Discurso Sonia Gandhi
Discurso Sonia Gandhi
Discurso Sonia Gandhi
É uma honra dirigir-me à Assembléia Geral das Nações Unidas na data em que observamos, pela primeira
vez, no aniversário de Mahatma Gandhi, o Dia Internacional da Não-Violência. Esta é uma homenagem
coletiva da comunidade mundial a um dos grandes homens de todos os tempos, uma homenagem que se
eleva acima da política e fala a toda a humanidade. Quero apresentar à Assembléia Geral a gratidão de
mais de um bilhão de pessoas de meu país em virtude do presente tributo. Ofereço também nosso sincero
apreço a todos os estados membros que co-patrocinaram a resolução e deram seu apoio. Em especial à
África do Sul, em cujo solo Mahatma Gandhi, a 11 de setembro de 1906, deu início à sua jornada espiritual
e política, o Satyagraha, ou movimento da Força da Verdade.
Guerra, conflito e derramamento de sangue estão enraizados na história e na psique humana como os
instrumentos inevitáveis e predeterminados do poder. A violência veio a ser aceita como normal e a não-
violência como aberração. É impressionante, como disse um observador, que na maioria dos idiomas não
exista uma palavra proativa para a não-violência. Ela não tem sido considerada como um conceito em si
mesmo, mas simplesmente a negação de uma outra coisa.
Outros conceitos têm seus antônimos próprios: guerra e paz, pecado e virtude, ódio e amor. Não obstante,
embora todas as religiões do mundo preguem a não-violência, não existe uma palavra afirmativa e
independente que a defina. Assim, no nosso próprio processo mental, o conceito de violência se tornou
central, e o da não-violência marginal.
Não é surpreendente, portanto, que abundem falácias sobre a não-violência. Alguns a consideram um sinal
de fraqueza ou covardia. Nada mais longe da mais verdade. A não violência vai muito além da resistência
passiva ou mesmo da desobediência civil. Praticá-la em seu verdadeiro espírito exige extrema disciplina
mental: a coragem para enfrentar a agressão, a convicção moral para refrear seu progresso, e a força para
fazê-lo sem abrigar maus sentimentos contra o oponente.
No cerne da filosofia de não-violência de Mahatma Gandhi está a crença de que o poder vem da retidão,
não da força. O poder vem da verdade, não da força. A vitória chega através da coragem moral e não da
submissão imposta. Ele sustentava que fins e meios são inseparáveis, e que, de fato, os meios em si
moldam os fins. Ele acreditava que meios indignos jamais produziriam fins valorosos.
A história, tanto antiga como contemporânea, confirma que a violência só gera violência, numa espiral
infindável de ódio e retaliação. A violência busca impor sobrepujar, motivo pelo qual suas vitórias são
transitórias. A não-violência busca engajar-se e persuadir, motivo pelo qual seus resultados são
duradouros.
A prática gandhiana da não-violência assumiu variadas formas, mas um requisito universal é o intenso
engajamento com o oponente. A vitória que Mahatma Gandhi procurava era vencer o adversário, não
subjugá-lo. O diálogo que ele fomentava se baseava num genuíno espírito de tolerância – o apreço e a
compreensão do “outro” ou dos “outros”. Ele nos pede introspecção, extroversão e engajamento; olhar
para dentro e perguntar: Em que medida somos, nós mesmos, responsáveis?
Será que alguém pode ter o monopólio da verdade e da retidão? Devemos abrir espaço para compreender
e adaptar, para que o espírito altaneiro da humanidade se eleve acima do desamparo e desespero que
ameaça destroçar a alma humana.
Muitas vezes se diz que a época de Mahatma Gandhi é muito diferente da nossa. Alguns questionam a
relevância de seus métodos no mundo acelerado e globalmente interligado de hoje, em que ameaças à
paz, segurança e harmonia social abundam. Mas o valor essencial da verdade de Mahatma Gandhi não
mudou, pois a natureza humana não mudou.
Ao olhar para trás, vemos que se o século XX foi o mais sangrento da história humana, foi também ali que
a não-violência teve seus maiores triunfos, extrapolando as fronteiras territoriais e de fé. Vale a pena
lembrar que dentre os muitos movimentos de desobediência civil, o único exército não-violento foi aquele
liderado por Khan Abdul Ghaffar Khan, conhecido historicamente como “O Gandhi da Fronteira”.
Hoje indivíduos e movimentos por todo o mundo continuam a desenvolver formas não violentas inovadoras
para vencer a opressão, combater a discriminação e construir a democracia. Suas histórias de sucesso
mantêm acesa e brilhante a chama da esperança.
O próprio Mahatma Gandhi era, principalmente, um homem de ação. Embora fosse também
profundamente contemplativo, possuía uma energia contagiante. Foi essa energia que permitiu a ele
vencer a resistência gerada pela hostilidade, indiferença e cinismo. Foi essa energia que deu a ele a
resiliência para prosseguir, apesar dos tremendos obstáculos e tribulações. Como ele mesmo disse certa
vez: “nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”.
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Violência uns contra os outros, refletida na ampliação do terrorismo, o surgimento perturbador de
atores que não são estados, e nossa incapacidade coletiva de avançar em direção ao desarmamento
nuclear abrangente e universal.
Violência contra os pobres e vulneráveis e contra mulheres e crianças, causada por comoção social
e iniqüidades geradas pela globalização econômica.
E violência contra o planeta Terra refletida em atividades criadas pelo homem e que alteram o
clima, e em estilos de vida que não são sustentáveis.
Ao sermos inspirados pela vida de Mahatma Gandhi, reafirmemos nosso compromisso com o caminho
gandhiano, um compromisso que se reflete em ações e resultados palpáveis. Que possamos conseguir que
esse dia não se transforme num ritual anual. Lutemos para adotar seus métodos nos desafios dos dias
atuais, com seriedade e perseverança.
Senhoras e senhores, não é a relevância de Gandhi que está em questão hoje. A questão que se coloca é
se teremos a coragem para fazer o que ele pregava e praticava, para fazer aquilo pelo qual ele viveu e
morreu. Alguns acreditam que a violência e a agressão são inerentes à natureza humana. Há os que
mostraram que os seres humanos podem e de fato têm, muitas vezes, evoluído para estágios mais
avançados.
Para Mahatma Gandhi, a notável personalidade que homenageamos no dia de hoje, um homem que
alcança a não-violência completa “não é um santo. É um verdadeiro ser humano”.
Assim, busquemos seguir o seu caminho de não-violência e, ao fazê-lo, nos tornarmos “verdadeiramente
humanos”.
Obrigada.