2 PS Matemática Perímetros P 49
2 PS Matemática Perímetros P 49
2 PS Matemática Perímetros P 49
Significados de Estudantes do
Ensino Fundamental para Área e
Perímetro
CDU 51:37.02
Dedico este trabalho aos meus pais, Itamar e Lucília, que
me ensinaram, pela vivência prática diuturna, o valor da
conduta moral de vida, e sempre renunciaram ao seu próprio
conforto por amor a todos nós, seus filhos.
Neste trabalho, apresentamos nossa investigação que teve como objetivo levantar
possíveis dificuldades de aprendizagem das noções de área e perímetro de figuras
geométricas planas. Para atender a esta finalidade, dedicamo-nos à elaboração de
um conjunto de tarefas que nos possibilitasse identificar a produção de significados
de estudantes do Ensino Fundamental para perímetro e área. Utilizando uma
abordagem qualitativa de pesquisa, o nosso estudo teve como base teórica o
Modelo dos Campos Semânticos, que nos serviu também de instrumento de análise
da produção de significados dos sujeitos de pesquisa, quando estes resolviam as
tarefas propostas. Estas foram elaboradas atendendo a características específicas,
com embasamento teórico, e foram aplicadas a uma dupla de alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental de uma escola publica da cidade de Juiz de Fora, no estado
brasileiro de Minas Gerais. A investigação também teve como propósito
confeccionar um produto educacional que consiste uma série de tarefas, a serem
utilizadas por professores que lecionam para classes do quarto ciclo do Ensino
Fundamental, e em orientações didáticas que possam auxiliar o trabalho docente de
aplicar tais tarefas, em sala de aula. Este estudo nos propiciou, ainda, avaliar a
importância da perspectiva da produção de significados, para o educador
matemático, tanto na pesquisa quanto na prática docente, envolvendo temas
geométricos.
This work aims at presenting our investigation which had as its objectives the
diagnosis of possible learning difficulties related to the notions of area and perimeter
of plane geometric figures. In order to achieve this aim, we decided to develop a set
of tasks that allowed us to identify the production of meanings to perimeter and area
by primary school students. Making use of a qualitative approach to research, our
study had as its theoretical basis the Model of Semantic Fields, which has also been
used as an analysis tool for the research subjects’ meaning production, when they
solved the proposed tasks. These were developed following specific characteristics,
with theoretical basis, and were applied to a pair of students of the nineth year of
primary school in a state school in Juiz de Fora, Minas Gerais state, Brazil. The
investigation also aimed at creating an educational product that consists of a set of
tasks to be used by teachers of the fourth cicle of elementary school (grades 7- 8)
and in didactic orientations that can help teachers to develop these tasks in their
classes. This work has also allowed us to evaluate the importance of the perspective
of the meaning production to the mathematics educator, both in the research as well
as in the educational practice, involving geometric themes.
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 – Medidas e Geometria Escolar .......................................................... 16
CAPÍTULO 2 – A Revisão da Literatura .................................................................... 25
2.1. – Aprendizagem de Área e Perímetro: Algumas Dificuldades .................... 27
2.2. – Aprendizagem de Área e Perímetro: Algumas Perspectivas ................... 32
2.3. – Aprendizagem de Área e Perímetro: A Nossa Perspectiva ..................... 43
CAPÍTULO 3 – A Perspectiva Teórica e o Problema de Pesquisa ........................... 48
3.1. – Exibindo Nossos Pressupostos Teóricos ................................................. 49
3.2 – O Interior do Problema de Pesquisa ......................................................... 62
CAPÍTULO 4 – A Metodologia da Pesquisa .............................................................. 65
4.1. – Características da Pesquisa ................................................................... 66
4.2. – A Ferramenta de Leitura da Produção de Significados .......................... 70
4.3. – As Tarefas e suas Características .......................................................... 73
4.4. – O Produto Educacional ........................................................................... 82
CAPÍTULO 5 – A Análise da Pesquisa de Campo .................................................... 84
5.1. – Os objetos Perímetro e Área: Alguns Significados Matemáticos ............ 85
5.2. – Sintetizando Experiências Anteriores ..................................................... 92
5.3. – Significados Produzidos pelos Sujeitos de Pesquisa: uma Análise ........ 96
5.3.1. – A Produção de Significados para a Tarefa 1 ............................. 96
5.3.2. – A Produção de Significados para a Tarefa 2 ............................. 104
5.3.3. – A Produção de Significados para a Tarefa 3 ............................. 111
5.3.4. – A Produção de Significados para a Tarefa 4 ............................. 117
5.3.5. – A Produção de Significados para a Tarefa 5 ............................. 121
5.3.6. – A Produção de Significados para a Tarefa 6 ............................. 130
5.3.7. – Outras Produções de Significados dos Sujeitos de Pesquisa ... 149
CAPÍTULO 6 – Considerações Finais ....................................................................... 155
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 159
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................. 168
ANEXOS ................................................................................................................... 172
Anexo I - Termo de Compromisso Ético ........................................................... 173
Anexo II - Transcrição da Pesquisa de Campo ................................................ 174
12
INTRODUÇÃO
13
1
Pós-graduação Latu Senso cursada no Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), de 1996 a 1997.
2
Núcleo de Investigação, Divulgação e Estudos em Educação Matemática da UFJF.
14
3
Utilizamos o singular, em certos momentos, para distinguir o mestrando do orientador.
4
No capítulo 3, apresentaremos o Modelo dos Campos Semânticos e discutiremos os nossos
pressupostos teóricos.
15
CAPÍTULO 1
que existe ampla divergência quanto aos detalhes e quanto à natureza da Geometria
que deveria ser ensinada, desde a escola primária até a universidade. (USISKIN,
1994)
No esforço de fundamentar uma opção ou intenção curricular, alguns
pesquisadores lançaram mão de categorizações das “geometrias” escolares. Por
exemplo, Houdement e Kuzniak (2003) propuseram que a geometria elementar
parece ser dividida em três paradigmas5 diferentes, caracterizando três diferentes
formas de geometria: Geometria Natural, Geometria Axiomática Natural e Geometria
Axiomática Formalista. O referencial teórico desenvolvido por estes pesquisadores
especifica a natureza dos objetos geométricos, a utilização de diferentes técnicas e
modos de validação concebidos em cada um destes paradigmas, sendo os dois
primeiros os que mais se relacionam a escola básica, por englobarem,
respectivamente, objetos materiais (incluindo suas representações gráficas) e
objetos ideais, como aqueles da Geometria Euclidiana. (HOUDEMENT, 2007)
Segundo os estudos da International Commission on Mathematical Instruction
(1994), houve, no passado, e ainda há, na atualidade, fortes desacordos sobre
objetivos, conteúdos e métodos para o ensino de geometria, em diferentes níveis.
Esta constatação é corroborada por trabalhos mais recentes, como os de Jones
(2000; 2010), de Alsina (2010) e de Hoyles, Foxman e Küchemann (2002).
Allendoerfer (1969, apud Usiskin, 1994, p. 28) já havia notado esse dilema
fundamental, subjacente ao problema do currículo, quando asseverou que “em
geometria não há concordância nem mesmo quanto ao seu objeto”. Esta mesma
falta de consenso impulsionou um estudo encomendado pela UNESCO sobre a
geometria escolar, desenvolvido por Morris (1986) e amplamente divulgado na
Europa, na década de 1990.
Uma parcela considerável do desenvolvimento da geometria, ocorrido durante o
século XX, foi inspirada na obra de Felix Klein (1849-1925), que propôs que a
geometria deve ser vista como o estudo das propriedades de um espaço que são
invariantes sob um determinado grupo de transformações. Com esta definição,
tornou-se possível classificar as diversas geometrias relacionadas em "famílias",
variando desde a topologia, como a mais geral, passando pelas geometrias projetiva
e afim, até a geometria euclidiana, que tem maior número de propriedades
5
A noção de paradigma utilizada por esses autores é a de Kuhn (1998).
19
6
Esta diferenciação, que entendemos ser necessária, está calcada na distinção entre a matemática
do matemático e a matemática escolar, concebida por Lins (2004).
20
Por um lado, vemos que não existe uma concordância no que se deva ensinar
e aprender na escola, quando o tema é a Geometria. Mas, por outro, a possibilidade
de eleger este ou aquele assunto a ser tratado em determinada aula ou em certo
programa de Geometria soa-nos como algo no mínimo interessante e legítimo, pois
7
Sobre este referencial e seus pressupostos, trataremos no capítulo 3 desta dissertação.
21
dá ao professor a liberdade para desenvolver tarefas que criem para os alunos uma
demanda de conhecimento8 de temas geométricos.
Esta liberdade, que entendemos desejável, talvez seja a razão mesma da
falta de consenso sobre o currículo de geometria da escola básica. Além disso,
como asseveraram Mammana e Villani (1998), “[...] é imprópria a alegação de que é
possível elaborar um currículo de geometria que tenha validade universal”.
Entretanto, documentos oficiais de muitos países e instituições parecem ter
como um de seus objetivos a uniformização do trabalho dos professores de
matemática, ao menos no que tange a escolha dos conteúdos a serem ensinados e
aprendidos.
Um exemplo disto são os PCN de Matemática para os 3º e 4º Ciclos do
Ensino Fundamental. Neste volume dos Parâmetros (BRASIL, 1998, p. 49), ressalta-
se o estudo das Grandezas e Medidas como instrumento que permite se
estabeleçam interligações entre os campos da Aritmética, da Álgebra, da Geometria,
do Tratamento de Informações e de outros campos de estudo. Além do fato de
ficarem explícitas, em tal documento, a divisão e a escolha dos blocos de conteúdos
sugeridos para o trabalho em sala de aula, mais nos interessa tratar, neste
momento, da descrição da categoria “Grandezas e Medidas”. Observemos o que
orientam os PCN (Ibidem) a este respeito:
8
Para o termo demanda atribuímos, aqui, o sentido de situação problemática de Majmutov (1983),
que se aproxima da noção de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1978); para a noção
de conhecimento, adotamos o sentido proposto por Lins (1993).
22
9
Sobre os termos produção de significados, campo semântico e atividade, ver capítulo 3 desta
dissertação.
23
aprendizagem no ensino fundamental, fato que foi estudado por alguns dos
pesquisadores que citamos acima, como, por exemplo, Owens e Outhred (2006).
Desta foram, acreditamos que o desenvolvimento das noções que envolvem estes
dois temas curriculares depende de estímulos dados na idade escolar, através da
educação formal, baseada em pressupostos teóricos e em observações práticas,
que por sua vez geram pesquisas e novas propostas de intervenção.
Consideramos ser legítimo, portanto, assumir que o tema Medidas10 integra o
currículo da Geometria da escola básica, pelo fato de existir intrínseca relação entre
estes temas, como vimos anteriormente. E assim procederemos neste trabalho, por
não encontrarmos necessidade de uma dicotomia ou tratamento de cada um destes
temas em separado, como encontramos em documentos e livros didáticos, fato
sobre o qual já aludimos. A partir deste nosso posicionamento – trabalhar com
medidas geométricas é, também, trabalhar com geometria – vamos buscar explicitar
e entender as dificuldades de aprendizagem de medidas de área e de perímetro de
figuras euclidianas planas, dificuldades que temos reincidentemente observado ao
lecionar para turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e para classes do
ensino médio de duas escolas públicas da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. E
se buscamos identificar e entender tais “problemas” de aprendizagem, nada mais
nos moveu (e move) nesta direção senão o desejo criar caminhos de intervenção
didática, minimizando ou mesmo eliminando sua incidência, no momento em que
surjam e sejam percebidos.
Para tratar de tais dificuldades de aprendizagem e das possíveis saídas para
diminuir a sua ocorrência, empenhamos toda a discussão desenvolvida nos
próximos capítulos.
10
Deste ponto em diante, sempre que usamos o termo medidas, estamos nos referindo a medidas
geométricas em uma, duas ou três dimensões, ou seja, de um comprimento, uma área ou um volume,
respectivamente. Esta discussão fez-se necessária por efeito da distinção, já citada acima, entre os
campos da Geometria e das Medidas, que aparece tanto nos documentos oficiais de orientação
curricular, quanto na quase totalidade dos livros didáticos brasileiros de Matemática do ensino
fundamental.
25
CAPÍTULO 2
REVISÃO DA LITERATURA
26
Uma das dificuldades dos estudantes, que com muita frequência tenho
observado em nossas salas de aula do ensino fundamental e do ensino médio, é a
confusão entre as ideias de área e de perímetro, quando eles resolvem problemas
usuais de geometria euclidiana plana. E parece que não estou sozinho nesta
constatação. Trabalhos como os de Lindquist e Kouba (1989), Nunes (1995),
Chiummo (1998), Chappell e Thompson (1999), Malloy (1999), Leung (2001), Melo
(2003), French (2004), Baldini (2004), D’Amore e Fandiño Pinilla (2006), Owens e
Outhred (2006), Hernández (2008) e Silva (2009) apontam tal dificuldade12 e
procuram identificar suas características e sua gênese.
Ao descrever, a seguir, alguns destes (e outros) trabalhos, relacionados ao
estudo de dificuldades dos estudantes na aprendizagem de perímetro e de área de
figuras planas, buscamos identificar características que nos favorecessem na
elaboração das tarefas aplicadas em nossa pesquisa de campo, da unidade de
11
Os termos obstáculo epistemológico e limite epistemológico expressam dificuldades inerentes ao
processo de produção de significados, segundo o sentido proposto por Lins (1993) e que assumimos
neste trabalho, deste ponto em diante. Sobre isto, trataremos no Capítulo 3.
12
Mesmo considerando que a confusão entre área e perímetro possa ter contexto e significado
próprios em cada investigação, aceitamos ser razoável tomarmos um sentido geral para tal termo, de
modo a abarcar a associação que se verifica quando os alunos, embora distinguindo os sinais
(palavras), ligam um ao outro signo linguístico, acreditando tratar-se de um mesmo objeto geométrico,
ou tratar-se de objetos geométricos com análogas características. A partir desta concepção,
trataremos das prováveis diferenças entre as concepções dos pesquisadores para o temo confusão,
quando for necessário.
28
análise destas tarefas e do enfoque que daremos à execução desta análise, ligado
aos objetivos de nossa dissertação.
Antes de propor uma aplicação do Modelo de van Hiele para o trabalho com
perímetro e área nos anos finais do ensino fundamental, Malloy (1999) afiançou que,
embora uma considerável parcela dos alunos deste nível educacional possa resolver
problemas de deduzir e aplicar fórmulas de área e de perímetro de algumas figuras
geométricas (como retângulos, quadrados e triângulos), eles não têm conseguido
conceituar plenamente os significados de ambos os termos, e acabam por fazer
confusão entre tais fórmulas, encontrando a área de uma figura quando se pede o
seu perímetro, e vice-versa.
Segundo Leung (2001), muitos educadores frequentemente afirmam que os
estudantes apresentam dificuldades na aprendizagem destes temas, as quais
poderiam ser atribuídas às concepções errôneas13, à confusão entre área e
perímetro ou a um total desconhecimento destes temas geométricos. Talvez como
consequência destas dificuldades, o entendimento de que os conceitos de área e de
perímetro são úteis na vida cotidiana torna-se difícil de ser alcançado pelos alunos
(HERNANDEZ, 2008).
Baltar (1996), ao estudar a aquisição da relação entre comprimento e área na
escola, relata as dificuldades que estudantes dos anos finais da educação básica
encontram, em primeiro lugar, em reconhecer medidas de uma figura como um de
seus elementos constituintes e, em segundo, em distinguir as medidas de área e de
perímetro. Em tal pesquisa, foi evidenciado o fato de que os aspectos da
aprendizagem de diferentes elementos de medida (de comprimento, de área, etc.)
são específicos e diversos entre si; assim, a ideia de área de uma figura plana não é
sempre reconhecida como uma característica de tal figura.
Santos (2008), em sua pesquisa de mestrado, cuja metodologia se baseou
em uma análise qualitativa sob a ótica da Didática da Matemática francesa, concluiu
que a não resolução de certas tarefas – propostas aos estudantes por autores de
certos livros didáticos e que envolvem as noções de área e perímetro – indica
dificuldades que podem estar associadas à forma como se dá a passagem entre os
níveis de conhecimento, às mudanças de registros de representação semiótica e às
mudanças de quadros envolvidas nas tarefas.
13
O termo “concepções errôneas” é uma tradução nossa para a palavra misconceptions, do texto
original em inglês.
29
14
Não é raro observarmos pesquisas, como esta de Teles (2009), utilizarem o termo “significativo”,
sem o cuidado de estabelecer com que sentido ele á empregado. Desta forma, não podemos
concordar ou discordar das afirmações que o contêm.
15
Dados disponíveis no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, com acesso em 08.Maio.2011: http://www.inep.gov.br/basica-censo
30
dificuldades discentes, tampouco avaliar suas possíveis causas. Para se lograr tal
intento, necessário se faz identificar os significados produzidos16 pelos alunos para
os temas contidos nos itens das avaliações.
Um sistema internacional de avaliação em larga escala, que também avalia
estudantes do 5º e do 9º anos da escolaridade básica, o TIMSS (Trends in
International Mathematics and Science Study), em sua versão 2007 aplicada na
Suécia, foi analisado pela Agência Nacional de Educação daquele país, em parceria
com a Universidade de Gotemburgo. Não obstante o fato de classificarem a Suécia
entre os quinze de melhor pontuação no ranking17 da avaliação de conhecimentos
matemáticos, os resultados mostraram que os conceitos de perímetro e área são
frequentemente confundidos pelos alunos suecos. E revelaram ainda que muitos
alunos não estão familiarizados com o caráter aditivo do conceito de área e por isso
não são capazes de calcular áreas de figuras compostas. No mesmo documento,
afirma-se que o desconhecimento do caráter aditivo da área acomete os estudantes,
provavelmente, devido à falta de experiências conceituais, que por sua vez resulta
de uma abordagem de ensino predominante processuais, ou seja, de aplicação de
fórmulas destituídas de compreensão. (SKOLVERKET, 2008)
Segundo French (2004), a dificuldade de dissociar área e perímetro pode
surgir de uma simples confusão de palavras ou mesmo originar-se de conceitos
profundamente errôneos, os quais fazem os estudantes pensarem que perímetro e
área estão ligados de um modo tão elementar, que o aumento de uma dessas
grandezas conduz necessariamente ao aumento da outra. Não concordamos com a
perspectiva de avaliar pelo erro ou pela falta; mas isto será discutido no próximo
capítulo.
Yeo (2008) levantou um interessante quadro de pesquisas acerca da
confusão entre as ideias de área e perímetro de figuras planas, na análise do qual
destacou a necessidade de se focar na aprendizagem através do desenvolvimento
de um conhecimento conceitual e relacional destes temas; e ressaltou, ainda, o fato
de os próprios professores confundirem os conceitos de perímetro e área. O
pesquisador concluiu que os resultados de sua investigação retratam a complexa
interação entre os dois conceitos e os desafios associados ao seu ensino e às
16
Sobre o processo de produção de significados a suas consequências na prática discente, ver
capítulo 3.
17
Em 2007, 48 países dos 5 continentes participaram do processo de avaliação do TIMSS. Ver o site,
acessado em 08.Maio.2011: http://nces.ed.gov/timss/results07_math07.asp
31
18
De modo diverso do que praticamos no presente trabalho, aqueles autores assumem, para o termo
obstáculo, a caracterização dada por Brousseau (1983).
32
19
Ver Vergnaud (2008).
20
Sobre produção e negociação de significados, trataremos no capítulo 3.
34
21
O texto da tarefa da Figura 1 é de nossa tradução.
36
ATIVIDADE 6
1) Vamos construir juntos o jogo chinês chamado Trangram. 2) Vamos
fornecer um quadrado de 16 cm de lado, para obtermos 7 peças, que são
os componentes do jogo. 3) A seguir você poderá usar a sua criatividade e
montar qualquer figura geométrica que quiser. 4) Depois de obter as 7
peças do jogo, o professor calculará a área e o perímetro de cada figura.
Para o cálculo da área, o professor poderá utilizar a contagem de
quadradinhos ou a fórmula. Para o cálculo do perímetro, o professor
poderá utilizar uma régua, quando se tratar da diagonal do quadradinho.
Calculando a área de cada figura separadamente e somando-as, o
professor mostrará para o aluno que qualquer figura que ele vier a montar,
usando a sua criatividade, verifica-se o mesmo valor para área e valor
diferenciado para perímetro. [...]
OBJETIVOS DE ATIVIDADE 6
[...] Os professores poderão levar os alunos a perceber que não importa
que tipo de figura os alunos venham a montar, eles irão obter sempre a
mesma área com perímetros diferentes. Poderão ainda explorar a
equivalência de peças, ou seja, qual a relação entre as áreas e os
perímetros de figuras iguais.
ANÁLISE A PRIORI DA ATIVIDADE 6
Poderá haver alguma demora na construção do Tangram para os
professores de 1ª a 4ª série por falta do conhecimento do vocabulário
matemático, como por exemplo, ponto médio, diagonal e vértices. Esses
conceitos intervêm na construção do Tangram, porque fazemos uso deles
para efetuar a dobradura do papel. Poderá ainda haver dificuldade na
identificação dos polígonos que se originam do recorte do Tangram [...].
Quando se pedir o cálculo da área das figuras, os professores poderão vir
a contar quadradinhos e não usar a fórmula de área, por ser mais fácil e
mais rápido. [...] Quanto ao cálculo do perímetro, os professores da 1ª a 4ª
série tenderão a usar a régua para todas as figuras, já os professores de 5ª
a 8ª tenderão a contar as bordas, sem fazer uso da fórmula do perímetro.
(CHIUMMO, 1998, p. 92, grifos da autora)
22
Ver Brasil (2010).
39
[...] não admitir o não dizer como alternativa tanto a uma proposição quanto
à sua negação, é praticar a política da caracterização do outro pela falta: se
você não diz o (que eu já sei que é) correto, é porque ainda não é capaz de
entender (seja porque falta conteúdo, seja porque falta desenvolvimento
intelectual). (LINS, 1999, p. 84)
23
Sobre a concepção de conhecimento que assumimos, do nosso referencial teórico-epistemológico,
discutiremos no próximo capítulo.
40
Vygotsky, 1993). Com base nestas noções, Nunes (1995) explicita as duas
alternativas mais usuais para se representar o conceito de área de figuras planas. A
primeira alternativa envolve medir o comprimento e a largura de certa figura (um
retângulo, por exemplo) e utilizar tais medidas para calcular a área desta figura,
através de uma fórmula, que neste caso corresponde ao produto das medidas. A
segunda alternativa envolve começar por unidades de área (por exemplo,
centímetros quadrados), que se forem arrumadas em linhas e coluna, sobre a figura
a ser medida (novamente, consideremos o retângulo), a área desta figura é
calculada pela multiplicação do número de unidades numa linha vezes o número de
linhas. Estas duas alternativas – explica a pesquisadora – diferem basicamente em
relação ao número variáveis envolvidas em cada concepção de produto de medidas:
três variáveis na primeira e duas na segunda concepção. Vejamos a metodologia
que Nunes (1995) utiliza em sua pesquisa:
24
A noção piagetiana de estágios de desenvolvimento cognitivo nos permite entender como a teoria
de Piaget favorece uma leitura pela falta. Exemplificando isto, Lins (1999, p. 78) escreveu o que
parece ser a fala de um professor fictício do ensino tradicional, em concordância com os
pressupostos piagetianos: “eu, que já me desenvolvi (já aprendi), e que sei que você é igual a mim,
posso ver o que falta em seu desenvolvimento, ver o que você ainda não é”.
42
o que permite a estruturação das malhas de unidades, que também aceitamos como
um processo cognitivo de moroso desenvolvimento e de difícil intervenção docente.
Alguns pesquisadores sugerem que o ensino de medidas de área de figuras
planas não deveria começar com a utilização de réguas. Por exemplo, Nunes, Light
e Mason (1993) mostraram que as crianças de sua pesquisa não conseguiram
resolver problemas de área, quando utilizaram réguas, mas foram capazes de criar
soluções multiplicativas, quando se lhe ofereceram oportunidades de cobrir
superfícies com unidades quadradas.
Clements e Stefhan (2004) defendem que, para o desenvolvimento dos
processos de aprendizagem de áreas, o professor não deve focar os procedimentos
de cálculo, mas sim os significados que tais processos trazem para os alunos. Para
estes pesquisadores, pode ser um exagero o argumento básico de Piaget, de que as
crianças devem aprender antes a conservar comprimentos para que possam
produzir sentido para os sistemas de medições, como as réguas (físicas) ou
ferramentas computacionais.
De acordo com a perspectiva vygotskiana, as réguas são vistas como
instrumentos culturais, dos quais as crianças podem se apropriar. Ou seja, os alunos
podem usar as réguas, apropriarem-se delas e assim construírem novas ferramentas
mentais. (CLEMENTS e STEFHAN, 2004)
Concordamos com esta perspectiva, entendendo, porém, que outros
instrumentos de medida de área e de comprimento podem ser apropriados pelos
alunos, mesmo que não se lhes sejam oferecidos. Por exemplo, em nossa sala de
aula de Geometria do Ensino Fundamental, já experimentamos situações nas quais,
para fazer medições de comprimentos de objetos físicos (como porta e janelas),
estudantes utilizaram pedaços de madeira e de barbante, por iniciativa própria,
quando lhes faltava uma régua. E flagramos, de outra feita, um aluno usando até
mesmo instrumentos não físicos (um metro virtual, chamaríamos) para estimarem a
largura de um quadro. Nesta última situação, vale ressaltar, o jovem era aprendiz de
pedreiro, auxiliar na construção civil.
25
Por exemplo, o modelo dos Campos Conceituais de G. Vergnaud, como ressalta Lins (2008,
p.534).
45
26
Utilizamos este termo no sentido dado por Baldino (1998).
46
CAPÍTULO 3
A PERSPECTIVA TEÓRICA
E O PROBLEMA DE PESQUISA
49
por verbo transitivo direto, esquecendo-se do para quem se ensina, ou seja, sendo
relegado a segundo plano o processo de aprendizagem.
A minha formação, na graduação, não me propiciou visão crítica ou postura
reflexiva27 quanto ao ensino e à aprendizagem, tampouco maturidade para tal
tomada de decisão, na prática docente. E menos ainda para as tomadas de decisão
conscientes e flexíveis, levando-se em conta, por um lado, a ampla gama de
aspectos envolvidos no processo de aprendizagem das crianças e jovens, e, por
outro, a diversidade das estratégias de ensino que podem favorecer ou promover a
aprendizagem matemática.
Este não parece ser um fato isolado, mas sim uma regra. Nos cursos de
Licenciaturas em Matemática no Brasil, uma carga majoritária de disciplinas
matemáticas obrigatórias é oferecida, e nas insuficientes disciplinas pedagógicas
estudam-se (vagamente) as metodologias de ensino e os fenômenos de
aprendizagem inerentes à sala de aula da escola básica, estando os licenciandos já
dela muito distantes, ou dela ainda totalmente dissociados, como professores. Além
disso, uma histórica desarticulação entre tais grupos de disciplinas das Licenciaturas
em Matemática é sentida, ainda em nossos dias (ver, por exemplo, PIRES, 2000;
SEVERINO, 2002; SOUZA e GARNICA, 2004). Tudo isto corrobora a noção de que
“a formação matemática do licenciando, em boa parte similar à do futuro bacharel,
não contribui de modo substancial para a formação daquele futuro profissional, a
não ser ao reforçar as rotinas de aulas expositivas”, como afirmou Lins (2005a,
p.12).
A partir daquelas dúvidas, que aos poucos emergiam do meu cotidiano de
professor de matemática do ensino fundamental, experimentei inseguranças,
angústias e insatisfação com a minha própria prática. Necessário se me fez, então,
buscar compreender “por dentro” os processos de ensinar e de aprender.
Ao entrar em contato com o Modelo dos Campos Semânticos (MCS) –
referencial teórico que orienta a presente pesquisa –, entendi (e aceitei o fato de)
que considerar a questão epistemológica é essencial para meu trabalho como
educador matemático. Na descrição da gênese deste modelo, que foi proposto por
Lins (1999, 2001, 2004, 2005b) e cuja elaboração sofreu importante influência das
27
Com relação aos termos visão crítica e postura reflexiva na formação discente e docente,
concordamos com as posições de Skovsmose (2001) e Freire (1996).
51
Observemos que ele se refere à perda do gosto por ensinar algo (conteúdos),
mas não pelo ensinar. Ao descrever o percurso que o levou à criação do modelo,
Lins (Ibidem) afirma ter entendido que enquanto não “lesse” seus alunos, não teria
nada a dizer a eles; e relata o que seguiu a este entendimento:
Dei-me conta de que não estava mais interessado no que eles não sabiam
fazer, e sim no que eles estavam efetivamente fazendo. E, o melhor (pior,
diriam alguns), é que não é jamais possível antecipar em que é que esse
tipo de leitura vai resultar. (LINS, 2008, p. 540, grifos do autor)
28
Para Lins (2004, p. 114), objeto é algo a respeito de que se diz algo. Ele afirma ainda (1999, p. 86)
que “os objetos são constituídos enquanto tal precisamente pela produção de significados para eles”.
29
Cf. Lins, 1994, p. 29.
53
30
Para este termo, assumimos o sentido proposto por Leontiev (2006, p. 68). Segundo Oliveira (2002,
p. 96), as atividades humanas são consideradas por Leontiev como formas de relação do homem
com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados. A idéia de atividade envolve a
noção de que o homem orienta-se por objetivos, por meio de ações planejadas. Segundo Radford
(2004, p. 9), a teoria de Leontiev propõe que a atividade humana se caracteriza, em outras coisas,
pelo objetivo (motivo) que se persegue e pelos meios (signos e artefatos) para se alcançar tais
objetivos.
31
Ver, por exemplo, o capítulo introdutório do livro de Vygotsky (1991).
54
ou seja, “[...] refere-se ao fato indicado por Vygotsky, de que, dada a plasticidade do
cérebro32 humano, a menos que alguém intervenha, nosso caminho natural é
divergirmos fortemente nas constituições de nosso funcionamento cognitivo”.
A questão que Lins (1999, p. 79) discute em seu estudo, a partir de tal
pressuposto (somos todos diferentes), é “como chegamos a ser tão parecidos”. O
autor não se refere à semelhança entre seres biológicos, mas sim à semelhança
entre seres cognitivos. A contradição disto com o que apresentamos no parágrafo
anterior é apenas aparente. Lins (Ibidem, p. 79) sinaliza que a caracterização de
“sermos semelhantes” que adota é “sermos capazes de compartilhar um espaço
comunicativo”. Para discutir esta caracterização, ele se dedicou a reconceitualizar as
noções de comunicação e de processo comunicativo. Neste intuito, afirma haver
duas posições acerca do processo comunicativo que são dominantes, tanto no
mundo acadêmico quanto no senso comum, que assumem a possibilidade de uma
comunicação efetiva, ou seja, da transmissão de uma mensagem de uma pessoa
para outra (LINS, 1999, p. 80).
David K. Berlo33 é apontado como um representante da posição tradicional
sobre a noção de comunicação, para a qual propôs um modelo composto
basicamente de seis elementos: a fonte, a mensagem, o codificador, o canal, o
decodificador e o receptor (SILVA, 2003, p. 60). Outra posição, também tradicional,
vinda da teoria da informação, é a sintetizada na tríade emissor-mensagem-receptor;
mas, lembra Lins (1999, p. 81), tal posição não postula a transmissão de
significados, mas apenas de informação.
Para estas duas formas de conceber o processo comunicativo, a não
efetivação da comunicação é vista como um acidente, sendo considerada natural a
sua efetivação. Já para Derrida (1991), a comunicação concebida tradicionalmente é
que seria um acidente; a regra é a não-comunicação. (LINS, 1999, p.81)
Baseado nestas ideias, o MCS preconiza que não é possível transmitir
conhecimento, nem “comunicar” significados. Pois a noção de processo
32
Embora aceitemos o fato de sermos todos cognitivamente diferentes, uns dos outros, não
concordamos com a hipótese vygotiskiana que localiza a atividade cognitiva no cérebro. Este, aliás, é
um problema ainda bastante obscuro para pesquisadores de diversas áreas científicas, mas não
tanto quanto o era para os próprios colaboradores de Vygotsky. Por exemplo, Lúria (2006, p. 198)
ressaltou que pouco se conhecia, até aquele momento, acerca da relação entre consciência e
cérebro, e afirmou categoricamente: “As tentativas de encontrar nas profundezas do cérebro um
órgão gerador da consciência serão tão sem sentido quanto as tentativas, feitas na nossa época, de
encontrar, na glândula pineal, a sede da alma, em apoio à ingênua hipótese de Descartes”.
33
Ver Berlo (1979).
55
comunicativo do modelo que utilizamos é outra, formulada por Lins (1999, p. 81), a
partir de três elementos – autor, texto e leitor –, e expressa por Silva (2003), da
seguinte maneira:
Assim, autor é aquele que enuncia algo para alguém, e este alguém não é um
indivíduo ou uma coletividade, embora o autor possa se encontrar em uma atividade
que envolve pessoas, como orientar um filho ou fazer um palestra. Toda enunciação
é dirigida a um alguém, dito interlocutor, que é um ser cognitivo (e não “rostos” com
quem falamos), ou seja, é uma direção na qual o autor fala34. (LINS, 1994, p. 34)
O processo no qual o leitor lê algo35 é semelhante, mas não idêntico ao
processo anterior, do autor e sua enunciação. O leitor constitui sempre um autor (ser
cognitivo e não biológico), e é em relação ao que diria este um autor que o leitor
produz significado para o resíduo de enunciação, o qual se transforma em texto
apenas no instante em que o leitor produz significados para ele. (LINS, 1999, p. 82)
Ainda tratando da relação entre os elementos por processo comunicativo, tal
qual caracterizou, Lins (1999) aponta a possibilidade de convergência dos dois
processos (do autor e do leitor), ao concluir:
Então: o autor produz uma enunciação, para cujo resíduo o leitor produz
significado através de uma outra enunciação, e assim segue. A
convergência se estabelece apenas na medida em que compartilham
interlocutores, na medida em que dizem coisas que o outro diria e com a
autoridade que o outro aceita. É isto que estabelece um espaço
comunicativo. (LINS, 1999, p. 82)
34
Neste ponto, a palavra “fala” é representativa da categoria de qualquer expressão enunciativa,
como a escrita, os desenhos, os diagramas, os gestos e a própria articulação fonética.
35
Este “algo” pode ser, por exemplo, a fala de alguém ou um texto escrito, entendidos por Lins (2001,
p.59) como um resíduo de enunciação.
56
36
O termo leitura positiva, de Silva (2003, p.66), foi substituído por leitura plausível para se evitar
que seja confundido com noções da escola filosófica de Comte.
37
Por exemplo, o modelo dos Campos Conceituais de G. Vergnaud, como afirma Lins (2008, p.534).
Na leitura pela falta está implicada a ideia de que o desenvolvimento precede a aprendizagem, isto
é, para se aprender algo é preciso atingir certo nível de desenvolvimento, o das estruturas mentais
correspondentes a certo conteúdo ou a certos conceitos.
38
Para este termo, tomamos o sentido dado por Baldino (1998, p. 64).
57
Não sei como você é; preciso saber. Não sei também onde você está (sei
que está em algum lugar); preciso saber onde você está para que eu possa
ir até lá falar com você e para que possamos nos entender, e negociar um
projeto no qual eu gostaria que estivesse presente a perspectiva de você ir
a lugares novos. (LINS, 1999, p. 85)
39
Vygotsky (1993, p. 71)
58
40
Os autores utilizam a expressão “da rua” com o sentido de “algo que não é da escola”. As coisas da
rua e as coisas da escola constituem legitimidades diferentes, para diferentes modos de produção de
significados, elucida Lins (1999, p.90).
60
corresponde bem ou mal a algo fora da própria matemática”. É nesta direção que o
MCS permite comparar e distinguir significados matemáticos e não-matemáticos.
Ao analisarem a gênese da exclusão dos significados não-matemáticos da
escola, Lins e Gimenez (1997) identificam uma breve sequência de fatos e decisões
que fizeram com que a comunidade científica dos matemáticos gerasse tal exclusão,
primeiro internamente, depois nas escolas:
41
Expressões pronunciadas irrefletidamente, como se a escola não fosse vida também.
61
42
Um posicionamento semelhante a este, que se refere mais amplamente à Matemática, é defendido
por Skovsmose (2001).
62
43
Um bom exemplo disso é dado no livro La Enseñanza Problémica, de Majmutov (1983).
44
Utilizamos o termo confusão por ser o mais geral, entre as pesquisas e relatos de práticas em
Educação Matemática, No entanto, para ele não atribuímos nenhum juízo de valor, como, por
exemplo, se tivéssemos tomado para esse termo o sentido de erro conceitual dos alunos, sem
considerar os significados que eles produzam para tal.
64
45
Ver a revisão da literatura, capítulo 2 desta dissertação.
65
CAPÍTULO 4
A METODOLOGIA DA PESQUISA
66
46
O termo intervenções orientadas é foi empregado neste texto no sentido dado por Silva (1997). Um
bom exemplo desta conduta é dado por Bigode (1999), quando discute a gestão de interações em um
ambiente de inspiração lakatosiana. Vide também Lakatos (1978).
70
[...] provê uma ferramenta simples, ainda que poderosa, para a pesquisa e
o desenvolvimento na educação matemática [...] para guiar práticas de sala
de aula e para habilitar professores a produzir uma leitura suficientemente
fina, e assim útil, do processo de produção de significados em sala de aula.
(LINS, 2001, p. 59)
Tal leitura da produção de significados dos alunos por nós pesquisados, neste
trabalho, é feita também através de outras noções-categorias do MCS, isto é,
através da análise dos objetos que estão sendo constituídos, das operações (e suas
lógicas) que estão em jogo, da constituição de um núcleo e das coisas que são
legítimas os sujeitos dizerem, segundo eles próprios. Estas noções-categorias serão
agora brevemente comentadas.
A visão proporcionada pelo MCS não tem concordância com abordagens
tradicionais da psicologia cognitiva, que consideram que o pensamento se estrutura
por conceitos. Além de discutir a possível origem deste modo de pensar (tradicional),
Lins (1996, p. 137) propõe uma posição alternativa, que assume que o pensamento
é estruturado por objetos.
71
Ao aceitar tal sentido para núcleo, temos em mente que tal termo não se
refere a algo estático, como um conjunto de coisas. O sentido proposto pelo MCS
para núcleo é de um processo que se constitui no interior de uma atividade e se
modifica até o final desta. Em uma outra atividade, um novo núcleo se constitui. Este
é o processo de produção de significados em seu dinamismo, reforçamos. Ao
observar um núcleo, podemos identificar a maneira de operar dos sujeitos, bem
como a lógica das operações ligadas à produção de significados para um resíduo de
enunciação. (SILVA, 2003, p. 76)
Segundo Lins (1997, p.144), “toda operação é realizada segundo uma lógica”,
cuja compreensão é essencial – afirma ele –, se desejamos entender as maneiras
de pensar de nossos alunos ou de nossos sujeitos de pesquisa.
A lógica das operações também é uma noção decisiva na formulação do
MCS. Lins e Gimenez (1997) a entendem como
Com base nas perspectivas que assumimos e com foco nos objetivos que
levantamos anteriormente, procedemos à elaboração das tarefas a serem aplicadas
na pesquisa de campo. Em termos mais particulares, estas tarefas devem conter
questões que tragam à tona dificuldades dos sujeitos de pesquisa, envolvendo área
e perímetro de polígonos, sobre as quais discutimos na revisão da literatura47.
47
Veja, por exemplo, Brito et al (2006), Baldini (2004) e Melo (2003).
74
De uma forma mais abrangente, uma boa tarefa deveria permitir ao professor
e ao pesquisador:
a) observar a multiplicidade dos significados produzidos pelos alunos, para os
elementos constituintes das tarefas;
b) explicitar o fato de que os significados produzidos pelos estudantes, pelo
professor ou pelos autores de livros didáticos são alguns entre outros tantos
significados que podem ser produzidos a partir daquelas tarefas;
c) dar o mesmo tratamento a significados matemáticos e a significados
não-matemáticos que surjam no contexto das tarefas, sem juízo de valor.
Na prática, não nos preocupamos com o ineditismo das tarefas que
propusemos no trabalho de campo, pois as entendemos por resíduos de
enunciação, como discutimos anteriormente, porquanto a produção de significados
dos sujeitos de pesquisa é o nosso foco de atenção. E a análise desta produção,
através do ferramental do MCS, é imprescindível para a identificação das
potencialidades do produto educacional que apresentamos juntamente com esta
dissertação.
Consideramos que cada tarefa proposta, com seu enunciado e seus possíveis
suportes48, deva possuir duas características indispensáveis para lograrmos os
objetivos que assumimos: deve ser familiar e, ao mesmo tempo, não-usual. Uma
tarefa ser familiar significa, para nós, possibilitar que os alunos consigam falar algo a
partir de seu enunciado, produzindo significados para elementos constituintes de tal
tarefa. Para o termo não-usual, tomamos a acepção de Silva (2003):
Vale destacar que estas ideias são perfeitamente coerentes com a noção de
zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1991), quando este caracteriza a
internalização como aspecto central no desenvolvimento cognitivo de qualquer
48
Termo bastante empregado pelos elaboradores de avaliações de larga escala, como o PISA e a
Prova Brasil, quando querem se referir a desenhos, figuras, tabelas, gráficos ou algo parecido, que
complementem ou reforcem as informações dadas nos enunciados das questões.
75
sujeito. Para Lins (1994, p. 33), “o que é internalizado são precisamente modos de
produzir significado”, através da interação com colegas ou outros possíveis
interlocutores – seres cognitivos, uma direção na qual se fala algo, e não seres
biológicos, de acordo com o que estudamos no capítulo anterior. E ainda conclui o
autor: “o sujeito fala sempre para o outro, para o social, dentro da cultura a que
pertence”. (LINS, 1994, p. 33)
Outro aspecto que levamos em conta, na elaboração das tarefas e questões a
serem aplicadas, diz respeito à sua legitimidade de tais tarefas. Uma questão
proposta, que para nós, pesquisadores, é avaliada como interessante, no interior da
presente pesquisa, pode também ser considerada sem valor (e, portanto, ilegítima),
de acordo com a perspectiva de um matemático. Isto é possível justamente pela
diferença de objetivos. O objetivo de um matemático será, muito provavelmente,
internalista49, ou seja, indagará se a questão (ou tarefa) ajuda a resolver ou
demonstrar uma questão já posta. O nosso objetivo na elaboração e na proposição
das tarefas – reafirmamos – será o de estimular os diversos modos de produção de
significados para elementos geométricos envolvidos em tais tarefas, que se
constituirão ou não em objetos no interior de certa atividade50.
Na elaboração das tarefas, temos ainda o objetivo de investigar o próprio
processo de produção de tarefas que possuam algumas características gerais, tais
como:
49
No sentido proposto por Lins (2004, p. 95)
50
Para este termo, assumimos o sentido proposto por Leontiev (2006, p. 68).
76
serão apresentados junto das mesmas, mais abaixo. Os objetivos gerais são os
seguintes:
Tarefa 1
Os dois retângulos abaixo são iguais. Observe.
FIGURA 1 FIGURA 2
4 cm
6 cm
Tarefa 2
Você possui uma corda com a medida de 16 centímetros, quando está
totalmente esticada, como mostra a figura abaixo.
16 cm
2 cm 4 cm
6 cm
a) Estas duas figuras têm a mesma área? Quais são suas áreas?
b) Estas duas figuras têm o mesmo perímetro? Quais são seus perímetros?
Tarefa 3
Da forma que você achar melhor, utilize o quadrado vermelho para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.
51
Os quadradinhos foram moldados como recortes da figura dada na tarefa, de tal modo que um
número inteiro deles preenche toda a figura.
79
Tarefa 4
Da forma que você achar melhor, utilize o triângulo azul para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.
Tarefa 5
Um outdoor de uma propaganda publicitária foi construído com a forma de um
retângulo com área de 104 m2 e com um dos lados sendo 5 metros maior do
que o outro. A agência de publicidade responsável pela propaganda decidiu
colocar um revestimento de alumínio para contornar todo outdoor, o que lhe dá
um melhor acabamento. Imagine que você trabalhe nesta agência e precisa
calcular quantos metros de alumínio serão necessários para cobrir toda a borda
do outdoor. Então, faça agora este cálculo.
Figura 6 - Tarefa 5 da pesquisa de campo
Tarefa 6
Calcule a área e o perímetro das figuras abaixo.
52
Uma discussão sobre esse tipo de ligação é feita em Jones (2010).
81
Continuação da Tarefa 6.
pelos professores em suas salas de aula, direcionando, quem sabe, o seu trabalho.
A noção de protótipo que assumimos aqui não coaduna com o sentido de modelo
acabado, pronto, mas sim com o sentido de ideia geradora de novas ideias ou,
ainda, de tarefa a ser modificada e adaptada a outras situações, outras ciclos ou
níveis de escolaridade, outras turmas de alunos, em diferentes condições sociais,
institucionais e culturais.
No produto educacional que apresentamos junto a esta dissertação,
experimentamos modificar algumas de nossas tarefas utilizadas no pré-teste, criar
outras apresentadas na pesquisa de campo e, ainda, outras mais que elaboramos
após a pesquisa de campo e inserimos no escopo do produto educacional, por
sentirmos necessidade de explorar outras possibilidades no levantamento de
dificuldades e de produções de significados para os elementos relacionados a área e
perímetros de figuras planas.
Em pesquisas futuras, pretendemos avançar na identificação de modos de
intervenção nos processos cognitivos dos alunos, e acreditamos que o produto
educacional que hora apresentamos nos servirá de ponto de partida para tal
propósito.
84
CAPÍTULO 5
53
De acordo com o que discutimos no capítulo 3, a noção de objeto não é a de algo que preexista à
produção de significados de certo sujeito, ou seja, de um conhecimento estabelecido a priori,
independente deste sujeito que, de acordo com o Modelo dos Campos Semânticos, é sempre o
sujeito do conhecimento. A este respeito, afirmou Lins (1999, p. 86) que “os objetos são constituídos
enquanto tal precisamente pela produção de significados para eles”.
54
A referida definição está na página 30 do livro em citação.
86
(a) (b)
Dessa maneira, e levando em conta o Postulado 16, devemos dar ênfase
ao estudo das áreas de regiões triangulares. O Postulado 17 garante que
duas regiões triangulares de mesma forma e tamanho têm mesma área. [...]
Postulado 16. Se uma região R é a união R1 U R2, com R1 e R2 sendo
regiões que se interseccionam em um número finito de pontos ou
segmentos, então a área de R é igual à soma das áreas de R1 e R2. [...]
Postulado 17. Se dois triângulos são congruentes, então suas regiões
triangulares têm a mesma área.
Postulado 18. Se uma região quadrada tem lado de comprimento a, então
sua área é a2.
Daqui em diante, passaremos a usar “área de um polígono” ao invés de
“área de uma região poligonal”.
7.3 Teorema. A área de um retângulo é o produto das medidas de seus
lados. (REZENDE e QUEIROZ, 2000, p. 106, grifos das autoras)
55
Preferimos omitir esta demonstração, por extensa que se mostrou.
87
(a) (b)
. Q
Q é ponto de fronteira
Portanto, vemos que Barbosa (1995) define área de dois modos distintos: um
modo geométrico (Axioma VI.2) e outro, algébrico (Axioma VI.4).
88
É claro que todo polígono convexo determina uma região poligonal. Nós
iremos tomar a liberdade de usar expressões do tipo “a área de um
quadrado” quando queremos dizer realmente “a área de uma região
poligonal cuja fronteira é um quadrado”. Em geral, falaremos de “área de
um dado polígono”, quando queremos de fato nos referir a área cuja
fronteira é aquele polígono. Assim, o axioma VI.3 acima poderia ter sido
enunciado como: “triângulos congruentes possuem áreas iguais”.
(BARBOSA, 1995, p. 145)
56
Já defendemos este pressuposto no capítulo 3.
89
Podemos então concluir que a área de um quadrado Q cujo lado tem para
medida um número racional a = m/n é dada pela expressão: área de Q =
a2. (...)
Consideremos agora a área do retângulo. O retângulo é o quadrilátero que
tem os quatro ângulos retos. Se os lados de um retângulo R têm para
medidas os números inteiros m e n, então, mediante paralelas aos lados,
podemos decompor R em mn quadrados unitários, de modo que se deve
ter de área R = m.n.
90
Diz-se, então, que a área do retângulo é o produto da base pela altura. (...)
Da área do retângulo, passa-se facilmente para a área do paralelogramo.
(...) Assim, a área de um paralelogramo é igual ao produto do comprimento
de qualquer uma de suas bases pelo comprimento da altura
correspondente. (...) Da área do paralelogramo passa-se imediatamente
para a área do triângulo, pois todo triângulo é a metade de um
paralelogramo. (LIMA, 1991, pp. 13-21)
57
Ver Henriques e Silva (2009).
58
Ver, por exemplo, os trabalhos de Godino et al (2008) e de Cobb e Bauersfeld (1995).
92
Para a aluna Roberta, calcular área de uma figura poligonal plana parece ter o
significado de dividir a figura em partes e calcular todas e quaisquer áreas com a
fórmula A=b.h. Vejamos as Figuras 10 e 11, apresentadas a seguir, nas quais vemos
esta ação de Roberta: ela decompõe o octógono em dois trapézios idênticos e um
retângulo, mas calcula apenas a área do retângulo, multiplicando corretamente as
medidas da base pela medida da altura. (HENRIQUES e SILVA, 2009)
Tarefa 1
Os dois retângulos abaixo são iguais. Observe.
FIGURA 1 FIGURA 2
4 cm
6 cm
Considerando as Figuras 1 e 2, responda às seguintes perguntas:
c) Qual é a medida da área do retângulo?
d) Qual é a medida do perímetro do retângulo?
Figura 14 - Tarefa 1 da pesquisa de campo
97
Marte – Hã hã... Se a gente coloca o coisa (lápis) aqui (lado superior da figura 1), ó...
Marte – É.
Ortência – A questão é que a gente não sabe se elas têm o mesmo tamanho. Porque a
figura 2 tá quadriculada? Não tem nenhuma coisa que pergunte sobre isso.
Marte – Mas, pra ele, talvez seja pra gente ver isso mesmo, entendeu?
Ortência – Entendi. Porque não tem nenhuma questão que pergunte, tipo assim, qual é a
área dos quadrados ou nada disso.
Marte – É isso aí. Então, como é que faz? A gente escreve sim?... É meio, assim...
59
Para facilitar esta análise, não redigiremos na primeira pessoa, embora sejamos autor e
pesquisador neste trabalho. E éramos ainda o professor de matemática destes sujeitos, à época da
realização da pesquisa de campo.
60
Nas transcrições das falas (integralmente contidas no Anexo 2 desta dissertação), as seguintes
convenções foram usadas: a) os sujeitos de pesquisa são identificados por seus pseudônimos e o
pesquisador pela abreviação Pesq; b) Parênteses são usados para indicar gestões, expressões e
atitudes dos sujeitos de pesquisa; c) Reticências indicam pausa prolongada; d) Reticências entre
parênteses indicam omissão de parte da transcrição; e) Barras indicam interrupção súbita ou
mudança na direção da fala; f) Aspas indicam que o sujeito de pesquisa está lendo o que está
dizendo.
98
tamanho, isso lhe parece facilitar demais a resolução. E discutem o que estaria por
trás da tarefa. O quadriculado da figura 2 parece dificultar a escolha da figura cuja
área deveriam calcular. Ortência abandona esta ideia (quadriculado como
diferencial) e parte para o cálculo da área da figura 1, mas Marte transita na dúvida e
prefere olhar para figura 2, cujas medidas dos lados não foram dadas. Vejamos:
Marte – Não precisa fazer para a figura 1, porque são do mesmo tamanho.
Ortência – Essa daqui não tem medida. (Aponta para a figura 2).
Marte – Ah! Eu sei... Olha só: um, dois, três, quatro, cinco, seis. (Contando os
quadradinhos da linha superior da figura 2).
Marte – Não.
Ortência – Sim.
Ortência – Professor, não sei porque eu coloquei figura 1 se as duas figuras são do
mesmo tamanho, as duas falam da... São a mesma coisa, então?... Não precisa fazer
das duas.
Pesq – Não, não tem pegadinha. O trabalho é mesmo esse aí. Mas você falou o que
mesmo, Ortência? Não precisa fazer das duas figuras?
Ortência – Não pergunta sobre a 1 e a 2, eu pensei em fazer sobre as duas. Só que essa
é igual a essa.
Ortência – Ele não vai responder, não falei. (Olhando para Marte).
Ortência – Escrevi sobre a figura 1. A figura 2 tá quadriculada, mas ela é a mesma que
essa. Cada quadradinho tem um por um.
Pesq – Tá.
Ortência – Porque quatro nesse e quatro nesse, seis nesse e seis nesse... (olha para o
Pesquisador, apreensiva). Aí, precisa fazer das duas?
Marte – Não.
Marte – É.
Marte – Ah!... Agora eu entendi! Ele quer saber se tivesse só essa daqui ou só essa
daqui? Por exemplo, se não tivesse essa (aponta a figura 1), e todos os quadrados são
iguais; qual seria a medida do retângulo, é isso?
Pesq – Você, Ortência, fez olhando a figura 1, certo? Mas e se só tivesse a figura 2,
como faria?
Ortência – Mas com é que você saberia que o quadrado tem um centímetro?
Pesq – Estimar?
Ortência – Mas você não teria como ter certeza. Eu nunca faria um cálculo sem saber
com certeza se isso aqui tem um centímetro ou não. Eu acho que eu ficaria um pouco
perdida só com a figura 2, porque eu não saberia a medida. Só se eu tivesse uma
régua...
Marte – Mas na falta da régua, da certeza, você tem ir pelo que você tem, né?
Pesq – Mas aqui neste caso, os retângulos são iguais. Você pode usar os dados de um
para calcular as medidas do outro?
Ortência – Faria. Porque, independente dela tá quadriculada, eu quero saber a área dela
toda.
61
Nunes (1995, p.17). Ver também nossa revisão da literatura, no capítulo 2.
101
Ortência – Sem medida e sem nada? Mas, de quê que adiantaria contar os
quadradinhos? Saberia...
Marte – A gente somaria, porque cada quadrado teria um centímetro. Porque dá pra ver,
né?
Marte – Um, dois, três, quatro, cinco, seis (apontando para os quadradinhos na linha
superior do retângulo 2).
Ortência – Ah!... Eu pensei numa coisa: como você não precisaria fazer a multiplicação...
não tecnicamente... contaria, então você faz a multiplicação. Então você faz seis
quadrados por quatro quadrados, vinte e quatro quadrados; cada um tem um centímetro,
vinte e quatro centímetros quadrados.
Neste trecho da entrevista, podemos perceber que Ortência não opera com a
estrutura de malhas (matrizes) para medir a área de um retângulo. Pois o modo de
operar a partir da estrutura de malhas é comumente revelado quando o sujeito
multiplica uma linha pelo número de unidades (quadradas) dessa linha, ou uma
coluna pelo número de unidades dessa coluna, em se tratando de um retângulo
desenhado sobre um malha quadriculada ou que foi dividido em unidades de área,
pela tesselação ou ladrilhamento do retângulo. E, como vimos, ao aceitar a
negociação, Ortência se utiliza das unidades de área apenas como instrumento para
medir os lados do retângulo, dentro da atividade de encontrar a área da figura.
O trecho a seguir corrobora a hipótese de que Ortência se mantém
impermeável62 à possibilidade de operar com a estrutura de malhas, e se propõe
ainda a corrigir os cálculos de Marte:
Ortência – Mas então, se eu faria do mesmo jeito, eu não preciso fazer da outra, né? Eu
faria do mesmo jeito, eu acho.
(Ambas escrevendo por um minuto. Ortência para de escrever e olha para a folha de
Marte).
Ortência – Se o seu exercício tivesse errado, você gostaria que eu corrigisse? (Dirigindo-
se a Marte).
Marte – Hã hã.
62
Para este termo, assumimos o significado dado por Silva (2003).
102
Ortência – Sim, né?... Perímetro não é um lado mais o outro, mas a soma de todos os
lados. É seis mais seis mais quatro mais quatro.
Ortência – É, acabamos.
Marte – Eu tinha esquecido, eu coloquei como se fosse área, também, só que eu somei.
Eu tinha esquecido que a gente tem que somar todos os lados pra dar o perímetro.
Pesq – Mas o que você fez aí, que ficou parecendo conta de área?
Marte – Eu fiz a operação só com os dois lados que apareciam; só que em vez de
multiplicar, eu somei.
Ortência – Mas muita gente erra isso. Eu acho que, por exemplo, geralmente quando
mostra uma figura, você põe (as medidas) só dos dois lados, e não dos quatro
(apontando para a figura 1). Aí muita gente, na hora de fazer o... de medir o perímetro,
não pensa que esse daqui tem medida e que esse daqui tem medida (apontando para os
lados do retângulo sem medidas dadas). Ela vai no que tá escrito. “Ah, é quatro e seis,
quatro mais seis, é isso aí”. Não é o caso dela (Marte), ela confundiu. Mas muita gente
faz assim. Nem se toca, sei lá. Acha que é parecido, igual ela falou, parecido com área.
“Área é esse vezes esse”. As pessoas decoram que área é um lado vezes o outro, e
perímetro é um lado mais o outro.
Marte – Mas eu acho que, por exemplo, quando a gente tava aprendendo que acontece
muito isso. Só que tudo na Matemática, se você praticar muito, você acaba... não
decorando, mas...
Marte, como dissemos acima, parece operar com a ideia uma única grandeza,
a área. Assim, embora calcule da maneira que podemos observar em suas fichas
abaixo – talvez por influência de Ortência –, ela utiliza o mesmo modo para calcular
a área e o perímetro, ou seja, tomando as medidas dos lados dados e operando-os,
com a única diferença de trocar as operações (matemáticas), sendo ora a
multiplicação, ora a adição. Vejamos, abaixo (Figura 15), como Marte calculou a
medida da área dos retângulos:
Tarefa 2
Você possui uma corda com a medida de 16 centímetros, quando está
totalmente esticada, como mostra a figura abaixo.
16 cm
2 cm
4 cm
6 cm
a) Estas duas figuras têm a mesma área? Quais são suas áreas?
b) Estas duas figuras têm o mesmo perímetro? Quais são seus perímetros?
Figura 17 – Tarefa 2 da pesquisa de campo
63
Com o termo espontaneamente, queremos dizer sem a intervenção do pesquisador, a não ser
através do enunciado da tarefa.
105
Ortência – O quê?
Marte – Aquela atividade de Desenho Geométrico que ele te dava a quantidade da área
e você tinha que construir três tipos de triângulo, a partir daquela área.
Marte – Mas até agora, assim, eu não achei muita coisa que o Desenho Geométrico
facilitou, nas coisas que a gente tá aprendendo agora, nesse ano.
Ortência – Não?
Marte – Não.
Ortência – Não?!... Área, triângulo retângulo, essas coisas,... você acha que não ajudou?
Nossa, pra mim ajudou pra caramba!
Ortência – Ajuda, eu acho que ajuda pra caramba. Na hora de Pitágoras, essas coisas,
ajudou, eu acho que ajudou.
Marte – Ah, não, não. É, ajudou. É também porque aprofunda mais no Desenho
Geométrico.
Ortência – Sim. Mais do que na Matemática. Porque se não... Daqui a pouco a gente
acaba entrando na Geometria, se a gente continuar indo na Matemática.
Marte – Hã hã.
Marte – Até que não, porque se você for pela ideia que foram feitos pela mesma corda,
confunde, se você não olhar...
Marte – É.
Ortência – Eu nem cheguei a pensar nisso que você falou, porque antes de pensar que
eram feitos com a mesma corda, eu pensei: dois vezes seis, doze; quatro vezes quatro,
dezesseis.
Esta fala de Ortência é coerente com seus registros gráficos, como podemos
observar na Figura 18, a seguir.
107
Marte – Pronto.
Ortência – Acho que tá bem explicado, né? No primeiro, a gente mediu a área. Um lado
vezes o outro da figura, doze centímetros. A gente ficou pensando que o tamanho da
corda é o mesmo e a área é diferente.
Marte – É.
Ortência – Mas a área não tem a ver com isso, o que tem a ver é o perímetro. Mas se for
para pensar, é bem parecido, sei lá. É estranho pensar que a corda é do mesmo tamanho
e a área é diferente.
Marte – A Ortência não tinha pensado nisso, não. Ela tinha ido mais pelo coisa do: tenho
dois centímetros e seis centímetros, vou multiplicar os dois, é diferente.
Marte – E eu não tinha prestado atenção nos centímetros. Eu tinha ido mais pela... É
dezesseis centímetros, é com a mesma corda...
Marte – A primeira coisa, eu pensei: é uma corda, a mesma corda pros dois; então se é a
mesma corda pros dois, daí vai ser a mesma área.
Marte – É, tudo vai ser igual. Mas não é, porque... só se for uma forma equilátera, que vai
ser da mesma área, porque é multiplicação, e não soma. Aí já mudou completamente o
coisa.
Ortência – E eu nem tinha pensado nisso. Depois, eu até concordei, porque ela falou,
mas isso nem tinha passado pela minha cabeça. Eu sabia que era a mesma corda, mas
isso não foi a primeira coisa que eu raciocinei. Eu raciocinei só nos lados, eu fui direto na
conta. Eu sabia que não era a mesma área, só o mesmo perímetro, porque... Eu fui
direto: dois vezes seis, dozes; quatro vezes quatro, dezesseis. Nem cheguei a pensar em
ser a mesma coisa. Só na hora do perímetro que eu pensei isso, porque ela tinha falado.
Pesq – Pra gente continuar a pensar sobre estas coisas, eu quero fazer mais uma
pergunta. Vocês acham que existiriam figuras geométricas, como estas aí, com formatos
diferentes e com áreas iguais, embora formadas pela mesma corda?
Ortência – Mas você acha que, por exemplo, o triângulo equilátero e o quadrado teriam a
mesma área?
Marte – (Desenha na folha). Oh, um triângulo com quatro centímetros nos três lados...
Ah, não...
Ortência – Não seria. Foi isso que eu pensei. Como é que você colocaria quatro, quatro,
quatro? Só dá se for um quadrado. Eu acho que em momento algum as figuras teriam a
mesma área. Só o mesmo perímetro. Pelo menos eu não consigo pensar em nenhuma
situação.
Ortência – Não, só o quadrado. Isso que eu ia falar. Não tem como, senão a figura seria
igual. Cada figura tem a sua área. Se tiver meio centímetro de diferença na medida de
um dos lados, a área já vai ser diferente.
Pesq – Tá certo. Mas vocês conseguiram pensar em duas figuras diferentes que têm
mesma área e mesmo perímetro?
Marte – É possível.
Ortência – É possível duas figuras terem perímetros iguais e áreas diferentes, e áreas
iguais e perímetros diferentes. Agora, ter perímetro e área iguais, só se for a mesma
figura.
64
Marte havia, no início da tarefa, nomeado as figuras de a e b.
65
Esta discussão foi feita no capítulo 2 desta dissertação.
111
Tarefa 3
Da forma que você achar melhor, utilize o quadrado vermelho para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.
Pesq – Bem esta é uma questão que vocês vão ter que decidir. Você tem até a régua
disponível, mas vocês têm que ver se o problema tá pedindo precisão ou não. Fiquem à
vontade para decidir.
112
Marte – Então primeiro eu vou fazer exatamente, depois eu vou fazer arredondado.
66
No momento em que marcou os quadradinhos na figura da tarefa, Marte ainda não marcava as
medidas que aparecem na figura que apresentamos. Esta ação se deu em momento posterior,
quando a aluna mede o lado do quadradinho e utiliza esta medida como padrão para medir os lados
da figura da tarefa.
113
Ortência – Que quadradinho bom de segurar, né? Grande pra caramba! (Com ironia).
Marte – Coisa que eu amo nessa vida é esse quadrado vermelho. (Com ironia)
Marte – Ah, agora eu sei! Não falou que precisa caber o quadrado exatamente. “Quantos
quadrados cabem”. Se não cabe, não tem problema. Entendeu?
Marte – Eu tô falando sério. Porque se sobrar espaço na figura, não tem problema,
porque não tá pedindo pra caber, tipo, tantos quadrados...
Pesq – Você quer dizer que o problema aí é quantos quadrados inteiros cabem na
figura?
Marte – Aqui... Primeiro eu, tá? Quando eu quero saber quantas coisas cabem dentro de
uma outra coisa, eu tenho que saber a coisa dessa coisa em área ou perímetro?
(Formando um quadrado com as mãos).
Marte – Ó, eu tenho uma coisa (mostra o quadradinho vermelho) e tenho essa outra
coisa (circula com o dedo a figura da tarefa), a figura e o quadrado. Eu quero saber
quantos quadrados cabem dentro da figura. E aí, pra saber quantos quadrados cabem
dentro da figura, eu tenho que saber a área ou o perímetro da figura? A área, né?
Ortência – Isso que você falou me fez pensar num outro raciocínio, muito mais fácil.
Ortência – Em área.
Ortência confirmou a suspeita de Marte, mas não deu justificativas para sua
resposta. Mesmo assim, Marte aceita a resposta sem questionar, talvez porque haja
o reconhecimento de uma suposta superioridade de Ortência em relação a Marte,
quando o assunto é Matemática. Isto nós observamos em vários momentos da
pesquisa, como no trecho a seguir, no qual o pesquisador faz uma intervenção,
oferecendo um novo elemento aos sujeitos e acrescentando um novo (e não
planejado) item à tarefa 3.
Ortência – Eu quero só ver se o outro raciocínio que eu pensei vai dar certo também.
Pesq – Eu vou aproveitar o que a Ortência tá fazendo, para levantar uma questão extra,
que não está escrita. A questão é esta: vamos considerar que o lado destes
quadradinhos vermelhos mede dois centímetros...
Pesq – Tudo bem. O que eu disse é uma hipótese, eu tô colocando um novo dado. Se o
lado do quadradinho mede dois centímetros, qual é o perímetro e qual é a área da figura
amarela? E quero que vocês, agora, calculem esta área e este perímetro.
(Ambas escrevendo, por três minutos, sem falas. O Pesquisador retorna à sala.).
Marte – Eu acho que eu vou ser psicóloga. Será que psicologia tem Matemática?
Ortência – Professor, eu tenho ligeiros problemas com esse problema que você passou.
Pesq – Sim.
Ortência – Dois centímetros. Se eu vou fazer pelo que eu fiz, não vai dar certo, porque o
quadradinho não tem dois centímetros exatos. Vai sobrar bastante.
Ortência – (Mostrando a figura e a medida de um de seus lados). Olha só, aqui tem isso
de medida. Não dá.
Ortência – Sim.
Pesq – Que tal você usar os próprios quadradinhos como régua, já que você sabe que
seu lado mede dois centímetros?
Então Ortência faz o que o pesquisador pediu, finalizando a tarefa com o uso
do quadradinho como instrumento de medida, e compara o seu resultado com o de
Marte:
Pesq – Tudo bem, faz de cabeça. Se você puder falar o que fez...
Ortência – É porque tá pedindo o perímetro. E vou fazer o perímetro igual ela fez, porque
eu já tinha pensado. É... O lado do quadradinho é dois. E eu não sei como fazer uma
conta pra medir só os lados que aparecem, então eu vou contar, assim... (Mostra com o
lápis os lados dos quadradinhos que formam os lados da figura, contando de dois em
dois, até cinquenta e seis). Olha, deu o mesmo que o seu!
Marte – Deu?
116
Ao falar “os lados que aparecem”, Ortência está se referindo aos lados dos
quadrados (da malha que desenhou) adjacentes aos lados da figura da tarefa. Pois
a videografia, em outros momentos, permite-nos concluir isto. Observemos, ainda, a
parte da ficha de Ortência (Figura 22), na qual ela fez o quadriculado da figura,
depois de medir o lado do quadrado e obter 1,5 cm:
Ressaltamos, ainda, que esta tarefa atingiu alguns objetivos para os quais foi
elaborada e selecionada para a pesquisa de campo. Sintetizamos a discussão que
empreendemos na análise da tarefa 3, em três elementos por nós observados:
i) a confusão entre perímetro e área foi explicitada, ao menos pelas enunciações de
Marte, o que foi percebido até mesmo na utilização de centímetros quadrados como
unidade de medida de área e de perímetro (ver Figura 23); ii) a dificuldade de medir
o perímetro através de uma unidade de área (neste caso, o quadrado vermelho),
dificuldade esta observada através da análise da produção de significados de
Ortência; iii) a insistência em utilizar a régua para obter os lados e utilizar a noção
multiplicativa para obter área, embora tenha sido dado outro instrumento de medida
e ainda solicitada, no enunciado da tarefa, a utilização de tal instrumento (o
quadradinho).
Tarefa 4
Da forma que você achar melhor, utilize o triângulo azul para responder à
pergunta abaixo, envolvendo a figura a seguir.
Marte – Acabei.
Pesq – Já?
Marte – Sim.
Ortência – Eu acho que isso aqui tá errado, mas... Olha que droga, eu sou muito
perfeccionista. Eu vou apagar e fazer tudo de novo.
Pesq – Vocês acham que se eu desse um número maior de triângulos, isto ia ajudar
nesta tarefa?
Ortência utilizava apenas um triângulo azul como molde para dividir a figura
em uma malha67, neste caso uma malha triangular. Mas, pela segunda vez, apaga
seus desenhos expressando impaciência. Então, o pesquisador sugere à aluna uma
possível saída:
Pesq – E que tal, Ortência, se você usar todos os três triângulos juntos aí, ao invés de
um só, como você fez antes?
67
Esta ação é chamada, pelos Matemáticos, de equidecomposição, como vemos, por exemplo, em
Neto (1982, p.123), quando cita o Teorema de Boliay-Gerwin.
119
Observemos, na Figura 25, que Ortência dividiu com uma altura (marcou com
a letra h) o triângulo de número 6, para que, na última parte da tarefa, pudesse
calcular a área de cada triângulo. E observemos que o desenho de Marte ficou um
tanto parecido como o de Ortência (ver Figura 26).
Tarefa 5
Um outdoor de uma propaganda publicitária foi construído com a forma de
um retângulo com área de 104 m2, e com um dos lados sendo 5 metros maior
do que o outro. A agência de publicidade responsável pela propaganda decidiu
colocar um revestimento de alumínio para contornar todo outdoor, o que lhe dá
um melhor acabamento. Imagine que você trabalhe nesta agência e precisa
calcular quantos metros de alumínio serão necessários para cobrir toda a borda
do outdoor. Então, faça agora este cálculo.
Marte – Vê se eu tô correta...
Marte parece não se importar com que grandeza está calculando, mas
apenas com o resultado quantitativo do que se pede no enunciado. Isto é o que
depreendemos de sua fala e seu diálogo com Ortência, em momentos distintos:
(...)
Ortência – Só as bordas. A gente tem que saber quais que são os lados pra saber as
bordas.
Marte – Ah, porque se não a gente ia falar que ia ser cento e quatro.
Ortência – Ah, por isso que a minha conta não tava dando certo. Eu li como um dos
lados sendo cinco metros menor do que o outro.
(...)
(...)
Analisando esta Figura (32), vemos que, depois de fazer novos cálculos,
Ortência percebe que seria novamente impossível resolver aquela equação, pois o
delta resultava negativo. Vejamos também suas falas sobre isto, em distintos trechos
da transcrição:
Marte – Mais eu acho que não vai dar não. (Concentrada em sua resolução).
Ortência – Quem disse que não é? Você pode muito bem transformar ela numa equação
do segundo grau.
Ortência – A minha eu transformei. Só que delta tá dando negativo. E aí não tem como
calcular. Ih!.. Tem alguma coisa errada, porque não pode tá dando negativo.
e erro não é comumente aceito na escola; mas não discutiremos isso, na presente
pesquisa. Ao testar alguns valores para os lados do outdoor, Ortência não fica
convencida de que estes valores são os corretos, como podemos ver na Figura 33 e
nos trechos da transcrição que seguem abaixo, os quais nos permitem, ainda,
afirmar que suas noções de dividir a área do retângulo ou de encontrar a sua raiz
quadrada podem ser estratégias para se encontrar os valores dos lados da figura.
Ortência – ...E cinquenta e dois vezes cinquenta e dois seja cento e quatro. Eu vou me
matar com esses lápis.
Ortência – Agora eu entendi porque a minha equação de segundo grau deu errada.
Ortência – Porque eu contei o cento e quatro como uma coisa qualquer. Só que é cento
e quatro ao quadrado.
Ortência – Teria não. Porque a gente não sabe fazer equação do terceiro grau. Quarto
grau, no caso. Porque, olha só, o xis vai tá ao quadrado e o cento e quatro também vai tá
ao quadrado. Aaah!...
Ortência – Não, eu vou resolver o meu xis. Eu sei porque que deu errado. Mentira, só vai
dar mais errado ainda.
Marte – A eu vou só fazer a raiz quadrada, fazer a mesma coisa que eu tinha feito antes
e... Que aí vai dar zero, não vai?
Ortência – Vai.
(...)
Marte – Nossa senhora, Deus me ajude nessa hora. (Tom irônico). E se a gente fizer
assim... Eu vou tentar.
Ortência – Ah, eu vou usar raciocínio, não vou usar conta, não. Porque se não eu
desisto.
Vejamos que Ortência diferencia “usar raciocínio” de “usar conta”. Para ela, o
termo “usar conta” parece ter o significado de usar fórmulas (decoradas) para
resolver o problema apresentado, enquanto que o termo “usar raciocínio” significaria
usar a estratégia de tentativa e erro. Isto nos faz pensar na conduta docente
tradicional – e bastante comum – de apresentar fórmulas como P = 2c + 2l ou A = c x l,
sem um trabalho anterior que possibilite aos alunos entender de que modo estas
fórmulas se relacionam com a grandeza a ser medida ou com a unidade de medida
utilizada. E tal conduta pode gerar dificuldades na aprendizagem de perímetro e de
área, apresentadas por muitos estudantes do ensino fundamental. (NCTM, 2007;
LINDQUIST e KOUBA, 1989)
Ortência se decidiu por “usar raciocínio” e seguiu afirmando:
Ortência – Nem que seja por eliminação, eu vou descobrir o resultado disso. Nem que eu
fique aqui o dia inteiro. O marido da minha tia, que mexe com coisa de Matemática, ele
disse que por eliminação você pode descobrir rápido ou pode demorar...
Marte – Um ano.
128
Ortência – Exatamente. Nem que eu fique aqui, nessa sala, um ano, eu vou descobrir
por eliminação.
Ortência – Caraca! Eu sou muito inteligente, eu me amo! Na primeira conta que eu fiz, eu
acertei.
Marte – Ah, não fala que a gente fez isso tudo pra não...
Ortência – Eu penso antes de fazer a conta. Tipo assim, por exemplo, eu vejo qual
número multiplicado por qual daria o último número. Então eu fui por oito, que eu achei
que era o mais provável de consegui cento e quatro. E aí eu pensei: oito vez o quê... qual
é o último numerozinho aqui, tipo treze, quatorze, quinze... Oito vezes quatro, trinta e
dois; o último número daria dois. Cento e quatro termina em quatro, eu pensei: oito vezes
três vinte e quatro; número é quatro, quem sabe? Fui. Cento e quatro. Eu me amo.
Ortência – Eu pensei nisso também: oito é exatamente cinco números menor do que
treze.
Marte – Escreve isso também, o que você chegou. Ou então, não, só fala pra câmera.
Ortência – Oi, câmera. (Acena para a câmera). É... eu pensei qual número daria quatro
no último algarismo. Porque o cento e quatro, né, o último número e quatro... Eu fui pela
tabuada de oito, fui aumentando ela porque eu achei que era a mais provável de eu
conseguir o número cento e quatro, não sei por quê. E aí eu pensei oito vezes quatorze,
por exemplo. Só que oito vezes quatro dá trinta e dois. Oito vezes três dá vinte e quatro;
então o número é quatro. E aí eu fiz a conta e deu... cento e quatro.
129
Ortência – Não tem que fazer o perímetro, mas tem que falar... Agora é o resto. Primeiro
a gente descobriu quais são os lados, a base pra gente poder fazer a questão. Agora a
gente tem que descobrir quantos metros de alumínio você precisa pra fazer o
acabamento, que é o perímetro, né, porque... (Faz o contorno do retângulo no ar, com os
dedos).
Ortência – É por isso que a gente precisava dos lados, pra poder fazer o perímetro, pra
poder calcular quantos metros de alumínio, pra colocar em volta do outdoor. Eu fiz quatro
raciocínios errados.
Ortência – Eu fiz quatro raciocínios errados antes de desistir e fazer de cabeça. Eu tentei
três tipos de equação do segundo grau e um tipo de alguma coisa muito estranha.
Nenhuma orientação foi dada aos sujeitos de pesquisa, sobre esta tarefa;
apenas lhes foram oferecidos lápis, borracha, réguas, esquadros e algumas figuras
recortadas em cartolina, as mesmas das tarefas 3 e 4 (quatro triângulos equiláteros,
cujos lados tem a medida aproximada do raio do círculo da tarefa 6, e quatro
quadrados, cujos lados têm medida aproximada da metade do raio desta tarefa). A
tarefa 6 (ver Figura 35) foi divida em duas fichas: a primeira contendo o círculo e o
semicírculo; e a segunda, a coroa circular e a estrela. O enunciado e as figuras da
tarefa 6 são exibidos a seguir.
131
Tarefa 6
Calcule a área e o perímetro das figuras abaixo.
1ª Parte
2ª Parte
Ortência – Professor, agora eu quero falar uma coisa muito importante. A gente não tem
a mínima ideia de como calcular a área nem perímetro da circunferência. O professor de
desenho geométrico disse que vai estudar isso com a gente no fim do ano. Como é que
você pede isso pra gente? Eu não tenho a mínima ideia. Eu sei calcular o raio, mas não
sei como eu posso utilizar isso com a área e o perímetro.
Pesq – Mas talvez, em algum lugar do passado, vocês já tenham visto alguma fórmula ou
alguma das várias saídas para esta tarefa, porque tem várias saídas.
132
Ortência – Não tem como eu transformar isso num triângulo, nem num quadrado, que é
o que eu sei fazer a área.
A partir destas falas iniciais, podemos entender que ambas as alunas não
sabem calcular a área de figuras planas diferentes de polígonos (vejamos, também,
o trecho da transcrição a seguir). Assim, avaliamos que elas talvez estejam diante
de um obstáculo epistemológico, pois podem produzir significados para medida de
área de não-polígonos, mas não o fazem. No entanto, este obstáculo parece ser
vencido, quando surgem novos elementos, na interação entre as alunas, como
veremos adiante.
O pesquisador se ausenta da sala. Então as alunas pegam os esquadros e as
réguas, e os movimentam sobre a primeira figura da tarefa. O diálogo se inicia, em
torno de suas dificuldades com a tarefa e de suas possíveis saídas:
Ortência – Ah, e você que disse: eu sei o que fazer, eu sei... Então como é que é?
Marte – Eu vou fazer um quadrado em volta... Eu vou falar assim: a área do círculo é
aproximada do quadrado.
Ortência – Cara, a sua inteligência me deixa perplexa! Eu fico com vergonha de ser sua
amiga, de tão inteligente que tu é.
Marte – Nossa, você afetou meu coração. Acabou com o meu hart agora.
Ortência – Mas até que é uma boa ideia, tá. Eu tava brincando. É uma boa ideia. Mas eu
já pensei em outra coisa.
Ortência – (Risada). Mas aí vai ser ligeiramente assim... O triângulo vai ter que ser muito
maior. Eu tinha que pensar numa figura mais aproximada que a gente saiba fazer, mas a
gente só sabe fazer área de triângulo, de quadrado ou de retângulo.
Ortência – Professor, a gente só vai conseguir uma área aproximada, e olhe lá.
Marte – Ah, tem que fazer desta figura também?! (Aponta a segunda figura da tarefa, o
semicírculo). Ah, professor, eu já te falei o quanto eu te amo? (Tom irônico).
Ortência – Eu vou conseguir o mais aproximado que você, porque eu tive uma ideia
muito legal. A gente não fez um quadradão? Aí a gente pode fazer uns quadradinhos aqui
e tirar esses quadradinhos. Aí vai ficar mais aproximado ainda.
As alunas utilizam réguas para medir, por três minutos, em silêncio. Ortência
passa a calcular a área, do modo que já apontou antes, inscrevendo o círculo em um
quadrado e “retirando” quadradinhos (de área unitária) da diferença geométrica das
duas áreas (do quadrado e do círculo), conforme a ficha da aluna (Figura 36).
Pesq – OK.
Ortência – Huuum.
Marte – Hã hã!
Ortência – O perímetro que eu tô meio agarrada, aqui. (Aponta para sua folha). Porque
eu já pensei em tirar os quadradinhos que eu tirei na área. Eu já pensei... em fazer o
quadrado todo. De qualquer jeito, eu acho que não vai dar certo, não.
Marte – Professor, mas você quer que a gente faça a área e o perímetro de um círculo?
Marte – Não. Eu aproximei sim, mas ela tá colocando quadradinho aonde tem espaço
livre. Entendeu?
Marte – Eu tentei, só que aí não deu... não coube. Eu ia fazer de um centímetro, meio
centímetro, mas aí...
68
O objetivo destas novas intervenções foi criar um campo de novas possibilidades de produção de
significados para área do círculo e área do semicírculo, com a introdução de elementos que as alunas
137
Pesq – Então, agora que as duas acabaram, eu vou colocar no quadro as duas fórmulas,
de área e de perímetro, pra ver se vocês se lembram delas e pra que vocês usem estas
fórmulas para calcular novamente a área e o perímetro de cada figura, agora com mais
precisão.
Ortência – Professor, a gente não viu, a gente não pode lembrar o que a gente não
chegou a ver!
Pesq – Vocês já ouviram falar deste número (escreve na lousa), o número pi?
Pesq – Isso mesmo. Eu vou arredondar esse valor pra três, pra facilitar o cálculo da área
e do perímetro, tá?
Ortência – Ai, a gente já viu área de circunferência, sim. Ai, que droga, não acredito!
Pesq – Eu sabia que vocês já conheciam isto... Então a área é igual a pi vezes o raio
elevado ao quadrado. (Escreve a fórmula no quadro). Lembram?
Pesq - ...a distância do centro até a borda. (Desenha uma circunferência na lousa).
Pesq – E o perímetro da circunferência é igual a dois vezes pi, vezes o raio. (Escreve a
fórmula na lousa). Então agora eu vou pedir pra vocês calcularem novamente a área e o
perímetro destas figuras (círculo e semicírculo) e depois compararem com os cálculos
que já fizeram, tá?
Ortência – Três.
já haviam estudado, mas dos quais não se lembravam, até aquele momento da pesquisa.
Entendemos que aquele era o melhor momento para fazermos tais intervenções, pois o espaço
comunicativo estava criado, com o desenrolar da tarefa pelas alunas, que pareciam estar imersas na
atividade de mensurar a área e o perímetro daquelas figuras.
138
Ortência – Ai, nossa! Não acredito, retardada! Não, não dá, não. Deixa pra lá.
Ortência – É porque o meu deu oitenta e um, tava dando oitenta e um. Mas é outra
coisa. É porque eu esqueci da potência. Isso é uma coisa que faz a gente errar muito,
essa coisa de multiplicação é antes de adição, e potência é antes de multiplicação, faz
errar muito. Eu erro muito nisso.
Ortência – Sim, foi isso que eu fiz agora. Antes de fazer o três ao quadrado, eu fiz três
vezes três, aí deu oitenta e um, e não vinte e sete.
Ortência termina seus cálculos e expressa, pela primeira vez nesta pesquisa,
a sua preocupação com a unidade de medida a ser utilizada, gerando a seguinte
discussão, que o pesquisador deixou se desenrolar, silenciando sua resposta:
Ortência – Porque é circunferência, então não é um vez o outro, então... O quê que você
acha? (Dirige-se para Marte).
Ortência – Você acha? Porque, tipo, não é um lado vezes o outro, não é uma medida
vezes a outra. É uma medida só. (Faz um movimento circular com o lápis, no ar).
Ortência – Não, mas eu também não sei se é uma medida só ou se são duas medidas,
ah rá! Eu tenho argumento contra as duas teorias, mas a favor eu não tenho de nenhuma
das duas.
Marte – Ah, eu tenho, a (teoria) do que tem elevado a dois. Todas as áreas eu sempre
coloco o elevado a dois.
Ortência – Ah, você não conhece todas as áreas, pra falar isso.
Ortência – Todas que a gente conhece. E o círculo é uma curva só. Oh, tristeza!
Marte – É.
Vejamos que Marte também optou por utilizar centímetros (unidade simples)
para os valores calculados, tanto de área quanto de perímetro. Talvez esta aluna
tenha sido convencida pela colega, Ortência, a proceder desta forma.
Ortência – Nossa! Ah, não, tem alguma coisa extremamente errada. A área da segunda
figura deu cento e oito centímetros. Ah, eu fiz uma coisa muito errada. Professor, o raio
disso (mostra o semicírculo da tarefa) não é isso aqui não, é? (Passa o lápis por sobre o
diâmetro da figura).
Ortência – O raio desse meio círculo não é isso (diâmetro), é isso (raio), né?
Ortência – Sim. Se eu colocasse essa figura (semicírculo) aqui (círculo), o raio seria isso
aqui (marca com o lápis o raio sobre o segmento do semicírculo).
Pesq – Quem sabe, se você dobrar o papel, sobrepondo as figuras, como você disse?
Marte – Tem. É dividido por dois. Só que... agora, divide vinte e sete por dois. (Tom de
desafio).
Pesq – E o perímetro?
Vejamos que ambas as alunas operam com a mesma noção: a de que uma
diminuição da área do círculo acarreta uma diminuição do seu perímetro, na mesma
proporção. Entendemos ser esta mais uma dificuldade que as alunas apresentaram
e que acontece, rotineiramente, também em nossas salas de aula. Uma nova
intervenção do pesquisador parece ajudá-las a transpor esta dificuldade. Notemos:
Pesq – E da outra?
Pesq – A mesma?
Ortência – Não! Também não era a metade, não. Seria a metade se a figura só tivesse
isso aqui. (Passa o lápis por sobre o contorno do semicírculo). Como a figura tem isso
(mostra o segmento de reta que forma o contorno da figura), não é a metade, porque isso
daqui não faz parte.
Ortência – O perímetro, vai ter que calcular. A área é a metade, o perímetro, não.
Marte – Acabei.
Pesq – Então pode começar a última folha, com as últimas figuras. (Entrega para Marte a
ficha com a segunda parte da Tarefa 6).
Pesq – É igual?
Ortência – Porque por mais que eu ache que isso (contorno do círculo) aqui não é
mesma coisa que isso (contorno do semicírculo)... com certeza não acho... pensando de
acordo com a fórmula, olha só, a fórmula é: dois pi vezes o raio. O raio dessa daqui
(círculo) é três; pra mim, o raio dessa daqui (semicírculo) vai ser três também.
Ortência – Então, vai ser o mesmo. Porque, na fórmula, pi não vai mudar, dois também
não vai mudar. Então o que muda, o que varia a quantidade, o tamanho, a medida do
perímetro é o três, que é o raio. Se o raio aqui é três e aqui também, o perímetro vai ser o
mesmo.
Pesq – Entendi. Aí você está pensando em termos da fórmula, o que a gente falaria em
termos algébricos.
Ortência – Sim.
Ortência – Eu acho que não daria. Só que eu prefiro pensar do outro jeito, de acordo
com a fórmula, que é o mais... certo. (Faz o sinal de aspas com os dedos).
Entendemos, a partir do trecho acima e dos registros escritos (Figura 39), que
Ortência produz dois significados distintos, os quais, para ela, parecem ser
conflitantes. A aluna parece atribuir, para medida do perímetro de uma figura
circular, o seguinte significado (algébrico): obter o valor do raio da figura e, a partir
disto, aplicar a fórmula P = 2 π r. No entanto, Ortência parece também produzir um
outro significado (geométrico, desta vez), para o mesmo objeto: esticar as linhas de
contorno da figura e medir seu comprimento (com uma régua, por exemplo).
Com efeito, a ação de identificar estes significados nos permitiu compreender
o conflito em que Ortência se encontrava, passo inicial para uma possível
intervenção, que não fizemos naquele momento. Mas vejamos que a aluna faz um
juízo de valor dos significados que produziu, escolhendo pelo primeiro (que
chamamos de algébrico), que para ela é “o mais... certo”. Talvez este juízo seja o
mesmo que muitos professores fazemos em nossas salas de aulas, elegendo esta
ou aquela definição como a melhor ou a mais correta, para determinado objeto
geométrico.
Passemos para a análise das produções de significados dos sujeitos na
segunda parte da Tarefa 6.
144
Marte – Professor, você quer do que tá verde... ou é de tudo? (Mostra na figura da coroa
circular). Você entendeu?
Marte – Quando eu for fazer o pi aqui, eu vou fazer do raio aqui no meio (aponta para o
furo da coroa circular), ou não vai dar, ou você quer que calcule para os dois círculos?
afirmação (ao se referir ao círculo), que citamos no início desta seção: “Não tem
como eu transformar isso num triângulo, nem num quadrado, que é o que eu sei
fazer a área”. Em determinado momento, ele afirma:
Ortência – Essa figura aqui (estrela) tá muito fácil. Eu tô preocupada quando chegar no
círculo. Área dessa...
Marte – (Olhando para a câmera). Professores de Matemática, eu tenho uma coisa pra
falar: eu não sei Matemática.
Ortência – Eu sei.
Marte - ...É aquela coisa lá da hipotenusa, que tem que ter dois triângulos retângulos.
Marte – É porque tem muito tempo que eu não vejo, quer dizer, estas férias, né? Essas
férias. Então não é triângulo retângulo?... É sim, é triângulo retângulo. Você tem que
achar dentro do triângulo retângulo pra achar a hipotenusa.
Ortência – E o quê que a hipotenusa tem a ver com isso, com a área do triângulo?
Marte – Que aí eu vou fazer aquela conta... A hipotenusa... que eu não lembro... é duas
vezes...
Ortência – A hipotenusa ao quadrado é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas
isso é pra... Mas, enfim, né?... Cada um faz do jeito que sabe. (Sorri, olhando para o
pesquisador). Eu num vou falar o meu jeito, né?
146
Ortência – Acabei. Êba! (Comemora). Agora só falta esse círculo muito estranho aqui
(cora circular), que eu não tenho a mínima ideia de como eu vou fazer. (Continua lendo).
Eu não vou usar a fórmula neste círculo muito estranho, eu vou usar aquilo que a gente
fez. Por que... não sei. Não sei qual que é o raio disso.
69
Assim como Ortência, Marte fez a decomposição da estrela em quatro triângulos e um quadrado,
medindo os lados destas figuras com a régua. Mas Marte não registra o cálculo da área da estrela, e
isto perece estar relacionado ao fato de a aluna não se convencer de que o seu raciocínio para
calcular a área do triângulo esteja correto.
147
Ortência – Professor, nessa última figura, eu não sei como eu vou usar a fórmula, porque
eu não sei qual que é o raio disso. Isso não é um círculo, isso é uma... rodela, um pedaço
de um círculo. É uma coisa muito estranha. Eu não sei com é que eu descobr... não sei
“saber” o raio disso (faz o sinal de aspas com os dedos).
Ortência – Eu vou fazer daquele jeito que a gente fez, fazer o quadrado em volta, o
quadrado dentro, fazer o mais aproximado que eu puder.
Pesq – Então...
Ortência – Eu nem sei ver o raio, direito. Eu só sei que num círculo completo, é do meio
do círculo pra alguma das laterais.
Pesq – Você sabe fazer para o círculo grande, com o raio grande?
Ortência – Sim.
Marte – Sim.
Ortência – Não. Ah, por exemplo, o círculo... (Faz um círculo com os dedos no ar).
Ortência – (Faz sinal positivo com um das mãos). Tem que ser.
Pesq – Tá. Então, a pergunta que eu ia fazer é a seguinte: vocês conseguem ver alguma
relação entre área e perímetro?...
Marte – Não.
Marte – Porque eles são... Fazem... são uma relação, são um valor...
(Com gestos e olhares, Ortência expressa ansiedade para falar, mas se contém e espera
Marte falar).
Marte - ...Um número que explica... explica, não. Um número de um local, tipo, sabe...
Um é o tamanho por fora, e o outro é o interior todo. Por fora e por dentro. Eu vejo assim.
Marte – É, entendeu, eles têm uma semelhança em alguns pontos, que é... Todas as
figuras têm os dois lados... e, na hora de fazer a conta a gente encontra os dois, sabe?...
Mas, na hora da resposta, na maioria das vezes não tem nada a ver.
Ortência – É...
Pesq – É? Você acha que não tem nenhuma relação direta? Quando um aumenta, o
outro aumenta ou diminui?...
Marte – Ah, não. Isso é. Eu tô falando, por exemplo, na resposta desse (aponta para a
figura da estrela), sabe, na área total de uma figura fixa...
(...)
Marte – Foram as únicas que eu vi até agora, que têm área e perímetro iguais.
Ortência – Eu já acho que... Eu acho diferente, porque, tipo, a área é... você quer saber
a... a dimensão não, mas... o perímetro também não, porque seria falar de outra coisa,
151
mas a quantidade toda de figura. Por exemplo, a área de um terreno, tudo que tem de
terreno, tudo que tá dentro da figura, igual ela tinha falado. E o perímetro é o contorno.
Igual... o exemplo da corda, eu achei que foi ótimo pra poder ter noção de perímetro e
área, porque o perímetro é só o contorno da figura, o perímetro é o contorno e a área é
tudo o que tá dentro. Então, a maior parte das vezes, a área é maior que o perímetro. Eu
consigo pensar talvez numa figura bem... bem não uniforme, assim, mais ou menos, por
exemplo, ela teria que ser cheia de curvas e, assim, mais fina e, nesse caso, e acho
que...
Ortência – Só pra exemplificar o que eu tô falando. Por exemplo, a área é isso aqui
(preenche o quadrado desenhado, usando o giz), o perímetro é só o que tá em volta, é só
a cordinha que tava em volta. Achei esse exemplo muito bom.
(...)
Ortência – E a maior parte das figuras, pelo menos as que a gente teve contato até
agora, a área é bem maior do que o perímetro. E eu tava pensando, enquanto ela tava
falando, num exemplo em que o perímetro seja maior que a área.Talvez numa figura não
uniforme, por assim dizer, que seria cheia de curva, e fina (desenha na lousa uma figura
com forma de uma ameba estreita), com pouco espaço pra ter área, mas muito espaço
de contorno. Num sei, alguma coisa assim, por exemplo. Eu acho que o perímetro dessa
figura seria maior que a área, porque a área é só isso daqui (preenche parte da figura
amorfa, usando giz), e o perímetro seria ela toda. Mas aí eu me pergunto como que eu
faria pra calcular a área e o perímetro de uma figura dessa. (Risada). Eu não sei nem se
tem como.
E Ortência prossegue:
Pesq – É. Essa figura não é uma figura geométrica usual, né? Será que você poderia
pegar uma figura usual, ou seja, que seria um polígono?
Ortência – Polígono? Não, não sei. Eu posso fazer um polígono irregular... aí eu não sei
se eu saberia calcular também, mas... Isso seria um polígono. (Desenha na lousa uma
figura de forma parecida com a anterior, mas poligonal).
Ortência – Uma figura com muitas voltas e pouco espaço pra poder ter área.
Marte – É, ela te dá ideias e você pode ver ali figuras que você já conhece. Por exemplo,
você vê ali um monte de triângulos e quadrados e retângulos...
Pesq – Essa figura seria, então, um exemplo de que o perímetro pode ser maior que a
área?
Marte – É.
Pesq – Então, de uma maneira geral, vocês acham que existe uma relação direta entre
área e perímetro?
Marte – Hã hã. É tipo... Peraí que eu não tô lembrando. Ah, deixa pra lá, esqueci.
Ortência – Por exemplo, você tem o perímetro aqui, uma corda aqui (faz uma retângulo
com as mãos no ar). Aí, se isso aqui aumentar (vai afastando as mãos uma da outra,
aumentando a figura), consequentemente a área vai aumentar junto. O espaço ali dentro
vai aumentar.
Ortência – É.
Marte – É.
Ortência – É. O perímetro é tipo uma cordinha que segura a área. Eu gosto de pensar
assim, tipo assim: tem uma coisa ali dentro que é a área, e o perímetro tá segurando ela,
sabe? Se a área aumentar, o perímetro vai aumentar. Se o perímetro aumentar, a área
aumenta também. Eles meio que obrigatoriamente dependem um do outro.
Ortência – Eu acho isso muito estranho. Eu não paro pra pensar nisso, às vezes. O
perímetro continua sendo o mesmo; e a área, só por mudar sua forma, ela aumenta e
diminui. Eu não consigo entender muito bem como, já que o perímetro continua sendo o
mesmo; o que tinha dentro dele também era para continuar, mas muda completamente.
Marte – É tipo uma criança, é tipo uma criança. O A é um bebê, muito gordinho, só que
pequenininho. Depois passa pra B, é... emagrece mais, não come mais e espicha,
cresce, espicha. A gordura que ele tinha passa pra a altura. Depois, na C, ele emagrece
completamente e fica completamente crescido. A gordura que ele tinha passa a ser a
altura.
Ortência – Ah, eu concordo. Eu achei muito legal o exemplo. Eu nunca teria pensado
neste estilo.
Pesq – Então, aí eu vou voltar à pergunta. Vocês acham que esta relação se mantém?
Marte – Hã hã.
Ortência – Não, nem sempre. Tanto que ali (lousa) o perímetro se mantém em todos os
três casos, e a área continua sendo completamente diferente.
Ortência – Na Matemática, quase nunca você pode falar que uma coisa é sempre outra,
porque sempre tem aquela exceção. Porque...
70
O primeiro retângulo ele chamou de A (com lados 4 e 6 centímetros), o segundo ele nomeou de B
(com lados 2 e 8 centímetros) e o terceiro, de C (lados 1 e 9 centímetro).
154
Marte – Você não pode criar muitas regras, você nunca conhece tudo.
Marte – É impossível conhecer tudo na Matemática, porque, tipo, sai muito tirando os
números que os filósofos, os lógicos, os...
Ortência – Os Matemáticos.
Marte – Não, também não é Matemáticos... Mas falam que a única coisa realmente
verdadeira são os números, que é a única coisa que tem verdade, sabe? Que você sabe
que um mais um é igual a dois.
Ortência – E é isso.
Pesq – Mas uma coisa vocês agora já estão percebendo: existe uma relação entre área e
perímetro, mas esta relação não é...
Ortência – Constante.
Pesq - ...tão fixa assim, não é? Vocês já sabem que não é tão fixa assim.
Ortência – Exatamente.
Marte – É tipo o verbo regular e irregular, sabe, essas coisas assim da língua
portuguesa, também. Na acentuação, a professora cria uma regra que quase sempre tá
definitiva, mas sempre tem aquela palavrinha que o acento vai ser numa letra lá, sabe?
Diferente a acentuação.
Não sei como você é; preciso saber. Não sei também onde você está (sei
que está em algum lugar); preciso saber onde você está para que eu possa
ir até lá falar com você e para que possamos nos entender, e negociar um
projeto no qual eu gostaria que estivesse presente a perspectiva de você ir
a lugares novos. (LINS, 1999, p. 85)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
156
apenas surgiu na tarefa 6 e, ainda assim, somente após lhe oferecermos a fórmula
para calcular área do círculo. Importa, ainda, salientar que a citada dificuldade não
foi observada na produção de significados dos sujeitos relativa às tarefas contendo
figuras poligonais. Este fato nos remete à necessidade de se implementar novas
pesquisas que investiguem modos didáticos de transformar dificuldades como esta
em objetos de aprendizagem.
Na tarefa 3, Ortência revela a dificuldade de não conseguir medir a área da
figura, utilizando unidades de área, como um quadrado, mas apenas a régua para
calcular os lados da figura, para então calcular a área.
Outra dificuldade apresentada por ambas as alunas foi a de não conseguirem
calcular a área de figuras não-poligonais, ao início da resolução da última tarefa,
durante a qual Ortência parece ter vencido tal obstáculo epistemológico, produzindo
significados para todas as figuras dadas. Por sua vez, Marte não conseguiu calcular
a área da estrela apresentada na tarefa 6.
Entendemos que a ação de levantar tais dificuldades, a partir de uma série de
tarefas elaboradas com este propósito, é um elemento-chave para que orientemos o
nosso trabalho, em sala de aula, de modo coerente com os pressupostos do Modelo
dos Campos Semânticos (MCS), que nos oferece uma perspectiva nova para
compreendermos os processos de aprendizagem de temas geométricos ou outro
qualquer.
A partir do presente trabalho, identificamos, dentre outras, uma importante
consequência do MCS na prática do educador matemático: a possibilidade de uma
permanente mudança de direcionamento do trabalho docente, em função da
identificação e da análise de produção de significados dos estudantes para os
objetos de aprendizagem.
A presente investigação corrobora, ainda, o nosso posicionamento em
relação à questão curricular, quando afirmamos que objetivos devem orientar
conteúdos e métodos. É isto que tínhamos em mente ao elegermos os objetivos a
partir dos quais o conjunto de tarefas (e também cada tarefa) seria elaborado. E,
aplicadas as tarefas, pudemos identificar elementos da produção de significados dos
sujeitos de pesquisa que ajudariam a redefinir as noções e os conteúdos a serem
tratados em cada tarefa – de uma nova elaboração – e também o modo com o qual
seriam tratados e trabalhados pelo professor, em sala de aula.
158
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172
ANEXOS
173
ANEXO I
___________________________ _________________________
Amarildo M. da Silva Marcílio Dias Henriques
Orientador da pesquisa Pesquisador
______________________________
Responsável pelo Sujeito de Pesquisa
174
ANEXO II
TAREFA 1
Após ligeiras explicações acerca dos objetivos da pesquisa, o pesquisador entrega as folhas
contendo a Tarefa 1 para os sujeitos de pesquisa, que a pedido nosso se auto-alcunharam
exatamente como Ortência e Marte.
Marte – É...
Marte – (Sussurra algumas palavras, sorrindo). O ruim é que não dá nem pra falar nada... Na frente
dele, mas ele saiu e a câmera tá aí.
Ortência – É. (sorrindo)
Marte – (Comparando as medidas dos retângulos usando o lápis). Se faltar um milímetro... Tipo, tem
que ser exatamente do mesmo tamanho?
Marte – Hã hã... Se a gente coloca o coisa (lápis) aqui (lado superior da figura 1), ó...
Marte – É.
Ortência – A questão é que a gente não sabe se elas têm o mesmo tamanho. Porque a figura 2 tá
quadriculada? Não tem nenhuma coisa que pergunte sobre isso.
71
Nas transcrições das falas ou expressões videografadas, as seguintes convenções foram usadas:
a) os sujeitos de pesquisa são identificados por seus pseudônimos e o pesquisador pela abreviação
Pesq; b) parênteses são usados para indicar gestões, expressões e atitudes dos sujeitos de
pesquisa; c) reticências indicam pausa prolongada; d) reticências entre parênteses indicam omissão
de parte da transcrição; e) barras indicam interrupção súbita ou mudança na direção da fala; f) aspas
indicam que o sujeito de pesquisa está lendo o que está dizendo.
175
Marte – Mas, pra ele, talvez seja pra gente ver isso mesmo, entendeu?
Ortência – Entendi. Porque não tem nenhuma questão que pergunte, tipo assim, qual é a área dos
quadrados ou nada disso.
Marte – É isso aí. Então, como é que faz? A gente escreve sim?... É meio, assim...
Marte – Não precisa fazer para a figura 1, porque são do mesmo tamanho.
Ortência – Essa daqui não tem medida. (Aponta para a figura 2).
Marte – Ah! Eu sei... Olha só: um, dois, três, quatro, cinco, seis. (Contando os quadradinhos da linha
superior da figura 2).
Marte – Não.
Ortência – Sim.
Ortência – Professor, não sei porque eu coloquei figura 1 se as duas figuras são do mesmo tamanho,
as duas falam da... São a mesma coisa, então?... Não precisa fazer das duas.
Pesq – Não, não tem pegadinha. O trabalho é mesmo esse aí. Mas você falou o que mesmo,
Ortência? Não precisa fazer das duas figuras?
Ortência – Não pergunta sobre a 1 e a 2, eu pensei em fazer sobre as duas. Só que essa é igual a
essa.
Ortência – Ele não vai responder, não falei. (Olhando para Marte).
Ortência – Escrevi sobre a figura 1. A figura 2 tá quadriculada, mas ela é a mesma que essa. Cada
quadradinho tem um por um.
Pesq – Tá.
Ortência – Porque quatro nesse e quatro nesse, seis nesse e seis nesse... (olha para o pesquisador,
apreensiva). Aí, precisa fazer das duas?
Marte – Não.
Marte – É.
Marte – Ah!... Agora eu entendi! Ele quer saber se tivesse só essa daqui ou só essa daqui? Por
exemplo, se não tivesse essa (aponta a figura 1), e todos os quadrados são iguais; qual seria a
medida do retângulo, é isso?
Pesq – Você, Ortência, fez olhando a figura 1, certo? Mas e se só tivesse a figura 2, como faria?
Ortência – Mas com é que você saberia que o quadrado tem um centímetro?
Pesq – Estimar?
Ortência – Mas você não teria como ter certeza. Eu nunca faria um cálculo sem saber com certeza
se isso aqui tem um centímetro ou não. Eu acho que eu ficaria um pouco perdida só com a figura 2,
porque eu não saberia a medida. Só se eu tivesse uma régua...
Marte – Mas na falta da régua, da certeza, você tem ir pelo que você tem, né?
Marte – Sim.
Pesq – Mas aqui neste caso, os retângulos são iguais. Você pode usar os dados de um para calcular
as medidas do outro?
Ortência – Faria. Porque, independente dela tá quadriculada, eu quero saber a área dela toda.
Ortência – Sem medida e sem nada? Mas, de quê que adiantaria contar os quadradinhos? Saberia...
Marte – A gente somaria, porque cada quadrado teria um centímetro. Porque dá pra ver, né?
Marte – Um, dois, três, quatro, cinco, seis (apontando para os quadradinhos na linha superior do
retângulo 2).
Ortência – Ah!... Eu pensei numa coisa: como você não precisaria fazer a multiplicação... não
tecnicamente... contaria, então você faz a multiplicação. Então você faz seis quadrados por quatro
quadrados, vinte e quatro quadrados; cada um tem um centímetro, vinte e quatro centímetros
quadrados.
Pesq – Entendi.
Ortência – Então eu acho que eu faria do mesmo jeito se eu tivesse as medidas, independente dela
tá quadriculada. Isso que eu falei pra ela no início, quando você não tava aqui. Não adianta ela tá
quadriculada; não pergunta nada em relação aos quadriculados.
Ortência – Se você não tem nada, é preferível você estimar alguma coisa.
178
Marte – É. Se você não tem cão caça com gato. Eu quis falar isso!
(Risadas).
Pesq – Beleza.
Ortência – Mas então, se eu faria do mesmo jeito, eu não preciso fazer da outra, né? Eu faria do
mesmo jeito, eu acho.
(Ambas escrevendo por um minuto. Ortência para de escrever e olha para a folha de Marte).
Ortência – Se o seu exercício tivesse errado, você gostaria que eu corrigisse? (Dirigindo-se a Marte).
Marte – Hã hã.
Ortência – Sim, né?... Perímetro não é um lado mais o outro, mas a soma de todos os lados. É seis
mais seis mais quatro mais quatro.
Ortência – Cúbico? Não, porque... Isso é só quando tem multiplicação, por exemplo, aqui tem um
lado vezes o outro, então fica centímetro quadrado. Se fosse um lado vezes o outro vezes o outro,
centímetro cúbico. Mas com é só soma, fica centímetro comum. Era isso que eu fiquei aqui parada,
pensando.
Ortência – É, acabamos.
Marte – Eu tinha esquecido, eu coloquei como se fosse área, também, só que eu somei. Eu tinha
esquecido que a gente tem que somar todos os lados pra dar o perímetro.
Pesq – Mas o que você fez aí que ficou parecendo conta de área?
179
Marte – Eu fiz a operação só com os dois lados que apareciam, só que em vez de multiplicar, eu
somei.
Ortência – Mas muita gente erra isso. Eu acho que, por exemplo, geralmente quando mostra uma
figura, você põe só dos dois lados, e não dos quatro (apontando para a figura 1). Aí muita gente, na
hora de fazer o... de medir o perímetro, não pensa que esse daqui tem medida e que esse daqui tem
medida (apontando para os lados do retângulo sem medidas dadas). Ela vai no que tá escrito. “Ah, é
quatro e seis, quatro mais seis, é isso aí”. Não é o caso dela (Marte), ela confundiu. Mas muita gente
faz assim. Nem se toca, sei lá. Acha que é parecido, igual ela falou, parecido com área. “Área é esse
vezes esse”. As pessoas decoram que área é um lado vezes o outro, e perímetro é um lado mais o
outro.
Marte – Mas eu acho que, por exemplo, quando a gente tava aprendendo que acontece muito isso.
Só que tudo na Matemática, se você praticar muito, você acaba... não decorando, mas...
Marte – É, guardando. E essa coisa de área e perímetro, é porque ele dá ao mesmo tempo. O
Professor sempre dá, assim, sobre área e perímetro, mais ou menos juntos. Aí você chega a
confundir, mas com o tempo você vai acostumando, aí fica uma coisa normal.
TAREFA 2
Ortência – Pode dar nomes às figuras, pra não ter que ficar escrevendo retângulo, quadrado?
Ortência – O quê?
Marte – Aquela atividade de Desenho Geométrico que ele te dava a quantidade da área e você tinha
que construir três tipos de triângulo, a partir daquela área.
Ortência – Mas o Desenho Geométrico facilita muito as coisas, eu acho. Eu prefiro resolver as coisas
do jeito que o professor de Desenho Geométrico resolve, do que como o professor de Matemática
resolve. Porque pelo Desenho Geométrico, como o próprio nome da matéria já diz, resolve pelo
desenho; pela Matemática, só por cálculo, o que às vezes é bem complicado.
Marte – Mas até agora, assim, eu não achei muito coisa que o Desenho Geométrico facilitou, nas
coisas que a gente tá aprendendo agora, nesse ano.
Ortência – Não?
Marte – Não.
180
Ortência – Não?!... Área, triângulo retângulo, essas coisas,... você acha que não ajudou? Nossa, pra
mim ajudou pra caramba!
Ortência – Ajuda, eu acho que ajuda pra caramba. Na hora de Pitágoras, essas coisas, ajudou, eu
acho que ajudou.
Marte – Ah, não, não. É, ajudou. É também porque aprofunda mais no Desenho Geométrico.
Ortência – Sim. Mais do que na Matemática. Porque se não... Daqui a pouco a gente acaba entrando
na Geometria, se a gente continuar indo na Matemática.
(Ambas lendo as tarefas, por um minuto e meio. De vez em vez, olham uma para a folha da outra).
Marte – Hã hã.
Marte – Até que não, porque se você for pela ideia que foram feitos pela mesma corda, confunde, se
você não olhar...
Marte – É.
Ortência – Eu nem cheguei a pensar nisso que você falou, porque antes de pensar que eram feitos
com a mesma corda, eu pensei: dois vezes seis, doze; quatro vezes quatro, dezesseis.
Marte – Só se tivesse uma coisa, um desenho que fosse feito com duas dobradas da corda, sabe,
uma coisa...
Marte – Assim, sabe. Que aí vem e multiplicava só os dois coisas, e tinha que dar dezesseis.
(Ambas escrevendo).
Marte – São todos os lados iguais, tipo quadrado. Se fosse um triângulo, seria um triângulo
equilátero.
Ortência – É... Mas é um triângulo e um quadrado, né? Não tem muito por onde.
181
Ortência – Ficou muito estranha, esta frase. (Risadas). Põe um azinho maiúsculo, que vai ficar... Ah,
você colocou um azinho minúsculo.
(Marte escreve).
(Risadas).
Ortência – Eu, ao invés de colocar “com a mesma corda”, eu coloquei “com uma corda de mesmo
tamanho”. É muita burrice pra uma pessoa só, cara!
(Ambas escrevendo).
Ortência – Olha, dezesseis centímetros. Que descoberta! (Conferindo sua resposta com a de Marte).
Ortência – Eu tô anotando, você simplesmente põe. Eu gosto de fazer tudo bem explicadinho.
Ortência – Olha a minha: “Sim, pois são feitas com a mesma corda. Fig.1, fiz a continha, Fig. 2...”. Eu
faço a conta...
Marte – É sim.
Ortência – Não é. Eu gosto de explicar o meu raciocínio. Eu gostava de fazer direto, mas depois eu
acostumei a escrever tudo que eu penso, entende?
Marte – Na prove de Português que é bom, pra colocar a resposta completa. Porque você enche
lingüiça e parece que é inteligente.
Marte – Pronto.
Ortência – Acho que tá bem explicado, né? No primeiro, a gente mediu a área. Um lado vezes o
outro da figura, doze centímetros. A gente ficou pensando que o tamanho da corda é o mesmo e a
área é diferente.
Marte – É.
Ortência – Mas a área não tem a ver com isso, o que tem a ver é o perímetro. Mas se for para
pensar, é bem parecido, sei lá. É estranho pensar que a corda é do mesmo tamanho e a área é
diferente.
Marte – A Ortência não tinha pensado nisso, não. Ela tinha ido mais pelo coisa do: tenho dois
centímetros e seis centímetros, vou multiplicar os dois, é diferente.
Marte – E eu não tinha prestado atenção nos centímetros. Eu tinha ido mais pela... É dezesseis
centímetros, é com a mesma corda...
Marte – A primeira coisa, eu pensei: é uma corda, a mesma corda pros dois; então se é a mesma
corda pros dois, daí vai ser a mesma área.
Marte – É, tudo vai ser igual. Mas não é, porque... só se for uma forma equilátera, que vai ser da
mesma área, porque é multiplicação, e não soma. Aí já mudou completamente o coisa.
Ortência – E eu nem tinha pensado nisso. Depois, eu até concordei, porque ela falou, mas isso nem
tinha passado pela minha cabeça. Eu sabia que era a mesma corda, mas isso não foi a primeira coisa
que eu raciocinei. Eu raciocinei só nos lados, eu fui direto na conta. Eu sabia que não era a mesma
área, só o mesmo perímetro, porque... Eu fui direto: dois vezes seis, dozes; quatro vezes quatro,
dezesseis. Nem cheguei a pensar em ser a mesma coisa. Só na hora do perímetro que eu pensei
isso, porque ela tinha falado.
Ortência – É o tamanho da corda dividido em quatro pedaços. Não tem como ser diferente. Tem que
ser dezesseis.
Pesq – Hum hum. Vocês, em algum momento, pensaram que poderia sobrar um pedaço de corda, ou
faltar, ou então que a corda deveria ser dividida em dois pedaços pra formar as duas figuras?
Ortência – Exatamente, taria sendo meio que injusto. Seria uma pegadinha. Teria que tá explicado
na atividade. Mas não, fala que a mesma corda forma as duas figuras, então é a mesma corda.
Marte – É. E quando a gente meche com coisas de Matemática, tem que ser uma... as formas são...
não sei se eu posso falar isso... são sólidas, sabe, tem que ser uma coisa permanente, fixo...
Pesq – Entendi.
183
Marte – Porque, se não, não vai ser uma coisa matemática, vai ser uma coisa lógica ou... não é nem
lógica, mas uma coisa pra você pensar, pra te pôr pra pensar.
Ortência – Sim.
Pesq – Pra gente continuar a pensar sobre estas coisas, eu quero fazer mais uma pergunta. Vocês
acham que existiriam figuras geométricas, como estas aí, com formatos diferentes e com áreas
iguais, embora formadas pela mesma corda?
Ortência – Mas você acha que, por exemplo, o triângulo equilátero e o quadrado teriam a mesma
área?
Marte – (Desenha na folha). Oh, um triângulo com quatro centímetros nos três lados... Ah, não...
Ortência – Não seria. Foi isso que eu pensei. Como é que você colocaria quatro, quatro, quatro? Só
dá se for um quadrado. Eu acho que em momento alguns as figuras teriam a mesma área. Só o
mesmo perímetro. Pelo menos eu não consigo pensar em nenhuma situação.
Ortência – Não, só o quadrado. Isso que eu falar. Não tem como, senão a figura seria igual. Cada
figura tem a sua área. Se tiver meio centímetro de diferença na medida de um dos lados, a área já vai
ser diferente.
Ortência – Têm figuras de áreas iguais, mas a mesma medida, que é, no caso, dezesseis
centímetros. Na minha opinião, não tem como.
Marte – Se, aquela coisa que você falou de ter cortado uma parte da corda, você teria que ter
colocado o perímetro antes da área, porque na hora de você fazer o perímetro é que você veria que o
perímetro dos dois não seria igual, aí tinha que ter alguma coisa errada.
Ortência – Sim. Mas você não precisa ver que tem alguma coisa de errado pra saber a área. Porque
o que você precisa pra saber a área, não importa se a figura um ou a dois têm o mesmo tamanho de
corda. O que importa é o tamanho dos lados.
Marte – Eu não tô falando isso. Eu tô falando que, se o professor colocasse numa prova esta corda,
aí com um retângulo cortasse um pedaço da corda, não tá prevendo a área de jeito nenhum, porque
o número dos dois ia ser diferente. Agora, no perímetro...
Marte – Então, não tem como saber que você cortou um pedaço da corda, porque a área vai ser
diferente. Entendeu?
Marte – Poderia colocar o perímetro depois, mas seria muito injusto, porque você ia fazer um monte
de conta, sabendo que tava faltando um pedaço da corda.
Ortência – Eu entendi o que você quis dizer, só que, uma coisa, porque que seria injusto? Pra
calcular a área, não importa o se tiver faltando um pedaço da corda, porque eu não vou calcular com
o tamanho da corda, eu vou calcular com o tamanho do lado. Então, não vai fazer diferença.
Marte – Mas, é... não questão de se taria errado ou não, mas é só assim, que no caso a gente tava
falando sobre ter cortado ou não um pedaço, então toda a atividade taria rodando ao redor do fato da
corda ter sido cortada ou não.
Ortência – Rapidão, deixa eu só perguntar uma coisa. Por exemplo, essa figura aqui (aponta para o
retângulo da tarefa). Vamos supor que quando fez ela, cortou um pedaço da corda. Você não sabe
disso, mas cortou e o exercício não fala. E chega aqui e te pede a área. Mas independente de ter um
pedaço ou não da corda, esse lado é dois e esse lado é seis, o exercício te fala isso. Vai fazer
diferença? Não, né?
Marte – Não.
Ortência – No perímetro é que vai fazer diferença, porque você vai ter que saber se isso daqui tá
faltando um pedaço, não tem os dezesseis centímetros. Aí eu acho, ao contrário de você, seria
injusto fazer o contrário, deixar o perímetro na frente, porque talvez confundiria pra fazer a área,
entendeu? Porque a área não tem nada a ver com cortar a corda, o perímetro sim. Acho que teria que
obrigatoriamente continuar deixando o perímetro por último.
Marte – Mas é isso que eu tô falando, essa atividade não tem nada a ver com se tivesse cortado a
corda ou não.O professor que falou. Mas e se a corda tivesse sido cortada, ou seja, a atividade taria
relacionada com se a corda foi cortada ou não. Mas como o enunciado tá falando “como essa corda”,
então tem que ser essa.
Pesq – Tá certo. Mas vocês conseguiram pensar em duas figuras diferentes que têm mesma área e
mesmo perímetro?
Marte – É possível.
Ortência – É possível duas figuras terem perímetros iguais e áreas diferentes, e áreas iguais e
perímetros diferentes. Agora, ter perímetro e área iguais, só se for a mesma figura.
TAREFA 3
Para esta tarefa, além da folha e de réguas, foram oferecidos três quadradinhos vermelhos idênticos
ao quarto quadradinho oferecido junto à ficha da tarefa, que foram moldados como recortes da figura
dada na tarefa, de modo tal que um número inteiro deles preenche toda a figura.
Pesq – Bem esta é uma questão que vocês vão ter que decidir. Você tem até a régua disponível, mas
vocês têm que ver se o problema tá pedindo precisão ou não. Fiquem à vontade para decidir.
(Ortência utiliza a régua apenas para desenhar, enquanto Marte a usa também para medir).
Marte – Então primeiro eu vou fazer exatamente, depois eu vou fazer arredondado.
Ortência – Que quadradinho bom de segurar, né? Grande pra caramba! (Com ironia).
Marte – Coisa que eu amo nessa vida é esse quadrado vermelho. (Com ironia)
Ortência – Não, eu não. Eu tô usando a régua só pra me ajudar a marcar as linhas aqui na figura.
Marte – A minha era pra medir. A minha eu queria... Eu já ia medir tudo, aí já acabar e dar a
resposta.
Marte – Mas não dá muito certo nessa vida, né? Essa vida não é precisa. (Ironia, novamente).
Marte – Ah, agora eu sei! Não falou que precisa caber o quadrado exatamente. “Quantos quadrados
cabem”. Se não cabe, não tem problema. Entendeu?
Marte – Eu tô falando sério. Porque se sobrar espaço na figura, não tem problema, porque não tá
pedindo pra caber, tipo, tantos quadrados...
Pesq – Você quer dizer que o problema aí é quantos quadrados inteiros cabem na figura?
186
Pesq – Mas tá claro pra vocês que o ideal é que não sobrem espaços entre os quadradinhos, e
também que os quadradinhos não fiquem sobrepostos?
Ortência – Não dá pra acreditar que eu vou ter que fazer quadradinho por quadradinho.
Ortência – Não, eu não acho que precisa. Só que eu tô com medo de fazer com a régua, porque com
a régua eu vou ter que fazer com medida, e as medidas não são iguais.
Marte – Acabei. Agora eu vou tentar outra coisa. Pode fazer vários raciocínios.
Marte – Aqui... Primeiro eu, tá? Quando eu quero saber quantas coisas cabem dentro de uma outra
coisa, eu tenho que saber a coisa dessa coisa em área ou perímetro? (Formando um quadrado com
as mãos).
Ortência – Eu... vou... me matar. Eu acabei de pensar em um outro raciocínio, muito mais fácil!
Marte – Ó, eu tenho uma coisa (mostra o quadradinho vermelho) e tenho essa outra coisa (circula
com o dedo a figura da tarefa), a figura e o quadrado. Eu quero saber quantos quadrados cabem
dentro da figura. E aí, pra saber quantos quadrados cabem dentro da figura, eu tenho que saber a
área ou o perímetro da figura? A área, né?
Ortência – Isso que você falou me fez pensar num outro raciocínio, muito mais fácil.
Ortência – Em área.
Ortência – Professor...
Pesq – Sim.
Ortência – Será que vai dar exato o número de quantos quadrados tinha que caber? Acho que a
gente ficou muito preocupada com precisão e talvez fique errado o número de quadrados.
187
Pesq – Mas também não se preocupe com isto. O que você fez está ótimo para que eu entenda sua
maneira de pensar. Depois vamos discutir os resultados. Vocês já acabaram?
Ortência – Eu quero só ver se o outro raciocínio que eu pensei vai dar certo também.
(Ortência mede o lado do quadradinho com a régua. Ambas param de escrever e parecem conferir
seus resultados).
Pesq – Eu vou aproveitar o que a Ortência tá fazendo, para levantar uma questão extra, que não está
escrita. A questão é esta: vamos considerar que o lado destes quadradinhos vermelhos mede dois
centímetros...
Pesq – Tudo bem. O que eu disse é uma hipótese, eu tô colocando um novo dado. Se o lado do
quadradinho mede dois centímetros, qual é o perímetro e qual é a área da figura amarela? E quero
que vocês, agora, calculem esta área e este perímetro.
(Ambas escrevendo, por três minutos, sem falas. O Pesquisador retorna à sala.).
Marte – Eu acho que eu vou ser psicóloga. Será que psicologia tem Matemática?
Ortência – Professor, eu tenho ligeiros problemas com esse problema que você passou.
Pesq – Sim.
Ortência – Dois centímetros. Se eu vou fazer pelo que eu fiz, não vai dar certo, porque o
quadradinho não tem dois centímetros exatos. Vai sobrar bastante.
Ortência – (Mostrando a figura e a medida de um de seus lados). Olha só, aqui tem isso de medida.
Não dá.
Ortência – Sim.
Pesq – Que tal você usar os próprios quadradinhos com régua, já que você sabe que seu lado mede
dois centímetros?
(O Pesquisador sai da sala por dois minutos. Conversas sobre música entre as alunas).
188
Pesq – Tudo bem, faz de cabeça. Se você puder falar o que fez...
Ortência – É porque tá pedindo o perímetro. E vou fazer o perímetro igual ela fez, porque eu já tinha
pensado. É... O lado do quadradinho é dois. E eu não sei como fazer uma conta pra medir só os
lados que aparecem, então eu vou contar, assim... (Mostra com o lápis os lados dos quadradinhos
que formam os lados da figura, contando de dois em dois, até cinquenta e seis). Olha, deu o mesmo
que o seu!
Marte – Deu?
TAREFA 4
Para esta tarefa, além da folha e de réguas, foram oferecidos três triângulos equiláteros azuis,
idênticos ao quarto triângulo junto à ficha da tarefa, todos moldados como recortes da figura dada na
tarefa, de modo tal que um número inteiro deles preenche toda a figura.
(Ambas as alunas usam os triângulos como moldes para preencher toda a figura da tarefa).
Ortência – Pentágono.
Ortência – É, eu tô me preocupando em não ficar preocupada com a precisão. Só que eu acho que
eu me despreocupei demais.
Marte – Acabei.
Pesq – Já?
189
Marte – Sim.
Ortência – Eu acho que isso aqui tá errado, mas... Olha que droga, eu sou muito perfeccionista. Eu
vou apagar e fazer tudo de novo.
Pesq – Vocês acham que se eu desse um número maior de triângulos, isto ia ajudar nesta tarefa?
Pesq – E que tal, Ortência, se você usar todos os três triângulos juntos aí, ao invés de um só, como
você fez antes?
Pesq – Será que a resposta vai ser a mesma? E tô achando que ela (Ortência) já visualizou e agora
não vai usar mais os triângulos azuis.
Pesq – Acho que cada um visualiza de uma maneira diferente dos outros. E você, o que acha?
Marte – Eu acho que não, porque eu cheguei na mesma resposta que ela tá chegando agora.
Pesq – Mas talvez o seu caminho para montar a figura com os triângulos tenha sido um caminho
diferente do dela.
Marte – É...
Ortência – Talvez. É dois centímetros, né? E tem que descobrir a área e o perímetro?
Ortência – Acabei!
Marte – E também.
TAREFA 5
190
Entrega a folha desta tarefa, sem orientações. O pesquisador se mantém ausente durante toda a
tarefa.
Marte – Vê se eu tô correta...
Marte – Olha...
(Silêncio de um minuto).
Marte – É, mas ele gosta que deixa tudo pra ele vê como é que a gente raciocina, como é que a
gente vê as coisas.
Ortência – Tá.
(Ortência está concentrada e demora quinze segundos para dar uma resposta).
Ortência – Eu sei que muita gente fala que não deve contar no dedo, mas eu uso.
Marte – É, eu também, porque o dedo é muito mais sólido do que fazer de cabeça.
Ortência – Só que às vezes eu fico com vergonha e faço escondido. Porque alguns vão falar:
“Nossa, uma menina de quatorze anos, nono ano, ainda tá contando no dedo!”. Igual ontem, por
exemplo, nas outras atividades, eu já usei, só que eu fiz assim, oh... (Escondeu a mão direita debaixo
do braço esquerdo).
Marte – Eu já usei assim. Normal. E quando a gente esquece uma coisa da tabuada, eu faço assim,
oh... Aí eu coloco por exemplo...
Marte – É, só fatorar.
Ortência – Legal.
Ortência – Quando eu era mais nova, eu tinha muita dificuldade com tabuada. Quando tinha aquele...
Marte – Ditado?
Ortência – É, ditado. A professora pedia, eu ficava rachando a cabeça pra saber. E aí, eu acho que
foi na terceira série, que eu surtei e falei: ah, não, chega! E aí eu passei uma tarde inteira estudando
a tabuada, nunca mais eu esqueci. Eu sei a tabuada todinha de cor até hoje.
Ortência – Desde a terceira série eu decorei a tabuada. Acho que foi na terceira série que a gente
aprendeu e...
Marte – A minha mãe me fazia decorar todo dia, mas não dá, gente. Não dá pra decorar, eu não
consigo decorar as coisas assim. Tipo, por exemplo, eu consigo decorar alguns números porque
aconteceu alguma coisa comigo, sabe, que lembra, agora tá decorado.
Ortência – Eu decorei por causa dos ditados. Tipo assim, se não fosse os ditados, eu acho que eu
não teria... Isso eu acho importante: o ditado, pra decorar tabuada, essas coisas.
Marte – É...
Ortência – Porque o motivo pelo qual eu decorei... Não foi por causa da conta, porque na hora da
conta, você se vira. Agora, foi por causa do ditado. Na hora do ditado, não tinha como.
Marte – Eu fico muito ruim... Quando qualquer um me pergunta alguma coisa assim de Matemática,
eu fico com aquela tensão de responder errando, aí eu não consigo, eu não consigo, sério. É a única
matéria. Eu fico muito nervosa, muito nervosa.
Ortência – Duas. Matemática não é meu forte... Tamos fugindo do assunto, mas tudo bem.
Ortência – Ah, por isso que a minha conta não tava dando certo. Eu li como um dos lados sendo
cinco metros menor do que o outro.
Marte – Eu sei, eu tô fazendo tipo... Não, não sei se você tá fazendo assim, se eu posso falar agora...
Ortência – Depois a gente discute. Porque se não às vezes você atrapalha o meu ou o meu
atrapalha o seu.
Marte – Ai, eu ainda não sei! Tá faltando símbolos... coisas aqui... a porcaria... eu já coloquei.
(Silêncio)
Marte – Quarenta e sete. Quarenta e oito, quarenta e nove, cinquenta, cinquenta e um, cinquenta e
dois. Que droga! (Contando nos dedos).
Marte – Ah, não. Claro que não, sua idiota. Bobona! Sou muito idiota! (Apagando sua resolução na
ficha data tarefa).
Marte – Mais eu acho que não vai dar não. (Concentrada em sua resolução).
Ortência – Vai continuar dando errado. Que droga! Acho que eu vou ter que mudar de raciocínio,
este não tá dando certo, não.
(Ambas escrevendo).
Marte – Jura? Jura que dá dois mil, quatrocentos e quarenta e quatro? (Olha para a própria
resolução).
Marte – Eu tô multiplicando pra ver a área. Porque... cento e quatro é a área, não é?
Ortência – Sim.
Marte – Então, tem que dar cento e quatro, mas não dá. (Bate a mão na mesa).
Ortência – Eu sei um jeito de fazer isso muito fácil, mas não é um jeito, tipo assim, muito aceitável.
193
Marte – Qual?
Ortência – Peraí, deixa eu só ver se essa coisa não vai dar certo.
Marte – Não, peraí, deixa eu só ter coragem. É porque eu acho que tá certo, não sei outro modo de
fazer. Fórmula de Bhaskara?... Gente, como é que eu tô ruim!... Vou ter que voltar pra essas aulas.
Pra que é que a gente usa a fórmula de Bhaskara?
Marte – Ah, mais aqui não é equação do segundo grau, então não precisa...
Ortência – Quem disse que não é? Você pode muito bem transformar ela numa equação do segundo
grau.
Ortência – A minha eu transformei. Só que delta tá dando negativo. E aí não tem como calcular. Ih!..
Tem alguma coisa erra, porque não pode tá dando negativo.
Ortência – Me dá uma raiva quando eu tô fazendo uma conta e não dá certo, não dá certo, não dá
certo...
Ortência – Ã?
Ortência – Eu tô tentando isso aqui só pra ver se vai dar certo a conta.
Ortência – Gente, olha só. O meu delta tá dando vinte e cinco menos quatro vezes cento e quatro.
Ortência – Que...!
Ortência – Olha!... Não preciso nem fazer pra saber que essa conta tá completamente errada.
(Ambas olhando para a folha de Ortência). Alá, vinte e cinco menos quatrocentos e dezesseis.
(Ambas escrevendo).
Ortência – Ouh, eu tô tentando entender até agora o que você tá fazendo de conta, porque...
Ortência – Não, tá muito complicado pra mim. Eu vou fazer do meu jeito.
Marte – Não...
Ortência – Não, deixa eu fazer do meu jeitinho aqui. Eu ia fazer por equação do segundo grau, mas...
cansei.
(Risadas).
Marte – Óooh!
Ortência – Sim.
Ortência – Consegui.
Marte – Eu fiz isso que você fez. Só que eu dividi o número cinquenta e dois em dois. Mas não
precisa, idiota! Cinquenta e dois já é a metade de cento e quatro! Não acredito! Meu Deus do céu,
como eu sou burra, né, Ortência?!
Marte – Não, tô falando sério. Olha só o que eu fiz: eu peguei cento e quatro e dividi por dois. Aí
depois, eu divido cinquenta e dois por dois. Agora, pra quê eu não sei. Aí eu fiz menos e mais. Por
isso que deu errado.
Ortência – Tem alguma coisa muito estranha, aqui. (Olha para a própria folha).
Marte – O meu é... Vinte e um vezes trinta e um, deu seiscentos e cinquenta e um.
Ortência – Você fez conta errada. Não tem como, porque... cento e quatro dividido por dois dá
cinquenta e... Eu vou me matar agora e você não me acorde, por favor.
Ortência – ...E cinquenta e dois vezes cinquenta e dois seja cento e quatro. Eu vou me matar com
esses lápis.
Ortência – Agora eu entendi porque a minha equação de segundo grau deu errada.
Ortência – Porque eu contei o cento e quatro como uma coisa qualquer. Só que é cento e quatro ao
quadrado.
Marte – Ah, o meu também! Droga! (Gargalhadas). Se eu tivesse colocado o cento e quatro ao
quadrado, teria dado certinho.
Ortência – Teria não. Porque a gente não sabe fazer equação do terceiro grau. Quarto grau, no caso.
Porque, olha só, o xis vai tá ao quadrado e o cento e quatro também vai tá ao quadrado. Aaah!...
Ortência – Não, eu vou resolver o meu xis. Eu sei porque que deu errado. Mentira, só vai dar mais
errado ainda.
Marte – A eu vou só fazer a raiz quadrada, fazer a mesma coisa que eu tinha feito antes e... Que ái
vai dar zero, não vai?
Ortência – Vai.
Ortência – Não. Depois de todas essas contas de raiz quadrada, você não decorou? Eu decorei de
dez, de onze, de doze, de treze, de quatorze, de quinze...
Ortência – Cento e quatro... Tenho que ter muita calma, muita paciência, muito amor...
Ortência – Marte...
Ortência – Escuta! De doze é cento e quarenta e quatro. De onze... não tenho certeza, mas acho que
é cento e vinte e um. É. Não, não é. Calma. Me perdi.
Ortência – É. Cento e vinte e um. Agora, dez é... (Olha para Marte, esperando complemento).
Marte – Cem.
Ortência – Sim. Cento e quatro não é uma raiz exata. Porque o cento e quatro, eles não têm o
mesmo tamanho, entendeu? (Faz a forma de um retângulo com as mãos). Um lado tem um tamanho,
o outro tem outro. Não são iguais.
Marte – Nossa senhora, Deus me ajude nessa hora. (Tom irônico). E se a gente fizer assim... Eu vou
tentar.
Ortência – Ah, eu vou usar raciocínio, não vou usar conta, não. Porque se não eu desisto.
(Marte cantando).
(Ambas escrevendo).
Ortência – Porque que você chegou em mil e onze divido por dois?
Ortência – Eu tenho a leve impressão que o lado não vai ser mil e onze. (Com tom irônico).
Ortência – Quinhentos vezes quinhentos. Não, não é quinhentos. Se fosse mil, seria quinhentos. É
mais do que quinhentos.
Marte – Ah, porque que a vida é tão triste para nós, pessoas que não sabemos Matemática mas que
tentamos, arduamente, trabalhar nessa vida em comunidade? (Tom de ironia). Ortência, olha a minha
conta.
Marte – Porque que isso acontece comigo, que eu não consigo fazer a atividade? Ah, meu Deus!
Marte – Agência de publicidade... Isso daqui é pra eles ganharem dinheiro, nem eu vou ganhar
dinheiro.
Ortência – Calma!
Ortência – Quiet!
Ortência – Nem que seja por eliminação, eu vou descobrir o resultado disso. Nem que eu fique aqui
o dia inteiro. O marido da minha tia, que mexe com coisa de Matemática, ele disse que por
eliminação você pode descobrir rápido ou pode demorar...
Marte – Um ano.
Ortência – Exatamente. Nem que eu fique aqui, nessa sala, um ano, eu vou descobrir por
eliminação.
Ortência – Só as bordas. A gente tem que saber quais que são os lados pra saber as bordas.
Marte – Ah, porque se não a gente ia falar que ia ser cento e quatro.
(Ortência escrevendo).
Ortência – Caraca! Eu sou muito inteligente, eu me amo! A primeira conta que eu fiz, eu acertei.
Marte – Ah, não fala que a gente fez isso tudo pra não...
Ortência – Eu penso antes de fazer a conta. Tipo assim, por exemplo, eu vejo qual número
multiplicado por qual daria o último número. Então eu fui por oito, que eu achei que era o mais
provável de consegui cento e quatro. E aí eu pensei: oito vez o quê... qual é o último numerozinho
aqui, tipo treze, quatorze, quinze... Oito vezes quatro, trinta e dois; o último número daria dois. Cento
e quatro termina em quatro, eu pensei: oito vezes três vinte e quatro; número é quatro, quem sabe?
Fui. Cento e quatro. Eu me amo.
Ortência – Eu pensei nisso também: oito é exatamente cinco números menor do que treze.
Marte – Escreve isso também, o que você chegou. Ou então, não, só fala pra câmera.
Ortência – Oi, câmera. (Acena para a câmera). É... eu pensei qual número daria quatro no último
algarismo. Porque o cento e quatro, né, o último número e quatro... Eu fui pela tabuada de oito, fui
aumentando ela porque eu achei que era a mais provável de eu conseguir o número cento e quatro,
não sei por quê. E aí eu pensei oito vezes quatorze, por exemplo. Só que oito vezes quatro dá trinta e
dois. Oito vezes três dá vinte e quatro; então o número é quatro. E aí eu fiz a conta a deu... cento e
quatro.
199
Marte – Ah, meu Deus do Céu. Imagina se o colégio pegasse fogo, e a gente ficasse presa aqui.
Marte – Eu colocaria uma caixa, todas essas caixas perto da janela, e...
Ortência – Não precisa ser tão difícil. A gente sobe na caixa, sobe na janela, a gente pendura e vai
direto na mata. Ouh, o quê que você tá fazendo?
Marte – Não, eu tô só vendo aqui. Mas é o segundo andar que a gente tá. É fundão.
Ortência – Não tem que fazer o perímetro, mas tem que falar... Agora é o resto. Primeiro a gente
descobriu quais são os lados, a base pra gente poder fazer a questão. Agora a gente tem que
descobrir quantos metros de alumínio você precisa pra fazer o acabamento, que é o perímetro, né,
porque... (Faz o contorno do retângulo no ar, com os dedos).
Ortência – É por isso que a gente precisava dos lados, pra poder fazer o perímetro, pra poder
calcular quantos metros de alumínio, pra colocar em volta do outdoor. Eu fiz quatro raciocínios
errados.
Ortência – Eu fiz quatro raciocínios errados antes de desistir e fazer de cabeça. Eu tentei três tipos
de equação do segundo grau e um tipo de alguma coisa muito estranha.
Pesq – Já que vocês têm aula agora e não temos mais tempo, eu vou agradecer e liberar vocês.
Muito obrigado.
TAREFA 6
Entrega a folha desta tarefa, sem orientações. Na mesa à qual se assentam as alunas, há lápis,
borracha, réguas, esquadros e algumas figuras recortadas em cartolina, as mesmas das tarefas 3 e 4
(quatro triângulos equiláteros cujos lados tem a medida aproximada do raio do círculo da tarefa 6, e
quatro quadrados cujos lados têm medida aproximada da metade do raio desta tarefa).
Marte – Tem esquadro e régua, então a gente vai ter que usar o esquadro e a régua?
Ortência – Professor, agora eu quero falar uma coisa muito importante. A gente não tem a mínima
ideia de como calcular a área nem perímetro da circunferência. O professor de desenho geométrico
disse que vai estudar isso com a gente no fim do ano. Como é que você pede isso pra gente? Eu não
tenho a mínima ideia. Eu sei calcular o raio, mas não sei como eu posso utilizar isso com a área e o
perímetro.
Pesq – Mas talvez, “em algum lugar do passado”, vocês já tenham visto alguma fórmula ou alguma
da várias saídas para esta tarefa, porque tem várias saídas.
Ortência – Não tem como eu transformar isso num triângulo, nem num quadrado, que é o que eu sei
fazer a área.
Pesq – Talvez tenham saídas muito exatas, talvez tenham saídas aproximadas... Façam com
puderem.
Ortência – Ah, e você que disse: eu sei o que fazer, eu sei... Então como é que é?
Marte – Eu vou fazer um quadrado em volta.. Eu vou falar assim: a área do círculo é aproximada do
quadrado.
Ortência – Cara, a sua inteligência me deixa perplexa! Eu fico com vergonha de ser sua amiga, de
tão inteligente que tu é.
Marte – Nossa você afetou meu coração. Acabou com o meu hart agora.
Ortência – Mas até que é uma boa ideia, tá. Eu tava brincando. É uma boa ideia. Mas eu já pensei
em outra coisa.
Ortência – (Risada). Mas aí vai ser ligeiramente assim... O triângulo vai ter que ser muito maior. Eu
tinha que pensar numa figura mais aproximada que a gente saiba fazer, mas a gente só sabe fazer
área de triângulo, de quadrado ou de retângulo.
Marte – Mas aí a gente pode corrigir uma da outra. Pô, sacanagem o que fizeram com o Nuno72 hoje,
né? Mas acho que não chega a ser bulling não, né?
Ortência – Não. Mas não que chame ele de santo, mas o coitado sofre, né?
Marte – Sério, tinha que ter psicólogo nesta escola, mas não tem, né?
Ortência – A minha mãe fala que eu sou uma pessoa musical. Quando eu não tô cantando, eu tô
fazendo algum barulho, ritmado, é claro.
Ortência – Professor, a gente só vai conseguir uma área aproximada, e olhe lá.
Marte – Ah, tem que fazer desta figura também?! (Aponta a segunda figura da tarefa, o semicírculo).
Ah, professor, eu já te falei o quanto eu te amo? (Tom irônico).
Ortência – Eu vou conseguir o mais aproximado que você, porque eu tive uma ideia muito legal. A
gente não fez um quadradão? Aí a gente pode fazer uns quadradinhos aqui e tirar esses
quadradinhos. Aí vai ficar mais aproximado ainda.
Ortência – Ah, você falou: todo quadrado é equilátero. Claro que é equilátero. Se não for equilátero
não é quadrado.
72
Nome que criamos para não identificar um dos colegas de classe dos sujeitos de pesquisa.
202
Ortência – Não dá um centímetro. Meu quadrado de lá deu certinho, o de cá não tá dando, não.
Ortência – O triângulo vai ser fácil. Com a conta é que eu quero ver.
Ortência – Você acha que isso aqui vai ser exato? (Risadas).
(As alunas utilizam as réguas para desenhar e medir, por três minutos, em silêncio).
Ortência – Professor, o símbolo de aproximadamente é tracinho com aquela cobrinha em cima, não
é?
Pesq – OK.
Ortência – Da área do círculo, podia tá mais aproximada. Podia fazer alguns triângulozinhos aqui e
aproximar ainda mais. Mas estaria bem mais complexo.
Ortência – Huuum.
Marte – Hã hã!
Ortência – Não.
Pesq – O exemplo da corda de dezesseis centímetros, que formava um quadrado de lado quatro
centímetros.
Marte – Eu não.
(Pesquisador vai ao quadro e desenha um quadrado, marcando o número quatro em cada um dos
lados).
Ortência – O perímetro que eu tô meio agarrada, aqui. (Aponta para sua folha). Porque eu já pensei
em tirar os quadradinhos que eu tirei na área. Eu já pensei... em fazer o quadrado todo. De qualquer
jeito, eu acho que não vai dar certo, não.
Marte – Terminei.
Pesq – Já terminou?
Marte – Sim.
Marte – Professor, mas você quer a gente faça a área e o perímetro de um círculo?
Marte – Não. Eu aproximei sim, mas ela tá colocando quadradinho a onde tem espaço livre.
Entendeu?
Marte – Eu tentei, só que aí não deu... não coube. Eu ia fazer de um centímetro, meio centímetro,
mas aí...
Pesq – Então, agora que as duas acabaram, eu vou colocar no quadro as duas fórmulas, de área e
de perímetro, pra ver se vocês se lembram delas e pra que vocês usem estas fórmulas para calcular
novamente a área e o perímetro de cada figura, agora com mais precisão.
Ortência – Professor, a gente não viu, a gente não pode lembrar o que a gente não chegou a ver!
Pesq – Vocês já ouviram falar deste número (escreve no quadro ou lousa), o número pi?
Pesq – Isso mesmo. Eu vou arredondar esse valor pra três, pra facilitar o cálculo da área e do
perímetro, tá?
Ortência – Ai, a gente já viu área de circunferência. Ai, que droga, não acredito!
Pesq – Eu sabia que vocês já conheciam isto... Então a área é igual a pi vezes o raio elevado ao
quadrado. Lembram?
Pesq - ...a distância do centro até a borda. (Desenha uma circunferência na lousa).
Pesq – E o perímetro da circunferência é igual a dois vezes pi, vezes o raio. (Escreve a fórmula na
lousa). Então agora eu vou pedir pra vocês calcularem novamente a área e o perímetro destas figuras
(círculo e semicírculo) e depois compararem com os cálculos que já fizeram, tá?
Ortência – Três.
Ortência – Ai, nossa! Não acredito, retardada! Não, não dá, não. Deixa pra lá.
Ortência – É porque o meu deu oitenta e um, tava dando oitenta e um. Mas é outra coisa. É porque
eu esqueci da potência. Isso é uma coisa que faz a gente errar muito, essa coisa de multiplicação é
antes de adição, e potência é antes de multiplicação, faz errar muito. Eu erro muito nisso.
Ortência – Sim, foi isso que eu fiz agora. Antes de fazer o três ao quadrado, eu fiz três vezes três, aí
deu oitenta e um, e não vinte e sete.
Ortência – Porque é circunferência, então não é um vez o outro, então... O quê que você acha?
(Dirige-se para Marte).
Ortência – Você acha? Porque, tipo, não é um lado vezes o outro, não é uma medida vezes a outra.
É uma medida só. (Faz um movimento circular com o lápis, no ar).
Ortência – Não, mas eu também não sei se é uma medida só ou se são duas medidas, ah rá! Eu
tenho argumento contra as duas teorias, mas a favor eu não tenho de nenhuma das duas.
Marte – Ah, eu tenho, a do que tem elevado a dois. Todas as áreas eu coloco sempre coloco o
elevado a dois.
Ortência – Ah, você não conhece todas as áreas, pra falar isso.
Ortência – Todas que a gente conhece. E o círculo é uma curva só. Oh, tristeza!
Marte – É.
Ortência – Eu acabei. Oh, professor, de um deles, eu errei por cinco centímetros, e o outros eu errei
por dois centímetros.
Ortência – O meu, a área da primeira figura, a diferença foi de cinco centímetros, e o perímetro foi só
por dois centímetros que eu errei.
Ortência – Sim.
(Ambas escrevendo).
Ortência – Nossa! Ah, não, tem alguma coisa extremamente errada. A área da segunda figura deu
cento e oito. Centímetros. Ah, eu fiz uma coisa muito errada. Professor, o raio disso (mostra o
semicírculo da tarefa) não é isso aqui não, é ? (Passa o lápis por sobre o diâmetro da figura).
Ortência – O raio desse meio círculo não é isso (diâmetro), é isso (raio), né?
Ortência – Sim. Se eu colocasse essa figura (semicírculo) aqui (círculo), o raio seria isso aqui (marca
com o lápis o raio sobre o segmento do semicírculo).
Pesq – Quem sabe, se você dobrar o papel, sobrepondo as figuras, como você disse?
(Ortência dobra a folha e visualiza e sobreposição, aproveitando uma certa transparência do papel).
Marte – Tem. É dividido por dois. Só que... agora, divide vinte e sete por dois. (Tom de desafio).
Pesq – E o perímetro?
Pesq – E da outra?
Pesq – A mesma?
Ortência – Não! Também não era a metade, não. Seria a metade se a figura só tivesse isso aqui.
(Passa o lápis por sobre a linha do demicírculo). Como a figura tem isso (mostra o segmento de reta
que forma o semicírculo), não é a metade, porque isso daqui não faz parte.
Ortência – O perímetro vai ter que calcular. A área é a metade, o perímetro, não.
Ortência – Ah, fala sério, Marte. Vinte e seis dividido por dois, treze. Treze e meio com treze e meio,
vinte e sete.
207
Marte – Obrigada.
Marte – Acabei.
Pesq – É igual?
Ortência – Porque por mais que eu ache que isso (contorno do círculo) aqui não é mesma coisa que
isso (contorno do semicírculo)... com certeza não acho... pensando de acordo com a fórmula, olha só,
a fórmula é: dois pi vezes o raio. O raio dessa daqui (círculo) é três; pra mim, o raio dessa daqui
(semicírculo) vai ser três também.
Ortência – Então, vai ser o mesmo. Porque, na fórmula, pi não vai mudar, dois também não vai
mudar. Então o que muda, o que varia a quantidade, o tamanho, a medida do perímetro é o três, que
é o raio. Se o raio aqui é três e aqui também, o perímetro vai ser o mesmo.
Pesq – Entendi. Aí você está pensando em termos da fórmula, o que a gente falaria em termos
algébricos.
Ortência – Sim.
Ortência – Aí eu não acharia que é o mesmo, por questão de visualização. Eu não acharia que,se eu
esticasse essa linha pra baixo, por exemplo, daria o mesmo tamanho.
Ortência – Eu acho que não daria. Só que eu prefiro pensar do outro jeito, de acordo com a fórmula
que o mais... certo. (Faz o sinal de aspas com os dedos).
Marte – Professor, você quer do que tá verde... ou é de tudo? (Mostra na figura da coroa circular).
Você entendeu?
Marte – Quando eu for fazer o pi aqui, eu vou fazer do raio aqui no meio (aponta para o furo da coroa
circular), ou não vai dar, ou você quer que calcule para os dois círculos?
Marte – Eu sou péssima em Desenho Geométrico. Péssima em qualquer coisa que envolva números.
208
Ortência – Se uma medida é três vírgula sete, eu posso arredondar para quatro?
Pesq – É a última. E nós gastamos dois encontros e mais o horário de uma aula para fazer todas as
tarefas. Tá cansativo?
Pesq – Mas o último encontro foi bem cansativo pra vocês, né?
Ortência – É igual aquilo que você falou da Olimpíada de Matemática. Muitas vezes eu até comecei a
fazer realmente, mas chega no fim da Olimpíada, você já tá tão cansada de raciocinar...
Ortência – ...Você já tá marcando no chute, porque você não aguenta mais raciocinar. Eu acho que,
ou a Olimpíada tinha que ser menor... Na verdade eu não acho que a Olimpíada tinha que ser menor,
acho que tinha que ser dividida em duas partes, por exemplo. É muito ruim!
Marte – Professor, eu não tô lembrando com é que faz o perímetro e a área de um triângulo.
Ortência – Eu sei.
Marte - ... É aquela coisa lá da hipotenusa, que tem que ter dois triângulos retângulos.
Marte – É porque tem muito tempo que eu não vejo, quer dizer, estas férias, né? Essas férias. Então
não é triângulo retângulo?... É sim, é triângulo retângulo. Você tem que achar dentro do triângulo
retângulo pra achar a hipotenusa.
Ortência – E o quê que a hipotenusa tem a ver com isso, com a área do triângulo?
209
Marte – Que aí eu vou fazer aquela conta... A hipotenusa... que eu não lembro... é duas vezes...
Ortência – A hipotenusa ao quadrado é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas isso é pra...
Mas, enfim, né?... Cada um faz do jeito que sabe. (Sorri, olhando para o pesquisador). Eu num vou
falar o meu jeito, né?
Ortência – Essa figura aqui (estrela) tá muito fácil. Eu tô preocupada quando chegar no círculo. Área
dessa...
Marte – (Olhando para a câmera). Professores de Matemática, eu tenho uma coisa pra falar: eu não
sei Matemática.
Marte – Não lembro de jeito nenhum! Não sei mais! Eu decorei a fórmula de... Só se deixar olhar no
meu caderno. Ortência, me ajuda!...
Marte – Não, nesse. Tá bom, então eu vou fazer esse. Nem esse. Não vou fazer essa prova, não!
(Ironia).
Ortência – Acabei. Êba! (Comemora). Agora só falta esse círculo muito estranho aqui (cora circular),
que eu não tenho a mínima ideia de como eu vou fazer. (Continua lendo). Eu não vou usar a fórmula
neste círculo muito estranho, eu vou usar aquilo que a gente fez. Por que... não sei. Não sei qual que
é o raio disso.
Ortência – Professor, nessa última figura, eu não sei como eu vou usar a fórmula, porque eu não sei
qual que é o raio disso. Isso não é um círculo, isso é uma... rodela, um pedaço de um círculo. É uma
coisa muito estranha. Eu não sei com é que eu descobr... não sei “saber” o raio disso (faz o sinal de
aspas com os dedos).
Ortência – Eu vou fazer daquele jeito que a gente fez, fazer o quadrado em volta, o quadrado dentro,
fazer o mais aproximado que eu puder.
Ortência – Não, eu tô falando em área. Eu nem comecei a pensarem perímetro. Por favor, não me
faça.
210
Pesq – Então...
Ortência – Eu nem sei ver o raio, direito. Eu só sei que num círculo completo, é do meio do círculo
pra alguma das laterais.
Pesq – Você sabe fazer para o círculo grande, com o raio grande?
Ortência – Sim.
Marte – Sim.
Ortência – Não. Ah, por exemplo, o círculo... (Faz um círculo com os dedos no ar).
Marte – Ah, e se subtrair. Fizesse do grande, depois do pequeno, e subtraísse o pequeno do grande?
Aaah!
Ortência – (Faz sinal positivo com um das mãos). Tem que ser.
(Ambas escrevendo).
Ortência – (Faz sinal retângulo com as mãos no ar). Um grande, um pequeno... (Voz baixa).
Marte – É, um é a metade do outro. (Fica olhando para o pesquisador, aguardando algum feedback).
(Silêncio. Ambas escrevendo, por vezes olhando para a lousa. Assim permanecem por três minutos).
Marte – Hã hã.
Ortência – Nenhum dos dois foi muito difíceis. Quer dizer, os primeiros foram meio complicadinhos,
mas depois que você passou a fórmula, os outros dois foram muito fáceis.
211
Pesq – É? Deixa eu te fazer uma pergunta, então, enquanto ela tá fazendo. É... dessas quatro aí,
qual que seria a mais fácil de calcular, sem ter a fórmula?
Pesq – A estrela?
Pesq – A do círculo?
Ortência – Porque...
Marte – Sem dá a coisa (fórmula), eu que eu não ia conseguir nenhumas delas. Mas a da estrela, eu
não consegui fazer a área, não.
Pesq – Não?
Marte – Não.
Ortência – Porque calcular área de triângulo e de quadrado é coisa, na minha opinião, é muito fácil,
bem mais fácil do que calcular área de circunferência. Pra mim foi muito fácil fazer isso aqui. (Aponta
novamente a estrela na folha da tarefa). Porque é o que a gente tá acostumada todo dia a fazer: área
de triângulo e de quadrado.
Ortência – Muito mais comum. E mais utilizado. Tanto que, em todas as figuras que a gente tá
aprendendo em Desenho Geométrico agora, pra saber a área delas a gente usa a área de triângulos.
A gente acha um monte de triângulos na figura e usa a área deles pra saber a área da figura. Então,
é muito mais fácil. Com certeza, por isso que eu comecei por ela (estrela). Primeira coisa que eu fiz
quando eu bati o olho, foi falar: foi ela. Na minha opinião, é a mais fácil.
(Durante esta fala de Ortência, Marte ficou olhando para Ortência e para o alto, um tanto
“hipnotizada” pela fala).
Pesq – (Dirigindo-se a Marte). Você quer falar alguma coisa sobre isso?
Marte – Sim.
Ortência – Eu já coloquei.
Pesq – Eu só quero fazer mais umas perguntinhas rápidas, pode ser? (Preocupado com o horário
das alunas, que precisavam ir embora).
Ortência – É... Marte, aquela hora que você tava falando da hipotenusa, pra fazer a área de um
triângulo, tem uma fórmula...
Pesq – Vocês discutiram esta fórmula outro dia, em outra tarefa, não foi?
Ortência – Sim.
Marte – Hã hã.
Pesq – Pra você, é mais comum a fórmula de quadrado do que de triângulo, é isso?
Pesq – Tá. Então, a pergunta que eu ia fazer é a seguinte: vocês conseguem ver alguma relação
entre área e perímetro?...
Marte – Não.
Marte – Porque eles são... Fazem... são uma relação, são um valor...
(Com gestos e olhares, Ortência expressa ansiedade para falar, mas se contem e espera Marte falar).
Marte - ...Um número que explica... explica, não. Um número de um local, tipo, sabe... Um é o
tamanho por fora, e o outro é o interior todo. Por fora e por dentro. Eu vejo assim.
Marte – É, entendeu, eles têm uma semelhança em alguns pontos, que é... Todas as figuras têm os
dois... e, na hora de fazer a conta a gente encontra os dois, sabe?... Mas, na hora da resposta, na
maioria das vezes não tem nada a ver.
Ortência – É...
Pesq – É? Você acha que não tem nenhuma relação direta? Quando um aumenta, o outro aumenta
ou diminui?...
Marte – Ah, não. Isso é. Eu tô falando, por exemplo, na resposta desse (aponta para a figura da
estrela), sabe, na área total de uma figura fixa...
Marte – Foram as únicas que eu vi até agora, que têm área e perímetro iguais.
Pesq – Tá.
Ortência – Eu já acho que... Eu acho diferente, porque, tipo, a área é... você quer saber a... a
dimensão, não, mas... o perímetro também não, porque seria falar de outra coisa, mas a quantidade
toda de figura. Por exemplo, a área de um terreno, tudo que tem de terreno, tudo que tá dentro da
figura, igual ela tinha falado. E o perímetro é o contorno. Igual... o exemplo da corda, eu achei que foi
ótimo pra poder ter noção de perímetro e área, porque o perímetro é só o contorno da figura, o
perímetro é o contorno e a área é tudo o que tá dentro. Então, a maior parte das vezes, a área é
maior que o perímetro. Eu consigo pensar talvez numa figura bem... bem não uniforme, assim, mais
ou menos, por exemplo, ela teria que ser cheia de curvas e, assim, mais fina e, nesse caso, e acho
que...
Ortência – Só pra exemplificar o que eu tô falando. Por exemplo, a área é isso aqui (preenche o
quadrado desenhado, usando o giz), o perímetro é só o que tá em volta, é só a cordinha que tava em
volta. Achei esse exemplo muito bom.
Pesq – Sim.
Ortência – E a maior parte das figuras, pelo menos as que a gente teve contato até agora, a área é
bem maior do que o perímetro. E eu tava pensando, enquanto ela tava falando, num exemplo em que
o perímetro seja maior que a área.Talvez numa figura não uniforme, por assim dizer, que seria cheia
de curva, e fina (desenha na lousa uma figura com forma de uma ameba estreita), com puco espaço
pra ter área, mas muito espaço de contorno. Num sei, alguma coisa assim, por exemplo. Eu acho que
o perímetro dessa figura seria maior que a área, porque a área é só isso daqui (preenche parte da
figura amorfa, usando giz), e o perímetro seria ela toda. Mas aí eu me pergunto como que eu faria pra
calcular a área e o perímetro de uma figura dessa. (Risada). Eu não sei nem se tem como.
Pesq – É. Essa figura não é uma figura geométrica usual, né? Será que você poderia pegar uma
figura usual, ou seja, que seria um polígono?
Ortência – Polígono? Não, não sei. Eu posso fazer um polígono irregular... aí eu não sei se eu
saberia calcular também, mas... Isso seria um polígono. (Desenha na lousa uma figura de forma
parecida com a anterior, mas poligonal).
Ortência – Uma figura com muitas voltas e pouco espaço pra poder ter área.
Marte – É, ela te dá ideias e você pode ver ali figuras que você já conhece. Por exemplo, você vê ali
um monte de triângulos e quadrados e retângulos...
Pesq – Entendi.
Pesq – Essa figura seria, então, um exemplo de que o perímetro pode ser maior que a área?
Marte – É.
Pesq – Então, de uma maneira geral, vocês acham que existe uma relação direta entre área e
perímetro?
Marte – Hã hã. É tipo... Peraí que eu não tô lembrando. Ah, deixa pra lá, esqueci.
Ortência – Por exemplo, você tem o perímetro aqui, uma corda aqui (faz uma retângulo com as mãos
no ar). Aí, se isso aqui aumentar (vai afastando as mãos uma da outra, aumentando a figura),
consequentemente a área vai aumentar junto. O espaço ali dentro vai aumentar.
Ortência – É.
Marte – É.
Ortência – É. O perímetro é tipo uma cordinha que segura a área. Eu gosto de pensar assim, tipo
assim: tem uma coisa ali dentro que é a área, e o perímetro tá segurando ela, sabe? Se a área
aumentar, o perímetro vai aumentar. Se o perímetro aumentar, a área aumenta também. Eles meio
que obrigatoriamente dependem um do outro.
Pesq – Tá. Eu vou dar um último exemplo e pedir pra vocês dizerem o que acham dele, tá? (Vai para
a lousa e desenha um retângulo, marcando as medidas dois e oito, em dois de seus lados). Dois
vezes oito...
Ortência – Dezesseis.
Marte – A área.
Ortência – A área.
Pesq – Tá. Mais uma figura. (Desenha um retângulo, marcando as medidas um e nove, em dois de
seus lados).
Ortência – É, o perímetro que a área. Nossa! Eu podia ter pensado num exemplo tão mais simples!
Pesq – Não, o seu exemplo foi ótimo. Eu só queria colocar mais esse exemplo.
(Ortência olha o relógio, algo ansiosa. O pesquisador desenho outro retângulo na lousa, colocando as
medidas quatro e seis, em dois de seus lados).
Ortência – A área é vinte e quatro e o perímetro é... oito mais doze... vinte.
Ortência – A área da figura B é dezesseis e o perímetro é... dez mais seis, dezesseis, dezesseis
mais quatro... vinte.
Pesq – Também?
Ortência – Sim.
Ortência – É, todas foram feitas com a mesma... “corda”. (Faz o sinal de aspas com os dedos no ar).
Ortência – A primeira.
Marte – A.
Ortência – É, A.
Ortência – Sim.
Ortência – Diminuindo.
Marte – Não.
Pesq – A área.
Marte – É.
Ortência – E acho isso muito estranho. E não paro pra pensar nisso, às vezes. O perímetro continua
sendo o mesmo; e a área, só por mudar sua forma, ela aumenta e diminui. Eu não consigo entender
muito bem como, já que o perímetro continua sendo o mesmo; o que tinha dentro dele também era
para continuar, mas muda completamente.
Marte – E tipo uma criança, é tipo uma criança. O A é um bebê, muito gordinho, só que
pequenininho. Depois passa pra B, é... emagrece mais, não come mais e espicha, não cresce,
espicha. A gordura que ele tinha passa pra a altura. Depois, na C, ele emagrece completamente e
fica completamente crescido. A gordura que ele tinha para ser a altura.
Ortência – Ah, eu concordo. Eu achei muito legal o exemplo. Eu nunca teria pensado neste estilo.
Pesq – Então, aí eu vou voltar à pergunta. Vocês acham que esta relação se mantém?
Marte – Hã hã.
Pesq – Se a área aumenta, o perímetro aumenta; se a área diminui, o perímetro diminui; e se a área
se mantém, o perímetro se mantém?
Ortência – Não, nem sempre. Tanto que ali (lousa) o perímetro se mantém em todos os três casos, e
a área continua sendo completamente diferente.
Ortência – Na Matemática, quase nunca você pode falar que uma coisa é sempre outra, porque
sempre tem aquela exceção. Por que...
Marte – Você não pode criar muitas regras, você nunca conhece tudo.
Marte – É impossível conhecer tudo na Matemática, porque, tipo, sai muito tirando os números que
os filósofos, os lógicos, os...
Ortência – Os Matemáticos.
Marte – Não, também não é Matemáticos... Mas falam que única coisa realmente verdadeira são os
números, que é a única coisa que tem verdade, sabe? Que você sabe que um mais um é igual a dois.
Ortência – E é isso.
Pesq – Mas uma coisa vocês agora já estão percebendo: existe uma relação entre área e perímetro,
mas esta relação não é...
Ortência – Constante.
Pesq - ...Tão fixa assim, não é? Vocês já sabem que não é tão fixa assim.
Ortência – Exatamente.
Marte – É tipo o verbo regular e irregular, sabe, essas coisas assim da língua portuguesa, também.
Na acentuação, a professora cria uma regra que quase sempre tá definitiva, mas sempre tem aquela
palavrinha que o acento vai ser numa letra lá, sabe? Diferente a acentuação.
Pesq – Tá. Agora, uma última pergunta mesmo. Existe uma maneira melhor pra calcular a área,
usando um tipo ou outro de instrumento, um tipo ou outro de técnica, um tipo ou outro de ideia, que
vocês acham melhor pra calcular a maioria das áreas, senão todas?
Marte – Hã hã.
Ortência – Régua.
Marte – E procurar outras formas dentro das formas que você não conhece, igual a gente fez.
Ortência – A gente faz isso sempre na aula de Desenho Geométrico. Por exemplo, igual: na estrela,
eu não calculei a fórmula dela; eu calculei a área de quatro triângulos e de um quadrado; depois eu
somei as cinco áreas, deu a área da figura. Você sempre acha a figura, se você sabe fazer a área
dentro das outras.
Marte – Não, eu é que é mais de se adaptar à situação, aos instrumentos que você tem. Porque,
mesmo que você saiba a... a... Por exemplo, na época que a gente aprende... que a gente tem que
decorar tabuada, nossa primeira prova que a gente tem que ter decorado a tabuada. Você não vai ter
decorado a tabuada, pelo menos a maioria não. Aí você vai fazer outras contas que vai te levar a
fazer aquilo. Na provado Vestibular também, você não vai decorar, você não vai lembrar de tudo que
você estudou. Você tem que se adaptar à situação. Você vai pegar o seu lápis, vai olhar o tamanho,
é... sabe? Ir pelo que você tem na hora.
Ortência – É. O professor de Desenho Geométrico fala sempre isso pra gente, na sala de aula. É...
os tipos de coisa que você pode se adaptar, por exemplo, na hora você tem um lápis, você faz o seu
lápis de régua, você marca o seu lápis... E fala muito isso.
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Pesq – Marte, você tinha falado algo sobre ver uma figura dentro de outra. Isto também faz parte
dessa adaptação?
Marte – Faz. Porque você não pode ficar só nessa coisa de decorar. É... por exemplo, de um círculo,
você só sabe a circunferência, você só saber aquilo e pronto. Você tem que saber o que tem dentro
também. Você tem que enxergar além, você tem que enxergar... dentro.
Ortência – Foi isso que eu quis dizer com visualização. Porque numa figura você acha outras, e
nisso você consegue fazer alguma coisa a mais. Pra mim, é só isso.
Marte – Não, mesma coisa. Perímetro é mais fácil ainda... de você achar as coisinhas.
Ortência – É.
Ortência – Simples.
Marte – É. Eu me sinto mais segura com a adição e subtração do que coma multiplicação e divisão.
Eu acho a multiplicação e a divisão uma coisa muito volúvel, muito falsa.
Pesq – Volúvel?
Marte – É. Volúvel, falsa, sabe? Porque você sabe que cinco mais cinco é igual a dez. (Contando nos
dedos). Tá na sua mão, você vai... Mas multiplicação já é...
Ortência – É estranho. Porque assim, desde cedo a gente tem aquele coisa: eu tenho uma laranja
mais uma laranja é igual a duas laranjas. Você sabe, aquilo é palpável, você tem exemplos. Agora, a
multiplicação o exemplo não é muito comum. É uma coisa mais... estranha.
Marte – É, e tem muitos números escondidos por traz daquele sinal, sabe? Tipo, duas vezes seis,
sabe? Umas coisas assim.
Pesq – Que tem coisas escondidas ali, por traz da multiplicação. E vocês não tem exemplo tão reais,
é isso?
Ortência – Exatamente.
Ortência – De nada.
Marte – Acabou?