Jorge Luis Borges - Os Conjurados
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Tradução
Pepe Escobar
EDITORA TRÊS
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ÍNDICE
Inscrição
Prólogo
Cristo na cruz
Doomsday
César
Tríade
A trama
Relíquias
São os rios
A jovem noite
A tarde
Elegia
Abramowicz
Fragmentos de uma tabuleta de barro decifrada por Edmund Bishop em
1867
Elegia de um parque
A suma
Quem sonha
Alguém sonhará
Sherlock Holmes
Um lobo
Midgarthormr
Nuvens I
Nuvens II
On his blindness
O fio da fábula
Posse do passado
Enrique Banchs
Sonho sonhado em Edimburgo
As folhas do cipreste
Cinza
Haydee Lange
Outro fragmento apócrifo
A longa busca
Da diversa Andaluzia
Gôngora
Todos os passados, um sonho
Pedras e Chile
Milonga do infiel
Milonga do morto
1982
Juan López e John Ward
Os conjurados
Inscrição
J.L.B.
Prólogo
J.L.B
9 de Janeiro de 1985
Cristo na cruz
Kyoto, 1984
Doomsday
César
Tríade
A trama
Relíquias
1
Em português: “Ele encontrou o Pesadelo e disse seu nome”. Em inglês, “nightmare”, pesadelo, significa
“égua da noite” (the night mare). A frase também pode ser lida assim. “Ele encontrou a Égua da Noite e a
nomeou”.
São os rios
A jovem noite
A tarde
Elegia
Abramowicz
Essa noite, não longe do cume da colina de Saint Pierre, uma valorosa
e venturosa música grega nos acaba de revelar que a morte e mais
inverossímil que a vida e que, por conseguinte, a alma perdura quando seu
corpo é caos. Isto quer dizer que Maria Kodama, Isabelle Monet e eu somos
três, como ilusoriamente acreditávamos. Somos quatro, já que também está
conosco, Maurice. Com vinho tinto brindamos à sua saúde. Não fazia falta
a tua voz, não fazia falta o roçar de tua mão nem tua memória. Estavas aí,
silencioso e sem dúvida sorridente, ao perceber que nos assombrava e
maravilhava esse fato notório que ninguém pode morrer. Estavas aí, ao
nosso lado, e contigo as multidões dos que dormem com seus pais,
segundo se lê nas páginas da Bíblia. Contigo estavam as multidões das
sombras que beberam na tumba ante Ulisses e também Ulisses e também
todos os que foram ou imaginaram os que foram. Todos estavam aí, e
também meus pais e também Heráclito e Yorick. Como pode morrer uma
mulher ou um homem ou uma criança, que foram tantas primaveras e
tantas folhas, tantos livros e tantos pássaros e tantas manhãs e noites.
Esta noite posso chorar como um homem, posso sentir que pelas
maçãs do rosto as lágrimas resvalam, porque sei que na terra não há uma
só coisa que seja mortal e que não projete sua sombra. Esta noite me
disseste sem palavras, Abramowicz, que devemos entrar na morte como
quem entra em uma festa.
... É a hora sem sombra. Melkart o Deus rege desde o cume do meio-
dia o mar de Cartago. Aníbal é a espada de Melkart.
As três fânegas de anéis de ouro dos romanos que perecerain na
Apulia, seis vezes mil, chegaram ao porto.
Quando o outono esteja nos racimos terei ditado o verso final.
Louvado seja Baal, Deus dos muitos céus, louvada seja Tanith, a cara
de Baal, que deram a vitória a Cartago e que me fizeram herdar a vasta
língua púnica, que será a língua da orbe, e cujos caracteres são
talismânicos.
Não morri na batalha como meus filhos, que foram capitães na
batalha e que não enterrarei, mas ao longo das noites lavrei o cantar das
duas guerras e da exultação.
Nosso é o mar. Que sabem os romanos do mar?
Tremem os mármores de Roma; ouviram o rumor dos elefantes de
guerra.
Ao fim de violados convênios e de mentirosas palavras,
condescendemos com a espada.
Tua é a espada agora, romano; a tens cravada no peito.
Cantei a púrpura de Tiro, que é nossa mãe. Cantei os trabalhos dos
que descobriram o alfabeto e sulcaram os mares. Cantei a pira da clara
rainha. Cantei os remos e os mastros e as árduas tormentas...
Berna, 1984
Elegia de um parque
Quem sonha
Que terá sonhado o Tempo até agora, que é, como todos os agoras, o
ápice? Sonhou a espada, cujo melhor lugar é o verso. Sonhou e lavrou a
sentença, que pode simular a sabedoria. Sonhou a fé, sonhou as atrozes
Cruzadas. Sonhou os gregos que descobriram o diálogo e a dúvida. Sonhou
a aniquilação de Cartago pelo fogo e o sal. Sonhou a palavra, esse torpe e
rígido símbolo. Sonhou o êxtase que tivemos ou que agora sonhamos ter
tido. Sonhou a primeira manhã de Ur. Sonhou o misterioso amor da
bússola. Sonhou a proa do norueguês e a proa do português. Sonhou a
ética e as metáforas do mais estranho dos homens, o que morreu uma tarde
em uma cruz. Sonhou o sabor da cicuta na língua de Sócrates. Sonhou esses
dois curiosos irmãos, o eco e o espelho. Sonhou o livro, esse espelho que
sempre nos revela outra face. Sonhou o espelho em que Francisco López
Merino e sua imagem viram-se pela última vez. Sonhou o espaço. Sonhou a
música, que pode prescindir do espaço. Sonhou a arte da palavra, ainda
mais inexplicável que a da música, porque inclui a música. Sonhou uma
quarta dimensão e a fauna singular que a habita. Sonhou o número da
areia. Sonhou os números transfinitos, aos quais não se chega contando.
Sonhou o primeiro que no trovão ouviu o nome de Thor. Sonhou as
opostas caras de Jano, que nunca serão vistas. Sonhou a lua e os dois
homens que caminharam pela lua. Sonhou o poço e o pêndulo. Sonhou
Walt Whitman, que decidiu ser todos os homens, como a divindade de
Spinoza. Sonhou o jasmim, que não pode saber que o sonham. Sonhou as
gerações das formigas e as gerações dos reis. Sonhou a vasta rede que
tecem todas as aranhas do mundo. Sonhou o arado e o martelo, o câncer e a
rosa, as campanadas da insônia e o xadrez. Sonhou a enumeração que os
tratadistas chamam caótica e que, de fato, é cósmica, porque todas as coisas
estão unidas por vínculos secretos. Sonhou minha avó Frances Haslam na
guarnição de Junín, a um palmo das lanças do deserto, lendo sua Bíblia e
seu Dickens. Sonhou que nas batalhas os tártaros cantavam. Sonhou a mão
de Hokusai, traçando uma linha que logo será uma onda. Sonhou Yorick,
que vive para sempre em umas palavras do ilusório Hamlet. Sonhou os
arquétipos. Sonhou que ao longo dos verões, ou em um céu anterior aos
verões, há uma só rosa. Sonhou os rostos de teus mortos, que agora são
embaçadas fotografias. Sonhou a primeira manhã de Uxmal. Sonhou o ato
da sombra. Sonhou as cem portas de Tebas. Sonhou os passos do labirinto.
Sonhou o nome secreto de Roma, que era sua verdadeira muralha. Sonhou
a vida dos espelhos. Sonhou os signos que traçará o escriba sentado.
Sonhou uma esfera de marfim que guarda outras esferas. Sonhou o
caleidoscópio, grato aos ócios do enfermo e do menino. Sonhou o deserto.
Sonhou o amanhecer que espreita. Sonhou o Ganges e o Tâmisa, que são
nomes da água. Sonhou mapas que Ulisses não teria compreendido.
Sonhou Alexandre da Macedônia. Sonhou o muro do Paraíso, que deteve
Alexandre. Sonhou o mar e a lágrima. Sonhou o cristal. Sonhou que
Alguém o sonha.
Alguém sonhará
Sherlock Holmes
Midgarthormr
Nuvens I
On his blindness
O fio da fábula
O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de Teseu (na outra estava
a espada) para que este afundasse no labirinto e descobrisse o centro, o
homem com cabeça de touro ou, como quer Dante, o touro com cabeça de
homem, e lhe desse morte e pudesse, já executada a proeza, destecer as
redes de pedra e voltar a ela, a seu amor.
As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro
lado do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que em algum
lugar prefixado estava Medéia.
O fio se perdeu; o labirinto se perdeu também. Agora nem sequer
sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos ao
azar. Nosso bonito dever é imaginar que há um labirinto e um fio. Nunca
daremos com o fio; talvez o encontramos e o perdemos em um ato de fé,
em uma cadência, no sonho, nas palavras que se chamam filosofia ou na
mera e simples felicidade.
Cnossos, 1984
Posse do passado
Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que essas
perdições, agora, são o que é meu. Sei que perdi o amarelo e o negro e
penso nessas impossíveis cores como não pensam os que vêem. Meu pai
morreu e está sempre a meu lado. Quando quero escandir versos de
Swinburne, o faço, me dizem, com sua voz. Só o que morreu é nosso, só é
nosso o que perdemos. Ilion foi, mas Ilion perdura no hexâmetro que a
carpe. Israel foi quando era uma antiga nostalgia. Todo poema, como o
tempo, é urna, elegia. Nossas são as mulheres que nos deixaram, já não
sujeitos á véspera, que é naufrágio, e aos alarmes e terrores da esperança.
Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos.
Enrique Banchs
Cinza
Gôngora
Milonga do infiel
Do deserto chegou
em sua centáurea o infiel.
Era um pampa dos toldos
de Pincén ou de Catriel.
Tampouco o assombraria
saber-se morto de perto;
à sua história chamamos
a Conquista do Deserto.
Milonga do morto
Tiraram-no do quartel,
puseram em suas mãos
as armas e o mandaram
a morrer com seus irmãos.
1982
Os Conjurados
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Esta obra foi revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar,
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