O Êxodo e A Conquista de Canaã

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A INFLUÊNCIA DO EXÍLIO BABILÔNICO NA ELABORAÇÃO DE

MITOLOGIAS E LENDAS JUDAICAS: uma perspectiva minimalista-revisionista

Iolanda Almeida Matos

Desde o século XX a arqueologia tem demostrado que algumas histórias descritas


na bíblia não condizem com os achados arqueológicos na Palestina, ao contrário,
histórias como a escravidão no Egito, o Êxodo e a Conquista de Canaã são
consideradas pela maior parte dos arqueólogos e historiadores (com exceção da ala
radical dos maximalistas) como narrativas fabricadas que serviram ao propósito do
rei Josias de unificar e centralizar as tribos em torno de Judá. Mais do que isso,
através da Hipótese Documentária percebemos que a bíblia é na realidade uma
colcha de retalhos, com diversos textos tardios, contrapostos e contraditórios, quase
sempre sem nenhuma base histórica. Este pôster tem como objetivo analisar de que
forma e com qual propósito a história dos Patriarcas e a Conquista de Canaã foram
reinscritos pelos judeus exilados na Babilônia do século VI a.C.

Ao estudar a história do Antigo Israel notamos que existe três correntes que
disputam a narrativa historiográfica: maximalistas, que acreditam na sacralidade da
Torá; os minimalistas, que compreendem que a Torá tenha sido escrita após o
século VI a.C., de modo que não deve ser usada como fonte para analisar séculos
anteriores; e, por fim, os minimalistas-revisionistas, defensores do uso da Torá
como fonte para analisar a história do antigo Israel, apesar de sua datação
complicada e problemática. Mário Liverani, professor da Universidade de Roma La
Sapienza, cujos estudos serão a base de nosso trabalho, é o um dos mais destacados
defensores dessa última corrente. A historiografia tradicionalista, vinculada às
instituições religiosas e escolas teológicas, tem perpetuado uma interpretação
ultrapassada sobre a história do antigo Israel, fazendo com que mitos e lendas
sejam vistos como fatos históricos. Em vista da desatualização dos pesquisadores
brasileiros sobre essa temática, livros didáticos se aproximam da vertente
tradicional, no qual, os temas como o dilúvio, a abertura do mar Vermelho, a
história dos patriarcas, entre outros, são apresentados como fatos históricos, sendo
esse o principal motivo pelo qual essa pesquisa se faz importante no cenário
brasileiro.

Quando os babilônios destruíram Jerusalém, exilaram a elite judaica na Babilônia, a


partir daí houve uma necessidade, por parte dos exilados de reafirmar sua
identidade através da reescrita de sua história. É nesse contexto que histórias
elaboradas no século VII e tradições orais mais antigas são reinterpretadas e
reinscritas para dar conta de responder as demandas que surgiam durante e após o
exílio. Quando a elite econômica, política e social de Judá foi exilada na Babilônia,
a população pobre, representada pela maioria camponesa permaneceu na terra e
ocupou os espaços vazios que outrora pertenciam aos exilados. De mãos atadas e
longe de suas terras, os sacerdotes “tolerantes” e os sacerdotes que defendiam a
exclusividade de culto a Yahveh vão criando falsas “cartas de fundação mítica”
sobre os títulos de propriedade da terra, na expectativa de que quando retornarem a
Jerusalém conseguissem comprovar a posse legítima do território. Além disso,
Mario Liverani alerta para o fato de duas histórias, já conhecidas anteriormente
através da tradição oral, terem sido reinterpretadas e reinscritas para servir a dois
propósitos distintos, a primeira, a história dos patriarcas foi usada pelos exilados
que não viam problemas em se misturar, através do casamento, com a população
que havia ficado em Jerusalém, a segunda história, a Conquista de Canaã, foi usada
pela ala mais radical que defendia a exclusividade de culto a Yahweh e o total
distanciamento entre os exilados e os remanescentes.

O Antigo Testamento apresenta a História dos Patriarcas como uma narrativa


contínua, de Abraão, Isaac e Jacó, contudo, os livros bíblicos datados de antes do
exílio não conhecem Abraão, muito menos seu grau de parentesco com os outros
dois personagens, essa situação só se modifica, ou seja, a história de Abraão, Isaac
e Jacó só se interligam nos livros bíblicos que foram escritos durante exílio, o que
nos leva a perguntar o que os redatores pretendiam com isso. Para responder essa
pergunta é necessário lembrarmos do grande debate que havia entre os exilados na
Babilônia de se misturarem ou não com a população que havia ficado em
Jerusalém, e a história dos Patriarcas parece legitimar o lado dos que defendiam a
tolerância, pois os laços de parentesco e outras alianças presentes na narrativa são
feitos através dos casamentos mistos, sobretudo com mulheres da Mesopotâmia, o
que evidentemente poderia ser usado como justificativa da ala tolerante para se
unirem com os grupos que haviam ficado em Judá, uma vez que os próprios
patriarcas haviam se casado com mulheres estrangeiras. Outro traço significativo na
narrativa é a pluralidade de lugares de culto, o que contradiz as ideias do grupo que
defendia a exclusividade de culto a Yahweh através de um único templo em
Jerusalém, inclusive esse era o motivo que proibia os casamentos mistos, pois as
mulheres de outros povos fariam com que seus maridos adorassem outros deuses
em outros templos. Além disso, no contexto dessas histórias tradicionais revisitadas
por escribas, chama atenção o fato da narrativa relatar a relação dos patriarcas com
outras sociedades vizinhas, o interessante é que as relações descritas parecem ter
como pano de fundo as disputas territoriais do século V-IV a.C. e não da Idade do
Bronze, onde teriam vivido os patriarcas. Quanto a narrativa da Conquista de
Canaã, esta parece ter sido utilizada pelos sacerdotes monoteístas, pois é evidente a
aversão aos casamentos mistos, embora escrita no século VII a.C. essa história é
revisitada para legitimar os interesses dos exilados que adoravam exclusivamente
Yahweh. Uma vez que ao serem liberados para retornar a Judá percebem que suas
antigas terras estavam ocupadas não só pelos remanescentes, mas, também por
povos diferentes. É então que a narrativa da Conquista é usada mais uma vez como
história-modelo para justificar a posse da terra através da destruição dos povos que
ali se fixaram, a história bíblica conta que Canaã estava ocupada por diversos povos
diferentes, o que não corresponde a realidade do início da Idade do Ferro (período
em que os redatores diziam ter ocorrido a Conquista), ao contrário, os povos
históricos e reais do período do Ferro não são se quer mencionados, o que
evidencia que pelo menos parte da narrativa foi escrita após o exílio, pois foi
apenas durante esse período que Canaã esteve ocupada por diferentes povos. Além
disso, a imagem do povo em marcha pelo deserto, totalmente diferente da forma
como os beduínos se locomoviam, parece estar atrelado as deportações imperiais.
Outro traço significativo é que a imagem do deserto do Êxodo não corresponde ao
tipo pastoril, mas, sim, ao tipo “zona de refúgio”, como se tivesse sido imaginada
por escribas de origem citadina. Ademais, não podemos nos esquecer de que a
Conquista de Canaã foi feita por Josué, o mesmo nome do homem que liderava os
exilados judeus de volta a Palestina. Inclusive, na narrativa da Conquista é feita
uma diferenciação entre as tribos do sul e as do norte, essa diferenciação não existia
no início da Idade do Ferro. São tantas as incongruências que o livro de Josué não
pode ser lido sem levar em consideração às intenções de um redator que tinha em
mentes os problemas de sua época, sobretudo o da tomada da terra pelos exilados.
Dessa forma, tanto a história dos Patriarcas quanto o da Conquista de Canaã
parecem ter sido reformuladas para atender os interesses dos judeus no século VI e
V a.C.

mais do que isso, agora como nunca os exilados se identificam totalmente com a
história do cativeiro no Egito e o Êxodo, uma vez que eles estavam detidos na
Babilônia tal como seus antepassados estiveram no Egito. O interessante é que na
história da Conquista, Canaã está ocupada por diversos povos diferentes, o que não
corresponde a realidade do início da Idade do Ferro (período em que os redatores
diziam ter ocorrido a Conquista), ao contrário, os povos históricos e reais do
período do Ferro não são mencionados, o que evidencia que pelo menos parte da
narrativa foi escrita após o exílio, pois foi apenas durante esse período que Canaã
esteve ocupada por diferentes povos. Além disso, a imagem do povo em marcha
pelo deserto, totalmente diferente da forma como os beduínos se locomoviam,
parece estar atrelado as deportações imperiais. Outro traço significativo é que a
imagem do deserto do Êxodo não corresponde ao tipo pastoril, mas, sim, ao tipo
“zona de refúgio”, como se tivesse sido imaginada por escribas de origem citadina.
Ademais, não podemos nos esquecer de que a Conquista de Canaã foi feita por
Josué, o mesmo nome do homem que liderava os exilados judeus de volta a
Palestina. Inclusive, na narrativa da Conquista é feita uma diferenciação entre as
tribos do sul e as do norte, essa diferenciação não existia no início da Idade do
Ferro. São tantas as incongruências que o livro de Josué não pode ser lido sem
levar em consideração às intenções de um redator que tinha em mentes os
problemas de sua época, sobretudo o da tomada da terra pelos exilados

Desse modo, utilizando a perspectiva minimalista-revisionista pretendemos


demostrar como o exílio na Babilônia caldeia contribuiu com a invenção de lendas
e mitos descritos no Antigo Testamento.

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