido às condições ecológicas especí icas de cada região,
encontra-se uma limitação natural de crescimento das árvores que
faz com que muitas espécies alcancem a sua maturidade reprodutiva
e a senescência com diâmetros muito mais reduzidos que nas zonas
com melhores condições de crescimento, onde as árvores com a mes-
ma idade podem atingir diâmetros muito superiores (Tánago e Bro-
wer, 2010). Devido as mesmas limitações, a maior parte das árvores
em alguns povoamentos não conseguem ter as condições necessárias
para atingir uma forma comercialmente desejável (tortas, retorcidas,
etc.) e sem danos ou afectados por doenças que impossibilitam o seu
aproveitamento para a madeira serrada.
Devido a estas características especí icas, resultantes da ecologia
de cada região, se aplicar-se rigorosamente o critério do diâmetro mí-
24
nimo de corte, estabelecidos por lei, nalgumas regiões do país, muitas 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
espécies deixariam de ser aproveitadas, mesmo existindo a possibili-
dade de fazer-se um aproveitamento sustentável e outras seriam ex-
ploradas antes da sua maturidade. Desta forma, em casos justi icados
tecnicamente, tornam-se necessários aproveitamentos que incluam
o corte de árvores com diâmetros abaixo do mínimo recomendável
por lei, assim como o aproveitamento para produção de carvão das
árvores sem especi icações de uso madeireiro, mesmo tratando-se de
espécies não permitidas para produção de carvão, segundo a Lei de
Florestas e Fauna Bravia. Isto justi icado pelo pressuposto de que, ao
se negar a possibilidade de criar um sistema de aproveitamento ra-
cional formal para estes recursos, haverá uma tendência por parte da
população local de realizar um aproveitamento informal desorganiza-
do que pode resultar na degradação do recurso ou na sua eliminação
e ainda uma substituição do uso da terra por um outro que permita
um aproveitamento económico (Tánago e Brower, 2010).
Para além do diâmetro mínimo de corte, poderá ser necessário o
estabelecimento de diâmetro máximo de corte, especialmente para
preservação de espécies arbóreas com estratégias de reprodução
pouco conhecidas. Segundo Cunha et al. (2002), em termos de equilí-
brio é importante manter as espécies arbóreas nos dois extremos (di-
âmetro mínimo de corte e diâmetro máximo de corte), pois a suces-
são não pode prescindir dessas duas fontes de diversidade genética,
embora em termos ísico e itossanitários, admite-se que indivíduos
de grandes diâmetros podem ter atingido a produção assintótica e a
melhor alternativa seria o seu aproveitamento integral.
Os diâmetros mínimos de corte são normalmente importados de
países da região sem, muitas vezes, como já se referiu tomar em conta
as semelhanças edafo-climáticas que têm grande impacto na quali-
dade do sítio. No caso mais grave, tal importação pode culminar com
a exploração de indivíduos não adultos comprometendo portanto, a
existência de um banco de sementes para garantir a futura geração
da espécie arbórea.

25
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

3.4. Características do corte ilegal em


Moçambique
O estudo feito pela FAEF (2013) revela que o corte de diâmetros abai-
xo do DMC consta como a irregularidade mais relevante em Moçambi-
que. O corte de árvores de pequeno diâmetro é um aspecto que deve
merecer especial atenção, pois a eliminação excessiva de árvores mais
jovens pode quebrar o ciclo normal da loresta e comprometer o valor
comercial da mesma. No regime de exploração em licença simples o
abate fora da área autorizada é considerado como sendo a principal
irregularidade, seguida pelo abate sem licença. As principais espécies
comerciais são as mais afectadas pelas principais irregularidades na
exploração lorestal, são estas, o Pau-ferro, Umbila, Jambire, Mondzo,
Chanfuta e Chanate. O Pau-ferro é mais afectado pelo corte de indi-
víduos com DAPs inferiores aos estabelecidos por lei, abate fora da
área e abate não licenciado; Umbila é afectada principalmente pelo
excesso no volume de abate e abate fora da área; Mondzo pelo abate
sem licença e Chanfuta e Jambire pelo abate fora da área.
Segundo a Environmental Investigation Agency (EIA) (2013), e
outros estudos anteriores a este, mesmo que previsto na Lei de Flo-
restas e Fauna Bravia, a proibição de exportação da madeira em toros
de espécies da primeira classe, o comércio ilegal de madeira com a
China está a debilitar os esforços do governo de Moçambique na apli-
cação das leis correspondentes, estimulando também a corrupção.
Um claro padrão de corte ilegal e de contrabando de madeira, é visí-
vel na análise dos dados do comércio madeireiro sino-moçambicano
feita pela EIA (2013), onde constatou-se que em 2012, o governo de
Moçambique registou exportações de 260.385 m3 de madeira em toro
e serrada ao mundo, incluindo a China, enquanto que a China registou
importações de 450.000 m3 de madeira em toros e serrada de Mo-
çambique. A discrepância é de 189.615 m3, constituída quase inteira-
mente de madeira em toros contrabandeada por empresas chinesas,
e provavelmente composta primariamente por espécies de primeira
classe, as quais são proibidas de serem exportadas em toro. O mesmo
estudo ainda chama atenção ao facto de, se contabilizado o facto de
que a China importa 90% de toda madeira exportada de Moçambique
(e não todas as exportações globais de Moçambique), se pode infe-
26
rir que 215.654 m3, ou 48% de todas as importações da China em 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
2012, não foram registados como exportações pelas autoridades de
Moçambique. A constatação deste estudo, é de que do crescimento
do volume de madeira comercializado entre China e Moçambique, é
possível identi icar como o contrabando que abastece a demanda chi-
nesa está directamente contribuindo ao corte ilegal de madeira em
Moçambique. Para explicar o contrabando de madeira para China, o
estudo da EIA (2013), revela que várias empresas lorestais chine-
sas contam com um forte “apadrinhamento” político, o que faz com
que as mesmas infrinjam as leis moçambicanas de maneira insolente,
protegidos por aliados políticos de alto nível.
Quando analisados em valores absolutos tais volumes não pare-
cem assustadores. No entanto, há que lembrar que apenas uma pe-
quena fracção do fuste é aproveitado para a indústria e para a expor-
tação, dada a sua forma, bifurcação e rami icação das folhosas que
reduzem a sua parte aproveitável e também, devido a más práticas de
exploração. Pouco menos de 50% do fuste é aproveitado para indús-
tria. Considerando toda a árvore (parte aérea apenas) (ramos, galhos
e folhagem) tal percentagem desce drasticamente a menos de 25%.
Gomes e Sampaio (2004) a irmam que, em lorestas tropicais, do
volume total de cada fuste, apenas 40 a 60% é aproveitado, signi ican-
do que a cada 10 árvores abatidas apenas 5 são aproveitadas comer-
cialmente. Assumamos uma estimativa bastante optimista de que em
cada árvore são aproveitados 0.5 m3 de madeira (ou 1 m3 em cada 2
árvores exploradas). Isto signi ica que os 450.000 m3 declarados pela
China correspondem a 900.000 árvores abatidas apenas em 2012
(com destino a China). De referir, que estas estimativas não incluem
a vegetação destruída durante o abate, a abertura de caminhos nas
lorestas e o arraste.
Apesar das ilegalidades claras no sector lorestal, tais ilegalida-
des geralmente permanecem impunes e não são processadas pelos
SPFFB. Por exemplo, de acordo com Norfolk et al. (2004), das 54
ilegalidades observadas no sector lorestal na província de Gaza em
2003 apenas 2 foram processadas e das 74 ilegalidades observadas
na província de Maputo no mesmo ano nenhuma foi processada. Do
outro lado, das 445 ilegalidades observadas em 2003 ao nível nacio-
nal, só tem se conhecimento de terem sido processadas 2 (Norfolk et 27
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

al. 2004); o que indica que ou o processamento não está devidamen-


te documentado ou não há processamento das ilegalidades, fazendo
com que os infractores não paguem pelas suas infracções, incentivan-
do mais a ilegalidade.

3.5. Inventários Florestais e Planos de


Maneio
3.5.1. Inventários Florestais Nacionais e Provinciais
Até ao momento foram realizados três inventários nacionais por Mal-
leux (1980), Saket (1994) e Marzoli (2007) e cinco Inventários pro-
vinciais por Guambe (2005), inventários das províncias de Zambézia
e Inhambane, Ceagre (2014) na província de Sofala e Miombo (2014)
nas províncias de Inhambane e Gaza. Estes últimos três inventários
lorestais ainda estão em elaboração.
Pouco se sabe sobre o inventário lorestal por Malleux (1980).
Sabe-se, no entanto, que o inventário de Saket (1994) foi baseado em
imagens de satélite e pouco trabalho de campo, pouca validação, o
que, de alguma maneira, compromete a idedignidade dos resultados.
Este inventário mostra-se não replicável, à medida que a metodologia
usada para as estimativas não está devida e cabalmente documenta-
da, impondo, assim, ao leitor a aceitar os resultados, sem, no entanto,
poder certi icá-los.
O inventário nacional por Marzoli (2007), apesar de ter a sua me-
todologia su icientemente documentada, viola princípios básicos de
estatística, o que pode levar a conclusões não iáveis e tendenciosas
(biased conclusions). Relata-se no referido inventário que foi usada
a amostragem aleatória estrati icada. Mas lendo as páginas 31 e 32,
veri ica-se, na descrição do desenho amostral que a estrati icação não
é estatisticamente aceite, uma vez que usou as províncias (divisões
administrativas) como estratos, o que não é correcto, uma vez que
a variação da variável de interesse (volume) não é governada pelas
divisões administrativas.
É recomendado por vários autores tais como Sanquetta et al.
(2006), Husch et al. (2003) que a estrati icação deve ser com base
28 na variável de interesse (variável a ser estimada) ou numa variável
fortemente correlacionada com a de interesse. De acordo com os da- 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
dos existentes ao dispor do Departamento de Inventário de Recursos
Florestais (então Unidade de Inventário), a estrati icação tipológica
(estrati icação de acordo com os tipos lorestais) era a mais recomen-
dável, para além de ser a mais usada nas lorestas tropicais. Com as
imagens de satélite e os mapas que o Departamento de Inventário
de Recursos Florestais possuía na altura da realização do inventário,
esta estrati icação seria levada a cabo sem di iculdades.
O inconveniente de usar divisões administrativas para a estrati-
icação está no facto de a variável de interesse (volume) não variar
com a divisão administrativa, mas sim com os tipos lorestais, vio-
lando assim o objectivo da estrati icação que é criar subpopulações
homogéneas (estratos) para melhorar a precisão da estimativa da
variável de interesse. A estrati icação tipológica garantiria que para
cada tipo lorestal especí ico houvesse pouca variabilidade que em
toda a loresta do país. No entanto, na estrati icação administrativa,
pode se encontrar em cada divisão administrativa tantos tipos lores-
tais quanto na população mãe (o país, neste caso), tendo, portanto, a
estrati icação sido em vão, uma vez que não reduziu a heterogeneida-
de da população.
A consequência do referido acima é a sobrestimativa da precisão
dos resultados, ou melhor já que a estrati icação não varia com a vari-
ável de interesse, a precisão reportada acaba sendo muito melhor que
a real, dada a natureza das fórmulas que para tal se usam.
Ademais, o inventário lorestal nacional por Marzoli (2007) não
diz se a alocação das unidades amostrais dentro de cada estrato foi
proporcional ou óptima, não se sabendo se as fórmulas usadas foram
adequadas.
Diz ainda o relatório que a amostragem usada dentro de cada
estrato foi aleatória. No entanto, não foi aleatória, foi sim subjectiva,
uma vez que foi de inida uma grelha de 4 km x 4km por onde cairia a
unidade amostral. Ora, é sabido da estatística que o pesquisador não
pode interferir na escolha das unidades amostrais, no caso concreto,
não deve decidir em que local as unidades amostrais devem cair no
campo, daí a introdução da aleatorização. A selecção subjectiva das
unidades amostrais não permite o cálculo das medidas de precisão do
29
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

estudo (Philip, 1984). Ademais, a grelha usada não foi uniforme para
todos estratos administrativos, uma vez que nalgumas províncias foi
usada a grelha de 4 km x 4 km e noutras uma grelha de 2 km x 2 km.
Esta modi icação implica também uma modi icação nos estimadores
a serem usados, o que não foi o caso.
Lê-se da metodologia do inventário lorestal nacional por Marzo-
li (2007) a seguinte frase: “A selecção das amostras foi levada a cabo
através de uma amostragem aleatória restritiva/modiϔicada, onde
uma grelha de pontos de 4 km por 4 km (grelha de 2 km por 2 km para
os inventários provinciais de Manica e Maputo) foi imposta e levada
como base de amostragem.” No entanto, fazendo tal imposição, o de-
senho amostral dentro dos estratos deixa de ser aleatório e objectivo,
passando a ser subjectivo. Alguns estaticistas podem defender que
este desenho amostral é sistemático, no entanto, não pode ser con-
siderado assim, uma vez que na amostragem sistemática a primeira
unidade amostral é sempre seleccionada aleatoriamente (Jayaraman,
2000 e Husch et al., 2003). Seja como for a amostragem subjectiva
e sistemática, compartilham do facto de que as medidas de precisão
do estudo não poderem ser calculadas, uma vez que o cálculo deles
requer a existência de, pelo menos, duas unidades aleatórias (Philip,
1984 e Husch et al., 2003).
Aquando do lançamento do concurso para os inventários provín-
cias de Gaza, Inhambane, Sofala, Nampula, Cabo Delgado e Tete, as
empresas que ganharam os concursos para as províncias de Gaza,
Inhambane, Nampula e Sofala, haviam sugerido a amostragem alea-
tória estrati icada, com a alocação proporcional das unidades amos-
trais e estrati icação tipológica. Mais tarde estas empresas viriam a
ser impostas pelos técnicos do Departamento de Inventário de Recur-
sos Naturais, provavelmente inspirados por Marzoli (2007), a usarem
uma grelha regular de 14 km x 14 km para a distribuição das unida-
des amostrais, ou seja, uma parcela em cada 14 km ou em cada área
de 196 km2.
Ora, a distribuição regular das unidades amostrais é claramente a
amostragem sistemática. No entanto, este desenho amostral é o me-
nos recomendado para inventários lorestais e quaisquer pesquisas
lorestais. Cientistas lorestais, estaticistas e vários autores tais como
30 Husch et al (2003), Philip (1984), Freese (1984), Stellingwerf (1993),
de Vries (1986), Jayaraman (2000), FAO (1981), etc, desencorajam o 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
uso de amostragem sistemática por razões estatísticas.
O uso de amostragem sistemática não permite que se calculem,
que se estimem as medidas de precisão do inventário lorestal (tais
como: variância, desvio padrão, variância da média, erro padrão, co-
e iciente de variação, erros de amostragem, intervalos de con iança),
como já foi referido, isso porque este desenho amostral viola o pres-
suposto básico de amostragem: a selecção aleatória e, portanto, in-
dependente das unidades amostrais da população. Isto é: o cálculo da
variância e por conseguinte, do erro padrão e de outras medidas de
precisão, requer que sejam, no mínimo, seleccionadas aleatoriamente
duas unidades amostrais da população (Husch et al.,2003; FAO, 1981
e Jayaraman, 2003.), é por isto que este desenho amostral não produz
medidas de precisão válidas. Portanto, já que na amostragem siste-
mática só a primeira unidade amostral é seleccionada aleatoriamente
ou, neste caso especí ico, o ponto inicial da grelha (grid) é o único
ponto aleatório, então este desenho amostral é considerado como
tendo o tamanho de amostra igual a unidade (n=1) (Khol, 1993), não
permitindo a estimativa da medidas de precisão.
Alguns autores, tais como Husch (1963), Husch et al. (1982) e
Husch et al. (2003) sugerem, no entanto, que se a população em es-
tudo (a loresta) tiver seus elementos totalmente distribuídos aleato-
riamente, sem exibir nenhum padrão de variação, a amostragem sis-
temática será equivalente a amostragem aleatória simples e portanto,
as fórmulas desta última podem ser usadas sem bias. No entanto, não
existem populações biológicas, tais como lorestas, em que, os seus
elementos são aleatoriamente distribuídos (Husch et al., 1982, Hus-
ch, 1963). No caso, do nosso país, ocorrem subpopulações agregadas
(aglomeradas), tal é o caso de populações de Mecrusse e Mopane, su-
gerindo assim, que os elementos não são aleatoriamente distribuídos
na população e descartando a possibilidade do uso de fórmulas de
amostragem aleatória simples para a amostragem sistemática.
Normalmente, antes da estrati icação e da alocação das unidades
amostrais na população, descartam-se os usos e cobertura de terra
que não são objecto de estudo num inventário lorestal, tais como
áreas habitacionais, corpos de água natural, áreas descobertas. No
entanto, a grelha de unidades amostrais sugerida pelo Departamento 31
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

de Inventário de Recursos Naturais, uma vez que é regular e equi-


distante, não descarta esses tipos de uso e cobertura de terra, o que
quer dizer que haverá unidades amostrais caindo em rios, estradas,
cidades, vilas, rios, áreas descobertas, etc., encarecendo desnecessa-
riamente o estudo.
Autores como Sanquetta et al. (2006) usam fórmulas de amos-
tragem aleatória simples para processar as medidas de precisão
de dados obtidos com a amostragem sistemática, assumindo que a
população tem seus elementos distribuídos aleatoriamente. Outros
usam fórmulas aproximadas e modi icadas como as sugeridas por
Jayaraman (2000). Em ambos os casos sempre a primeira unidade
amostral é seleccionada aleatoriamente e as subsequentes são se-
leccionadas de acordo com um intervalo de amostragem (k). O DIRN
impôs a amostragem sistemática para toda a população, isto é, para
cada província. Isto implica que os resultados obtidos pela metodo-
logia proposta pelo DIRN não poderão ser separados em estratos, ou
melhor, os resultados não poderão ser obtidos para cada tipo lores-
tal, uma vez que dividindo a população em estratos a primeira unida-
de amostral cairá num único estrato e os restantes estratos não terão
nenhuma unidade amostral aleatória, portanto nos restantes estratos
não teremos amostragem sistemática, aliás não teremos amostragem,
teremos apenas unidades amostrais alocadas subjectivamente.
Para que fosse possível obter os resultados por tipo lorestal seria
preciso que a amostragem sistemática fosse aplicada para cada tipo
lorestal; que cada tipo lorestal tivesse sua primeira unidade amos-
tral aleatória, o que não foi o caso. Se fosse o caso, não se obteria uma
grelha regular em toda população (província) como as grelhas produ-
zidas pela DIRN (vide os relatórios dos inventário lorestal de Sofala);
teria-se, sim, uma grelha regular em cada tipo lorestal, mas irregular
para a província como um todo. Veri ique, também, que pelo mesmo
motivo, não se poderão gerar resultados por distritos, ao menos que
se ignorem todas teorias básicas de estatística e amostragem.
Os inventários das províncias de Inhambane e Zambézia por
Guambe (2005) usaram a amostragem aleatória estrati icada sem
tendenciosidade, a alocação das unidades amostrais em cada estrato
foi proporcional a área e a estrati icação foi tipológica. A estrati ica-
32 ção e o desenho amostral usados por Guambe (2005) são estatisti-
camente credíveis. Veja que devido ao facto de Guambe (2005) ter 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
usado uma amostragem objectiva e Marzoli (2007) ter usado uma
amostragem subjectiva, torna esses dois documentos incomparáveis,
especialmente no que diz respeito às medidas de precisão. Marzoli
(2007) refere que o corte anual admissível reportado no inventário
da província da Zambézia é maior que o reportado ao nível nacional,
no entanto, ao ser verdade, tal pode ser devido a amostragem sub-
jectiva usada por Marzoli (2007), o que torna os resultados dos dois
autores incomparáveis. Ademais, poderá dar-se o caso de Marzoli
(2007) estar a comparar o CAA ao nível nacional referentes apenas as
espécies da classe preciosa e da primeira classe com o CAA de todas
classes comerciais reportado por Guambe (2005). Tais comparações
tendenciosas têm sido frequentes em vários estudos como o da FAEF
(2013), devendo-se ao facto de como o CAA é apresentado no Inven-
tário Nacional por Marzoli (2007).
A análise comparativa dos anteriores mapas de cobertura lores-
tal (Saket, 1994; Malleux, 1980) não é consistente, resultando em di-
ferenças mais ou menos distribuídas aleatoriamente pelos estratos
lorestais e províncias. Isto deve-se principalmente ao facto de os in-
ventários lorestais terem usado diferente classi icação dos tipos de
vegetação, o que torna di ícil comparar os dados de áreas.
Um dos maiores problemas constatados ao longo dos últimos
anos, em que as actividades de exploração lorestal se intensi icaram,
foi o manifesto desconhecimento da situação real no terreno, isto é,
do exacto potencial lorestal de cada região, distrito, posto adminis-
trativo e localidade. Os inventários lorestais realizados ao longo da
história assumiram um carácter geral, não dando a conhecer a rique-
za do património lorestal ao nível local.

3.5.2. Plano de Maneio


A elaboração de um plano de maneio constitui uma exigência funda-
mental para a aprovação de initiva da licença, seja esta simples ou
por concessão. O Regulamento Florestal em vigor fala da necessidade
do plano de maneio, porém não de ine as características do plano de
maneio e ainda refere apenas que a metodologia utilizada deve ser
internacionalmente aceite.
33
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

Sitoe et al. (2003), referem que dada a generalizada falta de co-


nhecimento sobre o crescimento das espécies de árvores comerciais
bem como da sua distribuição e frequência, nas áreas de concessão,
os cálculos de ciclo de corte e consequentemente das áreas de con-
cessão, baseiam-se numa série de supostos que na prática podem es-
tar fora da realidade. Os mesmos autores chamam a atenção ao facto
de que nos moldes nos quais a exploração lorestal é praticada em
Moçambique, muitos operadores não empregam pessoal quali icado
nas suas equipas de trabalho, bastando, na maioria das vezes, ter um
“mateiro” que conhece a área e as espécies que produzem madeira.
Para uma situação destas, não é importante para o operador ter um
documento de plano de maneio quando o que interessa a ele é locali-
zar árvores dentro da concessão (Sitoe et al., 2003).
O manual de elaboração de planos de maneio elaborado por Sitoe
e Bila (2003) tem sido de elevada ajuda para a elaboração de planos
de maneio, embora não seja um instrumento aprovado legalmente.
Todavia, para além de ser um guião exaustivo, e às vezes inalcançável
face à realidade das lorestas nacionais, que inclui a falta de conheci-
mento sobre o crescimento das lorestas, o incremento médio anual,
o ciclo de corte de cada espécie no geral e de acordo com a qualidade
do sítio onde cresce e etc., tem sido ignorado por vários consultores
de inventários lorestais e planos de maneio.
Das consultas feitas em alguns planos de maneio de conces-
sões lorestais constataram-se erros tais como: (i) o somatório das
abundâncias relativas das espécies arbóreas maior que 100%; (ii)
volume comercial superior ao volume total; (iii) não especi icação
do corte anual admissível; (iv) falta de uma metodologia estatisti-
camente aceite; (v) falta de mapas anexos: mapas de vias de acesso,
mapas dos limites das concessões, mapas das unidades amostrais
alocadas à concessão, mapa de infra-estruturas; (v) falta de blocos
de produção; (vi) blocos de produção maiores ou menores que o ci-
clo de corte. O mais grave ainda: nota-se a reéplica de planos de ma-
neio pelos próprios consultores (um plano de maneio para mais de
uma concessão, com apenas ligeiras alterações). No entanto, mesmo
com erros graves, esses planos de maneio são aprovados pelos Ser-
viços Provincias de Florestas e pela Direcção Nacional de Terras e
Florestas.
34
Fora de alguns aspectos do guião do plano de maneio referidos 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
acima como inalcançáveis, muitos consultores tomam o guião como
algo completamente inalcançável, principalmente devido ao mau
domínio de técnicas de maneio lorestal, inventário lorestal, mate-
mática e estatística, mapeamento e GIS/Sensoreamento Remoto, no
geral, especialmente os consultores só com nível de licenciatura em
engenharia lorestal e áreas a ins. Notam-se di iculdades nos consul-
tores em estimar o corte anual admissível e a meta de toros, devido à
de iciência em técnicas de maneio lorestal e mau domínio da mate-
mática. Di iculdades na divisão da loresta em blocos de exploração,
di iculdades essas encontradas em quase todos consultores, devem-
se ao mau domínio de técnicas de maneio lorestal e de GIS/Sensore-
amento Remoto. Veri ica-se que muitos consultores não fazem o uso
de softwares existentes, como o GIS e ERDAS, para o mapeamento e
zoneamento das concessões lorestais, limitado-se a decalcar os ma-
pas topográ icos datados de mais de 4 décadas.
A DINAGECA/CENACARTA, DNTF, DIRN possuem uma ampla base
de dados sobre o uso e cobertura de terra de Moçambique, base de
dados essa que pode ser usada para a produção de planos de maneio
idedígnos.
A di iculdade na elaboração de planos de maneio que visam uso
sustentável dos recursos, é também in luenciada pelo limitado co-
nhecimento da composição lorística, estrutura e crescimento destes
ecossistemas (Bila & Mabjaia, 2012). De acordo com Scolforo (1998)
citado por Cossa (2008), o estudo da composição lorística, principal-
mente a análise da estrutura da vegetação, é de fundamental impor-
tância na elaboração de planos de maneio e também para a adopção de
tratamentos silviculturais voltados para a conservação da diversidade
de espécies. A análise da estrutura da vegetação fornece informações
quantitativas sobre sua estrutura horizontal e vertical, sendo uma das
alternativas para se conhecer as variações lorística, isionómicas e es-
truturais a que as comunidades estão sujeitas ao longo do tempo e es-
paço (Oliveira et al., 2006 citados por Cossa, 2008). O conhecimento da
composição lorística e da estrutura da loresta permite o planeamento
e estabelecimento de sistemas de maneio com produção sustentável,
condução da loresta a uma estrutura balanceada, bem como práticas
silviculturais adequadas (Souza et al., 2006 citados por Cossa, 2008).
35
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

Na loresta nativa existem variações nas diferentes características


fenotípicas entre as árvores de uma mesma espécie. Para o objecti-
vo de produção de madeira e outros produtos, deve-se seleccionar
as melhores árvores. Estas árvores, denominadas de árvores matri-
zes, são aquelas que comparadas com as outras da mesma espécie,
apresentam características superiores. Dum modo geral, as matrizes
seleccionadas para a produção de madeira devem apresentar fuste
recto, de maior diâmetro e de maior volume (Nogueira e Medeiros,
2007). No entanto, árvores com essas características são também as
mais procuradas para a exploração lorestal, daí que não existindo um
instrumento ou um guião para a preservação de árvores matrizes de
boa qualidade, depois da exploração culminar-se-á com árvores de
má forma e no mais grave tal forma pode estar inclusa no genótipo
da árvore, o que comprometerá a futura geração e portanto a futura
exploração.
Estudo feito pela FAEF (2013b), a irma que uma das premissas
para a correcta implementação dos planos de maneio é a disponibi-
lidade de pessoal capacitado e competente ao nível das concessões.
As concessões ainda enfrentam limitações em termos de capacidade
técnica para implementar correctamente os planos de maneio, par-
ticularmente escassez de pessoal com formação técnica em lorestas
ou áreas a ins. De acordo com o estudo, a falta de capacitação dos
gestores e do pessoal técnico tem sido um dos factores que di iculta
a implementação de planos de maneio, mesmo em concessões com
técnicos lorestais, pelo que para além de recrutamento de técnicos,
as concessões deveriam garantir capacitação sistemática do pessoal
técnico em aspectos relativos à implementação do plano de maneio.
Apesar de nos termos da legislação lorestal o plano de maneio ser
um instrumento obrigatório sem o qual a exploração lorestal em re-
gime de concessão lorestal não pode ter lugar e deve por isso ser par-
te integrante do contrato de concessão por ser neste instrumento que
se encontram vertidos todos os princípios de exploração sustentável
do recurso bem como as acções de gestão a serem desenvolvidas pelo
concessionário, para grande parte das concessões, os seus planos de
maneio foram aprovados após a celebração do contrato de concessão
e início da exploração, isto é, iniciaram a exploração lorestal antes da
aprovação do respectivo plano de maneio (FAEF, 2013b).
36
3. RESULTADOS E
3.6. Processo de Fiscalização Florestal DISCUSSÃO
em Moçambique
A iscalização das actividades de exploração lorestal requer uma ca-
pacidade institucional e organizacional de modo a que os operadores
sigam as normas estabelecidas no regulamento lorestal e as activida-
des descritas no plano de maneio. Segundo o Banco Mundial (1999)
citado por Bila & Salmi (2003), a exploração de madeira em lorestas
tropicais continua em grande escala, na maioria dos casos de forma
ilegal e insustentável. Ainda segundo a mesma fonte, em muitos paí-
ses tropicais o volume de madeira ilegal chega a superar a exploração
legal. Há uma grande diferença entre o que a lei lorestal estabelece
como prática a seguir na exploração, uso e conservação das lorestas
com o que se passa no terreno. Em muitos países, incluindo Moçam-
bique, práticas ilegais pelas populações locais, público em geral e do
sector privado em particular, são comuns, mesmo em situações de
presença de um sistema de iscalização forte.
Mourana & Serra (2010) defendem que o licenciamento de acti-
vidades lorestais que não seja acompanhado pela correspondente
capacidade de controlo e iscalização põe em causa a própria conti-
nuidade do recurso, com graves prejuízos económicos, sociais e am-
bientais. Isto é, sem um sistema de iscalização e iciente, dinâmico,
abrangente, motivado, preventivo, toda a sustentabilidade ica com-
prometida, pondo em risco a perenidade dos recursos lorestais. Para
estes autores, o resultado está à vista: operadores com ou sem licen-
ça, na mais absoluta das ilegalidades, aproveitando-se das fragilida-
des do nosso Estado, disputam o acesso aos recursos naturais, explo-
rando os até à exaustão, sem quaisquer escrúpulos ou preocupações
com a continuidade do recurso, fazendo com que parte substancial
dos proveitos económicos saia do país, para bene ício de outrem.
A iscalização lorestal e faunística constitui hoje uma das prin-
cipais actividades da DNTF e dos SPFFB. De acordo com Mussengue
(2001), a situação geral desta actividade, a nível central, bem como a
nível provincial e local, é de aparente paralisação, ine iciência e inca-
pacidade geral das estruturas responsáveis pela sua execução. Não
existem dados certos sobre a quantidade de pessoal envolvido direc-
tamente na iscalização nem dos meios materiais destinados especi-
37
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

icamente a esta actividade. Na maioria dos SPFFB, o pessoal afecto a


este sector faz um pouco de tudo o mesmo se passando com os meios
disponibilizados para os SPFFB (Bila & Salmi, 2003).
Segundo a Lei de Florestas e Fauna Bravia, a iscalização lorestal
e faunística é exercida pelos iscais de lorestas e fauna bravia, pe-
los iscais ajuramentados e pelos agentes comunitários nos termos
e condições a de inir por diploma próprio. Para Serra (2014), um as-
pecto importante prende-se ao facto de não haver uma regulamenta-
ção do disposto na LFFB quanto ao estatuto dos iscais comunitários.
Estes iscais carecem de um regime que de ina os respectivos pode-
res, direitos e deveres, encontrando-se completamente dependentes
da existência de apoios externos aos programas de MCRN. Para Sitoe
et al. (2003), a participação comunitária pode ser outra opção válida
para o reforço da iscalização das actividades de exploração lorestal.
Contudo, é importante distinguir o papel que as comunidades locais
podem desempenhar na iscalização e o trabalho técnico de monito-
ria que uma agência independente especializada deve executar para
garantir o cumprimento das normas técnicas de maneio sustentado
de lorestas tropicais.
Mussengue (2001), refere ainda que existem cerca de 564 iscais
em todo o território nacional, o que perfaz cerca de 55 iscais por pro-
víncia. Do total referido, 60% estão afectos aos parques e reservas
e 85% só têm nível básico e idades compreendidas entre os 50 e 60
anos. O actual corpo de iscais apresenta-se demasiado exíguo e enve-
lhecido para fazer face às reais necessidades do país. São pouco mais
de 300 homens, grande parte dos quais em idade de reforma, com
parcas condições de trabalho, baixa escolaridade e muito pouca moti-
vação (Mourana & Serra, 2010). Dado que a iscalização das activida-
des de exploração lorestal requerer uma capacidade institucional e
organização de modo a que os operadores lorestais sigam as normas
estabelecidas no regulamento lorestal e as actividades descritas no
plano de maneio, para Sitoe et al. (2003) o controlo das concessões
ainda é de iciente, limitando-se apenas ao controlo de movimenta-
ção de produtos lorestais em postos ixos instalados nas entradas
ou saídas dos centros urbanos, fronteiras interprovinciais e ao longo
das principais rodovias do país e as brigadas móveis de iscalização
na loresta são limitadas, a colaboração das empresas bem como o
38
envolvimento das populações locais na iscalização praticamente é 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
inexistente. A má iscalização e a falta de cumprimento das leis são
agravadas pela falta de meios humanos e materiais para o correcto
desenvolvimento desta actividade, a falta de motivação e práticas ile-
gais de iscais e de operadores lorestais. Ademais, há que referir que
mesmo havendo capacidades e meios, há falta de vontade política de-
vido a corrupção.

3.6.1. Principais Constrangimentos da Fiscalização


Florestal em Moçambique
Os principais problemas identi icados, em vários estudos, que ainda
afectam a iscalização no país são os seguintes: a quantidade e qua-
lidade dos actuais iscais, falta de conhecimento da Lei e do Regula-
mento de Florestas e Fauna Bravia, falta de regulamento e carreira
pro issional do iscal de carreira, falta de meios de transporte, comu-
nicação e campismo para os iscais, incluindo fundos para as ajudas
de custos dos iscais, inadequada infra-estrutura ísica nos postos de
iscalização ixos, baixos salários e falta de estímulos aos iscais, espe-
cialmente, falta de pagamento das percentagens estabelecidas por lei
como comparticipação nas multas, excessiva centralização da iscali-
zação nas capitais de província, muito distante dos locais de actuação
de operadores lorestais e faunísticos, falta de incentivos e mecanis-
mos práticos para o envolvimento das comunidades locais, agentes
comunitários, iscais ajuramentados e da polícia na iscalização, falta
de coordenação inter-institucional, especialmente com a polícia, al-
fândegas, Procuradoria da República e Tribunais; fraca cobrança das
multas passadas aos operadores, prevalência ainda de actividades ile-
gais no sistema de iscalização; proliferação de muitos operadores em
regime de licença simples, medo, intimidação, falta de poder, excesso
de con iança e relaxamento dos iscais no seu relacionamento com
os operadores. Como resultado, segundo Serra (2014), há cada vez
menos prontidão por parte dos iscais, contribuindo para que a sua
imagem decline ano após ano junto das populações locais.
Importa referir que Moçambique possui uma rica legislação na
área de lorestas que se fosse devidamente aplicada e iscalizada,
podia conduzir a mudanças na atitude dos moçambicanos e insti-
39
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

tuições em relação aos recursos naturais, no entanto, ainda há mui-


tas fragilidades na sua implementação. A lei prevê a integração de
membros da comunidade no processo de iscalização, mas não pre-
vê uma forma de incentivos para os mesmos. Por estes não possuí-
rem nenhum vínculo com o Governo, não auferem nenhum salário
estando dependentes dos 50% dos valores das multas que são apli-
cadas aos infractores, quando estes denunciam casos de exploração
ilegal de recursos lorestais e faunísticos. O que tem se veri icado
é que os iscais mesmo denunciando não chegam a receber o va-
lor das multas, isto porque os infractores não conseguem pagar as
multas, ou recebem uma protecção que permite que o processo seja
ilegalmente tramitado. Em alguns casos, os furtivos estão melhor
equipados que os iscais, principalmente quando se trata de iscais
comunitários que não dispõem de meios e icazes de actuação contra
os furtivos. Isto faz com que haja desistência dos iscais na condução
da sua actividade.

3.7. Investimentos do Sector Florestal


De acordo com Gray (1999) citado por Sitoe et al. (2003) é impor-
tante notar que as taxas lorestais e os rendimentos baixos tornam
o maneio lorestal e a renovação da loresta uma actividade não eco-
nómica; proporcionam rendimento insu iciente para o inanciamento
governamental de operações de maneio e supervisão das concessões
e prejudicam, a longo prazo, a sustentabilidade económica e ecológica
da actividade lorestal.
Uma das críticas apontadas à política lorestal é a quase inexis-
tência de investimentos na própria loresta, ainda que esta produza
receitas signi icativas para o Estado na forma de taxas, multas aplica-
das aos operadores lorestais no caso de ocorrência de violação da le-
gislação. Como constatação, veri ica-se que as receitas não retornam
para a loresta, ainda que, segundo o Regulamento da Lei de Florestas
e Fauna Bravia, pelo menos 15% das taxas de exploração lorestal de-
veriam ser aplicadas em actividades de repovoamento lorestal. Na
realidade, nada ica na loresta, apenas os danos ambientais, na for-
ma de redução da biodiversidade, degradação dos solos, empobreci-
mento da loresta, alteração do ciclo hídrico, entre outros (Mourana
40 & Serra, 2010).
De acordo com Mourana & Serra (2010) é altamente questionável 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
que as receitas provenientes de actividades lorestais sejam canali-
zadas para a agricultura, pois há aqui um notório con lito de interes-
ses, senão uma efectiva contradição, ainda mais quando se sabe, por
exemplo, que falta quase tudo aos serviços de iscalização para pode-
rem operar adequadamente e garantir um controlo e icaz do territó-
rio, especialmente dos lugares de exploração lorestal e das vias de
comunicação.

3.8. Participação das Comunidades locais na


gestão dos Recursos naturais
A lei de Florestas e Fauna Bravia prevê uma gestão participativa dos
recursos naturais, por isso são criados os Conselhos de Gestão Parti-
cipativa (COGEPs) que trabalham ao nível distrital e são constituídos
por representantes das comunidades locais, sector privado, asso-
ciações ou ONGs e Estado. Conforme o Artigo 97 do regulamento da
LFFB, os conselhos de gestão de recursos naturais participam no pro-
cedimento de pedidos de exploração de recursos naturais, realizam
actividades que contribuem para a sustentabilidade da exploração
dos recursos e melhoramento das condições de vida das comunida-
des locais, resolvem os con litos entre diferentes intervenientes na
utilização e exploração dos recursos naturais, participam na iscali-
zação junto com o Estado, participam no melhoramento das políticas
e da legislação da matéria e participam na elaboração dos planos de
maneio.
Do número 5 do Artigo 35 da LFFB e do Artigo 102 do Regulamen-
to da LFFB, constam que ao bene ício das comunidades locais da área
onde foram extraídos os recursos destinam-se 20% das taxas de ex-
ploração, como forma de apoiar as comunidades na melhoria de suas
condições de vida e da sua participação na conservação dos recursos
lorestais e faunísticos. Para o bene ício desse valor, a comunidade
local deverá ser representada por um comité de gestão que deverá
ser constituído por, pelo menos, dez membros da comunidade. Cabe
ao comité de gestão apresentar publicamente à respectiva comuni-
dade o relatório anual sobre as actividades realizadas, as operações
de aquisição de bens e serviços e os respectivos justi icativos. Neste
41
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

aspecto, em vários programas de exploração de recursos lorestais,


nota-se uma falta de mecanismos de transparência na gestão de re-
ceitas/bene ícios.
Numa análise do programa Tchuma-Tchato, Serra (2014) aponta a
falta de transparência na gestão de bene ícios: ninguém sabe ao certo
quanto dinheiro entra nos cofres do Estado e também desconhece-se
como é que os Conselhos Superiores de Gestão dos Recursos Naturais
estão a realizar a gestão dos bene ícios pertencentes às comunidades.
Os problemas estão associados à falta de inclusão dos diferentes gru-
pos sociais na plani icação das acções para a utilização dos fundos e
agravados pela falta de diálogo e transparência na gestão de um bem
comum.
O Conselho de Ministros aprovou o Diploma Ministerial 93/2005
de 4 de Maio que de ine os mecanismos de canalização e utilização
dos 20% do valor das taxas, consignadas a favor das comunidades
locais, cobradas ao abrigo da legislação lorestal e faunística. Segun-
do Pereira (2005), citado por Foloma et al. (2009), para que a comu-
nidade aceda aos 20% da taxa de exploração lorestal e faunísticas,
esta deve ser representada por um comité de gestão local, registar na
Administração do Distrito ou Posto Administrativo o comité forma-
do, abrir conta em nome da comunidade e apresentar publicamente
relatório de actividades realizadas e contas.
De acordo com Pereira (2005), da atribuição dos 20% das taxas
às comunidades, espera-se, seis principais resultados: (i) obter be-
ne ícios directos, tangíveis e imediatos derivados da exploração dos
recursos lorestais; (ii) despertar o interesse e o envolvimento da
comunidade na conservação dos recursos lorestais, bem como no
combate a actividades de extracção ilegal destes recursos; (iii) pro-
mover a organização comunitária, a gestão participativa do recurso
lorestal e a gestão de fundos e receitas colectivas; (iv) Conferir dig-
nidade às comunidades bene iciárias e abrir a perspectiva de parce-
rias e negociação com operadores lorestais e faunísticos ou outros
intervenientes com vista a reduzir os níveis efectivos de pobreza;
(v) Permitir o inanciamento local de actividades de protecção e me-
lhoria da loresta e (vi) Abrir caminho para a gestão local de outras
fontes de receitas colectivas para garantir que os 20% gerem outras
42 fontes de receitas.
De acordo com Foloma et al. (2009), o processo de descentrali- 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
zação das funções estatais até ao nível distrital com implicações or-
çamentais, para facilitar o desenvolvimento local é uma das acções
prioritárias do governo com vista à redução da pobreza absoluta e
promoção do crescimento económico rápido, sustentável e abran-
gente e este constitui, para a política e estratégia de lorestas e fauna
bravia, um desa io e uma oportunidade para o maneio sustentável
dos recursos. O movimento tendente a responsabilização das auto-
ridades locais e envolvimento das comunidades no maneio dos re-
cursos lorestais e faunísticos, potencia a possibilidade de uma maior
contribuição desse subsector no alívio a pobreza (DNFFB, 1999). O
fundo proveniente dos 20% poderá ser visto como mais uma fonte de
inanciamento às acções de inidas pelas comunidades, como prioritá-
rias para o seu desenvolvimento e suprimento das suas necessidades
básicas. Este fundo, proveniente dos 20%, é o único dos instituídos
legalmente sobre o qual as comunidades têm total poder de decisão
sobre o modo de aplicação. Portanto, a comunidade tem a principal
tarefa de garantir que esta fonte de receita seja contínua, através do
uso do fundo em acções que promovam a conservação dos recursos
lorestais e faunísticos.
Os constrangimentos levantados por Foloma et al. (2009), refe-
rentes à canalização dos 20% às comunidades são associados à orga-
nização das comunidades, tida como primeiro passo e aspecto chave
para estas acederem ao fundo. As di iculdades iniciam no processo de
legalização em associação e abertura de contas bancárias, o que tor-
na o processo moroso. Outro constrangimento levantado pelos auto-
res, a nível institucional, é a fraca capacidade técnica e inanceira dos
SPFFB para a criação dos comités de gestão e o registo dos seus mem-
bros, acrescida aà não descentralização do processo, uma vez que o
mecanismo promove a ligação comunidade e SPFFB e não o envolvi-
mento dos SDAEs. A nível legal, o constrangimento identi icado pelos
autores está relacionado ao insu iciente processo de consulta havido
na altura da preparação do diploma, levando ao não enquadramento
do mesmo à realidade actual do país e das comunidades rurais. Os
20% constituem um fundo resultante de igual percentagem da taxa
cobrada anualmente para as comunidades rurais das zonas de explo-
ração dos recursos naturais. Este fundo constitui um direito para as
comunidades que residem na área onde os recursos são explorados 43
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

como um incentivo ao uso racional destes recursos e representam um


grande desa io para o desenvolvimento das comunidades através da
implementação de iniciativas locais, com objectivo fundamental de
melhorar suas condições de vida baseada no uso sustentável dos re-
cursos. Existem vários constrangimentos à canalização dos 20% para
as comunidades locais, entre estes a burocracia para a transferência
do dinheiro, pois o valor é inicialmente depositado nas contas ban-
cárias das Administrações dos Distritos donde é transferido para as
contas bancárias do SDAE e daí para as contas das comunidades lo-
cais. Veri icam-se também di iculdades na abertura da conta por par-
te das comunidades devido às elevadas taxas de analfabetismo e ao
facto dos bancos não abrirem contas pequenas para comunidades in-
dividuais e a uma de iciente comunicação com as comunidades, pois
é feita através dos líderes comunitários e membros dos comités, não
envolvendo a comunidade como um todo.
FAEF (2003b) revela que, apesar da participação das comuni-
dades locais no maneio e conservação dos recursos lorestais e fau-
nístico ser reconhecida como sendo fundamental para o alcance do
maneio lorestal sustentável em Moçambique, o envolvimento das
comunidades na gestão dos recursos naturais ainda é fraco. Segun-
do o mesmo, o facto deve-se à baixa consciência sobre a conservação
dos recursos lorestais, baixo sentimento de posse sobre os recursos
e desconhecimento do valor ambiental, económico e social dos recur-
sos lorestais e faunísticos. O estudo revela ainda que a contribuição
das concessões lorestais de forma geral tem sido de baixo impacto
para as comunidades locais.
Por sua vez, Mackenzie e Ribeiro (2009), levantam como princi-
pais problemas para a canalização dos 20% às comunidades os se-
guintes: (i) Identi icação das comunidades. Em muitos casos a licença
é emitida para um local, mas o corte, ocorre num outro local, o que
faz com que algumas comunidades recebam os 20% enquanto não
se removeu nenhuma madeira da sua área e algumas comunidades
não recebem nenhuma parte dos direitos de exploração na sua área.
Outro problema relacionado é que as concessões incluem frequente-
mente numerosas comunidades e a partilha dos bene ícios por todas
as comunidades envolvidas, faz com que as somas recebidas por cada
comunidade sejam ainda mais reduzidas. (ii) Organização receptora
44
dos 20%. Este problema deve-se ao facto de, na área da realização do 3. RESULTADOS E
DISCUSSÃO
estudo, os fundos não serem entregues aos comités de gestão comu-
nitária, mas ao nível dos postos administrativos. Por um lado era de-
fendido que os 20% não devia apenas bene iciar as comunidades que
estão perto das lorestas, mas sim todo o posto administrativo, mas
que não era justo pois os 20% deve, por lei, ser canalizados aos comi-
tés de gestão comunitária para o bene ício das comunidades da área
onde os recursos são explorados. (iii) O uso dos fundos canalizados.
As comunidades recebem pouco apoio para decidirem como utilizar o
fundo dos 20%, assim como para gerirem os fundos e os projectos.

45
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

46 Conclusões e Recomendações
4. CONCLUSÕES E
4. Conclusões e RECOMENDAÇÕES

Recomendações
4.1. Conclusões
A situação do sector lorestal tem vindo a agravar-se, a exploração
ilegal permanece na sua maioria impune, a corrupção é generaliza-
da, a iscalização é insu iciente e ine iciente e terá de passar por uma
análise integrada e discussões sérias e inclusivas a vários níveis, abor-
dando entre outras questões as graves lacunas no conhecimento da
dinâmica das lorestas nativas, a ausência de compromisso político, a
incoerência e falta de clareza nas demais políticas de desenvolvimen-
to que tem sido promovidas e que contrariam os princípios básicos da
conservação de lorestas nativas. Nos últimos 10 anos, foram vários
os estudos e análises elaborados relativamente à situação das lores-
tas moçambicanas, os problemas retratados tem sido recorrentes e
permanecem por resolver. Na sua maioria os referidos estudos não
parecem ter reconhecimento por parte do governo e tendem a ser
desconsiderados. De uma análise a estes e outros estudos e documen-
tação conclui-se o seguinte:
As comunidades rurais continuam com acesso limitado aos bene-
ícios da exploração lorestal, e com pouca participação na gestão dos
recursos naturais contrariamente ao que o Regulamento da Lei de
Florestas e Fauna Bravia prevê.
A gestão de recursos lorestais em Moçambique não se rege pela
dinâmica do ecossistema, sendo esta demasiado centrado nos seus
bene ícios económicos, colocando assim em risco a sua sustentabi-
lidade.
Moçambique não dispõe de dados consistentes sobre a taxa de
crescimento das espécies nativas, fazendo uso de dados esporádicos
da região com condições ecológicas comparáveis para a estimativa de
taxa de crescimento e corte anual admissível. Este método desconsi-
dera as condições ecológicas especí icas de determinada área resul-
tando em estimativas que poderão não constituir a realidade levando
a erro na determinação do volume de corte anual admissível. 47
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

O volume de madeira explorada em Moçambique encontra-se


muito acima do volume anual licenciado. A maior quantidade de ma-
deira explorada é feita de forma ilegal, sem registo o icial, levando
a uma elevada subestimativa do volume real de madeira explorada
para determinadas espécies.
Dentre as infrações mais comuns no sector de lorestas destacam-
se o corte abaixo do diâmetro minímo, o corte fora das áreas licencia-
das, esquemas de corrupção, corte do volume licenciado, exportação
de madeira da primeira classe em toros, entre outros.
O consumo doméstico concentra-se fundamentalmente em 3
espécies, nomeadamente Chanfuta, umbila e panga panga. Há uma
necessidade urgente de promoção de espécies secundarizadas com
grande potencial de uso e disponibilidade.
Contrariamente ao que tem sido utilizado como argumento do Go-
verno para a promoção de plantações industriais de espécies exóticas,
estas não constituem a alternativa para a redução da pressão sobre as
lorestas nativas, uma vez que 85% do consumo doméstico de madeira
é derivado de apenas 3 espécies, havendo a necessidade de promover
o uso sustentável de espécies menos preferenciais. Para além da prefe-
rência clara por determinadas espécies, as plantações industriais não
fornecem quaisquer serviços e bens adicionais às comunidades locais
para além da madeira.
Até ao momento foram realizados três inventários nacionais. Aná-
lises feitas indicam que a metodologia aplicada nestes inventários
compromete a idedignidade dos resultados, para além de apresenta-
rem um carácter geral, não dando a conhecer a riqueza do património
lorestal a nível local o que conduz a um desconhecimento da situação
real no terreno, isto é, do exacto potencial lorestal de cada região,
distrito, posto administrativo e localidade.
O Regulamento de Florestas e Fauna Bravia não apresenta direc-
trizes e metodologia para a elaboração dos planos de maneio, limitan-
do-se a a referir que esta deve ser internacionalmente aceite.
Os planos de maneio constituem uma das exigências fundamen-
tais para a aprovação de concessões ou licenças simples, no entanto
o rigor cienti ico dos mesmos é bastante questionável, agravado pelo
48 de iciente conhecimento da dinâmica de povoamentos lorestais.
As concessões lorestais foram idealizadas na perspectiva de asse- 4. CONCLUSÕES E
RECOMENDAÇÕES
gurar a sustentabilidade da exploração lorestal e de desencorajar a
exploração em regime de licença simples. No entanto, dados os reque-
sitos para a operação das concessões, os operadores das mesmas têm
vindo a recorrer aos detentores de licença simples para a aquisição
de madeira a baixo custo e livre de obrigações e responsabilidades.
A iscalização lorestal e faunística a nível central, provincial e lo-
cal, é de aparente paralisação, ine iciência e incapacidade geral das
estruturas responsáveis pela sua execução. A Lei de Florestas e Fauna
Bravia estabelece as normas para a exploração sustentável e conser-
vação das lorestas, mas no terreno a situação a exploração ocorre é
bastante diferente.
A má iscalização e a falta de cumprimento das leis são agravadas
pela falta de meios humanos e materiais e motivação, práticas ilegais
de iscais, quantidade e qualidade dos iscais, falta de conhecimento
da Lei e do Regulamento de Florestas e Fauna Bravia, ausência de re-
gulamento de carreira pro issional do iscal de carreira, limitação ou
inexistência de meios de transporte, comunicação e campismo para
os iscais, incluindo fundos para as ajudas de custos dos iscais, inade-
quada infra-estrutura ísica nos postos de iscalização ixos, salários
baixos, excessiva centralização da iscalização nas capitais de provín-
cia, muito distante dos locais de actuação de operadores lorestais e
faunísticos, falta de incentivos e mecanismos práticos para o envolvi-
mento das comunidades locais, agentes comunitários.
A Lei de Florestas e Fauna Bravia prevê que os agentes comunitá-
rios participem na iscalização, no entanto, não há uma regulamenta-
ção para o efeito.
As receitas da exploração lorestal não revertem para o próprio
sector de modo a assegurar a continuidade e sustentabilidade do re-
curso, perpetuando as inúmeras di iculdades que tendem a justi icar
a alarmante situação das lorestas nativas e do sector.

4.2. Recomendações
É urgente que sejam devidamente reconhecidos e analisados os vários
documentos e estudos produzidos sobre a loresta nativa moçambica-
49
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

na, suas dinâmicas, exploração sustentável e a pilhagem dos recursos


lorestais.
É fundamental que o sector de lorestas, através da Direcção Na-
cional de Terras e Florestas promova activamente a construção de um
processo de diálogo/discussão inclusivo, alargado, aberto e transpa-
rente que vise essencialmente identi icar/reconhecer as principais
causas da actual situação e possíveis soluções ou medidas a tomar.
Urge a necessidade de se reforçar, melhorar e so isticar a iscali-
zação através de capacitação, incentivos e boni icações, melhoria das
condições e meios de trabalho, aumento do efectivo de iscais, poden-
do assim aumentar a frequência de visitas de monitoria e iscaliza-
ção.
A participação das comunidades locais no processo de iscaliza-
ção pode ser uma opção válida para o reforço da iscalização das ac-
tividades de exploração lorestal, para tal esta deve ser rapidamente
distinguida e devidamente formalizada.
O acesso à taxa de 20% a que as comunidades locais têm direito
deve ser simpli icado em termos de procedimentos burocráticos con-
siderando a realidade da maioria das comunidades locais em Moçam-
bique. Para tal, recomenda-se que antes do estabelecimento de uma
concessão lorestal seja devidamente considerada a capacitação das
comunidades locais, com o devido apoio técnico e logístico para a for-
malização dos conselhos de gestão e/ou associações comunitárias.
Recomenda-se que seja promovida a elaboração de estudos de-
talhados sobre as propriedades ísicas e mecânicas das espécies se-
cundarizadas, para com base nestes propor espécies que possam ser
substitutas das atualmente com grande procura, diminuindo assim a
pressão sobre estas.
É imperioso que seja estabelecido o diâmetro minímo de corte
considerando as condições ecológicas e silviculturais de determina-
da região do país e que se seja igualemente estabelecido o diâmetro
máximo de corte como forma de garantir a continuidade de árvores
matrizes.
Recomenda-se que sejam promovidos cursos de capacitação e re-
ciclagem direcionados aos consultores lorestais sobre a metodologia
50
e requesitos para a elaboração de planos de maneio. Recomenda-se, 4. CONCLUSÕES E
RECOMENDAÇÕES
ainda, que a elaboração de planos de maneio faça parte do curriculum
dos cursos de engenharia lorestal das diversas universidades.
Recomenda-se que, antes da realização de inventários lorestais
(requisito para elaboração de plano de maneio) em concessões, a
metodologia (incluindo estrati icação, aleatorização, alocação) seja
aprovada por especialistas em inventários lorestais da DNTF ou dos
SPFFB. Isto irá garantir a colecta de dados idedignos e a produção de
planos de maneio credíveis.
Recomenda-se que sejam revistas a Politíca e Estratégia do sector
para que não haja incoerência na promoção de interesses divergen-
tes, tais como o agro negócio em grande escala, o estabelecimento de
plantações em grande escala, a promoção dos mecanismos de mer-
cantilização da natureza contrariando os objectivos de conservação
da biodiversidade e desenvolvimento da agricultura de pequena es-
cala.
É importante seja dada a devida atenção às denúncias de alegados
casos de corrupção no sector e que sejam desenvolvidos mecanismos
sérios de investigação e responsabilização criminal destes actos.

51
Análise do Sistema de Exploração dos
Recursos Florestais em Moçambique

52 Referências Bibliográficas
5. REFERÊNCIAS
5. Referências Bibliográficas BIBLIOGRÁFICAS

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Maputo, Novembro de 2014
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Recursos Florestais em Moçambique

Novembro de 2014 Maputo, Novembro de 2014

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