1 FILOSOFIA - DA - DIFERENÇA - 01 - Problema - Do - SER - e - Do - DEVIR

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“SER” ou DEVIR?

O ser se diz (se afirma) da identidade, ou da diferença?


Problema filosófico levantado pelos filósofos pré-socráticos
Parmênides e Heráclito.

Parmênides: pensador da unidade, identidade, imobilidade e permanência do SER.


- Conhecer é chegar à essência, à identidade do Ser, ou seja, à sua verdade.
- O ser é (o ser) – princípio de identidade (a = a);
- Se o ser é, ele pode ser pensado e dito.
- Se o ser é, o seu contrário, não-ser, não é (princípio de não-contradição);
- Se o não-ser não é, ele não pode ser pensado e nem dito.
- Lei fundamental do pensamento verdadeiro (é oposta à dóxa, opinião);
- Ontologia: Identidade entre ser, pensar e dizer, isto é, entre mundo, pensamento e
linguagem;
- O ser é uno, permanece sempre idêntico a si mesmo e é imóvel.
- O movimento é o campo principal da aparência e da dóxa (opinião). Por isso ele é
desqualificado por Parmênides. O devir é aparência mutável, é o não-ser.

Heráclito: pensador da diferença, das multiplicidades e do devir.


- Conhecer é interpretar (decifrar) signos.
- A verdade é a alétheia, ou o que se (des)oculta por meio de sinais (“A natureza ama
esconder-se”, isto é, ama jogar um jogo onde ora ela se oculta, ora se desoculta em
face do filósofo).
- O que ou quem emite esses sinais? O logos (pensamento, palavra, razão ou linguagem
cósmicos, naturais).
- O que diz e ensina o lógos a Heráclito?
a) O mundo como devir eterno (O mundo é mudança contínua e incessante de todas
as coisas. Nada permanece idêntico a si mesmo. A permanência é uma ilusão. O
movimento, portanto, é a realidade verdadeira – fragmento do rio);
b) A luta dos contrários - a guerra é o rei e o pai de todas as coisas: “a guerra é a
comunidade”, isto é, a guerra é o que põe as coisas juntas para formar um mundo
em comum. Assim, a luta dos contrários é harmonia e justiça. A realidade é
inquieta e móvel, tensa, concordante justamente porque discordante;
c) “Tudo é um”: a unidade primordial não se confunde com a multiplicidade nascida
dela. A unidade primordial é múltipla, o um existe múltiplo, é múltiplo. A
multiplicidade tensa, contraditória ou em luta é a unidade e a comunidade de
todas as coisas. Outra maneira de expressar isso é dizer que o uno devém múltiplo.

Observação:
O conflito entre as formulações de Heráclito e de Parmênides não foi resolvido/superado
a contento pelos demais filósofos pré-socráticos que lhes sucederam, cabendo a Platão e
a Aristóteles, posteriormente, o desafio de tentarem encontrar uma maneira de a filosofia
conseguir pensar o que Parmênides considerava como “não-ser” (a diferença, o devir e o
múltiplo), ou seja, essas três coisas que entram em choque com os princípios
parmenidianos de identidade e de não-contradição.
Platão não teve sucesso nesse desafio, mas Aristóteles tornou possível pensar a diferença
submetendo-a ao conceito de identidade. Com isso produziu-se uma diferença
domesticada, uma diferença esvaziada de sua alteridade radical e de sua
intempestividade, em suma, uma diferença identitária.
Com isso, se deu também origem ao que o filósofo Gilles Deleuze chama de
representação clássica, um modelo ou imagem de pensamento, ou uma forma de pensar
fundamentados no conceito de identidade, na recognição/reconhecimento e na repetição
do mesmo, do igual, do semelhante. Dessa forma, pensar se torna representar, e isso só é
possível com o auxílio do conceito de identidade.
Com Sócrates, Platão, mas, sobretudo, com Aristóteles e, depois, com o Cristianismo (uma
espécie de “platonismo aplicado ao povo”, como dizia Nietzsche), o pensamento já não
tem mais como tarefa afirmar a vida (como no tempo dos pré-socráticos); ele, desde
então, passou a policiar e a julgar a vida (fundamentando-se, para tanto, em valores
supostamente eternos, superiores, imutáveis, abstratos, universais e transcendentes: o
Bem, a Verdade, a Justiça, o Belo etc.).
Ocorre, assim, uma racionalização e uma moralização do pensamento e da vida, sintomas
de uma enfermidade sociocultural e histórica que Nietzsche chamou de niilismo. Tudo
isso implica uma desvalorização do sensível, do mutável, do material, do devir, do
múltiplo, da diferença e do efêmero, concebendo-os como coisas que “não são”, ou,
quando muito, como coisas que apenas “quase são”, podendo ser pensados tão
somente com o concurso do conceito de identidade.
O desafio que se nos apresenta, a nós contemporâneos, é o de pensar de uma forma
diferente a diferença; é tentar resistir e/ou escapar dessa forma tradicional de se
exercer o pensamento, típica da representação clássica, pensando, doravante, as
relações entre as diferenças sem a mediação do conceito de identidade. Esse é o
propósito das chamadas filosofias da diferença, dentre as quais a criada por Gilles
Deleuze talvez seja a mais potente e promissora.

Sylvio Gadelha
Fortaleza, 27 de fevereiro de 2015.

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