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HISTÓRIA E LITERATURA DA BÍBLIA HEBRAICA NO CONTEXTO PERSA: ALGUNS

APONTAMENTOS NECESSÁRIOS

HISTORY AND LITERATURE OF THE HEBREW BIBLE IN THE PERSIAN CONTEXT:


SOME NECESSARY NOTES

MOURA, Rogério Lima de*


https://orcid.org/0000-0001-6523-4009

RESUMO: Este artigo tem como ABSTRACT: This article aims to point
finalidade apontar alguns aspectos out some important aspects for the
importantes para o estudo da história e da study of the history and literature of
literatura do Antigo Israel. Indicaremos a Ancient Israel. We will indicate the
relevância do Período Persa para o importance of the Persian Period for
desenvolvimento de tradições escritas em the development of written traditions in
Judá e os diferentes grupos que surgiram Judah and the different groups that
entre os deportados que retornaram da emerged among the deportees who
Babilônia para Jerusalém. Por fim, returned from Babylon to Jerusalem.
discutiremos o papel do Templo para a Finally, we will discuss the role of the
legitimação política e religiosa dos Temple for the political and religious
sacerdotes. Nosso objetivo será fornecer legitimation of priests. Our objective
pressupostos que pretendem ampliar e will be to provide assumptions that
auxiliar na discussão da formação de intend to expand and help discuss of
materiais futuros que abarquem os temas the formation of future materials that
histórico-literários da Bíblia Hebraica no cover the historical-literary themes of
Brasil. the Hebrew Bible in Brazil.

KEYWORDS: Hebrew Bible; Ancient


Palavras – chave: Bíblia Hebraica;
Israel; Persian Period.
Antigo Israel; Período Persa.

*Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Membro do Grupo
de Pesquisa Arqueologia do Antigo Oriente Próximo – UMESP e professor de Teologia na
Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES. E-mail: [email protected]

128 Revista Eletrônica Trilhas da História, v. 12, n. 24, ISSN: 2238-1651


Rogério Lima de Moura
HISTÓRIA E LITERATURA DA BÍBLIA HEBRAICA NO CONTEXTO PERSA: ALGUNS
APONTAMENTOS NECESSÁRIOS

INTRODUÇÃO
Os estudos atuais da região levantina, principalmente de Israel e Judá, têm
proporcionado alguns caminhos entre uma metodologia que una os resultados da exegese
bíblica, das análises literárias de seus textos e da arqueologia. Além disso, as mudanças
dos paradigmas que envolveram os estudos bíblicos a partir das últimas décadas foram
cruciais para que novos modelos surgissem, principalmente nas pesquisas sobre a
composição da Torá, o Pentateuco na tradição cristã, e da chamada Obra Historiográfica
Deuteronomista, que abarca os livros de Josué-II Reis.
No caso do Pentateuco, após a derrocada da teoria clássica das fontes de Julius
Wellhausen, segundo a qual a Torá seria o resultado de quatro documentos distintos (J,
E,D e P), atualmente propõe-se que as composições de Gênesis até o livro de
Deuteronômio são uma compilação de tradições distintas, de pequenas unidades que,
entre os séculos VIII e III AEC ou talvez até mesmo no século II AEC, foram reunidas e
receberam acréscimos para compor uma narrativa linear das origens dos Patriarcas até a
conquista da terra de Canaã (ver as diferentes posições em SETERS, 2008, p. 49;
BADEN, 2012, p. 103-128; RENDTORFF, 1990, p. 43-78; 177-206; SKA, 2003, p.141-
178).
A História Deuteronomista1 passou por várias revisões desde os fundamentos da
teoria lançada por Martin Noth. As abordagens se multiplicaram, mas existe certo
consenso de que os textos que narram a conquista de Canaã e perpassam os inícios das
monarquias de Israel e Judá até a derrocada de Israel em 722 AEC, pela ação dos
assírios, e de Judá, pelos babilônios em 586 AEC, teve um processo de escrita de longa
duração, que remonta ao período do rei judaíta Josias (século VII AEC) até os eventos da
volta dos exilados na Babilônia para Jerusalém sob domínio persa no século IV AEC.
Os debates na Europa, Estados Unidos e entre biblistas judeus trouxeram novas
perspectivas a respeito da história e da literatura do Antigo Israel. No Brasil, os resultados
científicos relacionados à historicidade dos textos bíblicos, seu uso como fonte, bem como

1 “Obra Historiográfica Deuteronomista” é um termo usado pelos acadêmicos que estudam a


Bíblia Hebraica para se referir aos livros de Josué-II Reis. Esses textos teriam sido produzidos por
escribas ligados a Jerusalém a partir do reinado de Josias no século VII AEC e suas premissas
ideológicas seriam a defesa de Jerusalém como único lugar de culto, a legitimidade da dinastia
davídica em relação aos reis de Israel Norte, a ideia de que a terra foi dada por YHWH e o fato de
que em Jerusalém estaria o povo escolhido pela divindade judaíta. Sobre esse tema, ver: ROMËR,
2008, p.11-21; LIVERANI, 2008, p. 226-230.

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a utilização de novas abordagens caminham a passos lentos, frequentemente ficam


restritos aos cursos de Pós-Graduação de História Antiga e de Ciências da Religião. Esse
distanciamento implica um desconhecimento da pesquisa científica da Bíblia e, no caso
que aqui estamos analisando, do processo histórico e do conjunto de textos da biblioteca
do Antigo Israel. Portanto, a seguir, trataremos de elementos essenciais para que novas
abordagens possam surgir nas investigações da história e da literatura da Bíblia Hebraica.
Faremos uma escolha de recorte cronológico, traçando alguns aspectos do período de
dominação persa em Judá nos séculos V e IV AEC.

GRUPOS JUDAÍTAS EXILADOS: CONFLITOS DE IDEOLOGIAS

Para uma análise precisa do ponto de vista do ocorrido em Judá no século V AEC,
é necessário mapear quais são os grupos envolvidos nos acontecimentos que comumente
chamamos de exílio. Mesmo que nós saibamos que os textos bíblicos, como documento,
devem ser lidos com suspeita e crítica científica, ainda assim podemos obter informações
importantes para a reconstrução dos eventos.
Segundo o relato de II Reis 24-25, a elite ligada ao templo de Jerusalém, que
poderia incluir pessoas da corte, do exército, e pessoas ligadas ao rei de Judá, foi levada
para o exílio. Os escribas deuteronomistas afirmam que somente os povos da terra foram
deixados (II Reis 24,13-17).
Na Babilônia e em outras localidades para onde esses grupos foram levados, a
Golá2 teve que reconstruir suas vidas de diversas maneiras (Jr 29,4-7). Os textos bíblicos
desse período ou de redação posterior nos informam de várias localidades em que
judaítas residiram na diáspora, como, por exemplo, Tel Abib e Cobar (Ez 3,15), Tel Mela,
Querub, Adon, Emer (Esd 2,59).
Do ponto de vista da arqueologia, sabemos que judaítas estavam presentes no
Egito, em uma colônia militar da cidade de Elefantina. As descobertas de cartas dessa
comunidade abriram um leque de informações além dos livros já mencionados da Bíblia
Hebraica. Em umas dessas trocas de correspondência, é atestada a relação amistosa

2 Termo hebraico que se refere aos deportados na Babilônia.

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entre os judaítas de Elefantina e os que retornaram para Jerusalém, indicando que neste
caso, não havia conflitos entre os dois grupos3.
No entanto, em uma análise indiciária dos textos do período exílico, é possível
perceber que, entre os exilados, principalmente na Babilônia, existiam diferentes
perspectivas, e ideologias distintas. Havia, notadamente, grupos que eram favoráveis aos
persas. Em Is 44,28 e Is 45,1-7 Ciro é aclamado como Messias, ungido de YHWH. Para
entendermos a força dessa expressão, somente os descendentes davídicos eram
considerados ungidos, segundo a ótica de grupos ligados ao templo de Jerusalém (cf. I
Sm 7). Além disso, os persas permitiram que os exilados retornassem para a sua terra e
reconstruíssem o templo (Esd 1,1-4)4. Mesmo sob o poder persa, o que incluía pagmento
de impostos, certos judaítas tiveram posições positivas a respeito da Pérsia.
Pensamentos díspares, conforme já mencionamos, podem ter acarretado conflitos.
Podemos perceber certo desacordo entre o retrato que o Tríto-Isaías 56 faz dos
estrangeiros, e o que encontramos em Ez 44,6-9. No texto isaiânico, o templo de
Jerusalém será um lugar para todos os povos no retorno a Jerusalém, um lugar mais
inclusivo do ponto de vista religioso. Já Ez 44, 6-9, um trecho que pertence a escribas da
linhagem sacerdotal sadoquita, nenhum estrangeiro poderia adentrar no templo. Essas
informações reforçam o que temos dito, a saber, que para pesquisarmos os eventos dos
séculos V e IV AEC, precisamos verificar a existência de ideologias plurais entre os
exilados.
Os conflitos gerados em Jerusalém a partir das análises de textos pós-exílicos
demonstram que no campo religioso, um tipo de sacerdócio buscou legitimidade em
relação a outros. Como já mencionamos, textos do profeta Ezequiel refletem posições
sacerdotais sadoquitas. Esses sacerdotes buscaram legitimar o controle do templo de
Jerusalém a partir de discursos que poderiam reforçar suas ambições. Ez 40-48 apresenta
uma série de pressupostos em que os sadoquitas se colocam como os únicos herdeiros
da tradição sacerdotal desde os tempos imemoriais e míticos de Davi (cf. II Sm 8,15-18; II
Reis 1,8.26-45; 2,35; 4,2-4 onde se menciona o epônimo dos sadoquitas, o sacerdote
Sadoque).

3 Por exemplo, as cartas TAD A4.7 e TAD A 4.9 em: PORTEN, 1986.
4 Sobre a autenticidade do Edito de Ciro, ver a discussão em: PEETZ, 2022, p. 214-216.

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Os textos de Ez 40-48 demonstram que essa busca de afirmação da legitimidade


do sacerdócio poderia ocorrer em um contexto de conflitos com outros pretendentes ao
controle do templo de Jerusalém. Textos como Nm 11,16-255 e Ml 2,1-9 mostram que tais
conflitos não parecem ser meras suspeitas (cf. também Esd 5,5.9; 6,7-8.14).

AS TRADIÇÕES INVENTADAS DOS TEXTOS PATRIARCAIS E DO ÊXODO

Após apontarmos a importância de olharmos o período persa e mapearmos os


grupos existentes na Golá com suas ideologias plurais, passaremos a discutir tradições
inventadas e fundantes de Judá no período persa. Nosso foco serão as narrativas
patriarcais e do êxodo. Mas, para isso, precisamos trazer para a discussão olhares do
campo da história e dos estudos culturais, principalmente da memória cultural.
Eric Hobsbawm trabalha com o conceito de invenção de tradição. Para o
historiador, uma tradição é inventada quando um conjunto de práticas de natureza ritual
ou simbólica são aceitas e inculcadas para gerar normas de comportamento. Sendo
assim, o presente é ligado a um passado para fornecer legitimidade (2017, p. 8).
As narrativas patriarcais e do êxodo pertencem a esses grupos de tradições que
foram inventadas principalmente em um momento de necessidade de buscas identitárias
na Judá pós-exílica. Esses textos foram construídos com finalidades ligadas aos
interesses dos sacerdotes sadoquitas do século IV AEC. Além de serem tradições tardias
que remontam a um passado inventado à luz do presente dos escribas de Jerusalém,
esses textos possuem funções de legitimação, ou seja, trata-se de um projeto que usa
discursos com intenções de dominação, de deslegitimação em que tais textos são
utilizados para apagar a memória ou mesmo promover o esquecimento de grupos rivais e
sua distinção, delineando uma identidade coletiva e acarretando fronteiras entre um “nós
e eles” (ASSMANN, 2011, p. 151-152).
Embora tenhamos na Bíblia Hebraica a sequência patriarcas/êxodo, do ponto de
vista dos estudos literários e da tradição da Bíblia Hebraica sabemos que esses blocos

5Esse trecho do livro de Números é uma retroprojeção de acontecimentos do período pós-exílico


nos tempos míticos de Arão e Moisés. Cada personagem descrita na narrativa representa uma
classe religiosa em Jerusalém do século IV AEC. Para os estudos de grupos sociais no Período Persa
cf. JEON, 2022, p. 73-98.

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em sua origem eram separados com datações e teologias/ideologias distintas (SCHMID,


2019, p.158-161).
Nos enredos contidos nas histórias patriarcais de Abraão, Isaque e Jacó, destaca-
se uma visão mais inclusiva em que os ancestrais míticos de Israel e Judá convivem
pacificamente com vários grupos e etnias. Ao contrário, nos relatos do livro do Êxodo, o
Egito é visto em oposição aos hebreus. Além disso, prevalecem no conteúdo do livro
ações guerreiras da divindade que luta contra o rei do Egito para libertar seu povo.
Em matéria de culto religioso, os patriarcas são mais abertos a outros deuses,
relacionando-se com eles e fundando santuários (Gn 17,1-2; 35,1-15). Em Êxodo, a
adoração a outras divindades é condenada e o nome sagrado YHWH é dado a Moisés
para que os hebreus possam adorar a esse deus (Ex 6,2-3).
Por fim, nos relatos patriarcais a origem de Israel é dada sob a ótica da genealogia,
ou seja, a origem dos israelitas se dá a partir de ancestrais como Abraão, Isaque e Jacó.
Já no livro do Êxodo a construção da origem do povo é explicada a partir da ideia de que
os hebreus/Israel surgiu fora de Canaã. Assim, percebemos que essas duas tradições
separadas foram reunidas em sequência no Período Persa, tempo de redação da Torá.
Não temos nenhuma informação histórica a respeito de Abraão, Isaque e Jacó.
Provavelmente as tradições de Jacó surgiram no século VIII AEC em Israel Norte, ligadas
ao santuário de Betel (FINKELSTEIN, 2015, p. 171-176). Já as tradições de Abraão estão
relacionadas a lendas do sul, Judá, em Mamre. A fusão com as tradições de Isaque e a
relação de parentesco em que Abraão tem a primazia (Abraão, Isaque e Jacó) são
construções tardias do período persa (FINKELSTEIN; RÖMER, 2022, p.89-93).
O êxodo permanece uma questão difícil de resolver do ponto de vista histórico. Não
há nenhuma comprovação arqueológica ou menção de algum documento que mostre
resquícios da presença de israelitas no Egito e de sua libertação conforme é relatado no
livro homônimo. O que podemos afirmar é a existência de vestígios que aparecem nos
textos bíblicos ligados a Israel Norte que mostram que possivelmente essa tradição tenha
surgido na região, talvez no século VIII AEC antes da destruição de Israel Norte pelos
assírios em 722 AEC. (Os 2,14-15; 9,10; 11,1.5; 12,9.13; 13,4-5; Am 2,10; 3,1; 9,7). Essa
tradição foi aceita em Judá após a destruição de Israel Norte e ressignificada no período
persa (Is 52,11-12; 55,12-13). A saída da Babilônia e a volta para Jerusalém foi entendida
como um novo êxodo a partir do século V AEC.

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O PAPEL DO TEMPLO DE JERUSALÉM NO PERÍODO DE DOMINAÇÃO PERSA

Além das divisões entre grupos com ideologias distintas que mencionamos acima,
podemos discutir sucintamente o papel do templo de Jerusalém na construção identitária
daqueles que retornaram da Babilônia. Devemos lembrar que no século IV AEC Jerusalém
é uma satrapia persa, ou seja, administrada por um governador local responsável por
enviar tributos para o rei persa. Portanto, havia interesses locais de classes sociais para
ter influências em Jerusalém, mesmo que tivesse que se submeter ao poder persa.
Os pesquisadores Oded Lipschits e David Vanderhooft (2011) em um trabalho no
sítio onde foram encontrados selos de Ramat Rahel afirmaram que a cidade de Jerusalém
e seu templo nesse período pós-exílico não poderia ter sido um centro econômico e
administrativo como se supunha. Para os autores, baseados nos números de selos
“Yehud” encontrados no sítio, foi Ramat Rahel e não Jerusalém o principal centro
administrativo entre os séculos VI e III AEC.
Peter Bedford (2015, p. 341) concorda com Lipschits e Vanderhooft e complementa
que somente no fim do Período Persa, quando o Sumo Sacerdote de Jerusalém obtém
uma maior zona de influência política na região, é que é possível afirmar que o Templo de
Jerusalém possuiu algum tipo de função administrativa.
J. P. Weinberg (1992, p. 127-138; ver também GALVANO; GIUNTOLI, 2020, p.172-
174) formulou uma teoria que propõe que a comunidade de judaítas que residiam em
Jerusalém no século IV AEC “gravitavam em torno do templo”, ou seja, os habitantes de
Jerusalém, as classes existentes na região enxergavam no templo o centro ao redor do
qual tudo gravitava, seja a vida civil, política, econômica, cultural e social. Weinberg
realizou pesquisas comparativas com outros povos controlados pelos persas para propor
a sua hipótese. Assim, o templo seria também o motivo de fortes tensões e conflitos
mencionados em nosso texto por conta dessa influência em Jerusalém.
A teoria de Weinberg corrobora nossos dados a respeito dos conflitos que
ocorreram na região no Período Persa e dos motivos para que certas tradições escritas
fossem moldadas de acordo com ideologias sacerdotais para a construção legitimadora e
distinção de grupos oponentes.

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Textos como Ag 1 e Zc 1-8 apresentam um posicionamento pró-sadoquita e pró-


templo e vão ao encontro daqueles que controlavam politicamente Jerusalém. São livros
de legitimação do poder sacerdotal nas mãos de uma classe representada nesses relatos
na figura do Sumo Sacerdote Josué. Portanto, no século IV AEC, o templo representa um
lugar de formação identitária, mas, ao mesmo tempo, de disputas pelo controle religioso
e político-econômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM CONVITE PARA NOVAS REFLEXÕES NOS ESTUDOS


HISTÓRICOS E LITERÁRIOS DA BÍBLIA

Nossa proposta almejou demonstrar a partir de um recorte temporal que abrangeu


os séculos V e IV AEC alguns métodos de análise dos eventos de Israel e de Judá em
diálogo com a pesquisa histórica e da literatura bíblica. Conforme mencionamos, o intuito
foi realizar uma exegese que levasse em conta ferramentas advindas de diversas áreas e
com olhares plurais.
A Bíblia Hebraica pode ser útil para os historiadores e cientistas da religião desde
que seja lida como documento que necessita de averiguação crítica. Para isso,
precisamos entender seu mundo, o processo histórico e cultural que gerou os textos que
lemos na atualidade.
As narrativas não são histórias no sentido moderno. Elas refletem o tempo do
narrador e retroagem a um passado mítico, idealizado, construído à imagem e
semelhança dos redatores e autores que escreveram os diversos livros da Bíblia Hebraica.
Até o conceito “livro” deve ser problematizado, pois como vimos, as histórias que
pertencem à Bíblia Hebraica foram transmitidas separadamente e reunidas mais tarde em
uma história contínua e linear.
Utilizamos como exemplo os relatos sobre os patriarcas e a narrativa do êxodo, no
qual mostramos que essas duas tradições eram separadas e foram formadas em um
processo de longa duração até serem redacionalmente aglutinadas. Verificamos que os
blocos que contêm as histórias de Abraão, Isaque e Jacó possuem ideologias diferentes
quando comparadas com o relato do livro do Êxodo.
Mapeamos também alguns grupos a partir dos indícios que os textos bíblicos nos
fornecem. As diferenças de perspectivas religiosas, inclusivas, exclusivistas, pró-

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estrangeiros, contra a entrada de estrangeiros no templo mostrou que não podemos, do


ponto de vista científico, ler a Bíblia Hebraica sem perguntar sobre o contexto, a datação
e a qual grupo pertence um determinado discurso inserido nos textos. Para uma boa
interpretação histórico-literária da Bíblia Hebraica é fundamental seguirmos esses passos.
A arqueologia pode nos fornecer novos enfoques na busca pela reconstituição dos
eventos dos antigos Israel e Judá. Não só a arqueologia levantina, a cultura material
encontrada na região, mas também os artefatos assírios, babilônios e persas podem
ajudar o pesquisador complementando as investigações sobre o passado de Israel e Judá.
Por fim, salientamos a importância dos estudos da Bíblia em meios acadêmicos.
Há algum tempo, a Bíblia era utilizada apenas por teólogos e estava restrita às reflexões
da teologia. Com os surgimentos dos cursos de Ciências da Religião no Brasil, esse
quadro começou a mudar. Surgiram disciplinas que visavam estudar a Bíblia fora dos
eixos da teologia, dando importância para o contexto cultural de criação dessa biblioteca
de Israel e Judá. Nos departamentos de História Antiga o interesse pelos estudos bíblicos
tem mudado e há um entendimento da importância desses textos para compreender o
Oriente e o Ocidente.
Conforme observamos no início do artigo, a pesquisa científica da Bíblia ainda
caminha a passos lentos. Com a abordagem que trouxemos, esperamos que esse quadro
mude.

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Aprovado em 11/05/2023
Recebido em 06/07/202

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