Turismo, Imagens e Imaginário (GASTAL)
Turismo, Imagens e Imaginário (GASTAL)
Turismo, Imagens e Imaginário (GASTAL)
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&IGAA 2012046399
TURISMO, IMAGENS
E IMAGINÁRIOS
Susana Gastai
NEDITORA
ALEPH
CRÉDITOS
G a sta i, Susana
Turismo, imagens c imaginários I Susana Gastai. - São Paulo :
Alcph, 2005. - (Coleção ABC do turismo)
05-2598 CDD-306.4Sl2
Apresentação ...................................................... . 9
Aliás, a complicação inicia pela própria con . 'á - t ado em contato com
- . . . . - '· ceJtua. novo lugar as pessoas Jc. ter a. o en r • c 11
çao elo tunsmo, pots há muitas vtsoes diferente ' • f em J·orn a is 10 le-
. . s pro. ele visualmente, por meio c1e o tos . '
curando clefmt-1o. Como há uma farta bibliogrtlfia sobre tos, cenas de filmes, págin as na Internet _o u mesn:
0
o te ma , ele não será aprofundado aqui - no cont por intermédio dos velhos e queridos cartoes-postat~.
ex to
deste livro, falar em turismo significará fazer referên. Imaginários porque as pessoas terão sentimento~, ali-
cia àquelas pessoas que saem das suas rotinas espaciais mentados por amplas e diversificadas redes de mfor-
e temporais por um período de tempo determinado: 0 mação, que as levarão a achar um local "romântico",
cidadão que sai em férias, os netos que visitam os avós outro "perigoso", outro "bonito", outro "civilizado". A
o executivo que viaja a negócios, mas não regulannente' esses sentimentos construídos em relação a locais e
para o mesmo destino. Ou seja, mesmo aquelas pes-
'
objetos (e, por que não, a pessoas?) temos chamado
soas que, morando numa grande cidade, num deter- de imaginários.
minado bairro, aproveitam o fim de semana para buscar Nas páginas a seguir será aprofundada essa íntima
outros espaços nessa mesma cidade- um parque, uma relação que se cria entre turismo, imagens e imaginá-
praia, um grande evento acontecendo num centro de rios. Também será explicado porque, no momento con-
convenções, uma festa de devoção religiosa ... -, essas temporâneo, ao estudar, atuar profissionalmente ou
também serão consideradas turistas. O que pode ha- fazer uma reflexão sobre os viajantes e as viagens, não
ver em comum entre um deslocamento para além das se pode desconhecer essa relação.
fronteiras nacionais ou para além das fronteiras do Vamos começar tentando entender o mundo em que
bairro de residência? Diria que, em comum aos dois, vivemos e o que, nele, nos induz a novos modos de
há o estranhamento, o prazer e uma certa ansiedade pensar e sentir.
diante do desconhecido e do novo.
Pode-se dizer que também haverá em comum, nos
diferentes tipos de deslocamento, a presença de ima·
gens e Irnagm
· · ários. Imagens porque, na própria cida·
de ou no estrangeiro, antes de se deslocarem para um
2. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
do está globalizado significa entender que as distânci- muitas cidades se transformarão em destinos turísti-
~ d asu·camente reduzidas porque, como a ve- cos importantes e passarão a disputar visitantes, num
as estao r
locidade dos trens e automóveis está maior, o território mercado cada vez mais competitivo e profissionalizado.
é percorrido em tempo muito menor. Como diz um Outra marca desse momento que vive a cidade, a
comercial, Paris fica logo ali, até Londres é um pulo, e rede de computadores e sua instantaneidade, o pre-
Nova York está a poucas horas. E a percepção do tempo? sente e as distâncias tornadas cada vez menores pela
Essa também muda, porque a lógica da Internet colo- tecnologia dos transportes, é que o dia-a-dia das pes-
ca tudo no aqui e agora. Vive-se o presente. Um exem- soas estará cada vez mais marcado pelo olhar, em de-
plo: você tem uma prova amanhã pela manhã e uma trimento dos outros sentidos. Mas é bom ressaltar o
festa hoje à noite. O que você faz: vai para casa estu- seguinte: essa hegemonia do olhar não é nova, ela co-
dar ou vai à festa? É cada vez maior o número de jo- meçou quando a descoberta dos motores levou ao trem
vens que responderá: 'Vou à festa". E a prova na escola? e ao automóvel, e as pessoas deixaram de deslocar-se
"A prova, a gente resolve amanhã de manhã ... " Isso é no território para percorrer o território. Ou seja, nos
viver o presente, uma lógica na qual a idéia de passado deslocamentos a pé ou com tração animal, o viajante
ou de futuro não mais condiciona os comportamentos. sentia na sua pele o sol, a chuva, o vento. Sentia os
Esse novo momento, da sociedade informatizada, cheiros e a temperatura. Transferido para o interior do
da ausência de distâncias e do tempo presente, é o que trem ou do carro, o território passará a ser absorvido
tem sido denominado pós-modernidade, que ainda terá praticamente por um único dos nossos sentidos: o olhar.
como marca a cidade. Cada vez maiores, as cidades Mais que a hegemonia do visual, há a hegemonia
crescem em importância política e econômica, mas de um novo olhar, que será logo registrado na tela dos
também cultural, porque será nelas que surgirão as pintores da época: os impressionistas irão valorizar as
tendências, os modismos. Nas cidades, situam-se as manchas de cor e não a linha e o desenho, como a arte
grandes universidades e os centros médicos de exce- anterior a eles o fazia. Isso quer dizer que, olhando de
lência. Dessa maneira, mesmo o rural passará a ser perto, a pintura dos impressionistas pode parecer fora
marcado pelos ditames urbanos. Como decorrência, de foco . É necessário que o observador se afaste para
- 22 • Col eção ABC do Turismo
Para os espectadores contemporâneos, esse tipo de sido denominado sociedade do espetáculo 1 J alterando
montagem temporal já não causa estranheza, mas alguns valores sociais importantes da era industrial. A
quando as primeiras experiências foram feitas pelo ci- modernidade teria exaltado o ter em detrimento do
nema russo, no início do século xx, isso confundia as ser, segundo seus críticos mais radicais. Na sociedade
platéias. Hoje, além das montagens que não seguem do espetáculo, constituída a partir dos anos 1960-1970,
necessariamente um desdobramento cronológico, há haveria a hegemonia do parecer, que se colocaria à fren-
outros recursos visuais que mexem com a nossa per- te, inclusive, do ter, o (a)parecer naquilo que agora
cepção da duração. É o caso das partidas de futebol não é nem valor de uso, nem valor de troca.
transmitidas pela televisão quando do replay do gol Um exemplo disso seriam os já citados programas
em câmera lenta: esse olhar da máquina, que permite tipo reality show, nos quais disputam-se preciosos mo-
mentos de aparição na tela, a celebridade instantânea.
desdobrar uma cena rápida em infindáveis segundos,
São pessoas desconhecidas do grande público, alçadas
pode ser considerado um registro do real - ou seria
a algumas semanas de popularidade, que depois desa-
muito mais uma das construções temporais dramatiza-
parecem tão depressa quanto surgiram. O reality show
das, a exemplo das alterações de tempos de duração
é apenas o exemplo mais bem acabado de meteoros vi-
feitas nas montagens cinematográficas? Seja qual for
suais também presentes nas artes, nos esportes, na moda,
a resposta, na sua gênese está uma forma de olhar à e que, além de pessoas, podem envolver lugares em alta,
qual nenhum de nós fica imune quando submetido a como hotéis, restaurantes ou destinos turísticos em voga
ela. Por exemplo, quantos de nós já não se viu indo ao por uma única temporada. Em comum, os 15 minutos
encontro da pessoa amada, como que numa câmera de celebridade instantânea, duramente disputados.
bem lenta, como acontece no cinema ou na televisão? O avanço das possibilidades tecnológicas da foto-
Os meios de comunicação audiovisuais fartamente grafia, do cinema, da televisão, dos computadores pes-
disseminados, mostrando tudo o tempo todo- doca-
nal de televisão 24 horas no ar transmitindo informa- 1. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a
ções jornalísticas ao reality show -,levam ao que tem sociedade do espetáculo.
26 • Coleção ABC do Turi smo
Turismo, imagens e ím agin ário:; + 27
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lJi~naNlotece
~\~ersloaaeSetona
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I ' .• ,J/, :.' ..
'fur /f.mo, tm aqen:. e tmaqf nárl oc + 7. 9
:1,. Idem, ibidem. p. 112. S. ldem. Espnço e in1n~e111: tcori:\s <lo pós-mmh.mw ~ nut ros
4. JAMESON, H Cullttra do clilllwiro. p. l :~8. ensaios. p. l ~~ 1.
Olhando este últin1o parágrafo con1 n1ais cu·d
. I ado
Pois ele é un1 pouco con1plicado, o que o autor . '
. , Citado
está querendo d1zer e que,. a cada filme que se as s~~
.
a cada e..\."})Osição de arte que se percorTe a cada . '
VIa. 4. AS CRÍTICAS A
gen1 que se faz, van1os acun1ulando e.xperiências \1_..
ESSE MODO DE VIDA
suais e ouu·os conhecimentos. Então se um escritor
for escrever un1 conto passado en1 Nova York, basta.
lhe dizer: "Fulano estava en1 Nova York no 11 de se-
tembro . Não será necessário dizer que a cidade é
enorme, que ela fica nos Estados Unidos, que no 11 de ntre as criticas feitas a esse modo de vida con-
setembro dois aviões se chocaran1 contra duas tones
de edifícios, etc. etc., porque o leitor já possuirá essas
E temporâneo está a dos que dizem que a este-
tização, ao invadir a vida das pessoas com seu
informações visuais no seu universo de conhecimen- predomínio sempre renovado do visual e do gosto vi-
tos, no seu museu inwginário pessoal. O leitor ou 0 sual, seduziiia o público e o levaria a vivenciar mesmo
espectador de un1 progran1a de televisão sobre o 11 de as atividades cotidianas a partir de imagens. Isso in-
setembro muito dificiln1ente não terá presente a ima- centiva, ainda, um consumo cada vez maior de ima-
genl dos aviões batendo nos edifícios e, destes, desmo- gens. Os artefatos visuais produzidos nessa lógica de
ronando. :rvlais: en1 que pese a tragédia, as in1agens consun1o desenfreado são considerados por alguns
são muito bonitas, porque capturadas com equipamen- autores banalidades en1 jom1as visuais elegantes que se
tos de alta qualidade. oferecem conscientemente ao consumo visual 1 • Esses teó-
Isso é a estetização da vida cotidiana, quando mes- ricos consideram que universos constituídos sob tal
mo as tragédias se tornam belas. lógica seriam vazios de conteúdo, e que esse vazio só
I
jetos, mais nítidos. mas nada está muito em foco. Incompetência do fotó-
O bom fotógrafo também será aquele que procura grafo? Incompetência do pessoal da EMBRATUR, que es-
transmitir, antes do que uma imagem, um sentimento. colheu uma foto fora de foco para o anúncio? Com
Ao olhannos uma foto podemos nos sentir tristes, ale- certeza não, pois nos dois casos há profissionais muito
gres, entusiasmados, românticos ou até com raiva. E, competentes envolvidos na produção do material.
em geral, não são os objetos dispostos nas imagens Como a frase colocada ao pé da foto reforça, a propos-
que nos levam a tais reações, mas algo que está além: ta é transmitir ao observador a ação realizada, a valo-
um clima, uma cor, uma luz... uma aura. rização do movimento. A idéia de ação também é
Veja a imagem da página seguinte. valorizada pela camisa vermelha da personagem, uma
Agora, olhe de novo, com maior cuidado, o anún- cor quente que também mobiliza a idéia de tesão, num
cio da EMBRATUR. Uma pessoa pula sobre as pedras, há sentido para além do erótico, pois envolve tesão pela
as águas do que parece ser uma cachoeira atrás dela, vida como um todo.
-
Que sentimentos esses elementos visuais iriio mobi-
lizar em CJttcm olha o anúncio'? Pam uns, o scmimcmo
de desafio c ele avcmura: para outros, ele prazer junto
:'1 natureza; para outros ainda, podem represent ar peri- 6 . COMO LER IMAGENS
go. De :1cordo com o sentimento mobilizado, este id se
mnterializar numa aceitnçiio ou rejeiçilo do produto.
A imagem foi recortada e sobreposta, reforçando tumados a assistir a videoclipes, onde a câmera pula
uma idéia de fragmentação. Antes, já há a duplicação de lugar em lugar, não nos apresentando uma imagem
da imagem original em uma superfície lisa: o prédio continua. Mas isso nem sempre foi assim.
aparece acima e espelhado abaixo. Por quê? Porque a As imagens mais antigas produzidas pela nossa ci-
fragmentação seria outra das características do nosso vilização, pelo menos as que temos conhecimento, são
sentimento em relação ao mundo contemporâneo, uma aquelas das pinturas rupestres, espalhadas em diferen-
marca que tem sido muito utilizada pelos artistas nas tes pontos do planeta, inclusive no Brasil. As pinturas
suas obras. Como o prédio do museu foi criado pelo rupestres envolvem os desenhos realizados por nossos
arquiteto Frank O. Gehry, considerado também ele um antepassados nas paredes das cavernas. Até hoje, não
grande artista pela inventividade dos seus projetos ar- sabemos ao certo porque eles faziam tais desenhos, se
quitetônicos, a frase que abre o texto contextualiza seria para saudar alguma divindade; se seria para, por
tudo: '1\rt:e por dentro. Obra de arte por fora". Ou seja, meio do desenho e de maneira mágica, submeter o
antes que o museu de Bilbao, o cartaz está nos mos- objeto desenhado à vontade do desenhista; ou se seria
trando, na imagem utilizada, um sentimento de cultu- por outra razão qualquer. Em termos de construção
ra, de pós-modernidade e de arte - nesse contexto pictórica, as imagens estão distribuídas aleatoriamen-
implícito, a maneira pela qual o serviço de turismo es- te pelas paredes, sem interligação entre si. Às vezes,
panhol deseja que o turista encare o seu museu. Isto é não há sequer interligação temporal, pois os desenhos
(ainda mais uma vez), o museu é cultura e arte, mas podem ser de períodos diferentes.
uma cultura e uma arte muito contemporâneas. Depois, outro momento importante na construção
Se hoje uma imagem como essa, que explora a de imagens aconteceu no antigo Egito, pois agora a
fragmentação, não nos causa estranheza, é porque figura humana, no seu tamanho em relação às demais
estamos familiarizados com o controle remoto da tele- figuras ou na sua posição também em relação aos ou-
visão, que nos leva a pular de um canal para outro tros objetos presentes, determinava o grau de impor-
(logo, as imagens do vídeo, elas mesmas, pulando e tância social da(s) pessoa(s) retratada(s). Os objetos
aos pedaços ante o nosso olhar). Também estamos acos- distribuídos à sua volta representam os elementos pre-
>
42 • Coleção ABC do Turismo Tu r ismo. image ns e i maginários + 43
sentes na vida dessa pessoa, podendo ser plantas, ani- da no sensorial e no olhar sobre o mundo, fosse submeti-
mais, água, jarros ou jóias. Os egípcios também de- da à lógica matemática e racional do espaço geométrico.
senvolveram importantes estudos para reproduzir a A luta entre uma arte racional e uma arte mais in-
figura humana. tuitiva e sensorial aprofundou-se a partir de meados
Tanto nas pinturas rupestres como em outras artes do século XIX, quando a introdução da fotografia libe-
mais antigas, entre elas a egípcia, mesmo que ao nos- rou a pintura do compromisso de registrar o mund~,
so olhar de hoje as figuras pareçam desconectadas entre função assumida pela foto. Os pintores, então, parti-
si, na imagem criada pelos artistas do período busca- ram para novas experiências visuais, experiências que
va-se uma lógica de continuidade. O padrão que nos é buscavam - e ainda hoje buscam - analisar o mundo e
mais familiar começa a se constituir na Idade Média, a composição do espaço. Surgem movimentos visuais
um padrão visual baseado na narração, apresentando como 0 impressionismo, o expressionismo, o abstra-
uma cena, em geral, inspirada na Bíblia. Esse modelo cionismo e outros, que valorizam os sentidos, não ape-
I tenta reproduzir a natureza, em especial nas cores: ár- nas aqueles sentidos e sentimentos oriundos da
experiência pessoa/ mundo, mas també~ aqueles r_e-
l vores têm copas verdes, o solo é marrom, o céu azul. Na
distribuição e proporção dos objetos entre si buscam-se sultantes dos sentimentos internos, ou seJa, da relaçao
l o equilíbrio e a harmonia. Como os artistas trabalha- da pessoa com sua própria psique. Também sur~e, n~
mesma época, uma linha de pesquisa e produçao Vl·
vam dentro dos seus ateliês, havia dificuldade em re-
presentar, por exemplo, as nuvens e as montanhas. sual mais racional, que resultará em movimentos ar-
A busca pela harmonia e pela precisão na reprodu- tísticos como o cubismo, o realismo, o construtivismo,
ção do mundo fez com que, no Renascimento, as pesqui- o concretismo e outros das chamadas vanguardas ar-
sas e experiências visuais em torno da perspectiva tísticas do início do século xx.
Não podemos esquecer que houve outro movime~
avançassem. A perspectiva significou um novo e impor-
tante momento. O espaço passou a ser ordenado a partir to no campo das artes, que também afetou nossa ~aml
I
de um ponto de vista ideal, o ponto de fuga. Mas tam- liaridade com as imagens elaboradas pelos artlstas. !
bém significou que a produção de imagens, antes basea- Antes do Renascimento, as pinturas, mosaicos e tape-
\
p
çarias adornavam as igrejas e, dessa maneira, estavam gar em lugar, a luz pulsa e o artista no palco se move
em plena vivência com a sociedade. A partir do freneticamente. Só o olhar contemporâneo, treinado
Renascimento, o artista deixa de produzir para a igre- elas mídias, consegue acompanhar um videoclipe.
p A tecnologia ainda cond'tctona
. . como rece-
a manerra
ja, passando a pintar quadros que irão adornar as pa-
redes das residências dos nobres e burgueses, longe bemos as imagens. A recepção de imagens passou a ser
do olhar das pessoas comuns, que perdem a familiari- mediada pela máquina a partir do surgimento da fotogra-
dade com as imagens que vão sendo produzidas na- fia, que induziu - e induz- novas maneiras de olhar o
quele momento histórico. Essa postura se mantém até mundo, mas, independente da máquina, seria ilusório
hoje, quando as ditas obras de arte continuam expos- pensar que as culturas tradicionais - os egípcios, por
tas nos pouco freqüentados museus e galerias de arte. exemplo - vivenciassem o sentido da visão da mesma
A diferença é que, agora, as imagens são produzi- maneira que os contemporâneos vivenciam os seus: os
das não só por artistas plásticos, mas também estão sentidos têm história e são vivenciados historicamente,
presentes em revistas, livros, pôsteres, computadores, daí decorrendo uma sensibilidade visual específica.
cinemas, e assim por diante. As imagens contemporâ- A máquina fotográfica e outros veículos de produ-
neas misturam as experiências dos artistas do século xx ção visual apenas ampliam a questão, pois, se antes da
com as novas possibilidades trazidas pelo computador. máquina o ato de ver era considerado por alguns teó-
É uma arte também marcada por experiências visuais, ricos mais uma ação espiritual que um ato físico-bioló-
como a que realizamos diariamente, por exemplo, quan- gico, agora, para além da percepção permeada por uma
do com o controle remoto da televisão nas mãos vamos máquina, temos a percepção através da máquina.
pulando de canal em canal. O resultado disso é que não Isso traz muitas alterações ao cotidiano das pes-
vemos nada por inteiro, tudo nos chega aos pedaços e soas, inclusive, por exemplo, no que se refere à noção
rapidamente. Em outras palavras: há uma fragmenta- de verdade: até bem pouco tempo atrás, era conside-
ção (reveja a imagem do Museu Guggenheim Bilbao). rada verdade o que alguém pudesse ver com os pró-
Outra expressão visual que incorporou essa estética do prios olhos. Ou seja, a verdade (e o mundo real) seria
fragmentado é o videoclipe, onde a câmera pula de lu- aquilo abarcado diretamente pelos cinco sentidos. Nes-
t,tJ • Colr cdo ABC do 1i1rlsmo
to, falar imagem não significa se referir apenas a uma dar um acesso não mediado apenas ao que pensa-
foto ou pintura, mas a todos os elementos que consti- mos sobre a realidade, as nossas imagens e estereó-
tuem uma narrativa visual específica e com vida tipos ideológicos sobre a realidade [ ... ]. É claro que
(visualidade) independente. isso também é parte do Real, e de modo bastante
Neste ponto da presente reflexão, convém ainda significativo! Mas também é característico de nosso
um destaque, porque imagem não é sinônimo ·apenas período sermos bem pouco inclinados a pensar as-
de realismo. As imagens podem ser representativas - sim, e nada mais nos assusta, ou é mais calculado
aquelas que registram realisticamente aspectos figura- para cortar a comunicação, do que a descoberta de
tivos dos objetos - e não representativas ou abstratas; que esta ou aquela visão das coisas é, na realidade,
aquelas que proporcionam uma percepção mas não "uma mera" projeção de uma outra pessoa. 7
uma percepção de. 6 Não há espaço, aqui, para discutir
a questão do abstrato, mas apenas para complemen- Se com a pós-modernidade o avanço da visualidade
tar que a percepção de pode significar que uma ima- corre em paralelo com o recuo da escrita e do literá-
gem desmaterializada é capaz de nos transmitir um rio, a imagem é certamente mais imperativa do que a
sentimento de angústia, opressão ou tranqüilidade. No escrita, impõe a significação de uma só vez, sem analisá-
anúncio do Guggenheim Bilbao, o realismo da ima- la, sem dispersá-la. Mas isso não é uma diferença
gem quase desaparece nas fragmentações a que ela é constitutiva. A imagem transforma-se numa escrita, a
submetida, e já vimos o que isso significa, qual a per- partir do momento em que é significativa: como a escri-
cepção envolvida. Como afirma Fredric Jameson: ta, ela exige uma lexis 8 • Por lexis entenda-se aquela sé-
rie de regras, criadas no bojo de uma cultura, que nos
Para nós, hoje, o que normalmente se parece com o dão os códigos para o entendimento de uma determi-
realismo acaba, na melhor das hipóteses, por nos nada escrita, seja ela vocabular, seja visual.
mercado ou as feiras. Nesses mercados e feiras com- desejo - e a necessidade - de mais produtos e de pro-
prava-se por necessidade. dutos novos. Neste novo momento, compra-se não mais
A necessidade era ter, quando muito, um vestido por necessidade, mas por desejo.
melhor para ir à festa ou à missa, um par de sapatos, No momento pós-moderno cresce o que está além
uma toalha bordada para pôr na mesa quando hou- do produto, seja ele um objeto, seja um serviço, pois
vesse visitas. Esses itens só seriam substituídos por se ampliam os desejos dos consumidores. Se viajantes
novos quando deixassem de corresponder ao corpo do preenchem os territórios ou lugares desconhecidos com
seu proprietário - e, nesse caso, passavam a um mem- seus imaginários sobre eles, de certa maneira o mes-
bro menor e/ ou mais novo da família - ou quando mo se dá com os nossos desejos, sobre os quais nem
destruídos pelo uso. sempre temos clareza e que, assim, se transformam,
A cultura da necessidade será substituída, no mo- também eles, em espaços a serem preenchidos pelos
mento moderno, pelos novos padrões marcados pela imaginários. Dessa maneira, teremos desejos materiais:
presença da máquina e dos novos materiais: a base queremos ter dinheiro, mas não apenas algum dinhei-
econômica será a industrial. A fábrica produz em série ro, que nos garanta um cineminha no fim de semana,
e em quantidade, uma produção que o mercado tam- o chope com os amigos. Queremos ter muito dinheiro.
bém deverá absorver em quantidade. Logo, o sistema Com o carro acontece a mesma coisa: o automóvel não
econômico industrial não pode depender apenas das deve apenas nos conduzir com eficiência e economia
necessidades naturais dos consumidores - afinal, o que nos nossos deslocamentos - desejamos um modelo do
seria da indústria se continuássemos a ter um único ano e, de preferência, importado. E nosso guarda-rou-
traje no nosso guarda-roupa?-, nem das informações pa, agora transformado em closet, deve estar repleto
difundidas pelo boca-a-boca. Agora, também a infor- de peças, muitas das quais usaremos apenas uma ou
mação será massificada: aos vários veículos de comuni- no máximo duas vezes, antes que sejam descartadas.
cação, como revistas, jornais e rádio, logo acompanhados Mas não esqueça: mais do que a quantidade, o ima-
do cinema e da televisão, alia-se um parceiro impor- ginário das pessoas quer a qualidade, o único, o dife-
tante, a publicidade. Sua principal função? Criar o rente da maioria. Portanto, não há apenas desejos
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66 + Coleção ABC do Turismo
que esse seja o animal racional); o do plano que ele . ta na 1.corroa de entidades divinas: o deus do tro-
era VIS ' •
denomina identidade -no qual está a existência social, vão a deusa das águas, a deusa do bom parto, e assim
a troca com outras pessoas e outros grupos; e o do .'di·ante. Em tempos menos antigos, a natureza es-
por ., .
plano simbólico, que abarca mitologias, religiosidade, tará povoada por seres míticos, cÇ>mo os Ja mencwna-
costumes, saberes e produção artística. . Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve . As
d os. bT
religiões incorporaram essa necessidade do. s~m o 1co
Nem de longe o homem pode ser visto apenas como e cada uma a seu modo, organizaram o d1vmo para
ser movido apenas pelo estômago: por isso é preci- q~e os deuses continuassem consolando nossas almas.
so que em sua vida pulsem também o intelecto, a Mas 0 simbólico também está na arte, antes mes-
imaginação, assim como as emoções caracteristica- mo que ela fosse assim denominada. Das pinturas nas
mente humanas. Não se trata aqui de qualquer ide- cavernas às estatuetas que acompanhavam as umas
alismo metafísico, pois este plano [simbólico], funerárias dos mortos na antiguidade, a fim de auxiliá-
obviamente, não cai pronto do céu. Deve ser mate- los na sua caminhada para o outro mundo. Hoje, a
rialmente possibilitado, tanto quanto se deve criação simbólica está presente em grandes nomes das
viabilizar materialmente o pulsar dos corações. 1 artes plásticas, da literatura, do cinema e de outras
formas de expressão artística. Produzir e consumir
A marca do simbólico está presente na cultura hu- imaginários passou a fazer parte das necessidades bá-
mana desde os seus primórdios, não só nas pinturas sicas humanas.
nas paredes das cavernas, mas nos tempos mais ime- Os tempos pós-modernos contemporâneos nos de-
moriais, na forma de ritos e rituais de saudação ao frontam com novas necessidades e novos desejos: vi-
divino. A natureza que assustava - por desconhecida - vemos na era do consumo, quando compramos não
mais para atender apenas às nossas necessidades, mas
também para atender aos nossos desejos transforma-
1. RODRIGUES , J. C. Cultura e ser humano: códigos e simbolis- dos em necessidades. E os produtos pós-modernos não
mos. In: ROCHA, E. (Org.) Cultura & imaginário. p. 43. vendem apenas a si mesmos, precisam agregar ima-
\ . . ,
gilu\rlns porque o.~ novos clientes necessitam dos dois:
do objeto c do lmagin:írio, s ·ndo que o imagin:hio
coJllo j:\ colocado, pode ter valor de merendo muit~
superior ao objeto em si. Para vender esses produtos 12. IMAGINÁRIOS:
que somam imngin:hios aos objetos, n procluçiio se PERCORRENDO O CONCEITO
aproxima dos meios de comunicaç·iio. Frcdric .Jnmcsonl
chnma isso de CCI}Jitulismo !J(~/1-t cc!J, no (]Uni hn uma
fnti ma conj ugnçiio do cn pi tnl ind ust r in I com os meios
de comunicnçiio c a inch'1strin culturnl - nela inclufcln
a propaganda, mns niio só - , levando :'luni:io absoluta mn boa pergunta n colocar scrin a seguinte: O
entre o produto c o imagin:\rio, apresentados no mer-
endo como 11111 todo indissoci;\vel.
U que significarin a trn nsm igraçiio do conceito sim·
IJ6/iw pnra a o conceito inutMinário'l Seria npenas um
Do ponto de vista elo consumo, se consumirmos por modismo'/
desejo c por necessidade, significa que consumimos Michel Mnffesoli 1 nos alerta que nilo é possível con·
niío só produtos, mns tnmhém imaginários, idealizações tinunr pensando o complexo momento contcmporil·
c se ntimen tos guardados cuidmlo::;arnente no coraç·:io 11 co, com sua fmwnentnç;io ele cxpcri~ndas, CO/li conceitos
de c:1da 11111, <.:01110 algo muito precioso. Cada 11111 leva ele inslit rtiçrics, de c.çlrlllln·a.ç c ele rclaçiJcs entre ele.~, cun·
~;e u sonho 110 coruçfí o, cada 11111 vOo que está em seu cc/to.~ da lwraclo.~ C:U T/1 tr~s sc!wlo.~ ele moclcrnlc.lwlc
tol'llç~o. Jo:n1 /íu, é 1nmbé111 110 Jrnap,illlírlo, que llON é /r rJIIW,I(cllclzrulora. A rnod cmldade sc rfu hornogcncl·
tfl o c11ro, que o:: prodtrto:r podcu1 c cl cver n lllendcr, zndoru porque 10e CCJII~JIItttlrln 11 pnl'llr de grundl'fi rHII'•
lrllllHfOI'IIIIIIIciO ll(jllt:lt:N clcfa:jo:: q11c CII IJl () C! lll llO!I~U m1lvu~r . ''OIIIo 11 hif: t6rla 011 11 fllc wofl11, por cXt'lllplo,
C'OI'IIC;Ií o Clll lltC'tll:rl dlldi~ . qtu: C'Oil/11 illll rl s11n gi'IIJtcl cntllrilelllWIII clltllhclc:<: ·r o Cjllt'
~ . .JAM I'.t fJN, H /',1'1 tutHit- rult lllfl : 11 Jl,xlf'll t'nllund do t·upiiHIJti·
11111 lilldill.
I , MAI' I' I'.f:OJ.I , M. A lf'tllll{lp,l lf'II (IÍII d11(111lfrl fl, I'· 1') ,
72 + Coleçdo ABC do Thrismo
Turismo, imagens e imaginarias + 73
seria considerado verdade- uma verdade racionalista e os grandes impérios ideológicos. Uns e outros estão
servindo para avaliar todos os acontecimentos. (Por' cedendo lugar a confederações que, de maneira mais
sinal, Alistair William coloca o marketing tradicional leve, cimentam comunidades de proporções diversas,
como outra das grandes narrativas.) repousando mais sobre um sentimento de vinculação
Para MaffesolF, no momento contemporâneo flo. que sobre a moderna noção de contrato social, ao
resceria uma cultura do sentimento, na qual predomina- qual se atrela uma conotação racional e voluntária. 5
riam o ambiente, a vivacidade das emoções comuns e a
necessária abundância de supérfluo que parece estruturar Se isso vale para o político nas suas grandes e pe-
a sociedade pós-moderna. Essa cultura do sentimento teria sadas estruturas como o Estado-nação, também vale-
a paixão comum de sentir com o outro, experimentar-se ria para expressões mais rotineiras e cotidianas. No
com outros; coisa que nada tem a ver com o racionalismo aqui e agora do momento presente, a religação alimenta
ocidental, mas que se integra bem no aspecto global, todas as formas menores do sagrado que florescem nas
holístico, da matriz natural. Ecologia contra economia, sociedades [. .. ]. Isso pode incitar-nos a pensar que, além
por assim dizer 3 • Da paixão comum surgiria a religação, e aquém das diversas racionalizações e legitimações po-
termo que Maffesoli cria, segundo seu tradutor, para líticas, há, no fundamento de todo estar-junto, um con-
dar conta de uma forma específica e orgânica de laço so- glomerado de emoções ou de sentimentos partilhados 6 •
cial marcado pela comunhão grupal e pela efervescência. 4 A isso Maffesoli denomina imaginai, que, para o teóri-
co, pode ser uma idéia fundadora, um mito, uma his-
Esse clima emocional é particularmente perceptível tória racional, um ato legendário que sirva de cimento
na implosão em cadeia, que atinge o Estado-nação agregador a unir as pessoas. Essa paixão comum sus-
tentaria a vida em sociedade.
Para Juremir Machado da Silva, o imaginário é um envolve o objeto ou a situação, mas que também a
reservatório-motor. Como reservatório agrega imagens ultrapassa, como uma força social de ordem espiritual,
sentimentos, lembranças, experiências, visões do real qu; uma construção mental que se mantém ambígua, per-
realizam o imaginado, leituras de vida e, através de um ceptível, mas não quantificável.
mecanismo individuaVgrupal, sedimenta um modo de ver.
de ser; de agir, de sentir e aspirar ao estar no mundo. [...J o imaginário, para mim, é essa aura, e da ordem da
Diferente do imaginado -projeção irreal que poderá se aura. Algo que envolve e ultrapassa a obra. [... ] nada
tornar real -, o imaginário emana do real, estrutura-se se pode compreender da cultura caso não se aceite
como ideal e retoma ao real como elemento propulsor.l que existe uma espécie de 'algo mais', uma ultrapassa-
Como motor, o imaginário seria o sonho que realiza gem, uma superação da cultura. Esse algo mais é que
a realidade, uma força que impulsiona indivíduos ou se tenta captar por meio da noção de imaginário. 9
grupos. Funciona como catalisador, estimulador e
estruturador dos limites das práticas. [... ] O homem age Em termos de imaginário, não há verdade ou men-
(concretiza) porque está mergulhado em correntes ima- tira, pois todo imaginário é. Ele é invenção, narrativa,
ginárias que o empurram contra ou a favor dos ventos. a seleção, bricolagem, modo de ser no mundo. No imagi-
Essas correntes podem ser externas, mas também in- nário, em conseqüência, não há verdadeiro nem falso.
temas ao sujeito, indicando-lhe modos de permanecer Como num romance, todos os enredos são possíveis ele-
individual no grupo e grupal na cultura. gítimos10. Ou seja, como o sentimento, que sempre é,
Michel Maffesoli segue o proposto por outro teóri- o imaginário, do mesmo modo, sempre é.
co, Walter Benjamin, ao afirmar que o imaginário se- Este último parágrafo é muito importante parare-
ria como uma aura, ou seja, como uma atmosfera que tomar o que foi escrito anteriormente sobre os imagi-
nários serem vistos como algo falso ou mentiroso. Isso vê-se que o 'seu' imaginário corresponde ao imagi-
acontece porque ainda há grupos sociais significati- nário de um grupo no qual se encontra inserido. O
vos, vivendo sob a influência do conceito moderno de imaginário é o estado de espírito de um grupo, de
verdade. Como vimos, para os modernos, só seria verda- um país, de um Estado-nação, de uma comunidade,
etc. O imaginário estabelece um vínculo. É cimento
de aquilo que pudesse ser comprovado ou acessado pe-
social. Logo, se o imaginário liga, une numa mesma
los cinco sentidos. Os sonhos e a imaginação seriam
atmosfera, não pode ser individua1. 11
verdade, mas uma esfera de consciência sujeita à falsida-
de e ao engano, por sua subjetividade. Mesmo os senti-
mentos poderiam ser enganadores e, por isso, perigosos. Quanto à participação individual nessa construção,
No mundo contemporâneo, a noção de verdade Maffesoli explica que cada sujeito está apto a ler o ima-
mudou. Primeiro, porque já se reconhece que não ha- ginário com certa autonomia, mas, para ele, tal leitura
veria uma Verdade assim, com maiúscula, sinônimo será sempre a apropriação de um coletivo:
de algo maior e definitivo. Reconhecemos, agora, que
há a cada momento e a cada situação leituras pessoais Na maior parte do tempo, o imaginário dito indivi-
ou coletivas de fatos ou objetos que correspondem à dual reflete, no plano sexual, musical, artístico, es-
visão de alguém ou de um grupo sobre esses fatos e portivo, o imaginário de um grupo. O imaginário é
acontecimentos, num determinado momento. Sob esse determinado pela idéia de fazer parte de algo. Uma
enfoque, sentimentos são e imaginários são. vida, uma linguagem, uma atmosfera, uma idéia de
Para Maffesoli, os imaginários são sempre imagi- mundo, uma visão das coisas, na encruzilhada do
nários de um grupo. Isso significa dizer que seriam so- racional e do não racional. 12
ciais por excelência:
Pode-se falar em 'meu' ou 'teu' imaginário, mas, 11. In: SILVA, J. M. Op. cit., p. 76.
quando se examina a situação de quem fala assim, 12. In: SILVA, J. M. Op. cit., p. 80.
78 + Coleciio ABC do Thrismo
Turismo, Imagens e Imaginários + 79
.r (
Q cia em sala de aula tem mostrado urna certa
tendência a associá-los, de imediato, a status: quere-
'I '
I' mos viajar para termos status, queremos urna roupa
t•:
'• ' bem transada para termos status, queremos um carro
bonito por status, e assim por diante. Corno desman-
i
.~ . char essas idéias preconcebidas? Por exemplo, dizen-
do que as pessoas desejam viajar para conhecer alguém
legal para namorar. Que as pessoas querem urna rou-
pa transada para chamar a atenção sobre si mesmas e
conseguirem um namorado legal. Que as pessoas que-
rem um carro bonito para, também com ele, chamar a
atenção de alguém legal para namorar. Ou seja, falar
que tudo se resume a status ou a arranjar urn(a)
namorado(a) legal seriam igualmente maneiras de sim-
plificar desejos e necessidades humanas que são mui-
rismo significa alimentar, reforçar ou renovar imagi- Com todas as suas possibilidades de ofertas concretas
nários, para além de propostas de marketing. em termos de equipamentos para o lazer, a Disneycons-
Os produtos turísticos contemporâneos, das locali- trói-se em tomo do grande imaginário norte-america-
dades aos roteiros específicos, devem agregar imagi- no sobre a infância. A criança tudo pode e a ela tudo é
nários. Exemplo contundente é Nova York, quando perdoado, mesmo seus excessos. E a Disney é a infân-
adotou a campanha I " NY e a maçã como símbolo cia com excessos: de jogos, de imaginação, do univer-
nos anos 1970. Se dissermos "Big Apple", todos sabem so em que mickeys e cinderelas ganham vida concreta
que estamos nos referindo a Nova York, lugar onde e no qual todo visitante é, ele também, essa criança
tudo é permitido, onde a vida nunca pára, a cidade jorever young, a quem tudo será perdoado.
que não dorme. Quem a ama, o faz nos seus excessos. Imaginário, então, é algo muito sério para ser en-
Tradicionalmente, o imaginário mais agregado ao tregue exclusivamente ao pessoal do marketing. O
turismo é a idéia de paraíso natural. Dos Club Med às imaginário deve ser incorporado ao produto muito
localidades longínquas do litoral ou do interior que antes, já na sua fase de planejamento: os planejadores,
pretendam incorporar-se ao sistema turístico, o apelo hoje, devem conhecer muito bem o que vai no coração
imediato, direto ou indireto, é ao imaginário de para- das pessoas, seus desejos e anseios- o imaginai, como
íso. A imagem é tão utilizada que só não está absolu- propõe Maffesoli -, e materializá-los em produtos, se-
tamente desgastada pela forte presença atávica dessas jam eles urbanos, sejam ecológicos, sejam rurais. O
idéias na nossa mente. ecológico deve avançar para além da idéia do paraíso
Nova York, ao apelar para a maçã, utiliza a ima- - aliás, já há produtos que estão buscando alternati-
gem contrária: a do pecado. Uma cidade onde os ex- vas, como a de aproximar turismo e educação ambien-
cessos são permitidos e, como Eva fez com Adão, tal, agregando ao produto ecológico o imaginário de
também nos tenta com a maçã, não com uma maçã aprendizado, educação continuada e exercício de com-
comum, mas com uma big apple. portamentos e atitudes conservacionistas politicamente
Outro exemplo de empreendimento turístico que corretos. Há várias experiências bem-sucedidas acon-
vende, antes de tudo, um imaginário, é a Disneylândia. tecendo em diferentes partes do Brasil.
86 + Coleção ABC do Thrismo Turismo. Imagens e Imaginá r ios + 87
o turismo rural, por sua vez, deve pensar além da urbano. A geografia da cidade permite a experiência
rusticidade e da autenticidade ou, talvez, renovar o que por abrigar vários morros ainda com restos de Mata
se entende por rústico e autêntico. O rústico, incorpo- Atlântica, pela presença do Guaíba e pelo ecossistema
rado ao in1aginário contemporâneo, não significa pre- único e de extraordinária beleza do arquipélago loca-
sença de mosquitos e moscas, banheiros incômodos, lizado no lago. A idéia é muito rica, pois rompe a tra-
louça manchada. O rústico desejado pelos neoturistas dicional dicotomia entre cidade versus natureza
é, com certeza, sofisticado, com muita limpeza, con- optando por um imaginário de cidade na natureza. '
forto e até mesmo ar-condicionado. Planejar não é apenas organizar espaço físico, pro-
Quanto ao turismo urbano, este talvez seja o mais dutos e serviços. Planejar, hoje, significa conduzir o
desafiador, num mundo onde as localidades espalha- olhar. De nada adianta o marketing tentar vender, por
das em torno do planeta desenvolvem acirrada dispu- exemplo, Gramado, na Serra Gaúcha, como represen-
ta para atrair fluxos de pessoas, de negócios e de tativa da germanidade no Brasil, no seu romantismo
investimentos. Mais: as cidades não devem ser únicas, bucólico, se lá não estiverem a gastronomia germânica,
mas múltiplas em si mesmas. Como dizem os plane- as tortas e as cucas, os pães caseiros, o chope e a cer-
jadores turísticos de Barcelona, não queremos vender veja. Ainda são necessárias muitas flores nos jardins e
uma, mas muitas barcelonas em Barcelona •
1 nas praças, cortinas rendadas nas janelas e toalhas
Essa diversidade dos lugares na cidade pode levar bordadas nas mesas, e uma arquitetura condizente.
Por fim, deve-se preservar a paisagem do entorno, por-
a experiências interessantes, como a realizada, por
que é necessário poder observar, sentir e fotografar os
exemplo, em Porto Alegre. Ali, além dos tradicionais
morros e vales.
roteiros ao centro histórico, estão sendo realizadas
Muitos dizem, em nome de uma suposta autentici-
várias experiências de turismo ecológico em espaço
dade, que "na Alemanha não é assim", que Gramado
não é a Alemanha. E, de fato, não é. Quem olhar do
ponto de vista do imaginário poderá responder: não
1. Afinnação dos técnicos do "Turismo Ba rcelona" em seminá-
faz diferença, porque não estamos falando da realída-
rio realizado em Porto Alegre em 2000.
88 • Coleção ABC do Thrismo