Prova-Modelo 2 - 2020 (Com OPÇÕES)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

Publicado no website

Exame Final Nacional de Português


Prova 639 | Prova-Modelo 2 | Ensino Secundário | 2020
12.º Ano de Escolaridade

Duração da Prova: 120 minutos. | Tolerância: 30 minutos. 11 Páginas

PROVA-MODELO 2

A prova inclui 5 itens, devidamente identificados no enunciado, cujas respostas contribuem obrigatoriamente
para a classificação final. Dos restantes 10 itens da prova, apenas contribuem para a classificação final os 8
itens cujas respostas obtenham melhor pontuação.

Indique de forma legível a versão da prova.


Utilize apenas caneta ou esferográfica de tinta azul ou preta.

Não é permitida a consulta de dicionário.

Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.

Para cada resposta, identifique o grupo e o item.


Apresente as suas respostas de forma legível.

Ao responder, diferencie corretamente as maiúsculas das minúsculas.

Apresente apenas uma resposta para cada item.


As cotações dos itens encontram-se no final do enunciado da prova.

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

Prova 639.PMOD2. • Página 1/ 11


GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Responde apenas aos itens dos textos da Parte A1 ou A2 ou A3, de acordo com a(s) obra(s) do 12º ano que
estudaste, e identifica, na folha de respostas, a parte correspondente ao texto que selecionaste.

Parte A1
O Ano da Morte de Ricardo Reis

Leia o texto.

Não volto aqui, dissera Lídia, e é ela quem neste momento bate à porta. Traz no bolso a chave
da casa, mas não se serve dela, tem os seus melindres, disse que não voltaria, mal parecia agora
meter a chave à porta como em casa sua, que nunca foi, hoje ainda menos, se esta palavra nunca
admite redução, admitamo-la nós, que das palavras não conhecemos o último destino. […] Lídia
5 tem os olhos vermelhos e inchados, talvez depois de grande luta com o seu nascente amor de
mãe tenha acabado por resolver fazer o desmancho […]. Ela diz, Desculpe, senhor doutor, não
tenho podido vir, mas quase sem transição emendou, Não foi por isso, pensei que já não lhe fazia
falta, tornou a emendar, Sentia-me cansada desta vida, e tendo dito ficou à espera, pela primeira
vez olhou de frente para Ricardo Reis, achou-o com um ar envelhecido, estará doente, Tens-me
10 feito falta, disse ele, e calou-se, dissera tudo o que havia para dizer. […] Por que é que não te
sentas, e depois, Conta-me o que se passa, então Lídia começa a chorar baixinho, É por causa
do menino, pergunta ele, e ela acena que não, lança-lhe mesmo, em meio das lágrimas, um olhar
repreensivo, finalmente desabafa, É por causa do meu irmão. […] É que, interrompeu-se para
enxugar os olhos e assoar-se, é que os barcos vão revoltar-se, sair para o mar, Quem to disse,
15 Foi o Daniel em grande segredo, mas eu não consigo guardar este peso para mim, tinha de
desabafar com uma pessoa de confiança, pensei no senhor doutor, em quem mais havia de
pensar, não tenho ninguém, a minha mãe não pode nem sonhar. Ricardo Reis espanta-se por não
reconhecer em si nenhum sentimento, talvez isto é que seja o destino, sabermos o que vai
acontecer, sabermos que não há nada que o possa evitar, e ficarmos quietos, olhando, como
20 puros observadores do espetáculo do mundo, ao tempo que imaginamos que este será também
o nosso último olhar, porque com o mesmo mundo acabaremos, Tens a certeza, perguntou, mas
disse-o somente porque é costume dar a nossa cobardia ao destino essa última oportunidade de
voltar atrás, de arrepender-se. Ela acenou que sim, chorosa, esperando pelas perguntas
apropriadas, aquelas a que só podem ser dadas respostas diretas, se possível um sim ou um não,
25 mas trata-se de proeza que está acima das humanas capacidades.

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Editorial Caminho, Alfragide, 1984, pp. 566-567

1. Comenta o relacionamento entre Ricardo Reis e Lídia, tendo em conta a globalidade do texto.

2. Considerando o perfil de Ricardo Reis, clarifica o significado de «puros observadores do espetáculo do


mundo» (linha 20).

3. Seleciona um excerto do texto em que o tom oralizante seja evidenciado pela pontuação, justificando a
tua escolha.

Prova 639.PMOD2 • Página 2/ 11


Caso respondas aos itens da Parte A1, não respondas aos itens da Parte A2 ou A3.

Parte A2
Memorial do Convento

Leia o texto.

Dorme Baltasar no lado direito da enxerga, desde a primeira noite aí dorme, porque é desse
lado o seu braço inteiro, e ao voltar-se para Blimunda pode, com ele, cingi-la contra si, correr-lhe
os dedos desde a nuca até à cintura, mais abaixo ainda se os sentidos de um e do outro
5 despertaram no calor do sono e na representação do sonho, ou já acordadíssimos iam quando se
deitaram, que este casal, ilegítimo por sua própria vontade, não sacramentado na igreja, cuida
pouco de regras e respeitos, e se a ele apeteceu, a ela apetecerá, e se ela quis, quererá ele.
Talvez ande por aqui obra de outro mais secreto sacramento, a cruz e o sinal feitos e traçados
com o sangue da virgindade rasgada, quando, à luz amarela do candil, estando ambos deitados
10 de costas, repousando, e, por primeira infração aos usos, nus como suas mães os tinham parido,
Blimunda recolheu da enxerga, entre as pernas, o vivíssimo sangue, e nessa espécie
comungaram, se não é heresia dizê-lo ou, maior ainda, tê-lo feito. Meses inteiros se passaram
desde então, o ano é já outro, ouve-se cair a chuva no telhado, há grandes ventos sobre o rio e a
barra, e, apesar de tão próxima a madrugada, parece escura noite. Outro se enganaria, mas não
15 Baltasar, que sempre acorda à mesma hora, muito antes de nascer o sol, hábito inquieto de
soldado, […] até que um leve rumor acorda Blimunda e outro som começa e se prolonga, infalível,
é Blimunda a comer o seu pão, e depois que o comeu abre os olhos, vira-se para Baltasar e
descansa a cabeça sobre o ombro dele, ao mesmo tempo que pousa a mão esquerda no lugar da
mão ausente, braço sobre braço, pulso sobre pulso, é a vida, quanto pode, emendando a morte.
20 Mas hoje não será assim. […]
Quando Blimunda acorda, estende a mão para o saquitel onde costuma guardar o pão,
pendurado à cabeceira, e acha apenas o lugar. Tateia o chão, a enxerga, mete as mãos por baixo
da travesseira, e então ouve Baltasar dizer, Não procures mais, não encontrarás, e ela, cobrindo
os olhos com os punhos cerrados, implora, Dá-me o pão, Baltasar, dá-me o pão, por alma de
25 quem lá tenhas, Primeiro me terás de dizer que segredos são estes, Não posso, gritou ela, e
bruscamente tentou rolar para fora da enxerga, mas Sete-Sóis deitou-lhe o braço são, prendeu-a
pela cintura, ela debateu-se brava, depois passou-lhe a perna direita por cima, e assim libertada
a mão, quis afastar-lhe os punhos dos olhos, mas ela tornou a gritar, espavorida, Não me faças
isso, e foi o grito tal que Baltasar a largou, assustado, quase arrependido da violência, Eu não te
30 quero fazer mal, só queria saber que mistérios são, Dá-me o pão, e eu digo-te tudo, Juras, Para
que serviriam juras se não bastassem o sim e o não, Aí tens, come, e Baltasar tirou o taleigo de
dentro do alforge que lhe servia de travesseira.

José Saramago, Memorial do Convento, Editorial Caminho, Alfragide, 2013, pp. 99-101.

1. Comenta o relacionamento entre Baltasar e Blimunda, tendo em conta a globalidade do texto.

2. Considerando a excecionalidade de Blimunda, clarifica o significado de «só queria saber que mistérios
são» (linha 29).

3. Seleciona um excerto do texto em que o tom oralizante seja evidenciado pela pontuação, justificando a
tua escolha.

Prova 639.PMOD2. • Página 3/ 11


Caso respondas aos itens da Parte A1 ou A2, não respondas aos itens da Parte A3.

Parte A3
Ricardo Reis

Leia o poema. Se necessário, consulte a nota.

Mestre, são plácidas


Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos.(1)

Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,

Não nos diz nada.


Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Prova 639.PMOD2 • Página 4/ 11


Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.(2)

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
Ricardo Reis, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, s/p.
NOTA
(1) incautos – sem cautelas, despreocupados;
(2) deus atroz / Que os próprios filhos / Devora sempre – referência a Cronos, deus grego cujo nome significa “tempo”, e
que devorava os filhos ao nascer.

1. Caracterize a relação estabelecida no texto entre «nós» e o «Tempo».

2. Explicite dois efeitos de sentido produzidos pelas formas verbais «saibamos» (vv. 10 e 28), «Colhamos»
(verso 37) e «Molhemos (verso 38).

3. Mostre a importância, no texto, do vocabulário que se refere à ideia de calma.

ATENÇÃO
A partir desta página, NÃO EXISTEM mais opções para a Parte A do Grupo I.
Verifica se identificaste corretamente, na folha de respostas, a parte correspondente ao texto que selecionaste.

Prova 639.PMOD2. • Página 5/ 11


Parte B

Leia o excerto de Os Lusíadas, de Luís de Camões. Se necessário, consulte a nota.

154
Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo (1),
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos (2) sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa esperiencia misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente3.

155
Pera servir-vos, braço às armas feito;
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece (4) ser a (5) vós aceito (6),
De (7) quem virtude (8) deve ser prezada.
Se me isto (9) o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada (10),
Como a pressaga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina (11),

156
Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante (12),
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante (13).
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante (14),
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja (15).
.
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de Emanuel Paulo Ramos, Canto X, estâncias 154-156,
Porto, Porto Editora, 1987, p. 266.
NOTA
(1) Camões exibe a sua origem social, o povo;
(2) de pessoas do povo;
(3) vv. 5-8: Camões apresenta várias qualidades suas – o conhecimento baseado nos livros, o «estudo», o conhecimento
facultado pela «experiência» da vida, o «engenho», isto é, a capacidade poética, «aqui» – em Os Lusíadas –
concretizada;
(4) só me falta;
(5) por;
(6) conhecido;
(7) por;
(8) a capacidade engenhosa que lhe permitiu construir Os Lusíadas;
(9) ser reconhecido pelo rei;
(10) vv. 5-6: e o rei decidir empreender façanhas dignas de serem epicamente cantadas;
(11) vv. 7-8: como se adivinha que sucederá, dada a intenção do rei;
(12) Atlas ficou petrificado ao ver a Medusa, ser horripilante; o sentido destes dois primeiros versos é que o Norte de África,
isto é, os Mouros, fiquem ainda mais petrificados ao verem D. Sebastião do que ficou Atlas ao ver a Medusa; o Monte
Atlante fica em Marrocos;
(13) Ampelusa e Trudante são terras de Marrocos; por estes versos e pelos dois últimos da estância anterior se verifica
que a intenção de atacar Marrocos era do conhecimento geral no reinado de D. Sebastião; a tentativa levará pouco
depois ao desastre de Alcácer Quibir;
(14) Camões oferece-se para cantar epicamente os futuros feitos de D. Sebastião;
(15) Alexandre Magno foi o maior general da Antiguidade Clássica; dizia lamentar não ter um Homero que lhe cantasse os
feitos – como Aquiles teve; tinha inveja de Aquiles por isso; Camões promete, jura, («Fico») que cantará epicamente
os feitos de D. Sebastião.

Prova 639.PMOD2 • Página 6/ 11


4. Indica o destinatário das palavras de Camões. Na tua resposta, deves referir, justificadamente, se esta é
ou não a primeira vez que Camões se lhe dirige em Os Lusíadas.

5. Explicita três dos projetos apresentados por Camões nas duas últimas estrofes.

6. Relaciona, justificadamente, os dois últimos versos da terceira estrofe com a Proposição de Os Lusíadas.

Responde apenas ao item da Parte C1 ou C2, de acordo com as obras que estudaste, e identifica, na folha de
respostas, a parte que selecionaste. Caso respondas ao item da Parte C1, não respondas ao item da Parte C2.

Parte C1
7. O tema da reflexão existencial é uma das características típicas da poesia de Fernando Pessoa.

Escreva uma breve exposição na qual faça um contraste entre a visão do mundo de Alberto Caeiro e a de
Ricardo Reis a propósito deste tema.

A sua exposição deve incluir:

• uma introdução ao tema;

• um desenvolvimento no qual explicite, para cada um dos heterónimos, uma característica que os
permita distinguir, fundamentando as características apresentadas com, pelo menos, um exemplo
significativo;

• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

Parte C2
7. A figura do herói está presente em várias obras estudadas ao longo do Ensino Secundário, ainda que a
sua construção se diferencie consoante períodos e construções literárias.

Escreva uma breve exposição na qual se refira ao(s) herói(s) em Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, e
ao(s) herói(s) na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes.

A sua exposição deve incluir:

• uma introdução ao tema;

• um desenvolvimento no qual explique uma característica do(s) herói(s) em cada uma das obras,
fundamentando com um exemplo significativo de cada uma delas;

• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

ATENÇÃO
A partir desta página, NÃO EXISTEM mais opções para a Parte C do Grupo I.
Verifica se identificaste corretamente, na folha de respostas, a parte que selecionaste.

Prova 639.PMOD2. • Página 7/ 11


GRUPO II

Leia o texto. Se necessário, consulte a nota.

«Bei der Laterne wollen wir steh’n / Wie einst Lili Marleen» (1)

É notícia: a Alemanha vai permitir a reedição de Mein Kampf.(2) Sorrisos antigermânicos já


se soerguem, as piadas afiam-se e nem precisam de ter piada. A associação que volta e meia
vociferantes levianos fazem (alemães = nazis) mais de uma vez irrita o meu amigo Alex, e com
5 razão. É um insulto: ninguém é responsável pelo crimes dos pais, neste caso dos avós e
bisavós, muito menos pelos dos seus dirigentes, mesmo que democraticamente eleitos. Ainda
hoje é árdua a questão de se saber quem foi cúmplice, quem foi simplesmente poltrão, quem.
O facto de desertores e resistentes terem levado tempo de mais a serem reabilitados (com
Aristides Sousa-Mendes (3) aconteceu o mesmo) não ajuda nada. A Alemanha de hoje é uma
10 democracia vibrante e, ao longo de décadas, talvez o melhor bastião europeu contra o
nazismo. Porque havendo uma «culpa coletiva», ela funcionou como alerta máximo contra o
retorno da Besta, ao contrário de países limítrofes que aproveitaram o monopólio da culpa
alemã para sacudirem a água do capote e, pior, não fazerem a devida higiene à consciência
coletiva. As férreas leis contra o antissemitismo na Alemanha foram instrumentos importantes,
15 e a sociedade pós-45 é generosamente multikulti, de uma forma que a um português, mesmo
com as heranças do nosso «vasto império», é difícil perceber.
Há aquela famosa frase, atribuída a Kissinger (4) (…), de que «o drama da Alemanha é ser
demasiado grande para a Europa e demasiado pequena para o mundo». É uma boutade (5),
com o seu quê de certeiro, como as melhores boutades. A pujança económica, científica e
20 tecnológica é notável, e é sensato sentirmos inveja. Eu sinto. Por outro lado, não é inteiramente
inocente. À reunificação alemã seguiu-se, não vou dizer que com causa-efeito, mas alguma
coisa terá a ver, a desagregação jugoslava. E algum dedo lili-marlénico, e não apenas
liliputiano, haverá na crise ucraniana. A mim as desmesuradas promessas de ouro, mirra e
incenso feitas à Ucrânia (…) lembram-me os tempos em que Berlim era um farol de liberdade,
25 sobretudo para mostrar ao Leste que «Ocidente é bom».
O meu amigo Luís é metalúrgico numa fábrica alemã onde os operários são multikulti (6), ou
seja, tudo menos alemães, e diz a brincar que «os alemães não sabem perder nem sabem
ganhar»: se perdem ficam logo «choramingas a achar que são os piores»; ou então todos
cheios de si a jurar que são (sempre foram e sempre serão) «os maiores». Na minha
30 ingenuidade, eu pensava que esse era um mal português, mas não, é um mal alemão. Não
saber perder nem saber ganhar. Lembro-me da capa do Bild (7) quando Ratzinger (8) foi eleito:
«Somos Papas!» Por detrás do humor, havia a noção evidente de que se tinha logrado uma
merecidíssima, inevitável mesmo, vitória coletiva. Agora poderia haver manchetes tipo:
«Somos Muti! (9) (…), ou «Somos os Maiores» ou «Só nós trabalhamos». Ou «a Grécia que
35 venda umas ilhas».

Prova 639.PMOD2 • Página 8/ 11


É bom que Mein Kampf volte a ser editado passados 70 anos, na língua em que foi escrito.
É um sinal de normalização. Quem sabe alemão pode enfim ver se a tradução era fiel ao
original. Convém apenas que o país onde o impossível aconteceu esteja atento às velocidades
da normalização, agora que os últimos sobreviventes (vítimas e algozes) estão a desaparecer.
40 A mim assusta-me que, em jornais ocidentais, se comece a associar Putin (10) a Hitler, e a dizer
(já vem de há uns anos) que «no fundo Estaline (11) foi pior que Hitler». Não foi. Foi um monstro,
mas Hitler e o nazismo e a Alemanha do nazismo foram um monstro piorzito. Essa reescrita
do passado – esquecer que Auschwitz (12) foi libertada por soviéticos, por exemplo – é perigosa.
A Alemanha de hoje é um país que nos causa admiração, inveja, alguma irritação, grande
45 amizade. A construção paulatina (13) de uma Amnésia do Vencedor seria uma grande chatice.

Rui Zink, Jornal Público, 1/03/2015 (texto adaptado).

Nota

(1) «Queremos ficar junto do candeeiro / Como outrora a Lili Marleen». Versos da canção «Lili Marleen», escrita por
Norbert Schultze em 1937, e popularizada durante a Segunda Guerra Mundial por Marlene Dietrich, atriz alemã
naturalizada americana;
(2) «A minha luta», obra ideológica do nazismo, da autoria de Adolf Hitler;
(3) Cônsul português em Bordéus, França, no início da Segunda Guerra Mundial. Destacou-se pela ajuda aos judeus
durante este período, concedendo-lhes vistos de entrada em Portugal contra a vontade de Salazar;
(4) Henry Kissinger, secretário de estado norte-americano entre 1973 e1977, durante as presidências de Richard Nixon e
de Gerald Ford, nascido na Alemanha em 1923;
(5) Dito espirituoso;
(6) Multikulti – multiculturais, isto é, pessoas de diversas culturas e nacionalidades;
(7) Jornal alemão (tabloide) fundado em 1952;
(8) Bento XVI, atual Papa emérito, natural da Baviera, Alemanha. Renunciou ao trono papal em 2013;
(9) Muti (mãezinha) – nome carinhoso que os alemães dão à chanceler Angela Merkl;
(10) Atual presidente da Rússia;
(11) Antigo presidente da União Soviética entre 1941e1953;
(12) Campo de concentração nazi durante a Segunda Guerra Mundial, atualmente em território polaco;
(13) Progressiva.

1. Selecione a opção incorreta. Associar alemães a nazis, na atualidade é um insulto porque


(A) a Alemanha é hoje uma democracia solidamente implantada.

(B) o país é o maior bastião da luta contra o nazismo na Europa.


(C) os alemães não podem ser culpados pelos crimes dos seus antepassados.

(D) os alemães necessitam de expiar a culpa coletiva dos crimes do nazismo.

2. Na opinião do autor, a «culpa coletiva» (linha 11) alemã relativamente ao nazismo


(A) impediu que se fizessem leis contra a emergência desta ideologia no país.

(B) permitiu a outros países adoção de leis contra o nazismo.

(C) levou à adoção no país de leis estritas contra o antissemitismo.

(D) conduziu à defesa do princípio de uma Alemanha para os alemães.

Prova 639.PMOD2. • Página 9/ 11


3. Apesar de a publicação de Mein Kampf representar a normalização da vida alemã é necessário

(A) impedir que as ideias aí defendidas se propaguem.

(B) recordar que houve outros monstros piores que Hitler.

(C) lembrar que os verdadeiros monstros da guerra foram a Alemanha nazi e Hitler.

(D) mostrar que o papel dos soviéticos na guerra foi tão mau como o dos nazis.

4. Classifique a oração iniciada por «que» na frase «Na minha ingenuidade, eu pensava que esse era um
mal português» (ll. 29-30).

5. A utilização do pronome pessoal «ela» (linha 11) exemplifica um processo de

(A) coesão lexical.

(B) coesão interfrásica.

(C) coesão referencial.

(D) coesão temporal.

6. A frase «Agora poderia haver manchetes tipo: «Somos Muti » (ll. 33-34) exprime

(A) a modalidade epistémica com valor de possibilidade.

(B) a modalidade deôntica com valor de permissão.

(C) a modalidade epistémica com valor de certeza.

(D) a modalidade deôntica com valor de obrigação.

7. O complexo verbal presente na frase «a Alemanha vai permitir a reedição de Mein Kampf.» (linha 2),
possui um valor temporal de

(A) imperativo.

(B) passado.
(C) futuro.

(D) presente.

Prova 639.PMOD2 • Página 10/ 11


GRUPO III

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a fama e os famosos e o mérito (ou desmérito) que a justifica,
na sociedade atual.

No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

Observações:

1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).

2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há
que atender ao seguinte:
− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

FIM

Cotações

Prova 639.PMOD2. • Página 11/ 11

Você também pode gostar