Acórdão - ADPF 548

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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 96

15/05/2020 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 548


DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 17ª ZONA ELEITORAL DE
CAMPINA GRANDE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 199ª ZONA ELEITORAL DO
RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 18ª ZONA ELEITORAL DE
MATO GROSSO DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL DO RIO
GRANDE DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 30ª ZONA ELEITORAL DE
BELO HORIZONTE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
AM. CURIAE. : ANDES - SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES
DAS INSTITUICOES DE ENSINO SUPERIOR
ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -
UNICAMP
ADV.(A/S) : LUCIANA ALBOCCINO BARBOSA CATALANO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO - CONTEE
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
ADV.(A/S) : JOELSON DIAS
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES
DAS UNIVERSIDADE BRASILEIRAS (FASUBRA -
SINDICAL)

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
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ADV.(A/S) : CLAUDIO SANTOS DA SILVA


AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDIFES
ADV.(A/S) : CLAUDISMAR ZUPIROLI
AM. CURIAE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADV.(A/S) : RODRIGO DE BITENCOURT MUDROVITSCH
AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PROFESSORES DE
UNIVERSIDADES FEDERAIS DE BELO HORIZONTE,
MONTES CLAROS E OURO BRANCO - APUBH
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO MAIS CIDADANIA
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE
ADV.(A/S) : ROOSEVELT ARRAES

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. DECISÕES DA JUSTIÇA ELEITORAL. BUSCA E
APREENSÃO EM UNIVERSIDADES E ASSOCIAÇÕES DE DOCENTES.
PROIBIÇÕES DE AULAS E REUNIÕES DE NATUREZA POLÍTICA E DE
MANIFESTAÇÕES EM AMBIENTE FÍSICO OU VIRTUAL. AFRONTA
AOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE
PENSAMENTO E DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. ADPF JULGADA
PROCEDENTE.

1. Nulidade das decisões da Justiça Eleitoral impugnadas na


presente ação. Inconstitucionalidade de interpretação dos arts. 24 e 37 da
Lei n. 9.504/1997 que conduza a atos judiciais ou administrativos que
possibilitem, determinem ou promovam ingresso de agentes públicos em
universidades públicas e privadas, recolhimento de documentos,
interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes
universitários, a atividade disciplinar docente e discente e coleta irregular
de depoimentos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação
de pensamento nos ambientes universitários ou equipamentos sob
administração de universidades púbicas e privadas e serventes a seus fins
e desempenhos.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
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2. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada


procedente.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, na
conformidade da ata de julgamento, por unanimidade, confirmando a
medida cautelar referendada pelo Plenário, em julgar procedente a
presente arguição de descumprimento de preceito fundamental para: a)
declarar nulas as decisões impugnadas na presente ação, proferidas
pelo Juízo da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande/PB, pelo Juízo da
20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, pelo Juízo da 30ª Zona
Eleitoral de Belo Horizonte/MG, pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral de
Niterói/RJ e pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS. b)
declarar inconstitucional a interpretação dos arts. 24 e 37 da Lei n.
9.504/1997 que conduza à prática de atos judiciais ou administrativos
pelos quais se possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes
públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de
documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de
docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e
discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela
prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos
ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de
universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e
desempenhos, nos termos do voto da Relatora. Falaram pelo amicus
curiae Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Ensino - CONIEE, a Dra. Sarah Campos; pelo amicus curiae Federação de
Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (FASUBRA -
SINDICAL), o Dr. Claudio Santos da Silva; pelo amicus curiae Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, a Dra. Monya
Ribeiro Tavares; e, pelo amicus curiae Instituto Mais Cidadania, o Dr. Luiz
Gustavo de Andrade. Sessão Virtual de 8.5.2020 a 14.5.2020.

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Brasília, 15 de maio de 2020.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : PROCURADORA -GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 17ª ZONA ELEITORAL DE
CAMPINA GRANDE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 199ª ZONA ELEITORAL DO
RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 18ª ZONA ELEITORAL DE
MATO GROSSO DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL DO RIO
GRANDE DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 30ª ZONA ELEITORAL DE
BELO HORIZONTE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
AM. CURIAE. : ANDES - SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES
DAS INSTITUICOES DE ENSINO SUPERIOR
ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -
UNICAMP
ADV.(A/S) : LUCIANA ALBOCCINO BARBOSA CATALANO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO - CONTEE
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
ADV.(A/S) : JOELSON DIAS
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES
DAS UNIVERSIDADE BRASILEIRAS (FASUBRA -
SINDICAL)

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ADV.(A/S) : CLAUDIO SANTOS DA SILVA


AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDIFES
ADV.(A/S) : CLAUDISMAR ZUPIROLI
AM. CURIAE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADV.(A/S) : RODRIGO DE BITENCOURT MUDROVITSCH
AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PROFESSORES DE
UNIVERSIDADES FEDERAIS DE BELO HORIZONTE,
MONTES CLAROS E OURO BRANCO - APUBH
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO MAIS CIDADANIA
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE
ADV.(A/S) : ROOSEVELT ARRAES

RE LAT Ó RI O

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – (Relatora):

1. Em 26.10.2018, ajuizada a presente arguição de descumprimento


de preceito fundamental, com requerimento de medida cautelar, pela
Procuradora-Geral da República objetivando “evitar e reparar lesão a
preceitos fundamentais resultantes de atos do Poder Público tendentes a executar
ou autorizar buscas e apreensões, assim como proibir o ingresso e interrupção de
aulas, palestras, debates ou atos congêneres e promover a inquirição de docentes,
discentes e de outros cidadãos que estejam em local definido como universidade
pública ou privada”.

2. A autora indicou como objeto da arguição decisões proferidas por


juízes eleitorais pelas quais determinada a busca e apreensão do que
seriam “panfletos” e materiais de campanha eleitoral em universidades e
nas dependências das sedes de associações de docentes, proíbem aulas
com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política,
impondo-se a interrupção de manifestações públicas de apreço ou
reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018, em ambiente virtual

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ou físico de universidades federais e estaduais.

Relatou episódios de ação policial nos quais não se comprovou o


necessário e prévio respaldo de decisão judicial e outras em cumprimento
a decisões judiciais, mas sem fundamento válido:

“Cite-se que na Universidade Federal de Uberlândia – UFU


ocorreu a retirada de faixa com propaganda eleitoral colocada do lado
externo de uma das portarias do campus Santa Mônica, pela Polícia
Militar, após a Universidade ter levado o caso ao conhecimento do
Cartório Eleitoral de Uberlândia, não sendo possível aferir se a
determinação foi exarada do juiz da 278ª ou 279ª Zona Eleitoral.
Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, policiais
promoveram a retirada de faixas em homenagem à vereadora Marielle
Franco, assassinada em março, e com as inscrições ‘Direito Uerj
Antifascismo’.
Por sua vez, a Universidade informou que não havia mandado
judicial a autorizar as referidas ações.
Na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, campus de
Serrinha, foram retirados cartazes supostamente de apoio a candidato
a Presidência da República”.

Defendeu o cabimento da presente arguição de descumprimento de


preceito fundamental e apontou “lesão aos direitos fundamentais da liberdade
de manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação e de reunião (art. 5º-IV, IX e XVI), ao ensino pautado
na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o
pluralismo de ideias (art. 206-II e III) e à autonomia didático-científica e
administrativa das universidades (art. 207) previstos na Constituição” (fl. 5).

Realçou a então Procuradora-Geral da República fundarem-se as


buscas e apreensões realizadas em universidades públicas e privadas no
art. 37 da Lei n. 9.504/1997, no qual se dispõe:

“Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do

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poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum,


inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego,
viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos
urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza,
inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes,
faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados.
§ 1º A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto
no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e
comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a
multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil
reais).
§ 2º Não é permitida a veiculação de material de propaganda
eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de:
I - bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que
não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos;
II - adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas,
motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m²
(meio metro quadrado).
§ 3º Nas dependências do Poder Legislativo, a veiculação de
propaganda eleitoral fica a critério da Mesa Diretora.
§ 4º Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim
o
definidos pela Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e
também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como
cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios,
ainda que de propriedade privada.
§ 5º Nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas,
bem como em muros, cercas e tapumes divisórios, não é permitida a
colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza, mesmo que
não lhes cause dano.
§ 6º É permitida a colocação de mesas para distribuição de
material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias
públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do
trânsito de pessoas e veículos.
o
§ 7º A mobilidade referida no § 6 estará caracterizada com a
colocação e a retirada dos meios de propaganda entre as seis horas e as
vinte e duas horas.

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§ 8º A veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares


deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de
pagamento em troca de espaço para esta finalidade”.

Enfatizou-se, na peça inicial desta arguição, ser véspera do segundo


turno das eleições para Presidente da República e, em algumas unidades
federadas, para Governador, ocorridas em 28.10.2018, “revelando ser
ineficaz a adoção de medidas específicas, com o intuito de se salvaguardar de
modo efetivo e eficiente a observância dos preceitos fundamentais aqui
afrontados, a revelar, desse modo, o cabimento desta ação”.

Argumentou a autora fundamentar-se nos direitos e garantias


individuais listados no art. 5º da Constituição da República para o
ajuizamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental,
tendo este Supremo Tribunal reconhecido, no julgamento da ADPF n. 187
(Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJe 28.5.2014), o
aproveitamento desse instrumento constitucional para resguardar o
direito de crítica, de protesto e de discordância advindos da liberdade de
expressão e da livre manifestação do pensamento.

Anotou que nos incs. II e III do art. 206 da Constituição da


República, nos quais estabelecidos os princípios orientadores da
educação, também se estimularia “a construção de espaços de liberdade em
obséquio ao sentido democrático que anima as instituições da República” (trecho
do voto do Ministro Celso de Mello na ADPF n. 187 ), explicitando:

“Com efeito, os princípios constantes do rol do artigo 206 da


Constituição visam a garantir que o ensino não se revista apenas do
caráter informativo, mas, sobretudo, da formação de ideias à luz dos
princípios-base que emanam da Constituição e irradiam por todo o
ordenamento; entre eles, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber, assim como o respeito ao
pluralismo de ideias e ao debate”.

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Asseverou que a autonomia universitária, prevista no art. 207 da


Constituição da República, qualifica-se também como preceito
fundamental autorizador desta ação constitucional, citando passagem da
peça inicial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.
474, ajuizada pelo partido político Rede Sustentabilidade contra a
concentração da gestão financeira e orçamentária das universidades
públicas do Estado do Rio de Janeiro (Relatora a Ministra Rosa Weber).

Afirmou, ainda, que os atos impugnados na presente arguição de


descumprimento de preceito fundamental contrariariam a jurisprudência
deste Supremo Tribunal pautada na defesa da liberdade de manifestação
do pensamento e de comunicação e exorbitaram “os limites de fiscalização
de lisura do processo eleitoral e afrontaram os preceitos fundamentais já
mencionados, por abstraí-los”.

3. Sustentou haver perigo na demora da suspensão dos atos


impugnados e a “iminência no cometimento de outros às vésperas da eleição,
[requerendo] a concessão de medida cautelar, até por decisão monocrática do
eminente relator, ad referendum do Plenário, a fim de se suspender todo e
qualquer ato que determine ou promova o ingresso de agentes públicos em
universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção
de aulas e debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular
de depoimentos”.

No mérito, pede “que se declare a nulidade dos atos praticados e ora


impugnados, tanto quanto de outros porventura cometidos e aqui não
mencionados, assim como a abstenção, por quaisquer autoridades públicas, de
todo ato tendente a, a pretexto de cumprimento do artigo 24 da Lei 9.504/97,
determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas
e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e debates, a
atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos”.

4. Distribuídos, os autos eletrônicos vieram-me conclusos em

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26.10.2018. Conclui haver urgência qualificada na questão posta e


submetida a exame porque os atos que vinham sendo praticados
estendiam-se no curso dos dias que antecederam o ajuizamento da
presente arguição. Dias que antecederam a realização do segundo turno
das eleições e que, se continuassem sem decisão judicial sobre a matéria,
poderiam ensejar novas práticas e, direta ou indiretamente, comprometer
a dinâmica política específica das eleições.

5. Esta comprovação levou-me a, excepcionalmente, deferir, em


27.10.2018, o requerimento cautelar pleiteado, determinando a ciência
imediata da medida adotada aos Senhores Ministros, o que foi
referendado pelo Plenário em 31.10.2018.

6. As informações foram prestadas pelo Juiz Eleitoral da 17ª Zona


Eleitoral de Campina Grande/PB, pela Juíza Eleitoral da 199ª Zona
Eleitoral do Rio de Janeiro, pelo Juiz Eleitoral da 20ª Zona Eleitoral do Rio
Grande do Sul e pela Juíza Eleitoral da 30ª Zona Eleitoral de Belo
Horizonte/MG.

7. A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo não


conhecimento da ação e, se conhecida, pela improcedência do pedido:

“Eleitoral. Artigos 24 e 37 da Lei n° 9.504/1997. Propaganda


eleitoral no âmbito das universidades. Pretensão de que seja declarada
a nulidade de todo e qualquer ato que, a pretexto de conferir
cumprimento aos dispositivos legais mencionados, determine ou
promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e
privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e
debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular
de depoimentos. Preliminares. Ausência de indicação adequada dos
atos do Poder Público questionados. Falta de comprovação de
controvérsia judicial relevante. Ofensa ao princípio da
subsidiariedade. Mérito. Necessidade de ponderação entre, de um lado,
os princípios da liberdade de expressão e da autonomia universitária e,

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de outro, os postulados da regularidade, igualdade e legitimidade


democrática do processo eleitoral. A legislação em vigor sobre
propaganda eleitoral confere concretude aos princípios mencionados,
de modo a garantir a higidez da disputa entre os candidatos a cargos
políticos. Compete à Justiça Eleitoral sopesar tais princípios diante do
caso concreto e mediante a análise dos fatos e provas trazidos aos
autos. Eventuais divergências sobre o caráter político-partidário dos
atos ocorridos dentro das universidades não devem ser resolvidas de
forma abstrata e geral, em sede de controle concentrado de
constitucionalidade. Precedentes desse Supremo Tribunal Federal e do
Tribunal Superior Eleitoral. Manifestação pelo não conhecimento da
arguição e, no mérito, pela improcedência do pedido”.

8. Em 25.3.2020, a Procuradoria-Geral da República opinou “pela


procedência da presente arguição, em razão da incompatibilidade com os arts. 5º,
IV, IX e XVI; 206, II e III; e 207, da Constituição Federal, de atos do Poder
Público tendentes a executar ou a autorizar buscas e apreensões; voltados à
proibição do ingresso e à interrupção de aulas, palestras, debates ou congêneres; e
visando a promover a inquirição de docentes, de discentes e de outros cidadãos
inseridos em universidades públicas ou privadas”.

9. Admiti como amici curiae nestes autos: Associação dos


Magistrados Brasileiros – AMB, Sindicato Nacional dos Docentes das
Instituições de Ensino Superior – ANDES, Universidade Estadual de
Campinas, Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Ensino – CONTEE, Federação de Sindicatos de
Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino
Superior Públicas do Brasil – FASUBRA-SINDICAL, Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES,
Partido dos Trabalhadores – PT, Sindicato dos Professores de
Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco
- APUBH e Instituto Mais Cidadania.

É o relatório, cuja cópia deverá ser encaminhada a cada um dos

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Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 9o. da Lei n.


9.868/1999 c/c com o inc. I do art. 87 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal).

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 548


DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. A Procuradoria Geral da República ajuizou a presente Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental ao argumento de que decisões
de alguns juízes eleitorais e de medidas levadas a efeito por policiais
estariam desobedecendo preceitos fundamentais da Constituição do
Brasil, em especial quanto aos incs. IV, IX e XVI do art. 5º e nos incs. II e
III do art. 206 e no art.207.

Os atos questionados alegadamente nulos teriam sido praticados por


autoridades públicas e consistiriam em decisões judiciais e
administrativas de busca e apreensão de material do que seria
propaganda eleitoral ou manifestação de preferência eleitoral.

Formulou-se, então, pedido de declaração de nulidade daqueles atos


e determinação de impedimento judicial de sua prática, enfatizando-se
aquelas pelas quais se vedavam ou interrompiam atos de manifestação de
pensamento e de preferências políticas ou de contrariedade a ideias e de
aulas e debates, atividade disciplinar docente e discente, vedação do
ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas,
recolhimento de documentos e coleta irregular de depoimentos sobre
comportamentos como aqueles descritos na peça inicial da arguição.

2. Necessária e urgente, deferi a cautelar pleiteada, referendada pelo


Plenário pela urgência qualificada comprovada no caso, dos riscos
advindos da manutenção dos atos indicados na peça inicial da presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental e que poderiam se
multiplicar pela ausência de manifestação judicial a eles contrária, para

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suspender os efeitos de atos judiciais ou administrativos, emanados de


autoridade pública que “possibilite, determine ou promova o ingresso de
agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de
documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e
discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta
irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de
ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em
equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e
serventes a seus fins e desempenhos”.

3. Conduziram-me a essa conclusão os documentos acostados aos


autos, demonstrativos de que juízes eleitorais teriam determinado
medidas de busca e apreensão de documentos em ambientes
universitários e interrompido ou proibido aulas e atos de manifestação de
pensamento de docentes e discentes universitários, mesmo
comportamento adotado por policiais, em alguns casos, sem ao menos se
comprovar haver ato judicial autorizador da providência administrativa.

As medidas questionadas teriam como alegado embasamento


jurídico a legislação eleitoral na qual se veda “a veiculação de propaganda de
qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas,
estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados” (art. 37 da Lei n.
9.504/1997).

Conquanto emanados de juízes eleitorais em alguns casos e outros


adotados por policiais sem comprovação de decisão judicial prévia e
neles constando referências a normas legais vigentes, os atos
questionados apresentavam-se com subjetivismo incompatível com a
objetividade e neutralidade que devem permear a função judicante, além
de neles haver demonstração de erro de interpretação de lei, a conduzir a
contrariedade ao direito de um Estado democrático.
Do cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental
4. A legislação vigente e a jurisprudência consolidada sobre o item

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referente ao cabimento do instituto no caso em apreço e para os fins


buscados demonstram a pertinência de sua utilização pela Procuradoria
Geral da República.
Tem-se no art. 1º da Lei n. 9.882/1999:
“Art. 1º A arguição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição
Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por
objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato
do Poder Público”.

Ensina, entre outros, José Afonso da Silva, que preceito fundamental


não é “sinônimo de ‘princípios fundamentais’. É mais ampla, abrange estes e
todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional (…). Em
alguns casos ele serve para impugnar decisões judiciais, e, aí, sua natureza de
meio de impugnação, de recurso, é patente. Em outros, contudo, é meio de
invocar a prestação jurisdicional em defesa de direitos fundamentais (…)”
(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 562-563).

A arguente demonstrou a relevância da matéria discutida e a


possibilidade de se ter descumprimento de preceito fundamental.
Comprovou haver preceitos constitucionais fundamentais objeto de
discussão judicial em diversas ações em curso com decisões conflitantes
sobre matéria de inegável importância e sensibilidade em momento grave
da democracia representativa como é o das eleições.

No § 1º do art. 4º, da Lei n. 9.882/1999 está expresso quanto à


vedação do ajuizamento da arguição “quando houver qualquer outro meio
eficaz de sanar a lesividade”.

Aquela regra legal não significa que o ajuizamento da presente


arguição somente seria possível se já tivessem sido esgotados todos os
meios admitidos na lei processual para “afastar a lesão no âmbito judicial.
Uma leitura mais cuidadosa há de revelar (…) que na análise sobre a eficácia da
proteção de preceito fundamental nesse processo deve predominar um enfoque

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objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva. Em outros termos, o


princípio da subsidiariedade – inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão -,
contido no § 1º do art. 4º da Lei n. 9.882, de 1999, há de ser compreendido no
contexto da ordem global. Nesse sentido, se se considera o caráter enfaticamente
objetivo do instituto (o que resulta, inclusive, da legitimação ativa), meio eficaz
de sanar a lesão parece ser aquele apto a solver a controvérsia constitucional
relevante de forma ampla, geral e imediata” (MEIRELLES, Hely Lopes.
Mandado de Segurança. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 501).

A aplicação das normas eleitorais pelas decisões judiciais em


confronto direto com preceitos basilares do sistema democrático
consubstancia descumprimento de preceitos constitucionais
fundamentais.

Não há, pois, outra ação na qual se possa suscitar o questionamento


posto na presente arguição com a efetividade da prestação jurisdicional
pretendida, donde a comprovação de cumprimento do princípio da
subsidiariedade.

Nesse sentido, por exemplo, a lição do Ministro Gilmar Mendes, de


Inocêncio Mártires Coelho e de Paulo Gustavo Gonet Branco, no sentido
de que,
“tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição
de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista,
especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no
sistema constitucional.
Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de
constitucionalidade, não será admissível a argüição de
descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a
utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade, isto é, não se verificando a existência de meio
apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla,
geral e imediata – há de se entender possível a utilização da argüição
de descumprimento de preceito fundamental. (...) Afigura-se

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igualmente legítimo cogitar de utilização da argüição de


descumprimento nas controvérsias relacionadas com o princípio da
legalidade (lei e regulamento), uma vez que, assim como assente na
jurisprudência, tal hipótese não pode ser veiculada em sede de controle
direto de constitucionalidade (...).
A própria aplicação do princípio da subsidiariedade está a
indicar que a argüição de descumprimento há de ser aceita nos casos
que envolvam a aplicação direta da Constituição – alegação de
contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial ou
controvérsia sobre interpretação adotada pelo Judiciário que não
envolva a aplicação de lei ou normativo infraconstitucional.
Da mesma forma, controvérsias concretas fundadas na eventual
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo podem dar ensejo a uma
pletora de demandas, insolúveis no âmbito dos processos objetivos. (...)
A possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões
jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos
órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental (...) o que
também está a recomendar uma leitura compreensiva da exigência
aposta à lei da argüição, de modo a admitir a propositura da ação
especial toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrar-
se necessária para afastar aplicações erráticas, tumultuárias ou
incongruentes, que comprometam gravemente o princípio da
segurança jurídica e a própria idéia de prestação judicial efetiva”
(MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.
2. ed. Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público e Saraiva,
2008. p. 1154-1155)”.

5. A jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no


sentido de que um conjunto de reiteradas decisões judiciais sobre
determinada matéria deve ser considerado “ato do Poder Público passível de
controle pela via da arguição de descumprimento de preceito fundamental”
(ADPF n. 405-MC, Relatora a Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe
5.2.2018).

Nessa mesma linha, este Supremo Tribunal também admite o uso da

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arguição de descumprimento de preceito fundamental para questionar


interpretação judicial de norma constitucional:
“Posta a questão nos termos em que deduzida pela ora argüente,
também entendo, na linha de orientação jurisprudencial firmada por
esta Suprema Corte (ADPF 33/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES),
que a controvérsia constitucional suscitada pela AMB mostra-se
passível de veiculação em sede de argüição de descumprimento de
preceito fundamental, mesmo que o litígio tenha por objeto
interpretação judicial alegadamente violadora de preceitos
fundamentais, como os postulados da probidade administrativa e da
moralidade para o exercício do mandato, cuja suposta transgressão
decorreria das decisões, precedentemente referidas, emanadas do E.
Tribunal Superior Eleitoral.
Essa compreensão da matéria, que sustenta a viabilidade da
utilização da argüição de descumprimento contra interpretação
judicial de que possa resultar lesão a preceito fundamental, encontra
apoio em valioso magistério doutrinário do eminente Ministro
GILMAR MENDES (‘Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental: comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999’, p. 72, item n.
6, 2007, Saraiva):
‘Pode ocorrer lesão a preceito fundamental fundada em simples
interpretação judicial do texto constitucional.
Nesses casos, a controvérsia não tem por base a legitimidade ou
não de uma lei ou de um ato normativo, mas se assenta simplesmente
na legitimidade ou não de uma dada interpretação constitucional. No
âmbito do recurso extraordinário essa situação apresenta-se como um
caso de decisão judicial que contraria diretamente a Constituição (art.
102, III, ‘a’).
Não parece haver dúvida de que, diante dos termos amplos do
art. 1º da Lei n. 9.882/99, essa hipótese poderá ser objeto de argüição
de descumprimento – lesão a preceito fundamental resultante de ato
do Poder Público -, até porque se cuida de uma situação trivial no
âmbito de controle de constitucionalidade difuso.
Assim, o ato judicial de interpretação direta de um preceito
fundamental poderá conter uma violação da norma constitucional.
Nessa hipótese, caberá a propositura da argüição de descumprimento

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para afastar a lesão a preceito fundamental resultante desse ato


judicial do Poder Público, nos termos do art. 1º da Lei n. 9.882/99.’
(grifei)” (ADPF 144, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal
Pleno, DJe 26.2.2010)

Este Supremo Tribunal assentou, na Arguição de Descumprimento


de Preceito Fundamental n. 33, que:
“É fácil ver também que a fórmula da relevância do interesse
público para justificar a admissão da argüição de descumprimento
(explícita no modelo alemão) está implícita no sistema criado pelo
legislador brasileiro, tendo em vista, especialmente, o caráter
marcadamente objetivo que se conferiu ao instituto.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal sempre poderá, ao
lado de outros requisitos de admissibilidade, emitir juízo sobre a
relevância e o interesse público contido na controvérsia constitucional.
Essa leitura compreensiva da cláusula da subsidiariedade
contida no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882, de 1999, parece solver, com
superioridade, a controvérsia em torno da aplicação do princípio do
exaurimento das instâncias.
Assim, é plausível admitir que o Tribunal deverá conhecer da
argüição de descumprimento toda vez que o princípio da segurança
jurídica restar seriamente ameaçado, especialmente em razão de
conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas
causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional, desde
que presentes os demais pressupostos de admissibilidade.
Refuta-se, com tais considerações, o argumento também trazido
pelo amicus curiae de que a presente argüição de descumprimento de
preceito fundamental não respeitou o contido no art. 4º, § 1º, da Lei nº
9.882/99.”

Confira-se, por exemplo, o precedente da Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental n. 101, de que fui Relatora, e
na qual havia questionamento exatamente de decisões judiciais
contrariando direito à saúde e regras definidas em tratados e convenções
internacionais.

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Na mesma linha, na Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental n. 474, Relatora a Ministra Rosa Weber e na qual se põe em
questão o princípio da autonomia universitária, um dos itens de
fundamentação da arguição agora em exame.

O que se questiona, na espécie em exame, é a validade de práticas


estatais, judiciais e administrativas, impeditivas ou que embaraçam ou
dificultam o livre exercício do direito de manifestação do pensamento,
das ideias e das opiniões ou opções políticas, ideológicas ou de
preferência de qualquer natureza.

6. Tem-se por cabível a presente arguição de descumprimento de


preceito fundamental.

Liberdades públicas e processo eleitoral democrático

7. Como acentuei no deferimento da medida cautelar, referendada


pelo Plenário deste Supremo Tribunal, as práticas descritas na peça inicial
da presente arguição contrariam a Constituição do Brasil. Põem-se contra
o Brasil constitucional definido pelo direito posto como Estado
Democrático de Direito (art. 1o.).

No ato da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, o


presidente da Assembleia Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães,
afirmou que “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o
caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento,
garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”.

Atos que transgridam as liberdades públicas rasgam a Constituição.


Essa é forma de trair a Constituição.

Não há direito democrático sem respeito às liberdades. Não há


pluralismo na unanimidade, pelo que contrapor-se ao diferente e à livre

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manifestação de todas as formas de apreender, aprender e manifestar a


sua compreensão de mundo é algemar as liberdades, destruir o direito e
exterminar a democracia.

Impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a


manifestação plural de pensamentos é trancar a universidade, silenciar o
estudante e amordaçar o professor.

A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias


livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida
é tirana. E tirania é o exato contrário de democracia.

8. Esta comprovação bastaria para se ter como inválidas as medidas


adotadas, judiciais e administrativas, aqui questionadas e pelas quais se
buscou interromper, impedir ou dificultar manifestações livres de
professores, alunos e servidores das universidades, para as quais foram
dirigidas as ações de busca e apreensão de documentos, panfletos,
manifestações de qualquer natureza nos espaços universitários e, ainda,
as convocações e tomadas de depoimentos sem base legal.

9. O direito tem a força da autoridade que nele se contém e por ele se


impõe. O uso legítimo da força estatal para atendimento a comandos
jurídicos – neles incluídas as decisões judiciais – é somente a que se
contém nos estritos limites da Constituição e da lei.

Somente o atendimento estrito do Direito cumpre a finalidade de


garantir que, pelo igual cumprimento da legislação por todos, a liberdade
de cada um e a de todos é preservada. Qualquer providência ou medida
fora do Direito, contra o Direito ou além do Direito põe em risco a
liberdade constitucionalmente assegurada não apenas de uma instituição
ou pessoa, mas de todos.

Vive-se ou não a Democracia. Ela não existe pela metade. Não vale

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apenas para um grupo. É garantia de liberdade de todos e para todos.


Pode ser diferente o pensar do outro. Não é melhor, nem pior, por
inexistir verdade absoluta. Expressando-se livremente o pensamento, há
de ser cada pessoa respeitada. Há modelos vários de experiências
democráticas. O modelo tirânico e autoritário é um: a intolerância do
outro, o não suportar que outro pense, menos ainda de forma
diferenciada do tirano. O marco civilizatório atingido deveria ter
superado todas as formas ditatoriais, estatais e sociais, que impõem
atenção permanente para que não se resvale em inconstitucionalidades
violadoras das liberdades.

O respeito aos direitos e às liberdades é o coração do Estado de


Direito. O respeito à exposição do livre pensamento por particulares ou,
mais ainda, pelos agentes estatais é da dinâmica democrática. Sem
respeito não se conversa, se combate. Não há sociedade que se sustente
vivendo em estado de rixa, ao invés do diálogo; de conflito, ao invés de
consenso; de confronto, ao invés de consenso. O diferente faz parte. Aliás,
o diferente faz cada ser humano ser o que ele é. A diferença torna cada ser
humano único porque desigual em sua identidade, conquanto igual em
sua dignidade. A falta é que nos faz, porque ela agrega e nos aproxima do
que é a carência a ser suprida.

10. O sistema constitucional vigente não permite que se arvore em


titular de direito a invadir universidade, instituição plural em seu nome
mesmo – universitas – menos ainda alegue estar a interpretar o direito.
Quando tanto ocorre o direito impõe-se, porque soa sinal de alerta. A
prática é, sob qualquer modo e meio pelo qual se a examine, contrário à
dignidade livre da pessoa, à autonomia dos espaços de ensinar e
aprender, do espaço social e político (no sentido clássico da polis) e ao
princípio democrático, guardador da liberdade de pensar, manifestar-se,
expressar-se, opinar e escolher o modelo de vida, de Estado, enfim de
sociedade que se pretenda construir com Justiça.

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Note-se que a Justiça mesma é um conceito aberto. E na fórmula de


Castoriadis, quanto mais em aberto estiver a ideia de Justiça numa
sociedade, para que as gerações e grupos que a formam possam
reinventá-la, mais democrática é a sociedade.

11. As medidas adotadas e questionadas na presente arguição de


descumprimento de preceito fundamental destoam e afastam-se de
qualquer dos princípios postos na base da formulação constitucional
garantidor das liberdades e da Democracia.

Sendo práticas determinadas por agentes estatais – juízes ou


policiais – são mais inaceitáveis. O princípio da legalidade também terá
sido confrontado. Afinal, diferente do espaço de liberdade individual,
que esbarra em limites da lei, o Estado e seus agentes somente podem
atuar de acordo e no que é legalmente deferido. E não há lei válida a
autorizar o garrote das liberdades e o acanhamento das universidades no
constitucionalismo positivado no Brasil.

12. É dever do Poder Judiciário, e especificamente deste Supremo


Tribunal Federal, a guarda da Constituição, nos termos do seu art. 102.
Desta função precípua não pode e nem desertaria este Tribunal, a fim de
que se cumpra o destino democrático do Estado brasileiro.

Deixasse este Supremo Tribunal de atender à determinação do


comando constitucional – o que não se dará – e seriamos juízes à deriva,
desertados de nossa atribuição, ficando a sociedade deserdada de seu
fado de constituir-se em Estado livre, justo e solidário.

Não há escolha na função constitucional conferida a cada juiz.


Menos ainda a este Supremo Tribunal.

Cumprir a Constituição, ater-se a seus comandos e fazer valer seus


princípios e suas regras não é escolha, é tarefa. E essa se cumpre.

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A Constituição não se compadece com práticas antidemocráticas,


não deixa dúvida ou lacuna quanto aos princípios ali adotados, não
contemporiza com práticas diversas da garantia de todas as formas de
liberdades e de sua manifestação.

12. O processo eleitoral, no Estado democrático, fundamenta-se nos


princípios da liberdade de manifestação do pensamento, da liberdade de
informação e de ensino e aprendizagem, da liberdade de criação e
artística, da liberdade de escolhas políticas, em perfeita compatibilidade
com elas se tendo o princípio, também constitucionalmente adotado, da
autonomia universitária.

Por eles se garante a liberdade de escolha política sem o que não se


tem processo eleitoral plural, como inerente à democracia a ser
construída e garantida e no qual comparece a eleição como instrumento
imprescindível à sua dinâmica.

Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que é para


ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral
transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras.

Por isso, toda interpretação de norma jurídica que colida com


qualquer daqueles princípios, ou, o que é pior e mais grave, que restrinja
ou impeça a manifestação da liberdade é inconstitucional, inválida, írrita.

Todo ato particular ou estatal que limite, fora dos princípios


fundamentais constitucionalmente estabelecidos, a liberdade de ser e de
manifestar a forma de pensar e viver o que se é, não vale juridicamente,
devendo ser impedido, desfeito ou retirado do universo das práticas
aceitas ou aceitáveis.

Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de

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manifestação há nulidade a ser desfeita. Quando esta imposição emana


de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade administrativa
policial), mais afrontoso é por ser ele o responsável por assegurar o pleno
exercício das liberdades, responsável juridicamente por impedir sejam
elas indevidamente tolhidas.

Fazendo incidir restrição no ambiente de informação, ensino e


aprendizagem como é o universitário, que tem o reforço constitucional da
garantia de autonomia, assegurado de maneira específica e expressa
constitucionalmente, para se blindar esse espaço de investidas indevidas
restritivas de direitos, a demonstração da nulidade faz-se mais patente e
também mais séria.

13. A liberdade é o pressuposto necessário para o exercício de todos


os direitos fundamentais. Os atos questionados na presente arguição de
descumprimento de preceito fundamental desatendem os princípios
constitucionais assecuratórios da liberdade de manifestação do
pensamento e desobedecem as garantias inerentes à autonomia
universitária.

14. Juízes eleitorais determinaram busca e apreensão de documentos,


objetos e bens nos quais contidas expressões de negação a propostas,
projetos ou indicação de ideias de grupos políticos e que estavam em
equipamentos universitários. Em passagem da peça inicial da
Procuradoria-Geral da República há referência a que aquela providência
de busca e apreensão se deu sem o respaldo de decisão judicial
determinante do comportamento, a dizer, por policiais que sequer
comprovaram haver decisão judicial a respaldar a medida. Teriam
alegado embasar-se para tanto e em todos os casos expostos na presente
arguição em normas que vedam propaganda eleitoral de qualquer
natureza.

Às vésperas de pleito eleitoral denso e tenso, as providências

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judiciais e os comportamentos estendem-se por interrupções de atos pelos


quais se expressam ideias e ideologias, preferências, propostas e
percepções do que se quer no processo político.

Há que se interpretarem as normas jurídicas impeditivas de práticas


durante o processo eleitoral segundo a sua finalidade e nos limites por
elas contemplados e que não transgridem princípios constitucionais. Fora
ou além do limite necessário ao resguardo de todas as formas de
manifestação livre de pensar e do espaço livre de cada um atuar segundo
o seu pensamento político o que há é abuso não de quem se expressa, mas
de quem limita a expressão.

15. Dispõe-se no art. 37 da Lei n. 9.504/1997 ser vedada a veiculação


de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta
e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e
assemelhados nos espaços indicados na norma.

A finalidade da norma na qual se regulamenta a propaganda


eleitoral e impõe proibição de alguns comportamentos em períodos
especificados é impedir o abuso do poder econômico e político e
preservar a igualdade entre os candidatos no processo.

A norma visa ao resguardo da liberdade do cidadão, ao amplo


acesso das informações para que ele decida conforme sua conclusão
livremente obtida, sem cerceamento direto ou indireto a seu direito de
escolha.

A vedação legalmente imposta tem finalidade específica. Logo, o que


não se contiver nos limites da finalidade de lisura do processo eleitoral e,
diversamente, atingir a livre manifestação do cidadão não se afina com a
teleologia da norma eleitoral, menos ainda com os princípios
constitucionais garantidores da liberdade de pensamento, de
manifestação, de informação, de aprender e ensinar.

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16. No caso em pauta, para além deste princípio magno garantidor


de todas as formas de manifestação da liberdade, as providências
adotadas feriram também a autonomia das universidades e a liberdade
dos docentes e dos discentes. As práticas coartadas pelos atos
questionados e que poderiam se reproduzir em afronta à garantia das
liberdades – e por isso menos, insubsistentes juridicamente – não
restringem direitos dos candidatos, mas o livre pensar dos cidadãos.

17. Tem-se nos incs. IV, IX e XVI do art. 5º. da Constituição do Brasil:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; […]
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
[…]
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em
locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde
que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o
mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente”.

Os dispositivos da Lei n. 9.504/1997 somente têm interpretação


válida em sua adequação e compatibilidade com os princípios acima
mencionados e nos quais se garantem todas as formas de manifestação da
liberdade de pensamento, de divulgação de ideias e de reunião dos
cidadãos.

Ao impor comportamentos restritivos ou impeditivos do exercício


daqueles direitos as autoridades judiciais e policiais proferiram decisões
com eles incompatíveis. Por estes atos liberdades individuais, civis e

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políticas foram profanadas em agressão inaceitável ao princípio


democrático e ao modelo de Estado de Direito erigido e vigente no Brasil.
Insista-se: volta-se a norma contra práticas abusivas e
comprometedoras da livre manifestação das ideias, o que não é o mesmo
nem próximo sequer do exercício das liberdades individuais e públicas.

O uso de formas lícitas de divulgação de ideias, a exposição de


opiniões, ideias, ideologias ou o desempenho de atividades de docência é
exercício da liberdade, garantia da integridade individual digna e livre,
não excesso individual ou voluntarismo sem respaldo fundamentado em
lei.

Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. Por isso, não


pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente
estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho
do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático.

Exercício de autoridade não pode se converter em ato de


autoritarismo, que é a providência sem causa jurídica adequada e
fundamentada nos princípios constitucionais e legais vigentes.

A Constituição do Brasil garante todas as formas de liberdades


fundamentais e Constituição não é proposta, não é sugestão, não é
conselho, não é aviso, é lei e fundamental, quer dizer, aquela que
estrutura e garante os direitos das pessoas, de cada um e de todos.

18. Os atos questionados cercearam o princípio da autonomia


universitária porque se dirigiram contra comportamentos e dados
constantes de equipamentos havidos naquele ambiente e em
manifestações próprias das atividades-fim a que se propõem as
universidades.

19. Nos incs. II e III do art. 206 e no art. 207 da Constituição da

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República se dispõe:

“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios: [...]
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
[…]
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-
científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão (...)”.

As normas constitucionais transcritas harmonizam-se, como de


outra forma não seria, com os direitos às liberdades de expressão do
pensamento, de informar-se, de informar e de ser informado,
constitucionalmente assegurados, para o que o ensino e a aprendizagem
conjugam-se assegurando espaços de libertação da pessoa, a partir de
ideias e compreensões do mundo convindas ou desavindas e que se
expõem para convencer ou simplesmente como exposição do
entendimento de cada qual.

A autonomia é o espaço de discricionariedade deixado


constitucionalmente à atuação normativa infralegal de cada universidade
para o excelente desempenho de suas funções constitucionais. Reitere-se:
universidades são espaços de liberdade e de libertação pessoal e política.
Seu título indica a pluralidade e o respeito às diferenças, às divergências
para se formarem consensos, legítimos apenas quando decorrentes de
manifestações livres. Discordâncias são próprias das liberdades
individuais. As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As
pessoas criticam. Não se tornam por isso ingratas. Democracia não é
unanimidade. Consenso não é imposição, é conformação livre a partir de
diferenças respeitadas.

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Daí ali ser expressamente assegurado pela Constituição da


República a liberdade de aprender e de ensinar e de divulgar livremente
o pensamento, porque sem a manifestação garantida o pensamento é
ideia engaiolada.

Também o pluralismo de ideias está na base da autonomia


universitária como extensão do princípio fundante da democracia
brasileira, que é exposta no inc. V do art. 1º da Constituição do Brasil.

Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos.


A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a
igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos.

Ao se contrapor a estes direitos fundamentais e determinar


providências incompatíveis com o seu pleno exercício e eficaz garantia
não se interpretou a norma eleitoral vigente. Antes, a ela se ofereceu
exegese incompatível com a sua dicção e traidora dos fins a que se
destina, que são os de acesso igual e justo a todos os cidadãos,
garantindo-lhes o direito de informar-se e projetar suas ideias, ideologias
e entendimentos, especialmente em espaços afetos diretamente à
atividade do livre pensar e divulgar pensamentos plurais.

Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior quando parte do Estado.


Por isso, os atos que não se compatibilizem com os princípios
democráticos e não garantam, antes restrinjam o direito de livremente
expressar pensamentos e divulgar ideias são insubsistentes juridicamente
por conterem vício de inconstitucionalidade.

20. Pelo exposto, voto no sentido de, confirmando a medida


cautelar referendada pelo Plenário, julgar procedente a presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental para:

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a) declarar nulas as decisões impugnadas na presente ação,


proferidas pelo Juízo da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande/PB,
pelo Juízo da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, pelo Juízo da 30ª
Zona Eleitoral de Belo Horizonte/MG, pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral
de Niterói/RJ e pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS.

b) declarar inconstitucional a interpretação dos arts. 24 e 37 da Lei


n. 9.504/1997 que conduza à prática de atos judiciais ou administrativos
pelos quais se possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes
públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de
documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de
docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e
discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela
prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos
ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de
universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e
desempenhos.

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15/05/2020 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 548


DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : PROCURADORA -GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 17ª ZONA ELEITORAL DE
CAMPINA GRANDE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 199ª ZONA ELEITORAL DO
RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 18ª ZONA ELEITORAL DE
MATO GROSSO DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL DO RIO
GRANDE DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 30ª ZONA ELEITORAL DE
BELO HORIZONTE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
AM. CURIAE. : ANDES - SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES
DAS INSTITUICOES DE ENSINO SUPERIOR
ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -
UNICAMP
ADV.(A/S) : LUCIANA ALBOCCINO BARBOSA CATALANO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO - CONTEE
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
ADV.(A/S) : JOELSON DIAS
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES
DAS UNIVERSIDADE BRASILEIRAS (FASUBRA -
SINDICAL)

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ADV.(A/S) : CLAUDIO SANTOS DA SILVA


AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDIFES
ADV.(A/S) : CLAUDISMAR ZUPIROLI
AM. CURIAE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADV.(A/S) : RODRIGO DE BITENCOURT MUDROVITSCH
AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PROFESSORES DE
UNIVERSIDADES FEDERAIS DE BELO HORIZONTE,
MONTES CLAROS E OURO BRANCO - APUBH
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO MAIS CIDADANIA
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE
ADV.(A/S) : ROOSEVELT ARRAES

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Cuida-se de


Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pela
Procuradora-Geral da República, com pedido de medida cautelar, em que
se questiona a constitucionalidade de determinados atos do Poder
Público “tendentes a executar ou autorizar buscas e apreensões, assim como
proibir o ingresso e interrupção de aulas, palestras, debates ou atos congêneres e
promover a inquirição de docentes, discentes e de outros cidadãos que estejam em
local definido como universidade pública ou privada”.
Submetida a ação a julgamento virtual, a Ministra Relatora
CÁRMEN LÚCIA conhece da ADPF e, confirmando a cautelar, vota pela
sua procedência, no sentido de: a) declarar nulas as decisões impugnadas na
presente acão, proferidas pelo Juízo da 17ª Zona Eleitoral de Campina
Grande/PB, pelo Juízo da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, pelo Juízo da
30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte/MG, pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral de
Niterói/RJ e pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS; e b) declarar
inconstitucional a interpretação dos arts. 24 e 37 da Lei 9.504/1997 que conduza
à prática de atos judiciais ou administrativos pelos quais se possibilite, determine
ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas,

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o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações


de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e
a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação
livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em
equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e
serventes a seus fins e desempenhos.
É o breve relatório.
Acompanho integralmente o voto da eminente relatora.
Nesse sentido, é importante ressaltar que a ADPF será cabível desde
que não exista, para a hipótese in concreto, qualquer outro meio eficaz de
sanar a lesividade – subsidiariedade (ADPF 13-1, Rel. Min. ILMAR
GALVÃO; ADPF 15-7/PA, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA), pois esse
mecanismo de efetividade dos preceitos fundamentais não substitui as
demais previsões constitucionais que tenham semelhante finalidade, tais
como o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança individual e
coletivo, o mandado de injunção, a ação popular, a ADI estadual, entre
outras possibilidades (AgR na ADPF 17-3/AP, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, ADPF 390 AGR / DF Pleno, DJ de 14/3/2003; ADPF 3/CE – QO –
Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Pleno, DJ de 27/2/2004; ADPF 12-2/DF,
Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Pleno, DJ de 26/3/2001).
A observância do princípio da subsidiariedade exige o esgotamento de
todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos
fundamentais ou a verificação, ab initio, de sua inutilidade para a
preservação do preceito (ADPF 186/DF, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, DJe de 20/10/2014). Caso os mecanismos utilizados de
maneira exaustiva mostrem-se ineficazes, será cabível o ajuizamento da
arguição.
Da mesma forma, se desde o primeiro momento se verificar a
ineficiência dos demais mecanismos jurisdicionais para a proteção do
preceito fundamental, será possível que um dos legitimados se dirija
diretamente ao Supremo Tribunal Federal, por meio de arguição de
descumprimento de preceito fundamental.
Trata-se, exatamente, da presente hipótese, em que a pronta e eficaz

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resposta do ordenamento jurídico ao desrespeito de inúmeros preceitos


fundamentais somente poderia ocorrer por meio do acesso direto e
concentrado à SUPREMA CORTE.
No tocante ao objeto da ADPF, o legislador constituinte, ao definir o
objeto da arguição como desrespeito a preceito fundamental decorrente
da Constituição Federal, não especificou quais seriam esses preceitos.
Entendemos que, em virtude de a finalidade da arguição ser a maior
proteção às normas básicas da Constituição Federal, o conceito de
preceito fundamental deve ser abrangente, englobando direitos e
garantias fundamentais da Carta Magna, não necessariamente só os
previstos no art. 5º, os objetivos e fundamentos da República, em especial,
a dignidade da pessoa humana e as normas estruturantes do Princípio
Democrático e do Regime Republicano.
Na presente hipótese, não há dúvidas da existência de preceitos
fundamentais indicados como paradigmas para a necessária análise das
decisões judiciais perante a plena efetividade e o respeito às liberdades de
expressão e cátedra, do pluralismo político e da autonomia
administrativa; sendo, portanto, cabível a ADPF.
Passo à análise do mérito da ação.
A liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio
democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE
WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional
Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD
DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-
americana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times
Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional
Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto
não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões,
crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no
sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva
(Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3;
S126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6).
A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo

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aspecto: o positivo, que é exatamente “o cidadão poder se manifestar como


bem entender”, e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado.
A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior
responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da
previsão do direito de resposta.
No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a
liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar
preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma
conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao
público, em especial no âmbito universitário, a respeito do qual a Carta
Magna é taxativa ao prever a autonomia universitária e garantir a
“liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento” e consagrar
o “pluralismo de ideias” (CF, art. 206 e 207).
O conteúdo dos atos impugnados é inconstitucional, pois consiste na
restrição, subordinação e forçosa adequação programática da liberdade
de expressão, liberdade de cátedra, autonomia universitária, e mesmo do
próprio direito de reunião, subordinando inúmeros preceitos
fundamentais da Carta Magna a uma interpretação extensiva de
mandamento normativo cerceador durante o período eleitoral (art. 37 da
Lei 9.504/1997), pretendendo diminuir a liberdade de opinião, a livre
multiplicidade de ideias e o legítimo debate político, com a nítida
finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento
crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de
ilegítima interferência estatal no direito individual de criticar os diversos
posicionamentos políticos.
O mandamento normativo cerceador durante o período eleitoral está
previsto no artigo 37 da Lei 9.504/97, vedando “a veiculação de propaganda
de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas,
estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados nos espaços indicados na
norma”.
A interpretação do referido dispositivo deve sempre ser realizada de
maneira absolutamente restritiva, pois é cerceadora do debate político e,
entendo, como já me manifestei diversas vezes no TSE, inclusive, existir a

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necessidade de refletirmos sobre o caráter paternalista da norma, que


parece não confiar plenamente na opção crítica do eleitor.
No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte-
Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do
agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado
pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em
uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais
importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of
the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland:
2000, capítulo 14, p. 429).
A censura judicial extrapolou e desrespeitou diretamente o princípio
democrático, a liberdade de expressão e a efetividade do debate político
universitário, pois a liberdade política termina e o poder público tende a
se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para
silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade.
A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 319;
HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central
meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D.
Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).
As autoridades públicas não têm, na advertência feita por
DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários
políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição
norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), não sendo lícito proibir
preventivamente a realização de aulas e palestras.
Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em
uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente
de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas
opiniões sobre os governantes ou candidatos ao mais alto cargo da
República, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava
o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a
necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na
formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática,
para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição, além da

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necessária fiscalização dos órgãos governamentais.


No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919),
OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do
mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna
imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a
existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das
diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou
ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo
Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência
acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California,
274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à
verdade”.
RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado
livre das ideias, destaca que:

“a proteção das expressões de crítica a ocupantes de


cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de
ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de
governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo
quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos
públicos.” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição
norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 324).

No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de


expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e
informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta
verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e
defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou
oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não
porque necessariamente sejam válidas, mas porque são extremamente
relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY
KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of
the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland:
2000, capítulo 14, p. 435).

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Todas as opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma


vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de
forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310
(1940), quoted 376 U.S at 271-72).
O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se
direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras,
admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas,
exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não
compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S
684, 688-89, 1959). Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão
sob a guarda dessa garantia constitucional.
A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos
julgados, que a liberdade de expressão:

“constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade


democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e
do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no
nº 2 do artigo 10º, ela vale não só para as «informações» ou
«ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas
ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam
ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o
espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade
democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada
no artigo 10º da Convenção, está submetida a excepções, as
quais importa interpretar restritivamente, devendo a
necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo
convincente. A condição de «necessário numa sociedade
democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência
litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa”
(ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J.
20 de outubro de 2009)

A Democracia não existirá e a livre participação política não


florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui
condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor

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estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.


Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o
livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS
E. M. MACHADO, ao afirmar que:

“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a


existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo
que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder
político atenda às preocupações, pretensões e reclamações
formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito
de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a
liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de
crítica e de responsabilização política das instituições
governativas junto da opinião pública e de reformulação das
políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário
a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao
contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da
esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81).

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público


previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas
ideias ou nos métodos, materiais e conteúdos programáticos de palestras
e aulas que ocorram nas Universidades, por tratar-se de insuportável e
ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.
O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto
respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de
opinião, de crítica política, a proliferação de informações, a circulação de
ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos –
moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos,
literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no
espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.
Não há nenhuma justificativa constitucional razoável para a
interrupção do pluralismo de ideias e do livre debate político nas
Universidades durante o período eleitoral.
São inconstitucionais, portanto, as condutas de autoridades públicas

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desrespeitosas à autonomia universitária e tendentes a constranger ou


inibir a liberdade de expressão, a liberdade de cátedra e o livre debate
político, realizado democraticamente e com respeito ao pluralismo de
ideias, no âmbito das Universidades, tradicionais centros autônomos de
defesa da Democracia e das Liberdades Públicas, conforme salientado em
NOTA OFICIAL assinada pelo eminente Diretor da Faculdade de Direito
do Largo de São Francisco (USP), professor FLORIANO AZEVEDO
MARQUES, que, juntamente com diversos alunos, não autorizou o
ingresso de agentes públicos que pretendiam retirar faixas no interior da
Faculdade:

"Há cinquenta anos estudantes desta Faculdade ocuparam


a escola para resistir à Ditadura. Há quarenta e um anos alunos,
professores e personalidades liam a Carta aos Brasileiros no
pátio de pedras. A São Francisco nunca se omitirá quando a
Democracia estiver desafiada. As diferentes opções ideológicas,
econômicas, políticas, de gênero, religião ou eleitorais devem
ser respeitadas. Muitas visões de mundo são possíveis. Mas na
Democracia há valores e princípios que são inegociáveis: a
liberdade do indivíduo, a intimidade, a dignidade do ser
humano, o direito à vida e à sua integridade física, o respeito às
diferenças, o compromisso com a verdade e com as eleições
periódicas, a liberdade de pensar e de se expressar. Democracia
não admite rupturas. Não admite atalhos. Não admite
intolerância. Repulsa o ódio e a violência. As Universidades,
desde o medievo, são espaços de liberdade de expressão e de
opinião, de debate e de manifestação. É inadmissível que se
violente a autonomia da Universidade e que se cerceie o debate
político no seu seio. É inaceitável que, sob o argumento de
proteger a lisura eleitoral, se implemente a censura a
manifestações de afirmação dos ideais democráticos. Disputa
eleitoral é uma coisa. Princípios democráticos não são
disputáveis. Muito menos derrogáveis. As práticas e palavras
dos homens públicos devem, sempre, deixar claro o
compromisso inarredável com os valores democráticos.

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Qualquer ameaça nos convocará sempre ao território livre do


Largo de São Francisco. Aqui estaremos quantas vezes for.
Nossa cidadela não foi invadida pela ditadura militar. Não será
por meio de intervenções supostamente institucionais. Ditadura
é Ditadura, Democracia é Democracia. Aqui ou alhures.
Sabemos quanto custou sair daquela. Sabemos quão preciosa é
esta. Deixemos de lado as divergências, fiquemos com o
essencial:
O Largo de São Francisco quer o Estado de Direito,
sempre!"

Diante do exposto, acompanho a eminente Ministra Relatora,


CARMEN LÚCIA, no sentido de, confirmando a cautelar, julgar
procedente a presente ADPF.
É como voto.

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15/05/2020 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 548


DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : PROCURADORA -GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 17ª ZONA ELEITORAL DE
CAMPINA GRANDE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 199ª ZONA ELEITORAL DO
RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 18ª ZONA ELEITORAL DE
MATO GROSSO DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL DO RIO
GRANDE DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 30ª ZONA ELEITORAL DE
BELO HORIZONTE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
AM. CURIAE. : ANDES - SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES
DAS INSTITUICOES DE ENSINO SUPERIOR
ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -
UNICAMP
ADV.(A/S) : LUCIANA ALBOCCINO BARBOSA CATALANO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO - CONTEE
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
ADV.(A/S) : JOELSON DIAS
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES
DAS UNIVERSIDADE BRASILEIRAS (FASUBRA -
SINDICAL)

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ADV.(A/S) : CLAUDIO SANTOS DA SILVA


AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDIFES
ADV.(A/S) : CLAUDISMAR ZUPIROLI
AM. CURIAE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADV.(A/S) : RODRIGO DE BITENCOURT MUDROVITSCH
AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PROFESSORES DE
UNIVERSIDADES FEDERAIS DE BELO HORIZONTE,
MONTES CLAROS E OURO BRANCO - APUBH
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO MAIS CIDADANIA
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE
ADV.(A/S) : ROOSEVELT ARRAES

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:

1. A alegação de ofensa a preceitos fundamentais: a utilização da arguição


de descumprimento, típica ação constitucional de perfil objetivo, como
instrumento de neutralização de abusos estatais

A presente arguição de descumprimento de preceito fundamental


foi ajuizada pela eminente Senhora Procuradora-Geral da República
objetivando “evitar e reparar lesão a preceitos fundamentais resultantes de
atos do Poder Público tendentes a executar ou autorizar buscas e apreensões,
assim como proibir o ingresso e interrupção de aulas, palestras, debates ou atos
congêneres e promover a inquirição de docentes, discentes e de outros cidadãos
que estejam em local definido como universidade pública ou privada“
(grifei).

Os atos ora questionados possuem, em síntese, o seguinte conteúdo


material:

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“– Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e


Associação de Docentes da UFCG (ADUFCG)

O Juiz Eleitoral da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande-PB


determinou Busca e Apreensão na sede da ADUFCG – Associação
de Docentes da Universidade Federal de Campina Grande, ‘com vistas
a BUSCA e APREENSÃO de panfletos, intitulados MANIFESTO
EM DEFESA DA DEMOCRACIA E DA UNIVERSIDADE
PÚBLICA, bem como outros materiais de campanha eleitoral em favor
do candidato a Presidente da República FERNANDO HADDAD
número 13 do PT’.
O referido manifesto foi assinado pela Associação e aprovado
pela categoria em Assembleia. A Universidade informou que
cinco Hds de computadores também foram apreendidos por agentes da
polícia'.
Buscas e apreensões também ocorreram na Universidade
Estadual da Paraíba – UEPB e na Associação de Docentes da UEPB.
em cumprimento a determinação do Juiz. Segundo o Presidente da
Associação, uma professora foi inquirida sobre a atividade
desenvolvida, a disciplina ministrada, o conteúdo e seu nome.

– Universidade Federal Fluminense – UFF

Em 23 de outubro de 2018, a Juíza Titular da 199ª Zona


Eleitoral do Rio de Janeiro, determinou busca e apreensão dos
materiais de propaganda eleitoral irregular porventura encontrados
nas Unidades da Universidade Federal Fluminense em Niterói,
sobretudo nos campus do Gragoatá e do Ingá.

– Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD

O Juiz Eleitoral, titular da 18ª Zona Eleitoral determinou à


notificação a Universidade da Grande Dourados/MS, na pessoa do
reitor ou seu representante legal, para que fosse proibida a aula
pública referente ao tema ‘Esmagar o Fascismo’ a ocorrer em

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25/10/2018 às 10h, nas dependências da universidade.


A aula foi iniciada, mas, após alguns discursos, foi interrompida
por agentes da Polícia Federal.
– Universidade Federal Fronteira do Sul — UFFS

O Juiz Eleitoral da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, em


razão de pedido de providências proposto pelo Ministério Público
Eleitoral em face da Universidade Federal Fronteira Sul – UFFS,
impediu a realização do evento político denominado ‘Assembleia Geral
Extraordinária contra o Fascismo, a Ditadura e o Fim da Educação
Pública’.

– Universidade Federal de São João Del Rei — UFSJ

A Juíza Eleitoral da 30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte,


determinou a notificação da Universidade Federal de São João Del Rei,
para que proceda a retirada do sítio da Universidade de nota em favor
dos princípios democráticos e contra a violência nas eleições
presidenciais de 2018, assinada pela Reitoria da Instituição.

Para além dos eventos já narrados, há relatos de


instituições que igualmente viram-se objeto de ações
congêneres, como, aparentemente,
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL –
UFRGS
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS – UCP
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO – UniRio
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UEPB
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFG
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO

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SUL – UFMS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO —
UFRJ
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO —
UFERSA
UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL
DE LUSOFONIA AFROBRASILEIRA – UNILABA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ – UNIFEI
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA
Cite-se que na Universidade Federal de Uberlândia – UFU
ocorreu a retirada de faixa com propaganda eleitoral colocada
do lado externo de uma das portarias do campus Santa
Mônica, pela Polícia Militar, após a Universidade ter levado o caso
ao conhecimento do Cartório Eleitoral de Uberlândia, não sendo
possível aferir se a determinação foi exarado do juiz da 278ª ou
279ª Zona Eleitoral.
Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ,
policiais promoveram a retirada de faixas em homenagem à vereadora
Marielle Franco, assassinada em março, e com as inscrições ‘Direito
Uerj Antifascismo’. Por sua vez, a Universidade informou que não
havia mandado judicial a autorizar as referidas ações.
Na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, campus de
Serrinha, foram retirados cartazes supostamente de apoio a candidato
a Presidência da República.” (grifei)

A Procuradoria-Geral da República sustenta, bem por isso, que tais


decisões judiciais, ao determinarem a intervenção policial em espaços
destinados ao ensino universitário público ou privado, seja para impedir a
realização de reuniões e debates previamente agendados, seja para
realizar a inquirição de pessoas ou a busca e apreensão de objetos
materiais, qualificam-se como atos estatais que teriam transgredido
“tanto o direito à livre manifestação do pensamento, à expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e à liberdade de
reunião (art. 5º-IV, IX e XVI da CF), como os princípios norteadores do
ensino (art. 206-II e III da CF) e as garantias institucionais que asseguram

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a autonomia universitária (art. 207 da CF)” (grifei).

A eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA, Relatora, por entender


cumulativamente presentes os requisitos concernentes à plausibilidade
jurídica do pedido e ao “periculum in mora”, concedeu, “ad referendum” do
Egrégio Plenário desta Suprema Corte, o provimento cautelar
requerido, para “suspender os efeitos de atos judiciais ou administrativos,
emanados de autoridade pública que possibilitem, determinem ou
promovam o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas,
o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou
manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar
docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela
prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes
universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades
públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos” (grifei).

Cabe acentuar que referida decisão, proferida, monocraticamente,


pela Ministra CÁRMEN LÚCIA, veio a ser ratificada pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, que referendou, integralmente, o provimento
cautelar deferido, nestes autos, pela eminente Relatora, em julgamento
que restou consubstanciado em acórdão assim ementado:

“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. ELEIÇÕES 2018: MANIFESTAÇÕES EM
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. ATOS DO PODER
PÚBLICO: BUSCAS E APREENSÕES. ALEGADO
DESCUMPRIMENTO A PRECEITOS FUNDAMENTAIS:
PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DEMONSTRADA. URGÊNCIA
QUALIFICADA CONFIGURADA. MEDIDA CAUTELAR
DEFERIDA E REFERENDADA.
1. Adequada a utilização da arguição de descumprimento de
preceito fundamental porque respeitado o princípio da subsidiariedade
e processualmente viável a impugnação, por seu intermédio, de

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decisões judiciais ou de interpretações judiciais de textos normativos


constitucionais.
2. Suspensos os efeitos de atos judiciais ou administrativos,
emanados de autoridade pública que possibilitem, pelos quais se
determinem ou promovam o ingresso de agentes públicos em
universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a
interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes
universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta
irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação
livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes
universitários.
3. Pluralismo não é unanimidade, impedir a manifestação do
diferente e à livre manifestação de todas as formas de apreender,
aprender e manifestar a sua compreensão de mundo é algemar as
liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia.
4. O pluralismo de ideias está na base da autonomia
universitária como extensão do princípio fundante da democracia
brasileira, que é exposta no inc. V do art. 1º da Constituição da
República.” (grifei)

Sendo esse o contexto, observo, preliminarmente, que o tema ora em


julgamento assume magnitude inquestionável, pois envolve alegação de
ofensa a postulados essenciais – o postulado da liberdade de expressão, da
liberdade de reunião e da autonomia universitária – que constituem nota
qualificadora de uma sociedade e de um Estado fundados em bases
democráticas.

A eminente Senhora Procuradora-Geral da República, ao


ajuizar a presente ação constitucional, busca viabilizar a proteção
jurisdicional desta Corte Suprema em ordem a proteger duas liberdades
individuais de caráter fundamental: de um lado, a liberdade de
reunião e, de outro, o direito à livre manifestação do pensamento,
em cujo núcleo acham-se compreendidos os direitos de crítica, de protesto,
de discordância, de ensino, pesquisa e divulgação do pensamento
e do saber, além da prerrogativa de promover a livre circulação

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de ideias.

Na realidade, a eminente Senhora Procuradora-Geral da República


descreve comportamentos autoritários de agentes estatais, inclusive
vinculados aos organismos policiais e ao aparelho judiciário, praticados
sob pretexto de cumprimento da legislação eleitoral, que culminaram
por impedir reuniões, palestras, seminários e manifestações sobre temas
políticos, ao mesmo tempo em que denuncia a ocorrência – que se tem
revelado extremamente perigosa, na história dos Povos, para o regime das
liberdades fundamentais do cidadão – de típica (e grave) hipótese de conflito
entre o poder do Estado e o direito de qualquer pessoa à livre manifestação
do pensamento, notadamente no centro do seu saber, que é a
Universidade, espaço por excelência de livre difusão das ideias e de
debate crítico em torno de pensamentos e doutrinas, muitas das quais em
relação de antagonismo.

A Senhora Chefe do Ministério Público da União, ao deduzir a


impugnação que formulou, enfatiza a necessidade – que tenho por
inteiramente configurada – de “(...) reafirmar o entendimento de que os atos do
Poder Público tendentes a executar ou autorizar buscas e apreensões, assim
como proibir o ingresso e interrupção de aulas, palestras, debates ou atos
congêneres e promover a inquirição de docentes, discentes e de outros cidadãos
que estejam em local definido como universidade pública ou privada causam
grave lesão a preceitos fundamentais” (grifei).

Com efeito, a Senhora Procuradora-Geral da República, ao


sintetizar os fatos subjacentes à presente ação constitucional, assinala
que “essa arguição de descumprimento de preceito fundamental foi interposta
para garantir a liberdade de expressão e de reunião de estudantes e de professores
no ambiente das universidades públicas brasileiras (...)”, especialmente em
razão de decisões emanadas de juízes eleitorais “(...) que determinaram a
busca e apreensão de materiais de campanha eleitoral em universidades e nas
dependências das sedes de associações de docentes, proibiram aulas com

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temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política e impuseram a


interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas
eleições gerais de 2018, em ambiente virtual ou físico de universidades federais
e estaduais” (grifei).

Disso resulta, segundo penso, clara transgressão à liberdade de


expressão, ao direito de reunião, à liberdade de exercício da
atividade intelectual, ao direito de aprender, de ensinar, de pesquisar e
de divulgar o pensamento, que há de ser necessariamente plural em uma
sociedade democrática, além de configurar ofensa à própria autonomia
universitária, tal como enunciada no art. 207 da Constituição da
República.

2. O direito de reunião e a liberdade de manifestação do pensamento:


dois importantes precedentes do Supremo Tribunal Federal

Tenho para mim que o Supremo Tribunal Federal defronta-se, no caso,


com um tema de magnitude inquestionável, que concerne ao exercício de
duas das mais importantes liberdades públicas – a liberdade de expressão e a
liberdade de reunião – que as declarações constitucionais de direitos e as
convenções internacionais – como a Declaração Universal dos Direitos da
Pessoa Humana (Artigos XIX e XX), a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Arts. 13 e 15) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(Artigos 19 e 21) – têm consagrado no curso de um longo processo de
desenvolvimento e de afirmação histórica dos direitos fundamentais
titularizados pela pessoa humana.

É importante enfatizar, no ponto, tal como tive o ensejo de assinalar


em estudo sobre “O Direito Constitucional de Reunião” (RJTJSP, vol. 54/19-
-23, 1978, Lex Editora), que a liberdade de reunião traduz meio
vocacionado ao exercício do direito à livre expressão das ideias,
configurando, por isso mesmo, um precioso instrumento de concretização

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da liberdade de manifestação do pensamento, nela incluído, entre outros,


o insuprimível direito de protestar e, também, o de ensinar e divulgar
ideias.

Impõe-se, desse modo, ao Estado, em uma sociedade estruturada sob


a égide de um regime democrático, o dever de respeitar a liberdade de
reunião (de que são manifestações expressivas o comício, o desfile, a
procissão e a passeata), que constitui prerrogativa essencial dos cidadãos,
normalmente temida pelos regimes despóticos ou ditatoriais, que não
hesitam em golpeá-la, para asfixiar, desde logo, o direito de protesto, de
crítica e de discordância daqueles que se opõem à prática autoritária do
poder.

Guardam impressionante atualidade, sob tal aspecto, as palavras que


RUY BARBOSA, amparado por decisão desta Corte, proferiu, em 12 de
abril de 1919, no Teatro Politeama, em Salvador, durante campanha
presidencial por ele disputada, em conferência cuja realização só se
tornou possível em virtude de “habeas corpus” que o Supremo Tribunal
Federal lhe concedera, tanto em seu favor quanto em benefício de seus
correligionários, assegurando-lhes o pleno exercício da liberdade de reunião
e do direito à livre manifestação do pensamento, indevidamente cerceados
por autoridades estaduais que buscavam impedir que o grande político,
jurisconsulto e Advogado brasileiro divulgasse a sua mensagem e
transmitisse as suas ideias ao povo daquele Estado, com o objetivo de
conquistar seguidores e de conseguir adesões em prol de sua causa,
valendo reproduzir, no ponto, a seguinte passagem daquele
pronunciamento:

“Venho, senhores, de Minas, venho de S. Paulo (...). De S. Paulo


e Minas, onde pude exercer desassombradamente os direitos
constitucionais, as liberdades necessárias de reunião e palavra,

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franquias elementares da civilização em tôda a cristandade. De


Minas e S. Paulo, cujos governos, contrários ambos à minha
candidatura, nenhum obstáculo suscitaram ao uso dessas
faculdades essenciais a tôdas as democracias, a tôdos os regimens
de moralidade e responsabilidade: antes abriram, em volta dos
comícios populares, em tôrno da tribuna pública, um círculo de
segurança e respeito, em que as nossas convicções se sentiam
confiadas nos seus direitos e os nossos corações orgulhosos do seu país.
De S. Paulo e Minas, em suma, onde o respeito da autoridade ao povo,
e a consideração do povo para com a autoridade, apresentavam o
espetáculo da dignidade de uma nação obediente às suas leis e
governada pela soberania.
…...................................................................................................
Venho dêsses dois grandes Estados, para uma visita a êste
outro não menor do que êles na sua história, nas virtudes cívicas
dos seus habitantes, nos costumes da sua vida social, venho, também,
a convite da sua população; e, com que diversidade, com que
contraste, com que antítese me encontro! Aqui venho dar com o
direito constitucional de reunião suspenso. Por quem? Por uma
autoridade policial. Com que direito? Com o direito da fôrça. Sob
que pretexto? Sob o pretexto de que a oposição está em revolta, isto
é, de que, contra o govêrno, o elemento armado e o Tesouro juntos
estão em rebeldia os inermes, as massas desorganizadas e as classes
conservadoras.
Banido venho encontrar, pois, o direito de reunião,
ditatorialmente banido. Mas, ao mesmo tempo, venho encontrar
ameaçada, também soberanamente, de proscrição a palavra, o
órgão do pensamento, o instrumento de comunicação do indivíduo
com o povo, do cidadão com a pátria, do candidato com o eleitorado.
Ameaçada, como? Com a resolução, de que estamos intimados
pelo situacionismo da terra, com a resolução, que, em tom de guerra
aberta, nos comunicaram os nossos adversários, de intervir em
tôdas as nossas reuniões de propaganda eleitoral, opondo-se à nossa
linguagem (…).
.......................................................................................................
Mas, senhores, os comícios populares, os ‘meetings’, as

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assembléias livres dos cidadãos, nas praças, nos teatros, nos


grandes recintos, não são invento brasileiro, muito menos desta
época (...). São usos tradicionais das nações anglo-saxônicas, e das
outras nações livres. Tiveram, modernamente, a sua origem nas
Ilhas Britânicas, e nos Estados Unidos. Dessa procedência é que os
recebemos. Recebemo-los tais quais eram. Com êles cursamos a
nossa prática do direito de reunião. Com êles, debaixo do
regímen passado, associamos a colaboração pública à reforma
eleitoral, apostolamos e conseguimos a extinção do cativeiro. Com
eles, neste regímen, não pouco temos alcançado para cultura
cívica do povo. (...).
.......................................................................................................
(...) O direito de reunião não se pronuncia senão
congregando acêrca de cada opinião o público dos seus
adeptos.
A liberdade da palavra não se patenteia, senão juntando
em tôrno de cada tribuna os que bebem as suas convicções na
mesma fonte, associam os seus serviços no mesmo campo, ou
alistam a sua dedicação na mesma bandeira. A igualdade no
direito está, para as facções, para as idéias, para os indivíduos, no
arbítrio, deixado a todos sem restrição, de congregar cada qual os
seus correligionários, de juntar cada qual os seus comícios, de
levantar cada qual o seu apêlo, no lugar da sua conveniência, na
ocasião da sua escolha, nas condições do seu agrado, mas
separadamente, mas distintamente, mas desafrontadamente, cada um,
a seu talante, na cidade, na rua, no recinto, que eleger, sem se
encontrarem, sem se tocarem; porque o contacto, o encontro, a
mistura, acabariam, necessàriamente, em atrito, em invasão,
em caos.” (grifei)

O alto significado que o direito de reunião assume nas


sociedades democráticas foi acentuado, em tempos mais recentes, pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
ADI 1.969/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, quando esta
Corte, em sessão de 28/06/2007, declarou a inconstitucionalidade do

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Decreto nº 20.098/99, editado pelo Governador do Distrito Federal,


que vedava “a realização de manifestações públicas, com a utilização de carros,

aparelhos e objetos sonoros”, em determinados locais públicos, como


a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios, em decisão que
restou consubstanciada em acórdão assim ementado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


DECRETO 20.098/99, DO DISTRITO FEDERAL. LIBERDADE
DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA.
LIMITAÇÕES. OFENSA AO ART. 5º, XVI, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
I. A liberdade de reunião e de associação para fins lícitos
constitui uma das mais importantes conquistas da civilização,
enquanto fundamento das modernas democracias políticas.
II. A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto
distrital 20.098/99, a toda evidência, mostra-se inadequada,
desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade
da Constituição (‘Wille zur Verfassung’).
III. Ação direta julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade do Decreto distrital 20.098/99.” (grifei)

Cabe rememorar, bem por isso, a importantíssima decisão, por mim


anteriormente mencionada, que esta Suprema Corte proferiu há 99
(noventa e nove) anos, em 1919, nos autos do HC 4.781/BA, Rel.
Min. EDMUNDO LINS, em cujo âmbito se buscava garantir, em favor de
diversos pacientes, inclusive de Ruy Barbosa, o exercício do direito de
reunião (e, também, porque a este intimamente vinculado, o de livre
manifestação de crítica ao Governo e ao sistema político, bem assim o
direito de livremente externar posições, inclusive de não conformismo, sobre
qualquer assunto), em comícios ou em encontros realizados em prol da
candidatura oposicionista de RUY, que se insurgia, uma vez mais, contra
as oligarquias políticas que dominaram a vida institucional do Estado
brasileiro ao longo da Primeira República.

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Nesse julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal


concedeu ordem de “habeas corpus” em favor de RUY BARBOSA e de
diversos outros pacientes, proferindo, então, decisão que assim foi
resumida pela eminente Dra. LÊDA BOECHAT RODRIGUES (“História
do Supremo Tribunal Federal”, vol. III/204-205, 1991, Civilização
Brasileira):

“A Constituição Federal expressamente preceitua que a


todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas,
não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.
Em qualquer assunto, é livre a manifestação do pensamento,
por qualquer meio, sem dependência de censura, respondendo cada
um, na forma legal, pelos danos que cometer. Não se considera
sedição ou ajuntamento ilícito a reunião (pacífica e sem armas) do
povo para exercitar o direito de discutir e representar sobre os
negócios públicos. À Polícia não assiste, de modo algum, o
direito de localizar ‘meetings’ e comícios. Não se concede
‘habeas-corpus’ a indivíduo não indicado nominalmente no pedido.”
(grifei)

A inquestionável relevância desse julgado, essencial à compreensão


da posição desta Suprema Corte em torno dos direitos fundamentais de
reunião e de livre manifestação do pensamento, revelada sob a égide
de nossa primeira Constituição republicana, impõe que se relembrem,
por expressivas, algumas de suas passagens mais notáveis:

“Efetivamente, depois de assegurar a todos os indivíduos o


direito de se reunirem livremente e sem armas, o legislador
constituinte definiu muito bem, a respeito, a função preventiva da
polícia, ‘verbis’ ‘não podendo intervir a polícia senão para manter a
ordem pública’ (art. 72, § 8º).
.......................................................................................................
Não pode também a polícia localizar os ‘meetings’ ou
determinar que só em certos lugares é que eles se podem efetuar, se

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forem convocados para fins lícitos, como na espécie:

1.º) porque isto importaria, afinal, em suprimi-los,


pois bastaria que ela designasse lugares, ou sem a capacidade
necessária à maior aglomeração de pessoas, ou habitualmente
freqüentados, apenas, por indivíduos de baixa classe, azevieiros
ou frascários;
2.º) porque ninguém pode ser obrigado a deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei (Const. Fed.,
art. 72, § 1º.); ora, não há lei alguma que prescreva que só se
efetuem comícios em lugares previamente fixados pela polícia; e,
ao contrário, o que a lei vigente preceitua é que ‘não se
considera sedição, ou ajuntamento ilícito, a reunião do povo
desarmado, em ordem, para o fim de representar contra as
injustiças, vexações e mal procedimento dos empregados
públicos; nem a reunião pacífica e sem armas de povo nas
praças públicas, teatros e quaisquer outros edifícios ou lugares
convenientes para exercer o direito de discutir e representar
sobre os negócios públicos. Para o uso dessa faculdade,
não é necessária prévia licença da autoridade policial, que só
poderá proibir a reunião anunciada no caso de suspensão das
garantias constitucionais, limitada, em tal caso, na ação de
dissolver a reunião, guardadas as formalidades da lei e sob as
penas nela cominadas’ (Cod. Penal, art. 123 e parágrafo único).

Ora, não nos achamos com as garantias constitucionais


suspensas.
E, entretanto, o sr. Governador da Bahia expediu ao sr.
Presidente da República um telegrama, em que lhe participa, com a mais
cândida ingenuidade e como a coisa mais natural deste mundo e mais
legal, que ‘o seu chefe de Polícia, dr. Alvaro Cóva, resolveu proibir o
‘meeting’ anunciado para hoje, em que devia falar o dr. Guilherme de
Andrade, a favor do Senador Epitácio Pessôa, e também quaisquer outros
que fossem anunciados’ (Jornal do Comércio, de 27 de março de 1919, a
fls.).
.......................................................................................................

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‘O dr. secretário da Polícia e Segurança Pública, a bem da ordem,


deliberou não consentir na realização do meeting na Praça Rio Branco,
que para hoje anunciou o sr. dr. Guilherme de Andrade, bem como
qualquer que for convocado, não só para aquele local como para

qualquer outro ponto, que embarace o trânsito e perturbe a


tranqüilidade pública’ (fl.).
E ainda, em resposta às informações ora pedidas por este
Tribunal, o dr. Governador da Bahia, depois de se referir aos
sucessos do dia 25 de março, na praça Rio Branco, acrescenta que:
‘Secretário Segurança Pública resolveu não consentir realização
comício na referida praça e em outras em idênticas circunstâncias’
(fl.): é a prova provada do abuso do poder, da flagrante
ilegalidade do procedimento do chefe de Polícia da Bahia e, pois, da
violência iminente, temida pelo impetrante, assim, pois;
Considerando que a Constituição Federal expressamente
preceitua que ‘a todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente
e sem armas, não podendo intervir a polícia senão para manter a
ordem pública.’ (Art. 72, § 8º);
Considerando que, em qualquer assunto, é livre a manifestação
de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de
censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela
forma que a lei determina. (Art. supra citado, § 12);
Considerando que ‘não se considera sedição ou ajuntamento ilícito
a reunião pacífica e sem armas do povo nas praças públicas, teatros
e quaisquer outros edifícios ou lugares convenientes para exercer o
direito de discutir e representar sobre os negócios públicos.’ (Cod.
Penal, art. 123), exatamente o fim para que é impetrado o presente
‘habeas corpus’;
Considerando, finalmente, que à polícia não assiste, de
modo algum, o direito de localizar ‘meetings’ ou comícios; porque,
para o uso dessa faculdade (a supra transcrita), não é necessária
prévia licença da autoridade policial, que só poderá proibir a
reunião anunciada, no caso de suspensão das garantias
constitucionais, (o que se não verifica na espécie) e ainda em tal caso,

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‘limitada a sua ação a dissolver a reunião, guardadas as formalidades


da lei e sob as penas nela cominadas.’ (Cod. Penal, parágrafo único do
art. 123, supra transcrito).

Acordam, em Supremo Tribunal Federal, nos termos supra,


conceder a presente ordem de ‘habeas corpus’ ao sr. senador Ruy
Barbosa e a todos os indivíduos mencionados nominalmente na
petição de fls. 2 e no princípio deste Acórdão, para que possam
exercer, na capital do Estado da Bahia e em qualquer parte dele, o
direito de reunião, e mais, publicamente, da palavra nas praças,
ruas, teatros e quaisquer recintos, sem obstáculos de natureza
alguma, e com segurança de suas vidas e pessoas, realizando os
comícios que entenderem necessários e convenientes à propaganda da
candidatura do impetrante à sucessão do Presidente da República,
sem censura e sem impedimento de qualquer autoridade local ou da
União.” (grifei)

É importante registrar, por isso mesmo, nas palavras do saudoso e


eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO (“O Supremo Tribunal
Federal, esse outro desconhecido”), o caráter de significativa relevância
que assumiu o julgamento que venho de mencionar, quando da concessão,
por esta Suprema Corte, da ordem de “habeas corpus” que garantiu,
aos cidadãos da República, no contexto histórico das já referidas eleições de
1919, o pleno exercício das liberdades fundamentais de reunião e de
manifestação do pensamento:

“Dos longes do passado remoto, ligo o Supremo Tribunal


Federal às reminiscências de meus 13 anos de idade, na Bahia.
Minha velha cidade entrara em ebulição com a campanha
presidencial de RUI BARBOSA e de EPITÁCIO PESSOA, em
1919. Tombaram gravemente feridos à bala, num comício,
MEDEIROS NETTO e SIMÕES FILHO. PEDRO LAGO escapou,
mas sofreu violências outras dos sicários. As vítimas eram amigos
políticos e pessoais de meu pai e de meu avô. O meu irmão mais velho,
ainda estudante de Direito, trabalhava no jornal oposicionista, alvo

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das ameaças policiais. Tudo isso aqueceu a atmosfera em nossa casa.


Aliás, a Bahia tôda ardia em febre partidária. Para os ruistas,
tratava-se dum apostolado cívico e não duma querela de
facções.

Temia-se pela vida do próprio RUI quando viesse a fim de


pronunciar a conferência anunciada para breve. Suspeitava-se
também do govêrno da República, porque afrontosamente mandara a
fôrça federal desagravar a bandeira do edifício dos Correios, sob
pretexto de que recebera ultraje dos partidários do candidato baiano.
Nesse clima eletrizado, caiu como um raio a notícia de
que o Supremo Tribunal Federal concedera a RUI e seus
correligionários ordem de ‘habeas corpus’, para que se pudessem
locomover, e reunir em comício. Notou-se logo a mudança de
atitude da polícia local, que, murcha, abandonou a atitude de
provocação. RUI desembarcou dum navio e o povo exigiu que o carro
fôsse puxado à mão, ladeiras acima, cêrca de 10 km, até o bairro da
Graça, em meio ao maior delírio da massa que já presenciei. Assisti à
saudação que lhe dirigiu, em nome da Bahia, no meio ao trajeto, o
velho CARNEIRO RIBEIRO, de barbas brancas ao vento.
Não se via um soldado, nem um guarda civil nas ruas.
Se um seabrista tentava provocar incidentes, logo alguém intervinha
para ‘não perdermos a razão no Supremo Tribunal’. A população
prêsa da exaltação partidária mais viva manteve a maior
rigorosa ordem, durante dias sem policiamento, a despeito das
expansões emocionais.
Ouvi, sem perder uma palavra, ao lado de meu pai, no
Politeama baiano, a longa conferência do maior dos brasileiros,
interrompida, de minuto a minuto, por tempestades de aplausos.
Logo, nos primeiros momentos, Rui entoou um hino ao Supremo
Tribunal, que possibilitara a todos o exercício do direito de
reunião pacífica naquele momento. Rompeu um côro ensurdecedor de
vivas à Côrte egrégia. Foi assim que tomei consciência do
Supremo Tribunal Federal e de sua missão de sentinela das
liberdades públicas, vinculando-o a imagens imperecíveis na
minha memória. E também na minha saudade.” (grifei)

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Tais palavras, Senhores Minisros, mostram a reverência e a


veneração que RUY, ALIOMAR BALEEIRO e os defensores da causa da
liberdade sempre dedicaram a esta Suprema Corte, nela reconhecendo o
caráter de uma instituição essencialmente republicana, fiel depositária
do altíssimo mandato constitucional que lhe foi atribuído pelos
Fundadores da República, que confiaram, a este Tribunal, a condição
eminente de guardião da autoridade, de protetor da intangibilidade e de
garante da supremacia da Lei Fundamental.

As decisões que venho de referir – uma, pronunciada sob a égide da


Constituição republicana de 1891 (HC 4.781/BA, Rel. Min. EDMUNDO
LINS), e outra, proferida sob a vigente Constituição promulgada em 1988
(ADI 1.969/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI) – bem refletem,
ainda que as separe um espaço de tempo de quase um século, o mesmo
compromisso desta Suprema Corte com a preservação da integridade
das liberdades fundamentais que amparam as pessoas contra o arbítrio
do Estado.

Na realidade, esses julgamentos revelam o caráter eminente da


liberdade de reunião, destacando-lhe o sentido de instrumentalidade de que
ele se reveste, ao mesmo tempo em que enfatizam a íntima conexão que
existe entre essa liberdade jurídica e o direito fundamental à livre
manifestação do pensamento.

O Supremo Tribunal Federal, em ambos os casos, deixou claramente


consignado que o direito de reunião, enquanto direito-meio, atua em sua
condição de instrumento viabilizador do exercício da liberdade de
expressão, qualificando-se, por isso mesmo, sob tal perspectiva, como
elemento apto a propiciar a ativa participação da sociedade civil, mediante
exposição de ideias, opiniões, propostas, críticas e reivindicações, no
processo de tomada de decisões em curso nas instâncias de Governo.

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É por isso que esta Suprema Corte sempre teve a nítida percepção
de que há, entre as liberdades clássicas de reunião e de manifestação do
pensamento, de um lado, e o direito de participação dos cidadãos na vida
política do Estado, de outro, um claro vínculo relacional, de tal modo que

passam eles a compor um núcleo complexo e indissociável de liberdades e de


prerrogativas político-jurídicas, o que significa que o desrespeito ao
direito de reunião, por parte do Estado e de seus agentes, traduz, na
concreção desse gesto de arbítrio, inquestionável transgressão às demais
liberdades cujo exercício possa supor, para realizar-se, a incolumidade do
direito de reunião, tal como sucede quando autoridades públicas impedem
que os cidadãos manifestem, pacificamente, sem armas, em passeatas,
marchas ou encontros realizados em espaços públicos, as suas ideias e a sua
pessoal visão de mundo, para, desse modo, propor soluções, expressar o
seu pensamento, exercer o direito de petição e, mediante atos de
proselitismo, conquistar novos adeptos e seguidores para a causa que
defendem.

A Universidade, desse modo, desde que respeitado o direito de


reunião, passa a ser o espaço, por excelência, do debate, da persuasão
racional, do discurso argumentativo, da transmissão de ideias, da
veiculação de opiniões, enfim, o local ocupado pelos alunos, pelos
professores e pelo povo converte-se naquele espaço mágico em que as
liberdades fluem e florescem sem indevidas restrições governamentais.

Não foi por outra razão, Senhor Presidente, que o eminente


Ministro MARCO AURÉLIO, quando do julgamento do pedido de
medida cautelar na ADI 1.969/DF, ao fundamentar a concessão do
provimento liminar, pôs em destaque a indestrutível ligação que existe
entre as liberdades públicas cuja proteção jurisdicional é requerida, uma
vez mais, a esta Suprema Corte:

“(...) o direito de reunião previsto no inciso XVI está

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associado umbilicalmente a outro da maior importância em


sociedades que se digam democráticas: o ligado à manifestação do
pensamento.” (grifei)

Idêntica percepção foi revelada, no julgamento final da


ADI 1.969/DF, pelo eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI,
Relator:

“(...) Na verdade, o Decreto distrital 20.098/99


simplesmente inviabiliza a liberdade de reunião e de
manifestação, logo na Capital Federal, em especial na emblemática
Praça dos Três Poderes, ‘local aberto ao público’, que, na concepção do
genial arquiteto que a esboçou, constitui verdadeiro símbolo de
liberdade e cidadania do povo brasileiro.
Proibir a utilização ‘de carros, aparelhos e objetos sonoros’,
nesse e em outros espaços públicos que o Decreto vergastado
discrimina, inviabilizaria, por completo, a livre expressão do
pensamento nas reuniões levadas a efeito nesses locais, porque as
tornaria emudecidas, sem qualquer eficácia para os propósitos
pretendidos.” (grifei)

3. A liberdade de expressão como um dos direitos fundamentais mais


preciosos dos cidadãos

A Senhora Procuradora-Geral da República, após sustentar a


ocorrência de transgressão ao direito de reunião, suscita outra questão
que igualmente assume magnitude inquestionável, pois envolve
alegação de ofensa a um postulado essencial – o postulado da liberdade de
expressão – que constitui nota qualificadora de uma sociedade e de um
Estado fundados em bases democráticas.

Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão,


de comunicação e de informação, mostrando-se inaceitável qualquer
deliberação estatal, cuja execução importe em controle do pensamento

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crítico, com o consequente comprometimento da ordem democrática.

É por isso que o acesso à informação – que também se exterioriza em


palestras, seminários, debates e encontros realizados no curso do processo
eleitoral – qualifica-se como objetivo primacial de uma sociedade livre e
democrática!

Essa estranha (e preocupante) tentação autoritária de interferir, de


influenciar e de cercear a comunicação social, especialmente quando
destinada aos mestres e professores, não pode ser tolerada nem admitida
por esta Suprema Corte.

O alto significado da liberdade de manifestação do pensamento,


notadamente nos espaços universitários, reside no fato, em tudo relevante, de
que a liberdade de expressão, que se acha positivada na declaração
constitucional de direitos, representa elemento fundamental de garantia da
integridade do regime democrático e de preservação de sua própria
existência.

Sabemos que a liberdade de manifestação do pensamento, revestida


de essencial transitividade, destina-se a proteger qualquer pessoa cujas
opiniões possam, até mesmo, conflitar com as concepções prevalecentes,
em determinado momento histórico, no meio social, impedindo que incida
sobre ela, por conta e efeito de suas convicções, não obstante minoritárias,
qualquer tipo de restrição de índole política ou de natureza jurídica, pois
todos hão de ser igualmente livres para exprimir ideias, ainda que estas
possam insurgir-se ou revelar-se em desconformidade frontal com a linha de
pensamento dominante no âmbito da coletividade.

As ideias, ninguém o desconhece, podem ser fecundas, libertadoras,


transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias e subversivas, provocando
mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então

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estabelecidos nas formações sociais.

É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo


compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições
políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento não seja reprimido e,
o que se mostra fundamental, para que as ideias possam florescer, sem
indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de
sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize,
pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções
antagônicas, a concretização de valores essenciais à configuração do
Estado democrático de direito: o respeito ao pluralismo político e à
tolerância.

Daí a essencialidade de propiciar-se a livre circulação de ideias, eis


que tal prerrogativa individual (e também coletiva) representa um signo
inerente às formações democráticas que convivem com a diversidade,
vale dizer, com pensamentos antagônicos que se contrapõem, em
permanente movimento dialético, a padrões, convicções e opiniões que
exprimem, em dado momento histórico-cultural, o “mainstream”, ou seja, a
corrente dominante em determinada sociedade.

Em uma palavra: o direito de criticar, de opinar e de dissentir, qualquer


que seja o meio de sua veiculação, ainda mais quando manifestado no
ambiente universitário, representa irradiação das liberdades do
pensamento, de extração eminentemente constitucional.

4. Um exemplo histórico de defesa da autonomia universitária: o discurso


de Miguel de Unamuno, Reitor da Universidade de Salamanca, no início da
Guerra Civil espanhola

Que nunca mais se ouça, Senhores Ministros, nos espaços

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universitários, o grito sinistro de “Viva a morte, abaixo a inteligência”,


lançado, em 12/10/1936, por um General falangista adepto incondicional
de Francisco Franco, em aberto desafio ao grande poeta e Reitor da
Universidade de Salamanca, Dom Miguel de Unamuno, que, hostilizado
pelos inúmeros franquistas ali presentes, respondeu, com altivez e
dignidade, no que seria seu último discurso, à provocação atrevida e
insensata do General fascista que o desafiara, dizendo: “Agora mesmo ouvi
um grito necrófilo e insensato, ‘Viva a morte’. Eu devo dizer-lhes que considero
repulsivo esse esdrúxulo paradoxo (…). Estamos no templo da sabedoria e da
inteligência. E, nele, eu sou o seu sumo sacerdote. São vocês que profanam esses
espaços sagrados [são os espaços da Universidade]. Vocês vão vencer porque
têm mais que o necessário de força bruta. Mas vocês não convencerão. Pois, para
convencer, é preciso persuadir. E, para persuadir, vocês necessitarão o que não
têm: razão e justiça na luta”.

Com essa resposta, o grande filósofo e poeta espanhol Miguel de


Unamuno, em sua alta condição de Reitor de uma das mais antigas
Universidades europeias, celebrou a liturgia do triunfo do Bem sobre o
mal, da inteligência sobre a irracionalidade, da civilização sobre a
barbárie e do pensamento livre e crítico sobre a intolerância e a tirania
que regimes despóticos costumam impor sobre a mente humana.

Esse corajoso discurso, na realidade, representou a defesa da própria


autonomia universitária em plena Guerra Civil espanhola e significou –
como assinala Severiano Delgado Cruz (“Arqueologia de um Mito: o ato
de 12 de outubro de 1936 na palavra do Paraninfo da Universidade de
Salamanca”) – “a alta expressão simbólica da vitória da inteligência sobre a
morte, dos valores republicanos e democráticos sobre o militarismo fascista”.

Bastante expressiva, também, a esse respeito, foi a decisão que o


Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu, por unanimidade, no
julgamento da ADPF 187/DF, de que fui Relator, que restou
consubstanciado, no ponto ora em exame, em acórdão assim ementado:

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“(…) A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO UM DOS


MAIS PRECIOSOS PRIVILÉGIOS DOS CIDADÃOS EM UMA
REPÚBLICA FUNDADA EM BASES DEMOCRÁTICAS – O
DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO:
NÚCLEO DE QUE SE IRRADIAM OS DIREITOS DE CRÍTICA,
DE PROTESTO, DE DISCORDÂNCIA E DE LIVRE
CIRCULAÇÃO DE IDEIAS – (…) – DISCUSSÃO QUE DEVE
SER REALIZADA DE FORMA RACIONAL, COM RESPEITO
ENTRE INTERLOCUTORES E SEM POSSIBILIDADE
LEGÍTIMA DE REPRESSÃO ESTATAL, AINDA QUE
AS IDEIAS PROPOSTAS POSSAM SER CONSIDERADAS,
PELA MAIORIA, ESTRANHAS, INSUPORTÁVEIS,
EXTRAVAGANTES, AUDACIOSAS OU INACEITÁVEIS – O
SENTIDO DE ALTERIDADE DO DIREITO À LIVRE
EXPRESSÃO E O RESPEITO ÀS IDEIAS QUE CONFLITEM
COM O PENSAMENTO E OS VALORES DOMINANTES NO
MEIO SOCIAL – CARÁTER NÃO ABSOLUTO DE REFERIDA
LIBERDADE FUNDAMENTAL (CF, art. 5º, incisos IV, V e X;
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
Art. 13, § 5º) – A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À
LIBERDADE DE PENSAMENTO COMO SALVAGUARDA
NÃO APENAS DAS IDEIAS E PROPOSTAS PREVALECENTES
NO ÂMBITO SOCIAL, MAS, SOBRETUDO, COMO AMPARO
EFICIENTE ÀS POSIÇÕES QUE DIVERGEM, AINDA QUE
RADICALMENTE, DAS CONCEPÇÕES PREDOMINANTES
EM DADO MOMENTO HISTÓRICO-CULTURAL, NO
ÂMBITO DAS FORMAÇÕES SOCIAIS – O PRINCÍPIO
MAJORITÁRIO, QUE DESEMPENHA IMPORTANTE PAPEL
NO PROCESSO DECISÓRIO, NÃO PODE LEGITIMAR A
SUPRESSÃO, A FRUSTRAÇÃO OU A ANIQUILAÇÃO DE
DIREITOS FUNDAMENTAIS, COMO O LIVRE EXERCÍCIO
DO DIREITO DE REUNIÃO E A PRÁTICA LEGÍTIMA DA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SOB PENA DE
COMPROMETIMENTO DA CONCEPÇÃO MATERIAL DE
DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL – A FUNÇÃO

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CONTRAMAJORITÁRIA DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO – INADMISSIBILIDADE DA ‘PROIBIÇÃO ESTATAL
DO DISSENSO’ – NECESSÁRIO RESPEITO AO DISCURSO

ANTAGÔNICO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE CIVIL,


COMPREENDIDA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO QUE
DEVE VALORIZAR O CONCEITO DE ‘LIVRE MERCADO DE
IDEIAS’ – O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DO ‘FREE
MARKETPLACE OF IDEAS’ COMO ELEMENTO
FUNDAMENTAL E INERENTE AO REGIME DEMOCRÁTICO
(AC 2.695-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO) –
A IMPORTÂNCIA DO CONTEÚDO ARGUMENTATIVO DO
DISCURSO FUNDADO EM CONVICÇÕES DIVERGENTES –
A LIVRE CIRCULAÇÃO DE IDEIAS COMO SIGNO
IDENTIFICADOR DAS SOCIEDADES ABERTAS, CUJA
NATUREZA NÃO SE REVELA COMPATÍVEL COM A
REPRESSÃO AO DISSENSO E QUE ESTIMULA A
CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS DE LIBERDADE EM OBSÉQUIO
AO SENTIDO DEMOCRÁTICO QUE ANIMA AS
INSTITUIÇÕES DA REPÚBLICA (…).”
(ADPF 187/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Vê-se, portanto, que o direito de crítica e o direito ao dissenso –


desde que não resvalem, abusivamente, quanto ao seu exercício, para o
campo dos delitos contra a honra – encontram suporte legitimador em nosso
ordenamento jurídico, mesmo que de sua prática possam resultar
posições, opiniões ou ideias que não reflitam o pensamento
eventualmente prevalecente em dado meio social ou que, até mesmo,
hostilizem severamente, por efeito de seu conteúdo argumentativo, a corrente
majoritária de pensamento em determinada coletividade.

Memoráveis, por isso mesmo, as palavras do Justice OLIVER


WENDELL HOLMES, JR. (que foi Juiz da Suprema Corte dos EUA), no

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caso “United States v. Rosika Schwimmer” (279 U.S. 644), proferidas,


em 1929, em notável e histórico voto vencido (hoje qualificado como uma
“powerful dissenting opinion”), então inteiramente acompanhado pelo Juiz
Louis Brandeis, nas quais HOLMES deixou positivado um “dictum”
imorredouro fundado na Primeira Emenda à Constituição dos Estados
Unidos da América, que reproduzo, a seguir, em livre tradução:

“(...) but IF there is any principle of the Constitution that more


imperatively calls for attachment than any other it is the principle of
free thought – not free thought for those who agree with us BUT
freedom for the thought that we hate.” (“mas, se há algum princípio
da Constituição que deva ser imperiosamente observado, mais do que
qualquer outro, é o princípio que consagra a liberdade de expressão
do pensamento, mas não a liberdade do pensamento apenas em
favor daqueles que concordam conosco, mas, sim, a liberdade do
pensamento que nós próprios odiamos e repudiamos.”) (grifei)

Trata-se de fragmento histórico e retoricamente poderoso que bem define


o verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de manifestação
do pensamento: garantir não apenas o direito daqueles que pensam como nós,
mas, igualmente, proteger o direito dos que sustentam ideias que odiamos,
abominamos e, até mesmo, repudiamos!

Não se pode desconsiderar o fato de que o exercício concreto, por


qualquer cidadão, alunos ou professores das escolas e universidades, da
liberdade de expressão é legitimado pelo próprio texto da Constituição da
República, que assegura, a quem quer que seja, o direito de expender
crítica contra quaisquer pessoas ou autoridades.

Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em


bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao
pensamento.

O pluralismo político (que legitima a livre circulação de ideias e que,

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por isso mesmo, estimula a prática da tolerância) exprime, por tal razão, um
dos fundamentos estruturantes do Estado democrático de Direito! É o
que expressamente proclama, em seu art. 1º, inciso V, a própria
Constituição da República.

O sentido de fundamentalidade de que se reveste a liberdade de


expressão permite afirmar que as minorias também titularizam, sem
qualquer exclusão ou limitação, esse direito básico, cujo exercício
mostra-se essencial à propagação de suas ideias, de seus pleitos e de suas
reivindicações, sendo completamente irrelevantes, para efeito de sua plena
fruição, quaisquer resistências, por maiores que sejam, que a coletividade
oponha às opiniões manifestadas pelos grupos minoritários, ainda que
desagradáveis, atrevidas, insuportáveis, chocantes, audaciosas ou impopulares.

É por isso que se mostra frontalmente inconstitucional qualquer


medida que implique a inaceitável “proibição estatal do dissenso” ou de
livre expressão do pensamento crítico.

Cumpre por em evidência, neste ponto, a função contramajoritária do


Supremo Tribunal Federal no Estado democrático de direito,
estimulando a análise da proteção das minorias na perspectiva de uma
concepção material de democracia constitucional.

Na realidade, Senhores Ministros, esse tema acha-se intimamente


associado ao presente debate constitucional, pois concerne ao
relevantíssimo papel que ao Supremo Tribunal Federal incumbe desempenhar
no plano da jurisdição das liberdades: o de órgão investido do poder e da
responsabilidade institucional de proteger as minorias contra eventuais
excessos da maioria ou, até mesmo, contra abusos perpetrados pelo próprio
Poder Público e seus agentes, em ordem a impedir a formação de um
quadro de submissão de grupos minoritários à vontade hegemônica da
maioria, o que comprometeria, gravemente, por reduzi-lo, o próprio
coeficiente de legitimidade democrática das instituições do Estado, pois,

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ninguém o ignora, o regime democrático não tolera nem admite a opressão


da minoria por grupos majoritários, tal como advertem GERALDO
ATALIBA (“Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação
Legislativa, vol. 96/194) e PINTO FERREIRA (“Princípios Gerais do
Direito Constitucional Moderno”, tomo I/195-196, item n. 8, 5ª ed., 1971,
RT), entre outros.

A preferência do legislador constituinte pela concepção democrática do


Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação
retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há
de ter consequências efetivas no plano de nossa organização política, na
esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no
âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio
regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo
os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela
Constituição da República.

5. A vedação constitucional da censura e o exercício da jurisdição cautelar

Tenho assinalado, de outro lado, em diversas decisões que proferi no


Supremo Tribunal Federal, que o exercício da jurisdição cautelar por
magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória,
muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de
comunicação, sob pena – como já salientei em oportunidades anteriores – de o
poder geral de cautela atribuído ao Judiciário qualificar-se, perigosa e
inconstitucionalmente, como o novo nome de uma inaceitável censura estatal em
nosso País.

Não constitui demasia insistir na observação de que a censura, por


incompatível com o sistema democrático, foi banida do ordenamento jurídico
brasileiro, cuja Lei Fundamental – reafirmando a repulsa à atividade
censória do Estado, na linha de anteriores Constituições brasileiras (Carta
Imperial de 1824, art. 179, nº 5; CF/1891, art. 72, § 12; CF/1934, art. 113,

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nº 9; CF/1946, art. 141, § 5º) – expressamente vedou “(…) qualquer censura


de natureza política, ideológica e artística” (CF/88, art. 220, § 2º).

O direito fundamental à liberdade de expressão é igualmente


assegurado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(Artigo 19), adotado pela Assembleia Geral da ONU em 16/12/1966 e
incorporado, formalmente, ao nosso direito positivo interno em 06/12/1992
(Decreto nº 592/92).

Vale mencionar, ainda, por sumamente relevante, a Declaração


Americana dos Direitos e Deveres do Homem, promulgada pela
IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, em abril
de 1948, cujo texto assegura a todos a plena liberdade de expressão
(Artigo IV).

A Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada


Pacto de São José da Costa Rica, por sua vez, garante a qualquer pessoa
o direito à livre manifestação do pensamento e à busca e obtenção de
informações, sendo absolutamente estranha a esse importante estatuto do
sistema interamericano de proteção aos direitos fundamentais a ideia de
censura estatal (Artigo 13).

É interessante assinalar, neste ponto, até mesmo como registro


histórico, que a ideia da incompatibilidade da censura com o regime
democrático já se mostrava presente nos trabalhos de nossa primeira
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, reunida em 03/05/1823 e
dissolvida, por ato de força, em 12/11/1823.

Com efeito, ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA, ao


longo dessa Assembleia Constituinte, apresentou proposta que repelia,
de modo veemente, a prática da censura no âmbito do (então) nascente
Estado brasileiro, em texto que, incorporado ao projeto da Constituição,

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assim dispunha:

“Artigo 23 – Os escritos não são sujeitos à censura nem


antes nem depois de impressos.” (grifei)

A razão dessa proposta de ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE


ANDRADA prendia-se ao fato de que D. João VI editara, então, havia
pouco mais de dois anos, em 02 de março de 1821, um decreto régio que
impunha o mecanismo da censura, fazendo-nos recuar, naquele momento
histórico, ao nosso passado colonial, período em que prevaleceu essa
inaceitável restrição às liberdades do pensamento.

Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que o exercício, por alguns


juízes e Tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em
inadmissível instrumento de censura estatal, com grave
comprometimento da liberdade de expressão. Ou, em uma palavra, como
anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje,
perigosamente, a traduzir o novo nome da censura, como adverte a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“(…) O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e


Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória,
muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e
de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao
Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível
censura estatal.”
(Rcl 21.504-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma)

O fato é que não podemos – nem devemos – retroceder neste


processo de conquista e de reafirmação das liberdades democráticas. Não
se trata de preocupação retórica, pois o peso da censura – ninguém o

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ignora – é algo insuportável e absolutamente intolerável.

RUI BARBOSA, em texto no qual registrou as suas considerações


sobre a atuação do Marechal Floriano Peixoto durante a Revolução
Federalista e a Revolta da Armada (“A Ditadura de 1893”), após acentuar
que a “rule of law” não podia ser substituída pelo império da espada,
assim se pronunciou sobre a questão da censura estatal:

“A Constituição proibiu a censura irrestritamente,


radicalmente, inflexivelmente. Toda lei preventiva contra os
excessos da imprensa, toda lei de tutela à publicidade, toda lei de
inspeção policial sobre os jornais é, por consequência, usurpatória e
tirânica. Se o jornalismo se apasquina, o Código Penal proporciona
aos ofendidos, particulares, ou funcionários públicos, os meios de
responsabilizar os verrineiros.” (grifei)

6. Conclusão

Concluo o meu voto, Senhores Ministros. E, ao fazê-lo, acompanho a


eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA, acolhendo, integralmente,
os fundamentos de sua magnífica decisão, verdadeiramente antológica, que,
de maneira muito expressiva, assinalou, a partir do reconhecimento de que
o pluralismo político traduz um dos fundamentos inerentes do Estado
Democrático de Direito, que “Pensamento único é para ditadores. Verdade
absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio
que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos”,
pois as deliberações emanadas da Justiça Eleitoral e os comportamentos
por tais atos autorizados conflitam com o direito de acesso igual e justo
às informações e ao debate público reconhecido a todos os cidadãos da
República, “garantindo-lhes o direito de informar-se, de projetar suas ideias,
ideologias e entendimentos, especialmente em espaços afetos, diretamente, à
atividade do livre pensar e divulgar pensamentos plurais” (grifei).

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É o meu voto.

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ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 548


DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : PROCURADORA -GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 17ª ZONA ELEITORAL DE
CAMPINA GRANDE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 199ª ZONA ELEITORAL DO
RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 18ª ZONA ELEITORAL DE
MATO GROSSO DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL DO RIO
GRANDE DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 30ª ZONA ELEITORAL DE
BELO HORIZONTE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
AM. CURIAE. : ANDES - SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES
DAS INSTITUICOES DE ENSINO SUPERIOR
ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -
UNICAMP
ADV.(A/S) : LUCIANA ALBOCCINO BARBOSA CATALANO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO - CONTEE
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
ADV.(A/S) : JOELSON DIAS
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES
DAS UNIVERSIDADE BRASILEIRAS (FASUBRA -
SINDICAL)
ADV.(A/S) : CLAUDIO SANTOS DA SILVA
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDIFES

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Voto Vogal

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ADPF 548 / DF

ADV.(A/S) : CLAUDISMAR ZUPIROLI


AM. CURIAE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADV.(A/S) : RODRIGO DE BITENCOURT MUDROVITSCH
AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PROFESSORES DE
UNIVERSIDADES FEDERAIS DE BELO HORIZONTE,
MONTES CLAROS E OURO BRANCO - APUBH
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO MAIS CIDADANIA
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE
ADV.(A/S) : ROOSEVELT ARRAES

VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vogal): Trata-se de


Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, ajuizada
pela Procuradora-Geral da República, contra atos do Poder Público que,
sob pretexto de observância do art. 37 da Lei das Eleições (Lei 9.507/1997),
executaram ou autorizaram buscas e apreensões, proibições de ingresso e
interrupção de aulas, palestras, debates ou atos congêneres e
promoveram a inquirição de docentes, discentes e de outros cidadãos em
universidades públicas e privadas.

Listou atos de juízos eleitorais e de autoridades policiais que teriam


atentado contra os seguintes direitos fundamentais previstos na
Constituição: (i) liberdade de manifestação do pensamento, de expressão
da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e de reunião
(art. 5º, IV, IX e XVI), (ii) ensino pautado na liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o pluralismo de ideias (art.
206, II e III); e (iii) autonomia didático-científica e administrativa das
universidades (art. 207). Pleiteou a concessão de medida cautelar para a
suspensão dos atos lesivos aos direitos fundamentais acima enunciados,
os quais devem ser, ao final, declarados nulos, bem como outros não
especificamente listados na inicial, requerendo ainda a abstenção, pelas
autoridades públicas, de atos de semelhante teor.

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Voto Vogal

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ADPF 548 / DF

Submetida a ação a julgamento virtual, a Relatora, Ministra Cármen


Lúcia, confirmando a cautelar, votou pela sua procedência, para fins de:

“a) declarar nulas as decisões impugnadas na presente


ação, proferidas pelo Juízo da 17ª Zona Eleitoral de Campina
Grande/PB, pelo Juízo da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do
Sul, pelo Juízo da 30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte/MG,
pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral de Niterói/RJ e pelo Juízo da
18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS; e b) declarar
inconstitucional a interpretação dos arts. 24 e 37 da Lei
9.504/1997 que conduza à prática de atos judiciais ou
administrativos pelos quais se possibilite, determine ou
promova o ingresso de agentes públicos em universidades
públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a
interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e
discentes universitários, a atividade disciplinar docente e
discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos
pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do
pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos
sob a administração de universidades públicas e privadas e
serventes a seus fins e desempenhos.”

Pois bem, feita essa breve recapitulação, observo que a Ministra


Cármen Lúcia lançou precisas observações acerca da gravíssima ofensa
que os atos impugnados representam aos direitos fundamentais dos
cidadãos, bem como à autonomia universitária e aos ideais que regem o
ensino em nosso País e em outras nações pautadas pelos cânones da
democracia.

Endosso tais ponderações, ressaltando que não se pode transigir um


milímetro sequer no tocante à defesa dos preceitos fundamentais
invocados na exordial, sob pena de incorrer-se em inaceitável retrocesso
civilizatório.

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O Supremo Tribunal Federal tem, ao longo de sua história, agido em


favor da liberdade de expressão e também, de maneira mais específica, da
liberdade acadêmica. Foi na defesa dessas liberdades que, em caso
célebre, julgado em 24/8/1964, esta Corte concedeu a ordem no Habeas
Corpus 40.910–PE, de relatoria do Ministro Hahnemann Guimarães.

Em meio a votos memoráveis, o proferido pelo Ministro Victor


Nunes Leal relatou que, nos tempos do macarthismo nos Estados Unidos,
Albert Einstein chegou a dizer, melancolicamente, que, se fosse jovem,
não almejaria ser professor universitário, para desfrutar a liberdade de
que os professores não gozavam mais. E assim arrematou o Ministro
Victor Nunes Leal:

“No Brasil, quase tudo está por se fazer. Nosso futuro


depende do espírito de criação dos homens de pensamento,
principalmente dos jovens, e não há criação, no mundo de
espírito, sem liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar. Se
há um lugar em que o pensamento deve ser o mais livre, este
lugar é a universidade, que é o laboratório do conhecimento”
(Habeas Corpus 40.910–PE, p. 1.326).

Em 1989, na ADI 51-9/RJ (Rel. Min. Paulo Brossard), o tema


indiretamente voltou à pauta desta Suprema Corte. Naquela ocasião,
coube ao Ministro Celso de Mello, em seu percuciente voto, enaltecer a
relevância da autonomia universitária, que se erigia, mesmo antes de sua
constitucionalização, “como expressiva garantia da ordem institucional
das Universidades” (ADI 51-9/RJ, p. 22). Ao diferenciar as três dimensões
que compõem a autonomia universitária – (i) autonomia didático-
científica; (ii) autonomia administrativa e (iii) autonomia financeira –, ele
enfatizou competir à Universidade:

“[...] sob a égide do pluralismo de ideias, o direito à


liberdade de ensino e de comunicação do pensamento. Essa
expressão de autonomia universitária transforma a

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Universidade no locus, no espaço social privilegiado da


liberdade e é, em torno dela, que se desenvolvem os demais
aspectos. As autonomias de natureza administrativa e
financeira ostentam caráter acessório ou instrumental, em face
daquela de ordem didático científica, que apenas buscam
complementar. Por isso mesmo, adverte o eminente Caio Tácito
(v. Parecer, in RDA, vol. 136/263-268, 265), 'na autonomia
universitária o que está em causa é o princípio mais alto da
liberdade do ensino, que é uma das facetas da liberdade de
expressão do pensamento'. E prossegue: 'A liberdade de
comunicação de conhecimentos no exercício do Magistério (...) é
o fulcro da autonomia didático-científica das universidades...';”
(ADI 51-9/RJ, p. 27).

Em 2007, outro paradigma de relevo para o desenlace da presente


questão foi julgado. Trata-se da ADI 1.969-4/DF, de minha relatoria, em
que o Supremo Tribunal Federal afirmou, de forma unânime, que “a
liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das
mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das
modernas democracias políticas”.

Em meu voto, sublinhei que as liberdades públicas de caráter


instrumental fundamentam as modernas democracias políticas e,
invocando as lições de Recaséns Siches1 e Jean Rivero2, explicitei a
premissa, que também norteia meu posicionamento na data de hoje, de
que tais liberdades coletivas asseguram a expressão relevante das
liberdades individuais, garantindo espontaneidade à atuação dos
distintos grupos sociais. A este propósito, Konrad Hesse observa que o
direito dos cidadãos de se reunirem pacificamente e sem armas encontra-
se intimamente ligado à liberdade de expressão, registrando que a
formação de opinião ou formação preliminar de vontade política,
pressupõe uma comunicação que se consuma, em parte essencial, em
1 SICHES, Luis Recaséns. Tratado General de Filosofia Del Derecho. México: Editorial
Porrua, 1978. p. 581.
2 RIVERO, Jean. Les Libertés Publiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1977.

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reuniões.3

Em 2011, em mais um precedente importante (ADPF 187/DF), o


relator, Ministro Celso de Mello, defendeu que a liberdade de expressão
consiste num dos “mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma
República fundada em bases democráticas”, sendo o direito à livre
manifestação do pensamento o “núcleo de que se irradiam os direitos de
crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias”.
Transcrevo trecho da ementa deste julgado:

“Marcha da maconha – Manifestação legítima, por


cidadãos da república, de duas liberdades individuais
revestidas de caráter fundamental: o direito de reunião
(liberdade-meio) e o direito à livre expressão do pensamento
(liberdade-fim) – A liberdade de reunião como pré-condição
necessária à ativa participação dos cidadãos no processo
político e no de tomada de decisões no âmbito do aparelho de
estado – Consequente legitimidade, sob perspectiva
estritamente constitucional, de assembleias, reuniões, marchas,
passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços
públicos (ou privados) com o objetivo de obter apoio para
oferecimento de projetos de lei, de iniciativa popular, de criticar
modelos normativos em vigor, de exercer o direito de petição e
de promover atos de proselitismo em favor das posições
sustentadas pelos manifestantes e participantes da reunião –
Estrutura constitucional do direito fundamental de reunião
pacífica e oponibilidade de seu exercício ao poder público e aos
seus agentes – Vinculação de caráter instrumental entre a
liberdade de reunião e a liberdade de manifestação do
pensamento – Dois importantes precedentes do supremo
tribunal federal sobre a íntima correlação entre referidas
liberdades fundamentais: HC 4.781/BA, Rel. Min. Edmundo
Lins, e ADI 1.969/DF , Rel. Min. Ricardo Lewandowski – A

3 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.


Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 313.

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liberdade de expressão como um dos mais preciosos privilégios


dos cidadãos em uma república fundada em bases democráticas
– O direito à livre manifestação do pensamento: núcleo de que
se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância e
de livre circulação de ideias – Abolição penal (abolitio criminis)
de determinadas condutas puníveis - Debate que não se
confunde com incitação à prática de delito nem se identifica
com apologia de fato criminoso – Discussão que deve ser
realizada de forma racional, com respeito entre interlocutores e
sem possibilidade legítima de repressão estatal, ainda que as
ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria,
estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou
inaceitáveis – O sentido de alteridade do direito à livre
expressão e o respeito às ideias que conflitem com o
pensamento e os valores dominantes no meio social – Caráter
não absoluto de referida liberdade fundamental (CF, art. 5º,
incisos IV, V e X; Convenção Americana de Direitos Humanos,
art. 13, § 5º) – A proteção constitucional à liberdade de
pensamento como salvaguarda não apenas das ideias e
propostas prevalecentes no âmbito social, mas, sobretudo, como
amparo eficiente às posições que divergem, ainda que
radicalmente, das concepções predominantes em dado
momento histórico-cultural, no âmbito das formações sociais
[...] Necessário respeito ao discurso antagônico no contexto da
sociedade civil compreendida como espaço privilegiado que
deve valorizar o conceito de livre mercado de ideias – o sentido
da existência do free marketplace of ideas como elemento
fundamental e inerente ao regime democrático (AC 2.695-
MC/RS, rel. Min. Celso de Mello) – A importância do conteúdo
argumentativo do discurso fundado em convicções divergentes
– A livre circulação de ideias como signo identificador das
sociedades abertas, cuja natureza não se revela compatível com
a repressão ao dissenso e que estimula a construção de espaços
de liberdade em obséquio ao sentido democrático que anima as
instituições da república [...] Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental julgada procedente”.

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Em 2015, novamente a temática retornou a esta casa, na ADI


4815/DF, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ocasião em que Corte, ao
julgar a problemática da produção e publicação de biografias não
autorizadas, afastou a censura prévia, em acórdão assim ementado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. [...]


APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE
INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE
DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV,
IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA
INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS
PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA
PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL
OU PARTICULAR). [...]
A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O
exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser
cerceada pelo Estado ou por particular. [...] O recolhimento de
obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é
próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se
coartando liberdades conquistadas. [...] A liberdade é
constitucionalmente garantida, não se podendo anular por
outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por
norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o
argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito
constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade
do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. [...]
Ação direta julgada procedente para dar interpretação
conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem
redução de texto, para, em consonância com os direitos
fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão,
de criação artística, produção científica, declarar inexigível
autorização de pessoa biografada relativamente a obras
biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também

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desnecessária autorização de pessoas retratadas como


coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas ou ausentes)”.

Relembrar esses julgamentos não serve apenas para justificar as


premissas em que se pauta este julgamento, mas serve também como
alerta, eis que, como sabemos, “a história de repete, a primeira vez como
tragédia e a segunda como farsa”.4 Assim, o presente julgamento revela a
atualidade daqueles votos.

Feitas as remissões necessárias, cumpre-me destacar que, dentre


todas as corporações, públicas ou privadas, é precisamente no seio das
universidades que a liberdade de expressão e de manifestação de
pensamento deve ser assegurada do modo mais amplo possível, vedada a
imposição de quaisquer barreiras, quer formais quer informais, visto que,
seja qual for a sua natureza, laicas ou mesmo confessionais, elas todas
ostentam uma posição sui generis no cenário cultural, pois lhes é
assegurada constitucionalmente a autonomia didático-científica, bem
assim a irrestrita liberdade de expressão por parte de alunos e
professores, resguardadas, por óbvio, as regras básicas de convivência
civilizada.

Como bem pontuam Jean-Paul Veiga da Rocha e Diogo R. Coutinho,


a universidade somente pode cumprir sua função numa sociedade livre,
democrática, plural e decente se houver liberdade acadêmica e, talvez,
esta sociedade somente possa existir onde houver universidade que
produzam “conhecimento de forma autônoma, protegida contra pressões
externas”.5

Sublinho que a verdade contida nessas assertivas decorre de serem

4 MARX, K., Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, 1852.


5 VEIGA DA ROCHA, Jean-Paul; COUTINHO, Diogo R. Liberdade acadêmica,
hierarquia e autonomia. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/liberdade-
academica-hierarquia-e-autonomia-31102018, 31/10/2018.

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as universidades os templos onde se cultua de forma desinteressada a


ciência em todas as suas formas. Por isso mesmo, ainda que se admita que
as vedações estabelecidas pela legislação eleitoral podem, em tese, incidir
com maior rigor em determinadas repartições públicas, tal não se aplica
às instituições de ensino superior, nas quais a autonomia acadêmica e a
livre manifestação do pensamento, por definição constitucional, hão de
ser as mais amplas possíveis.

Nesse passo, acredito ser importante desmistificar a equivocada


ideia segundo a qual o ensino se reveste de completa neutralidade, de
total assepsia, pois professores e alunos abrigam nos respectivos espíritos
uma determinada Weltanchaaung, ou seja, visão de mundo, muitas vezes
determinada pelo Zeitgeist, quer dizer, espírito do tempo, mostrando-se o
embate de distintas cosmovisões não só salutar e consentâneo com a
concepção que norteou a criação das primeiras universidades, já no
século XII de nossa era, como também imprescindível para o progresso
da ciência.

Insistir em uma pretensa neutralidade acadêmica nada mais significa


do que querer impor práticas docentes que tendem a refletir o status quo
vigente ou ideologias avessas ao avanço cultural, à toda a evidência
incapazes de desafiar a sempre cambiante realidade fenomenológica,
especialmente no campo social, não raro marcado por injustiças e
desigualdades.6

Parece-me crucial afirmar, com o necessário desassombro, que todo


ensino é político, no sentido lato da palavra, reafirmando que não existe
docência apolítica. Mesmo que isso fosse possível ou admissível, não
passaria de uma reafirmação mecânica e acrítica de todas as crenças que
orientaram a estruturação da sociedade e a compreensão do mundo em
que vivemos. Relembro, aqui, a imortal lição de Paulo Freire:

6 Ver: KENNEDY, Duncan. “Legal education and the reproduction of hierarchy."


Journal of Legal Education 32.4 (1982): 591-615.

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“Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor


que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma
definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de
mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a
favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê.
Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou
da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado
contrastante com a concretude da prática educativa. Sou
professor a favor da decência contra o despudor, a favor da
liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a
licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de
esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra
qualquer forma de discriminação, contra a dominação
econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor
contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração:
a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me
anima apesar de tudo. [...] Assim como não posso ser professor
sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos
de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha
prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um
momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão
importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu
testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço.
(FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 39-40.)

Cabe a esta Corte, no exercício da tutela constitucional da defesa das


liberdades públicas, proteger de forma incondicional as universidades,
que sempre foram bastiões da independência, da autonomia e da
emancipação do pensamento nacional, e que como tal foram erigidas pelo
Poder Constitucional, no art. 207 da Carta Magna.

Ao Estado, que já foi, no passado, visto como inimigo natural da


liberdade, cabe hoje o papel de fonte de liberdade. 7 A liberdade de
7 FISS, O. M. A Ironia da liberdade de expressão: estado, regulação e diversidade na esfera
pública; Trad. Gustavo Binenbojm, Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro :

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manifestação do pensamento pode ser vista como uma proteção ao


interesse de expressão individual; parece-me, porém, que esse direito
tutela, antes de tudo, a soberania, 8 integrando o cerne daquilo que se
convencionou chamar de Estado Democrático de Direito (art. 1º, I, da
Constituição) e, não por outra razão, a proteção dessa liberdade
fundamental passou a constar de praticamente todos os textos
constitucionais dos Estados Modernos, bem como das declarações e
pactos internacionais de proteção dos direitos humanos.

Como documento pioneiro no plano internacional tem-se a


Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, subscrita sob a égide
da Organização das Nações Unidas, que estabelece, em seu art. 19, que:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de


expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas
suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer
meio de expressão”.

Inspirado nesse diploma, o art. 19 do Pacto Internacional dos


Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 1966, e ratificado pelo Brasil em 12 de dezembro de 1991, é
igualmente explícito, ao consignar, no item 1, que “ninguém poderá ser
molestado por suas opiniões” e, no item 2, que “[t]oda pessoa terá direito
à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar,
receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza,
independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por
escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de
sua escolha”.

No âmbito da Organização dos Estados Americanos, a Convenção


Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)

Renovar, 2005, p. 28.


8 Ibidem, p. 29.

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assim tutelou a liberdade de pensamento e de expressão:

“Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar,
receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem
consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de
sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não
pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades
ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser
necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais
pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou
da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias
ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou
particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas
ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de
informação, nem por quaisquer outros meios destinados a
obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura
prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para
proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do
disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra,
bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso
que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime
ou à violência”.

À luz deste dispositivo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos


ressaltou a importância da liberdade de pensamento e de expressão no
contexto da campanha eleitoral, que é justamente a situação ora em
exame. Confira-se:

13

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“A Corte considera importante ressaltar que, no contexto


de uma campanha eleitoral, a liberdade de pensamento e de
expressão em suas duas dimensões constitui um bastião
fundamental para o debate durante o processo eleitoral, devido
a que se transforma em uma ferramenta essencial para a
formação da opinião pública dos eleitores, fortalece a disputa
política entre os vários candidatos e partidos que participam
nas eleições e se transforma em um autêntico instrumento de
análise das plataformas políticas propostas pelos diferentes
candidatos, o que permite uma maior transparência e
fiscalização das futuras autoridades e de sua gestão. [...]
O Tribunal considera indispensável que se proteja e
garanta o exercício da liberdade de expressão no debate político
que precede as eleições das autoridades estatais que governarão
um Estado. A formação da vontade coletiva através do exercício
do sufrágio individual se nutre das diferentes opções que os
partidos políticos apresentam através dos candidatos que os
representam. O debate democrático implica que se permita a
circulação livre de ideias e informação a respeito dos
candidatos e seus partidos políticos por parte dos meios de
comunicação, dos próprios candidatos e de qualquer pessoa
que deseje expressar sua opinião ou apresentar informação. É
preciso que todos possam questionar e indagar sobre a
capacidade e idoneidade dos candidatos, bem como dissentir e
confrontar suas propostas, ideias e opiniões de maneira que os
eleitores possam formar seu critério para votar. Nesse sentido, o
exercício dos direitos políticos e a liberdade de pensamento e de
expressão se encontram intimamente vinculados e se fortalecem
entre si.9

No âmbito da Corte Europeia de Direitos Humanos, também há


precedentes importantes a serem citados. Veja-se, neste sentido, em
Sorguç v. Turquia (2009), o realce que a Corte conferiu à liberdade

9 Corte IDH. Caso Ricardo Canese v. Paraguai. Mérito, reparações e custas. Sentença
de 31-8-2004.

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acadêmica, compreendendo a liberdade de expressar livremente opiniões


sobre a instituição ou sistema em que trabalham e a liberdade de
distribuir conhecimento e verdade sem restrições. 10 Em 2010, no
julgamento do caso Sapan v. Turquia, a Corte Europeia reiterou a
importância da liberdade de expressão acadêmica.

Ainda em termos de diálogo internacional de fontes, relembro a


“Recomendação Relativa à Condição do Pessoal Docente do Ensino
Superior”, da Unesco, em que esta agência especializada das Nações
Unidas recomenda a observância da liberdade acadêmica de forma
escrupulosa, englobando a liberdade de ensinar e discutir, pesquisar e
publicar os resultados da pesquisa, expressar livremente suas opiniões
sobre a instituição onde se trabalha, sem censura institucional, bem como
para participar em organizações profissionais ou acadêmicas. 11

Sob outro vértice, tenho reiteradas vezes invocado, tanto em textos


doutrinários12 quanto em votos e decisões, o princípio republicano, o qual
configura “o núcleo essencial da Constituição”,13 a lhe garantir certa
identidade e estrutura, estando abrigado no art. 1º da Lei Maior. Nessas
manifestações, enfatizei que, na tradição republicana, há um certo núcleo
principiológico segundo o qual se impõe aos cidadãos o dever de
participar da vida pública, engajando-se com os demais na busca de
soluções compartilhadas para os dilemas que decorrem da vida em

10 No original: “35. In this connection, the Court underlines the importance of


academic freedom, which comprises the academics' freedom to express freely their opinion
about the institution or system in which they work and freedom to distribute knowledge
and truth without restriction (see paragraph 21 above).” (European Court of Human Rights –
ECHR, Case of Sorguç v. Turkey).
11 Recommendation concerning the Status of Higher-Education Teaching Personnel, 11
Nov. 1997 http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13144&URL_DO=DO_TOPIC&URL_
SECTION=201., acesso em 31/10/2018.
12 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo, “Reflexões em torno do princípio republicano”,
Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo 100 (2005): 189–200.
13 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992, p. 349.

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sociedade.

Ao atribuirmos ao Estado o dever de agir para garantir a robustez do


debate público, contribuímos para que sejam evitados os riscos de
fragmentação social, impedindo, ademais, o desenvolvimento de
verdadeiras “bolhas” no tocante ao conhecimento, as quais contribuem
ainda mais para a intensa clivagem que se observa hoje em nosso país,
dividido por intolerâncias e incompreensões de toda a ordem.

Nesse aspecto, vale invocar a interessante reflexão de Cass Sunstein,


que desenvolve a doutrina do fórum público de discussões (public-forum
doctrine), segundo a qual, para o bem de comunidade, todas as pessoas
precisam ser expostas a formas de pensar diferentes, assim como todos
têm o direito de expor suas ideias a um conjunto heterogêneo de pessoas
e instituições contra as quais tenham determinadas queixas ou objeções. 14

Penso que os espaços universitários são lugares de excelência para o


exercício de tais liberdades públicas e para o engajamento político,
contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da democracia
deliberativa. Parece-me que justamente este objetivo – de construção
democrática – presentificou-se em algumas das manifestações que foram
inconstitucionalmente coibidas por atos do Poder Público, eis que
manifestos, protestos, faixas e exposições em favor da democracia e da
universidade pública, bem como as contrárias ao fascismo e à ditadura
caracterizam, antes de mais nada, o exercício de liberdades básicas do
cidadão, ainda que possam denotar preferência político-partidária.

A universidade tem muito a melhorar no Brasil.


Exemplificativamente, nem todas as instituições de ensino superior
garantem tenure a seus professores, dificultando o exercício da crítica
acadêmica. Ainda assim, a despeito do longo caminho que se tem pela
frente, é preciso avançar rápido na defesa intransigente de universidade,
14 SUNSTEIN, Cass R. #Republic: divided democracy in the age of social media. New
Jersey: Princeton University Press, 2017, p. 57.

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sem tergiversar. Retroceder, jamais.

Ressalto que, como se sabe, os direitos não são absolutos e devem,


quando em conflito, ser sopesados. Eventuais manifestações, de qualquer
tipo, que espelhem intolerância ou violência, não devem ser aceitas, em
nenhuma hipótese, bem assim o discurso de ódio, eis que a ele se
contrapõem valores de elevada estatura constitucional, tais como o
Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, o
pluralismo, a tolerância, dentre outros. A resposta a tais atos, porém,
também não pode dar-se pelas vias que se quer combater, ou seja, pela
violência e pela intolerância, mas sim, sempre pelo diálogo, pelo
convencimento, pela construção de consensos.

Dito isso, observo que as manifestações listadas pela Procuradoria-


Geral da República na inicial são pacíficas e voluntárias e não devem ser
cerceadas no âmbito da universidade.

Não se trata, aqui, de fazer letra morta do art. 37 da Lei das


Eleições,15 que tem a função relevante de coibir o abuso do poder político

15 Para maior clareza, transcrevo a redação atual do mencionado dispositivo: “Art. 37.
Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele
pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de
tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é
vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a
tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. § 1º A
veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o
responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida
no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais). § 2º
Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou
particulares, exceto de: I - bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não
dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos; II - adesivo plástico em
automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda
a 0,5 m² (meio metro quadrado). § 3º Nas dependências do Poder Legislativo, a veiculação de
propaganda eleitoral fica a critério da Mesa Diretora. § 4º Bens de uso comum, para fins
eleitorais, são os assim definidos pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e

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e econômico, os quais não devem influenciar nem as eleições nem


mesmo, ressalto, as atividades acadêmicas da universidade. A tal
dispositivo, porém, deve ser dada a leitura correta diante de valores da
máxima envergadura que com ele podem colidir. Notadamente, destaco,
a liberdade de expressão de pensamento, a liberdade acadêmica e a
autonomia universitária em sua dimensão didático-científica.

Ante o exposto, acompanho a eminente Ministra Relatora, no


sentido de, confirmando a cautelar, julgar procedente a presente ADPF.

É como voto.

também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas,
centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada. § 5º Nas
árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes
divisórios, não é permitida a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza,
mesmo que não lhes cause dano. § 6º É permitida a colocação de mesas para distribuição de
material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que
móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos. § 7º A
mobilidade referida no § 6º estará caracterizada com a colocação e a retirada dos meios de
propaganda entre as seis horas e as vinte e duas horas. § 8º A veiculação de propaganda
eleitoral em bens particulares deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de
pagamento em troca de espaço para esta finalidade”. A respeito deste dispositivo, como bem
explica José Jairo Gomes, “[d]enomina-se propaganda eleitoral a elaborada por partidos
políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em
cargo público-eletivo. Caracteriza-se por levar ao conhecimento público, ainda que de
maneira disfarçada ou dissimulada, candidatura ou os motivos que induzam à conclusão de
que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. [...] A propaganda eleitoral
distingue-se da partidária, pois, enquanto esta se destina a divulgar o programa e o ideário
do partido político, a eleitoral enfoca os projetos do candidatos com vistas a atingir um
objetivo prático e bem definido: o convencimento dos eleitores e a obtenção de vitória no
certame.” GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2018, p. 531.

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Extrato de Ata - 15/05/2020

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 548


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
REQTE.(S) : PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 17ª ZONA ELEITORAL DE CAMPINA
GRANDE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 199ª ZONA ELEITORAL DO RIO DE
JANEIRO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 18ª ZONA ELEITORAL DE MATO GROSSO
DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL DO RIO GRANDE
DO SUL
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : JUÍZA ELEITORAL DA 30ª ZONA ELEITORAL DE BELO
HORIZONTE
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO (07077DF/DF)
AM. CURIAE. : ANDES - SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS
INSTITUICOES DE ENSINO SUPERIOR
ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES (DF019241/) E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP
ADV.(A/S) : LUCIANA ALBOCCINO BARBOSA CATALANO (162863/SP)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM
ESTABELECIMENTOS DE ENSINO - CONTEE
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS (0128257/MG)
ADV.(A/S) : JOELSON DIAS (10441/DF)
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES DAS
UNIVERSIDADE BRASILEIRAS (FASUBRA - SINDICAL)
ADV.(A/S) : CLAUDIO SANTOS DA SILVA (10081/DF)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES
DE ENSINO SUPERIOR - ANDIFES
ADV.(A/S) : CLAUDISMAR ZUPIROLI (12250/DF)
AM. CURIAE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADV.(A/S) : RODRIGO DE BITENCOURT MUDROVITSCH (26966/DF)
AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PROFESSORES DE UNIVERSIDADES FEDERAIS
DE BELO HORIZONTE, MONTES CLAROS E OURO BRANCO - APUBH
ADV.(A/S) : SARAH CAMPOS (128257/MG, 388429/SP)
AM. CURIAE. : INSTITUTO MAIS CIDADANIA
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE (35267/PR)
ADV.(A/S) : ROOSEVELT ARRAES (34724/PR)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, confirmando a medida


cautelar referendada pelo Plenário, julgou procedente a presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental para: a)
declarar nulas as decisões impugnadas na presente ação, proferidas
pelo Juízo da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande/PB, pelo Juízo
da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, pelo Juízo da 30ª Zona
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Extrato de Ata - 15/05/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 96 de 96

Eleitoral de Belo Horizonte/MG, pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral


de Niterói/RJ e pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS;
b) declarar inconstitucional a interpretação dos arts. 24 e 37 da
Lei n. 9.504/1997 que conduza à prática de atos judiciais ou
administrativos pelos quais se possibilite, determine ou promova o
ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas,
o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou
manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade
disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos
desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e
divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em
equipamentos sob a administração de universidades públicas e
privadas e serventes a seus fins e desempenhos, nos termos do voto
da Relatora. Falaram: pelo amicus curiae Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino - CONTEE, o Dr.
Joelson Dias; pelo amicus curiae Federação de Sindicatos de
Trabalhadores das Universidades Brasileiras (FASUBRA - SINDICAL),
o Dr. Claudio Santos da Silva; pelo amicus curiae Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES,
a Dra. Monya Ribeiro Tavares; e, pelo amicus curiae Instituto Mais
Cidadania, o Dr. Luiz Gustavo de Andrade. Plenário, Sessão Virtual
de 8.5.2020 a 14.5.2020.

Composição: Ministros Dias Toffoli (Presidente), Celso de


Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e
Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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