18672-Texto Do Artigo-74863-2-10-20230817
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APONTAMENTOS NECESSÁRIOS
RESUMO: Este artigo tem como ABSTRACT: This article aims to point
finalidade apontar alguns aspectos out some important aspects for the
importantes para o estudo da história e da study of the history and literature of
literatura do Antigo Israel. Indicaremos a Ancient Israel. We will indicate the
relevância do Período Persa para o importance of the Persian Period for
desenvolvimento de tradições escritas em the development of written traditions in
Judá e os diferentes grupos que surgiram Judah and the different groups that
entre os deportados que retornaram da emerged among the deportees who
Babilônia para Jerusalém. Por fim, returned from Babylon to Jerusalem.
discutiremos o papel do Templo para a Finally, we will discuss the role of the
legitimação política e religiosa dos Temple for the political and religious
sacerdotes. Nosso objetivo será fornecer legitimation of priests. Our objective
pressupostos que pretendem ampliar e will be to provide assumptions that
auxiliar na discussão da formação de intend to expand and help discuss of
materiais futuros que abarquem os temas the formation of future materials that
histórico-literários da Bíblia Hebraica no cover the historical-literary themes of
Brasil. the Hebrew Bible in Brazil.
*Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Membro do Grupo
de Pesquisa Arqueologia do Antigo Oriente Próximo – UMESP e professor de Teologia na
Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Os estudos atuais da região levantina, principalmente de Israel e Judá, têm
proporcionado alguns caminhos entre uma metodologia que una os resultados da exegese
bíblica, das análises literárias de seus textos e da arqueologia. Além disso, as mudanças
dos paradigmas que envolveram os estudos bíblicos a partir das últimas décadas foram
cruciais para que novos modelos surgissem, principalmente nas pesquisas sobre a
composição da Torá, o Pentateuco na tradição cristã, e da chamada Obra Historiográfica
Deuteronomista, que abarca os livros de Josué-II Reis.
No caso do Pentateuco, após a derrocada da teoria clássica das fontes de Julius
Wellhausen, segundo a qual a Torá seria o resultado de quatro documentos distintos (J,
E,D e P), atualmente propõe-se que as composições de Gênesis até o livro de
Deuteronômio são uma compilação de tradições distintas, de pequenas unidades que,
entre os séculos VIII e III AEC ou talvez até mesmo no século II AEC, foram reunidas e
receberam acréscimos para compor uma narrativa linear das origens dos Patriarcas até a
conquista da terra de Canaã (ver as diferentes posições em SETERS, 2008, p. 49;
BADEN, 2012, p. 103-128; RENDTORFF, 1990, p. 43-78; 177-206; SKA, 2003, p.141-
178).
A História Deuteronomista1 passou por várias revisões desde os fundamentos da
teoria lançada por Martin Noth. As abordagens se multiplicaram, mas existe certo
consenso de que os textos que narram a conquista de Canaã e perpassam os inícios das
monarquias de Israel e Judá até a derrocada de Israel em 722 AEC, pela ação dos
assírios, e de Judá, pelos babilônios em 586 AEC, teve um processo de escrita de longa
duração, que remonta ao período do rei judaíta Josias (século VII AEC) até os eventos da
volta dos exilados na Babilônia para Jerusalém sob domínio persa no século IV AEC.
Os debates na Europa, Estados Unidos e entre biblistas judeus trouxeram novas
perspectivas a respeito da história e da literatura do Antigo Israel. No Brasil, os resultados
científicos relacionados à historicidade dos textos bíblicos, seu uso como fonte, bem como
Para uma análise precisa do ponto de vista do ocorrido em Judá no século V AEC,
é necessário mapear quais são os grupos envolvidos nos acontecimentos que comumente
chamamos de exílio. Mesmo que nós saibamos que os textos bíblicos, como documento,
devem ser lidos com suspeita e crítica científica, ainda assim podemos obter informações
importantes para a reconstrução dos eventos.
Segundo o relato de II Reis 24-25, a elite ligada ao templo de Jerusalém, que
poderia incluir pessoas da corte, do exército, e pessoas ligadas ao rei de Judá, foi levada
para o exílio. Os escribas deuteronomistas afirmam que somente os povos da terra foram
deixados (II Reis 24,13-17).
Na Babilônia e em outras localidades para onde esses grupos foram levados, a
Golá2 teve que reconstruir suas vidas de diversas maneiras (Jr 29,4-7). Os textos bíblicos
desse período ou de redação posterior nos informam de várias localidades em que
judaítas residiram na diáspora, como, por exemplo, Tel Abib e Cobar (Ez 3,15), Tel Mela,
Querub, Adon, Emer (Esd 2,59).
Do ponto de vista da arqueologia, sabemos que judaítas estavam presentes no
Egito, em uma colônia militar da cidade de Elefantina. As descobertas de cartas dessa
comunidade abriram um leque de informações além dos livros já mencionados da Bíblia
Hebraica. Em umas dessas trocas de correspondência, é atestada a relação amistosa
entre os judaítas de Elefantina e os que retornaram para Jerusalém, indicando que neste
caso, não havia conflitos entre os dois grupos3.
No entanto, em uma análise indiciária dos textos do período exílico, é possível
perceber que, entre os exilados, principalmente na Babilônia, existiam diferentes
perspectivas, e ideologias distintas. Havia, notadamente, grupos que eram favoráveis aos
persas. Em Is 44,28 e Is 45,1-7 Ciro é aclamado como Messias, ungido de YHWH. Para
entendermos a força dessa expressão, somente os descendentes davídicos eram
considerados ungidos, segundo a ótica de grupos ligados ao templo de Jerusalém (cf. I
Sm 7). Além disso, os persas permitiram que os exilados retornassem para a sua terra e
reconstruíssem o templo (Esd 1,1-4)4. Mesmo sob o poder persa, o que incluía pagmento
de impostos, certos judaítas tiveram posições positivas a respeito da Pérsia.
Pensamentos díspares, conforme já mencionamos, podem ter acarretado conflitos.
Podemos perceber certo desacordo entre o retrato que o Tríto-Isaías 56 faz dos
estrangeiros, e o que encontramos em Ez 44,6-9. No texto isaiânico, o templo de
Jerusalém será um lugar para todos os povos no retorno a Jerusalém, um lugar mais
inclusivo do ponto de vista religioso. Já Ez 44, 6-9, um trecho que pertence a escribas da
linhagem sacerdotal sadoquita, nenhum estrangeiro poderia adentrar no templo. Essas
informações reforçam o que temos dito, a saber, que para pesquisarmos os eventos dos
séculos V e IV AEC, precisamos verificar a existência de ideologias plurais entre os
exilados.
Os conflitos gerados em Jerusalém a partir das análises de textos pós-exílicos
demonstram que no campo religioso, um tipo de sacerdócio buscou legitimidade em
relação a outros. Como já mencionamos, textos do profeta Ezequiel refletem posições
sacerdotais sadoquitas. Esses sacerdotes buscaram legitimar o controle do templo de
Jerusalém a partir de discursos que poderiam reforçar suas ambições. Ez 40-48 apresenta
uma série de pressupostos em que os sadoquitas se colocam como os únicos herdeiros
da tradição sacerdotal desde os tempos imemoriais e míticos de Davi (cf. II Sm 8,15-18; II
Reis 1,8.26-45; 2,35; 4,2-4 onde se menciona o epônimo dos sadoquitas, o sacerdote
Sadoque).
3 Por exemplo, as cartas TAD A4.7 e TAD A 4.9 em: PORTEN, 1986.
4 Sobre a autenticidade do Edito de Ciro, ver a discussão em: PEETZ, 2022, p. 214-216.
Além das divisões entre grupos com ideologias distintas que mencionamos acima,
podemos discutir sucintamente o papel do templo de Jerusalém na construção identitária
daqueles que retornaram da Babilônia. Devemos lembrar que no século IV AEC Jerusalém
é uma satrapia persa, ou seja, administrada por um governador local responsável por
enviar tributos para o rei persa. Portanto, havia interesses locais de classes sociais para
ter influências em Jerusalém, mesmo que tivesse que se submeter ao poder persa.
Os pesquisadores Oded Lipschits e David Vanderhooft (2011) em um trabalho no
sítio onde foram encontrados selos de Ramat Rahel afirmaram que a cidade de Jerusalém
e seu templo nesse período pós-exílico não poderia ter sido um centro econômico e
administrativo como se supunha. Para os autores, baseados nos números de selos
“Yehud” encontrados no sítio, foi Ramat Rahel e não Jerusalém o principal centro
administrativo entre os séculos VI e III AEC.
Peter Bedford (2015, p. 341) concorda com Lipschits e Vanderhooft e complementa
que somente no fim do Período Persa, quando o Sumo Sacerdote de Jerusalém obtém
uma maior zona de influência política na região, é que é possível afirmar que o Templo de
Jerusalém possuiu algum tipo de função administrativa.
J. P. Weinberg (1992, p. 127-138; ver também GALVANO; GIUNTOLI, 2020, p.172-
174) formulou uma teoria que propõe que a comunidade de judaítas que residiam em
Jerusalém no século IV AEC “gravitavam em torno do templo”, ou seja, os habitantes de
Jerusalém, as classes existentes na região enxergavam no templo o centro ao redor do
qual tudo gravitava, seja a vida civil, política, econômica, cultural e social. Weinberg
realizou pesquisas comparativas com outros povos controlados pelos persas para propor
a sua hipótese. Assim, o templo seria também o motivo de fortes tensões e conflitos
mencionados em nosso texto por conta dessa influência em Jerusalém.
A teoria de Weinberg corrobora nossos dados a respeito dos conflitos que
ocorreram na região no Período Persa e dos motivos para que certas tradições escritas
fossem moldadas de acordo com ideologias sacerdotais para a construção legitimadora e
distinção de grupos oponentes.
REFERÊNCIAS
BEDFORD, Peter R. Temple funding and priestly authority in Achaemenid Judah in:
STÖKL, Jonathan; WAERZEGGERS, Caroline. Exile and Return: the babilonian context.
Berlin/Boston: De Gruyter, 2015.
FINKELSTEIN Israel. O reino esquecido: arqueologia e história de Israel Norte. São Paulo:
Paulus, 2015.
JEON, Jaeyoung. The social groups behind the Pentateuch. Nova York: SBL Press, 2021.
LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Paulus, 2008.
PEETZ, Melanie. O Israel bíblico: história, arqueologia, geografia. São Paulo: Paulinas,
2022.
SETERS, John Van. Historiografia no mundo antigo e as origens da história bíblica. São
Paulo: Edusp, 2008.
SKA, Jean Louis. Introdução à leitura do Pentateuco: chaves para a interpretação dos
cinco livros da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2003.
FONTES
ELLIGER, Karl; RUDOLPH, Wilhelm (Eds.). Biblia Hebraica Stuttgartensia (5ª edição).
Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.
PORTEN, Bezalel; YARDENI, Ada (ed.). Textbook of aramaic documents from Ancient
Egypt (V. 1 Letters). Jerusalém: Einsenbraus, 1986.
Aprovado em 11/05/2023
Recebido em 06/07/202