F Projeto de Salvação Do Homem
F Projeto de Salvação Do Homem
F Projeto de Salvação Do Homem
Resumo:
Incerteza e dúvidas povoam a mente humana, gerando inquietações e angústia. Com o propósito
de amenizar ou resolver isso, a filosofia e a psicologia tentam apontar soluções para problemas
e dar um sentido à vida. Desse modo, foram criadas, ao longo dos anos, várias concepções
filosóficas. Tais concepções são o objeto de estudo deste trabalho acadêmico.
Abstract:
Uncertainty and doubts causes anxiety and anguish in human minds. For the purpose of
mitigating or solving it, philosophy and psychology try to point out solutions to problems and
give meaning to life. In this sense, several philosophical conceptions have been created over
the years. Such conceptions are the object of study of this paper.
1
Pesquisador e Professor Adjunto (DE) do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão -
UFMA, lecionando nos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação. Autor dos livros: Solidão e liberdade, A
construção do poder pessoal, A clínica como exercício ético dos encontros afetivos e Análise Existencial:
princípios fundamentais. [email protected]
2
Graduando do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão. [email protected]
1. Introdução
O título deste trabalho acadêmico pode, a princípio, causar certo estranhamento por se tratar
de uma expressão familiar no repertório religioso. De fato, a escolha foi proposital. Mas, por
que usar tal expressão em um texto que se arroga falar sobre concepções filosóficas e
psicológicas do homem ao longo do tempo? O que há em comum nas tentativas religiosa,
filosófica e psicológica no que se refere ao homem, senão a intenção de ajudá-lo a sair de um
estágio e chegar a outro? A essa tentativa é o que chamamos de salvação aqui neste estudo
De início, o que é o homem para que necessite de salvação? Segundo Aristóteles, o
homem é um animal racional que deve buscar o equilíbrio com o cosmos. Para Nietzsche, o
homem é um ser de pulsões e Vontade de Potência que deve buscar estados de maior potência
sempre. Já no dizer de Heidegger, o homem é um Ser-aí no mundo que é produto de suas
relações e que é no final das contas indeterminado e indefinido.
Nessas linhas de pensamentos, o que tem em comum entre esses pensadores,
independentemente do tempo em que estão? Como se sabe, cada um deles tentou dizer algo
sobre o homem e nessas tentativas, pretenderam dar um certo direcionamento existencial para
ele, dando-lhe uma forma de lidar com suas questões, de se posicionar diante da dor e
sofrimento e de como no final das contas buscar a felicidade. Em outras palavras, tentar tirar o
homem de uma espécie de “estado natural” de desconhecimento e colocá-lo num estado de
ignorância sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca.
Nesse sentido, parafraseando Álvaro de Campos, no poema Tabacaria, que diz: “Olha
que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria”3, poder-se-ia dizer que toda a
filosofia, todo o pensar sobre o homem nada do que se fez escapou de uma tentativa de dar
sentido para o homem, e no final das contas acabou-se fazendo religião, ainda que isso se chame
de filosofia, psicologia, ciência ou como se quiser chamar. Na realidade, acabou-se sempre
3
Tabacaria - Fernando Pessoa
retornando a uma forma religiosa de pensamento, acabando por dar prescrissões para o homem
e algum tipo de certeza.
Desse modo, quando o homem pensava em ética, buscava diretrizes de como agir;
quando pensava em epistemologia, pensava em como se conhecia as coisas e como podia ter
certeza do que achava que sabia e assim como poderia usar o que sabia em sua vida. Assim
também, quando pensava em estética, procurava por meio do belo achar algum sentido, alguma
Catarse, como dizia Aristóteles. Então, novamente parafraseando o supracitado autor poder-se-
ia se dizer: “todos os sistemas de pensamento não ensinaram mais do que a confeitaria, tentando
dar uma receita de bolo, dizer como deveria ser feito, qual era o jeito certo e o que deveria ser
evitado”.
Não se pode negar que, ao longo da história da humanidade, houve diversas tentativas
de retirar o homem de sua angústia existencial, ou seja, no final das contas, tentativas de
salvação para o homem, seja por meio de religião, ou da filosofia, ou ainda de alguma postura
ou prática diante da vida, diante das dúvidas e das questões que sempre afligiram o homem,
independente da época em que estivesse vivendo, obviamente em maior ou menor grau, mas
essas questões sempre estiveram presentes, quer fossem nos variados discursos religiosos ou
nas outras áreas da vida humana.
Analisando-se a história da humanidade, é possível perceber que havia, a priori, uma
ideia de que existia a influência de uma pessoa sobre outra. E também que, nesse mesmo tempo,
onde havia espécies de terapias primitivas, tomando-se como padrão as terapias feitas hoje em
dia, não havia distinção entre a doença física e a psicológica, ou seja, entre o corpo e a alma.
Desse modo, ao se deparar com algum adoecimento, o homem passou a acreditar que,
quando o sol desaparecia à sua esquerda (ocidente), surgiam as sombras da noite que lhe traziam
a escuridão, o frio, a solidão e uma sensação de morte. Partia-se, então, de um sistema de
crenças, ou seja, algo que apenas se acreditava sem ter alguma explicação racional nessas
espécies de terapias para fazer fugir os maus espíritos, apresentando um nível espiritual de
cuidado. Assim, no primeiro momento, tanto as doenças quanto as terapias eram consideradas
pertencentes às religiões.
É possível perceber que, às vezes, o discurso filosófico surge como antagonista ao
discurso religioso; outras vezes, contribuindo para ele, mas era mais comum perceber que eles
não se contrapunham. Na realidade, essa noção de que o discurso filosófico, o religioso e o
científico se separam é produto do Positivismo de Auguste Comte que colocou uma hierarquia
entre essas manifestações do homem. Mas, em contrapartida a isso, outros pensadores
franceses, os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatarri, em seu livro “O que é Filosofia”, tratam
da questão da Arte, Filosofia e Ciência e colocam que essas coisas têm natureza complementar
e não hierárquica, como acabou sendo considerado Por Comte e pelos positivistas.
“As três vias são específicas, tão diretas umas como as outras, e se
distinguem pela natureza do plano e daquilo que o ocupa. Pensar é
pensar por conceitos, ou então por funções, ou ainda por sensações, e
um desses pensamentos não é melhor que um outro, ou mais
plenamente, mais completamente, mais sinteticamente "pensado"4.
Para os supracitados autores, todo o pensamento é uma relação do homem com o caos
e assim poderíamos até dizer que pensar é dar forma ou consistência ao caos. E existiriam esses
três modos de se relacionar com o caos: o modo científico, o filosófico e o artístico, cada um
tentando relacionar-se com ele a partir de uma perspectiva e objeto diferente.
Nesse sentido, a ciência busca ordenar esse caos, tentando compreendê-lo. Além disso,
busca dar alguma certeza, criar funções e com isso determinar como as coisas funcionam. Criar
referenciais que façam o homem acreditar que sempre as coisas irão acontecer dessa ou daquela
forma e que o que está escrito no papel, nas fórmulas, nas leis imutáveis pode tirar o homem da
incerteza e de alguma maneira da dor e angústia de não saber.
A Filosofia acaba caindo no mesmo patamar. Esta é a arte de criar, inventar, formular e
fabricar conceitos. “O conceito define-se pela inseparabilidade de um número finito de
componentes heterogêneos percorridos por um ponto em sobrevoo absoluto, à velocidade
infinita ”5. Assim, por meio dos conceitos, fecham-se quadros da realidade que dizem o que as
coisas são e de alguma maneira dá-se a sensação de que se existe conceito, então há definição
e não mais a incerteza e o abandono diante da vida. O conceito é fechado, é estável, é a
eternidade colocada num termo.
Já Arte, para os supracitados pensadores, não consegue fugir desse mesmo panorama.
A arte extrairia o ponto imaterial dos acontecimentos, o atemporal e o mantaria estável, estando
ali para sempre. A arte cria a conservação do movimento e em um mundo que tudo muda, poder
4
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é Filosofia. Tradução Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Munoz.
Coleção TRANS. Editora !34. P.254
5
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é Filosofia. Tradução Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Munoz.
Coleção TRANS.Editora !34. P. 32
ter alguma sensação de eternidade, tranquiliza de alguma forma o homem que expressa essa
forma de expor a realidade.
Além disso, a arte é a conservação do mutável e o transformar em sensação os
acontecimentos.
Assim, Deleuze e Guatarri rompem com uma noção de hierarquia entre as três
manifestações e dizem o que elas são: formas de lidar com o caos, com a incerteza e com a
mutabilidade do mundo.
É importante destacar que o que os estudiosos chamam de formas de lidar com o caos,
neste estudo é chamado de projetos da salvação, embora este texto venha a se ater muito mais
nas manifestações filosóficas e científicas, justamente representadas nas figuras dos psicólogos
e filósofos que buscaram formas de lidar com o sofrimento causado por essas questões.
E como já foi dito, usamos um termo aparentemente religioso para falar sobre essas
propostas de ordenamento, ou “receitas de confeitaria” nas palavras de Álvaro de Campos, um
pseudônimo de Fernando Pessoa.
6
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é Filosofia. Tradução Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Munoz.
Coleção TRANS.Editora !34. P. 253
“porquê” de tudo. “A filosofia é assim um saber, um querer saber”7. A dúvida, incerteza produz
perguntas e “a interrogação exige resposta”8, por isso, esses primeiros filósofos buscavam
respondê-las por meio de certezas.
Variados filósofos davam respostas diferentes para perguntas. É possível ver neles a
tentativa de dar algum direcionamento, ou como preferimos dizer, fazer um projeto de salvação
para esse homem. A partir de uma atitude que buscava explicar o mundo e como diz Mário
Ferreira dos Santos no seu livro Filosofia e Cosmovisão, o termo “ explicar” vem do latim “ex”
mais “plicare”, que significa fazer pregas, ou seja, explicar é desembrulhar, é tirar algo que
cobre o mundo e tentar olhar com maior clareza.
O referido autor diz que esses primeiros filósofos tinham a noção de que o saber prepara
para a felicidade, pois através de um saber reflexivo seria possível para o homem conhecer o
que a realidade é. O autor ainda nos fala que esses homens buscavam um “saber de salvação”
dizendo que: “O fim deste saber é a divindade, a salvação do homem, na divindade”9. Para eles,
o saber prepara a perfeição individual para a beatitude e para a felicidade – a salvação é um
transcender, um não limitar-se a este mundo.
Convém destacar que dois pré-socráticos têm grande importância nos projetos filosóficos,
em toda a tradição do pensamento e nesse projeto para a salvação do homem, são estes,
Heráclito e Parmênides. Para Heráclito: “tudo, absolutamente tudo, estava em constante
mudança. Nada, absolutamente nada, permanecia idêntico”10. Havia uma certa conformidade
no pensamento de Heráclito com o caos. Para ele o homem deveria aceitar a mutabilidade, o
devir de tudo.
Assim também, Crátilo, discípulo de Heráclito, continuou o pensamento sobre o devir e
“chegou até afirmar que isso impossibilitava o uso da linguagem para a comunicação, porque
as palavras mudam constantemente de significado. A única maneira de se comunicar seria
mexendo o dedo” 11.
Já Parmênides “dizia que a permanência reinava absoluta. Aquilo que é é; aquilo que não é
não é; nada passa a existir nem deixa de existir; nada nunca muda; nada se move”12. Assim, o
mundo é imutável e toda percepção de mudança é mero erro de intelecto.
7
SANTOS. Mário Ferreira dos. Filosofia e Cosmovisão. P.21
8
SANTOS. Mário Ferreira dos. Filosofia e Cosmovisão. P. 21
9
SANTOS. Mário Ferreira dos. Filosofia e Cosmovisão. P. 27
10
ADLER, Mortimer J. Aristóteles para todos. P 41
11
ADLER, Mortimer J. Aristóteles para todos. P 41
12
ADLER, Mortimer J. Aristóteles para todos. P 41
Convém salientar que Parmênides e Heráclito estabeleceram a base de uma grande
discussão que tentou ser amplamente resolvida pelos seus posteriores. Mas é interessante
perceber a preocupação com a questão da mudança e do caos já presente nesse primeiro
momento. Este propondo uma aceitação e construção a partir do caos, o que mais tarde achou
adeptos como Nietzsche; aquele propondo a imutabilidade e a certeza, o que seria muito bem
trabalhado por toda a tradição platônica e aristotélica de forma ainda reverberar em alguns
modernos.
O projeto filosófico e de salvação do homem de Sócrates é um projeto mais elevado ainda.
Para o referido filósofo, ser feliz é equivalente a ser bom, e aqui encontramos fortes incentivos
a discussões éticas. Sócrates não estava preocupado com o princípio das coisas como seus
antecessores, ele estava mais preocupado com as relações dos homens consigo mesmos, com
os outros e com o mundo em que viviam.
Desse modo, ele percorria toda Atenas usando seu método da maiêutica (a arte de parir
ideias), questionando as certezas de todos e lhes permitindo pensar além do que já tinham como
certo. Para esse filósofo, o pensamento era o princípio da vida saudável. Ele também defendia
que o conhecimento eleva o homem, tira-o de um estado de animalidade. Nesse sentido,
13
BOTTON, Alain de. As Consolações da Filosofia. P .28
Ora, o mundo das ideias era o que Parmênides estava falando, e o mundo sensível era aquele
a que Heráclito se referia. A verdade estaria de fato no mundo das ideias, já que o mundo dos
sentidos seria uma mera cópia do mundo perfeito. Dessa forma, o mundo inteligível contém as
formas e as ideias perfeitas de tudo aquilo que está no mundo sensível. Assim, o homem deveria
organizar sua vida com base no mundo eterno, no mundo das ideias, buscando sempre o Belo,
o Justo, o Verdadeiro, o Amor, o Virtuoso.
Nesse sentido, somente um homem que tem sua alma ordenada pelo pensamento poderia
estar bem no mundo. Isso é enfatizado por Platão no seu livro a República. Para ele, a alma tem
três divisões. A primeira, que é a superior, é a parte essencialmente racional da alma e é onde
mora a sabedoria do homem; a segunda é onde mora o instinto guerreiro de proteção do homem,
e a terceira parte é a que se volta a atender os desejos do corpo.
Para o pensador, as três partes da alma devem ser guiadas por três virtudes. A primeira parte
pela virtude da sabedoria, que consiste na busca pela verdade, pela busca pelas verdades em si;
a segunda parte pela virtude da coragem, que consiste na defesa proteção de um caráter interno
e a terceira parte pela temperança, que viria a ser a capacidade controlar e dominar suas paixões
e desejos com a moderação, ou seja, respeito à hierarquia da alma.
No dizer do filósofo, “Temos assim três virtudes que foram descobertas na nossa cidade:
sabedoria, coragem e moderação para os chefes; coragem e moderação para os guardas;
moderação para o povo.”14 Para Platão a alma era semelhante a República, onde o filósofo, ou
seja, o pensamento deveria governar sobre as outras partes da alma ou da república. Esse seria
o modo saudável e harmônico da alma, onde ela estaria feliz com ela mesmo, já que a parte
superior estaria organizando e controlando a coragem e a moderação aos desejos.
Platão considera em seu livro a República que o homem é uma espécie de microcosmos da
cidade. E a cidade ideal é formada por uma classe de sábios, uma de guerreiros e pelo povo,
que faz paralelo às três partes da alma. Para ele, uma cidade justa é a cidade onde as pessoas
com as suas aptidões ocupem as posições correspondentes a suas aptidões. A justiça é uma boa
harmonia entre as partes do que quer que seja e o homem deve sempre buscar a justiça. O justo
é sempre o mais feliz, pois tem harmonia em sua alma. O justo não se guia por emoções,
impulsividade. O justo é aquele que faz bem aquilo para o qual nasceu, vive em harmonia com
os outros e consigo mesmo.
14
PLATÃO. A República. Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo. 1997. P. 130
Assim, o projeto de salvação do homem de Platão consiste em procurar a justiça, o bem e a
verdade. “Portanto, o justo é feliz e o injusto, infeliz” 15, porque de outra forma o homem estará
perdido e haverá caos tanto na convivência do homem com os demais quanto consigo mesmo.
Aristóteles, discípulo de Platão, continuou o projeto de seu mestre, contudo, com várias
críticas ao seu professor. Para Aristóteles, que acreditava que: “o pensamento filosófico começa
com perguntas”16, o pensamento deveria buscar as categorias das coisas, ou seja, esquemas
classificatórios. O referido pensador acreditava que as coisas têm natureza que as diferencia das
outras coisas e por meio desse conhecimento, que separa em categorias, o homem chegaria a
um conhecimento do mundo que o cerca.
Cabe ressaltar que, Aristóteles, diferente de Platão, não acreditava na existência dos dois
mundos, mas ele também tenta conciliar Heráclito e Parmênides. Sua preocupação era com o
que muda e o que permanece independente do movimento. Aristóteles, como nos diz Adler em
seu livro “Aristóteles para Todos”, acreditava que existem mudanças dos atributos das coisas
em relação a quantidade (onde se vê se as coisas aumentam ou diminuem de peso e tamanho),
na qualidade (onde se observa se as coisas mudam de formato, cor, textura) e lugar ou posição
(quando as coisas passam de um local para o outro). Porém, para ele existem atributos que
permanecem durante toda a existência da coisa. Com essa tentativa de ordenamento do
pensamento o filósofo tentava ver ordem no mundo.
O pensamento de Aristóteles dizia que assim como os corpos têm três dimensões (altura,
largura e profundidade), o homem também tinha três dimensões. “Três dimensões: fazer, agir
e conhecer”17. Na dimensão do fazer, o homem era como artista ou artesão e, para o filósofo,
tudo no mundo que é artificial (feito pelo homem) e não natural é uma obra de arte; na dimensão
agir o homem é um ser moral e social; na dimensão do conhecer o homem é como ser que
aprende. Nas três dimensões, para Aristóteles, o homem é um pensador.
No que se refere à primeira dimensão, o homem tem um pensamento produtivo, colocando-
se como fazedor; na segunda dimensão, o homem tem um pensamento prático, colocando-se
como ator; na terceira, o homem tem um pensamento especulativo ou teórico e se coloca como
um conhecedor. Em cada uma dessas dimensões o homem se coloca em busca de alguma coisa.
Na primeira é em busca da beleza; na segunda, da bondade; e na terceira, da verdade.
15
PLATÃO. A República. Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo. 1997. P.40
16
ADLER, Mortimer J. Aristóteles para Todos. P. 18
17
ADLER, Mortimer J. Aristóteles para Todos. P.29
Para Aristóteles, o homem faria também parte da natureza, mas havia algo que o
diferenciava do resto dela e essa coisa era a razão. Mas esse homem deveria viver de acordo
com essa natureza. “Não teria mostrado o homem contra a natureza, mas sim o homem
trabalhando com a natureza”18
Para o supracitado filósofo o homem deveria estar organizado/alinhado com a existência,
num perfeito equilíbrio com o que ele chamou de Cosmos. O homem acharia a virtude no
caminho do meio, o meio termo entre a falta e o exagero. Deveria buscar a virtude em tudo que
fazia. Essa virtude seria a capacidade gerada a partir da ordenação da vida por meio do intelecto.
A lógica ajudaria o homem a buscar a verdade e por meio dela ter uma vida harmônica e virtuosa
no caminho do bom, justo e virtuoso. A proposta de Aristóteles era bem parecida no final das
contas com a de Platão, apesar da discordância de vários pontos no caminho. A conclusão
parece muito uma com a outra.
Por outro lado, Epicuro, filósofo da chamada decadência da Grécia de quando ela começou
a ser invadida, abandona as discussões epistemológicas, estéticas e se foca nas discussões éticas.
Ele acreditava que o homem deveria buscar os prazeres dos sentidos. “ O que de imediato
distinguia sua filosofia era a ênfase na importância dos prazeres da carne: “ O prazer é o
princípio e o fim da vida feliz”, sustentou Epicuro”19. Assim, o homem deveria buscar um
prazer ordenado pela razão para que conseguisse chegar a essa felicidade. Nesse sentido, o
homem deveria buscar esse prazer em três aspectos da vida como diz Botton no seu livro “As
Consolações da Filosofia: a Amizade, a Liberdade e a Reflexão.
Ressalta-se que o grego dava muita importância à vida social e à praça pública. Quando a
Grécia começou a ser invadida e outros povos começaram a governar, esse convívio que tanto
prezavam lhes foi tirado. Então, para Epicuro, o homem deveria se voltar para uma vida interior,
uma vida de prazeres simples e de reflexão constante sobre a própria vida. Aqui, num momento
de crise é possível ver muito mais claramente a tentativa de criação de um projeto de salvação
para esse homem, não que não fosse possível ver isso em Platão e Aristóteles e até nos pré-
socráticos, já que a tentativa de ensinar o homem a ordenar sua vida nada mais é do que uma
tentativa de retirá-lo do caos e da incerteza, mas aqui é possível ver um clamor na própria
conjuntura social da época.
Outro pensador importante que aparece nesse mesmo cenário foi Diógenes, o cínico, que
significa aquele que vive como cachorro. Diógenes, que andava nu pelas ruas de Atenas e
18
ADLER, Mortimer J. Aristóteles para Todos. P. 35
19
BOTTON, Alain de. As Consolações da Filosofia. P .64
morava em um barril na porta da cidade, ensinava que o homem precisava do mínimo necessário
para viver e o que o homem possui acaba possuindo-o, esse homem acaba se tornando escravo
de suas posses, pois vive preocupado em não perdê-las, em manter tudo que tem, então, a forma
de evitar isso seria vivendo sem posses, sendo livre de todas as buscas por demonstrar coisas
socialmente, dar satisfações, ter medo de perder, ter medo de que os outros pensem mal de si.
Era um pensamento muito radical, mas achou muitos devotos, e Diógenes achou admiração
inclusive de Alexandre, o Grande.
Quando se chega nos projetos dos romanos, percebe-se que eles tentaram, de sua maneira,
continuar os projetos dos gregos. Essa influência se deu em vários âmbitos de suas vidas, tanto
na literatura, como nas artes, na filosofia, na arquitetura, na medicina, na religião e nos próprios
costumes da população.
A tradição filosófica que os romanos tentaram continuar era muito mais ligada a ética que
a qualquer outra área. Eram discussões muito ligadas a uma espécie de discurso até religioso de
como o homem agiria bem e como ficaria no mundo como estava.
Já Sêneca e os estoicos defendiam o princípio de ataraxia ou impetubabilidade da alma,
onde o homem deveria viver de forma que seus ânimos se mantivessem constantes, ele não
deveria buscar nem a felicidade nem a tristeza, nem a fome e nem a saciedade, nem o conforto
nem o desconforto, porque os extremos causariam problemas para esse homem.
O homem deveria buscar não ter grandes projetos e estar satisfeito com a vida como ela é,
sem ser revoltado porque as coisas não acontecem no mundo como o homem quer, porque a
realidade acontece independente da vontade desse homem. O homem é uma mera parte da
existência.
Destaca-se que os estoicos propunham muito mais uma vida contemplativa que uma vida
de prazeres ou de ação. “ Além disso, há três modos de vida. Cabe questionar qual o melhor: o
20
SÊNECA. Da Tranquilidade da Alma.L&PM Editores, 2009. P. 41
que se consagra ao prazer, o que se consagra à contemplação ou aquele que se dedica à ação”21.
Sêneca chega à conclusão de que a vida contemplativa é a melhor. Viver implica em passar por
sofrimentos, a melhor forma de viver é aceitando as coisas que não podem ser mudadas e
evitando possíveis geradores de aborrecimento e infelicidade, com uma atitude de resignação
diante da vida. Esse era o projeto de salvação para os Estoicos.
Nessa esteira de pensadores, cita-se outro pensador romano chamado Cícero. Para ele, as
desordens e perturbações da mente precedem de um descuido com a razão, e em forma de
penalidades estas doenças aparecem numa perturbação do espírito, da alma. A cura, nesse
sentido, parece depender quase exclusivamente das emoções, que atraem e que poderiam ser
combatidas.
21
SÊNECA. Da Tranquilidade da Alma.L&PM Editores, 2009. P. 29
22
MARINOFF. Lou. Mais Platão Menos Prozac. P .81
“Tarde Vos amei, Ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!
Habitáveis longamente dentro de mim, e eis-me lá fora a
procurar-Vos. Dispersava-me entre as formosuras que criastes.
Estáveis já comigo, sem que eu estivesse convosco! Retinha-me
longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós.
Porém me chamastes com tua voz tão forte que rompestes minha
surdez! Brilhastes, cintilastes e logo afugentaste a minha
cegueira. Exaltastes perfume: respirei-o suspirando por Vós. Eu
Vos Saboreei, e agora tenho fome e sede. Vós me tocastes e ardi
no desejo da vossa paz.”23
É possível ver já em Agostinho a noção de falta constituinte que depois será trabalhada
por Lacan na modernidade.
Tomás de Aquino, na tradição da escolástica, retoma Aristóteles, atualizando também o
pensador grego à luz do cristianismo, continuando as discussões de seu velho professor e indo
mais longe. Ele creditava que o homem deveria guiar-se pela razão, e abandonar os vícios,
caminhando em direção às virtudes, para assim achar a felicidade, tal como Aristóteles, mas
acreditava que essas verdades só seriam de fato possíveis, se o homem buscasse o caminho da
Perfeição de Deus. Dividiu as virtudes em virtudes naturais e virtudes teologais e exprimiu a
importância de se reger a vida pela fé, mostrando, entretanto, que fé e razão não estavam
separadas e nem eram antagônicas como muitos tentam mostrar. “A verdade e o bem não só
estão interligadas como são idênticos”24.
Para Tomás de Aquino toda inteligência deveria cultuar a Deus porque essa era sua
finalidade. “A inteligência não assume plenamente seu papel senão quando exerce uma função
religiosa, isto é, quando cultua o verdadeiro supremo através do verdadeiro diminuído e
disperso”25. Assim, o intelectual deveria ser capaz de reconhecer a inteligência do divino no
mundo e deveria alinhar sua própria inteligência com a inteligência divina.
Tomás de Aquino trabalhou também a questão do corpo em seu pensamento, dizendo
que o homem deveria ter preocupações com essa parte de sua existência também, uma vez que:
23
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Editora vozes. São Paulo.2015. P. 258
24
SERTILLANGES, A.D. A Vida Intelectual. Editora: Erealizações.2010. P.34
25
SERTILLANGES, A.D. A Vida Intelectual. Editora: Erealizações.2010. P. 40
“ tudo num intelectual deve ser intelectual”26. Esse homem, contudo, para esse filósofo, não
deveria viver em busca do prazer corporal, porque não era aí que a felicidade estava e isso trazia
danos para o próprio intelecto do homem. “Um amigo do prazer, é um inimigo do seu corpo e
se torna depressa um inimigo de sua alma”27.
Assim, para Tomás de Aquino, tudo no homem deveria ser guiado pela intelectualidade
e isso para ele significa que tudo deveria ser guiado para conhecer e glorificar a Deus a cada
instante, deixando-se as paixões de lado e ordenando-as por meio do intelecto.
Por outro lado, René Descartes acreditava na noção de que a melhor terapia consistia
em restabelecer a verdadeira hierarquia da mente sobre o corpo, por meio de um esforço para
colocar o domínio do pensamento sobra as paixões da alma, que animalizariam o homem e o
colocariam num estado patológico que deveria ser evitado por meio de um pensamento
metódico, que questionasse tudo e não acreditasse no sensível/ corpo como prova de nada.
Diferente da tradição (de Tomás de Aquino e escolástica), ele tem uma postura de inferiorizar
o corpo como se ele não tivesse importância.
“Pois cumpre notar que o principal efeito de todas as paixões nos homens
é que incitam e dispõem a sua alma a querer as coisas para as quais elas
lhes preparam os corpos; de sorte que o sentimento de medo incita a fugir,
o da audácia a querer combater e assim por diante”29.
26
SERTILLANGES, A.D. A Vida Intelectual. Editora: Erealizações.2010. P.43
27
SERTILLANGES, A.D. A Vida Intelectual. Editora: Erealizações.2010. P. 46
28
DESCARTES, René. As paixões da alma. Introd. de G.-G. Granger; pref. e notas de G. Lebrun; trad. de
J. Guinsburg e B. Prado Jr. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (col. Os Pensadores). P.227
29
DESCARTES, René. As paixões da alma. Introd. de G.-G. Granger; pref. e notas de G. Lebrun; trad. de
As paixões precisariam ser adestradas para que o homem pudesse viver bem e o homem
deveria ter domínio total sobre suas paixões.
Outro pensador que também tem muita importância para a tradição e para os projetos
de salvação do homem é Baruch Spinoza. Para ele, a natureza era geométrica, era racional,
sendo também deduzível e assim evidente por si mesma. Spinoza tentou demonstrar uma Ética
a partir da própria natureza.
Ademais, para Spinoza tudo seria composto pela mesma substância, que ele identifica
com a Natureza e com Deus.
Existiria um certo determinismo na obra de Spinoza. “As coisas não poderiam ter sido
produzidas por Deus de outro modo ou em outra ordem senão naquela em que foram
produzidas”31. Spinoza propõe uma Ética dos afetos. Aquilo que aumenta minha potência,
minha vontade de viver é bom para mim e o que diminui minha potência e diminui essa vontade
me faz mal. Cabe destacar o fato de ele ter feito uma filosofia panteísta que deu um caráter
sagrado a imanência e a própria vida.
Outro pensador importante para a tradição foi Kant que trouxe uma noção de existência
moral para que o homem saia do caos e viva segundo a razão. Para ele, o homem diferente dos
outros animais na natureza, é livre, capaz de se autodeterminar e sair das determinações do
sensível e ele faz isso por meio do uso de sua razão. Desse modo, o homem deveria buscar ser
um ser moral, porque ser moral é ser racional e isso é necessário para que se viva em sociedade
e exercendo as potencialidades que o homem tem.
“Do aduzido resulta claramente que todos os conceitos morais
têm a sua sede e origem completamente a priori na razão, e isto
tanto na razão humana mais vulgar como na especulativa em mais
J. Guinsburg e B. Prado Jr. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (col. Os Pensadores). P. 242
30
ESPINOSA, Ética, livro I; Spinoza, 1977.P.445
31
SPINOZA, Benedictus de. Ética. 2007.P.15
alta medida; que não podem ser abstraídos de nenhum
conhecimento empírico e, por conseguinte puramente
contingente; que exatamente nesta pureza da sua origem reside a
sua dignidade para nos servirem de princípios práticos
supremos”32
Para Kant, o homem que é um sujeito livre, diferente dos demais animais, seria capaz
de saber distinguir o melhor para si e também para a sociedade, ou seja, para os outros: “A
representação de um princípio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um
mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento chama-se Imperativo”33
32
KANT, I. A Fundamentação da metafísica dos costumes, Portugal: Edições70, p. 46
33
KANT, I. A Fundamentação da metafísica dos costumes, Portugal: Edições70, p. 48
Referências:
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é Filosofia. Tradução Bento Prado Jr. E
Alberto Alonso Munoz. Coleção TRANS. Editora !34.