Segurança e Saúde No Trabalho Uma Questão Mal Compreedida

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(2): 3-12, 2003 SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO: UMA QUESTÃO MAL COMPREENDIDA

SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO


uma questão mal compreendida

JOÃO CÂNDIDO DE OLIVEIRA

Resumo: O presente artigo analisa alguns traços da cultura ainda predominante na maioria das empresas bra-
sileiras em relação à segurança e saúde no trabalho, que funciona ora promovendo, ora inibindo ou mesmo
impedindo a implementação de ações destinadas à melhoria dos ambientes e das condições de trabalho volta-
das para a promoção da segurança e saúde dos trabalhadores.
Palavras-chave: trabalho; segurança; saúde; acidentes; gestão; prevenção.

Abstract: This article analyses some features of the culture that still prevails in most Brazilian companies with
respect to safety and health in the workplace. This culture alternately promotes and inhibits, or even impedes,
the implementation of measures aimed at improving working environments and conditions that would enhance
the safety and health of workers.
Key words: work; safety; health; accidents; management; prevention.

A
companhando, há quase 30 anos, a trajetória dos mas de segurança e saúde do trabalhador de empresas,
programas de Segurança do Trabalho concebi- realizando coleta sistemática de informações que se le-
dos e implementados no Brasil, observou-se a vasse a entender melhor as razões do insucesso das diver-
falta de consistência e desenvoltura encontradas nos de- sas iniciativas de criação de um sistema eficaz de gestão
mais segmentos das gestões empresariais, sobretudo, no de segurança do trabalho, já que as existentes nunca se
que se refere à organização da produção. apresentaram como ideais. A consistência desses dados
Essa impressão é fruto de vivências técnico-pedagógi- permitiu aventar algumas idéias, opiniões e conclusões,
cas estabelecidas não só com operários em quase todos exportar a seguir.
os ramos de atividades econômicas, mas também com pro- Tentar-se-á elucidar que dificuldades interferem no
fissionais dos serviços Especializados de Segurança e sucesso dessas iniciativas, impedindo-as de romper as
Medicina do Trabalho – SESMT, e que passam pelas barreiras que as situam em segundo plano nas organiza-
médias gerências até os mais elevados escalões de em- ções.
presas, em diversas regiões do País. O ponto de partida para essa empreitada é a definição
Na Fundacentro, teve-se a oportunidade de acompanhar de alguns elementos que compõem os programas de ges-
e, na maioria das vezes, de participar, direta ou indireta- tão de Segurança e Saúde no Trabalho – SST, nas empre-
mente, de grande parte das tentativas de concepção e de- sas brasileiras, que constituirão o objeto dessa observa-
senvolvimento de um sistema de gestão de segurança que ção. Em função da importância, em especial para a
garantisse o trato da questão da saúde/segurança do tra- implementação dos referidos programas, irá se tratar de
balhador nas empresas, com a importância que o tema três elementos que, no entender, são decisivos para o su-
merece. cesso ou insucesso desses programas. Daí a necessidade
Desde a experiência frustrante com o Mapa de Riscos de compreendê-los melhor. Trata-se, entre outros, dos três
– que não produziu os resultados esperados –, resolveu- elementos básicos de qualquer programa de gestão – no
se reunir informações, entrevistar pessoas, estudar progra- caso específico, da segurança e saúde no trabalho –, que

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formam os pilares nos quais se sustentam as ações dos mo inviabilizam a implementação dos programas de SST,
programas, quais sejam: segundo o que se pode levantar, são:
- aspectos culturais ou a forma como as partes interessa-
das – trabalhadores, empregadores, profissionais do ramo Envolvimento da Alta Direção da Empresa
e governo – vislumbram e abordam a questão;
- conteúdos técnicos ou ferramentas utilizadas na iden- Não é praxe, no Brasil, o envolvimento direto da alta
tificação e controle dos riscos do trabalho; direção das empresas com as questões da segurança e saúde
no trabalho, salvo quando da ocorrência de acidentes gra-
- aspectos ligados aos resultados.
ves, que, além de danos materiais, provocam ranhuras na
Em função do que se pretende debater no presente ar- imagem de suas empresas, atingindo-os de forma direta.
tigo, abordar-se-á os aspectos culturais. De maneira não muito diferente, seus prepostos, geren-
tes de todos os escalões, por não se considerarem ou não
ASPECTOS CULTURAIS: VIESES E ACERTOS terem sido considerados pelo empregador como respon-
sáveis diretos pela promoção da segurança e saúde no tra-
O que se segue objetiva levantar e analisar algumas balho, esquivam-se, de todas as formas possíveis, de as-
questões, consideradas críticas, sobre o jeito de SER e de sumir o papel de gestores e responsáveis pelos programas
AGIR da maioria das empresas brasileiras quando o as- de SST – diga-se de passagem, caros – propostos, às ve-
sunto é segurança e saúde no trabalho. O texto procura zes, pelo próprio empregador.
ainda indagar: onde se está e para aonde provavelmente É certo que essa postura vem declinando, sobretudo nas
se irá? grandes empresas, nos últimos anos, mas não a ponto de
Dos diversos elementos que compõem um programa de já ter amadurecido uma nova experiência em que as ques-
gestão de Segurança e Saúde no Trabalho – SST, os três tões da segurança e saúde no trabalho sejam consideradas
aqui apontados – cultura, ferramentas e objetivos –, se como parte integrante do sistema produtivo, recebendo dos
avaliados conforme a importância, sem dúvida, os aspec- dirigentes das empresas o mesmo valor conferido aos itens
tos culturais representam, de longe, o que há de mais sig- de produção, por exemplo, e administradas por quem dis-
nificativo, facilitando, inibindo ou inviabilizando seu su- põe de poderes para intervir nos processos produtivos – o
cesso. Por mais elaborado que seja um programa de SST corpo gerencial da empresa.
e por melhores que sejam as ferramentas por ele dispo-
nibilizadas para o diagnóstico e a solução dos riscos do Programas de SST Orientados
trabalho, se não houver disposição e participação para o Atendimento à Legislação
compromissada de todos os envolvidos em suas ações,
especialmente do corpo gerencial da empresa, os resulta- Os programas de segurança e saúde no trabalho, em
dos por ele produzidos serão limitados, tanto do ponto de função da cultura dominante na maioria das empresas, são
vista quantitativo, quanto qualitativo. Pior do que os par- concebidos e orientados normalmente para o atendimen-
cos resultados na correção dos riscos do trabalho é o bai- to à legislação que dispõe sobre a matéria.
xo desempenho na manutenção das medidas corretivas Programas fundamentados nesse princípio são, em ge-
porventura implementadas. ral, pobres e de baixo desempenho, por várias razões, mas,
No entanto, em função dos traços da cultura de SST principalmente, porque privilegiam as situações de risco
ainda predominante na maioria das empresas brasileiras, que se apresentam em franco desacordo com a Lei e que
mesmo nas de grande porte, a questão da segurança e saú- podem transformar-se em objeto de fiscalização pelo Mi-
de no trabalho não é tratada como deveria ser, tanto por nistério do Trabalho e Emprego ou gerar algum tipo de
parte da empresa – na pessoa de seus prepostos – , como passivo, de natureza trabalhista ou reparatória, em detri-
por parte dos trabalhadores. Esse mesmo ponto de vista mento de outras que podem ser muito mais nocivas à saú-
pode ser observado pelas falas de trabalhadores e de de do trabalhador, mas não facilmente perceptíveis. Ou-
prepostos dos empregadores, colhidas nas empresas por tro aspecto negativo dos denominados programas
meio de questionários aplicados com essa finalidade. Os “legalistas”, 1 que combinados com a abordagem
principais problemas ainda existentes na maioria das em- reducionista ou “minimizadora” dos riscos do trabalho
presas, que dificultam e, em certas circunstâncias, até mes- reforçam seu lado negativo, é o fato de que não há cober-

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tura total de fiscalização pelo Ministério do Trabalho e possa lesá-las ou matá-las. Afora os equívocos ou as in-
Emprego em razão do reduzido número de auditores fis- tenções que os orientam, a alteração do comportamento
cais para cobrir o universo de empresas onde existem tra- do trabalhador em relação ao que se qualifica como o cor-
balhadores expostos, cotidianamente, aos riscos de aci- retamente esperado não deixa de ser um sério agravante
dentes e/ou de doenças do trabalho. Sem contar, o que é na exposição aos riscos ocupacionais, sobretudo, quando
pior, a postura assumida por muitos gerentes de empre- eles não são tão conhecidos, qualificados e avaliados cor-
sas, que acreditam ser o cumprimento das notificações do retamente. E, pior, controlados de modo inadequado ou
Ministério do Trabalho e Emprego a forma de restabele- nem mesmo controlados.
cer a conformidade legal da empresa em relação aos ins- A incidência de acidentes relacionados ao cometimen-
trumentos legais regulamentadores da segurança e saúde to de erros no trabalho não é pequena no universo dos
do trabalhador, postura que restringe ainda mais as ações acidentes registrados e estudados. Milhares de trabalha-
de segurança do trabalho na empresa. Essa estreiteza de dores morrem ou mutilam-se todos os anos no Brasil e em
visão, além de comprometer a segurança dos trabalhado- outras partes do mundo, em decorrência de acidentes do
res, é extremamente nociva a todos os envolvidos com os trabalho cujas causas vão desde a precariedade das con-
processos de trabalho na empresa por ser absolutamente dições físicas do ambiente onde o trabalho se realiza, às
equivocada. Para ser isso verdade, seria necessário ao diversas formas de distorções em sua forma de organiza-
auditor fiscal avaliar, na empresa fiscalizada, todos os itens ção até os comportamentos inadequados dos trabalhado-
de SST em desacordo com as normas legais vigentes e res, traduzidos em erros comprometedores na execução
transfomá-los em notificações. A inviabilidade desse prin- de suas tarefas. A inclusão do comportamento dos traba-
cípio não esbarra apenas em questões de natureza técni- lhadores no conjunto dos fatores causais de acidentes do
ca, mas, principalmente, na missão da fiscalização. trabalho, quando cabível, de forma alguma significa de-
bitar aos trabalhadores acidentados a culpa pelos aciden-
O “Ato Inseguro” como Causa Preponderante tes e, conseqüentemente, pelos danos deles decorrentes,
dos Acidentes do Trabalho incluindo invalidez e morte.
Na arte de prevenir acidentes, o comportamento do tra-
Ainda em relação aos traços da cultura de SST predo- balhador, como foi expresso na ação do acidente, ainda
minante na maioria das empresas brasileiras, outro aspec- que tenha sido a causa preponderante, é de importância
to relevante que contribui negativamente para o baixo secundária, às vezes até irrelevante. O que deve ser leva-
desempenho da maioria dos atuais programas de SST é o do em conta – e, por todos os meios possíveis, valoriza-
estabelecimento do nexo causal dos acidentes, tomando- dos e cuidadosamente estudados – são os determinantes
se como base o comportamento dos trabalhadores. Rela- do comportamento, ou seja, o que o motivou: o que havia
cionar o comportamento do trabalhador com a prevenção de errado no ambiente, nas relações de trabalho e ainda
ou a ocorrência de acidentes no trabalho – não importan- na vida do trabalhador que interferiam, direta ou indireta-
do se o impacto for uma intoxicação aguda ou uma fratu- mente, no relacionamento dele com o todo de seu traba-
ra óssea ou coisa do mesmo gênero – não é tarefa difícil lho, definindo posturas traduzidas em atitudes corretas ou
nem mesmo para os leigos no assunto, quanto mais para equivocadas. A figura do “Ato Inseguro” – que tanto ser-
quem milita no ramo da promoção da segurança e saúde viu e continua, em alguns ambientes, servindo para res-
do trabalhador. Tal fato, todavia, não ocorre quando se ponsabilizar e até mesmo para culpar trabalhadores pelos
pretende elucidar os determinantes do comportamento dos acidentes sofridos – não serviu para outra coisa senão para
indivíduos, o que, em última instância, é o que interessa a ocultar e/ou mascarar, em algumas empresas, sinais de
quem lida com a gestão da segurança no trabalho. agravos à saúde do trabalhador e, da mesma forma,
É sabido que quantidade apreciável dos acidentes do distorções na organização do trabalho do que propriamente
trabalho ocorridos, no Brasil ou em qualquer parte do às finalidades para as quais se propunha, que era estabe-
mundo, origina-se no comportamento das vítimas. Quan- lecer nexo entre os acidentes ocorridos e suas reais cau-
to a isso, não há nenhuma dúvida; o que é mal interpreta- sas. O questionamento em relação à figura do “Ato Inse-
do ou às vezes compreendido erroneamente, de propósi- guro” não se refere ao comportamento do trabalhador,
to, é por que as pessoas se expõem, de maneira passiva, expresso no cometimento de erros no trabalho, mas à par-
sem os devidos cuidados, a uma condição de risco que cialidade com que foi utilizado na definição causal dos

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acidentes. O erro na execução do trabalho, embora inde- ser correto supor que o comportamento do trabalhador,
sejável, é passível de ocorrer, e todos, indistintamente, nele decorrente ou não das circunstâncias já mencionadas, não
podem incorrer. Não é, por conseguinte, o erro, como erro, contribui para a ocorrência dos acidentes no trabalho –
que interessa a quem lida, com espírito construtivo, com isso entendendo que o que se pretende com a investiga-
a prevenção de acidentes, mas as causas do erro, não im- ção não é culpar o trabalhador pelo acidente, mas, pura e
portando sua clarividência – se visíveis ou ocultas, se simplesmente, estabelecer nexo entre o acidente e seus
imediatas ou remotas. determinantes causais.
A abordagem da segurança do trabalho valendo-se do Um modelo de gestão de segurança do trabalho que
raciocínio de que o trabalhador erra ao executar suas ta- permite relacionar a ocorrência de acidentes do trabalho
refas porque é displicente, indisciplinado, negligente, im- ao comportamento do trabalhador, definindo-o como dis-
perito ou simplesmente imprudente – princípios nos quais plicente, imperito, negligente e/ou imprudente, na defini-
se fundamentam as teses do “Ato Inseguro” – é tão noci- ção causal dos acidentes, sem considerar as condições fí-
va à gestão da segurança no trabalho quanto o é a crença sicas do ambiente laboral e, principalmente, seus elementos
de que o trabalhador, por sua conta e risco, nunca erra. E, determinantes na organização formal ou informal, certa-
quando erra, é porque foi induzido ao erro por motivos mente, estará tratando a questão da SST de forma super-
totalmente alheios não apenas a sua condição de traba- ficial, parcial e, o que é pior, às vezes, inconseqüente.
lhador, mas também de humano. Ambas as linhas de ra- Embora, por essa via, a análise pode privilegiar o com-
ciocínio falham e em nada contribuem para a segurança portamento da vítima, desvinculado dos fatores que o te-
no trabalho porque, de um lado, constrói-se a idéia de um nham determinado, em detrimento da investigação cientí-
trabalhador anárquico, irresponsável e indisciplinado em fica que procura, isenta de parcialidade, desvendar e
relação ao cumprimento de normas de trabalho – normas, correlacionar os determinantes causais dos acidentes.
na maioria das vezes, elaboradas por quem não está dire- A definição da causa dos acidentes do trabalho pela
tamente envolvido com os processos de trabalho e, por via do “Ato Inseguro” não peca apenas por privilegiar o
desconhecimento, não define o que deve ser rígido ou comportamento do trabalhador como causa preponderan-
flexibilizado nas normas. Daí a explicação da “desobe- te dos acidentes do trabalho, em detrimento da qualidade
diência”, parcial ou total, do trabalhador a seu cumpri- dos ambientes e de sua organização, mas, sobretudo, por
mento. De outro lado, retrata-se um trabalhador, em todos supor que os erros cometidos pelo trabalhador na execu-
os sentidos, duplamente vitimado. Vitimado em relação aos ção de suas tarefas derivam-se, pura e simplesmente, de
impactos do acidente ou da doença, o que é absolutamente suas próprias limitações, não guardando, por isso, qual-
verdadeiro, e vitimado em relação a suas causas, nas quais, quer relação com a forma de ser e de agir da empresa.
ele, na condição de cidadão e de sujeito, com sua cultura e Essa estreiteza de imaginação ou imaginação intencional,
seu jeito de ser em todas as relações de trabalho, parece não combinada com o extremo de supor que o comportamen-
existir. E, se existe, é desprovido de autodeterminação quanto to do trabalhador, não importando as razões que o deter-
a seus atos, ainda que na defesa da saúde e da vida. Não há minem, não deve ser abordado como causa de acidente –
dúvida que qualquer julgamento, premeditado ou não, acer- porque ele, em todos os sentidos, deve ser visto e tratado
ca da causalidade acidentária, que tome como base os extre- como vítima – não apenas empobrece qualquer iniciativa
mos dos dois pontos de vista aqui mencionados, é suscetível na área de gestão de SST, mas concorre para reforçar as
de falhas, uma vez que desvia o ponto de atenção e de análi- teses que sustentam não ser a segurança do trabalho pro-
se das condições ambientais nas quais o trabalho realiza-se e blema de gestão da produção, mas problema relacionado
dos elementos fundamentais de sua organização. à qualidade da mão-de-obra da empresa. Daí a preocupa-
ção em se reforçarem as práticas de treinamento em pre-
Comportamento do Trabalhador e sua Relação venção de acidentes, desvinculadas dos processos produ-
com a Organização do Trabalho tivos, acreditando que a capacitação do trabalhador para
fazer segurança seja a solução mais produtiva na preven-
É certo que o trabalhador age, de um lado, orientado ção de acidentes, o que nem sempre ocorre. O treinamen-
pelos ditames da empresa; de outro, em função das condi- to em prevenção de acidentes produz excelentes resulta-
ções de trabalho, mas também, e principalmente, pela dos, não há dúvidas, quando associado à melhoria contínua
consciência da realidade na qual ele está inserido. Daí não dos ambientes e da organização do trabalho.

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Outro aspecto negativo na abordagem do acidente do quanto na organização do trabalho, é exacerbar o estado
trabalho com base no comportamento do trabalhador, na de angústia que caracteriza a exposição, consciente, a ris-
visão do “Ato Inseguro”, reside no equívoco de se supor cos potencialmente capazes de gerar danos à saúde. Isso
que o trabalhador comete erros no trabalho simplesmente porque, uma coisa é expor-se a uma situação de risco à
porque, em determinado momento, decide, por conta pró- saúde e/ou à integridade física, sem saber o que isso sig-
pria, como se comportar no trabalho, improvisando con- nifica; outra, bem diferente, é ter consciência do proble-
dições alternativas para a realização das tarefas, ignoran- ma e ter que a ele expor-se sem condições para agir. Nes-
do procedimentos normativos previamente definidos para se caso, o dano não se restringe apenas àquele provocado
o mesmo – procedimento ou prática padrão. Afirmar que pelo risco em questão, mas, também, pelo sofrimento de
o trabalhador decide por conta própria como se compor- natureza mental de não poder proteger-se. Oferecer essa
tar em relação às normas que orientam o trabalho, sem condição ao trabalhador, na expectativa de que ela seja
considerar as variáveis que o envolve, revela não apenas um caminho alternativo para a solução do problema
uma inversão de papéis, mas, sobretudo, uma demonstra- acidentário, além de não representar solução alguma,
ção clara da forma como o trabalho é organizado naquele aprofunda ainda mais o fosso que separa os propósitos da
ambiente, bem como as incongruências de seus sistemas empresa em relação ao tema do engajamento voluntario-
de controle. A organização da produção e o que dela de- so e compromissado dos trabalhadores.
corre: fazer o quê, por quê, como, onde e especialmente Nada mais danoso a qualquer programa de gestão de
por quem, sempre foi tarefa indelegável da empresa e não SST do que o constrangimento sofrido por trabalhador
dos trabalhadores. Não se concebe que o trabalhador, em submetido a treinamento específico de segurança promo-
nenhuma empresa brasileira, em face da cultura do traba- vido pela própria empresa, mas que, ao tentar praticar as
lho ainda predominante no Brasil, disponha de poderes lições aprendidas, é impedido de fazê-lo, ora por decisão
para decidir, individualmente, como deve comportar-se no de suas chefias imediatas, sem justificativas convincentes
trabalho, independentemente das determinações norma- para tal, ora por impedimento das próprias condições de
tivas impostas pela empresa. O que se afigura como mais trabalho. No caso da segunda hipótese, o conflito está in-
provável, nesse particular, são as falhas de controle que a timamente relacionado ao fato de o conteúdo do treina-
empresa exerce sobre o trabalho em decorrência de defi- mento não ter considerado as peculiaridades do ambiente
ciências em seu sistema de organização, em especial em e do trabalho. Em todos os sentidos, a ocorrência desse
relação à organização formal do trabalho. fato pode ser debitada à desvinculação da SST dos pro-
cessos produtivos e da própria organização do trabalho.
Inserção dos Trabalhadores nos Iguais a isso, ou pior, são determinadas posturas assumi-
Programas: Treinamento das, de forma contundente, por alguns gerentes ao reivin-
dicarem direitos legalmente instituídos para proteger tra-
Ainda em relação aos aspectos culturais vinculados à balhadores, habitual e permanentemente, expostos a
segurança e saúde do trabalhador, ao longo dos anos em agentes nocivos à saúde, como os adicionais de insalubri-
que se lidou com essa questão, constatou-se algo, de certa dade e periculosidade. E, da mesma forma, a aposentado-
forma, paradoxal, porém verdadeiro e importante: tão ria especial.
nefastas quanto as doenças e os acidentes do trabalho são
as formas escolhidas por algumas empresas para com eles Paradoxos da SST: Adicionais de
lidar. O enfrentamento dessa questão, por sua complexi- Insalubridade e Aposentadoria Especial
dade e multicausalidade, não passa apenas pelo treinamen-
to específico de trabalhadores para fazer segurança, inde- Quanto à última afirmativa, não nos parece que o ge-
pendentemente das condições físicas onde o trabalho se rente não deva reivindicar, por razões éticas, direitos de-
realiza. Acredita-se até que treinar trabalhadores para o correntes da exposição a riscos do trabalho ou a redução
estrito cumprimento de normas – em ambientes agressi- do tempo para aposentadoria, quando cabíveis, mesmo
vos, desfavoráveis à vida, onde a organização do trabalho porque a concessão desses “benefícios” depende da apli-
em nada favorece o seu exercício correto – sem lhes ofe- cação da legislação pertinente. A questão é que essa pos-
recer as condições necessárias e abertura para discutir, pon- tura, principalmente advinda dos gerentes, reforça, ainda
derar e propor medidas de melhorias, tanto no ambiente mais, as teses que vinculam a segurança do trabalho à

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monetarização da saúde dos trabalhadores por meio de ção aos riscos no trabalho são as medidas saneadoras des-
pagamento de adicionais de insalubridade, em detrimen- ses riscos é tarefa difícil, por vários motivos, mas, princi-
to da melhoria das condições de trabalho. palmente pelo fato de os trabalhadores, ao longo do tem-
Quanto a essa afirmação, testemunhou-se diversas ini- po, terem associado, de forma errônea, a concessão da
ciativas, por parte de algumas empresas, cujo propósito aposentadoria especial à percepção do adicional de insa-
era a eliminação de determinadas condições insalubres lubridade.
passíveis disso, seguidas da supressão do adicional de
insalubridade constante da folha de pagamento dos traba- Ordenamento Formal do Trabalho e os
lhadores e por eles terminantemente rejeitadas. É impres- Conflitos de Poder
cindível para quem deseja, de modo imparcial, aprofundar
no assunto, questionar os motivos que ainda direcionam Outro aspecto importante, fruto dos traços da cultura
uma parcela considerável de trabalhadores a tal posi- ainda predominante nas empresas, que interfere, de ma-
cionamento. O que foi possível observar, por meio de neira negativa, no desempenho da gestão da segurança e
pesquisas realizadas em diversas empresas de ramos de saúde do trabalhador, é o dualismo vivenciado cotidiana-
atividades diferentes, é que, nas categorias de trabalha- mente pelos trabalhadores no cumprimento do orde-
dores em que o salário é por demais reduzido, os traba- namento formal do trabalho. O fosso que ainda separa o
lhadores não abrem mão do referido adicional, por ser ele discurso formal do trabalho (normas escritas) da diversi-
parte considerável de seus ganhos – como o são, da mes- dade de formas práticas – nem sempre conforme o que
ma forma, as horas extras. Já nas categorias em que os está escrito – de realização das tarefas, por parte dos tra-
salários são mais elevados, o pleito pelo adicional de in- balhadores, relaciona-se, possivelmente, a três fatores dis-
salubridade associa-se à idéia de que por meio dele se tintos:
assegura, na Previdência Social, a obtenção da aposenta- - condições de trabalho nem sempre compatíveis com as
doria especial. exigências contidas nos procedimentos escritos;
Quanto ao primeiro posicionamento, a despeito da de- - deficiência na capacitação técnica dos trabalhadores para
sumanidade que o caracteriza, embora inaceitável, é per- a correta execução das tarefas conforme prescrições
feitamente compreensível; já o segundo trata-se de normativas;
desinformação, uma vez que a aposentadoria especial,
- duplicidade de orientação sobre como realizar as tarefas.
hoje, depende da efetiva comprovação técnica de que a
condição de trabalho é prejudicial à saúde do trabalha- Dos três fatores enumerados, sem nenhuma dúvida, a
dor, seguida do pagamento de seu respectivo custeio. De duplicidade de orientação é a que mais confunde os tra-
qualquer forma, independentemente das razões alegadas, balhadores no exercício de seu trabalho. A maioria dos
a monetarização da saúde não deveria, em hipótese algu- trabalhadores brasileiros aprendeu a trabalhar seguindo
ma, por razões humanas e morais, ser objeto de negocia- orientações orais – ordens – de suas chefias imediatas. Pou-
ções que não objetivassem sua supressão. Evidentemen- cas eram as ordens escritas passadas aos trabalhadores, o
te, essa supressão não se restringe à figura jurídica da que difere da atualidade, em que praticamente todas as
insalubridade, mas, sobretudo, às condições de trabalho atividades são normalizadas, seguem prescrições sobre-
que a ensejam. tudo contidas nos programas de qualidade. No dia-a-dia
Todavia, a opinião é que, entre se expor a uma condi- das empresas, o que se verifica, na prática, porém, é uma
ção agressiva à saúde sem nada receber e tendo como única espécie de rito de passagem das formas antigas de coman-
alternativa a ela se expor, o melhor será fazê-lo; no entan- do, orientadas por meio da fala imperativa, dos encarre-
to, por isso recebendo. gados para uma comunicação formal, conformada por
Entre os diversos aspectos negativos da cultura brasi- normas de procedimentos escritos. Com isso, o gerente
leira relacionada à segurança do trabalho, a monetarização que exercia um papel caracteristicamente de mando trans-
da saúde – pelo nefasto adicional de insalubridade – e a forma-se, aos poucos, numa espécie de facilitador.
redução do tempo de serviço para a aposentadoria, sem o O problema é que essa experiência é recente demais e
devido custeio feito pelas empresas, 2 representam o que tanto os gerentes quanto os trabalhadores ainda não se
há de pior. Convencer os trabalhadores de que melhor do adaptaram suficientemente a ela a ponto de fazê-la funcio-
que quaisquer ganhos monetários decorrentes da exposi- nar sem conflitos, em especial, nas relações de comando.

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SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO: UMA QUESTÃO MAL COMPREENDIDA

Outro fator relevante que não pode ser desprezado na RESUMO DA FALA DOS GERENTES: O QUE
compreensão do fenômeno (teoria e prática), em razão de PENSAM E O QUE FAZEM
sua importância, é a dificuldade de estabelecerem
parâmetros entre a realização de uma atividade prática, Entre os trinta itens abordados nas duas pesquisas, ele-
por um ou mais trabalhadores, reproduzindo experiências geu-se dez para apoiar os comentários que serão feitos a
acumuladas ao longo do tempo, sem orientação formal, e seguir.
a realização da mesma atividade conforme prescrições Foi tomado como referência apenas os itens que obti-
formalizadas. Isso porque, uma coisa é a realização de uma veram mais de 60% de respostas afirmativas entre os 312
atividade de maneira informal, em que a aprendizagem dá- gerentes entrevistados. Denominou-se gerentes todos os
se por experimentações, ou seja, por tentativas que en- ocupantes de cargo que tivessem, direta ou indiretamen-
volvem erros e acertos; outra coisa, muito diferente, é a te, a função de mando e/ou de facilitador do trabalho de
realização da mesma atividade segundo prescrições for- outrem, como: gerente técnico, supervisor, encarregado e
mais. Em decorrência disso, verificam-se ainda, e com líder de equipes.
razoável freqüência, conflitos entre trabalhadores e Os itens são os seguintes:
supervisores no ordenamento dos trabalhos. Há momen- - Os gerentes que trabalham de forma direta com riscos
tos em que trabalhadores defrontam-se, sem saber como agir, potencialmente capazes de gerar danos à saúde dos traba-
com conflitos surgidos entre eles e suas chefias imediatas lhadores não dispõem do conhecimento necessário para
em relação a que ou a quem obedecer, seguir os procedi- com eles lidar de modo adequado.
mentos escritos determinados pela própria empresa, ou aca- - Os gerentes que convivem com riscos, mesmo sabendo
tar as ordens de suas respectivas chefias – ordens que, mui- de sua existência, não assumem o compromisso de corri-
tas vezes, passam ao largo das determinações formais. gi-los pelo simples fato de ser essa uma tarefa de compe-
As origens desses conflitos estão nas dificuldades de tência do SESMT.
transformarem, em curto prazo, as experiências construídas
- Os gerentes que lidam com os riscos podem saber de
e vivenciadas ao longo de gerações em relações formali-
sua existência, mas não se esforçam para corrigi-los por-
zadas, em que prevalece não o que se verbaliza oralmen-
que suas chefias superiores não lhes dão apoio para as
te, mas o que está escrito.
ações necessárias.

Postura das Chefias em Relação à SST - A situação de risco é mantida porque sua existência não
atrapalha; se atrapalha, não impede a realização do trabalho.
Como ilustração das dificuldades de lidar com questões - A exposição, por longo tempo, a determinada condição
de segurança e saúde dos trabalhadores nas empresas, com de risco, sem o controle devido, termina induzindo as pes-
base na visão de seus gestores, aqui são retratadas algumas soas a enxergá-la como normal e aceitável.
falas recolhidas por intermédio de pesquisas em seis gran- - A situação de risco é mantida porque ninguém toma
des empresas mineiras, dos ramos de metalurgia, siderurgia, qualquer providência para corrigi-la.
mineração e serviços, realizadas nos anos de 1995 e 1996. - A situação de risco é mantida porque todas as preocu-
Ressalte-se que os mesmos itens abordados na época foram pações e recursos são voltados prioritariamente para o
objeto de estudos no ano de 2001 e os resultados obtidos, atendimento às finalidades do negócio.
comparados à primeira pesquisa, não sofreram alterações
- A situação de risco é mantida porque as gerências das
substanciais, como se imaginava que acontecesse em face
áreas alegam não dispor de recursos (orçamentários e de
da movimentação, ocorrida no mesmo período, em decor-
mão-de-obra) para sua solução.
rência da implantação dos programas de qualidade e meio
ambiente apoiados nas séries ISO 9000 e 14000. - A situação de risco é mantida em razão da descrença
Tanto a primeira quanto a segunda pesquisa foram ela- das pessoas com ela envolvidas, por falta de respostas às
boradas com 30 perguntas, seguidas de seis alternativas inúmeras solicitações de correção.
de respostas que afirmaram ou negavam o que estava sen- - A situação de risco é mantida e, às vezes, agrava-se em
do perguntado, e o entrevistado pôde escolher até três al- função da indefinição do trabalhador em relação a quê ou
ternativas de respostas, com ordem crescente de afirma- a quem obedecer – se aos procedimentos escritos ou às
ção ou de negação. ordens dos supervisores.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(2) 2003

Como contribuição ao tema e em contrapartida às im- - Supervisão ambígua. O supervisor é cônscio do traba-
pressões colhidas dos gerentes, foram enumeradas – con- lho a ser desenvolvido (consta nos procedimentos). Sabe
forme a seguir – 20 considerações extraídas da fala de operacionalizar conforme prescrito; no entanto, faculta-
1.372 trabalhadores, de cinco ramos de atividades econô- lhe fazer com base nas experiências consolidadas ao lon-
micas diferentes, por ocasião da última pesquisa. Ressal- go do tempo, porque compreende que o mais importante
te-se que todas as afirmações aqui resumidas foram reco- para a empresa não é como fazer, mas fazer (a produção é
lhidas do conjunto de respostas que obtiveram mais de prioridade).
50% de afirmação. As constatações são as que se seguem: - Ambigüidade entre o que se determina e o que é
- A segurança no trabalho é mais importante no discurso executável. O trabalhador encontra dificuldade enorme em
da direção da empresa do que propriamente nas áreas onde definir ao que ou a quem obedecer – se a prescrição das
ela deveria, de fato, ser realizada. tarefas ou a fala do supervisor.
- A Segurança do Trabalho, na prática, só adquire impor- - O trabalhador, às vezes, prefere, de forma silenciosa,
tância nos momentos de crise (quando ocorre acidente correr o risco oferecido pela atividade a correr o risco de
grave que pode comprometer principalmente a imagem da ser mal-entendido, taxado de medroso e frouxo pelos co-
empresa). legas ou mesmo pela chefia em caso de reclamação ou de
- O fosso que separa o discurso (SST como valor) da prá- recusa ao trabalho.
tica (o que efetivamente é feito) constitui o mais impor- - É consenso entre trabalhadores e supervisores que, se o
tante obstáculo no desenvolvimento das ações de SST na risco de determinada tarefa é considerado leve ou mode-
empresa. rado, é preferível a ele expor-se para agilizar a execução
- A forma errada como sempre se trabalhou, acreditando da tarefa do que executar conforme o prescrito, gastando-
que se trabalhava correto, dificulta e/ou inviabiliza, a curto se mais tempo em sua execução.
prazo, a prática de procedimentos corretos. - O trabalhador, embora sabendo (consta nos procedimen-
- As tarefas são descritas (Tarefa Padrão – TP ou Proce- tos) que pode recusar-se a executar tarefa perigosa sem a
dimento Operacional Padrão – POP) com base no que é prevenção devida, prefere executá-la em desobediência à
desejável, no que às vezes é necessário. Não são conside- norma pelo fato de desconhecer qual seria a reação da
radas, porém, pelo menos como deveria, as dificuldades empresa (sua chefia) em face de sua recusa.
que os trabalhadores encontram na execução das tarefas - A avaliação inadequada do risco (minimizar ou exage-
conforme prescritas. rar) dificulta a tomada de decisões corretas em relação a
- O treinamento para o cumprimento das TPs é, em ge- seu controle, especialmente por parte das chefias.
ral, inadequado, porque não leva – ou pouco leva – em - Por não ser a segurança parte integrante das atividades
conta a realidade do ambiente de trabalho e as dificulda- produtivas, quem cria ou mantém a situação de risco (che-
des vivenciadas pelos trabalhadores para o pronto atendi- fias das áreas operacionais) não se sente responsável por
mento aos padrões estabelecidos. sua correção.
- A empresa expressa por meio das TPs o que ela deseja. - Por ser a produção prioritária, seus responsáveis sem-
Na prática, as condições de trabalho oferecidas ao traba- pre alegam não dispor de recursos para a correção de si-
lhador dificultam ou não lhe permitem o cumprimento do tuações de risco, ainda que o recurso seja apenas o com-
que está prescrito na tarefa. prometimento.
- O trabalhador sabe que o que é mais importante para a - A segurança do trabalho é exigida pelas chefias, desde
empresa não é como o trabalho está sendo executado – que não interfira nos cronogramas de produção.
embora o correto fosse o desejável, ou seja, o que está - Grande parte das situações de riscos poderia ser resol-
escrito nos procedimentos – mas o resultado dele advindo vida se houvesse interesse e comprometimento da chefias
(a produção). em resolvê-las.
- O trabalhador não é cobrado pela forma como desen- - Uma dificuldade importante do trabalhador no enfren-
volve seu trabalho, mas pelos resultados. Disso resulta o tamento dos riscos do trabalho reside nas freqüentes alte-
fato de os supervisores não verem ou fingirem que não rações de funções para atendimento às demandas de tra-
vêem o cometimento de “erros” na execução da tarefa. balho, por causa do reduzido número de trabalhadores.

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SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO: UMA QUESTÃO MAL COMPREENDIDA

A definição de fatores culturais como obstáculos ao ção dos riscos. Contudo, a pesquisa de Hale e Glendon
avanço das questões da saúde e segurança no trabalho nas (1997) não define de quem é a falta de poder para inter-
empresas constitui problema não apenas nos países onde vir nas condições de trabalho, se dos trabalhadores ou
as relações entre capital e trabalho ainda se encontram em dos gerentes das áreas de riscos. Outro fator importante
estágios atrasados. Mesmo nas economias altamente de- não elucidado pelos autores é o que se refere aos aspec-
senvolvidas, o problema existe e manifesta-se, em alguns tos de gerenciamento da segurança do trabalho. Como esse
pontos, tal como ocorre no Brasil e em outros países em gerenciamento é conduzido, se separado dos processos
vias de desenvolvimento. produtivos, como é o caso brasileiro, ou se integrado a
Como exemplo, vale apresentar uma relação de 15 itens, todo o complexo produtivo e de responsabilidade das
elaborada por Hale e Glendon (1997), com a qual o leitor chefias das áreas.
poderá fazer uma comparação e elaborar suas conclusões: De acordo com o que foi visto até aqui, pode-se afir-
- limitação de recursos para remoção do perigo; mar, sem receio de cometer injustiças, que o juízo que os
- ultrapassagem dos limites das tarefas ou atribuições dos trabalhadores fazem dos aspectos de sua segurança e saú-
profissionais; de no trabalho relaciona-se, intimamente, aos conteúdos
e à maturidade dos programas de segurança e saúde de-
- aceitação dos perigos como inevitáveis;
senvolvidos nas empresas nas quais trabalham.
- influência do clima social; Nas empresas em que os programas de SST são conce-
- tradição na indústria; bidos e implementados para o estrito cumprimento das
- falta de competência técnica para remoção do perigo; exigências legais sobre a matéria, a representatividade dos
trabalhadores em relação a eles certamente se limitará ao
- incompatibilidade de demandas (produção, custos, qua-
que lhes é exigido por parte da empresa.
lidade versus segurança);
É pouco provável que os trabalhadores de uma em-
- dependência do trabalhador; presa que não vislumbra a segurança do trabalho como
- falta de autoridade para fazer alguma coisa; valor agregado a seu negócio, que não apresentam seus
- situações contingentes; programas de SST alinhados ao sistema produtivo – pro-
movendo a melhoria contínua das condições e procedi-
- gestão ou gerenciamento de fatores do sistema de segu-
mentos de trabalho e investindo pesadamente na educa-
rança;
ção dos trabalhadores e de seu corpo gerencial para o
- sobrecarga de tarefa; correto exercício do trabalho – possam enxergar a segu-
- práticas, políticas e regras das empresas; rança do trabalho como valor que se equipara a outros
- falta de informação (quebra de comunicação); itens relacionados diretamente ao negócio, como produ-
ção, por exemplo.
- inexistência de obrigação legal.
As experiências demonstram que a participação dos
Comparando os itens aqui apresentados e os dos pes- trabalhadores nos programas de SST vincula-se intima-
quisadores holandeses, Hale e Glendon, verificou-se que mente à cultura da empresa relacionada com o tema e so-
há enorme semelhança entre eles. A justificativa da es- bretudo ao conjunto de ações que ela desenvolve, em es-
cassez de recursos para solucionar problemas pertinen- pecial na área de educação, para incorporá-los aos seus
tes à segurança do trabalho não relaciona-se propriamente programas. Nas empresas em que os programas de segu-
à sua falta, mas à importância que se dá ao emprego. Hale rança desvinculam-se das atividades produtivas, organi-
e Glendon (1997) verificaram que tal alegação para cor- zados e implementados pelas equipes de segurança (o
rigir situações de risco no trabalho não procedia apenas SESMT), é comum trabalhadores associarem as ações de
das médias e pequenas empresas holandesas, mas tam- segurança do trabalho com o vivenciado no cotidiano –
bém das grandes, com inclusão das estatais. E mais, que como, por exemplo, uso de equipamentos de proteção in-
o fenômeno não se verificava apenas na Holanda, mas dividual (EPI) e realização de exames médicos, principal-
em todos os países da União Européia por eles visitados. mente os periódicos. Fora isso, restam as atividades da
Outro item da listagem holandesa que despertou atenção Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, que
foi o que se refere à falta de autoridade para decidir sobre também são de seu conhecimento. Num ambiente dessa
a intervenção no ambiente de trabalho, isto é, na corre- natureza, dificilmente os trabalhadores associam as ações

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(2) 2003

de segurança à promoção da qualidade de vida ou algo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


que possa melhorar o seu relacionamento com o próprio
DUARTE, E.F. Programa cinco minutos diários de segurança, saúde
trabalho, diferentemente das empresas em que os progra- ocupacional e meio ambiente. Belo Horizonte: Ergo, 1999.
mas de segurança do trabalho são abordados como parte GRIMALDI, J.V.; SIMONDS, R.H. Safety management. Homewood.
integrante dos processos produtivos, e as ações de segu- Richard D. Irwin, 1975. 694 p.
rança são concebidas e implementadas como parte inte- HALE, A.R.; GLENDON, A.I. Individual behaviour in the control of
grante do próprio negócio da empresa. danger. Amsterdam: Elesevier, 1997. In: ALMEIDA, I.M. Cons-
truindo a culpa e evitando a prevenção. Tese Doutorado (versão
A importância da adoção de programas dessa natureza, preliminar). São Paulo, USP, 2000.
entre outras vantagens, está no ganho de não ser preciso de- MBR. Aperfeiçoamento estratégico dos programas e sistemas de segu-
senvolver ações em duplicidade para abordar o mesmo con- rança. Belo Horizonte: Athur D. Litle, 1993.
teúdo, que são os aspectos produtivos. Isso sem contar com OLEA, M.A. Introdução ao direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTR,
1974. 294 p.
uma vantagem maior: a possibilidade de convencer os traba-
OLIVEIRA, J.C. Gestão de riscos no trabalho: uma proposta alterna-
lhadores de que para fazer segurança não é necessário de- tiva. Minas Gerais, Fundacentro/CEMG, 1999.
senvolver ações específicas para tal, basta incluir essa preo- ________ . Sistema de gestão. Revista Proteção, Novo Hamburgo,
cupação nos procedimentos de trabalho e transformá-la em MPF, ano 14, n.112, p.52-59, abr. 2001.
ações concretas que possam ser avaliadas e medidas. ________ . Sistema de gestão. Revista Proteção, Novo Hamburgo,
MPF, ano 14, n.113, p.52-61, maio 2001.
________ . Sistema de gestão. Revista Proteção, Novo Hamburgo,
MPF, ano 14, n.114, p.54-63, maio 2001.
NOTAS
________ . Gestão de segurança e saúde do trabalhador – uma questão
para reflexão. In: IRT, FUNDACENTRO. Novos Desafios em Saú-
1. Legalista, entre aspas, refere-se aos desvios, na prática, do real signifi- de e Segurança no Trabalho. Belo Horizonte: PUC/Minas, 2001.
cado da palavra. Algumas empresas, e não são poucas, “maquiam” seus
OLIVEIRA, S.G. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. São Pau-
ambientes de trabalho com Mapas de Risco, feitos normalmente por em-
lo. 3. ed. São Paulo: LTr, 2002.
presas especializadas em Segurança e Saúde no Trabalho – sem a partici-
pação dos gerentes das áreas produtivas e dos trabalhadores – com o obje- SARTORI, G. A política. Distrito Federal: UnB, 1997. 257 p.
tivo puro e simples de “parecer cumprir” a Lei. Paradoxalmente, por essa STELMAM, G. Trabalho e saúde na indústria. São Paulo: Edusp,
via, gastam mais do que se controlassem efetivamente seus ambientes de 1978. 3v.
trabalho. Por esse expediente, a empresa continua não protegendo seus
trabalhadores e abrindo espaços ao acúmulo de passivos.
2. A partir de dezembro de 1999, a Previdência Social passou a exigir
das empresas pagamento adicional, por redução de tempo de trabalho, JOÃO CÂNDIDO DE OLIVEIRA: Tecnologista da Fundacentro – MG e
para concessão da aposentadoria especial. Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

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