A Planificacao PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 280

FORMAÇÃO CONTÍNUA

TEXTOS DE ENQUADRAMENTO
E ALGUNS EXEMPLOS DE MATERIAIS
FORMAÇÃO CONTÍNUA

TEXTOS DE ENQUADRAMENTO
E ALGUNS EXEMPLOS DE MATERIAIS

Coordenação
Lurdes Serrasina
Fernanda Gomes
João Rosa
José Portela

Escola Superior de Educação


Instituto Politécnico de Lisboa
Título: Formação Contínua.
Textos de enquadramento e alguns exemplos de materiais
Coordenação: Lurdes Serrazina, Fernanda Gomes,

João Rosa, José Portela


Edição: Escola Superior de Educação/
/Instituto Politécnico de Lisboa
Depósito legal n.º 340 538/12

Lisboa, Dezembro de 2011


INTRODUÇÃO

Neste volume, intitulado “TEXTOS DE ENQUADRAMENTO E ALGUNS


EXEMPLOS DE MATERIAIS”, reúnem-se diversos tipos de documentos
produzidos no âmbito do projeto “Qualificação dos Professores em Países
Lusófonos” (Programa EU-ACP – EDULINK – ID Number 9 – ACP –
RPR – 118#28), que decorreu entre 31 de dezembro de 2008 a 31 de de-
zembro de 2011.
O objectivo do projeto foi o de “dotar Instituições de Ensino Superior
(IES) de competências que lhes permitissem desenvolver um programa de
formação contínua (FC) de professores para o Ensino Básico, de qualidade e
culturalmente específico, em países onde o Português é a língua de ensino”.
Participaram no projeto as Escolas Superiores de Educação de Lisboa
e de Viana do Castelo, a Universidade de Cabo Verde, o Instituto Superior
Politécnico de São Tomé e Príncipe, a Universidade Pedagógica de Mo-
çambique e a Universidade Nacional de Timor Lorosae. A ONGD portu-
guesa Engenho e Obra também participou com o estatuto de “associada”.
De entre todas as ações desenvolvidas devem destacar-se os Seminá-
rios realizados em Portugal (Lisboa e Viana do Castelo), Cabo Verde
(Cidade da Praia) e Moçambique (Maputo), intercalados com Visitas
Intercalares às IES participantes. De realçar também, que cada IES desen-
volveu, no seu país, um Programa de Formação Contínua de Professores.
Constituiu-se ainda uma rede de aprendizagem online onde todos os mate-
riais científicos e pedagógicos desenvolvidos foram disponibilizados.
Trabalharam-se quatro áreas de formação: Qualidade da Educação e
Desenvolvimento (QED), Ensino das Ciências (EC), Ensino da Matemáti-
ca (EM) e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
Este volume divide-se em três partes:
– Na primeira estão contidos dois documentos estruturantes da forma-
ção contínua – os Princípios Gerais para a Elaboração de um Plano
de Formação e os Objetivos da Formação Contínua nas Quatro
Áreas do Projeto;
– Na segunda, incluem-se textos/módulos das áreas de formação
(QED; EC; EM; TIC), produzidos pelos participantes. Alguns destes
materiais foram produzidos durante o Primeiro Seminário, dando
6 Formação contínua – textos de enquadramento

corpo a um dos objetivos do mesmo. Outros foram elaborados lo-


calmente, para responder às necessidades contextualizadas de for-
mação.

De referir que os materiais de QED usaram um modelo que foi con-


sensualizado em Lisboa, no Primeiro Seminário, a saber: cada módulo de
formação deveria ter uma estrutura simples, trabalhável localmente, com
dois ou três objetivos, uma explicitação teórica fundamental e um conjunto
de atividades de aplicação, muito práticas, já preparadas para facilitarem a
discussão e participação ativa dos formandos. Os textos de EM seguiram
procedimentos distintos, dado que são textos de fundamentação científica
produzidos pelos participantes, enquanto formadores. Estes foram com-
plementados por um grande número de documentos de formação contínua
disponibilizados na plataforma e em suporte digital. Em EC são ou textos
científicos ou eminentemente práticos.
Na terceira, incluem-se dois textos que apontam para reflexões mais
gerais, embora no contexto lusófono. O primeiro, analisa questões perti-
nentes relativas ao apoio aos professores em contextos de fragilidade edu-
cativa. Faz-se aqui eco de reflexões de projetos formativos desenvolvidos
na Guiné-Bissau. O último, analisa a contribuição das Olimpíadas da Ma-
temática no desenvolvimento curricular desse saber e quais as lições que
daí decorrem para a formação contínua dos professores, em Cabo Verde.
O conteúdo dos textos são da exclusiva responsabilidade dos autores.

Agradecemos aos autores a colaboração dispensada.

A Coordenação
Lurdes Serrazina, Fernanda Gomes, João Rosa e José Portela
ÍNDICE

Princípios gerais para a elaboração de um plano de formação..................... 9

Objectivos da formação contínua nas 4 áreas do projecto ............................ 13

MATERIAIS POR ÁREA DE FORMAÇÃO

QUALIDADE NA EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Módulos de Formação
– Psicologia do Desenvolvimento: desenvolvimento,
maturação e impacto das experiências iniciais .......................................... 19
– Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo: estádio das operações
concretas (Jean Piaget)............................................................................... 25
– Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo: estádio das operações
formais (Jean Piaget) ................................................................................ 37
– Estádios de desenvolvimento moral da criança.......................................... 43
– Desenvolvimento psicossocial da criança entre os 3 e os 12 anos
(Erikson) .................................................................................................... 49
– Princípios fundamentais de uma Teoria de Instrução ................................ 53
– Educação, cidadania e desenvolvimento humano:
Deontologia Profissional do Professor....................................................... 59

Módulos de Supervisão Pedagógica e Curriculo


– Modelos de Ensino e Aprendizagem.......................................................... 65
– Refletir sobre a prática ............................................................................... 71
– Tornar-se professor reflexivo ..................................................................... 75

– A planificação ............................................................................................ 81
– A Violência e a Escola ............................................................................... 93
8 Formação contínua – textos de enquadramento

– O Professor e a ação reflexiva.................................................................. 99


– As Inovações Pedagógicas ....................................................................... 105
– A avaliação e os processos de ensino e de aprendizagem ........................ 109
– O portefólio como instrumento de autorregulação da aprendizagem....... 117

ENSINO DA MATEMÁTICA

Os números reais ......................................................................................... 129


Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas:
Instrumentos Euclidianos e Software Geogebra ......................................... 135
Conceitos básicos de Teoria de Conjuntos.................................................. 155
Triângulos e sua classificação ..................................................................... 179
Geometria Plana (Euclidiana) ..................................................................... 193
Geometria Plana (Euclidiana) – exercícios ................................................. 207
Operações com números inteiros e fraccionários ........................................ 211

ENSINO DAS CIÊNCIAS

Flutuação ..................................................................................................... 219


O fogão solar ............................................................................................... 227

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

TIC – Objetivos e conteúdos ....................................................................... 237

TEXTOS DE CARÁCTER GERAL

O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa: algumas


reflexões e lições da Guiné-Bissau ............................................................. 247
As Olimpíadas de Matemática em Cabo Verde e a Formação Contínua
de Professores ............................................................................................. 261
PRINCÍPIOS GERAIS PARA A ELABORAÇÃO
DE UM PLANO DE FORMAÇÃO

A. Adequação da formação às necessidades da sociedade

A formação de professores deverá ser concebida em função das ne-


cessidades de cada sociedade de modo a que a preparação dos seus alunos
seja cada vez mais ajustada ao desenvolvimento tecnológico e também cul-
tural, à inserção social dos jovens e aos avanços científicos.

B. Participação do professor no processo de formação

A metodologia e a organização da formação devem ser selecionadas


naturalmente de acordo com as necessidades e recursos de cada país. Mas
a experiência em formação de adultos, se se pretende eficaz, aponta para a
necessidade de uma programação participada por aqueles a quem se desti-
na. Assim, os professores deverão ser os principais agentes da sua forma-
ção. Esta deverá ser organizada de modo a proporcionar um trabalho pro-
gressivamente mais autónomo, o que implica incentivar o trabalho em
grupo onde os professores partilhem ideias e experiências, elaborem mate-
riais e discutam ideias. Este trabalho colaborativo permite, por um lado,
um aumento de confiança e, por outro, uma aprendizagem partilhada com
significado.

C. Formação baseada nas necessidades dos professores

Os conteúdos de formação, tendo como referência os curricula dos


alunos, deverão contemplar as necessidades dos professores. Evidentemen-
te que a explicitação das necessidades não é uma tarefa fácil para ninguém
e vai-se fazendo durante o processo da formação, desejando-se que conti-
nue. Este aspecto dinâmico da caracterização das necessidades dos profes-
sores, enraíza num processo individual e reflexivo, mas deverá também fa-
zer-se em momentos de partilha e discussão conjunta, visto ser nestes
momentos que as necessidades normalmente emergem.
10 Formação contínua – textos de enquadramento

D. Formação a partir da realidade dos professores

Os professores possuem, em graus diferenciados, experiência profis-


sional que nunca deverá ser posta de lado durante a formação; pelo contrá-
rio, essa experiência e saber acumulados durante anos tem de ser o ponto
de partida para a formação. Só assim faz sentido. Não se pode conceber a
formação fazendo “cortes radicais” com toda uma interiorização que de-
morou em certos casos, vários anos a construir. É importante proporcionar
espaços de experimentação e de reflexão conjunta de modo a que se pos-
sam analisar e problematizar práticas e partir delas para o desenvolvimento
de uma mudança consciente que ajude a tornar o ensino mais eficaz.

E. Saber científico e pedagógico

Todos os professores deverão possuir um forte saber científico e espe-


cífico para o ensino e muito para além daquilo que têm de ensinar aos seus
alunos.
O saber pedagógico não consiste só numa melhoria técnica: saber
mais coisas que se podem fazer na aula, possuir mais destrezas específicas
para orientar os aluno, mas sobretudo num conjunto de competências que
permitam conhecer o pensamento dos alunos e dar sentido às atividades
que se desenvolvem em situações de aprendizagem, na clarificação das
teorias e princípios de ação tornando possível conhecer os porquês das coi-
sas que se fazem e como se fazem numa sala de aula.

F. Experimentação e reflexão

O trabalho do professor implica uma atitude investigativa que se tra-


duz por uma reflexão sobre o currículo de modo a planificar as lições, uma
atitude atenta e reflexiva durante a implementação em contextos reais e
uma reflexão posterior de modo a identificar causas de sucesso e causas de
insucesso das experiências levadas a cabo com os alunos. As planificações
seguintes irão então usufruir deste processo. O triângulo assente nos três
vértices: “reflexão antes”, “reflexão durante” e “reflexão depois”, permite
uma avaliação permanente do trabalho do professor, proporcionando uma
adaptação ao perfil dos alunos e a uma experimentação desejável segundo
as linhas atuais de ensino-aprendizagem. Isto é, o professor deve refletir,
avaliar e adaptar.
Princípios gerais para a elaboração de um plano de formação 11

G. Formação integrada e sequencial

As atividades de formação deverão ser concebidas de um modo inter-


ligado, isto é, não deverão separar a vertente do saber científico própria da
área disciplinar da vertente do saber pedagógico e didádico e devem ser in-
tegradas nas práticas dos professores. A implementação das sessões de
trabalho de conteúdo científico deverão ser sempre acompanhadas de en-
quadramento didático e pedagógico. Também, ao invés, o trabalho desen-
volvido assente em temas didáticos dos programas dos alunos, deverá ser
interpretado e justificado pelos conteúdos científicos subjacentes. Poderá
ser igualmente concebida de forma sequencial, dependendo mais uma vez
a opção, da organização e recursos da Instituição de Formação.

H. O papel do formador

No processo de formação, o formador surge como um dos interve-


nientes, colaborando em planificações e participando em discussões de di-
nâmicas da sala de aula, de modo a que a reflexão sobre as experiências
levadas a cabo com os alunos, seja feita com uma maior profundidade,
ajudando a perceber aquilo que resultou, o que deve ser evitado, etc. É
fundamental que o formador não se imponha como aquele que sabe mais,
mas que seja um parceiro/facilitador que informa, ajuda a preparar mate-
riais, que propõe novas abordagens e que principalmente questiona.
OBJECTIVOS DA FORMAÇÃO CONTÍNUA
NAS 4 ÁREAS DO PROJETO

Qualidade na Educação e Desenvolvimento

1. Desenvolver um conjunto de habilidades e competências pedagógicas


com vista à melhoria da qualidade do ensino;
2. Planificar ações de formação contínua para capacitação dos professores
formadores;
3. Desenvolver materiais de apoio ao ensino;
4. Conceber instrumentos que ajudem à auto avaliação do trabalho do pro-
fessor.

Ensino da Matemática

1. Elevar o nível de conhecimento científico de professores de Matemática;


2. Melhorar e aprofundar conhecimentos didático-pedagógicos de profes-
sores;
3. Formar professores capazes de acompanhar as mudanças curriculares do
ensino básico;
4. Produzir materiais didáticos e saber utilizar os disponíveis.

Ensino das Ciências

1. Elevar o nível científico-didático;


2. Melhorar as técnicas de avaliação das aprendizagens;
3. Produzir matérias didáticos adequados ao ensino das ciências;
4. Centrar o programa das ciências na perspectiva C-T-S-A (Ciência, Tec-
nologia, Sociedade e Ambiente).

Tecnologias de Informação e Comunicação

1. Dotar os professores de conhecimentos básicos para a eficiente utiliza-


ção das TICs nas diferentes disciplinas;
14 Formação contínua – textos de enquadramento

2. Capacitar os professores de competências para busca de materiais di-


dáticos;
3. Saber usar as plataformas de EAD;
4. Saber desenvolver a criação de portefólios para uso pessoal.
MATERIAIS POR ÁREA DE FORMAÇÃO
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
E
DESENVOLVIMENTO (QED)
MÓDULO DE FORMAÇÃO

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO:
DESENVOLVIMENTO, MATURAÇÃO E IMPACTO
DAS EXPERIÊNCIAS INICIAIS

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Introduzir alguns conceitos básicos do desenvolvimento e de matu-


ração das crianças;
– Discutir acerca da importância de experiências precoces no desen-
volvimento.

Fundamentação:

A psicologia agrupa um conjunto de saberes científicos e instrumen-


tais que abarcam questões do desenvolvimento e da educação das crianças,
nomeadamente em meio escolar. Centra-se nos processos de desenvolvi-
mento da criança e de cada interventor no ato educativo. O campo coberto
por esta ciência é muitíssimo vasto e em evolução permanente.

1 – Conceito de desenvolvimento e de maturação

Cada um de nós desenvolve-se de uma certa forma, que é comum em


muitos aspetos ao que acontece com as outras pessoas, mas que é também
único, isto é, que é específico de cada um de nós. Quando a Psicologia es-
tuda o desenvolvimento, tenta compreender o que é comum entre os seres
humanos e, simultaneamente, o que é único em cada pessoa. O desenvol-
vimento é o padrão de mudança que começa na conceção e continua através
do ciclo da vida.
20 Formação contínua – textos de enquadramento

A maior parte do desenvolvimento implica crescimento (por exemplo,


desenvolvimento motor ou da linguagem) mas pode também incluir decaí-
da (falecimento, morte). O desenvolvimento tem um padrão complexo por-
que representa a interação simultânea de vários processos biológicos, cogni-
tivos, sócio-emocionais.
Os processos biológicos implicam mudanças (maturação) na estrutura
física da pessoa. Os genes herdados dos pais, o desenvolvimento do cérebro,
ganhos em altura e peso, habilidades motoras e mudanças hormonais na pu-
berdade, refletem o papel dos processos biológicos no desenvolvimento.
Os processos cognitivos envolvem mudanças no pensamento, inteli-
gência e linguagem da pessoa. Os processos cognitivos são muito variados
em todos os períodos do desenvolvimento e não se pode dizer que são mais
ricos num período que noutro. As descobertas de um período anterior vão
constituir os alicerces em que se sustentam e apoiam as novas descobertas.
Os processos sócio emocionais (desenvolvimento psicossocial) envol-
vem mudanças nas formas de relação com as outras pessoas, nas formas de
proteção psíquica que se desenvolvem para fazer face aos medos, receios e
riscos de desenvolvimento, na evolução e mudanças da personalidade.
Apesar do estudo do desenvolvimento se fazer habitualmente nestas
várias dimensões é preciso ter sempre em conta que se estuda um ser hu-
mano único e que esse estudo deve ser feito nas diferentes dimensões de
uma forma integrada.
Todo o desenvolvimento se faz na relação entre maturação e expe-
riência.
A maturação é uma sequência ordenada de mudanças que é ditada pela
estrutura genética que cada um tem. Tal como as plantas crescem a um cer-
to ritmo (por exemplo, não dão fruto antes da flor) a sequência da matura-
ção do ser humano segue também uma determinada sequência (por exem-
plo, primeiro andamos e depois desenvolvemos eficazmente a linguagem).
Apesar da diversidade de ambientes em que crescemos, para os matu-
racionistas, é a estrutura genética que marca a sequência e o ritmo da matu-
ração. Alguns desenvolvimentistas pensam que o desenvolvimento é um
processo contínuo que envolve mudanças graduais e cumulativas do nas-
cimento à morte. Outros pensam que o desenvolvimento é um processo
descontínuo porque envolve estádios distintos ao longo da vida. A mudan-
ça entre estádios é definida como mais qualitativa que quantitativa. Por
exemplo, quando uma lagarta se transforma em borboleta, ela não é, quan-
titativamente, mais lagarta. Tornou-se num ser qualitativamente distinto e
diferente. Nos seres humanos verificam-se muitas mudanças qualitativas
importantes. Por exemplo, a criança pré-escolar tem dificuldade em se des-
centrar do seu ponto de vista, mas no estádio seguinte, das operações con-
cretas, consegue fazer pensamentos reversíveis, o que representa um
Desenvolvimento, maturação e impacto das experiências iniciais 21

enorme salto qualitativo no seu pensamento. Ser capaz de pensar abstrata-


mente no estádio seguinte, das operações formais, é igualmente uma mu-
dança decisiva e poderosa.

2 – Impacto das experiências precoces no desenvolvimento

Outra questão muito debatida sobre o desenvolvimento refere-se a sa-


ber qual é o impacto das experiências precoces ou de experiências mais
tardias no desenvolvimento. Será que experiências particularmente negati-
vas nos primeiros anos de vida podem ser resolvidas por experiências mais
positivas vivenciadas em períodos mais tardios?
Para as perspetivas psicanalíticas clássicas, o impacto de experiências
precoces mais negativas pode ser enorme. Bowlby (1989) sublinhou que as
crianças deveriam experienciar uma relação calorosa, íntima e contínua
com a mãe (ou mãe substituta permanente) e que, sem isso, a sua saúde
mental ficaria afetada.
Contudo outros teóricos tais como Kagan (1989) pensam que as crian-
ças são muito resilientes e adaptativas e que estão equipadas evolutiva-
mente para fazer um percurso normal mesmo em situações em que os mo-
dos de educação parental variem muito. Boas situações de interação com
outras pessoas tais como os professores ou outros familiares podem ter um
efeito regenerador que ajuda as crianças a desenvolver uma personalidade
equilibrada.
Segundo Berryman (2001) “muitos indivíduos conservam uma grande
capacidade de mudança; os resultados dos acontecimentos da primeira in-
fância são continuamente transformados pelas experiências posteriores,
tornando o curso do desenvolvimento humano mais aberto do que muitos
teóricos do passado alguma vez acreditaram ser possível. O ponto de vista
vulgarmente sustentado pelas pessoas que trabalham na área da saúde
mental de que as características iniciais permanecem relativamente inalte-
radas parece ser verdade apenas para uma faixa da população especialmen-
te vulnerável” (p. 247).

Atividades:

1 – Discuta em que medida podem, experiências muito duras e dolorosas


experimentadas nos primeiros anos de vida da criança, ter consequências
negativas ou comprometer o seu futuro desenvolvimento.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
22 Formação contínua – textos de enquadramento

Atividade 2 – Todas as pessoas têm opiniões sobre o desenvolvimento das


crianças. Algumas dessas opiniões estarão corretas, outras serão menos
corretas.
Da lista de opiniões abaixo, discuta com os seus colegas se as considera
adequadas ou não e porquê.

– A infância é o período mais feliz da vida. As crianças não têm problemas.


___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

– Esta criança teve sempre um comportamento muito difícil. Nunca o con-


seguirão mudar.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

– Não há substituto para uma vida familiar estável; as crianças com famí-
lias que lhes dão pouca atenção ou com lares desfeitos estão destinadas
a sofrer.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

– Os bebés e as crianças precisam mais das mães do que de qualquer ou-


tra pessoa; os pais não são tão importantes nessa fase.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
Desenvolvimento, maturação e impacto das experiências iniciais 23

Referências Bibliográficas:

– Berryman, J. (2001). Psicologia do Desenvolvimento Humano. Instituto Piaget,


Lisboa.
– Bowlby, J. (1989). Secure and Insecure Attachement. New York: Basic Books.
– Kagan, J. (1989). Unstable ideas: Temperament, cognition and Self. Cambridge,
MA: Harvard University Press.
– Santrock, J. (1998). Child development. Mc. Graw Hill.
MÓDULO DE FORMAÇÃO

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO:


ESTÁDIO DAS OPERAÇÕES CONCRETAS
(JEAN PIAGET)

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Aprofundar os conhecimentos sobre como a criança estrutura o seu


pensamento;
– Proporcionar aos professores situações de experimentação dos pro-
cessos cognitivos.

Fundamentação:

Segundo os estudos de Piaget, são estes alguns dos processos de de-


senvolvimento cognitivo a ter em especial importância quando se ensinam
crianças na idade da escolaridade primária (Estádio das Operações Concre-
tas – 7 ou 8 aos 9 ou 10 anos).

1 – Neste estádio ocorre uma viragem decisiva no desenvolvimento da


inteligência pelo aparecimento das operações reversíveis, com a
aquisição dos diversos princípios de conservação, como por
exemplo:

– Conservação do conceito de número


– Conservação do conceito de comprimento
– Conservação do conceito de área
– Conservação do conceito de massa ou substância
– Conservação do conceito de peso
– Conservação do conceito de volume
26 Formação contínua – textos de enquadramento

ACTIVIDADE 1
Faça uma explicação das noções de conservação estudadas por Piaget
e de que são apresentados exemplos no quadro a seguir.
Se possível peça aos formandos para recolherem materiais simples
(pedrinhas, barro, paus, etc.) e realizarem as experiências de conservação
com crianças. Se for possível, cada professor poderá inquirir algumas
crianças que ainda não estejam em idade escolar e outras que já frequen-
tem a escola primária. Isso permitiria fazer comparações entre as respostas
que são esperáveis no estádio pré-operatório e no das operações concretas.
– É importante que cada professor anote exatamente as respostas da
criança. Sugira ainda que os professores façam a contra-prova (por
exemplo, “ontem um menino”

Materiais e procedimentos para experiências de conservação (Piaget)

Conservação do número: Os objetos são dis- Os objetos numa das filas são afastados e
postos por correspondência 1 a 1 e assegura-se pergunta-se à criança se ainda há o mesmo
que a criança percebe que há o mesmo número número em cada uma das filas
nas duas filas

Conservação do comprimento: dois paus, re- Um dos paus é movido para a direita. Per-
conhecendo a criança que são de igual tamanho gunta-se à criança se ainda são do mesmo
tamanho

Conservação da área: a criança e o experimen- O experimentador espalha os blocos num


tador têm cartões idênticos. Em cada um são dos cartões. Pergunta-se à criança se sobra
colocados o mesmo número de blocos de ma- o mesmo espaço em cada um dos cartões
deira e na mesma posição. Pergunta-se à criança
se sobra o mesmo espaço em cada um dos car-
tões
Estádio das operações concretas 27

Conservação da massa: a criança reconhe-


Uma das bolas é distendida. Pergunta-se à crian-
ce que as duas bolas de barro são idênticas
ça se ainda há o mesmo barro em cada uma das
bolas

Conservação do volume: duas bolas iguais de


barro são colocadas dentro de copos iguais e O experimentador distende uma das bolas e per-
com a mesma quantidade de água. Pergunta-se gunta se ainda há a mesma água em cada um dos
à criança se ainda há a mesma água em cada copos
um dos copos

As crianças aprendem a usar argumentos lógicos, ainda muito ligados


às características físicas dos objetos, para distinguirem entre o que é uma
verdade contingente (Ex: como o ferro é muito pesado, 1 Kg de ferro é
sempre muito mais pesado que 1 Kg de algodão) e uma verdade necessária
(se o ferro pesa 1 Kg e o algodão pesa 1 Kg, então pesam os dois a mesma
coisa).
A idade em que se adquirem os diversos conceitos de conservação va-
ria muito de criança para criança mas há semelhanças no padrão de aquisi-
ção entre crianças e entre culturas.

Idades mínima e máxima em que 50% das crianças é bem sucedida


em testes de conservação

Tarefas de conservação Idade


4 5 6 7 8 9 10 11
Número X X X
Massa ou substância X X X X
Comprimento X X X X X X
Quantidades contínuas X X X X
Área X X X X
Peso X X X
Volume X X X

Adaptado de Gross (1985)


28 Formação contínua – textos de enquadramento

As idades de aquisição podem ser influenciadas por diversos fatores


como por exemplo ter ou não ter tido oportunidades de educação pré-
-escolar, haver uma exploração formal destes conceitos na escola e em ca-
sa, serem as crianças testadas ou não nas tarefas de conservação através do
uso da sua língua materna.

2 – Desenvolvimento de conceitos mais complexos de classificação

No estádio pré-operatório, as crianças são capazes de classificar obje-


tos de acordo com uma qualidade ou característica que lhes é comum (Ex:
separar objetos azuis e objetos verdes). Agora, surgem novas formas de
classificação em que a criança pode usar simultaneamente mais do que um
critério classificativo, o que lhes permite:
– fazer classificação hierárquica (construindo uma cadeia de classes
cada vez mais abertas e explicativas, como por exemplo o meu cão,
outras raças de cães, caninos, mamíferos, etc.). Para realizar classi-
ficações hierárquicas as crianças têm que fazer adição de classes
(por exemplo, na classe caninos estão incluídas, entre outros ani-
mais, todas as raças de cães). Para fazer classificação hierárquica é
igualmente necessário compreender o conceito de inclusão de clas-
ses (por exemplo, se eu tiver 10 rosas e 5 cravos eu tenho sempre
mais flores que rosas ou que cravos. Neste exemplo, rosas e cravos,
tem que ser simultaneamente compreendidas como pertencentes a
uma classe subordinada – tipos de flores – e a uma classe sobre or-
denada, a de flores).
– fazer matrizes de classificação o que envolve a multiplicação de
classes (por exemplo classificar parafusos simultaneamente pelo
comprimento e espessura ou objetos pela forma e cor).

ACTIVIDADE 2 – Peça aos formandos para discutirem como é que o quadro seguinte
está organizado. Seguidamente tape um quadradinho e pergunte: “que parafusos de-
vemos encontrar aqui?”. Depois destape e confirme se a opção está correta.
Se for possível os formandos podem recolher materiais simples (por exem-
plo, pauzinhos) e ordenam-nos considerando simultaneamente o comprimento e o
diâmetro.
Idealmente, aplicar essa tarefa a crianças de várias idades, registar as respos-
tas e discutir os resultados.
Estádio das operações concretas 29

Outra forma de exercitar matrizes de classificação consiste em explo-


rar que estratégias as crianças usam para descobrir um objeto que outra
pessoa pensou (se por exemplo o objeto pensado é “vaca” e a criança faz
perguntas do tipo: é um mamão?, é um carro?, é um elefante?, isso mostra
que a criança está a usar um raciocínio enumerativo que elimina uma hipó-
tese de cada vez, isoladamente e portanto, muito pouco produtivo. Se as
perguntas forem do tipo, é um meio de transporte?, é um animal?, é um
mamífero?, anda no mar?, etc…, isso mostra que a criança está a usar um
raciocínio categorial muito produtivo, porque lhe deixa cada vez mais in-
formação que vai estreitando as hipóteses até se encontrar a solução).
30 Formação contínua – textos de enquadramento

ACTIVIDADE 3
Sim? Não?

O formador escolhe um dos seus formandos e diz-lhe: “vou escolher


um dos objetos aqui desenhados. A sua tarefa é adivinhar qual foi a minha
escolha.
Pode fazer-me perguntas mas eu só posso responder sim ou não”.
Anote quantas perguntas são feitas.
Depois os formandos podem jogar dois a dois.
No final discuta que estratégias cognitivas foram usadas e quais as
mais eficazes, se as enumerativas se as categoriais.
Estádio das operações concretas 31

3 – Desenvolvimento de conceitos mais complexos de seriação

No estádio pré-operatório as crianças aprendem a fazer seriações sim-


ples, ordenando objetos segundo uma qualidade que é variável (por exem-
plo, leve, mais pesado, ainda mais pesado). Agora, as crianças começam a
perceber que uma determinada sequência de ações pode ser defini-
da pela sua razão inversa (também posso seriar por ordem decrescente
do peso). Compreendem igualmente que podemos obter o mesmo resulta-
do por vias diferentes (por exemplo, 3+5=8 ou 3+(2+3)=8 ou (1+1+1) +
(1+1+1+1+1)=8). Que há uma relação inversa entre a adição e a subtração
(por exemplo, 1+1=2 e 2-1=1) e entre a multiplicação e a divisão (2x2=4 e
4:2=2). Compreendem que podemos reunir e separar, colocar e deslocar,
fazer uma coisa e o seu contrário (por exemplo, compreender o conceito de
0 (zero) ou ter uma coisa (+1) e tirar essa mesma coisa (-1)).

4 – Desenvolvimento de conceitos mais complexos de número

Recitar números, como o fazem crianças pré-escolares, não significa


compreender que operações se podem fazer com números ou que os núme-
ros são a síntese entre processos classificativos e seriativos.
Neste estádio as crianças vão percebendo melhor como é que o siste-
ma numérico funciona, como por exemplo:
– podemos definir unidades com uma amplitude variável – 1,2,3,4 –
5,10,15,20 – 100, 200 …
– univocidade dos números – em termos matemáticos, 1, pode ser
1 comboio ou 1 micróbio, que 100 lápis é a mesma quantidade nu-
mérica que 100 imbondeiros.
– explorar os (não) limites do sistema numérico – 50, 1000, 80000,
10000000000.

Um estudo recente (Borba, 2002) mostrou que as crianças podiam


aprender acerca de números negativos com jogos do tipo “se eu ganhei
primeiro 5 pontos e depois perdi 8, quantos fiquei a dever?”.
32 Formação contínua – textos de enquadramento

ACTIVIDADE 4:
Em pequenos grupos resolva as questões que estão a seguir:
1 – Dê exemplos de classificações e seriações simples (de acordo com
uma qualidade ou constante ou variável):
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

2 – Dê exemplos de classificações e seriações complexas (de acordo com


duas qualidades ou constantes ou variáveis):
___________________________________________________________
___________________________________________________________
______________________________________________________

3 – Em observações de aulas verifiquei como uma professora ensinava o


assunto do dia, “os meios de transporte” a uma segunda classe. Enu-
merava-os primeiro “Os meios de transporte são: terrestres como o
carro, aéreos como o avião e marítimos como o barco”. A professora
escreveu no quadro, colocando em cima “terrestres, aéreos e maríti-
mos” e por baixo o respetivo exemplo. Desenhou um traço a unir cada
categoria com cada exemplo e circulou cada categoria + o exemplo
como se fossem três “conjuntos”. Depois, as crianças e a professora
repetiram em coro, muitas vezes “Os meios de transporte são: terres-
tres como o carro, aéreos como o avião e marítimos como o barco”.
Seguidamente, a professora pediu a algumas crianças para repetirem
em voz alta, mas individualmente. Então, pediu a todas as crianças que
escrevessem no caderno o que estava no quadro. Depois, corrigiu os
cadernos, um a um, e atribuiu classificações de Bom, Suficiente, …a
cada criança. Por fim desenhou no quadro, por baixo do exemplo res-
petivo, um carro, um avião e um barco. Pintou-os com giz colorido.
Pediu às crianças que fizessem tal como ela fez.
Esta atividade demorou desde o início da manhã até ao intervalo da
manhã.
Reveja o que é dito acima sobre classificação e discuta o que se passou
neste processo de ensino.
Que sugestões pedagógicas daria para o melhorar?
___________________________________________________________
Estádio das operações concretas 33

___________________________________________________________
___________________________________________________________

4 – Dê exemplos de atividades para ajudar as crianças a compreender o


funcionamento do sistema numérico.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

5 – Dê exemplos de jogos ou outras atividades tradicionais do seu país que


ajudem as crianças a fazerem matrizes de classificação e atividades de
seriação.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

6 – Alguns estudos (Nunes, 1995) mostram que há adultos não escolariza-


dos que são capazes de fazer operações matemáticas muito complexas
nas suas atividades diárias (por exemplo, pescadores a calcular o preço
de um peixe com um peso de 2,350 Kg quando cada Kg vale, hipoteti-
camente __________ (cada país coloca um valor que julgue adequado)
mas têm tendência a falhar esse cálculo quando a mesma operação lhes
é ensinada através do uso dos algoritmos escolares. Reflita sobre isso
em grupo e tente discutir em que medida as crianças do ensino primá-
rio estão a ser ensinadas a compreender o que se passa quando se faz o
algoritmo de uma operação multiplicativa. Registe as suas conclusões.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

Em que medida se apela na escola a que as crianças usem processos


de cálculo não escolares, que são aprendidos socialmente e que são efica-
zes nesse contexto.
34 Formação contínua – textos de enquadramento

___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

7 – Escolha, individualmente, um assunto complexo, como por exemplo,


“Porque é que nos equilibramos em cima de uma bicicleta?”. Prepare,
individualmente, dois argumentos que expliquem isso e “ensine-os” ao
seu grupo de formadores aqui presente. O grupo escuta os argumentos
e procura, em seguida, contribuir para se chegar a níveis mais elevados
e complexos de explicação.
Qual a relevância das descobertas construídas em grupo para a cons-
trução cognitiva de um assunto?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

Em observações de classes realizadas em escolas verifiquei que o tra-


balho de grupo não era de todo usado. Todo o ensino assentava num mode-
lo expositivo, que estava direcionado do professor para os alunos.
Que explicações existirão para isso?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

Que consequências isso pode ter para o desenvolvimento cognitivo e


para a aprendizagem?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
Estádio das operações concretas 35

Para a construção deste texto de formação consultaram-se as seguintes


referências bibliográficas:
– Arends, R.(1999). Aprender a Ensinar. McGraw-Hill.
– Goswami, U. (Ed.) (2008). Blackwell Handbook of Child Cognitive
Development. Blackwell Publishing.
– Gross, T.F. (1985). Cognitive Development. Monterey, CA: Brooks / Cole.
– Lourenço, O. (2002). Psicologia do Desenvolvimento cognitivo: Teoria, Dados e
Implicações, Almedina, Coimbra, 2ª Edição.
– Siegler, R. (1998). Children’s Thinking. Prentice Hall.
– Sprinthal, N. & Collins, A. (1995). Adolescent Psychology: a developmental
view. McGraw-Hill.
– Sprinthal, A. & Sprinthal, R. (1993). Psicologia Educacional. McGraw-Hill.
– Sroufe, L.A., Cooper, R. & DeHart, G. (1996). Child Development: Its Nature
and Course. McGraw-Hill.
– Tavares, J., Pereira, A., Gomes, A., Monteiro, S. & Gomes, A. (2007). Manual
de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Porto Editora.
MÓDULO DE FORMAÇÃO

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO


ESTÁDIO DAS OPERAÇÕES FORMAIS
(JEAN PIAGET)

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Aprofundar os conhecimentos sobre os processos de desenvolvi-


mento do pensamento durante os períodos da pré-adolescência, ado-
lescência e adultez;
– Construir situações de aprendizagem que permitam aprofundar
aqueles processos.

Fundamentação:

O Estádio das Operações Formais, segundo Jean Piaget, inicia-se por


volta dos 11-12 anos. Até cerca dos 15-16 anos o jovem vai adquirindo ca-
pacidades de pensamento cada vez mais complexas, semelhantes àquelas
que terá quando adulto.
Neste estádio acontecem mudanças muito profundas na forma de pen-
sar, como a seguir se sintetiza em quatro pontos.

1 – Faz-se uma transição progressiva de um pensamento operatório


concreto para um pensamento mais abstrato (que Piaget designa
de “formal”).

Tal como vimos no módulo anterior as crianças, no estádio das opera-


ções concretas, fizeram grandes progressos nas suas habilidades para en-
tender noções de conservação que exigem reversibilidade operatória. Por
exemplo, fazem classificações e seriações mais complexas e trabalham me-
38 Formação contínua – textos de enquadramento

lhor com conceitos numéricos. O seu pensamento é mais flexível, menos


egocêntrico e mais preocupado com as relações de causa e efeito.
No estádio das operações formais, começa a ser possível:
– um pensamento mais alargado, com capacidade para pensar em coi-
sas e realidades que não existem ou que são impossíveis;
– um pensamento mais imaginativo e criativo;
– uma maior capacidade de autorreflexão;
– construir hipóteses mentalmente, sem necessidade de as testar atra-
vés da realidade concreta;
– pensar com possibilidades hipotéticas e proposições abstratas;
– pensar sobre o próprio pensamento.

2 – O pensamento torna-se mais perspetivista

Segundo Piaget, nesta fase surge a possibilidade de entender que pes-


soas diferentes têm pensamentos diferentes sobre a mesma ideia ou situa-
ção. Desenvolve-se a capacidade de entender as questões sob o ponto de
vista de outros. Torna-se mais fácil compreender que existem diferentes
pontos de vista para o mesmo problema e que isso pode ser vantajoso.

3 – O pensamento pode comportar idealizações muito fortes

Sobretudo durante a adolescência, constroem-se visões idealizadas da


vida, da sociedade, das questões políticas, dos interesses pessoais, e defen-
dem-se diferentes causas e ideias. Por vezes, fica-se impaciente com a
forma como a sociedade responde às necessidades do próprio e dos outros.
Pode também aumentar a perplexidade sobre as decisões que o próprio de-
ve tomar em face dos seus ideais e ao seu futuro.

4 – O pensamento torna-se mais lógico (ou hipotético-dedutivo)

Durante este estádio desenvolvem-se muito as capacidades e modos


de pensar, semelhantes àqueles que um cientista usa. As crianças, nos es-
tádios anteriores, usavam estratégias de tentativa e erro. Agora, no entanto,
é mais possível estabelecer um plano para resolver problemas e testar sis-
tematicamente as diferentes hipóteses. Depois é possível deduzir as melho-
res soluções e construir teorias explicativas.
Estádio das operações formais 39

Atividades

Atividade 1 (Pensamento abstrato)

Muitas expressões populares sintetizam aspetos culturais complexos


que exigem a capacidade de pensar de modo mais abstrato. Por exemplo, o
ditado popular “Cão que ladra, não morde” será interpretado por uma crian-
ça mais pequena, à letra. Na fase das operações formais já é possível enten-
der que este ditado tem outros significados mais abstratos e profundos.
Identifique algumas expressões populares e pergunte a crianças entre
7 e 11 anos (operações concretas) e entre 12 e 16 (operações formais) qual
o significado que lhes atribuem. Escreva as respostas obtidas e verifique
em que medida se adequam à teoria dos estádios de desenvolvimento
cognitivo que está a estudar.

Expressão Operações Concretas Operações formais


popular
1 – “Cão que la- “Se o cão ladra é porque não “Não se tem necessariamente razão pelo facto
dra não morde” morde” (a criança faz uma in- de se gritar muito, ou de se afirmar como pes-
terpretação literal ou direta) soa mais importante, ou de negar as opiniões
dos outros”
2 – “O amor é “O amor não vê, não tem olhos”
cego” “Quando se está apaixonado faz-se tudo pela
pessoa amada”.
3–
4–
5–
6–

Discuta em grupo o seguinte:


– Há diferenças qualitativas nas interpretações das crianças mais
novas e mais velhas? Porquê?
___________________________________________________________
___________________________________________________________

– Essas interpretações estão de acordo com o que Piaget propõe, isto


é, as crianças mais novas tendem a fazer interpretações à letra e as
mais velhas dão respostas mais complexas e abstratas?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
40 Formação contínua – textos de enquadramento

Atividade 2 (Pensamento perspetivista)

Trabalhe em pequenos grupos.


Imagine que o seu grupo foi mandatado pelo Governo para decidir um
local onde construir uma cidade ideal. Nesta cidade, que vai ser feita de
raiz, tudo deve estar pensado e previsto. Identifique, com os seus colegas
do grupo, as condições que são necessárias para sediar uma cidade ideal
(por exemplo, o tipo de local, acesso aos recursos, estruturas económicas,
transportes, assistência, instrução, segurança, etc.)
Faça um registo escrito das conclusões do trabalho de grupo.
No final cada grupo relata ao grande grupo as conclusões a que se
chegou.
A finalidade principal deste exercício é ajudar os formandos a fazer
perguntas estruturais e a estarem atentos aos pontos de vista dos outros.

Atividade 3 (Pensamento idealizado)

Tal como os jovens podem idealizar fortemente as suas convicções e


ações, os professores desejariam, frequentemente, exercer a sua profissão
em condições mais favoráveis.
O exercício seguinte procura identificar e discutir as condições ideais,
as reais e as possíveis, numa situação concreta.
Em pequenos grupos identifique e discuta quais as condições ideais
que deveriam existir na sua escola por comparação com as condições reais.
Identifique depois o que é que se pode fazer para melhorar a situação.

Condições ideais Condições reais O que é que nós podemos


fazer para melhorar a situ-
ação presente
Deveriam existir boas con- Não há água canalizada na Instalar um depósito de água
dições de sanitação e higie- escola e a água não é potá- e colocar a quantidade ade-
ne na escola vel quada de desinfetante
Estádio das operações formais 41

Atividade 4 (pensamento hipotético-dedutivo)

Em pequenos grupos formule hipóteses de explicação para fenómenos


que ocorrem no dia-a-dia e para os quais nem sempre conhecemos as ra-
zões.
Escolha alguns dos exemplos seguintes ou outros que o grupo encontre:
– Porque é que nos equilibramos em cima de uma bicicleta em anda-
mento e caímos se a bicicleta estiver parada?
– Porque é que a água de um balde cai se o invertermos devagarinho e
não cai se for rodado com muita velocidade?
– Porque é que as cordas de uma viola produzem sons diferentes em
função da sua grossura e grau de tensão?
– A água do mar, quando evapora, é ou não salgada?
– No cimo de uma montanha muito alta, a água ferve à temperatura
esperada (100 º centígrados) ou ferve a uma temperatura superior ou
inferior àquela?
– Porque é que um barco de ferro não se afunda e uma pedrinha vai
logo ao fundo?

Atividade 5 (pensamento hipotético-dedutivo)

Discuta e procure resolver, em pequenos grupos, a seguinte situação:


O João é mais alto que o António;
O António é mais baixo que o José;
Qual dos três é o mais alto?

Qual ou quais as soluções a que o grupo chegou?


___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
42 Formação contínua – textos de enquadramento

Para a construção deste texto de formação consultaram-se as seguintes


referências bibliográficas:

– Arends, R.(1999). Aprender a Ensinar. McGraw-Hill.


– Goswami, U. (Ed.) (2008). Blackwell Handbook of Child Cognitive
Development. Blackwell Publishing.
– Siegler, R. (1998). Children’s Thinking. Prentice Hall.
– Sprinthal, N. & Collins, A. (1995). Adolescent Psychology: a developmental
view. McGraw-Hill.
– Sprinthal, A. & Sprinthal, R. (1993). Psicologia Educacional. McGraw-Hill.
– Tavares, J., Pereira, A., Gomes, A., Monteiro, S. & Gomes, A. (2007). Manual
de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Porto Editora.
MÓDULO DE FORMAÇÃO

ESTÁDIOS DE DESENVOLVIMENTO
MORAL DA CRIANÇA

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Aprofundar os conhecimentos sobre o desenvolvimento moral das


crianças;
– Investigar processos de desenvolvimento moral nas crianças.

Fundamentação:

O estudo do desenvolvimento moral abrange as formas de raciocínio e


justificações morais que a criança usa na apreciação dos seus comporta-
mentos e dos outros. É um estudo do que a criança pensa e não deve ser
confundido com outras formas de pensamento ou práticas morais ou reli-
giosas.
Os estádios de desenvolvimento moral de Piaget seguem de perto o
modelo de estádios de desenvolvimento cognitivo.
No estádio pré-operatório, com as características decorrentes do seu
“egocentrismo” cognitivo, a criança:
– tem dificuldade em se aperceber de que grande parte das suas con-
ceções morais advêm de opiniões ou valores que lhe foram ensina-
das por outros e que ela toma como suas e as assume como conce-
ções mais ou menos absolutas;
– tem dificuldade em se descentrar do seu ponto de vista e atender si-
multaneamente às opiniões de outros;
– quando analisa algum acontecimento que considera grave tende a
julgar essa gravidade mais pelas consequências físicas ou mate-
riais que ocorreram que pela intencionalidade ou falta dela da pes-
44 Formação contínua – textos de enquadramento

soa que praticou esse ato. Isto quer dizer que não distingue entre
ações e intenções;
– as regras estabelecidas para um jogo são, por princípio, sagradas.
Em princípio a razão da criança mais velha prevalece sobre a da
mais nova;
– a criança pensa que para todos os atos que para ela impliquem uma
desonestidade, uma mentira, roubo, violência ou uma qualquer ação
condenável, deve existir uma punição (justiça imanente). Frequen-
temente a criança defende o uso de sanções ou punições expiatórias,
muito desajustadas em relação à gravidade subjetiva de um ato.

No estádio das operações concretas o raciocínio moral das crianças


torna-se mais maleável e prático e as novas capacidades de pensamento re-
versível permitem à criança um desenvolvimento progressivo de muitas
competências, nomeadamente:
– a de considerar simultaneamente os seus pontos de vista e atender
também aos pontos de vista de outros;
– a de distinguir entre ações e intenções não julgando a gravidade de
um facto ou acontecimento pelas suas consequências físicas ou ma-
teriais mas pela intenção que lhe está subjacente;
– a de ir progressivamente entendendo que as regras são convenções
que se encontram para regular um jogo ou acontecimentos da vida
social e de que, por vezes, é necessário encontrar formas de as aper-
feiçoar;
– a de considerar sanções mais razoáveis e a preferir a reciprocidade
no tratamento entre pessoas;
– a de distinguir entre punições imanentes de acontecimentos devidos
a causas fortuitas.

Pelas características acima descritas as crianças no estádio pré-


-operatório têm, segundo Piaget, uma moralidade heterónoma, que vem
de fora para dentro, baseada em noções de responsabilidade objetiva.

Contrariamente, no estádio das operações concretas, as crianças pen-


sam as suas ações por critérios de moralidade autónoma, pessoal, pró-
pria, já baseada em apreciações subjetivas.
Estádios de desenvolvimento moral da criança 45

O quadro seguinte apresenta a informação anterior de forma esquemá-


tica:

Estádios de Desenvolvimento Moral (Piaget)


Estádio II
Estádio I
Moralidade Autónoma
Conceitos Morais Moralidade Heterónoma
Responsabilidade
Responsabilidade Objectiva
Subjectiva
A criança vê o ato como to-
A criança pode colocar-se no
talmente certo ou errado e
lugar dos outros. Não é abso-
pensa que todos o vêem da
Ponto de vista lutista em julgamentos e vê a
mesma maneira.
possibilidade de diferentes
Não se consegue colocar no
pontos de vista.
lugar dos outros.
A criança tende a julgar um
A criança julga os atos pelas
ato em termos de consequên-
Intencionalidade intenções, não pelas suas con-
cias físicas reais e não da mo-
sequências.
tivação subjacente.
Reconhece que as regras são
feitas pelas pessoas e podem
Obedece a regras porque são
ser por elas mudadas.
Regras sagradas e inalteráveis.
Considera-se tão capaz de
mudá-las como qualquer ou-
tra pessoa.
O respeito mútuo pela autori-
O respeito unilateral leva a dade e pares permite à criança
sentir obrigação de confor- valorizar a própria opinião e
Respeito pela autoridade
mar-se aos padrões adultos e dá-lhe uma maior capacidade
obedecer às suas regras. para julgar os outros de modo
mais realístico.
Concorda com uma punição
Concorda com a punição ex- mais suave e recíproca, que
piatória mais severa. Julga a leva à reparação da vítima e
Punição
própria punição e define o que ajuda o culpado a reconhecer
está errado num ato. porque é que o seu ato foi er-
rado.
Confunde a lei moral com a
lei física e acredita que qual- Não confunde a má sorte na-
“Justiça imanente” quer acidente físico que ocor- tural com uma punição.
ra depois de um mau ato seja
uma punição.

Tal como para o estudo do desenvolvimento cognitivo, Piaget criou


pequenas histórias que usava para conversar com as crianças e assim per-
ceber os modos de funcionamento nas diversas idades.
46 Formação contínua – textos de enquadramento

Eis alguns exemplos:

Objetivo: Verificar os juízos e avaliações das crianças em relação a


ações provocadas por uma desonestidade.

Conta-se à criança:
Uma criança ao entrar em casa, abre a porta atrás da qual se encon-
trava uma bandeja com 15 copos, coisa que a criança ignorava. Os 15 co-
pos partiram-se.
Outra criança, na ausência da mãe, tentou tirar de cima de um armá-
rio um frasco de doce. Como estava muito alto, bateu num copo que se
partiu.
Qual das duas crianças é mais culpada? Porquê?

Respostas típicas esperáveis


Moralidade Heterónoma É mais culpada a que partiu 15 copos. Porque partiu mui-
(2/3 aos 6/7 anos) tos. Fez muitos estragos.
Moralidade Autónoma É mais culpada a que foi buscar o doce porque sabia que
(6/7 aos 11/12 anos) a mãe não queria.

Objetivo: Averiguar de que modo as crianças concebem a justiça entre


iguais.

Conta-se à criança:
Havia numa escola uma criança que batia noutra mais pequena. Esta
não se podia fazer nada porque era mais fraca. Um dia decidiu esconder a
maçã e o pão do mais velho. Achas que foi justo? Porquê?

Respostas típicas esperáveis


Moralidade Heterónoma Não foi justo porque assim o mais velho não pode comer
(2/3 aos 6/7 anos) o lanche. Ele devia ir dizer à professora que o outro lhe
batia.
Moralidade Autónoma Foi justo porque o mais velho está todos os dias a bater
(6/7 aos 11/12 anos) no mais pequeno e por isso tem que sofrer as consequên-
cias.
Estádios de desenvolvimento moral da criança 47

Objetivo – Averiguar se a criança considera acontecimentos fortuitos


como punições de justiça imanente

Conta-se à criança:
Uma vez uma criança roubou maçãs num jardim. Apareceu o guarda
e ela fugiu. Não conseguiu encontrar o caminho para casa e ao passar por
uma ponte velha caiu à água. Achas que se a criança não tivesse roubado
maçãs teria caído ao rio na mesma? Porquê?

Respostas típicas esperáveis


Moralidade Heterónoma Caiu ao rio porque tinha roubado as maçãs e ia a fugir do
(2/3 aos 6/7 anos) guarda.
Moralidade Autónoma Mesmo que ele não tivesse tirado as maçãs podia ter caí-
(6/7 aos 11/12 anos) do no rio porque a ponte estava velha.

Objetivo – Averiguar que conceções a criança tem de mentira

Conta-se à criança:
Uma vez uma criança que vinha da escola viu um cão que lhe meteu
muito medo. Ao chegar a casa disse à mãe que tinha visto um cão do ta-
manho de uma vaca.
Outra criança disse à mãe que tinha recebido muito boas notas mas
de facto não tinha recebido notas nenhumas.
Qual das duas mentiras é mais grave? Porquê?

Respostas típicas esperáveis


Moralidade Heterónoma A primeira mentira era mais grave porque o cão era mui-
(2/3 aos 6/7 anos) to, muito grande!
Moralidade Autónoma É mais grave mentir de propósito à mãe porque não tinha
(6/7 aos 11/12 anos) recebido notas nenhumas. A primeira criança não queria
enganar a mãe. Ela tinha sentido muito medo do cão
grande.

Atividades

1 – À semelhança das pequenas histórias criadas por Piaget, peça aos for-
mandos para, em pequenos grupos, criarem outras histórias que sejam
adequadas às vivências das crianças no seu país.
48 Formação contínua – textos de enquadramento

Por exemplo, considere esta história que foi criada por um formador
angolano:
“A mãe deu o dinheiro certo ao filho para ele ir à rua comprar o pão.
Como ele queria muito comprar um sambapito, comprou “pão de ontem”
(mais barato) para lhe sobrar dinheiro para o sambapito. Depois disse à
mãe que só havia daquele pão. Achas que ele fez bem? Porquê?”

Selecione três ou quatro histórias que pareçam mais desafiadoras.


Selecione também algumas das histórias usadas por Piaget.
Organize os dois tipos de histórias e peça a cada formando para entre-
vistar algumas crianças e para registar por escrito as suas respostas, tal
como estas as derem.
Peça para não se esquecerem de realizar contra-provas.
Em grupo, procede-se à análise das respostas procurando identificar-
-se a que nível de desenvolvimento moral reportam, se moral heterónoma
se moral autónoma.
No final sintetize a informação recolhida e discuta em que medida os
resultados obtidos confirmam ou não os propostos por Piaget.

2 – Discuta, em pequenos grupos, que situações podem ser exploradas, na


sala de aula, para ajudar as crianças a refletir sobre questões morais.

Para elaborar este módulo de formação consultaram-se as seguintes


referências bibliográficas:
– Rosa, J. (1994). Observação e registo do desenvolvimento da criança em Jardim
de Infância. Departamento de Educação Básica, Ministério da Educação,
Lisboa.
– Berryman, J., Harreaves, D., Herbert, M. & Taylor, A. (2001). A Psicologia do
Desenvolvimento Humano. Instituto Piaget.
– Lourenço, O. (2002). Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo. Almedina
Editores. Coimbra.
MÓDULO DE FORMAÇÃO

DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DA CRIANÇA


(ENTRE OS 3 E 12 ANOS) (ERIK ERIKSON)

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Aprofundar conhecimentos sobre as dinâmicas de desenvolvimento


psicossocial da criança;
– Refletir acerca do papel da escola no desenvolvimento de sentimen-
tos de iniciativa e de competência.

Fundamentação:

Entre os 3 e os 6/7 anos, antes da entrada na escola primária a criança,


segundo Erikson, desenvolve os sentimentos básicos de Iniciativa vs. Cul-
pa. Uma das características mais interessantes deste período é a manifesta-
ção de vontade e necessidade de cooperar, compartilhar ideias, tarefas e
projetos. A criança gosta de se envolver na resolução de tarefas ou pro-
blemas, mesmo quando outras pessoas os consideram difíceis ou mesmo
impossíveis.
Sobre este tipo de comportamentos assentam muitos processos de
construção do sentimento de iniciativa e uma indispensável fonte de moti-
vação para se avançar na descoberta de algo, ousar fazer para além do ha-
bitual, assumir riscos, defender uma causa justa, criar, etc., indispensáveis
em todos os patamares do desenvolvimento humano.
Para a criança pequena a possibilidade de fracassar não é muito de-
terminante na decisão de fazer ou não alguma coisa. Se as coisas não cor-
rerem bem, rapidamente se montam argumentos defensivos e eficazmente
protetores. Estes passam em geral pela atribuição de causas exteriores, pela
50 Formação contínua – textos de enquadramento

negação da importância do resultado, pela invocação de defeitos nos mate-


riais mas não nos procedimentos adotados, projetando para fora de si as ra-
zões do fracasso.
Para além deste aspeto, a criança exercita o seu pensamento nas inte-
rações com os outros, aprende a participar e a afirmar as suas opiniões,
sentimentos e ideias. Isto é favorecido pelo progressivo desenvolvimento
da capacidade para maleabilizar pontos de vista, embora este seja um pro-
cesso que só emergirá mais completamente no estádio seguinte.
Mostra também um progressivo sentido de independência, responsabi-
lidade e poder de tomar decisões.
Aprende, por processos de identificação aos pais, adultos significati-
vos, heróis, quais são os papéis psicossociais esperáveis para os meninos e
as meninas e quais os valores morais mais importantes.
No estádio seguinte, entre os 6/7 aos 11/12 anos, Erikson propõe que
as crianças desenvolvem os sentimentos básicos de Competência vs. Infe-
rioridade.
Uma das tarefas fundamentais deste período é absorver todas as habi-
lidades e normas básicas da cultura, incluindo competências escolares e
manipulação de instrumentos.
Com a entrada na escola as crianças alargam e diversificam as dinâ-
micas de participação social. O seu espaço de aprendizagem dos compor-
tamentos especificamente humanos inclui agora um maior número de adul-
tos e de crianças e uma maior variedade de situações de interação.
Tentam igualmente conquistar consideração por parte dos adultos e
dos seus pares, produzindo coisas, mostrando as suas capacidades para re-
solver problemas, as suas habilidades no uso de ferramentas típicas da so-
ciedade em que estão inseridas.
Continuam a apreciar envolver-se em projetos, mesmo que impossí-
veis do ponto de vista dos adultos (por exemplo, escrever os números até
ao infinito), ou que excedam em muito as suas reais capacidades.
Desenvolvem formas de cooperação mais complexas e adequam-se a
processos de divisão de trabalho, construindo regras com características
mais formais e universais.
Maleabilizam progressivamente os seus pontos de vista podendo con-
siderar simultaneamente mais do que uma perspetiva acerca das situações.
O grupo de iguais começa a assumir um papel marcadamente protetor
e frequentemente as crianças organizam-se em grupos de meninos ou de
meninas. Os pais deixam de ser a principal fonte de identificação nomea-
damente em matéria de valores sociais e morais. As crianças começam a
atribuir grande importância a protótipos morais ideais (desportistas, canto-
Desenvolvimento psicossocial da criança (entre os 3 e 12 anos) 51

res, etc.) nomeadamente por adoção dos valores dominantes dos grupos
sociais em que se encontram inseridos.
Os processos de desenvolvimento acima sintetizados são processos
gerais dentro dos quais é preciso compreender regularidades individuais,
ou especificidades resultantes das culturas locais.
É necessário prestar muita atenção às situações que potenciam o de-
senvolvimento de sentimentos básicos não positivos, estruturando a crian-
ça sentimentos de culpa e inferioridade. Estes sentimentos podem originar
comportamentos de inadequação, de não ser competente para partilhar as
atividades e iniciativas dos seus pares. Podem ocorrer igualmente insuces-
so escolar, auto estima desfavorecida, comportamentos perturbadores na
sala de aula, distratibilidade frequente, fadiga ou aborrecimento.
O professor pode estar mais atento a estas crianças possibilitando-lhes
ocasiões em que sejam reconhecidas pelos seus esforços e possam avançar
academicamente com maior sucesso. Isso evita que façam uma inversão
crítica dos valores da autoestima, passando esta a basear-se no contrário do
que seria desejável, isto é, a se sentir que ser “mau aluno”, perturbar ou
mesmo abandonar a escola é que são atitudes interessantes.

Atividades (em pequenos grupos):

1 – Partilhe com os colegas experiências ou projetos, mais ou menos im-


possíveis, em que se envolveu, nas fases de desenvolvimento psicos-
social acima descritas. Que vantagens esses projetos trouxeram para o
seu desenvolvimento?
2 – Partilhe com os colegas aprendizagens que tenha feito quando criança,
ao tentar aprender com outros adultos ou iguais a manipular ferramen-
tas, instrumentos, aptidões na gestão da casa, no cuidar dos irmãos
etc.. Que importância essas aprendizagens tiveram no seu desenvolvi-
mento?
3 – Em que medida a escola faz apelo e usa as competências não-escolares
das crianças nos processos de aprendizagem (por exemplo, usar os co-
nhecimentos adquiridos informalmente sobre agricultura, nas aulas de
Ciências da Natureza, quando se estudam as plantas)? Encontre outros
exemplos em que se podem ligar aqueles conhecimentos da criança ao
estudo de matérias escolares.
4 – Discuta em grupo qual o papel dos protótipos morais ideais no desen-
volvimento moral das crianças, durante a escola primária (por exem-
plo, quais são os ídolos mais importantes para as crianças e se veicu-
lam ou não comportamentos social e educacionalmente úteis).
52 Formação contínua – textos de enquadramento

5 – Partilhe em grupo formas que tenha usado na escola para apoiar efi-
cazmente as crianças que desenvolveram sentimentos básicos não po-
sitivos e assim prevenir a emergência de comportamentos desfavorá-
veis.

Para a elaboração deste módulo de formação consultaram-se as se-


guintes referências bibliográficas:
– Rosa, J. (1994). Observação e registo do desenvolvimento da criança em Jardim
de Infância. Departamento de Educação Básica. Ministério da Educação,
Lisboa.
– Erikson, E. (1987). Infância e Sociedade. Zahar Editores.
– Santrock, J. (1996). Child Development. Mc. Graw Hill Books, 8ª Edição.
– Sprinthal, N. & Sprinthal, R. (1993). Psicologia Educacional, McGraw Hill.
MÓDULO DE FORMAÇÃO

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
DE UMA TEORIA DE INSTRUÇÃO
(JEROME BRUNER)

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Aprofundar conhecimentos sobre os aspetos fundamentais de uma


teoria de instrução;
– Estudar as condições necessárias para desenvolver um ensino eficaz.

Fundamentação:

Para Bruner, o objetivo último do ensino é promover a compreensão


da estrutura de uma matéria. “Entender a estrutura de um assunto é com-
preendê-la de uma forma que permite que muitas outras coisas se relacio-
nem com esse assunto”.
O professor deve ajudar a promover as condições em que o aluno se
possa aperceber da estrutura de um determinado assunto. Quando a apren-
dizagem se baseia numa estrutura, é muito mais duradoira e menos facil-
mente esquecida.
O professor deve desenvolver as condições para que se processe uma
aprendizagem pela descoberta, incitando os alunos com perguntas que le-
vem à compreensão dos princípios estruturais dos fenómenos. Esta apren-
dizagem é mais conceptual, promove sentimentos mais fortes de auto-
-estima por parte do aluno e favorece a emergência de um pensamento
criativo, fundamental numa “mente bem desenvolvida”. A aprendizagem
deve também favorecer o uso de um pensamento intuitivo.
Bruner chama à sua posição uma teoria de instrução dado que pres-
creve antecipadamente como um assunto pode ser ensinado.
54 Formação contínua – textos de enquadramento

A teoria de Bruner tem 4 princípios fundamentais:


1 – Motivação;
2 – Estrutura;
3 – Sequência;
4 – Reforço.

1 – Motivação, ou o conjunto de condições que predispõem um indi-


víduo para a aprendizagem. Bruner preocupa-se sobretudo com a motiva-
ção intrínseca (e menos com a motivação externa), isto é, quais são as va-
riáveis críticas que ajudam a aprender. Qual o efeito da curiosidade na
aprendizagem? Qual o efeito do impulso inato para adquirir competência?
Qual o efeito da reciprocidade (necessidade de trabalhar cooperativamente
com os outros) no desenvolvimento social e na aprendizagem?
Bruner pensa que a motivação intrínseca é em si própria recompensa-
dora e autossuficiente. A melhor forma de o professor tirar partido disso é
facilitar e regular a exploração de alternativas por parte dos alunos.
O processo de exploração de alternativas envolve três fases:

A – Ativação:
“A condição principal para ativar a exploração de alternativas numa
tarefa é a presença de um certo nível ótimo de incerteza. Uma tarefa este-
reotipada e rotineira provoca pouca exploração; uma que seja demasiado
incerta pode gerar confusão e ansiedade, tendo um efeito de redução da
exploração”. O professor deve apresentar aos alunos problemas que sejam
apenas suficientemente difíceis para que a motivação intrínseca da curiosi-
dade da criança possa, por si só, ativar a exploração.

B – Manutenção:
“A manutenção da exploração previamente ativada requer que os be-
nefícios da exploração de alternativas excedam os riscos ocorridos. Apren-
der alguma coisa com a ajuda de um educador deve ser, se o ensino for
eficaz, menos perigoso, arriscado ou doloroso do que aprender a sós.
Quer isto dizer que as consequências do erro, da exploração de alternati-
vas erradas, devem tornar-se menos graves sob um regime de ensino e o
rendimento da exploração de alternativas corretas deve ser corresponden-
temente maior”.

C – Direção:
“Para que a exploração de alternativas tenha uma direção, a meta de
uma tarefa tem que ser conhecida de uma forma aproximada, e a verifica-
Princípios fundamentais de uma teoria de instrução 55

ção das alternativas tem que produzir informação quanto à posição em


que se está relativamente a essa meta”. As crianças deverão saber qual o
objetivo a atingir e se falta muito ou pouco para o alcançarem.

2 – Estrutura:
Qualquer ideia, problema ou corpo de conhecimentos pode ser apresen-
tado de modo suficientemente simples para que determinado aluno possa
compreendê-la de uma forma reconhecível.
O acesso à estrutura de qualquer assunto está relacionado com: modo
de apresentação, economia de apresentação e poder de apresentação.

A – O modo de apresentação refere-se à técnica ou método como um


assunto é comunicado. Bruner acredita que a compreensão de um assunto
pode processar-se através de três tipos de representação: a representação
motora, a representação icónica ou a representação simbólica.
A1 – Representação motora (ou ativa): usada com crianças mais no-
vas que necessitam de apelar às suas aprendizagens motoras anteriores e
experimentar um novo conhecimento através da exploração ativa de mate-
riais. Exemplo: compreender os princípios do equilíbrio numa tábua de pe-
sos através das suas experiências de baloiçar num cavalinho.
A2 – Representação icónica: usada com crianças um pouco mais ve-
lhas que já são capazes de pensar os objetos na ausência das ações. Por isso,
podem usar imagens, diagramas, gráficos sumários “que representam um
conceito sem o definirem plenamente”. Exemplo: explicar os princípios do
equilíbrio numa tábua de pesos através do desenho de um diagrama. Isto
constitui um grande passo em frente no desenvolvimento da inteligência.
A3 – Representação simbólica: quando a criança consegue já usar
“um conjunto de proposições simbólicas ou lógicas extraídas de um siste-
ma simbólico que é regido por regras ou leis para a formação e transfor-
mação de proposições”. A representação simbólica permite que as crianças
comecem a fazer derivações lógicas e a pensar de forma mais compacta.
Pela representação simbólica “são construídas poderosas representações do
mundo das experiências possíveis que serão depois utilizadas como modelos
de procura na resolução de problemas”.

B – Economia de apresentação: deve assentar no fornecimento de


sumários concisos e em procurar diminuir o número de factos acessórios
que apenas sobrecarregam a memória de trabalho.
56 Formação contínua – textos de enquadramento

C – Poder de apresentação: deve basear-se numa estrutura simples,


facilmente compreensível, que permita ao aluno encontrar novas relações
entre os factos.

3 – Sequência:
Bruner considera que ensinar envolve levar o aluno através de uma
determinada sequência, formada pelos vários aspetos de uma matéria. Co-
mo Bruner acredita que o desenvolvimento intelectual ocorre de acordo
com uma sequência inata, movendo-se da representação motora para a icó-
nica até à simbólica, então é altamente provável que esta seja a melhor se-
quência para qualquer matéria. Assim, mesmo quando um aluno já pode
iniciar um assunto pela representação simbólica, um apelo inicial de en-
volvimento corporal seguido da exploração de diagramas e diversas repre-
sentações pictóricas pode ser importante. Bruner considera que esta pro-
posta é “conservadora” mas “segura”.

4 – Reforço: uma aprendizagem bem sucedida requer reforço, “feed-


back” ao que o aluno está a fazer e fornecimento dos resultados na altura
em que o aluno necessita deles para avaliar a sua aprendizagem. O reforço
deve ser compreensível para o aluno, isto é, estar próximo do modo de re-
presentação que ele usa.

Atividades:

1 – Construir uma cidade

Para Bruner, o objetivo último do ensino é promover a compreensão


da estrutura de uma matéria. “Entender a estrutura de um assunto é com-
preendê-la de uma forma que permite que muitas outras coisas se relacio-
nem com esse assunto”.
Em pequenos grupos, siga uma das sugestões de Bruner, imaginando
que o grupo foi mandatado pelo Governo para decidir um local onde cons-
truir uma nova cidade. Nesta cidade tudo deve estar pensado e previsto.
Faça com os seus colegas do grupo um elenco das condições que são ne-
cessárias para implantar uma cidade, que estruturas implementaria, como
as distribuiria, etc..
Faça um registo escrito das conclusões do trabalho de grupo.
No final cada grupo relata as conclusões a que se chegou e com os as-
petos novos faz-se um elenco das condições estruturais que é preciso defi-
nir quando se quer decidir onde implantar uma cidade.
Princípios fundamentais de uma teoria de instrução 57

A finalidade principal deste exercício é ajudar os formandos a fazer


perguntas estruturais.

2 – Motivação intrínseca

Bruner preocupa-se sobretudo com a motivação intrínseca (e menos


com a motivação externa), isto é, quais são as variáveis críticas que aju-
dam a aprender. Qual o efeito da curiosidade na aprendizagem? Qual o
efeito do impulso inato para adquirir competência? Qual o efeito da reci-
procidade (necessidade de trabalhar cooperativamente com os outros) no
desenvolvimento social e na aprendizagem? Bruner pensa que a motivação
intrínseca é em si própria recompensadora e autossuficiente. A melhor
forma de o professor tirar partido disso é facilitar e regular a exploração de
alternativas por parte dos alunos.
Discuta com os elementos do seu grupo em que medida as suas aulas as-
seguram as variáveis críticas que ajudam a aprender, de acordo com Bruner.

3 – Explorar alternativas

Bruner pensa que a motivação intrínseca é em si própria recompensa-


dora e autossuficiente. A melhor forma de o professor tirar partido disso é
facilitar e regular a exploração de alternativas por parte dos alunos.
Escolha um tema controverso e diga o que pensa acerca disso, de
forma breve. A função dos elementos do pequeno grupo é colocarem ques-
tões que o ajudem a explorar outras alternativas.

4 – Atividade de ensino

Cada grupo prepara uma atividade de ensino relevante para as crian-


ças do ensino primário que contenha as três formas de representação pre-
conizadas por Bruner, isto é, as representações ativa, icónica e simbólica
(15 minutos). Apresenta aos restantes grupos, que enriquecem com contri-
buições de acordo com a teoria de J. Bruner.

Para elaborar este módulo de formação consultaram-se as seguintes


referências bibliográficas:
– Bruner, J. (1988). O Processo da Educação. Edições 70.
– Bruner, J. (1999). Para uma Teoria da Educação. Lisboa, Relógio d’Água.
MÓDULO DE FORMAÇÃO

EDUCAÇÃO, CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO


HUMANO: DEONTOLOGIA PROFISSIONAL
DO PROFESSOR

Coordenação: João Rosa


Escola Superior de Educação de Lisboa

Objetivos:

– Aprofundar os conhecimentos sobre as condições em que se exerce


a profissão de professor;
– Construir situações que permitam aprofundar questões deontológi-
cas da profissão.

Fundamentação:

Afonso (2009) convida-nos a compreender profundamente os princí-


pios gerais subjacentes à natureza e à formação dos professores. Esta ideia
iniciou-se com uma pergunta filosófica: “O que é e quem é o professor”?
O professor, enquanto sujeito educativo, é a pessoa que se dedica de corpo
e alma ao trabalho de desenvolvimento cognitivo, afetivo, e psicomotor
dos alunos.

Perfil Profissional do professor ou docente

O Professor/docente, de acordo com a sua formação científica e peda-


gógica, nas suas várias vertentes, põe constantemente à prova a sua função
de professor, de formador, e de orientador, num quadro de valores subja-
centes à sua missão. Na sociedade do conhecimento, tem de estar prepara-
do para responder aos desafios do seu desenvolvimento, para participar
ativamente na sociedade e para criar situações de aprendizagem que aju-
dem os jovens a serem autónomos ao longo da vida.
60 Formação contínua – textos de enquadramento

Segundo os Princípios Comum Europeus para as Competências e


Qualificação dos Professores (2005), os professores devem refletir sobre
os processos de ensino e aprendizagem, ser conhecedores dos conteúdos
disciplinares, das questões estruturantes do currículo, promover a inovação
pedagógica e a investigação e ser ainda promotores das dimensões sociais
e culturais da educação.
Segundo Perrenoud (2000), as competências-chave do professor po-
dem ser agrupadas em alguns domínios, como por exemplo, organizar e es-
timular situações de aprendizagem, administrar a progressão das aprendi-
zagens e conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
O perfil referido no documento Princípios Comum Europeus para as
Competências e Qualificação dos Professores (2005), deve ser visto no
contexto social, como mobilizador da economia e dos aspetos culturais, a
saber: trabalhar com outros, trabalhar com conhecimento, tecnologia e
formação.

Código de conduta do professor

O código de conduta deve ser aplicado ao ambiente de aprendizagem


e aos acontecimentos e atividades decorrentes dos programas da educação.
O código de conduta do professor expõe os deveres dos professores, como
nos exemplos seguintes:
1) O professor deve sempre agir de forma a manter a honra e a digni-
dade da profissão, proteger a confidencialidade de algo revelado
por aluno;
2) Na sala de aula o professor deve promover um ambiente de apren-
dizagem positivo e seguro, ensinar de forma a respeitar a dignida-
de e os direitos de todos os alunos, promover a autoestima, con-
fiança e valorizar cada aluno;
3) Na sua vida profissional, o professor deve mostrar a competência
nas metodologias e nos conteúdos, mostrar compreensão (na sua
forma de leccionar) sobre como as crianças aprendem;
4) No que respeita à comunidade, o professor deve encorajar os pais a
apoiar e a participar na aprendizagem das crianças, reconhecer a
importância da família e da comunidade envolvente à escola, apoiar
e promover uma imagem positiva da escola.

Em diversos países, existem normas que são de cumprimento obriga-


tório pelo professor:
Educação, cidadania e desenvolvimento humano 61

– Respeitar o código de conduta da escola e o regulamento interno;


– Manter a honra e a dignidade da profissão;
– Não molestar sexualmente ou ter uma relação sexual com nenhum
aluno;
– Ser um modelo de bondade e honestidade;
– Ser justo na avaliação dos alunos;
– Encorajar os alunos e desenvolver-se enquanto pessoas ativas e efi-
cazes;
– Cumprir e dominar os programas;
– Ensinar de forma a respeitar a dignidade e os direitos e deveres dos
alunos;
– Ser assíduo e pontual;
– Planificar adequadamente as suas aulas;
– Não usar bebidas alcoólicas na escola ou apresentar-se embriagado.

O Professor na sua função de ensino e aprendizagem

O professor é um promotor do desenvolvimento dos alunos nos domí-


nios cognitivo, afetivo, social e psicomotor. Decidir o que é importante en-
sinar é uma escolha difícil para todos os educadores. Por exemplo, numa
situação em que se têm muitos alunos numa turma serão necessárias deci-
sões importantes sobre a natureza dos serviços educativos oferecidos, quer
ao nível formal quer ao nível informal.
No mínimo, o processo de aprendizagem necessita de quatro requisitos:
a. Currículo – são usados currículos cultural, social, e linguisticamen-
te relevantes, para providenciar educação formal e não formal,
apropriado a situação particular;
b. Formação – os professores e restante pessoal envolvido no processo
educativo devem receber periodicamente formação estruturada e re-
levante de acordo com as necessidades e as circunstâncias;
c. Aprendizagem – a aprendizagem é centrada no aluno, é participati-
va e inclusiva;
d. Avaliação – devem ser usados métodos apropriados para avaliar e
validar a aprendizagem.

Uma formação específica e continuada


Para elevar a qualidade do ensino, o professor deve participar regu-
larmente em atividades de formação. Estas procuram:
a. Adequar a formação às necessidades da sociedade;
b. Fazer participar o professor no processo de formação;
62 Formação contínua – textos de enquadramento

c. Proporcionar formação baseada nas necessidades dos professores;


d. Desenvolver a formação a partir da realidade dos professores;
e. Aumentar o saber científico específico;
f. Aperfeiçoar o saber pedagógico;
g. Desenvolver atividades de experimentação e reflexão;
h. Proporcionar uma formação integrada.

Atividades

Atividade 1:

Muitas vezes define-se o professor como alguém que tem que ser per-
feito, que sabe tudo e que tem soluções para todos os problemas do ensino
e da sociedade. Há muitas expressões populares que representam esse juízo
de valor.
Abaixo, tem um exemplo de um valor que é frequentemente atribuído
e exigido aos professores. Discuta-o com os seus colegas e identifique de-
pois outros casos semelhantes.
Discuta ainda as possibilidades e as dificuldades que o professor pos-
sa sentir para corresponder a esses valores.

Expressão Explicação Possibilidades / Dificuldades


popular mais frequente
1 – O professor Cada comportamen- O professor deve mostrar um bom exemplo, ser
deve ser como to do professor tem uma pessoa equilibrada nas relações com outros
um espelho que ser um exemplo professores, alunos, pais e comunidade.
para os alunos Mas algumas vezes o professor exerce a sua profis-
são em condições muito difíceis, com salários bai-
xos, por vezes em atraso e sem condições materiais
mínimas o que lhe torna difícil encontrar sempre o
equilíbrio interior e as melhores estratégias pessoais
e profissionais.

2–

3–

4–
Educação, cidadania e desenvolvimento humano 63

Atividade 2

Discuta em grupo a seguinte afirmação:


– “O professor é um herói anónimo”. Concorda? Discorda? Porquê?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________

Atividade 3
– Muitas vezes, no processo de ensino e aprendizagem, o professor só se
foca no domínio do desenvolvimento cognitivo dos alunos. Será que é
razoável? Porque?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________

Atividade 4
Trabalhe em pequenos grupos.
Nos Princípios Comum Europeus para as Competências e Qualifica-
ção dos Professores (2005)) está definido um perfil do professor.
Discuta criticamente esse perfil com os elementos do seu grupo.
Faça um registo escrito das conclusões do trabalho de grupo.
Parabéns pelo bom trabalho!

Para a construção deste texto de formação consultaram-se as seguintes


referências bibliográficas:
– Afonso, I. L. (2009). Recursos e percursos para avaliação de desempenho dos
docentes. Plátano Editora.
– Arends, R. (1999). Aprender a Ensinar. McGraw-Hill.
– Elliot, J. G. et al. (2005). Motivation engagement and educational performance.
International Perspectives on the contexts for Learning. Antony Rowe Ltd,
Chimppam and Eastbourne, UK.
– INEE (2004). Requisitos Mínimos para a Educação em Situação de Emer-
gência: Crises Crónicas e Reconstrução. Gráfica Visão.
– UNHCR 94 (2009). Education in Emergencies: Including Everyone. Geneva:
Switzerland.
– Pimenta, M. de L. et al. (1999). Dimensões de formação na educação.
Contributo para um manual de metodologia geral. Comissão Europeia e
Fundação Calouste Gulbenkian.
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Clara Rolo
Escola Superior de Educação de Lisboa

Modelos de Ensino / Modelos de Aprendizagem

Objectivos:

1. Caracterizar modelos de ensino e modelos de aprendizagem;


2. Relacionar as influências e implicações que cada tipo de modelos
tem nos modos de conceber a Escola;
3. Refletir sobre tomada de decisões na formação de professores para
uma escola com práticas de melhor qualidade pedagógica.

Origens da Escola Tradicional


A Didática Magna publicada no século XVII, da autoria de Comenius
assenta em dois grandes princípios:
– Ensinar tudo a todos, da mesma maneira, como se fossem um só;
– Um só método na escola assente em determinados princípios: um li-
vro para cada matéria disciplinar; ordem na exposição das matérias
por parte do professor; disciplina e atenção dos alunos; repetição da
lição do professor por parte dos alunos, de forma exaustiva e siste-
mática; memorização; avaliação sob a forma de questionários orais
ou escritos como forma de verificação da matéria.

Questões:
• Será que este modelo de escola se justifica hoje em dia, no século XXI?
• Será que os modelos de ensino assentes na transmissão da informa-
ção por parte do professor favorecem a aprendizagem dos alunos?
• Será que todas as crianças aprendem as mesmas coisas ao mesmo
tempo e da mesma maneira?
66 Formação contínua – textos de enquadramento

• Será que a aprendizagem na escola implica que o professor parta do


zero? Ou as crianças já trazem imensos saberes e aprendizagens rea-
lizadas?
• O que é Aprender? Que concepções de aprendizagem?
• Que alternativas pedagógicas aos modelos de ensino transmissivos?

Ensinar é transmitir conhecimentos aos alunos? Ou Ensinar é fazer


aprender os alunos?

Tradicionalmente considera-se o ensino como uma tarefa exclusiva do


professor e o sucesso escolar dos alunos como dependendo exclusivamente
do ensino do professor. O bom professor é aquele que domina o conheci-
mento dos conteúdos a ensinar e que usa métodos e técnicas didáticas ade-
quadas para a transmissão do conhecimento.
Mais recentemente, sobretudo desde as últimas décadas do século
XX, a investigação científica no campo das teorias do currículo revela co-
mo consensual a ideia de que não se pode conceber o ensino do professor
sem ter em conta o modo como os alunos aprendem. Convergem, assim,
visões de complementaridade na análise das práticas da sala de aula com
contributos científicos de várias origens das Ciências da Educação (princi-
palmente da pedagogia, psicologia, sociologia).
O que se faz, como se faz e para que se faz na sala de aula é objecto de
muitos trabalhos de investigação, que põem o enfoque na complementari-
dade das perspectivas pedagógico-didáticas e as suas inter-relações com os
modos como os alunos aprendem.
Maria do Céu Roldão (1998, 2006) entre muitos outros investigado-
res, define o ensino do professor como a tarefa de fazer aprender os alunos.
“Se, por hipótese, deixasse de ser necessária a função social de ensinar-
-fazer aprender, a escola perderia então o seu sentido”
Vigotsky, psicólogo russo, afirmando que o aluno educa-se a si mes-
mo, salienta que “o que educa o aluno é o trabalho que ele próprio realiza e
não o que recebe dos outros”.
• Como se ensina? O que se ensina? Para que se ensina?
• O que é aprender? Como se aprende? Para que se aprende?

Observemos os quadros seguintes que sistematizam duas grandes fa-


mílias de modelos de conceber a ação educativa a partir de pressupostos,
princípios e conceções diferentes.
Educação e desenvolvimento 67

Modelos de Ensino / Modelos de Aprendizagem (descritores)


Modelos transmissivos Modelos Construtivistas
Pressupostos • A criança não sabe e vem para a • A criança sabe e vem para a es-
escola aprender; cola para refletir sobre os seus
• O professor sabe, e vem à escola conhecimentos, para os organi-
para ensinar a quem não sabe; zar, enriquecer e desenvolver;
• A inteligência é uma vazio que • O professor garante que cada um
se enche progressivamente pela possa atingir os mais altos níveis
sobreposição de conhecimentos. possíveis (cognitivos, sociais,
afectivos) com o contributo de
todos;
• A inteligência é um vaso cheio
que se vai modificando e enri-
quecendo por reestruturação.
Princípios Igualdade: todas as crianças são Diferença: todas as crianças sabem
iguais o que leva à criação de tur- e sabem coisas diferentes e de ma-
mas homogéneas, por idades; neiras diferentes, porque são dife-
Fecho e separação: neste modelo de rentes as suas experiências e recur-
escola não se aceita facilmente o sos;
confronto com o que acontece fora Abertura: significa aceitar a criança
da escola; com o que sabe, o que não sabe, o
Classes especiais: para as crianças que sente, o que sabe e é capaz de
com handicaps. fazer;
O-que-está-perto: significa partir
das experiências mais próximas, do
que é observável, do que conhece;
O grupo: significa aceitar o grupo
como referência para o trabalho es-
colar e considerar que as crianças
não aprendem só com o professor.
Aprendizagem Aprender é um estado; Aprender é um processo interno
Aprender resulta da acumulação do próprio sujeito através de pro-
passiva de conhecimentos por par- cessos de assimilação / acomoda-
te do aprendiz; ção (adaptação) conhecimento no-
Aprender resulta de uma modifica- vo aos conhecimentos anteriores;
ção mais ou menos permanente de Aprender é uma relação que se
um comportamento resultado de estabelece e depende de variáveis;
um exercício repetido. • Ligadas à pessoa do aluno
• Aos objetos de Saber
• Às condições contextuais.
Papel do Distribuidor do saber; Ensinar a Ensinar é criar um meio rico em
professor lição. interações. Facilitador da apren-
• Explicar; dizagem
• Demonstrar como se faz; • Cria ambientes de confiança e
• Fornecer estereótipos; segurança;
• Corrigir, classificar; premiar • Estimula o avanço dos alunos;
• Coloca desafios;
• Provoca o conflito sociocogniti-
vo.
68 Formação contínua – textos de enquadramento

Papel do aluno Objecto do ensino Sujeito ativo da sua aprendiza-


• Ouvir as explicações do profes- gem
sor; • Respeito pela diversidade e pelas
• Executar as tarefas pedidas; diferenças individuais;
• Reproduzir: repetir, repetir, repe- • Valorização dos saberes dos alu-
tir até saber fazer. nos;
• Valorização da motivação intrín-
seca, do desejo de aprender; do
prazer;
• Desenvolvimento da autonomia
do aluno.
Visão do Cur- • Programa: conteúdos, objectivos; • É uma construção – currículo –
rículo • Aplicação uniforme em todas as projecto;
escolas, da mesma maneira, no • Permite a criatividade do profes-
mesmo tempo. sor;
• Desenvolvido em função do con-
texto;
• Os programas nacionais são in-
terpretados e (re)criado em fun-
ção dos públicos e dos contextos.
Tipos de tare- • Cumprimento sincronizado das • Tarefas abertas – não apelam a
fas didáticas tarefas; uma solução única;
• Fechamento das tarefas; • Globais – nascem de problemas
• Tarefas Fragmentadas; reais; do quotidiano; da vida;
• A componente escrita das tarefas; • São assumidas colectivamente,
• O carácter individual das tarefas; por vários alunos;
• O carácter quantificável das tare- • Apelam ao trabalho colaborati-
fas; vo: em díades, trabalho de grupo;
• O carácter pouco interativo das • De longa duração – projetos; in-
instruções; vestigações; sequências;
• A relativa facilidade das tarefas. • Privilegiam competências funci-
onais; utilização prática;
• Diferenciadas em função das ne-
cessidades; dos interesses.

Avaliação • Avaliar é essencialmente classi- • Avaliar é conhecer o aluno em


ficar; todas as dimensões;
• Avaliam-se os produtos; • Avalia-se tanto o processo quan-
• A principal função da avaliação é to os produtos;
classificar, selecionar, hierarqui- • A principal função da avaliação
zar; é a regulação do processo de en-
• A modalidade de avaliação pre- sino e aprendizagem; é ajudar os
dominante é a sumativa, recor- alunos a aprender;
rendo a testes. • Recorre-se a modalidades dife-
rentes: diagnóstica, formativa e
sumativa.
Educação e desenvolvimento 69

O processo de Ensino aprendizagem: Estruturação das interações


educativas na sala de aula

O papel do professor
O professor desempenha o papel fundamental neste modelo de apren-
dizagem. É ele que organiza a dimensão interativa, contextualizando o sa-
ber a aprender e estabelecendo as redes de comunicação entre os alunos.
Significa que as funções do professor se desdobram em 3 grandes fases do
processo do ensino-aprendizagem

Fase pré-ativa: Fase interativa: Fase pós-ativa:


• Criar e organizar as situações • Colocar o aluno em situação • Avaliar os alunos conforme
de aprendizagem de aprender as suas capacidades e esfor-
• Planear permitindo a adapta- • Ajudar os alunos a encontrar ço
ção dos saberes às necessi- sentido do que fazem • Ajustar os processos; as
dades dos alunos • Oferecer ajudas adequadas condições
• Contar com os conhecimen- • Promover atividade mental • Verificar a transferência
tos e contributos dos alunos auto-estruturante
• Estabelecer metas que este- • Estabelecer um ambiente
jam ao alcance dos alunos que promova a autoestima e
o autoconceito
• Gerir e regular as interações
sociais
• Promover canais de comu-
nicação

Atividades
1. Procure observar uma sala de aula e identificar:
• Que tipo de situação de aprendizagem decorre
• Como estão agrupados os alunos
• Que tipo de interações existem na aula: entre quem e quem
• Papel do professor na gestão das interações
• Foi feito o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos
• Qual o trabalho efetivo dos alunos
• ….
2. Procure promover a reflexão sobre o que foi observado, e com base
nos referenciais teóricos, identificar alternativas para aumentar o
envolvimento e a participação dos alunos na construção do conhe-
cimento.
3. Identifique limitações ou obstáculos e formas de superação.
70 Formação contínua – textos de enquadramento

Referências

Perrenoud, Ph. (1995). Ofício do Aluno e o Sentido do Trabalho Escolar, Por-


to: Porto Editora.
Roldão, M. Céu (1999). Os Professores e a Gestão do Currículo – Perspecti-
vas e práticas em análise. Porto: Porto Editora.
Tonucci, F. (1986) “Contributos para a definição de um modelo educativo: da
escola transmissiva à escola construtiva”. In Análise Psicológica, 1 (V):
169-178.
Zabala, A. (1995). A Prática Educativa. Como Ensinar. Porto Alegre: Ed.
Artmed.
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO

Clara Rolo
Escola Superior de Educação de Lisboa

Refletir sobre a prática

Objectivos:

4. Refletir sobre as práticas de ensino numa sala de aula, no sentido de


melhorar a qualidade da relação pedagógica e a aprendizagem dos
alunos;
5. Encontrar estratégias de melhoria das atividades de ensino do pro-
fessor que facilitem a aprendizagem dos alunos.

Atividades:

1 – Procure lembrar-se de uma aula que deu aos seus alunos e faça
uma descrição breve em que refira:

• Como iniciou a aula;


• Que tipo de recursos ou suportes utilizou;
• Que tipo de atividades realizaram os alunos / Qual o trabalho efetivo
dos alunos;
• Como estão agrupados os alunos;
• Que tipo de interações existem na aula: entre quem e quem;
• Papel do professor na gestão das interações;
• ….

2 – Observe os seguintes quadros que dão conta de quatro situações


didáticas, tal como são propostas por A. Zabala (1995), e discuta
com o seu grupo em qual das situações a aula que descreveu se
enquadra melhor. Apresente razões justificativas.
72 Formação contínua – textos de enquadramento

Situação 1 Situação 2
• Comunicação da lição. • Apresentação de uma situação problemá-
• Estudo individual sobre o livro-texto. tica por parte do professor(a).
• Repetição do conteúdo apreendido. • Procura de soluções, por parte dos alunos.
• Avaliação: teste. • Exposição do(s) conceito(s) por parte do
professor.
• Generalização a outras situações.
• Aplicação / Exercícios.
• Avaliação: teste.
Situação 3 Situação 4
• Apresentação por parte do professor(a), de • Apresentação por parte do professor(a),
uma situação problemática em relação a um de uma situação problemática em relação
tema. a um tema.
• Colocação de problemas ou questões. • Colocação de problemas ou questões.
• Explicitação de respostas intuitivas ou su- • Explicitação de respostas intuitivas ou
posições. suposições.
• Sugestão sobre as fontes de informação. • Sugestão sobre as fontes de informação.
• Pesquisa de informação. • Pesquisa de informação.
• Elaboração de conclusões. • Elaboração de conclusões.
• Generalização das conclusões e síntese. • Generalização das conclusões e síntese.
• Exercícios de treino, memorização. • Exercícios de treino, memorização.
• Avaliação: teste. • Avaliação: teste.

3 – Procure agora ler os extractos seguintes para fundamentar as suas


razões justificativas e encontrar alternativas à situação de aula
descrita.

“A aprendizagem é uma construção pessoal que cada menino e cada menina realizam gra-
ças à ajuda que recebem de outras pessoas. Esta construção, através da qual podem atribuir
significado a um determinado objecto de ensino, implica a contribuição por parte da pessoa
que aprende, do seu interesse e disponibilidade, dos seus conhecimentos prévios e da sua
experiência.” (ZABALA, A. 1995)1.
Aprender é um processo interno do próprio sujeito através de processos de assimilação /
acomodação (adaptação) conhecimento novo aos conhecimentos anteriores
Aprender é uma relação que se estabelece e depende de variáveis: ligadas à pessoa do
aluno, aos objetos de Saber, às condições contextuais

O papel do professor no ensino: Facilitar a aprendizagem dos alunos


 Ensinar é criar um meio rico em interacções;
 Estimula o avanço dos alunos;
 Cria ambientes de confiança e segurança;
 Colocar desafios ao alcance dos alunos.

1 Zabala, A. (1995) “A Prática Educativa. Como ensinar”. Editorial Artmed.


Qualidade da educação e desenvolvimento 73

Facilitar a aprendizagem dos alunos implica:


 Conhecer os alunos;
 Respeito pela diversidade e pelas diferenças individuais;
 Valorização dos saberes dos alunos;
 Valorização da motivação intrínseca, do desejo de aprender; do prazer;
 Desenvolvimento da autonomia do aluno.

Numa sequência didática o professor deve ter em consideração:


 Conhecimentos prévios dos alunos;
 Significância e funcionalidade dos novos conteúdos;
 Nível de desenvolvimento dos alunos;
 Atitude favorável dos alunos: autoestima e autoconceito.

Organizar situações didáticas diversificadas e que entusiasmem e desafiem os alunos:


 Tarefas abertas – não apelam a uma solução única;
 Globais – nascem de problemas reais; do quotidiano; da vida;
 São assumidas colectivamente, por vários alunos;
 Apelam ao trabalho colaborativo: em pares, em pequenos grupos;
 De longa duração – projetos; investigações; sequências;
 Privilegiam competências funcionais; utilização prática;
 Diferenciadas em função das necessidades; dos interesses;
 Que resultem em produtos que possam ser comunicados, divulgados.

Organizar e conceber a avaliação, não exclusivamente, como objecto de classificação


para “dar notas”:
 Avaliar é conhecer o aluno em todas as dimensões (afectivas, cognitivas, sociais);
 Avaliar é ajudar os alunos a aprender mais e melhor e com mais prazer;
 Avalia-se tanto o processo quanto os produtos;
 A principal função da avaliação é a regulação: tanto dos processos de ensino do profes-
sor, quanto dos processos de aprendizagem do aluno;
 Recorre-se a modalidades diferentes: diagnóstica, formativa e sumativa;
 Fomenta-se a auto e herero avaliação.
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO

Clara Rolo
Escola Superior de Educação de Lisboa

Tornar-se professor reflexivo

Objectivos:

1. Refletir sobre as práticas de ensino numa sala de aula, no sentido de


melhorar a qualidade da relação pedagógica e a aprendizagem dos
alunos;
2. Encontrar estratégias de melhoria das atividades de ensino do pro-
fessor que facilitem a aprendizagem dos alunos.

Refletir sobre a Prática: Porquê? Como?

Dewey (1933), define o conceito de reflexão como “sendo um estado


de dúvida; hesitação, inquietação, perplexidade com que alguém que traba-
lha em educação se confronta no seu quotidiano. Acrescenta, Dewey, que
este pensar reflexivo corresponde a um ato de pesquisa; de procura; de in-
quirição para esclarecer dúvidas… perplexidades…
A ação reflexiva implica o desejo de se ouvir mais do que uma opi-
nião, de se atender a possíveis alternativas e de se admitir a possibilidade
de erro, mesmo naquilo em que se acredita com mais força. Os professores
reflexivos perguntam-se constantemente porque estão a fazer o que fazem
na sala de aula...).
A reflexão é entendida por Alarcão (1996), como o questionamento
sistemático da própria prática de modo a melhorar essa prática e a apro-
fundar o próprio conhecimento dela. Só assim, na opinião de muitos auto-
res se exercita e se constrói o verdadeiro e autêntico desenvolvimento pro-
fissional dos professores.
O trabalho do professor implica uma atitude investigativa que se tra-
duz na reflexão sobre o antes (fase pré-ativa) o durante (fase interativa) e o
76 Formação contínua – textos de enquadramento

após (fase pós-ativa). Significa então, que mantenha e utilize uma atitude
reflexiva antes: o modo como planifica – o que tem em conta (os conteú-
dos, os materiais, os conhecimentos anteriores dos alunos, etc.); durante a
implementação das atividades que planeou nos contextos reais, e poste-
riormente de modo a identificar causas de sucesso e causas de insucesso
das experiências levadas a cabo com os alunos. O triângulo assente nos
três vértices: “reflexão antes”, “reflexão durante” e “reflexão depois”,
permite uma avaliação permanente do trabalho do professor, e contribui
para o seu desenvolvimento profissional.
O objecto da reflexão é, portanto, tudo o que se relaciona com a ação
do professor durante o ato educativo:
• Atividades, conteúdos, materiais…;
• Contextos e situações de aprendizagem;
• Métodos e procedimentos didáticos;
• Finalidades do ensino;
• Competências que se promovem;
• Os conhecimentos, capacidades, atitudes que se pretende que os alu-
nos desenvolvam;
• Factores que inibem a aprendizagem;
• Os modos de avaliação dos alunos;
…….

Refletir sobre a Prática: Que atitudes?

 Abertura de  Desejo ativo de se ouvir mais do que uma única


espírito opinião, de se atender a possíveis alternativas e
de se admitir a possibilidade de erro, mesmo
naquilo em que se acredita com mais força.
 Responsabilidade  Ponderação cuidadosa das consequências de
uma determinada ação.
a) Quais as consequências do meu ensino no
autoconceito dos alunos? b) Quais as conse-
quências do meu ensino no desenvolvimento in-
telectual dos meus alunos? c) Quais as conse-
quências do meu ensino na vida dos alunos: que
utilidade? Que sentido?
 Autenticidade  Reconhecimento de cada um de nós é responsá-
vel pela sua própria aprendizagem; pelo seu de-
senvolvimento profissional.
 Convicção de que só refletindo sobre o quê, para
Qualidade da educação e desenvolvimento 77

quê e como fazemos podemos melhorar e apren-


der mais;
 Convicção de que a reflexão sobre a prática não
é (não pode ser) um mero exercício académico.

Modelos de Análise dos Tipos de Reflexão

Zeichner & Liston (1987), a partir da conceptualização de Van Manen


(1977, cit. Zeichner & Liston, 1987), definiram três tipos de reflexão: téc-
nica, prática e crítica.
A reflexividade técnica é um tipo de reflexão que se centra mais na
descrição das ações que decorrem no contexto de sala de aula. Essas ações
não são interpretadas, justificadas ou criticadas. Nem os fins educativos,
nem os contextos da comunidade, da escola ou do seu grupo/turma são en-
carados como problemáticos. Neste nível a preocupação central do profes-
sor é a eficácia e a eficiência da aplicação de conhecimentos científicos de
ensino às situações de prática profissional.
A reflexividade prática, por sua vez, tem por detrás os fins educativos
que o profissional pretende atingir com a sua ação educativa. Neste nível
de reflexão o profissional identifica problemas e pode, por vezes, funda-
mentar a sua ação à luz dos seus conhecimentos teóricos e dos seus valores
educativos. Mas também cabe aqui uma reflexão da prática pela prática,
sem recurso a qualquer fundamentação teórica explícita, reflexão originada
em processos de tentativa e erro, na procura de um processo de tentativa e
sucesso. A tomada de decisões e os conhecimentos teóricos, aos quais re-
corre na sua prática, procuram prever e avaliar as consequências educati-
vas a que a sua ação conduz.
A reflexividade crítica é um tipo de reflexão no qual são analisadas as
ações de sala de aula mas também aspectos relativos à instituição na qual o
profissional se encontra inserido. Este nível de reflexão remete para um
maior questionamento relativo à ação prática do profissional uma vez que
este não só identifica os problemas como propõe soluções possíveis. Neste
nível o profissional já incorpora no seu discurso, além de conhecimentos
científicos, aspectos relacionados com a ética e com a moral.
Van Manen (1991, cit. Quintas et al, s.d.) faz a distinção entre quatro
tipos diferentes de reflexão.
O primeiro consiste no pensar, evidenciado ao nível do senso comum,
decorrente do agir profissional. O professor pensa a ação pedagógica de
forma rotineira, intuitiva, pré-reflexiva.
78 Formação contínua – textos de enquadramento

O segundo tipo de reflexão remete para uma reflexão estruturada, na


qual o professor fala relativamente às suas experiências e justifica as suas
ações, no entanto, ainda num âmbito descritivo.
O terceiro já é uma reflexão sistemática, suportada pela experiência
do próprio professor e de outros professores a quem reconhece valor, e por
conceptualizações teóricas.
O último tipo de reflexão refere-se à reflexão sobre a própria ação e
teorização: aqui o professor procura compreender a natureza do conheci-
mento, ou seja, como é que o conhecimento funciona em ação e como po-
de ser aplicado na compreensão sobre a ação prática.

Modelos de Análise das Fases do Processo de Reflexão

Smyth (1989, cit. Amaral et al, 2005) defende a necessidade da for-


mulação de perguntas pedagógicas para desenvolver a capacidade de refle-
xão nos profissionais. Estas questões estimulam os formandos a percorrer
quatro fases do processo de reflexão.
A primeira fase é a da descrição, na qual o professor responde a ques-
tões tais como: “O que fiz? Como fiz? Porquê? Nesta fase o principal ob-
jectivo é a elaboração de uma descrição objectiva do que foi feito pelo pro-
fessor no contexto educativo. Esta constitui uma fase mais técnica e
proporciona o início do seu processo de reflexão. As perguntas que lhe são
dirigidas permitem tornar o seu discurso mais objetivo, o que por sua vez,
faz com que se torne possível a sua posterior interpretação e valoração.
A segunda remete para a interpretação, que passa pela resposta a
questões do tipo: “O que significa isto?” Porquê? Que relações?” Essas
resposta passam pela identificação das teorias subjacentes à prática do pro-
fessor. Nesta fase é feito o questionamento do professor no sentido de
permitir a consciencialização das teorias subjacentes à sua prática, dos
princípios que norteiam a mesma.
A terceira fase refere-se ao confronto que ocorre a partir da pergunta:
Como me tornei assim? É nesta fase que o professor toma consciência de
que a teorização inerente à sua prática resulta do seu crescimento individu-
al enquanto profissional mas também resultante das influências históricas e
culturais. As teorias, identificadas na fase anterior, são analisadas como
uma construção social, resultante de normas históricas e culturais impor-
tantes no contexto do ato educativo.
A última fase consiste na reconstrução que tem como ponto de parti-
da a questão: “O que poderei modificar?” Nesta fase o professor integra o
que vai aprendendo de novo, no que já conhece. A sua prática aproxima-
-se, cada vez mais, da prática de um investigador. O professor toma deci-
Qualidade da educação e desenvolvimento 79

sões face às teorias existentes, procedendo à teorização das suas práticas de


ensino.
Korthagen & Vasalos (2005) apresentam o ALACT model (Korthagen,
1999, 2001, cit. Korthagen & Vasalos, 2005, p. 48-53) que divide em cinco
fases diferentes o processo de reflexão:
• acção (action) – Descrição objetiva do que se fez e aconteceu;
• relembrar a ação (looking back on the action) – Implica lembrar de-
sejos, sentimentos e pensamentos do profissional que influenciaram
a ação educativa;
• consciencialização de aspectos essenciais (awareness of essential
aspects) – Tomar consciência dos aspetos essenciais decorrentes da
ação;
• criação de métodos de ação alternativos (creating alternative
methods of action) – Procurar encontrar alternativas para ultrapassar
problemas identificados;
• verificação (trial). Nesta fase é feita a reflexão relativa às alternati-
vas colocadas em prática, de modo a serem feitas aprendizagem para
o futuro. É dado início à criação da espiral do desenvolvimento pro-
fissional.

A escrita profissional: os Diários de Bordo e as Descrições de Práticas

A escrita profissional, corresponde, como diz Idália Sá-Chaves


(2004), a uma estratégia de desocultação das práticas dos professores. Ao
descrever o que aconteceu durante uma aula, o que correu bem ou o que
não correu tão bem; ao pensar e ao escrever em seguida, o professor torna
mais claro para si os acontecimentos, as situações e as justificações para os
acontecimentos da aula, que durante a ação prática não são conscientes,
não são tão claros.
Os Diários de Bordo e as Descrições de Práticas são alguns dos ins-
trumentos de avaliação formativa na formação de professores porque pro-
movem a reflexão sobre a ação e porque permitem a tomada de consciên-
cia do que foi objectivo e subjetivo na nossa ação.
São registos do quotidiano que permitem a reconstrução da experiên-
cia vivida sob a forma de narrativa etnográfica, que incide sobre o contexto
em que decorre a experiência e a observação dos factos e que dão conta
dos processos de evolução e desenvolvimento pessoal e profissional.
• De modo impressionista;
• Dos dados objectivos e factuais;
• De sentimentos;
80 Formação contínua – textos de enquadramento

• De dúvidas, perplexidades;
• De questões.

Atividade:

1 – Procure ler e discutir com os colegas o resumo que dá conta das


conceções e atitudes de um professor reflexivo.
2 – Utilizando o guião que se propõe, elabore uma descrição de uma
situação que tenha ocorrido na sua prática e discuta a sua reflexão com a
dos seus colegas e com o formador.

1 – ACTIVIDADES / SITUAÇÕES (Descrição sumária da ativida-


de/situação: O modo como foi proposta...o clima que se criou...as instru-
ções que foram dadas...o tempo/espaço em que aconteceu…outros elemen-
tos relevantes).

2 – ASPECTOS MAIS POSITIVOS (identificação e justificação para o


que se considera mais positivo).

3 – DIFICULDADES / LIMITAÇÕES (identificação e justificação para


o que se considera menos positivo).

4 – PROPOSTAS / ALTERNATIVAS (Como poderia ter feito? Como


agirei no futuro?... Quem me ajudou a pensar sobre...O que aprendi?).

Referências Bibliográficas:

Dewey, J. (1968). Expérience et Éducation. Paris: A. Colin.


Alarcão, I. (1996). Formação Reflexiva de Professores. Porto: Porto Editora.
Zeichner, K. (1993). A formação Reflexiva de Professores: Ideias e Práticas.
Lisboa: Educa.
Sá-Chaves (2000). Formação, conhecimento e Supervisão. Aveiro: Universidade
de Aveiro.
MÓDULO

A PLANIFICAÇÃO

Adriana Mendonça dos Santos


Universidade de Cabo Verde

Breve Descrição
Este módulo pretende levar o docente a compreender a importância da
planificação para a optimização dos processos de ensino e de aprendiza-
gem, levar o professor a desenvolver alguns dos seus conhecimentos sobre
cada um dos planos mais utilizados em educação, bem como compreender
as possibilidades de articulação entre os vários tipos de planos educativos.

Competências a desenvolver

– Desenvolvimento/Aperfeiçoamento das habilidades de planificação


(principalmente no que concerne os planos a curto prazo).
– Integração dos diversos planos, com vista à realização de uma plani-
ficação mais cuidada, integrando atividades que poderão ser desen-
volvidas mais a médio/longo prazo.

Duração
2-4 horas

Fundamentação
“Não existe nenhuma entidade genérica a que se possa dar o nome de
o professor eficiente. A eficiência do ensino deve antes ser considerado em
relação a um professor determinado lidando com determinados alunos,
num determinado ambiente, enquanto procura alcançar determinadas me-
tas de ensino.”
(in Pophan e Baker, Sistematização do ensino)
82 Formação contínua – textos de enquadramento

Independentemente das discussões que podem existir sobre a necessi-


dade ou não da planificação em educação, somos defensoras da ideia que a
planificação pode ser considerada uma excelente atividade, na medida em
que nos obriga a pensar sobre a ação que pretendemos desenvolver. Ela
ajuda-nos a sistematizar as nossas ideias e poderá conduzir-nos ao aperfei-
çoamento de práticas. Uma das outras questões que ainda hoje se coloca é
como fazê-lo, como planificar? Esta é uma questão que procuraremos res-
ponder ao longo deste módulo.
Importa, em primeiro lugar, sublinhar a importância do planeamento
no trabalho em sala de aula, que se constitui como ferramenta imprescin-
dível à qualidade e eficácia desse trabalho, bem como acentuar a necessi-
dade incontornável de que o processo de planeamento seja desenvolvido
tendo em conta as necessidades de cada aluno e de cada grupo (Dean, 1992
cit. por Morgado, 2004: 60).
Planificar é organizar as nossas ações para melhor alcançarmos os
nossos objectivos, é refletir sobre a nossa ação, prevendo todos os elemen-
tos necessários para a sua efetivação.
Porter e Stone (1998, cit. por Morgado, 2004: 62-63) estabelecem um
modelo com quatro etapas fundamentais para o processo de planeamento:
1 – Definir os conceitos e as competências a serem adquiridos. Esta etapa
pressupõe que se conheça o nível de conhecimento e domínio de to-
dos os alunos relativamente a esses conceitos e competências;
2 – Definir a forma e o método (ou métodos) de apresentação. O profes-
sor estabelecerá o modo como irá providenciar aos alunos a infor-
mação adequada sobre os conceitos e as competências em aquisição
e considerará as necessidades relativas a materiais de apoio;
3 – Definir o(s) modo(s) como os alunos praticarão os conceitos e as
competências em aquisição, o que deverá acontecer de forma ar-
ticulada com aprendizagens anteriores e, sempre que possível,
numa perspectiva de integração de diferentes áreas curriculares;
4 – Determinar os dispositivos e os procedimentos de avaliação e regu-
lação, os quais deverão ser diversificados na natureza e forma.

Para quem planificar e porquê planificar? A quem interessa a sequên-


cia da planificação dos processos de ensino e de aprendizagem?
De acordo com Searles (1988: 6,7) planificamos, em primeiro lugar,
para o aluno, porque desse modo:
• sabe o que está a fazer, porquê e para quê;
• apercebe-se da organização do professor e, por via disso, adquire
hábitos de organização;
A planificação 83

• é elemento ativo na realização do trabalho: reflete, discute, propõe


soluções;
• toma consciência do seu próprio progresso.

Planificamos, em segundo lugar, para nós próprios, professores, e


com o plano:
• organizamos o trabalho em função do papel formativo da disciplina,
selecionando os conteúdos, métodos, materiais, estratégias que mais
facilmente nos ajudam a tornar o plano possível;
• controlamos o tempo e fazemos ajustamentos de acordo com as ne-
cessidades dos alunos;
• estamos a ser elementos ativos da gestão democrática da escola.

A planificação dirige-se também à escola, porque:


• torna possível um trabalho consciente de todos;
• permite racionalizar o espaço, o tempo e os recursos didáticos;
• torna as reuniões momentos de trabalho frutífero e não em discus-
sões estéreis;
• torna possível uma gestão participada, já que todos conhecem os
problemas e se empenham na sua solução:

Diríamos ainda que a planificação da sequência e desenvolvimento


dos processos de ensino e de aprendizagem se dirige aos pais, pois:
• dá-lhes possibilidade de acompanhar a aprendizagem dos filhos;
• são mais receptivos à participação nas iniciativas da escola;
• formam um conceito mais positivo do professor em particular e da
escola em geral.

E por que não dizer que a sociedade é também destinatária dessa or-
ganização planificada? Na verdade, com os meios de que a escola dispõe,
responde o mais eficazmente possível às necessidades educativas dessa
mesma sociedade e contribui para:
• a aquisição do saber e instrumentos de aprendizagem que sirvam de
apetrechamento de base para a inserção na vida prática e para estu-
dos subsequentes;
• desenvolvimento da autonomia e da sociabilidade;
• a sensibilização a valores subjacentes a uma melhoria da qualidade
de vida.
84 Formação contínua – textos de enquadramento

A diversidade dos planos

Podemos dizer que existem vários tipos de planos, que surgem numa
ordem sequencial, mas complementar:
– Planos a longo prazo – têm como ponto de referência direta o(s)
programa(s) e organizam longos períodos de ensino (por exemplo,
um ano lectivo);
– Planos a médio prazo – estruturados a partir de planos a longo pra-
zo, organizam períodos de ensino de duração média (por exemplo,
um período escolar);
– Planos a curto prazo – estruturados a partir dos planos a médio pra-
zo, organizam períodos de ensino de duração curta (por exemplo,
uma aula ou de um pequeno número de aulas).

Passamos a analisar alguns aspectos referentes a alguns desses planos,


tendo em conta que forma como se organiza a planificação, pode não ser
universalmente consensual, apesar de haver algumas componentes que são
comuns a todas as planificações.

A planificação a curto prazo


Segundo Damião (1996), na organização das situações pedagógicas é
preciso ter em conta determinados aspectos – componentes dos planos –
que se representam no quadro 1, assim como as questões básicas que per-
mitem operacionalizar.

Componentes dos planos Questões que permitem operacionalizar


Pré-requisitos Que competências são precisas/possuem os sujeitos para es-
truturar o desenvolvimento?
Objectivos Que intenções devem estar subjacentes ao desenvolvimento?
Conteúdos Que conhecimentos devem ser trabalhados?
Estratégias de trabalho Como organizar a interação na situação de maneira a opti-
mizar o desenvolvimento?
Estratégias de avaliação Como observar a situação e o desenvolvimento dos indiví-
duos?
Gestão do espaço e do tempo Que organização do espaço e do tempo é mais favorável pa-
ra gerir a situação?
Recursos Que materiais são necessários para trabalhar na situação?
Grupo/s interveniente/s Que pessoas intervêm na situação?
Espaço para anotações Que considerações são relevantes na reestruturação do plano
para outra situação?
Quadro 1

(Damião, 1996, 68)


A planificação 85

Como vimos, Damião (1996) avança com alguns elementos que con-
sidera indispensáveis para uma boa planificação de uma aula, enquanto
Simões (1996) tem outra perspectiva, que acaba por “complementar” em
determinados aspectos à anterior (ou representa meramente outra perspec-
tiva de planificação).
Diz o autor que a planificação a curto prazo consiste na planificação
de cada aula, onde se definem todos os pormenores essenciais à sua docên-
cia tais como:
– sumário;
– novos conceitos a ser leccionados, conceitos pré-requeridos, enca-
deamento adequado;
– objectivos que os alunos deverão atingir;
– estratégias (ou a suas descrições);
– introdução mais apropriada (exemplos do quotidiano, jogo, parale-
lismo com outros conteúdos, trabalho de grupo, sugestão de ativida-
de, conteúdos pré-requeridos);
– tipo de exercícios, grau crescente de dificuldade;
– desenhos que se devem representar e como os representar;
– materiais necessários à aula;
– linguagem específica a utilizar, observações pertinentes, momentos
de questionação/avaliação;
– tempo a distribuir pelas diversas tarefas;
– T.P.C.;
– referências pedagógicas.

É fundamental que o professor tenha sempre presente uma visão de


conjunto e da inter-relação dos elementos constituintes do programa, de
modo que cada situação de ensino e de aprendizagem constitua uma peça
de um todo (Simões, 1996: 7).

Como planificar a médio prazo?

Para Simões (1996), as linhas orientadoras na elaboração destes pla-


nos são em tudo semelhantes às definidas para os planos a longo prazo.
Consiste em planificar uma unidade de ensino, percorrendo as seguintes
etapas:
– identificação e ordenação dos conteúdos;
– definição dos objectivos correspondentes aos conteúdos;
– identificação dos conteúdos pré-requisitos necessários à aprendiza-
gem a desenvolver e dos novos conceitos;
86 Formação contínua – textos de enquadramento

– definição das estratégias a implementar mais adequadas à situação


pedagógica e aos objectivos a atingir;
– identificação dos materiais e dos recursos físicos e humanos existentes;
– definição dos modos (técnicas) de avaliação;
– distribuição das aulas pelos diferentes conteúdos.

Após a planificação estar completa começa-se a elaborar os eventuais


materiais necessários, tais como a ficha de objectivos, a ficha de trabalho,
a ficha de exercícios, objetos do quotidiano, panfletos, cartazes…

Como planificar a longo prazo?

O quadro 2 identifica alguns aspectos que segundo Simões (1996) são


importantes para a planificação a longo prazo:
Tarefas Referências
• Análise do programa da disciplina, tendo
em consideração os conteúdos não leccio- TRABALHO Programa do M.E.
nados em anos anteriores DE Livro adoptado
GRUPO
• Divisão e ordenação do programa em
unidades didáticas a serem desenvolvidas
• Definição dos objectivos a atingir pelos P.E.E. (Projeto Educati-
alunos em cada unidade TRABALHO vo de Escola)
• Capacidades a desenvolver DE Programa do M.E.
GRUPO
• Atitudes a fomentar Legislação
• Conhecimentos a adquirir Outros livros
• Definição das estratégias a implementar TRABALHO Legislação
• Encadeamento de atividades tais como INDIVIDUAL COM Outros livros
área-escola INTERCÂMBIO DE Alunos
EXPERIÊNCIAS A
visitas de estudo Turmas
NÍVEL DO GRUPO
• Definição dos processos de avaliação E DA ESCOLA Relatórios de anos ante-
• Calendarização dos conteúdos ao longo riores
do ano de acordo com o tempo disponível Diagnósticos

Quadro 2

Para realizar uma planificação a longo prazo deve-se:


– reunir documentos, tais como, programas, planificações de anos an-
teriores e livros;
– marcar as férias, feriados e momentos de reuniões intercalares;
– calcular o número de aulas disponíveis ao longo do ano;
– analisar cuidadosamente os textos do programa;
– analisar as características gerais da população escolar;
A planificação 87

– organizar e ordenar os conteúdos em blocos – unidades de ensino –


de modo que cada bloco constitua um todo coerente de aprendiza-
gem a realizar, definindo os objectivos gerais que deverão ser al-
cançados;
– identificar os conteúdos que, em principio, se prestam a um trata-
mento interdisciplinar;
– escolher as estratégias adequadas e o mais variadas possível;
– distribuir, aproximadamente, o tempo disponível pelas diversas uni-
dades temáticas.

Mesmo sem analisarmos as taxonomias (que não era o objectivo deste


módulo), quisemos aqui fazer uma breve referência a um dos elementos
que habitualmente gera “polémicas”, quando se fala de planificação: os ob-
jectivos. Nas escolas por onde temos dado formação, bem como na forma-
ção de professores na Universidade, sentimos que ainda há alguns proble-
mas na elaboração dos objectivos, bem como a sua utilização para cada um
dos planos que enunciamos anteriormente, pelo que passamos a sintetizar
algumas características dos mesmos.

Classificação dos Objetivos

Não há uniformidade quanto à designação dos diferentes objectivos


relativamente ao grau de generalidade ou especificidade com que podem
ser enunciados (Simões, 1996: 9).
Os objectivos que geralmente encontramos com mais frequência nas
planificações são:
A) Objetivos gerais/ metas ou finalidades educativas são objectivos
extremamente genéricos, que podem ser interpretados e concretizados de
muitas e variadas maneiras.
B) Objetivos gerais de disciplina situam-se mais próximos dos pro-
cessos de ensino e de aprendizagem. No entanto revestem-se de alguma
ambiguidade e limitam-se a conteúdos particulares de uma disciplina.
C) Objetivos específicos representam aprendizagens mais simples,
suscetíveis de serem adquiridos a curto prazo e cujo enunciado é claro não
dando lugar a ambiguidade de interpretação.

Um objetivo específico pode ser enunciado em termos comportamentais,


isto é, indica um comportamento observável que o aluno deve revelar.
A seguinte sequência pode exemplificar os três tipos de objetivos que
analisamos brevemente.
88 Formação contínua – textos de enquadramento

– conhece os sólidos geométricos;


– indica um sólido geométrico;
– define pirâmide quadrangular regular.

A qualidade de um plano é também importante, dado que dela depen-


de a sua funcionalidade.

Qualidade de um Plano

No dizer de Simões (1996:8), as principais componentes para a quali-


dade de um plano são as seguintes:
– Coerência;
– Adequação;
– Flexibilidade;
– Continuidade;
– Precisão;
– Riqueza.

Cada uma destas componentes será trabalhada durante as atividades,


exigindo alguma discussão e pesquisa por parte dos formandos.
Como um dos nossos objectivos é levar o professor a compreender
porque planifica, sistematizamos essa reflexão com recurso aos objectivos
de um plano. Na escolha dos objectivos colam-se algumas questões:
– Que aprendizagens se devem propor?
– Que conteúdos, aptidões e atitudes se deseja que os alunos adquiram
e desenvolvam?

Para Simões (1996: 9), as fontes utilizadas pelos professores, na sele-


ção e definição dos objectivos resultam fundamentalmente da análise:
– da sociedade que o programa pretende servir – daqui resultam os
objectivos referentes a atitudes, aptidões e conhecimentos requeri-
dos para a vida do indivíduo em sociedade e para o desempenho de
funções necessárias ao progresso da comunidade;
– do educando a que se dirige – esta análise permite identificar os ob-
jectivos necessários ao desenvolvimento pessoal dos alunos, bem
como aqueles conhecimentos ou aptidões que ainda não possuem
mas necessitam desde que correspondam ao seu desenvolvimento;
A planificação 89

– do universo da cultura disponível, organizada em programas disci-


plinares – daqui resultam objetivos relacionados com a aquisição e
compreensão de conteúdos científicos ou tecnológicos.

Perante esta multiplicidade de opções que se colocam na seleção dos


objectivos, será necessário encontrar um equilíbrio entre objetivos referen-
tes à aquisição de conteúdos culturais e científicos e os respeitantes a apti-
dões sociais.
No entanto, na procura deste equilíbrio de todas as perspetivas, o pro-
fessor nunca deve perder de vista os interesses do educando – destinatário
por excelência de todo o processo educativo.

Conteúdos de um Plano

Na planificação de unidades de ensino, certas necessidades impõem-se


de imediato à seleção e definição de objectivos e à seleção de conteúdos.
Na seleção dos conteúdos é fundamental tomar em consideração al-
gumas regras básicas:
– Não eliminar temas fundamentais para a “coordenação vertical”;
– Considerar como primordiais os temas importantes para a compre-
ensão do conjunto;
– Distribuir os conteúdos em função do tempo disponível e proporcio-
nalmente à sua importância;
– Procurar o equilíbrio entre a transmissão de saberes e o desenvolvi-
mento de capacidades (Simões, 1996: 8).

Ressalve-se que, como refere Damião (1996), os planos não podem


ser pensados no vazio: devem derivar das opções das pessoas envolvidas,
tendo em conta:
– a informação proveniente dos níveis superiores de decisão, veicula-
da através de documentos orientadores;
– a situação pedagógica à qual se destinam.

Atividade 1

Escolha uma das reflexões que se seguem e elabore uma análise crítica:
1) Eu não posso estar amarrado à planificação. As planificações ser-
vem para nos ajudar e não para nos incomodar, por isso têm que viver do
que acontece. O comentário que faço à frase de Sebastião da Gama é o
90 Formação contínua – textos de enquadramento

seguinte: se eu planificar as aulas estou preparado para que a aula acon-


teça.
Joaquim Morais, Encontros de MTE, 1995.

2) Alice: Podes dizer-me, por favor, que caminho hei de seguir a par-
tir daqui?
Gato: Isso depende muito do sítio aonde queres chegar.
Alice: Não me preocupa muito onde vou chegar.
Gato: Então não interessa por que caminho hás de seguir.
Lewis Carroll, Alice no País das maravilhas.

Atividade 2

Com base nos conteúdos abordados construa dois planos, com a res-
pectiva articulação possível:
– um a médio prazo;
– um a curto prazo.

Atividade 3

Explique, com recurso a exemplos práticos, as componentes que Si-


mões (1996) destaca como essenciais para a qualidade de um plano.

Sugestão de Tarefas Integradoras

O professor deve ser instigado a pesquisar2, para que possa encontrar


vários tipos de planos, podendo depois ir desenvolvendo algumas ideias
que possam ajudá-lo a encontrar o “modelo” com o qual mais se identifi-
que. Este exercício ajudá-lo-á a ter mais interesse pelo processo de planifi-
cação, garantindo a partilha de práticas com os seus pares.

2 Aconselhamos a consulta destas obras para aprofundamento da temática:


Vilar, A., M. (2000). O professor Planificador. Lisboa: Asa Editores
Ribeiro, A., C. & Ribeiro, L., C. (1989). Planificação e avaliação do ensino-
-aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta.
A planificação 91

Referências Bibliográficas

Cortesão, L., & Torres, M., A. (s.d.). Avaliação Pedagógica II: Mudança na
escola – mudança na avaliação. Porto: Porto Editora.
Damião M. H. (1996). Pré, inter e pós ação: planificação e avaliação em
pedagogia. Coimbra: Minerva Editora.
Morgado (2004). Qualidade na educação: um desafio para os professores.
Lisboa: Editorial Presença.
Searles, J. E. (1988). The Design of Instructional Systems, Teaching in the 80s –
tradução de Cunha, A. in Módulo de Desenvolvimento Curricular para a
Formação Contínua de Professores, ESEB.
Simões, A. (1996). Texto de apoio: Planificações. (on-line)
MÓDULO

A VIOLÊNCIA E A ESCOLA

Adriana Mendonça dos Santos


Universidade de Cabo Verde

Breve Descrição

Com este módulo, pretendemos dotar os formandos de algumas no-


ções básicas relativas à violência na escola, para que possam desenvolver
mais competências para poderem agir no combate à mesma na sua escola.
Essencialmente, pretendemos levar o docente a conhecer o “aprender a
conviver ou a viver juntos” como forma de superação da violência, identi-
ficando os principais tipos de violência escolar e analisando algumas estra-
tégias para a sua superação.

Competências a desenvolver

– Reconhecimento do trabalho colaborativo (interação entre a escola e


comunidade) para superação da violência na escola;
– Dinamização de ações de sensibilização para toda a comunidade
educativa;
– Construção de um conjunto de medidas a serem implementadas na
sua escola, para minorar a violência existente na mesma.

Duração

2 horas
94 Formação contínua – textos de enquadramento

Fundamentação

“O aprender a conviver é o antídoto contra a violência na medida que


esta suprime a interação pacífica, o diálogo, transformando o grito, a briga
e o enfrentamento nos instrumentos que substituem o falar, o discutir, o
negociar, o escutar ou, simplesmente, o coexistir. O aprender a conviver é
um ato de cidadania, que leva à necessidade de conhecer e respeitar ple-
namente o outro, e tal como nos mostra o Relatório Delors (1996), o res-
peito às diversas culturas e tradições é condição fundamental para que as
pessoas possam viver juntas” (Miriam Abramovayv, 2002:2).
Os sucessivos episódios de violência que têm ocorrido em Cabo Ver-
de e também nas nossas escolas motivaram o desenvolvimento/reflexão do
tema: “A violência e a Escola”. Sem perspectivas de encontrar soluções
imediatas para este fenómeno, temos como objectivos apresentar algumas
estratégias de superação da violência em escolas de outros países e simul-
taneamente realizar uma reflexão sobre como poderemos lidar com esta
questão nas nossas escolas.
Começamos por definir violência, por considerarmos importante para
compreendermos melhor a temática desenvolvida. Violência é um compor-
tamento que causa dano a outra pessoa, ser vivo ou objecto. Nega-se auto-
nomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro. É o uso
excessivo de força, além do necessário ou esperado. O termo deriva do la-
tim violentia (é qualquer comportamento ou conjunto de deriva de vis, for-
ça, vigor); aplicação de força, vigor, contra qualquer coisa ou ente
(www.wikipedia.org).
A violência na escola traduz-se numa grande diversidade de compor-
tamentos antissociais (qualquer forma de opressão ou de exclusão social,
agressões, vandalismo, roubo) que podem ser desencadeados quer por alu-
nos quer por outros elementos da comunidade escolar. Estes problemas
são, normalmente, associados quer a baixos níveis de tolerância quer a di-
ficuldades no desenvolvimento moral e na autoestima das vítimas e dos
agressores. O fenómeno da violência está, também, intimamente associado
aos princípios fundamentais da democracia e à defesa dos direitos huma-
nos (Marques, 2010:1).
Concordamos com Abramovayv (2009:4) quando refere que uma
forma de enfrentar e reduzir a violência na escola é reconhecer a existência
de uma cultura juvenil própria e autónoma e incorporá-la como uma estra-
tégia educativa. Por cultura juvenil a autora entende ser um conjunto de
saberes e fazeres que tende a desenvolver-se cada vez com mais autonomia
em torno de preocupações geracionais, símbolos compartilhados, lingua-
gens específicas e modelos ou estilos de comportamento.
A violência e a escola 95

Consideramos que este ideia, apesar de relativamente interessante,


poderá também ser um pouco ambiciosa, dado que acarreta mudança de
atitudes e de comportamentos, que como se sabe, nem sempre são fáceis
de se conseguir, conforme reforça Abramovayv (2009:7)” o processo de
incorporação da cultura juvenil à cultura escolar não é feito sem sobressal-
tos e exige mudanças na maneira como pensamos o processo educativo.
Na verdade, esta integração é marcada por profundas tensões que precisam
ser superadas.
O bullying é um estrangeirismo aplicado ao acto de violência, tanto
físico como psíquico, por um ou mais indivíduos, cujo objectivo é agredir
um colega mais vulnerável, com uma situação continuada. É um termo no-
vo nos dicionários, mas há muito que existe nas escolas em todo o mundo.
Ganhou maior expressão nos anos 90 graças a dois casos mediáticos ocor-
ridos nos Estados Unidos: a morte de Jeremy Wade Delle (uma jovem que
se suicidou numa aula em 1991 como forma de protesto à violência que so-
fria constantemente) e o massacre de Columbine (há dez anos dois adoles-
centes, alegadamente vítimas de bullying, mataram 13 pessoas, incluindo
colegas e professores) (http://aeiou.expresso.pt).
O problema do “maltrato entre iguais” (bullying) pode ser visto como
um aspecto particular da violência na escola que, segundo a definição pro-
posta por Olweus (2000), ocorre “quando um aluno ou uma aluna são ex-
postos, repetidamente e durante um período de tempo, a ações negativas
por parte de um ou mais alunos”. A designação “maltrato entre iguais” de-
ve ser usada quando existe uma relação assimétrica de poder entre alunos.
Este tipo de agressões pode ser levado a cabo quer por um aluno individu-
almente quer por um grupo.
São várias as causas do bullying. Elas podem residir nos modelos
educativos a que são expostas as crianças, na ausência de valores, de limi-
tes, de regras de convivência; em receber punição ou castigo através de
violência ou intimidação e a aprender a resolver os problemas e as dificul-
dades com a violência. Quando uma criança está exposta constantemente a
essas situações, pode interiorizá-las, passando a exteriorizá-las quando en-
contra oportunidade. Para a criança que pratica o bullying, a violência é
apenas um instrumento de intimidação. Para ela, a sua atuação é correta e
portanto, não se autocondena, o que não quer dizer que não sofra por isso
(http://br.guiainfantil.com).

Abramovayv (2002:18) destaca alguns dos maiores problemas enfren-


tados por algumas escolas no Brasil:
• Alunos indisciplinados;
• Briga entre alunos;
96 Formação contínua – textos de enquadramento

• Pilhagens na escola;
• Alunos armados dentro da escola (raramente);
• Discriminações diversas (cor, sexo, local de moradia etc.);
• Conflitos no entorno da escola;
• Violência sexual (doméstica);
• Problemas com pessoas ligadas à criminalidade;
• Uso de drogas;
• Invasões;
• Roubo/furto;
• Agressões morais;
• Falta de respeito;
• Intimidações /ameaças.

A autora distingue o Programa desenvolvido no Brasil – As escolas


inovadoras – onde se visa essencialmente superar os principais problemas
das escolas, recorrendo a estratégias inovadoras que visem o melhoramen-
to do quotidiano de todos os agentes educativos. Abramovayv (2009:5)
destaca que as “escolas inovadoras” enfrentaram o problema da violência
escolar de várias maneiras. Observa-se desde projetos bem estruturados e
deflagradores de grandes mudanças na vida da escola até ações pontuais,
de expressão limitada. Essas iniciativas assumem uma identidade própria
na forma como se desenvolvem, produzindo resultados distintos nas esco-
las. Algumas destas iniciativas estão associadas ao Programa Abrindo
Espaços: educação e cultura para a paz, que propõe a abertura das escolas
públicas nos fins-de-semana com desporto, arte, cultura e lazer. Este pro-
grama é uma iniciativa da Unesco que vem contribuindo para a definição
de uma política pública que contempla a juventude e suas múltiplas neces-
sidades, estimula transformações pedagógicas e contribui para a difusão de
uma cultura de paz.
Apesar de algumas medidas desenvolvidas nestas escolas puderem não
se adaptar integralmente à realidade cabo-verdiana, consideramos importan-
te destacar algumas para compreendermos como a criatividade e mobiliza-
ção da comunidade e outros agentes, poderá ajudar a encontrar formas de
superar algumas das dificuldades que as nossas escolas enfrentam.
Podemos citar como exemplo o caso de um diretor escolar inquieto
face ao crescimento progressivo do número de alunas grávidas ou mães. A
intervenção adoptada não foi nem a expulsão das estudantes, nem a con-
cessão de benefícios pessoais, nem a negação da existência da situação. A
opção foi a criação de uma creche na escola, de tal modo que as alunas pu-
dessem prosseguir os estudos, sendo admitida sua condição de estudante e
mãe Abramovayv (2009:9).
A violência e a escola 97

Um segundo exemplo pode ser observado entre os diretores que foram


obrigados a conviver, negociar com os traficantes no seu quotidiano. Este é
o caso de uma diretora que todos os dias permite que jovens traficantes
almoçem na escola e que tenham horário para utilizar a placa desportiva.
Este tipo de negociação evitou que traficantes invadissem e pilhassem a
sua escola.
Saber conviver é também saber “tolerar” situações imprevistas nas
normas e códigos de conduta da escola. Enfim, estes dois exemplos con-
cretos mostram claramente como a escola pode desenvolver mecanismos
que possibilitem a convivência, a troca e o diálogo. Estas iniciativas indi-
cam a preocupação de algumas escolas em encontrar novas estratégias
educativas desvinculadas de uma educação tradicional, capazes de respon-
der à realidade dos jovens Abramovayv (2009:9).
Outra mudança perceptível nas escolas inovadoras foi a mudança na
forma de relacionamento dos alunos com a escola e o resgate da “imagem”
da mesma. Eles mostram-se mais interessados pelos estudos, a assiduidade
às aulas aumentou, o rendimento escolar subiu, o abandono escolar dimi-
nuiu e há uma maior apropriação de responsabilidades por parte dos estu-
dantes.
Todas estas experiências concretas mostram que é na elaboração de
intervenções pontuais ou projetos articulados que ensinem a viver juntos
que se encontra a possibilidade de reverter o quadro de violência escolar,
reduzir os casos de insucesso escolar e, principalmente, construir uma cul-
tura de paz que transborde os muros, grades e cercas das escolas Abramo-
vayv (2009:9).
Para finalizar, deixamos algumas medidas consideradas importantes
para a prevenção/superação da violência escolar:
• O “bom clima escolar”;
• A gestão inovadora;
• A valorização do aluno, do professor e da escola;
• O exercício do diálogo;
• O trabalho colectivo;
• A participação da família e da comunidade;
• A re-significação do espaço físico;
• A construção do sentido de pertença;
• A presença de projetos.
98 Formação contínua – textos de enquadramento

Atividades

1 – Depois de distribuídos pelos formandos alguns trechos sobre a


violência na escola, solicita-se que, dois a dois, realizem uma análise e
procurem identificar algumas estratégias de superação da violência na sua
escola.

1.2 – Depois de todos os grupos terem tido oportunidade de discuti-


rem as sugestões apresentadas, realiza-se em plenário, uma breve discus-
são sobre as medidas para a superação da violência na escola.

2 – Propõe-se aos docentes que elaborem um plano de intervenção


(básico) para a sua escola, recorrendo a medidas concretas para a supera-
ção da violência.

Sugestões de Tarefas Integradoras

Espera-se que os professores procurem dinamizar ações de sensibili-


zação nas suas escolas para toda a comunidade educativa, estimulando
também os pais e a respectiva associação de pais para colaborarem, sendo
agentes de mudança de comportamento.

Referências Bibliográficas

Abramovay, M. (2009). Violências nas Escolas. Brasília: Fundação Ford.


Estrela, M. T., (1998). Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula.
Porto: Porto Editora, 2ª Edição.
http://br.guiainfantil.com
Marques, T. (2010). O bullying já não é um problema só dos grandes centros
urbanos – A situação nas Caldas da Rainha. (on-line) http://aeiou.
expresso.pt (acesso 22.01.2010)
www.wikipedia.org
MÓDULO

O PROFESSOR E A AÇÃO REFLEXIVA

Adriana Mendonça dos Santos


Universidade de Cabo Verde

Descrição Breve

Este módulo visa essencialmente compreender a importância da refle-


xão nas práticas educativas, bem como desenvolver e aprofundar algumas
competências para a intensificação da reflexão (individual e com os pares)
nos grupos de coordenação e na escola.

Competências a desenvolver

– Criação de hábitos de reflexão diária – antes, durante e após – o de-


senvolvimento da aula. Instigar os estudantes a desenvolverem uma
autorreflexão sobre o seu desempenho na aula.
– Promoção da partilha de experiências, como meio para a reflexão,
nas reuniões de coordenação, com vista à recolha de contribuições
que possam ajudar a colmatar algumas dificuldades.

Duração

2 horas

Fundamentação

“Ensinar é mais do que uma arte. É uma procura constante com o ob-
jectivo de criar condições para que aconteçam aprendizagens” (Oliveira &
Serrazina, 1999:7).
100 Formação contínua – textos de enquadramento

Como acontece com todas as profissões, a decisão de ser docente deve


estar relacionada com a vocação. Entendemos que só por vocação conse-
guimos desempenhar bem e com alguma motivação uma determinada pro-
fissão.
Julgamos que não é qualquer indivíduo que consegue ser docente e
não basta a formação académica para que se concretize tal feito, dado que,
na nossa perspectiva, o desafio só se consubstancia integralmente quando
os alunos, efetivamente realizam aprendizagens significativas, ou seja
quando aprendem. O ensino só ocorre quando existe aprendizagem.
A associação do professor à prática reflexiva é algo que ao longo dos
anos tem sido uma prática habitual e incentivada quer pelo Ministério da
Educação, quer pela própria escola, bem como pela sociedade.
Como afirma Roldão (2007: 6) “na acepção do senso comum – que o
próprio vocábulo reflexão, pelo seu uso corrente, ajuda a reforçar – a refle-
xão seria sinónimo de todo o acto espontâneo de comentário/descri-
ção/constatação/valoração de alguma coisa que se realizou.” A reflexão
“não é um conjunto de técnicas que possam ser empacotadas e ensinadas
aos professores. Não consiste num conjunto de passos ou procedimentos
específicos. Ser reflexivo é uma maneira de ser professor” (Zeichner, 1993).
Subscrevemos as ideias de Oliveira & Serrazina (1999:2) quando re-
ferem que “entender a ideia de ensino reflexivo implica procurar as suas
raízes no pensamento sobre a educação”. As autoras acrescentam ainda
que “para além do substantivo reflexão, o correspondente adjetivo – refle-
xivo – adquiriu um grande protagonismo na educação. Assim, termos co-
mo ‘pensamento reflexivo’ (Dewey), ‘ensino reflexivo’ (Zeichner),
‘aprendizagem reflexiva’ (Fosnot), ‘praticantes reflexivos’ (Schön) e ‘prá-
ticas reflexivas’ (Jaworski) aparecem frequentemente associados à investi-
gação sobre as práticas dos professores (p. 2).
Assim como acontece em todas as esferas da vida do indivíduo, a re-
flexão em educação representa uma condição indispensável para o sucesso
nos processos de ensino e de aprendizagem, contribuindo para uma fre-
quente dinamização do mesmo, atendendo aos diferentes estilos de apren-
dizagem dos alunos, às suas dificuldades, ao diálogo com a turma e com
outros professores para a solução de determinadas situações que poderão
condicionar a aprendizagem e/ou sucesso dos alunos.
O termo ‘reflexão’, segundo Oliveira & Serrazina (1999:3) “sugere
um pensamento sério e austero distante da ação, com conotações próximas
de meditação e introspecção. Neste caso está a falar-se de um processo
mental que acontece quando se olha para determinadas ações do passado.”
É habitual dizer-se “depois de refletir, eu acho que ...”, ou “eu já me vi ao
espelho...”, o que na verdade corresponde a utilizar uma metáfora para
O Professor e a ação reflexiva 101

significar a associação da compreensão humana, de nós próprios e das nos-


sas circunstâncias, à reflexão no espelho (Oliveira & Serrazina, 1999).
Como destaca Pombo (1993), a reflexão em educação poderá ocorrer
em vários domínios:
1 – Reflexão educativa – interrogar as grandes finalidades da educa-
ção.
2 – Reflexão política – discutir o significado e funções da instituição
escolar.
3 – Reflexão epistemológica/interdisciplinar – o professor ser crítico
em relação ao seu próprio saber.

Apesar de todos os domínios serem importantes, pensamos que talvez


o terceiro tenha ainda mais relevância para os processos de ensino e de
aprendizagem, dado que, no nosso entender, ajudará a mobilizar o profes-
sor para o aperfeiçoamento/desenvolvimento das suas competências, pre-
parando-o para responder às diversas situações com que se depara diaria-
mente.
Porque a reflexão em educação é determinante para o sucesso da
mesma, existem algumas “linhas orientadoras” para a realização da refle-
xão. Ela, habitualmente ocorre em diferentes momentos:
1 – Reflexão na ação – O professor surpreende-se com o que o aluno
faz ou diz. Reflete sobre o que o aluno fez ou disse (pode ser sem
palavras). Procura reformular o seu modo de ver o problema. Co-
loca questões ao aluno para testar a hipótese que formulou sobre a
forma de pensar do aluno.
2 – Reflexão sobre a ação
3 – Reflexão sobre a reflexão na ação – Fundamental para o desen-
volvimento do conhecimento profissional do professor (Zeichner,
1993).

Como vimos, para o autor, pode distinguir-se a reflexão na ação, a re-


flexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação. Para Oliveira &
Serrazina (1999: 4) “os dois primeiros tipos são essencialmente reativos,
separando-os apenas o momento em que têm lugar, o primeiro ocorrendo
durante a prática e o segundo depois do acontecimento, quando este é re-
visto fora do seu cenário. É ao refletir sobre a ação que se consciencializa
o conhecimento tácito, se procuram crenças erróneas e se reformula o pen-
samento”. De acordo com Alarcão (1996, cit. por Oliveira & Serrazina,
1999: 4), “essa reflexão consiste numa reconstrução mental retrospectiva
102 Formação contínua – textos de enquadramento

da ação para tentar analisá-la, constituindo um ato natural quando percep-


cionamos diferentemente a ação”.
Para que o(a) professor(a) realize eficazmente a reflexão, necessita
ainda, segundo Marcelo (1992) & Zeichner (1993) de ter as seguintes ati-
tudes necessárias:
1 – Mentalidade aberta – para escutar e respeitar diferentes perspecti-
vas, ter em conta possíveis alternativas e reconhecer a possibilida-
de de erro.
2 – Responsabilidade – considerar as consequências do trabalho pla-
neado ou desenvolvido, tanto no curto como no médio prazo.
3 – Entusiasmo – predisposição para questionar, curiosidade para pro-
curar, energia para mudar.

Como se poderá constatar alguns professores poderão necessitar de


mudar alguns dos seus hábitos para conseguirem desenvolver com compe-
tência a tarefa da reflexão. Porque entendemos que inerente à profissão da
docência está a capacidade do indivíduo se atualizar e flexibilizar as práti-
cas, de entre outros requisitos, consideramos que os docentes estarão re-
ceptivos ao desafio do desenvolvimento das condições necessárias para a
realização de uma reflexão eficaz.
Existem ainda mais algumas qualidades que são designadas por
Dewey (1993) como essenciais para o cumprimento integral da reflexão:
1 – Abertura de espírito – para entender possíveis alternativas e admi-
tir a existência de erros.
2 – Responsabilidade – ponderando cuidadosamente as consequências
de uma determinada ação.
3 – Empenhamento – para mobilizar as atitudes anteriores.

Salientamos, por fim, que consideramos a temática ora abordada co-


mo relativamente complexa, por isso pensamos ser importante destacar al-
gumas ideias que poderão ajudar-nos a compreender ainda melhor o tema
em análise:
– A ideia de reflexão está relacionada ao modo como se lida com pro-
blemas da prática profissional, à possibilidade da pessoa aceitar um
estado de incerteza e estar aberta a novas hipóteses atribuindo, as-
sim, forma a esses problemas, descobrindo novos caminhos, cons-
truindo e concretizando soluções. Este processo envolve, pois, um
equacionar e reequacionar de uma situação problemática. Num pri-
meiro tempo há o reconhecimento de um problema e a identificação
O Professor e a ação reflexiva 103

do contexto em que ele surge e, num segundo tempo, a conversação


com o “repertório de imagens, teorias, compreensões e ações”
(Schön, 1987, p. 31) de forma a criar uma nova maneira de o ver. A
reconstrução de algumas ações pode resultar de novas compreen-
sões da situação (Oliveira & Serrazina, 1999:5).
– A reflexão sobre a reflexão na ação é aquela que ajuda o profissio-
nal a progredir no seu desenvolvimento e a construir a sua forma
pessoal de conhecer. É um olhar retrospectivamente para a ação e
refletir sobre o momento da reflexão na ação, isto é, sobre o que
aconteceu, o que o profissional observou, que significado atribui e
que outros significados podem atribuir ao que aconteceu (Schön,
1992). É a reflexão orientada para a ação futura, é uma reflexão
proactiva, que tem lugar quando se revisitam os contextos políticos,
sociais, culturais e pessoais em que ocorreu, ajudando a compreen-
der novos problemas, a descobrir soluções e a orientar ações futuras
(Oliveira & Serrazina, 1999:4).
– O professor investigador tem de ser um professor reflexivo, mas tra-
ta-se de uma condição necessária e não de uma condição suficiente,
isto é, na investigação a reflexão é necessária mas não suficiente.
Na verdade, a reflexão pode ter como principal objectivo fornecer
ao professor informação correta e autêntica sobre a sua ação, as ra-
zões para a sua ação e as consequências dessa ação; mas essa refle-
xão também pode apenas servir para justificar a ação, procurando
defender-se das críticas e justificar-se. Assim, a qualidade e a natu-
reza da reflexão são mais importantes do que a sua simples ocorrên-
cia (Oliveira & Serrazina, 1999:7).
– Na sociedade plural em que se vive, caracterizada pela conflituali-
dade, incerteza e complexidade, os professores precisam de desen-
volver uma prática reflexiva no sentido de transformar a sala de au-
la. As práticas reflexivas na medida em que envolvem equipas de
professores em trabalho colaborativo podem constituir um modo de
lidar com a incerteza, encorajando a trabalhar de modo competente
e ético (Oliveira & Serrazina, 1999:15).

A experiência tem-nos demonstrado que cada vez há menos espaço,


vontade e motivação para proceder à reflexão das práticas, entendendo-a
como um processo demasiado “intimista”, onde o professor se expõe com-
pletamente, o que a torna um processo demasiado complexo para alguns
professores. No entanto, consideramos que o principal desafio será come-
çar e depois tudo será mais fácil, dado que tornar-se-á uma necessidade.
104 Formação contínua – textos de enquadramento

Atividades

1 – Depois de se organizar os professores, pelas respectivas áreas dis-


ciplinares (caso seja possível), solicita-se que discutam como costumam
habitualmente realizar prática reflexiva nas suas disciplinas. Espera-se, que
apesar de existirem práticas diferentes, se possa realizar uma análise crítica
das mesmas.
1.1 – Em plenária, discutir-se-á as práticas dos vários grupos de traba-
lho, procurando optimizar as práticas educativas.

Referências Bibliográficas

Alarcão, I. (1996). Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os


programas de formação de professores. In I. Alarcão (Org.), Formação
reflexiva de professores: Estratégias de supervisão (pp. 9-39). Porto: Porto
Editora.
Oliveira, I. & Serrazina, L. (1999). A reflexão e o professor como investigador.
Quadrante, 9.
Roldão, M. C. (2007). Formação de professores baseada na investigação e prática
reflexiva. In Conferência Desenvolvimento profissional de professores
para a qualidade e para a equidade da Aprendizagem ao longo da Vida.
Lisboa: Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia.
Schön, D. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. In A. Nóvoa
(Org.), Os professores e a sua formação. Lisboa: D. Quixote e IIE.
Zeichner, K. (1993). A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas.
Lisboa: Educa.
MÓDULO

AS INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS

Adriana Mendonça dos Santos


Universidade de Cabo Verde

Breve Descrição
Neste módulo pretende-se proporcionar ao formando os conhecimen-
tos necessários para que possa compreender o que são inovações pedagó-
gicas, qual a sua importância no exercício das suas práticas e sensibilizá-lo
para a integração (gradual) das mesmas no exercício da docência.

Competências a desenvolver

– Dinamização de aulas, com recurso a algo (recurso, metodologia,


técnica…) inovador que proporcione aprendizagens integradoras e
significativas.
– Reconhecimento das inovações pedagógicas como uma forma de
dinamização das práticas docentes, com vista ao aumento do suces-
so escolar.

Duração

2-4 horas

Fundamentação

“A inovação não se decreta. A inovação não se impõe. A inovação


não é um produto. É um processo. Uma atitude. É uma maneira de ser e
de estar na educação” (Nóvoa, 1994:8).
106 Formação contínua – textos de enquadramento

As inovações pedagógicas constituem hoje uma das áreas importantes


para a formação dos professores, na medida em que perspectivam cenários de
ensino e de aprendizagem atuais, preparando os docentes para os mesmos.
“O termo inovação nem sempre é utilizado na sua acepção mais correc-
ta. Ele é frequentemente utilizado como sinónimo de mudança, ou de reno-
vação ou de reforma, sem contudo se tratarem de realidades idênticas” (Car-
doso, 1992).
A questão principal que se coloca é: porquê falar em inovações peda-
gógicas? Apoiamo-nos em Silva (2003: 45) para responder a esta questão,
parafraseando-o: “os cursos que se limitam à transmissão de informação e de
conteúdo, mesmo que estejam brilhantemente produzidos, incorrem no risco
da desmotivação a longo prazo e principalmente de que a aprendizagem seja
só teórica, insuficiente para dar conta da relação teoria/prática.” A inovação
é uma necessidade, associada indiscutivelmente às aprendizagens significa-
tivas, mas é também um processo complexo, que se pretende gradual.
A inovação não é uma mudança qualquer. Ela tem um carácter inten-
cional, afastando do seu campo as mudanças produzidas pela evolução “na-
tural” do sistema. A inovação é, pois, uma mudança deliberada e conscien-
temente assumida, visando uma melhoria da acção educativa.
Como definição de inovação pedagógica, destacamos a seguinte: “ino-
vação designa uma introdução de uma novidade no sistema educativo, pro-
motora de uma real mudança, subentendendo um esforço deliberado e cons-
cientemente assumido, bem como uma acção persistente, integrada num
processo dinâmico, visando a melhoria pedagógica” (Cardoso, 2002: 22).
Alertamos ainda para o que nos diz Huberman (1973, cit. por Silva,
2003: 35), “o termo inovação é altamente traiçoeiro, sendo ao mesmo tempo
sedutor e enganoso: sedutor, porque implica melhoramento e progresso, ao
passo que em realidade apenas significa alguma coisa de novo e diferente.
Enganoso, porque desvia a atenção da substância da atividade em causa – o
aprendizado – em favor do cuidado da tecnologia da educação”.
Não esqueçamos, no entanto, que para conseguirmos inovar há neces-
sidade de “abandonar práticas e rotinas mais ou menos institucionalizadas,
isto é, privar-se de pontos de referência seguros e tranquilizadores”. (Car-
doso, 2002: 27) A inovação representa um esforço pessoal e profissional,
que poderá afigurar-se mesmo como uma atitude, uma forma de compre-
ender/percepcionar os processos de ensino e de aprendizagem.
Como afirma Cardoso (2002:19) seja qual for o nível do sistema edu-
cativo a que nos situemos, somos levados a reconhecer que nenhum dos
problemas se resolve sem que mudem os modos de trabalho do professor
na escola.
As inovações pedagógicas 107

A autora relembra ainda que “apesar da consciência que, de uma for-


ma geral, todos parecem ter da inovação como uma das exigências prioritá-
rias, é surpreendente constatar a inércia, ou quando muito, a lenta trans-
formação dos sistemas educativos. Em plena viragem do século, as escolas
persistem em continuar enquadradas por um modelo escolar tradicional
que teve a sua razão de ser há alguns séculos atrás, que se adapta mais a
um mundo permanente e estático do que a um mundo em mudança” (op.
cit:25).
Há necessidade de realizar um esforço global para mudarmos as nos-
sas práticas lectivas. Esta mudança não tem necessariamente de estar rela-
cionada com más práticas, mas apenas tão simplesmente relacionada com a
necessidade própria da sociedade de dinamizar as metodologias de ensino
e de aprendizagem…
Cardoso relembra que para que haja inovação há “necessidade de par-
ticipação de todos os intervenientes educativos no processo inovador. Se
ao professor cabe ter mais iniciativa e um papel mais dinâmico, aos alunos
compete colaborar e respeitar mais o corpo docente, e aos órgãos diretivos
incumbe valorizar determinadas características pessoais e profissionais dos
docentes e certas dimensões do contexto escolar facilitadoras da mudança”
(Cardoso, 2002).

Atividades

1 – Com recurso ao quadro e giz de várias cores, realiza-se um brain-


storming em torno do tema desenvolvido: inovações pedagógicas.
1.1 – Recorre-se, posteriormente, a uma dinâmica de grupo para
“quebrar o gelo” e formar grupos de trabalho para se realizar uma defini-
ção de inovações pedagógicas.
1.2 – Depois de todos os grupos definirem as inovações pedagógicas,
partilha-se, em grande grupo as definições e discutimo-las.
1.3 – A formadora destaca, por último, alguns dos termos (aqueles que
possam ser mais “polémicos” ou que possam aparentemente não estar
imediatamente relacionados com o tema em causa) avançados pelos for-
mandos aquando a realização do brainstorming e solicita a sua explicação
por parte de quem os referiu.
2 – Recorre-se aos pequenos grupos formados inicialmente para refle-
tirem sobre inovações pedagógicas que possam ser utilizadas nas aulas que
planificaram para a unidade curricular que estão a trabalhar, para posteri-
ormente se proceder à discussão em plenária.
108 Formação contínua – textos de enquadramento

Sugestões de tarefas integradoras

O professor deverá ser estimulado a procurar (com apoio do formador


ou autonomamente) sites, materiais didáticos, vídeos, material áudio, de
entre outros, com vista a uma análise mais aprofundada das alternativas de
abordagem dos conteúdos/unidades didáticas, com vista à sua sensibiliza-
ção e posterior partilha com os seus pares (designadamente os colegas na
reunião de coordenação).

Referências Bibliográficas

Cardoso, A. P. (2003). A receptividade à mudança e à inovação – o professor e o


contexto escolar. Porto: Edições ASA.
Nóvoa, A. (org.) (1994). Profissão Professor. Porto. Porto Editora.
Silva, M. (2003) (org.). Educação online. São Paulo: Edições Loyola.
D’Eça, T., A. (1998). Netaprendizagem: a Internet na educação. Porto: Porto
Editora.

Sites para apoio aos professores

Armadillo’s k-12 www Resources dirigido a estudantes, professores e pais, con-


tém recursos educativos agrupados por disciplinas.
http://chico.rice.edu/armadillo/Rice/Resources/reshome.html
ASKERIC (Educational Resources Information Center)
http://ericir.syr.edu/
Online Innovation Institute (OII)
http://oii.org/
Teaching with the web: recursos da Web como “ferramentas” de ensino e links a
sites com informações pedagógicas
http://polyglot./ss.wisc.edu//ss/long/teach.html
MÓDULO

A AVALIAÇÃO E OS PROCESSOS DE ENSINO


E DE APRENDIZAGEM

Adriana Mendonça dos Santos


Universidade de Cabo Verde

Descrição Breve

Nesta sessão os formandos deverão aprofundar os seus conhecimentos


sobre os vários tipos e modalidades de avaliação, seus objectivos e fun-
ções, bem como conhecer alguns instrumentos de avaliação.

Competências a desenvolver

– Compreensão da necessidade de recorrer a práticas de avaliação al-


ternativas às sumativas, fomentando um acompanhamento gradual
das aprendizagens e dificuldades dos estudantes, direcionando os
docentes para uma prática mais constante da reflexão e da elabora-
ção de atividades remediadoras.

Duração

3-4 horas

Fundamentação

A avaliação pode ser definida como: “uma função desempenhada pelo


professor com o objectivo de recolher a informação necessária para tornar
decisões corretas” (Arends, 1999: 228).
A avaliação é um dos conteúdos que é altamente solicitado para se de-
senvolver em contexto de formação. Entendemos que isso se deve even-
110 Formação contínua – textos de enquadramento

tualmente à complexidade do processo e à ideia, um pouco ingénua, de que


existam receitas e remédios pré-definidos para uma avaliação globalmente
aceite para cada uma das disciplinas.
Ao contrário do que se poderá pensar, ainda hoje, no século XXI, não
se descobriu como realizar uma avaliação totalmente objectiva. A literatura
aponta para alguns caminhos que podem ajudar na avaliação, mas chama
sempre à atenção para o facto de casa caso ser efetivamente um caso e as-
sim o que pode resultar otimamente numa escola, com um professor e uma
determinada turma, poderá ter resultados completamente diferente noutro
contexto. Diríamos, então, que é um processo onde se espera alguns ensai-
os e erros e o que deverá sempre persistir é a vontade por parte do profes-
sor em continuar a diversificar as suas práticas de avaliação, criando novos
instrumentos, sempre que se justifique.
Assim sendo, cabe-nos a nós perguntar, para quê que avaliamos?
Como refere Natriello (cit. por Rosado & Silva, s.d), a avaliação tem
objectivos bem definidos, que contribuem para uma melhoria da educação,
como os que passamos a destacar:
• Melhorar o sistema educativo fornecendo elementos para a seleção
dos métodos e recursos e adequação dos programas;
• Orientar a intervenção do professor e sua relação com os alunos e
encarregados da educação;
• Ajudar os alunos a acompanhar o seu processo de aprendizagem;
• Fornecer informações aos EE para acompanharem o processo de
aprendizagem do seu educando.

O autor identifica ainda algumas funções da avaliação que considera-


mos importantes relembrar.

1) As Funções da avaliação

Natriello (cit. por Rosado & Silva, s.d) destaca como principais fun-
ções da avaliação as seguintes: a certificação, a seleção, a orientação e a
motivação. Para o autor, “a certificação garante que o aluno atingiu um de-
terminado nível. A seleção assegura a identificação de alunos para a entra-
da, o prosseguimento de estudos ou a vida ativa. Na orientação trata-se de
comunicar aos alunos avaliados os resultados da avaliação, permitindo aos
avaliadores fazer diagnósticos ou planificações posteriores e a apresenta-
ção dos resultados da avaliação assegura a motivação e o empenho nas ta-
refas daqueles que estão a ser avaliados. Para Natriello, são as próprias ca-
racterísticas das tarefas atribuídas aos alunos que influenciam a função do
processo de avaliação.”
A avaliação e os processos de ensino e de aprendizagem 111

Porém, hoje como afirma Rosado & Silva (s.d.:2) “a face mais visível
da prática da avaliação é a sua função pedagógica, na qual se cruzam qua-
tro dimensões indicadas por Pacheco (1994). Uma dimensão pessoal, vi-
sando a estimulação do sucesso dos alunos, uma dimensão didática, com
as fases de diagnóstico, melhoramento e verificação dos resultados da ava-
liação, uma dimensão curricular, envolvendo a possibilidade de realizar
adaptações curriculares face às necessidades dos alunos e uma dimensão
educativa, com a avaliação da qualidade da educação”.
Apesar de sabermos que os tipos ou modalidades de avaliação são, de
um modo geral, bem conhecidos pelos formandos, optámos por destacar
apenas aqueles que consideramos serem mais utilizados pelos docentes e
aprofundar um pouco alguns dos seus conceitos e abrangência dos termos.

2) Tipos ou Modalidades de Avaliação

A avaliação diagnóstica é entendida como uma certificação por parte


do professor da preparação ou não dos alunos para iniciarem o estudo de
conteúdo, e poderá ser realizada com recurso a vários instrumentos e ti-
mings. A avaliação diagnóstica é normalmente realizada no início de uma
unidade temática, com o objectivo de identificar os pré-requisitos dos alu-
nos para os conteúdos que se irão desenvolver.
A avaliação formativa visa regular os processos de ensino e de apren-
dizagem, identificando metodologias de ensino mal adaptadas ou dificul-
dades de aprendizagem nos alunos.
Rosado & Silva (s. d.) entendem que se deve distinguir avaliação
formativa de avaliação contínua embora a regulação eficaz da aprendiza-
gem exija a regularidade avaliativa. A avaliação formativa concretiza-se
com duas formas de regularidade: permanente e pontual, intercalar e final,
todas fundamentais na sua concretização. A avaliação contínua no sentido
de permanente, existe, muitas vezes, de forma implícita, com um carácter
informal e não de forma instituída, isto é, não organizada de forma delibe-
rada e sem critérios explícitos, pelo que a avaliação formativa pontual,
formalmente organizada, é um modo decisivo de recolha de informação
para a regulação dos processos de ensino e de aprendizagem.
A avaliação sumativa, segundo (Peralta, 2000:8) pode ser designada
como um “balanço dos saberes ou das competências adquiridas, depois de
uma sequência ou atividade de formação mais ou menos longa”. Tem co-
mo objectivo “medir” os efeitos de um programa de educação.
A avaliação sumativa presta-se à classificação, mas não se esgota ne-
la, nem se deve confundir com esta.
112 Formação contínua – textos de enquadramento

3) O que se pode avaliar

Podemos avaliar toda a ação dos alunos: comportamentos e atitudes.


Toda a ação do aluno é avaliável. Com escalas e registos mais ou me-
nos adequados é possível avaliar a cooperação, a confiança, a responsabili-
dade, a participação, o raciocínio, a comunicação, a aquisição de conceitos,
a compreensão, a aplicação de conceitos, a análise e a resolução de pro-
blemas.
Para que se consiga avaliar cada uma das “áreas” identificadas, será
necessário recorrer a instrumentos pré-definidos ou criados pelo próprio
professor, grupo de coordenação ou até escola.

4) Os instrumentos de avaliação

Se recorrermos à literatura (Cortesão & Torres, s.d., Fernandes, 2005,


Leite & Fernandes1999, de entre outros) veremos que existem uma panó-
plia diversificada de instrumentos de avaliação (como grelhas, contratos
didáticos, portefólios, ficha de registo de incidentes, testes – formativos,
diagnósticos e sumativos – de entre outros).
Basicamente, podemos dizer que os instrumentos de avaliação são os
meios que o professor tem à sua disposição para poder realizar uma avalia-
ção cuidada, contínua, com vista a obter informações sobre a situa-
ção/progressão de cada estudante. Estes instrumentos deverão ser utiliza-
dos para cada situação em específico, ou seja, nem sempre o instrumento
utilizado para apoiar na avaliação contínua é o mesmo a que o professor
poderá recorrer se quiser fazer uma avaliação formativa.
De um modo geral, os instrumentos que a maioria dos professores co-
nhece são os testes sumativos. Não obstante, uma das finalidades desta
formação, além de sensibilizar os professores para a necessidade de utili-
zação mais frequente de mais tipos de avaliação, é promover o desenvol-
vimento e utilização de mais instrumentos de avaliação.
É importante aqui referir que não existem instrumentos de avaliação
perfeitos, pelo que entendemos ser importante identificar algumas das difi-
culdades que eles poderão comportar.
A avaliação e os processos de ensino e de aprendizagem 113

5) Algumas Dificuldades e Limitações

Algumas das limitações que se podem destacar são as seguintes:


– Não há instrumento de avaliação que dê uma imagem completa, ní-
tida e definitiva da realidade;
– À qualidade formal nem sempre corresponde a qualidade real que se
associa ao valor de verdade da informação obtida;
– O mesmo problema apresentado de forma diferente tende a conduzir
a níveis de realização diferentes;
– A mesma resposta lida por avaliadores diferentes pode ter interpre-
tações diversas que resultam, por vezes, em avaliações divergentes;
– O mesmo avaliador, em momentos diferentes, está sujeito a ler dife-
rentemente as mesmas respostas dos alunos;
– Não há instrumentos de avaliação “fáceis” ou “difíceis”. A dificul-
dade de um instrumento de avaliação está dependente do contexto
de realização, das variáveis que interatuam;
– Perante os mesmos instrumentos os alunos reagem diferentemente
porque é diferente a maneira como os interpretam e como os aceitam.

Atividade 1

Imagine que pretende elaborar dois testes: um formativo, como parte


integrante de uma unidade curricular que já começou a desenvolver com os
seus alunos e um sumativo, que pretende aplicar no fim de algumas unida-
des temáticas.
Considerando que poderá escolher os conteúdos que achar mais con-
venientes no âmbito da sua disciplina, faça um esboço de cada um destes
testes.

Atividade 2

Faça um levantamento dos instrumentos de avaliação que utiliza, me-


diante os seguintes critérios:
– refletir sobre as razões que o levam a preferir uns e a não utilizar ou-
tros;
– utilizar um dos instrumentos mencionados no quadro, que nunca te-
nha aplicado;
– discutir, em grupo, as vantagens e desvantagens que encontrou.
114 Formação contínua – textos de enquadramento

Atividade 3

Com base nas informações que acabamos de abordar (conceito de


avaliação, função e modalidades), analise o quadro 1 e complete-o.

Objectivos de Uso Social Função Prin- Tipo Funções anexas


avaliação cipal de avaliação
Inventariar Verificar (me- Classificar
dir) Situar
Informar
Diagnóstico Situar um nível Inventariar
Prognóstico e compreender Harmonizar
as dificuldades Guiar
Assistir
Apoiar
Corrigir
Criar um diálogo
Compreender um
modo de funcio-
namento
Diagnóstica
3

Quadro 1

Sugestões de tarefas integradoras

O formando deve ser estimulado, quer pelo formador, quer pelos co-
legas a desenvolver e aplicar os instrumentos de avaliação trabalhados na
sessão, por forma a pesquisar mais sobre os mesmos e partilhar essas boas
práticas com outros professores, quer do seu grupo de coordenação, quer
de outros.
O docente deve ser instigado a recorrer com mais frequência às outras
modalidades de avaliação, designadamente a formativa, percepcionando-a
como uma aliada para o sucesso das aprendizagens e consequentemente na
avaliação sumativa.

3 Pinto, J. (s.d.) Avaliação pedagógica – um instrumento de gestão do provável. Lis-


boa: Texto Editora: 9.
A avaliação e os processos de ensino e de aprendizagem 115

Referências Bibliográficas

Arends, R., I. (1999). Aprender a ensinar. Amadora: McGraw-Hill.


Ballester, M. et al. (2003). Modelos e enfoques sobre a avaliação: o Modelo
Comunicativo. In Avaliação como apoio à aprendizagem. Porto Alegre:
Artmed-Editores.
Barbosa, J. & Alaiz, V. (1994). Explicitação de critérios – exigência fundamental
de uma avaliação ao serviço da aprendizagem. In Pensar avaliação,
melhorar a aprendizagem. Lisboa: IIE.
Ferraz, M., J. et al. (1994). Instrumentos de avaliação: diversificar é preciso. In
Pensar avaliação, melhorar a aprendizagem. Lisboa: IIE.
Jorba, J. & Sanmarti, N. (2003). A função pedagógica da avaliação. In Avaliação
como apoio à aprendizagem. Porto Alegre. Artemed Editores.
Neves, A., Campos, C., Conceição, J., M. & Alaiz, V. (1994). Que instrumentos
utilizar na observação? In Pensar avaliação, melhorar a aprendizagem.
Lisboa: IIE.
Peralta, M., H. Como avaliar competências? – Algumas considerações In
Avaliação das aprendizagens – Das concepções às práticas (2000). Lisboa:
Ministério da Educação.
Pinto, J. (s.d.) Avaliação pedagógica – um instrumento de gestão do provável.
Lisboa: Texto Editora: 9.
Rosado, A. & Silva, C. (s.d). Conceitos básicos sobre a avaliação das
aprendizagens. (on-line) http://areas.fmh.utl.pt/~arosado/ESTAGIO/conceitos.
htm (acesso a 24. 04.2009)
MÓDULO

O PORTEFÓLIO COMO INSTRUMENTO


DE AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Adriana Mendonça dos Santos


Universidade de Cabo Verde

Descrição Breve

Podemos considerar que este módulo surge no seguimento dos ante-


riores referentes à inovação pedagógica e à avaliação. O portefólio repre-
senta uma forma alternativa de trabalho docente (daí ousarmos considerá-
-lo uma espécie de inovação pedagógica), assumindo-se ainda como um
instrumento para a autorregulação da aprendizagem (associado à avaliação
formativa e contínua), podendo ser também utilizado para a realização da
avaliação sumativa.

Competências a desenvolver

Temos como principais finalidades a sensibilização dos docentes para


o recurso ao portefólio como um meio de autorregulação das aprendiza-
gens, dinamização das práticas letivas e como meio para a reflexão em
educação. Pretende-se ainda desenvolver as principais competências para a
construção de um e-portefólio.

Fundamentação

“O uso de portefólios na educação constitui uma estratégia que tem


procurado corresponder às necessidades de aprofundar o conhecimento so-
bre a relação ensino-aprendizagem, de modo a assegurar-lhe, a cada vez,
melhor compreensão e mais elevados índices de qualidade” (Sá-Chaves,
2000, p. 23).
118 Formação contínua – textos de enquadramento

Os portefólios têm sido utilizados já algum tempo (desde a década de


80, nos Estados Unidos da América), com diversas finalidades. Por exem-
plo um requisito para apresentação de uma modelo, é ter um portefólio de
qualidade que mostre às agências todas as suas potencialidades. É como se
fosse o “cartão-de-visita”, que possibilita o eventual acesso a um emprego,
por exemplo. Ceia (2002, p.1), diz que “hoje em dia, nos Estados Unidos e
na Austrália, por exemplo, muitas instituições de ensino exigem a apresen-
tação de um porta-fólio profissional (professional portfolio) a quem pre-
tende aí leccionar. Entende-se, neste caso, que um porta-fólio (do italiano
portafoglio, “recipiente onde se guardam folhas soltas”) é uma descrição
pormenorizada das habilitações profissionais do candidato, incluindo pro-
vas de práticas de ensino realizadas. Em outras situações, exige-se a cons-
trução e apresentação de um porta-fólio de curso (course portfolio), que é
um documento comprovativo do desenvolvimento curricular e pedagógico
de um determinado curso desenhado e leccionado”.
Mas, se procurarmos definições deste instrumento, veremos que exis-
tem várias, pelo que destacamos apenas algumas. Por exemplo, P. R. Paul-
son e C. A. Meyer, definem portefólio como: “A purposeful collection of
student work that exhibits the student’s efforts, progress and achievements
in one or more areas. The collection must include student participation in
selecting contents, the criteria for selection, the criteria for judging merit
and evidence of student self-reflection” (Ceia, 2002, p. 2). Por sua vez,
John Loughran e Deborah Corrigan esclarecem: “The portfolio encom-
passes learning about one’s own learning and teaching and understanding
how that might influence their approach to the students they will teach.
Many preservice teachers have no script for this as they have not been re-
quired to reflect consciously on their own learning in this way before”
(ibidem, p. 2). Jones e Shelton (2006) referem que os portefólios represen-
tam ligações estabelecidas entre ações e crenças, pensamento e ação, pro-
vas e critérios. São um meio de reflexão que possibilita a construção de
sentido, torna o processo de aprendizagem transparente e a aprendizagem
visível, cristaliza perspectivas e antecipa direções futuras”. Salientamos
também a definição de Villas Boas: “o portefólio é um procedimento de
avaliação que permite aos alunos participar da formulação dos objetivos de
sua aprendizagem e avaliar seu progresso. Eles são, portanto, participantes
ativos da avaliação, selecionando as melhores amostras de seu trabalho pa-
ra incluí-las no portfólio” (Sá-Chaves, 2000).
Finalizamos com definição de Scallon (2003, cit. por Alves, 2007,
p. 23) para quem os “portefólios são instrumentos de aprendizagem e de
avaliação que se fundamentam nesta capacidade em conseguir que o aluno
se envolva na sua avaliação (autoavaliação), refletindo sobre a sua apren-
O portefólio como instrumento de autorregulação da aprendizagem 119

dizagem (meta cognição) com vista a empreender ações para a melhorar


(autorregulação).”
Vimos também, pelo exposto anteriormente que o termo, em portu-
guês, pode assumir ser escrito de diversas formas: portefólio, portfólio ou
ainda porta-fólio, podendo eventualmente ainda existirem outras termino-
logias. Para nós essas variâncias são pouco significativas, dado que o obje-
tivo/função é o que mais nos interessa.
Além da função de apresentação, os portefólios, assumem também
outras, como as de aprendizagem e de avaliação (Ministére de L’education
du Quebec, 2002, cit. por Alves, 2007: p. 67). O portefólio de aprendiza-
gem, representa uma coleção de trabalhos do aluno, finalizados ou não,
que são acompanhados pelas suas reflexões. Os trabalhos devem ser esco-
lhidos pelo aluno ou conjuntamente com o professor, com vista ao alcance
dos objetivos estabelecidos. O portefólio de aprendizagem permite que o
aluno tome consciência das aprendizagens realizadas.
O portefólio de avaliação, é um conjunto de trabalhos do aluno, que
permite avaliar, em função dos objetivos estabelecidos, o nível de desen-
volvimento das competências do aluno, ao longo de um determinado perío-
do escolar. As produções são maioritariamente escolhidas pelo professor,
Este portefólio permite que o aluno tome consciência do nível de desen-
volvimento das suas competências. A sua utilização relaciona-se mais com
a avaliação contínua ou avaliação sumativa, podendo servir a certificação
ou obtenção de um diploma. A nossa intenção, como docentes de práticas
pedagógicas, é utilizar o portefólio, essencialmente, como instrumento pa-
ra autorregulação da aprendizagem do aluno, tornando-o assim um meio
para a realização da aprendizagem formativa.
Dado o número elevado de alunos por sala de aula em Cabo Verde,
entendemos que ainda há muito trabalho a fazer a nível de um acompa-
nhamento mais individual dos alunos, pelo que o investimento em portefó-
lios, constitui, em nosso entender, uma resposta plausível para a realidade,
uma espécie de ponto de partida. Este instrumento garante também a refle-
xão por parte do aluno sobre os conteúdos que tem mais dificuldades, bem
como possibilita a superação das mesmas, atempadamente, dado que está,
paulatinamente, a ser acompanhado pelo professor.
O portefólio de apresentação, é uma coleção que apresenta as melho-
res produções do aluno ou aquelas que o aluno preferiu mostrar. Elas são
maioritariamente escolhidas pelo aluno e o portefólio destina-se a uma
apresentação das suas realizações a um determinado público (colegas, pro-
fessores, amigos, pais ou a um público mais vasto). Este tipo de portefólio
permite que o aluno aprenda a conhecer-se a si mesmo, bem como a identi-
120 Formação contínua – textos de enquadramento

ficar traços da sua personalidade e as suas motivações mais profundas.


(Alves, 2007, p. 66).
A eleição do portefólio como um dos instrumentos, por excelência, de
autorregulação das aprendizagens baseia-se não só nas suas diversas po-
tencialidades, mas essencialmente por aliar o trabalho formativo à refle-
xão. Estas duas “competências”, constituem, para nós, uma base valiosa
para o trabalho de qualquer docente, que em nosso entender, estão hoje um
pouco ameaçadas pelas inúmeras dificuldades e circunstâncias que nor-
teiam o trabalho do docente. As diversas funções que hoje o professor
ocupa na escola e na sociedade, ocupam-lhe cada vez mais tempo, criando-
-lhe, por vezes a ilusão, de que a partilha, o trabalho colaborativo, a refle-
xão, poderão constituir ações dispensáveis para os dias de hoje, onde pare-
ce que o professor tende a fechar-se cada vez mais em si mesmo.
Por outro lado, a reflexão sobre as nossas próprias práticas (quer dos
docentes, quer dos alunos), além de ser uma atividade pouco frequente, re-
vela-se extremamente complexa. Daí considerarmos que os portefólios
ajudam no acompanhamento dos processos de ensino e de aprendizagem,
habituando os seus principais intervenientes a refletirem sobre o seu traba-
lho, o seu desempenhando, perspetivando simultaneamente outros cami-
nhos, outros horizontes.
Como a construção de um portefólio envolve a capacidade de decidir
e exige a responsabilidade da tomada de decisões, os alunos são confron-
tados com o seu próprio trabalho e estimulados a refletirem sobre a sua
aprendizagem, e sobre a forma como a vão melhorar. Esta autoavaliação
dos alunos promove a sua autonomia, colocando-o num papel mais ativo e
de maior responsabilidade relativamente à sua avaliação e à sua aprendiza-
gem (Asturias, 1994; Kuhs, 1994; NCTM, 1999; Stenmark, 1991, cit. por
Alves, 2007: p. 60).
Um ambiente de aprendizagem em que se valorizam competências
como: (i) planificar; (ii) pensar criticamente; (iii) reformular; (iv) avaliar;
(v) reinventar; (vi) arriscar; (vii) aceitar o erro; (viii) aceitar críticas; (ix)
aprender a ter sucesso; (x) persistir, consideradas fundamentais para que as
crianças e os jovens possam, no futuro, funcionar como cidadãos livres,
responsáveis e confiantes é indispensável nas nossas escolas de hoje. As
capacidades acima descritas, onde os alunos, em pequenos grupos, estão
envolvidos na resolução de situações problemáticas, em que se desenvol-
vem diferentes oportunidades para aprender, exige, naturalmente, uma ava-
liação diferente: mais autêntica, mais participada e mais reflexiva (Do-
mingos, 1994).
Como afirma Domingos (1994: 2), “a utilização de portefólios de tra-
balhos produzidos pelos alunos ao longo de um período de aprendizagem é
O portefólio como instrumento de autorregulação da aprendizagem 121

uma abordagem que tem sido utilizada por professores ingleses e norte-
-americanos para prosseguir os objectivos acima enunciados (Archbald e
Newmann, 1992; Moss, Beck, Ebbs, Matson, Muchmore, Steele, Taylor e
Herter, 1992; The Vermont Department of Education, 1991).
As reuniões de coordenação são pontos de encontro entre especialistas
que determinam as práticas pedagógicas de cada uma das áreas de forma-
ção. Elas são o espaço, onde se devem criar os hábitos de partilha de expe-
riências, de reflexão sobre a ação, de inovação pedagógica. Por isso, en-
tendemos que o portefólio, a ser levado por um dos professores, como
recurso que garante uma dinamização das práticas, poderá ser acei-
te/assumido pelos pares, como um recurso de dinamização das práticas le-
tivas nessa disciplina. E o que começa como um portefólio do aluno, mais
tarde poderá ser um portefólio do professor, um portefólio da escola.
No seu trabalho, a respeito da utilização dos portefólios como apoio à
prática pedagógica dos professores-estagiários, Ceia (2002, p. 2) diz que a
“concepção e construção do porta-fólio, é uma oportunidade única para o
professor-estagiário poder refletir sobre toda a sua prática pedagógica, in-
cluindo formas de autoavaliação do trabalho desenvolvido, execução de
planificações de aula, investigação pedagógica realizada, ações de forma-
ção promovidas, projetos educativos concebidos, etc. A componente autor-
reflexiva é uma das mais importantes na construção do porta-fólio da prá-
tica pedagógica. O professor-estagiário deve ser capaz de autoavaliar
permanentemente o seu trabalho pedagógico e refletir sobre os resultados
do seu ensino.” O desafio é continuar a investir em meios que garantam a
possibilidade de autoavaliação, de aperfeiçoamento de práticas, que se
querem de excelência, evitando cair no marasmo, que tantos docentes en-
frentam logo após a sua formação académica ou anos após a conclusão da
mesma.
Segundo Alves (2007, p. 65), “existem três fases importantes no de-
senvolvimento de um programa de portefólios que podemos designar por
(i) colecionar, (ii) selecionar e (iii) refletir.” Iremos debruçar-nos um pou-
co mais na última fase destacada pela autora, por comportar algumas in-
formações que consideramos essenciais reforçar na construção de portefó-
lios. Refletir implica que todos os materiais a incluir no portefólio deverão
ser acompanhados de uma reflexão que também inclui a justificação das
respetivas escolhas. Stenmark (1994, p. 40, cit. por Alves, 2007, p. 65)
menciona que esta reflexão além de contemplar uma pequena descrição
sobre cada material selecionado e as razões das escolhas, também poderá
contemplar, uma composição escrita, que, citando exemplos dos materiais
da pasta de trabalho ou das atividades desenvolvidas nas aulas, descreve as
situações de aprendizagem que de alguma forma causaram crescimento
122 Formação contínua – textos de enquadramento

quer relativamente à sua compreensão de uma área específica, designada-


mente a matemática, quer relativamente às suas atitudes.
Destacamos ainda três questões avançadas por Lambdin e Walker
(1994, p. 95, cit. por Alves, 2007, p. 64) consideradas como importantes
aquando a implementação de portefólios: (1) a importância de ter uma
ideia clara sobre o que se pretende avaliar com os portefólios; (2) a impor-
tância de criar rotinas sobre como gerir, organizar e armazenar os portefó-
lios; (3) a importância em transmitir aos alunos as indicações objectivas
sobre as expectativas acerca dos seus portefólios.
Para Sá-Chaves (2000), o portefólio apresenta múltiplos aspetos e di-
mensões da aprendizagem, enquanto construção de conhecimentos e, des-
ta, enquanto condição de desenvolvimento pessoal e profissional dos parti-
cipantes. Assim, com o aprofundamento e a apreciação das perspetivas
educacionais, esta estratégia não apenas vai contribuir para uma estrutura-
ção interpessoal do conhecimento, como também vai facilitar, se desen-
volvida ao longo de um período de tempo, a compreensão dos processos de
ensino e de aprendizagem.
As motivações para o recurso aos portefólios são múltiplas, pelo que
distinguimos algumas:
• Promover o desenvolvimento reflexivo dos participantes;
• Estimular o processo de enriquecimento conceptual, através do re-
curso às múltiplas fontes de conhecimento em presença;
• Fundamentar os processos de reflexão para, na, e sobre a ação, quer
na dimensão pessoal, quer profissional;
• Garantir mecanismos de aprofundamento conceptual continuado,
através do relacionamento em feedback entre membros das comuni-
dades de aprendizagem;
• Estimular a originalidade e criatividade individuais no que se refere
aos processos de intervenção educativa, aos processos de reflexão
sobre ela e à sua explicação, através de vários tipos de narrativa;
• Contribuir para a construção personalizada do conhecimento para,
em e sobre a ação, reconhecer-lhe a natureza dinâmica, flexível, es-
tratégica e contextual;
• Facilitar os processos de auto e heteroavaliação, através da compre-
ensão atempada dos processos (Sá-Chaves, 2000)4.

Em Cabo Verde, ouve-se falar em portefólios, essencialmente no con-


texto académico, dado que este representa um requisito para o fim de cur-

4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Portf%C3%B3lio
O portefólio como instrumento de autorregulação da aprendizagem 123

so. Este habitualmente é feito em papel (dossiê), mas o desafio (pelo me-
nos para nós) é torná-lo electrónico, assim como pretendemos que os pro-
fessores das nossas escolas secundárias o façam. Além de ser menos dis-
pendioso, garante a possibilidade de acompanhar os paulatinos avanços
nas tecnologias de informação e comunicação, de realizar mudanças a
qualquer momento, sem despender mais recursos monetários, não estraga
com o passar do tempo, pode ser constantemente atualizado, ano, após ano.
Além disso, como refere Alves (2007, p. 76) “um portefólio electrónico
possibilita que a coleção dos materiais selecionados, ou artefactos (“arti-
facts”), inclua quer documentos em formato texto, quer documentos em
formato gráfico, vídeo ou áudio.” A autora acrescenta que Avraamidou e
Zembal-Saul (2006: 6) dizem mesmo que os portefólios em formato papel
aumentam o perigo de dar mais relevo ao produto final que ao processo,
além de não conseguirem captar a complexa dinâmica dos novos processos
de ensino-aprendizagem.
Como afirmam Gomes & Alves (2009: 9) “ao processo de desenvol-
vimento de competências tecnológicas por parte dos alunos, associada aos
processo de construção dos seus portefólios digitais, é frequente ocorrer
uma processo similar por parte dos seus professores, nomeadamente pela
vontade de apoiarem os seus alunos nesse processo de aprendizagem e pe-
las necessidades efetivas de possuir competências tecnológicas que lhe
permitam explorar convenientemente o potencial dos e portefólios.”
Como vimos, as vantagens dos e-portefólios ou dos webfólios são
múltiplas, mas essencialmente considerarmos que as algumas das princi-
pais residem no fato de possibilitarem a disponibilização de conteúdos em
outros formatos (vídeo, áudio…) tornando-os muito mais atrativos para os
jovens, instigando-os a tornarem-se parte integrante do projeto que se pre-
tende que seja a construção de um instrumento de autorregulação das
aprendizagens, eventualmente disponíveis a toda a comunidade educativa.
Não podemos também deixar de destacar o que Gomes & Alves
(2009: 9) consideram como uma mais-valia dos e-portefólios: “a existência
de numerosos serviços de comunicação online disponíveis na Web, permi-
te que os portefólios online sejam desenvolvidos de forma mais partilhada
e colaborativa, beneficiando os seus autores do feedback de todos aqueles
a quem for facultado acesso e consulta dos mesmos, vantagem associada à
dimensão digital e online dos web-folios: “Os benefícios de um e-porte-
fólio tipicamente derivam da troca de ideias e do feedback entre o autor e
aqueles que interagem com o e-portefólio” (Lorenzo, Ittelson, 2005, cit.
por. Gomes & Alves, 2009: 9).
124 Formação contínua – textos de enquadramento

Atividades

1 – Cada docente deverá criar o seu portefólio, identificando em pri-


meiro lugar, 3 materiais (em formato de texto, áudio, vídeo ou outro) que
tenha interesse em ter no seu e-portefólio. Sugere-se uma breve descrição
do docente, contendo eventualmente os seguintes elementos: uma foto, on-
de se possa ver essencialmente a cara, formação académica, instituição de
formação académica, escola onde leciona, disciplinas com que trabalha,
tempo de docência. Os outros 3 materiais deverão ser acompanhados de
uma breve reflexão.
2 – A segunda fase da concretização do e-portefólio exige uma sala de
informática com acesso à Internet para que cada docente possa disponibili-
zar os conteúdos trabalhados anteriormente no seu espaço virtual. Para tal,
terá de aceder ao site www.blogspot.com, onde poderá inscrever-se e ini-
ciar a criação do seu espaço online, onde depois poderá começar a perso-
nalizar o seu espaço, tornando-o num portefólio digital.
3 – Depois de disponibilizados os materiais em cada e-portefólio, es-
tes deverão ser apresentados ao restante grupo.

Sugestões de tarefas integradoras

Cada docente deverá, a par da construção do seu e-portefólio, consul-


tar o site http://eb23quintalomba.wikispaces.com/Fazer+um+portf% C3%
B3lio+digital, onde encontrará muitas informações didáticas sobre a temá-
tica e um documento em power point, que ajudará o docente na construção
e personalização do seu e-portefólio.

Referências bibliográficas

Alves, A., P. (2007). E – Portefólio: Um estudo de caso. Lisboa: Associação de


Professores de Matemática. (Coleção Teses).
Barrett, H. C. (2006) Using Electronic Portfolios Barrett for Classroom Assessment.
disponível em http://electronicportfolios.com/portfolios/ Connected
Newsletter-final.pdf (acesso a 14 de Dezembro de 2011).
Bernardes, C. Miranda, F. (2003). Portefólio uma Escola de Competências. Porto.
Porto Editora.
Ceia, C. (2002). A construção do porta-fólio da prática pedagógica: um modelo
dinâmico de supervisão e avaliação pedagógicas. Disponível em http://
www.educ.fc.ul.pt/recentes/mpfip/pdfs/carlosceia.pdf (acesso a 5 de
Dezembro de 2011).
O portefólio como instrumento de autorregulação da aprendizagem 125

Fernandes, D. (1994). Portfólios: para uma avaliação mais autêntica, mais


participada e mais reflexiva. In: Pensar avaliação, melhorar a aprendi-
zagem. Lisboa: IIE.
Jones, M. and Shelton, M. (2006). Developing your portfolio: enhancing your
learning and showing your stuff. New York: Routledge.
Sá-Chaves, I. (2000). Portefólios Reflexivos, Estratégia de formação e de
Supervisão. Cadernos Didático. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/
Portf%C3%B3lio (acesso a 6 de Dezembro de 2011)
Seldin, P. e Annis, L. (1992).The teaching portefolio. Teaching excellence toward
the best in the academy. Vol. 3, nº 2.
ENSINO DA MATEMÁTICA (EM)
OS NÚMEROS REAIS

Cecília Monteiro
Escola Superior de Educação de Lisboa

Números naturais e números inteiros

Os números estão ligados ao desenvolvimento dos povos e relaciona-


dos com as condições da sua vida económica. À medida que as trocas eco-
nómicas iam evoluindo maior ia sendo o conhecimento dos números e fo-
ram necessários muitos séculos para se chegar às diferentes ideias
associadas aos números que hoje temos. Os números naturais, aqueles que
provêm da contagem, existem desde que o homem existe. Como afirma
Bento de Jesus Caraça, a ideia de número natural não é um produto puro
do pensamento, independente da experiência, os homens não criaram os
números naturais para depois contarem, pelo contrário os números naturais
surgiram naturalmente do processo de contagem.
O homem primitivo contava os animais, os dias, servindo-se de pedras
ou outras marcas para identificar o resultado da contagem, tendo só muito
mais tarde começado a encontrar símbolos para os representar. Foi então
construindo sistemas mais ou menos eficazes para contar grupos de objec-
tos. Na Índia, por volta do século V da era cristã, os sistemas de represen-
tação dos números tiveram grande desenvolvimento e o aparecimento do
zero permitiu que hoje a humanidade tenha um sistema eficaz para repre-
sentar qualquer número inteiro, por muito grande que seja. Os indianos
unificaram noções filosóficas de vazio, nada, ausência, nulidade, etc., ten-
do agrupado estes conceitos numa única palavra “Shûyata” que significa o
vazio. Assim, um espaço vazio correspondia à ausência das unidades de
uma certa ordem na numeração decimal de posição. O grande avanço con-
ceptual, o zero, permitiu pois a invenção do sistema de numeração decimal
e a escrita posicional. Estes “achados” demoraram mais de cinco séculos
para que fossem transmitidos à Europa, onde chegaram no século XI. Fo-
ram os sábios árabes e muçulmanos que veicularam a ciência indiana e ti-
veram um papel fundamental como intermediários entre os dois mundos.
130 Formação contínua – textos de enquadramento

Os símbolos que hoje usamos, os algarismos, foram um legado dos árabes


e é com eles que conseguimos representar qualquer número. Os números
naturais5 são os números 1,2,3,4,5,6,...,n,... O zero não é um número natu-
ral, na medida em que não é necessário para a contagem, que se processa
fazendo corresponder a cada símbolo um objecto através de uma corres-
pondência biunívoca (um a um).
Os números inteiros não negativos6 (uma extensão dos números natu-
rais) são os números 0,1,2,3,4,5,6,7,...,n,... Os números inteiros tornaram-se
uma ideia liberta já do processo de contagem e através do pensamento, já
fora das coisas reais, ela permite a existência de um conjunto de números
infinito, na medida em que é sempre possível pensar num número que se
segue a outro e assim sucessivamente, não sendo possível conceber um
número maior do que todos. Surge então a noção de infinito. É esta noção
magnífica que nos permite verificar que há tantos números inteiros quantos
números pares, visto que é sempre possível estabelecer uma correspondên-
cia biunívoca entre os dois conjuntos. Na verdade se fizermos a seguinte
correspondência, verificamos que é possível continuá-la sempre...

O infinito associado aos números inteiros e aos números pares é do ti-


po infinito numerável (porque há outros, o da recta, por exemplo, que é do
tipo contínuo e que veremos à frente).
Também nos referimos ao conjunto dos números inteiros como um
conjunto discreto visto que entre dois números inteiros quaisquer não há
uma infinidade de outros números inteiros, o que já não acontece, por
exemplo, no conjunto dos números decimais.

Os números racionais

As fracções, conhecidas desde a Antiguidade, surgiram com a neces-


sidade de traduzir o resultado de uma medição. Quando se mede uma
grandeza com uma determinada unidade de medida, há por vezes a neces-

5 O conjunto dos números naturais costuma designar-se por 


6 O conjunto dos números inteiros não negativos costuma designar-se por 0
Os números reais 131

sidade de subdividir essa unidade num certo número de partes iguais, de


modo a exprimir numericamente a medida dessa grandeza. Por exemplo,
se tivermos de medir um comprimento AB com a unidade CD , esta po-
de caber um número inteiro de vezes no comprimento a medir, ou não.
Neste caso precisamos de dividir CD em partes tais, que um certo núme-
ro dessas partes caiba exactamente na parte que ficou por medir. Admita-
mos que a unidade de medida cabia 4 vezes “mais um bocado” no com-
primento AB , dividindo a unidade em partes iguais verificámos que a
terça parte dessa unidade resolvia a situação, então a medida de AB equi-
1
vale a 4 unidades mais 1/3 da unidade ou seja AB = 4 CD . A origem
3
dos números racionais também está ligada à necessidade de partilhar quan-
tidades em partes iguais. Para representar a quantidade de pão com que ca-
da uma de 4 pessoas fica ao dividir igualmente 3 pães, as fracções foram a
representação usada muito antes da representação em numeral decimal.
O conjunto dos números racionais positivos é uma expansão do conjunto
dos inteiros não negativos através dos números fraccionários positivos. Um
número fraccionário é um número definido a partir de dois naturais m e n,
onde m não é múltiplo de n, como sendo o número cujo produto por n é m; a
esse número chamamos quociente de m por n e a fracção m/n é uma possível
representação desse número. Por exemplo 4/3 é um número fraccionário mas
6/3 já não é, é o inteiro 2. Estes números podem assim ser representados por
fracções e equivalem exactamente ao quociente de um número inteiro por um
m
número natural. A expressão simbólica é a representação de um número
n
racional, sempre que m e n forem números inteiros e desde que n  0.
Se dividir 2 por 4 consigo obter a dízima finita 0,5, que representa
exactamente esse quociente, mas se dividir 2 por 3 já não consigo obter um
quociente exacto, pois obtenho a dízima infinita periódica 0,66666... A frac-
2
ção possibilita a representação exacta de 2 por 3. Portanto, podemos di-
3
zer que todos os números que se podem representar por uma fracção são nú-
meros racionais7. Como consequência, temos que um número inteiro também
é um número racional visto que se pode representar por meio de uma fracção
(por exemplo 4/2 = 2 ). O conjunto dos racionais é formado pela reunião de
dois conjuntos: o dos números inteiros e o dos números fraccionários.

7 O conjunto dos racionais positivos e negativos designa-se por Q


132 Formação contínua – textos de enquadramento

Este conjunto é ainda um conjunto numerável, isto é, é possível esta-


belecer uma correspondência biunívoca entre esse conjunto e o dos núme-
ros naturais8. É uma ideia aparentemente difícil de aceitar numa primeira
abordagem a este assunto, mas que pode ter sentido se pensarmos que são
ambos conjuntos infinitos.
Há no entanto uma grande diferença entre o conjunto dos racionais in-
teiros e o dos racionais não inteiros. Vimos que não era possível encontrar
uma infinidade de inteiros entre dois números inteiros quaisquer, mas é fácil
perceber que este facto já não se verifica no conjunto dos números racionais
não inteiros – os números fraccionários. Na verdade entre 1/3 e 1/2, por
exemplo, há infinitos números, tais como 10/25, 100/255, 1000/2555 , ou,
entre 0,1 e 0,2 temos números tais como 0,11, 0,111, 0,1111. Por este facto o
conjunto dos racionais é um conjunto denso, visto que existe sempre uma in-
finidade de números racionais entre dois números racionais quaisquer.
No conjunto dos números racionais (positivos e negativos) fraccioná-
rios há dois subconjuntos: os números decimais e os números fraccionários
não decimais. Todo os números racionais que se podem representar por
uma fracção decimal (cujo denominador é uma potência de 10), ou por
uma dízima finita, são números decimais, os outros como por exemplo 2/3
e que são representados por dízimas infinitas periódicas, são números frac-
cionários não decimais.

Números Inteiros

Números Racionais Números decimais


Números Fraccionários
Números não decimais

Os números irracionais

No século V a. C, os matemáticos gregos pitagóricos suspeitaram que


além dos números racionais havia outro tipo de números. Verificaram, por
exemplo, que a medida da diagonal de um quadrado de lado igual a uma
unidade não é nem um número inteiro nem um número fraccionário. O fac-
to de, até aquela altura estarem convencidos que o universo se regia por
números racionais fez com que chamassem a estes novos números, irracio-
nais. Apesar de conhecida s sua existência, só no século XIX foram for-

8 Ver em “Conceitos Fundamentais da Matemática”, de Bento de Jesus Caraça


Os números reais 133

malmente estudados. Foi Dedekind, que em 1872, estudou a continuidade


da recta (até àquela altura pensava-se que havia uma correspondência biu-
nívoca entre os pontos da recta e os números racionais) e, através da verifi-
cação de “lacunas” na recta numérica provou a existência destes números
fazendo a correspondência com os pontos da recta.9
Os números irracionais não se podem representar como um quociente
de dois números inteiros, é o caso dos números que não têm raiz quadrada
exacta, isto é não são quadrado de nenhum número racional por exemplo,
o número 2 . O número π é também um número irracional. Sabemos pe-
lo Teorema de Pitágoras que, num triângulo rectângulo, o quadrado da hi-
potenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos, o que simbolicamente
se representa por: a b c , sendo a a hipotenusa do triângulo e b e c os
2 2 2

catetos. No exemplo do quadrado de lado igual a 1 metro, temos que


a211 e portanto a = 2 (raiz quadrada de 2 – o número cujo quadrado
é 2). Estes números representam-se por dízimas infinitas não periódicas.
Assim, voltando ao exemplo anterior 2 = 1,4142735.... dízima infinita
não periódica. Assim como no conjunto dos racionais, podemos considerar
também os números irracionais positivos e os negativos. Ao conjunto reu-
nião dos conjuntos dos racionais e dos irracionais chama-se conjunto dos
números reais e representa-se por R. Este conjunto já não é um conjunto
numerável pois não é possível estabelecer nenhuma correspondência biú-
nivoca entre ele e o conjunto dos números naturais, ele é do tipo contínuo,
visto que é possível estabelecer uma correspondência biunívoca entre cada
ponto da recta e cada número real.
O esquema seguinte mostra a relação entre os números reais10.

Números Inteiros

Números Racionais
Números Fraccionários

Números Reais

Números Irracionais

9 Ver explicação detalhada em Conceitos Fundamentais da matemática” de Bento de


Jesus Caraça
10 Esta classificação não é única. Em manuais escolares de outros países os números

inteiros são considerados números decimais.


134 Formação contínua – textos de enquadramento

As representações dos números

Confunde-se, por vezes, os números com as suas representações. Os


números racionais podem ser representados por fracções ou por numerais
decimais (dízimas finitas ou infinitas periódicas).
Os números decimais representam-se por fracções com denominador
10 ou uma potência de 10, ou por uma fracção equivalente a estas, ou ain-
da por uma dízima finita. Portanto os numerais decimais são representa-
ções de números racionais, são dízimas finitas (1,5 por exemplo) ou são
dízimas infinitas periódicas (0,3333..., que corresponde a 1/3) ou periódi-
cas mistas (0,3121212...).
Quando o número racional é maior que uma unidade podemos ter a
1
representação na forma de numeral misto, por exemplo 2 , equivale a
4
9
ou ainda 2,25, evidenciando a parte inteira do número. Há no entanto
4
numerais com vírgula que não representam números racionais, são os que
representam número irracionais, as dízimas infinitas não periódicas, como
por exemplo a dízima a que corresponde a raiz quadrada de 2.

Curiosidades sobre números


Número primo é um número natural diferente de 1 que só admite dois
divisores, ele mesmo e o número 1. Os números 3, 5, 7, 13, por exemplo,
são números primos
Número perfeito é um número natural que é igual à soma de 1 e dos
seus divisores próprios (um divisor próprio de um número é um divisor di-
ferente desse número e de 1). O número 6 = 1+2+3, é um número perfeito.
Número deficiente é um número maior do que a soma de 1 e dos seus
divisores próprios, por exemplo o número 10: 10>1+2+5=8 .
Número abundante é um número menor do que a soma dos seus divi-
sores próprios. Exemplo de um número abundante, o 12: 12< 1+2+3+4+6
Dois números são Números amigáveis se qualquer deles for igual à
soma de 1 com os divisores próprios do outro. Os números 220 e 284 são
números amigáveis.
Dois ou mais números são Números primos entre si se admitirem
unicamente como divisor comum a unidade.

Referências
Bento de Jesus Caraça, 1978. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa.
Georges Ifrah, 1981. Histoire Universelle des Ciffres. Ed. Robert Laffont. Paris.
COMPARAÇÃO ENTRE DOIS PROCEDIMENTOS
DE CONSTRUÇÕES GEOMÉTRICAS:
INSTRUMENTOS EUCLIDIANOS
E SOFTWARE GEOGEBRA

Natália V. K. Dias Furtado


UNICV – Universidade de Cabo Verde

I – Nota prévia

A ideia da presente investigação surgiu-nos em mente, desde há mais


ou menos cinco anos; mas, tal como ela vai agora estampada, com esta nó-
tula introdutória, ela surgiu-nos só depois do relacionamento que tivemos
com os professores de Matemática do Ensino Secundário do país, a quem
ministrámos cursos de aperfeiçoamento, no âmbito do Projeto “EDU-
LINK”, mas sobretudo da análise dos programas e curricula respectivos,
onde, com certa admiração, detectámos uma certa omissão ao nível do en-
sino da Geometria, particularmente, uma grande falta de consideração des-
ta matéria nesses programas e curricula escolares.
O principal argumento e a maior motivação para a conceção desta
nossa pequena contribuição, que se dirige, em geral, àqueles que se inte-
ressam pelo assunto, mas também aos professores e alunos de Matemática
que lidam diariamente, no mundo académico, com esta problemática,
prende-se com a posição/tese dos geómetras, referente à necessidade de
resgatar do esquecimento, os procedimentos de construções geométricas
no ensino-aprendizagem da Geometria, enquanto um importante instru-
mento auxiliar da disciplina.
Neste contexto, enquanto uma apaixonada, pedagoga e apreciadora da
Geometria, não poderíamos de deixar de estar completamente de acordo
com o Professor Eduardo Wagner (2005:18) quando diz que: “as constru-
ções geométricas devem, em nossa opinião, acompanhar qualquer curso
de Geometria na Escola Secundária; os problemas de construção são mo-
tivadores, às vezes intrigantes e frequentemente conduzem à descoberta de
novas propriedades. São educativos no sentido que em cada um é necessá-
ria uma análise da situação onde se faz o planeamento da construção, se-
136 Formação contínua – textos de enquadramento

guindo-se a execução dessa construção e posterior conclusão sobre o nú-


mero de soluções distintas e também sobre a compatibilidade dos dados.”
Estas estratégia e pedagogia vieram do próprio Euclides, que na sua
memorável obra “Os Elementos”, defende, segundo Eduardo Veloso,
(2003:24) que: “as suas proposições assumem frequentemente o seguinte
formato:
a) descrição de um processo de construção,
b) demonstração de que esse processo conduz à resolução do proble-
ma proposto.”

Notámos que as construções geométricas ou os jogos de construções


geométricas, como tais, terão sido considerados pelos gregos ainda muito
antes dos anos 300 a.C., quando se publicou “Os Elementos”, (o qual é
composto por vinte e três definições; cinco postulados e cinco noções co-
muns, seguidos de quarenta e oito proposições). Essas construções perma-
neceram imunes ao tempo e ainda hoje e sempre desempenham e desem-
penharão um papel importantíssimo na educação do jovem estudante de
Matemática.
Não obstante, por esta e outras razões, constatámos com alguma preo-
cupação, a relativa desconsideração em Cabo Verde, das construções geo-
métricas planas por parte dos decisores ao nível da conceção dos curricula
e programas de Matemática ao nível do Ensino Secundário.
Em Cabo Verde, a experiência nos oferece elementos de juízo con-
formes com a inferência de que há uma quase-duplicação de disciplinas
que consideram a mesma matéria; ou seja, por um lado há uma disciplina
no 7º e 8º anos de escolaridade, chamada de “Educação Visual e Tecnoló-
gica (EVT)” e mais tarde, chamada de “Desenho” no 9º e 10º anos de esco-
laridade, onde se consideram os procedimentos de construções geométricas
no plano, sem nenhuma justificação de base geométrica que implique de-
monstração e análise, conforme defendia o geómetra Euclides.
Quer dizer, um aluno que construa um triângulo equilátero, desconhe-
ce os métodos e procedimentos de demonstração, de modo a poder justifi-
car que essa figura, é um triângulo equilátero porque tem, de facto, três la-
dos iguais, sem recurso a uma régua para medir os ditos lados e assim
tentar justificar aquilo para o qual não recebeu base teórica (conceitos, cri-
térios e propriedades). E, por outro lado, está a Matemática, onde se estu-
dam os mesmos problemas de construções geométricas (e aqui está a tal
quase-duplicação), também sem o necessário estudo da demonstração e
análise dos problemas de construções geométricas planas, nem por meio da
utilização de instrumentos euclidianos (métodos e etapas de construção),
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 137

nem por meio da utilização de softwares geométricos (GeoGebra e suas


principais funcionalidades, in casu).
Resumidamente, aqui são separadas as partes da resolução do proble-
ma do próprio problema geométrico, ou seja, a parte que se refere aos pro-
cedimentos de construção são tratadas nas disciplinas “EVT” e mais tarde
“Desenho”, sendo que as partes relativas à demonstração e à análise das
construções geométricas planas, que deveriam ser consideradas na disci-
plina Matemática, em geral, ficam suspensas “no ar”, dispersas algures en-
tre as duas disciplinas, não sendo pois consideradas nem por uma, nem por
outra disciplina.
E isto, do nosso ponto de vista, não está bem. Não está bem, sobretudo
por duas ordens de razões, a saber: a primeira, porque o aluno termina tanto
o primeiro, como o segundo e o terceiro ciclos, sem poder compreender e
explicar o porquê das coisas, através da ligação das teorias matemáticas à
prática; e a segunda, porque fica, consequentemente, privado de poder cons-
truir um raciocínio verdadeiramente matemático e assim ganhar o gosto pela
disciplina. E isto significa que, o conhecimento adquirido corre o risco de
não poder ser nem sério, nem profundo, e muito menos, sólido.
Neste contexto, querendo contribuir para a inflexão dessa situação, de
modo a que se desenvolva no aluno:
1) maior capacidade de exercício do pensamento crítico,
2) maior confiança no seu potencial mental,
3) maior hábito de utilização de suas competências autonomamente e
4) capacidade para aplicar com desenvoltura as ferramentas e conhe-
cimentos geométricos adquiridos em situações da vida quotidiana,

– Propomos rever os conteúdos leccionados em cada uma das duas


disciplinas do Ensino Secundário acima referidas, designadamente a
EVT ou o Desenho e a Matemática, de modo que dessa revisão re-
sulte uma interdisciplinar conexão curricular e programática, capaz
de reorientar tanto o professor quanto o aluno rumo à consecução
dos objetivos específicos, intermédios e gerais preconizados.

Neste sentido, julgamos muito pertinente ressaltar que, com o surgi-


mento de novas ferramentas educacionais, tais como os softwares matemá-
ticos, por exemplo, criaram-se um pouco por todo o lado, falsas expectativas
em relação à facilidade do processo ensino-aprendizagem de Matemática,
particularmente da Geometria.
Cremos, sinceramente, que neste caso, há que haver muito cuidado na
abordagem e utilização dessas ferramentas educacionais; pois, elas podem
ser uma faca de duplo fio: por um lado, se mal empregues, (situação que
138 Formação contínua – textos de enquadramento

pode ocorrer, quando dela se faz uma utilização antecipada ou precoce, se-
ja por preguiça, impreparação ou certo descuido do professor), o que pode
resultar em três tipos de efeitos perversos:
1) contribuir, ainda que inconscientemente, para abrir maiores lacu-
nas nos conhecimentos do aluno;
2) potenciar e espalhar confusões;
3) criar e inibir o gosto pela Matemática.

Por outro lado, claro está, que diferentes softwares desempenham um


papel muito interessante, seja do ponto de vista da verificação dos resulta-
dos, seja na visualização dos objetos geométricos, o que constitui, sem
sombra de dúvidas, uma enorme vantagem em relação à sua eventual não-
-utilização.
Todavia, há que haver sempre, do nosso ponto de vista, uma precau-
ção inicial, por sageza, na sua utilização. Por conseguinte, propomos que,
em primeiro lugar, se ministrem conhecimentos propedêuticos muito for-
tes, o que passa, necessariamente, pelo domínio de todos os passos de
construção, dos quais, se destacam a demonstração e a análise; em segundo
lugar, e só rigorosamente depois desta fase, permitir-se a realização de
construções por meio de softwares da geometria dinâmica.
Tratando-se, pois, de um jogo de construções geométricas, Euclides
escolheu os instrumentos que podem ser utilizados e as regras a aplicar. As
regras do jogo baseiam-se nos três seguintes postulados:
Postulado I: Dados dois pontos A e B, é permitido traçar o segmen-
to AB.
Postulado II: Dado o segmento AB, é permitido prolongá-lo, obtendo
dessa forma uma semi-reta ou uma reta.
Postulado III: Dados dois pontos A e B, é permitido traçar a circun-
ferência do centro A, passando por B.
Os instrumentos utilizados são a régua (não graduada) e o compasso
(sem memória), sendo que este último não tem capacidade para transportar
segmentos.
Contudo, depois da resolução das primeiras três proposições seguintes:
I.1. Dado um segmento AB, construir um triângulo equilátero que te-
nha AB como lado;
I.2. Dados um segmento BC e um ponto A, construir um segmento
igual a BC com uma extremidade em A;
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 139

I.3. Sejam AB e CD dois segmentos (AB maior do que CD). Cortar


em AB um segmento igual a CD,
– Euclides, passou a utilizar, digamos assim, um compasso no sentido
moderno da palavra, com as mesmas funcionalidades que os com-
passos que hoje conhecemos.

Deste modo, os alunos que efetuem construções euclidianas no papel


com recurso a esses instrumentos, estarão a implementar os ensinamentos
de Euclides, com todo o rigor científico, aplicando, mesmo que inconsci-
entemente, as ferramentas e os comandos de Software, que, a seu tempo, já
terão sido feitos na base de postulados, definições e noções comuns de Eu-
clides; ou seja, os alunos ao manipularem ou se quisermos, ao brincarem
com tais instrumentos, já estarão aplicando as ferramentas educacionais,
entendidas hoje como softwares matemáticos/informáticos, mesmo sem o
conhecimento daquilo que estaria escondido por detrás do seu olhar ino-
cente.
Resumidamente, cientes dos antecedentes desta investigação (suporte
teórico) e apoiando-nos na análise dos resultados que apresentamos (supor-
te prático), argumentamos que a principal ênfase nas construções planas
com recurso a instrumentos euclidianos, deve ser posta, do nosso ponto de
vista, na realização das seguintes etapas ou regras (confirmar na 2ª parte –
Quadros 1-4 e Figuras 1-6!):
• Separação de dados,
• Concepção de hipótese,
• Realização de construção,
• Demonstração,
• Análise do processo de resolução.

II – Dicotomia procedimental nas construções geométricas

Deste modo, apresentamos o quadro comparativo dos procedimentos


de construção dos problemas chamados “básicos”, por meio de: 1) instru-
mentos euclidianos no papel e 2) Software GeoGebra:
140 Formação contínua – textos de enquadramento

Quadro nº 1
Construção de uma recta perpendicular a uma recta dada:
• Passando por um ponto dado não pertencente à recta dada (baixar um perpendicular sobre
a recta dada);
• Passando por um ponto da recta dada (levantar um perpendicular à dada recta).

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:

Caso 1: Caso 1:
• Traça-se uma recta l. • Traça-se uma recta l.
• Marca-se um ponto qualquer M fora da recta. • Marca-se um ponto qualquer M fora
• No ponto M constrói-se uma circunferência da recta.
C(M,r)com centro nesse ponto e raio maior do • Seleciona-se comando “Recta perpen-
que a distância entre M e l. dicular” e segue-se às instruções, i.e.
• A interseção da circunferência dada com a clica-se em cima do ponto e, em se-
recta l são dois pontos N e F, i.e. guida, em cima da recta.
.
• Nos dois pontos obtidos, como centros, cons- M
troem-se duas circunferências de raios não me-
nores do que .
• Na intersecção dessas circunferências obtêm-se I

dois pontos A e D, pelos quais se traça a per-


pendicular solicitada (ou, um ponto pertencente
a le dado ponto M).
Caso 2:
Caso 2: • Traça-se uma recta l.
• Marca-se um ponto qualquer M na
• Traça-se uma recta l. recta.
• Marca-se um ponto qualquer M na recta. • Seleciona-se o comando “Recta per-
• Escolhe-se um ponto qualquer K fora da recta. pendicular” e segue-se as instruções,
• No ponto K, como o centro, constrói-se uma ou seja clica-se em cima do ponto e
circunferência C(K,r), onde . em seguida, em cima da recta.
• .
• Por pontos K e S traça-se a recta m.
• .
• A recta que passa por F e M é a perpendicular
solicitada. I

M
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 141

r
S
I
M

Construção de um ângulo dado:

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:


• Constrói-se uma recta l . Caso 1 (está conhecida a amplitude do
• Marca-se um ponto S da recta dada. ângulo dado).
• No vértice M do ângulo dado e no ponto S • Constrói-se uma recta l .
constroem-se os arcos do mesmo raio. • Marcam-se dois pontos S e F da recta
• A intersecção desse arco com a recta l é ponto dada.
N. • Escolha-se comando “Ângulo de am-
• Por meio de compasso, mede-se a corda, em plitude fixa”. Seleciona-se um ponto,
que se apoia o arco do ângulo dado. um vértice e amplitude.
• Com essa mesma abertura do compasso marca-
-se o ponto M do arco, construído no ponto S,
como vértice.
• Unindo os pontos M e S, obtém-se o ângulo so-
licitado.

L
a = 50º

a = 50º
M

I S 50º F

I 50º N

Caso 2 (Apresenta-se somente o dese-


nho, por exemplo, de intersecção de du-
as rectas, como a seguir se indica).
142 Formação contínua – textos de enquadramento

S
b
a = 42º 71l

• Por meio do comando “Ângulo”, sele-


cionam-se três pontos ou duas rectas
para saber a amplitude do ângulo.
• Segue-se as etapas da construção do
Caso 1.

Construção de uma recta paralela dada:

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:

1º método: • Traça-se uma reta l.


• Marca-se um ponto qualquer M fora
• Traça-se uma recta l. da recta.
• Marca-se um ponto qualquer M fora da recta. • Seleciona-se comando “Recta parale-
• No ponto M constrói-se uma circunferência la” e segue-se as instruções, i.e. clica-
C(M,r) com centro nesse ponto e raio maior do -se em cima do ponto e, em seguida,
que a distância entre M e l. em cima da recta.
• A interseção da circunferência dada com a rec-
ta l são dois pontos N e F, i.e.
.
• No ponto F, como no centro, constrói-se uma
circunferência do mesmo raio que a
circunferência C(M,r).
• .
M
• .
• Constrói-se uma circunferência
.
• .
• Por pontos M e E traça-se a recta procurada f.

I
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 143

R1
M r

2º método:
• Traça-se uma recta l.
• Marca-se um ponto qualquer M fora da recta.
• Do ponto M baixa-se um perpendicular (ver
Caso 1 – construção de um perpendicular), cuja
base designa-se por L.
• De um ponto F da recta dada, escolhido aleato-
riamente, levanta-se um perpendicular (ver Ca-
so 2, construção de um perpendicular).
• No último perpendicular marca-se o ponto N,
tal que .
• A recta, que se passe por N e M é a recta solici-
tada.

N
J
j E
F

L D
A
I
144 Formação contínua – textos de enquadramento

3º método:
• Traça-se uma reta l.
• Marca-se um ponto qualquer M fora da recta.
• Traça-se uma recta m que passa por M e inter-
secta a recta l: .
• No ponto M constrói-se o ângulo igual ao ân-
gulo formado pelas retas l e m. Obtém-se o
ponto B. (Ver procedimento com instrumentos
euclidianos, descrito acima).
• A recta, que se passe por B e M é a recta solici-
tada.

B β

A
a

Construção de uma bissectriz de um ângulo dado:

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:

1º método: • Constrói-se um ângulo agudo qual-


quer.
• Constrói-se um ângulo agudo qualquer. • Por meio do comando “Bissectriz”,
• Com a abertura de compasso aleatória e centro selecionam-se três pontos (no senti-
no vértice do ângulo dado marcam-se dois pon- do positivo, i.e. sentido anti-
tos nos seus lados: M, N. -horário): A, S e B.
• No pontos M e N, como nos centros, constroem-se • A semirreta da recta c, com origem
duas circunferências de raios iguais quaisquer. em S, é a bissectriz solicitada.
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 145

• A semirreta, que une o vértice com o ponto E


da intersecção das circunferências construídas, é
a bissectriz solicitada.

E S

N
S

OBS:
2º método: Pode-se selecionar as duas rectas, que
contêm os lados do ângulo dado. Nesse
• Constrói-se um ângulo agudo qualquer.
caso, por meio do comando “Bissec-
• No vértice S do ângulo, como no centro cons-
triz” obtêm-se bissectrizes dos ângulos
troem-se duas circunferências de raios diferentes
adjacentes.
quaisquer.
• Os pontos da intersecção dessas circunferências
com os lados do ângulo dado designam-se por
M, N, K e F.
• .
• A semirreta, que une o vértice S do ângulo dado
com ponto E, é a bissectriz solicitada.

K
N

S
146 Formação contínua – textos de enquadramento

Construção de um triângulo equilátero, com um lado dado:

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:

• Constrói-se um segmento de comprimen- • Constrói-se um segmento de


to igual ao comprimento do lado de triângulo so- comprimento igual ao comprimento
licitado. do lado de triângulo solicitado.
• Nos pontos A e B, como nos centros, constroem- • Por meio do comando “Polígono re-
-se circunferências de raios iguais ao compri- gular”, selecionam-se os dois pontos
mento do lado . (distância entre os quais é ) e di-
• O ponto da intersecção das circunferências, o gita-se o número de lados.
ponto C, é o terceiro vértice do triângulo solici-
tado.
• Unindo os pontos A, B e C, obtém-se o triângulo
solicitado.
OBS:
OBS:
O comprimento do lado vê-se logo na
O problema tem duas soluções (em dois semipla- parte algébrica do GeoGebra.
nos relativos a recta AB.

Construção da imagem de uma figura (recta), por rotação à volta


de um centro no ângulo de amplitude dada:

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:


• Traça-se uma recta a. • Traça-se uma recta a.
• Marca-se um ponto S fora da recta dada. • Marca-se um ponto S fora da recta
• Escolhem-se aleatoriamente dois pontos da recta dada.
a, por exemplo, C e D. • Seleciona-se o comando “Rodar em
• Unem-se os pontos S e C, S e D. torno de um ponto com uma ampli-
• Na semirreta SC, no vértice S constrói-se o ângu- tude”.
lo de rotação, i.e. de . No lado obtido pela • Seleciona-se a recta, depois o centro
de rotação S e o ângulo.
construção marca-se um ponto C’, tal que
.
• Analogamente, constrói-se o ponto D’ – imagem
de D por rotação a volta do centro S de amplitu-
de .
• Unindo os pontos C’ e D’, obtém-se a recta b –
imagem de a por meio da rotação indicada ante-
riormente.
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 147

aI
b

a = 50º
S

a = 50º

DI
S
50º
a

50º

C
a
CI

A seguir, para os devidos efeitos, apresentamos dois métodos para


construção de arco capaz.

Construção de um lugar geométrico dos pontos, dos quais o dado


segmento (ou dada corda) é visto/a por um ângulo dado
ou
Construção de arco capaz de amplitude dada, que se apoia num/a
Procedimento com instrumentos euclidianos:
segmento (corda): dado.

1º Método:
• Numa recta l constrói-se o segmento de comprimento m .
• Nos pontos A e B constroem-se dois perpendiculares (ver Caso 2).
• No ponto B, como vértice, constrói-se o ângulo .
• Na intercepção do perpendicular, levantado do ponto A, com o lado
construído do ângulo obtém-se o ponto G.
• Constrói-se a mediatriz do segmento . Dessa maneira, obtém-
-se o ponto O.
• No ponto O, como centro, constrói-se uma circunferência de raio,
igual a .
• O conjunto dos pontos do arco AGB, exceto os pontos A e B, é o
acro capaz solicitado.
148 Formação contínua – textos de enquadramento

Fig. 1

m
U = 40º

a = 40º

β = 40º
I

A
B

2º Método:
• Numa recta l constrói-se o segmento de comprimento m .
• No semiplano abaixo da recta l, constrói-se o ângulo .
• Constrói-se um perpendicular a recta a no ponto A (ver Caso 2).
• Constrói-se uma mediatriz do segmento (ver o procedimento
do Caso 1).
• Na intersecção do perpendicular com a mediatriz obtém-se o ponto O.
• No ponto O, como no centro, constrói-se a circunferência de raio
igual a .
• O arco AMB, excepto os pontos A e B, é o arco capaz solicitado.

Fig 2

40º
a

O
G

I m
A a = 40º B
C

F
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 149

Construir um paralelogramo, conhecendo os comprimentos


das suas diagonais e a amplitude do ângulo agudo:

Finalmente, apresentamos o exemplo ora considerado como aquele


que, de facto, obedece as cinco etapas de construção geométrica, tal como
na acepção euclidiana.

Dados: Dois segmentos de comprimentos diferentes; ângulo :

Fig. 3

Pedido: Construir um paralelogramo: dados o seu ângulo e as diagonais.

Hipótese: Suponhamos que o paralelogramo com as diago-


nais de comprimentos e , respectivamente, e o ângulo já está cons-
truído.
Fig. 4

Note-se, que , i.e. é a mediana de . Conclui-se,


deste modo, que a tarefa de construção do paralelogramo se reduz à constru-
ção de um triângulo, conhecendo-se a sua base, o ângulo oposto à base e a
mediana, sendo que esta é traçada a começar desse vértice sob a base.
150 Formação contínua – textos de enquadramento

Construção:
No segmento de comprimento , constrói-se um sector circu-
lar de amplitude , cujos lados se apoiam nesse segmento. De seguida, do
ponto – ponto médio de , com a abertura de compasso igual a
traça-se uma circunferência até à intersecção com a circunferência do sec-
tor circular de amplitude . Designa-se esse ponto por . A partir do tri-
ângulo constrói-se o paralelogramo solicitado.

Fig. 5

Demonstração:
O quadrilátero obtido é o paralelogramo pedido, pois as suas diago-
nais são de comprimentos solicitados, no ponto da intersecção dividem-se
por metade e o ângulo oposto à diagonal é de amplitude (pela
construção).

Análise:

Se , então o problema tem soluções; se ou

, então o problema não tem solução. Onde é a altura máxima dos


sectores circulares da amplitude dada, que se apoiam (contém a) na cor-
da/segmento dado (que é, neste caso, o lado dado do paralelogramo solici-
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 151

tado). A altitude de define-se pela intersecção da mediatriz da corda ou


do segmento dado com essa circunferência, considerando-se a partir da
corda (essa altitude situa-se do mesmo lado do segmento , onde es-
tão todos os vértices dos ângulos inscritos). Por exemplo, o segmento dado
é e amplitude do ângulo inscrito igual a .

Fig. 6

Existe outro modo de abordar os problemas de construção geométrica,


ou seja, de construção de quaisquer objetos e/ou figuras planas pelas defi-
nições ou pelos teoremas, ilustrando as respectivas propriedades através do
Software GeoGebra. Esse método é bastante diferente do método euclidia-
no, que visa a construção de figuras geométricas planas concretas, i.e. pe-
los dados dos comprimentos, pelos dados dos seus lados, pelos dados das
suas diagonais, pelos dados das suas altitudes ou pelas amplitudes dos ân-
gulos ou, finalmente, através das suas combinações.
Agora, consideremos o exemplo da construção de um paralelogramo
qualquer, pela definição, ou seja, a construção de um quadrilátero, cujos
lados opostos são paralelos, através da comparação dos dois procedimen-
tos em análise:
152 Formação contínua – textos de enquadramento

Quadro nº 2

Procedimento com instrumentos euclidianos: Procedimento em GeoGebra:


• Traça-se uma recta r por dois pontos
quaisquer. • Traça-se uma recta r qualquer por dois
• Marca-se o ponto C exterior da recta r . pontos A e B (por meio do comando
• No ponto C, como centro, constrói-se cir- “Recta definida por dois pontos”)
cunferência de raio maior do que a dis- • Marca-se um ponto qualquer C exterior
tância de C até r, por exemplo, igual a da recta.
. • Constrói-se a recta s paralela a r e que
passa por C.
• . • Constrói-se a recta u que passa por A e C.
• No ponto B, como centro, constrói-se cir- • Constrói-se recta t paralela a recta u pas-
cunferência de raio igual a e, sando por ponto B.
• .
dessa maneira, passa por C.
• . • Constrói-se paralelogramo
• No ponto B, como centro, constrói-se cir- por meio do comando “Polígono”.
cunferência de raio igual ao compri-
mento do segmento .
• .
• Unindo os vértices e , obtém-
-se o paralelogramo .

Em jeito de consideração final, reiteramos com absoluta comunhão, o


pensamento de Wagner (2005:1), segundo o qual “... não existe nenhum
método fácil para aprender Matemática, como aliás, para aprender qual-
quer outra coisa na vida”. A segurança que se pode adquirir no domínio de
um assunto tem uma só origem: a prática, a experiência muitas vezes repe-
tida, onde os insucessos têm tanto valor quanto os sucessos. Se aprender
com os erros dos outros, é uma virtude, então aprender com os erros pró-
prios, já é uma obrigação.
Comparação entre dois procedimentos de construções geométricas 153

Bibliografia:

1. Eduardo Wagner, (com colaboração de José Paulo Q. Carneiro), (2005):


Construções Geométricas. Colecção do professor de matemática. SBM., Rio de
Janeiro.
2. Barnett Rich, (2007): Schaum’s easy outlines. Geometria. Curso intensivo.
McGraw-Hill,.
3. Eduardo Veloso, (2003). Construções geométricas, prazer dos deuses…,
Educação e Matemática, nº 73.
4. F. Hurtado, A. Quintana, B. Sanahuja, P. Taniguchi, J. Vilanova, (1997/1998):
Matemática (álgebra e geometria)+exercícios, Colecção ATLAS TEMÁTICOS,
Marina Editores, Lda.
5. Armando Caputi e João Roberto Gerônimo (2006): O projeto Matemativa-
-Exposição Interativa de Matemática. Oficina de matemática: Descobrindo as
Simetrias no plano.
6. G.I. Zubelevitch (1967): Coletânia dos problemas das Olimpíadas Matemáticas
de Moskovo. Manual para professores dos 5-8 anos de escolaridade. Sob a
redação de K.P. Sikorsky, Moskovo, Prosvetshenie,.
7. A.A. Rivkin, A.Z. Rivkin, L.S. Hrenov, (1964): Prontuário de matemática,
Prosvetshenie.
8. M. Vigodsky, (1958): Prontuário/guia de matemática elementar, Editora Litera-
tura físico-matemática”, Moskovo.
CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA
DOS CONJUNTOS

Natália V. K. Dias Furtado


Tetyana V. K. Mendes Gonçalves
UNICV – Universidade de Cabo Verde

Resumo

O presente trabalho é um material didático destinado aos professores


de Matemática, que leccionam no 7º ano de escolaridade a unidade temáti-
ca Conceitos Básicos da Teoria dos Conjuntos, introduzida no programa
da disciplina no âmbito da revisão curricular em curso em Cabo Verde. A
Teoria dos Conjuntos surgiu no fim do século XIX e constitui uma base
sólida para explicar a essência das relações quantitativas e, através delas,
as formas espaciais. No secundário, a leccionação da matemática pode ba-
sear-se no conceito de conjunto, sem a análise dos paradoxos da teoria can-
toriana dos conjuntos e demais aprofundamentos na axiomática de Zerme-
lo, sendo suficiente para o efeito, a abordagem de: conceito de conjunto,
formas da sua representação, operações sobre conjuntos, fórmula de inclu-
são e exclusão para dois ou três conjuntos, (sendo que esta última de con-
sideração facultativa). Apresentam-se vários tipos de problemas com as
respectivas soluções e, ainda, comentários, observações e sugestões para
professor.

Summary

This work is an educational material for teachers of mathematics who


teach the 7th grade thematic unit Basic Concepts of Set Theory, introduced
in program of the discipline in the curricular revision occurring in Cape
Verde. The Set Theory emerged in the late nineteenth century and provides
a sound basis for convincing explanation of the essence of quantitative re-
lations, and through them the space forms. In secondary, the teaching of
mathematics can be based on the concept of set, without the analysis of the
paradoxes in Cantorian theory of sets and other insights in the Zermelo’s
156 Formação contínua – textos de enquadramento

axiomatic, being sufficient for this purpose, the following approaches:


concept of sets, forms of its representation, operations on sets, inclusion
and exclusion formula for two (three) sets (being the last of optional con-
sideration). We present several types of problems with their solutions, and
also, comments, observations and suggestions for teacher.

1. Nota explicativa

A teoria dos conjuntos surgiu no fim do século XIX e assumiu um pa-


pel fundamental na matemática moderna. Por isso, a ideia de aproximação
do curso de matemática do ensino secundário à matemática moderna, pode
ser realizada, da melhor maneira possível, por meio da construção desse
curso na base do conceito de conjunto (sem a análise dos paradoxos da teo-
ria cantoriana de conjuntos, sem aprofundar a axiomática de Zermelo, sem
a resolução de problemas de numerabilidade de conjunto, etc.). Com efei-
to, na matemática do secundário podem encontrar uma aplicação clara e
natural as seguintes doutrinas teórico-conjuntivisticas:
1. Existência do subconjunto de um conjunto: em qualquer conjunto,
pode destacar-se (distinguir-se) uma sua parte (subconjunto), indi-
cando um critério de elementos dessa parte do conjunto. Assim, do
conjunto de números naturais pode destacar-se uma parte, consis-
tente dos números, que se dividem por 2, i.e. números pares. Do
conjunto de todos os pontos do plano pode distinguir-se uma parte,
consistente dos pontos, equidistantes do dado ponto fixo do plano,
i.e. circunferência;
2. União (reunião) e interseção de conjuntos: dados dois (ou mais)
conjuntos, pode constituir-se, por determinada regra, um novo con-
junto. Por exemplo, todos os elementos dos dados conjuntos podem
unir-se (reunir-se) num conjunto ou constituir um conjunto, consis-
tente dos elementos comuns dos conjuntos em consideração. A união
do conjunto de números naturais com conjunto, consistente de um
elemento – zero, gera o conjunto de números inteiros não negati-
vos;
3. Existência da correspondência entre elementos de um ou mais con-
juntos (relações/aplicações/funções): de um ou mais conjuntos po-
de constituir-se conjuntos, cujos elementos são funções. Num con-
junto dado pode determinar-se (definir-se) tantas funções, quantas
existem diferentes regras, que permitem a cada elemento deste con-
junto pôr em correspondência um determinado elemento de outro
conjunto.
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 157

Todas essas doutrinas aparecem e se aplicam na vida real e na própria


experiência de cada criança, muito mais cedo do que na escola secundária.
Ainda no jardim infantil as crianças separam os brinquedos de uma caixa
comum ou nos jogos “LEGO” (implicitamente aplicando a 1ª doutrina, i.e.
distinguem um subconjunto), ou ajudando a mãe a preparar uma salada de
frutas (implicitamente aplicando a 2ª doutrina, i.e. união de ingredientes),
ou mesmo numerando os participantes num jogo (aplicando a 3ª doutrina,
i.e. fazem correspondência entre os elementos de um conjunto com ele-
mentos de outro). A experiência, independentemente da maneira que foi
adquirida, sempre forma imaginação nas crianças, na base da qual se de-
senvolve a atividade mental abstrata, o que leva, por sua vez, à formação
de conceitos intuitivos generalizados de conjunto (conjunto no geral e não
em concreto!), do seu elemento, de pertença (pertinência) e de operações
sobre conjuntos.
Em 1954, no Congresso Internacional de Matemática em Amsterdam,
a Comissão Internacional de Educação Matemática (CIEM) colocou a exi-
gência de pôr na base da reforma do ensino de Matemática no secundário,
o conceito de conjunto, de transformação e de estrutura. No congresso de
Matemática em Estocolmo (1960) a CIEM analisou e generalizou os mate-
riais de 21 países sobre tentativas da modernização do curso da matemática
no secundário. Em maior parte desses documentos foi proposta a introdu-
ção nos curricula escolares da parte da “Teoria Elementar dos Conjuntos”.
Em 1960, junto ao Instituto Pedagógico da UNESCO foi criado o Conse-
lho de Seguimento das “Investigações Internacionais sobre o Nível e o Ca-
ráter da Preparação dos Alunos de Escolas Secundárias”. No resumo das
atividades desse Conselho e também no relatório da CIEM foi esclarecido,
que o estudo das novas partes (questões) nas escolas secundárias, influiu
positivamente no processo de preparação matemática dos alunos.
Além disso, o famoso pedagogo Jean Piaget ressaltava, que conceitos
básicos da teoria dos conjuntos são inteiramente acessíveis para crianças e
devem ser introduzidos no curso de matemática do secundário. O matemá-
tico-pedagogo belga J. Papi, notando que a álgebra moderna, topologia e
análise se baseiam na teoria dos conjuntos, elaborou um manual experi-
mental “Matemática moderna” (1963). Manual esse, que começou pela
narração dos conceitos: conjunto, subconjunto, interseção, união, diferença
de conjuntos e continuou com demonstrações das propriedades de opera-
ções sobre conjuntos, com consideração do produto cartesiano de conjun-
tos. Na base dos conceitos de conjunto e de correspondência, foram formu-
lados os conceitos de relação, de função e de figura geométrica. Pela sua
própria experiência, Papi concluiu, que os alunos de menos idade assimi-
lavam o conceito de conjunto melhor do que alunos mais velhos. O plano
158 Formação contínua – textos de enquadramento

francês, nesse aspecto, propunha ainda a introdução e a utilização sistemá-


tica dos símbolos: ∈, ⊂ , ∩, ∪, ∅, ⇒, ⇔ e algumas fórmulas simples da
álgebra dos conjuntos: ∩ ∩ , ∪ ∪ e etc., com visão de
adquirir progressivamente o almejado hábito na escrita de textos matemá-
ticos. As notações de conjuntos, futuramente, vão ser utilizadas para repre-
sentar as relações entre acontecimentos e a fórmula de inclusão e exclusão
para dois (três) conjuntos ajudará nas demonstrações de teoremas das pro-
babilidades de acontecimentos.
Com o passar dos tempos, hoje, face aos efeitos da globalização, o ní-
vel social, psicológico e intelectual dos alunos mudou consideravelmente
e, para melhor. É cada vez mais fácil o acesso das crianças ao computador
e a outras novas tecnologias, principalmente com o objectivo de jogar.
Nesse processo, elas submetem-se a desafios de ultrapassar barreiras muito
complicadas, escolhendo a melhor maneira de reação, selecionando sub-
conjuntos e efetuando operações sobre conjuntos, interpretando símbolos e
designações, etc., sem perceber que já estão a preparar-se para a aborda-
gem teórico-conjuntivisticas de Matemática. Professores e educadores de-
vem correta e delicadamente aplicar as metodologias educativas existentes
para implementar essa abordagem com sucesso, tendo em conta o novo
enquadramento dos alunos na vida real.

2. Fundamentação teórica

Nesta parte pretende-se desenvolver o conhecimento prático dos mé-


todos e das ideias da teoria dos conjuntos, sem discutir a moderna teoria,
somente indicando-se de modo preciso a terminologia e o simbolismo ade-
quados aplicáveis a ideias e a experiências que lhes são mais ou menos
familiares. Ao longo desta apresentação vai-se utilizar, também, símbolos
lógico-matemáticos: disjunção, conjunção, implicação, equivalência,
i.e. ∨, ∧, ⇒, ⇔, que se leem: “ou”, “e”, “se ..., então” e “equivalente”,
respectivamente.
Os assuntos designados por “ ** “ são de abordagem facultativa!

2.1. Conjunto

O conceito de conjunto é fundamental em Matemática. É indetermi-


nado e não pode ser expresso por meio de outros conceitos básicos, i.e. é
“primitivo”. Por isso, limita-se por explorar alguns exemplos concretos,
que explicam o seu sentido em vez de dar a própria definição. Assim, po-
de-se falar sobre conjunto de alunos duma escola secundária, sobre conjun-
to de todas as pessoas do planeta Terra, sobre conjunto de todos os núme-
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 159

ros naturais, sobre conjunto de todos os triângulos num dado plano, etc. Na
Matemática, quando se fala sobre conjunto, agrupam-se alguns objetos
num só único, que é o conjunto, consistente desses mesmos objetos. O
fundador da teoria dos conjuntos Georg Cantor (1845-1918) exprimiu isso
em seguintes palavras: o conjunto “é coleção de objetos bem definidos e
distintos da nossa percepção ou do nosso pensamento, considerada num
todo” (ou “o conjunto é muita coisa, pensada como se fosse única”). Tom
M. Apostol descreveu conjunto como “...coleção de objetos considerados
como uma identidade única...”, mantendo a ideia original de Georg Cantor.
Definição 2.1.1 (Elementos de conjunto). Os objetos, de que consiste um
conjunto, chamam-se seus elementos. O fato de que um objecto a é ele-
mento do conjunto A, escreve-se: ∈ , i.e. a é elemento de A; a pertence
a A; a contém-se em A; A contém a. O conjunto, por sua vez, diz-se conter
ou ser composto dos seus elementos.
Os conjuntos designam-se, em geral, pelas letras maiúsculas do alfa-
beto latino: A, B, C, ..., X, Y, Z; e os elementos pelas letras minúsculas do
alfabeto latino: a, b, c, ..., x, y, z.
Por exemplo, se 2 é o conjunto de números naturais pares, então
2 ∈ 2 e 7 ∉ 2 .
Geralmente, um conjunto julga-se dado, se está indicada uma proprie-
dade, que gozam todos os seus elementos e não gozam os outros quais-
quer. Tal propriedade chama-se propriedade característica do conjunto ou
propriedade definidora ou, também, princípio de especificação ou de
compreensão. Assim, o conjunto de números naturais menores do que sete
representa-se de seguinte maneira:

ú á
ã

Definição 2.1.2 (Conjuntos finitos ou infinitos). Os conjuntos podem ser


finitos ou infinitos. Um conjunto é finito se e só se for vazio ou tiver um
número finito de elementos. No caso contrário, o conjunto é infinito, i.e.
um conjunto é infinito se e só se não for finito.
Definição 2.1.3 (Igualdade de conjuntos). Dois conjuntos A e B dizem-
-se iguais (ou idênticos) se constam exatamente dos mesmos elementos e
escreve-se , i.e.

⟺ ∈ ⟺ ∈ .
160 Formação contínua – textos de enquadramento

Essa ideia fundamental da “teoria intuitiva de conjuntos” é conhecida,


também, como princípio (axioma) de extensão: cada conjunto é definido por
seus elementos. Por exemplo, o conjunto M representa-se de seguinte modo:

, , , , , .
ã

Em geral, um conjunto é conhecido, quando são identificados os seus


elementos por meio de uma propriedade comum ou, simplesmente, por
enumeração/listagem.
Se um dos conjuntos contém algum elemento que não pertence ao ou-
tro, diz-se que os dois conjuntos são distintos (ou diferentes) e escreve-se
.
Por exemplo, os conjuntos {2, 5, 7, 8}, {5, 8, 2, 7} e {2, 2, 5, 7, 7, 8}
são iguais, apesar da repetição dos elementos 2 e 7 do terceiro conjunto,
apesar da desordenação dos elementos do segundo conjunto.
Definição 2.1.4 (Cardinal de um conjunto). Ao número de elementos do
conjunto chama-se cardinal ou cardinalidade, ou grandeza do conjunto e
denota-se por #.
Por exemplo, a expressão na linguagem corrente “o cardinal do con-
junto A é igual a 6” representa-se na linguagem matemática por # 6.
Definição 2.1.5 (Subconjunto). Um conjunto A diz-se um subconjunto
(uma parte) dum conjunto B, e escreve-se ⊆ , quando todo o elemento
de A pertence a B, i.e.

⊆ ⟺ ∈ ⟹ ∈ .

Diz-se também que A está contido em B ou que B contém A. O símbo-


lo ⊆ utiliza-se para representar a inclusão de conjuntos.
A afirmação ⊆ não exclui a possibilidade de ⊆ . Com efeito,
podemos ter ambas as inclusões ⊆ e ⊆ , mas isto acontece univo-
camente se A e B têm os mesmos elementos. Por outras palavras, A B se
e somente se ⊆ e ⊆ , ou ⟺ ⊆ ∧ ⊆ . Esta afir-
mação é uma consequência imediata das definições anteriores de igualdade e
inclusão, e é uma outra maneira de expressar o princípio de extensão.
Se ⊆ , mas , então diz-se que A é um subconjunto próprio
de B e representa-se por ⊂ .
Definição 2.1.6 (Conjunto vazio). Conjunto vazio é o conjunto que não
possui nenhum elemento e é denotado por ∅.
O cardinal do conjunto vazio é zero, i.e. #∅ 0.
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 161

Considera-se ∅ subconjunto de qualquer conjunto. Se imaginarmos,


por facilidade, um conjunto análogo a um recipiente (saco, bolsa ou caixa)
que contém certos objetos, os seus elementos, então o conjunto vazio será
análogo a um recipiente vazio. Para evitar certas confusões, deve-se dis-
tinguir o elemento x do conjunto , cujo único elemento é x. Em particu-
lar, o conjunto vazio, ∅, não é o mesmo que o conjunto ∅ . Com efeito, o
conjunto vazio, ∅, não contém elementos, enquanto que o conjunto ∅
contém um único elemento ∅. Assim como uma caixa, que contém uma
caixa vazia, não está vazia!
Os conjuntos formados de um só elemento dizem-se conjuntos de um
elemento ou singulares, ou unitários.
Definição 2.1.7 (Conjunto universal). O conjunto universal ou universo é o
conjunto que é constituído por todos os elementos que estão considerados
em cada caso concreto (um conjunto fixo). O conjunto universal represen-
ta-se por U ou S.
Definição 2.1.8 (Potência de conjunto). Dado conjunto A, chama-se potência
(conjunto dos subconjuntos) de A e designa-se por P(A), ao conjunto cujos
elementos são subconjuntos exactamente de A, i.e. : ⊆ .
Nota-se que:
• Se ∅, então ∅ ∅;
• Se , então ∅, ;
• O conjunto vazio ∅ e um conjunto unitário/singular são exemplos
clássicos de conjuntos que não têm os subconjuntos próprios.

2.2. Operações sobre conjuntos

Chamaremos Álgebra dos Conjuntos o estudo da criação de novos


conjuntos a partir de conjuntos já definidos, utilizando as operações de
União (Reunião), Intersecção, Diferença e Complemento (Complementa-
ção). Com isso, recorre-se ao auxílio de diagramas de Euler – Venn para
tornar “visíveis” os conjuntos constituídos a partir dos dados. As ajudas
gráficas deste tipo são úteis para apoiar a comprovação da validade de teo-
remas na teoria dos conjuntos ou para sugerir métodos de demonstração
dos mesmos. Naturalmente, tais demonstrações baseiam-se nas definições
e conceitos e a sua validade dependerá de um raciocínio correto e não só
dos diagramas.
Definição 2.2.1 (União de conjuntos). A união de dois conjuntos A e B
é o conjunto dos elementos que pertencem a A ou a B ou ambos, represen-
tado por:
162 Formação contínua – textos de enquadramento

∪ : ∈ ou ∈ : ∈ ∨ ∈ .

Figura 2.1: União de conjuntos Figura 2.2: Interseção de conjuntos

Definição 2.2.2 (Intersecção de conjuntos). A interseção de dois con-


juntos A e B é o conjunto dos elementos comuns desses conjuntos, repre-
sentado por:

∩ : ∈ e ∈ : ∈ ∧ ∈ .

** De maneira geral, tem-se:

∪ ∪ …∪ e ∩ ∩ …∩ .

Observa-se que:
• ∩ ⟺ ⊆ ;
• Dois conjuntos A e B, que não têm elementos comuns, i.e. ∩ ∅,
dizem-se disjuntos. Os conjuntos disjuntos são distintos! Mas, os
conjuntos distintos nem sempre são disjuntos!

Figura 2.3: Conjuntos distintos


Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 163

• ∪∅ e ∩ ∅ ∅.

Definição 2.2.3 (Complemento ou conjunto complementar de A).


Complemento ou conjunto complementar de A em conjunto universal (ou
universo) U, é o conjunto de todos os elementos de U, que não pertencem
a A, representado por:

̅ : ∈ ∉ : ∈ ∧ ∉ .

Figura 2.4: Conjunto e seu complemento

Leis de D’Morgan

Sejam A e B dois conjuntos quaisquer:

∩ ̅ ∪ e ∪ ̅∩ .

** Tanto as leis de D’Morgan, como as suas demonstrações, que se


baseiam nas definições 2.1.3, 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3, consideram-se facultati-
vamente.
Definição 2.2.4 (Diferença de conjuntos). A diferença entre dois con-
juntos A e B (também chamada complementar de B em A ou diferença de
B para A) é definida pelo conjunto de todos os elementos de A, que não
pertencem a B, e representa-se por ou ∖ :

: ∈ e ∉ : ∈ ∧ ∉ .
164 Formação contínua – textos de enquadramento

A diferença de conjuntos pode ser representada e de outra maneira:

∩ ,

interpretando-a como diferença do conjunto A e a sua intersecção com o


conjunto B. O complemento de A em U pode ser representado, utilizando a
definição 2.2.4, de seguinte maneira: ̅ .

Propriedades das operações com conjuntos

Comutatividade ∪ ∪ ∩ ∩
Associatividade ∪ ∪ ∪ ∪ ∩ ∩ ∩ ∩
Elemento neutro ∪∅ ∩
Elemento absorvente ∪ ∩∅ ∅
Idempotência ∪ ∩
Distributividade ∪ ∩ ∪ ∩ ∪ ∩ ∪ ∩ ∪ ∩

2.3. Fórmula de inclusão e exclusão para dois (três) conjuntos

A fórmula de inclusão e exclusão para dois conjuntos é considerada


de dificuldade superior para os alunos de onze (doze) anos. Mesmo que os
problemas, ligados com essa fórmula sejam de caráter das Olimpíadas Ma-
temáticas, incluímos a sua obtenção e, até, da fórmula para o caso de três
conjuntos nesse suporte didático e no Programa de Matemática do 1º ciclo
do Ensino Secundário, para preparação propedêutica, que ajudará a com-
preensão de conceitos fundamentais da teoria de probabilidades, mais exa-
tamente, a fórmula de probabilidade de união (reunião) de dois aconteci-
mentos e demonstrações de teoremas da probabilidade condicionada
(condicional).
Sejam dois conjuntos A e B não vazios tais que: # , # ,
# ∩ .
Obtemos a fórmula de cálculo de cardinal da união (reunião) desses
dois conjuntos, i.e. a fórmula de inclusão e exclusão para dois conjuntos
(Ver Figura 2.3).

• Se ∩ ∅, então # ∪ # # ;
• Se ∩ ∅, ã # ∪ # # ∩ #
# # ∩
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 165

** Sejam três conjuntos A, B e C não vazios tais que:

# , # , # , # ∩ ∩ , # ∩ , # ∩
, # ∩ .

Figura 2.5: Interseção de três conjuntos

Obtemos a fórmula de cálculo de cardinal da união (reunião) destes


três conjuntos, i.e. a fórmula de inclusão e exclusão para três conjuntos.
(Notemos, que esta indução não é obrigatória para o estudo na sala de aula,
mas pode ser facultativa!) Para isso utilizamos a fórmula acima referida
para dois conjuntos. Tem-se:
# ∪ ∪ # ∪ ∪ # ∪ # # ∪ ∩
# # # ∩ # # ∪ ∩
# # # ∩ # # ∩ ∪ ∩
# # # ∩ #
# ∩ # ∩ # ∩ ∩
# # # ∩ # # ∩ # ∩
# ∩ ∩
# # # # ∩ # ∩ # ∩
# ∩ ∩ .
166 Formação contínua – textos de enquadramento

3. Problemas

3.1. Problemas para secção 2.1.

Problema 3.1.1 (Números naturais). Indicar na recta numérica todos


os números naturais, situados entre 4 e 11. Representar o conjunto pedido
em conformidade com os princípios de compreensão/especificação e de
extensão. Escrever na linguagem simbólica matemática o facto de que o
número 6 pertence ao conjunto dado e o número 15 não. Indicar um sub-
conjunto de dado conjunto de cardinalidade 4. Este conjunto é ou não é um
subconjunto próprio?

Solução.

O conjunto procurado é

ú
ã

ou

5, 6, 7, 8, 9, 10
ã

O fato de número 6 pertence a A e número 15 não pertence a esse con-


junto escreve-se de seguinte maneira: 6 ∈ e 15 ∉ .
Por exemplo, B 6, 8, 5, 10 com # 4 é um subconjunto próprio
de A, i.e. ⊂ .

Comentários, observações e sugestões para professor.


• A execução das tarefas do problema baseia-se na aplicação das defi-
nições 2.1.1 – 2.1.5;
• É muito importante mostrar como se interpreta o texto na linguagem
corrente em simbolismo matemático, i.e. na linguagem matemática.
Definir/descrever um conjunto conforme aos princípios de especifi-
cação/compreensão ou de extensão é possível de várias maneiras,
segundo as diversas condições ou atribuições de nomes aos seus
elementos. Respectivamente, as representações, também, serão dife-
rentes;
• Tanto professor, como os alunos podem apresentar os seus exemplos
no contexto da tarefa, sempre praticando a linguagem matemática;
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 167

• É necessário explicar a diferença entre o conceito de subconjunto e


conceito de subconjunto próprio. O facto de é focal nessa
consideração! Não confundir as designações " ⊆ " e " ⊂ ", e os res-
pectivos significados!

Problema 3.1.2 (Ao topo da montanha). Chegar ao topo duma monta-


nha do conselho de Santa Catarina é possível pelas três veredas. Constituir
vários roteiros, pelos quais pode subir ao topo da montanha e descer dela.
Quantos roteiros existem?

Solução.
A resposta é 9 roteiros, pelos quais se pode subir e descer da montanha.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• São possíveis dois modos de raciocínio. Num modo, alunos podem
sozinhos inventar as designações para o conjunto procurado – con-
junto de roteiros. Se os roteiros designar por OA, OB e OC, onde O
designa o topo da montanha e A, B, C designam pé de cada vereda,
então os elementos do conjunto se exprimem por AOA, AOB, e etc.
Noutro modo, a cada vereda pode ser designada por I, II e III, res-
pectivamente. Nesse caso, os roteiros designam-se por I-I, I-II, II-III
e etc.;
• O principal objectivo dessa tarefa consiste, obviamente, não no seu
resultado final, mas na procura dum método racional para a sua ob-
tenção. Frequentemente, os alunos representam desenho esquemáti-
co e escrevem os elementos do conjunto procurado. Ajuda muito!
• Mais conveniente tentar convencer os alunos na resolução por meio
da construção de tabelas dos roteiros. Se, realmente, os alunos com-
preenderem a ideia dessa resolução, então no futuro eles sem difi-
culdades conseguirão assimilar/dominar o conceito do produto car-
tesiano de conjuntos e responder a pergunta: quantos roteiros se
obtém, se haverá, por exemplo, cinco, seis ou dez veredas?

Subida / Descida I II III


I I–I I – II I – III
II II – I II – II II – III
III III – I III – II III – III

• Os alunos podem escrever os elementos do conjunto em qualquer


ordem! O professor deve destacar, que dois conjuntos que se distin-
guem por ordem dos seus elementos não são diferentes, eles são
168 Formação contínua – textos de enquadramento

iguais. Isso é uma etapa propedêutica para introdução do conceito de


par ordenado.

Problema 3.1.2 (Cardápio). Num restaurante o cardápio de almoço


consiste dos seguintes pratos: sopa, bife com batatas e sobremesa. Quantas
possíveis encomendas do que consta da proposta do restaurante podem ser
feitas por um visitante ao seu gosto?

Solução.
São possíveis 8 encomendas.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Para obter a resposta do problema, é preciso, simplesmente, calcular
o cardinal da potência do conjunto de pratos. Assim, o conjunto de
pratos C é

, , .

• Em conformidade com a definição 2.1.8, enumerando todos os seus


subconjuntos e construindo, dessa maneira, a potência do conjunto C é:

∅, sopa , bife com batatas , sobremesa , sopa, bife com batatas ,


sopa, sobremesa , bife com batatas, sobremesa ,
sopa, bife com batatas, sobremesa .

• Essa tarefa ajudará muito no estudo da análise combinatória, neces-


sária para abordagem dos conceitos fundamentais da teoria de pro-
babilidades. Esse problema pode ser resolvido empregando a regra
da soma e a fórmula do cálculo de combinações sem repetições dos
elementos dum dado conjunto.

3.2. Problemas para secção 2.2.

Problema 3.2.1 (União). Encontrar a união do conjunto dos números


naturais pares com o conjunto dos números naturais ímpares.

Solução.

A resposta é 2 ∪ ou 2, 4, … ∪ 1, 3, 5, … 1, 2, 3, … .
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 169

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Note-se que o conjunto dos números naturais é um exemplo dos
conjuntos infinitos;
• Note-se, também, que os conjuntos dos números pares e números
ímpares são conjuntos disjuntos e distintos.

Problema 3.2.2 (Números). Sejam o conjunto A os números naturais


que se situam na recta numérica entre 0 e 4, o conjunto B os números natu-
rais que se situam na recta numérica entre 1 e 6, o conjunto C os números
naturais que se situam na recta numérica entre 2 e 8 e o conjunto D os nú-
meros naturais que se situam na recta numérica entre 3 e 7. Encontrar os
conjuntos:
∩ ∪ ∩ ; ∪ ∩ ∪ ;

∪ ∩ ∪ ; ∪ ∩ ∪ .

Solução.
As respostas são:

∩ ∪ ∩ 2, 3, 4, 5, 6
ou

∩ ∪ ∩
números naturais que se situam na reta numérica entre 1 7 ;
ã

∪ ∩ ∪ 3, 4, 5 ; ∪ ∩ ∪ 2, 3, 4, 5, 6 ;
∪ ∩ ∪ 2, 3, 4, 5 .

Comentários, observações e sugestões para o professor.


• Em primeiro lugar, descrevem-se, em conformidade com o princípio
de extensão, todos os conjuntos mencionados no contexto do pro-
blema. Suas representações são:

1, 2, 3 , 2, 3, 4, 5 , 3, 4, 5, 6, 7 ,
4, 5, 6 ;

• Para obtenção da primeira resposta, escrevem-se em extensão os


conjuntos ∩ , ∩ e, a seguir, a sua união ∩ ∪
170 Formação contínua – textos de enquadramento

∩ . Respectivas representações são: A∩B 2, 3 ,


C∩D 4, 5, 6 e ∩ ∪ ∩ 2, 3, 4, 5, 6 ;
• Menciona-se que ∩ 4, 5, 6 , i.e. D ⊆ C em conformi-
dade com a primeira observação da definição 2.2.2;
• Pode-se atribuir a interseção dos conjuntos A e B uma outra letra,
por exemplo, X, i.e. ∩ ;
• É aconselhável, nesse problema, praticar duas maneiras de descrição
de conjuntos;
• Propõe-se, também, ilustrar os conjuntos em consideração por meio
dos diagramas de Euler-Venn. Isso ajuda a visualização do processo
da resolução:

Figura 3.1: ∩ Figura 3.2: ∩

Figura 3.3: ∪

• Nota-se, que os conjuntos ∩ e ∩ , ou X e D, são disjuntos;


• As outras respostas do problema obtêm-se analogamente.
• Problema 3.2.3 (Línguas). O conjunto A consiste dos alunos duma
turma, que dominam o inglês, o conjunto B consiste dos alunos da
mesma turma que dominam o francês e o conjunto C consiste dos
alunos da mesma turma, que dominam o português. Caraterizar os
seguintes conjuntos: ∪ ∩ , ∩ ∩ , ∪ ∪ .
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 171

Solução.
• Todos os alunos da turma falam português e uma das línguas – in-
glês ou francês;
• Alunos que falam todas as três línguas: inglês, francês, português;
• Alunos que falam pelo menos uma das línguas.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• A fórmula ∪ ∩ pode-se representar de seguinte maneira
∩ ∪ ∩ em conformidade com a propriedade distributiva
da operação de interseção em relação a operação de união. Na lingua-
gem corrente isso pode ser dito: “são os alunos que falam inglês e
português ou falam francês e português” ou “todos os alunos da turma
falam português e uma das seguintes línguas – inglês ou francês”;
• Outras duas situações interpretam-se facilmente segundo as defini-
ções 2.2.2 e 2.2.1, respectivamente.
• Problema 3.2.4 (Diferença). O conjunto A é os números naturais que
se situam na recta numérica entre 0 e 5, o conjunto B é os números
naturais que se situam na recta numérica entre 2 e 7. Encontrar os
conjuntos (ou ∖ ) e (ou ∖ ). O que representa o
conjunto ∪ ?

Solução.

As respostas são: 1, 2 , 5, 6 e
∪ 1, 2, 5, 6 .

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Sugere-se, que os conjuntos dados sejam representados segundo o
princípio de extensão: 1, 2, 3, 4 , 3, 4, 5, 6 . Todavia,
não se exclui a possibilidade de lidar com os conjuntos na forma da-
da no contexto do problema;
• A seguir, procuram-se os conjuntos das diferenças propostas de A e B.
Nota-se, que os conjuntos obtidos são disjuntos. Nessa etapa da reso-
lução, também, os conjuntos podem ser escritos em compreensão;
• O resultado final obtém-se aplicando a operação de união dos dois
conjuntos da alínea anterior, i.e.

∪ 1, 2, 5, 6 ou
172 Formação contínua – textos de enquadramento


os números naturais que se situam na reta numérica entre zero e três
e entre quatro e sete

ou
ú ,
.
ê

• Existem várias maneiras de descrever os conjuntos numéricos, utili-


zando, por exemplo, as expressões “maior que ...”, “menor que ...”,
“não superior a ...”, “não inferior a ....”, que podem ser conjugados
de modos diversos.

3.3. Problemas para secção 2.3

Problema 3.3.1 (Teste de matemática). 250 alunos fizeram um teste


de matemática, 180 dos quais obtiveram uma nota inferior a 5. Passaram
nesse teste 210 alunos. Quantos alunos tiveram notas 3 e 4?

Solução.
A resposta é: 140 alunos obtiveram notas 3 e 4.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Em primeiro lugar, aconselha-se interpretar o texto na linguagem
simbólica. Assim, surgem os conjuntos: A é o conjunto dos alunos
que passaram no teste, B é o conjunto dos alunos que obtiveram nota
inferior a 5, U é o universo, que consiste de todos os alunos que fi-
zeram um teste de matemática. Os cardinais dos conjuntos dados
são: # 120, # 180, # 250, respectivamente;
• Nota-se, que universo é o conjunto de união dos conjuntos A e B, i.e.
# # ∪ 250;
• O conjunto de alunos que obtiveram nota 3 e 4, é o conjunto de in-
tersecção dos conjuntos A e B. O cardinal de ∩ é a resposta a
pergunta do problema. Tem-se:

# ∩ # # # ∪ 210 180 250 140

Problema 3.3.2 (Turistas). Num grupo de 100 turistas 70 pessoas fa-


laram inglês, 45 falaram francês e 23 falaram as duas línguas. Quantos tu-
ristas não falaram nenhuma dessas línguas?
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 173

Solução.
A resposta é: somente 8 turistas não falaram nenhuma das línguas.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Em primeiro lugar, escrevem-se todos os dados do problema na lin-
guagem matemática. O conjunto universo consiste de todos os turis-
tas, que são 100 pessoas, i.e. # 100. O facto que 70 pessoas fa-
lam inglês representa-se simbolicamente de seguinte maneira:
# 70, onde I designa o conjunto de todos os turistas que falam
inglês. Analogamente, #F 45 e # ∩ 23, onde F designa o
conjunto de todos os turistas que falam francês e ∩ designa o
conjunto de todos os turistas que falam duas línguas;
• Utilizando a fórmula de inclusão e exclusão para dois conjuntos, ob-
tém-se o número das pessoas que falam pelo menos uma das lín-
guas:

# ∪ # # # ∩ 70 45 23 92;

• O conjunto procurado é o complemento do conjunto de turistas que


falam pelo menos uma das línguas, i.e. ∪ ∪ ;
• Convém ilustrar operações sobre conjuntos referidos no problema,
no diagrama de Eueler-Venn:

Figura 3.4: Conjuntos de turistas


174 Formação contínua – textos de enquadramento

Problema 3.3.3 (Olimpíadas de Matemática). Numas Olimpíadas de


Matemática participaram 40 alunos. Foram propostos três problemas, dos
quais um é de álgebra, um é de geometria e um é de trigonometria. Os re-
sultados foram os seguintes: 20 participantes resolveram somente proble-
ma de álgebra, 18 participantes resolveram só problema de geometria, 18
participantes resolveram só problema de trigonometria, 7 participantes re-
solveram problemas de álgebra e de geometria, 8 participantes resolveram
problemas de álgebra e de trigonometria e 9 participantes resolveram pro-
blemas de geometria e de trigonometria. Sabe-se, também, que 3 partici-
pantes não resolveram nenhum dos problemas propostos. Quantos partici-
pantes resolveram os três problemas? Quantos participantes resolveram
exatamente dois problemas?

Solução.
As respostas são: somente 5 alunos resolveram os três problemas;
exatamente dois problemas resolveram 9 alunos.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Um dos principais momentos do problema é compreensão do enun-
ciado e sua representação na linguagem matemática;
• Assim, todos 40 participantes numas Olimpíadas de Matemática
constituem o conjunto universal U, # 40;
• Introduzindo as designações adequadas para os conjuntos em consi-
deração, é fácil prosseguir a resolução. Sejam A, G e T conjuntos de
alunos que resolveram problemas de Álgebra, Geometria e Trigo-
nometria, respectivamente. Daí, os conjuntos de alunos que resolve-
ram dois problemas podem ser representados como ∩ , ∩
e ∩ ;
 As respectivas cardinalidades são: # 20, # 18, # 18,
# ∩ 7, # ∩ 8, # ∩ 9;
• Alunos que não resolveram nenhum dos problemas propostos cons-
tituem o conjunto N; o seu número, i.e. o cardinal de N, é igual a 3;
• Convém ilustrar as operações sobre conjuntos em questão no dia-
grama de Euler-Venn:
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 175

Figura 3.5: Conjuntos de participantes


nas Olimpíadas de Matemática

Para encontrar o número de alunos que resolveram três problemas, i.e.


o cardinal de ∩ ∩ , utilizamos a fórmula de inclusão e exclusão
para três conjuntos, notando que # ∪ ∪ 40 3 37:

37 # ∪ ∪ # # # # ∩ # ∩
# ∩ # ∩ ∩ 20 18 18 7 8 9
# ∩ ∩ .

Daí, # ∩ ∩ 37 32 5;

• Os alunos que resolveram exatamente dois problemas são aqueles


que representam-se no diagrama como interseção somente dois a
dois conjuntos, tendo cuidado com o conjunto que está na interseção
de todos três conjuntos, ou seja, excluindo-o. Assim, obtém-se:
7 5 8 5 9 5 9;
• Problemas deste tipo podem servir como propedêuticos para a intro-
dução do conceito de equação do primeiro grau de uma incógnita.
Se, por exemplo, designar por x o número de participantes nas
Olimpíadas de Matemática que resolveram todos os três problemas,
obtém-se a seguinte equação:

37 20 18 18 7 8 9 . Daí, 5.

Problema 3.3.4 (Cinema). Num cinema durante a semana exibiram-se


filmes A, B e C. Cada um dos 40 alunos duma turma assistiu os três filmes
ou um dos três, ao filme A assistiram 13 alunos, ao filme B assistiram 16
alunos e ao C assistiram 19 alunos. Quantos alunos assistiram os três filmes?
176 Formação contínua – textos de enquadramento

Solução.
A resposta é: os três filmes assistiram 4 alunos da turma.

Comentários, observações e sugestões para professor.


• Uma especificidade deste problema consiste em perceber, que se tra-
tam de conjuntos não interceptantes dois a dois; considera-se somen-
te a interseção de todos os três conjuntos;
• O respectivo diagrama de Euler-Venn é:

Figura 3.6: Conjuntos de alunos

• O universo neste problema é o conjunto de todos os alunos da turma


U e o seu cardinal é 40: # 40;
• Nota-se que a parte comum dos três conjuntos entra na sua união
três vezes;
• Considerando os conjuntos complementares de ∩ ∩ com re-
lação a A, B e C, tem-se:

∩ ∩ ∩ ∩ , ∩ ∩ ∩ ∩ ,
∩ ∩ ∩ ∩ e
# ∩ ∩ 13 # ∩ ∩ ,
# ∩ ∩ 16 # ∩ ∩ ,
# ∩ ∩ 19 # ∩ ∩ ,

respetivamente;
Conceitos básicos da teoria dos conjuntos 177

• Aplicando a fórmula de inclusão e exclusão para três conjuntos,


tem-se:

# ∪ ∪ # # # 2# ∩ ∩ ;

• Daí, 2# A ∩ B ∩ C 8e# ∩ ∩ 4.

Bibliografia

Apostol, M. Tom., Cálculo, vol.1, Editora Reverté, S.A.,1985.


Dias Agudo, F. R., Introdução à Álgebra Linear e Geometria Analítica, Escolar
Editora, Lisboa, 1989.
Franco de Oliveira, A. J., Teoria de conjuntos. Intuitiva e axiomática, Escolar
Editora, Lisboa, 1982.
Koliagin, U. M. e outros, Metodologia de ensino de matemática no ensino
secundário. Metodologias específicas. Manual para estudantes das
faculdades fisico-matemáticas de Institutos Superiores de Educação,
Prosveschenie, Moscovo, 1977 (Russo).
Lipschutz, Seymour, Teoria de conjuntos. Resumo da teoria. Problemas
resolvidos. Problemas propostos, McGraww-Hill do Brasil, 1972.
Stol, R., Sets, Logic and Axiomatic Theories, London.
TRIÂNGULOS E SUA CLASSIFICAÇÃO

Coordenação: Vasco Cuambe


Universidade Pedagógica – Maputo

1. Introdução

O presente trabalho visa responder a questões ligadas aos conceitos de


linha poligonal e sua classificação, e assuntos ligados aos triângulos, aten-
dendo e considerando que o triângulo é uma linha poligonal fechada con-
vexa de três lados e três ângulos. Abordou-se também conteúdos relacio-
nados as linhas e pontos associados ao triângulo. Apresentou-se ainda
estratégias de como leccionar os temas acima referidos, tendo em vista a
situação didática e metodológica.

Actividade I

Resolução e uma breve explicação da ficha de exercícios sobre linhas poli-


gonais e classificação dos triângulos

1. O que entende por linha poligonal?


Chama-se linha poligonal a união de segmentos tais que o extremo de
cada um, excepto o último, é a origem do segmento seguinte e segmentos
consecutivos não pertencem à mesma recta.

Exemplo:
180 Formação contínua – textos de enquadramento

2. Que tipo de linhas poligonais podemos encontrar?

Podemos encontrar dois tipos de linhas poligonais, a saber: linha poli-


gonal fechada e linha poligonal aberta.

a) Linha poligonal fechada é aquela em que os seus extremos coincidem.

Exemplo:

b) Linha poligonal aberta é aquela em que os seus extremos não


coincidem.

Exemplo:

3. O que entende por polígono?

Entende-se por Polígono o domínio limitado por uma linha poligonal


fechada.

4. Caracteriza os tipos de polígonos.

Os Polígonos podem ser: côncavos ou convexos.


Triângulos e sua classificação 181

a) Polígono côncavo: é uma linha poligonal fechada que limita um


domínio côncavo.

Exemplo:

b) Polígono convexo: é uma linha poligonal fechada que limita um


domínio convexo.

Exemplo:

Os polígonos convexos podem ser regulares ou irregulares.

5. O que é um triângulo?
Triângulo é um polígono convexo com três lados, consequentemente
com três ângulos.

6. Classificar os tipos de triângulos.


Quanto aos lados os triângulos podem ser: escalenos, isósceles e equi-
láteros.

a) Triângulo escaleno: quando as medidas de todos os lados são dife-


rentes.

Exemplo:

[AB] ≠ [BC], [AC] ≠ [BC] e [AB] ≠ [AC].


182 Formação contínua – textos de enquadramento

b) Triângulo isósceles: quando a medida de pelo menos dois lados são


iguais.

Exemplo:

[AB] ≅ [BC]|

c) Triângulo equilátero: quando a medida de todos os lados são


iguais.

Exemplo:

[AB] ≅ [BC] ≅ [AC]

Quanto aos ângulos podem ser: acutângulo, rectângulo e obtusângulo.

a) Triângulo acutângulo: quando as amplitudes dos ângulos internos


são menores que 90°.

Exemplo:

 BAC ,  ABC ,  ACB  90 


Triângulos e sua classificação 183

b) Triângulo rectângulo: quando a amplitude de um dos ângulos in-


ternos é igual a 90°.

Exemplo:

ACB  90

c) Triângulo obtusângulo: quando a amplitude de um dos ângulos in-


ternos é maior que 90° e menor que 180°.

Exemplo:

90   ACB  180 

Esquema de classificação de triângulos


184 Formação contínua – textos de enquadramento

Linhas e pontos associados aos triângulos

1. Mediatriz

A mediatriz do lado de um triângulo é uma recta perpendicular ao


lado no seu ponto Médio.
Se traçarmos as mediatrizes dos três lados de um triângulo, elas
intersectam-se num ponto O, chamado circuncentro.
Este ponto está equidistante (à mesma distância) dos três vértices do
triângulo e é o centro duma circunferência circunscrita ao mesmo.

2. Bissectriz

A bissectriz de um ângulo interno de um triângulo é a semi-recta


interior do ângulo que o divide em dois ângulos geometricamente iguais.
As bissectrizes dos ângulos internos dum triângulo intersectam-se
num ponto chamado incentro I, que está à mesma distância (equidistante)
dos lados do mencionado triângulo e é o centro de uma circunferência
inscrita no mesmo.
Triângulos e sua classificação 185

3. Altura

A altura de um triângulo é o segmento perpendicular compreendido


entre o vértice e o lado oposto.
Um triângulo admite três alturas.
As alturas (Ha,Hb e Hc) de um triângulo intersectam-se num ponto
H,chamado ortocentro.

4. Mediana

A mediana de um triângulo é o segmento de recta que une um vértice


e o ponto médio do lado oposto.
Um triângulo admite três medianas.
As medianas de um triângulo intersectam-se num ponto chamado
baricentro que dista dois terços do vértice da mediana correspondente
(Teorema de Ceva).
186 Formação contínua – textos de enquadramento

O baricentro é o centro de gravidade do triângulo. Isto quer dizer que,


se suspendermos um triângulo de material homogéneo pelo seu baricentro,
ele fica em equilíbrio.

Actividade II

1. Estratégias para lecionação de classificação dos triângulos

Ao se traçar as estratégias para leccionação da classificação dos


triângulos, é fundamental definir a priori os objectivos gerais e específicos
da aula.

Objectivos gerais

No final da aula, os alunos devem ser capazes de:


• Definir correta e facilmente um triângulo;
• Identificar com facilidade as diferentes características de um triân-
gulo;
• Conhecer os diferentes elementos associados a um triângulo.

Objetivos específicos

No fim da aula, os alunos devem ser capazes de:


• Identificar dentre vários tipos de linhas as linhas poligonais;
• Classificar os tipos de linhas poligonais;
Triângulos e sua classificação 187

• Definir e classificar os polígonos;


• Explicar a necessidade do uso das linhas poligonais na definição de
triângulos;
• Estimar as medidas dos lados de um triângulo e classificá-los quanto
aos lados;
• Identificar os tipos de ângulos;
• Classificar os triângulos quanto aos ângulos;
• Traçar duas linhas perpendiculares;
• Dividir um ângulo em duas partes iguais;
• Traçar uma recta perpendicular a outra sendo dado um ponto
exterior;
• Dividir um segmento de recta ao meio;
• Identificar os elementos auxiliares de um triângulo.

Estratégias de lecionação

2.1. Linhas poligonais

O professor poderá apresentar no quadro uma série de linhas distintas


e pedir para que um aluno vá ao quadro identificar as linhas poligonais.
Por outra, poderá com o auxílio do instrumento vascógrafo1 ilustrar várias
linhas manipulando-o. Sairão várias linhas poigonais, linhas curvas, e
linhas mistas. Em seguida, poderá pedir a um aluno para identificar as
linhas poligonais.

A figura a baixo é um vascógrafo.

1 É um objecto manipulável que consiste em segmentos e arcos com furos


equidistantes, através do qual se pode projectar diversas linhas, e provar aínda que
dois segmentos são homotéticos.
188 Formação contínua – textos de enquadramento

2.2. Classificação dos triângulos

a) Classificação dos triângulos quanto aos lados


Com base no vascógrafo, o professor poderá construir três triângulos
no sentido de ter um com todos os lados iguais, outro com os três lados
diferentes, e um terceiro com dois lados iguais e um diferente, e poderá
indicar alguns alunos para comparar os lados de cada triângulo, depois o
professor poderá sistematizar classificando os triângulos quanto aos lados.
b) Classificação dos triângulos quanto aos ângulos
O professor poderá, antes de mais nada, fazer uma revisão partindo de
exercícios ligados a classificação dos ângulos. Em seguida, poderá traçar
duas rectas perpendiculares no quadro e apresentar três triângulos
(acutângulo, rectângulo e obtusângulo) feitos de cartolina, e fazer passar
todos os vértices de cada triângulo e pedir para que os alunos comparem as
amplitudes dos ângulos com a das rectas perpendiculares. Daí, poderá
concluir classificando os triângulos quanto aos lados.

2.3. Linhas e pontos associados aos triângulos

Na fase de identificação dos outros elementos do triângulo (mediana,


bissectriz, mediatriz, altura, circunferência inscrita, circunferência
circunscrita, baricentro, incentro, circuncentro e ortocentro), o professor
poderá orientar os seus alunos a recordar por exemplo das bissectrizes,
mediatrizes, alturas e medianas juntamente com o processo de construção
de cada um desses elementos.
No caso da mediatriz, o professor traça no quadro um segmento de
recta AB no qual o professor poderá fazer passar uma recta perpendicular
a este que passe pelo seu ponto médio e por fim chamar ao segmento
obtido de mediatriz com ajuda dos alunos.
Para o caso das alturas, o professor poderá orientar um aluno para o
quadro, ao encontro de uma figura a seguir ilustrada:
Triângulos e sua classificação 189

A seguir o professor pede ao aluno indicado para que faça passar pelo
ponto P uma linha perpendicular ao segmento AB com a ajuda dos
colegas. Depois do aluno ter executado a tarefa com sucesso, o professor
pergunta aos alunos sobre o comportamento de uma altura de um
triângulo.
Para o caso das bissectrizes o professor poderá pedir aos alunos para
que desenhem nos seus cadernos um ângulo qualqer escrito no quadro.

Ex:

E o professor pede que cada aluno divida o ângulo dado em dois


iguais, concluindo que a linha que divide pelo meio um ângulo é a
bissectriz deste ângulo.

Ex:

Para o caso das medianas o professor pedirá a um aluno qualquer para


realizar a seguinte tarefa:

Desenhar um qualquer triângulo no quadro, por exemplo:


190 Formação contínua – textos de enquadramento

e escolher um vértice qualquer deste triângulo, por exemplo se escolher o


vértice A, então o professor poderá mandar o aluno unir o vértice A ao
ponto médio do lado oposto ao mesmo vértice, concluindo que o novo
segmento é uma mediana.

[ AD ] é mediana.

Depois de reunir estes todos requisitos, o professor poderá desenhar


quatro triângulos diferentes no quadro,

E chamar quatro alunos para:


• O primeiro aluno encontrar as medianas do primeiro triângulo;
• O segundo aluno traçar as bissectrizes do segundo triângulo;
• O terceiro aluno determinar as linhas que passam pelos vértices que
sejam perpendiculares aos respectivos lados opostos do terceiro
triângulo;
• Por último, o quarto aluno encontrar as mediatrizes dos lados do
quarto triângulo.

Claramente, depois de se ter encontrado em cooperação com os


colegas de turma, o sucesso deste exercício, o professor poderá apresentar
aos alunos os conceitos de mediana, altura, bissectriz, e mediatrizes em
triângulos, e concluir que em cada triângulo cada parte das linhas dese-
nhadas convergem para certos pontos, que serão atribuídos nomes já
conhecidos pela geometria euclideana. São eles: o baricentro, o incentro, o
ortocentro e o circuncentro junto com as suas características elementares.
A fim de consolidar a matéria aos alunos, o professor poderá fornecer
material didáctico feito de cartolina (triângulos com medianas, bissectri-
zes, mediatrizes, alturas) e colar no quadro, de modo a submeter os alunos
Triângulos e sua classificação 191

a um diálogo sobre, por exemplo, qual dos triângulos possue as medianas e


onde se encontra o ponto de intersecção das mesmas.

Nota: O professor poderá ajudar os alunos corrigindo os seus erros durante


a construção dos elementos pedidos.

Conclusão

O triângulo é um polígono convexo de três lados e três ângulos.


Quanto aos lados o triângulo pode ser escaleno, isósceles equilátero e
isósceles não–equilátero. O triângulo isósceles equilátero tem todos lados
iguais, e o triângulo isósceles não-equilátero tem dois lados iguais e um
diferente. Em relação aos ângulos o trinângulo pode ser acutângulo,
rectângulo e obtusângulo.
A mediatriz, a bissectriz, a altura, e a mediana são linhas associadas a
um triângulo. A intersecção das mediatrizes, das bissectrizes, das alturas, e
das medianas em um triângulo, determinam o circuncentro, o incentro, o
ortocentro e o baricentro, respectivamente, que são os pontos associados a
um triângulo.
As estratégias visam proporcionar uma boa assimilação de aula por
parte dos alunos, por isso elas devem ser bem preparadas antes de serem
emplementadas na sala de aulas, e neste trabalho foram apresentadas técni-
cas baseadas na teoria construtivista de Piaget que tem como objectivo le-
var o aluno a descoberta do conhecimento.

Bibliografia

NHÊZE, Ismael Cassamo, Matemática – 9ªClasse, Diname, Maputo.


FERNANDES, António Do Nascimento Palma, Elementos de Geometria,
2ª Edição, livraria Cruz, Braga, 511pp.
GEOMETRIA PLANA (EUCLIDIANA)

Leonardo Simão
Coordenação: Vasco Cuambe
Universidade Pedagógica – Maputo

Breve introdução

Há cerca de 2000 anos a.C. já haviam no mundo humano conhecimen-


tos de Geometria, não como ciência, mas como teorias matemáticas em apli-
cação, tais como, por exemplo: por dois pontos passa uma recta; teorema de
Pitágoras; o valor do pi   3 ,   3 (Bíblia: 1o Reis 7,23); etc.
Os conhecimentos da Geometria foram adquiridos na prática através da
reflexão objectiva, pela indução e ainda na dedução, ao longo dos tempos.
Os primeiros passos em que se desenvolveram conhecimentos geomé-
tricos deram-se em regiões como Egito, Babilónia, Grécia. Mais tarde sur-
giram escolas onde se ensinavam conhecimentos vários, de entre eles a
Geometria, como são os casos, por exemplo, da Escola Pitagórica (Escola
de Pitágoras, este que ficou conhecido como o dono do teorema com o seu
nome, mas que na realidade era já conhecido muito antes do seu tempo) e
da Escola Platónica (escola de Platão) onde frequentou Euclides. Foi Eu-
clides que por volta do ano 300 a.C. veio sistematizar todos os conheci-
mentos de Geometria até então existentes, contidos na sua famosa obra
“Os Elementos” dividido em treze volumes. É daí onde nasce a Geometria
como Ciência.
Alguns sábios da antiguidade como Pitágoras, Thales, Platão e outros
tantos, desenvolveram conhecimentos matemáticos que se encontram sis-
tematizados na obra “Os Elementos” de Euclides. Em seguida apresento
um pequeno quadro da estrutura dos 13 volumes da obra de Euclides e a
relação dos “cientistas” que já tinham anteriormente desenvolvido conhe-
cimentos contidos nesses volumes:
194 Formação contínua – textos de enquadramento

VOLUMES PESSOAS QUE JÁ TINHAM ESSES CONHECIMENOS


I a IV, VII e IX Hipócrates
VIII Archites
V, VI e XII Endoxw
X e XIII Theatchan

O objecto de estudo da Geometria Euclidiana é o estudo das proprie-


dades dos objetos caracterizados pela forma, grandeza e posição relativa. E
tem como elementos principais o ponto, a recta e o plano.
A Geometria Euclidiana faz um estudo das propriedades específicas,
que são aquelas onde em qualquer transformação euclidiana se mantêm in-
variantes. São elas o ângulo e a distância. São transformações euclidianas
a rotação, a translação, a simetria (transformações isométricas) e a seme-
lhança.
Existem dois métodos de aquisição de verdades sobre a Geometria,
que são:
→Indução: que parte do particular para o geral, e
→Dedução: que parte do geral para o particular.
A Geometria Euclidiana baseia-se fundamentalmente no método de-
dutivo:

Verdades fundamentais Lógica PRODUTO


Dedução

Construção axiomática da Geometria Euclidiana

As exigências ou critérios para um modelo axiomático são:


1. Não contrariedade: não deve haver contrariedade dentro do mesmo
grupo de axiomas.
2. Independência: cada axioma não é consequência de nenhum outro,
ou seja, não depende de nenhum outro axioma.
3. Plenitude: cada conjunto de axiomas está completo, é pleno, não
precisa de introdução de novos axiomas.

Axiomas da Geometria Euclidiana

O sistema axiomático da Geometria Euclidiana (apresentado pela


primeira vez por Euclides, cerca de 300 a.C.) foi, nos fins do século XIX,
no ano de 1899, reformulado pelo matemático alemão David Hilbert
Geometria Plana 195

(1862-1943). Todos os axiomas desta Geometria dividem-se em cinco


grupos, a saber:

I. Axiomas de incidência (8)


II. Axiomas de ordem (4)
III. Axiomas de congruência (5)
IV. Axiomas de continuidade (2)
V. Axioma de paralelismo (1)

Axiomas de incidência

I1. Quaisquer que sejam os pontos A, B, existe uma recta r que passa
par cada um dos pontos A, B.
I2. Quaisquer que sejam dois pontos distintos A, B, existe apenas uma
recta que passa por cada um dos pontos A, B.
I3. Em cada recta há pelo menos dois pontos. Existem pelo menos três
pontos que não pertencem a uma mesma recta.
I4. Quaisquer que sejam três pontos A, B, C que não pertencem a uma
mesma recta, existe um plano que passa por cada um dos três pontos A, B,
C. Em cada plano há pelo menos um ponto.
I5. Sejam quais forem três pontos A, B, C que não pertençam a
uma mesma recta, existe apenas um plano que passa por cada um dos
três pontos A, B, C.
I6. Se dois pontos diferentes A, B, da recta r pertencem ao plano α, ca-
da ponto da recta r pertence ao plano α.
I7. Se dois planos α e β têm um ponto comum A, têm ao menos outro
ponto comum B.
I8. Existem pelo menos quatro pontos que não pertencem a um mes-
mo plano.

Axiomas de ordem

O1. Se o ponto B se encontra entre os pontos A e C, então A, B e C


são pontos diferentes de uma mesma recta, e B se encontra, assim
mesmo entre C e A.
O2. Quaisquer que sejam os pontos A e C, existe pelo menos um
ponto B sobre a recta AC tal que C está entre A e B.
O3. Entre três pontos quaisquer de uma resta, apenas um deles po-
de encontrar-se entre outros dois.
196 Formação contínua – textos de enquadramento

O4. (Axioma de Pasch). Sejam A, B, C três pontos que não perten-


cem a uma mesma recta, e r, uma recta no plano ABC, que não contém
nenhum dos pontos A,B,C. Então, se a recta r passa por algum dos pon-
tos do segmento AB, também passará ou por algum ponto do segmento
AC, ou por algum ponto do segmento BC.

Axiomas de congruência
C1. Se A, B são pontos sobre a recta r, e Ai é um ponto da mesma
recta, ou de outra recta ri, sempre se pode encontrar, a um lado pré-
-fixado de Ai sobre a recta ri, um ponto B, e somente um, tal que o
segmento AB é congruente a AiBi.
C2. Se os segmentos AiBi e AiiBii são congruentes ao mesmo seg-
mento AB, então AiBi é congruente ao segmento AiiBii.
C3. Sejam AB e BC dois segmentos sobre a recta r, sem pontos in-
teriores comuns e sejam AiBi e BiCi dois segmentos sobre a mesma rec-
ta, ou sobre outra ri, que não possuem pontos interiores comuns. Se AB
= AiBi e BC = BiCi, então AC = AiCi.
C4. Sejam dados ângulo (h, k) no plano α, e uma recta ri neste mes-
mo plano, ou em outro, αi, e suponhamos fechado um lado determinado do
plano αi com respeito a recta ri. Seja hi uma semi-recta da recta ai, com
origem no ponto O. Então no plano αi existe uma semi-recta ki, e somente
uma, tal que o ângulo (h, k) é congruente com o ângulo (hi, ki) e todos os
pontos interiores do ângulo (hi, ki) se encontram no lado pré-fixados com
respeito a recta ri.

Se (h, k)  (hi, ki), então (k, h)  (ki, hi).


C5. Sejam A,B,C três pontos não pertencentes a uma mesma recta
e Ai,Bi,Ci outros três, também não pertencentes a uma mesma recta. Se
AB = AiBi, AC = AiCi e BAC  BiAiCi, então ABC  AiBi-
Cie ACB  AiCiBi.

Axiomas de continuidade
C1. (Axioma de Arquimedes) Sejam AB e CD segmentos arbitrá-
rios. Então sobre a recta AB existe um numero finito de pontos
A1 , A 2 , A 3 ,  A n situados de maneira que A1 está entre A e A 2 , A 2 está
entre A1 e A 3 , etc., tais que os segmentos AA 1 , A1 A2 ,  A n  1 A n , são
congruentes ao segmento CD e B está entre A e A n .
Geometria Plana 197

C2. (Axioma de Cantor) Suponhamos que em uma recta arbitrária r se


dá uma sucessão infinita de segmentos A1 B1 , A 2 B 2 , …, dos quais cada
um está no interior do precedente; suponhamos, ainda, qualquer que seja
um segmento pré-fixado existe um índice n para o qual A n B n é menor que
este segmento. Então existe sobre a recta r um ponto X que está no interior
de todos os segmentos A1 B1 , A 2 B 2 , etc.

Axioma de paralelismo

Seja r uma recta arbitrária e P, um ponto exterior a ela; então no


plano determinado por P e r, pode-se traçar uma recta que passa por P e
não intersecta r.

Noção de congruência

Definição: Duas figuras geométricas F1 e F2 são congruentes exatamente


quando existe uma isometria φ que transforma F1 em F2, isto é, F2 é ima-
gem de F1. Denota-se: F1  F2.
Diz-se também que F2 é imagem de F1→ F2= φF1
Das propriedades do grupo de isometrias segue-se que a congruência
é uma relação de equivalência.

Congruência de segmentos

A relação de equivalência “congruência” subdivide o conjunto de to-


dos os segmentos em classes que se chamam comprimentos.
O comprimento de um segmento AB anotamos por AB ou por letras
minúsculas latinas.

Definição: Dois segmentos AB e CD são congruentes quando existe uma


isometria que transforma AB em CD.
198 Formação contínua – textos de enquadramento

Exemplos:

a) Translação→ congruência através duma translação τ do vector v :

B D
[AB]  [CD]

A C
[CD]  
v
[AB]

b) Rotação→ congruência através da rotação ρ, a partir de um ângulo α e

 Um ponto fixo (A) do segmento

[AB]  [CD]

α
B

D
A≡C [CD]  ρ [AB]

[CD]  ρ (α,A) [AB]

 Um ponto fixo (O) fora do segmento

[AB]  [CD]

C [CD]  ρ (α,O) [AB]


D
B

A
O

c) Simetria→ congruência através duma simetria

A C

[AB]  [CD]
B D
Geometria Plana 199

Em relação a um eixo r (simetria axial)


[CD]  σ r [AB]

A C

Em relação a um centro P (simetria central)

B C
[AB]  [CD]

A D [CD]  σ ρ [AB]

Ponto médio de um segmento

Um ponto M é ponto médio de um segmento AB quando M r(AB)


sendo r a recta definida pelos pontos A e B. Escreve-se MA  MB .
Cada segmento
* de recta AB tem exatamente um ponto médio M e ve-
rifica-se A M B (M está entre A e B).

Medição de um segmento

Sobre medição de um segmento entende-se a correspondência  do


conjunto

de todos os segmentos no conjunto dos números reais não negati-
vos R 0 .
A imagem  (PQ) de um segmento PQ chama-se valor numérico do
segmento. E esta correspondência tem as seguintes propriedades:
(1) Invariância da isometria: De PQ  ST verifica-se que
 (PQ)=  (ST), isto é, segmentos que através de uma isometria se
transformam em um outro, têm o mesmo valor numérico.
(2) Aditividade: Se C está entre
* P e Q, então verifica-se que  (PQ) =
 (PC) +  (CQ) onde P C Q→C  r(PQ), isto é, o valor numérico
subdividido em segmentos parciais é igual à soma dos valores
numéricos desses segmentos parciais.
(3) Normatividade: Existe um segmento AB em que A≠B com
 (AB)= 1, isto é, existe um padrão.
200 Formação contínua – textos de enquadramento

O valor numérico  (PQ) de um segmento PQ depende da escolha do


segmento unidade AB. Por isso, pela escolha fixa de AB, o comprimento
do segmento PQ é escrito como produto formal do valor numérico e uni-
dade: PQ   AB (λ  R). em que o número real λ é chamado valor numé-
rico do comprimento PQ e AB é chamado unidade.
A unidade é, portanto, o comprimento com valor numérico 1.

Definição: Dois segmentos com comprimentos AB e CD dizem-se co-


mensuráveis exatamente quando se verifica x AB  CD , onde x é um
número racional. E incomensuráveis quando se verificar x AB  CD ,
sendo x é um número irracional.

Congruência e Semelhança de Triângulos

Dois triângulos (ou de forma geral, duas figuras planas) são congruen-
tes quando têm a mesma forma e as mesmas dimensões, ou seja, o mesmo
tamanho.
Já a semelhança entre triângulos, objeto do artigo, aborda o conceito
mais amplo onde se tem triângulos com a mesma forma, mas não necessa-
riamente com o mesmo tamanho. Em outras palavras, congruência é um
caso particular de semelhança entre triângulos no sentido de que se dois
triângulos são congruentes necessariamente eles são semelhantes, mas o
contrário não é verdadeiro, como você observará daqui em diante.

Definição de Semelhança de Triângulos

Dizemos que dois triângulos são semelhantes se, e somente se, pos-
suem seus três ângulos ordenadamente congruentes e os lados homólogos
(homo = mesmo, logos = lugar) proporcionais.
Geometria Plana 201

Traduzindo a definição em símbolos:

 
ABC  DEF

Aˆ  Dˆ 
 [ ABC ]  [ ABC ]
~ BAC  EDF Bˆ  Eˆ 
a b c 
   
 b e f 

Observe que as três primeiras expressões entre os parêntesis indicam a


congruência ordenada dos ângulos e a última a proporcionalidade dos la-
dos homólogos.
Em bom português, podemos, ainda, definir a semelhança entre triân-
gulos através da frase: dois triângulos são semelhantes se um pode ser ob-
tido pela expansão uniforme do outro.

Razão de Semelhança

Denominamos o número real k, que satisfaz as igualdades abaixo en-


tre os lados homólogos, como a razão de semelhança dos triângulos:

a b c
   k  a  kd , b  ke , c  kf
d e f .

Outra forma de representar é:

BC AC AB
   k  BC  k EF , AC  k DF , AB  k DE
EF DF DE

Razão Semelhança
0 1 2
202 Formação contínua – textos de enquadramento

Exemplo:

Dados os triângulos ABC e DEF semelhantes com as medidas dos lados


indicadas abaixo, calcule as medidas dos lados e e d do segundo triângulo.

Solução:

Como os triângulos são semelhantes por hipótese, vem, pela razão de


semelhança, que:

c 4 1
c  kf  k   
f 8 2.

De forma análoga:

1
a  kd  8  d  d  16
2

1
b  ke  6  e  e  12
2
Propriedades

a) Reflexiva: Todo triângulo é semelhante a si próprio.

ABC~ ABC

b) Simétrica: Se um triângulo é semelhante a um outro, este é seme-


lhante ao primeiro.

ABC~ DEF  DEF ~ ABC


Geometria Plana 203

c) Transitiva: Se um triângulo é semelhante a um segundo e este é se-


melhante a um terceiro, então o primeiro é semelhante ao terceiro.

ABC~ DEF e DEF ~ XYZ  ABC~ XYZ

Teorema Fundamental:

Se uma recta é paralela a um dos lados de um triângulo e intercecta os ou-


tros dois em pontos distintos, então o triângulo que ela determina é seme-
lhante ao primeiro.

A demonstração do Teorema Fundamental é feita a partir do Teorema


de Thales, que por sua vez pode ser demonstrado a partir dos critérios de
semelhança definidos abaixo (fica como exercício).
Se um feixe de retas paralelas tem duas transversais, então a razão en-
tre dois segmentos quaisquer de uma é igual à razão entre os segmentos
correspondentes na outra.

O Teorema de Tales

A demonstração da congruência dos ângulos dos triângulos ABC e


ADE (figura abaixo) decorre do facto de que ângulos correspondentes de-
terminados por duas paralelas são congruentes. Assim, o ângulo B é con-
gruente ao D e o ângulo C é congruente ao E. Como o ângulo A é comum
aos dois triângulos concluímos a primeira parte da demonstração.
204 Formação contínua – textos de enquadramento

Pelo Teorema de Tahles temos que: AD  AE [1]


AB AC

Por E construímos a recta EF paralela a BD, conforme indicado na fi-


gura acima. Do paralelogramo BDEF temos que DE  BF . E, novamen-
te, pelo Teorema de Tahles:
AE BF AE DE [2]
  
AC BC AC BC

De [1] e [2] vem que os lados homólogos são proporcionais, o que


conclui a demonstração.

Critérios de Semelhança de Triângulos

Critério (a a) [ângulo-ângulo]: Se dois triângulos têm dois ângulos inter-


nos correspondentes congruentes, então os triângulos são semelhantes.

Demonstração:

Hipótese: ABC, DEF com A} = D} e B} = E}

Tese: ABC~ DEF


Geometria Plana 205

No caso dos dois triângulos serem congruentes, nada há a demonstrar,


pois por definição de congruência os triângulos são necessariamente seme-
lhantes. Suponhamos, então, como indicado na figura, o triângulo ABC
maior que o triângulo DEF e construamos o triângulo AGH tal que a me-
dida do lado AG seja igual à medida do lado DE, o ângulo G congruente
ao ângulo E e H sobre o lado AC.
Além disso, como o ângulo A é congruente ao ângulo D, por hipótese,
o triângulo AGH é congruente ao triângulo DEF (critério ALA da con-
gruência entre triângulos) e portanto semelhantes.
Por outro lado, pelo Teorema Fundamental, temos que o triângulo
AGH é semelhante ao triângulo ABC, já que o lado GH é paralelo ao lado
BC. E, finalmente, como o triângulo ABC é semelhante ao triângulo AGH,
e AGH, por sua vez, é semelhante a DEF, concluímos, pela propriedade
transitiva, que o triângulo ABC é semelhante ao triângulo DEF.
As demonstrações dos demais critérios ficam como exercício.

Critério (l a l) [lado-ângulo-lado]: Se as medidas de dois dos lados de um


triângulo são proporcionais aos homólogos do outro triângulo e os ângulos
determinados por estes lados são congruentes, então os triângulos são se-
melhantes.
Critério (l l l) [lado-lado-lado]: Se as medidas dos lados de um triângulo
são respectivamente proporcionais às medidas dos lados correspondentes
de outro triângulo, então os triângulos são semelhantes.
GEOMETRIA PLANA (EUCLIDIANA)

Leonardo Simão
Coordenação: Vasco Cuambe
Universidade Pedagógica – Maputo

Ficha de Exercícios

Congruência

1. Supõe que de dois triângulos ABC e MNP sabes que: o segmento


AB é igual ao segmento MN e o segmento BC é igual ao segmento
NP; indica uma condição que permita concluir que os triângulos
são congruentes.
2. Desenha dois triângulos isósceles que tenham, cada um deles, um
lado de 4 cm e outro de 6 cm, e que sejam:
a) congruentes
b) não congruentes

3. De dois triângulos DEF e GHI sabemos que: as medidas dos ângu-


los EDF e HGI são iguais, assim como são iguais as medidas dos
ângulos DEF e GHI. Indica uma condição que permita assegurar a
congruência destes triângulos.
4. De dois triângulos retangulares ABC e MNP sabe-se que os ângu-
los retos são os dos vértices A e M e que a medida do segmento AB
é igual à medida do segmento MP e igual a 3 cm e o segmento,
bem como os segmentos AC e MN têm uma mesma medida igual a
4 cm.
a) Justifica que os dois triângulos são congruentes.
b) Indica, de um para o outro, os ângulos agudos congruentes.
208 Formação contínua – textos de enquadramento

Semelhança

5. Das seguintes afirmações assinala as verdadeiras:


a) Se uma figura é uma ampliação da outra, as duas têm a mesma forma.
b) Se uma figura é redução de outra, então as figuras são semelhantes.
c) Duas figuras geometricamente iguais são semelhantes.
d) Todos os triângulos equiláteros são semelhantes.
e) Todos os triângulos são semelhantes.
f) Todos os quadrados são semelhantes.
g) Todos os retângulos são semelhantes.
h) Todos os círculos são semelhantes.

6. Dois triângulos equiláteros são semelhantes? Justifica a tua respos-


ta.
7. Dois triângulos isósceles quaisquer são semelhantes? Justifica a tua
resposta.
8. Aplicando um dos critérios de semelhança, constrói um triângulo
semelhante, por redução, a:

9. Aplicando um dos critérios de semelhança, constrói um triângulo


semelhante, por ampliação, a:

10. De dois triângulos ABC e MNP sabe-se que:


• o ângulo BAC mede100º
• o ângulo ABC mede15º
• o ângulo NMP mede 65º
• o ângulo MNP mede100º
Geometria Plana – Exercícios 209

Poderás concluir que são semelhantes? Em caso afirmativo indica os


pares de lados correspondentes.
11. Em dois triângulos retângulos, um tem um ângulo de 35º e o outro
um ângulo de 55º. Os triângulos são semelhantes? Justifica.
12. Observa com atenção a figura. Sabendo que a árvore mais peque-
na tem 1.5m de altura, calcula a altura da árvore maior.

13. Calcula a altura da torre de uma Igreja que projecta uma sombra
de 18 metros de comprimento se, no mesmo instante, uma vara de
1,5 metro produz uma sombra de 2,5 metros.
14. Se uma haste de um metro projeta uma sombra de 1,5 metro, qual
será o comprimento de uma árvore com uma sombra de 4,5 me-
tros no mesmo instante?
15. Em certo momento, a sombra projetada por uma torre tem 24 me-
tros e a sombra projetada por uma pessoa tem 80 centímetros.
Qual é a altura da torre se a pessoa tem uma altura de 1,85 m?
16. Se uma haste de um metro projeta uma sombra de 2 metros, qual
será a altura de um poste de iluminação que no mesmo instante
tem uma sombra de 15 metros?

Bibliografia

ARAÚJO, P.V. Curso de Geometria, Gradiva Publicações, Lisboa, 1998.


GERDES, P. & CHERINDA, M. Teoremas Famosos de Geometria, Instituto Supe-
rior Pedagógico, Maputo, 1991.
HILBERT, D. Fundamentos da Geometria, (Ed. portuguesa), Gradiva Publicações,
Lisboa, 2003.
OLIVEIRA, A. J. F. Geometria Euclidiana, Universidade Aberta, Lisboa, 1995.
SERRES, M. As origens da geometria, Terramar-Editores, Lisboa, 1997.
OPERAÇÕES COM NÚMEROS INTEIROS
E FRACCIONÁRIOS

Fernanda de Fátima Sarmento Ximenes


UNTL – Universidade Nacional de Timor Lorosae

 adição e subtração
 propriedades da adição e subtração
 sentido das operações
 multiplicação e divisão
 propriedades da multiplicação e divisão

– Identificar o quociente exato de dois números inteiros representa-


dos por fracção.
212 Formação contínua – textos de enquadramento

Exercícios de aplicação:

– Ler e escrever corretamente os números representados por


fracção.

Exemplo: Na fracção
1/12 → lê-se um doze avos
1/4 → um quarto
1/3 → um terço

1/12 Dar definições:


12 é o denominador O Denominador indica em quantas partes o
1 é o numerador inteiro se encontra dividido.
O Numerador indica as partes consideradas
Operações com números inteiros e fraccionários 213

Exemplo: O bolo está dividido em oito partes, cada parte


representa 1/8 (um oitavo).
Se o João comeu duas partes do bolo. Quer di-
zer que a parte comida pelo João é 2/8 (dois oi-
tavos).

2/8 = 2 é a parte que o João comeu.


8 indicam as partes de todo o bolo.

Exercícios de aplicação:
1. Escreva por extenso as seguintes frações:
1/5 =____________________________
1/6 =____________________________

2. Na fracção ¼. Qual é o número que representa o denominador? E


qual é o numerador?

– Frações que representam números menores do que 1. e maio-


res do que 1.
– Localização de frações numa recta graduada

Se marcarmos décimos nesta semi-reta teremos:

corresponde a 2,7

Podemos escrever 2 2,7


214 Formação contínua – textos de enquadramento

Dividimos uma quantidade em 3, 6, e 12 partes iguais respectivamente

Exemplo:

As figuras representadas A terça parte de 12 é 4 (porque 12 : 3 =


indicam que 4)
1/3 > 1/6 > 1/12 ou A sexta parte de 12 é 2 (12 : 6 = 2)
1/12 < 1/6 < 1/3 A doze avos de 12 é 1 (12 : 12 = 1)

. Fracções decimais
Exemplo:
O António sai da escola, E, e vai para casa, C, que fica 1km de distân-
cia.
Que parte do percurso já percorreu quando vai em A? E em B?
Operações com números inteiros e fraccionários 215

Quando vai em A
Percorreu ¼ do percurso.
¼ = 1: 4 = 0,25.
Já percorreu 0,25km
Quando vai em B
Percorreu 2/3 do percurso.
Como 2/3 = 2: 3 = 0,67.
Já percorreu aproximadamente, 0,67km.

Objectivo:
– Calcular o produto de números racionais representados sob diver-
sas formas.

Representação pictográfica de fracção – leitura e escrita

1. O pomar da casa do Vítor foi plantado como se na imagem seguin-


te.

 6 ou 1 do pomar foi plantado de ananás.


12 2

 1 do pomar foi plantado de cerejeiras.


12

 3 ou 1 do pomar foi plantado de laranjeiras.


12 4

 2 1 do pomar foi plantado de macieiras.


12 6

216 Formação contínua – textos de enquadramento

6 1 3 2
As fracções 12 , 12 , 12 e 12 têm o numerador menor que o de-
nominador, por isso são fracções próprias.

2. Na figura seguinte está representada uma unidade mais


1
6
ou seja 76

7 1 1
=1+ =1
6 6 6

A fracção 7 tem o numerador maior que o denominador, por isso


6
é uma fracção imprópria.

Objectivo: Identifica a fracção que representa as partes pintadas da


figura.
ENSINO DAS CIÊNCIAS (EC)
FLUTUAÇÃO

Texto de apoio

Maria das Mercês Ramos


Pedro Sarreira
Escola Superior de Educação de Lisboa

Introdução

Este texto foi produzido para apoio aos professores-formandos do


Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências. Neste
Programa, um dos temas abordado foi a flutuação. Perante as dificuldades
identificadas pelos formadores durante as sessões de formação conside-
rou-se necessário elaborar um texto de natureza teórica que desse suporte
às sessões práticas. Assim, decidiu-se elaborar um texto simples, mas ri-
goroso, que facilitasse a aprendizagem do conceito de massa volúmica
(ou densidade) e, com base nele, explicasse o fenómeno da flutuação.
Procurou-se tornar evidente que, para a flutuação num dado líquido o que
importa não é a massa ou o peso; nem o tamanho/volume (explicações
muito frequentes e que traduzem concepções alternativas) mas a relação
entre a massa e o volume. Procurou-se ainda mostrar que a flutuabilidade
em líquidos de um dado material depende também do líquido em que o
material é mergulhado. Por fim referimos diversas situações do dia-a-dia
que podem ser explicadas utilizando o conceito de massa volúmica.
Para explicar os mesmos factos poder-se-ia recorrer também ao prin-
cípio de Arquimedes, abordagem que não é feita neste texto.
O texto tem, também, sido disponibilizado aos alunos da formação
inicial de educadores de infância e de professores do 1.º e 2.º Ciclos dos
Ensino Básico.
220 Formação contínua – textos de enquadramento

Conceito de massa volúmica (densidade)

Quando se introduzem objetos num recipiente com água, observa-se


que alguns flutuam, enquanto outros se afundam até tocarem o fundo do
recipiente (ver figura 1).

Fig. 1 – Resultado da introdução de alguns objetos (maçã,


pedaço madeira de pinho, rolha de cortiça, batata, esfera de aço
e pedra de calçada) num recipiente com água.

Embora o cidadão comum relacione frequentemente a explicação


deste fenómeno com o peso, tal não é verdade, pois, como todos
sabemos, um pequeno (e leve) prego de aço vai ao fundo, enquanto um
enorme (e pesado) tronco de árvore flutua na água.
Se não é o peso que determina se um objecto flutua ou não num
líquido, então o que será?
Façamos uma experiência.
Para obter resposta a esta questão, consideremos uma batata e uma
maçã. Como sabemos, a batata afunda enquanto a maçã flutua. Cortemos
um pedaço de batata e um pedaço de maçã exatamente com o mesmo
volume, por exemplo, cubos com 2 cm de aresta. Se assim fizermos, os
cubos terão o mesmo volume. Será que terão a mesma massa (ou na
linguagem usual o mesmo peso1)? Para o saber, basta medir a massa dos
dois (vulgarmente chamada de pesagem) ou colocá-los nos pratos de uma
balança de pratos iguais (ver figura 2).

1 Massa e peso, embora na linguagem do quotidiano sejam frequentemente confundi-


dos, são grandezas diferentes. No caso em estudo a grandeza que nos interessa é a
que é medida por exemplo em grama ou quilograma, com instrumentos chamados
balanças e designa-se massa.
Flutuação 221

maçã
batata

Fig. 2 – Comparação da massa dos dois cubos


de igual volume de batata e de maçã.

Esta operação permite-nos verificar que, para o mesmo volume, o


cubo de batata tem maior massa do que o cubo de maçã.
Por outro lado, para igualar as massas de batata e de maçã, teremos
que aumentar o volume de maçã (ver figura 3) ou diminuir o volume de
batata.

batata maçã

Fig. 3 – Para ter igual massa de batata e de maçã, temos


de ter maior volume de maçã do que de batata.

Quaisquer que sejam as quantidades de batata e de maçã, podemos


constatar que a batata tem mais massa por unidade de volume do que a
maçã. Podemos também constatar que a relação entre massa e volume se
mantém constante para cada substância (e aproximadamente constante
para os materiais), quaisquer que sejam as quantidades consideradas.
A grandeza que procuramos é a massa volúmica2, grandeza física
definida como massa por unidade de volume:

2 Embora a designação oficial seja massa volúmica, utiliza-se correntemente o termo


densidade com o mesmo significado. Para além da grandeza massa volúmica, utili-
za-se também a grandeza densidade relativa que é a razão entre a massa volúmica
da substância em causa e a massa volúmica da substância padrão, que para os líqui-
dos e sólidos é a água pura à pressão normal e à temperatura (t  3,98 ºC) à qual a
sua massa volúmica é máxima (1,0 g/cm3).
222 Formação contínua – textos de enquadramento

m

V
em que  é a massa volúmica, m a massa e V o volume.
As unidades de massa volúmica são kg/m3 (no Sistema Internacional),
g/cm3, kg/dm3, ou qualquer unidade que seja o quociente de uma unidade
de massa por uma unidade de volume (das unidades referidas é
recomendada a utilização da primeira embora seja mais frequente a
segunda).
Aplicando a definição de massa volúmica, tendo em conta as
comparações anteriores, conclui-se que a massa volúmica da batata é
maior do que a da maçã. Assim, somos levados a concluir que, quando
mergulhados num mesmo líquido, os materiais mais densos afundam e os
menos densos flutuam. Mas será isto verdade, qualquer que seja o
líquido? E se introduzirmos batatas e maçãs em recipientes com outros
líquidos em vez de água? Será que as batatas continuam a ir ao fundo e as
maçãs continuam a flutuar?

Condições de flutuabilidade

Podemos constatar, facilmente, que o comportamento dos objetos


pode ser diferente consoante o líquido em que são mergulhados. Por
exemplo, em geral, uma batata ou uma cenoura afundam-se em água da
torneira e também em álcool etílico, mas flutuam em água bastante
salgada, enquanto um nabo flutua em água da torneira e em água salgada,
mas afunda-se em álcool etílico. Muitos de nós já observámos que um
ovo “fresco” afunda-se na água da torneira, mas flutua em água bastante
salgada e, também, já verificámos a “frescura” de um ovo colocando-o
em água (se não está fresco flutua em água da torneira).
Podemos dizer que:
 se a massa volúmica do objecto for menor que a do líquido, o ob-
jecto flutua;
 se a massa volúmica do objecto for maior que a do líquido, o ob-
jecto afunda-se;
 se as massas volúmicas do objecto e do líquido forem iguais (o que
é pouco frequente), o objecto irá permanecer em suspensão, com-
pletamente imerso no líquido, à profundidade a que for abandona-
do, isto é, se for abandonado imediatamente abaixo da superfície aí
permanecerá e se for abandonado, por exemplo, a 3 metros de pro-
fundidade, aí permanecerá.
Flutuação 223

Assim, para explicar corretamente o fenómeno da flutuação é


necessário considerar não só a massa volúmica do objecto mas também a
do líquido onde é mergulhado o objecto.
Um modo operacional de comparar a massa volúmica dos três líqui-
dos referidos (de um modo semelhante ao que se fez com a batata e com a
maçã) é preparar três recipientes iguais, com o mesmo volume de cada
um dos líquidos. Pode observar-se que a massa é diferente para os três
líquidos, sendo menor para o álcool etílico, e maior para a água salgada.
Se, por outro lado, prepararmos três recipientes iguais e colocarmos em
cada um a mesma massa de cada um dos líquidos, observa-se que os vo-
lumes são diferentes, sendo o volume maior para o álcool etílico e menor
para a água salgada.
Conclui-se, por isso, que os três líquidos (álcool etílico, água da
torneira e água salgada) têm massas volúmicas diferentes.

Aplicação a situações do quotidiano

Será interessante utilizar o conhecimento anterior para interpretar


algumas situações facilmente observáveis na vida real.

(i) Ascensão e submersão do submarino

Os submarinos possuem tanques que podem ser cheios de água ou


esvaziados através de bombas. Quando se pretende que um submarino
afunde, abrem-se as comportas e deixam-se encher os tanques com água.
Aumentando a massa, aumenta-se também a massa volúmica média do
submarino até ultrapassar a massa volúmica da água do mar provocando
o afundamento. Quando se quer que o submarino venha à superfície, usam-
-se as bombas para esvaziar os tanques, diminuindo-se a massa de forma
a diminuir a massa volúmica média abaixo do valor da massa volúmica
da água do mar, fazendo o submarino subir. O submarino poderá ainda
manter-se em suspensão debaixo de água a certa profundidade sem descer
nem subir. Esta situação ocorre quando o nível de água dentro dos
tanques é regulado de forma a que as massas volúmicas do submarino e
da água do mar sejam iguais.
224 Formação contínua – textos de enquadramento

(ii) Nem todos os corpos flutuam com a mesma fração de volume


imersa

Quando observamos objetos, feitos de materiais diferentes a flutuar


observamos que não flutuam todos da mesma maneira. Uns flutuam mais
mergulhados no líquido do que outros (ver figura 1) – nem todos tem a
mesma porção imersa. Por exemplo, o gelo flutua na água com cerca de
90% do seu volume imerso (abaixo da superfície) e 10% emerso (acima
da superfície) e por isso se sabe que os icebergues têm debaixo de água
cerca de 9 vezes o volume que se observa acima da superfície, enquanto a
cortiça flutua com menos de 25% do seu volume imerso.
Existe uma relação muito simples entre a fracção de volume imerso
de um objecto a flutuar num líquido e as massas volúmicas respectivas. A
fracção de volume imerso é igual ao quociente da massa volúmica do
objecto pela massa volúmica do líquido. Assim, se o valor de massa
volúmica de um objecto for metade do valor da massa volúmica do
líquido, ele irá flutuar nesse líquido com metade do seu volume imerso (é
o caso de alguns tipos de madeira na água); se o valor de massa volúmica
de um objecto for 90% do valor da massa volúmica do líquido, ele irá
flutuar nesse líquido com 90% do seu volume imerso (é o caso do gelo
em água do mar); se o valor de massa volúmica de um objecto for 25%
do valor da massa volúmica do líquido, ele irá flutuar nesse líquido com
25% do seu volume imerso (é semelhante ao que se passa com a cortiça
na água).
Assim, se for possível determinar a fracção de volume imerso de um
objecto, será possível conhecer a sua massa volúmica relativamente à do
líquido em que flutua.

(iii) Flutuação e afundamento dos barcos

Se um prego de aço vai ao fundo, porque flutua um barco com o


casco de aço?
Para responder a esta questão sugerimos a realização de uma
atividade prática muito simples: 1) com duas barras de plasticina iguais,
faça uma bola com a primeira e molde um barquinho (ou uma tacinha) de
parede fina; 2) coloque ambos num recipiente com água da torneira,
tendo o cuidado de pousar o barquinho na água com a concavidade virada
para cima (ver figura 4).
Flutuação 225

Fig. 4 – Resultado da introdução na água de dois objetos moldados


com a mesma quantidade de plasticina: bola e barquinho de parede fina.
O barquinho tem de ser colocado suavemente na água
com a concavidade virada para cima.

Como poderá observar, a bola vai ao fundo enquanto o barquinho


flutua, apesar de terem a mesma massa (as barras de plasticina eram
iguais). O que variou foi o espaço ocupado pelo objecto, ou seja, o seu
volume, não o volume de plasticina. No barquinho, devido à sua forma
côncava, o espaço ocupado é maior do que o ocupado pela esfera, ficando
grande parte do seu volume interno preenchido com ar. Sendo o volume
maior, e sendo a massa igual, a massa volúmica média (considerando a
plasticina e o ar abaixo do bordo) é menor. Se a parede do barquinho for
suficientemente fina a massa volúmica média será inferior à da água
permitindo-lhe flutuar.
Agora já podemos responder à questão. O aço, tal como a plasticina,
é mais denso do que a água. Por isso, nos barcos com casco de aço, tem
de existir um grande volume ocupado com ar (ou com outros materiais
menos densos do que a água) para que a massa volúmica média do barco
seja inferior à da água.

Que carga pode transportar um barco sem se afundar?

Pensemos agora no que acontece a um cargueiro quando se carrega


com contentores cheios com materiais mais densos do que a água. De
cada vez que um contentor é colocado no porão, sai o ar que ocupava esse
espaço. A massa do navio aumenta, mas como o volume (exterior) do
navio se mantém inalterado, aumenta a sua massa volúmica média.
Podemos continuar a carregar o navio, mas nunca permitindo que o valor
da sua massa volúmica média ultrapasse o valor da massa volúmica da
226 Formação contínua – textos de enquadramento

água pois, nesse caso, o navio afundar-se-ia. Na realidade, por razões de


segurança, a massa volúmica média dos barcos (com a respectiva carga)
tem de ser bastante inferior à da água.
No caso dos barcos é também evidente a situação explicada acima
relativamente à fracção do volume imerso. À medida que o barco vai
sendo carregado, vai aumentando a sua massa volúmica média e, por isso,
vai também aumentando a fracção de volume imerso, mergulhando o
barco mais um pouco na água (figura 5).

Fig. 5 – Dois navios iguais com diferentes cargas: o do lado direito,


por ter mais carga, está mais mergulhado na água.

Por que afundam os barcos quando sofrem um rombo?

Quando um barco sofre um rombo há, em geral, entrada de água no


porão. Como a água é muito mais densa do que o ar, a água que entra no
barco aumenta muito a sua massa levando a um aumento da massa
volúmica média. Se a quantidade de água que entra for tal que faça com
que a massa volúmica média do barco fique superior à massa volúmica da
água onde o barco navega ocorrerá o seu afundamento.

Outros recursos sobre flutuação:

Carvalho, Rómulo de (1995). A Física no Dia-a-Dia. Lisboa: Relógio d’Água


(pp. 185-211).
O FOGÃO SOLAR

Pedro Soares
UNTL – Universidade Nacional de Timor Lorosae

Um Fogão Solar tem como objectivo usar a energia do Sol para


aquecer uma estufa onde colocamos o recipiente com os alimentos a co-
zinhar. É composto por três elementos:
 Um tacho ou panela, de preferência de cor escura,
 Uma estufa para reter e acumular o calor no seu interior e
 Um conjunto de superfícies refletoras que colectam e dirigem os
raios solares para o conjunto tacha/estufa

Conforme o melhor ou pior desempenho destes três elementos, em


cada uma das suas funções, assim o fogão atinge mais rapidamente a
temperatura necessária para cozinhar os alimentos, reduzindo o tempo
necessário para a sua confecção.
Num fogão solar podemos cozinhar quase tudo o que cozinhamos
noutro fogão qualquer.
O fogão solar designado “GIRASSOL” foi pela primeira vez apre-
sentando no concurso solar padre Himalaya, promovida pela SPES – so-
ciedade portuguesa de energia solar, no ano de 2004.
O “GIRASSOL” é de uma concepção bastante simples, formado
apenas por superfícies planas; pode ser realizado em cartão rijo e revesti-
do por papel brilhante como refletor, como por exemplo o papel de alu-
mínio. O êxito de Fogão Solar reside na boa concepção e depois na boa
construção de cada um dos três elementos que o formam, na sua correta
conjugação e utilização: o refletor / concentrador, a estufa e o tacho.

O refletor / concentrador

Num Fogão Solar a superfície refletora é a parte que mais e melhor


se vê por ser a de maior tamanho e, por isso, a que mais chama a atenção.
228 Formação contínua – textos de enquadramento

A sua função é a de captar os raios de sol e depois refleti-los sobre um


mesmo ponto; e nesse ponto de concentração dos raios solares, e onde,
por consequência, a temperatura vais ser mis elevada, que vai ser coloca-
do o tacho com os alimentos a confecionar.
A superfície refletora ideal é constituída por espelhos; porém, não é
preciso tal exagero que tornaria o fogão pesado, caro, e exigiria manipu-
lação cuidada. Para a superfície utilizam-se refletores rectangulares que,
em funcionamento, se colocam verticalmente.
Todas as peças do refletor foram desenhadas sobre uma placa de
“triples” e seguidamente recortada com serrote manual. São estas peças
que podem ser de cartão rijo, ficando assim o fogão mais barato. Durante
o funcionamento do fogão o refletor aquece um pouco, mas nunca corre o
risco de arder.
Na fase seguinte procedeu-se à colagem do papel prateado, com cola
para madeira; é uma tarefa delicada, que deve ser executada com cuidado,
para a superfície do refletor ficar bastante lisa, a imitar um espelho.

A estufa

A estufa tem a importante função de reter e acumular o calor no seu


interior. Deve ser feita de material, muito importante, tal como o vidro,
para deixar entrar o sol e aquecer o tacho que se coloca dentro dela.
Usamos uma folha de plástico muito transparente e maleável, tipo
cristal. Porem, foi necessário construir uma estrutura em bambu para ser-
vir de suporte ao plástico. Esta estrutura de composta, geometricamente
pelas arestas de um prisma pentagonal irregular. De notar que a estufa
acerta sobre uma superfície de 5 lados pentagonal. A construção deve ser
cuidada bem como a colocação do plástico nas faces superior e laterais da
estrutura de bambu.
Para fazer a sua tarefa, de reter e acumular o calor no seu interior, a
estufa não pode ter buracos.

O tacho

O recipiente onde a comida vai a cozinhar pode ser o habitual tacho


ou panela, ou simplesmente uma lata. Tem de ser de cor escura, de prefe-
rência preta, pois que só a cor preta absorve a totalidade de radiação; de-
pois, por condução, transmite aos alimentos o calor que recebe. Para a
pintura exterior podem pintar-se os recipientes com tinta própria para tu-
bos de escape de automóvel ou motos, que suportam temperaturas supe-
riores a 600°C. Vulgarmente são vendidos em “spray”.
O fogão solar 229

As cores claras refletem a radiação sendo por isso menos convenientes.


Os recipientes de barro, desde que de cor escura são bem adaptados
ao uso em fogões solares pois que “conservam melhor o calor”.

A terminar

Num fogão solar é preciso que tudo seja bem feito e bem usado: o
refletor bem revestido é bem virado ao sol, a estufa bem transparente e
bem fechada, o tacho bastante escuro ou preto. Depois è só esperar 2 ou 3
horas, sem receio de a comida fique queimada; é esta última mais uma
das vantagens dos fogões solares.

A energia solar em Timor

Timor Leste, como qualquer território ou nação tem recursos limita-


dos, limites que são mais severos por se tratar de uma ilha de reduzida
dimensão; tem por isso tarefa árdua, mas estimulante, de tirar o melhor
partido das suas riquezas naturais.
Timor Leste localiza-se numa região muito favorecida pela natureza
no que diz respeito à insolação e, como tal, não pode ignorar nem desper-
diçar esta energia renovável, universalmente disponível de forma gratuita.
A energia solar tem ainda uma outra particularidade muito favorável:
está presente em todo o território de Timor Leste ao longo de todo o ano,
mesmo nas zonas mais remotas e de difícil acesso, não necessitando de
qualquer intermediação de entidades exteriores ao país ou às comunida-
des que a utilizem.

Energia solar para quê?

A energia solar, através das suas várias soluções de aproveitamento,


designadamente conversão foto voltaica e foto térmica, pode levar às popu-
lações distantes e de baixos rendimentos, soluções para as suas mais bási-
cas necessidades, como sejam água potável, iluminação e energia para con-
feccionar as suas refeições a custos virtualmente nulos, com recurso a
materiais disponíveis localmente, bastando alguns conhecimentos básicos
sobre as capacidades e forma práticas da utilização da energia solar.
Uma dessas possibilidades de recurso à energia solar ocorreu-nos em
2003 quando observámos a colecta e transporte de madeira por grupos de
Timorenses nas florestas e a sua venda nas estradas; testemunhámos tam-
bém o efeito que essa prática tem nas florestas, no equilíbrio ecológico,
230 Formação contínua – textos de enquadramento

na paisagem, e na sustentabilidade da indústria turística de elevada sofis-


ticação e qualidade, e muito exigente no que toca ao ambiente.
A utilização da energia solar para a confecção de alimentos é feita
com fogões solares, com algumas vantagens sobre os métodos tradicio-
nais e convencionais; agora construir fogões solares para utilização pelas
suas famílias. Que aproveitem bem esta energia grátis que o sol nos ofe-
rece, é o nosso desejo sincero.

A forma e a medidas de fogão solar


O fogão solar 231
232 Formação contínua – textos de enquadramento

Prática da construção de fogão solar


O fogão solar 233

Cozinhar os ovos com o fogão solar

As cozidas e o fogão solar estão montadas para o aquecimento do sol


234 Formação contínua – textos de enquadramento

Os formandos vão experimentar os resultados


de cozidas com o fogão solar
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO
E
COMUNICAÇÃO (TIC)
TIC – OBJETIVOS E CONTEÚDOS

Introdução

As Tecnologias de Informação e Comunicação são de extrema impor-


tância porque permitem a inserção ao novo mundo de conhecimento tecno-
lógico, e a descoberta de novas dimensões de outras áreas científicas.
Ainda economiza o tempo e facilita o acesso às informações a qual-
quer hora e em qualquer lugar.
Embora a sociedade possua uma configuração diferente as TIC neste
caso podem levar a um intercâmbio de ideias, informações e conheci-
mentos que nos levam a uma melhor integração e interação na sociedade
e no mundo.
As TIC constituem um estímulo à transformação da nossa sociedade,
por isso devemos estar sempre em sintonia para uma atualização e acompa-
nhamento das mudanças tecnológicas a cada dia independentemente da reor-
denação nas relações espácio-temporais (local, regional, nacional, global).

Princípios do programa de formação

A. Adequação da formação às necessidades da sociedade

A formação de professores deverá ser concebida em função das ne-


cessidades de cada sociedade de modo a que a preparação dos seus alunos
seja cada vez mais ajustada ao desenvolvimento tecnológico e também
cultural, à inserção social dos jovens e aos avanços científicos.

B. Participação do professor no processo de formação

A metodologia e a organização da formação devem ser selecionadas na-


turalmente de acordo com as necessidades e recursos de cada país. Mas a ex-
periência em formação de adultos, se se pretende eficaz, aponta para a neces-
sidade de uma programação participada por aqueles a quem se destina.
Assim, os professores deverão ser os principais agentes da sua formação. Es-
ta deverá ser organizada de modo a proporcionar um trabalho progressiva-
238 Formação contínua – textos de enquadramento

mente mais autónomo, o que implica incentivar o trabalho em grupo onde os


professores partilhem ideias e experiências, elaborem materiais e discutam
ideias. Este trabalho colaborativo permite, por um lado, um aumento de con-
fiança e, por outro, uma aprendizagem partilhada com significado.

C. Formação baseada nas necessidades dos professores

Os conteúdos de formação, tendo como referência os curricula dos


alunos, deverão contemplar as necessidades dos professores. Evidente-
mente que a explicitação das necessidades não é uma tarefa fácil para
ninguém e vai-se fazendo durante o processo da formação, desejando-se
que continue. Este aspecto dinâmico da caracterização das necessidades
dos professores, enraíza num processo individual e reflexivo, mas deverá
também fazer-se em momentos de partilha e discussão conjunta, visto ser
nestes momentos que as necessidades normalmente emergem.

D. Formação a partir da realidade dos professores

Os professores possuem, em graus diferenciados, experiência profis-


sional que nunca deverá ser posta de lado durante a formação, pelo contrá-
rio, essa experiência e saber acumulados durante anos tem de ser o ponto
de partida para a formação. Só assim faz sentido. Não se pode conceber a
formação fazendo “cortes radicais” com toda uma interiorização que demo-
rou em certos casos, vários anos a construir. É importante proporcionar es-
paços de experimentação e de reflexão conjunta de modo a que se possam
analisar e problematizar práticas e partir delas para o desenvolvimento de
uma mudança consciente que ajude a tornar o ensino mais eficaz.

E. Saber científico e pedagógico

Todos os professores deverão possuir um forte saber científico e es-


pecífico para o ensino e muito para além daquilo que têm de ensinar aos
seus alunos.
O saber pedagógico não consiste só numa melhoria técnica: saber
mais coisas que se podem fazer na aula, possuir mais destrezas específi-
cas para orientar os alunos, mas sobretudo num conjunto de competências
que permitam conhecer o pensamento dos alunos e dar sentido às ativida-
des que se desenvolvem em situações de aprendizagem, na clarificação
das teorias e princípios de ação tornando possível conhecer os porquês
das coisas que se fazem e como se fazem numa sala de aula.
TIC – objetivos e conteúdos 239

F. Experimentação e reflexão

O trabalho do professor implica uma atitude investigativa que se tra-


duz por uma reflexão sobre o currículo de modo a planificar as lições,
uma atitude atenta e reflexiva durante a implementação em contextos
reais e uma reflexão posterior de modo a identificar causas de sucesso e
causas de insucesso das experiências levadas a cabo com os alunos. As
planificações seguintes irão então usufruir deste processo. O triângulo as-
sente nos três vértices: “reflexão antes”, “reflexão durante” e “reflexão
depois”, permite uma avaliação permanente do trabalho do professor,
proporcionando uma adaptação ao perfil dos alunos e a uma experimen-
tação desejável segundo as linhas actuais de ensino-aprendizagem. Isto é
o professor deve reflectir, avaliar e adaptar.

G. Formação integrada e sequencial

As atividades de formação deverão ser concebidas de um modo in-


terligado, isto é, não deverão separar a vertente do saber científico própria
da área disciplinar da vertente do saber pedagógico e didático e devem ser
integradas nas práticas dos professores. A implementação das sessões de
trabalho de conteúdo científico deverá ser sempre acompanhada de en-
quadramento didático e pedagógico. Também, ao invés, o trabalho de-
senvolvido assente em temas didáticos dos programas dos alunos, deverá
ser interpretado e justificado pelos conteúdos científicos subjacentes. Po-
derá ser igualmente concebida de forma sequencial, dependendo mais
uma vez a opção, da organização e recursos da Instituição de Formação.

H. O papel do formador

No processo de formação, o formador surge como um dos interve-


nientes, colaborando em planificações e participando em discussões de
dinâmicas da sala de aula, de modo a que a reflexão sobre as experiências
levadas a cabo com os alunos, seja feita com uma maior profundidade,
ajudando a perceber aquilo que resultou, o que deve ser evitado, etc. É
fundamental que o formador não se imponha como aquele que sabe mais,
mas que seja um parceiro/facilitador que informa, ajuda a preparar mate-
riais, que propõe novas abordagens e que principalmente questiona.
240 Formação contínua – textos de enquadramento

Objectivos Gerais:

1. Dotar os professores de conhecimentos básicos para a eficiente


utilização das TIC nas diferentes disciplinas;
2. Capacitar os professores de competências para busca e produção
de materiais didáticos;
3. Capacitar os professores de competências para a utilização de
plataformas de Ensino a Distância (EAD).

Objectivos Específicos:
1. Saber usar o processador de texto MS Word;
2. Saber usar a folha de cálculo MS Excel;
3. Preparar apresentações em Power Point;
4. Capacitar os professores a usar outros equipamentos tecnológi-
cos tais como: Leitores DVDs, projetor de vídeo, Máquina Digi-
tal, Câmaras de filmar;
5. Utilização da Internet para a recolha e organização de informa-
ções para o ensino e aprendizagem;
6. Utilização da Internet como uma ferramenta de comunicação
(uso do correio electrónico, msn, etc);
7. Produzir documentos para disponibilizar na internet;
8. Produzir home pages de escolas;
9. Habilitar o professor a trabalhar com plataforma EAD elearning
(Moodle).

Público-alvo
10. O público-alvo da formação em TIC são os professores do 1º ao
9º do ensino básico;
11. Na fase piloto cada país vai escolher o número de escolas que
irão participar e determinar em cada uma o nível e o número de
professores que irão participar na formação;
12. É ainda destinado aos Professores de formação em exercício que
leccionam no ensino básico (1º ao 9º ano).

Conteúdos
1. MS Word

a) Noções básicas
b) Características (a janela básica do Word)
TIC – objetivos e conteúdos 241

c) Digitar um texto
d) Guardar e guardar como
e) Editar texto
f) Configuração do documento
Margens e orientação de papel
Inserir uma imagens
Inserir números de páginas
Guardar o documento com palavra chave

d. Formatação de texto
Tipos de letras
Estilos
Tamanho
Efeitos
Correcção ortográfica

g) Inserir Cabeçalhos e Rodapés


h) Inserir notas de Rodapé
i) Inserir índices automáticos
j) Criar e formatar Tabelas
k) Uso de Templates (cartas, curriculums, etc)

2. MS PowerPoint

a. Conceitos básicos
b. Criação de uma apresentação
c. Guardar uma apresentação
d. Abrir uma apresentação
e. Tipos de vistas
f. Trabalhar com diapositivos
g. Regras e guias
h. Manejar objectos
i. Trabalhar com textos
j. Trabalhar com tabelas
k. Trabalhar com gráficos
l. Trabalhar com organigramas
m. Barra de Menu
A. Inserir sons e filmes
B. Animações e transições
In: www.aulaclic.es/power2003/
242 Formação contínua – textos de enquadramento

3. MS Excel

1. Uso de barra de ferramentas e menu


2. Funções: adição subtracção e multiplicação
3. Formatação das células:
Tipo de letra
Formatação numérica
Alinhamento

4. Operações com células


5. Eliminar, inserir linhas e colunas
6. Mover e copiar células:
7. Com rato,
8. Com comandos copiar, cortar e colar
9. Criação de gráficos:
Assistente de gráficos,
Edição e formatação de gráficos
Vários tipos de gráficos

10. Operações com folhas:


Alteração do nome
Inserir e eliminar folhas
Mover e copiar folhas
Alterar a cor

11. Impressão:
Definir e limpar área de impressão
Visualizar e configurar a área de impressão
Inserir cabeçalhos e rodapés
Opções de impressão

4. Internet

Usar um browser – Navegar, adicionar um url aos favoritos


Pesquisar e organizar informação
Utilizar motores de busca
Utilizar filtros para uma busca
Captura de texto e imagem
Correio electrónico
TIC – objetivos e conteúdos 243

Criar e enviar uma mensagem


Enviar mensagens com ficheiros anexos
Organizar um livro de endereços
Criar e organizar pastas

5. Moodle

Estrutura da plataforma Moodle


Ferramentas Moodle
Modos de consulta e de edição
Criar e configurar recursos
Criar e configurar actividades
Configurar uma disciplina

6. Equipamentos Tecnológicos

Tratamento de sons

 Criar sons
 Pesquisar e tratar sons (redimendionar, montagem sonora, for-
mato de gravação)

Tratamento de Imagens

 Criar imagens
 Pesquisar e tratar imagens (Ampliar, reduzir, formato da ima-
gem)

Videos

 Criar videos
 Pesquisar e tratar vídeos (remover ou inserir uma sequencia de
imagens no vídeo)

Metodologias utilizadas na formação de professores na área de TIC

1. Aplicação de práticas proactivas na utilização de ferramentas das


TIC para o ensino-aprendizagem;
2. Elaboração de portefólio;
244 Formação contínua – textos de enquadramento

3. Aplicação de questionários para o conhecimento do nível de cada


formando sobre os conteúdos da formação;
4. Separar os módulos de formação de acordo com o nível do conhe-
cimento dos formandos.

Avaliação

a) Formando
A avaliação do formando é feita através de três componentes essenciais:
Conhecimento da utilização das ferramentas de TIC;
Avaliar a prática dos professores no laboratório de informática;
Avaliar a realização da utilização dos programas das TIC nas prá-
ticas dos professores nas escolas.

b) Avaliação dos programas


Avaliar a implementação do plano nas escolas ao longo do ano
lectivo.

Tempo de formação

A duração de formação é de um semestre onde a carga horária total


varia de 25 a 48 horas determinadas entre duas a três horas semanais.

Equipamentos de tecnologias Educativas utilizadas


1. Computador
2. Data-show
3. Retroprojetor
4. Televisor
5. Vídeo
6. DVD
7. Câmara digital
TEXTOS DE CARÁCTER GERAL
O APOIO AOS PROFESSORES EM CONTEXTO
DE FRAGILIDADE EDUCATIVA:
ALGUMAS REFLEXÕES E LIÇÕES
DA GUINÉ-BISSAU

Júlio Santos
Carolina Mendes
Rui da Silva
Escola Superior de Educação de Viana do Castelo

Resumo

Num contexto de fragilidade educativa, como é o caso da Guiné-


-Bissau, é fundamental apoiar a transição para um sistema educativo mais
estável a nível administrativo, financeiro e pedagógico de uma forma ho-
lística. Este artigo baseado na larga experiência do Programa de Apoio ao
Sistema Educativo da Guiné-Bissau (PASEG)1 pretende evidenciar uma
estratégia de formação de professores – os Grupos de Apoio Pedagógico
(GAP), que aposta na capacitação e formação para o desenvolvimento
humano e profissional, numa perspetiva de valorização dos contextos, do
conhecimento local, partindo das escolas como unidades de intervenção,
de investigação, do reforço do papel dos agentes educativos, da corespon-
sabilização e da criação de um capital de confiança. Salientam-se algu-
mas lições preliminares que dizem respeito à institucionalização e apro-
priação pelas escolas de inovações, assim como à sua continuidade para
além das iniciativas sugeridas por intervenções externas.
Palavras-chave: Formação de Professores; PASEG; Grupos de Apoio
Pedagógico; Institucionalização.

1 PASEG é promovido pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, I.P.


(IPAD)
248 Formação contínua – textos de enquadramento

Abstract

In the context of educational fragility, as is the case of Guinea-Bissau,


it is critical to support the transition to a more stable education system at
the administrative, financial and teaching levels in a holistic way. This
article draws on the extensive experience of the Program of Support to
Education System in Guinea-Bissau (PASEG) and aims to highlight a
strategy for continuous teacher training –the Pedagogical Support Groups
(GAP). This strategy contributes towards training and education for human
and professional development within a perspective of valuing local
contexts and knowledge and schools as units of intervention and research.
The GAP strategyintends to strengthen the role of teachers as co-
-responsiblepartners and the creation of trust at school levels.
Somepreliminary lessons are drawemphasizing ownership and
institutionalization of innovations, as well as their sustainability beyond the
initiatives promoted by external aid actors.
Keywords: Teacher Education; PASEG; Pedagogical Support Groups;
Institutionalization.

Introdução

O Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau


(PASEG, fase II), pretende dar continuidade a iniciativas importantes de
cooperação portuguesa já lançadas numa primeira fase que teve início em
2000. Trata-se de um programa ambicioso de apoio ao sistema educativo
guineense, promovido pelo ex-IPAD (Instituto Português de Apoio ao
Desenvolvimento), tendo, desde finais de 2009, a assessoria científica,
técnica e pedagógica do Instituto Politécnico de Viana do Castelo2.

2 A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, através


do seu Gabinete de Estudos para Educação e Desenvolvimento (GEED), acumulou,
ao longo dos últimos anos, uma experiência e conhecimento aprofundado no desen-
volvimento de sistemas educativos em situação de fragilidade complexa. Esta expe-
riência resulta, essencialmente, do envolvimento em projetos e programas de coopera-
ção no terreno e da sua participação em várias iniciativas em parceria com atores
estratégicos, tanto nos países do Norte, como nos contextos do Sul. Os países foco de
trabalho têm sido Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste, tendo realizado
ações mais pontuais em Moçambique e Sri Lanka. Todos estes contextos, com exce-
ção de Cabo Verde, apresentam desafios complexos que têm sido o campo de atuação
privilegiado do GEED; daí que, desde 2005, também integre a Rede Internacional In-
terinstitucional de Educação em Situação de Emergência (INEE, sigla em Inglês), on-
de são discutidos os problemas e boas práticas da educação em contextos de fragilida-
O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa 249

O PASEG II reforça mecanismos de inovação em cooperação, enfati-


zando a capacitação e a formação de formadores, o diálogo institucional, a
perspetiva holística e integrada do desenvolvimento educativo, o trabalho
em rede, a descentralização e participação dos atores locais nos processos
de mudança. Por outro lado, visa orientar todas as ações no âmbito da im-
plementação do Plano Sectorial da Educação (PSE), dando o seu contribu-
to, a partir dos contextos, à formação inicial e contínua de professores
(através da revitalização das Práticas Pedagógicas do Ensino Básico e Se-
cundário, do reforço dos Grupos de Apoio Pedagógicos – GAP e dos Cur-
sos de Aperfeiçoamento de Português – CAP e sua expansão para o interior
e da consolidação de uma rede de Oficinas em Língua Portuguesa), à pro-
dução de materiais pedagógicos e às reformas curriculares em curso.
Enquanto estratégia de apoio à qualidade e relevância da educação, o
PASEG II inscreve-se no âmbito do desenvolvimento e implementação
do PSE e comunga dos princípios da Carta da Política do Sector Educati-
vo (2009). Este último documento determina as orientações gerais para o
desenvolvimento do sistema educativo, sendo o seu objetivo principal a
consecução do Ensino Básico para Todos.

Resposta aos desafios da educação e desenvolvimento na Guiné-


-Bissau

O sistema educativo guineense enfrenta grandes desafios a nível do


acesso, qualidade e equidade.Com o objetivo de corrigir estes disfuncio-
namentos está em fase de conclusão um programa de desenvolvimento do
sector (Plano Sectorial da Educação) para os próximos 9 anos (2009-
-2020), sendo o seu principal objetivo a conclusão universal do Ensino
Básico de qualidade, numa perspetiva inclusiva, até 2020, procurando
inscrever o país num processo de redução da pobreza e de desenvolvi-
mento social e económico.
As orientações estratégicas contidas nas Carta da Política do Sector
Educativo3 incidem, entre outras, sobre a expansão do ensino pré-escolar,

de.Neste momento o GEED dinamiza a Comunidade Lusófona desta Rede, que está
aberta a todos os interessados em partilhar recursos, boas práticas e informação em
Português relacionados com a educação em situação de emergência, crises crónicas,
fragilidade e reconstrução; tem procurado recolher, traduzir e desenvolver recursos e
ferramentas de desenvolvimento dos sistemas educativos.
3 Para um melhor conhecimento da situação educativa do país dever-se-á fazer uma
leitura atenta da Carta de Política do Sector Educativo e de outros documentos pro-
duzidos no âmbito da preparação do PSE (Plano Sectorial da Educação).
250 Formação contínua – textos de enquadramento

a melhoria do acesso, qualidade e conclusão do Ensino Básico (100% de


crianças de uma mesma faixa etária poderem beneficiar de uma escolari-
dade completa de seis anos até 2020), a melhoria da qualidade do ensino
secundário (incluindo um modelo de formação contínua adequado) e a er-
radicação do analfabetismo. Também o Plano Nacional de Ação de Edu-
cação para Todos – 2000-2015 traça eixos de intervenção coincidentes,
visando assegurar a educação para todos em consonância com as reali-
dades sociais, económicas e culturais do país. Note-se que este documen-
to sublinha a importância da criação e reforço de parcerias entre o Gover-
no, instituições internacionais, ONG e demais atores da sociedade civil,
estratégia também apontada como elemento crucial pela FAO/UNESCO
(Atchoarena & Gasperini, 2003) para a redução da pobreza.
Num contexto de fragilidade educativa, como é o caso da Guiné-
-Bissau, é fundamental apoiar a transição para um sistema educativo mais
estável a nível administrativo, financeiro e pedagógico de uma forma ho-
lística. A educação pode providenciar um sentido de normalidade e rotina
para as crianças e para os adultos, mesmo quando experienciam rupturas
por instabilidade económica e social (Sinclair, 2004; Davies, 2003; 2009;
CIDA, 2003). Por isso, tornou-se imperativo e estruturante, no quadro do
presente programa de cooperação, o investimento consistente na melhoria
do acesso e uso da língua portuguesa como língua de instrução, na forma-
ção de professores e formadores, na gestão docente e das escolas e no de-
senvolvimento curricular para a efetiva implementação dos planos de
transição, dada a vitalidade destas componentes para o acesso, qualidade
e equidade do sistema educativo na Guiné-Bissau.
O PASEG II intervém em várias grandes áreas para o desenvolvi-
mento educativo (alfabetização, educação pré-escolar, formação inicial,
formação contínua, apoio às direções e gestão escolar, educação para a
cidadania e reformas educativas no quadro do PSE), pretendendo atingir
resultados, em termos qualitativos e quantitativos, com impacto na quali-
dade e relevância da educação e da formação.
Tendo em consideração o contexto e de acordo com os pressupostos
assinalados acima, o PASEG II elegeu como objetivos gerais (i) contri-
buir para a qualidade e relevância da educação para todos na Guiné-
-Bissau, no contexto do PSE e no quadro das políticas de desenvolvimen-
to do país e (ii) promover o uso da Língua Portuguesa pela comunidade
educativa. Um dos objetivos específicos relevantes é Melhorar a quali-
dade do Ensino Básico e do Ensino Secundário através da formação con-
tínua de professores. Este constitui um objetivo que poderá ter um impac-
to considerável para a organização de uma cultura de apoio aos
professores no atual contexto do sistema educativo guineense.
O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa 251

Princípios e filosofia de implementação

O PASEG II rege-se por uma filosofia de intervenção que retoma as


boas práticas e lições da primeira fase do Programa (entre 2000 e 2009),
tendo organizado a sua estrutura de implementação e de apropriação pe-
los parceiros à volta de princípios, tais como a aposta na capacitação e
formação para o desenvolvimento humano e profissional, numa perspeti-
va de valorização dos contextos, do conhecimento local, partindo das es-
colas como unidades de intervenção, de investigação, do reforço do papel
dos agentes educativos, da coresponsabilização e da criação de um capital
de confiança. Além disso, enfatiza processos de cooperação mais inova-
dores com ênfase nos contextos, atores e agendas mais localizadas, que
integram novas temáticas e novas abordagens, que promovem a equidade
no sistema e contribuem para a descentralização e apoio a grupos mais
desfavorecidos e marginalizados em educação.
Face a estes princípios e de acordo com os documentos orientadores
da política educativa da Guiné-Bissau, o Programa foi reorientado, no
que concerne à formação de formadores e de professores, de acordo com
estratégias de apoio sustentado:
– na formação inicial de professores do ensino básico (reorganização
da prática pedagógica, agora enquadrada na criação da Escola Su-
perior de Educação da Guiné-Bissau) e
– no apoio à formação contínua de professores (do ensino básico e
ensino secundário) aproveitando e sistematizando a experiência
muito rica dos GAP (Grupos de Acompanhamento Pedagógico),
potenciando sinergias criadas com a rede de Oficinas em Língua
Portuguesa, os professores dinamizadores e com as direções de es-
cola no âmbito da formação em gestão e administração escolar e
na perspetiva do desenvolvimento integrado da escola.

É, sobretudo, esta experiência de formação sediada na escola en-


quanto processo de apoio científico, didático e pedagógico aos professo-
res, com o seu potencial e os seus desafios de implementação efetiva, sus-
tentabilidade e institucionalização que importa considerar à luz da
literatura sobre desenvolvimento profissional dos professores.

Desenvolvimento profissional dos professores

Entende-se o desenvolvimento profissional numa perspetiva abran-


gente de formação contínua, que proporciona aos professores oportunida-
252 Formação contínua – textos de enquadramento

des de aprender por períodos alargados de tempo de forma cíclica, que


pode ser desenvolvida de forma individual e/ou coletiva, seguindo um
processo contínuo de aprendizagem de competências profissionais, que
conduz a mudanças e inovação na escola, ocorrendo de forma contextua-
lizada de carácter formal e/ou informal (Flores e Simão, 2009; Lopes e
Silva, 2010; Villegas-Reimers, 2003). Assim, entende-se o desenvolvi-
mento profissional como uma “(…) atividade deliberada e com objectivos
explícitos de renovação de ideias e de práticas (…) considerada funda-
mental para a melhoria da qualidade do ensino (…)” (Lopes & Silva,
2010, p.105), logo considera-se essencial “(…) a necessidade de apoiar os
docentes ao longo da sua carreira, enquanto fator importante na melhoria
da qualidade da educação (…)” (Flores & Simão, 2009, p. 119) com o in-
tuito de se melhorar as competências dos alunos. Neste sentido, o desen-
volvimento profissional caracterizar-se-á pelo “(…) desenvolvimento pe-
dagógico; autoconhecimento e auto compreensão; desenvolvimento
cognitivo, teórico, investigativo e de novos papéis docentes (…)” (Lopes
& Silva, 2010, p. 106). A este respeito, por exemplo Timperleyetal. (2007
apud Lopes & Silva, 2010) referem que encontraram 72 estudos que ava-
liam os efeitos do desenvolvimento profissional dos professores nos re-
sultados escolares, tendo verificado que, globalmente, 74% dos alunos
melhorou os seus resultados escolares, sendo os efeitos mais significati-
vos encontrados em alunos com baixo rendimento escolar.
No sentido de melhorar os resultados do desenvolvimento profissio-
nal dos professores, Timperley (2008) no Educational Practices Series –
18 do International Bureau of Educationda UNESCO, refere que estraté-
gias de formação de professores com este propósito devem apresentar as
seguintes características:
a. Envolvimento direto dos professores promovendo a discussão das
conceções que estão a ser promovidas, tendo em conta o seu per-
curso, ideias, crenças e as expectativas sobre os alunos, especial-
mente os mais desfavorecidos;
b. Integração da teoria e da prática devido a estarem relacionadas
com o currículo, a prática pedagógica e a avaliação nas áreas que
são o foco do desenvolvimento profissional;
c. Formação com o apoio das lideranças escolares, com abordagens
contextualizadas e adaptadas, que possibilitam acesso a conheci-
mentos considerados relevantes, organizadas de forma a permitir
aos professores participantes o tempo para processar novas apren-
dizagens em conjunto com os colegas;
d. Formação alargada e continuada no tempo para permitir que haja
mudança de práticas;
O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa 253

e. Ambiente caracterizado pela confiança e pelo desafio, pois a mu-


dança comporta riscos que serão ultrapassados facultando aos pro-
fessores múltiplas oportunidades para aprenderem e praticarem
novos conhecimentos e competências;
f. Envolvimento de peritos externos ao grupo de professores.

Como veremos a seguir, os GAP apresentam algumas destas caraterís-


ticas, salientando-se a participação dos professores tendo em conta a situa-
ção específica de cada escola e os problemas a resolver. É ainda de relevar
o envolvimento de formadores locais, mesmo que recente, na condução e
organização dos GAP, em articulação com os agentes de cooperação, es-
tando em fase de construção uma estratégia de formação de formadores lo-
cais capazes de impulsionar processos de formação contextualizados.

Os “GAP” como estratégia de formação de professores: conceito e


operacionalização

Os GAP nasceram da necessidade de melhorar a qualidade do ensino


ministrado nas escolas onde o PASEG intervinha. Devido à falta de quali-
ficação dos professores, tornou-se uma urgência a implementação de me-
canismos contextualizados de capacitação dos professores, através do apoio
à formação contínua sediada na escola, de acordo com as condições da rede
de instituições públicas que integram este Programa. Esta estratégia teve
início no ano letivo 2006/2007 nas escolas do 3.º Ciclo do Ensino Básico e
do Ensino Secundário, e no ano letivo 2009/2010 nas escolas do 1.º e 2.º
Ciclos do Ensino Básico (ver quadro I). De facto, os GAP constituem uma
estratégia de desenvolvimento profissional dos professores, localizada e de
proximidade, incidindo a formação em questões de natureza pedagógica
(e.g. métodos e técnicas de ensino), científica, construção de materiais para
sala de aula e promoção do trabalho colaborativo.
Pela sua abrangência e pela sua relevância para a qualidade da educa-
ção no contexto das escolas (ou de uma rede de escolas), os GAP consti-
tuem uma estratégia inovadora endógena de desenvolvimento profissional
dos professores, sendo, por isso, um dos principais focos da ação do
PASEG II e da atenção das autoridades da educação do país, devido ao seu
potencial impacto na qualidade do ensino-aprendizagem, assim como do
significativo número de alunos que indiretamente esta estratégia já conse-
gue abranger. Em protocolo assinado em Julho de 2010, o Ministério da
Educação Nacional, Cultura, Ciência, Juventude e Desportos assegura a
redução do horário letivo dos professores em formação nos GAP de 3 e 4
horas semanais para docentes do ensino básico e do ensino secundário res-
254 Formação contínua – textos de enquadramento

Quadro I – Escolas e Alunos indiretamente envolvidos no ano letivo 2010/2011


Nº alunos indi-
Tipo de escola/
Nome das Escolas envolvidas retamente en-
Localidade
volvidos
 Escola do 1.º e 2.º ciclo EB III Congresso;
Escolas do  Escola do 1.º e 2.º ciclo EB Ernesto Che Gueva-
1.º e 2º Ciclo do ra; +/- 5339
EB – Bissau  Escola do 1.º e 2.º ciclo EB Justado Vieira;
 Escola do EBU Godofredo Vermão de Sousa.
 Liceu Dr. Agostinho Neto;
 Liceu Dr. Rui Barcelos da Cunha;
Escolas do 3.º  Liceu Nacional Kwame N’Krumah;
Ciclo do EB e ES  Liceu Samora Moisés Machel; +/- 51066
– Bissau  UE Jorge AmpaCumelerbo (este ano lectivo não
houve intervenção nestas escolas por esta estar
em obras de beneficiação).
Escolas do 3.º Ci-
 Liceu Regional Ho-Chi-Minh (Canchungo);
clo do EB e ES – +/- 12305
Canchungo e Gabú  Liceu Regional Dr. Fona Luís Tchuda (Gabú).

petivamente. Esta diretiva é crucial para que os GAP possam instituciona-


lizar-se e fazer parte, ainda que progressivamente, de estratégias consis-
tentes de apoio aos professores.
De acordo com o enquadramento conceptual referido acima, os GAP
seguem uma formação continuada no tempo, com uma carga horária de
80 a 100 horas durante um ano letivo para o 3.º Ciclo do Ensino Básico e
no Ensino Secundário, e de 64 horas para 1.º e 2.º Ciclo do Ensino Bási-
co, recorrendo a sessões de formação presenciais, sessões tutoria, traba-
lho autónomo, acompanhamento em sala de aula (supervisão pedagógica
seguindo o ciclo supervisivo) sendo os professores participantes (ver
quadro II) avaliados mediante a apresentação de um portefólio que permi-
te ilustrar diferentes aspetos do trabalho realizado, das aprendizagens de-
senvolvidas e crescimento profissional.
No âmbito do PASEG II, pretende-se que os professores acompanha-
dos adquiram, progressivamente (variação positiva das competências leti-
vas), uma maior autonomia no seu trabalho e que melhorem a sua prática, a
sua proficiência em Língua Portuguesa e a sua forma de ensinar. Deste
modo, foi criado, para a próximo biénio letivo, um novo modelo de forma-
ção de GAP com o qual se pretende, para além de fomentar a autonomia e
criatividade dos professores guineenses, colmatar as lacunas científico-
-pedagógicas, assim como as dificuldades linguísticas detetadas. Segundo
O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa 255

este novo modelo, serão abordados diversos conteúdos científicos dos


programas curriculares em vigência na Guiné-Bissau, sob uma perspetiva
pedagógico-didática, de modo a trabalhar as competências que se dese-
jam desenvolver.

Quadro II – Professores participantes e a sua variação


positiva no ano letivo 2010/2011
2.ª med.
Indicadores Verificação corte 2010
(Jul 2011)
(Efeitos e Resultados Intermédios)

– N.º professores que frequenta GAP/CAP com Nº. de Professores


142
pelo menos 75% de assiduidade. Ensino Básico
Progresso dos
– Variação positiva relevante da capacidade letiva
GAP 1.ºCiclo do 10%
dos professores acompanhados.
EB
– N.º de professores que frequenta os GAP/CAP Nº. de Professores
do 3.º ciclo do EB e ES com pelo menos 75% de 3.ºCiclo do EB e 369
assiduidade. ES

– Variação positiva relevante das competências Progresso dos


16%
letivas dos professores acompanhados. GAP-ES

O recente “Balanço das Competências de Docentes em Exercício na


Guiné-Bissau” realizado em 2010 pela UNESCO/BREDA e do Ministério
da Educação Nacional, Ciência, Juventude e Desportos lança várias reco-
mendações mediante a avaliação realizada a nível nacional aos professores
dos Ensino Básico e Secundário, destacando-se as seguintes: necessidade
do reforço das competências académicas, linguísticas e pedagógicas dos
professores; produção de materiais e apoio de proximidade em sala de aula.
Estas recomendações, também suportadas por dados empíricos apontados
pela investigação a nível internacional, vão de encontro ao trabalho que
vem sendo desenvolvido nos GAP, uma vez que se realiza a produção de
materiais e apoio de proximidade em sala de aula, para que se possa ter
uma perceção das práticas e desenvolver um apoio centrando no reforço
das competências académicas, linguísticas e pedagógicas dos professores.
Numa perspetiva mais operacional, a formação no âmbito dos GAP po-
de ter uma duração anual de entre 80 a 100 horas (dependendo dos condicio-
nalismos próprios do funcionamento do sistema educativo guineense). A dis-
tribuição das suas componentes (sessões presenciais; aulas observadas;
acompanhamento individualizado pelo formador; e trabalho autónomo)
256 Formação contínua – textos de enquadramento

realiza-se mediante as especificidades das áreas disciplinares. As sessões


de formação consideram uma duração padrão de 1h30m, realizando-se
duas sessões semanalmente.
Em termos metodológicos, as sessões de formação desenvolver-se-
-ão intercaladas com observações, de modo a permitir e experimentar, em
sala de aula, as estratégias e materiais abordados na formação. As meto-
dologias apelam à participação ativa e ao trabalho colaborativo entre
formandos e formador e conferem visibilidade às produções individuais e
de grupo, de modo a reconhecer o esforço individual e coletivo.
Os passos metodológicos têm em conta a experiência acumulada ao
longo das sessões de formação, assim como as necessidades de um mode-
lo de formação integrado, com particular incidência em:
1. Abordagens de natureza teórico-prática, contemplando a análise,
a reflexão e a discussão dos conceitos subjacentes ao conteúdos
abordados;
2. Realização de exercícios de consolidação e de trabalhos em pe-
quenos grupos;
3. Apresentação, reflexão discussão, em grande grupo, do trabalho
efetuado no passo anterior;
4. Atividades de consulta dos programas em vigor;
5. Construção de materiais e instrumentos de trabalho de apoio aos
programas;
6. Experimentação, em sala de aula, das metodologias e instrumen-
tos elaborados nas sessões de formação;
7. Observação e reflexão crítica conjunta entre formando e forma-
dor;
8. Apresentação, em grande grupo, dos materiais elaborados e dos
resultados obtidos na experimentação dos mesmos;
9. Avaliação conjunta da formação;
10. Trabalho e estudo autónomo;
11. Disponibilização de literatura especializada e a orientação ne-
cessária.

A certificação da formação GAP, sendo um aspeto fundamental para


a motivação, continuidade e criação de condições para a adoção pelo Mi-
nistério da Educação Nacional de modelos de formação contínua (ou de
contributos para a formação em serviço) será conferida aos professores
que frequentem a formação com aproveitamento e com assiduidade supe-
rior a 75%. A avaliação terá em conta aspetos tais como o empenho e in-
teresse demonstrado ao longo da formação e apresentação de um dossier
com planos das aulas observadas e as respetivas reflexões, os materiais
O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa 257

elaborados durante a formação, os testes e respetivas grelhas de correção


e os relatórios semestrais.

Conclusões e lições preliminares

É de realçar que o PASEG II é uma aposta recente, estando o seu


caminho em permanente (re)construção. É importante referir também que
beneficiou de uma experiência muito válida e rica dos seus agentes de
cooperação, que ao longo de vários anos, foram recriando e moldando as
atividades de acordo com o contexto escolar e com as necessidades dos
parceiros. Podemos, neste momento, retirar do PASEG II, enquanto pro-
cesso de formação e de criação de inovações educativas, algumas lições
que, no que diz respeito ao apoio à formação de professores, se prendem
com a capacidade (contínua) de adaptação ao terreno e às mudanças que
estão a ser implementadas no sistema educativo.
Em primeiro lugar, no que diz respeito aos GAP a aceitação da in-
tervenção superou as expectativas, tendo sido conseguida no imediato
uma melhoria significativa da qualidade das aulas dispensadas a milhares
de alunos e uma uniformização dos conteúdos lecionados pelos professo-
res. Não obstante à melhoria verificada continuaram a ser detetadas nos
professores lacunas, quer a nível científico, quer a nível pedagógico. O
facto de o Português não ser a língua materna na Guiné-Bissau aparece
como um constrangimento de largo espectro.
Em segundo lugar, continuar a focar num esforço de sistematização
para que todo o conhecimento adquirido ao longo do processo no que
concerne à formação contínua de docentes e ao estabelecimento de uma
rede de Oficinas em Língua Portuguesa, possa ser consolidado, divulgado
e eventualmente apropriado pelas instituições locais. Os GAP (em con-
junto com os Cursos de Aperfeiçoamento de Português) poderão conver-
ter-se em modelos ideais que consubstanciem e contribuam para colmatar
a ausência de uma cultura de apoio (Villegas-Reimers, 2003) aos profes-
sores nas escolas tão necessária para a qualidade e eficácia do ensino-
-aprendizagem. Surgem como um sistema de incentivo motivacional
(não-financeiro) que o Programa tem tentado explorar a nível micro, ten-
do tido o apoio do Ministério da Educação para a sua institucionalização
e adoção pelas direções das escolas. O trabalho com as OfLP (enquanto
espaços de grande vitalidade social, pedagógica, cultural e lúdica) articu-
la-se agora na necessidade de ser pensada a sua crescente autonomia e
sustentabilidade, em conjugação com a componente de apoio às direções
de escola, com a educação para a cidadania e com a figura recentemente
lançada dos “professores dinamizadores”. Espera-se que alguns destes
258 Formação contínua – textos de enquadramento

espaços possam evoluir, no futuro, para centros de formação contínua, as-


sumindo de facto esta função que é urgente nas escolas da Guiné-Bissau.
Em terceiro lugar, refira-se o esforço de institucionalização e de al-
guma apropriação, já referido acima, que está a ser perseguido através de
uma atenção especial ao envolvimento (ainda que inicial) de formadores
locais (sediados nas escolas ou servindo uma rede de escolas no futuro).
Este perfil, ainda em construção, servirá para situar a formação na escola
e em articulação com outras estruturas (da direção, das Oficinas em Lín-
gua Portuguesa,…) poder ligar a formação e apoio aos professores às ne-
cessidades da escola. Além deste elemento de sustentabilidade represen-
tado pelos formadores locais, a margem de manobra criada pelas
autoridades da educação ao reduzir os horários dos professores para po-
derem atender às formações afigura-se fundamental para a institucionali-
zação.
Finalmente, todo o esforço realizado na institucionalização, consoli-
dação e melhoria dos GAP enquanto uma das estratégias de formação
contínua, assim como o apoio à formação inicial (pelo apoio dado aos
metodólogos, orientadores e à reorganização das práticas pedagógicas no
quadro da implementação da Escola Superior de Educação da Guiné-
-Bissau), tem contribuído para que o PASEG II, apesar dos constrangi-
mentos que também vão surgindo num terreno de grande fragilidade edu-
cativa, se afirme como um exemplo de capacitação, atuando, sempre que
possível, a nível da formação dos recursos humanos, da melhoria das ins-
tituições como um todo e no meio envolvente.

Nota: Os autores gostariam de deixar um agradecimento aos Agentes de


Cooperação do PASEG II envolvidos nos GAP dos anos letivos
2009/2010 e 2010/2011, pela reflexão conjunta, partilha de experiências,
disponibilização de dados e informações.

Referências bibliográficas

Atchoarena, D. & Gasperini, L. (2003). Education for rural development.


Towards new policy responses. FAO/UNESCO: Roma e Paris.
Benavente, A. & Pierre, V. (2010). Balanço de competências de docentes em
exercício na Guiné-Bissau. UNESCO/BREDA, MENCCJD/GB.
Relatório não publicado.
CIDA (2003).Teachers and teacher management in Fragile States in Tip Sheet:
Education in Emergencies, Conflict, Post-conflict and Fragile states.
Davies L. (2009).Capacity development for Education systems in Fragile States.
Working Paper, Univ. of Birmingham e GTZ.
O apoio aos professores em contexto de fragilidade educativa 259

Davies, L. (2004). Education and conflict: complexity and chaos. Londres:


RoutledgeFalmer.
Flores, M. & Simão, A. (2009). Aprendizagem e desenvolvimento profissional de
professores: contextos e perspectivas. Mangualde: Edições Pedago.
INEE (2006). Requisitos Mínimos para a Educação em Situação de Emergência,
Crises Crónicas e Reconstrução. (Ed. Portuguesa) Escola Superior de
Educação – Instituto Politécnico de Viana do Castelo: Viana do Castelo.
Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento & Ministério dos Negócios
Estrangeiros (2006). Uma Visão Estratégica para a Cooperação
Portuguesa. Lisboa.
Lopes, J. & Silva, H. (2010). O professor faz a diferença. Lisboa: Lidel.
Sinclair, M. (2004). Learning to Live Together: Building Skills, Values and
Attitudes for the Twenty-First Century. Genebra: UNESCO/IIEP.
Timperley, H. (2008). Teacher professional learning and development.
EducationalPracticeSeries – 18. Acedido em Fevereiro a 03 de 2011de:
http://www.ibe.unesco.org/fileadmin/user_upload/Publications/Education
al_Practices/EdPractices_18.pdf
UNESCO (2001). Educação para Todos: o compromisso de Dakar – Fórum
mundial de Educação. (2ªEd.) Senegal 26-28 de Abril Brasília.
Villegas-Reimers, E. (2003) Teacher Professional Development: an
international review of the literature. IIEP/UNESCO: Paris.
AS OLIMPÍADAS DE MATEMÁTICA
EM CABO VERDE E A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE
PROFESSORES: GÉNESE, HISTORIAL E COMENTÁRIOS

Natália V. K. Dias Furtado


UNICV – Universidade de Cabo Verde

Resumo

Neste artigo faz-se uma análise da relação entre o aprofundamento


do conhecimento matemático por meio das Olimpíadas de Matemática e
o processo de Formação Contínua de Professores. Nele se demonstra que
o professor contemporâneo deve estar munido não só de novos instru-
mentos metodológicos do tipo “softwares matemáticos” no processo en-
sino-aprendizagem, mas também, ser preparado para treinar os alunos
com vista a resolverem os problemas não-estandardizados de diferentes
níveis de dificuldade. Para o efeito, faz-se uma abordagem histórica da
logística/organização e realização das Olimpíadas de Matemática realiza-
das em Cabo Verde e também nas 1as Olimpíadas Lusófonas. Apresen-
tam-se, ainda, alguns problemas propostos, com respectivas resoluções e
sugestões para os alunos das categorias A, B e C.

Summary

This article presents an analysis of the relationship between the


depth of mathematical knowledge through Olympics and the process of
Mathematics Teacher Training. In it is shown that the modern teacher
must be provided with not only new methodological tools such as
“mathematical software” in the teaching-learning process, but also be
prepared to train students in order to solve the problems of non-
-standardized levels of difficulty. To this end, it is a historical approach to
logistics / organization and realization of Mathematics Olympics held in
Cape Verde and also in the 1st Lusophone Olympics. We present also
some proposed problems with its resolutions and suggestions for students
in categories A, B and C.
262 Formação contínua – textos de enquadramento

1. Génese das olimpíadas de matemática (OM)

As Olimpíadas de Matemática em Cabo Verde, ainda que tenham


uma história relativamente curta, se comparada, por exemplo, com o per-
curso feito pelos países europeus de “tradição matemática competitiva”,
pode dizer-se, porém, que têm uma especificidade própria.
Tudo terá começado a partir da implementação da ideia trazida pelas
Professoras Natália Furtado e Tetyana Gonçalves da Ucrânia em 1995,
onde essa competição, no quadro da ex-URSS, contava já com mais de
seis décadas de existência. A ideia de realização das OM em Cabo Verde
apresentou-se-nos então enquanto uma “arma de combate”, após termos
sido confrontadas, no ano seguinte, com a realidade do país, que apresen-
tava um quadro de reprovação relativamente acentuada e um certo deses-
timulo por parte dos alunos em relação à esta belíssima disciplina.
Foi neste contexto de procura de caminhos e de soluções para o pro-
blema, que a ideia foi discutida, amadurecida e seguidamente apresentada
pela autora à Profª Maria das Dores Morais, que teve a sagacidade de
apreciá-la e perscrutar a sua importância, tendo decidido de imediato
apoiar a sua concretização, ajudando tanto na concepção como na execu-
ção do projeto das OM, que posteriormente viria a ser absorto pelo Cen-
tro de Matemática do já extinto Instituto Superior de Educação (ISE) nos
idos anos de 1999.
Por conseguinte, as 1as Olimpíadas de Matemática foram realizadas
em Cabo Verde no ano lectivo 2000/2001, sob o escopo da declaração do
ano 2000 como o “Ano Internacional da Matemática”, promovido pela
União Internacional dos Matemáticos (UIM)1, do mesmo modo como o
ano de 2005 viria a ser declarado o “Ano Internacional da Física”, em
memória das descobertas de Albert Einstein; 2009 – o “Ano Internacional
da Biologia,” em memória de Darwing; 2010 – o “Ano Internacional da
História” e 2011 – o “Ano Internacional da Química”.
Os principais objectivos das Olimpíadas de Matemática foram e con-
tinuam sendo:
 Incentivar e desenvolver o gosto pela Matemática;
 Aprofundar os conhecimentos adquiridos na sala de aula e aplicá-
-los na resolução de problemas não estandardizados;

1 Foi no Rio de Janeiro (Brasil), que em 6 de Maio de 1992, a União Internacional


dos Matemáticos (UIM) declarou que o ano 2000 seria o ano Mundial da Matemá-
tica. A Declaração do Rio definiu na ocasiäo três objetivos a alcançar, a breve tre-
cho: a) Os grandes desafios do século 21; b) Matemática uma chave para o Desen-
volvimento e c) A imagem da Matemática.
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 263

 Descobrir novos talentos.

E, dentro das suas responsabilidades, (direta ou indiretamente):


 Combater o problema à volta do insucesso nessa disciplina, crian-
do uma dinâmica de intercâmbio e de convívio entre os alunos das
escolas Secundárias do País.

2. Historial das OM

O Centro de Matemática do Departamento de Ciência e Tecnologia


do ex-ISE desde 1999 preparou e realizou, por etapas, as 1as Olimpíadas
de Matemática em Cabo Verde, destinadas aos alunos pré-universitários,
particularmente do Ensino Secundário. O grupo de trabalho (constituído
pelos professores do Centro de Matemática do ex-ISE e por alguns pro-
fessores de matemática de Escolas Secundárias da ilha de Santiago) deci-
diu que as Olimpíadas seriam realizadas para três categorias, a saber: A,
B e C, correspondentes, respectivamente, a 7º – 8º, 9º – 10º e 11º – 12º
anos de escolaridade e que estas realizar-se-iam em duas eliminatórias e
numa Final Nacional.
Para o efeito, foram elaborados documentos que servissem de ins-
trumento e regulamentassem o processo: “Regulamento das Olimpíadas
de Matemática” (versão provisória), “Normas para participação das Esco-
las” e “Boletim de Inscrição”, onde cada escola indicava livremente as
categorias em que se inscrevia e o respectivo responsável ao nível da es-
cola, respeitando o princípio de democraticidade.
No dia 29 de Abril do ano 2000 foi realizada a primeira eliminatória
em todas escolas inscritas. Nela participaram quinhentos e cinquenta e no-
ve alunos (559) de onze escolas secundárias e liceus das cinco ilhas de Ca-
bo Verde, designadamente: Santiago, S. Vicente, Fogo, Sal e S. Nicolau.
Pela Comissão Organizadora foram selecionados os três primeiros
classificados em cada categoria e em cada escola e, também, foram sele-
cionadas as escolas com melhores resultados (melhor pontuação somáti-
ca), onde seria realizada a 2ª eliminatória.
Com efeito, concorreram para a segunda eliminatória quarenta e sete
(47) alunos; o liceu de Santa Catarina (hoje chamado liceu Amílcar Ca-
bral) e a escola secundária José Augusto Pinto foram nomeados para aco-
lherem a organização desse evento.
No dia 15 de Dezembro, foi realizada a 2ª eliminatória das 1as Olim-
píadas de Matemática e vinte e seis (26) alunos de três ilhas, nomeadamente
de: S. Vicente – liceu Ludgero Lima, ECM, escola secundária José Augusto
Pinto; de Santiago – liceu de Santa Catarina, liceu Domingos Ramos, escola
264 Formação contínua – textos de enquadramento

politécnica Cesaltina Ramos e escola secundária Padre Moniz e do Sal – li-


ceu Olavo Moniz, prestaram as provas em Santa Catarina (Assomada).
O dia 26 de Abril de 2001 passa a ser um dia memorável para os tra-
tadistas da matéria em Cabo Verde, na medida em que figura como dia do
início das atividades da fase Final Nacional. Nesse dia teve lugar a aula
preparatória para a Final Nacional.
O dia seguinte (27 de Abril de 2001) era propriamente dito, o dia
“D”, uma vez que foi o dia da realização das provas finais, realizadas em
duas etapas, a saber:
a) de manhã – prova teórica (escrita) e
b) da tarde – prova prática.

Essas duas provas pressupunham/exigiam resolução de problemas e


construção de figuras por meio de jogos: “Tangram Chinês” e “Pentami-
nós”.
No dia 28 de Abril, teve lugar o momento mais expectante e inolvi-
dável para todos. Acontecia o encerramento das 1as Olimpíadas de Mate-
mática em Cabo Verde, em que se atribuía prémios, medalhas, certifica-
dos e prendas de participação aos finalistas.
Os vencedores das 1as Olimpíadas de Matemática foram os seguintes:

CATEGORIA A CATEGORIA B CATEGORIA C

Kathlyn Gissele Silva Nidia Rodrigues Paulo Alexandre Silva


Rodrigues Fermino de Melo Araujo
1.º LUGAR
E. S. Jorge Barbosa E. S. José Augusto Pinto E. P. Cesaltina Ramos
(São Vicente) (São Vicente) (Santiago)
Carlos Avelino Andrade Sónia Dorilde Gomes Pedro Silva Leitão
Ramos Tavares
2.º LUGAR
E. S. José Augusto Pinto Liceu de St.ª Catarina Liceu Ludgero Lima
(São Vicente) (Santiago) (São Vicente)
Stonley Rovy Jorge Daniel Duarte
Gomes dos Santos Medina
3.º LUGAR
E. S. Jorge Barbosa Liceu Olavo Moniz
(São Vicente) (Sal)
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 265

A partir desse momento, muitas escolas secundárias do país abraça-


ram a iniciativa e incluíram as Olimpíadas Matemáticas nos seus planos
de atividades escolares e extracurriculares. Os melhores exemplos disso
são as escolas secundárias e liceus de São Vicente e do Sal.
De mais a mais, nessas ilhas para além de OM internas dentro de ca-
da liceu, foram organizadas e realizadas Olimpíadas regionais pelos res-
pectivos professores de Matemática, por exemplo, em 2010. Desde as
1as Olimpíadas Nacionais de Matemática (2000/2001) que tanto os alunos
como os professores destas regiões não pararam de treinar-se na resolu-
ção de problemas matemáticos não estandardizados, enriquecendo deste
modo o seu conhecimento e sua experiência – o que tem vindo a traduzir-
-se numa relativa vantagem na preparação dos respectivos alunos para as
competições do género, por exemplo, a nível nacional.
Seguidamente, o ano de 2004 foi destacado, sobretudo pela realiza-
ção de dois eventos importantes nesse âmbito, a saber:
 No dia 8 de Julho de 2004 foi lançado o Boletim N1 (Revista) das
Olimpíadas de Matemática;
 Nos dias 16, 17 e 18 de Dezembro de 2004 foi realizada uma Final
Nacional das 2as Olimpíadas de Matemática.

Nessa edição participaram 300 alunos das 6 escolas secundárias e li-


ceus, das três ilhas, a saber: Santiago, São Vicente e Santo Antão. Sendo
que a primeira eliminatória foi realizada no dia 22 de Novembro de 2004
e na sequencia, realizada de imediato a Final Nacional, nos dias 16, 17 e
18 de Dezembro do mesmo ano, por razões que se prendem com limita-
ções organizacionais e financeiras.
266 Formação contínua – textos de enquadramento

Os vencedores das 2as Olimpíadas Matemáticas (OM) foram:

CATEGORIA A CATEGORIA B CATEGORIA C

Joel José Lopes da Luz Madelino Gomes Marco Aleixo Fortes


Esteves da Cruz
1.º LUGAR
E. S. Jorge Barbosa E. S. Januário Leite E. S. José Augusto
Pinto
Valdo Jorge Soares David da Cruz Vera Mariovna
Conceição Monteiro
2.º LUGAR E. S. José Augusto Pinto E. S. José Augusto Pinto
Liceu Domingos
Ramos
Yannick Matos Duarte Renato Vicente Delgado Vera Borges Miranda
Brito
3.º LUGAR
E. S. José Augusto Pinto E. S. Jorge Barbosa Liceu Domingos
Ramos

3. Dicotomia/antinomia “competição matemática” e “OM”

Passados seis anos sobre a data da realização das 1as e das 2as Olim-
píadas Matemáticas (OM), mais concretamente no ano 2010, foi resgata-
da a ideia das Olimpíadas Nacionais de Matemática pelos professores do
ensino secundário, os quais obtiveram para o efeito, uma formação dedi-
cada à resolução de problemas matemáticos no Brasil.
Comparando a chamada “1ª Olimpíada de Matemática” no âmbito
do “Projeto Amílcar Cabral – Programa Linguagem das Letras e dos
Números” com o Projeto “Olimpíadas de Matemática”, aquela visava em
particular, apoiar o ensino da Matemática em Cabo Verde, tendo sido fi-
nanciada pela cooperação brasileira através dos Ministérios da Educação,
Ciência e Tecnologia. Dessa comparação entre esta, enquanto uma
“Competição Matemática” e as verdadeiras “Olimpíadas de Matemática”,
destacam-se duas diferenças, situadas particularmente em dois planos dis-
tintos: no da estratégia e no dos procedimentos (processo). No que se re-
fere aos objetivos, ambas perseguem os mesmos fins: a) Melhorar a qua-
lidade do ensino da Matemática e ciências afins em Cabo Verde; b)
Incentivar e desenvolver o gosto pela Matemática e enfrentar com maior
naturalidade as dificuldades da vida real.
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 267

1) Agora quanto à estratégia:


a) a “Competição Matemática” persegue, digamos, a quantidade e,
por isso, é abrangente, massificante e visa extrair o “bom” que
existe dentro de cada um;
b) as OM perseguem, digamos, a qualidade e, por isso, são volitivas,
seletivas, mais restritivas e promovem a cultura do “ótimo”, do
perfeccionismo: “o bom é inimigo do ótimo”...

2) No que concerne ao processo (procedimentos):


a) por um lado, a inscrição para a participação na indevidamente
chamada de “1ª Olimpíada de Matemática” e à qual se deve corre-
tamente chamar de “Competição Matemática” – foi obrigatória
(para 7º e 10º anos de escolaridade) e visava a descoberta de talen-
tos nos alunos que nunca pensaram sobre as suas capacidades ma-
temáticas;
b) por outro lado, a inscrição para a participação nas OM é facultati-
va e é feita na base dos princípios de autonomia de vontade e de
democraticidade. Isto significa que as OM deixam a possibilidade
de escolha de participar ou não à direção das Escolas, aos profes-
sores e aos potenciais alunos-candidatos, permitindo uma autosse-
leção prévia, de modo a que Nelas participassem apenas e só
aqueles que verdadeiramente pudessem e quisessem resolver
exercícios matemáticos não-estandardizados… (O grupo-alvo do
projeto eram e são os alunos pré-universitários somente do 8º, 10º
e 12º anos de escolaridade).

Por conseguinte, da diferenciação quer dos procedimentos quer das


estratégias dos dois projetos em análise, resulta que o número de partici-
pantes na “Competição Matemática”, realizada no âmbito do projeto
Amílcar Cabral, tenha subido a dez mil cento e quarenta alunos, número
esse considerado relativamente elevado, se comparado, por exemplo, com
os cerca de dois mil alunos – participantes nas “Olimpíadas de Matemáti-
ca de 2010/2011”.
268 Formação contínua – textos de enquadramento

Os vencedores da “Competição Matemática de 2010”, foram:


7.º ano de escolaridade 10.º ano de escolaridade

Ana Paula Nascimento Neryvaldo de Jesus Galvão


1.º LUGAR Pereira
E. S. Abílio Duarte
E. S. Amílcar Cabral
Osmar Sancha Silva Lídia Liliana de Barros
2.º LUGAR
E. S. Jorge Barbosa E. S. Constantino Semedo
Marcos Carvalho Rodrigues Tierry Mauricio Duarte Silva
3.º LUGAR
Liceu Domingos Ramos E. S. Salesiana

 Noutro passo, as “OM 2010/2011” abrangeram todas as 9 ilhas ha-


bitadas de Cabo Verde, tendo nelas participado 39 escolas secun-
dárias e/ou liceus e cerca de 2000 alunos (1.864); por isso, tinham
um carácter, digamos “qualitativo”, na medida em que os princí-
pios de autonomia da vontade e de democraticidade garantiriam, a
priori, senão maior qualidade, pelo menos, maior apetência ou fa-
miliaridade dos candidatos-participantes pela Matemática. E mais:
todo o processo de realização das atividades se desenvolveu me-
diante regras previamente definidas pela Comissão das OM, trans-
postos em documentos chamados “Normas para participação das
escolas”, “Lista de inscrição das escolas” e “Regulamento das
Olimpíadas”, os quais foram rigorosamente aplicados.

Os vencedores das OM 2010/2011 foram:


CATEGORIA A CATEGORIA B CATEGORIA C

Álvaro Rocha Inocêncio Arlene Aláize Gomes Hélio Mota


1.º LUGAR Silveira Silva

E. S. José Augusto Pinto E. S. Salesiana Liceu Olavo Moniz


Anna Paulina Nasci- Janice de Jesus Almeida Maria Inês Tomas
mento Lopes de Sousa Matos
2.º LUGAR
E. S. Abílio Duarte E. S. Carlos Alberto E. S. Abílio Duarte
Gonçalves
Nuno Alexandre Santos Nádia Lopes Kelvin Fortes Rocha
3.º LUGAR
E. S. Suzete Delgado Liceu Olavo Moniz E. S. José Augusto Pinto
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 269

4. Da organização das OM

A Comissão das Olimpíadas de Matemática (CO das OM)


2010/2011 tal com as anteriores CO, foi liderada pelos professores do ex-
tinto ISE e atual Uni-CV, os quais sem deixar de leccionar as disciplinas
de Matemática nessa instituição de ensino superior, deram uma especial
atenção e notável contribuição à implementação de projetos similares
e/ou outras atividades complementares e conexas à leccionação.
Neste contexto, a organização das OM em Cabo Verde tem tido a
seguinte composição:
 1as OM – Natália Furtado (Presidente), Tetyana Gonçalves, Mª das
Dores Morais, todas pertencentes ao ex-ISE.
 2as OM – Natália Furtado (Presidente), Tetyana Gonçalves, Carla
Marques, Astrigilda Silveira, todas pertencentes ao ex-ISE.
 OM 2010-2011 – Natália Furtado (Presidente), Tetyana Gonçalves
(quadros da Uni-CV) e Adérito Afonso, Lídia Spencer, Isabel An-
drade, Nilson Moreira (pertencentes às escolas secundárias/liceus).

5. Alguns problemas da final nacional das olimpíadas de matemática


2010/2011

1. A CAVIBEL S.A.R.L. deseja dividir em duas quantidades iguais o


refrigerante que enche um recipiente de 8 litros. Para o conseguir
tem unicamente à sua disposição, além deste, um recipiente de 5 li-
tros e um outro de 3 litros. Quantas operações são necessárias para
efetuar a divisão sem verter sequer uma gota desse famoso líquido?
270 Formação contínua – textos de enquadramento

2. Na figura em baixo os ângulos , , , e são


rectos. Mostre que a área do triângulo é igual a
.

3. Durante a Primavera a Guida emagreceu 25%, durante o Verão


engordou 20%, no Outono emagreceu 10% e no Inverno aumentou
20%. Por conseguinte, a Guida engordou ou emagreceu durante o
ano?

4. O segmento [AD] mede um terço do comprimento de [AB] e os


pontos E e F dividem o lado [BC] em três partes iguais (ver
Figura em baixo). Sabendo que a área do triângulo [ABC] é 9 cm2,
calcule a área da região sombreada [ADEF]?

D C

5. A equação 0 não tem raízes reais e


0. Indique o sinal de c.

6. Num triângulo o ângulo mede . Uma recta que passa por


vértice e que é perpendicular à bissectriz do ângulo ,
intersecta a recta num ponto , de modo que: .
Determine as grandezas dos ângulos e do triângulo .
(Sugestão: Na semi-recta marque um ponto , de modo que:
).
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 271

7. Calcule a soma

8 2 ∙ 89 3 ∙ 899 4 ∙ 8999 5 ∙ 89999 ⋯ ∙ 8 999 … 9 .


5.1. Sugestões e resoluções

1. São necessárias 7 operações:

2. Consideremos a figura:

A área do triângulo é igual à área do triângulo mais a


área do rectângulo e mais a área do triângulo , ou seja, é
igual a

.
 
 
272 Formação contínua – textos de enquadramento

3. Resulta que a Guida emagreceu.


Pois, se no início da Primavera ela tinha , então durante a
Primavera ela emagreceu 25%, ou seja, perdeu 0,25 , passando o seu
peso a ter os seguintes registos: 0,25 0,75 . A partir desse
registo, por analogia, calcula-se o peso dela nas três restantes estações do
ano, ou seja, durante o Verão, durante Outono e durante o Inverno.
No final do ano, o peso dela foi de: 0,75 ∙ 1,2 ∙ 0,9 ∙ 1,2 ∙
0,972 .
OBS: ver, também, a resolução deste problema nas resoluções e
sugestões dos problemas das 2as Olimpíadas Matemáticas de 2004,
categoria A.

4. A área do quadrilátero é 4 .
Dividimos o quadrilátero indicado em dois triângulos e
, como se vê na figura em baixo:
B

D C

3 , pois têm as bases iguais e altitude


comum.
. Se designar o comprimento do lado por e
altura comum dos triângulos e por , obtém-se: ∙
∙ 3 ⇔ 3 ⇔ ∙ 3 ⇔ ∙ 1 , i.e
1 .
Daí, 3 1 4 .

5. Resposta: 0.
Pois, a função f (x)  ax  bx c não se anula, i.e. o seu gráfico –
2

parábola, situa-se em cima do eixo , ou em baixo de , e não o


As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 273

intersecta. Observa-se que f (1)  a  b  c e, tendo em conta que


a  b  c  0 , conclui-se que a parábola se situa de baixo de . Logo,
f ( x )  0 ,  x  R, em particular, f ( 0 )  c  0 .

6. Em conformidade com o enunciado e com a sugestão obtém-se o


seguinte desenho:

∆ ≅∆ (LAL, - bissectriz de ∠ : ∡
; ∡ ). Além disso,
. Logo, se ∡ , tem-se: ∡ ∡
⇒ ⇔ ⇔ ou ∡ 60°
. Daí, ∡ ou ∡ 120° .

Esse caso acontece quando 0 .

Para caso de seja qualquer, tem-se:

 
 
274 Formação contínua – textos de enquadramento

∆ ≅∆ (LAL - é comum, por construção,


∡ ∡ ). Também, , ; ∡
; ∡ ∡ ∡ . Logo, ⇒
ou

7. Sendo que:
8 9 1
2 ∙ 89 2 9 ∙ 10 1 9 ∙ 2 ∙ 10 2
3 ∙ 899 3 9 ∙ 10 1 9 ∙ 3 ∙ 10 3
………
∙ 8 999 … 9 9 ∙ 10 1 9∙ ∙ 10 ,

Então:
9 1 2 ∙ 10 3 ∙ 10 ⋯ ∙ 10 1 2 3 ⋯
1
9 1 2 ∙ 10 3 ∙ 10 ⋯ ∙ 10 .
2

Seja 1 2 ∙ 10 3 ∙ 10 ⋯ ∙ 10 10 10
1 2 ∙ 10 3 ∙ 10 ⋯ 1 ∙ 10 10 , donde
10 10 2 ∙ 10 3 ∙ 10 ⋯ 1 ∙ 10 ∙ 10 10 .

Daí, 9 1 10 10 ⋯ 10 ∙ 10
ou ∙ 10 .

Portanto, 9 ∙ 10 ∙ 10
9 1 10 1 .
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 275

6. Constatações, comentários e recomendações

O resultado das OM 2010/2011 foi um resultado lógico, mais ou


menos previsível e, por isso, esperado. Pois, quem trabalha dedicadamen-
te, mais cedo ou mais tarde colherá bons frutos. De facto, os resultados
dependem tanto da perspicácia e dedicação do aluno quanto do professor
que deve prepará-lo com regularidade, dedicação e empenho. Por isso,
tais professores devem ser apoiados e estimulados pela DGEBS e pelas
direcções das respectivas escolas secundárias e/ou liceus a prosseguirem
nessa árdua, mas dignificante tarefa.
Por exemplo, uma das formas de estimular o professor podia ser através
da inclusão na sua carga horária de tempo destinado para esse tipo de activi-
dades, chamadas de “preparação de alunos para as OM”. Ainda poder-se-ia
prever, por exemplo, sessões facultativas de matemática, que se realizariam
quinzenalmente, onde os professores poderiam aprofundar os conhecimentos
dos alunos mais capacitados e interessados em saber mais e transpor os limi-
tes do próprio programa de Matemática. Estaríamos aqui a referir-nos aos
alunos mais perspicazes ou mais motivados pela Matemática, que em outras
paragens são chamados de pequenos “génios ou talentos”, os quais requerem
cuidados especializados e seguimento por parte de professores melhor prepa-
rados e motivados. Programas do género existem em quase todos os países
caracterizados por possuir uma “tradição matemática competitiva”.
Para tanto, recomenda-se que se implemente um programa de For-
mação Contínua dirigido à preparação dos professores de Matemática do
ensino secundário, com vista a capacitá-los na resolução de problemas tí-
picos das Olimpíadas de Matemática distribuídos pelos temas seguintes:
 Lógica (problemas, que pressupõem o raciocínio lógico. Por
exemplo, descobrir, numa dada situação, um mentiroso, um crimi-
noso ou o vencedor de uma competição desportiva; indicar a posi-
ção correta de fósforos ou o caminho mais curto de um labirinto;
preencher os quadrados mágicos e encontrar as maneiras de divi-
são por metade dos líquidos apresentados, dispondo de determina-
dos recipientes; problemas de pesagens, etc.);
 Geometria (problemas “preciosos” da geometria euclidiana, que se
baseiam na imaginação, i.e. na ligação das condições do enunciado
com a disposição plana ou espacial dos objetos geométricos: rec-
tas, circunferências, quadriláteros, seus elementos, etc., e aplicação
das definições, de axiomas e teoremas nas demonstrações de pro-
priedades solicitados);
 Números (problemas numéricos, em que se pressupõe algum co-
nhecimento adicional ao que foi programado nos currículos disci-
plinares, por exemplo, as congruências);
276 Formação contínua – textos de enquadramento

 Jogos e estratégias;
 Combinatória e probabilidades;
 Equações funcionais.

Cada um desses temas propostos seja separadamente, em conjunto


ou de qualquer outra combinação poderia ser, considerado tanto nos fa-
cultativos matemáticos para os alunos como nas sessões de formação
contínua de professores quer intensiva (30h durante uma semana, nas fé-
rias) quer alargada (quinzenalmente, durante o ano letivo).

7. Conclusão

A colaboração entre os professores do ensino superior e os professo-


res do ensino secundário concorreu para o enriquecimento da experiência
organizacional e científica de todos e de cada um, não só por ter favore-
cido o intercâmbio de experiências e de conhecimentos, mas também por
ter fortalecido a integração e a coesão do processo ensino/aprendizagem,
ligando a ciência à experiencia e a teoria com a prática. Esta experiência
também possibilitou fornecer elementos de juízo sobre o nivel de dificul-
dades dos alunos, permitiu aquilatar das forças e fraquezas do processo
ensino/aprendizagem e da capacidade dos professores de Matemática do
ensino secundário em cumprir ou não os conteúdos programáticos desta
disciplina.
Desde logo, notámos que por decisão de alguém (coordenadores da
respectiva disciplina no Ministério juntamente com os coordenadores das
disciplinas nas Escolas) se tem sistematicamente programado em reu-
niões pedagógicas, deixar as matérias ou temas supostamente mais difí-
ceis (por exemplo, Geometria Analítica, Combinatória e Probabilidades –
temas do 3º ciclo) para os últimos trimestres do ano lectivo. Isso tem pre-
judicado sobremaneira os alunos que, normalmente, terminam o ciclo
sem poderem estudar aquelas matérias, por supostamente os docentes não
terem tido tempo suficiente para a sua leccionação.
Por isso, assumimos aqui e de modo claro, a nossa total discordância
com tais decisões e métodos de trabalho, advogando que os conteúdos
curriculares devem ser leccionados integralmente, por ordem programáti-
ca e no seu devido tempo, de modo a se poder evitar que os pré-
-universitários terminem o ensino secundário e se habilitem a entrar nas
Universidades, sem conhecerem matérias ou temas importantes e obriga-
tórios do ensino secundário. Pois esta circunstância agrava, e de que ma-
neira a sua adaptação às exigências universitárias. Por tudo isto, se pode
concluir que o balanço é francamente positivo.
As olimpíadas de matemática em Cabo Verde 277

Com efeito, há belíssimos problemas de Matemática cuja solução


não exige demasiados conhecimentos, mas simplesmente e só engenho e
arte. Na história da Matemática encontramos vários exemplos de proble-
mas que se formulam de forma simples, mas para os quais as soluções,
embora utilizando apenas conhecimentos elementares, requerem uma
combinação muito precisa e imaginativa dos argumentos. Estes são os
problemas mais apreciados nas Olimpíadas de Matemática porque esti-
mulam a imaginação e o talento dos participantes. Não são problemas ne-
cessariamente fáceis, embora nem todos sejam difíceis.
Na maioria das vezes é preciso algum esforço, experimentação, con-
centração e muita quantidade de papel. Deve-se tentar resolver cada pro-
blema individualmente, começando por compreender bem o enunciado e
ensaiando casos particulares. Frequentemente, dessa análise surge a ideia
para a solução completa do problema.
Posto isto, foi na sequência de encontros havidos com o Presidente
da Sociedade Portuguesa de Matemática e a sua equipa com os professo-
res de Matemática da Uni-CV, designadamente Profª Tetyane Gonçalves,
Profª Astrigilda Silveira e Profª Natália Furtado (o que aconteceu à mar-
gem da II Bienal de Matemática e Língua Portuguesa da Universidade de
Aveiro, realizada em Outubro de 2009 em Cabo Verde), surgiu a ideia
das Olimpíadas Lusófonas de Matemática.
Neste contexto, em reunião dos dinamizadores das Olimpíadas Na-
cionais dos respectivos países, realizada em Lisboa, no dia 29 de Março
de 2010, decidiu-se institucionalizar as Olimpíadas de Matemática nos
países Lusófonos (ver Carta de Lisboa de 29 de Março de 2010).
Logo, assumiu-se que essas Olimpíadas seriam chamadas “Olimpía-
das Lusófonas de Matemática”, as quais deveriam realizar-se anualmente
ao nível da Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa (CPLP), sendo
que as 1as Olimpíadas Lusófonas de Matemática teriam lugar em Portugal.
Assim, de 20 a 31 de Julho de 2011, a delegação de Cabo Verde par-
ticipou na primeira edição das Olimpíadas de Matemática da Lusofonia,
realizada em Coimbra, evento esse, que reuniu alunos dos países lusófo-
nos, com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos.
A competição dividiu-se em duas categorias, sendo que uma mais
complexa (A) e outra mais simples (B). Da categoria A resultaram três me-
dalhas de ouro, duas atribuídas ao Brasil e uma a Portugal. Na categoria B,
dois estudantes angolanos levaram para casa as medalhas de ouro. Cabo
Verde também conseguiu uma medalha de bronze e uma menção honrosa.
A Uni-CV esteve presente no concurso promovido pela Sociedade
Portuguesa de Matemática, através da Profa Natália Furtado, do Departa-
mento de Ciência e Tecnologia, enquanto chefe da comitiva nacional, que
278 Formação contínua – textos de enquadramento

integrava três alunos – vencedores das Olimpíadas de Matemática


2010/2011 de Cabo Verde. Trata-se de uma colaboração entre a Uni-CV
e a Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário que vem desde o ano
passado, em que um grupo de docentes da Uni-CV, coordenados por
aquela professora, procedeu à coordenação e supervisão científica da rea-
lização das Olimpíadas de Matemática Nacionais.
Nessas Olimpíadas participaram 23 alunos de: Angola, Brasil, Cabo
Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, sendo que Guiné-Bissau e
São Tome e Príncipe participaram como observadores. A segunda edição
deverá lugar em Brasil no 2012.

8. Fontes:

 Relatório das 1as Olimpíadas cabo-verdianas de Matemática, 2001;


 Relatório das 2as Olimpíadas cabo-verdianas de Matemática, 2004;
 Relatório da reunião com o Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemáti-
ca, (SPM) Praia, Outubro de 2009;
 Relatório da reunião dos Dinamizadores das Olimpíadas Nacionais de Mate-
mática, Lisboa, 29 de Março de 2010;
 Carta de Lisboa sobre as Olimpíadas Lusófonas de Matemática, de 29 de Mar-
ço de 2010;
 Relatório das Olimpíadas cabo-verdianas de Matemática de 2010/2011;
 Picado, J. e Oliveira P. E. (2007): “Olimpíadas de Matemática”, SPM, Texto
Editores, Ldª.
Colibri – Artes Gráficas
Apartado 42 001
1601-801 Lisboa
Tel: 21 931 74 99
www.edi-colibri.pt
[email protected]

Você também pode gostar