05 Emergencias Glicemicas

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EMERGÊNCIAS GLICÊMICAS

Bruna Santos da Cunha


Luiza Silveira Lucas
Maria José Borsatto Zanella

UNITERMOS
HIPERGLICEMIA, HIPOGLICEMIA, DIABETES MELLITUS, EMERGÊNCIAS

KEYWORDS
HYPERGLYCEMIA, HYPOGLYCEMIA, DIABETES MELLITUS, EMERGENCIES

SUMÁRIO
Emergências glicêmicas são complicações frequentes na prática do
emergencista, constituindo importante causa de morbimortalidade. Este
capítulo objetiva abordar de forma prática o diagnóstico e o manejo das
emergências glicêmicas mais comuns em sala de emergência.

SUMMARY
Glycemic emergencies are frequent complications in the practice of the
emergencist physician, and it is an important cause of morbidity and mortality.
This chapter aims to approach in a practical way the diagnosis and management
of the most common glycemic emergencies in the emergency room.

INTRODUÇÃO
As emergências glicêmicas mais frequentes são a hiperglicemia,
decorrente da Cetoacidose Diabética (CAD) ou do Estado Hiperglicêmico
Hiperosmolar (EHH), e a hipoglicemia. Estas complicações metabólicas agudas
são mais prevalentes em pacientes com Diabetes Mellitus (DM), mas também
afetam pacientes hígidos ou sem diagnóstico prévio de DM.

HIPERGLICEMIA

Definição
As crises hiperglicêmicas mais graves na emergência são a CAD e o EHH,
sendo ambas, complicações agudas do DM que requerem pronto
reconhecimento e manejo1.
A CAD é caracterizada por redução da concentração efetiva de insulina e
liberação excessiva de hormônios contra-reguladores, tendo como critérios
diagnósticos a presença de hiperglicemia (≥ 250 mg/dL), acidose metabólica (ph
≤ 7,3), bicarbonato ≤ 15 mEq/L e graus variados de cetonemia. Os critérios
diagnósticos de EHH são glicemia > 600 mg/dl e osmolalidade sérica > 320
mOsm/kg. Nesta situação, o bicarbonato é geralmente ≥ 15 mEq/l, e pode haver
discreta cetonemia2.

Manifestações Clínicas
Os sintomas iniciais de hiperglicemia importante são poliúria, polidipsia e
perda de peso. Mais tardiamente, sintomas neurológicos como letargia, sinais
focais e obnubilação podem desenvolver-se, podendo progredir a coma em
estágios mais avançados. Os sintomas na CAD geralmente desenvolvem-se
rapidamente, ao longo de um período de 24h, ao passo que no EHH
desenvolvem-se mais insidiosamente1. A diferenciação do quadro clínico de EHH
e CAD estão detalhadas na Tabela 1 (adaptado da referência 3).

Tabela 1. Diferenciação entre EHH e CAD.


Quadro Clínico e Achados Laboratoriais EHH CAD

Geral Desidratação mais severa Desidratação menos severa


Coma mais frequente Coma menos frequente
Sem hiperventilação Hiperventilação (respiração
de Kussmaul)
Dor abdominal

Idade mais frequente >40 anos <40 anos

Tipo usual de DM DM tipo 2 DM tipo 1

Sintomas e sinais neurológicos Muito comuns Raros

Glicemia (mg/dL) 600 - 2.400 250 - 800

Cetonúria ≤1+ ≥3+

Sódio sérico Normal, alto ou baixo Usualmente baixo

Potássio sérico Normal ou alto Alto, normal ou baixo

Bicarbonato Normal Baixo

pH sanguíneo Normal (>7,3) Baixo (<7,3)

Osmolalidade plasmática (mOsm/kg) >320 Variável (e.g. <320)

Mortalidade ≥15% <5%


Investigação na Emergência
A avaliação inicial de pacientes com crises hiperglicêmicas deve incluir
anamnese e exame físico focados em exame da função cardiorrespiratória, grau
de desidratação, estado mental e investigação de possíveis fatores
precipitantes. Os mais comumente identificados são infecção (e.g. pneumonia
ou infecção urinária) e uso inadequado ou descontinuação da terapia insulínica.
Os exames laboratoriais iniciais estão listados no Quadro 1.

Quadro 1. Exames laboratoriais iniciais nas crises hiperglicêmicas.


Glicemia
Eletrólitos (sódio, potássio, cloro, cálculo do ânion GAP)
Uréia e creatinina
Bicarbonato
Hemograma completo
EQU
Osmolalidade plasmática
Cetonemia
Gasometria arterial
Eletrocardiograma

Testes adicionais como urocultura, análise de escarro, hemocultura,


amilase, lipase e RX de tórax podem ser solicitados conforme a suspeita clínica1.

Condutas
Os principais objetivos do tratamento das emergências hiperglicêmicas são
a restauração do volume circulatório e da perfusão tecidual, a redução gradual
da glicemia e da osmolalidade plasmática e a correção dos distúrbios
hidroeletrolíticos e ácido-básicos. Deve-se determinar e tratar o fator
precipitante, sempre que possível3.
O manejo do EEH e CAD são similares, iniciando com a estabilização do
paciente (via aérea, respiração e circulação), obtenção de acesso venoso
periférico calibroso, monitorização e solicitação periódica de exames
laboratoriais (glicemia de 1 em 1 hora, osmolalidade, pH venoso e eletrólitos a
cada 2 a 4 horas até estabilização)4.

1o passo - Reposição de fluidos


Fase de expansão: Administrar NaCl 0,9% EV 15 a 20 ml/kg/hora nas
primeiras horas em pacientes com hipovolemia sem sinais de choque ou
insuficiência cardíaca. Se sinais de choque, recomenda-se reposição volêmica
mais vigorosa, tão rápida quanto possível4.
Fase de manutenção: Administrar NaCl 0,45% EV 4 a 14 ml/kg/hora se
sódio sérico corrigido normal ou elevado. Caso o sódio sérico corrigido esteja
reduzido, manter NaCl 0,9% EV. A fórmula mais utilizada para estimar o sódio
sérico corrigido é a de Katz 3:

Adicionar SG 5% quando glicemia ao redor de 250 mg/dL4.

2o passo - Correção de déficits de potássio


Com a função renal normal, ou seja, com diurese preservada:
 Se K⁺ < 3,3 mEq/L: Não iniciar insulinoterapia de imediato. Repor
KCl EV 20 a 40 mEq/h até concentrações >3,3 mEq/L.
 Se K⁺ entre 3,3 a 5,3 mEq/L: Administrar KCl EV 20 a 30 mEq/L.
Manter K⁺ sérico entre 4 e 5 mEq/L.
 Se K⁺ > 5,3 mEq/L: Não administrar K⁺ e dosar a cada 2 horas4.

3o passo - Insulina
Administrar Insulina regular EV 0,1 UI/kg em bolus e após passar para
infusão contínua EV 0,1 UI/kg/h. Se a glicemia não reduzir pelo menos 50 a 70
mg/dL na primeira hora, dobrar a taxa de infusão de Insulina. Quando a glicemia
atingir 200 mg/dL pode-se diminuir a taxa de infusão para 0,02 a 0,05 UI/kg/h e
adicionar SG 5%. Deve-se continuar a infusão de Insulina até resolução da
cetoacidose (bicarbonato ≥ 15mEq/L e pH > 7,3) com glicemia < 200 mg/dL e
normalização do nível de consciência, e então realizar transição para Insulina
subcutânea4.

4o passo - Correção do Bicarbonato


Se pH arterial < 6,90, administrar 2 ampolas (100 mEq) de bicarbonato de
sódio e 20 mEq/L de KCl em 400 ml de água estéril ao longo de 2 horas, na
velocidade de 200 ml/h. Pode-se repetir esquema se pH permanecer < 7,004.
HIPOGLICEMIA

Definição
Em pacientes com DM, a hipoglicemia é definida como todo episódio de
concentração de glicose plasmática anormalmente baixa, com ou sem sintomas,
que exponha o indivíduo a dano. Recomenda-se que diabéticos estejam cientes
da possibilidade de hipoglicemia quando a glicemia capilar demonstrar valor ≤
70 mg/dL5.
Em pacientes não-diabéticos, o diagnóstico de hipoglicemia é baseado na
existência da tríade de Whipple, que consiste na presença de sintomas
consistentes com hipoglicemia, associada à baixa concentração de glicose
plasmática (< 45 mg/dL - aferida com método preciso) e alívio sintomático após
administração de glicose6.

Manifestações Clínicas
Os sinais e sintomas da hipoglicemia são inespecíficos. Podem ser
caracterizados como sintomas neurogênicos/autonômicos (tremores,
palpitações, sudorese, fome, parestesia) e neuroglicopênicos (alteração do
sensório, distúrbios do comportamento, anormalidades psicomotoras,
convulsão e coma). Em pacientes saudáveis os sintomas ocorrem com níveis
glicêmicos de aproximadamente 55 mg/dL. Pacientes com DM mal controlada
podem apresentar sintomas com glicemias mais elevadas, ao passo que
pacientes com controle intensivo da DM podem apresentar hipoglicemias
assintomáticas7.

Investigação na Emergência
Fármacos (sobretudo a insulina) representam a etiologia mais comum de
hipoglicemia7. Frequentemente ocorre em decorrência da insulinoterapia no
DM1, e mais raramente, do uso de insulina e secretagogos de insulina
(sulfoniluréias e metiglinidas) na DM2. Metformina, inibidores da alfa-
glucosidase (acarbose), tiazolidinedionas (rosiglitazona) e agonistas do receptor
do GLP-1 (exenatide, liraglutida) não são causadoras de hipoglicemia, porém o
risco aumenta quando usadas em conjunto com insulina ou secretagogos.
Outras drogas potencialmente causadoras de hipoglicemia são álcool,
quinolonas, beta-bloqueadores e inibidores da enzima conversora de
angiotensina6. Hipoglicemia também pode ocorrer em decorrência de doenças
graves, como sepse, insuficiência renal, cardíaca e hepática, inanição, e mais
raramente em neoplasias como insulinoma e tumores de células não-beta7.
Em pacientes diabéticos que se apresentam com hipoglicemia na
emergência o principal enfoque é o manejo da mesma e, após estabilização do
quadro, ajuste ambulatorial da terapêutica de forma a prevenir recorrência.
Caso o paciente não seja diabético deve-se investigar a etiologia da hipoglicemia
tendo em mente as possíveis causas. Os seguintes exames laboratoriais podem
ser úteis na investigação: glicemia, insulina, peptídeo-C, beta-hidroxibutirato,
pró-insulina, dosagem sérica de sulfoniluréia e meglitinida. Mais exames podem
ser indicados conforme a suspeita diagnóstica8.

Condutas
O tratamento da hipoglicemia na emergência visa restaurar os níveis de
glicose sérica, aliviando os sintomas clínicos e prevenindo complicações.
O paciente diabético, principalmente em insulinoterapia ou em uso de
sulfoniluréia, deve ser orientado sobre o risco de hipoglicemia, como
reconhecer os sintomas e como proceder na crise. Ao perceber os primeiros
sintomas de hipoglicemia o paciente deverá ingerir um carboidrato de ação
rápida (tablete de 15-20g de glicose, balas ou suco de frutas açucarado). Caso o
paciente esteja assintomático, mas com HGT ≤70 mg/dL ele deverá considerar
repetir o teste em curto período e ingerir carboidratos9.
O paciente em hipoglicemia grave costuma estar inconsciente ou sem
condições de ingerir carboidratos, necessitando auxílio para sua recuperação 9.
Na emergência, as opções de tratamento incluem:
- Glucagon 0,5 a 1mg em injeção subcutânea ou intramuscular, geralmente
levando a recuperação da consciência em cerca de quinze minutos.
- Solução EV de glicose hipertônica: 25g de glicose (dextrose) a 50%,
seguida de uma infusão contínua de SG 5% 9.
No paciente não-diabético, além de restaurar os níveis glicêmicos, deve-se
investigar e tratar a doença de base. Dependendo da etiologia, o tratamento
consiste em suspensão do fármaco indutor da hipoglicemia, mudanças
alimentares e tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico7.

CONCLUSÃO
O diagnóstico preciso e o tratamento adequado das emergências
glicêmicas são fundamentais na diminuição da morbidade e da mortalidade por
elas geradas. Desta forma o médico emergencista deve estar apto ao manejo
rápido e eficaz dessas complicações tão frequentes na prática clínica.

REFERÊNCIAS
1. Kitabchi EA, Hirsch IB, Emmett M. Diabetic ketoacidosis and hyperosmolar hyperglycemic state in
adults: Clinical features, evaluation, and diagnosis. [Database on Internet]. Aug 2016. [updated Sep
15, 2016; cited 2016 Sept 15]. In: Uptodate. Available:
http://www.uptodate.com/contents/diabetic-ketoacidosis-and-hyperosmolar-hyperglycemic-state-
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2. Milech A, Perez A, Golbert AA et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015-2016). São
Paulo: A.C. Farmacêutica; 2016.
3. Ramos AJS, Trujilho FR, Coral MHC et al. Emergências em diabetes. In: Vilar L. Endocrinologia clínica.
5a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. p.779-796.
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adults: Treatment. [Database on Internet]. Aug 2016. [updated Dec 07, 2015; cited 2016 Sept 15].
In: Uptodate. Available: http://www.uptodate.com/contents/diabetic-ketoacidosis-and-
hyperosmolar-hyperglycemic-state-in-adults-treatment Topic 1795 Version 26.0.
5. Seaquist ER, Anderson J, Childs B et al. Hypoglycemia and diabetes: a report of a workgroup of the
American Diabetes Association and the Endocrine Society. J Clin Endocrinol Metab.
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[Database on Internet]. Aug 2016. [updated Jun 16, 2015; cited 2016 Sept 15]. In: Uptodate.
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definition-and-causes. Topic 1763 Version 12.0.
7. Vilar L, Gomes V, Caldas G et al. Manuseio da hipoglicemia em não diabéticos. In: Vilar L.
Endocrinologia clínica. 5a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. p.797-811.
8. Service FJ. Hypoglycemia in adults without diabetes mellitus: Diagnostic approach. [Database on
Internet]. Aug 2016. [updated Aug 04, 2015; cited 2016 Sept 15]. In: Uptodate. Available:
http://www.uptodate.com/contents/hypoglycemia-in-adults-without-diabetes-mellitus-diagnostic-
approach. Topic 1798 Version 17.0.
9. Cryer EP. Management of hypoglycemia during treatment of diabetes mellitus. [Database on
Internet]. Aug 2016. [updated Feb 22, 2016; cited 2016 Sept 15]. In: Uptodate. Available:
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