A Simbologia Do Adultério Na Farsa de Inês Pereira
A Simbologia Do Adultério Na Farsa de Inês Pereira
A Simbologia Do Adultério Na Farsa de Inês Pereira
RESUMO
O presente artigo discute a importância da simbologia do adultério no contexto
da “Farsa de Inês Pereira”, enquanto elemento responsável pela negação do adágio
“Mais quero asno que me carregue, que cavalo que me derrube” e, em conseqüência
disso, enquanto fator e causa primordial de imortalidade da personagem central -
Inês Pereira e, por extensão da farsa que leva o seu nome.
PALAVRAS-CHAVE: simbologia, adultério, imortalidade,
autencidade, singularidade
ABSTRACT
The present article discusses the importance of the symbology of adultery in
the context of “Farsa de Inês Pereira”, while an element responsible for the negation
of the statement “mais quero asno que me carregue, que cavalo que me derrube”
and, as a consequence, while major cause of the immortality of the main character –
Inês Pereira and, as an extent of the farce that takes her name.
KEY-WORDS: Symbology, adultery, immortality, authenticity, singularity.
levar a importantes conclusões. A primeira delas seria que Gil Vicente não
pretenderia “induzir” o público a “visualizar” na não punição de Inês (pois
ela é feliz no fim) e na sua conseqüente “cumplicidade” com a personagem
(ao aceitar sua atitude sem puni-la), uma aceitação e uma “pregação” do
adultério como “situação ideal” para todas as pessoas”. Isto porque,
Inês não é uma personagem qualquer, fácil de ser encontrada; ao contrário,
ela é “especial”, incomum, não sente remorsos, tem uma moral própria e
a ela obedece sem ligar para convenções; é inerente e intrinsecamente
autêntica, e sem conflitos, pois os seus modos de ser, parecer e existir
são espontânea e naturalmente coerentes, sem que haja esforço de sua
parte para “ conquistar” essa coerência. Por outro lado “os Pero Márquez”
não são, do mesmo modo, tão fáceis de encontrar, como possa parecer.
Assim, temos: uma situação de adultério apresentada em circunstâncias
e através de pessoas incomuns, do que depreendemos, uma situação que
não seria válida para todas as pessoas. Logo, ou concluímos que Gil
Vicente, ao “permitir” que Inês fosse feliz no adultério, pretendia fazer a
apologia dessa situação como ideal para todos, sem restrição, e com isso,
“provocar a dissolução dos costumes vigentes”, ou então, que essa situação
seria válida apenas para Inês, e, conseqüentemente, que haveria “algo” para
além dessa situação explícita, que caberia a cada um analisar, de acordo
com o que soubesse, quisesse e pudesse “visualizar” para além do texto.
Foi ao tentar “captar” esse “algo’ que concebemos a hipótese do
conceito de adultério enquanto violação da própria personalidade, como
implícito na violação da fé conjugal, cometida por Inês e explícita no texto.
Sabemos ser discutível essa hipótese, ainda mais que ela se baseia,
quase que exclusivamente, na circunstância de Inês ser feliz, no final da farsa,
circunstância essa que, reconhecemos, talvez se deva somente ao fato de se
tratar de uma comédia e não de uma tragédia, e que, por isso mesmo, deveria
acabar bem. Achamos, no entanto, que aceitar esse fato como única resposta
para o problema seria “fugir”, de certo modo, a ele, e como que subestimar
o talento da imaginação de Gil Vicente. Isto porque, um dos pontos em que
reside o seu valor é justamente o fato de, em virtude da variedade de
elementos extrínsecos das suas obras, ser possível haver, do mesmo modo,
um número infinito de interpretações, todas elas válidas, desde que com base
no texto.
De acordo com isso, concluímos que:
1º) Não houve, absolutamente, adultério, no conceito que julgamos
lícito depreender da farsa (isto é, enquanto violação da própria personalidade);
2º) Inês não cometeu um ato de traição ao arranjar um amante – ao
contrário, ela o teria feito se não arranjasse, porque, ao se conformar com
Pero para marido, estaria sendo “infiel” consigo mesma, pois estaria aceitando
uma imposição contrária aos seus princípios, ou seja, ao seu modo de ser;
3º) Inês é autêntica, inerente e espontaneamente autêntica e,
absolutamente, não “voltou atrás” nas suas convicções, ao se casar
com Pero. Não aceitamos como válida, para o presente artigo, e muito
menos para a farsa, a hipótese de que o casamento de Inês com Pero e,
posteriormente, o adultério com o Ermitão seriam apenas amostras da
volubilidade e do caráter contraditório da personagem, pois, embora
reconheçamos que a da personagem não implique, de modo algum, na
contraditoriedade do trabalho, achamos, simplesmente, que há uma
coerência total na personagem, do começo ao fim; como se, desde o
início, já estivesse estipulado que não haveria, para Inês, outra solução
que o adultério, solução esta a que ela chegaria, no decorrer da farsa,
através da própria experiência. Haveria, então, como que um
“crescendo”, em “Inês Pereira”, que culminaria, inevitavelmente, no
adultério. Ao dizermos, então, que Inês é autêntica, pretendemos afirmar
que, na nossa opinião, ela não teria “voltado atrás ” nos seus objetivos
de solteira, que continuariam os mesmos, mudando apenas os meios para
consegui-los.
Assim, ao descobrir, por experiência própria, que o “homem dos
seus sonhos” não servia para marido,
.................................................
teria “intuído” que serviria para amante e, talvez, quem sabe, até mesmo
antes de se casar com Pero, o seu tipo ideal de marido (segundo o que lhe
ensinara a experiência...),
Ine. “.......................................
................................................” (5)
Já “concebesse”, inconscientemente, a possibilidade do adultério
como “situação ideal”.
Ine.
“.................................................
Que eu saiba escolher marido
...................................................
E que ande a meu mandar:
Havia-m’eu de vingar
Deste mal e deste dano.” (6)
Justificada a importância da perspectiva do adultério como elemento
responsável pela negação do adágio, feitas às necessárias conceituações de
adultério e apresentadas as bases em que se apóiam, resta, antes de entrar
no desenvolvimento mais detalhado do tema (isto é, na explanação do
“crescendo” que haveria na farsa – culminando no adultério – através da
sua concretização na figura de Inês.), dizer da sua importância enquanto
fator e causa primordial, por intermédio e como decorrência da negação
do adágio, da i m o r ta l i d a d e da personagem central – Inês Pereira –
e, por extensão, da farsa que leva o seu nome.
Ine. “...............................................
Fidalgos e escudeiros,
.................................................
e atuais, que a situação não deverá ser muito diversa das anteriores.
Com essas considerações, não saímos do “terreno do óbvio”, pois,
essa atitude de indiferença por parte do comum das pessoas perante a
reflexão mais detida das situações que nos apresentam as farsas de Gil Vicente
não se restringe a ele e é, na verdade, comum a toda e qualquer obra literária
que seja algo mais que “simples entretenimento”, e que nos faça pensar,
refletir sobre nós mesmos.
O que não seria tão óbvio, poderíamos nos atrever a dizer, seria tentar
explicar o porquê dessa indiferença ou, quem sabe, do “temor camuflado”,
escondido ou latente por detrás dessa “aparente indiferença”. E é o que
pretendemos esclarecer nessa etapa do nosso trabalho.
Na verdade, se expuséssemos a uma pessoa qualquer (digamos, não
acostumada a refletir mais detidamente numa obra literária, embora até mesmo
“muito lida”) a hipótese do adultério, em “Inês Pereira”, como violação
do próprio modo de ser, parecer e existir, implícita na violação da fé
conjugal, o menos que ouviríamos seria o “estar vendo coisas demais” no
texto , ou mesmo, deturpando o que Gil Vicente escreveu, além do que,
fatalmente, receberíamos o epíteto, nada elogioso, de “intelectualóides”. Sem
exagero algum, poderíamos, sem medo de errar, detectar, nessa reação quase
que “típica” de uma maioria esmagadora, uma certa “agressividade”, que
talvez ficasse mais clara se fizéssemos a conotação com o “medo da
liberdade” de que fala Eric Fromm.
Se é que interpretamos ao menos licitamente; esse medo da
“liberdade” não é, nada menos, que da liberdade de conhecer a si
mesmo. Se somarmos isso ao fato de que o estudo da literatura é o estudo
do próprio homem, temos o quadro completo; o homem como que tem
medo de refletir sobre o que lhe apresenta a literatura, pois ele representa
tudo o que ele tenta, por todos os meios, colocar fora do seu alcance.
Senão, vejamos; o estudo da História é, praticamente, inútil, se o homem
não provar que pode aprender alguma coisa de positivo dos seus
antepassados. Senão, o que adianta saber o que eles fizeram, se continuar
a repetir-lhes os erros? No entanto, o que vemos, ao longo dos séculos, é
justamente a repetição desses erros, de modo cada vez mais desastroso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: