2 PS Matemática Perímetros P 49

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Um Estudo Sobre a Produção de

Significados de Estudantes do
Ensino Fundamental para Área e
Perímetro

Marcílio Dias Henriques

Juiz de Fora (MG)


Setembro, 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS
Pós-Graduação em Educação Matemática
Mestrado Profissional em Educação Matemática

Marcílio Dias Henriques

Um Estudo Sobre a Produção de Significados de Estudantes do Ensino


Fundamental para Área e Perímetro

Orientador: Prof. Dr. Amarildo Melchiades da Silva

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Mestrado Profissional em
Educação Matemática, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em
Educação Matemática.

Juiz de Fora (Minas Gerais)


Setembro, 2011
Henriques, Marcílio Dias.
Um estudo sobre a produção de significados de estudantes do
ensino fundamental para área e perímetro / Marcílio Dias Henriques. –
2011.
218 f. : il.

Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Matemática)–


Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.

1. Matemática – Estudo e ensino. 2. Geometria plana. 3. Ensino


fundamental. I. Título.

CDU 51:37.02
Dedico este trabalho aos meus pais, Itamar e Lucília, que
me ensinaram, pela vivência prática diuturna, o valor da
conduta moral de vida, e sempre renunciaram ao seu próprio
conforto por amor a todos nós, seus filhos.

Os frutos sazonados desta pesquisa são dedicados à


Mageri, minha esposa e amiga, que compartilhou comigo
esta e outras jornadas.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e à Espiritualidade Superior pela oportunidade renovada do


estudo, do trabalho e da convivência nesta escola singular chamada Planeta Terra.
Aos meus pais, Itamar e Lucília, por toda uma vida de exemplos dignos e de
esforços amoráveis e incansáveis na educação (no sentido mais amplo) de seus
filhos, e também por incentivarem e apoiarem a minha caminhada profissional.
Aos meus irmãos, Rodrigo, Luciano e Roberta, cujas presenças alegres e
ternas em minha vida são insubstituíveis.
Aos queridos tios, Alceu e Regina, e primos Bruno e Fernanda, pelo apoio.
Ao Roberto, primo e amigo leal, pelo exemplo conduta cristã na academia.
Aos meus sobrinhos Larissa e Allan, que me fazem ter mais coragem de ser
bom e me impulsionam a ser, a cada dia, uma pessoa melhor.
À D. Cely e aos queridos Fabrício, André e família, pelo apoio e carinho.
À D. Isabel Salomão de Campos, por ser o exemplo sublime vida plenamente
cristã que desejo seguir, por me orientar nos momentos de dificuldades maiores e
por me sustentar o equilíbrio espiritual com seu sublime amor.
Aos amigos da Comunidade Espírita “A Casa do Caminho”, pela convivência
que me ajuda a manter as minhas emoções e os meus ideais sempre subordinados
aos princípios que esposamos e procuramos vivenciar.
Ao professor Amarildo, orientador e amigo, pela dedicação, pelo apoio e pela
disponibilidade de anos a fio, que produziram em mim profundos respeito e gratidão.
Aos professores do Mestrado Profissional em Educação Matemática da UFJF,
especialmente à professora Regina Kopke, por seu entusiasmo e sua dedicação.
Ao professor Romulo Campos Lins, por aceitar fazer parte das bancas de
qualificação e defesa deste trabalho, cuja honra é para mim inestimável, e por me
proporcionar, através do Modelo dos Campos Semânticos, um caminhar seguro,
tanto no campo de pesquisa quanto na prática docente.
Aos professores Adlai Ralph Detoni e Janete Bolite Frant, por aceitarem fazer
parte da banca de defesa, brindando-me com valiosas e gentis contribuições.
Aos queridos colegas de turma, Lorena, Élida, Alessandro, Bessa, Ricardo,
José Mário, Carlos Renato, Willian, Wagner, pelo alegre e precioso convívio.
Aos colegas do NIDEEM, pelo apoio e pela amizade.
Aos meus alunos, cuja confiança e carinho me incitam a prosseguir.
Aos alunos que participaram da pesquisa, pela imensa contribuição.
Aos professores e diretores do Colégio de Aplicação João XXIII (UFJF) e do
Instituto Estadual de Educação de Juiz de Fora, pelo apoio e incentivo.
À minha esposa e colega de curso, Mageri, por sua dedicação e seu amor.
Matamorphosis II. Gravura de Maurits Escher, 1940.
RESUMO

Neste trabalho, apresentamos nossa investigação que teve como objetivo levantar
possíveis dificuldades de aprendizagem das noções de área e perímetro de figuras
geométricas planas. Para atender a esta finalidade, dedicamo-nos à elaboração de
um conjunto de tarefas que nos possibilitasse identificar a produção de significados
de estudantes do Ensino Fundamental para perímetro e área. Utilizando uma
abordagem qualitativa de pesquisa, o nosso estudo teve como base teórica o
Modelo dos Campos Semânticos, que nos serviu também de instrumento de análise
da produção de significados dos sujeitos de pesquisa, quando estes resolviam as
tarefas propostas. Estas foram elaboradas atendendo a características específicas,
com embasamento teórico, e foram aplicadas a uma dupla de alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental de uma escola publica da cidade de Juiz de Fora, no estado
brasileiro de Minas Gerais. A investigação também teve como propósito
confeccionar um produto educacional que consiste uma série de tarefas, a serem
utilizadas por professores que lecionam para classes do quarto ciclo do Ensino
Fundamental, e em orientações didáticas que possam auxiliar o trabalho docente de
aplicar tais tarefas, em sala de aula. Este estudo nos propiciou, ainda, avaliar a
importância da perspectiva da produção de significados, para o educador
matemático, tanto na pesquisa quanto na prática docente, envolvendo temas
geométricos.

Palavras-Chave: Educação Matemática. Produção de Significados para Geometria.


Área e Perímetro. Ensino Fundamental. Produto Educacional.
ABSTRACT

This work aims at presenting our investigation which had as its objectives the
diagnosis of possible learning difficulties related to the notions of area and perimeter
of plane geometric figures. In order to achieve this aim, we decided to develop a set
of tasks that allowed us to identify the production of meanings to perimeter and area
by primary school students. Making use of a qualitative approach to research, our
study had as its theoretical basis the Model of Semantic Fields, which has also been
used as an analysis tool for the research subjects’ meaning production, when they
solved the proposed tasks. These were developed following specific characteristics,
with theoretical basis, and were applied to a pair of students of the nineth year of
primary school in a state school in Juiz de Fora, Minas Gerais state, Brazil. The
investigation also aimed at creating an educational product that consists of a set of
tasks to be used by teachers of the fourth cicle of elementary school (grades 7- 8)
and in didactic orientations that can help teachers to develop these tasks in their
classes. This work has also allowed us to evaluate the importance of the perspective
of the meaning production to the mathematics educator, both in the research as well
as in the educational practice, involving geometric themes.

Keywords: Mathematics Education. Meaning Production to Geometry. Area and


Perimeter. Elementary School. Educational Product.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Resolução de tarefa da pesquisa de Naidoo e Naidoo ....................... 35


Figura 2 – Tarefa 1 da pesquisa de campo .......................................................... 76
Figura 3 – Tarefa 2 da pesquisa de campo .......................................................... 77
Figura 4 – Tarefa 3 da pesquisa de campo .......................................................... 78
Figura 5 – Tarefa 4 da pesquisa de campo .......................................................... 79
Figura 6 – Tarefa 5 da pesquisa de campo .......................................................... 79
Figura 7 – Tarefa 6 da pesquisa de campo (1ª parte)........................................... 80
Figura 8 – Tarefa 6 da pesquisa de campo (2ª parte)........................................... 81
Figura 9 – Escrita de Roberta ao calcular a área do trapézio dado ..................... 92
Figura 10 – Escrita de Roberta ao calcular a área do octógono dado ................. 93
Figura 11 – Escrita de Roberta ao calcular a área do pentágono dado ............... 93
Figura 12 – Escrita de Fernanda ao calcular a área do trapézio dado ................. 95
Figura 13 – Escrita de Fernanda ao calcular a área da figura dada ..................... 95
Figura 14 – Tarefa 1 da pesquisa de campo ........................................................ 96
Figura 15 – Registro escrito de Marte – Tarefa 1 – Item a ................................... 103
Figura 16 – Registro escrito de Marte – Tarefa 1 – Item b ................................... 103
Figura 17 – Tarefa 2 da pesquisa de campo ........................................................ 104
Figura 18 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 2 – Item a ............................... 107
Figura 19 – Tarefa 3 da pesquisa de campo ........................................................ 111
Figura 20 – Registro escrito de Marte – Tarefa 3 – Desenho ............................... 112
Figura 21 – Registro escrito de Marte – Tarefa 3 – Anotações e Cálculos .......... 113
Figura 22 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 3 – Desenho .......................... 116
Figura 23 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 3 – Anotações e Cálculos ...... 116
Figura 24 – Tarefa 4 da pesquisa de campo ........................................................ 117
Figura 25 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 4 – Desenho .......................... 119
Figura 26 – Registro escrito de Marte – Tarefa 4 – Desenho ............................... 119
Figura 27 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 4 – Anotações e Cálculos ...... 120
Figura 28 – Registro escrito de Marte – Tarefa 4 – Anotações e Cálculos .......... 120
Figura 29 – Tarefa 5 da pesquisa de campo ........................................................ 121
Figura 30 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos ...... 123
Figura 31 – Registro escrito de Marte – Tarefa 5 – Desenhos e Cálculos ........... 123
Figura 32 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos 2 ... 125
Figura 33 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos 3 ... 126
Figura 34 – Registro escrito de Marte – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos .......... 129
Figura 35 – Tarefa 6 da pesquisa de Campo ....................................................... 131
Figura 36 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos e Medidas ....... 133
Figura 37 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e
Anotações ............................................................................................. 135
Figura 38 – Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e
Anotações ............................................................................................. 136
Figura 39 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Anotações e Cálculos ...... 140
Figura 40 – Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Anotações e Cálculos .......... 140
Figura 41 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e
Anotações 2 .......................................................................................... 144
Figura 42 – Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e
Anotações 2 .......................................................................................... 146
Figura 43 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e
Anotações 3 .......................................................................................... 148
Figura 44 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e
Anotações 3 .......................................................................................... 149
Figura 45 – Desenho representativo da figura de Ortência ................................. 151
Figura 46 – Desenho representativo da figura de Ortência 2 ............................... 151
Figura 47 – Desenho representativo da figura de Ortência 3................................ 152
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 – Medidas e Geometria Escolar .......................................................... 16
CAPÍTULO 2 – A Revisão da Literatura .................................................................... 25
2.1. – Aprendizagem de Área e Perímetro: Algumas Dificuldades .................... 27
2.2. – Aprendizagem de Área e Perímetro: Algumas Perspectivas ................... 32
2.3. – Aprendizagem de Área e Perímetro: A Nossa Perspectiva ..................... 43
CAPÍTULO 3 – A Perspectiva Teórica e o Problema de Pesquisa ........................... 48
3.1. – Exibindo Nossos Pressupostos Teóricos ................................................. 49
3.2 – O Interior do Problema de Pesquisa ......................................................... 62
CAPÍTULO 4 – A Metodologia da Pesquisa .............................................................. 65
4.1. – Características da Pesquisa ................................................................... 66
4.2. – A Ferramenta de Leitura da Produção de Significados .......................... 70
4.3. – As Tarefas e suas Características .......................................................... 73
4.4. – O Produto Educacional ........................................................................... 82
CAPÍTULO 5 – A Análise da Pesquisa de Campo .................................................... 84
5.1. – Os objetos Perímetro e Área: Alguns Significados Matemáticos ............ 85
5.2. – Sintetizando Experiências Anteriores ..................................................... 92
5.3. – Significados Produzidos pelos Sujeitos de Pesquisa: uma Análise ........ 96
5.3.1. – A Produção de Significados para a Tarefa 1 ............................. 96
5.3.2. – A Produção de Significados para a Tarefa 2 ............................. 104
5.3.3. – A Produção de Significados para a Tarefa 3 ............................. 111
5.3.4. – A Produção de Significados para a Tarefa 4 ............................. 117
5.3.5. – A Produção de Significados para a Tarefa 5 ............................. 121
5.3.6. – A Produção de Significados para a Tarefa 6 ............................. 130
5.3.7. – Outras Produções de Significados dos Sujeitos de Pesquisa ... 149
CAPÍTULO 6 – Considerações Finais ....................................................................... 155
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 159
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................. 168
ANEXOS ................................................................................................................... 172
Anexo I - Termo de Compromisso Ético ........................................................... 173
Anexo II - Transcrição da Pesquisa de Campo ................................................ 174
12

INTRODUÇÃO
13

A motivação para esta pesquisa teve gênese em minha própria prática de


sala de aula – com as angústias naturais de um professor que ainda não aprendeu a
compreender os processos de aprendizagem das Geometrias – e também nas
perspectivas oferecidas pelo Modelo dos Campos Semânticos (criado por Romulo
Lins) para a compreensão de tais processos. Grande influência este trabalho sofreu,
ainda, de algumas das minhas lembranças da época de estudante da educação
básica, que revelaram os muitos estímulos que eu havia recebido na escola e fora
dela, para desenvolver modos de operar geometricamente. Tais estímulos foram
essenciais para o meu sucesso com a geometria escolar e com as disciplinas
cursadas na graduação, na especialização e no mestrado, além de me valerem em
outros campos de atuação profissional, como a cinegrafia e a edição de vídeo.
No ano de 1996, tive um primeiro contato com Modelo dos Campos
Semânticos, durante o curso de Especialização em Educação Geométrica1, e desde
então ele tem sido referencial teórico-epistemológico seguro para meus trabalhos de
pesquisa, no interior do NIDEEM2. A escolha deste referencial justifica-se pela
afinidade e pela coerência entre as noções por meio dele defendidas e as minhas
concepções de educação e de processos cognitivos a ela subjacentes.
Ao lecionar para turmas do ensino fundamental e do ensino médio, por mais
de seis anos, não foram raros os momentos em que me encontrei desprovido de
recursos para oferecer aos meus alunos, em termos de situações exemplares de
aprendizagem de noções geométricas. Embora buscando aportes outros, que não
me foram oferecidos na graduação, caminhei vacilantemente sem saber distinguir
deficiências minhas das possíveis dificuldades dos alunos, como alguém que tateia
na escuridão. Este fato propiciou-me encontrar sentido nas palavras de Georges
Glaeser (1982), pronunciadas em sua conferência na Jornada Nacional da
Associação de Professores do Ensino Público da França, ocorrida no ano de 1981, e
relacionadas à situação do professor diante sua carência de meios para saber como
se dá a aprendizagem da matemática e como atuar efetivamente para promovê-la:

Caminhamos em plena neblina! Não dispomos de meios eficientes para


saber de antemão o que será fácil ou difícil para o aluno. O professor se
vira, utilizando o seu bom senso pedagógico [...]. Mas, na realidade,
ignoramos quase todos os mecanismos que provocam a compreensão ou a
incompreensão de um certo assunto. (GLAESER, 1982, p. 83)

1
Pós-graduação Latu Senso cursada no Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), de 1996 a 1997.
2
Núcleo de Investigação, Divulgação e Estudos em Educação Matemática da UFJF.
14

Por outro lado, a minha3 formação escolar – rica em experiências com


desenho geométrico, desenho técnico e desenho artístico, tão numerosas quanto os
estímulos que recebi de familiares à pintura e às artes gráficas – fez-me pensar que
esta multiplicidade de caminhos (possíveis) deva ser favorável e, talvez,
imprescindível para uma educação geométrica que entendemos desejável. Não
pretendemos, neste estudo, lançar mão do senso comum e, assim, decidir qual terá
sido a causa do sucesso ou do fracasso, na aprendizagem da geometria escolar ou,
mais especificamente, das noções de perímetro e área de figuras geométricas
planas. E não o faremos. Toda nossa análise e toda nossa proposta se assentam
em bases epistemológicas consistentes e em pressupostos teóricos coerentes com
a educação matemática que praticamos. Por exemplo, a posição que assumimos, ao
considerarmos que a multiplicidade de experiências acima mencionada é favorável à
aprendizagem de noções geométricas, encontra consonância na perspectiva
oferecida pelo Modelo dos Campos Semânticos (MCS)4, pois este nos permite
afirmar que estudantes podem compartilhar modos de produção de significados, a
partir de suas interações e de intervenções de seus professores.
Com o objetivo central de investigar um caminho para levantar possíveis
dificuldades de aprendizagem das noções de área e de perímetro, lançamo-nos à
elaboração de um conjunto de tarefas que nos possibilitasse identificar a produção
de significados de estudantes do Ensino Fundamental para tais noções. Após a sua
elaboração e o pré-teste, estas tarefas foram aplicadas a alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental de uma escola pública da cidade de Juiz de Fora, do estado brasileiro
de Minas Gerais.
Utilizando uma abordagem qualitativa de pesquisa, o nosso estudo teve como
base teórica o MCS, que nos serviu também de instrumento de análise da produção
de significados dos sujeitos de pesquisa, quando estes resolviam as tarefas
propostas. Na pesquisa de campo que empreendemos, a coleta de dados foi feita
através de videografia (filmagem com captação de áudio direto), das anotações em
nosso caderno de campo e, ainda, dos protocolos (fichas de registros escritos) dos
sujeitos de pesquisa.
O presente trabalho divide-se em seis capítulos.

3
Utilizamos o singular, em certos momentos, para distinguir o mestrando do orientador.
4
No capítulo 3, apresentaremos o Modelo dos Campos Semânticos e discutiremos os nossos
pressupostos teóricos.
15

No primeiro capítulo, discutiremos brevemente algumas questões pertinentes


ao tema Medidas, relacionado aos currículos de Geometria da escola básica e ao
nosso interesse em pesquisar sobre as dificuldades apresentadas por estudantes na
distinção e na associação entre área e perímetro de figuras geométricas planas.
No capítulo 2, faremos uma revisão da literatura, a partir da qual discutiremos
algumas perspectivas e abordagens, trazidas por diversas pesquisas do cenário
internacional, relacionadas à aprendizagem das noções que envolvem área e
perímetro de figuras geométricas planas, sobretudo aquelas ligadas a medidas
destas grandezas. Na última seção deste capítulo, apresentaremos a perspectiva
que adotamos para investigar caminhos à identificação e à dissolução das
dificuldades de aprendizagem de perímetro e área, levantando também algumas
diferenças entre a nossa pesquisa e as demais investigações discutidas neste
capítulo, no que concerne à abordagem e aos posicionamentos que adotamos.
Os nossos pressupostos teóricos, baseados no MCS e orientadores de todo o
nosso estudo, serão apresentados no capítulo 3, no qual ainda exibiremos o nosso
problema de pesquisa, intimamente ligado o objetivo central desta investigação.
No quarto capítulo, delinearemos toda a nossa metodologia de pesquisa,
apresentaremos os principais elementos constituintes de nossa investigação e
descreveremos a preparação de nossa saída e campo, a elaboração do conjunto de
tarefas (e suas características) e o método de análise da produção de significados
dos alunos frente às tarefas que elaboramos. Também dedicaremos um espaço
importante neste capítulo para as noções-categorias do MCS, que sustentam tal
método de análise.
Destinamos o Capítulo 5 à análise dos registros do trabalho de campo, depois
de buscarmos, na primeira seção desse capítulo, identificar alguns significados
produzidos por matemáticos para área e perímetro de figuras planas, em algumas
publicações adotadas por docentes de instituições de ensino superior no Brasil. Em
outra seção, apresentaremos uma de nossas investigações anteriores, ligadas ao
tema da presente pesquisa.
Finalmente, no capítulo 6, teceremos nossas considerações finais.
Elucidamos, ainda, que esta pesquisa é parte integrante de um projeto maior
em desenvolvimento no interior do NIDEEM e que tem o propósito de investigar as
possibilidades de reestruturação do currículo de Matemática do Ensino
Fundamental, pelo prisma da produção de significados.
16

CAPÍTULO 1

MEDIDAS E GEOMETRIA ESCOLAR


17

Neste capítulo, de modo breve, discutiremos algumas questões relacionadas


ao tema Medidas, que integra os currículos de Geometria da escolar básica. Tal
discussão está intimamente ligada à gênese de nosso interesse em pesquisar sobre
as dificuldades apresentadas por estudantes na distinção e na associação entre
área e perímetro de figuras geométricas euclidianas planas.
Quando dissemos que o tema Medidas está relacionado à Geometria,
estamos entrando no controvertido campo do design curricular, e nele inserindo a
nossa parcela de questionamentos. Que relações existem entre Medida e
Geometria? Há “apenas” uma estreita ligação entre elas? De que modo esta ligação
e aquelas possíveis relações influenciam a aprendizagem de medidas,
especialmente as medidas de comprimento e de área? Vamos, agora, delinear um
caminho para tentar responder a estas questões. E este caminho passa
necessariamente pela questão curricular.
Embora a nossa concepção de currículo envolva também outros aspectos
igualmente importantes, como objetivos, metodologias e produção de significados
(sobre isto trataremos no Capítulo 3), fixaremos nosso foco apenas nos conteúdos
curriculares, como ponto de partida desta discussão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – de Matemática para os 3º e 4º
Ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998, p. 51) afirmam que “o trabalho com
noções geométricas contribui para a aprendizagem de números e medidas [...]”. Esta
distinção de campos de aprendizagem – noções geométricas e medidas – figura
explicitamente naquele documento (BRASIL, 1998, p. 71), quando são apontados os
quatro blocos de conteúdos nos quais se deve dividir a Matemática Escolar:
Números e Operações, Grandezas e Medidas, Espaço e Formas, Tratamento de
Informações. O bloco Espaço e formas é o que constitui o arcabouço da Geometria
Escolar, sugerido nos PCN. Uma divisão similar a esta é encontrada em outro
importante documento, intitulado Princípios e Normas para a Matemática Escolar, do
National Council of Teachers of Mathematics (NCTM, 2007, p. 31), descreve os
conteúdos matemáticos em cinco grandes categorias: Números e Operações,
Álgebra, Geometria, Medida e, finalmente, Análise de Dados e Probabilidade.
Um dos assuntos que quase sempre se leva em consideração, nas pesquisas
sobre a geometria escolar, é o currículo. Entretanto, parece não haver concordância
entre os pesquisadores, acerca daquilo que possa ser considerado elemento
curricular de Geometria. Muito pelo contrário, o que se observa a esse respeito é
18

que existe ampla divergência quanto aos detalhes e quanto à natureza da Geometria
que deveria ser ensinada, desde a escola primária até a universidade. (USISKIN,
1994)
No esforço de fundamentar uma opção ou intenção curricular, alguns
pesquisadores lançaram mão de categorizações das “geometrias” escolares. Por
exemplo, Houdement e Kuzniak (2003) propuseram que a geometria elementar
parece ser dividida em três paradigmas5 diferentes, caracterizando três diferentes
formas de geometria: Geometria Natural, Geometria Axiomática Natural e Geometria
Axiomática Formalista. O referencial teórico desenvolvido por estes pesquisadores
especifica a natureza dos objetos geométricos, a utilização de diferentes técnicas e
modos de validação concebidos em cada um destes paradigmas, sendo os dois
primeiros os que mais se relacionam a escola básica, por englobarem,
respectivamente, objetos materiais (incluindo suas representações gráficas) e
objetos ideais, como aqueles da Geometria Euclidiana. (HOUDEMENT, 2007)
Segundo os estudos da International Commission on Mathematical Instruction
(1994), houve, no passado, e ainda há, na atualidade, fortes desacordos sobre
objetivos, conteúdos e métodos para o ensino de geometria, em diferentes níveis.
Esta constatação é corroborada por trabalhos mais recentes, como os de Jones
(2000; 2010), de Alsina (2010) e de Hoyles, Foxman e Küchemann (2002).
Allendoerfer (1969, apud Usiskin, 1994, p. 28) já havia notado esse dilema
fundamental, subjacente ao problema do currículo, quando asseverou que “em
geometria não há concordância nem mesmo quanto ao seu objeto”. Esta mesma
falta de consenso impulsionou um estudo encomendado pela UNESCO sobre a
geometria escolar, desenvolvido por Morris (1986) e amplamente divulgado na
Europa, na década de 1990.
Uma parcela considerável do desenvolvimento da geometria, ocorrido durante o
século XX, foi inspirada na obra de Felix Klein (1849-1925), que propôs que a
geometria deve ser vista como o estudo das propriedades de um espaço que são
invariantes sob um determinado grupo de transformações. Com esta definição,
tornou-se possível classificar as diversas geometrias relacionadas em "famílias",
variando desde a topologia, como a mais geral, passando pelas geometrias projetiva
e afim, até a geometria euclidiana, que tem maior número de propriedades

5
A noção de paradigma utilizada por esses autores é a de Kuhn (1998).
19

invariantes, quando comparada às demais geometrias. Esta forma de ver a


geometria e seus desenvolvimentos posteriores estimulou a demarcação de muitas
geometrias mais. (JONES, 2000) Neste ponto, vemos o desenvolvimento da
geometria na perspectiva dos matemáticos, e não em outra perspectiva6.
Este desenvolvimento contemporâneo da matemática (campo científico),
predominantemente geométrico, teve implicações também na reestruturação dos
currículos adotados em nossos dias e nas pesquisas de grupos internacionais sobre
currículos da geometria escolar, bem como em documentos governamentais
norteadores da prática educacional de professores de Matemática. (KALEFF e
NASCIMENTO, 2004)
Os PCN de Matemática (BRASIL, 1998) nos oferecem um bom exemplo da
influência de tal desenvolvimento sobre as orientações curriculares, ao apresentar a
Matemática a ser ensinada nas escolas, da seguinte maneira:

Fruto da criação e invenção humanas, a Matemática não evoluiu de forma


linear e logicamente organizada. Desenvolveu-se com movimentos de idas
e vindas, com rupturas de paradigmas. Frequentemente um conhecimento
é amplamente utilizado na ciência ou na tecnologia antes de ser
incorporado a um dos sistemas lógicos formais do corpo da Matemática.
Exemplos desse fato podem ser encontrados no surgimento dos números
negativos, irracionais e imaginários. Uma instância importante de mudança
de paradigma ocorreu quando se superou a visão de uma única geometria
do real, a Geometria Euclidiana, para aceitação de uma pluralidade de
modelos geométricos, logicamente consistentes, que podem modelar a
realidade do espaço físico. (BRASIL, 1998, p. 25)

A existência e a aceitação desta “pluralidade dos modelos geométricos”


parecem influenciar as perspectivas de ensino e de aprendizagem da geometria, em
diversos países, de tal sorte a estimular uma constante reestruturação curricular,
pela revalorização da geometria no âmbito da escola básica. Esta hipótese é
corroborada por um documento de orientação curricular do Ministério da Educação
de Portugal, no qual Abrantes, Serrazinha e Oliveira (1999) afirmaram:

O lugar da geometria nos currículos tem sido alvo de grande controvérsia,


um pouco por todo o mundo. Nos últimos anos, observa-se uma tendência
geral no sentido da revalorização da geometria nos programas de
Matemática. No entanto, quer os conteúdos a incluir, quer as metodologias
a utilizar, continuam a ser questionados. (ABRANTES, SERRAZINHA e
OLIVEIRA, 1999, p. 57)

6
Esta diferenciação, que entendemos ser necessária, está calcada na distinção entre a matemática
do matemático e a matemática escolar, concebida por Lins (2004).
20

Na introdução do capítulo VI de sua obra, intitulado Outras Geometrias, Veloso


(2000) chama a atenção para a necessidade de se fazer uma pausa, no percurso de
aprendizagem dos ensinos fundamental e médio, para reflexão acerca das
concepções sobre a geometria; e justifica a sua preocupação:

Os alunos devem ter oportunidade de trabalhar com “outros pontos”,


“outras rectas”, “outros triângulos”, “outras distâncias”. Numa palavra,
devem tomar contato com outras geometrias. Por isso intitulamos assim
este capítulo. Nele apresentaremos algumas dessas outras geometrias que
ao longo dos últimos dois séculos – por vezes até anteriormente, de
maneira não explícita – foram tomando o seu lugar ao lado da geometria
euclidiana. [...] Aqui, como nos outros capítulos do livro, não estamos a
propor que todos os alunos, no futuro, experimentem trabalhar em todos
esses tópicos. Mas que alguma vez, na sua vida escolar, tenham saído dos
limites hoje estreitos da geometria euclidiana, por pouco tempo que seja.
(VELOSO, 2000, p. 311)

Consideramos esta perspectiva de Veloso bastante coerente com a ótica que o


nosso referencial teórico7 nos oferece, isto é, a ótica da legitimação, na escola, dos
diferentes modos de produção de significados para os temas estudados (como, por
exemplo, os geométricos). Supomos que isto possa interferir diretamente no modo
como os alunos aprendem geometria.
Um importante estudo comparativo de currículos, desenvolvido por Hoyles e
colaboradores (2002), encontrou uma considerável variação nas abordagens atuais
para a geometria escolar, em diferentes países.
A diversidade de abordagens e tratamentos teórico-metodológicos de tais
currículos parece estar relacionada à concepção da natureza da geometria. Costa
(2000), discutindo os fundamentos curriculares de geometria escolar, afirma:

Sob a égide de “geometria”, podemos apontar tanto para matemáticas


aplicadas como para matemáticas teóricas e podemos utilizar tanto a
intuição como a axiomática. Contudo é esta grande versatilidade, tão
fascinante para os matemáticos, que parece desorientar os estudantes na
aprendizagem da geometria, bem como as tentativas para ensinar, por
parte dos professores. (COSTA, 2000, p. 159)

Por um lado, vemos que não existe uma concordância no que se deva ensinar
e aprender na escola, quando o tema é a Geometria. Mas, por outro, a possibilidade
de eleger este ou aquele assunto a ser tratado em determinada aula ou em certo
programa de Geometria soa-nos como algo no mínimo interessante e legítimo, pois

7
Sobre este referencial e seus pressupostos, trataremos no capítulo 3 desta dissertação.
21

dá ao professor a liberdade para desenvolver tarefas que criem para os alunos uma
demanda de conhecimento8 de temas geométricos.
Esta liberdade, que entendemos desejável, talvez seja a razão mesma da
falta de consenso sobre o currículo de geometria da escola básica. Além disso,
como asseveraram Mammana e Villani (1998), “[...] é imprópria a alegação de que é
possível elaborar um currículo de geometria que tenha validade universal”.
Entretanto, documentos oficiais de muitos países e instituições parecem ter
como um de seus objetivos a uniformização do trabalho dos professores de
matemática, ao menos no que tange a escolha dos conteúdos a serem ensinados e
aprendidos.
Um exemplo disto são os PCN de Matemática para os 3º e 4º Ciclos do
Ensino Fundamental. Neste volume dos Parâmetros (BRASIL, 1998, p. 49), ressalta-
se o estudo das Grandezas e Medidas como instrumento que permite se
estabeleçam interligações entre os campos da Aritmética, da Álgebra, da Geometria,
do Tratamento de Informações e de outros campos de estudo. Além do fato de
ficarem explícitas, em tal documento, a divisão e a escolha dos blocos de conteúdos
sugeridos para o trabalho em sala de aula, mais nos interessa tratar, neste
momento, da descrição da categoria “Grandezas e Medidas”. Observemos o que
orientam os PCN (Ibidem) a este respeito:

Neste bloco serão tratadas diferentes grandezas (comprimento, massa,


tempo, capacidade, temperatura, etc.) incluindo as que são determinadas
pela razão ou produto de duas outras (velocidade, energia elétrica,
densidade demográfica, etc.). [...] Outro conteúdo destacado neste bloco é
a obtenção de algumas medidas não diretamente acessíveis, que
envolvem, por exemplo, conceitos e procedimentos da Geometria e da
Física. (BRASIL, 1998, p. 52)

Sob a denominação de Medidas, são comumente tratadas as mensurações


de grandezas diversas que podem ser ensinadas e aprendidas na escola, como o
tempo de percurso de um móvel, a massa de um corpo, a temperatura de um
quantum de determinada massa, o comprimento de uma figura plana ou a área da
superfície de um objeto tridimensional. Como exemplo deste tratamento curricular,
temos os PCN (Brasil, 1998) e os Princípios e Normas (NCTM, 2007).

8
Para o termo demanda atribuímos, aqui, o sentido de situação problemática de Majmutov (1983),
que se aproxima da noção de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1978); para a noção
de conhecimento, adotamos o sentido proposto por Lins (1993).
22

Owens e Outhred (2006), discutindo a complexidade da aprendizagem de


medidas geométricas, concluíram:

Para comprimento, área e volume, a organização espacial das unidades,


em uma, duas ou três dimensões, respectivamente, é fundamental para a
compreensão da medição da quantidade. Em contrapartida, a estrutura
espacial não é importante para [a compreensão da medição de quantidade
de] massa, temperatura e tempo, exceto em termos de leitura de uma
escala. (OWENS e OUTHRED, 2006, p. 100, tradução nossa)

O trabalho de Abrantes e colaboradores (1999) reforça a perspectiva da


conexão da aprendizagem do tema Medidas com aprendizagem de outros temas
escolares, sobretudo dos temas geométricos.

A medida é um meio privilegiado para se estabelecerem conexões, quer


dentro da própria Matemática, quer na ligação a outras disciplinas. Na
medida, estão interligados conceitos geométricos, aritméticos,
trigonométricos, bem como a capacidade de formulação e de resolução de
problemas e várias destrezas. Há uma forte ligação deste tópico à
geometria (por exemplo, o perímetro e a área são características
mensuráveis de certas figuras geométricas) [...] (ABRANTES,
SERRAZINHA e OLIVEIRA, 1999, p. 64)

Segundo Battista (2007), a noção de medidas desempenha um papel


essencial na construção da intrincada teia de concepções, raciocínios e aplicações
geométricos. Uma parcela considerável das pesquisas acerca do ensino e da
aprendizagem de medidas está focada na compreensão que os estudantes
desenvolvem acerca de grandezas como a amplitude angular, comprimento, área e
volume (ver, por exemplo, LEHRER, 2003; BATTISTA, 2007; CLEMENTS e
BRIGTH, 2003). Entretanto, entendemos que, em tais pesquisas, é insuficiente a
discussão feita sobre a natureza dos elementos geométricos, cujas medidas e suas
formas de aprendizagem pelos alunos são investigadas. Estamos nos referindo,
mais uma vez, à diversidade das geometrias e, portanto, das naturezas geométricas,
euclidianas ou não. Isto por entendermos que devemos, em sala de aula, ampliar as
possibilidades de produção de significados (portanto, de distintos campos
semânticos) para os elementos geométricos que são constituídos pelos estudantes
em determinadas atividades9.
Já existem propostas de introdução de temas de geometrias não-euclidianas
no ensino fundamental (por exemplo, MARTOS, 2002), como também estudos das
dificuldades em implementar, na prática, tais propostas (LOVIS e FRANCO, 2011).

9
Sobre os termos produção de significados, campo semântico e atividade, ver capítulo 3 desta
dissertação.
23

Mas o que tem se mostrado comum às pesquisas, às orientações curriculares


oficiais e aos livros didáticos, para este nível de ensino, é o trabalho com a
Geometria Euclidiana. Por esta razão, não inovaremos, mas envolveremos, em
nossa investigação, apenas as noções de elementos da Geometria Euclidiana, e não
aqueles de outras geometrias. Faz-se mister destacar que, não obstante elegermos
tais elementos, assumimos, como nosso pressuposto de trabalho, que objetivos
(curriculares e político-pedagógicos) orientam conteúdos e métodos. Tal afirmação
equivale a dizer que não colocamos o foco de nossas atenções nos conteúdos
curriculares, mas sim nos objetivos que norteiam a nossa prática de professores da
educação básica, sempre embasada em nossos pressupostos teóricos.
Além de influenciar o modo como operamos ao ensinar e como vemos o
aprender dos alunos, em nossas salas de aula, a existência de clareza de objetivos
e pressupostos nos propicia a possibilidade de criarmos um currículo dinâmico,
adaptável às necessidades discentes e pedagógicas, sem nos engessarmos a um
programa inflexível, centrado em conteúdos, ou a cronogramas pré-estabelecidos
por outrem, quando não impostos por um sistema ou uma instituição de ensino.
E mesmo quando se tem a clareza acerca de que conteúdo se deve ensinar,
advêm outras questões, não menos relevantes, quais sejam: como os alunos
aprendem certo conteúdo e, ainda, quais estratégias seriam facilitadoras deste
aprendizado. Não obstante a possibilidade de obtermos respostas para tais
questionamentos, continuaríamos desprovidos de um suporte suficiente para que
pudéssemos ler os processos de produção de significados e, então, intervir na
dinâmica de tal processo; porquanto concordamos com Lins (2002), quando analisa
a questão dos conteúdos de ensino e afirma:

O que nós e este pequeno mas crescente número de pesquisadores


procura, é caracterizar o que seja “Matemática” quando nos referimos à
atividade profissional do professor de “Matemática”. Não é apenas o
conteúdo da Matemática “do matemático”, mas não é também – cada vez
entendemos melhor – a Matemática “do matemático” mais uma
compreensão do que seu ensino possa envolver – seja em termos de
estágios de desenvolvimento intelectual, seja em termos de estratégias de
ensino. Mais do que uma taxonomia – não importa quão ampla ela seja –
precisamos de categorias básicas que nos permitam ver esta Matemática
da sala de aula acontecendo enquanto ela acontece, isto porque, como já
apontaram diversos pesquisadores, os fenômenos da educação são
complexos demais para serem cristalizados . (LINS, 2002, p. 23)

Quanto à relação entre Geometria e Medidas, aceitamos o fato de haver uma


interdependência entre estes elementos curriculares, no que diz respeito à sua
24

aprendizagem no ensino fundamental, fato que foi estudado por alguns dos
pesquisadores que citamos acima, como, por exemplo, Owens e Outhred (2006).
Desta foram, acreditamos que o desenvolvimento das noções que envolvem estes
dois temas curriculares depende de estímulos dados na idade escolar, através da
educação formal, baseada em pressupostos teóricos e em observações práticas,
que por sua vez geram pesquisas e novas propostas de intervenção.
Consideramos ser legítimo, portanto, assumir que o tema Medidas10 integra o
currículo da Geometria da escola básica, pelo fato de existir intrínseca relação entre
estes temas, como vimos anteriormente. E assim procederemos neste trabalho, por
não encontrarmos necessidade de uma dicotomia ou tratamento de cada um destes
temas em separado, como encontramos em documentos e livros didáticos, fato
sobre o qual já aludimos. A partir deste nosso posicionamento – trabalhar com
medidas geométricas é, também, trabalhar com geometria – vamos buscar explicitar
e entender as dificuldades de aprendizagem de medidas de área e de perímetro de
figuras euclidianas planas, dificuldades que temos reincidentemente observado ao
lecionar para turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e para classes do
ensino médio de duas escolas públicas da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. E
se buscamos identificar e entender tais “problemas” de aprendizagem, nada mais
nos moveu (e move) nesta direção senão o desejo criar caminhos de intervenção
didática, minimizando ou mesmo eliminando sua incidência, no momento em que
surjam e sejam percebidos.
Para tratar de tais dificuldades de aprendizagem e das possíveis saídas para
diminuir a sua ocorrência, empenhamos toda a discussão desenvolvida nos
próximos capítulos.

10
Deste ponto em diante, sempre que usamos o termo medidas, estamos nos referindo a medidas
geométricas em uma, duas ou três dimensões, ou seja, de um comprimento, uma área ou um volume,
respectivamente. Esta discussão fez-se necessária por efeito da distinção, já citada acima, entre os
campos da Geometria e das Medidas, que aparece tanto nos documentos oficiais de orientação
curricular, quanto na quase totalidade dos livros didáticos brasileiros de Matemática do ensino
fundamental.
25

CAPÍTULO 2

REVISÃO DA LITERATURA
26

Como podemos avaliar a partir do que foi discutido no capítulo anterior, há


uma complexidade subjacente ao processo de aprendizagem de medidas
geométricas, que torna necessária uma busca por conhecermos de perto os
elementos característicos de tal processo, não somente relativos aos seus
condicionantes pedagógicos, mas especialmente no que respeita os aspectos
cognitivos que o constituem. Iniciamos, então, essa busca.
Ao elaborar uma revisão da literatura acerca da compreensão do tema
medidas de comprimentos e áreas por crianças recém-ingressas na escola,
Clements e Stefhan (2004) estudaram em profundidade o desenvolvimento desta
compreensão, e puderam afiançar:

As crianças pequenas encontram e discutem quantidades, com


naturalidade [...]. Elas primeiramente aprendem a usar as palavras que
representam quantidade ou magnitude de uma determinada grandeza. Em
seguida, elas comparam dois objetos diretamente e reconhecem a
igualdade ou a desigualdade [...]. Neste momento, elas estão prontas para
aprender a medir, ligando o número à quantidade: Medida é definida como
a atribuição de um número a quantidades contínuas. (CLEMENTS e
STEFHAN, 2004, p. 301, tradução e grifo nossos)

Segundo Jones e Mooney (2003), o trabalho com medidas na escola básica,


embora muitas vezes seja iniciado através de atividades em contextos espaciais,
frequentemente é abandonado com muita rapidez, e é provavelmente vivido pelas
crianças como mais uma forma de fazer cálculos. Para evitar esta situação, as
primeiras experiências (escolares) dos alunos com a geometria deveriam enfatizar o
estudo informal das formas físicas e suas propriedades, com o objetivo principal de
desenvolver a intuição geométrica e o conhecimento dos estudantes sobre o seu
ambiente espacial. (JONES e MOONEY, 2003)
Para nos referirmos mais especificamente aos temas área e perímetro,
destacamos o trabalho de Alsina i Pasttels (2009). Nele são sugeridas tarefas
manipulativas no Geoplano, através das quais estudantes de 6 a 9 anos de idade
poderiam desenvolver habilidades que vão desde a percepção de propriedades de
figuras geométricas planas (como polígonos), até a distinção entre a medida do
perímetro e a medida da superfície destas mesmas figuras.
Tanto em sugestões práticas (como esta, de Alsina i Pasttels) quanto em
estudos como o Jones e Mooney (2003), há um grande número de aspectos teóricos
e epistemológicos a serem considerados, na análise do processo de aprendizagem
de tópicos de geometria escolar, possivelmente também ligados ao seu ensino e às
27

concepções docentes sobre ambos os processos e sobre a própria natureza da


geometria que se pretende ensinar.
Faremos, agora, uma revisão da literatura, a partir da qual discutiremos
alguns destes aspectos, relacionados à nossa questão norteadora, que será descrita
abaixo e que está intimamente ligada à aprendizagem das noções que envolvem
área e perímetro de figuras geométricas planas, sobretudo aquelas relacionadas a
medidas destas grandezas. Na base dessa discussão está o nosso esforço em
compreender as razões de alguns obstáculos e limites epistemológicos11 discentes
que têm se mostrado muito frequentes em nossas aulas de Geometria, ao lecionar
para turmas da educação básica.

2.1 – Aprendizagem de Área e Perímetro: Algumas Dificuldades

Uma das dificuldades dos estudantes, que com muita frequência tenho
observado em nossas salas de aula do ensino fundamental e do ensino médio, é a
confusão entre as ideias de área e de perímetro, quando eles resolvem problemas
usuais de geometria euclidiana plana. E parece que não estou sozinho nesta
constatação. Trabalhos como os de Lindquist e Kouba (1989), Nunes (1995),
Chiummo (1998), Chappell e Thompson (1999), Malloy (1999), Leung (2001), Melo
(2003), French (2004), Baldini (2004), D’Amore e Fandiño Pinilla (2006), Owens e
Outhred (2006), Hernández (2008) e Silva (2009) apontam tal dificuldade12 e
procuram identificar suas características e sua gênese.
Ao descrever, a seguir, alguns destes (e outros) trabalhos, relacionados ao
estudo de dificuldades dos estudantes na aprendizagem de perímetro e de área de
figuras planas, buscamos identificar características que nos favorecessem na
elaboração das tarefas aplicadas em nossa pesquisa de campo, da unidade de

11
Os termos obstáculo epistemológico e limite epistemológico expressam dificuldades inerentes ao
processo de produção de significados, segundo o sentido proposto por Lins (1993) e que assumimos
neste trabalho, deste ponto em diante. Sobre isto, trataremos no Capítulo 3.
12
Mesmo considerando que a confusão entre área e perímetro possa ter contexto e significado
próprios em cada investigação, aceitamos ser razoável tomarmos um sentido geral para tal termo, de
modo a abarcar a associação que se verifica quando os alunos, embora distinguindo os sinais
(palavras), ligam um ao outro signo linguístico, acreditando tratar-se de um mesmo objeto geométrico,
ou tratar-se de objetos geométricos com análogas características. A partir desta concepção,
trataremos das prováveis diferenças entre as concepções dos pesquisadores para o temo confusão,
quando for necessário.
28

análise destas tarefas e do enfoque que daremos à execução desta análise, ligado
aos objetivos de nossa dissertação.
Antes de propor uma aplicação do Modelo de van Hiele para o trabalho com
perímetro e área nos anos finais do ensino fundamental, Malloy (1999) afiançou que,
embora uma considerável parcela dos alunos deste nível educacional possa resolver
problemas de deduzir e aplicar fórmulas de área e de perímetro de algumas figuras
geométricas (como retângulos, quadrados e triângulos), eles não têm conseguido
conceituar plenamente os significados de ambos os termos, e acabam por fazer
confusão entre tais fórmulas, encontrando a área de uma figura quando se pede o
seu perímetro, e vice-versa.
Segundo Leung (2001), muitos educadores frequentemente afirmam que os
estudantes apresentam dificuldades na aprendizagem destes temas, as quais
poderiam ser atribuídas às concepções errôneas13, à confusão entre área e
perímetro ou a um total desconhecimento destes temas geométricos. Talvez como
consequência destas dificuldades, o entendimento de que os conceitos de área e de
perímetro são úteis na vida cotidiana torna-se difícil de ser alcançado pelos alunos
(HERNANDEZ, 2008).
Baltar (1996), ao estudar a aquisição da relação entre comprimento e área na
escola, relata as dificuldades que estudantes dos anos finais da educação básica
encontram, em primeiro lugar, em reconhecer medidas de uma figura como um de
seus elementos constituintes e, em segundo, em distinguir as medidas de área e de
perímetro. Em tal pesquisa, foi evidenciado o fato de que os aspectos da
aprendizagem de diferentes elementos de medida (de comprimento, de área, etc.)
são específicos e diversos entre si; assim, a ideia de área de uma figura plana não é
sempre reconhecida como uma característica de tal figura.
Santos (2008), em sua pesquisa de mestrado, cuja metodologia se baseou
em uma análise qualitativa sob a ótica da Didática da Matemática francesa, concluiu
que a não resolução de certas tarefas – propostas aos estudantes por autores de
certos livros didáticos e que envolvem as noções de área e perímetro – indica
dificuldades que podem estar associadas à forma como se dá a passagem entre os
níveis de conhecimento, às mudanças de registros de representação semiótica e às
mudanças de quadros envolvidas nas tarefas.

13
O termo “concepções errôneas” é uma tradução nossa para a palavra misconceptions, do texto
original em inglês.
29

Embora não tenhamos interesse em trabalhar com estas noções da Didática


francesa, consideramos pertinente levantar a questão da influência das abordagens
dos temas geométricos trazidas pelos livros didáticos. Por exemplo, tanto Douady e
Perrin-Glorian (1989) quanto Kordaki (2003) destacam que os alunos enfrentam
dificuldades relacionadas à introdução prematura da abordagem quantitativa de
área, privilegiando o uso das fórmulas para se calcular a área de figuras planas e
negligenciando uma abordagem qualitativa, que enfatize o conceito de conservação.
Por outro lado, Teles (2009), em sua pesquisa, concluiu que houve avanços
na incorporação de elementos das pesquisas em Educação Matemática, quais
sejam: o tratamento de área como grandeza, a referência à dissociação entre área e
perímetro e um trabalho significativo14 com fórmulas. Não obstante, afirmou que há
necessidade de novas investigações que apóiem a inserção de equidecomposições
e invariância de área, nas abordagens feitas nos livros didáticos brasileiros da
atualidade, envolvendo os temas área e perímetro.
Se voltarmos nosso olhar para as avaliações em larga escala, divisaremos,
por exemplo, a Prova Brasil. Esta avaliação, que se insere no Plano de
Desenvolvimento da Educação do Ministério de Educação e integra o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (BRASIL, 2008), foi aplicada a mais de
nove milhões de estudantes brasileiros do 5º e do 9º anos do ensino fundamental,
em cada uma de suas duas edições15, ocorridas nos anos de 2005 e 2007. Da
totalidade dos alunos avaliados, 67% erraram uma questão simples que envolvia o
cálculo do perímetro de um polígono desenhado em uma malha quadriculada, o que
demonstrou que os estudantes “confundiram perímetro com área” (Ibidem, p. 127).
Vale ressaltar que a elaboração de questões de avaliações em larga escala, como
esta, tem critérios muitíssimos rígidos e objetivos, a ponto de cada item (questão)
estar relacionado a um único descritor (tema disciplinar) da matriz de referência, por
exemplo, o descritor (da matriz de Matemática) “resolver questões que envolvem o
cálculo do perímetro de uma figura plana poligonal” (BRASIL, 2008). Entendemos
que estas avaliações, embora nos dêem pistas do quadro geral de certo grupo de
alunos, envolvendo certo tema, não nos permitem conhecer quais sejam as

14
Não é raro observarmos pesquisas, como esta de Teles (2009), utilizarem o termo “significativo”,
sem o cuidado de estabelecer com que sentido ele á empregado. Desta forma, não podemos
concordar ou discordar das afirmações que o contêm.
15
Dados disponíveis no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, com acesso em 08.Maio.2011: http://www.inep.gov.br/basica-censo
30

dificuldades discentes, tampouco avaliar suas possíveis causas. Para se lograr tal
intento, necessário se faz identificar os significados produzidos16 pelos alunos para
os temas contidos nos itens das avaliações.
Um sistema internacional de avaliação em larga escala, que também avalia
estudantes do 5º e do 9º anos da escolaridade básica, o TIMSS (Trends in
International Mathematics and Science Study), em sua versão 2007 aplicada na
Suécia, foi analisado pela Agência Nacional de Educação daquele país, em parceria
com a Universidade de Gotemburgo. Não obstante o fato de classificarem a Suécia
entre os quinze de melhor pontuação no ranking17 da avaliação de conhecimentos
matemáticos, os resultados mostraram que os conceitos de perímetro e área são
frequentemente confundidos pelos alunos suecos. E revelaram ainda que muitos
alunos não estão familiarizados com o caráter aditivo do conceito de área e por isso
não são capazes de calcular áreas de figuras compostas. No mesmo documento,
afirma-se que o desconhecimento do caráter aditivo da área acomete os estudantes,
provavelmente, devido à falta de experiências conceituais, que por sua vez resulta
de uma abordagem de ensino predominante processuais, ou seja, de aplicação de
fórmulas destituídas de compreensão. (SKOLVERKET, 2008)
Segundo French (2004), a dificuldade de dissociar área e perímetro pode
surgir de uma simples confusão de palavras ou mesmo originar-se de conceitos
profundamente errôneos, os quais fazem os estudantes pensarem que perímetro e
área estão ligados de um modo tão elementar, que o aumento de uma dessas
grandezas conduz necessariamente ao aumento da outra. Não concordamos com a
perspectiva de avaliar pelo erro ou pela falta; mas isto será discutido no próximo
capítulo.
Yeo (2008) levantou um interessante quadro de pesquisas acerca da
confusão entre as ideias de área e perímetro de figuras planas, na análise do qual
destacou a necessidade de se focar na aprendizagem através do desenvolvimento
de um conhecimento conceitual e relacional destes temas; e ressaltou, ainda, o fato
de os próprios professores confundirem os conceitos de perímetro e área. O
pesquisador concluiu que os resultados de sua investigação retratam a complexa
interação entre os dois conceitos e os desafios associados ao seu ensino e às

16
Sobre o processo de produção de significados a suas consequências na prática discente, ver
capítulo 3.
17
Em 2007, 48 países dos 5 continentes participaram do processo de avaliação do TIMSS. Ver o site,
acessado em 08.Maio.2011: http://nces.ed.gov/timss/results07_math07.asp
31

relações entre estes conceitos, como a dificuldade dos professores em aceitar as


ideias dos alunos, quando estas não coincidem com as suas próprias ideias; e
afirma que nisto reside a importância do papel do conhecimento de conteúdo
pedagógico do professor, em suas aulas de geometria e medidas para alunos da
escola básica. (YEO, 2008)
D’Amore e Fandiño Pinilla (2006) sustentam que dificuldades estabelecidas
na escola básica, acerca de questões ligadas a área e perímetro, persistem para
muitos estudantes, até mesmo entre aqueles que já estão na universidade. Após a
análise de tarefas aplicadas e entrevistas realizadas com professores e estudantes,
os pesquisadores concluíram que estes últimos revelam obstáculos18 na construção
de um conhecimento das relações entre perímetro e área que não são apenas
epistemológicos – como estabeleceram muitos dos trabalhos neste campo de
pesquisas – mas apresentam também uma natureza didática.
Bellemain (2003) cita algumas pesquisas, levadas a termo na França, que
constatam dificuldades de aprendizagem relativas às grandezas geométricas e suas
medidas, e realiza uma pesquisa semelhante no estado de Pernambuco,
observando as mesmas dificuldades sendo apresentadas por alunos brasileiros,
sobretudo aquelas ligadas à não-dissociação entre perímetro e áreas, e também ao
uso incorreto de fórmulas e de unidades de medida.
Os Princípios e Normas (NCTM, 2007, p. 51), apoiando-se nas pesquisas de
Lindquist e Kouba (1989), apontam dificuldades que muitos alunos do ensino
fundamental apresentam na compreensão das idéias de perímetro e de área, fato
que tais pesquisadores entendem ser decorrente da utilização, pelos alunos, de
fórmulas como P = 2c + 2l ou A = c x l, sem que estes tenham compreendido de que
modo estas fórmulas se relacionam com a grandeza a ser medida ou com a unidade
de medida utilizada.
Um artigo de Outhred e Mitchelmore (1992, apud D’AMORE e FANDIÑO
PINILLA, 2006) é dedicado ao estudo das dificuldades específicas de
conceitualização de área e perímetro, observadas em parte dos alunos da escola
básica, sujeitos da sua pesquisa. Estes pesquisadores mostraram que é apenas
uma ilusão a atividade de ensinar tomada como garantia de que, se uma criança

18
De modo diverso do que praticamos no presente trabalho, aqueles autores assumem, para o termo
obstáculo, a caracterização dada por Brousseau (1983).
32

calcula a área de um retângulo, ela está automaticamente aprendendo a medir ou


calcular a área de qualquer outra figura geométrica.
Em uma de nossas investigações anteriores (HENRIQUES e SILVA, 2009),
pudemos verificar que muitos estudantes dos anos finais do ensino médio utilizam
sempre o mesmo procedimento de cálculo ou a mesma fórmula para calcular a área
de qualquer figura geométrica plana, poligonal ou não poligonal. Isto nos fez
questionar sobre o que de fato aprenderam em toda sua vida escolar, acerca deste
tema.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – de Matemática para os 3º e 4º
Ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998, p. 111) asseveram que a mudança
da dimensão de grandezas gera dificuldades na aprendizagem de área de figuras
planas, notadamente quando se trabalha com produto de medidas, como no caso de
problemas envolvendo o cálculo da área (grandeza bidimensional) de um retângulo,
a partir de medidas lineares (unidimensionais).
Entendemos ser bastante razoável considerar as possibilidades de existência
e de identificação das dificuldades que citamos acima, o que é corroborado pela
seguinte afirmação de Bellemain (2003):

A consideração pelos professores de que não há dificuldades conceituais


de aprendizagem significativas com respeito aos conceitos de área e
perímetro é preocupante, pois se os professores não percebem as
dificuldades que os alunos apresentam na aprendizagem desses
conteúdos, terão pouca chance de intervir para sua superação.
(BELLEMAIN, 2003, p. 17)

Na seção seguinte, passaremos a discutir as perspectivas levantadas por


algumas pesquisas para a aprendizagem de área e perímetro, envolvendo tais
dificuldades.

2.2 – Aprendizagem de Área e Perímetro: Algumas Perspectivas

Como podemos observar, através deste quadro de referência das pesquisas


sobre as dificuldades de aprendizagem das noções de área e perímetro de figuras
poligonais, sobretudo as relacionadas à dissociação entre medidas de área e de
perímetro, o tema é de extraordinária complexidade.
O NCTM (2007, p. 124) sugere algumas atividades para que os professores
trabalhem habilidades de alunos da pré-escola até o 2º ano do ensino fundamental,
33

relacionados à medição de comprimentos e de áreas de figuras planas, sem


recorrerem ao rigor, mas sim à estimativa, dirigindo a atenção dos estudantes para
as grandezas, para o processo de medição e para o valor das unidades de
referência.
Já segundo Chappell e Thompson (1999), os estudantes precisam de tarefas
nas quais possam analisar o perímetro e a área ao mesmo tempo para distinguirem
claramente os dois objetos. Estes pesquisadores afirmam, ainda, que os alunos
precisam construir representações visuais de figuras com determinadas áreas e
perímetros, criar problemas relacionados com estas palavras e justificar as
propriedades figurais observadas.
Estudos conduzidos por Pirola (2009), Viana (2005), Outhred e Michelmore
(2000) mostram a necessidade de que os conceitos de área e perímetro sejam
trabalhados de forma a articular os conhecimentos declarativos dos alunos e os seus
conhecimentos de procedimentos, visando a uma aprendizagem significativa. Em
contraposição a estas pesquisas, a posição que assumimos não tende ao
pragmatismo, nem à visão de campos conceituais19 e nem ainda a uma articulação
entre estas concepções. Concebemos que o ensino e a aprendizagem das noções
de área e perímetro (como de um outro tema qualquer, matemático ou não) devem
ser calcados na produção de significados, como modo de ler os processos
cognitivos e de intervir nestes processos, dentro dos quais o sujeito do
conhecimento constitui novos objetos, como, por exemplo, área e perímetro, sem
que tal constituição (ato de conhecer) tenha sua legitimidade colocada em cheque,
isto é, sem concepções prévias nem juízo de valor. A perspectiva da produção de
significados favorece a criação de um espaço comunicativo, dentro do qual a
possibilidade de negociação de significados deve existir20.
Bellemain e Lima (2000), ao pesquisarem a aprendizagem das relações entre
comprimento e área no ensino fundamental, ressaltam que:

[...] a construção das relações pertinentes entre área e comprimento é um


processo complexo e de longa duração. Como mostra Rogalski (1982), nas
relações entre essas duas grandezas geométricas intervém um processo
duplo de diferenciação e de coordenação. Deve-se, ao mesmo tempo,
diferenciar propriedades simultaneamente presentes numa figura (o
comprimento do contorno e a área da superfície, ou a área de um sólido e
seu volume) e coordenar essas mesmas propriedades na apropriação das
fórmulas [...] (BELLEMAIN e LIMA, 2000, p. 6)

19
Ver Vergnaud (2008).
20
Sobre produção e negociação de significados, trataremos no capítulo 3.
34

Chamorro (1997), em concordância com os trabalhos de Guy Brousseau,


analisou distintos aspectos que determinam os ambientes de aprendizagem
relacionados a medidas em geral; no mesmo estudo, mostrou a grande
complexidade de tal tema, especialmente no que concerne à sua aprendizagem.
Entre os diversos exemplos que o autor apresentou, aparece com destaque a
dificuldade de identificar as relações entre perímetro e área. Sobre isto, afirmou
Chamorro (Ibidem):

Em se tratando de superfície, por causa da medida produzida, convergem


múltiplos obstáculos conceituais. Entre estes, está a relação que as
unidades de superfície mantêm com as unidades de comprimento, sendo
que a primeira subsidia a segunda, como produto da medida. Tais relações
podem ser compreendidas começando pelas relações espaciais, as quais,
por sua vez, deveriam ser coordenadas com as relações multiplicativas. A
coordenação entre a linearidade de cada uma das dimensões e a
linearidade das superfícies deve poder ser garantida através de um modelo
geométrico que ajude a visualização de tais relações. (CHAMORRO, 1997,
p. 45, tradução nossa)

Para construir a noção geométrica de área, é preciso estabelecer relações


entre as fórmulas de área e de perímetro e os invariantes geométricos das figuras. E
é necessário, também, desenvolver um trabalho geométrico sobre o tratamento
destas figuras em casos não prototípicos ou não padronizados, isto é, um tratamento
diverso do que encontramos na maioria dos livros didáticos de Matemática. (TELES,
2009; BALTAR, 1996)
Em um documento de divulgação da matriz de referência e dos resultados da
Prova Brasil (BRASIL, 2008), aparecem sugestões de como os professores podem
trabalhar com a habilidade (dos alunos) de calcular a área de figuras planas
poligonais:

Durante o trabalho com a habilidade em questão, tanto o perímetro quanto


a área podem ser encadeados, possibilitando, assim, destacar-se a
diferença entre os dois conceitos. As mesmas atividades utilizadas para
conceituação de perímetro podem ser aqui abordadas. Entretanto, cabe ao
professor tomar figuras geométricas bastante ilustrativas e que permitam a
contagem de unidades de áreas. Essa é uma tarefa que atrai o aluno para
o trabalho, pois um quadro que apresente regularidades e atratividade
visual coaduna com o cálculo preciso, enquanto aqueles quadros ou
formas geométricas não regulares remetem à idéia de estimativa. Dessa
forma, o professor pode selecionar contextos apropriados como obras de
arte com características regulares ou irregulares; diferentes tipos de
paredes em azulejos; pisos e modelos arquitetônicos com formatos em
planos. (BRASIL, 2008, p. 129)
35

Aceitamos a ideia do trabalho com unidades de área como algo um tanto


natural para os estudantes e, portanto, mais favorável à aprendizagem da noção de
área de polígonos. Entretanto, a proposição de tarefas que envolvam a noção
multiplicativa de área parece ser bastante importante para o desenvolvimento da
própria noção de estimativa, no cálculo da área de figuras planas poligonais
(ABRANTES, SERRAZINHA e OLIVEIRA, 1999).
Naidoo e Naidoo (2008) propõem a seguinte tarefa21 (Figura 1) para um grupo
experimental de alunos, que deveriam construir de malhas quadriculadas no
Microsoft Word e manipular dois retângulos (um deles com lados 4 e 3 centímetros,
o outro, 6 e 2 centímetros), para calcular área e perímetro. E os pesquisadores
documentaram que, ao fazer a tarefa proposta, os alunos descobriram a relação
entre área e perímetro.

Observe estes retângulos. Desenhe as malhas quadriculadas e compare suas


áreas e seus perímetros.

Figura 1 – Uma das tarefas da pesquisa de Naidoo e Naidoo

Muito embora a pesquisa de Naidoo e Naidoo (2008) tenha fornecido pistas


interessantes para buscarmos entender os processos cognitivos que levaram os
estudantes a “descobrir” tais relações, não encontramos nela uma discussão
explícita desses processos.
Chiummo (1998), fundamentada na linha francesa da Didática da Matemática,
desenvolveu um estudo histórico, epistemológico e da transposição didática dos
conceitos de área de figuras planas, a partir do qual elaborou uma sequência
didática como sugestão de trabalho com este tema em sala de aula. Destacamos
uma das doze atividades que compõem tal sequência didática, no capítulo que
intitulou Orientações Técnicas dos Professores (Chiummo, 1998):

21
O texto da tarefa da Figura 1 é de nossa tradução.
36

ATIVIDADE 6
1) Vamos construir juntos o jogo chinês chamado Trangram. 2) Vamos
fornecer um quadrado de 16 cm de lado, para obtermos 7 peças, que são
os componentes do jogo. 3) A seguir você poderá usar a sua criatividade e
montar qualquer figura geométrica que quiser. 4) Depois de obter as 7
peças do jogo, o professor calculará a área e o perímetro de cada figura.
Para o cálculo da área, o professor poderá utilizar a contagem de
quadradinhos ou a fórmula. Para o cálculo do perímetro, o professor
poderá utilizar uma régua, quando se tratar da diagonal do quadradinho.
Calculando a área de cada figura separadamente e somando-as, o
professor mostrará para o aluno que qualquer figura que ele vier a montar,
usando a sua criatividade, verifica-se o mesmo valor para área e valor
diferenciado para perímetro. [...]
OBJETIVOS DE ATIVIDADE 6
[...] Os professores poderão levar os alunos a perceber que não importa
que tipo de figura os alunos venham a montar, eles irão obter sempre a
mesma área com perímetros diferentes. Poderão ainda explorar a
equivalência de peças, ou seja, qual a relação entre as áreas e os
perímetros de figuras iguais.
ANÁLISE A PRIORI DA ATIVIDADE 6
Poderá haver alguma demora na construção do Tangram para os
professores de 1ª a 4ª série por falta do conhecimento do vocabulário
matemático, como por exemplo, ponto médio, diagonal e vértices. Esses
conceitos intervêm na construção do Tangram, porque fazemos uso deles
para efetuar a dobradura do papel. Poderá ainda haver dificuldade na
identificação dos polígonos que se originam do recorte do Tangram [...].
Quando se pedir o cálculo da área das figuras, os professores poderão vir
a contar quadradinhos e não usar a fórmula de área, por ser mais fácil e
mais rápido. [...] Quanto ao cálculo do perímetro, os professores da 1ª a 4ª
série tenderão a usar a régua para todas as figuras, já os professores de 5ª
a 8ª tenderão a contar as bordas, sem fazer uso da fórmula do perímetro.
(CHIUMMO, 1998, p. 92, grifos da autora)

O esforço de Chiummo nessa sua pesquisa é de certo modo semelhante ao


nosso: eleger tarefas (atividades, para ela) que permitam a intervenção do professor
na aprendizagem dos alunos, sobre área, perímetro e suas relações. Por esta razão,
destacamos a Atividade 6 (acima) para que a analisemos criticamente, de modo
que, advertidos da possibilidade, evitemos incorrer em alguns equívocos
encontrados em suas considerações e em seus encaminhamentos metodológicos.
Nosso primeiro objeto de crítica é a falta de preocupação com a questão
epistemológica. Termos como atividade, criatividade e conhecimento são utilizados
sem a preocupação em apresentar o sentido em que cada um deles é empregado.
Outro ponto é a falta de clareza das expressões. Por exemplo, o trecho “por falta do
conhecimento do vocabulário matemático” deixa dúvida quanto ao complemento
nominal. De quem é o referido conhecimento? Do professor ou do aluno?
Entendemos que um texto acadêmico, elaborado com a intenção de orientar
tecnicamente professores em sua prática profissional, não poderia gerar tais
dúvidas. Mas estas críticas não são as mais importantes. Vejamos o seguinte trecho
37

dos Objetivos da Atividade 6: “Poderão ainda explorar a equivalência de peças, ou


seja, qual a relação entre as áreas e os perímetros de figuras iguais”. Segundo
podemos entender, lendo esta construção, não haverá o que dizer sobre áreas e
perímetros de figuras iguais; importa-nos a todos, professores e alunos, discutir os
casos que envolvam pares ou grupos de figuras diferentes. Talvez pudéssemos
indagar antes: iguais em ralação a quê? Forma? Número de lados? Ângulos? Ou
tudo isto? Se a resposta for “tudo isto”, persistimos com o questionamento: para que
discutir áreas de figuras iguais? Bem, poderíamos ficar por aqui. Mas um ponto de
crítica é central para nós, nesta dissertação: Chiummo (1998, p. 92) faz uma análise
a priori da Atividade 6, antecipando as dificuldades e os encaminhamentos didáticos
que surgirão ao aplica-la aos alunos do dois blocos de ciclos do Ensino
Fundamental. Este modus operandi metodológico contraria todo o nosso
posicionamento e também a nossa fundamentação teórica, pois não concebemos
conhecimento a priori, tampouco métodos para prever e evitar a ocorrência de
dificuldades. Quando a pesquisadora sugere que os professores (e alunos, por
conseguinte) utilizem a contagem de quadradinhos e não a fórmula de área, por ser
“mais fácil e rápida”, ela está assim indicando uma única maneira de operar
cognitivamente e eliminando a possibilidade de outras formas ocorrerem ou, ao
menos, serem aceitas como legítimas. Além disso, a autora não cita nenhuma
fundamentação para embasar tal assertiva, na orientação da atividade.
Em sua dissertação de mestrado, fundamentada na Teoria das Situações
Didáticas de Guy Brosseau e na metodologia da Engenharia Didática de Artigue,
Baldini (2004) mostrou uma utilização do software Cabri Géometrè II contribuindo
significativamente para a construção dos conceitos de área e perímetro. Na
sequência didática que a pesquisadora elaborou e aplicou aos estudantes (sujeitos
da pesquisa), há 30 atividades, entre as quais 5 relacionam os conceitos de área e
perímetro. Como exemplo, vejamos apenas duas destas atividades:

Atividade 24: Verificar se existe alguma relação entre área e perímetro de


uma mesma figura. Objetivos: Calcular e relacionar área e perímetro de
uma mesma figura; compreender que não existe nenhuma relação de
proporcionalidade entre área e perímetro de uma mesma figura; ou seja,
que área e perímetro não variam num mesmo sentido. [...] Atividade 26:
Cálculo de área a partir do perímetro e cálculo do perímetro a partir da
área. Objetivos: Calcular área de um quadrado conhecendo o seu
perímetro; calcular o perímetro de um quadrado conhecendo sua área.
(BALDINI, 2004, p. 125, grifos da autora)
38

Assumimos a posição de considerar que “atividades” como estas – que


trabalham simultaneamente as noções de área e de perímetro – são mais favoráveis
à sua aprendizagem, que outras tarefas que envolvem apenas um destes temas.
Este posicionamento se funda na perspectiva defendida por Lins (1993), segundo a
qual a prática tradicionalmente adotada, quanto ao ensino de matemática, esconde
os saltos entre diferentes campos semânticos e confiam numa passagem “suave”
entre noções distintas, relacionadas a um mesmo elemento. Por exemplo, quando
são estudados a área e o perímetro de um triângulo. Não é raro encontramos, em
livros didáticos avalizados pelo Ministério da Educação brasileiro, através de
publicações do Programa Nacional do Livro Didático22, estes temas sendo tratados
em capítulos distintos e, em algumas obras, distantes um do outro, na ordenação de
seus capítulos. Desta forma, as noções de área e de perímetro são trabalhadas
separadamente e em momentos distintos de um ano letivo, por professores que
seguem as sugestões dos autores de determinados livros didáticos, talvez assim
não oferecendo a muitos alunos a oportunidade de comparar tais noções,
associadas a figuras geométricas poligonais, e de perceber as relações existentes
entre elas.
Ao tratar da aprendizagem destas relações, Silva (2009) utiliza o modelo de
equilibração de Piaget para analisar como se desenvolve o funcionamento do
pensamento dos participantes de sua pesquisa, ao resolverem tarefas envolvendo
quadriláteros apresentados em um geoplano. Naquela pesquisa, o autor chegou à
conclusão que, embora muitos estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental
tenham relativo sucesso na resolução de problemas que envolvem o cálculo da área
e do perímetro de figuras como o quadrado e o retângulo, estes mesmos
estudantes, com muita frequência, não são capazes de elaborar uma explicação
para a relação existente entre tais grandezas. E procurando compreender a gênese
deste fato, sem se ater sobremaneira a ela em sua pesquisa, Silva (Ibidem, p. 81)
levanta a seguinte hipótese: “os professores optam por práticas pedagógicas que se
fundamentam em algoritmos, sem se preocuparem com os processos de
pensamento que estão envolvidos na construção do pensamento geométrico”.
Neste aspecto, isto é, no que concerne à necessidade de compreender os
processos cognitivos, concordamos com o Silva (2009) e sustentamos que

22
Ver Brasil (2010).
39

carecemos de uma compreensão flexível e prática do que seja aprender


Matemática. Mas ousamos discordar daquele autor, quanto à categorização que ele
faz dos modelos explicativos dos sujeitos de pesquisa. Pois fazer tal categorização
implica considerar a existência de um conhecimento a priori dos sujeitos e, ainda,
postular que o desenvolvimento cognitivo precede a aprendizagem, ou seja, que
para se aprender algo, é preciso atingir certo nível de desenvolvimento, o das
estruturas mentais correspondentes a determinado conteúdo; em última instância,
fazer tal categorização significa analisar e avaliar os estudantes pela falta. Não
aceitamos tal postura, pois ela envolve um perigoso juízo de valor da capacidade
cognitiva dos estudantes, muito comum às teorias piagetianas. Ao discutir o
processo comunicativo e criticar os pressupostos da postura educacional sustentada
pelo projeto piagetiano, Lins (1999) afirma que:

[...] não admitir o não dizer como alternativa tanto a uma proposição quanto
à sua negação, é praticar a política da caracterização do outro pela falta: se
você não diz o (que eu já sei que é) correto, é porque ainda não é capaz de
entender (seja porque falta conteúdo, seja porque falta desenvolvimento
intelectual). (LINS, 1999, p. 84)

Nossa perspectiva teórica refuta a leitura do outro pela falta, fundamentando-


se na hipótese de Vygotsky (1993) que afirma que a aprendizagem, que se dá
sempre pela apropriação das formas social e culturalmente produzidas, leva ao
desenvolvimento das estruturas mentais de quem aprende. Em outras palavras, ao
apropriar-se de uma forma social e culturalmente produzida (por exemplo, o
Teorema de Pitágoras), o aluno se desenvolve cognitivamente, ou seja, produz um
novo conhecimento23. Estendendo o exemplo que demos: o aluno (fictício) utiliza o
Teorema de Pitágoras para encontrar o valor desconhecido de um lado de certo
triângulo retângulo; então ele afirma que, a partir dos valores dados de dois de seus
lados, pode-se aplicar a fórmula que relaciona seus três lados e encontrar o valor do
terceiro lado, e justifica sua afirmação, dizendo: “já fiz a medição dos lados de
muitos triângulos retângulos e a fórmula funcionou para todos eles”. A partir dessas
ações do aluno, dizemos que ele produziu significado para o Teorema de Pitágoras.
Como mediadores das interações (sociais, culturais) que geram o
desenvolvimento cognitivo ou intelectual, apresentam-se os signos; com efeito,
todas as funções mentais superiores são mediadas por signos (Luria, 1991;

23
Sobre a concepção de conhecimento que assumimos, do nosso referencial teórico-epistemológico,
discutiremos no próximo capítulo.
40

Vygotsky, 1993). Com base nestas noções, Nunes (1995) explicita as duas
alternativas mais usuais para se representar o conceito de área de figuras planas. A
primeira alternativa envolve medir o comprimento e a largura de certa figura (um
retângulo, por exemplo) e utilizar tais medidas para calcular a área desta figura,
através de uma fórmula, que neste caso corresponde ao produto das medidas. A
segunda alternativa envolve começar por unidades de área (por exemplo,
centímetros quadrados), que se forem arrumadas em linhas e coluna, sobre a figura
a ser medida (novamente, consideremos o retângulo), a área desta figura é
calculada pela multiplicação do número de unidades numa linha vezes o número de
linhas. Estas duas alternativas – explica a pesquisadora – diferem basicamente em
relação ao número variáveis envolvidas em cada concepção de produto de medidas:
três variáveis na primeira e duas na segunda concepção. Vejamos a metodologia
que Nunes (1995) utiliza em sua pesquisa:

Pedimos a pares de crianças inglesas, dos 8 aos 10 anos, para resolverem


alguns problemas de áreas. Os pares de alunos foram distribuídos
aleatoriamente por uma de duas condições. Na primeira condição, foram-
lhes dadas réguas como instrumento de medida. Na segunda condição,
foram-lhes dados tijolos de 1 cm2, mas não lhes demos tijolos suficientes
para cobrir completamente as figuras, para que a solução de simplesmente
cobrir a figura e contar o número de tijolos não fosse possível. (NUNES,
1995, p. 17)

E observemos os resultados desta pesquisa (NUNES, Ibidem):

O desempenho dos alunos, nestes problemas, diferiu em função do


sistema de signos que tinham disponível na situação experimental: réguas
ou unidades de área. As diferenças foram observadas quer quanto ao
número de respostas correctas, quer quanto ao tipo de concepção utilizada
na resolução do problema. As crianças que tinham a sua disposição
unidades de área tiveram um desempenho significativamente superior ao
das que tinham réguas. Os alunos que tinham régua como instrumento de
medida costumavam, mais frequentemente, adicionar as medidas do que
multiplicá-las. Eles calculavam ora o perímetro, ora o semi-perímetro. [...]
Os alunos que tinham unidades de área como instrumentos de medida
frequentemente descobriam uma fórmula para resolverem o problema,
número de tijolos numa linha vezes o número de linhas, e usavam-na com
sucesso para ultrapassar o facto de faltarem tijolos. (NUNES, 1995, p. 18)

É importante destacar que há, nestas conclusões de Nunes, indícios de uma


abordagem com bases eminentemente piagetianas, na revelação da concepção de
conhecimento a priori, quando a autora se refere às “respostas corretas” dos sujeitos
de pesquisa. De fato, Nunes (1995), em sua abordagem, entende serem
compatíveis as teorias de Vygotsky e de Piaget. Mas nós consideramos que isto é
41

impraticável, pois os pressupostos de um são diversos dos pressupostos do outro.


Por exemplo, no que concerne ao desenvolvimento cognitivo humano, enquanto
Piaget se refere a estágios24 e a mecanismos de passagem entre estágios, Vygotsky
fala de processos cognitivos que, uma vez postos em marcha, são a causa de sua
própria mudança (LINS, 1999).
Embora este ponto de discordância nossa com a abordagem de Nunes
(1995), sua pesquisa nos ajuda a pensar acerca da confusão discente entre área e
perímetro, além de nos informar da importância da mediação de instrumentos ou
ferramentas na aprendizagem destes temas. E esta informação influenciou-nos no
processo de elaboração das tarefas aplicadas em nossa pesquisa de campo.
Em uma pesquisa mais recente, Owens e Outhred (2006) investigaram a
compreensão de jovens alunos acerca da quantificação de uma superfície plana, e
chegaram às seguintes conclusões: i) os alunos parecem considerar duas
quantidades, o número de quadrados (unidades de área) ao longo do comprimento e
o número destes quadrados ao longo da largura de um retângulo, sem
reconhecerem estas quantias como o número de quadrados numa linha e o número
de linhas; ii) poucos alunos utilizam a multiplicação para enumerar os elementos em
uma malha quadriculada; iii) a metade dos alunos conta elemento a elemento, e
38% deles utilizam a adição, repetidamente; iv) o conhecimento discente de
estruturas em malha (matriz retangular) proporciona bases para uma alternativa de
trabalho com unidades de área necessárias para se cobrir um retângulo; v) desenhar
uma matriz de unidades quadradas, usando dois conjuntos de linhas paralelas,
revelou-se algo mais difícil do que o esperado, para os alunos, o que sugere que a
estrutura de tesselação (malha), embora não seja óbvia para eles, precisa ser
aprendida.
Mas a maneira de se operacionalizar esta aprendizagem parece estar
imbricada a alguns fatores ligados ao comportamento cognitivo dos estudantes.
Segundo Pavanello (2004), a compreensão do conceito de área depende de
dois processos: i) o processo tradicionalmente utilizado no ensino deste conceito
consiste em fixar uma unidade de área e verificar “quantas vezes a unidade cabe na

24
A noção piagetiana de estágios de desenvolvimento cognitivo nos permite entender como a teoria
de Piaget favorece uma leitura pela falta. Exemplificando isto, Lins (1999, p. 78) escreveu o que
parece ser a fala de um professor fictício do ensino tradicional, em concordância com os
pressupostos piagetianos: “eu, que já me desenvolvi (já aprendi), e que sei que você é igual a mim,
posso ver o que falta em seu desenvolvimento, ver o que você ainda não é”.
42

figura”; assim, cada superfície é associada a um número, e a comparação das


superfícies se reduz à comparação desses números, que são as medidas de suas
áreas; ii) o processo que permite comparar superfícies, tendo como fundamento a
igualdade de figuras por sobreposição; por este processo, duas superfícies planas
têm mesma área se suas formas “coincidem”, e essa verificação é feita por
sobreposição ou decomposição/composição da figura, sem a utilização do conceito
de medida de área. E concluiu a pesquisadora: o primeiro processo permite verificar
que, ao adotar diferentes unidades de superfície, obtêm-se diferentes valores
numéricos para sua área, enquanto o segundo pode levar a compreensão de que
superfícies diferentes podem ter a mesma área. (PAVANELLO, 2004)
Clements e Stefhan (2004) investigaram quais atividades contribuem para que
os alunos aprendam a noção de área, e concluíram: em primeiro lugar os alunos
devem experimentar cobrir várias superfícies planas com uma unidade de medidas,
percebendo que as regiões devem ser cobertas sem sobreposição das unidades
entre si e sem lacunas entre elas; em segundo lugar, devem aprender a estrutura de
malhas (matrizes), o que demonstrou ser um processo que demanda muito tempo,
mas com resultados muito significativos; terceiro, os alunos devem aprender que o
comprimento dos lados de um retângulo pode ser determinado pelo número de
unidades em cada linha e o número de linhas na matriz; em quarto lugar – e isso
geralmente é apropriado apenas nas séries intermediárias e mais avançadas – as
crianças podem aprender a multiplicar as duas dimensões como um atalho para a
determinação do número total de quadrados. (CLEMENTS e STEFHAN, 2004)
Nestas duas últimas pesquisas citadas – de Pavanello e de Clements e
Stefhan –, destacamos dois modos de proceder do professor, em sala de aula, que
parecem-nos suficientes para criar um campo favorável ao desenvolvimento
cognitivo dos alunos, acerca das noções de área de figuras planas. O primeiro
desses modos didáticos é a comparação de formas planas, envolvendo também
decomposição e composição de figuras. Toda criança experimenta de per si montar,
empilhar, enfileirar e sobrepor objetos físicos de formatos diversos ou semelhantes,
o que Piaget e Inhenlder (1993) mostraram estar relacionado ao seu
desenvolvimento sensório-motor, o que entendemos ser real, embora não aceitemos
as definição dos estágios por faixas etárias, dada por tais pesquisadores. O segundo
modo didático é a associação das unidades de área às superfície a serem medidas,
43

o que permite a estruturação das malhas de unidades, que também aceitamos como
um processo cognitivo de moroso desenvolvimento e de difícil intervenção docente.
Alguns pesquisadores sugerem que o ensino de medidas de área de figuras
planas não deveria começar com a utilização de réguas. Por exemplo, Nunes, Light
e Mason (1993) mostraram que as crianças de sua pesquisa não conseguiram
resolver problemas de área, quando utilizaram réguas, mas foram capazes de criar
soluções multiplicativas, quando se lhe ofereceram oportunidades de cobrir
superfícies com unidades quadradas.
Clements e Stefhan (2004) defendem que, para o desenvolvimento dos
processos de aprendizagem de áreas, o professor não deve focar os procedimentos
de cálculo, mas sim os significados que tais processos trazem para os alunos. Para
estes pesquisadores, pode ser um exagero o argumento básico de Piaget, de que as
crianças devem aprender antes a conservar comprimentos para que possam
produzir sentido para os sistemas de medições, como as réguas (físicas) ou
ferramentas computacionais.
De acordo com a perspectiva vygotskiana, as réguas são vistas como
instrumentos culturais, dos quais as crianças podem se apropriar. Ou seja, os alunos
podem usar as réguas, apropriarem-se delas e assim construírem novas ferramentas
mentais. (CLEMENTS e STEFHAN, 2004)
Concordamos com esta perspectiva, entendendo, porém, que outros
instrumentos de medida de área e de comprimento podem ser apropriados pelos
alunos, mesmo que não se lhes sejam oferecidos. Por exemplo, em nossa sala de
aula de Geometria do Ensino Fundamental, já experimentamos situações nas quais,
para fazer medições de comprimentos de objetos físicos (como porta e janelas),
estudantes utilizaram pedaços de madeira e de barbante, por iniciativa própria,
quando lhes faltava uma régua. E flagramos, de outra feita, um aluno usando até
mesmo instrumentos não físicos (um metro virtual, chamaríamos) para estimarem a
largura de um quadro. Nesta última situação, vale ressaltar, o jovem era aprendiz de
pedreiro, auxiliar na construção civil.

2.3 – Aprendizagem de Área e Perímetro: a Nossa Perspectiva

A diferença fundamental que se estabelece entre a nossa pesquisa e todas as


outras citadas anteriormente – que também investigam um caminho para a solução
44

da reconhecida confusão entre as ideias de perímetro e área – está na perspectiva


que adotamos, a partir do nosso referencial teórico. Como veremos no capítulo
seguinte, este referencial nos proporciona um olhar diferente das teorias piagetianas
e do modelo de Van Hiele, que analisam os processos cognitivos pela falta25, mas
também diferente dos trabalhos baseados no arcabouço da Didática Francesa, na
qual as caracterizações epistemológicas são distintas daquelas trazidas pelo modelo
teórico que adotamos. Este modelo nos possibilita identificar quais significados cada
sujeito produz, no interior de uma certa atividade, para um determinado objeto que
está sendo constituído por este sujeito.
Outra diferença importante está no fato de valorizarmos os significados
não-matemáticos produzidos pelos alunos, na escola ou fora dela. Acerca disto,
trataremos no próximo capítulo, mais amiúde.
Uma perspectiva que concebemos como pertinente à nossa questão de
investigação, e coerente com nosso referencial teórico, é a da inicialização do
trabalho com a Geometria – nomeadamente com as noções de medidas envolvendo
área e perímetro – mais cedo, ou seja, nas séries iniciais do ensino fundamental.
Esta perspectiva é defendida por alguns pesquisadores (por exemplo: LAMONATO,
2007; NUNES DA SILVA, 2006; JONES e MOONEY, 2003) e também por
documentos de orientação curricular (NCTM, 2007; BRASIL, 1997). Fato é que, a
partir dessas pesquisas e desses documentos, além da nossa perspectiva teórica,
não encontramos impedimento para introduzir as noções de medidas, por exemplo,
no 6º ano do ensino fundamental, e isto nos possibilitaria o desenvolvimento da
pesquisa de campo com alunos desta série. No entanto, entendemos que este
trabalho demandaria muito mais tempo do que tínhamos disponível. Assim,
desenvolvemos nossa pesquisa de campo como alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental, com o propósito de explicitar as dificuldades ligadas a área e
perímetro, e também criar maneiras de intervir na aprendizagem da diferenciação
deste temas geométricos (ver capítulo 4).
Citaremos e discutiremos, a seguir, uma pesquisa que influenciou a definição
de nossa perspectiva para levantar as dificuldades dos alunos com área e perímetro,
de modo a intervir na produção de significados dos alunos para estes temas.

25
Por exemplo, o modelo dos Campos Conceituais de G. Vergnaud, como ressalta Lins (2008,
p.534).
45

De acordo com Clements e Stefhan (2004), existem cinco conceitos básicos


envolvidos no processo de aprender a medir áreas: 1) partição, 2) interação de
unidades, 3) conservação de medidas, 4) estrutura de malha, e 5) medição linear.
Tal como a medição linear, a partição é uma ação mental de dividir o espaço
bidimencional com unidades bidimensionais. Muitos docentes frequentemente
assumem que, para os alunos, o produto de dois comprimentos estrutura uma região
em unidades bidimensionais de área. Contudo, a construção de uma malha
bidimensinal não é algo trivial para os estudantes. As primeiras experiências
discentes com área deveriam incluir a partição de um região com unidades
bidimensinais escolhidas e, nesse processo, discutir questões como os espaços que
restaram, a sobreposição de unidades e a precisão de medidas. As discussões
destas ideias podem orientar os alunos para fazerem mentalmente a partição de
uma região em sub-regiões enumeráveis. Ao cobrirem regiões com unidades de
área, sem deixar quaisquer lacunas ou sobreposições, as crianças podem
desenvolver o conceito de interação de unidades para medir áreas. (CLEMENTS e
STEFHAN, 2004)
Embora este trabalho de Clements e Stefhan (Ibidem) aponte para
características importantes dos processos cognitivos de crianças que aprendem a
medir área, dando pistas para as intervenções e modos de proceder do professor, a
respeito da produção de significados para as noções de área e de comprimento, não
compartilhamos o estabelecimento do que tais pesquisadores chamaram de
conceitos básicos envolvidos na aprendizagem de medição de área. Esta
predefinição ou antecipação do que pode acontecer na produção de significados
para cada sujeito é o mesmo que estabelecer uma “maneira correta” (e a única
aceitável!?) de operar, por exemplo, uma multiplicação de dois números inteiros com
dois ou mais algarismos cada, como é muito comum se observar na prática de
professores afeitos ao ensino tradicional vigente26, nos 2º e 3º ciclos do Ensino
Fundamental. Nossa perspectiva não quer privilegiar, em momento algum, esse ou
aquele modo de produção de significados, mas objetiva expandir sempre as
possibilidades de surgimento distintos conhecimentos sobre um mesmo tema, e do
desenvolvimento de modos de leitura destes conhecimentos dos sujeitos pelos
professores, no momento em que as produções ocorrem, permitindo intervenções

26
Utilizamos este termo no sentido dado por Baldino (1998).
46

didáticas ao vivo, ou seja, quando surjam as dificuldades que demandam tais


intervenções.
Para sintetizar nosso posicionamento sobre pontos-chave de alguns trabalhos
que destacamos no presente capítulo, organizamos os seguintes tópicos:
• avaliamos que a principal dificuldade observada no processo de
aprendizagem de área e de perímetro é a confusão entre estas grandezas
geométricas, o que inclui a não dissociação entre suas medidas;
• aceitamos que o trabalho simultâneo com área e perímetro favorece a
aprendizagem destas noções;
• assumimos o fato de que um sujeito saber calcular a área de um tipo de
figura plana (um retângulo, por exemplo) não garanta que ele tenha aprendido a
calcular a área de uma outra figura qualquer;
• concordamos com a afirmação (já muito bem endossada pelas pesquisas)
de que a mudança de dimensão gera dificuldades na medição de certas grandezas,
como comprimento e área de figuras planas;
• assumimos com válida a ideia de comparação entre objetos (figuras)
mensuráveis para a aprendizagem de área e perímetro;
• atentamos para o fato de que a área de uma figura não é sempre
reconhecida como uma de suas características (isto nos ajuda a pensar na gênese
das possíveis dificuldades no processo cognitivo dos alunos que aprendem sobre
perímetro e área);
• consideramos relevante o fato de muitos estudantes avaliarem que o
aumento do perímetro de uma figura implica necessariamente em um aumento de
sua área, e vice-versa;
• entendemos ser razoável considerar a estrutura de malhas (quadriculadas,
triangulares, etc.) favorável à aprendizagem da noção multiplicativa de área, mas
potencialmente geradora de dificuldades de aprendizagem, como aquelas citadas ao
longo deste capítulo;
• damos foco para o caráter aditivo de área, a expressar-se na utilização de
diferentes unidades de área e na decomposição e composição de figuras;
• não aceitamos as noções de concepções errôneas, de conhecimento a priori
e de níveis de desenvolvimento do pensamento por faixa etária;
47

• não assumimos a necessidade de uma variedade de representações para o


aprendizado de área e perímetro, mas sim de uma diversidade de experiências e de
tarefas – que favoreçam a multiplicidade de significados produzidos pelos alunos – e
também de intervenções docentes que objetivem a negociação destes significados.
Além destes posicionamentos, assumiremos também outros pressupostos,
ligados ao nosso referencial teórico, o Modelo dos Campos Semânticos.
No seguinte capítulo, passaremos a explicitar este referencial e o nosso
problema de pesquisa.
48

CAPÍTULO 3

A PERSPECTIVA TEÓRICA
E O PROBLEMA DE PESQUISA
49

Apresentaremos, neste capítulo, o problema de pesquisa que formulamos


com o propósito de dar continuidade às nossas investigações precedentes sobre a
produção de significados para a Geometria Escolar, que respondem a uma demanda
gerada de nossa vivência em sala de aula de Matemática, em escolas publicas da
cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. No entanto, entendemos ser necessário,
primeiramente, pontuar e exibir os pressupostos teórico-epistemológicos que
assumimos em nossos trabalhos, o presente e os anteriores. Pois que estes
pressupostos, além de servirem de base para nossos estudos, também tiveram as
funções de motivá-los e de viabilizá-los.
Embora esta pesquisa se caracterize por um estudo específico acerca da
aprendizagem de tópicos geométricos, empreendemo-lo com o propósito de alargar
nossa visão sobre a prática de sala de aula, através do desenvolvimento de uma
leitura crítica dos processos cognitivos discentes, relativos à Geometria Escolar, e
das possibilidades de intervenção docente nesses processos.
Consideramos central a questão epistemológica na pesquisa em Educação
Matemática, questão esta cuja relevância já foi defendida por importantes
pesquisadores, como Godino e Batanero (1994) e Lins (1993; 1999), porquanto
decidimos dar maior espaço a esta discussão, a serviço de nossos objetivos nesta
pesquisa.

3.1 – Exibindo Nossos Pressupostos Teóricos

Uma das principais dificuldades que tenho vivenciado em minha prática


profissional, como professor de matemática da educação básica, é a de decidir a
que elementos constituintes desta prática devo dar especial atenção, a benefício do
êxito de meu trabalho. Conteúdos curriculares? Objetivos curriculares? Metodologias
e estratégias de ensino? Ferramentas pedagógicas? Tecnologias educacionais
disponíveis? Sequências didáticas? Avaliações diagnósticas? Relacionamento entre
professor e alunos? Restam ainda muitas outras dúvidas.
São um sem número de aspectos (não apenas pedagógicos, mas filosóficos,
psicológicos, sociológicos, políticos, etc.) envolvidos no complexo processo
tradicionalmente chamado de ensino, que tem sido também tradicionalmente
concebido como ação ou prática de quem ensina algo. Não raro, o ensinar é tomado
50

por verbo transitivo direto, esquecendo-se do para quem se ensina, ou seja, sendo
relegado a segundo plano o processo de aprendizagem.
A minha formação, na graduação, não me propiciou visão crítica ou postura
reflexiva27 quanto ao ensino e à aprendizagem, tampouco maturidade para tal
tomada de decisão, na prática docente. E menos ainda para as tomadas de decisão
conscientes e flexíveis, levando-se em conta, por um lado, a ampla gama de
aspectos envolvidos no processo de aprendizagem das crianças e jovens, e, por
outro, a diversidade das estratégias de ensino que podem favorecer ou promover a
aprendizagem matemática.
Este não parece ser um fato isolado, mas sim uma regra. Nos cursos de
Licenciaturas em Matemática no Brasil, uma carga majoritária de disciplinas
matemáticas obrigatórias é oferecida, e nas insuficientes disciplinas pedagógicas
estudam-se (vagamente) as metodologias de ensino e os fenômenos de
aprendizagem inerentes à sala de aula da escola básica, estando os licenciandos já
dela muito distantes, ou dela ainda totalmente dissociados, como professores. Além
disso, uma histórica desarticulação entre tais grupos de disciplinas das Licenciaturas
em Matemática é sentida, ainda em nossos dias (ver, por exemplo, PIRES, 2000;
SEVERINO, 2002; SOUZA e GARNICA, 2004). Tudo isto corrobora a noção de que
“a formação matemática do licenciando, em boa parte similar à do futuro bacharel,
não contribui de modo substancial para a formação daquele futuro profissional, a
não ser ao reforçar as rotinas de aulas expositivas”, como afirmou Lins (2005a,
p.12).
A partir daquelas dúvidas, que aos poucos emergiam do meu cotidiano de
professor de matemática do ensino fundamental, experimentei inseguranças,
angústias e insatisfação com a minha própria prática. Necessário se me fez, então,
buscar compreender “por dentro” os processos de ensinar e de aprender.
Ao entrar em contato com o Modelo dos Campos Semânticos (MCS) –
referencial teórico que orienta a presente pesquisa –, entendi (e aceitei o fato de)
que considerar a questão epistemológica é essencial para meu trabalho como
educador matemático. Na descrição da gênese deste modelo, que foi proposto por
Lins (1999, 2001, 2004, 2005b) e cuja elaboração sofreu importante influência das

27
Com relação aos termos visão crítica e postura reflexiva na formação discente e docente,
concordamos com as posições de Skovsmose (2001) e Freire (1996).
51

teorias de Vygotsky (1993), Leontiev (2006) e Goodman (1984), identificamos


angústias do professor Lins (2008), de algum modo semelhantes às minhas:

Perdi o gosto, e depois o hábito, de olhar para meus alunos e escutá-los,


apenas para saber o que lhes faltava e, com o melhor da minha habilidade
pessoal, corrigi-los. [...] Aos poucos, e muitas vezes dolorosamente, fui
recusando meu dever de ensinar, depois abri mão do meu direito de
ensinar. Aos poucos, e prazerosamente, fui entendendo que isto se referia
aos conteúdos, ao ensinar conteúdos. (LINS, 2008, p. 540)

Observemos que ele se refere à perda do gosto por ensinar algo (conteúdos),
mas não pelo ensinar. Ao descrever o percurso que o levou à criação do modelo,
Lins (Ibidem) afirma ter entendido que enquanto não “lesse” seus alunos, não teria
nada a dizer a eles; e relata o que seguiu a este entendimento:

Dei-me conta de que não estava mais interessado no que eles não sabiam
fazer, e sim no que eles estavam efetivamente fazendo. E, o melhor (pior,
diriam alguns), é que não é jamais possível antecipar em que é que esse
tipo de leitura vai resultar. (LINS, 2008, p. 540, grifos do autor)

E conclui, sintetizando o que seja o MCS:

O resultado “prático” disso foi o desenvolvimento de uma teoria do


conhecimento na qual o significado de algo é o que é efetivamente dito
desse algo no interior de uma atividade; na qual um objeto é algo para o
qual se produza significado (no sentido que proponho). Uma teoria do
conhecimento em que o conhecimento é do domínio da enunciação, e não
do enunciado: não há conhecimento nos livros. (LINS, 2008, p. 540, grifos
do autor)

Passaremos, agora, a discutir brevemente esta concepção de conhecimento e


de outras noções-categorias tratadas no MCS, como significado, produção de
significado, processo comunicativo e processos de ensino e aprendizagem. Pois,
como já dissemos, é este o modelo teórico e epistemológico que fundamenta o
nosso presente estudo. Tais aportes ou noções-categorias são encontrados em Lins
(1993, 1994, 1997, 1999, 2001, 2004, 2005b e 2008), Lins e Gimenez (1997), Lins e
Silva (2002) e também em Lins e Kaput (2004).
As primeiras idéias do MCS, segundo Silva (2003), começam a surgir em sua
tese de doutorado intitulada “A framework for understanding what algebraic thinking
is” (Um quadro de referência para entender-se o que é pensamento algébrico),
desenvolvida no Shell Centre of Mathematical Education de Nottingham, Inglaterra,
de 1988 a 1992. Neste trabalho, Lins (1992) realizou um estudo histórico e um
estudo experimental, nos quais surgiu a necessidade de responder às seguintes
52

perguntas: (i) o que é conhecimento?; (ii) como é que o conhecimento é produzido?;


e, (iii) como é que conhecemos os que conhecemos? (LINS, 1993, p. 77). Ele então
propôs a seguinte caracterização para a noção de conhecimento:

Conhecimento é entendido como uma crença – algo que o sujeito acredita


e expressa, e que se caracteriza, portanto, como uma afirmação – junto
com o que o sujeito considera ser uma justificação para a sua crença-
afirmação. (LINS, 1993, p. 88, grifos do autor)

Esta concepção epistemológica é um dos principais elementos do MCS, pois


que a torna diversa de todas as outras teorias epistemológicas vigentes. A ela está
fortemente ligada à idéia, defendida por Lins (1999, p. 89), de que conhecimento é
algo do domínio da enunciação, entendendo-se que não há conhecimento nos livros
(objetos físicos), mas ali há apenas enunciados, como já citamos anteriormente.
Dar legitimidade a uma enunciação é um dos papeis da justificação, no
estabelecimento do conhecimento (de um sujeito do conhecimento). No entanto, a
justificação não tem a função de explicar a crença-afirmação do sujeito. O outro
papel da justificação é integrar o processo de constituir objetos28, ou seja, produzir
conhecimento (LINS, 1995). E como concluiu Silva (2003, p. 19), estudando o MCS,
que “[...] produzir conhecimento é produzir justificações no processo de enunciação
das crenças-afirmações”.
Da caracterização de conhecimento, citada acima, decorre a noção de que
diferentes justificações para uma mesma crença-afirmação constituem
conhecimentos diferentes29. Por exemplo, consideremos que uma criança observa
dois desenhos feitos num quadro. Ela acredita e afirma que são dois triângulos
“iguais”. E justifica afirmando que as figuras são muito parecidas. Uma outra pessoa,
ao se deparar com os desenhos, também acredita e afirma o mesmo, ou seja, que
são dois triângulos congruentes, mas justifica de outra forma: medindo os lados e os
ângulos das figuras, com certa precisão; e então admite que elas são congruentes.
Embora ambos os sujeitos compartilhem a mesma crença-afirmação, as justificações
da criança e da outra pessoa são distintas. Portanto, de acordo com a formulação de
conhecimento que apresentamos, elas produziram conhecimentos distintos. Isto
equivale a dizer que produziram diferentes significados para as mesmas figuras
desenhadas no quadro; ou, ainda, que constituíram objetos geométricos distintos.

28
Para Lins (2004, p. 114), objeto é algo a respeito de que se diz algo. Ele afirma ainda (1999, p. 86)
que “os objetos são constituídos enquanto tal precisamente pela produção de significados para eles”.
29
Cf. Lins, 1994, p. 29.
53

Uma razão para nos lançarmos, como professores-pesquisadores, a uma


investigação guiada pelo prisma da produção de significados, foi oferecida Lins
(1999, p. 86), quando afirmou: “Para mim, o aspecto central de toda aprendizagem
humana – em verdade, o aspecto central de toda cognição humana – é a produção
de significados”. De acordo com o MCS, significado é aquilo que o sujeito pode e
efetivamente diz sobre um objeto, no interior de uma atividade30. Assim, produzir
significados é produzir ações enunciativas a respeito do objeto, no interior da
atividade (Silva, 2003, p. 21). Vejamos o exemplo trazido por Lins (1999):

Quando eu falo de número decimal, não estou falando de todos os


possíveis significados que se pode produzir para este objeto – inclusive
este objeto como conceito dentro da Matemática oficial –, e sim do que,
numa dada situação específica, se diz efetivamente. (LINS, 1999, p. 87)

Algo semelhante ocorre quando falamos de área, em determinada situação.


Por exemplo, veja os significados produzidos por Denise, nome fictício de um sujeito
de pesquisa nossa anterior. Na análise da gravação da fala da aluna, observamos
que ela distingue dois tipos de área: o da rua, que é um “tipo de lugar” da vida
comum (a “área de um show” de rock); e o tipo da escola, ou seja, “na parte da
Geometria”, quando afirma que “todas as figuras geométricas apresentam área”.
Essa distinção indica a produção de significados matemáticos e não-matemáticos,
por um mesmo sujeito. (HENRIQUES, 2007, p. 21)
Como observa Lins (1996, apud Silva, 2003, p. 21), “produzimos significados
para que pertençamos a uma prática social ou, em escala maior, a uma cultura,
tanto quanto produzimos enunciações pelo mesmo motivo”. Esta afirmação tem
profundas raízes nos trabalhos de Vygotsky, que foi o primeiro psicólogo moderno a
sugerir mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada
pessoa, influenciando seu desenvolvimento psicológico31.
Outro pressuposto do MCS, também baseado nos estudos de Vygotsky, é
aquele que postula que “somos todos diferentes”. Esta afirmação de Lins (1999, p.
79) não se refere a outra coisa senão ao comportamento cognitivo do ser humano,

30
Para este termo, assumimos o sentido proposto por Leontiev (2006, p. 68). Segundo Oliveira (2002,
p. 96), as atividades humanas são consideradas por Leontiev como formas de relação do homem
com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados. A idéia de atividade envolve a
noção de que o homem orienta-se por objetivos, por meio de ações planejadas. Segundo Radford
(2004, p. 9), a teoria de Leontiev propõe que a atividade humana se caracteriza, em outras coisas,
pelo objetivo (motivo) que se persegue e pelos meios (signos e artefatos) para se alcançar tais
objetivos.
31
Ver, por exemplo, o capítulo introdutório do livro de Vygotsky (1991).
54

ou seja, “[...] refere-se ao fato indicado por Vygotsky, de que, dada a plasticidade do
cérebro32 humano, a menos que alguém intervenha, nosso caminho natural é
divergirmos fortemente nas constituições de nosso funcionamento cognitivo”.
A questão que Lins (1999, p. 79) discute em seu estudo, a partir de tal
pressuposto (somos todos diferentes), é “como chegamos a ser tão parecidos”. O
autor não se refere à semelhança entre seres biológicos, mas sim à semelhança
entre seres cognitivos. A contradição disto com o que apresentamos no parágrafo
anterior é apenas aparente. Lins (Ibidem, p. 79) sinaliza que a caracterização de
“sermos semelhantes” que adota é “sermos capazes de compartilhar um espaço
comunicativo”. Para discutir esta caracterização, ele se dedicou a reconceitualizar as
noções de comunicação e de processo comunicativo. Neste intuito, afirma haver
duas posições acerca do processo comunicativo que são dominantes, tanto no
mundo acadêmico quanto no senso comum, que assumem a possibilidade de uma
comunicação efetiva, ou seja, da transmissão de uma mensagem de uma pessoa
para outra (LINS, 1999, p. 80).
David K. Berlo33 é apontado como um representante da posição tradicional
sobre a noção de comunicação, para a qual propôs um modelo composto
basicamente de seis elementos: a fonte, a mensagem, o codificador, o canal, o
decodificador e o receptor (SILVA, 2003, p. 60). Outra posição, também tradicional,
vinda da teoria da informação, é a sintetizada na tríade emissor-mensagem-receptor;
mas, lembra Lins (1999, p. 81), tal posição não postula a transmissão de
significados, mas apenas de informação.
Para estas duas formas de conceber o processo comunicativo, a não
efetivação da comunicação é vista como um acidente, sendo considerada natural a
sua efetivação. Já para Derrida (1991), a comunicação concebida tradicionalmente é
que seria um acidente; a regra é a não-comunicação. (LINS, 1999, p.81)
Baseado nestas ideias, o MCS preconiza que não é possível transmitir
conhecimento, nem “comunicar” significados. Pois a noção de processo

32
Embora aceitemos o fato de sermos todos cognitivamente diferentes, uns dos outros, não
concordamos com a hipótese vygotiskiana que localiza a atividade cognitiva no cérebro. Este, aliás, é
um problema ainda bastante obscuro para pesquisadores de diversas áreas científicas, mas não
tanto quanto o era para os próprios colaboradores de Vygotsky. Por exemplo, Lúria (2006, p. 198)
ressaltou que pouco se conhecia, até aquele momento, acerca da relação entre consciência e
cérebro, e afirmou categoricamente: “As tentativas de encontrar nas profundezas do cérebro um
órgão gerador da consciência serão tão sem sentido quanto as tentativas, feitas na nossa época, de
encontrar, na glândula pineal, a sede da alma, em apoio à ingênua hipótese de Descartes”.
33
Ver Berlo (1979).
55

comunicativo do modelo que utilizamos é outra, formulada por Lins (1999, p. 81), a
partir de três elementos – autor, texto e leitor –, e expressa por Silva (2003), da
seguinte maneira:

O autor é aquele que, no processo, produz a enunciação: um professor em


uma aula expositivo-explicativa, um artista plástico expondo seus trabalhos,
um escritor apresentando sua obra. O leitor é aquele que, no processo, se
propõe a produzir significados para o resíduo das enunciações como, por
exemplo, o aluno que, assistindo à aula, busca entender o que o professor
diz, o crítico de arte ou o leitor de um livro. Já texto é entendido como
qualquer resíduo de enunciação para o qual o leitor produza algum
significado. (SILVA, 2003, p. 62)

Assim, autor é aquele que enuncia algo para alguém, e este alguém não é um
indivíduo ou uma coletividade, embora o autor possa se encontrar em uma atividade
que envolve pessoas, como orientar um filho ou fazer um palestra. Toda enunciação
é dirigida a um alguém, dito interlocutor, que é um ser cognitivo (e não “rostos” com
quem falamos), ou seja, é uma direção na qual o autor fala34. (LINS, 1994, p. 34)
O processo no qual o leitor lê algo35 é semelhante, mas não idêntico ao
processo anterior, do autor e sua enunciação. O leitor constitui sempre um autor (ser
cognitivo e não biológico), e é em relação ao que diria este um autor que o leitor
produz significado para o resíduo de enunciação, o qual se transforma em texto
apenas no instante em que o leitor produz significados para ele. (LINS, 1999, p. 82)
Ainda tratando da relação entre os elementos por processo comunicativo, tal
qual caracterizou, Lins (1999) aponta a possibilidade de convergência dos dois
processos (do autor e do leitor), ao concluir:

Então: o autor produz uma enunciação, para cujo resíduo o leitor produz
significado através de uma outra enunciação, e assim segue. A
convergência se estabelece apenas na medida em que compartilham
interlocutores, na medida em que dizem coisas que o outro diria e com a
autoridade que o outro aceita. É isto que estabelece um espaço
comunicativo. (LINS, 1999, p. 82)

A questão do estabelecimento de um espaço comunicativo está intimamente


ligada à questão da legitimidade, como podemos entender a partir das seguintes
afirmações de Lins (1999):

34
Neste ponto, a palavra “fala” é representativa da categoria de qualquer expressão enunciativa,
como a escrita, os desenhos, os diagramas, os gestos e a própria articulação fonética.
35
Este “algo” pode ser, por exemplo, a fala de alguém ou um texto escrito, entendidos por Lins (2001,
p.59) como um resíduo de enunciação.
56

Justificações, [...] ao me permitirem dizer algo, são o que garantem a


legitimidade de minha enunciação. É aqui que a discussão [...] sobre
leitor/texto/autor, ganha relevância maior. Ao produzir significado, minha
enunciação é feita na direção de um interlocutor que, acredito, diria o que
estou dizendo com a justificação que estou produzindo. Isto quer dizer que
a legitimidade de minha enunciação não é função de algum critério lógico
ou empírico que eu pusesse em jogo, e sim do fato de que acredito
pertencer a algum espaço comunicativo. (LINS, 1999, p. 88)

É importante dizer que as legitimidades aqui tratadas vêm da internalização


de legitimidades que caracterizam culturas, de forma que “a imersão de uma pessoa
em uma cultura se dá através de sua imersão em modos legítimos de produção de
significados”, isto é, a pessoa é internalizada nesses modos. (LINS, 2008, p. 541)
Mais adiante, voltaremos à questão da legitimidade dos significados.
A partir das noções acima apresentadas, podemos entender o ensinar como
um processo docente sustentado em uma leitura positiva36 (ou plausível), uma
leitura do outro através de suas legitimidades, e não uma leitura pela falta, como
acontece nas teorias piagetianas37 e no ensino tradicional vigente38. Na função de
ensinar, o professor deveria, então, ter consciência de um objetivo fundamental a ser
por ele atingido: criar e compartilhar espaços comunicativos, começando por dar
legitimidade aos significados produzidos por seus alunos. Mas entendemos também
como característica do ensinar, o ter como foco principal a aprendizagem dos
estudantes. Desta forma, surge a necessidade de compreendermos os processos
cognitivos subjacentes à aprendizagem.
O Modelo dos Campos Semânticos (MCS) nos permite divisar a necessidade
de uma compreensão flexível e prática do que seja aprender, possibilitando-nos,
ainda, concluir que as crianças aprendem do mesmo modo que aprendemos outras
coisas, dentro e fora da escola. Indo um tanto além, ousamos considerar que é
apenas no conjunto de estratégias escolhidas para determinada aprendizagem
matemática – tais como a imitação, a interação com os colegas ou com pessoas
mais velhas, a observação “passiva”, a resolução de problemas, os jogos, as tarefas
com calculadoras e computadores, o uso de modelos concretos, os exercícios
rotineiros, e assim por diante – que poderemos concluir se as escolhas são boas ou

36
O termo leitura positiva, de Silva (2003, p.66), foi substituído por leitura plausível para se evitar
que seja confundido com noções da escola filosófica de Comte.
37
Por exemplo, o modelo dos Campos Conceituais de G. Vergnaud, como afirma Lins (2008, p.534).
Na leitura pela falta está implicada a ideia de que o desenvolvimento precede a aprendizagem, isto
é, para se aprender algo é preciso atingir certo nível de desenvolvimento, o das estruturas mentais
correspondentes a certo conteúdo ou a certos conceitos.
38
Para este termo, tomamos o sentido dado por Baldino (1998, p. 64).
57

não para aquela aprendizagem. Estas considerações são consequências dos


pressupostos do MCS, entre os quais se encontra a noção de que diferentes
atividades favorecem o desenvolvimento de diferentes modos de produção de
significados.
Ainda acerca dos processos de aprendizagem e de ensino, afirmou Lins
(2001, p. 45): “se aprendizagem é entendida – corretamente, eu penso – como
aprender a produzir significado, ensinar deve também apontar para uma discussão
explícita dos limites criados nesse processo”. E, desta forma, o MCS abre tal
discussão, isto é, permite que sejam tratadas as dificuldades de aprendizagem que
os alunos apresentem.
Para nós, dificuldades se dividem em duas categorias: obstáculos e limites
epistemológicos. Segundo as caracterizações de Lins (1993), obstáculo
epistemológico é o processo no qual um aluno operando dentro de um campo
semântico, poderia potencialmente produzir significado para uma afirmação, mas
não produz; já o limite epistemológico seria a impossibilidade de um aluno produzir
significado para uma afirmação ou um resíduo de enunciação, numa certa direção,
devido à sua maneira de operar cognitivamente. (LINS, 1993)
Muito ainda há que se pesquisar, com base no MCS, para se ter uma boa
compreensão do que aceitamos por elementos-chave do processo de ensino: a
interação e a intervenção. Pois estes dois elementos parecem também constituir o
processo de aprendizagem, por exemplo, da matemática escolar, ou seja, do
processo de aprender a produzir significados para os temas matemáticos, sejam
estes significados matemáticos ou não-matemáticos (ou segundo Vygotsky39,
conceitos científicos ou conceitos espontâneos da criança). Mas entendemos que
Lins (1999), ao apresentar uma alternativa à postura educacional que “lê” os alunos
pela falta, consegue relacionar de modo simples os dois processos, de ensinar e de
aprender, além de dar uma perspectiva importante para as futuras pesquisas acerca
da interação e da intervenção, quando escreveu:

Não sei como você é; preciso saber. Não sei também onde você está (sei
que está em algum lugar); preciso saber onde você está para que eu possa
ir até lá falar com você e para que possamos nos entender, e negociar um
projeto no qual eu gostaria que estivesse presente a perspectiva de você ir
a lugares novos. (LINS, 1999, p. 85)

39
Vygotsky (1993, p. 71)
58

Propomo-nos, na presente pesquisa e em nossa prática docente, a fazer valer


essa perspectiva de mudança de conduta. Isto é, ir deixando para trás a postura
tradicional de ensinar para uma classe ou turma, sem saber quem são os alunos
desta classe (como individualidades, seres cognitivos únicos, pois diferentes dos
demais), onde eles estão (cognitivamente) e que conhecimentos estão trazendo ou
produzindo para temas da matemática escolar, enquanto estamos “dando aula”
sobre estes temas, mantendo-nos centrados e engessados nos conteúdos
programáticos. No caminho de abandonarmos tal postura, vamos treinando o nosso
olhar para os fenômenos cognitivos e vamos aprendendo a ouvir nossos alunos.
Somente, assim, acreditamos, podemos ensiná-los algo.
Analisaremos, agora, outra noção do MCS que julgamos necessária ao
desenvolvimento de nosso trabalho de dissertação. Referimo-nos à legitimidade dos
significados não-matemáticos na escola.
Uma das importantes considerações que as pesquisas sobre produção de
significados (por exemplo, JÚLIO, 2007) têm corroborado é o fato de que,

[...] quando se encontram com textos do matemático – livros-didáticos,


por exemplo – as pessoas de fato produzem significados que não são os
do matemático, mas que as tornam capazes de falar a partir daquele
texto. (LINS, 1994, p. 37).

Segundo Silva (2003, p. 22), a importância desta afirmação reside na


frequência com que ocorre na prática. De fato, nas salas de aula de matemática
presenciamos professores e alunos produzindo significados “não-matemáticos”
quando estão falando sobre objetos da matemática. Daremos um exemplo disto
mais adiante. Trataremos, agora, de uma importante questão trazida à tona pelo
MCS: a legitimidade dos significados não-matemáticos na escola.
Muito embora esta questão pareça bastante plausível ao senso comum (quem
nunca ouviu, em sua escola, afirmar-se que é preciso trazer o a “vida real” para a
sala de aula?), sua solução não é tão simples quanto possa parecer. E o prisma do
MCS é bem diverso daqueles tradicionalmente utilizados na análise dessa questão.
Em primeiro lugar, importa-nos ressaltar que o termo significado tem sido
bastante empregado nos estudos no campo da Educação Matemática, mas quase
sempre sem sustentação teórica, e também quase sempre se referindo a
significados matemáticos (Silva, 2003, p. 23). Discutiremos esta questão, a seguir.
Em segundo lugar, ousamos afirmar que a legitimidade que concebemos, ao tratar
59

de significados não-matemáticos, não tem senão uma forma semelhante ou uma


pseudo-imagem nos cotidianos escolares. Pois, como asseveraram Lins e Gimenez
(1997, p. 18), a idéia de valorizar os significados da rua40 para facilitar a
aprendizagem da matemática escolar ou para se chegar aos significados
(matemáticos) privilegiados pela escola, “[...] embora pareça razoável do de vista
didático, é perversa do ponto de vista cultural”.
Via de regra, os pesquisadores se referem a significados matemáticos, e não
a outro tipo de significados produzidos pelos estudantes. Como exemplo disto,
vejamos os trabalhos de Godino e colaboradores (2008) e de Cobb e Bauersfeld
(1995). Já na perspectiva do MCS, outros significados, ditos não-matemáticos, são
também considerados possíveis e legítimos, mesmo em se tratando de significados
produzidos por alunos em aulas de matemática. Esta é a diferença fundamental do
MCS para as duas abordagens supracitadas, muito embora as três perspectivas
tenham os trabalhos de Vygotsky como referencial comum. E esta diferença capital
parece ter maior relevo, quando explicitadas as possíveis consequências da
legitimação (ou não) dos significados não matemáticos na escola, nas
considerações de Lins e Gimenez (1997):

É preciso que a escola tenha a dignidade de admitir que significados


matemáticos são mais um modo de produzir significados, e não o único, e
mais, que os significados matemáticos e os não-matemáticos são
diferentes. Apenas assim, permitindo a legitimidade dos significados não-
matemáticos na escola, poderemos aspirar à legitimidade dos significados
matemáticos fora da escola. (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 165)

E, ainda, quando Lins e Gimenez (Ibidem) garantem:

É apenas com base na coexistência de significados matemáticos e


não-matemáticos na escola que se poderá constituir uma legitimidade
comum, o que pode, por sua vez, impedir que a matemática da escola seja
percebida como inútil, um saber cuja razão deixa de existir quando termina
a escolarização que envolve matemática. (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 28)

Uma diferenciação semelhante a esta diz respeito ao caráter internalista da


Matemática dos matemáticos, ou seja, aquele que a diferencia da Matemática do
cotidiano, do cidadão comum. Para exemplificar, Lins (2004, p. 95) pondera que
“quando o matemático define um objeto, não cabe a discussão de se esta definição

40
Os autores utilizam a expressão “da rua” com o sentido de “algo que não é da escola”. As coisas da
rua e as coisas da escola constituem legitimidades diferentes, para diferentes modos de produção de
significados, elucida Lins (1999, p.90).
60

corresponde bem ou mal a algo fora da própria matemática”. É nesta direção que o
MCS permite comparar e distinguir significados matemáticos e não-matemáticos.
Ao analisarem a gênese da exclusão dos significados não-matemáticos da
escola, Lins e Gimenez (1997) identificam uma breve sequência de fatos e decisões
que fizeram com que a comunidade científica dos matemáticos gerasse tal exclusão,
primeiro internamente, depois nas escolas:

Não é verdade que os significados da rua sempre foram considerados


ilegítimos pela matemática acadêmica. O processo de depuração que
torna a matemática acadêmica impermeável aos significados da rua, como
ela é hoje, começa em meados do século XIX e culmina, na passagem do
século, com o programa de David Hilbert. Quase 40 anos depois, já
completamente dentro desse espírito, começa o trabalho de Bourbaki, que
vai dar tanto em noções fundamentais nas teorias de Piaget quanto no
movimento da chamada Matemática Moderna. Depois de completa a
depuração, a matemática acadêmica pôde olhar para trás e dizer que na
verdade os matemáticos sempre estiveram trabalhando com significados
matemáticos, embora estes estivessem muitas vezes mascarados. (LINS e
GIMENEZ, 1997, p. 24)

Estes autores destacam, então, a importância de se observar que o histórico


“processo de exclusão da matemática dos significados não-matemáticos tem sua
origem na matemática acadêmica, e não na escola”. (Ibidem, p.23) Não obstante
este fato e também o fato de ter se tornado moda dizer que “a escola rejeita a vida”
e que “se deve trazer a vida para a escola”41, todos os dias, milhões de alunos
rejeitam a escola, como se, ao sinal do fim de cada aula, acabasse um pesadelo, no
despertar diária para a vida. (LINS, 2008, p. 532)
Quanto à Geometria, é imensa a gama de informações e habilidades que os
alunos levam às salas de aulas, fruto das suas experiências cotidianas, fora do
âmbito escolar. Por exemplo, muitos daqueles que ajudam ou acompanham seus
pais, nos trabalhos da construção civil, serão capazes de estimar uma quantidade de
piso quadrangular, em metros quadrados, necessários para cobrir o chão de um
determinado cômodo. Outro exemplo: os jovens com extraordinária habilidade para
confeccionar papagaios. Mas de que forma pode a escola considerar legítimos os
conhecimentos geométricos produzidos “não-oficialmente”?
A resposta a esta questão é dada por Lins e Gimenez (1997), quando
afirmam que “a rua” não se caracteriza a priori pelas coisas que se faz na rua, mas
sim por seus significados próprios; e seguem exemplificando:

41
Expressões pronunciadas irrefletidamente, como se a escola não fosse vida também.
61

[...] não é “fazer papagaios (pipas)” que caracteriza a rua, e, sim, os


significados (da rua) que se produza numa atividade que envolva aquela
tarefa. Quando um arquiteto ou um físico fazem papagaios, é quase certo
que os significados produzidos não sejam os mesmos, nem entre si nem
com relação os produzidos pela criança na rua. O que queremos dizer com
isso é que não basta trazer para a escola a tarefa para produzir com base
nela apenas significados da escola. Qual o sentido de dizer “Vamos fazer
papagaios!” com a intenção única de falar de simetria, triângulos, cálculo
de hipotenusas e de áreas, e – pior ainda – para terminar fazendo o
mesmo papagaio de sempre? Alguns dos significados básicos que os
papagaios têm na rua estão ligados à beleza e ao equilíbrio. Porque não
colocar o desafio de fazer um papagaio diferente mas que seja tão bom
quanto o comum? Numa situação dessas, é preciso discutir e explicar: i) o
que é que faz o papagaio comum funcionar; ii) qual é o “papagaio dos
sonhos”, o que envolve discussões sobre beleza, forma e tamanho. Num
processo como esse, afirmações sobre a “geometria” do papagaio seriam
feitas e possivelmente gerariam outras, abrindo-se a possibilidade da
intervenção legítima do professor para trazer novas possibilidades. (LINS e
GIMENEZ, 1997, p. 27)

Os pesquisadores (Ibidem, p. 27) asseguram que explorar o item (i) da


citação acima, juntamente com uma intervenção legítima do professor, é o suficiente
para que se constitua um conjunto de instrumentos que vão participar da
organização da atividade de produzir novos papagaios. Desta forma, os alunos
serão capazes de produzir, nessa atividade, significados matemáticos e não-
matemáticos, que coexistirão e terão legitimidade comum.
A partir dos pressupostos por nós assumidos e descritos neste capítulo,
afirmamos que a nossa proposta de tarefas – que favoreçam a produção de
significados dos sujeitos de pesquisa – está calcada na concepção de Geometria
não como conteúdo que se justifica por sua própria existência, mas como
instrumento que participa da organização da atividade humana42.
Preparando o terreno para a nossa elaboração de tarefas, poderíamos buscar
compreender a relação existente entre a semiótica e a produção de significados para
os elementos geométricos, a partir, por exemplo, de trabalhos como o de Santaella
(1996), que afirmou:

Não resta dúvida que muitas teorias da cultura […] apresentam


características nitidamente semióticas, principalmente quando explicam a
dimensão cultural através de sistemas simbólicos de uma dada formação
social. No entanto, enquanto nas conhecidas ciências humanas os estudos
da cultura são utilizados para compreender os agentes dos processos
culturais, a semiótica, por seu lado, coloca ênfase nos modos como esses
sistemas são processados para produzirem sentidos e serem
comunicados. (SANTAELLA, 1996, p. 30)

42
Um posicionamento semelhante a este, que se refere mais amplamente à Matemática, é defendido
por Skovsmose (2001).
62

No entanto, em nossa presente pesquisa, não sentimos necessidade de


aprofundar o estudo da semiótica na geometria escolar, tampouco de discutir ou
utilizar termos como visualização, pensamento visual, imagética, pensamento
espacial, visão espacial, percepção visual, imaginação espacial, conceito figural,
representação figural, representação mental, representação simbólica, dentre outros,
para os quais são atribuídos importância e relevo em muitos trabalhos que envolvem
Educação Geométrica (por exemplo, HERSHKOWITZ, 1998; COSTA, 2000;
GOLDIN, 2002; JIROTKOVA e LITTLER, 2002; OWENS e OUTHRED, 2006;
BATTISTA, 2007; LOUREIRO, 2009; PANAOURA e GAGATSIS, 2009). Pois o
próprio Modelo dos Campos Semânticos (MCS) nos permite a leitura do processo de
produção de significados. E dentro deste processo, os objetos são constituídos no
exato momento em que o sujeito (do conhecimento, ser cognitivo) produz
significados para eles. Desta forma, não podendo existir objetos a priori, ou objetos
essenciais, pela ótica do MCS, resta-nos analisar os significados geométricos e
não-geométricos produzidos durante uma atividade (no sentido proposto por
Leontiev, como descrevemos anteriormente), sem atribuir-lhes características
comuns ou categorizações prévias, nem antecipando o seu tratamento através
determinadas sugestões de intervenção didática.
Passaremos, agora, a discutir característica constituintes da nossa questão
de investigação, relacionadas aos pressupostos teóricos que acabamos de
apresentar.

3.2 – O Interior do Problema de Pesquisa

O nosso problema de pesquisa pode ser sintetizado na seguinte sentença:

Elaborar um conjunto de tarefas que nos possibilite identificar a produção


de significados de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental para área e
perímetro de figuras planas, com o objetivo de levantar possíveis
dificuldades de aprendizagem acerca dessas noções.

Ao desenvolver estes objetivos, pretendemos dar continuidade às nossas


investigações anteriores sobre a produção de significados para a Geometria Escolar.
Em uma destas investigações (HENRIQUES e SILVA, 2009), tivemos a
oportunidade de concluir, por exemplo, que estudantes de ensino médio produzem
63

diferentes significados para área de figuras geométricas planas. A partir dos


resultados desse e de outros estudos, iniciamos nossa busca por investigar mais
detidamente os processos de produção de significados de estudantes para
elementos da Geometria Escolar, notadamente para área e perímetro de figuras
planas e para as relações entre estas grandezas. Desenvolvemos o presente
trabalho em consonância com os PCN (BRASIL, 1998), que são os documentos
oficiais de orientação curricular no Brasil, e com os aportes do MCS, e lançamos
mão de algumas pesquisas quando precisamos assumir posicionamentos acerca de
características do pensamento geométrico dos sujeitos de pesquisa.
Nesta direção, assumimos uma posição central em nossa investigação:
defendemos que objetivos orientam conteúdos43.
Conforme indicou a nossa revisão da literatura, feita do capítulo anterior, as
dificuldades mais comuns são a confusão44 área/perímetro e a não dissociação entre
estas grandezas geométricas e também entre suas medidas. Como já discutimos,
assumimos a concepção de Lins (1993) para dificuldades, que as categorizou em
obstáculos e limites epistemológicos.
Tanto no levantamento das dificuldades quanto na intervenção didática,
utilizamos os pressupostos que assumimos, em concordância com o MCS, que nos
servem com poderoso instrumento de leitura dos significados produzidos pelos
alunos, como já dissemos. Além disso, vários aspectos observados em nossa
revisão da literatura determinarão nossas convergências e divergências com
determinadas perspectivas lá apresentadas. Por exemplo, nossa concordância com
a ideia de que o trabalho simultâneo com área e perímetro favorece a aprendizagem
destas noções, e também com a afirmação de que a mudança de dimensão gera
dificuldades na medição de certas grandezas, como comprimento e área.
Necessário se faz ressaltar que todo o nosso trabalho, em cada etapa desta
pesquisa, é referenciado teoricamente, ou seja, não se apóia no senso comum.
Desta forma, nossa intenção é produzir um conjunto de tarefas orientadas por
objetivos e pressupostos teóricos bem definidos. E, no caminho de produzir tal
protótipo de tarefas, nosso principal interesse reside em entender como elaborar

43
Um bom exemplo disso é dado no livro La Enseñanza Problémica, de Majmutov (1983).
44
Utilizamos o termo confusão por ser o mais geral, entre as pesquisas e relatos de práticas em
Educação Matemática, No entanto, para ele não atribuímos nenhum juízo de valor, como, por
exemplo, se tivéssemos tomado para esse termo o sentido de erro conceitual dos alunos, sem
considerar os significados que eles produzam para tal.
64

tarefas geradoras de produção de significados, que permitam aos estudantes


associarem os conhecimentos prévios aos novos conhecimentos que estão sendo
produzidos a eles, de modo que o que é dado para o sujeito seja alicerce para o
novo, isto é, aquilo que é ainda desconhecido para ele.
Em síntese, buscamos entender como essas tarefas podem tocar em
dificuldades de aprendizagem já bem conhecidas dos pesquisadores45, como, por
exemplo, a confusão que os alunos fazem entre as noções de área e de perímetro,
de modo que, ao se tornarem objeto de atenção destes alunos, tais dificuldades
sejam superadas, a partir da intervenção de seu professor e da interação com seus
colegas de classe. Nisto consiste a negociação de significados em sala de aula, de
acordo com os aportes teóricos de Modelo dos Campos Semânticos, estudados
neste capítulo. E é no processo de negociação de significados que encontramos as
oportunidades de intervir e agir efetivamente para que a aprendizagem aconteça e
as dificuldades sejam superadas, estejamos tratando de temas geométricos ou de
outro tema qualquer.
Para que realizemos esta nossa busca e alcancemos estes nossos objetivos,
lançamos mão da metodologia que descreveremos no próximo capítulo.

45
Ver a revisão da literatura, capítulo 2 desta dissertação.
65

CAPÍTULO 4

A METODOLOGIA DA PESQUISA
66

No presente capítulo, apresentaremos, inicialmente, as características do


nosso trabalho de investigação, envolvendo a pesquisa de campo e a nossa opção
metodológica, e descreveremos também alguns elementos constituintes do universo
da pesquisa de campo que empreendemos, como os sujeitos de pesquisa e o
processo de coleta ou registro de dados para posterior análise. A escolha da
metodologia e dos procedimentos metodológicos foi feita em função do nosso
problema de pesquisa e do referencial teórico que adotamos, nesta dissertação; isto
é o que pretendemos esclarecer, na segunda seção deste capítulo.
Na terceira seção, apresentaremos as tarefas que propusemos na pesquisa
de campo e os objetivos que guiaram a elaboração de tais tarefas.
Na quarta e última seção, teceremos alguns comentários relevantes acerca
do produto educacional que segue como um compêndio desta dissertação, com o
qual damos desfecho ao nosso trabalho, abrindo perspectivas novas para o labor
docente, envolvendo a aprendizagem de área e perímetro na escola básica, e para
futuras investigações neste campo.

4.1 – Características da Pesquisa

De acordo com os pressupostos teóricos que discutimos no capítulo anterior,


o aspecto central de toda cognição humana é a produção de significados. E para
compreender como uma pessoa produz significados e, mais ainda, quais
significados ele produz para determinado objeto, é necessário observar e analisar
suas expressões enunciativas, como, por exemplo, a sua fala e os seus gestos, no
interior de uma atividade.
Desta forma, para identificar e entender os elementos ou aspectos que uma
abordagem alternativa para a Educação Geométrica deveria contemplar,
necessitamos “mergulhar” com certa profundidade nos processos cognitivos dos
alunos, sujeitos da pesquisa. Estes, por sua vez, estão imersos em culturas
(religiosas, políticas, sociais e educacionais) com legitimidades próprias.
Assim, talvez pudéssemos considerar que a nossa investigação fosse
qualitativa, em concordância com a perspectiva proposta por André (1995), que
explicita a diferença entre etnografia e pesquisa do tipo etnográfico:
67

Se o foco de interesse dos etnógrafos é a descrição da cultura (práticas,


hábitos, crenças, valores, linguagens, significados) de um grupo social, a
preocupação central dos estudiosos da educação é com os processos
educativos. [...] O que se tem feito, pois, é uma adaptação da etnografia à
educação, o que nos leva a concluir que fazemos estudos do tipo
etnográfico e não etnografia no seu sentido estrito. (ANDRÉ,1995, p. 28)

No entanto, optarmos por não dar demasiada ênfase ao estudo etnográfico


dos sujeitos, razão porque preferimos considerar que a nossa pesquisa é qualitativa
com as características descritas por Bogdan e Biklen (1994), quais sejam:

1- Na investigação qualitativa a fonte directa dos dados é o ambiente


natural, constituindo o investigador o instrumento principal. [...] 2- A
investigação qualitativa é descritiva. Os dados recolhidos são na forma de
palavras, imagens, com pouca ou nenhuma preocupação com os dados
numéricos. 3- Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo
processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. [...] 4- Os
investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma
indutiva. [...] 5- O significado é de importância vital na abordagem
qualitativa. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 47)

O quinto item desta descrição é, especialmente, uma característica marcante


da nossa investigação, que pretende, com a pesquisa de campo, obter uma
descrição minuciosa das ações enunciativas dos sujeitos envolvidos em atividades
de produção de significados para alguns objetos da Geometria Escolar, sobre o que
já discutimos anteriormente.
Nesta pesquisa, o campo de observação são alunos do 9° ano do ensino
fundamental de escola pública federal e de uma escola publica estadual. Embora
realizada com apenas dois sujeitos de pesquisa, a pesquisa de campo revelou-nos
uma grande riqueza de informações, através das discussões travadas, das dúvidas
e dificuldades surgidas, da diversidade da produção de significados e das mudanças
dos modos com os quais estes sujeitos operaram (cognitivamente). Em todo registro
audiovisual da aplicação das tarefas e das entrevistas, utilizamos uma câmera de
vídeo com captação de áudio direto. Entendemos ter a videografia capital
importância na coleta dos elementos da produção de significados dos alunos, pois,
como observa Meira (1997),

[...] a filmagem em vídeo pode [...] capturar múltiplas pistas visuais e


auditivas que vão de expressões faciais a diagramas no quadro-negro,
e do aspecto geral de uma atividade a diálogos entre professor e
alunos. O vídeo é menos sujeito ao viés do observador que anotações
baseadas em observação, simplesmente porque ele registra
informações em maior densidade. (MEIRA, 1997, p. 61)
68

Embora entendendo ser importante utilizar o caderno de campo para registrar


detalhes da nossa leitura in loco, como também as fichas contendo as tarefas e sua
resolução pelos sujeitos, adotamos a videografia como principal instrumento da
nossa pesquisa de campo, que envolve o pré-teste e a pesquisa final.
Outro aspecto do processo de registro audiovisual que nos interessa neste
trabalho é o problema ético. Segundo Powell, Francisco e Maher (2003), captar
informações de indivíduos ou grupos de indivíduos, nas pesquisas em educação
matemática, envolve uma variedade de questões éticas, que vão além do simples
consentimento formal dos sujeitos de pesquisa ou de seus responsáveis (pais,
instituições, etc.). Ainda de acordo com estes autores, a confidenciabilidade e as
estratégias para mantê-la são tão importantes quanto a autorização para
empreender a captura e transcrição dos dados, através da gravação audiovisual.
A nossa presença em sala de aula, como observadores, durante o registro
audiovisual, atende à finalidade de nos aproximar dos alunos e, assim, facilitar uma
possível intervenção em sua produção de significados.
A primeira etapa da pesquisa de campo foi um pré-teste ou teste piloto, no
qual algumas tarefas foram aplicadas a quatro alunos do 9º ano de uma escola
pública estadual de Juiz de Fora, Minas Gerais. Este pré-teste foi filmado e
analisado, o que permitiu refazermos algumas tarefas, eliminar outras e criar mais
algumas, de modo que o conjunto de tarefas, tal qual aplicamos na pesquisa de
campo derradeira, estivesse coerente com as perspectivas, pressupostos e objetivos
que assumimos nos capítulos 2 e 3. Não sentimos necessidade de exibir, nesta
dissertação, o pré-teste e seus resultados, mesmo porque isto tomaria a atenção
que desejamos seja dada às etapas posteriores de nossa pesquisa. E ainda porque
não houve mudanças significativas nas estratégias e direcionamentos do trabalho de
campo, apenas pequenos ajustes.
Em etapa seguinte, aplicamos o novo conjunto de seis tarefas aos dois
sujeitos de pesquisa, alunas do 9º ano de uma escola pública federal da cidade de
Juiz de Fora. A escolha dos sujeitos obedeceu a dois critérios: o interesse em ser
voluntário na pesquisa e a maior disponibilidade (dos mesmos) para os horários
disponíveis na escola, durante os quais ocuparíamos uma sala acusticamente
isolada – característica desejável à filmagens com captação de áudio direto (som
ambiente). Fizemos o registro audiovisual de todas as sessões, totalizando quatro
encontros, que foram divididos da seguinte maneira: 1º encontro, aplicação das
69

tarefas 1 e 2; 2º encontro, aplicação das tarefas 3 e 4; 3º encontro, tarefa 5; e 4º


encontro, tarefa de número 6. Esta divisão se mostrou importante, a partir da análise
do pré-teste, no sentido de não cansar os sujeitos, ao alongar o tempo de aplicação
das tarefas. Sobre as características das tarefas e sobre a ordem escolhidas para
sua aplicação, discutiremos na terceira sessão deste capítulo.
As tarefas foram aplicadas à dupla de sujeitos, ao mesmo tempo para ambos,
sempre assentados a uma mesa redonda, um próximo ao outro, de modo que
pudessem ver mutuamente suas resoluções, e até mesmo dialogarem entre si. Não
houve orientações rígidas aos alunos para a resolução dessas tarefas. Apenas
falamos da importância de escreverem tudo o que julgassem relevante e também
todos os cálculos que fizessem, nos espaços reservados para as resoluções e
respostas, pois assim facilitariam o trabalho de análise.
Coletamos todas as fichas contendo as tarefas e respectivas resoluções pelos
sujeitos de pesquisa. Tanto o material gravado quanto as fichas, foram todos
analisados e, eventualmente, exibidos no capítulo 5, quando julgamos pertinente a
sua análise.
Durante a aplicação das tarefas, houve algumas intervenções orientadas46 do
pesquisador, ou seja, com o objetivo de oferecer, aos sujeitos, novos elementos que
influenciassem sua maneira de produzir significados. Ao final de algumas sessões, o
pesquisador faz algumas perguntas, de certa forma nos moldes de entrevistas
clínicas do tipo semi-estruturadas, como as citadas em Bogdan e Biklen (1994) e em
Powell et al (2003). Estas perguntas tiveram, via de regra, o triplo objetivo de exibir
as dificuldades dos sujeitos, fazer com que os sujeitos tomassem consciência destas
dificuldades e, por fim, levantar possibilidades de superá-las ou de eliminá-las,
através de uma negociação de significados.
A identidade dos sujeitos foi protegida por pseudônimos escolhidos por eles
próprios e um termo de compromisso ético (vide Anexo 1) foi assinado entre o
pesquisador, o orientador desta pesquisa, o diretor da escola à qual pertencem os
sujeitos (e na qual foi realizada a investigação) e os responsáveis legais pelos
alunos. Os sujeitos da pesquisa de campo final, ambos do sexo feminino e com 14
anos à época da pesquisa de campo, identificaram-se por Ortência e Marte.

46
O termo intervenções orientadas é foi empregado neste texto no sentido dado por Silva (1997). Um
bom exemplo desta conduta é dado por Bigode (1999), quando discute a gestão de interações em um
ambiente de inspiração lakatosiana. Vide também Lakatos (1978).
70

4.2 – A Ferramenta de Leitura da Produção de Significados

Inicialmente, cabe-nos ressaltar que o modelo de análise de dados coletados


em uma pesquisa de campo, escolhido pelos pesquisadores que vierem a
desenvolvê-la, deve sempre ter relação com os pressupostos teóricos assumidos
por tais pesquisadores. Esta afirmação é corroborada pela pesquisa de Powell et al
(2003), que evidenciaram a importância do uso de da videografia nas investigações
acerca do desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes, além de
criarem um modelo próprio para análise dos dados de tais trabalhos e do discurso
dos sujeitos de pesquisa, particularmente de suas argumentações e justificações.
Para Vygotsky (1993, p. 4 apud SILVA, 2003, p. 38), o método a seguir nas
investigações da natureza do pensamento verbal seria a análise semântica,
entendida como “[...] o estudo do desenvolvimento, do funcionamento e da estrutura
dessas unidades, em que o pensamento e a fala estão inter-relacionados”.
No processo de análise dos dados de nossa pesquisa de campo, utilizamos
algumas caracterizações do Modelo dos Campos Semânticos (MCS), como as de
conhecimento e de significado, discutidas no capítulo 2. Pois, apesar de o MCS ser
apontado (corretamente, entendemos) como um modelo epistemológico, Lins (2001)
prefere concebê-lo como uma teoria que

[...] provê uma ferramenta simples, ainda que poderosa, para a pesquisa e
o desenvolvimento na educação matemática [...] para guiar práticas de sala
de aula e para habilitar professores a produzir uma leitura suficientemente
fina, e assim útil, do processo de produção de significados em sala de aula.
(LINS, 2001, p. 59)

Tal leitura da produção de significados dos alunos por nós pesquisados, neste
trabalho, é feita também através de outras noções-categorias do MCS, isto é,
através da análise dos objetos que estão sendo constituídos, das operações (e suas
lógicas) que estão em jogo, da constituição de um núcleo e das coisas que são
legítimas os sujeitos dizerem, segundo eles próprios. Estas noções-categorias serão
agora brevemente comentadas.
A visão proporcionada pelo MCS não tem concordância com abordagens
tradicionais da psicologia cognitiva, que consideram que o pensamento se estrutura
por conceitos. Além de discutir a possível origem deste modo de pensar (tradicional),
Lins (1996, p. 137) propõe uma posição alternativa, que assume que o pensamento
é estruturado por objetos.
71

Encontramos na ciência ocidental o protótipo da noção de conceito, como


sendo uma construção teórica dentro de uma teoria (por exemplo, o conceito de
massa, velocidade, número real). Esta seria então uma noção bastante aceitável de
conceito científico. No entanto, esta noção teve extensão aos processos de ensino e
aprendizagem, nos quais a inserção dos sujeitos (escolares) em uma prática
científica, ainda que de forma “ficcional”, foi historicamente pensada em termos de
conceitos. Na visão de Piaget e das teorias piagetianas (como o Modelo dos
Campos Conceituais, de Vergnaud), “matemática é pensamento” e, como a
matemática é, por excelência, a ciência que lida com objetos “mentais” (ideias),
torna-se praticamente impossível concebê-la sem a noção de conceito, que é
colocada, então, na base de todo pensamento humano. A raiz desse modo de
pensar parece encontrar-se no fato de as investigações piagetianas e derivativas
dirigirem-se basicamente a estados, enquanto que as investigações de fundamentos
vygotskianos (como o MCS) dirigem-se tipicamente aos processos em mudança.
(LINS, 1996; SILVA, 2003)
O grande problema de se assumir que pensamento se estrutura por conceitos
é a impossibilidade que surge, a partir disso, de analisarmos os outros senão pela
falta, como já discutimos anteriormente. Como queremos ler os sujeitos pelos
significados (sempre legítimos) que eles produzem, ou seja, pelos elementos que
eles constituem, no interior de determinada atividade, torna-se necessária uma
posição alternativa, com a proposta por Lins (1996), que esclarece:

Podemos chamar estes elementos de objetos, não no sentido de “coisa-


em-si”, mas no sentido de “coisas sobre as quais sabemos dizer algo, e
dizemos”. Uma tal noção refere-se, naturalmente, ao fato de que eles
existem sempre no interior de atividades: o significado de um objeto não é
o conjunto de todas as coisas que possivelmente poderíamos dizer sobre
ele (uma noção que beira perigosamente o idealismo), e sim o conjunto das
coisas que efetivamente dizemos sobre ele. [...] De fato, é no interior de
atividades que os objetos são constituídos. (LINS, 1996, p. 137)

A caracterização de processo de produção de significados envolve também a


noção de núcleo, a qual desempenha um importante papel em nossa leitura de tal
processo. Não obstante, o termo núcleo não surgirá em nossa análise, senão de
maneira implícita, através dos objetos constituídos no interior das atividades, que
são identificados através das enunciações dos sujeitos e que surgem, transformam-
se e desaparecem, no dinamismo do processo de produção de significados.
72

Na compreensão de Silva (2003), a noção de estipulação de Goodman (1984)


– de algo que se toma como dado – inspirou a constituição da noção de núcleo, a
partir da qual este é entendido um conjunto de estipulações locais, ou seja, de
afirmações que uma pessoa faz e não sente necessidade de justificá-las, por
considerá-las absolutamente válidas. Esta noção de núcleo foi formulada por Lins
(1997), que postulou:

Os elementos de um núcleo funcionam como estipulações locais:


localmente são “verdades absolutas”, coisas que assumimos sem que haja
necessidade de uma infinita cadeia regressiva de justificações. O que é
importante e revelador é que esse “localmente” se refere ao interior de uma
atividade, e que no processo dessa atividade esse núcleo pode se alternar
pela incorporação de novas estipulações (elementos) ou pelo abandono de
algumas estipulações até ali assumidas. (LINS, 1997, p. 194)

Ao aceitar tal sentido para núcleo, temos em mente que tal termo não se
refere a algo estático, como um conjunto de coisas. O sentido proposto pelo MCS
para núcleo é de um processo que se constitui no interior de uma atividade e se
modifica até o final desta. Em uma outra atividade, um novo núcleo se constitui. Este
é o processo de produção de significados em seu dinamismo, reforçamos. Ao
observar um núcleo, podemos identificar a maneira de operar dos sujeitos, bem
como a lógica das operações ligadas à produção de significados para um resíduo de
enunciação. (SILVA, 2003, p. 76)
Segundo Lins (1997, p.144), “toda operação é realizada segundo uma lógica”,
cuja compreensão é essencial – afirma ele –, se desejamos entender as maneiras
de pensar de nossos alunos ou de nossos sujeitos de pesquisa.
A lógica das operações também é uma noção decisiva na formulação do
MCS. Lins e Gimenez (1997) a entendem como

[...] um conjunto de estipulações locais, dentro de um núcleo, que se


referem diretamente ao que pode ser feito com os objetos que estamos
constituindo pela produção de significados. (LINS e GIMENEZ, 1997, p.
145)

Associando a noção de significado (tratada no capítulo 2 deste trabalho) à


noção de núcleo, Lins (1994, p. 31) reformulou a noção de campo semântico,
entendendo-o como “[...] um modo de produzir significado em relação a um núcleo”.
Quando descrevemos, neste capítulo, uma série de elementos constituintes
do MCS, elementos estes que chamamos habitualmente de noções-categorias, não
queremos com isso dizer outra coisa senão que é o conjunto destas noções-
73

categorias que levaremos em consideração, ao fazer a nossa leitura dos processos


de produção de significado que surjam durante as sessões de aplicação das tarefas
e as entrevistas gravadas no trabalho de campo.
Podemos assim listar e resumir os elementos envolvidos no processo de
produção de significados:
i) A constituição de objetos – coisas sobre as quais sabemos dizer algo e
dizemos – que nos permite observar tanto os novos objetos que estão sendo
constituídos quanto os significados produzidos para esses objetos;
ii) A formação de um núcleo (as estipulações locais, as operações e sua lógica);
iii) A produção de conhecimento – que foi apresentada no capítulo 3.
iv) Os interlocutores – item também apresentado no capítulo 3, quando
discutimos o processo comunicativo.
v) As legitimidades, isto é, o que é legítimo ou não dizer no interior de uma
atividade.
O método que apresentamos acima, descrito por Silva (2003) e denominado
Método de Leitura Positiva (ou Leitura Plausível), permite-nos identificar os
significados que são produzidos por sujeitos humanos, a partir da análise dos
resíduos de suas ações enunciativas. A importância desse método reside no fato de
nos possibilitar a interação com os sujeitos, de modo que consigamos intervir
intencionalmente em sua produção de significados. Nisto consiste o processo de
negociação de significados.
Passaremos, agora, a tratar das tarefas que elaboramos para a pesquisa de
campo, descrevendo suas características e seus objetivos, na presente
investigação.

4.3 – As Tarefas e suas Características

Com base nas perspectivas que assumimos e com foco nos objetivos que
levantamos anteriormente, procedemos à elaboração das tarefas a serem aplicadas
na pesquisa de campo. Em termos mais particulares, estas tarefas devem conter
questões que tragam à tona dificuldades dos sujeitos de pesquisa, envolvendo área
e perímetro de polígonos, sobre as quais discutimos na revisão da literatura47.

47
Veja, por exemplo, Brito et al (2006), Baldini (2004) e Melo (2003).
74

De uma forma mais abrangente, uma boa tarefa deveria permitir ao professor
e ao pesquisador:
a) observar a multiplicidade dos significados produzidos pelos alunos, para os
elementos constituintes das tarefas;
b) explicitar o fato de que os significados produzidos pelos estudantes, pelo
professor ou pelos autores de livros didáticos são alguns entre outros tantos
significados que podem ser produzidos a partir daquelas tarefas;
c) dar o mesmo tratamento a significados matemáticos e a significados
não-matemáticos que surjam no contexto das tarefas, sem juízo de valor.
Na prática, não nos preocupamos com o ineditismo das tarefas que
propusemos no trabalho de campo, pois as entendemos por resíduos de
enunciação, como discutimos anteriormente, porquanto a produção de significados
dos sujeitos de pesquisa é o nosso foco de atenção. E a análise desta produção,
através do ferramental do MCS, é imprescindível para a identificação das
potencialidades do produto educacional que apresentamos juntamente com esta
dissertação.
Consideramos que cada tarefa proposta, com seu enunciado e seus possíveis
suportes48, deva possuir duas características indispensáveis para lograrmos os
objetivos que assumimos: deve ser familiar e, ao mesmo tempo, não-usual. Uma
tarefa ser familiar significa, para nós, possibilitar que os alunos consigam falar algo a
partir de seu enunciado, produzindo significados para elementos constituintes de tal
tarefa. Para o termo não-usual, tomamos a acepção de Silva (2003):

Familiar, no sentido de permitir que as pessoas falem a partir daquele texto


e, não-usual, no sentido de que a pessoa tenha que desprender um certo
esforço cognitivo na direção de resolvê-lo. O fato de a tarefa ser não-usual
tem como objetivo nos permitir – enquanto professores ou pesquisadores -
observar até onde a pessoa pode ir falando. [...] É importante ressaltar que
a crença de que uma tarefa seja familiar e não-usual está presente apenas
nas expectativas do pesquisador através do seu entendimento dos sujeitos
envolvidos e do contexto onde o problema será aplicado, pois, não há nada
que garanta tal crença. (SILVA, 2003, p. 53)

Vale destacar que estas ideias são perfeitamente coerentes com a noção de
zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1991), quando este caracteriza a
internalização como aspecto central no desenvolvimento cognitivo de qualquer

48
Termo bastante empregado pelos elaboradores de avaliações de larga escala, como o PISA e a
Prova Brasil, quando querem se referir a desenhos, figuras, tabelas, gráficos ou algo parecido, que
complementem ou reforcem as informações dadas nos enunciados das questões.
75

sujeito. Para Lins (1994, p. 33), “o que é internalizado são precisamente modos de
produzir significado”, através da interação com colegas ou outros possíveis
interlocutores – seres cognitivos, uma direção na qual se fala algo, e não seres
biológicos, de acordo com o que estudamos no capítulo anterior. E ainda conclui o
autor: “o sujeito fala sempre para o outro, para o social, dentro da cultura a que
pertence”. (LINS, 1994, p. 33)
Outro aspecto que levamos em conta, na elaboração das tarefas e questões a
serem aplicadas, diz respeito à sua legitimidade de tais tarefas. Uma questão
proposta, que para nós, pesquisadores, é avaliada como interessante, no interior da
presente pesquisa, pode também ser considerada sem valor (e, portanto, ilegítima),
de acordo com a perspectiva de um matemático. Isto é possível justamente pela
diferença de objetivos. O objetivo de um matemático será, muito provavelmente,
internalista49, ou seja, indagará se a questão (ou tarefa) ajuda a resolver ou
demonstrar uma questão já posta. O nosso objetivo na elaboração e na proposição
das tarefas – reafirmamos – será o de estimular os diversos modos de produção de
significados para elementos geométricos envolvidos em tais tarefas, que se
constituirão ou não em objetos no interior de certa atividade50.
Na elaboração das tarefas, temos ainda o objetivo de investigar o próprio
processo de produção de tarefas que possuam algumas características gerais, tais
como:

i) Que estimulem a produção de significados dos alunos;


ii) Que ampliem as possibilidades discentes de desenvolver e utilizar estratégias
de resolução das tarefas;
iii) Que possibilitem que vários elementos do pensar matematicamente estejam
em discussão, como a análise da razoabilidade dos resultados, a busca de
padrões nas resoluções, o desenvolvimento de estratégias de resolução de
problemas, etc.

Em termos mais peculiares do presente trabalho, cada tarefa possui objetivos


próprios, que podem ser comuns ou não às demais. Antes de apresentar as tarefas
que elaboramos, sintetizaremos alguns dos objetivos mais gerais que nortearam o
nosso processo de elaboração das tarefas. Os objetivos específicos de cada tarefa

49
No sentido proposto por Lins (2004, p. 95)
50
Para este termo, assumimos o sentido proposto por Leontiev (2006, p. 68).
76

serão apresentados junto das mesmas, mais abaixo. Os objetivos gerais são os
seguintes:

i) Obter tarefas que estimulem os alunos a falarem de área, de perímetro e das


possíveis relações entre estas grandezas.
ii) Obter uma série de tarefas com número crescente de elementos que
dificultem a resolução pelos sujeitos de pesquisa, ou seja, que gerem situações-
problema de solução cada vez mais difíceis (ou problemáticas).

Apresentaremos, a partir deste ponto, a série de tarefas que elaboramos,


mantendo a sua formatação com a qual foram apresentadas aos alunos (sujeitos de
pesquisa), retirando apenas os espaços em branco, destinados à escrita destes
sujeitos. Apenas as dimensões das figuras da Tarefa 6 foram levemente reduzidas,
em relação à formatação proposta aos alunos.

Tarefa 1
Os dois retângulos abaixo são iguais. Observe.

FIGURA 1 FIGURA 2

4 cm

6 cm

Considerando as Figuras 1 e 2, responda às seguintes perguntas:

a) Qual é a medida da área do retângulo?

b) Qual é a medida do perímetro do retângulo?

Figura 2 - Tarefa 1 da pesquisa de campo

Objetivos específicos da Tarefa 1: obter dois modos de apresentar o


retângulo para gerar possíveis dualidades ou para permitir enunciações dos alunos
que exibam diferentes modos de operar com área e com perímetro (por exemplo,
77

com a multiplicação de grandezas lineares e com a contagem de unidades de área);


vislumbramos a perspectiva de, através de uma intervenção orientada, fazer com
que os sujeitos pensem e falem a partir das duas figuras, caso não o façam
espontaneamente. A escolha de duas figuras idênticas, apresentadas de formas
diferentes, atende ao objetivo de propiciar uma comparação entre tais formas e uma
escolha, pelos alunos, por uma das figuras, que será possivelmente aquela cujos
elementos (medidas de comprimento ou grade de unidades de área) se tornaram
objetos para os sujeitos da pesquisa.

Tarefa 2
Você possui uma corda com a medida de 16 centímetros, quando está
totalmente esticada, como mostra a figura abaixo.

16 cm

Com esta corda, você construiu um retângulo e depois um quadrado, conforme o


que podemos observar nas seguintes figuras. Veja.

2 cm 4 cm

6 cm

a) Estas duas figuras têm a mesma área? Quais são suas áreas?
b) Estas duas figuras têm o mesmo perímetro? Quais são seus perímetros?

Figura 3 - Tarefa 2 da pesquisa de campo

Objetivos específicos da Tarefa 2: buscar uma aproximação da relação área-


perímetro, segundo possíveis significados produzidos pelos sujeitos; vislumbramos a
ideia de fixar o perímetro (com um exemplo que tenda ao físico, como uma corda,
embora desenhada), com a intenção de gerar nos sujeitos o desconforto de obter
medidas diferentes de área para uma mesma medida de perímetro, colocando em
cheque a noção (bastante comum) da linearidade da variação destas grandezas.
78

Tarefa 3
Da forma que você achar melhor, utilize o quadrado vermelho para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.

Quantos quadrados vermelhos iguais a este cabem na figura acima?

Figura 4 - Tarefa 3 da pesquisa de campo

Objetivos específicos da Tarefa 3: obter um modo de explicitar as possíveis


dificuldades dos sujeitos operarem com a ideia da contagem das unidades de área
para obter a área de uma figura, o que possivelmente estaria relacionado à confusão
entre área e perímetro; buscar uma aproximação da relação área-perímetro, com a
utilização de sobreposição e ladrilhamento (estrutura de malha), ou medição de
dimensões das figuras dadas com suporte das tarefas.
O quadrado vermelho não foi apresentado aos sujeitos de pesquisa como a
figura acima, ou seja, impresso na ficha da tarefa. Ele foi apresentado junto à ficha,
mas como um recorte em cartolina, de modo que os alunos pudessem sobrepô-lo à
figura da tarefa. Ainda outros três quadrados51, idênticos ao primeiro, foram deixados
ao alcance dos sujeitos, junto de réguas e esquadros, como sugestão de unidades
quadradas de área, possíveis instrumentos mediadores para que os sujeitos operem
com o ladrilhamento. As réguas e os esquadros oferecidos podem sugerir medições

51
Os quadradinhos foram moldados como recortes da figura dada na tarefa, de tal modo que um
número inteiro deles preenche toda a figura.
79

e desenhos, ou serem utilizados como possíveis instrumentos para que os sujeitos


operem com fórmulas ou com o desenho geométrico.
Para a Tarefa 3, vislumbramos a ideia de sobreposição de elementos físicos
de unidades de área, com o cuidado de serem figuras planas regulares cuja medida
de área é um divisor da medida da figura da tarefa, de tal modo, ainda, que seja
possível encaixá-las, sem sobreposição das unidades de área, uma em relação a
outra, e sem sobrar lacunas entre elas, quando na provável atividade de
ladrilhamento.
Os objetivos da Tarefa 4, a seguir, são os mesmos da Tarefa 3. A diferença
está no tipo de figura e nas possíveis composições e decomposições com as quais
os alunos podem operar, pois na Tarefa 4, a unidade de área é o triângulo, enquanto
que na Tarefa 3, é o quadrado. A nossa perspectiva era de que esta diferença
pudesse revelar modos distintos de produção de significados.

Tarefa 4
Da forma que você achar melhor, utilize o triângulo azul para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.

Quantos triângulos azuis, como este, cabem na figura acima?


Figura 5 - Tarefa 4 da pesquisa de campo
80

Tarefa 5
Um outdoor de uma propaganda publicitária foi construído com a forma de um
retângulo com área de 104 m2 e com um dos lados sendo 5 metros maior do
que o outro. A agência de publicidade responsável pela propaganda decidiu
colocar um revestimento de alumínio para contornar todo outdoor, o que lhe dá
um melhor acabamento. Imagine que você trabalhe nesta agência e precisa
calcular quantos metros de alumínio serão necessários para cobrir toda a borda
do outdoor. Então, faça agora este cálculo.
Figura 6 - Tarefa 5 da pesquisa de campo

Objetivos específicos da Tarefa 5: buscar uma aproximação da relação área-


perímetro, com a utilização elementos algébricos, com a expectativa de que os
alunos partissem para uma solução que ligasse álgebra e geometria52; obter um
modo de explicitar as possíveis dificuldades relacionadas à mudança de grandezas,
talvez geradora da confusão entre perímetro e área; vislumbramos um exemplo algo
usual (na escola e nos livros didáticos) e que proporcionasse uma sensação
imediata de solução rápida, seja por fórmulas ou por outra estratégia, mas que
apresentasse um elemento dificultador a qualquer tentativa de solução geométrica.

Tarefa 6
Calcule a área e o perímetro das figuras abaixo.

Figura 7 - Tarefa 6 da pesquisa de campo – 1ª parte

52
Uma discussão sobre esse tipo de ligação é feita em Jones (2010).
81

Continuação da Tarefa 6.

Figura 8 - Tarefa 6 da pesquisa de campo – 2ª parte

Objetivos específicos da Tarefa 6: buscar uma forma de fazer com que os


sujeitos se deparem com situações nada usuais envolvendo medidas de área e de
perímetro, e com a necessidade de comparar suas variações e estabelecer relações
entre suas medidas, seja através da própria tarefa ou de perguntas que o
pesquisador faça durante a sua resolução pelos sujeitos de pesquisa; vislumbramos
exemplos usuais e outros não-usuais de figuras planas, mas que trouxessem, em
suas estrutura, elementos desafiadores e dificultadores às soluções das questões
apresentadas, como a relação entre os perímetros do círculo e do semi-círculo, e
também a área da coroa circular, dependendo dos significados produzidos pelos
sujeitos. Esta dependência constitui, aliás, condição à qual todas as outras
descrições de objetivos e de saídas para as elaborações (de tarefas, citadas
anteriormente) estão submetidas, com base nas premissas do Modelo dos Campos
Semânticos.
82

4.4 – O Produto Educacional

No presente estudo, tivemos como meta produzir um conjunto de tarefas


orientadas por objetivos e pressupostos teóricos bem definidos, como já afirmamos
anteriormente. Ao produzir uma série de tarefas que pudessem ser aplicadas em
nossas salas de aula e talvez em outras tantas, com outros alunos e professores,
nosso principal interesse era entender como elaborar tarefas geradoras de produção
de significados, e que permitissem interações (entre alunos, entre professor e
alunos) e intervenções dos professores nos processos de produzir significados para
elementos relacionados a área, perímetro, suas medidas e suas relações.
Em suma, repetimos ainda uma vez, buscamos entender como essas tarefas
podem tocar em dificuldades de aprendizagem, como, por exemplo, a confusão que
os alunos fazem entre área e perímetro, de modo que, ao se tornarem objeto de
atenção destes alunos, as dificuldades sejam superadas, a partir da negociação de
significados em classe.
Pensamos que a análise da transcrição das gravações da pesquisa de
campo, apresentadas no próximo capítulo, servirão de modelo ou inspiração para
que outros professores sintam segurança para criar suas próprias tarefas, conhecer
maneiras novas de olhar para os processos de aprendizagem de temas
geométricos, ouvir os seus alunos e procurar identificar suas dificuldades (discentes
e docentes), no interior das atividades em que se encontram imersos, ao produzirem
(os estudantes) significados para aqueles temas, e ao produzirem (os professores)
significados para as enunciações de seus alunos.
Na produção de significados dos sujeitos de pesquisa, que apresentaremos
no capítulo 5, é possível notar que os conteúdos matemáticos (ou geométricos, mais
especificamente) foram orientados por objetivos previamente estabelecidos, e não o
contrário, isto é, ao modo do ensino tradicional vigente, centrado em conteúdos, que
ditam os objetivos do trabalho docente, estabelecendo padrões de organização
curricular e estabelecendo conhecimentos a priori, a serem adquiridos ou
assimilados pelos alunos, o que sugere a possibilidade de transmissão de
conhecimento, na qual não acreditamos, como já discutimos no capítulo 3.
Constatações como estas acima dão-nos segurança para avaliar que o nosso
trabalho de elaborar tarefas, aplicá-las e analisá-las deve ser bem entendido como
protótipo para outras elaborações, outras pesquisas e, sobretudo, para ser utilizado
83

pelos professores em suas salas de aula, direcionando, quem sabe, o seu trabalho.
A noção de protótipo que assumimos aqui não coaduna com o sentido de modelo
acabado, pronto, mas sim com o sentido de ideia geradora de novas ideias ou,
ainda, de tarefa a ser modificada e adaptada a outras situações, outras ciclos ou
níveis de escolaridade, outras turmas de alunos, em diferentes condições sociais,
institucionais e culturais.
No produto educacional que apresentamos junto a esta dissertação,
experimentamos modificar algumas de nossas tarefas utilizadas no pré-teste, criar
outras apresentadas na pesquisa de campo e, ainda, outras mais que elaboramos
após a pesquisa de campo e inserimos no escopo do produto educacional, por
sentirmos necessidade de explorar outras possibilidades no levantamento de
dificuldades e de produções de significados para os elementos relacionados a área e
perímetros de figuras planas.
Em pesquisas futuras, pretendemos avançar na identificação de modos de
intervenção nos processos cognitivos dos alunos, e acreditamos que o produto
educacional que hora apresentamos nos servirá de ponto de partida para tal
propósito.
84

CAPÍTULO 5

A ANÁLISE DA PESQUISA DE CAMPO


85

Antes de chegarmos ao cerne deste capítulo, a seção 3, que é composta pela


analise dos dados gravados e das fichas de registro das tarefas propostas na
pesquisa de campo, buscamos inicialmente identificar, em algumas publicações
matemáticas adotadas em instituições de ensino superior no Brasil, significados
produzidos por matemáticos para os objetos53 área e perímetro de figuras planas.
Na segunda seção do presente capítulo, apresentaremos uma de nossas
investigações anteriores, na qual pesquisamos os significados produzidos por alunos
do ensino médio da rede pública da cidade de Juiz de Fora para área de figuras
poligonais e não-poligonais. As experiências vividas naquela investigação, bem
como seus resultados, motivaram-nos a desenvolver a presente pesquisa com
estudantes do Ensino Fundamental.

5.1 – Os Objetos Perímetro e Área: Alguns Significados Matemáticos

Com a intenção de identificar algumas enunciações e possíveis justificativas


dadas para elas em textos matemáticos – escritos por matemáticos, ao se
expressarem sobre área e perímetro – e, ainda, buscando comparar os significados
produzidos pelos matemáticos, para estes objetos, vamos exibir agora alguns
resíduos de enunciação e desenvolver uma análise sobre alguns destes resíduos.
Antes, porém, cabe-nos destacar que, embora os matemáticos sejam
membros de uma comunidade científica que lhes exige certos padrões de rigor,
também podem produzir (e produzem, como mostraremos a seguir) significados
diversos para os mesmos objetos.
Vejamos, inicialmente, algumas definições matemáticas dadas para o objeto
área. Comecemos pelos seguintes recortes do capítulo intitulado Áreas de Regiões
Poligonais, do livro de Rezende e Queiroz (2000):

Uma região poligonal convexa que, como definimos[54], é a reunião de um


polígono com seu interior, pode ser vista com a união de um número finito
de regiões triangulares tais que, se duas quaisquer delas se
interseccionam, a intersecção é um segmento de reta ou um plano. Como

53
De acordo com o que discutimos no capítulo 3, a noção de objeto não é a de algo que preexista à
produção de significados de certo sujeito, ou seja, de um conhecimento estabelecido a priori,
independente deste sujeito que, de acordo com o Modelo dos Campos Semânticos, é sempre o
sujeito do conhecimento. A este respeito, afirmou Lins (1999, p. 86) que “os objetos são constituídos
enquanto tal precisamente pela produção de significados para eles”.
54
A referida definição está na página 30 do livro em citação.
86

exemplo, temos a figura (a). Vamos estudar também áreas de figuras


poligonais que podem ser vistas como união de duas ou mais regiões
poligonais convexas interseccionando-se de modo análogo. Como exemplo
temos a figura (b).

(a) (b)
Dessa maneira, e levando em conta o Postulado 16, devemos dar ênfase
ao estudo das áreas de regiões triangulares. O Postulado 17 garante que
duas regiões triangulares de mesma forma e tamanho têm mesma área. [...]
Postulado 16. Se uma região R é a união R1 U R2, com R1 e R2 sendo
regiões que se interseccionam em um número finito de pontos ou
segmentos, então a área de R é igual à soma das áreas de R1 e R2. [...]
Postulado 17. Se dois triângulos são congruentes, então suas regiões
triangulares têm a mesma área.
Postulado 18. Se uma região quadrada tem lado de comprimento a, então
sua área é a2.
Daqui em diante, passaremos a usar “área de um polígono” ao invés de
“área de uma região poligonal”.
7.3 Teorema. A área de um retângulo é o produto das medidas de seus
lados. (REZENDE e QUEIROZ, 2000, p. 106, grifos das autoras)

Nesta citação, as autoras, após afirmarem que as áreas de figuras poligonais


“[...] podem ser vistas como união de duas ou mais regiões poligonais”, justificam
sua crença-afirmação com uma definição anterior e com os postulados que citaram
em seguida. Além disso, Rezende e Queiroz (Ibidem, p. 106) apresentam uma
demonstração55 para o Teorema citado, apoiando-se nos postulados acima, que
funcionam como estipulações locais, ou seja, afirmações para as quais não sentem
necessidade de dar justificações. Embora esta estrutura axiomática seja usual e
tenha coerência interna para os matemáticos, fazer com que afirmações, como “a
área de um retângulo é o produto das medidas de seus lados”, pareçam verdades
universais, talvez seja o suficiente para gerar algumas dificuldades na aprendizagem
dos estudantes que se deparam com tais afirmações, como indicou a nossa revisão
da literatura (ver, por exemplo, SANTOS, 2008; D’AMORE e FANDIÑO PINILLA,
2006).
Para outro matemático, Barbosa (1995), a noção de área pode ser expressa
do seguinte modo:

55
Preferimos omitir esta demonstração, por extensa que se mostrou.
87

Uma região triangular (figura (a) abaixo) é um conjunto de pontos do plano


formado por todos os segmentos cujas extremidades estão sobre os lados
de um triângulo. O triângulo é chamado de fronteira da região triangular. O
conjunto de pontos de uma região triangular que não pertence à sua
fronteira é chamado de interior da região triangular.

(a) (b)

Uma região poligonal é a união de um número infinito de regiões


triangulares que duas a duas não tem pontos interiores em comum (figura
(b) acima).
Um ponto é interior a uma região poligonal se existe alguma região
triangular contida na região poligonal e contendo o ponto no seu interior. O
interior da região poligonal é o conjunto dos pontos que lhe são interiores.
A fronteira da região poligonal é constituída pelos pontos da região que não
pertencem ao seu interior.

P é ponto interior a região

. Q
Q é ponto de fronteira

A noção de área de regiões poligonais é introduzida na geometria através


dos seguintes axiomas:
Axioma VI.1. A toda região poligonal corresponde um número maior do
que zero.
O número a que se refere este axioma é chamado de área da região.
Axioma VI.2. Se uma região poligonal é a união de duas ou mais regiões
poligonais que duas a duas não tenham pontos interiores em comum,
então sua área é a soma das áreas daquelas regiões.
Axioma VI.3. Regiões triangulares limitadas por triângulos congruentes
têm áreas iguais. [...]
Axioma VI.4. Se ABCD é um retângulo então sua área é dada pelo
produto: AB . BC.
A partir destes axiomas, vamos determinar a área de algumas regiões
poligonais simples. Vamos iniciar pelo paralelogramo.
Dado um paralelogramo ABCD designaremos por b o comprimento do lado
AB e por h o comprimento de um segmento ligando AB a CD que seja
perpendicular a ambos. Um tal segmento é chamado de altura do
paralelogramo relativamente ao lado AB.
10.1 Proposição. A área do paralelogramo é o produto do comprimento de
um de seus lados pelo comprimento da altura relativa a este lado.
(BARBOSA, 1995, p. 144)

Portanto, vemos que Barbosa (1995) define área de dois modos distintos: um
modo geométrico (Axioma VI.2) e outro, algébrico (Axioma VI.4).
88

Vamos abrir um parêntese destacar alguns aspectos dos padrões de rigor


comuns à comunidade dos matemáticos, observados no seguinte trecho texto de
Barbosa (1995), que aparece entre os axiomas VI.3 e VI.4, da citação anterior:

É claro que todo polígono convexo determina uma região poligonal. Nós
iremos tomar a liberdade de usar expressões do tipo “a área de um
quadrado” quando queremos dizer realmente “a área de uma região
poligonal cuja fronteira é um quadrado”. Em geral, falaremos de “área de
um dado polígono”, quando queremos de fato nos referir a área cuja
fronteira é aquele polígono. Assim, o axioma VI.3 acima poderia ter sido
enunciado como: “triângulos congruentes possuem áreas iguais”.
(BARBOSA, 1995, p. 145)

Observemos, nesta citação, a preocupação rigorosa com a linguagem,


quando o autor busca diferenciar o termo “área de um dado polígono” da expressão
“área da região cuja fronteira é um polígono”, ao mesmo tempo em que assume um
tipo de abstração ou abreviação de palavras, tomando a expressão “triângulos
congruentes possuem áreas iguais” para expressar o Axioma VI.3 (“Regiões
triangulares limitadas por triângulos congruentes têm áreas iguais”), como que
tentando padronizar o modo dos possíveis leitores se expressarem sobre área de
um polígono, o que seria equivalente a impor um modo de produzir de significados
para tais objetos. Posturas como esta, conscientes ou não de suas consequências
educacionais, parecem afastar dos alunos o interesse em aprender matemática.
Mais um ponto nos chamou a atenção na citação acima, que é o fato de o
autor (BARBOSA, 1995, p. 145) inicia sua assertiva com o termo “É claro que...”,
muito semelhante a “é trivial que...” ou a “é óbvio que...”, expressões estas muito
comumente encontradas nos compêndios de Matemática voltados para o Ensino
Superior e, por vezes, nos livros didáticos da Educação Básica. Em um contexto
como este, que deseja apresentar um assunto ou um termo geométrico novo,
ousamos, com base no Modelo dos Campos Semânticos (MCS), questionar: o algo
apresentado “é claro” para quem? E, ainda: O que é ser claro? No sentido de ser
evidente, um certo enunciado certamente não será claro para todos que o lêem;
talvez o seja para alguns. E isto se dá, não em função das características do que
está escrito, mas em função das características individuais de cada leitor. E
repetimos56: para nós, os livros não contêm conhecimento algum, mas apenas
resíduos de enunciação.

56
Já defendemos este pressuposto no capítulo 3.
89

Vejamos agora o que escreve Lima (1991), em seu livro da Coleção do


Professor de Matemática, publicado pela Sociedade Brasileira de Matemática, no
capítulo intitulado Área:

Trataremos agora de medir a porção do plano ocupada por uma figura F.


Para isso, comparemos F com a unidade de área. O resultado dessa
comparação será um número, que deverá exprimir quantas vezes a figura
F contém a unidade de área. Daremos aqui um significado preciso a esta
ideia e estabeleceremos as fórmulas para as áreas das figuras geométricas
mais conhecidas. (LIMA, 1991, p. 11, grifo nosso).

Vejamos que o autor desta citação tem a intenção explícita de eleger um


significado para área, significado que deve ser preciso, ou seja, deve ser tomado
como padrão para o cálculo de área de figuras planas, que são as fórmulas por ele
estabelecidas – o que soa-nos como impostas, com conhecimentos dados a priori.
Este “significado preciso” é resumido nestas mesmas fórmulas, de acordo com o que
vemos nos trechos a seguir, em que Lima (1991) não considera sequer a
possibilidade de outros significados (mesmo matemáticos) para a área de cada uma
das figuras geométricas que contemplou; para de estabelecer a primeira fórmula, o
autor utiliza a seguinte definição:

O quadrado é o quadrilátero que tem os 4 lados iguais e os 4 ângulos


retos. Convencionaremos tomar como unidade de área um quadrado cujo
lado mede uma unidade de comprimento. Ele será chamado quadrado
unitário. Qualquer quadrado cujo lado meça 1 terá, por definição, área igual
a 1. Um quadrado Q cujo lado tem para medida o número inteiro n pode ser
decomposto, por meio de paralelas aos seus lados, em n2 quadrados
justapostos, cada um deles com lado unitário e portanto com área 1.
Segue-se que o quadrado Q deve ter área n2. (...)

Fig. 1. Quadrado de lado 6,


decomposto em 62 = 36
quadrados unitários.

Podemos então concluir que a área de um quadrado Q cujo lado tem para
medida um número racional a = m/n é dada pela expressão: área de Q =
a2. (...)
Consideremos agora a área do retângulo. O retângulo é o quadrilátero que
tem os quatro ângulos retos. Se os lados de um retângulo R têm para
medidas os números inteiros m e n, então, mediante paralelas aos lados,
podemos decompor R em mn quadrados unitários, de modo que se deve
ter de área R = m.n.
90

Fig. 4. Retângulo R, cujos


lados medem 5 e 8,
subdividido em 5 x 8 = 40
quadrados unitários. Tem-se
área de R = 8 x 5 = 40.

Diz-se, então, que a área do retângulo é o produto da base pela altura. (...)
Da área do retângulo, passa-se facilmente para a área do paralelogramo.
(...) Assim, a área de um paralelogramo é igual ao produto do comprimento
de qualquer uma de suas bases pelo comprimento da altura
correspondente. (...) Da área do paralelogramo passa-se imediatamente
para a área do triângulo, pois todo triângulo é a metade de um
paralelogramo. (LIMA, 1991, pp. 13-21)

Concordamos com Lins (1993), quando afirma que a prática tradicionalmente


adotada, quanto ao ensino de matemática, esconde os saltos entre diferentes
campos semânticos e confiam numa passagem “suave” entre noções distintas,
relacionadas a um mesmo elemento. E é o que observamos na citação acima,
quando Lima (1991) diz: “passa-se facilmente para a área do paralelogramo”; e
ainda: “passa-se imediatamente para a área do triângulo”. Para o leitor, seja um
professor ou um aluno, nem sempre é fácil ou imediato perceber a mudança de um
elemento para o outro, da área de uma figura para a área de outra, embora o rigor
das demonstrações matemáticas apresentadas. Aliás, como citamos em nossa
revisão da literatura, pesquisadores como Outhred e Mitchelmore (1992, apud
D’AMORE e FANDIÑO PINILLA, 2006) mostraram que é apenas uma ilusão a
atividade de ensinar tomada como garantia de que, se uma criança calcula a área de
um retângulo, ela está automaticamente aprendendo a medir ou calcular a área de
qualquer outra figura geométrica.
Mas voltemos aos significados produzidos por matemáticos, para o objeto
área poligonal. Neto (1982) dá uma interessante definição para área poligonal:

Intuitivamente, a área de um polígono é um número que mede a sua


extensão, ou seja, a porção de plano ocupada por ele.
Desejamos, entretanto, estabelecer um significado mais preciso para esta
ideia, fixando as propriedades que a área deve ter.
A cada polígono, então, será associado um número real não negativo,
chamado área, que deverá satisfazer as propriedades seguintes:
1ª) Polígonos congruentes têm mesma área.
2ª) Se um polígono P for decomposto como a união de um certo número de
outros polígonos P1, P2, P3, ..., Pn de tal modo que dois quaisquer entre
eles tenham em comum pontos isolados ou segmentos, então a área de P
é a soma das áreas desses polígonos.
3ª) A área de um quadrado cujo lado tem medida a é igual a a2. (NETO,
1982, p. 175, grifos do autor)
91

Atentemos para o fato de que, neste resíduo de enunciação, Neto (Ibidem,


p. 175) produz dois significados para área. O primeiro significado é dado ao afirmar
que “a área de um polígono é um número que mede a sua extensão”, o que
poderíamos chamar de noção numérica. O segundo significado, embora na mesma
expressão, é diverso do primeiro, e é dado quando o autor afirma que área é “a
porção de plano ocupada por ele”, o que chamaríamos de noção geométrica, ou
talvez disséssemos que ele opera, nesse momento, num campo semântico
geométrico. Mas para ambos os significados produzidos, Neto justifica as suas
afirmações com a expressão “intuitivamente”, o que, ao mesmo tempo em que
permite ao autor expressar tais noções, expressa um juízo de valor sobre essas
noções (as quais são comuns aos alunos)57, comprando-as com uma noção mais
precisa, dentro do rigor matemático, quando afirmou: “Desejamos, entretanto,
estabelecer um significado mais preciso para esta ideia, fixando as propriedades
que a área deve ter”.
Discutimos, no capítulo 3, que alguns pesquisadores58 se referem a
significados matemáticos, e não a outro tipo de significados produzidos pelos
estudantes. No entanto, pela perspectiva do MCS, entendemos que outros
significados, ditos não-matemáticos, devem ser também considerados legítimos,
mesmo em se tratando de significados produzidos por alunos nas aulas de
matemática, para objetos matemáticos. A este respeito, lembramos ainda o que
afirmaram Lins e Gimenez (1997):

É apenas com base na coexistência de significados matemáticos e não-


matemáticos na escola que se poderá constituir uma legitimidade comum,
o que pode, por sua vez, impedir que a matemática da escola seja
percebida como inútil, um saber cuja razão deixa de existir quando termina
a escolarização que envolve matemática. (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 28)

Uma diferenciação semelhante a esta diz respeito ao caráter internalista da


Matemática dos matemáticos, ou seja, aquele que a diferencia da Matemática do
cotidiano, do cidadão comum. Para exemplificar, Lins (2004, p.95) pondera que
“quando o matemático define um objeto, não cabe a discussão de se esta definição
corresponde bem ou mal a algo fora da própria matemática”. É nesta direção que o
MCS permite comparar e distinguir significados matemáticos e não-matemáticos.

57
Ver Henriques e Silva (2009).
58
Ver, por exemplo, os trabalhos de Godino et al (2008) e de Cobb e Bauersfeld (1995).
92

5.2 – Sintetizando Experiências Anteriores

Durante a especialização em Educação Geométrica que cursei na


Universidade Federal de Juiz de Fora, nos anos de 2006 e 2007, desenvolvi uma
investigação sobre os significados produzidos por alguns estudantes para área de
figuras geométricas planas. Nesta pesquisa, que foi inicialmente apresentada e
publicada no VI Congresso Iberoamericano de Educação Matemática, no Chile
(HENRIQUES e SILVA, 2009), foram propostas algumas tarefas simples,
envolvendo cálculo de áreas de figuras planas, para cinco alunos (voluntários) de
turmas do segundo ano do ensino médio de uma escola estadual da cidade de Juiz
de Fora, estado de Minas Gerais, Brasil. As entrevistas foram filmadas com o
objetivo de registrar todas as possíveis ações enunciativas dos jovens pesquisados.
Limitamo-nos a descrever aqui apenas os significados produzidos por duas alunas,
cujos pseudônimos adotados são Roberta e Fernanda.
Quando desenvolvemos a leitura da produção de significados de Roberta,
naquela pesquisa, o elemento que parece preponderante para Roberta é a fórmula
Área = base vezes altura. Produzindo significado para área, escreveu Roberta: “Área
é um local que pode ser medido em cm, mm, m, km, etc. Por exemplo, o tamanho de
uma casa em metros quadrados”. Como podemos ver na Figura 9 (abaixo), Roberta
desenha a altura de modo perpendicular às bases do trapézio dado, como
geralmente encontramos nos livros didáticos, mas a aluna considera base como
sendo o segmento que marcamos em vermelho, ao analisarmos suas fichas.
(HENRIQUES e SILVA, 2009)

Figura 9 - Escrita de Roberta ao calcular a área do trapézio dado


93

Para a aluna Roberta, calcular área de uma figura poligonal plana parece ter o
significado de dividir a figura em partes e calcular todas e quaisquer áreas com a
fórmula A=b.h. Vejamos as Figuras 10 e 11, apresentadas a seguir, nas quais vemos
esta ação de Roberta: ela decompõe o octógono em dois trapézios idênticos e um
retângulo, mas calcula apenas a área do retângulo, multiplicando corretamente as
medidas da base pela medida da altura. (HENRIQUES e SILVA, 2009)

Figura 10 - Escrita de Roberta ao calcular a área do octógono dado

Figura 11 - Escrita de Roberta ao calcular a área do pentágono dado


94

A partir da Figura 11 e da videografia daquela pesquisa, identificamos a


seguinte a ação de Roberta: a aluna decompõe o pentágono em um triângulo e um
trapézio, calcula área do triângulo (que ela chamou de área 1, confundida com o seu
perímetro) e área do trapézio, calculando a altura, (que marcou perpendicularmente
às bases do trapézio desenhado), através do Teorema de Pitágoras, e depois
multiplicando esta altura pela base, calculada como “5,4 - 1,0 = 4,4 cm”, e que foi por
Roberta considerada como o segmento que marcamos em vermelho. (HENRIQUES
e SILVA, 2009)
Ao analisar o vídeo daquela pesquisa de campo (HENRIQUES e SILVA,
Ibidem), compreendemos que Roberta talvez opere de modo a considerar que a
área de qualquer figura plana poligonal pode ser calculada através da equação
A= b.h. Ou seja, para todas as figuras poligonais apresentadas, sua maneira de
operar é a mesma: multiplicar a base pela altura, de acordo com os significados que
Roberta produziu para estes termos, como identificamos nas Figuras 9, 10 e 11. Por
outro lado, quando analisamos, na mesma investigação, a produção de significados
da aluna Fernanda, observamos que os termos base e altura, e a fórmula Área =
base vezes altura, poderiam ser considerados estipulações locais. Para a aluna,
calcular área de uma figura poligonal plana teria o significado de usar a fórmula que
ela afirma conhecer, Área = base vezes altura, pois Fernanda justifica fazendo as
medições de uma ‘base’ e de uma ‘altura’ da figura (ver figuras 12 e 13 abaixo).
(HENRIQUES e SILVA, 2009)
Para calcular áreas das figuras poligonais apresentadas na atividade,
Fernanda parece operar com a idéia de que a área de qualquer figura plana
poligonal pode ser calculada através da multiplicação da base da figura por sua
altura. (HENRIQUES e SILVA, 2009)
O registro audiovisual daquela pesquisa mostra também a ação de Fernanda
em identificar aquilo que para ela são elementos comuns a todas as figuras
poligonais: uma base e uma altura. Na figura 12 e também na figura 13 (a seguir),
marcamos segmentos de reta azuis para representar as medidas realizadas pela
aluna, durante a atividade, utilizando régua graduada; nestas figuras, podemos
observamos que as “alturas” estão sempre na vertical. Já as “bases”, marcadas em
vermelho, parecem ser sempre um dos lados dos polígonos, hipótese justificada
também pelas falas de Fernanda, registradas na videografia. (HENRIQUES e SILVA,
2009)
95

Figura 12 - Escrita de Fernanda ao calcular a área do trapézio dado

O vídeo mostra a ação de Fernanda: ela mede 7 centímetros na diagonal da


estrela (marcamos em azul), o que afirma ser a altura, e mede 2,5 centímetros num
dos lados da figura (em vermelho), dizendo se tratar da base da figura.
(HENRIQUES e SILVA, 2009)

Figura 13 - Escrita de Fernanda ao calcular a área da figura dada

Este trabalho (HENRIQUES e SILVA, Ibidem) nos permitiu, dentre outras


coisas, desenvolver um olhar mais refinado para ler a produção de significados dos
futuros sujeitos de pesquisa e para identificar suas dificuldades de aprendizagem.
96

5.3 – Significados Produzidos pelos Sujeitos de Pesquisa: uma Análise

Nesta seção, faremos uma análise das produções de significados dos


sujeitos, registradas durante a pesquisa de campo (resolução das tarefas, diálogos,
expressões diversas). Esta análise será subdividida em seis seções, seguindo a
ordem com a qual as seis tarefas foram apresentadas aos nossos sujeitos de
pesquisa. No início de cada parte, apresentaremos novamente as tarefas (que já
exibimos no capítulo anterior), cada qual à sua vez, para nos auxiliar na organização
deste trabalho, facilitando a leitura deste capítulo.
Como também já dissemos no capítulo 4, características diversas dos sujeitos
serão dadas durante a análise, por entendermos desnecessário fazê-lo
antecipadamente a esta etapa, na qual queremos levantar os elementos que
julgamos pertinentes a determinados momentos da pesquisa de campo.

5.3.1 – A Produção de Significados para a Tarefa 1

Eis, a seguir, a Tarefa 1, tal qual apresentamos aos alunos na pesquisa de


campo, estando ausentes aqui apenas os espaços que deixamos para a sua
resolução. A esta tarefa, como às demais, acrescentamos margens, para distingui-la
de nossa análise.

Tarefa 1
Os dois retângulos abaixo são iguais. Observe.

FIGURA 1 FIGURA 2

4 cm

6 cm
Considerando as Figuras 1 e 2, responda às seguintes perguntas:
c) Qual é a medida da área do retângulo?
d) Qual é a medida do perímetro do retângulo?
Figura 14 - Tarefa 1 da pesquisa de campo
97

Após ligeiras explicações acerca dos objetivos da pesquisa, o pesquisador59


entrega as fichas contendo a Tarefa 1 para os sujeitos de pesquisa, que, atendendo
a um pedido dele, escolheram os próprios pseudônimos para este trabalho, com os
quais assinaram as fichas das tarefas: Ortência e Marte. Então o pesquisador deixa
a sala de entrevistas e a câmera registra as primeiras reações dos sujeitos de
pesquisa, expressas nas transcrições60 a seguir. Eles começam a discutir acerca da
identidade das duas figuras dadas:

Marte – (Comparando as medidas dos retângulos usando o lápis). Se faltar um


milímetro... Tipo, tem que ser exatamente do mesmo tamanho?

Ortência – O quê que tem que ser exatamente do mesmo tamanho?

Marte – Ó. (Apontando para as duas figuras).

Ortência – Elas parecem que são iguais, mas...

Marte – Hã hã... Se a gente coloca o coisa (lápis) aqui (lado superior da figura 1), ó...

Ortência – Elas têm o mesmo tamanho.

Marte – É.

Ortência – A questão é que a gente não sabe se elas têm o mesmo tamanho. Porque a
figura 2 tá quadriculada? Não tem nenhuma coisa que pergunte sobre isso.

Marte – Mas, pra ele, talvez seja pra gente ver isso mesmo, entendeu?

Ortência – Entendi. Porque não tem nenhuma questão que pergunte, tipo assim, qual é a
área dos quadrados ou nada disso.

Marte – É isso aí. Então, como é que faz? A gente escreve sim?... É meio, assim...

Ortência – A gente vai acabar isso aqui em dois minutos.

Observemos que, como não oferecemos qualquer instrumento de medida


convencional nesta tarefa, como a régua, Marte busca imediatamente comparar as
medidas lineares das figuras, utilizando o seu lápis. Com pouco esforço, Ortência
busca convencer Marte do fato de serem figuras idênticas, afirmando que “têm o
mesmo tamanho”. No entanto, Marte parece não aceitar que tenham o mesmo

59
Para facilitar esta análise, não redigiremos na primeira pessoa, embora sejamos autor e
pesquisador neste trabalho. E éramos ainda o professor de matemática destes sujeitos, à época da
realização da pesquisa de campo.
60
Nas transcrições das falas (integralmente contidas no Anexo 2 desta dissertação), as seguintes
convenções foram usadas: a) os sujeitos de pesquisa são identificados por seus pseudônimos e o
pesquisador pela abreviação Pesq; b) Parênteses são usados para indicar gestões, expressões e
atitudes dos sujeitos de pesquisa; c) Reticências indicam pausa prolongada; d) Reticências entre
parênteses indicam omissão de parte da transcrição; e) Barras indicam interrupção súbita ou
mudança na direção da fala; f) Aspas indicam que o sujeito de pesquisa está lendo o que está
dizendo.
98

tamanho, isso lhe parece facilitar demais a resolução. E discutem o que estaria por
trás da tarefa. O quadriculado da figura 2 parece dificultar a escolha da figura cuja
área deveriam calcular. Ortência abandona esta ideia (quadriculado como
diferencial) e parte para o cálculo da área da figura 1, mas Marte transita na dúvida e
prefere olhar para figura 2, cujas medidas dos lados não foram dadas. Vejamos:

Marte – Não precisa fazer para a figura 1, porque são do mesmo tamanho.

Ortência – Essa daqui não tem medida. (Aponta para a figura 2).

Marte – Ah! Eu sei... Olha só: um, dois, três, quatro, cinco, seis. (Contando os
quadradinhos da linha superior da figura 2).

Ortência – Você não tinha percebido isso?

Marte – Não.

Ortência – Cada quadradinho tem um centímetro.

Ambas permanecem escrevendo e apagando, até que o pesquisador retorna


à sala e é imediatamente questionado acerca da natureza da tarefa:

Marte – Professor, você tem certeza que é só isso?

Ortência – É, a gente tava pensando nisso.

Pesq – Sim. É só isso. Pra começar é só isso.

Marte – Ah! Pra começar!...

Pesq – Vocês estão achando muito fácil?

Ortência – Sim.

Marte – Não, tipo, fácil ainda é pouco!...

Ortência – Professor, não sei porque eu coloquei figura 1 se as duas figuras são do
mesmo tamanho, as duas falam da... São a mesma coisa, então?... Não precisa fazer
das duas.

Marte – Tem alguma pegadinha?

Ao responder a esta pergunta de Marte, o pesquisador aproveita para fazer a


sua primeira intervenção:

Pesq – Não, não tem pegadinha. O trabalho é mesmo esse aí. Mas você falou o que
mesmo, Ortência? Não precisa fazer das duas figuras?

Ortência – Sim, elas são iguais.

Marte – Não, eu acho que não.


99

Ortência – Não pergunta sobre a 1 e a 2, eu pensei em fazer sobre as duas. Só que essa
é igual a essa.

Pesq – Hum hum.

Ortência – Ele não vai responder, não falei. (Olhando para Marte).

Pesq – Mas você escreveu sobre qual figura?

Ortência – Escrevi sobre a figura 1. A figura 2 tá quadriculada, mas ela é a mesma que
essa. Cada quadradinho tem um por um.

Pesq – Tá.

Ortência – Porque quatro nesse e quatro nesse, seis nesse e seis nesse... (olha para o
Pesquisador, apreensiva). Aí, precisa fazer das duas?

Marte – Não.

Ortência – Elas são a mesma?...

Marte – É.

Embora aparentemente concordem, quando afirmam que figuras são “a


mesma”, a partir de uma nova intervenção do pesquisador e da interação entre as
alunas, parece que elas estão operando com significados diferentes, na atividade de
“medir a área do retângulo”. Para o objeto medida de área, Ortência para produzir o
significado de produto dos lados da figura, enquanto Marte parece produzir o
significado de quantidade de quadradinhos cabem na figura. Ou seja, enquanto esta
opera com o que diríamos a noção de ladrilhamento com unidades de área, aquela
parece operar com a noção de multiplicação de medidas. Vejamos:

Pesq – Você faria diferente se fosse a figura 2?

Marte – Ah!... Agora eu entendi! Ele quer saber se tivesse só essa daqui ou só essa
daqui? Por exemplo, se não tivesse essa (aponta a figura 1), e todos os quadrados são
iguais; qual seria a medida do retângulo, é isso?

Ortência – Entendi. Sim, só que...

Mantido o silêncio por trinta segundos, o pesquisador inquire, novamente:

Pesq – Você, Ortência, fez olhando a figura 1, certo? Mas e se só tivesse a figura 2,
como faria?

Marte – Contar quantos quadrados tem.

Ortência – Mas com é que você saberia que o quadrado tem um centímetro?

Marte – Não, porque... Aí...

Ortência – Você teria que medir, por exemplo.


100

Marte – Mas aí eu poderia estimatizar, não?...

Pesq – Estimar?

Ortência – Isso. É o que eu ia falar.

Pesq – Sim, você poderia estimar.

Ortência – Mas você não teria como ter certeza. Eu nunca faria um cálculo sem saber
com certeza se isso aqui tem um centímetro ou não. Eu acho que eu ficaria um pouco
perdida só com a figura 2, porque eu não saberia a medida. Só se eu tivesse uma
régua...

Marte – Mas na falta da régua, da certeza, você tem ir pelo que você tem, né?

Reparemos que a diferença entre os caminhos cognitivos dos sujeitos parece


se acentuar. Quando Marte fala em estimar valores, demonstra que não está
preocupada com as medidas dos lados (nem do retângulo, nem do quadrado), mas
está pensando em unidades de área, isto é, parece operar com apenas uma
grandeza, a área. Já Ortência, ao falar em certeza, demonstra preocupação com as
medidas dos lados das figuras, pois não se arriscaria a fazer “um cálculo sem saber
com certeza” quais são as medidas dos lados; Ortência parece operar com três
grandezas (ou três variáveis, como se expressou Nunes61): as distintas medidas dos
dois lados do retângulo e a medida da área do retângulo.
O pesquisador faz mais duas intervenções, com o objetivo de orientar a
negociação de significados entre os sujeitos de pesquisa, que, a partir de então,
parecem começar a considerar possível o modo do colega de pensar a tarefa,
embora não abandonem o seu próprio modo (inicial). Com efeito, notemos que
Marte permanece com a ideia de unidades de área, e Ortência, com a ideia de
medidas de comprimento:

Pesq – Mas aqui neste caso, os retângulos são iguais. Você pode usar os dados de um
para calcular as medidas do outro?

Ortência – Sim. Eu faria do mesmo jeito.

Pesq – Do mesmo jeito?

Ortência – Faria. Porque, independente dela tá quadriculada, eu quero saber a área dela
toda.

Pesq – Antes você falou que contaria os quadradinhos? (Dirigindo-se a Ortência).

Ortência – Não. Foi ela. (Referindo-se a Marte).

Marte – Se eu tivesse só isso daqui (apontando para a figura 2).

61
Nunes (1995, p.17). Ver também nossa revisão da literatura, no capítulo 2.
101

Ortência – Sem medida e sem nada? Mas, de quê que adiantaria contar os
quadradinhos? Saberia...

Marte – A gente somaria, porque cada quadrado teria um centímetro. Porque dá pra ver,
né?

Pesq – Você iria contar como? Pode mostrar?

Marte – Um, dois, três, quatro, cinco, seis (apontando para os quadradinhos na linha
superior do retângulo 2).

Ortência – Seis centímetros.

Marte – Aí eu poderia multiplicar a altura pelo lado.

Ortência – Teria vinte e quatro quadrados, como...

Marte – É. Ou então conta tudo.

Ortência – Ah!... Eu pensei numa coisa: como você não precisaria fazer a multiplicação...
não tecnicamente... contaria, então você faz a multiplicação. Então você faz seis
quadrados por quatro quadrados, vinte e quatro quadrados; cada um tem um centímetro,
vinte e quatro centímetros quadrados.

Neste trecho da entrevista, podemos perceber que Ortência não opera com a
estrutura de malhas (matrizes) para medir a área de um retângulo. Pois o modo de
operar a partir da estrutura de malhas é comumente revelado quando o sujeito
multiplica uma linha pelo número de unidades (quadradas) dessa linha, ou uma
coluna pelo número de unidades dessa coluna, em se tratando de um retângulo
desenhado sobre um malha quadriculada ou que foi dividido em unidades de área,
pela tesselação ou ladrilhamento do retângulo. E, como vimos, ao aceitar a
negociação, Ortência se utiliza das unidades de área apenas como instrumento para
medir os lados do retângulo, dentro da atividade de encontrar a área da figura.
O trecho a seguir corrobora a hipótese de que Ortência se mantém
impermeável62 à possibilidade de operar com a estrutura de malhas, e se propõe
ainda a corrigir os cálculos de Marte:

Ortência – Mas então, se eu faria do mesmo jeito, eu não preciso fazer da outra, né? Eu
faria do mesmo jeito, eu acho.

(Ambas escrevendo por um minuto. Ortência para de escrever e olha para a folha de
Marte).

Ortência – Se o seu exercício tivesse errado, você gostaria que eu corrigisse? (Dirigindo-
se a Marte).

Marte – Hã hã.

62
Para este termo, assumimos o significado dado por Silva (2003).
102

Ortência – Sim, né?... Perímetro não é um lado mais o outro, mas a soma de todos os
lados. É seis mais seis mais quatro mais quatro.

Marte – Ah... Realmente. Obrigada. (Refaz os seus cálculos)

Aqui, observamos um erro comum aos alunos: Marte calcula o perímetro


somando os dois lados do retângulo cujas medidas foram dadas. O diagnóstico da
possível gênese deste erro apresentado pela aluna é ensaiado pelos próprios
sujeitos de pesquisa. Vejamos o seguinte trecho, quando elas já haviam terminado
esta tarefa e o pesquisador faz mais algumas perguntas:

Marte – A gente acabou, não acabou?

Ortência – É, acabamos.

Pesq – Vocês acham que fizeram direitinho os cálculos?

Marte – Sim. Só que eu... errei o perímetro. Eu errei. (Tímida).

Pesq – Mas o que você pensou ao resolver esta questão?

Marte – Eu tinha esquecido, eu coloquei como se fosse área, também, só que eu somei.
Eu tinha esquecido que a gente tem que somar todos os lados pra dar o perímetro.

Pesq – E você achou que confundiu com área por quê?

Marte – Porque faz um tempão que eu não faço essas contas.

Pesq – Mas o que você fez aí, que ficou parecendo conta de área?

Marte – Eu fiz a operação só com os dois lados que apareciam; só que em vez de
multiplicar, eu somei.

Pesq – Como é que você descobriu que não estava certo?

Marte – A Ortência falou.

Ortência – Mas muita gente erra isso. Eu acho que, por exemplo, geralmente quando
mostra uma figura, você põe (as medidas) só dos dois lados, e não dos quatro
(apontando para a figura 1). Aí muita gente, na hora de fazer o... de medir o perímetro,
não pensa que esse daqui tem medida e que esse daqui tem medida (apontando para os
lados do retângulo sem medidas dadas). Ela vai no que tá escrito. “Ah, é quatro e seis,
quatro mais seis, é isso aí”. Não é o caso dela (Marte), ela confundiu. Mas muita gente
faz assim. Nem se toca, sei lá. Acha que é parecido, igual ela falou, parecido com área.
“Área é esse vezes esse”. As pessoas decoram que área é um lado vezes o outro, e
perímetro é um lado mais o outro.

Marte – Mas eu acho que, por exemplo, quando a gente tava aprendendo que acontece
muito isso. Só que tudo na Matemática, se você praticar muito, você acaba... não
decorando, mas...

Ortência – Entendendo, né?... Guardando.


103

Marte – É, guardando. E essa coisa de área e perímetro, é porque ele dá ao mesmo


tempo. O Professor sempre dá, assim, sobre área e perímetro, mais ou menos juntos. Aí
você chega a confundir, mas com o tempo você vai acostumando, aí fica uma coisa
normal.

Marte, como dissemos acima, parece operar com a ideia uma única grandeza,
a área. Assim, embora calcule da maneira que podemos observar em suas fichas
abaixo – talvez por influência de Ortência –, ela utiliza o mesmo modo para calcular
a área e o perímetro, ou seja, tomando as medidas dos lados dados e operando-os,
com a única diferença de trocar as operações (matemáticas), sendo ora a
multiplicação, ora a adição. Vejamos, abaixo (Figura 15), como Marte calculou a
medida da área dos retângulos:

Figura 15 - Registro escrito de Marte – Tarefa 1 – Item a

Observemos que, nesta questão, a aluna calcula em centímetros e dá a


respostas em centímetros quadrados.
Na figura a seguir, observe como Marte calculou, de início, a medida do
perímetro (que riscou com um xis) e calculou novamente, depois da correção de
Ortência:

Figura 16 - Registro escrito de Marte – Tarefa 1 – Item b


104

Marte parece estar convencida de que calculou erroneamente o perímetro das


figuras, tanto que riscou o seu cálculo inicial e fez outros cálculos, encontrando o
perímetro correto. Esta ação de Marte, em corrigir seus cálculos, não revela
necessariamente uma mudança no modo como ela produz significados para os
termos área e perímetro, confundindo-os. Esta mudança, aliás, parece não ocorrer
durante todo o período de aplicação da sequência de tarefas, na pesquisa de
campo. Acerca deste fato, discutiremos nas análises seguintes.

5.3.2 – A Produção de Significados para a Tarefa 2

Passaremos a discutir a produção de significados para a tarefa 2, dada na


figura a seguir.

Tarefa 2
Você possui uma corda com a medida de 16 centímetros, quando está
totalmente esticada, como mostra a figura abaixo.

16 cm

Com esta corda, você construiu um retângulo e depois um quadrado, conforme o


que podemos observar nas seguintes figuras. Veja.

2 cm
4 cm
6 cm

a) Estas duas figuras têm a mesma área? Quais são suas áreas?
b) Estas duas figuras têm o mesmo perímetro? Quais são seus perímetros?
Figura 17 – Tarefa 2 da pesquisa de campo

As fichas desta tarefa são entregues às alunas, que se põem a ler de


imediato. O pesquisador permanece na sala de entrevistas. Trinta segundos após a
entrega, a primeira enunciação é feita, surgindo espontaneamente63 um debate entre
os sujeitos, acerca da importância do Desenho Geométrico para a aprendizagem de
Geometria. Vejamos:

63
Com o termo espontaneamente, queremos dizer sem a intervenção do pesquisador, a não ser
através do enunciado da tarefa.
105

Marte – Sabe o que isso daqui tá parecendo?

Ortência – O quê?

Marte – Aquela atividade de Desenho Geométrico que ele te dava a quantidade da área
e você tinha que construir três tipos de triângulo, a partir daquela área.

Ortência – Mas aquilo lá é legal, eu gosto.

Marte – Mas aquilo é complicado pra caramba!

Ortência – Mas o Desenho Geométrico facilita muito as coisas, eu acho. Eu prefiro


resolver as coisas do jeito que o professor de Desenho Geométrico resolve, do que como
o professor de Matemática resolve. Porque pelo Desenho Geométrico, como o próprio
nome da matéria já diz, resolve pelo desenho; pela Matemática, só por cálculo, o que às
vezes é bem complicado.

Marte – Mas até agora, assim, eu não achei muita coisa que o Desenho Geométrico
facilitou, nas coisas que a gente tá aprendendo agora, nesse ano.

Ortência – Não?

Marte – Não.

Ortência – Não?!... Área, triângulo retângulo, essas coisas,... você acha que não ajudou?
Nossa, pra mim ajudou pra caramba!

Marte – Ah, não, conhecimento. Mas na hora de fazer o cálculo, tipo...

Ortência – Ajuda, eu acho que ajuda pra caramba. Na hora de Pitágoras, essas coisas,
ajudou, eu acho que ajudou.

Marte – Ah, não, não. É, ajudou. É também porque aprofunda mais no Desenho
Geométrico.

Ortência – Sim. Mais do que na Matemática. Porque se não... Daqui a pouco a gente
acaba entrando na Geometria, se a gente continuar indo na Matemática.

Concordamos com Ortência quando defende a posição de que a aulas de


Desenho Geométrico podem ser de grande valor para o desenvolvimento e a
aprendizagem dos alunos, acerca de temas geométricos, o que já foi também
defendido por alguns pesquisadores, como Zuin (2002), Fernandes e Neves (2009)
e Kopke (2006). Não obstante, concordamos igualmente com Marte, quando
defende o oposto. Pois esta aluna parece aceitar a Matemática (e a Geometria,
portanto) como uma disciplina de cálculos, de operações numéricas e algébricas
talvez, quando afirma “Mas na hora de fazer o cálculo...”, ao que acrescentaríamos,
observando as expressões de Marte: “...o Desenho Geométrico não me ajudaria,
pois nesta hora, só a Matemática resolve”. Ou seja, para Marte, coisas do Desenho
Geométrico não são as mesmas coisas da Matemática. E, para nós, fazer tal
afirmação tem o sentido de dizer que o Desenho (disciplina escolar) possibilita
106

modos de produzir significado distintos daqueles que a Matemática (escolar)


permite, o que pode estar um função do modo como os professores abordam tal ou
tal assunto em suas aulas.
Voltemos à tarefa. Os sujeitos de pesquisa lêem a tarefa por quase dois
minutos e discutem o que estão pensando, como vemos a seguir:

Marte – Se eu não tivesse parado pra pensar, eu já ia colocar sim.

Ortência – (Risada). Os dois teriam a mesma área?

Marte – Hã hã.

Ortência – Não, só de bater o olho dá pra ver que não, né?

Marte – Até que não, porque se você for pela ideia que foram feitos pela mesma corda,
confunde, se você não olhar...

Ortência – Sim, é, tem isso. Ah, é mesmo. É a mesma corda.

Marte – Como foram feitos com a mesma corda...

Ortência – É bem provável que tenham a mesma área.

Marte – Mas é o perímetro.

Ortência – É, o perímetro provavelmente vai ser o mesmo.

Marte – É.

Ortência – Não, provavelmente não. O perímetro obrigatoriamente vai ser o mesmo.

Marte e Ortência – A área não.

A confusão entre área perímetro aparece novamente na enunciação inicial de


Marte, quando o fato de ela considerar que as figuras foram feitas com a mesma
corda a levou a associar, imediatamente, que as figuras teriam a mesma área. Mas,
observamos ainda, na interação com Ortência, aquela dificuldade parece ter sido
superada, ao menos para esta atividade de Marte (comparar as áreas e os
perímetros das figuras). E ainda observamos que Ortência parece continuar
operando com a noção multiplicativa, segundo sua fala:

Ortência – Eu nem cheguei a pensar nisso que você falou, porque antes de pensar que
eram feitos com a mesma corda, eu pensei: dois vezes seis, doze; quatro vezes quatro,
dezesseis.

Esta fala de Ortência é coerente com seus registros gráficos, como podemos
observar na Figura 18, a seguir.
107

Figura 18 – Registro escrito de Ortência – Tarefa 2 – Item a

Quando as alunas terminaram a tarefa, o pesquisador faz algumas perguntas


para identificar outros elementos das suas (das alunas) produções:

Marte – Pronto.

Ortência – Sim. Uma atividade ligeiramente fácil.

Pesq – Então, alguém quer explicar o que fez nesta tarefa?

Ortência – Acho que tá bem explicado, né? No primeiro, a gente mediu a área. Um lado
vezes o outro da figura, doze centímetros. A gente ficou pensando que o tamanho da
corda é o mesmo e a área é diferente.

Marte – É.

Ortência – Mas a área não tem a ver com isso, o que tem a ver é o perímetro. Mas se for
para pensar, é bem parecido, sei lá. É estranho pensar que a corda é do mesmo tamanho
e a área é diferente.

Marte – A Ortência não tinha pensado nisso, não. Ela tinha ido mais pelo coisa do: tenho
dois centímetros e seis centímetros, vou multiplicar os dois, é diferente.

Ortência – É, eu nem pensei que pudesse ser igual.

Vemos que Ortência, de início, calculou as áreas para compará-las. Apenas


depois de sua interação com Marte, passou a pensar na relação (não-linear) da área
com o perímetro, o que lhe causou estranhamento, como podemos ver através de
sua expressão: “É estranho pensar que a corda é do mesmo tamanho e a área é
diferente”. Esta relação de não-linearidade entre perímetro e área, como também as
dificuldades que surgem no seu aprendizado e as dificuldades de seu ensino, são
discutidos, por exemplo, por Chamorro (1997), D’Amore e Fandiño Pinilla (2006) e
Silva (2009), como vimos na revisão da literatura.
Atentemos, agora, para a produção de significados de Marte:
108

Marte – E eu não tinha prestado atenção nos centímetros. Eu tinha ido mais pela... É
dezesseis centímetros, é com a mesma corda...

Ortência – Olha só como é que a gente pensa diferente.

Marte – É, completamente diferente.

Pesq – Desculpa, mas como é mesmo que você pensou, Marte?

Marte – A primeira coisa, eu pensei: é uma corda, a mesma corda pros dois; então se é a
mesma corda pros dois, daí vai ser a mesma área.

Ortência – Tudo vai ser igual.

Marte – É, tudo vai ser igual. Mas não é, porque... só se for uma forma equilátera, que vai
ser da mesma área, porque é multiplicação, e não soma. Aí já mudou completamente o
coisa.

Ortência – E eu nem tinha pensado nisso. Depois, eu até concordei, porque ela falou,
mas isso nem tinha passado pela minha cabeça. Eu sabia que era a mesma corda, mas
isso não foi a primeira coisa que eu raciocinei. Eu raciocinei só nos lados, eu fui direto na
conta. Eu sabia que não era a mesma área, só o mesmo perímetro, porque... Eu fui
direto: dois vezes seis, dozes; quatro vezes quatro, dezesseis. Nem cheguei a pensar em
ser a mesma coisa. Só na hora do perímetro que eu pensei isso, porque ela tinha falado.

Marte – Aí, no perímetro tem que ser.

Ortência – Porque é a mesma corda, ela tem o mesmo tamanho.

Marte – São os mesmos números e não pode ser diferente.

Observemos que as justificações de Marte, para suas afirmações sobre áreas


iguais, envolvem ainda outros elementos, como figuras de “formas equiláteras” e a
associação entre estas figuras e a possibilidade de terem a mesma área. Isto nos
remete à noção do que chamaríamos de um campo semântico algébrico-geométrico,
no qual opera agora Marte (diferente de seu campo semântico geométrico, na tarefa
1) e que tem como elemento a estipulação local de que a área de um polígono
regular se calcula pela segunda potência de um de seus lados, como a fórmula da
área do quadrado, apresentada nos mesmos termos por Neto (1982) e Lima (1991).
Isto é o que pudemos entender, inicialmente, a partir da afirmação de Marte: “só se
for uma forma equilátera, que vai ser da mesma área, porque é multiplicação”.
Mas o sentido que Marte produz para “formas equiláteras” é o de figuras
geométricas que têm a mesma área e todos os lados iguais, o que mostra que
estávamos errados quanto o que afirmamos no parágrafo anterior. A confusão entre
área e perímetro está novamente presente. Vejamos as falas de Marte, no diálogo a
seguir, que nos revelaram esse significado para “formas equiláteras”:
109

Pesq – Pra gente continuar a pensar sobre estas coisas, eu quero fazer mais uma
pergunta. Vocês acham que existiriam figuras geométricas, como estas aí, com formatos
diferentes e com áreas iguais, embora formadas pela mesma corda?

Marte – É... formas eqüiláteras.

O pesquisador quer saber mais e questiona ainda uma vez:

Pesq – Você pode dar um exemplo?

Marte – O triângulo equilátero.

Ortência – Mas você acha que, por exemplo, o triângulo equilátero e o quadrado teriam a
mesma área?

Marte – O quadrado teria.

Ortência – Teria? Mas, olha só...

Marte – Mas se fosse com a mesma corda.

Ortência – Sim. Então, faz isso, por exemplo.

Marte – (Desenha na folha). Oh, um triângulo com quatro centímetros nos três lados...
Ah, não...

Ortência – Não seria. Foi isso que eu pensei. Como é que você colocaria quatro, quatro,
quatro? Só dá se for um quadrado. Eu acho que em momento algum as figuras teriam a
mesma área. Só o mesmo perímetro. Pelo menos eu não consigo pensar em nenhuma
situação.

Marte – Mas tem que ter.

Ortência – Não, não tem que ter.

Marte – Não tem outra forma de quatro lados iguais, não?

Ortência – Não, só o quadrado. Isso que eu ia falar. Não tem como, senão a figura seria
igual. Cada figura tem a sua área. Se tiver meio centímetro de diferença na medida de
um dos lados, a área já vai ser diferente.

Marte – Então não.

Marte parece estar convencida, a partir das intervenções de Ortência, de que


não faz sentido afirmar que apenas figuras regulares (embora distintas) podem
possuir a mesma área. No entanto, isto não nos permite pensar que, a partir de
então, ela passou a produzir outros significados para área, para perímetro e para
“formas equiláteras”, ou mesmo que ele tenha vencido a dificuldade de confundir
área com perímetro. Mudanças assim não são sempre imediatas. É o que
compreendemos a partir das conclusões de Vygotsky (1994), quando afirma:

Qualquer processo psicológico, seja o desenvolvimento do pensamento ou


do comportamento voluntário, é um processo que sofre mudanças a olhos
vistos. O desenvolvimento em questão pode limitar-se a poucos segundos
110

somente, ou mesmo frações de segundos (como no caso da percepção


normal). Pode também (como no caso dos processos mentais complexos)
durar muitos dias ou mesmo semanas. Sob certas condições, torna-se
possível seguir esse desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1984, p. 81)

Em seus registros (fichas da tarefa 2), Marte calcula as áreas de modo


análogo ao de Ortência – talvez tenha copiado desta, após observar sua resolução –
e não calcula o perímetro, apenas escrevendo: “Sim. a e b = 16 cm”64.
Finalizando as discussões sobre a tarefa 2, seguem as falas:

Pesq – Tá certo. Mas vocês conseguiram pensar em duas figuras diferentes que têm
mesma área e mesmo perímetro?

Ortência – Talvez só perímetro, talvez só área...

Marte – É possível.

Ortência – É possível duas figuras terem perímetros iguais e áreas diferentes, e áreas
iguais e perímetros diferentes. Agora, ter perímetro e área iguais, só se for a mesma
figura.

Marte – Nunca tinha pensado nisso.

Ortência – Eu também não.

Marte – Isso é coisa do Desenho Geométrico.

Ortência – É. E eu nunca tinha parado pra pensar. Isso é bem interessante.

Entendemos, então, que esta tarefa fez as alunas pensarem em relações


entre área e perímetro, às quais, segundo disseram elas mesmas, não foram
apresentadas durante toda a sua escolaridade, fato que é muito comum, segundo
informam as pesquisas de Owens e Outhred (2006) e Carlin (2009). E trabalhos
como o de Clements e Stefhan (2004) nos permitem entender a complexidade
envolvida na aprendizagem de tais relações e, portanto, o quão complexo é também
o esforço de criar meios que promovam tal aprendizagem, ou seja, quais tarefas
contribuem para que os alunos aprendam, por exemplo, a noção de área, a estrutura
de malha e as noções que servem de base para medir área.65
Mas o nosso foco aqui está no levantamento das dificuldades que os sujeitos
de pesquisa apresentam, acerca das noções de área e perímetro. E é com este foco
que daremos continuidade a esta nossa análise, utilizando o Modelo dos Campos
Semânticos com instrumento de leitura dos significados produzidos pelos sujeitos.

64
Marte havia, no início da tarefa, nomeado as figuras de a e b.
65
Esta discussão foi feita no capítulo 2 desta dissertação.
111

5.3.3 – A Produção de Significados para a Tarefa 3

Analisaremos, a seguir, a produção de significados dos sujeitos de pesquisa


para a tarefa 3. Consideremos a tarefa:

Tarefa 3
Da forma que você achar melhor, utilize o quadrado vermelho para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.

Quantos quadrados vermelhos iguais a este cabem na figura acima?

Figura 4 - Tarefa 3 da pesquisa de campo

Entregues as fichas às alunas, elas passam a ler e, imediatamente, a


comentar:

Marte – Você só pode tá de brincadeira! (Dirigindo-se ao Pesquisador).

Pesq – Por quê?

Ortência – Porque você deu três quadradinhos assim...

Marte – Olha o tamanho deles!

Ortência – Muito pequenos... Não, mas tá fácil, tá fácil.

Marte – Tem problema se a minha conta der um ou dois milímetros a menos?

Pesq – Bem esta é uma questão que vocês vão ter que decidir. Você tem até a régua
disponível, mas vocês têm que ver se o problema tá pedindo precisão ou não. Fiquem à
vontade para decidir.
112

Nesse momento, Ortência já utilizava a régua apenas para desenhar,


enquanto Marte a usa também para medir. Esta, então, planeja o que fará:

Marte – Então primeiro eu vou fazer exatamente, depois eu vou fazer arredondado.

Vejamos que Marte distingue dois modos de operar, na atividade da qual


parece estar imbuída: identificar quantas unidades do quadradinho vermelho cabem
na figura amarela, e calcular a área desta figura. De fato, ela operou com estes dois
modos. Primeiro, quando sobrepõe os quadrados vermelhos à figura da tarefa, como
vimos no vídeo e também nos pontos marcados na sobre a figura66 dada na Tarefa 3
(Figura 20), que são vértices dos quadradinhos. O termo “fazer exatamente”,
utilizado por Marte, parece significar “quantos quadrados inteiros (e não suas
frações) cabem na figura”. É o que depreendemos, observando atenta e
repetidamente suas ações enunciativas.

Figura 20 - Registro escrito de Marte – Tarefa 3 – Desenho

Na figura a seguir, podemos observar a ação de Marte, ao calcular a área da


figura da tarefa 3, utilizando a medida do lado do quadrado, a qual obteve com ajuda
de uma régua. A aluna divide a figura em duas outras, que chamou de a e b. Depois
riscou com um xis os seus cálculos. Aí está a segunda ação planejada por Marte, a
de “fazer arredondando”. Isto tem, para ela, o significado de calcular quantos
quadrados e suas frações cabem dentro da figura.

66
No momento em que marcou os quadradinhos na figura da tarefa, Marte ainda não marcava as
medidas que aparecem na figura que apresentamos. Esta ação se deu em momento posterior,
quando a aluna mede o lado do quadradinho e utiliza esta medida como padrão para medir os lados
da figura da tarefa.
113

Figura 21 - Registro escrito de Marte – Tarefa 3 – Anotações e Cálculos

Em seguida, as alunas ironizam as dificuldades que o quadrado vermelho


lhes impõe, ao ser usado como instrumento de medida. Vejamos:

Ortência – Que quadradinho bom de segurar, né? Grande pra caramba! (Com ironia).

Marte – Coisa que eu amo nessa vida é esse quadrado vermelho. (Com ironia)

Mas elas prosseguem e desenham o contorno do quadrado múltiplas vezes


dentro da figura dada. E a noção de calcular “exatamente” a área é novamente
discutida por Marte, corroborando o significado que identificamos acima:

Marte – Ah, agora eu sei! Não falou que precisa caber o quadrado exatamente. “Quantos
quadrados cabem”. Se não cabe, não tem problema. Entendeu?

Ortência – Eu vou fingir que não ouvi essa.

Marte – Eu tô falando sério. Porque se sobrar espaço na figura, não tem problema,
porque não tá pedindo pra caber, tipo, tantos quadrados...

Pesq – Você quer dizer que o problema aí é quantos quadrados inteiros cabem na
figura?

Marte – É isso aí.

Os sujeitos continuam medindo, desenhando e fazendo contas. Em certo


momento, a confusão entre área e perímetro vem novamente à tona:

Marte – Posso te fazer uma pergunta? (Se dirigindo a Ortência).

Ortência – Tá, só se eu puder te fazer uma também?


114

Marte – Aqui... Primeiro eu, tá? Quando eu quero saber quantas coisas cabem dentro de
uma outra coisa, eu tenho que saber a coisa dessa coisa em área ou perímetro?
(Formando um quadrado com as mãos).

Ortência – Eu... vou... me matar. Eu acabei de pensar em um outro raciocínio, muito


mais fácil!

Pesq – Você pode repetir a pergunta, Marte?

Ortência – Ela quer saber, por exemplo...

Marte – Ó, eu tenho uma coisa (mostra o quadradinho vermelho) e tenho essa outra
coisa (circula com o dedo a figura da tarefa), a figura e o quadrado. Eu quero saber
quantos quadrados cabem dentro da figura. E aí, pra saber quantos quadrados cabem
dentro da figura, eu tenho que saber a área ou o perímetro da figura? A área, né?

Ortência – Isso que você falou me fez pensar num outro raciocínio, muito mais fácil.

Pesq – Você quer responder a ela, Ortência?

Ortência – Pode? Sei lá...

Marte e Pesq – Pode.

Ortência – Em área.

Marte – Área? Obrigada.

Ortência confirmou a suspeita de Marte, mas não deu justificativas para sua
resposta. Mesmo assim, Marte aceita a resposta sem questionar, talvez porque haja
o reconhecimento de uma suposta superioridade de Ortência em relação a Marte,
quando o assunto é Matemática. Isto nós observamos em vários momentos da
pesquisa, como no trecho a seguir, no qual o pesquisador faz uma intervenção,
oferecendo um novo elemento aos sujeitos e acrescentando um novo (e não
planejado) item à tarefa 3.

Ortência – Eu quero só ver se o outro raciocínio que eu pensei vai dar certo também.

(Ortência mede o lado do quadradinho com a régua. Ambas param de escrever e


parecem conferir seus resultados).

Pesq – Eu vou aproveitar o que a Ortência tá fazendo, para levantar uma questão extra,
que não está escrita. A questão é esta: vamos considerar que o lado destes
quadradinhos vermelhos mede dois centímetros...

Marte – O meu deu um e meio.

Pesq – Tudo bem. O que eu disse é uma hipótese, eu tô colocando um novo dado. Se o
lado do quadradinho mede dois centímetros, qual é o perímetro e qual é a área da figura
amarela? E quero que vocês, agora, calculem esta área e este perímetro.

(O Pesquisador sai da sala).


115

Marte – Ai, eu sou muito burra em Matemática!

Ortência – Eu também não sou muito boa em Matemática.

Marte – A questão não é ser boa, é ser burra em Matemática.

(Ambas escrevendo, por três minutos, sem falas. O Pesquisador retorna à sala.).

Ortência – Professor, o lado é dois centímetros?

Pesq – Considere isto, dois centímetros de lado.

Marte – Eu acho que eu vou ser psicóloga. Será que psicologia tem Matemática?

Para resolver a nova questão proposta, Ortência permanece com intenção de


usar a régua e as medidas com ela encontradas, não aceitando de imediato o novo
dado, a medida do lado do quadrado. Observemos:

Ortência – Professor, eu tenho ligeiros problemas com esse problema que você passou.

Pesq – Sim.

Ortência – Dois centímetros. Se eu vou fazer pelo que eu fiz, não vai dar certo, porque o
quadradinho não tem dois centímetros exatos. Vai sobrar bastante.

Pesq – Onde vai sobrar bastante?

Ortência – (Mostrando a figura e a medida de um de seus lados). Olha só, aqui tem isso
de medida. Não dá.

Pesq – Ah, então você tá medindo os lados com a régua?

Ortência – Sim.

Pesq – Que tal você usar os próprios quadradinhos como régua, já que você sabe que
seu lado mede dois centímetros?

Ortência – Ah, entendi.

Então Ortência faz o que o pesquisador pediu, finalizando a tarefa com o uso
do quadradinho como instrumento de medida, e compara o seu resultado com o de
Marte:

Ortência – Professor, eu não vou colocar o que eu fiz no papel.

Pesq – Tudo bem, faz de cabeça. Se você puder falar o que fez...

Ortência – É porque tá pedindo o perímetro. E vou fazer o perímetro igual ela fez, porque
eu já tinha pensado. É... O lado do quadradinho é dois. E eu não sei como fazer uma
conta pra medir só os lados que aparecem, então eu vou contar, assim... (Mostra com o
lápis os lados dos quadradinhos que formam os lados da figura, contando de dois em
dois, até cinquenta e seis). Olha, deu o mesmo que o seu!

Marte – Deu?
116

Ortência – Deu. Cinquenta e seis.

Ao falar “os lados que aparecem”, Ortência está se referindo aos lados dos
quadrados (da malha que desenhou) adjacentes aos lados da figura da tarefa. Pois
a videografia, em outros momentos, permite-nos concluir isto. Observemos, ainda, a
parte da ficha de Ortência (Figura 22), na qual ela fez o quadriculado da figura,
depois de medir o lado do quadrado e obter 1,5 cm:

Figura 22 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 3 - Desenho

Não pudemos identificar qual foi a mudança de “raciocínio” de Ortência, e


talvez o modo com que fizemos as intervenções tenha contribuído para isto. Mas
observamos que esta aluna operou com a ideia de pavimentação, sobrepondo os
quadrados à figura amarela, deixando-os justapostos e sem sobreposição entre eles,
e contando-os um a um, razão porque optou por numerá-los (ver Figura 22). Na
Figura 23 (abaixo), a outra parte da ficha da aluna exibe a resposta à questão inicial
(escrita) e os cálculos que fez para a questão final (falada), multiplicado a medida da
área de um quadrado vermelho pelo número de quadrados que formam a figura:

Figura 23 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 3 – Anotações e Cálculos


117

Ressaltamos, ainda, que esta tarefa atingiu alguns objetivos para os quais foi
elaborada e selecionada para a pesquisa de campo. Sintetizamos a discussão que
empreendemos na análise da tarefa 3, em três elementos por nós observados:
i) a confusão entre perímetro e área foi explicitada, ao menos pelas enunciações de
Marte, o que foi percebido até mesmo na utilização de centímetros quadrados como
unidade de medida de área e de perímetro (ver Figura 23); ii) a dificuldade de medir
o perímetro através de uma unidade de área (neste caso, o quadrado vermelho),
dificuldade esta observada através da análise da produção de significados de
Ortência; iii) a insistência em utilizar a régua para obter os lados e utilizar a noção
multiplicativa para obter área, embora tenha sido dado outro instrumento de medida
e ainda solicitada, no enunciado da tarefa, a utilização de tal instrumento (o
quadradinho).

5.3.4 – A Produção de Significados para a Tarefa 4

Reapresentamos, agora, a tarefa 4, em sua formatação e suas dimensões


originais. De modo análogo ao que procedemos na tarefa 3, um triângulo equilátero
azul (ver figura abaixo) foi apresentado junto à ficha, como um recorte em cartolina,
de modo que as alunas pudessem sobrepô-lo à figura da tarefa, e ainda outros três
triângulos, idênticos ao primeiro, além de réguas e esquadros, foram deixados à
disposição dos sujeitos de pesquisa.

Tarefa 4
Da forma que você achar melhor, utilize o triângulo azul para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.

Quantos triângulos azuis, como este, cabem na figura acima?


Figura 24 - Tarefa 4 da pesquisa de campo
118

Entregues as fichas aos sujeitos de pesquisa, eles passam a lê-las e a utilizar


os triângulos como moldes, buscando preencher toda a figura da tarefa. Talvez por
influência de toda a discussão desenvolvida na tarefa 3, as réguas foram deixadas
de lado e as alunas se envolveram unicamente com a atividade de montar a figura
com os triângulos dados, a princípio sem preocupação com medidas. O pesquisador
orienta as alunas a fazer o que o enunciado pede e, como segunda parte de tarefa,
encontrar a área e o perímetro da figura.
Através da transcrição a seguir, vejamos que Marte monta rapidamente a
figura e totaliza o número de triângulos pedido, enquanto Ortência se preocupa com
uma precisão geométrica (encaixe das peças triangulares sobre a figura, com
melhor configuração estética), o que leva a aluna a desenhar e apagar, algumas
vezes.

Ortência – É, eu tô me preocupando em não ficar preocupada com a precisão. Só que eu


acho que eu me despreocupei demais.

Marte – Acabei.

Pesq – Já?

Marte – Sim.

Ortência – Eu acho que isso aqui tá errado, mas... Olha que droga, eu sou muito
perfeccionista. Eu vou apagar e fazer tudo de novo.

Pesq – Vocês acham que se eu desse um número maior de triângulos, isto ia ajudar
nesta tarefa?

Marte – Claro, ajudaria muito.

Ortência utilizava apenas um triângulo azul como molde para dividir a figura
em uma malha67, neste caso uma malha triangular. Mas, pela segunda vez, apaga
seus desenhos expressando impaciência. Então, o pesquisador sugere à aluna uma
possível saída:

Pesq – E que tal, Ortência, se você usar todos os três triângulos juntos aí, ao invés de
um só, como você fez antes?

Ortência – Acho uma boa ideia. Vou tentar assim.

A aluna, então, marca as formas de quatros triângulos (nomeados depois por


ela de 1, 6, 7 e 8, como podemos ver na Figura 25) sobre a figura da tarefa, com os

67
Esta ação é chamada, pelos Matemáticos, de equidecomposição, como vemos, por exemplo, em
Neto (1982, p.123), quando cita o Teorema de Boliay-Gerwin.
119

moldes, completando um sexto da área da figura, e em seguida desenha livremente


os demais triângulos (ou seja, sem usar os moldes), parecendo visualizar todos eles,
antes de desenhá-los, como divisões da figura.

Figura 25 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 4 – Desenho

Observemos, na Figura 25, que Ortência dividiu com uma altura (marcou com
a letra h) o triângulo de número 6, para que, na última parte da tarefa, pudesse
calcular a área de cada triângulo. E observemos que o desenho de Marte ficou um
tanto parecido como o de Ortência (ver Figura 26).

Figura 26 - Registro escrito de Marte – Tarefa 4 – Desenho


120

De fato, os desenhos dos sujeitos não ficaram geometricamente “precisos”,


mas Ortência terminou segura de que a resposta que encontrou estava correta (24
triângulos), embora diferente da resposta de Marte (23 triângulos, como vemos na
Figura 28).
Quanto à segunda parte da tarefa, que foi “calcular a área e o perímetro da
figura”, vejamos, na Figura 27, o que escreveu Ortência:

Figura 27 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 4 – Anotações e Cálculos

Ortência se lembra da fórmula e escreveu-a, considerando a altura (h) como


de mesma medida que o lado do triângulo, encontrando 2 cm2 para a área de cada
triângulo. Multiplicando esta área pelo número de triângulos que encontrou, ela
calcula a área da figura. Para calcular o perímetro, a aluna conta, de um em um, os
lados do triângulo que formam o contorno da figura (ação que não conseguiu levar a
termo na tarefa 3, tendo quadrados como unidade de área) e encontra 24 cm.
Já Marte operar inicialmente em uma outra direção, ou seja, com a noção de
área de retângulo para calcular a área do triângulo, mas depois corrige seus
cálculos, fazendo:

Figura 28 - Registro escrito de Marte – Tarefa 4 – Anotações e Cálculos


121

Na videografia, observamos que Marte calcula o perímetro da mesma forma


de Ortência. As enunciações de Marte mostram que ela, nesta tarefa, já não
confundiu perímetro com área. Suspeitamos que as experiências das tarefas
anteriores, nas quais a aluna interagiu com a colega e com o pesquisador,
influenciaram essa possível mudança. Tal suspeita se baseia na afirmativa de
Chappell e Thompson (1999), de que os estudantes precisam de tarefas nas quais
possam analisar o perímetro e a área ao mesmo tempo para distinguirem
claramente os dois objetos. E ao elaborar e aplicar as três primeiras tarefas,
tínhamos isto como objetivo.
Passaremos, a seguir, a analisar os registros relativos à Tarefa 5.

5.3.5 – A Produção de Significados para a Tarefa 5

O enunciado da tarefa 5, que reapresentamos a seguir (Figura 29), foi


elaborado com o objetivo de nos ajudar a levantar dificuldades relacionadas à
mudança de grandeza (unidimensional para bidimensional, e vice-versa), quando os
estudantes produzem significados para os objetos que são constituídos durante a
sua ação de resolver a tarefa. Ao elaboramos esta tarefa, consideramos que, além
da não dissociação entre área e perímetro e a confusão entre estas noções, outras
dificuldades poderiam (e podem) existir e ser observadas por meio de uma leitura do
processo de produção de significado de cada sujeito, segundo o MCS. Os elementos
deste enunciado deveriam, ainda, permitir que os sujeitos de pesquisa falassem
sobre noções algébricas ligadas ao cálculo da área e do perímetro de um retângulo.

Tarefa 5
Um outdoor de uma propaganda publicitária foi construído com a forma de
um retângulo com área de 104 m2, e com um dos lados sendo 5 metros maior
do que o outro. A agência de publicidade responsável pela propaganda decidiu
colocar um revestimento de alumínio para contornar todo outdoor, o que lhe dá
um melhor acabamento. Imagine que você trabalhe nesta agência e precisa
calcular quantos metros de alumínio serão necessários para cobrir toda a borda
do outdoor. Então, faça agora este cálculo.

Figura 29 - Tarefa 5 da pesquisa de campo


122

Adotamos, para esta tarefa, os seguintes procedimentos: não demos


nenhuma orientação aos sujeitos de pesquisa, apenas entregamos a eles as fichas
da tarefa e disponibilizamos réguas, esquadros e lápis; ausentamo-nos da sala por
todo o período (previsto) de aplicação da tarefa, sendo que, quando retornamos, os
sujeitos já haviam terminado há cinco minutos, aproximadamente; não fizemos
nenhuma pergunta ou intervenção depois deste tempo. O procedimento da ausência
do pesquisador durante a tarefa teve por objetivo testar o quanto a interação entre
os sujeitos, sem a intervenção do pesquisador, pode gerar novas produções de
significados. Com efeito, na resolução da Tarefa 5, esta interação aconteceu mais
intensamente do que nas demais tarefas da presente pesquisa, gerando uma
diversidade de enunciações acerca dos temas da tarefa, mas também sobre
diversos outros temas, como contar nos dedos, decorar tabuada, a relação do
contexto da tarefa com a sua vida fora da escola, etc. Mas não traremos à análise os
trechos da transcrição sobre estes temas, para não nos alongarmos em demasia e
não nos desviarmos dos objetivos propostos.
O pesquisador entrega as fichas às alunas, que as lêem em silêncio por
quatro minutos. Ao final deste período, o silêncio é interrompido pelo seguinte
diálogo:

Ortência – Qual é mesmo a fórmula de Bhaskara?

Marte – Fórmula de Bhaskara?

Ortência – É, tem muito tempo que eu não uso.

Marte – Eu vou lembrar. (Olhando para o alto).

Ortência – Nossa, eu decorei! Eu não acredito que eu esqueci!

Marte – Será que agente pode olhar (no livro ou caderno).

Ortência – Ah, ele falou pra não preocupar. Calma...

(Ambas olhando para o alto, em silêncio).

Ortência – Ah, lembrei!

Marte – Duas vezes bê...

Ortência – Não. Já lembrei.

Marte – Vê se eu tô correta...

Ortência – Acho melhor a gente discutir no final.


123

Como podemos ver na ficha de registro de Ortência (Figura 30), ela


equaciona o problema e chega a uma equação do segundo grau, razão porque
cogita a necessidade de utilizar a fórmula de Bhaskara (ver trecho acima), e a utiliza.

Figura 30 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos

Já ao analisarmos o fragmento da ficha de Marte abaixo (Figura 31), vemos


que esta aluna encontra uma outra saída que, embora também algébrica, não utiliza
a fórmula de Bhaskara. Neste fragmento, podemos identificar, ainda, a confusão
entre área e perímetro, mas desta vez com uma característica diferente das
ocasiões anteriores. Marte parte da noção de que a área de um retângulo é obtida
pela operação entre duas medidas (os lados do retângulo), mas escolhe a operação
de adição, ou invés da multiplicação. Na tarefa 1, a aluna calculou o perímetro da
mesma maneira que calculou a área na tarefa 5.

Figura 31 - Registro escrito de Marte – Tarefa 5 – Desenhos e Cálculos


124

Marte parece não se importar com que grandeza está calculando, mas
apenas com o resultado quantitativo do que se pede no enunciado. Isto é o que
depreendemos de sua fala e seu diálogo com Ortência, em momentos distintos:

Marte – Podia ser área... Não, podia ser perímetro, né?

(...)

Marte – Eu tenho uma pergunta. O alumínio cobriria tudo ou só as bordas?

Ortência – Só as bordas. A gente tem que saber quais que são os lados pra saber as
bordas.

Marte – Ah, porque se não a gente ia falar que ia ser cento e quatro.

Ortência – Não, é só a borda.

Voltemos a nossa atenção para a produção de significados de Ortência. Ela


não consegue resolver a equação de segundo grau e atribui isto à maneira como
pensou a partir do enunciado, relacionando as incógnitas que criou para as medidas
dos lados do outdoor (ver Figura 32).
Embora para um matemático não haja diferenças entre uma e outra maneira
de pensar (pois o fato de um lado ser maior que o outro, garante que este seja
menor que aquele), para a aluna Ortência os significados de um e de outro modo
são diferentes o suficiente para gerar interpretações algébricas igualmente
diferentes, que por sua vez acabariam determinando resultados diversos para o
problema apresentado. Vejamos o momento em que surgiu esta mudança de
significados para Ortência, através de sua fala (nos seguintes trechos da transcrição
da videografia) e em seus registros escritos, ou seja, em sua ficha relativa à Tarefa 5
(Figura 32):

Ortência – Ah, por isso que a minha conta não tava dando certo. Eu li como um dos
lados sendo cinco metros menor do que o outro.

Marte – Ah, tá.

Ortência – Aí deu completamente errado.

(...)

Ortência – Tô explicando o que eu errei: eu li o enunciado errado, li cinco metros menor.

(...)

Ortência – Agora muda tudo de novo. (Concentrada em sua resolução).


125

Figura 32 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos 2

Analisando esta Figura (32), vemos que, depois de fazer novos cálculos,
Ortência percebe que seria novamente impossível resolver aquela equação, pois o
delta resultava negativo. Vejamos também suas falas sobre isto, em distintos trechos
da transcrição:

Ortência – Agora muda tudo de novo. (Concentrada em sua resolução).

Marte – Mais eu acho que não vai dar não. (Concentrada em sua resolução).

Ortência – Ouh, o meu vai continuar dando a mesma coisa.


(...)
Ortência – Vai continuar dando errado. Que droga! Acho que eu vou ter que mudar de
raciocínio, este não tá dando certo, não.
(...)
Marte – Ah, mais aqui não é equação do segundo grau, então não precisa...

Ortência – Quem disse que não é? Você pode muito bem transformar ela numa equação
do segundo grau.

Marte – Não, o meu não.

Ortência – A minha eu transformei. Só que delta tá dando negativo. E aí não tem como
calcular. Ih!.. Tem alguma coisa errada, porque não pode tá dando negativo.

Em determinado momento da tarefa, Ortência deixa a tentativa de resolver o


problema através de equações, e passa a testar valores para os lados da figura
(outdoor), ainda considerando a diferença de medida entre seus lados. Observamos,
ainda, na transcrição, que a aluna revela uma noção bastante comum quando se
aprende Matemática na escola básica, que é a noção de que o método de tentativa
126

e erro não é comumente aceito na escola; mas não discutiremos isso, na presente
pesquisa. Ao testar alguns valores para os lados do outdoor, Ortência não fica
convencida de que estes valores são os corretos, como podemos ver na Figura 33 e
nos trechos da transcrição que seguem abaixo, os quais nos permitem, ainda,
afirmar que suas noções de dividir a área do retângulo ou de encontrar a sua raiz
quadrada podem ser estratégias para se encontrar os valores dos lados da figura.

Figura 33 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos 3

Ortência – A gente quer que cento e quatro dividido por dois...

Marte – Eu sei! Aaah!... (Risadas)

Ortência – ...E cinquenta e dois vezes cinquenta e dois seja cento e quatro. Eu vou me
matar com esses lápis.

Marte – Então essa é a raiz quadrada.

Ortência – Agora eu entendi porque a minha equação de segundo grau deu errada.

Marte – Por quê?

Ortência – Porque eu contei o cento e quatro como uma coisa qualquer. Só que é cento
e quatro ao quadrado.

Marte – Ah, o meu também! Droga! (Gargalhadas). Se eu tivesse colocado o cento e


quatro ao quadrado, teria dado certinho.

Ortência – Não, não teria, não.

Marte – Teria, sim. Não vem, não vem.


127

Ortência – Teria não. Porque a gente não sabe fazer equação do terceiro grau. Quarto
grau, no caso. Porque, olha só, o xis vai tá ao quadrado e o cento e quatro também vai tá
ao quadrado. Aaah!...

Marte – Não, mas a gente não tem o xis ao quadrado.

Ortência – Mas a gente calcula.

Marte – Não, mas olha só...

Ortência – Não, eu vou resolver o meu xis. Eu sei porque que deu errado. Mentira, só vai
dar mais errado ainda.

Marte – A eu vou só fazer a raiz quadrada, fazer a mesma coisa que eu tinha feito antes
e... Que aí vai dar zero, não vai?

Ortência – Vai.

(...)

Marte – Mas então como é que a gente vai fazer.

Ortência – Eu não sei ainda. Eu só sei que a gente tá errada.

Marte – Nossa senhora, Deus me ajude nessa hora. (Tom irônico). E se a gente fizer
assim... Eu vou tentar.

Ortência – Ah, eu vou usar raciocínio, não vou usar conta, não. Porque se não eu
desisto.

Marte – Vamos lá fora, pedir ajuda de alguém? (Risadas).

Ortência – Eu não preciso de ajuda, não.

Vejamos que Ortência diferencia “usar raciocínio” de “usar conta”. Para ela, o
termo “usar conta” parece ter o significado de usar fórmulas (decoradas) para
resolver o problema apresentado, enquanto que o termo “usar raciocínio” significaria
usar a estratégia de tentativa e erro. Isto nos faz pensar na conduta docente
tradicional – e bastante comum – de apresentar fórmulas como P = 2c + 2l ou A = c x l,

sem um trabalho anterior que possibilite aos alunos entender de que modo estas
fórmulas se relacionam com a grandeza a ser medida ou com a unidade de medida
utilizada. E tal conduta pode gerar dificuldades na aprendizagem de perímetro e de
área, apresentadas por muitos estudantes do ensino fundamental. (NCTM, 2007;
LINDQUIST e KOUBA, 1989)
Ortência se decidiu por “usar raciocínio” e seguiu afirmando:

Ortência – Nem que seja por eliminação, eu vou descobrir o resultado disso. Nem que eu
fique aqui o dia inteiro. O marido da minha tia, que mexe com coisa de Matemática, ele
disse que por eliminação você pode descobrir rápido ou pode demorar...

Marte – Um ano.
128

Ortência – Exatamente. Nem que eu fique aqui, nessa sala, um ano, eu vou descobrir
por eliminação.

Marte – E eu vou ficar aqui porque eu sou sua amiga.

Ortência – E porque você quer o resultado. (Risada).

Enfim, Ortência encontra, por tentativas, os valores dos lados, comemora e


explica para Marte (e depois para a câmera) o que fez para chegar ao resultado
final:

Ortência – Caraca! Eu sou muito inteligente, eu me amo! Na primeira conta que eu fiz, eu
acertei.

Marte – Quanto que é?

Ortência – Não te falo!

Marte – Ah, Ortência, então eu não vou fazer...

Ortência – Eu tô brincando! Um lado tem treze metros e o outro tem oito!

Marte – Dá cento e quatro? Não dá cento e quatro.

Ortência – Eu... sou... muito... inteligente. Eu me amo, eu me amo muito.

Marte – Ah, não fala que a gente fez isso tudo pra não...

Ortência – Eu penso antes de fazer a conta. Tipo assim, por exemplo, eu vejo qual
número multiplicado por qual daria o último número. Então eu fui por oito, que eu achei
que era o mais provável de consegui cento e quatro. E aí eu pensei: oito vez o quê... qual
é o último numerozinho aqui, tipo treze, quatorze, quinze... Oito vezes quatro, trinta e
dois; o último número daria dois. Cento e quatro termina em quatro, eu pensei: oito vezes
três vinte e quatro; número é quatro, quem sabe? Fui. Cento e quatro. Eu me amo.

Marte – Que número já era cinco a mais que oito?

Ortência – Sim. Dá certo!

Marte – Coisa estúpida! (Criticando a si mesma).

Ortência – Eu pensei nisso também: oito é exatamente cinco números menor do que
treze.

Marte – Escreve isso também, o que você chegou. Ou então, não, só fala pra câmera.

Ortência – Será que o professor quer que escreve?

Marte – Hã hã... Não, fala pra câmera.

Ortência – Oi, câmera. (Acena para a câmera). É... eu pensei qual número daria quatro
no último algarismo. Porque o cento e quatro, né, o último número e quatro... Eu fui pela
tabuada de oito, fui aumentando ela porque eu achei que era a mais provável de eu
conseguir o número cento e quatro, não sei por quê. E aí eu pensei oito vezes quatorze,
por exemplo. Só que oito vezes quatro dá trinta e dois. Oito vezes três dá vinte e quatro;
então o número é quatro. E aí eu fiz a conta e deu... cento e quatro.
129

Algumas discussões paralelas se desenrolam, enquanto Marte copia a


resolução de Ortência, mas troca alguns valores e opera diferente da colega. Marte
considera as medidas 4 e 13 (metros) como as possíveis medidas dos lados do
outdoor, monta a operação de multiplicação, colocando a resposta que copiou de
Ortência e, por fim, soma os valores dos lados, obtendo 34 metros. Vejamos a
figura:

Figura 34 - Registro escrito de Marte – Tarefa 5 – Anotações e Cálculos

Finalizando a tarefa 5, acontece um último diálogo entre os sujeitos, que nos


revelou, através de falas e gestos de Ortência, o significado que ela produziu para o
termo perímetro do retângulo: a medida do contorno da figura. E revelou, também, a
confusão que Marte faz entre área e perímetro, não dissociando os significados que
produz para estes termos, durante a (sua) atividade de calcular os lados do outdoor,
na qual esta estudante parece estar imersa, ao fazer a tarefa. Vejamos esse último
diálogo:

Ortência – Quanto que deu o seu?

Marte – Cento e quatro.

Ortência – Cento e quatro metros?

Marte – Tem que fazer o perímetro?


130

Ortência – Não tem que fazer o perímetro, mas tem que falar... Agora é o resto. Primeiro
a gente descobriu quais são os lados, a base pra gente poder fazer a questão. Agora a
gente tem que descobrir quantos metros de alumínio você precisa pra fazer o
acabamento, que é o perímetro, né, porque... (Faz o contorno do retângulo no ar, com os
dedos).

Marte – Que raiva!

Ortência – É por isso que a gente precisava dos lados, pra poder fazer o perímetro, pra
poder calcular quantos metros de alumínio, pra colocar em volta do outdoor. Eu fiz quatro
raciocínios errados.

Marte – Eu três, quatro, mas um eu apaguei.

Ortência – Eu fiz quatro.

(Pesquisador retorna à sala).

Pesq – E aí, conseguiram acabar?

Ortência – Eu fiz quatro raciocínios errados antes de desistir e fazer de cabeça. Eu tentei
três tipos de equação do segundo grau e um tipo de alguma coisa muito estranha.

Com a análise da Tarefa 5, portanto, pudemos identificar a dificuldade de


Marte em distinguir área de perímetro, como se os dois termos expressassem um
único objeto, constituído pela aluna, quando ela associava as medidas de lados à
medida dada, 104 metros quadrados. Para esta medida, esta aluna parece não
produzir significado algum, em determinados momentos. Já Ortência não apresentou
tal dificuldade, ou seja, ela parece não ter problemas em distinguir perímetro de
área. Além disso, observamos que ambas as alunas apresentaram dificuldade de
manipulação algébrica, ao tentarem encontrar as medidas dos lados da figura.

5.3.6 – A Produção de Significados para a Tarefa 6

Nenhuma orientação foi dada aos sujeitos de pesquisa, sobre esta tarefa;
apenas lhes foram oferecidos lápis, borracha, réguas, esquadros e algumas figuras
recortadas em cartolina, as mesmas das tarefas 3 e 4 (quatro triângulos equiláteros,
cujos lados tem a medida aproximada do raio do círculo da tarefa 6, e quatro
quadrados, cujos lados têm medida aproximada da metade do raio desta tarefa). A
tarefa 6 (ver Figura 35) foi divida em duas fichas: a primeira contendo o círculo e o
semicírculo; e a segunda, a coroa circular e a estrela. O enunciado e as figuras da
tarefa 6 são exibidos a seguir.
131

Tarefa 6
Calcule a área e o perímetro das figuras abaixo.

1ª Parte

2ª Parte

Figura 35 - Tarefa 6 da pesquisa de campo

Vejamos alguns dos resíduos de enunciação dos sujeitos de pesquisa,


registrados segundos após lhes ser entregue a primeira duas fichas desta tarefa:

Ortência – Professor, agora eu quero falar uma coisa muito importante. A gente não tem
a mínima ideia de como calcular a área nem perímetro da circunferência. O professor de
desenho geométrico disse que vai estudar isso com a gente no fim do ano. Como é que
você pede isso pra gente? Eu não tenho a mínima ideia. Eu sei calcular o raio, mas não
sei como eu posso utilizar isso com a área e o perímetro.

Marte – Eu sei como eu posso... Não.

Pesq – Mas talvez, em algum lugar do passado, vocês já tenham visto alguma fórmula ou
alguma das várias saídas para esta tarefa, porque tem várias saídas.
132

Marte – Tem. Quadrado é uma.

Ortência – Não tem como eu transformar isso num triângulo, nem num quadrado, que é
o que eu sei fazer a área.

A partir destas falas iniciais, podemos entender que ambas as alunas não
sabem calcular a área de figuras planas diferentes de polígonos (vejamos, também,
o trecho da transcrição a seguir). Assim, avaliamos que elas talvez estejam diante
de um obstáculo epistemológico, pois podem produzir significados para medida de
área de não-polígonos, mas não o fazem. No entanto, este obstáculo parece ser
vencido, quando surgem novos elementos, na interação entre as alunas, como
veremos adiante.
O pesquisador se ausenta da sala. Então as alunas pegam os esquadros e as
réguas, e os movimentam sobre a primeira figura da tarefa. O diálogo se inicia, em
torno de suas dificuldades com a tarefa e de suas possíveis saídas:

Ortência – Sinceramente, eu estou ligeiramente, completamente, totalmente perdida.

Marte – Aaah rá.

Ortência – Ah, e você que disse: eu sei o que fazer, eu sei... Então como é que é?

Marte – Eu vou fazer um quadrado em volta... Eu vou falar assim: a área do círculo é
aproximada do quadrado.

Ortência – Cara, a sua inteligência me deixa perplexa! Eu fico com vergonha de ser sua
amiga, de tão inteligente que tu é.

Marte – Nossa, você afetou meu coração. Acabou com o meu hart agora.

Ortência – Mas até que é uma boa ideia, tá. Eu tava brincando. É uma boa ideia. Mas eu
já pensei em outra coisa.

Marte – É? Faz um triângulo, assim. (Coloca a régua sobre a figura).

Ortência – (Risada). Mas aí vai ser ligeiramente assim... O triângulo vai ter que ser muito
maior. Eu tinha que pensar numa figura mais aproximada que a gente saiba fazer, mas a
gente só sabe fazer área de triângulo, de quadrado ou de retângulo.

Marte – Mas se a gente fizesse o triângulo com um retângulo aqui em baixo.

Ortência – Pra que o triângulo, se o retângulo só dá.

Marte – Faz só um quadrado mesmo.

Ortência – Ah, eu vou fazer um retângulo.

No diálogo acima, as alunas discutem a possibilidade de circunscrevem um


quadrado ou um triângulo à primeira figura, o círculo. E parecem acreditar que a
área do quadrado circunscrito e a área do triângulo circunscrito teriam um valor
133

aproximado do valor da área do círculo dado. Em seguida, Marte e Ortência


discutem qual das figuras tem medida de área mais próxima da medida da área do
círculo. Neste momento, ambas já consideram a possibilidade de calcular a área do
círculo, ao menos de maneira aproximada. Isto indica que as alunas estão
superando sua dificuldade inicial: não saber calcular a área de uma figura não-
poligonal. Em outras palavras, estão aprendendo um modo de calcular a área de um
círculo. E este aprendizado está acontecendo sem a intervenção do pesquisador.
Após esse diálogo, o pesquisador retorna à sala e é imediatamente
questionado, mas ainda não faz nenhuma intervenção:

Ortência – Professor, a gente só vai conseguir uma área aproximada, e olhe lá.

Marte – Ah, tem que fazer desta figura também?! (Aponta a segunda figura da tarefa, o
semicírculo). Ah, professor, eu já te falei o quanto eu te amo? (Tom irônico).

Ortência – Eu vou conseguir o mais aproximado que você, porque eu tive uma ideia
muito legal. A gente não fez um quadradão? Aí a gente pode fazer uns quadradinhos aqui
e tirar esses quadradinhos. Aí vai ficar mais aproximado ainda.

Marte – Ah, e depois pode fazer triângulos aqui!

Ortência – Aí já é querer demais, né? (Risadas).

Marte – Até que não. (Risadas).

As alunas utilizam réguas para medir, por três minutos, em silêncio. Ortência
passa a calcular a área, do modo que já apontou antes, inscrevendo o círculo em um
quadrado e “retirando” quadradinhos (de área unitária) da diferença geométrica das
duas áreas (do quadrado e do círculo), conforme a ficha da aluna (Figura 36).

Figura 36 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos e Medidas


134

E Ortência faz questão de justificar os seus passos, mais uma vez:

Ortência – A minha conta tá incrivelmente aproximada, OK?

Pesq – OK.

Ortência – Da área do círculo, podia tá mais aproximada. Podia fazer alguns


triângulozinhos aqui e aproximar ainda mais. Mas estaria bem mais complexo.

Marte se surpreende com seus resultados, ao que o pesquisador intervém,


como vemos no trecho abaixo:

Marte – Oh! A área e o perímetro deram igual.

Ortência – Huuum.

Marte – Hã hã!

Pesq – Isto é impossível?

Ortência – Não, não é impossível. Mas é improvável.

O trecho acima nos faz pensar que, embora as discussões travadas na


aplicação da Tarefa 2 tenham levado às alunas a aceitarem esta mesma
possibilidade (a de uma figura plana ter área e perímetro idênticos), isto parece não
ter sido o suficiente para que elas tenham internalizado este modo de produzir
significado para tal relação entre as duas grandezas geométricas. E entendemos
que o aprendizado de determinadas relações entre área e perímetro – como a
conservação da área quando o perímetro varia – é importante para que os
estudantes possam produzir significados para tais objetos.
No trecho a seguir da transcrição, observamos que Ortência se depara com
outro obstáculo epistemológico, pois ela parece não produzir significado para o
perímetro do círculo, quando tenta, por várias formas, encontrar uma solução
parecida com a que criou para calcular a área do círculo, mas não se convence de
que uma delas pode estar correta. Vejamos:

Ortência – O perímetro que eu tô meio agarrada, aqui. (Aponta para sua folha). Porque
eu já pensei em tirar os quadradinhos que eu tirei na área. Eu já pensei... em fazer o
quadrado todo. De qualquer jeito, eu acho que não vai dar certo, não.

No entanto, vemos (na Figura 37 e na videografia) que Ortência calcula o


perímetro para as duas figuras. Para o perímetro do círculo, ela toma os quatro
lados do quadrado circunscrito diminuídos de dois lados do quadrado cujo lado
mede 1 cm. Assim, soma os lados dois a dois e faz, por fim, 8 + 8 = 16 cm.
135

Procedimento semelhante a aluna usa para calcular a área do semi-círculo, que


considera corretamente com diâmetro medindo 6 cm, marcando este valor como a
medida do segmento de reta que forma a figura, como podemos observar a seguir,
na Figura 37.

Figura 37 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e Anotações

Analisemos, agora, a produção de significados da aluna Marte, através de


seus registros gráficos (Figura 38). Para ela, a área do círculo tem valor aproximado
da área do quadrado mensurada como 6 x 6 = 36 centímetros quadrados; e o
perímetro do círculo terá, então, a medida do perímetro do quadrado,
aproximadamente. Marte utilizou o mesmo modo de calcular a área do círculo, para
encontrar a área do semicírculo, que inscreveu em um retângulo de lados 3 e 6
(centímetros), como vemos na Figura 38, a seguir.
136

Figura 38 - Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e Anotações

Vejamos que ambas as alunas se utilizaram da circunscrição de figuras, mas


calcularam a área das figuras de modos diferentes, que foram por elas discutidos no
trecho da transcrição abaixo, quando Marte parece querer se certificar de que o que
ela fez era aquilo que foi pedido, e pergunta ao pesquisador:

Marte – Professor, mas você quer que a gente faça a área e o perímetro de um círculo?

Pesq – Mas você já não fez?

Ortência – Ela fez de qualquer jeito.

Marte – Não. Eu aproximei sim, mas ela tá colocando quadradinho aonde tem espaço
livre. Entendeu?

Ortência – Pra poder aproximar mais.

Marte – Eu tentei, só que aí não deu... não coube. Eu ia fazer de um centímetro, meio
centímetro, mas aí...

Ortência – Acho que acabei.

Com a intenção de oferecer novos elementos ao processo de produção de


significado das alunas, o pesquisador faz as seguintes intervenções68:

68
O objetivo destas novas intervenções foi criar um campo de novas possibilidades de produção de
significados para área do círculo e área do semicírculo, com a introdução de elementos que as alunas
137

Pesq – Então, agora que as duas acabaram, eu vou colocar no quadro as duas fórmulas,
de área e de perímetro, pra ver se vocês se lembram delas e pra que vocês usem estas
fórmulas para calcular novamente a área e o perímetro de cada figura, agora com mais
precisão.

Ortência – Professor, a gente não viu, a gente não pode lembrar o que a gente não
chegou a ver!

Pesq – Vocês já ouviram falar deste número (escreve na lousa), o número pi?

Marte – Número o quê?

Ortência – Número pi. Sim, três vírgula quatorze quinze...

Pesq – Isso mesmo. Eu vou arredondar esse valor pra três, pra facilitar o cálculo da área
e do perímetro, tá?

Ortência e Marte – Tá.

Pesq – Então a área do círculo é... (Começa a escrever a fórmula na lousa).

Ortência – Ai, a gente já viu área de circunferência, sim. Ai, que droga, não acredito!

Pesq – Eu sabia que vocês já conheciam isto... Então a área é igual a pi vezes o raio
elevado ao quadrado. (Escreve a fórmula no quadro). Lembram?

Marte – Erre, o quê que é o erre? (Referindo-se à letra r da fórmula A = π r 2).

Pesq – Erre é o raio da circunferência...

Ortência – É o raio, é... a...

Pesq - ...a distância do centro até a borda. (Desenha uma circunferência na lousa).

Marte – Ah, tá.

Pesq – E o perímetro da circunferência é igual a dois vezes pi, vezes o raio. (Escreve a
fórmula na lousa). Então agora eu vou pedir pra vocês calcularem novamente a área e o
perímetro destas figuras (círculo e semicírculo) e depois compararem com os cálculos
que já fizeram, tá?

Ortência – Claro que a gente vai mudar.

As alunas retornam às suas fichas, medem os raios usando réguas e, então,


comparam suas medidas e seus cálculos, da seguinte maneira:

Ortência – A área é igual e oiten... Ah, você tá de brincadeira?

Pesq – Qual o valor do raio você mediu?

Ortência – Três.

já haviam estudado, mas dos quais não se lembravam, até aquele momento da pesquisa.
Entendemos que aquele era o melhor momento para fazermos tais intervenções, pois o espaço
comunicativo estava criado, com o desenrolar da tarefa pelas alunas, que pareciam estar imersas na
atividade de mensurar a área e o perímetro daquelas figuras.
138

Pesq – E aí, o que você fez?

Ortência – Oh, área é igual a pi vezes erre elevado ao quadrado.

Marte – A minha também deu três.

Ortência – Ai, nossa! Não acredito, retardada! Não, não dá, não. Deixa pra lá.

Observando que as estudantes se entusiasmavam com a possibilidade de


calcular rapidamente a área e o perímetro do círculo dado na tarefa, ao mesmo
tempo em que elas se exaltavam, como que disputando quem acabaria os cálculos
antes da outra e conferindo os seus cálculos com os cálculos da colega, o
pesquisador interveio, novamente:

Pesq – O que foi?

Ortência – É porque o meu deu oitenta e um, tava dando oitenta e um. Mas é outra
coisa. É porque eu esqueci da potência. Isso é uma coisa que faz a gente errar muito,
essa coisa de multiplicação é antes de adição, e potência é antes de multiplicação, faz
errar muito. Eu erro muito nisso.

Pesq – A ordem das operações?

Ortência – Sim, foi isso que eu fiz agora. Antes de fazer o três ao quadrado, eu fiz três
vezes três, aí deu oitenta e um, e não vinte e sete.

Pesq – Mas você percebeu rápido.

Ortência termina seus cálculos e expressa, pela primeira vez nesta pesquisa,
a sua preocupação com a unidade de medida a ser utilizada, gerando a seguinte
discussão, que o pesquisador deixou se desenrolar, silenciando sua resposta:

Ortência – É em centímetros quadrados ou em centímetros normal?

Pesq – Boa pergunta.

Ortência – Porque é circunferência, então não é um vez o outro, então... O quê que você
acha? (Dirige-se para Marte).

Marte – Eu acho que é centímetro quadrado.

Ortência – Você acha? Porque, tipo, não é um lado vezes o outro, não é uma medida
vezes a outra. É uma medida só. (Faz um movimento circular com o lápis, no ar).

Marte – Ah, então não é.

Ortência – Não, mas eu também não sei se é uma medida só ou se são duas medidas,
ah rá! Eu tenho argumento contra as duas teorias, mas a favor eu não tenho de nenhuma
das duas.

(Risadas das alunas).


139

Marte – Ah, eu tenho, a (teoria) do que tem elevado a dois. Todas as áreas eu sempre
coloco o elevado a dois.

Ortência – Ah, você não conhece todas as áreas, pra falar isso.

Marte – Ah, mais é.

Ortência – Todas que a gente conhece. E o círculo é uma curva só. Oh, tristeza!

Marte – É.

Ortência – Centímetro ou centímetro quadrado, eis a questão.

Marte – Ai, meu Deus.

Ortência – Calma, Marte, tudo vai dar certo no final.

Observamos que as alunas, no trecho acima, referiam-se sempre à unidade


de medida de área, e não chegaram a uma conclusão sobre qual unidade utilizar, ao
calcular a área do círculo. Esta dificuldade, muito comum em nossas salas de aula,
parece estar relacionada com o estabelecimento de fórmulas para se calcular área
(como fizemos através de algumas intervenções), sem que os alunos produzissem
significados geométricos para os parâmetros destas fórmulas. Vejamos, por
exemplo, que Ortência parece ter conseguido superar os obstáculos epistemológicos
apresentados ainda no início desta tarefa, produzindo significado para área e
perímetro das figuras circulares, operando com a noção de aproximação com figuras
poligonais conhecidas. No entanto, a aluna não produziu significados para a unidade
de medida de área, após calcular a área das figuras usando a fórmula. Parece-nos
que um novo obstáculo epistemológico foi criado, pois Ortência passa a registrar
suas respostas para área em centímetros (ver Figura 39), e não em centímetro
quadrado, como fez até então, em todas as tarefas. A opção final de Ortência pela
medida em centímetros é justificada por sua fala (“não é um lado vezes o outro, não
é uma medida vezes a outra. É uma medida só.”) e por seus gestos (ela faz um
movimento circular com o lápis, no ar), no trecho da transcrição acima, através dos
quais afirmamos que a aluna parece operar da seguinte maneira: quando
calculamos a área de uma figura a partir da multiplicação de duas medidas desta
figura, obtemos uma quantidade de área em unidades quadradas; quando não há
duas medidas para serem multiplicadas (como é o caso do círculo), então obtemos
um valor de área em unidades simples. Observemos, ainda, que a fórmula e os seus
elementos (o raio, o número π e o número 2) sequer são citados pelas alunas, na
transcrição, embora sejam utilizados em seus cálculos.
140

Figura 39 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Anotações e Cálculos

Vejamos que Marte também optou por utilizar centímetros (unidade simples)
para os valores calculados, tanto de área quanto de perímetro. Talvez esta aluna
tenha sido convencida pela colega, Ortência, a proceder desta forma.

Figura 40 - Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Anotações e Cálculos

Ao finalizarem esta primeira parte da Tarefa 6, as alunas passam a comparar


seus novos resultados (depois das fórmulas dadas) com os resultados anteriores,
como podemos ver no seguinte recorte da transcrição:

Ortência – Eu acabei. Oh, professor, de um deles, eu errei por cinco centímetros, e o


outro eu errei por dois centímetros.
141

Marte – Um eu errei por dois, não, por três centímetros...

Pesq – A área ou o perímetro?

Marte – A á... o perímetro. Não, é... ah, esquece.

Ortência – No meu, a área da primeira figura, a diferença foi de cinco centímetros, e o


perímetro foi só por dois centímetros que eu errei.

A partir dessa comparação, Ortência se surpreende com uma grande


diferença de valores, o que a faz se expressar sobre algumas estipulações locais de
sua produção de significados para área do círculo (como o raio e o próprio círculo) e
sobre algumas relações métricas entre estas estipulações. Nesse momento, o
pesquisador inicia uma negociação de significados, sugerindo mais um modo de
operar, produzindo significados geométricos para área do semicírculo, como
podemos observar no trecho a seguir.

Ortência – Nossa! Ah, não, tem alguma coisa extremamente errada. A área da segunda
figura deu cento e oito centímetros. Ah, eu fiz uma coisa muito errada. Professor, o raio
disso (mostra o semicírculo da tarefa) não é isso aqui não, é? (Passa o lápis por sobre o
diâmetro da figura).

Pesq – Você pode me mostrar novamente?

Ortência – O raio desse meio círculo não é isso (diâmetro), é isso (raio), né?

Marte – É tipo o círculo dividido por dois.

Pesq – Será que ajuda, vocês compararem as duas figuras?

Ortência – Sim. Se eu colocasse essa figura (semicírculo) aqui (círculo), o raio seria isso
aqui (marca com o lápis o raio sobre o segmento do semicírculo).

Pesq – Quem sabe, se você dobrar o papel, sobrepondo as figuras, como você disse?

(Ortência dobra a folha e visualiza e sobreposição, aproveitando uma certa transparência


do papel).

Ortência – (Sorriso). A área é a metade! Mas aí não precisa fazer conta?

Marte – Tem. É dividido por dois. Só que... agora, divide vinte e sete por dois. (Tom de
desafio).

Ortência – Olha só, a área da segunda figura eu acertei. Sem fórmula.

Pesq – E o perímetro?

Marte – Bota a metade do outro.

Ortência – É. Mais não me faça falar qual é a diferença.

Pesq – Então vocês estão certas de que vai ser a metade?

Ortência e Marte – Sim.


142

Ortência – Porque uma figura é exatamente a metade da outra.

Vejamos que ambas as alunas operam com a mesma noção: a de que uma
diminuição da área do círculo acarreta uma diminuição do seu perímetro, na mesma
proporção. Entendemos ser esta mais uma dificuldade que as alunas apresentaram
e que acontece, rotineiramente, também em nossas salas de aula. Uma nova
intervenção do pesquisador parece ajudá-las a transpor esta dificuldade. Notemos:

Pesq – Como é que vocês me mostrariam o perímetro da primeira figura?

Ortência – O perímetro da figura é isso aqui, ó. É a linha que contorna ela.

Pesq – E da outra?

Ortência – A outra é... Aaaah! Totalmente, não é a mesma.

Pesq – A mesma?

Ortência – Não é a mesma, de jeito nenhum.

Pesq – Mas vocês tinham dito que era a mesma?

Marte – Não. Que erra a metade.

Ortência – Não! Também não era a metade, não. Seria a metade se a figura só tivesse
isso aqui. (Passa o lápis por sobre o contorno do semicírculo). Como a figura tem isso
(mostra o segmento de reta que forma o contorno da figura), não é a metade, porque isso
daqui não faz parte.

Marte – Ah, é mesmo.

Ortência – O perímetro, vai ter que calcular. A área é a metade, o perímetro, não.

Então as estudantes passam a calcular as medidas da área e do perímetro do


semicírculo, apresentando os resultados que exibimos nas Figuras 39 e 40 (acima).
Marte finaliza esta parte da Tarefa 6 e, imediatamente, começa a resolver a última
parte. Já Ortência, avaliando o que calculou, continua ainda pensando na primeira
parte da tarefa, e discute sobre isso com o pesquisador. Observemos:

Marte – Acabei.

Pesq – Então pode começar a última folha, com as últimas figuras. (Entrega para Marte a
ficha com a segunda parte da Tarefa 6).

Ortência – Professor, o perímetro é igual. (Referindo-se aos perímetros do círculo e do


semicírculo).

Pesq – É igual?

Ortência – Eu acho que é igual.


143

Pesq – Por quê?

Ortência – Porque por mais que eu ache que isso (contorno do círculo) aqui não é
mesma coisa que isso (contorno do semicírculo)... com certeza não acho... pensando de
acordo com a fórmula, olha só, a fórmula é: dois pi vezes o raio. O raio dessa daqui
(círculo) é três; pra mim, o raio dessa daqui (semicírculo) vai ser três também.

Pesq – Hum hum.

Ortência – Então, vai ser o mesmo. Porque, na fórmula, pi não vai mudar, dois também
não vai mudar. Então o que muda, o que varia a quantidade, o tamanho, a medida do
perímetro é o três, que é o raio. Se o raio aqui é três e aqui também, o perímetro vai ser o
mesmo.

Pesq – Entendi. Aí você está pensando em termos da fórmula, o que a gente falaria em
termos algébricos.

Ortência – Sim.

Pesq – E se você pensar só em termos geométricos, das medidas geométricas?

Ortência – Aí eu não acharia que é o mesmo, por questão de visualização. Eu não


acharia que, se eu esticasse essa linha pra baixo, por exemplo, daria o mesmo tamanho.

Pesq – Daria ou não daria?

Ortência – Eu acho que não daria. Só que eu prefiro pensar do outro jeito, de acordo
com a fórmula, que é o mais... certo. (Faz o sinal de aspas com os dedos).

Entendemos, a partir do trecho acima e dos registros escritos (Figura 39), que
Ortência produz dois significados distintos, os quais, para ela, parecem ser
conflitantes. A aluna parece atribuir, para medida do perímetro de uma figura
circular, o seguinte significado (algébrico): obter o valor do raio da figura e, a partir
disto, aplicar a fórmula P = 2 π r. No entanto, Ortência parece também produzir um
outro significado (geométrico, desta vez), para o mesmo objeto: esticar as linhas de
contorno da figura e medir seu comprimento (com uma régua, por exemplo).
Com efeito, a ação de identificar estes significados nos permitiu compreender
o conflito em que Ortência se encontrava, passo inicial para uma possível
intervenção, que não fizemos naquele momento. Mas vejamos que a aluna faz um
juízo de valor dos significados que produziu, escolhendo pelo primeiro (que
chamamos de algébrico), que para ela é “o mais... certo”. Talvez este juízo seja o
mesmo que muitos professores fazemos em nossas salas de aulas, elegendo esta
ou aquela definição como a melhor ou a mais correta, para determinado objeto
geométrico.
Passemos para a análise das produções de significados dos sujeitos na
segunda parte da Tarefa 6.
144

Marte começa pela coroa circular, deixando os cálculos relativos à estrela


para depois. Vejamos como esta aluna se expressa acerca dos elementos da coroa
circular, ao inquirir o pesquisador:

Marte – Professor, você quer do que tá verde... ou é de tudo? (Mostra na figura da coroa
circular). Você entendeu?

Pesq – A figura... é a verde.

Marte – Quando eu for fazer o pi aqui, eu vou fazer do raio aqui no meio (aponta para o
furo da coroa circular), ou não vai dar, ou você quer que calcule para os dois círculos?

Pesq – A figura da tarefa é a figura verde, né?

Marte – Deixa fazer dos dois círculos.

Já Ortência faz primeiramente os cálculos da área e do perímetro da estrela,


que exibimos na Figura 41, a seguir.

Figura 41 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e Anotações 2

A partir desta figura, identificamos que, para Ortência, calcular a área da


estrela parece ter o significado de dividir a figura em quatro triângulos e um
quadrado, medir os lados destes polígonos e, finalmente, calcular suas áreas. Pois a
aluna sabe calcular área de figuras como estas, é o que podemos concluir de sua
145

afirmação (ao se referir ao círculo), que citamos no início desta seção: “Não tem
como eu transformar isso num triângulo, nem num quadrado, que é o que eu sei
fazer a área”. Em determinado momento, ele afirma:

Ortência – Essa figura aqui (estrela) tá muito fácil. Eu tô preocupada quando chegar no
círculo. Área dessa...

Diante esta fala de Ortência, Marte parece desanimar de seguir fazendo a


tarefa, quando informa:

Marte – (Olhando para a câmera). Professores de Matemática, eu tenho uma coisa pra
falar: eu não sei Matemática.

No entanto, já tendo calculado a área e o perímetro da coroa circular (ver


Figura 44), Marte volta sua atenção para a estrela e, a partir de um comentário, trava
a seguinte discussão com a colega, com algumas intervenções do pesquisador:

Marte – Professor, eu não tô lembrando com é que faz o perímetro e a área de um


triângulo.

Ortência – Ah-ah, eu se-ei! (Tom de convencimento).

Marte – Ah, não, perímetro eu sei. Mas a área...

Ortência – Eu sei.

Marte - ...É aquela coisa lá da hipotenusa, que tem que ter dois triângulos retângulos.

(Ortência fita Marte de modo repreensivo).

Marte – Tá, então não é isso. (Risada). É...

Pesq – Continua, Marte, pois pode ter várias saídas.

Ortência – Sim, às vezes tem a ver.

Marte – É porque tem muito tempo que eu não vejo, quer dizer, estas férias, né? Essas
férias. Então não é triângulo retângulo?... É sim, é triângulo retângulo. Você tem que
achar dentro do triângulo retângulo pra achar a hipotenusa.

Pesq – Tenta, então, fazer.

Marte – Não, eu já fiz.

Ortência – E o quê que a hipotenusa tem a ver com isso, com a área do triângulo?

Marte – Que aí eu vou fazer aquela conta... A hipotenusa... que eu não lembro... é duas
vezes...

Ortência – A hipotenusa ao quadrado é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas
isso é pra... Mas, enfim, né?... Cada um faz do jeito que sabe. (Sorri, olhando para o
pesquisador). Eu num vou falar o meu jeito, né?
146

A partir esta discussão, vemos que Ortência enuncia o Teorema de Pitágoras,


mas não sente necessidade de utilizá-lo na tarefa, pois ela já havia encontrado as
medidas dos lados dos triângulos. Observemos, na Figura 41 (acima), que Ortência
marcou o valor da altura que ela desenhou em cada triângulo como tendo o mesmo
valor dos lados dos triângulos, ou seja, dos lados da estrela.
Já Marte opera em outra direção, a de considerar a necessidade de se
calcular a medida da hipotenusa dos triângulos obtidos pela decomposição da
estrela, para se obter a área de cada um destes triângulos. E como podemos
observar na Figura 42 (a seguir), Marte faz o cálculo da área do quadrado e do
perímetro da estrela, mas não calcula a área da estrela69.

Figura 42 - Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e Anotações 2

Ao terminar seus cálculos para estrela, Ortência passa a analisar a última


figura, a coroa circular. Estando o pesquisador ausente da sala, ela se dirige a
Marte, dizendo:

Ortência – Acabei. Êba! (Comemora). Agora só falta esse círculo muito estranho aqui
(cora circular), que eu não tenho a mínima ideia de como eu vou fazer. (Continua lendo).
Eu não vou usar a fórmula neste círculo muito estranho, eu vou usar aquilo que a gente
fez. Por que... não sei. Não sei qual que é o raio disso.

69
Assim como Ortência, Marte fez a decomposição da estrela em quatro triângulos e um quadrado,
medindo os lados destas figuras com a régua. Mas Marte não registra o cálculo da área da estrela, e
isto perece estar relacionado ao fato de a aluna não se convencer de que o seu raciocínio para
calcular a área do triângulo esteja correto.
147

Então, o pesquisador retorna à sala, ao que Ortência lhe indaga:

Ortência – Professor, nessa última figura, eu não sei como eu vou usar a fórmula, porque
eu não sei qual que é o raio disso. Isso não é um círculo, isso é uma... rodela, um pedaço
de um círculo. É uma coisa muito estranha. Eu não sei com é que eu descobr... não sei
“saber” o raio disso (faz o sinal de aspas com os dedos).

Nestes dois últimos trechos da transcrição, podemos identificar que Ortência


sente um estranhamento em relação à figura. Este estranhamento talvez possa
significar um obstáculo epistemológico da aluna, por não produzir significado,
naquele momento, para área da coroa circular, que ela chamou de “círculo muito
estranho” e de “pedaço de um círculo”. Mas, em um momento imediatamente
seguinte, ela tenta operar com a sua noção de área do círculo, mas afirma não saber
como identificar um raio na coroa circular. É isto o que depreendemos de suas fala:
“não sei ‘saber’ o raio disso”.
Em seguida, Ortência afirma algo sobre a noção de aproximação para
calcular área – o que ela de fato tenta fazer, mas depois desiste, como vemos na
Figura 43 – e é questionada pelo pesquisador, que faz algumas intervenções que
alteram o modo das alunas operarem:

Ortência – Eu vou fazer daquele jeito que a gente fez, fazer o quadrado em volta, o
quadrado dentro, fazer o mais aproximado que eu puder.

Pesq – Tá. Você tá falando primeiro em área ou em perímetro?

Ortência – Não, eu tô falando em área. Eu nem comecei a pensarem perímetro. Por


favor, não me faça.

Marte – Essa coisa do raio também serve pra uma rodela?

Ortência – A gente realmente não aprendeu isso.

Pesq – Então...

Ortência – Eu nem sei ver o raio, direito. Eu só sei que num círculo completo, é do meio
do círculo pra alguma das laterais.

Pesq – Você sabe fazer para o círculo grande, com o raio grande?
Ortência – Sim.

Pesq – E pro círculo pequeno, você saberia fazer também?

Marte – Sim.

Ortência – Não. Ah, por exemplo, o círculo... (Faz um círculo com os dedos no ar).

Marte – Ah, e se subtrair? Fizesse do grande, depois do pequeno, e subtraísse o


pequeno do grande? Aaah!
148

Ortência – (Faz sinal positivo com um das mãos). Tem que ser.

Marte – É, um é a metade do outro. (Fica olhando para o pesquisador, aguardando


algum feedback).

As alunas permanecem por mais três minutos escrevendo, em silêncio, e


terminam de fazer a tarefa. Nas Figuras 43 e 44, abaixo, podemos observar que as
alunas operam do mesmo modo, ao calcular a área da coroa circular (embora Marte
considere 42 = 12, assim obtendo valores diferentes): elas calculam a área do círculo
maior e a área do círculo menor, depois subtraem uma área da outra.
É interessante notar que, também em relação ao perímetro dessa figura,
ambas as alunas parecem operar do mesmo modo que operaram para área: elas
calculam o perímetro de cada círculo (maior e menor), subtraindo suas medidas ao
final, obtendo o perímetro da coroa circular (ver as Figuras 43 e 44). Certamente,
este não é um modo usual (nem matematicamente correto) para se calcular o
perímetro de uma coroa circular, mas é uma maneira legítima para as alunas,
segundo sua produção de significado para perímetro da figura em questão.

Figura 43 - Registro escrito de Ortência – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e Anotações 3

Observemos, na figura a seguir, os cálculos, feitos por Marte, da área e do


perímetro da coroa circular, e notemos ainda que a aluna, mais uma vez, usa o
centímetro como unidade de medida do perímetro e da área.
149

Figura 44 - Registro escrito de Marte – Tarefa 6 – Desenhos, Cálculos e Anotações 3

Passaremos, agora, a analisadas as últimas produções das alunas nesta


pesquisa de campo, quando respondiam a algumas questões extras, ou seja, que
não estavam contidas no conjunto de tarefas que aplicamos.

5.3.7 – Outras Produções de Significados dos Sujeitos de Pesquisa

Após a aplicação da última tarefa, a Tarefa 6, fizemos algumas perguntas aos


sujeitos de pesquisa, com o objetivo de obter mais informações sobre os significados
que eles produzem para área, perímetro e a relação entre estas grandezas. A
primeira pergunta foi a registrada no seguinte trecho da transcrição:

Pesq – Tá. Então, a pergunta que eu ia fazer é a seguinte: vocês conseguem ver alguma
relação entre área e perímetro?...

Marte – Não.

Ortência – ...Alguma relação clara entre área e perímetro?

Marte – Não, eu acho que eles são primos.

Ortência – Ah, rá. Primos? (Discretamente, voz baixa).


Pesq – Primos? Como assim?
150

Ortência – Não, pri... Pode falar. (Dirigindo-se a Marte).

Marte – Porque eles são... Fazem... são uma relação, são um valor...

(Com gestos e olhares, Ortência expressa ansiedade para falar, mas se contém e espera
Marte falar).

Marte - ...Um número que explica... explica, não. Um número de um local, tipo, sabe...
Um é o tamanho por fora, e o outro é o interior todo. Por fora e por dentro. Eu vejo assim.

Ortência – Eu já vejo diferente.

Pesq – Por que, então, que são primos?

Marte – É, entendeu, eles têm uma semelhança em alguns pontos, que é... Todas as
figuras têm os dois lados... e, na hora de fazer a conta a gente encontra os dois, sabe?...
Mas, na hora da resposta, na maioria das vezes não tem nada a ver.

Ortência – É...

Pesq – É? Você acha que não tem nenhuma relação direta? Quando um aumenta, o
outro aumenta ou diminui?...

Ortência – Eu acho, eu acho.

Marte – Ah, não. Isso é. Eu tô falando, por exemplo, na resposta desse (aponta para a
figura da estrela), sabe, na área total de uma figura fixa...

(...)

Marte – Uma figura fixa, eu acho os resultados completamente diferentes, tirando os


quadrados.

Ortência – Eu...(Voz baixa).

Pesq – Entendi. Os quadrados são figuras especiais, em relação a área e perímetro?

Marte – Foram as únicas que eu vi até agora, que têm área e perímetro iguais.

Nas respostas dadas pelas alunas, no trecho acima, destacamos a fala de


Marte. Primeiramente, quando ela se refere a uma característica como a área e
perímetro, dando a entender que ambos são quantidades (ou quantificáveis), são
“valores”, “um é o tamanho por fora, e o outro é o interior todo”. Ainda identificamos,
pela expressão desta aluna, um significado que ela produz para o termo primos, ao
se referir a área e perímetro: grandezas que “têm uma semelhança em alguns
pontos”, como o fato de todas as figuras apresentarem estas grandezas.
Já Ortência parece identificar diferenças entre área e perímetro. Com a
intervenção do pesquisador, ela exibe sua produção de significados para a relação
entre área e perímetro. Vejamos:

Ortência – Eu já acho que... Eu acho diferente, porque, tipo, a área é... você quer saber
a... a dimensão não, mas... o perímetro também não, porque seria falar de outra coisa,
151

mas a quantidade toda de figura. Por exemplo, a área de um terreno, tudo que tem de
terreno, tudo que tá dentro da figura, igual ela tinha falado. E o perímetro é o contorno.
Igual... o exemplo da corda, eu achei que foi ótimo pra poder ter noção de perímetro e
área, porque o perímetro é só o contorno da figura, o perímetro é o contorno e a área é
tudo o que tá dentro. Então, a maior parte das vezes, a área é maior que o perímetro. Eu
consigo pensar talvez numa figura bem... bem não uniforme, assim, mais ou menos, por
exemplo, ela teria que ser cheia de curvas e, assim, mais fina e, nesse caso, e acho
que...

Pesq – Você consegue desenhar essa figura no quadro (lousa)?

(Ortência vai até a lousa e desenha, inicialmente, um quadrado).

Ortência – Só pra exemplificar o que eu tô falando. Por exemplo, a área é isso aqui
(preenche o quadrado desenhado, usando o giz), o perímetro é só o que tá em volta, é só
a cordinha que tava em volta. Achei esse exemplo muito bom.

(...)

Ortência – E a maior parte das figuras, pelo menos as que a gente teve contato até
agora, a área é bem maior do que o perímetro. E eu tava pensando, enquanto ela tava
falando, num exemplo em que o perímetro seja maior que a área.Talvez numa figura não
uniforme, por assim dizer, que seria cheia de curva, e fina (desenha na lousa uma figura
com forma de uma ameba estreita), com pouco espaço pra ter área, mas muito espaço
de contorno. Num sei, alguma coisa assim, por exemplo. Eu acho que o perímetro dessa
figura seria maior que a área, porque a área é só isso daqui (preenche parte da figura
amorfa, usando giz), e o perímetro seria ela toda. Mas aí eu me pergunto como que eu
faria pra calcular a área e o perímetro de uma figura dessa. (Risada). Eu não sei nem se
tem como.

Vejamos um desenho que fizemos, semelhante ao de Ortência:

Figura 45 – Desenho representativo da figura de Ortência

E Ortência prossegue:

Pesq – É. Essa figura não é uma figura geométrica usual, né? Será que você poderia
pegar uma figura usual, ou seja, que seria um polígono?

Ortência – Polígono? Não, não sei. Eu posso fazer um polígono irregular... aí eu não sei
se eu saberia calcular também, mas... Isso seria um polígono. (Desenha na lousa uma
figura de forma parecida com a anterior, mas poligonal).

Vejamos um outro desenho que fizemos, semelhante à segunda figura de


Ortência:

Figura 46 – Desenho representativo da figura de Ortência 2


152

Então o pesquisador faz nova intervenção:

Pesq – Nesta figura seria mais fácil calcular a área e o perímetro?

Ortência – Uma figura com muitas voltas e pouco espaço pra poder ter área.

Marte – É, ela te dá ideias e você pode ver ali figuras que você já conhece. Por exemplo,
você vê ali um monte de triângulos e quadrados e retângulos...

Pesq – Figuras conhecidas, né?

Ortência – É. (E desenha triângulos e retângulos dentro da figura poligonal, dividindo-a


em polígonos). Assim, ó, triângulo, triângulo, retângulo, quadrado, enfim, um monte de
coisas.

A seguir, um outro desenho que fizemos, semelhante à terceira figura feita na


lousa, por Ortência:

Figura 47 – Desenho representativo da figura de Ortência 3

E continua Ortência, justificando suas afirmações anteriores:

Ortência – Daria muito trabalho, mas daria pra calcular.

Pesq – Essa figura seria, então, um exemplo de que o perímetro pode ser maior que a
área?

Ortência – Acho que sim, porque tem mais corda e menos...

Pesq – Então é possível.

Marte – É.

Ortência – É possível, mas é bem incomum.

Pesq – Então, de uma maneira geral, vocês acham que existe uma relação direta entre
área e perímetro?

Ortência – Com certeza. Existe.

Marte – Hã hã. É tipo... Peraí que eu não tô lembrando. Ah, deixa pra lá, esqueci.

Ortência – Por exemplo, você tem o perímetro aqui, uma corda aqui (faz uma retângulo
com as mãos no ar). Aí, se isso aqui aumentar (vai afastando as mãos uma da outra,
aumentando a figura), consequentemente a área vai aumentar junto. O espaço ali dentro
vai aumentar.

Marte – Tipo o volume e a área e a densidade, sabe? Tudo interligado.


153

Ortência – É.

Pesq – Volume, área e densidade?

Marte – É.

Ortência – É. O perímetro é tipo uma cordinha que segura a área. Eu gosto de pensar
assim, tipo assim: tem uma coisa ali dentro que é a área, e o perímetro tá segurando ela,
sabe? Se a área aumentar, o perímetro vai aumentar. Se o perímetro aumentar, a área
aumenta também. Eles meio que obrigatoriamente dependem um do outro.

E, após uma longa discussão, com novas intervenções, Marte exibe um


interessante modo de produzir significados para área e perímetro de três
retângulos70 desenhados pelo pesquisador na lousa, a partir do qual começam a
negociar alguns outros significados. Observemos:

Pesq – E então, o quê que vocês me dizem dessa relação?

Ortência – É a forma da figura.

Marte – Ela foi espichando e... Foi emagrecendo e foi crescendo.

Ortência – Eu acho isso muito estranho. Eu não paro pra pensar nisso, às vezes. O
perímetro continua sendo o mesmo; e a área, só por mudar sua forma, ela aumenta e
diminui. Eu não consigo entender muito bem como, já que o perímetro continua sendo o
mesmo; o que tinha dentro dele também era para continuar, mas muda completamente.

Marte – É tipo uma criança, é tipo uma criança. O A é um bebê, muito gordinho, só que
pequenininho. Depois passa pra B, é... emagrece mais, não come mais e espicha,
cresce, espicha. A gordura que ele tinha passa pra a altura. Depois, na C, ele emagrece
completamente e fica completamente crescido. A gordura que ele tinha passa a ser a
altura.

Ortência – Aaaah... (Voz baixa, expressando surpresa).

Pesq – Legal. E o quê que você me diz disso, Ortência?

Ortência – Ah, eu concordo. Eu achei muito legal o exemplo. Eu nunca teria pensado
neste estilo.

Pesq – Então, aí eu vou voltar à pergunta. Vocês acham que esta relação se mantém?

Marte – Hã hã.

Pesq – Se a área aumenta, o perímetro aumenta; se a área diminui, o perímetro diminui;


e se a área se mantém, o perímetro se mantém?

Ortência – Não, nem sempre. Tanto que ali (lousa) o perímetro se mantém em todos os
três casos, e a área continua sendo completamente diferente.

Marte – É, pode variar, vai...

Ortência – Na Matemática, quase nunca você pode falar que uma coisa é sempre outra,
porque sempre tem aquela exceção. Porque...

70
O primeiro retângulo ele chamou de A (com lados 4 e 6 centímetros), o segundo ele nomeou de B
(com lados 2 e 8 centímetros) e o terceiro, de C (lados 1 e 9 centímetro).
154

Marte – Você não pode criar muitas regras, você nunca conhece tudo.

Ortência – ...Porque você nunca conhece tudo, exatamente.

Marte – É impossível conhecer tudo na Matemática, porque, tipo, sai muito tirando os
números que os filósofos, os lógicos, os...

Ortência – Os Matemáticos.

Marte – Não, também não é Matemáticos... Mas falam que a única coisa realmente
verdadeira são os números, que é a única coisa que tem verdade, sabe? Que você sabe
que um mais um é igual a dois.

Ortência – E é isso.

Marte – É isso. O resto, forma geométrica... não.

Pesq – Mesmo na Matemática, o resto dela, você não tem certeza?

Marte e Ortência – Não.

Pesq – Mas uma coisa vocês agora já estão percebendo: existe uma relação entre área e
perímetro, mas esta relação não é...

Ortência – Constante.

Pesq - ...tão fixa assim, não é? Vocês já sabem que não é tão fixa assim.

Ortência – Exatamente.

Marte – É tipo o verbo regular e irregular, sabe, essas coisas assim da língua
portuguesa, também. Na acentuação, a professora cria uma regra que quase sempre tá
definitiva, mas sempre tem aquela palavrinha que o acento vai ser numa letra lá, sabe?
Diferente a acentuação.

Esta negociação de significados entre pesquisador e alunos pode ser


implementada nas aulas de Matemática, quando nos propomos a ouvir os alunos,
dando sentido às palavras de Lins (1999), que já citamos anteriormente:

Não sei como você é; preciso saber. Não sei também onde você está (sei
que está em algum lugar); preciso saber onde você está para que eu possa
ir até lá falar com você e para que possamos nos entender, e negociar um
projeto no qual eu gostaria que estivesse presente a perspectiva de você ir
a lugares novos. (LINS, 1999, p. 85)

Finalizamos esta seção, registrando que o fato de considerarmos que os


diversos significados que as alunas produziram para os termos área, perímetro e
relação área-perímetro são legítimos para elas, dá-nos condição de negociarmos
novos significados e buscarmos um caminhar juntos – perspectivado pelo Modelo
dos Campos Semânticos, a partir de interações e intervenções – nos processos de
ensinar e de aprender.
155

CONSIDERAÇÕES FINAIS
156

Toda a análise que desenvolvemos, nesta investigação, permitiu-nos,


efetivamente, levantar algumas dificuldades dos sujeitos de pesquisa, quando estes
produziam significados para os objetos área e perímetro de figuras geométricas
planas. Entre as dificuldades que identificamos, destaca-se a confusão entre área e
perímetro, que aparece na análise da produção significados de Marte para todas as
tarefas propostas na pesquisa de campo, com exceção da Tarefa 6. Pois, tanto pela
transcrição quanto pelos registros escritos (fichas e caderno de campo) para tal
tarefa, pareceu-nos que Marte não mais confundia as noções de perímetro e de
área. Avaliamos que a ordem escolhida para apresentação desta série de tarefas,
aos sujeitos de pesquisa, tenha permitido à aluna superar tal dificuldade, produzindo
significados distintos aquelas noções geométricas. Neste caso, entendemos esta
dificuldade como um obstáculo epistemológico, de acordo com o nosso referencial
teórico.
Outra dificuldade que observamos, na produção de significados de Ortência
para a Tarefa 1, foi o seu insucesso em operar com a noção de malhas ou
ladrilhamento de figuras geométricas, como o retângulo. No entanto, a estudante
não apresentou essa dificuldade em sua produção de significados para as demais
tarefas, o que pode nos informar quais sejam as características de uma tarefa que
coloque os alunos frente a uma situação incomum (não usual ou nova, para eles), de
modo a favorecer-lhes a expressão de dificuldades relacionadas ao aprendizado
desta ou de outras noções. Por exemplo, a Tarefa 1, ao trazer uma possibilidade de
comparação entre duas figuras idênticas, embora apresentadas de formas
diferentes, oferece oportunidade para que os alunos escolham entre um ou outro
modo de produzir significados para os elementos daquelas figuras, em função de tal
diferença entre a apresentação de cada figura, como a medida de um de seus lados
ou a equidecomposição de sua superfície. As demais tarefas parecem não
proporcionar tal oportunidade.
A mesma aluna, Ortência, apresenta uma dificuldade interessante, ao
produzir significados para área e perímetro do círculo. Ela não consegue distinguir
qual unidade métrica de área utilizar, para cada uma destas grandezas, e acaba por
escolher o centímetro para medir comprimentos, expressar perímetros, mas também
para mensurar e expressar áreas, justificando sua opção através da fala: “[...] não é
um lado vezes o outro, não é uma medida vezes a outra. É uma medida só”.
Observamos que esta dificuldade (relacionada à escolha da unidade métrica)
157

apenas surgiu na tarefa 6 e, ainda assim, somente após lhe oferecermos a fórmula
para calcular área do círculo. Importa, ainda, salientar que a citada dificuldade não
foi observada na produção de significados dos sujeitos relativa às tarefas contendo
figuras poligonais. Este fato nos remete à necessidade de se implementar novas
pesquisas que investiguem modos didáticos de transformar dificuldades como esta
em objetos de aprendizagem.
Na tarefa 3, Ortência revela a dificuldade de não conseguir medir a área da
figura, utilizando unidades de área, como um quadrado, mas apenas a régua para
calcular os lados da figura, para então calcular a área.
Outra dificuldade apresentada por ambas as alunas foi a de não conseguirem
calcular a área de figuras não-poligonais, ao início da resolução da última tarefa,
durante a qual Ortência parece ter vencido tal obstáculo epistemológico, produzindo
significados para todas as figuras dadas. Por sua vez, Marte não conseguiu calcular
a área da estrela apresentada na tarefa 6.
Entendemos que a ação de levantar tais dificuldades, a partir de uma série de
tarefas elaboradas com este propósito, é um elemento-chave para que orientemos o
nosso trabalho, em sala de aula, de modo coerente com os pressupostos do Modelo
dos Campos Semânticos (MCS), que nos oferece uma perspectiva nova para
compreendermos os processos de aprendizagem de temas geométricos ou outro
qualquer.
A partir do presente trabalho, identificamos, dentre outras, uma importante
consequência do MCS na prática do educador matemático: a possibilidade de uma
permanente mudança de direcionamento do trabalho docente, em função da
identificação e da análise de produção de significados dos estudantes para os
objetos de aprendizagem.
A presente investigação corrobora, ainda, o nosso posicionamento em
relação à questão curricular, quando afirmamos que objetivos devem orientar
conteúdos e métodos. É isto que tínhamos em mente ao elegermos os objetivos a
partir dos quais o conjunto de tarefas (e também cada tarefa) seria elaborado. E,
aplicadas as tarefas, pudemos identificar elementos da produção de significados dos
sujeitos de pesquisa que ajudariam a redefinir as noções e os conteúdos a serem
tratados em cada tarefa – de uma nova elaboração – e também o modo com o qual
seriam tratados e trabalhados pelo professor, em sala de aula.
158

Desta forma, as orientações que traçamos para a aplicação do conjunto de


tarefas, bem como a análise das produções de significados dos sujeitos de pesquisa
para os elementos dessas tarefas, apoiada nos aportes do MCS, permitem-nos um
novo olhar para sala de aula de Matemática, que diríamos um tanto mais lúcido do
que o que tínhamos no passado, quando ensinávamos sob neblinas – como
discutimos na introdução, lembrando as palavras de Georges Glaeser.
O trabalho de elaborar um produto educacional que pudesse orientar o
trabalho do professor, ao ensinar área e perímetro, foi de notório crescimento para
nós outros, de tal forma que se o estudo e o produto, por nós desenvolvidos, não
fossem utilizados por mais nenhum outro professor, já teríamos atingido aqui o
nosso propósito inicial, ao projetar e conceber a presente pesquisa.
Consideramos, ainda, de grande valor para o nosso aprimoramento pessoal,
como pesquisadores e como professores, a oportunidade que nos foi oferecida por
este Mestrado Profissional que, pela experiência e pela dedicação dos docentes do
Programa, permitiu-nos abrir novos horizontes para a pesquisa em Educação
Matemática, tendo como foco de atenção a sala de aula de Matemática da
Educação Básica e seus elementos constituintes, subjacentes aos processos de
aprendizagem e de ensino, sempre com vistas ao desenvolvimento amplo da criança
e jovem, como cidadãos críticos, competentes para a vida social e, sobretudo,
éticos.
Queremos considerar, por fim, que a pesquisa que apresentamos agora
possa trazer contribuições para o campo em que se insere, estimulando o
desenvolvimento de futuras investigações acerca da produção de significados sobre
temas geométricos, e também acerca da reestruturação do currículo da Geometria
Escolar. É nesta direção que pretendemos continuar a nossa trajetória na pesquisa
em Educação Matemática.
159

REFERÊNCIAS
160

ABRANTES, P.; SERRAZINA, L.; OLIVEIRA, I. A matemática na educação básica.


Lisboa: Ministério da Educação - Departamento de Educação Básica, 1999.
ALSINA, C. Three-dimensional citizens do not deserve a flatlanders´ Education:
curriculum and 3-D geometry. In: Usiskin, Z.; Andersen, K.; Zotto, N. (Eds.). Future
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Conference. Charlotte, NC: Information Age Publishing Inc., 2010. p. 147-154.
ALSINA I PASTELLS, A. Desenvolvimento de competências matemáticas com
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172

ANEXOS
173

ANEXO I

COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

TERMO DE COMPROMISSO ÉTICO

Este termo de compromisso pretende esclarecer os procedimentos que


envolvem a pesquisa desenvolvida no Programa de Mestrado Profissional em
Educação Matemática/UFJF, e a utilização dos dados nela coletados. Tem o objetivo
de deixar o mais transparente possível a relação entre os envolvidos e o tratamento
e uso das informações que serão colhidas.
As entrevistas, videografadas e transcritas, servirão como material para
nossas pesquisas que procuram investigar o processo de produção de significados
para a área e perímetro por alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. O acesso ao
conteúdo dos vídeos será de uso exclusivo da pesquisadora e dos pesquisadores do
Núcleo de Investigação e Divulgação dos Estudos em Educação Matemática da
Universidade Federal de Juiz de Fora, que assumem o compromisso de não divulgar
a imagem ou informações que permitam identificar os sujeitos de pesquisa.
As informações provenientes da análise dessas entrevistas poderão ser
utilizadas pelos citados pesquisadores em publicações e eventos científicos e
divulgadas a todos aqueles que se interessarem pelas pesquisas, na forma acima
indicada.
Juiz de Fora, 09 de agosto de 2011.

___________________________ _________________________
Amarildo M. da Silva Marcílio Dias Henriques
Orientador da pesquisa Pesquisador

______________________________
Responsável pelo Sujeito de Pesquisa
174

ANEXO II

TRANSCRIÇÃO71 DA PESQUISA DE CAMPO

Sujeitos de Pesquisa: Ortência e Marte (pseudônimos).

TAREFA 1

Após ligeiras explicações acerca dos objetivos da pesquisa, o pesquisador entrega as folhas
contendo a Tarefa 1 para os sujeitos de pesquisa, que a pedido nosso se auto-alcunharam
exatamente como Ortência e Marte.

Ortência – É só isso?... Tô achando tão fácil... (Ao ler a primeira tarefa).

Marte – É...

(Pesquisador sai da sala. Segundos depois, Marte dá risadas tímidas).

Ortência – Você não considera sob pressão?

Marte – Não. (sorrindo)

Ortência – Nem eu, fazer o que?...

(Silêncio, elas lendo).

Ortência – Será que é só isso mesmo?

Marte – (Sussurra algumas palavras, sorrindo). O ruim é que não dá nem pra falar nada... Na frente
dele, mas ele saiu e a câmera tá aí.

Ortência – É. (sorrindo)

Marte – (Comparando as medidas dos retângulos usando o lápis). Se faltar um milímetro... Tipo, tem
que ser exatamente do mesmo tamanho?

Ortência – O quê que tem que ser exatamente do mesmo tamanho?

Marte – Ó. (Apontando para as duas figuras).

Ortência – Elas parecem que são iguais, mas...

Marte – Hã hã... Se a gente coloca o coisa (lápis) aqui (lado superior da figura 1), ó...

Ortência – Elas têm o mesmo tamanho.

Marte – É.

Ortência – A questão é que a gente não sabe se elas têm o mesmo tamanho. Porque a figura 2 tá
quadriculada? Não tem nenhuma coisa que pergunte sobre isso.

71
Nas transcrições das falas ou expressões videografadas, as seguintes convenções foram usadas:
a) os sujeitos de pesquisa são identificados por seus pseudônimos e o pesquisador pela abreviação
Pesq; b) parênteses são usados para indicar gestões, expressões e atitudes dos sujeitos de
pesquisa; c) reticências indicam pausa prolongada; d) reticências entre parênteses indicam omissão
de parte da transcrição; e) barras indicam interrupção súbita ou mudança na direção da fala; f) aspas
indicam que o sujeito de pesquisa está lendo o que está dizendo.
175

Marte – Mas, pra ele, talvez seja pra gente ver isso mesmo, entendeu?

Ortência – Entendi. Porque não tem nenhuma questão que pergunte, tipo assim, qual é a área dos
quadrados ou nada disso.

Marte – É isso aí. Então, como é que faz? A gente escreve sim?... É meio, assim...

Ortência – A gente vai acabar isso aqui em dois minutos.

(Marte olha para a resolução de Ortência).

Ortência – Tira os zói, copiona! (Risadas).

Marte – Gente, eu fico muito nervosa sob pressão!

Ortência – Num tem pressão nenhuma!

Marte – Claro que tem!... Tem aquela câmera ali.

Ortência – Mas é só pra ver como a gente raciocinou.

Marte – Não precisa fazer para a figura 1, porque são do mesmo tamanho.

Ortência – Essa daqui não tem medida. (Aponta para a figura 2).

Marte – Ah! Eu sei... Olha só: um, dois, três, quatro, cinco, seis. (Contando os quadradinhos da linha
superior da figura 2).

Ortência – Você não tinha percebido isso?

Marte – Não.

Ortência – Cada quadradinho tem um centímetro.

(Marte conta novamente os quadradinhos, apontando com o lápis a figura 2).

Ortência – Cada quadradinho tem um centímetro!

Marte – Eu sei disso! Eu posso fazer do jeito que eu quiser! (Risadas)

(Ambas escrevendo e apagando. O pesquisador retorna à sala).

Marte – Professor, você tem certeza que é só isso?

Ortência – É, a gente tava pensando nisso.

Pesq – Sim. É só isso. Pra começar é só isso.

Marte – Ah! Pra começar!...

Pesq – Vocês estão achando muito fácil?

Ortência – Sim.

Marte – Não, tipo, fácil ainda é pouco!...

Ortência – Professor, não sei porque eu coloquei figura 1 se as duas figuras são do mesmo tamanho,
as duas falam da... São a mesma coisa, então?... Não precisa fazer das duas.

Marte – Tem alguma pegadinha?


176

Pesq – Não, não tem pegadinha. O trabalho é mesmo esse aí. Mas você falou o que mesmo,
Ortência? Não precisa fazer das duas figuras?

Ortência – Sim, elas são iguais.

Marte – Não, eu acho que não.

Ortência – Não pergunta sobre a 1 e a 2, eu pensei em fazer sobre as duas. Só que essa é igual a
essa.

Pesq – Hum hum.

Ortência – Ele não vai responder, não falei. (Olhando para Marte).

Pesq – Mas você escreveu sobre qual figura?

Ortência – Escrevi sobre a figura 1. A figura 2 tá quadriculada, mas ela é a mesma que essa. Cada
quadradinho tem um por um.

Pesq – Tá.

Ortência – Porque quatro nesse e quatro nesse, seis nesse e seis nesse... (olha para o pesquisador,
apreensiva). Aí, precisa fazer das duas?

Marte – Não.

Ortência – Elas são a mesma?...

Marte – É.

Pesq – Você faria diferente se fosse a figura 2?

Marte – Ah!... Agora eu entendi! Ele quer saber se tivesse só essa daqui ou só essa daqui? Por
exemplo, se não tivesse essa (aponta a figura 1), e todos os quadrados são iguais; qual seria a
medida do retângulo, é isso?

Ortência – Entendi. Sim, só que...

(Silêncio por trinta segundos).

Pesq – Você, Ortência, fez olhando a figura 1, certo? Mas e se só tivesse a figura 2, como faria?

Marte – Contar quantos quadrados tem.

Ortência – Mas com é que você saberia que o quadrado tem um centímetro?

Marte – Não, porque... Aí...

Ortência – Você teria que medir, por exemplo.

Marte – Mas aí eu poderia estimatizar, não?...

Pesq – Estimar?

Ortência – Isso. É o que eu ia falar.

Pesq – Sim, você poderia estimar.


177

Ortência – Mas você não teria como ter certeza. Eu nunca faria um cálculo sem saber com certeza
se isso aqui tem um centímetro ou não. Eu acho que eu ficaria um pouco perdida só com a figura 2,
porque eu não saberia a medida. Só se eu tivesse uma régua...

Marte – Mas na falta da régua, da certeza, você tem ir pelo que você tem, né?

Pesq – Hum hum. Você vai usar um outro instrumento de medida.

Marte – Sim.

Pesq – Mas aqui neste caso, os retângulos são iguais. Você pode usar os dados de um para calcular
as medidas do outro?

Ortência – Sim. Eu faria do mesmo jeito.

Pesq – Do mesmo jeito?

Ortência – Faria. Porque, independente dela tá quadriculada, eu quero saber a área dela toda.

Pesq – Antes você falou que contaria os quadradinhos?

Ortência – Não. Foi ela.

Marte – Se eu tivesse só isso daqui (apontando a figura 2).

Ortência – Sem medida e sem nada? Mas, de quê que adiantaria contar os quadradinhos? Saberia...

Marte – A gente somaria, porque cada quadrado teria um centímetro. Porque dá pra ver, né?

Pesq – Você iria contar como? Pode mostrar?

Marte – Um, dois, três, quatro, cinco, seis (apontando para os quadradinhos na linha superior do
retângulo 2).

Ortência – Seis centímetros.

Marte – Aí eu poderia multiplicar a altura pelo lado.

Ortência – Teria vinte e quatro quadrados, como...

Marte – É. Ou então conta tudo.

Ortência – Ah!... Eu pensei numa coisa: como você não precisaria fazer a multiplicação... não
tecnicamente... contaria, então você faz a multiplicação. Então você faz seis quadrados por quatro
quadrados, vinte e quatro quadrados; cada um tem um centímetro, vinte e quatro centímetros
quadrados.

Pesq – Entendi.

Ortência – Então eu acho que eu faria do mesmo jeito se eu tivesse as medidas, independente dela
tá quadriculada. Isso que eu falei pra ela no início, quando você não tava aqui. Não adianta ela tá
quadriculada; não pergunta nada em relação aos quadriculados.

Pesq – E se não tivesse medida, apenas quadriculado?

Ortência – Aí o quadriculado ajudaria, como ela falou...

Marte – Aí você estimatiza...

Ortência – Se você não tem nada, é preferível você estimar alguma coisa.
178

Marte – É. Se você não tem cão caça com gato. Eu quis falar isso!

(Risadas).

Pesq – Beleza.

Ortência – Mas então, se eu faria do mesmo jeito, eu não preciso fazer da outra, né? Eu faria do
mesmo jeito, eu acho.

(Ambas escrevendo por um minuto. Ortência para de escrever e olha para a folha de Marte).

Ortência – Se o seu exercício tivesse errado, você gostaria que eu corrigisse? (Dirigindo-se a Marte).

Marte – Hã hã.

Ortência – Sim, né?... Perímetro não é um lado mais o outro, mas a soma de todos os lados. É seis
mais seis mais quatro mais quatro.

Marte – Ah... Realmente. Obrigada. (Refaz os seus cálculos)

(Ortência escreve e Marte a observa).

Marte – Cúbico não tem, não?

Ortência – Quê que tem cúbico?

Marte – Não rola cúbico, não?

Ortência – Cúbico? Não, porque... Isso é só quando tem multiplicação, por exemplo, aqui tem um
lado vezes o outro, então fica centímetro quadrado. Se fosse um lado vezes o outro vezes o outro,
centímetro cúbico. Mas com é só soma, fica centímetro comum. Era isso que eu fiquei aqui parada,
pensando.

Marte – E quando tem multiplicação e adição, pra achar quanto mede?

Ortência – Como assim? Por exemplo?...

Marte – Não tem exemplo, não. É, nunca acontece, não.

Ortência – É, isso que eu fiquei pensando.

Marte – A gente acabou, não acabou?

Ortência – É, acabamos.

Pesq – Vocês acham que fizeram direitinho os cálculos?

Marte – Sim. Só que eu... errei o perímetro. Eu errei. (Tímida).

Pesq – Mas o que você pensou ao resolver esta questão?

Marte – Eu tinha esquecido, eu coloquei como se fosse área, também, só que eu somei. Eu tinha
esquecido que a gente tem que somar todos os lados pra dar o perímetro.

Pesq – E você achou que confundiu com área por quê?

Marte – Porque faz um tempão que eu não faço essas contas.

Pesq – Mas o que você fez aí que ficou parecendo conta de área?
179

Marte – Eu fiz a operação só com os dois lados que apareciam, só que em vez de multiplicar, eu
somei.

Pesq – Como é que você descobriu que não estava certo?

Marte – A Ortência falou.

Ortência – Mas muita gente erra isso. Eu acho que, por exemplo, geralmente quando mostra uma
figura, você põe só dos dois lados, e não dos quatro (apontando para a figura 1). Aí muita gente, na
hora de fazer o... de medir o perímetro, não pensa que esse daqui tem medida e que esse daqui tem
medida (apontando para os lados do retângulo sem medidas dadas). Ela vai no que tá escrito. “Ah, é
quatro e seis, quatro mais seis, é isso aí”. Não é o caso dela (Marte), ela confundiu. Mas muita gente
faz assim. Nem se toca, sei lá. Acha que é parecido, igual ela falou, parecido com área. “Área é esse
vezes esse”. As pessoas decoram que área é um lado vezes o outro, e perímetro é um lado mais o
outro.

Marte – Mas eu acho que, por exemplo, quando a gente tava aprendendo que acontece muito isso.
Só que tudo na Matemática, se você praticar muito, você acaba... não decorando, mas...

Ortência – Entendendo, né?... Guardando.

Marte – É, guardando. E essa coisa de área e perímetro, é porque ele dá ao mesmo tempo. O
Professor sempre dá, assim, sobre área e perímetro, mais ou menos juntos. Aí você chega a
confundir, mas com o tempo você vai acostumando, aí fica uma coisa normal.

TAREFA 2

(Alunas lendo a tarefa).

Ortência – Pode dar nomes às figuras, pra não ter que ficar escrevendo retângulo, quadrado?

Pesq – Sim, da maneira que vocês acharem melhor.

Marte – Sabe o que isso daqui tá parecendo?

Ortência – O quê?

Marte – Aquela atividade de Desenho Geométrico que ele te dava a quantidade da área e você tinha
que construir três tipos de triângulo, a partir daquela área.

Ortência – Mas aquilo lá é legal, eu gosto.

Marte – Mas aquilo é complicado pra caramba!

Ortência – Mas o Desenho Geométrico facilita muito as coisas, eu acho. Eu prefiro resolver as coisas
do jeito que o professor de Desenho Geométrico resolve, do que como o professor de Matemática
resolve. Porque pelo Desenho Geométrico, como o próprio nome da matéria já diz, resolve pelo
desenho; pela Matemática, só por cálculo, o que às vezes é bem complicado.

Marte – Mas até agora, assim, eu não achei muito coisa que o Desenho Geométrico facilitou, nas
coisas que a gente tá aprendendo agora, nesse ano.

Ortência – Não?

Marte – Não.
180

Ortência – Não?!... Área, triângulo retângulo, essas coisas,... você acha que não ajudou? Nossa, pra
mim ajudou pra caramba!

Marte – Ah, não, conhecimento. Mas na hora de fazer o cálculo, tipo...

Ortência – Ajuda, eu acho que ajuda pra caramba. Na hora de Pitágoras, essas coisas, ajudou, eu
acho que ajudou.

Marte – Ah, não, não. É, ajudou. É também porque aprofunda mais no Desenho Geométrico.

Ortência – Sim. Mais do que na Matemática. Porque se não... Daqui a pouco a gente acaba entrando
na Geometria, se a gente continuar indo na Matemática.

(Ambas lendo as tarefas, por um minuto e meio. De vez em vez, olham uma para a folha da outra).

Marte – Se eu não tivesse parado pra pensar, eu já ia colocar sim.

Ortência – (Risada). Os dois teriam a mesma área?

Marte – Hã hã.

Ortência – Não, só de bater o olho dá pra ver que não, né?

Marte – Até que não, porque se você for pela ideia que foram feitos pela mesma corda, confunde, se
você não olhar...

Ortência – Sim, é, tem isso. Ah, é mesmo. É a mesma corda.

Marte – Como foram feitos com a mesma corda...

Ortência – É bem provável que tenham a mesma área.

Marte – Mas é o perímetro.

Ortência – É, o perímetro provavelmente vai ser o mesmo.

Marte – É.

Ortência – Não, provavelmente não. O perímetro obrigatoriamente vai ser o mesmo.

Marte e Ortência – A área não.

Marte – Porque a área depende da, do...

Ortência – Eu nem cheguei a pensar nisso que você falou, porque antes de pensar que eram feitos
com a mesma corda, eu pensei: dois vezes seis, doze; quatro vezes quatro, dezesseis.

Marte – Só se tivesse uma coisa, um desenho que fosse feito com duas dobradas da corda, sabe,
uma coisa...

Ortência – Bem estranha. (Risada)

Marte – Assim, sabe. Que aí vem e multiplicava só os dois coisas, e tinha que dar dezesseis.

(Ambas escrevendo).

Marte – São todos os lados iguais, tipo quadrado. Se fosse um triângulo, seria um triângulo
equilátero.

Ortência – É... Mas é um triângulo e um quadrado, né? Não tem muito por onde.
181

Marte – O da forma A é...

Ortência – O que você quis dizer com esta frase? (Risadas)

Marte – O da forma A é... (Gesticula, formando letras com a mão, e dá risadas)

Ortência – Ficou muito estranha, esta frase. (Risadas). Põe um azinho maiúsculo, que vai ficar... Ah,
você colocou um azinho minúsculo.

(Marte escreve).

Ortência – Ótimo, muito bem.

Marte – Não, não bate palmas, não, que é humilhação.

(Risadas).

Ortência – Eu, ao invés de colocar “com a mesma corda”, eu coloquei “com uma corda de mesmo
tamanho”. É muita burrice pra uma pessoa só, cara!

Marte – É, não precisa nem de pensar.

Ortência – Mas de qualquer jeito, tem que fazer. Vamos lá.

(Ambas escrevendo).

Ortência – Olha, dezesseis centímetros. Que descoberta! (Conferindo sua resposta com a de Marte).

Marte – Acabei, professor. Ah, ela ainda não...

Ortência – Eu tô anotando, você simplesmente põe. Eu gosto de fazer tudo bem explicadinho.

Marte – Claro que não! Olha: “A e B é igual a 16”.

Ortência – Olha a minha: “Sim, pois são feitas com a mesma corda. Fig.1, fiz a continha, Fig. 2...”. Eu
faço a conta...

Marte – Isso daí é encheção de linguiça.

Ortência – Não é encheção de linguiça.

Marte – É sim.

Ortência – Não é. Eu gosto de explicar o meu raciocínio. Eu gostava de fazer direto, mas depois eu
acostumei a escrever tudo que eu penso, entende?

Marte – Na prove de Português que é bom, pra colocar a resposta completa. Porque você enche
lingüiça e parece que é inteligente.

Ortência – A gente tá fugindo do assunto.

Marte – Pronto.

Ortência – Sim. Uma atividade ligeiramente fácil.

Pesq – Então, alguém quer explicar o que fez nesta tarefa?


182

Ortência – Acho que tá bem explicado, né? No primeiro, a gente mediu a área. Um lado vezes o
outro da figura, doze centímetros. A gente ficou pensando que o tamanho da corda é o mesmo e a
área é diferente.

Marte – É.

Ortência – Mas a área não tem a ver com isso, o que tem a ver é o perímetro. Mas se for para
pensar, é bem parecido, sei lá. É estranho pensar que a corda é do mesmo tamanho e a área é
diferente.

Marte – A Ortência não tinha pensado nisso, não. Ela tinha ido mais pelo coisa do: tenho dois
centímetros e seis centímetros, vou multiplicar os dois, é diferente.

Ortência – É, eu nem pensei que pudesse ser igual.

Marte – E eu não tinha prestado atenção nos centímetros. Eu tinha ido mais pela... É dezesseis
centímetros, é com a mesma corda...

Ortência – Olha só como é que a gente pensa diferente.

Marte – É, completamente diferente.

Pesq – Desculpa, mas como é mesmo que você pensou, Marte?

Marte – A primeira coisa, eu pensei: é uma corda, a mesma corda pros dois; então se é a mesma
corda pros dois, daí vai ser a mesma área.

Ortência – Tudo vai ser igual.

Marte – É, tudo vai ser igual. Mas não é, porque... só se for uma forma equilátera, que vai ser da
mesma área, porque é multiplicação, e não soma. Aí já mudou completamente o coisa.

Ortência – E eu nem tinha pensado nisso. Depois, eu até concordei, porque ela falou, mas isso nem
tinha passado pela minha cabeça. Eu sabia que era a mesma corda, mas isso não foi a primeira coisa
que eu raciocinei. Eu raciocinei só nos lados, eu fui direto na conta. Eu sabia que não era a mesma
área, só o mesmo perímetro, porque... Eu fui direto: dois vezes seis, dozes; quatro vezes quatro,
dezesseis. Nem cheguei a pensar em ser a mesma coisa. Só na hora do perímetro que eu pensei
isso, porque ela tinha falado.

Marte – Aí, no perímetro tem que ser.

Ortência – Porque é a mesma corda, ela tem o mesmo tamanho.

Marte – São os mesmos números e não pode ser diferente.

Ortência – É o tamanho da corda dividido em quatro pedaços. Não tem como ser diferente. Tem que
ser dezesseis.

Pesq – Hum hum. Vocês, em algum momento, pensaram que poderia sobrar um pedaço de corda, ou
faltar, ou então que a corda deveria ser dividida em dois pedaços pra formar as duas figuras?

Marte – Não, porque teria que tá no enunciado.

Ortência – Exatamente, taria sendo meio que injusto. Seria uma pegadinha. Teria que tá explicado
na atividade. Mas não, fala que a mesma corda forma as duas figuras, então é a mesma corda.

Marte – É. E quando a gente meche com coisas de Matemática, tem que ser uma... as formas são...
não sei se eu posso falar isso... são sólidas, sabe, tem que ser uma coisa permanente, fixo...

Pesq – Entendi.
183

Marte – Porque, se não, não vai ser uma coisa matemática, vai ser uma coisa lógica ou... não é nem
lógica, mas uma coisa pra você pensar, pra te pôr pra pensar.

Ortência – Sim.

Pesq – Pra gente continuar a pensar sobre estas coisas, eu quero fazer mais uma pergunta. Vocês
acham que existiriam figuras geométricas, como estas aí, com formatos diferentes e com áreas
iguais, embora formadas pela mesma corda?

Marte – É... formas eqüiláteras.

Pesq – Você pode dar um exemplo?

Marte – O triângulo equilátero.

Ortência – Mas você acha que, por exemplo, o triângulo equilátero e o quadrado teriam a mesma
área?

Marte – O quadrado teria.

Ortência – Teria? Mas, olha só...

Marte – Mas se fosse com a mesma corda.

Ortência – Sim. Então, faz isso, por exemplo.

Marte – (Desenha na folha). Oh, um triângulo com quatro centímetros nos três lados... Ah, não...

Ortência – Não seria. Foi isso que eu pensei. Como é que você colocaria quatro, quatro, quatro? Só
dá se for um quadrado. Eu acho que em momento alguns as figuras teriam a mesma área. Só o
mesmo perímetro. Pelo menos eu não consigo pensar em nenhuma situação.

Marte – Mas tem que ter.

Ortência – Não, não tem que ter.

Marte – Não tem outra forma de quatro lados iguais, não?

Ortência – Não, só o quadrado. Isso que eu falar. Não tem como, senão a figura seria igual. Cada
figura tem a sua área. Se tiver meio centímetro de diferença na medida de um dos lados, a área já vai
ser diferente.

Marte – Então não.

Pesq – Então só é possível se as figuras forem iguais?

Ortência – Têm figuras de áreas iguais, mas a mesma medida, que é, no caso, dezesseis
centímetros. Na minha opinião, não tem como.

Marte – Se, aquela coisa que você falou de ter cortado uma parte da corda, você teria que ter
colocado o perímetro antes da área, porque na hora de você fazer o perímetro é que você veria que o
perímetro dos dois não seria igual, aí tinha que ter alguma coisa errada.

Ortência – Eu acho que não.

Marte – Porque a área é diferente.


184

Ortência – Sim. Mas você não precisa ver que tem alguma coisa de errado pra saber a área. Porque
o que você precisa pra saber a área, não importa se a figura um ou a dois têm o mesmo tamanho de
corda. O que importa é o tamanho dos lados.

Marte – Eu não tô falando isso. Eu tô falando que, se o professor colocasse numa prova esta corda,
aí com um retângulo cortasse um pedaço da corda, não tá prevendo a área de jeito nenhum, porque
o número dos dois ia ser diferente. Agora, no perímetro...

Ortência – Mas a área não é igual.

Marte – Então, não tem como saber que você cortou um pedaço da corda, porque a área vai ser
diferente. Entendeu?

Ortência – Entendi o que você disse.

Marte – Poderia colocar o perímetro depois, mas seria muito injusto, porque você ia fazer um monte
de conta, sabendo que tava faltando um pedaço da corda.

Ortência – Eu entendi o que você quis dizer, só que, uma coisa, porque que seria injusto? Pra
calcular a área, não importa o se tiver faltando um pedaço da corda, porque eu não vou calcular com
o tamanho da corda, eu vou calcular com o tamanho do lado. Então, não vai fazer diferença.

Marte – Mas, é... não questão de se taria errado ou não, mas é só assim, que no caso a gente tava
falando sobre ter cortado ou não um pedaço, então toda a atividade taria rodando ao redor do fato da
corda ter sido cortada ou não.

Ortência – Rapidão, deixa eu só perguntar uma coisa. Por exemplo, essa figura aqui (aponta para o
retângulo da tarefa). Vamos supor que quando fez ela, cortou um pedaço da corda. Você não sabe
disso, mas cortou e o exercício não fala. E chega aqui e te pede a área. Mas independente de ter um
pedaço ou não da corda, esse lado é dois e esse lado é seis, o exercício te fala isso. Vai fazer
diferença? Não, né?

Marte – Não.

Ortência – No perímetro é que vai fazer diferença, porque você vai ter que saber se isso daqui tá
faltando um pedaço, não tem os dezesseis centímetros. Aí eu acho, ao contrário de você, seria
injusto fazer o contrário, deixar o perímetro na frente, porque talvez confundiria pra fazer a área,
entendeu? Porque a área não tem nada a ver com cortar a corda, o perímetro sim. Acho que teria que
obrigatoriamente continuar deixando o perímetro por último.

Marte – Mas é isso que eu tô falando, essa atividade não tem nada a ver com se tivesse cortado a
corda ou não.O professor que falou. Mas e se a corda tivesse sido cortada, ou seja, a atividade taria
relacionada com se a corda foi cortada ou não. Mas como o enunciado tá falando “como essa corda”,
então tem que ser essa.

Pesq – Tá certo. Mas vocês conseguiram pensar em duas figuras diferentes que têm mesma área e
mesmo perímetro?

Ortência – Talvez só perímetro, talvez só área...

Marte – É possível.

Ortência – É possível duas figuras terem perímetros iguais e áreas diferentes, e áreas iguais e
perímetros diferentes. Agora, ter perímetro e área iguais, só se for a mesma figura.

Marte – Nunca tinha pensado nisso.

Ortência – Eu também não.

Marte – Isso é coisa do Desenho Geométrico.


185

Ortência – É. E eu nunca tinha parado pra pensar. Isso é bem interessante.

TAREFA 3

Para esta tarefa, além da folha e de réguas, foram oferecidos três quadradinhos vermelhos idênticos
ao quarto quadradinho oferecido junto à ficha da tarefa, que foram moldados como recortes da figura
dada na tarefa, de modo tal que um número inteiro deles preenche toda a figura.

Marte – Você só pode tá de brincadeira! (Dirigindo-se ao Pesquisador).

Pesq – Por quê?

Ortência – Porque você deu três quadradinhos assim...

Marte – Olha o tamanho deles!

Ortência – Muito pequenos... Não, mas tá fácil, tá fácil.

Marte – Tem problema se a minha conta der um ou dois milímetros a menos?

Pesq – Bem esta é uma questão que vocês vão ter que decidir. Você tem até a régua disponível, mas
vocês têm que ver se o problema tá pedindo precisão ou não. Fiquem à vontade para decidir.

(Ortência utiliza a régua apenas para desenhar, enquanto Marte a usa também para medir).

Marte – Então primeiro eu vou fazer exatamente, depois eu vou fazer arredondado.

Ortência – Que quadradinho bom de segurar, né? Grande pra caramba! (Com ironia).

Marte – Coisa que eu amo nessa vida é esse quadrado vermelho. (Com ironia)

Pesq – Vocês estão usando a régua pra medir com precisão?

Ortência – Não, eu não. Eu tô usando a régua só pra me ajudar a marcar as linhas aqui na figura.

Marte – A minha era pra medir. A minha eu queria... Eu já ia medir tudo, aí já acabar e dar a
resposta.

Ortência – Não, eu não ia fazer assim...

Marte – Mas não dá muito certo nessa vida, né? Essa vida não é precisa. (Ironia, novamente).

(Ambas desenham o contorno do quadradinho múltiplas vezes dentro da figura dada).

Marte – Ah, agora eu sei! Não falou que precisa caber o quadrado exatamente. “Quantos quadrados
cabem”. Se não cabe, não tem problema. Entendeu?

Ortência – Eu vou fingir que não ouvi essa.

Marte – Eu tô falando sério. Porque se sobrar espaço na figura, não tem problema, porque não tá
pedindo pra caber, tipo, tantos quadrados...

Pesq – Você quer dizer que o problema aí é quantos quadrados inteiros cabem na figura?
186

Marte – É isso aí.

Pesq – Mas tá claro pra vocês que o ideal é que não sobrem espaços entre os quadradinhos, e
também que os quadradinhos não fiquem sobrepostos?

Marte e Ortência – Tá.

(Ambas medindo, desenhando e contando).

Ortência – Não dá pra acreditar que eu vou ter que fazer quadradinho por quadradinho.

Pesq – Será que precisa?

Ortência – Não, eu não acho que precisa. Só que eu tô com medo de fazer com a régua, porque com
a régua eu vou ter que fazer com medida, e as medidas não são iguais.

Marte – Acabei. Agora eu vou tentar outra coisa. Pode fazer vários raciocínios.

Ortência – Claro! Pra isso até eu sei a resposta.

(As alunas escrevem).

Marte – Posso te fazer uma pergunta? (Se dirigindo a Ortência).

Ortência – Tá, só se eu puder te fazer uma também?

Marte – Aqui... Primeiro eu, tá? Quando eu quero saber quantas coisas cabem dentro de uma outra
coisa, eu tenho que saber a coisa dessa coisa em área ou perímetro? (Formando um quadrado com
as mãos).

Ortência – Eu... vou... me matar. Eu acabei de pensar em um outro raciocínio, muito mais fácil!

Pesq – Você pode repetir a pergunta, Marte?

Ortência – Ela quer saber, por exemplo...

Marte – Ó, eu tenho uma coisa (mostra o quadradinho vermelho) e tenho essa outra coisa (circula
com o dedo a figura da tarefa), a figura e o quadrado. Eu quero saber quantos quadrados cabem
dentro da figura. E aí, pra saber quantos quadrados cabem dentro da figura, eu tenho que saber a
área ou o perímetro da figura? A área, né?

Ortência – Isso que você falou me fez pensar num outro raciocínio, muito mais fácil.

Pesq – Você quer responder a ela, Ortência?

Ortência – Pode? Sei lá...

Marte e Pesq – Pode.

Ortência – Em área.

Marte – Área? Obrigada.

Ortência – Professor...

Pesq – Sim.

Ortência – Será que vai dar exato o número de quantos quadrados tinha que caber? Acho que a
gente ficou muito preocupada com precisão e talvez fique errado o número de quadrados.
187

Pesq – Mas também não se preocupe com isto. O que você fez está ótimo para que eu entenda sua
maneira de pensar. Depois vamos discutir os resultados. Vocês já acabaram?

Marte – Quase acabando.

Ortência – Eu quero só ver se o outro raciocínio que eu pensei vai dar certo também.

(Ortência mede o lado do quadradinho com a régua. Ambas param de escrever e parecem conferir
seus resultados).

Pesq – Eu vou aproveitar o que a Ortência tá fazendo, para levantar uma questão extra, que não está
escrita. A questão é esta: vamos considerar que o lado destes quadradinhos vermelhos mede dois
centímetros...

Marte – O meu deu um e meio.

Pesq – Tudo bem. O que eu disse é uma hipótese, eu tô colocando um novo dado. Se o lado do
quadradinho mede dois centímetros, qual é o perímetro e qual é a área da figura amarela? E quero
que vocês, agora, calculem esta área e este perímetro.

(O Pesquisador sai da sala).

Marte – Ai, eu sou muito burra em Matemática!

Ortência – Eu também não sou muito boa em Matemática.

Marte – A questão não é ser boa, é ser burra em Matemática.

(Ambas escrevendo, por três minutos, sem falas. O Pesquisador retorna à sala.).

Ortência – Professor, o lado é dois centímetros?

Pesq – Considere isto, dois centímetros de lado.

Marte – Eu acho que eu vou ser psicóloga. Será que psicologia tem Matemática?

Ortência – Professor, eu tenho ligeiros problemas com esse problema que você passou.

Pesq – Sim.

Ortência – Dois centímetros. Se eu vou fazer pelo que eu fiz, não vai dar certo, porque o
quadradinho não tem dois centímetros exatos. Vai sobrar bastante.

Pesq – Onde vai sobrar bastante?

Ortência – (Mostrando a figura e a medida de um de seus lados). Olha só, aqui tem isso de medida.
Não dá.

Pesq – Ah, então você tá medindo os lados com a régua?

Ortência – Sim.

Pesq – Que tal você usar os próprios quadradinhos com régua, já que você sabe que seu lado mede
dois centímetros?

Ortência – Ah, entendi.

Marte – Eu sei, eu sei! (Fazendo cálculos e cantando).

(O Pesquisador sai da sala por dois minutos. Conversas sobre música entre as alunas).
188

Pesq – E aí, já terminaram?

Ortência e Marte – Quase.

Ortência – Marte, me deixa concentrar, por favor.

Marte – A não, essa conta tá muito complicada. Professor, acabei.

Ortência – Eu só quero acabar e comparar com a atividade dela.

Pesq – Tá. Só não se esqueçam de colocar seus pseudônimos nas folhas.

(Ortência permanece na Tarefa 3, enquanto Marte começa a ler a tarefa 4).

Ortência – Professor, eu não vou colocar o que eu fiz no papel.

Pesq – Tudo bem, faz de cabeça. Se você puder falar o que fez...

Ortência – É porque tá pedindo o perímetro. E vou fazer o perímetro igual ela fez, porque eu já tinha
pensado. É... O lado do quadradinho é dois. E eu não sei como fazer uma conta pra medir só os
lados que aparecem, então eu vou contar, assim... (Mostra com o lápis os lados dos quadradinhos
que formam os lados da figura, contando de dois em dois, até cinquenta e seis). Olha, deu o mesmo
que o seu!

Marte – Deu?

Ortência – Deu. Cinquenta e seis.

Pesq – Só isso? Finalizou?

Ortência – Sim, tem só que colocar o nome.

TAREFA 4

Para esta tarefa, além da folha e de réguas, foram oferecidos três triângulos equiláteros azuis,
idênticos ao quarto triângulo junto à ficha da tarefa, todos moldados como recortes da figura dada na
tarefa, de modo tal que um número inteiro deles preenche toda a figura.

(Ambas as alunas usam os triângulos como moldes para preencher toda a figura da tarefa).

Pesq – Vocês se lembram do nome desta figura amarela?

Ortência – Pentágono.

Marte – Não. É... Hexágono

Ortência – É, hexágono, tá certo.

(Alunas desenhando e escrevendo).

Ortência – É, eu tô me preocupando em não ficar preocupada com a precisão. Só que eu acho que
eu me despreocupei demais.

Marte – Acabei.

Pesq – Já?
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Marte – Sim.

Ortência – Eu acho que isso aqui tá errado, mas... Olha que droga, eu sou muito perfeccionista. Eu
vou apagar e fazer tudo de novo.

Pesq – Vocês acham que se eu desse um número maior de triângulos, isto ia ajudar nesta tarefa?

Marte – Claro, ajudaria muito.

Pesq – E que tal, Ortência, se você usar todos os três triângulos juntos aí, ao invés de um só, como
você fez antes?

Ortência – Acho uma boa ideia. Vou tentar assim.

(Ortência desenha e Marte apenas observa).

Pesq – Olha que bonito que tá ficando o desenho dela!

Marte – É verdade. O meu ficou parecendo um abacaxi. (Risada).

Pesq – Mas você chegou lá, não é?

Marte – Eu cheguei. Encontrei a resposta.

Pesq – Será que a resposta vai ser a mesma? E tô achando que ela (Ortência) já visualizou e agora
não vai usar mais os triângulos azuis.

Marte – Só tem um jeito de visualizar?

Pesq – Acho que cada um visualiza de uma maneira diferente dos outros. E você, o que acha?

Marte – Eu acho que não, porque eu cheguei na mesma resposta que ela tá chegando agora.

Pesq – Mas talvez o seu caminho para montar a figura com os triângulos tenha sido um caminho
diferente do dela.

Marte – É...

Ortência – Ah, graças a Deus! Acabei.

Pesq – Mereceu as palmas?

Ortência – Talvez. É dois centímetros, né? E tem que descobrir a área e o perímetro?

Pesq – Sim, é isto.

(Marte retoma a tarefa, por achar que calculou errado).

Marte – Agora faz sentido.

Ortência – Acabei!

Marte – E também.

TAREFA 5
190

Entrega a folha desta tarefa, sem orientações. O pesquisador se mantém ausente durante toda a
tarefa.

(As alunas lêem e escrevem, por quatro minutos, sem falas).

Ortência – Qual é mesmo a fórmula de Bhaskara?

Marte – Fórmula de Bhaskara?

Ortência – É, tem muito tempo que eu não uso.

Marte – Eu vou lembrar. (Olhando pro alto).

Ortência – Nossa, eu decorei! Eu não acredito que eu esqueci!

Marte – Será que agente pode olhar (no livro ou caderno).

Ortência – Ah, ele falou pra não preocupar. Calma...

(Ambas olhando para o alto, em silêncio).

Ortência – Ah, lembrei!

Marte – Duas vezes b...

Ortência – Não. Já lembrei.

Marte – Vê se eu tô correta...

Ortência – Acho melhor a gente discutir no final.

Marte – Olha...

Ortência – Não, deixa pro fim.

(Silêncio de um minuto).

Ortência – Ai, eu li o enunciado errado.

Marte – Não, não apaga não. Ele gosta só que...

Ortência – Sim, mas eu li o enunciado errado.

Marte – É, mas ele gosta que deixa tudo pra ele vê como é que a gente raciocina, como é que a
gente vê as coisas.

Ortência – Tá.

Marte – Quanto que é noventa e quatro dividido por dois?

(Ortência está concentrada e demora quinze segundos para dar uma resposta).

Ortência – Como é que é?

Marte – Noventa e quatro dividido por dois.

(Ortência faz o cálculo na folha).

Ortência – É... quarenta e sete.


191

(Ambas escrevem, por 3minutos).

Ortência – Eu sei que muita gente fala que não deve contar no dedo, mas eu uso.

Marte – É, eu também, porque o dedo é muito mais sólido do que fazer de cabeça.

Ortência – Só que às vezes eu fico com vergonha e faço escondido. Porque alguns vão falar:
“Nossa, uma menina de quatorze anos, nono ano, ainda tá contando no dedo!”. Igual ontem, por
exemplo, nas outras atividades, eu já usei, só que eu fiz assim, oh... (Escondeu a mão direita debaixo
do braço esquerdo).

Marte – Eu já usei assim. Normal. E quando a gente esquece uma coisa da tabuada, eu faço assim,
oh... Aí eu coloco por exemplo...

Ortência – Você fatora o número.

Marte – É, só fatorar.

Ortência – Legal.

Marte – Porque é melhor eu tirar a minha dúvida do que...

Ortência – Quando eu era mais nova, eu tinha muita dificuldade com tabuada. Quando tinha aquele...

Marte – Ditado?

Ortência – É, ditado. A professora pedia, eu ficava rachando a cabeça pra saber. E aí, eu acho que
foi na terceira série, que eu surtei e falei: ah, não, chega! E aí eu passei uma tarde inteira estudando
a tabuada, nunca mais eu esqueci. Eu sei a tabuada todinha de cor até hoje.

Marte – Eu nunca decorei a tabuada todinha.

Ortência – Desde a terceira série eu decorei a tabuada. Acho que foi na terceira série que a gente
aprendeu e...

Marte – A minha mãe me fazia decorar todo dia, mas não dá, gente. Não dá pra decorar, eu não
consigo decorar as coisas assim. Tipo, por exemplo, eu consigo decorar alguns números porque
aconteceu alguma coisa comigo, sabe, que lembra, agora tá decorado.

Ortência – Eu decorei por causa dos ditados. Tipo assim, se não fosse os ditados, eu acho que eu
não teria... Isso eu acho importante: o ditado, pra decorar tabuada, essas coisas.

Marte – Ah, eu não acho, não. Porque... Sei lá, sabe...

Ortência – Se não fosse o ditado, eu não ia tentar decorar.

Marte – É...

Ortência – Porque o motivo pelo qual eu decorei... Não foi por causa da conta, porque na hora da
conta, você se vira. Agora, foi por causa do ditado. Na hora do ditado, não tinha como.

Marte – Eu fico muito ruim... Quando qualquer um me pergunta alguma coisa assim de Matemática,
eu fico com aquela tensão de responder errando, aí eu não consigo, eu não consigo, sério. É a única
matéria. Eu fico muito nervosa, muito nervosa.

Ortência – Duas. Matemática não é meu forte... Tamos fugindo do assunto, mas tudo bem.

Marte – Droga, eu tô no cinco. Ah, eu não deveria ter posto o cinco.


192

Ortência – Ah, por isso que a minha conta não tava dando certo. Eu li como um dos lados sendo
cinco metros menor do que o outro.

Marte – Ah, tá.

Ortência – Aí deu completamente errado.

Marte – Eu não tô fazendo com a fórmula de Bhaskara aí, não.

Ortência – Não, mas o meu tava errado, lembra?

Marte – Eu sei, eu tô fazendo tipo... Não, não sei se você tá fazendo assim, se eu posso falar agora...

Ortência – Depois a gente discute. Porque se não às vezes você atrapalha o meu ou o meu
atrapalha o seu.

Marte – Ai, eu ainda não sei! Tá faltando símbolos... coisas aqui... a porcaria... eu já coloquei.

(Silêncio)

Marte – Quarenta e sete. Quarenta e oito, quarenta e nove, cinquenta, cinquenta e um, cinquenta e
dois. Que droga! (Contando nos dedos).

Ortência – Tô explicando o que eu errei: eu li o enunciado errado, li cinco metros menor.

Marte – Ah, não. Claro que não, sua idiota. Bobona! Sou muito idiota! (Apagando sua resolução na
ficha data tarefa).

Ortência – Agora muda tudo de novo. (Concentrada em sua resolução).

Marte – Mais eu acho que não vai dar não. (Concentrada em sua resolução).

Ortência – Ouh, o meu vai continuar dando a mesma coisa.

Marte – Duas vezes sete, quatorze. Oito, nove...

(Ambas sussurram contas).

Marte – Cinco, três, dois...

Ortência – Vai continuar dando errado. Que droga! Acho que eu vou ter que mudar de raciocínio,
este não tá dando certo, não.

Marte – Dez, onze, doze, treze, quatorze. (Contando nos dedos).

(Ambas escrevendo).

Marte – Jura? Jura que dá dois mil, quatrocentos e quarenta e quatro? (Olha para a própria
resolução).

Ortência – (Risadas). Pior que eu, em, colega!

Marte – Eu tô multiplicando pra ver a área. Porque... cento e quatro é a área, não é?

Ortência – Sim.

Marte – Então, tem que dar cento e quatro, mas não dá. (Bate a mão na mesa).

Ortência – Eu sei um jeito de fazer isso muito fácil, mas não é um jeito, tipo assim, muito aceitável.
193

Marte – Qual?

Ortência – Peraí, deixa eu só ver se essa coisa não vai dar certo.

Marte – Ah... (Tapa seu rosto com as mãos).

Ortência – Você já desistiu?

Marte – Não, peraí, deixa eu só ter coragem. É porque eu acho que tá certo, não sei outro modo de
fazer. Fórmula de Bhaskara?... Gente, como é que eu tô ruim!... Vou ter que voltar pra essas aulas.
Pra que é que a gente usa a fórmula de Bhaskara?

Ortência – Como é que é? (Concentrada em sua resolução).

Marte – Pra que é que a gente usa a fórmula de Bhaskara?

Ortência – Pra resolver equação do segundo grau?

Marte – Olha, é mesmo! Eu tinha esquecido desse detalhe.

Ortência – Acho que a gente devia ter feito uma revisão...

Marte – Ah, mais aqui não é equação do segundo grau, então não precisa...

Ortência – Quem disse que não é? Você pode muito bem transformar ela numa equação do segundo
grau.

Marte – Não, o meu não.

Ortência – A minha eu transformei. Só que delta tá dando negativo. E aí não tem como calcular. Ih!..
Tem alguma coisa erra, porque não pode tá dando negativo.

Marte – Acho que eu errei alguma coisa na conta, só pode ser.

Ortência – Me dá uma raiva quando eu tô fazendo uma conta e não dá certo, não dá certo, não dá
certo...

(Ortência escrevendo e Marte olhando para o alto, pensativa).

Marte – Ã!... É. Porque não, né? (Continua olhando para o alto).

(Ambas escrevendo e balbuciando cálculos, por quarenta segundos).

Marte – Será que eu vou conseguir?

Ortência – Ã?

Marte – Será que agora eu vou conseguir?

Ortência – Eu tô tentando isso aqui só pra ver se vai dar certo a conta.

Marte – Agora, se isso for a solução, eu...

Ortência – Eu vou tentar saber o que é que eu fiz.

(Risadas das alunas).

Ortência – Gente, olha só. O meu delta tá dando vinte e cinco menos quatro vezes cento e quatro.

Marte – É... Eu acho que isso é meio difícil, né?


194

Ortência – Não, nem mínimo. Olha só... O delta é... Eu desisto.

Marte – Dá vinte e um... Menos vinte e um...

Ortência – Pirou, garota?!

Marte – Dá vinte e um.

Ortência – Que...!

Marte – Aí vezes cento e quatro.

Ortência – Não, num pode fazer isso aqui, não.

Marte – Ah, é! Porque tá multiplicando lá.

Ortência – Olha!... Não preciso nem fazer pra saber que essa conta tá completamente errada.
(Ambas olhando para a folha de Ortência). Alá, vinte e cinco menos quatrocentos e dezesseis.

Marte – Vai dar negativo.

Ortência – Ah... Desisto, tá?

(Ambas escrevendo).

Marte – O meu deu seiscentos e vint... e cinquenta e um, agora.

(Ambas olham para a folha de Marte).

Ortência – Ouh, eu tô tentando entender até agora o que você tá fazendo de conta, porque...

Marte – Não, agora eu tô fazendo diferente.

Ortência – Não, tá muito complicado pra mim. Eu vou fazer do meu jeito.

Marte – Não...

Ortência – Não, deixa eu fazer do meu jeitinho aqui. Eu ia fazer por equação do segundo grau, mas...
cansei.

Marte – Podia ser área... Não, podia ser perímetro, né?

(Ambas olhando para o alto. Ortência espreguiça e Marte boceja).

Marte – É!... Não. Ah, é mesmo! Ó! Ou será que precisa?

(As alunas escrevem por cerca de um minuto).

Marte – Ah, eu desisto!

Ortência – Desiste, não. Confie na sua metade brasileira.

(Risadas).

Marte – Eu tô com medo, tipo...

(Ortência lê rapidamente e em voz baixa o enunciado).

Ortência – Muito fácil.


195

Marte – Óooh!

Ortência – Tô te falando!... Facinho pra caramba!

Marte – Você conseguiu?

Ortência – Sim.

Marte – Mentira que você conseguiu!

Ortência – Consegui.

Marte – Deixa eu ver.

Ortência – Deixa eu acabar isso aqui que eu te mostro.

Marte – Eu fiz isso que você fez. Só que eu dividi o número cinquenta e dois em dois. Mas não
precisa, idiota! Cinquenta e dois já é a metade de cento e quatro! Não acredito! Meu Deus do céu,
como eu sou burra, né, Ortência?!

Ortência – Só um pouquinho. (Risadas) Eu tô brincando.

Marte – Não, tô falando sério. Olha só o que eu fiz: eu peguei cento e quatro e dividi por dois. Aí
depois, eu divido cinquenta e dois por dois. Agora, pra quê eu não sei. Aí eu fiz menos e mais. Por
isso que deu errado.

Ortência – Tem alguma coisa muito estranha, aqui. (Olha para a própria folha).

Marte – Mas você não multiplicou isso daqui, não?

Ortência – Ah, você é inteligente!

Marte – O meu é... Vinte e um vezes trinta e um, deu seiscentos e cinquenta e um.

Ortência – Você fez conta errada. Não tem como, porque... cento e quatro dividido por dois dá
cinquenta e... Eu vou me matar agora e você não me acorde, por favor.

Marte – Aaah! (Risadas).

Ortência – A gente quer que cento e quatro dividido por dois...

Marte – Eu sei! Aaah!... (Risadas)

Ortência – ...E cinquenta e dois vezes cinquenta e dois seja cento e quatro. Eu vou me matar com
esses lápis.

Marte – Então essa é a raiz quadrada.

Ortência – Agora eu entendi porque a minha equação de segundo grau deu errada.

Marte – Por quê?

Ortência – Porque eu contei o cento e quatro como uma coisa qualquer. Só que é cento e quatro ao
quadrado.

Marte – Ah, o meu também! Droga! (Gargalhadas). Se eu tivesse colocado o cento e quatro ao
quadrado, teria dado certinho.

Ortência – Não, não teria, não.


196

Marte – Teria sim, não vem, não vem.

Ortência – Teria não. Porque a gente não sabe fazer equação do terceiro grau. Quarto grau, no caso.
Porque, olha só, o xis vai tá ao quadrado e o cento e quatro também vai tá ao quadrado. Aaah!...

Marte – Não, mas a gente não tem o xis ao quadrado.

Ortência – Mas a gente calcula.

Marte – Não, mas olha só...

Ortência – Não, eu vou resolver o meu xis. Eu sei porque que deu errado. Mentira, só vai dar mais
errado ainda.

Marte – A eu vou só fazer a raiz quadrada, fazer a mesma coisa que eu tinha feito antes e... Que ái
vai dar zero, não vai?

Ortência – Vai.

Marte – Quer que eu pegue a calculadora?

Ortência – Não. Depois de todas essas contas de raiz quadrada, você não decorou? Eu decorei de
dez, de onze, de doze, de treze, de quatorze, de quinze...

Marte – Ah, não. Mas eu decorei de cento e quatro.

Ortência – Cento e quatro... Tenho que ter muita calma, muita paciência, muito amor...

Marte – Amor, dedicação...

Ortência – Marte...

Marte – Tem que ter felicidade, alegria...

Ortência – Escuta! De doze é cento e quarenta e quatro. De onze... não tenho certeza, mas acho que
é cento e vinte e um. É. Não, não é. Calma. Me perdi.

Marte – Mas, e de cento e quatro...

Ortência – É. Cento e vinte e um. Agora, dez é... (Olha para Marte, esperando complemento).

Marte – Cem.

Ortência – Sim. Cento e quatro não é uma raiz exata. Porque o cento e quatro, eles não têm o
mesmo tamanho, entendeu? (Faz a forma de um retângulo com as mãos). Um lado tem um tamanho,
o outro tem outro. Não são iguais.

Marte – Mas então como é que a gente vai fazer.

Ortência – Eu não sei ainda. Eu só sei que a gente tá errada.

Marte – Nossa senhora, Deus me ajude nessa hora. (Tom irônico). E se a gente fizer assim... Eu vou
tentar.

Ortência – Ah, eu vou usar raciocínio, não vou usar conta, não. Porque se não eu desisto.

Marte – Vamos lá fora, pedir ajuda de alguém? (Risadas).

Ortência – Eu não preciso de ajuda, não.


197

(Marte cantando).

Ortência – Vai sair na fita isso.

(Ambas escrevendo).

Marte – Ortência, quanto que é mil e onze dividido por dois?

Ortência – Porque que você chegou em mil e onze divido por dois?

Marte – Porque... eu coloquei cento e quatro...

Ortência – Eu tenho a leve impressão que o lado não vai ser mil e onze. (Com tom irônico).

Marte – Não, então, mil e onze dividido por dois.

Ortência – Quinhentos vezes quinhentos. Não, não é quinhentos. Se fosse mil, seria quinhentos. É
mais do que quinhentos.

Marte – Ah, porque que a vida é tão triste para nós, pessoas que não sabemos Matemática mas que
tentamos, arduamente, trabalhar nessa vida em comunidade? (Tom de ironia). Ortência, olha a minha
conta.

Ortência – Chí! (Pedindo silêncio).

Marte – Porque que isso acontece comigo, que eu não consigo fazer a atividade? Ah, meu Deus!

Ortência – Calma. A gente tem tempo, a gente vai conseguir.

Marte – Ortência, isso daqui não tem como!

Ortência – Eu não vou desistir.

Marte – Agência de publicidade... Isso daqui é pra eles ganharem dinheiro, nem eu vou ganhar
dinheiro.

Ortência – Calma!

Marte – E se for assim?...

Ortência – Quiet!

Marte – O xis está qui...

Ortência – Nem que seja por eliminação, eu vou descobrir o resultado disso. Nem que eu fique aqui
o dia inteiro. O marido da minha tia, que mexe com coisa de Matemática, ele disse que por
eliminação você pode descobrir rápido ou pode demorar...

Marte – Um ano.

Ortência – Exatamente. Nem que eu fique aqui, nessa sala, um ano, eu vou descobrir por
eliminação.

Marte – E eu vou ficar aqui porque eu sou sua amiga.

Ortência – E porque você quer o resultado. (Risada).

Marte – Mas como eu não sou... (Risada).


198

(Ortência escreve e Marte fica olhando para baixo, afastada da mesa).

Marte – Você não quer ver o que eu fiz, não?

Ortência – Peraí, rapidão. Eu tô pensando.

Marte – Eu tenho uma pergunta. O alumínio cobriria tudo ou só as bordas?

Ortência – Só as bordas. A gente tem que saber quais que são os lados pra saber as bordas.

Marte – Ah, porque se não a gente ia falar que ia ser cento e quatro.

Ortência – Não, é só a borda.

(Ortência escrevendo).

Ortência – Caraca! Eu sou muito inteligente, eu me amo! A primeira conta que eu fiz, eu acertei.

Marte – Quanto que é?

Ortência – Não te falo!

Marte – Ah, Ortência, então eu não vou fazer...

Ortência – Eu tô brincando! Um lado tem treze metros e o outro tem oito!

Marte – Dá cento e quatro? Não dá cento e quatro.

Ortência – Eu... sou... muito... inteligente. Eu me amo, eu me amo muito.

Marte – Ah, não fala que a gente fez isso tudo pra não...

Ortência – Eu penso antes de fazer a conta. Tipo assim, por exemplo, eu vejo qual número
multiplicado por qual daria o último número. Então eu fui por oito, que eu achei que era o mais
provável de consegui cento e quatro. E aí eu pensei: oito vez o quê... qual é o último numerozinho
aqui, tipo treze, quatorze, quinze... Oito vezes quatro, trinta e dois; o último número daria dois. Cento
e quatro termina em quatro, eu pensei: oito vezes três vinte e quatro; número é quatro, quem sabe?
Fui. Cento e quatro. Eu me amo.

Marte – Que número já era cinco a mais que oito?

Ortência – Sim. Dá certo!

Marte – Coisa estúpida! (Criticando a si mesma).

Ortência – Eu pensei nisso também: oito é exatamente cinco números menor do que treze.

Marte – Escreve isso também, o que você chegou. Ou então, não, só fala pra câmera.

Ortência – Será que o professor quer que escreve?

Marte – Hã hã... Não, fala pra câmera.

Ortência – Oi, câmera. (Acena para a câmera). É... eu pensei qual número daria quatro no último
algarismo. Porque o cento e quatro, né, o último número e quatro... Eu fui pela tabuada de oito, fui
aumentando ela porque eu achei que era a mais provável de eu conseguir o número cento e quatro,
não sei por quê. E aí eu pensei oito vezes quatorze, por exemplo. Só que oito vezes quatro dá trinta e
dois. Oito vezes três dá vinte e quatro; então o número é quatro. E aí eu fiz a conta a deu... cento e
quatro.
199

Marte – Copiar... Qual que é o seu nome?

Ortência – Ortência Lilás.

Marte – Ah, meu Deus do Céu. Imagina se o colégio pegasse fogo, e a gente ficasse presa aqui.

Ortência – Eu pularia a janela.

Marte – Eu colocaria uma caixa, todas essas caixas perto da janela, e...

Ortência – Não precisa ser tão difícil. A gente sobe na caixa, sobe na janela, a gente pendura e vai
direto na mata. Ouh, o quê que você tá fazendo?

(Marte se levanta e vai até a janela).

Marte – Não, eu tô só vendo aqui. Mas é o segundo andar que a gente tá. É fundão.

Ortência – Finalmente conseguimos, que felicidade!

Marte – Conseguimos, não. Você conseguiu.

Ortência – Ah, mesmo assim. Pelo menos, agora... foi.

(As alunas escrevem, por mais de um minuto).

Ortência – Quanto que deu o seu?

Marte – Cento e quatro.

Ortência – Cento e quatro metros?

Marte – Tem que fazer o perímetro?

Ortência – Não tem que fazer o perímetro, mas tem que falar... Agora é o resto. Primeiro a gente
descobriu quais são os lados, a base pra gente poder fazer a questão. Agora a gente tem que
descobrir quantos metros de alumínio você precisa pra fazer o acabamento, que é o perímetro, né,
porque... (Faz o contorno do retângulo no ar, com os dedos).

Marte – Que raiva!

Ortência – É por isso que a gente precisava dos lados, pra poder fazer o perímetro, pra poder
calcular quantos metros de alumínio, pra colocar em volta do outdoor. Eu fiz quatro raciocínios
errados.

Marte – Eu três, quatro, mas um eu apaguei.

Ortência – Eu fiz quatro.

(Pesquisador retorna à sala).

Pesq – E aí, conseguiram acabar?

Ortência – Eu fiz quatro raciocínios errados antes de desistir e fazer de cabeça. Eu tentei três tipos
de equação do segundo grau e um tipo de alguma coisa muito estranha.

Pesq – Mas vocês acabaram?

Ortência e Marte – Sim.


200

Pesq – Já que vocês têm aula agora e não temos mais tempo, eu vou agradecer e liberar vocês.
Muito obrigado.

TAREFA 6

Entrega a folha desta tarefa, sem orientações. Na mesa à qual se assentam as alunas, há lápis,
borracha, réguas, esquadros e algumas figuras recortadas em cartolina, as mesmas das tarefas 3 e 4
(quatro triângulos equiláteros cujos lados tem a medida aproximada do raio do círculo da tarefa 6, e
quatro quadrados cujos lados têm medida aproximada da metade do raio desta tarefa).

Marte – Tem esquadro e régua, então a gente vai ter que usar o esquadro e a régua?

Pesq – Não necessariamente. Apenas se vocês sentirem necessidade.

Ortência – Professor, agora eu quero falar uma coisa muito importante. A gente não tem a mínima
ideia de como calcular a área nem perímetro da circunferência. O professor de desenho geométrico
disse que vai estudar isso com a gente no fim do ano. Como é que você pede isso pra gente? Eu não
tenho a mínima ideia. Eu sei calcular o raio, mas não sei como eu posso utilizar isso com a área e o
perímetro.

Marte – Eu sei como eu posso... Não.

Pesq – Mas talvez, “em algum lugar do passado”, vocês já tenham visto alguma fórmula ou alguma
da várias saídas para esta tarefa, porque tem várias saídas.

Marte – Tem. Quadrado é uma.

Ortência – Não tem como eu transformar isso num triângulo, nem num quadrado, que é o que eu sei
fazer a área.

Pesq – Talvez tenham saídas muito exatas, talvez tenham saídas aproximadas... Façam com
puderem.

Marte – Eu sei. Eu sei.

Ortência – Seja feliz com a sua sabedoria.

(Pesquisador se ausenta da sala. As alunas pegam esquadros e réguas e os movimentam sobre a


primeira figura da tarefa).

Ortência – Sinceramente, eu estou ligeiramente, completamente, totalmente perdida.

Marte – Aaah rá.

Ortência – Ah, e você que disse: eu sei o que fazer, eu sei... Então como é que é?

Marte – Eu vou fazer um quadrado em volta.. Eu vou falar assim: a área do círculo é aproximada do
quadrado.

Ortência – Cara, a sua inteligência me deixa perplexa! Eu fico com vergonha de ser sua amiga, de
tão inteligente que tu é.

Marte – Nossa você afetou meu coração. Acabou com o meu hart agora.

Ortência – Mas até que é uma boa ideia, tá. Eu tava brincando. É uma boa ideia. Mas eu já pensei
em outra coisa.

Marte – É? Faz um triângulo, assim. (Coloca a régua sobre a figura).


201

Ortência – (Risada). Mas aí vai ser ligeiramente assim... O triângulo vai ter que ser muito maior. Eu
tinha que pensar numa figura mais aproximada que a gente saiba fazer, mas a gente só sabe fazer
área de triângulo, de quadrado ou de retângulo.

Marte – Mas se a gente fizesse e triângulo com um retângulo aqui em baixo.

Ortência – Pra que o triângulo, se o retângulo só dá.

Marte – Faz só um quadrado mesmo.

Ortência – Ah, eu vou fazer um retângulo.

Marte – Porque você vai fazer um retângulo?

Ortência – Porque eu não quero fazer um quadrado.

Marte – Mas aí a gente pode corrigir uma da outra. Pô, sacanagem o que fizeram com o Nuno72 hoje,
né? Mas acho que não chega a ser bulling não, né?

Ortência – Não. Mas não que chame ele de santo, mas o coitado sofre, né?

Marte – Sério, tinha que ter psicólogo nesta escola, mas não tem, né?

Ortência – Não. Tem assistente social.

Marte – Oh, fiz um quadrado.

(Ortência levanta-se para pegar uma borracha, balbuciando alguma música).

Ortência – A minha mãe fala que eu sou uma pessoa musical. Quando eu não tô cantando, eu tô
fazendo algum barulho, ritmado, é claro.

Marte – Esse quadrado é equilátero.

Ortência – Oh, que descoberta, colega! (Tom de ironia).

(O pesquisador retorna à sala).

Ortência – Professor, a gente só vai conseguir uma área aproximada, e olhe lá.

Marte – Ah, tem que fazer desta figura também?! (Aponta a segunda figura da tarefa, o semicírculo).
Ah, professor, eu já te falei o quanto eu te amo? (Tom irônico).

Ortência – Eu vou conseguir o mais aproximado que você, porque eu tive uma ideia muito legal. A
gente não fez um quadradão? Aí a gente pode fazer uns quadradinhos aqui e tirar esses
quadradinhos. Aí vai ficar mais aproximado ainda.

Marte – Ah, e depois pode fazer triângulos aqui!

Ortência – Aí já é querer demais, né? (Risadas).

Marte – Até que não. (Risadas).

Ortência – Ah, você falou: todo quadrado é equilátero. Claro que é equilátero. Se não for equilátero
não é quadrado.

Marte – É, eu sei. Foi a felicidade do momento.

72
Nome que criamos para não identificar um dos colegas de classe dos sujeitos de pesquisa.
202

Ortência – Não dá um centímetro. Meu quadrado de lá deu certinho, o de cá não tá dando, não.

Marte – Eu te falei, não tem como, não.

Ortência – Tem, sim. Se você tiver um pouquinho de boa vontade, tem.

Marte – Ah, então não dá, não.

Ortência – Eu tenho boa vontade, sabe?

Marte – Ah, eu vou fazer triângulo mesmo.

Ortência – Acredite, vai ser bem mais complicado.

Marte – Não, é só riscar aqui e ali.

Ortência – O triângulo vai ser fácil. Com a conta é que eu quero ver.

Marte – Pode fazer aproximado? (Dirigindo-se ao pesquisador).

Pesq – Cada um com a ideia que achar melhor.

Ortência – Você acha que isso aqui vai ser exato? (Risadas).

(As alunas utilizam as réguas para desenhar e medir, por três minutos, em silêncio).

Ortência – Professor, o símbolo de aproximadamente é tracinho com aquela cobrinha em cima, não
é?

Pesq – É isso mesmo.

Ortência – A minha conta tá incrivelmente aproximada, OK?

Pesq – OK.

Ortência – Da área do círculo, podia tá mais aproximada. Podia fazer alguns triângulozinhos aqui e
aproximar ainda mais. Mas estaria bem mais complexo.

Marte – Oh! A área e o perímetro deram igual.

Ortência – Huuum.

Marte – Hã hã!

Pesq – Isto é impossível?

Ortência – Não, não é impossível. Mas é improvável.

Pesq – Vocês já viram um exemplo, outro dia, não foi?

Ortência e Marte – Não.

Pesq – Aquele exemplo da tarefa 2, não se lembram?

Ortência – Não.

(Marte balança a cabeça, negativamente).


203

Pesq – O exemplo da corda de dezesseis centímetros, que formava um quadrado de lado quatro
centímetros.

Ortência – Ah, sim, sim, eu lembro.

Marte – Eu não.

(Pesquisador vai ao quadro e desenha um quadrado, marcando o número quatro em cada um dos
lados).

Pesq – E então, Marte?

Marte – Ah, sim.

Ortência – O perímetro que eu tô meio agarrada, aqui. (Aponta para sua folha). Porque eu já pensei
em tirar os quadradinhos que eu tirei na área. Eu já pensei... em fazer o quadrado todo. De qualquer
jeito, eu acho que não vai dar certo, não.

Pesq – Tá, mas tenta fazer da maneira que conseguir visualizar.

Marte – Terminei.

Pesq – Já terminou?

Marte – Sim.

(Ortência continua escrevendo, apagando e escrevendo).

Marte – Professor, mas você quer a gente faça a área e o perímetro de um círculo?

Pesq – Mas você já não fez?

Ortência – Ela fez de qualquer jeito.

Marte – Não. Eu aproximei sim, mas ela tá colocando quadradinho a onde tem espaço livre.
Entendeu?

Ortência – Pra poder aproximar mais.

Marte – Eu tentei, só que aí não deu... não coube. Eu ia fazer de um centímetro, meio centímetro,
mas aí...

Ortência – Acho que acabei.

Pesq – Então, agora que as duas acabaram, eu vou colocar no quadro as duas fórmulas, de área e
de perímetro, pra ver se vocês se lembram delas e pra que vocês usem estas fórmulas para calcular
novamente a área e o perímetro de cada figura, agora com mais precisão.

Ortência – Professor, a gente não viu, a gente não pode lembrar o que a gente não chegou a ver!

Pesq – Vocês já ouviram falar deste número (escreve no quadro ou lousa), o número pi?

Marte – Número o quê?

Ortência – Número pi. Sim, três vírgula quatorze quinze...

Pesq – Isso mesmo. Eu vou arredondar esse valor pra três, pra facilitar o cálculo da área e do
perímetro, tá?

Ortência e Marte – Tá.


204

Pesq – Então a área do círculo é... (Começa a escrever a fórmula na lousa).

Ortência – Ai, a gente já viu área de circunferência. Ai, que droga, não acredito!

Pesq – Eu sabia que vocês já conheciam isto... Então a área é igual a pi vezes o raio elevado ao
quadrado. Lembram?

Marte – Erre, o quê que é o erre?

Pesq – Erre é o raio da circunferência...

Ortência – É o raio, é...

Pesq - ...a distância do centro até a borda. (Desenha uma circunferência na lousa).

Marte – Ah, tá.

Pesq – E o perímetro da circunferência é igual a dois vezes pi, vezes o raio. (Escreve a fórmula na
lousa). Então agora eu vou pedir pra vocês calcularem novamente a área e o perímetro destas figuras
(círculo e semicírculo) e depois compararem com os cálculos que já fizeram, tá?

Ortência – Claro que a gente vai mudar.

Marte – Ah, que coisa linda! (Ironicamente).

Ortência – Ah, você tá de...

Marte – Mas o negócio agora é achar o meio.

(Ambas medindo com réguas e escrevendo).

Ortência – A área é igual e oiten... Ah, você tá de brincadeira?

Pesq – Qual o valor do raio você mediu?

Ortência – Três.

Pesq – E aí, o que você fez?

Ortência – Oh, área é igual a pi vezes erre elevado ao quadrado.

Marte – A minha também deu três.

Ortência – Ai, nossa! Não acredito, retardada! Não, não dá, não. Deixa pra lá.

Pesq – O que foi?

Ortência – É porque o meu deu oitenta e um, tava dando oitenta e um. Mas é outra coisa. É porque
eu esqueci da potência. Isso é uma coisa que faz a gente errar muito, essa coisa de multiplicação é
antes de adição, e potência é antes de multiplicação, faz errar muito. Eu erro muito nisso.

Pesq – A ordem das operações?

Ortência – Sim, foi isso que eu fiz agora. Antes de fazer o três ao quadrado, eu fiz três vezes três, aí
deu oitenta e um, e não vinte e sete.

Pesq – Mas você percebeu rápido.

Ortência – É em centímetros quadrados ou em centímetros normal?


205

Pesq – Boa pergunta.

Ortência – Porque é circunferência, então não é um vez o outro, então... O quê que você acha?
(Dirige-se para Marte).

Marte – Eu acho que é centímetro quadrado.

Ortência – Você acha? Porque, tipo, não é um lado vezes o outro, não é uma medida vezes a outra.
É uma medida só. (Faz um movimento circular com o lápis, no ar).

Marte – Ah, então não é.

Ortência – Não, mas eu também não sei se é uma medida só ou se são duas medidas, ah rá! Eu
tenho argumento contra as duas teorias, mas a favor eu não tenho de nenhuma das duas.

(Risadas das alunas).

Marte – Ah, eu tenho, a do que tem elevado a dois. Todas as áreas eu coloco sempre coloco o
elevado a dois.

Ortência – Ah, você não conhece todas as áreas, pra falar isso.

Marte – Ah, mais é.

Ortência – Todas que a gente conhece. E o círculo é uma curva só. Oh, tristeza!

Marte – É.

Ortência – Centímetro ou centímetro quadrado, eis a questão.

Marte – Ai, meu Deus.

Ortência – Calma, Marte, tudo vai dar certo no final.

Marte – Dois, que dois é esse.

Ortência – Eu acabei. Oh, professor, de um deles, eu errei por cinco centímetros, e o outros eu errei
por dois centímetros.

Marte – Um eu errei por dois, não, por três centímetros...

Pesq – A área ou o perímetro?

Marte – A a... o perímetro. Não, é... ah, esquece.

Ortência – O meu, a área da primeira figura, a diferença foi de cinco centímetros, e o perímetro foi só
por dois centímetros que eu errei.

Pesq – Beleza. Então, em certo caso, a aproximação resolve?

Ortência – Sim.

(Ambas escrevendo).

Ortência – Nossa! Ah, não, tem alguma coisa extremamente errada. A área da segunda figura deu
cento e oito. Centímetros. Ah, eu fiz uma coisa muito errada. Professor, o raio disso (mostra o
semicírculo da tarefa) não é isso aqui não, é ? (Passa o lápis por sobre o diâmetro da figura).

Pesq – Você pode me mostrar novamente?


206

Ortência – O raio desse meio círculo não é isso (diâmetro), é isso (raio), né?

Marte – É tipo o círculo dividido por dois.

Pesq – Será que ajuda vocês compararem as duas figuras?

Ortência – Sim. Se eu colocasse essa figura (semicírculo) aqui (círculo), o raio seria isso aqui (marca
com o lápis o raio sobre o segmento do semicírculo).

Pesq – Quem sabe, se você dobrar o papel, sobrepondo as figuras, como você disse?

(Ortência dobra a folha e visualiza e sobreposição, aproveitando uma certa transparência do papel).

Ortência – (Sorriso). A área é a metade. Mas aí não precisa fazer conta?

Marte – Tem. É dividido por dois. Só que... agora, divide vinte e sete por dois. (Tom de desafio).

Ortência – Olha só, área da segunda figura eu acertei. Sem fórmula.

Pesq – E o perímetro?

Marte – Bota a metade do outro.

Ortência – É. Mais não me faça falar qual é a diferença.

Pesq – Então vocês estão certas de que vai ser a metade?

Ortência e Marte – Sim.

Ortência – Porque uma figura é exatamente a metade da outra.

Pesq – Como é que vocês me mostrariam o perímetro da primeira figura?

Ortência – O perímetro da figura é isso aqui, ó. É a linha que contorna ela.

Pesq – E da outra?

Ortência – A outra é... Aaaah! Totalmente, não é a mesma.

Pesq – A mesma?

Ortência – Não é a mesma, de jeito nenhum.

Pesq – Mas vocês tinham dito que era a mesma?

Marte – Não. Que erra a metade.

Ortência – Não! Também não era a metade, não. Seria a metade se a figura só tivesse isso aqui.
(Passa o lápis por sobre a linha do demicírculo). Como a figura tem isso (mostra o segmento de reta
que forma o semicírculo), não é a metade, porque isso daqui não faz parte.

Marte – Ah, é mesmo.

Ortência – O perímetro vai ter que calcular. A área é a metade, o perímetro, não.

Marte – Quanto é vinte e sete dividido por dois?

Ortência – Ah, fala sério, Marte. Vinte e seis dividido por dois, treze. Treze e meio com treze e meio,
vinte e sete.
207

Marte – Obrigada.

(Ambas escrevem, por trinta segundos).

Marte – Acabei.

Pesq – Então pode começar a última folha, com as últimas figuras.

Ortência – Professor, o perímetro é igual.

Pesq – É igual?

Ortência – Eu acho que é igual.

Pesq – Por quê?

Ortência – Porque por mais que eu ache que isso (contorno do círculo) aqui não é mesma coisa que
isso (contorno do semicírculo)... com certeza não acho... pensando de acordo com a fórmula, olha só,
a fórmula é: dois pi vezes o raio. O raio dessa daqui (círculo) é três; pra mim, o raio dessa daqui
(semicírculo) vai ser três também.

Pesq – Hum hum.

Ortência – Então, vai ser o mesmo. Porque, na fórmula, pi não vai mudar, dois também não vai
mudar. Então o que muda, o que varia a quantidade, o tamanho, a medida do perímetro é o três, que
é o raio. Se o raio aqui é três e aqui também, o perímetro vai ser o mesmo.

Pesq – Entendi. Aí você está pensando em termos da fórmula, o que a gente falaria em termos
algébricos.

Ortência – Sim.

Pesq – Se você pensar só em termos geométricos, das medidas geométricas?

Ortência – Aí eu não acharia que é o mesmo, por questão de visualização. Eu não acharia que,se eu
esticasse essa linha pra baixo, por exemplo, daria o mesmo tamanho.

Pesq – Daria ou não daria?

Ortência – Eu acho que não daria. Só que eu prefiro pensar do outro jeito, de acordo com a fórmula
que o mais... certo. (Faz o sinal de aspas com os dedos).

Marte – Professor, você quer do que tá verde... ou é de tudo? (Mostra na figura da coroa circular).
Você entendeu?

Pesq – A figura... é a verde.

Marte – Quando eu for fazer o pi aqui, eu vou fazer do raio aqui no meio (aponta para o furo da coroa
circular), ou não vai dar, ou você quer que calcule para os dois círculos?

Pesq – A figura da tarefa é a figura verde, né?

Marte – Deixa fazer dos dois círculos.

Pesq – Talvez você precise fazer dos dois círculos.

(Ambas desenhando com a régua).

Marte – Eu sou péssima em Desenho Geométrico. Péssima em qualquer coisa que envolva números.
208

Pesq – Talvez isso não seja bem verdade.

(Ortência continua desenhado e medindo. Marte, olhando para o alto).

Ortência – Se uma medida é três vírgula sete, eu posso arredondar para quatro?

(O pesquisador balança a cabeça, respondendo positivamente. Ambas as alunas escrevem e


desenham, por três minutos).

Ortência – Professor, essa é a nossa última atividade?

Pesq – É a última. E nós gastamos dois encontros e mais o horário de uma aula para fazer todas as
tarefas. Tá cansativo?

Ortência – Não, normal. Perguntei só mesmo pra saber.

Pesq – Mas o último encontro foi bem cansativo pra vocês, né?

Marte e Ortência – É, foi.

Pesq – É, muitas tarefas seguidas cansam mesmo.

Ortência – É igual aquilo que você falou da Olimpíada de Matemática. Muitas vezes eu até comecei a
fazer realmente, mas chega no fim da Olimpíada, você já tá tão cansada de raciocinar...

Marte – Você já tá marcando tudo de chute.

Ortência – ...Você já tá marcando no chute, porque você não aguenta mais raciocinar. Eu acho que,
ou a Olimpíada tinha que ser menor... Na verdade eu não acho que a Olimpíada tinha que ser menor,
acho que tinha que ser dividida em duas partes, por exemplo. É muito ruim!

Marte – Professor, eu não tô lembrando com é que faz o perímetro e a área de um triângulo.

Ortência – Ah-ah, eu se-ei! (Tom de convencimento).

Marte – Ah, não, perímetro eu sei. Mas a área...

Ortência – Eu sei.

Marte - ... É aquela coisa lá da hipotenusa, que tem que ter dois triângulos retângulos.

(Ortência fita Marte de modo repreensivo).

Marte – Tá, então não é isso. (Risada). É...

Pesq – Continua, Marte, pois pode ter várias saídas.

Ortência – Sim, às vezes tem a ver.

Marte – É porque tem muito tempo que eu não vejo, quer dizer, estas férias, né? Essas férias. Então
não é triângulo retângulo?... É sim, é triângulo retângulo. Você tem que achar dentro do triângulo
retângulo pra achar a hipotenusa.

Pesq – Tenta, então, fazer.

Marte – Não, eu já fiz.

Ortência – E o quê que a hipotenusa tem a ver com isso, com a área do triângulo?
209

Marte – Que aí eu vou fazer aquela conta... A hipotenusa... que eu não lembro... é duas vezes...

Ortência – A hipotenusa ao quadrado é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas isso é pra...
Mas, enfim, né?... Cada um faz do jeito que sabe. (Sorri, olhando para o pesquisador). Eu num vou
falar o meu jeito, né?

(Ortência escreve e Marte olha para o papel).

Ortência – Essa figura aqui (estrela) tá muito fácil. Eu tô preocupada quando chegar no círculo. Área
dessa...

Marte – (Olhando para a câmera). Professores de Matemática, eu tenho uma coisa pra falar: eu não
sei Matemática.

(Ortência balbucia cálculos, escrevendo. O pesquisador se ausenta da sala).

Marte – Não lembro de jeito nenhum! Não sei mais! Eu decorei a fórmula de... Só se deixar olhar no
meu caderno. Ortência, me ajuda!...

Ortência – Eu não vou te ajudar, cada um faz o seu raciocínio.

Marte – Mas eu não tenho raciocínio.

Ortência – Então cria um. (Risada).

Marte – Não, nesse. Tá bom, então eu vou fazer esse. Nem esse. Não vou fazer essa prova, não!
(Ironia).

Ortência – Aqueles bem idiotas: não vale ponto.

(Ambas escrevendo, por dois minutos).

Ortência – É só a... área, ou tem que ter área e perímetro?

Marte – Perímetro também. Tipo... continuação da primeira atividade.

(Ambas escrevendo, por mais de um minuto).

Ortência – Acabei. Êba! (Comemora). Agora só falta esse círculo muito estranho aqui (cora circular),
que eu não tenho a mínima ideia de como eu vou fazer. (Continua lendo). Eu não vou usar a fórmula
neste círculo muito estranho, eu vou usar aquilo que a gente fez. Por que... não sei. Não sei qual que
é o raio disso.

(Ambas escrevendo. O pesquisador retorna à sala).

Ortência – Professor, nessa última figura, eu não sei como eu vou usar a fórmula, porque eu não sei
qual que é o raio disso. Isso não é um círculo, isso é uma... rodela, um pedaço de um círculo. É uma
coisa muito estranha. Eu não sei com é que eu descobr... não sei “saber” o raio disso (faz o sinal de
aspas com os dedos).

Marte – Ah, eu vou chutar.

Ortência – Eu vou fazer daquele jeito que a gente fez, fazer o quadrado em volta, o quadrado dentro,
fazer o mais aproximado que eu puder.

Pesq – Tá. Você tá falando primeiro em área ou em perímetro?

Ortência – Não, eu tô falando em área. Eu nem comecei a pensarem perímetro. Por favor, não me
faça.
210

Marte – Essa coisa do raio também serve pra uma rodela?

Ortência – A gente realmente não aprendeu isso.

Pesq – Então...

Ortência – Eu nem sei ver o raio, direito. Eu só sei que num círculo completo, é do meio do círculo
pra alguma das laterais.

Pesq – Você sabe fazer para o círculo grande, com o raio grande?

Ortência – Sim.

Pesq – E pro círculo pequeno, você saberia fazer também?

Marte – Sim.

Ortência – Não. Ah, por exemplo, o círculo... (Faz um círculo com os dedos no ar).

Marte – Ah, e se subtrair. Fizesse do grande, depois do pequeno, e subtraísse o pequeno do grande?
Aaah!

Ortência – (Faz sinal positivo com um das mãos). Tem que ser.

Marte – “Não copia o raciocínio, não...” (Imitando Ortência, em tom irônico).

Ortência – Você já copiou o meu.

Marte – Eu sei, só tô sendo irônica.

Ortência – Garota, esperta, você, hein?

Marte – Nossa!... Super!

Ortência – Tô morrendo de inveja. (Ironia)

(Ambas escrevendo).

Ortência – (Faz sinal retângulo com as mãos no ar). Um grande, um pequeno... (Voz baixa).

(Ambas olham as fórmula na lousa e escrevem na folha).

Marte – É, um é a metade do outro. (Fica olhando para o pesquisador, aguardando algum feedback).

(Silêncio. Ambas escrevendo, por vezes olhando para a lousa. Assim permanecem por três minutos).

Ortência – Ah, acabei.

Pesq – Acabou? Você também, Marte.

Marte – Hã hã.

Ortência – Até que não foi difícil.

Marte – Ah, não...

Ortência – Nenhum dos dois foi muito difíceis. Quer dizer, os primeiros foram meio complicadinhos,
mas depois que você passou a fórmula, os outros dois foram muito fáceis.
211

Pesq – É? Deixa eu te fazer uma pergunta, então, enquanto ela tá fazendo. É... dessas quatro aí,
qual que seria a mais fácil de calcular, sem ter a fórmula?

Ortência – Obviamente, esta daqui. (Aponta a estrela).

Pesq – A estrela?

Ortência – Sim. É a mais fácil de todas.

Marte – Eu não acho. Eu acho a do círculo.

Pesq – A do círculo?

Ortência – Porque...

Marte – Sem dá a coisa (fórmula), eu que eu não ia conseguir nenhumas delas. Mas a da estrela, eu
não consegui fazer a área, não.

Pesq – Não?

Marte – Não.

Ortência – Porque calcular área de triângulo e de quadrado é coisa, na minha opinião, é muito fácil,
bem mais fácil do que calcular área de circunferência. Pra mim foi muito fácil fazer isso aqui. (Aponta
novamente a estrela na folha da tarefa). Porque é o que a gente tá acostumada todo dia a fazer: área
de triângulo e de quadrado.

Pesq – É mais comum pra vocês?

Ortência – Muito mais comum. E mais utilizado. Tanto que, em todas as figuras que a gente tá
aprendendo em Desenho Geométrico agora, pra saber a área delas a gente usa a área de triângulos.
A gente acha um monte de triângulos na figura e usa a área deles pra saber a área da figura. Então,
é muito mais fácil. Com certeza, por isso que eu comecei por ela (estrela). Primeira coisa que eu fiz
quando eu bati o olho, foi falar: foi ela. Na minha opinião, é a mais fácil.

(Durante esta fala de Ortência, Marte ficou olhando para Ortência e para o alto, um tanto
“hipnotizada” pela fala).

Pesq – (Dirigindo-se a Marte). Você quer falar alguma coisa sobre isso?

(Marte balança a cabeça, negativamente).

Pesq – Você já acabou a tarefa?

Marte – Sim.

Pesq – Vocês já colocaram os nomes nas folhas?

Ortência – Eu já coloquei.

Pesq – Eu só quero fazer mais umas perguntinhas rápidas, pode ser? (Preocupado com o horário
das alunas, que precisavam ir embora).

Ortência e Marte – Sim.

Ortência – Só uma coisa, rapid...

Pesq – Pode falar.


212

Ortência – É... Marte, aquela hora que você tava falando da hipotenusa, pra fazer a área de um
triângulo, tem uma fórmula...

Marte – Eu sei, eu esqueci a fórmula.

Ortência – ...Base vezes altura dividido por dois.

Marte – É... eu esqueci.

Pesq – Vocês discutiram esta fórmula outro dia, em outra tarefa, não foi?

Ortência – Sim.

Marte – Hã hã.

Pesq – Pra você, é mais comum a fórmula de quadrado do que de triângulo, é isso?

Marte – É. Foram as regras. Eu não estudei nada, aí...

Pesq – Tá. Então, a pergunta que eu ia fazer é a seguinte: vocês conseguem ver alguma relação
entre área e perímetro?...

Marte – Não.

Ortência – ...Alguma ralação clara entre área e perímetro?

Marte – Não, eu acho que eles são primos.

Ortência – Ah, rá. Primos? (Discretamente, voz baixa).

Pesq – Primos? Como assim?

Ortência – Não, pri... Pode falar. (Dirigindo-se a Marte).

Marte – Porque eles são... Fazem... são uma relação, são um valor...

(Com gestos e olhares, Ortência expressa ansiedade para falar, mas se contem e espera Marte falar).

Marte - ...Um número que explica... explica, não. Um número de um local, tipo, sabe... Um é o
tamanho por fora, e o outro é o interior todo. Por fora e por dentro. Eu vejo assim.

Ortência – Eu já vejo diferente.

Pesq – Por que, então, que são primos?

Marte – É, entendeu, eles têm uma semelhança em alguns pontos, que é... Todas as figuras têm os
dois... e, na hora de fazer a conta a gente encontra os dois, sabe?... Mas, na hora da resposta, na
maioria das vezes não tem nada a ver.

Ortência – É...

Pesq – É? Você acha que não tem nenhuma relação direta? Quando um aumenta, o outro aumenta
ou diminui?...

Ortência – Eu acho, eu acho.

Marte – Ah, não. Isso é. Eu tô falando, por exemplo, na resposta desse (aponta para a figura da
estrela), sabe, na área total de uma figura fixa...

(Ortência expressa novamente ansiedade pra falar, o que Marte percebe).


213

Marte – Peraí, rapidão.

Ortência – Não, nada não, é porque... (Envergonhada).

Marte – Um figura fixa, eu acho os resultados completamente diferentes, tirando os quadrados.

Ortência – Eu...(Voz baixa).

Pesq – Entendi. Os quadrados são figuras especiais, em relação a área e perímetro?

Marte – Foram as únicas que eu vi até agora, que têm área e perímetro iguais.

Pesq – Tá.

Ortência – Eu já acho que... Eu acho diferente, porque, tipo, a área é... você quer saber a... a
dimensão, não, mas... o perímetro também não, porque seria falar de outra coisa, mas a quantidade
toda de figura. Por exemplo, a área de um terreno, tudo que tem de terreno, tudo que tá dentro da
figura, igual ela tinha falado. E o perímetro é o contorno. Igual... o exemplo da corda, eu achei que foi
ótimo pra poder ter noção de perímetro e área, porque o perímetro é só o contorno da figura, o
perímetro é o contorno e a área é tudo o que tá dentro. Então, a maior parte das vezes, a área é
maior que o perímetro. Eu consigo pensar talvez numa figura bem... bem não uniforme, assim, mais
ou menos, por exemplo, ela teria que ser cheia de curvas e, assim, mais fina e, nesse caso, e acho
que...

Pesq – Você consegue desenhar essa figura no quadro (lousa)?

(Ortência vai até a lousa e desenha, inicialmente, um quadrado).

Ortência – Só pra exemplificar o que eu tô falando. Por exemplo, a área é isso aqui (preenche o
quadrado desenhado, usando o giz), o perímetro é só o que tá em volta, é só a cordinha que tava em
volta. Achei esse exemplo muito bom.

Pesq – Sim.

Ortência – E a maior parte das figuras, pelo menos as que a gente teve contato até agora, a área é
bem maior do que o perímetro. E eu tava pensando, enquanto ela tava falando, num exemplo em que
o perímetro seja maior que a área.Talvez numa figura não uniforme, por assim dizer, que seria cheia
de curva, e fina (desenha na lousa uma figura com forma de uma ameba estreita), com puco espaço
pra ter área, mas muito espaço de contorno. Num sei, alguma coisa assim, por exemplo. Eu acho que
o perímetro dessa figura seria maior que a área, porque a área é só isso daqui (preenche parte da
figura amorfa, usando giz), e o perímetro seria ela toda. Mas aí eu me pergunto como que eu faria pra
calcular a área e o perímetro de uma figura dessa. (Risada). Eu não sei nem se tem como.

Pesq – É. Essa figura não é uma figura geométrica usual, né? Será que você poderia pegar uma
figura usual, ou seja, que seria um polígono?

Ortência – Polígono? Não, não sei. Eu posso fazer um polígono irregular... aí eu não sei se eu
saberia calcular também, mas... Isso seria um polígono. (Desenha na lousa uma figura de forma
parecida com a anterior, mas poligonal).

Pesq – Nesta figura seria mais fácil calcular a área e o perímetro?

Ortência – Uma figura com muitas voltas e pouco espaço pra poder ter área.

Marte – É, ela te dá ideias e você pode ver ali figuras que você já conhece. Por exemplo, você vê ali
um monte de triângulos e quadrados e retângulos...

Pesq – Figuras conhecidas, né?


214

Ortência – É. (E desenha triângulos e retângulos dentro da figura poligonal, dividindo-a em outras).


Assim, ó, triângulo, triângulo, retângulo, quadrado, enfim, um monte de coisas.

Pesq – Entendi.

Ortência – Daria muito trabalho, mas daria pra calcular.

Pesq – Essa figura seria, então, um exemplo de que o perímetro pode ser maior que a área?

Ortência – Acho que sim, porque tem mais corda e menos...

Pesq – Então é possível.

Marte – É.

Ortência – É possível, mas é bem incomum.

Pesq – Então, de uma maneira geral, vocês acham que existe uma relação direta entre área e
perímetro?

Ortência – Com certeza. Existe.

Marte – Hã hã. É tipo... Peraí que eu não tô lembrando. Ah, deixa pra lá, esqueci.

Ortência – Por exemplo, você tem o perímetro aqui, uma corda aqui (faz uma retângulo com as mãos
no ar). Aí, se isso aqui aumentar (vai afastando as mãos uma da outra, aumentando a figura),
consequentemente a área vai aumentar junto. O espaço ali dentro vai aumentar.

Marte – Tipo o volume e a are e a densidade, sabe? Tudo interligado.

Ortência – É.

Pesq – Volume, área e densidade?

Marte – É.

Ortência – É. O perímetro é tipo uma cordinha que segura a área. Eu gosto de pensar assim, tipo
assim: tem uma coisa ali dentro que é a área, e o perímetro tá segurando ela, sabe? Se a área
aumentar, o perímetro vai aumentar. Se o perímetro aumentar, a área aumenta também. Eles meio
que obrigatoriamente dependem um do outro.

Pesq – Tá. Eu vou dar um último exemplo e pedir pra vocês dizerem o que acham dele, tá? (Vai para
a lousa e desenha um retângulo, marcando as medidas dois e oito, em dois de seus lados). Dois
vezes oito...

Ortência – Dezesseis.

Pesq – Esse dezesseis aí seria o que dessa figura?

Ortência – O perímetro. Não...

Marte – A área.

Ortência – A área.

Pesq – Tá. Mais uma figura. (Desenha um retângulo, marcando as medidas um e nove, em dois de
seus lados).

Marte – Ah, eu acho que o perímetro é maior que a área.


215

Ortência – É, o perímetro que a área. Nossa! Eu podia ter pensado num exemplo tão mais simples!

Pesq – Não, o seu exemplo foi ótimo. Eu só queria colocar mais esse exemplo.

(Ortência olha o relógio, algo ansiosa. O pesquisador desenho outro retângulo na lousa, colocando as
medidas quatro e seis, em dois de seus lados).

Ortência – A área é vinte e quatro e o perímetro é... oito mais doze... vinte.

Pesq – Eu vou chamar esta figura de A, esta de B e esta de C.

Ortência – A área da figura A é vinte e quatro, e o perímetro, vinte.

Marte – A figura B...

Ortência – Pode falar.

Marte – Não, pode falar.

Ortência – A área da figura B é dezesseis e o perímetro é... dez mais seis, dezesseis, dezesseis
mais quatro... vinte.

Pesq – Também?

Ortência – Vinte também.

Marte – Olha! (Tom de surpresa).

Ortência – E figura C: a área é nove e o perímetro é... um... vinte também.

Pesq – Vinte também?

Ortência – Sim.

Pesq – Então todas as figuras têm o mesmo perímetro?

Ortência – É, todas foram feitas com a mesma... “corda”. (Faz o sinal de aspas com os dedos no ar).

Pesq – E qual tem a área maior?

Ortência – A primeira.

Marte – A.

Ortência – É, A.

Pesq – A primeira tem a área maior?

Ortência – Sim.

Pesq - Então da C pra figura A, a área foi aumentando?

Ortência – Diminuindo.

Marte – Não.

Pesq – A área.

Ortência – Sim, a área foi diminuindo.


216

Marte – Foi aumentando.

Ortência – Vinte e quatro... Não, dimnuindo.

Marte – Não, de C pra A.

Ortência – Ah, de C pra A. Entendi A pra C, foi mau. É foi aumentando.

Pesq – E aumentou bastante, de C pra A?

Ortência – Sim, foi de nove, dezesseis e vinte e quatro

Pesq – E o perímetro, aumentou muito?

Ortência – Não, continuou a mesma coisa.

Marte – É.

Pesq – E então, o quê que vocês me dizem dessa relação?

Ortência – É a forma da figura.

Marte – Ela foi espichando e... Foi emagrecendo e foi crescendo.

Ortência – E acho isso muito estranho. E não paro pra pensar nisso, às vezes. O perímetro continua
sendo o mesmo; e a área, só por mudar sua forma, ela aumenta e diminui. Eu não consigo entender
muito bem como, já que o perímetro continua sendo o mesmo; o que tinha dentro dele também era
para continuar, mas muda completamente.

Marte – E tipo uma criança, é tipo uma criança. O A é um bebê, muito gordinho, só que
pequenininho. Depois passa pra B, é... emagrece mais, não come mais e espicha, não cresce,
espicha. A gordura que ele tinha passa pra a altura. Depois, na C, ele emagrece completamente e
fica completamente crescido. A gordura que ele tinha para ser a altura.

Ortência – Aaaah... (Voz baixa, expressando surpresa).

Pesq – Legal. E o quê que você me diz disso, Ortência?

Ortência – Ah, eu concordo. Eu achei muito legal o exemplo. Eu nunca teria pensado neste estilo.

Pesq – Então, aí eu vou voltar à pergunta. Vocês acham que esta relação se mantém?

Marte – Hã hã.

Pesq – Se a área aumenta, o perímetro aumenta; se a área diminui, o perímetro diminui; e se a área
se mantém, o perímetro se mantém?

Ortência – Não, nem sempre. Tanto que ali (lousa) o perímetro se mantém em todos os três casos, e
a área continua sendo completamente diferente.

Marte – É, pode variar, vai...

Ortência – Na Matemática, quase nunca você pode falar que uma coisa é sempre outra, porque
sempre tem aquela exceção. Por que...

Marte – Você não pode criar muitas regras, você nunca conhece tudo.

Ortência – ...Porque você nunca conhece tudo, exatamente.


217

Marte – É impossível conhecer tudo na Matemática, porque, tipo, sai muito tirando os números que
os filósofos, os lógicos, os...

Ortência – Os Matemáticos.

Marte – Não, também não é Matemáticos... Mas falam que única coisa realmente verdadeira são os
números, que é a única coisa que tem verdade, sabe? Que você sabe que um mais um é igual a dois.

Ortência – E é isso.

Marte – É isso. O resto, forma geométrica... não.

Pesq – Mesmo na Matemática, o resto dela, você não tem certeza?

Marte e Ortência – Não.

Pesq – Mas uma coisa vocês agora já estão percebendo: existe uma relação entre área e perímetro,
mas esta relação não é...

Ortência – Constante.

Pesq - ...Tão fixa assim, não é? Vocês já sabem que não é tão fixa assim.

Ortência – Exatamente.

Marte – É tipo o verbo regular e irregular, sabe, essas coisas assim da língua portuguesa, também.
Na acentuação, a professora cria uma regra que quase sempre tá definitiva, mas sempre tem aquela
palavrinha que o acento vai ser numa letra lá, sabe? Diferente a acentuação.

Pesq – Tá. Agora, uma última pergunta mesmo. Existe uma maneira melhor pra calcular a área,
usando um tipo ou outro de instrumento, um tipo ou outro de técnica, um tipo ou outro de ideia, que
vocês acham melhor pra calcular a maioria das áreas, senão todas?

Marte – Hã hã.

Ortência – Régua.

Marte – E procurar outras formas dentro das formas que você não conhece, igual a gente fez.

Ortência – A gente faz isso sempre na aula de Desenho Geométrico. Por exemplo, igual: na estrela,
eu não calculei a fórmula dela; eu calculei a área de quatro triângulos e de um quadrado; depois eu
somei as cinco áreas, deu a área da figura. Você sempre acha a figura, se você sabe fazer a área
dentro das outras.

Marte – É tudo questão de se adaptar.

Ortência – De visualização. É tudo questão de visualização.

Marte – Não, eu é que é mais de se adaptar à situação, aos instrumentos que você tem. Porque,
mesmo que você saiba a... a... Por exemplo, na época que a gente aprende... que a gente tem que
decorar tabuada, nossa primeira prova que a gente tem que ter decorado a tabuada. Você não vai ter
decorado a tabuada, pelo menos a maioria não. Aí você vai fazer outras contas que vai te levar a
fazer aquilo. Na provado Vestibular também, você não vai decorar, você não vai lembrar de tudo que
você estudou. Você tem que se adaptar à situação. Você vai pegar o seu lápis, vai olhar o tamanho,
é... sabe? Ir pelo que você tem na hora.

Ortência – É. O professor de Desenho Geométrico fala sempre isso pra gente, na sala de aula. É...
os tipos de coisa que você pode se adaptar, por exemplo, na hora você tem um lápis, você faz o seu
lápis de régua, você marca o seu lápis... E fala muito isso.
218

Pesq – Marte, você tinha falado algo sobre ver uma figura dentro de outra. Isto também faz parte
dessa adaptação?

Marte – Faz. Porque você não pode ficar só nessa coisa de decorar. É... por exemplo, de um círculo,
você só sabe a circunferência, você só saber aquilo e pronto. Você tem que saber o que tem dentro
também. Você tem que enxergar além, você tem que enxergar... dentro.

Ortência – Foi isso que eu quis dizer com visualização. Porque numa figura você acha outras, e
nisso você consegue fazer alguma coisa a mais. Pra mim, é só isso.

Pesq – E perímetro já é diferente disso?

Marte – Não, mesma coisa. Perímetro é mais fácil ainda... de você achar as coisinhas.

Ortência – É.

Marte – Porque é mais...

Ortência – Simples.

Marte – É. Eu me sinto mais segura com a adição e subtração do que coma multiplicação e divisão.
Eu acho a multiplicação e a divisão uma coisa muito volúvel, muito falsa.

Pesq – Volúvel?

Marte – É. Volúvel, falsa, sabe? Porque você sabe que cinco mais cinco é igual a dez. (Contando nos
dedos). Tá na sua mão, você vai... Mas multiplicação já é...

Ortência – É estranho. Porque assim, desde cedo a gente tem aquele coisa: eu tenho uma laranja
mais uma laranja é igual a duas laranjas. Você sabe, aquilo é palpável, você tem exemplos. Agora, a
multiplicação o exemplo não é muito comum. É uma coisa mais... estranha.

Marte – É, e tem muitos números escondidos por traz daquele sinal, sabe? Tipo, duas vezes seis,
sabe? Umas coisas assim.

Pesq – Que tem coisas escondidas ali, por traz da multiplicação. E vocês não tem exemplo tão reais,
é isso?

Marte – Não muito na cara.

Ortência – Exatamente.

Pesq – That´s all. Thank you, very much!

Ortência – De nada.

Marte – Acabou?

Pesq – Acabou. Ótimo! Muito obrigado, mesmo!

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