hlc1 PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 134

-- - -

AssocIação para o Desenvolvlmernto da Imprensa Alternativa - ADIA í1

Ano 1 - Edição N° 1
Abril 2005 - R$ 15,00

Classes
",",.PORTAL POPULAR.ORG.BR
Política Debate Movimento Mundo Economia Meio Ambiente Amazônia Opinão Quem Somos

Atualizado em 06/03/04
Em novembro de 1996, um grupo de militantes criou a ADIA como opção Ed ição: 122
política, objetivando contribuir para a divulgação de idéias, no âmbito da Seareh Ihis silc powered by Frcc Find
diversidade de pensamentos da Esquerda Brasileira, e que possam servir ----:J ~USCA ~
não só para reforçar as lutas do Movimento Popular contra o neolibera- A SSI N ATURAS
lismo, como também estimular e enriquecer o debate sobre o Socialismo
no país e no mundo.

A ADIA, estatutariamente é uma Associação Sem Fins Lucrativos (não so-


mos uma ONGl, cuja potencialidade é a militância no setor informativo.
Neste sentido, começamos em 1996 publicando mensalmente o JORNAL
NAÇÃO BRASIL, cujo nome era, ao mesmo tempo, herança e uma homena-
gem ao combativo semanário Nação Brasil que havia deixado de existir
em 1995 por motivos, sobretudos, financeiros.
Em maio de 1998, transformamos o jornal em REVISTA NAÇÃO BRASIL e
em junho de 1999, publicamos CONJUNTURA INTERNACIONAL, nosso
primeiro suplemento trimestral de política internacional.

Em maio de 2000 publicamos a edição especial "BRASIL: Os Outros 500", e


em setembro foi a vez do "Dossiê Meio Ambiente". Estas edições foram am-
pliadas, em dezembro de 2002, com a versão em CD-Rom.

Em Fevereiro de 2001 lançamos este Portal Popular que pretende continuar


sendo uma janela crítica e de análise da política nacional e internacional
atualizada semanalmente e uma biblioteca com mais de 3.000 matérias.
Agora o Portal já tem a edição ON Line de Revista Nação Brasil, Conjuntura
Internacional e Critica Social.

Finalmente em Abril de 2003 publicamos o trimestral CRíTICA SOCIAL - uma


revista com 120 páginas - pretendendo dedicar esta publicação ao debate
teórico e a análise política da esquerda. CRíTICA SOCIAL é um banco de
ensaio para quem estuda e quer trabalhar as ferramentas do socialismo no
contexto brasileiro e latino-americano.
Sem censura, sem centralização, apenas uma pauta e muitos colaboradores
ligados ao Movimento Popular.

Esta é a ADIA, este é o www.portal popular


3
REVISTA História & Luta de Classes
N° 1 - Abril - 2005

Sumario

4- Aprese nta çã o

Marcelo Badaró Mattos


7 - Os trabalh adores e o golpe de 1964 um balanço da hist oriog rafia

Nildo Vi ana
19 - Acumul ação Ca pita lista e Go lpe de 1964

Fe lipe Abranches Oe mier


29 - A "Lega lidade" do Go lpe: o controle dos trabalhadores como condição para o re speito às leis

Carla Lu ciana Si lva


43 - Im prensa e ditadu ra militar

Gilberto Calil
55 - Os integralistas e o golpe de 1964

Má ri o Maestri
75 - O Escrav ismo Co lon ial: A revolu ção Copern icana de Jacob Gorender

Roberto Ramirez
101 - Os m ovimentos piqueteiros e o "Arg entinazo"

Francisco Domí nguez


11 1 - Bl air, Bu sh y la guerra de Irak

RESENHAS
123 - Os quilombos na dinâmica social do Brasil (Adelm ir Fiabani)
13 1 - A h istoriografia envergonhada (Mário Maestri e M ário Aug usto J akobskind )

Organizadores ge ra is desse núm cl"o:


Mário Ma l:S lri c Ma rcelo Badaró

Conselho Editoria l Provisó rio:


Florc ncc C:lrbon i, C:lr1a S il va, Gilberto Calil , Marcelo Badaró, M ~ír io Maes tri , Théo L. Piiiciro

C UlIscllw d e M c m hrus F und :uJOI"cS (UEG) ; Noeli Wol oszyn (U ni vcr si(l<ldc do COJl tcstildll):
Olg:írio Vogt (U ni se) ; Pau lo A . Z artli ( Uniju í): Pedro Paulo
Adalhcrl O P;lr:ul hos (U FU) : Adclmi r Fi;l bnni (RS): Adrian a Funa!'i ( Unic ilmp); Phi lomena Gcbr:Hl ( US S) ; I~obc rto
F;u.: ina ( UFF): A l vcllir de Almeida (FAC c l DEAU. RS); I~adlln z (Uni sc- UCS) ; Rodolfo Borqucz Bu sto s (M éx ico) ;
Antonio de P:lclu<I nos i (U N IOES T E) : BC;llri z Lon cr ( UFPcl) Romu,ddo Portela de Oliveira (USP): Soleni rressato (BA);
; Carla Luci anil Silva (UN IOEST E): Carlos Antônio Tl wís Janaillil WC/1t:zcno vicz ( U RJ ); Théu L . Pi iici ro (UFr);
G()J\allli go ( Uni par): C buuir;! C lrdoso ( UFI~GS) ; Ed ílsolJ
Valéria Zellclli de Almeida (U ni v;lp): Vi rgínia Font es (UFF).
José Grad olli (UrU); Enriquc Se rra Padr6s ( UFRGS);
Eu rel i no Cl lel lll) (UE r S- BA); Euzébio A ssurnpç;io (Fa c ul -
dade de Osó rio) : Felipe De micr: r emando Zelllor( RS);
Flon':l1I.:e Car!lon i (U PF): Frilllcisco Dominguez ( Midd lcscx
Dis trihuição :
Uni vcrsit y); Gilherto Cal i l (UN IO EST E): Isa hel Grill i hi sloriaclutadccJasse @uo l.co ll1 .br
( URI); J:li l1le Cioro (U PF): Jorge Magasich (Bélgi ca): AD IA, Pça Pio X, n"7 - 9" an dr ·Sala Projctoad ia-
Jorge Nt'l voa (UFUA): K;l ti .. P:lranhos ( UFU): Lu] ,. Carlos CEP20040-020- Rio de Janeiro - Tcl eFax - (02 1) 2263-0 I X7
Amaro (RS): L uiz S;ív io de A lrn eida ( UFAL); Marcelo port;[ I @portalpopular.ocrg. hr
Bad:mí (U FF): rvl:trcclo Dorneli ... Cl rv ,tllwl ( Unioeste);
Pmjcru Gr:í ll cu, Oiagnllll:.l\·i"i u c III1IU'cssãll: A ssoc iação para
Maria Apa recida Ch;l ves Riheiro Pap:di ( Uni vilp); Ma ria do
o Dese nvolvime nto d:1 Impren sa Alt e rnativa - AD IA
C:lrmo I3ra zil ( UFM S - DOlH"ados); M :tria José Acedo
Oel'O l lllo (Un lvap): M ;írio M :lestri ( UPF): Nildo Viall;t ror:lI11 iln pressos 1.000 exemplares 110 dia OX/04/2005
4========================================
REVISTA História & Luta de Classes. N° 1

Apresentação

E m tempos de domínio social da barbárie neoliberal e de


hegemonia conservadora no pensamento acadêmico,
com destaque para a área da História e das Ciências
Sociais, a REVISTA História & Luta de Classes procura servir
como ferramenta de intervenção daqueles historiadores e
produtores de conhecimento que se recusam a aderir e se
opõem a essa dominação.

As diferentes manifestações dos conflitos sociais ao


longo do tempo; a história social do mundo do trabalho; as
propostas e processos revolucionários; os temas políticos e
as contradições econômico-sociais atuais e passadas; a cul-
tura vista por uma perspectiva materialista são alguns dos
temas e áreas de estudo que serão abordados nos artigos
publicados por REVISTA História & Luta de Classes.

Diante do atual predomínio das anódinas e pacificadoras


histórias narrativas desprovidas, ao menos em forma explíci-
ta, de referenciais conceituais, REVISTA História & Luta de
Classes pretende também servir de canal para reflexão teóri-
ca , particularmente para aquela orientada pelos ventos cons-
tantemente renovados do marxismo. Nesse sentido, um dos
seus objetivos será a retomada do debate sobre os sistema s,
formas e modos de produção conhecidos através da história,
tema semi-abandonado após a vitória da contra-revolução
neolibe ral de fim dos anos 1980, que proclamou prepotente o
"fim da história" e o domínio atemporal do modo de produ-
ção capitalista.

Nosso público alvo privilegiado é o dos estudantes e dos


professores de História, bombardeados constantemente, em
suas salas de aula, nas bibliografias de cursos, nos manuais,
revistas e textos historiográficos pelos arautos de uma Histó-
ria reduzida à narrativa do pitoresco e em geral reprodutora
de uma história oficial, em que pitadas de culturalismo, de
subjetivismo e episódios picantes formam uma receita valori-
zada no mercado cultural, mas descartável pelos critérios
acadêmicos científicos rigorosos e pela irrelevância social de
suas propostas .
================================================== 5
REVISTA História & Luta de Classes - N° 1

Inte ress a-no s, igualmente, ating ir outros universitários,


não ap enas dos d ive rsos ramos das Ciências Sociais, que
cono sco co mpartilh e m essa perspectiva crít ica . Pretende-
mos, també m, qu e a REVISTA His tória & Luta de C/asses sirva
de in stru m ento para os militantes e ngajados em movimentos
e org ani za ções compro m etidas com a confrontação co m o
mund o do capita l.

A REV ISTA His tória & Luta de C/asses possuirá editori-


ais, d ossiês, artigos de tema s livres, resenha s, transcrição de
docum entos , e ntrevistas e notíc ias. Como em qualquer outro
p eri ód ico c ie ntífico, haverá procedimentos de aná li se dos
arti gos por p arece ristas e de ad equação às normas editoriais
da revista. Po ré m, trata ndo-se d e p eriód ico com comprom is-
so s p o líticos e sociai s explíc itos, os artigo s d evem adequar-
se à p ropos ta político -editoria l sintetizada nessa ap rese nta-
çã o .

Ini c i al m e nt e , REVISTA História & Luta de C/asses organi-


zou -se em to rn o d e um pequ eno núcleo de historiadores e
c ie nt ist as socia is qu e assumiram, tran sitoriamente, as f un-
ções de ed itores . A partir desse núcl eo organizou- se grupo
d e m embros fundadores sobre o qual repousa grande parte
da res p onsa bilidad e dessa iniciativa, através da propo sta de
arti gos, da formu lação de parec eres, da divulg ação e ve nda
da revista, d a ge stão de seus rumos e organização .

Esse p rim e i ro número é dedicado, em forma dominante,


ao d e bate d o Go lpe de Estado de 1964, devido à ce leb ra ção,
em 2004, d os quarenta anos daqu ele aco ntec im ento.

Con selho Editorial Provisório


História&. LnllLdc _CljlSS\'Ji

A proposta deste artigo é, primordialmente, acompanhar


a trajetória do debate sobre o golpe, comentando algu­
mas das principais formulações sobre aquele processo
produzidas ao longo dos últimos quarenta anos.(1)
O caminho escolhido para isso não foi o de uma análise
exaustiva de tudo o que foi publicado, mas concentrou-se
a atenção nas discussões sobre o papel da classe traba­
lhadora e suas organizações no período anterior à implan­
tação da ditadura, uma chave de entendimento valorizada
por diversos ângulos entre os que estudaram o período.

Os trabalhadores e

o golpe de 1964:

um balanço da historiografia

Marcelo 8adaró Mattos


omeço por situar-me em relação ao
tema. O golpe milití1r sur­
giu como um problemí1 em
meu trabalho de pesquisa,
quzmdo da elí1borí1ção de
uma tese sobre o sindica­
smo cariocano no período
1955-1988(2). Procurei en­
tender o novo sindicalismo, fenômeno surgido
a partir de 1978, mas para isso julguei necessá­
rio investigar as representações que ele fí1zia do
período anterior a 1964, em confronto com uma
análise mJis precisJ daquela fase, o que levou a
um recuo do recorte cronológico dil investigJ­
pilra melhor compreensão do pré-1964.
Depmei-me com uma profunda desilusão
Marcelo Baúaró Mattos é prores~or de História em relação ilO papel dil classe trabalhadora no
do Brasil da Universidade Federal Fluminense. momento do golpe, por parte de muitos líderes
instituiç:ío pela qual se doutorou. sindicais e políticos que atuavilm na época, milS

I
5

8· Os IraIJ all,QtlQ rei' c o golpe de /964: um halal/ ço da hütoriografia

também d e autores que escreveram nos primei- organizada, etc. Por issó, para eles, apesar de
ros anos da ditadura e procuravam explicar por- muita expectativa em to rno do Comando Geral
qu e o projeto d as o rgani zações vi nculadas à dos TrabaU1adores (CGT), do pod er s indical, da
classe hav ia sid o derrotado pela implantação capacidade de res istência d a classe trabalhado-
do regime milita r. ra, o golpe fora dado com muita fa cil idade.
Tais autores acabaram por construir uma Locali zemos en tão melhor a lite ratu ra es pe-
análise da classe operária brasileira no nega ti- cia li zada sobre o assunto, produ zida du rante a
vo, caracterizad a pelo que ela não era: não era ditadura, começando por situ ar a própria dis-
consciente, nem autônoma, nem mobili zada e cussão sobre o golpe militar.

As análises sobre o golpe nos primeiros anos da ditadura

A té a década d e 1970, as interpretações aca-


d êmi cas mais comuns sobre o golpe gira-
vam em torn o de do is pontos. De um lado, a
das estruturas de poder é legitim ada por inter-
médi o dos mov imentos populistas. Ini cialmen-
te, esse populi smo é exclusivamente getuli sta.
questão econômi ca da crise de acwnulação. O Depois adquire outras con otações e também
modelo econômico dependente, montad o prin- denominações. [... 1No conjunto, en tretanto, tra-
cipalmente com JK, vivi a urna crise, cuja supe- ta-se de urna políti ca de massas es pecífica de
ração exig iria d o Estado urna intervenção que urna etapa das transformações econômico-so-
garantisse mai o r abe rtura para o capital es tran- ciais e políticas no Brasil. Trata-se de um mov i-
geiro e wna po líti ca diri gida a privilegiar ain- mento políti co, antes do que um partid o po líti -
da mais o grande ca pital, que passava, incl usi- co. Corres ponde a um a parte fundamental das
ve, por garantir tota l controle sobre as organi- manifes tações políti cas que oco rrem numa fase
zações e lutas dos trabalhadores, de fo rma a determinada da s tra nsfo rm ações ve ri fica das
v iabilizar o arrocho salarial.(3) nos setores industriais, em m enor escala, í.1g rá-
Muitas vezes ap resentada de forma combi- rio. Além di sto, está em relação dinâmi ca co m
nada à prilneira, aparecin a tese que deri vava o a urbanização e os desenvolvimentos do selor
golpe da cri se d o populi smo. Este era entendi- terciá ri o da economia brasileira. Mai s ain da, o
do corno a base políti ca da d omin ação de clas- populi s mo es tá relac ionado tanto co m o con -
ses naquela fase, s ustentada n o eq uilíbrio ins- sum o em massa como com o aparecimento d~l
tável que garantiu a incorpo ração das massas à cultura de ma ssa . Eln po u cas pala vra s, o
política pel a via controlada do pacto popu li sta. popu li smo brasileiro é a fo rma po líti ca ass u-
Tal pacto entrara em crise, pois as massas que- mid a pela sociedade de massas no país." I')
riam ir além dos limites estabelecidos pelas clas- A crise do populismo seria ent50 deri vada
ses dominantes para suas concessões. da exacerbação das con tradi ções d o reg ime no
Nas palavras de Otávio lanni, o popul ismo governo Gou lart, com a amp li ação da pa rtici-
envolvia diversas dimensões daquela etapa da pação popul a r. Segundo lan ni , GouL:!rt "t ra z
traje tó ria brasileira, associadas em especial às consigo tod os os compro"mi ssos e ambigüi eb-
co ntrad ições d o d esen vo lvi men to capita li sta des da políti ca de massas. Governa sempre sob
urbano-indu strial e da entrada das massas no as vá ri as pressões qu e caracte ri za m (] hi stória
plano das d isputas de poder. "Ass im pode-se do populismo. Agora essas pressões es tão con-
afirmar qu e a entrada das massas no qu adro centradas, em fo rça e profundidade". Por isso

1 - Uma primeira versão deste texto foi produzida para o Seminário 40 anos do golpe militar no Brasil. Pelotas-AS, Instituto Mário Alves/uCPEl , 01/04/2004.
Uma alualização em dezembro de 2004 procurou incorpo rar novas contribuições ao deba te publicada s rec entemente.
2 - 2 Mattos, Marcelo Badaró. Novos e velhos sindicalismos no Rio de Janeiro: 1955-1988. Aio de Janeiro: Vício de leitura, 1998. Retomei algu ns aspectos
dessa discuss ão em duas obras de síntese posteriores. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Aio de Janeiro: Vício de leitura, 2002; O sindicalismo brasileiro
8pÓS 1930. Rio de Janei ro : Jorge Zahar, 2003.
3 - Uma excelente síntese das discus sões que adotaram tal ponto de vista enco ntra ·se em Mendonça, Sonia Regina de. Estado 8 economia 1/0 Brasil: opções
de desenvolvimento. 2 ed. Aio de Janeiro:Graal, 1985.
4 - IANNI, Otávio. Ocolapso do populismo no BraSIl. 4 ed. Rio de Janeiro :Civilização Brasileira, 1978.p. 207.

I
1 '.\·tÚ.,.it, & 1, 1f/ft (1(' C /a .H I'.I'

mesmo, foram os conflitos sociais que desnu- cida, de Francisco Weffort, o s indi ca li smo popu-
daram aqu e las ambigüid ades "O pop uli smo li sta "no pl ano da or ientação, subord ina-se à
terá s ido apenas uma etapa na histó ri a d as re- id eo logia nacionali sta e se \'o lta para uma po lí-
lações entre as cl asses sociais. Nesse sentid o é ti ca de reformas e de co laboração de classes;
que se pode dizer que n o limite do populismo no pl ano da o rganização, caracteri za-se po r uma
está a luta de c1asses."{') estrutura du al em qu e as chamadas 'organi za-
De um a forma gera l, esse marco inte rpre- ções paralelas', formadas por ini ciativa da es-
tativo permanece importante, por enfatizar d i- querda, passam a servir d e complemento à es-
mensões econômicas, políti cas e sociais do gol- trutura sin d ica l oficial , inspirada no corporati-
pe, entendido em meio à aná lise de um proces- vis mo fascista como um a pêndi ce da estrutura
so mais amplo. Lei turas reduci onistas, que de- do Estad o; no plan o políti co, subordin a-se às
ram exagerado peso a apenas um desses con- vici ss itudes da ali ança fo rmada pela esq uerda
juntos d e fatores, foram criti cadas com razão, com Coul art e outros po lí ticos fi éis à tradição
mas não constituíam o padrão das análises, que de Va rgas." (7)
costumaram apontar para a nlúltipla ca usalid a- No estud o que desenvolvi sobre o s indica-
de na ex pli cação do processo que culminou com li smo carioca, como em viÍ ri os traba lhos pro-
o golpe. No entanto, algumas d as de rivações du zid os a partir d o fim dos anos J990(8), tal con-
dessas interpretações para os estud os d a classe cei to de "sindica li smo po pulista" era ques ti o-
trabalhadora eram ~a s tante problemáti cas. nado, po is fo ram enco ntrfJdZls ev id ências mui -
Confo rme aquele marco, as organi zações dos to fortes qu e caminhava m em direção bem d i-
trabalhadores fo ram analisadas através do con- feren te. En co ntrei na pesqui sa co m as fontes
ce ito de s in d ica li smo populi sta. Numa s intese do período, orga ni zações sindi ca is com "í ndi -
esquemática, o "s indi cal ismo populista" seri a ces elevados de s indi ca li zação, va ri adas e a ti-
caracteri zado po r: vas o rganizações por loca l de trabalho, di ve rs i-
a) inco ns istência organizatória (orga ni zações de dade de áreas de atuação I... ] e só lidos laços de
cúpul a - oficia is ou para lelas - seriam pri vil eg i- representati v id ade e ntre dirigen tes e bases. "
adas em relação às O rga ni zações po r Loca l de Obse rve i também g reves "parti cipativas, o rga-
Trabalh o); n izadas a part ir do loca l de traba lh o e com uma
b) falt a d e ques ti onamento à estrutura s indica l, in teg ração viável entre demand as po lí ti cas ge-
inclus ive po r parte da direção comuni sta; rai s e bem sucedidos encaminhame ntos de rei-
c) falta d e s intonia entre lid eranças (com dis- vindi cações econômi cas". (9)

curso e reivi ndi cações nacionais e politizadas) Isto não s ignifi ca qu e a es trutura sindi ca ln 50
e s uas bases (mobil izadas apenas por qu estões impu sesse limites, como as in te rvenções fei tas
sa la ri a is); pela Ditad ura logo em seus prim eiros dias d ei-
d) pod er de mobi li zação concentrad o nos tra- xavam claro. Porém, apesa r desses limites, ha-
balhad ores do Estado e escasso entre os empre- via ação sindi ca l o rientada pel os inte resses da
gad os do seto r pri vado, em especial nos seto- classe, com im pacto efet ivo na conjuntura . Ou
res de ponta da grande indú stri a; seja, os traba lh adores agiam para si e co m for-
e) pri v ilégio ao Estad o como interl ocul-or prin- ça. Por isso o go lpe fo i necessári o pa ra a classe
cipal d os sin d ica tos, s ubo rd inação aos políti - domin ante.
cos po puli s tas e sec und a ri zação d o co nflito O momento do golpe é fundam e nta l para
ca pital e traba lh o(6). Na defi ni ção mais conhe- este d ebate, po is a produção acadêmi ca o ri en-

5 - Id.ib. pp . 109·113.
6 - Para dois exemplos deste tipo de uso da noção de sindica lismo populista, ver Rodrigues, Leôncio Martins. fll(Juslriafizacão e aritllfcles operár")s. São
Paulo : Brasiliense, 1970; WEFFORT, Francisco. Origens do sindica lismo populista no Brasil · a conjuntura do após ·guerra. Estllc/;s Cebrap. n 4. São Paulo. abri
jun. 1973. Consi deramos as caracterizações feita s pelos autores convergentes , mes mo trabalhando o primeiro com explicações para o comportamento
sindical baseadas na origem de classe dos ope rários e o segundo centrando sua argumentação nas opções políticas das direções.
7 _ WEFFORT, F. MO rigens ... M, p. 67.
8 - Ver por exemplo a ob ra coletiva de FORTE S. Alexa ndre (e outros) . Na lura por rlireir os. Campinas : EdU nicamp, 1999 .
9 - MAnOS. M. B. Novos e velllOs (,.. ). ob. cit., pp, 21 8·9.
10 - Os trablllltatlorcs c o golpe de 1964: ,,,,, balaltço da IlislIl rio g r(/fitl

tada pelo m odelo d o sindi cali smo p o puli sta que n ão aconteceu: "Não tinha porque o traba-
chegou a questionar a resistê ncia dos trabalha- lhador, que nunca pegou e m arm a, pega r. [...]
dores a tal p o nt o que n ego u a té mesmo a Não havia trabalho de res istê ncia armada dos
concretização da g reve geral convocada pe lo trabalhadores. Havia a í ilusãod e que as Forças
CGT para o dia d o golpe. Constate i que, n o Rio Armadas iriam fun cio nar de m ocra ti ca mente e
d e Janeiro, como Fe rna ndo da Si lva també m impedir o golpe [.. .1. A classe o pe rária fez o seu
observou em San tos(lO> (outros exempl os depen- pape l, parou o Bras il(II>."
dem de novas pesquisas), a g reve ocorreu e foi Assim situad a a questão, em re lação ao peso
tão o u mai s a mpla qu e a s a nter io rm e nte da aval iação negativa sobre a ação da classe no
convocadas pe la intersindi cal. Mas, d e fato, foi momento no pe ríod o d o gove rno Goulart e no
ins ufi ciente para conte r o go lpe, até porque, e pisódio do golpe, passo a comen tar a lg umas
como des tacou Lun dos prin cipa is líd eres do teses posteriores, com o compromi sso de vol-
sindicalismo brasile iro à é poca - Batistinha - os tar com mais ate nção, adiante, à qu estão da re-
trabaUladores agu a rdaram a res istência nljlitar, s istência no mo mento da derrubad a d e Cou la rt.

o golpe 20 ano s depois. as teses de René Dreifuss

N ão enfre nte i n a é poca em que produ zi mi-


nll a tese (1996) um debate COm a hi storio-
g rafia es pecifi camente dedicada à an á li se d o
da ditadura é o centro de s u a an á lise. Segu ndo
e le: "As classes d ominantes, sob a lide rança do
bl oco mu ltinaciona l e associad o em p reenderam
golpe, publi cada por volta de seus v inte an os uma ca mpanha ideo lógica e po liti co-mil itar e m
(quando a ditadura a ind n ex isti a, clllbo ra aba- frentes di versas, a tra vés d e uma série de insti-
ladO) pe la mo bi lização red e mocra ti zante). Até tui ções e organi zações de classe, mui tas das
po rque con co rda va co m as linhas gerais d o tra- quai s e ram parte integra nte do s iste ma polít ico
balho m a is impo rtante daq ue le mo me nto (e po pulista." (" >
pode mos d izer d o co njunto d a prod ução sobre No pós-1964, "essa ve rd adeira e lite d as clas-
o golpe), escri to por Re né Dre i(uss1'. ses d ominantes 1... 1 preservo u a n a tureza ca pi-
Drei fu ss d e m o ns trou que os e mpresá ri os tO) li sta d o Esta d o, um a tarefa q ue e n vo lvia séri-
brasileiros agiam po liti came nte de fo rma o rga- as restd ções à orga nj zação autôno ma d~ s clas-
nizada e documento u o papel decisivo d o g ra n- ses trabalh adoras e a consoli dação de 1. .. 1 um
de capital na a rti cul ação do golpe. Estud a nd o tipo d e ca pitalis mo tardi o, d ependente, des i-
o complexo lPES-l BA D - Instituto de Pesqui- g ual, m as ta mbém extensa mente industri ali za-
sas Econ ômicas e Supe ri o res e Instituto Brasi- d o, com uma economia principalmente dirigi da
leiro d e Ação Dem ocrática -, mostro u que seus pat'a um alto g ra u de concentração d e p roprie-
participantes es taVaJll " no centro dos aconteci- dade na indú stri a c integração com o si stema
m e nt os co m o h o m e n s d e li gação e co m o bancá rio." (1.")

o rgan izad o res do m ov imento civil -milita r, d an- É possível a rg ume n tar que a ex is tên cia de
d o apo io mate ri a l e pre parand o o cli ma pa ra a uma a rti cul ação tão a m p la quanto a d emons-
in te rvenção mil itar !... J. O ocorrid o em 31 de trada po r Dreifuss não e ra s ufi cie nte para ex-
março de 1964 nã o foi um mero go lpe m ilitar. p lica r o go lpe em s i, que foi desla nchado po r
Foi [... ] UJll movi me nto socia l civ il-mil itar(" >." ini ciativa imedi a ta dos milita res e, co mo de-
O ca ráter d e cla sse d o go lpe e d os govern os monstra a precipitada sa ída d e Mo urão Filh o

10 - SI LVA. Fernando Teixeira da. A carga e a culpa: operários das docas de Santos: direitos e culWra de solidafÍedada. 1937- 1968. São Paulo: Hucitec/Pref.
Municipal de Santos, 1995.
11 - FIGUEIREDO, Betânia G. (o rg .). Balistinha: o combatente dos trilhos. Rio de Janeiro : CMFIAMORJ, 1994, p. 45.
12 - DREIF USS, Renê A. 1964: a co nquista do Estado. Petrópo lis: Vozes, 1981.
13 - I d.ib .. p. 397.
14 - Id.ib., p. 48 3.
15 - Id.ib., p. 485.

...
J-l islÚr ia & {. /l/a tI l! C h, .<ixc.{ -li

co m suas tropas de Minas Gerais, não possuía sagens seu livro acaba reforça nd o as formula-
luna única frente de cons piradores. No entan- ções anteriores sobre a inex istê ncia ou incon-
to, o trabillho de Dreiffu s tem um sentid o bem sistência da capacidade de intervenção organi-
mai s profundo do que a análise do aconteci- zada d a classe, dados os limites do sindi ca lismo
mento golpe enquan to fen ômeno imed iato. de então.
Seu estudo nos posiciona sobre as condi ções Ass im, aind a que seu trabalho avançasse em
qu e viabilizaram o sucesso da tomada do poder relação à discussão de como fo i articulad o o
pelo movimento civil-mi litar c (1 natureza das golpe, qu a l o caráter de classe dessa articu la-
políticas postas em prática nos anos seguintes. ção e dos govern os militares, mantinha-se em
A des peito desse acord o geral co m a inte r- sua análi se o quadro geral do mod elo interpre-
pretação de Dreiffu s, ressa lto qu e, co mo sua tativo do "s indi calismo po pulista" para defin ir
obra não se propôs a tratar o outro lado - O da as re lações entre Es tado e trabalh adores e as
res istência d os trabalh adores - em várias pas- organi zações e lutas destes.

A historiografia do golpe nos seus trinta anos

E m meados dos an os 1990, porém, já se apre-


senta vam também as novas teses sob re o
go lpe, produ zidas em torno de seus trin ta anos.
nenhuma ação concreta. (") Pelo lado dos mili-
tares que apoiavam jango, o illmirante Aragão,
dos Fuzileiros Nava is, afi rmou "Eu não prendi
Há algumas dessas qu e v i com grande preocu- o Lacerda porque não tinha ordens nesse sen ti -
pação e retomo aqui O ponto em que estávamos do, embo ra fosse a favor da in vasão do Palácio
quand o, citand o Batistinha, me referi à ex pecta- Guan abara". já o então coro ne l av iad o r Rui
ti va de res istência ao golpe entre os militares. Mo re ira Lima, que comandava a aviação de caça
Mesmo que não fosse esse meu objeto cen- na base de Sa nta Cru z, sobrevoou a co luna de
tra i de pesqui sa, qu es ti ona va aspectos daqu e- Mourão Filho que se des locava para o Ri o, mas
las análises que se construíam a part ir exclusi- não ataco u as tropas go lpi stas por falta de or-
vamente do depoimento dos militares go lpistas, dem para tal. "Não res istimos ao go lpe porq ue
agora di s postos a fa lar mais (embora suas v i- é ramos d isciplinados. Ex istiam um a cad eia de
sões sempre tenham tido es paço dominante, via coma nd o e uma hie rarqui a. 1.. -] Só atirar ia com
im prensa, pub li cações de memóri as e bi ogra fi- ordens. So u um militar, atiraria se es ti vesse
as), e que ap resentavam a visão de qu e o golpe cumprind o uma ordem. " (17)
fora dado sem ma iores resistências. Partindo das análises que ganharam maior
Pesqui sa ndo a greve contra o golpe, era pos- destaque nos anos 1990, destaco os resultados
sível constatar a arti cul ação efetiva de lideran- da pesquisa de um grupo d o CPDOC da FGV-
ças s indi cais com mi litares qu e estavam dispos- Rj a partir de depoimentos com militares. Doi s
tos a res istir para garantir o governo e as insti- tex tos publi cados em 1994 podem ser tomados
tu içõcs consti tu cionais, mas qu e não O fi zeram como exemplos de como os resultados dessas
porqu e lhes falto u O que é fundamenta l em sua pesquisas caminhava m num sen tid o in verso ao
institui ção: ordens e comand o. Como demons- do que eu constatava, ao discutir a res istência
tra va a ponte estabelecid a por Paulo Mell o Bas- possível ao golpe. Em reforço ao argumento dos
tos, coronel reformado da Aeronáuti ca, d iri gen- militares go lpi stas entrev istados, tenderam a
te da Fed eração dos Traba lh adores em Tra ns- afirmar qu e inexis tiu qua lquer poss ibilidad e de
portes Aéreos, do Sindi cato dos Aeronautas e res istência, já que o dis pos itivo militar de j8ngo
do CGT, co m um a série de li deranças milita res ca iu como um cas telo de cartas. Cabe aq ui, en-
da base de susten tação de jango, incl us ive no tretanto, confe rir ma ior atenção aos objeti vos
momento d o golpe, mas que n50 resultou em gera is daquelas an áli ses, do que ao as pecto es-

16 - BASTOS, Paulo Mello. Salvo conduto. Um vôo na história. Rio de Janeiro : Garamond, 1998.
17 - Depoimentos regis trados por Moraes, Dênis de. A esquerda e o golpe de 64. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo. 1989, pp. 163 e 165.
2
'r
12· Ox trrlb(tfIJntllJrl!.~ e (J golpe tle 1964: 11111 balanço tia histuriografi a

pecífico da possibilidade de resistênci a ao go l- apoio dos milita res e das multi nac iona is e de
pe. O primeiro texto é de Gláucio Ary Soares, wna conspiração dos grupos econômi cos bra-
"O golpe de 64".( 18) sileiros com apoio das multinacionai s. Escolhe
O objetivo central do artigo é contestar as a opção, apontada pela grande maioria de seus
teses que atribuem a precedência expli cativa do entrevistados militares de Lun a "cons piração
golpe aos fatores econômicos mais gerais (re- dos militares com apoio dos g rupos eco nômi-
solu ção da crise d e acumulação ca pitalis ta) . cos brasileiros." (2 1)
Para o autor, bu scar os atores seria essencial e Trata-se de uma contrapos ição ~ s teses de
entre eles, privil egia os militares, que afi nal de Dreifuss de que o golpe fo i mov ido pela ação
contas deram o golpe. A análise se faz quase organ izada do grande ca pital nacional e asso-
que exclusivamente a pa rtir do di scurso dos ciad o, com apoio militar e da políti ca externa
militares, o que gera um g rave risco de queda dos EUA .. Mas, o trabalho de Dreifu ss é trata-
na armadilha da "i lusão biográfica" e de falta do com respeito, apesar de questi onad o. Para
de críti ca da fonte o ral, qu e como qu alqu er ou- Soares, os "grandes avanços, como o li vro hoje
tra fonte necess ita ser contextualizada. il9) O au- cl ássico de Dreifuss a respeito da part icipação
tor, em muitas passagens, toma aqueles depoi- dos grupos econômi cos organ izados, requerem
me nto s como d ado s, tr a tá veis inclu sive pesquisa detalhada, cuid adosa e cansativa". (22)
quantitativamentc. C ontrapõem-se 3 5S Lnl, sem Sistemati zava-se ali al go qu e aparcc il:l no'
m aiores proble matizações, as memó rias dos primeiro li vro co m as entrevi stas d o mes mo
gol pistas com as análises acadêmicas sobre o projeto, segundo tex to a considera rmos. i") Na
golpe e co nclui-se pela correção das primeiras, introdução desse últim o, aparece a idéia de que
identifi cando diretamente dos depoimentos os hav ia não um grupo diri gente, mas pelo me-
"motivos do go lpe" como sendo: "]". Caos, de- nos dois grandes pólos go lpis tas entre os mil i-
so rdem, ins tabilid ade; 2". Pe rigo co munista e tares: o da "Sorbonne" e o da tro pa. A ponta-se
subversão; 3". Crise hierárqui ca militar; 4". In- que os líderes (Costa e Silva e Cas tel o Branco)
te rferência d o governo nos assuntos, na llierar- só aderiram à cons piraç50 no últinlo momen-
quia e na disciplina militar; 5". Apoio popular to. Faz-se ta mbé m a s uges tão de Crí ti Gl b
ao golpe; 6". Corrupção, ro ubo de verba públi - hi stori ografia a partir d a posição dos mili tares,
ca; 7". Sindi calis mo, re pública sindica l." i2O) em pelo menos dois pontos centrais.
O autor reconhece a cons piração militar para O primei ro deles fi xa que a "op in ião milita r
dar o golpe desde a saída de )ânio, mas enfati za d ominante define o go lpe corno resu ltado de
que ela não possuía um comando orgânico. A ações di spersas e iso lad as, embaladas, no en-
partir d os depo imentos, tomados quase qu e tanto, pel o clima de inquietação e in certezas qu e
como o es tabel ecimento da versão definiti va invadiu a corporação. Esta visão se cont ra põe
sobre a participação militar, contesta as teses à interpretação predominante entre os anal is-
da historiografia, para ele resumidas às segui n- tas que até agora examinaram o episódi o. PiJ ra
tes combinações: d e uma cons piração dos gru- estes, o golpe teria sid o produto de um amp lo
pos econômicos brasil eiros; de wn a cons pira- e bem-elaborad o plano cons pirató ri o qu e e n-
ção dos g rupos econômicos brasil eiros com volveu não apenas o empresa ri ad o naciona l e
apoio do governo ameri can o; de uma cons pi- os militares, mas também as fo rças econôm icas
ração dos grupos econômicos brasileiros com nlultinacionai s". (2-1 ) Já o segund o íJrgum Cn l"o

o
18 --:- SOARES, Gláucio Ary . golpe de 64. In SOARES, GJáucio Ary & ARAÚJO, Maria Celina O' (orgs.) 21 anos de regime militar: balanços e perspectivas.
Rio de Janeiro: FGV, 1994.
H
19 - Sobre a HiJusão biográfica , ver o texto com esse título de BOUROIEU, Pierre em FER REIRA, Marreta de Moraes & AMADO, Janaína. Usos e ablJsos da
hislória oral. Rio de Janeiro: FGV; 1999.
20 - SOARES, G. A., O golpe de 64, oh.cit., p. 30.
21 - Id.ib .• pp.34 ·35.
22 - Id.ib .• p. 37.
23 - ARAU JO. Maria Celina O', SOARES, Gláucio Ary Oilon e CASTRO, Celso . Visões do golpe. A memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Durnará,
1994.

L.
U ;.\,ttíria & [. /lla de CtaHes -13

centra-se na constatação de que os "depoentes tar as análises anteriores, baseadas em exp lica-
co nco rd am que não havia um projeto de go- ções "estruturais" (econômi cas, mas também
ve rn o entre os vencedores: o mov imento foi políticas - como a idéia de crise institucional)
contra, e não a favor de algo". (25) e, principalmente naquelas interpretações "in-
O primeiro ponto sugere o questionamento tenciona is" - leia-se Dreifuss. Pa ra Argelina:
d as análises hi stóricas baseadas em fontes que "Este tipo de análise [... 1falha em fornecer uma
revelam as articul ações e a partici pação do gran- expli cação real, pois toma a mera existência de
d e cap ital (e de milita res) num a co nspira ção uma conspiração como condição suficiente para
gol pi sta, usando co mo úni ca ev idência os de- o sucesso do golpe políti co. Os conspirad ores
po im en tos dos que participmam do go lpe. Tais são vistos como onipotentes. Conseqüentemen-
d epo im entos, mesmo qu e fossem "sin ceros", te a ação empreendida por eles não é ana lisada
foram d ados por oficiais que em 1964 ocupa- em re lação a outros grupos, nem vista como
vam postos de segund a ord em (ca pitães, coro- sendo limitada po r quaisquer constrangimen-
néis) e, portanto, tinham papel secund á ri o na tos ex tern os(28l."
cons piração, como os próp rios auto res ressa l- Sua opção de análi se, em contrapos ição, é
ta m: "Os militares que aq ui depõem em sua privil egiar os momentos críti cos do governo
maiori a não tiveram lima lideran ça dcstacadJ Goul art, empregand o a teo ria da esco lha racio-
nos preparativos do go lpe." (26) Cabe en tão a per- nal. Tal refe rê ncia teóri ca pode ser ava liada,
g unta: se não tiveram li derança, como podem numa leitura críti ca, apesar de sua anunciadJ
se r fon te usada pa ra contrapor-se às análi ses relação com O nlarxismo, como um a va ri ante do
dos regis tros dos seto res que tiveram papel de individuali smo metodológico, que toma o co m-
liderança nesses "preparati vos"? po rtamento dos agentes sociais como O dos in-
O segundo ponto também é qu es ti onável divídu os dotados de ma rgens ampl as de esco-
quand o se co nsta ta qu e, logo nos prime iros lha c racionalidade direta na sua ação socia l. (2'.1)
meses de governo militar foi aprovada uma sé- A autora tenta prova r que hav ia um ca mi-
rie de medidas que tinham s id o estud adas e s is- nho parn refo rmas moderadas dentro da ordem
temati zadas pelo IPES antes (co mo demons tra dem oc ráti ca c qu e os "a tores" esco lh eram
Dre ifuss). E quem as executou foram mini stros max imi za r suas possibilid ades, em detrimento
e outrns auto ridades que integravam, com des- dessa ordem: os reformi stas querend o re formas
taque, os quadros do mes mo IPES. Ou seja, ain- amp las e os con trári os às reformas d ispostos a
d a que se possa ad mitir o ca ráter fragmentado tud o para ba rrá-Ias. Sua conclusão é ex plícita:
da direção golp ista em 31 de marçoj]0. de ab ril "A lém dessas razões lum c6 lcul o o portuni s ta
de 1964, é difícil não perceber que o go lpe vi- de van tagens em ten cionar pelas refo rma s am-
nha send o prepa rado de muito antes, por uma plas l, um outro fato r contribuiu para impedir a
a rti cul ação que ia além dos militares, envo lvia rea li zação de qu alqu er das du as poss ibilid ades
os interesses de classe do grande cap ita l e isto de combin ar reforma e democracia, ou seja, j]
se demon stra pela própria linha de inte rven- visão instrum entaJ de democracia, mantid a tan-
ção do Estado nos momentos segu intes. to pela direi ta como pela esquerda . De fato, os
Dessa mesma época (cerca de 30 anos após grupos esqu erdi stas e pró- re formas bu scava m
o go lpe) é o traba lho de Argelina Fi gueiredo l'7). essas reform as aind a que ao cus to da democra-
A autora também es tá preocupada em con l'e s- cia. Para obte r as refo rmas, propunh am e es l'a-

24 - Id.ib .• p. 16.
25 - Id.ib .• p. 18.
26 - Id.ib., p. B.
27 - FIGUEIR EDO, Argelina C. DCIIIOCf<1ci,1 ou reform.1s? Alternativas democráticas à crise política: 1961 -1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
28 - Id .ib .• p. 28 .
29 - A teoria da escolha racional é defendida, entre outros, por Adam Przeworski, orientador da tese de Argelina Figueiredo . Dele, em português, pode-se ler
Capitalismo c social-d~mocrac ia. São Paulo : Cia. Das Letras, 1989 . Para uma critica desse tipo de concepção ver SENSAIO, Daniel. Marx, o jntempcsfivo.
Gra ndezas e misérias de uma aventura crítica. Rio de Janeiro: Civilizaçáo Brasileira, 1999.
r
14 - Os Irab alll ado re.\' e o go lpe de J964: um balall ço d a hüloriog raf ia

vam dis postos a apoiar soluções não democrá- proposta - foi uma ta refa cumprid a pelos go-
ticas. Aceitavam o jogo democrá tico somente vernos burgueses na ma ior parte do mundo e o
enquanto fosse compatível com a reforma ra- que se propunha no parlamento, sem encon-
dical. A direita, por outro lado, sempre esteve trar espaço para negociação com a maioria, era
pronta a quebrar as regras democráticas, recor- a penas garantir as condi ções para a indeni za-
rendo a essas regras apenas quando lhes eram ção em prazo mais largo (seq uer a ex propri a-
úteis para defender interesses entrincheirados. ção) dos latifundiários.
Aceitavam a democracia apenas como meio que A Reform a Universitá ria concen trava-se em
lhes poss ibilitava a manutenção de privilégios. democratizar a gestão das institui ções e ampli -
Ambos os grupos subscrevi am a noção de go- ar o acesso, tarefas já cumpridas em out ros pa-
verno democrá tico apenas no que servisse' as íses da América Latina desde o in ício do século
suas conveniências'. Nenhum deles aceitava a xx. Já O controle da remessa de lucros poderia
incerteza inerente às regras democráticas(JO)." ser parte de um pl ano econôm ico de qua lquer
Se as pesqui sas sobre os militares acima ci- governo menos comp rometido com os interes-
tad as tinham os mesm os alvos d e críti ca à ses das multinacio-nais, sem signi fi car neces-
historiografi a ante ri or que Figueiredo, o faz i- sari amente um fechamento do mercado.
am sem caricatura r an álises como a de Dreifuss Além disso, não se leva em conta qu e as for-
e parti am do pressuposto de que os responsá- ças mais importantes da esq ue rd a naqu ele pe-
veis pelo golpe fo ram os que o deram, procu- ríod o defendi am caminh ar dentro d a ordem
rand o ex pli cá-lo a partir d aquele ator que teve democrática. O PCB, po r exemplo, defend ia a
a visibilid ade d o poder - os próprios militares. tese terceiro-internacionalista da revo lução de-
Foram importan tes, por apresenta r as razões mocráti co-burguesa, ou seja, da ali ança com a
que militares alega ram para mover-se nessa di- burgues ia nacional para viab ili zar a primeira
reção, embora possamos achar que não tenham etapa capitahsta das transfo rmaçôes pel as qua is
ido "além da aparência para ex pli car a essên- o país deveria passa r, aceita ndo "as regras do
cia" d o processo. Já Argelin a Figueiredo atri- jogo democrático" nos limites em que elas se
bui a responsabilidad e pelo golpe tanto aos que apresentavam então.
o de ram qu anto às fo rças que defend iam as re- Lúcio Fláv io Almeida demonstrou o quanto
formas e foram atingid as pelo golpe. de equívoco haveria e m, ao "avali ar os progra-
Essa ex pli cação é ins ustentável, porque, d o mas do Partid o Comunista frente 11 questão de-
ponto de vista teó rico, parte do pressu posto de mocráti ca, atribui r-lhe uma concepção de de-
que o Estado é um ator neutro, que pa ira aci ma mocraci a que não era a dele", como as concep-
das disputas d a sociedade, podendo caminhar ções de Norbe rto Bobbi o, o u a con cepção
mov id o pelos diri gentes eleitos ou pelos que o procedimental de Schumpete r, qu e parecem
assa ltam , como se es tes tivessem o papel de orientar algumas aná lises.
condutores de um veículo, uma máquina bu ro- Ainda ass im, tod a a linha política da "De-
crática cujo rumo é ditado pelo seu operador. cla ração de Março", de 1958, do PCB, estava
Além d isso, tom a a democracia como um tipo centrada na defesa de wna frente úni ca, em que
ideal, que atende a tod os os interesses (mesmo os comuni stas apoia riam os "elementos nacio-
que parcialmente ou peri odicamente), se todos nalistas e democráti cos" da burg uesia brasil ei-
os atores concord a rem com suas regras. (31) ra e das políticas de Estado.
Po r outro lad o, empiri camente, despreza o Isto, mesmo sendo possível d iscern ir naq ue-
fato de qu e as refo rmas propostas não e ram le contexto que o naciona lismo de algumas das
radica is, embora a retórica às vezes fosse, pois lide ra nças apoiadas pel os com un istas estava
a reforma agrária - a principal reforma de base longe de ser antiimpe-ria lista, send o s uas con-

30 - FIGUEIREDO, Argelina, Democracia ou {...}., ob. cit., p. 202 .


31 - Sobre os limites da democracia contemporânea e a incompatibilidade entre o conceito clássico de democracia e o capitalis mo, ver WOOO, Ellen.
Democracia contra capitalismo. São Paulo: Boitempo. 2003.
/f ÜrtÍr;{/ & I .llra de C{(l.o(' .\" - 15 I
vicções e prá ti cas dem oc ráti cas de "bai xíssi ma prio Jango, co m apo io dos comand os militares,
intensid ade". encami nhou a so lici tação do Es tado de Sítio ao
A mobi li zação das classes popul ares no go- Congresso Nac iona l, aguardo u a resposta -
verno Coulart colocava m "na ordem d o d ia três nega tiva - e des istiu dn id éia, dClllonstra nd o
fortes itens da revo lução burgu esa - as ques- que mesmo quando aind(l con tava C0l11 s us ten-
tões agrária, naciona l c democrática". tação nas Forças Arm adas, não es tava disposto
O prob lem a, po rtan to, não cst~H i a na falta a ro mper co m a lega lidade vigente.
de compromisso democrático da es qu e rd a Não se toma em co nta també m qu e aquc la
identifi cada com essa mob il ização, mas ao co n- de m oc ra ci21 era res trit a a té mCSlll O parn os
trári o, !li] cOlllp lcta ausência de sentido na pro- parâmetros daquilo que bs vezes é adjetivado
posta de uma revo lu ção burguesa pa ra uma corno democ racia "burgucsa-rcp resentati va-li-
burgues ia que não precisaria de nenhuma re- beral". O PCB não possu ía regis tro lega l, a es-
volu ção para fazer va ler seu projeto de classe.!'2) trutura s in d ica l era a he rdada da d itadu ra
Na práti ca, a opção pela atuação nos marcos varguista, a polícia políti ca t~lInbém e ra uma
d o s is tem " se ria demon strada também pelos pe.rman ência daquela fase e mos tra va-se Gldi1
princi pais sind icatos li gados ao CCT, quando vez mai s especinli zZldZl e atuante, apenas pJ rll
es tes rejeitaram, em fins de ] 963, a tentati va de listarmos alguns elementos que dizem respeito
Jango de imp lanta r o Es tado de Sítio. O pró- às organi zações dos traba lh adores.

o debate em 2004

N es tes quarenta anos do go lpe, para quem


acompan hou os sem inár ios, cadern os es-
peciais da imp rensa e publicações es pecia li -
lid ade - e às contin gê ncias fac tu a is P3 ) Sem
menosprezll r sua reda ção ca ti va nte e a ap resen-
tação de algumas fontes que confi rm am o u nc-
zadas, parece ser ev idente qu e a lgumas teses ga m propos ições antes mal fundam entadils, tra-
de cerca de dez Zl nos Zl trás fora m superva lori - ta-se da recuperação do melh or es tilo da hi stó-
zadas, enquanto o acúmu lo anteri or de pesq ui - ria "aco ntecimental" do sécul o X IX, cr iti ca da
sas foi s is tematicamente negado. pelos Al7alles.
O que acabou po r ge ra r um a reação, qu e revela Anólises e expli cações ca usa is são substituí-
a ex is tência de um debate forte entre setores das po r descrições de acontec imentos, movidos
uni vers itá ri os, alguns dos quai s an tes ca minha- pelo sabor do acaso, desagua ndo em co nclu -
vam no mesmo senti do e hoje p a recem trilhar sões que beiram o parad oxo: "O levante se ap re-
rumos opostos. sentara com o um m ov imento em defesa d a or-
As a ná lises produzida s em to rn o de 1994, dem constitu cional, mas a essência dos aco nte-
nas pesqui sils do C PDOC so bre mil ita res fo- cimentos negava-lhe esse ca minh o".I") O que é
ram exacerbadas po r traba lhos recentes, co mo "a essênc ia d os acontecim entos"?
O de El io Cas pari , que não SÓ nega qualqu er O mesmo senti d o de aná lise centrada excl u-
m o tivação eco nõ mi co-socia l, e qu al CJ uer n í- sivamen te nas poss ibilidades de ação e reação
ve l de co nsp irilç50 a rti culilda ("o exé rcito dos chefes políticos a lim en ta a biografia de
dormiu jang uista e acabo u revo lu cionário"), Jango escrita por Marco Antonio Villa.
co mo at ri bui o gol pe e os ca minh os da dil'a- Neste caso, um perso nageI11 ao qual se at ri -
dura ao jogo da s indi v idualid"des d os pe r- bui um a responsab ilid ade nega tiva, po issegun-
sonagens - Ja n go vac il an te ou os militares do o auto r, João Co ubrt "pela pos ição que ocu-
ma is mod erados o u ma is du ros por pe rsona- pava poderia te r imped ido" que se chegasse ao

32 - ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues de . Insistente desencontro: o PCB e a revolução burguesa no período 1945-64 . In MAZZEO, Antonio Carlos & LAGOA,
Maria Iza be l (orgs .). Corações Vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003. pp. 88,116,121 -2.
33 - GASPARI, Elio . A ditadura cnvcrgonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
34 - Id.ib" p. 111.
r
J tí • 0.1' 1f(lI}(lfll(uf(}re,~ e fI ga{JlC lle /964: .11/11 IJOlall ço da IJi sloriografia

impasse cuja saida foi o golpe. I~'I Cas pari tam- Centenas de milhares nas ruas com Jango, cen-
bém retomou as teses de Argelina Figueired o, ten as de milhares com "Deus pela Li berdade"
radicalizando-as. N ão apenas inex istia o C0 I11- contra Jango, greves em quan tidades cada vez
promisso da esq uerd a com a democracia (tanto maiores (38 greves em t rês meses só no Rio de
quanto o da direita), como para ele "hav ia dois Janeiro em 1964, quatro vezes mais que no mes-
go lpes em marcha. O de Jango viri a amparado mo período do ano anteri or), levantes dos bai-
no 'dispositivo militar' e nas bases sindica is, que xa-patentes das fo rças ilnnadas, mil itares em
cairiam sobre o Congresso, obrigando-o a apro- marcha ... e "uma parcela ampla d a popul ação"
var um pacote d e reformas e a mudança das em silênci0 7 Ao acreditarm os nessa hipótese
regras d o jogo da sucessão presidencial." I"1 estaremos conco rd ando que a di n5mica políti-
Ta l radicalização dessas teses - não apenas ca é dada por esqu erda e di reita em seu jogo
inexistialn cOlnprolni ssos co m a de nlocracia, pel o poder, pela via dem ocrMi ca o u não. Es-
como também esquerd a e direita caminhavam querda, direita, "povo"; onde estã o os empre-
para o golpe - pa rece agora ter se tornado a tô- sários, os trabalhad ores, os setores intermediá-
ni ca das análises qu e receberam maior destaque rios: onde es tão as classes e seus confl itos?
nos debates d os últimos meses. Jorge Ferrei ra, Além d isso, também aqui onde encontramos
por exempl o, em mti go para uma revi sta de d i- o mesmo argumento de Argelin a Figueiredo (ta l-
vu lgação que repetia argumentos de um texto vez um pouco mais simplifi cad o), podemos le-
de mai or fô lego,!"1 anali sando os últimos dias vantar as mesmas pondcmções. Além de alguns
do governo Coula rt, afirma o seguinte: "O con- d iscursos mais radica lizados, de lideranças como
flito po lítico entre esquerdas e direitas tom ou Bri zo la, Ju lião ou Prestes, onde estari am as evi-
novos rW)l OS. Não se tratava mais de saber se as dências concretas de tal "golpismo" das esq uer-
reformas seri am o u não implemen-tadas. A ques- das, se os trabalhad ores não pega ram em óJrJ11as,
tão central era a tomada do poder e a imposição os mil itares fiéis a Co uJart evitaram o combCl te
de projetos. Os partidári os da direita tentariam aguardando as ordens lega is e o próprio prcs i-
impedir as alterações econômi cas e sociais, sem dente reti rou-se ev itnndo a confrontação 7
preocupações de respeitar as institui ções demo- Caio Nnvar ro de ToJcd o, criti cand o ta is for-
cráticas. Os grupos de esqu erda ex igiam as re- Illlll ~çõcs, assin.:lla co m prccis50 qu e j) "afirma-
for nlas, Ina5 tanlbéln scnl vLl lori za r a dClllocra- ção de golpislll o das esqu erdas tem efeitos id eo-
cia. [... 11 Passa a citar Argelina Figu eiredo, e con- lóg icos precisos; de imed iato, aj ud a a rcfol\'"r
cl ui] . Entre a radi cali zação da esquerda e da di - as versões difundid as pelos apologetas do go l-
reita, uma parcela ampla da populaç50 brasil eira pe político-m ilitar de 1964. Mai s d o qu e isso:
apenas assistia aos conflitos - em sil êncio." 1"'1 contribu i para legitim ar a ação go lpista vito ri -
Ou seja, segundo esse autor, esquerda e di- osa ou, na melh or das hipóteses, atenua as res-
re ita lu tavam naquele momento pela tomada do ponsabilidades dos militares e da direita civil
pode r, por vias não democráticas, como qu e pela supressão da democracia política em 1964.
nWl1a co rrida em que largavam em igualdade A d ireita golpi sta não pode senão apla udir
de condições e objetivos idênti cos, tratava-se de esta ' revi são' hi stori ográfi ca proposta por alguns
observar apenas quem fo i mais forte ou che- intelectuais p rogress is tas e de esqu erd a".!"'1 Re-
gou antes para d efinir o rum O do país. Além ferind o-se a in telectu a is de esqu erda, Caio
disso, defend e qu e o momento era de radica li - Navarro com certeza mira naqueles co m passa-
zação, mas o povo assisti u a tud o bes ti ali zad o. do de luta contra a d itadura qu e ago ra defe n-

35 - ALMEIDA . lúcio Flá vio Rodrigues de . Insistente desencont ro: o peB e a revolução burguesa no período 1945·64. In MAZZE O, Antonio Ca rlos &
LA GOA, Maria Izabel (o rg s.) . Corações Verm elhos: os comunistas brasilei ros no século XX. São Paulo : Cortez, 2003 . pp . 88 , 116, 121-2.
36 - GASPARI, Elio. A ditadura envergonha(la. São Paulo: eia das l etras , 2002
37 - VlllA . Marco Anto nio. Jango: um pe rfil (1945-1964). São Paulo . Globo. 2004 , p.2 41.
38 - Gaspari, Elio . A ditadura r.. I . .ob. cit., p. 51.
39 _ FERREIRA , Jorge. Sexta-feira 13 na Central do Brasil. Nossa História. N° 5. Rio de Janeiro, Bibliot ec a Nacional, março de 2004 . As idêias centrais
são apresentadas com maior vag ar em FERREI RA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964 . In FERREIRA , Jorge & DRAGADO, l ucília de
Almeida Ne ves (orgs.) . O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2003. V. 13.
lIi .alÍr;a & /. /11(/ (Ir C/aHp' - 17 I

dem a tese da resposta d e direita ao go lpe pla- ciali smo, compartilhad o pelos militantes de es-
nejado pela esquerda. Algo que atraiu a aten- querd a, com um suposto uso cínico das ban-
ção a té mesmo da grande imprensa, po is o de- deiras de res istência democ ráti ca cont ra a dita-
bate ganhou as páginas dos jornais. dura, acaba-se por refo rçar O discurso d os mili-
Dando foro de maior legitimidade à nova pro- tares de que o motor d o golpe foi a ameaça de
posta interpre tativa, por seu passado na luta ar- uma ditadura comuni sta, permüindo a matéri-
mad a, Daniel Aarão Reis Fi lho, conforme a re- as jornalísticas aproximar acadêmicos "de es-
po rtagem do jornal O Globo, teria caracteri zado qu e rda" e d efensores d o golpe, na pc rspectiva
as esque rd as na res istência à ditadura C0 l110 anti- de que ev itava-se um mal Inai or.
democráticas e afirmado que se vitoriosas fos- Tem razão neste sentid o Marcelo Ridenti, que
sem, poderiam te r gerado um confron to ainda cri ticou a concepção de Reis Filho, d efenden-
pio r e um regime de exceção mais violen to: " Fa- d o a idéia de que havia um componente assu-
lava-se em cortar cabeças, essas palavras não mid o d e resistência nas proposições de v6r ias
e ram m etáforas. Se as esquerd as tomassem o d as organi zações de esqu c rda daquele período
poder, h8vcria, provavelmente, a resistência das e que ainda que muitas delas não pri o ri zassem
direitas e poder ia acontece r um confro nto de a "resistência democrática", o res ultado de s ua
grandes proporções no Brasil. Pio r, haveria o que ação foi o d e uma Juta de resis tência co ntra a
há sempre nesses processos e no co roa me nto ditadura. Para Ridenti, o qu e os pesqui sadores
del es: fuzilame nto e cabeças cortad as". I"') ne m sempre aval iam é qu e "nos anos 60, a ntes
Para que não tomemos co mo aná li ses do e depo is do gol pe d e 1964, a ques tão da de mo-
a uto r a síntese d e um jornal di á ri o, podemos cracia es tava no contex to da guerra fria, em qu e
reco rre r a um texto em publ icação acadêmica os Estados Un id os não hes itavam em apo iar
recente. Re is Fil ho pa rte do o bje tivo de demo ns- golpes militares para gara ntir o pod e r d e seus
trar que a atri bui ção de wn caráter d e "resis- aliados na Amér ica Latina, ditos libe rai s e d e-
tência democrática" à ação das esquerdas no fen so res da democracia ... "
período da ditadura militar é um a in venção Em seu argumento, se os es tud iosos não po-
datada da fase da redemocratização, pois as d em controlar o uso d e suas pesq uisas h;stór i-
esq uerdas da luta 3nl1 ada seriam antidclllO- as nos e mbates políticos do presente, devem ao
cráticas c vi sarialn a im p lant'ação do soc ia li s- me nos "estar co nscientes de que o realce ana lí-
mo - por e las e nte ndid o co mo in compa tível ti co de alguns aspectos, e m detrimento de o u-
com a dem ocracia - pela via revolu cionári a. E tros, pode leva r a interpretações equivocadas
isso não seria, segundo o autor, ama novidade, da realidade hi stórica como um todo".
po is já n o in ício dos a nos 1960 o des prezo pela As inte rpre tações da "fa lta de democracia
democracia se manifestara nas esq uerdas que das esquerdas" acabaram por se r incorporadas
" ineb ri adas pela v itó ria de agos to de 196:1 [a "por aqueles que isentam seto res s ignifi ca ti vos
posse de Cou lart, após a re nún cia de Jâni o da sociedad e civil d e cumpli cid ade com a dita-
Quadros l, passaram à ofensiva polí tica, e desa- dura - e até pelos que chegam a justificá-Ia",
fiavam abertamente a legal idade ex istente". ainda que essa não fosse a intenção daqu eles
Dava-se assim o argumento que faltava para estudiosos. I") O qu e está e m jogo nessa g uina-
que a direita assumisse o discurso da defesa da da à direita de uma parte da historiografia aca-
legal id ade, co nsegu ind o mobilizar um mov i- d êmi ca sobre o go lpe de '1964, não pode se r di s-
me nto civ il de g rand es proporções " para legi- so-ciado d e um processo mai o r d e d o míni o
timar posições favoráve is à in tervcnç50 milit·Llr conse rvador nas aná li ses hi stó ri cas e no pen-
go lpi sta" .I 41 ) Desse ponto de vista, que confun- samento un ive rsi tário em gera l, fruto em gran-
de o objetivo estra tégico da cons trução do so- de medida do contexto neo libe ral de ava nço

40 - FERREIRA, J. Sexta·feira I ... ]. Ob. cit ., p. 35.


41 - TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: golpismo e democracia. As falác ias do revisionismo. Crítica Marxista. No. 19 . Rio de Janeiro, 2004, pp. 44-45.
42 - O Globo. Rio de Janeiro, 29/03/2004.
43 - REI S FILHO, Daniel Aarão . Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In REIS FILHO, D. A. ; RIOENTI, Marcelo & MOTIA, Rodrigo Patto. O90lpe
e a ditadura militar 40 8110S depois (1964-2004). São Paulo: EdUSC, 2004 . pp. 38 -9.
44 - RIOENTI, Marcelo. Resistência e mistificação da res istencia armada contra a ditadura: armadilhas para pesquisadores . In Id. ib., pp . 62 e 64 ..
18 - Os trabalhadore s e o golpe de 1964: 11m balanço da historiografia

da ordem do capital nos anos 1990 e na déca­ para controlar os trabalhadores e garantir o pro­
da em curso. Pode ser interessante pensar tam­ jeto empresarial, mas foi decorrência de uma
bém como é importante para certos setores in­ intransigência mútua, senão de wna maior res­
telectuais, neste momento do governo Lula, ponsabilidade "das esquerdas".
absolutizarem a dimensão formal da democra­ No fundo, é a matriz mesma de explicação
cia representativa e o caminho da moderação da história que se coloca em questão. Não ape­
nas reivindicações populares - mesmo as rei­ nas se quer apagar, ou estigmatizar como
vindicações de reformas limitadas são perigo­ inexistente (por descompromisso com wna de­
sas e o único caminho é a paciência dos de bai­ mocracia modelar, de resto distante da realida­
xo para que, através das urnas, do parlamento de política do Brasil na época) a resistência con­
e das leis, se desperte a possibilidade de con­ tra o golpe militar e a ditadura por parte das
cessões leves e graduais dos de cima. organizações da classe trabalhadora e de ou­
Não deixa de ser triste observar como, nes­ tros setores sociais. Pretende-se mesmo afastar
te seu vôo revisionista, aCJbam por somar-se de vez o fantasma das classes e da luta de clas­
ao coro dos que, desde 1964 querem absolver ses como centro da explicação da trajetória dos
os golpistas para condenar os atin,gidos pelo homens no tempo. Mas, o espectro não se can­
golpe. Assim, nesta versão, o golpe não se deu sa de rondar. _

UJrLIOGlllAfl, CITAD

ALMEIDA, Lúcio Hívio Rod ri gues de, In­


crise política: 1961-1964. Rio de Janeiro: ditadura militar 40 (I/lOS depois ( /964­
sistente desenconrro: o PCB e <l revolução
P~lZ e Terra, 1993. 2004). São Paulo: EdUSC, 2004.

b urgu esn no período 1945-64. !n


FIGUEIREDO, Belânin G. (o rg ,) . RIDENTI, M arcelo. Resi stência e mistifi­

MA ZZEO, Antonio Cmlos & LAGOA,


Batistil1!w: o comb,llente dos trilhos. Rio cação da resistêncin armDda conlrn <l dita­

M :trin Iznbel (orgs.). Cnmções Vermelhos:


de Janeiro: CMF/AMORJ, 1994. dum: armadilhns pura pesq ui sadores. In

os comunistns bmsileiros no sé culo XX.


FORTES, Alex~Jndre (e outros). Na IU/(lllOr REIS FILHO, D. A.; RIDENTl, MZlrcelo

Silo Pnulo: Cortez, 2003.


direitos, Cumpinus: EdUnicamp, 1999, & MOTTA, Rodri go PnHo, O golpe e a

ARAUJO, M aria Celina D', SOARES,


GASPAR!, Elio. A ditadura enve r­ ditadura /nilitar 40 {//lO S de/IOLs (/964­
Gláucio Ary Dilon e CASTRO, Celso, Vi­
gOl1lwda, S~o Paulo: Cia das Letras, 2002. 2004). São Paulo EdUSC, 2004,

siies do golpe, A memória mil itar sobre 1964.


IANNI, Otávio, O colapso do JloJlulislllo RODRIGUES, Leôncio Mal1ins. fndustri­
Rio de Jnneiro: Rel ume Dum ~lr<í, 1994.
no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro:Civilização alizoção e atitutdes operârias. S50 Puulo:

BASTOS , Paulo Mello. Salvo condu to,


Brasil eiru , 1978. Brasi Iiense, J 970.

Um vôo na história. Rio de Llneiro:


MATTOS, M<lrcelo BDdaró, Novos e velhos SILVA, Fernando Teixeira da, A ca rga e a

Garamond, 1998,
silulicalismos no Rio de Janeiro: /955­ culpa: operários das docas de Santos: di­
BENSAI D, Dan iel. Mm:\", o intelll-Ilestil,o.
/988. Rio de hneiro: Vício de Leitura, 1998.
reitos e cultura de solidariedade. /937­
Grandezas e mi sérias de umZl avcntura crí­
MATTOS , M urcel o Badaró. O si ru/i­ /968. S50 P<lulo: Hucitec/Pref IVlunicipal

ti ca, Rio dc Janeiro: Civilização Brnsilei­


calismo brmileiro O/IÓS /930. Ri o de h­
de Snnto s, 1995 ,

ra, 1999.
nei ro : Jorge Zahar, 2003.
SOARES, Glüucio Ary ,0 golpe de 64. In

BOURDIEU, Pi e rre em FERREIRA ,


MATTOS, M mcelo Bndmó Trabalhado­ SOARES , Gláucio Ary & ARAÚJO,

Mariet<l de Moraes & AMADO, J;J naína .


res e sindicatos 110 Brasil. Rio de Janeiro:
M nri<l Celina D' (orgs.) 2/ alias de regi­
Usos e abusos da história oral. Rio de Ja­ Vício de Leitura, 2002,
me militar: balanços e perspectiv us. Rio

neiro: FGV, J999. MENDONÇA, Sonin Regina de. Eswdo e


de Janei ro : FG V, 1994,

DREIFUSS, Renê A. /964. a conquista do economia 110 Brasil: opções de desenvol­


TOLEDO, Cnio NavDrro de. 1%4:

Estado. Petrópoli s: Vozes, J 981, vimento. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
go lpismo e democracia. As fnlkias do

FERREIRA , Jorge. O governo GOU"lJt e o MORAES, Dêni s de, A esquerda e () gol­ revisionismo. Crítica Marxista, No, 19,

golpe civil-militnrde 1964, In FERREIRA, pe de 64, Rio de Jnneiro: Espaço e Tem­


Rio de Janeiro, 2004.

Jorge & DELAGADO, LucOia de Almeida po, 1989,


VILLA, M urco Antonio. Jango: um perfil

Neves (orgs) O Brasil Republicano. Rio de PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e


(1945-1964). S;]O Paulo, Globo, 2004.

Janeiro: Civilizaçilo Brasileira, 2003. Y. 3, social-delllocracia. São Paulo: Cia, Dns


WEFFORT, Frun c is co. Origens do

FERREI RA, Jorge. Sexta-feira 13 nn Cen­ Letra s, 1989.


sindicalismo populista no Bra sil - a con-

trai do Brasil. Nossa História. N" 5. Rio de REIS FILHO, Daniel Aarão, Ditadura e
I juntura do Dpós-guerra. Estudos Cebrap ,
Jnneiro, Biblioteca Nncional, março de 2004. sociedade: us reconstru ções da memóriu.
n 4. São Pnulo, abr./jun, 1973 .
FIGUEIREDO, Argclina C. Dem ocracia In REIS FILHO, D, A.; RIDENTI , Marce­
WOOD, Ellcn, Dcmocraci(/ contra C(1Jli­
ou refo rmas? Alternativns democráticas 11 lo & MOTTA, Rodrigo P<ltto. O golpe e a
wlismo. São Paulo : Boitempo, 2003.
la de Classes -=-,

A história do golpe de 1964 possui vários aspectos que são


abordados sob os mais variados pontos de vista. A questão
da relação entre acumulação capitalista e golpe de 64 já
recebeu alguns estudos mas sob perspectivas que deixam
de lado o essencial, isto é, o processo de luta de classes a
nível nacional e internacional. É desta perspectiva que
analisaremos esse fenômeno no presente artigo. Para isto,
discutiremos o desenvolvimento capitalista e os regimes de
acumulação que estão na sua base e as lutas de classes
nacionais e internacionais. Assim feito, apresentaremos
nossa hipótese de que foram as lutas dos trabalhadores, no
contexto de crise internacional de um regime de acumula­
ção e busca de aumento da taxa de exploração, que pro­
moveram o golpe de estado de 1964.

Acumulação Capitalista e

~olpe de 1964

Nildo Viana
ra compreender a relação entre
anunulação capitalista e gol­
pe de 64, é necessário enten­
der a dinâmica do capitalis­
mo mundial do pós-Segunda
Guerra Mundial e a inserção
do Brasil nesse contexto. A
periodização do capitalismo
proposta por Benakouche [1980], fundada nos
regimes de acumulação, é uma contribuição
fundamental paia tal.
Esse autor considera que as fases do capita­
lismo são marcadas por diferentes regimes de
acumulação: "A mudança de formas é uma das
características do modo de produção capitalis­
Nildo Viana é Professor da Universidade Estadual
ta. De fato, os modos c as formas da acumula­
de Goiás; Doutor em Sociologia/UnB . ção do capital e, portanto, os modos de extra­
E-mail: [email protected] ção da mais-valia e as formas que assumem as
20 - ACII"w!a çiio (.i./püalhlt/ f! Go lfll! lle 6.J

relações sociais (inclusive as relações salariais) nea, desde qu e se pense na ação d o ca pital, sem
mudam em função de evolu ção do capitali smo. a irrupção do mov imento operiÍrio para além
E, se os modos e forma s de acumulação de ca- de suas lutas co tidian as. Essas leses são impor-
pital mudam com o tempo, seus elementos de tantes para compreend ermos qu e as mud anças
articu lação, tais como os modos de extração da de regime de acumul ação não são apenas pro-
mais-valia, as fonnas das re lações sociai s, as duto da concentração e centrali zação d o capi-
forma s da es trutura d e produção ou a hi erar- tal, mas também res ul tad o da Juta operári a.
qui zação d o s is te m a pro dutivo na cional, os A passagem de um regime de acumul ação
mod os e as form as de organização do processo para outro é produto das lu tas de classes, não
de trabalh o, o nível e o tipo de desenvo lvimen- sendo portanto resultado de mera ação do capi-
to das forças produtivas, as formas do Estado, tal. Essa passagem dá-se na perce pção das mu-
a estrutura social ou os modos e as formas da tações do capitalismo, enquan to estratégias do
luta d e cl asses, os tipos e as fo rm as de domina- ca pital, para manter sua reprodução, e da ação
ção nas relações econõmi cas internacionais I... ] proletária, no sentid o de impedir a vo racidade
evolu em Ou mudam em fun ção do grau atingi - exploradora deste último, ntun primeiro momen-
d o pelo d ese nvo lvimento d o ca pitali smo." to, e buscar s ua abolição, em um segund o.
IBenakou che, 1980, p. 24]. A partir destas consid erações gerais, pode-
A pe ri odização d e Benakou che funda-se nos mos ini ciar um a an áli se do desc nvo lvinlento
regimes de acumulação, qu e são produtos da capita li sta. A conceitu ação dos reg imes de acu-
internacionalização d os ciclos do capital. Con- mul ação torna-se necessá ri a. Para nós, um re-
cord amos com a id éia de que o capitalismo atra- gime de acumu lação ca racte ri za-se por uma
vessa várias fa ses que caracterizam diferentes determinada forma de organização d o proces-
reg imes d e acumulação. No entanto, não con- so de trabalh o - uma determinada estratégia do
side ramos esse processo como sendo caracteri- ca pital para ex tra ir mais- va lor e uma configu-
zado por um a evolução linear e sim sob uma ração estata l dada - qu e define, po r um lad o, a
dupla arti cula ção entre o que podemos deno- ação do Estado e sua fo rma de organi zação e,
minar de d esen volvimento es pontâneo do ca- por outro, UI11a deterllli néJda articul ação das
pitalismo, por um lad o, e luta operária, por relações internacionais, ou seja, Ulll de termina-
outro. No primeiro caso, temos o movimento do modo de ex pl oração cap ita lis ta mundial.
do capital, isto é, a ação do capital expressando Partind o desta defini çã o inici;:li, podemos
o pred omírtio do trabalho morto sobre o traba- seguir a pe ri odização de Sam ir Amin (1977) e
Ul0 vivo; no segW1do, temos o movimento ope- Rabah Benakouche, para ex por as fases do ca-
rário, isto é, a ação d o trabalho vivo contra o pitalismo. A fase de s urg imento d o capitalismo
trabalho morto. A concepção feticl1ista da ciên- é marcada pela acumul ação pr imiti va de capi-
cia econômica enxerga apenas o primeiro mo- tal, que fornece as bases da acumul ação ca pita-
mento, isto é, o trabalho morto, o desenvolvi- lista propriamente dita. Com o processo histó-
mento espontâneo do capital, deixado ao seu ri co, surge a fase de consolid ação e ex pansão
bel-prazer. Na verdade, isto pod e ser expresso d o mesmo, qu e vai da revolu ção industri al até
como luna luta de classes, embora nessa luta a metade do sécul o :I 9, formand o o regime de
haja o predontini o do capital, o que reforça a acumulação ex tensivo, fundad o na extração de
concepção feti chista que não ultrapassa a apa- mai s-val or abso luto como elemento central da
rência do fenômeno. acumulação capita li s ta.
Assim, o desenvolvimento capitalista é mar- Este regime de acumu lação é marcado por
cado pela ação do capital e pela luta operária uma alta taxa d e explo raç30 e entra em crise
com a primazia do primeiro, na maior parte do com a ascensão d as lu tas o perárias que provo-
tempo, mas sempre sob a resistência proletária cam a diminui ção da jorn ada de trabalho e cul-
e as irrupções revolucionárias que aba lam tal mina com a Comuna de Pa ri s, em 1871 . A rea-
desenvo lvimento. Assim, existe tuna tendência ção do capita l assume a forma d e reorganiza-
do desenvo lvimento capita li sta, que é espontâ- ção do processo de traba lh o, com a implanta-
1I i.((fÍr;f1 ,f.: 1. ,,((1 fi e C l aHeç · 21

ção d o tay loris mo, que se caracteri za por utili- ção tanto a ruvel nacional quanto internacional,
za r um p rocesso de raciona lização d a organi- intens ificand o simultaneamente a ex tração de
zação do traba lho objetivando o aumento da mais-valor abso luto e mais-valor relativo.
extração de ma is-va lo r rel ativo. Esse período é Esses regimes de acumu lação se caracteri-
aba lado com as tentati vas de revolu ção, n o iní- za m não apenas por determinadas form as de
cio do sécul o 20 (Rúss ia, em 1905 e 19]7; Ale- organi zação do processo de trabalho, mas tam-
manha, no fin a l d a d écada de 10 e iníci o da dé- bém por fo rmas estata is e de relações interna-
cada de 20; na Hu ngria, em 1919; na Iti.Í lia, em ci onais. Por exempl o, o Estad o I ibera l foi a for-
1920; etc) e cu lmina co m as Guerras Mundiai s, ma estata l d o regime de acumul ação ex tensi-
em 19]4-]8 e 1939-45. vo; o regim e d e acumul ação intens ivo teve
A fase seguinte do ca pitali smo é constituíd a como forma estata l o Estado Iibera l-democrMi-
a pós a Segund a Guerra Mundi al, co m a h ege- co; o regime de acumul ação intens ivo-extensi-
moni a norte-am eri cana e com o fordismo, qu e vo p oss uiu como forma es ta ta l o Es tado
utili za a tecnol og ia para JUlnentJr a extração integracionis ta ("bem estar social", "interven-
de ma is-valor rela tivo, combinado co m O au- cion ista"); o regime de acumu lação integral, po r
mento da ex ploração mundi al, através d a ex- sua vez, adota o Es tado neoliberal.
pansão transnaciona l. Esse novo regime de acu- As mutações d os regi mes de acumul ação
mulação, intensivo-ex tens ivo começa a entra r também determinam mud anças cu ltura is, so-
em crise nos anos 1960, tentand o se reprodu zir ciais, entre outras. Devid o aos objeti vos d o pre-
mas acaba send o substi tuíd o pel o atual regime sente trabalh o, deixaremos de lad o as determi-
de acumul ação, o integra l. na ções de cada regime de acumulação, pa ra
O regime de acu mu lação integral funda-se na foca lizar apenas o que tem importância cru cial
reestruturação produtiva, no neolibcralismo e no para nossa análi se do golpe de 64, ou seja, o
neoimperia lismo, e busca aumentar a ex plo ra- regi me de acumul ação intensivo-extens ivo.

A crise do Regime de Acumul açã o Intensivo -Extensivo

O regime d e acumul ação intens ivo-ex tensi-


vo marca um a nova etapa da ex pl ora ção
internacional. No início do sécu lo vinte, o re-
Sem dúvida, a ex pansão tecno lógica fo i ex-
tremamente elevada, mas isto fo i propo rciona-
do pela ex pansão da produ ção de bens de con-
sultad o das lutas o perári as nos países imperia- sum o - qu e a umenta o mercado consumid or
listas determinou um recuo da classe capital is- de bens de produ ção. Caso o in vestimento não
ta no processo de exploração in terna, compen- tivesse sido pri orita riamente desv iad o pa ra a
sada pelo au mento da ex p lo ração ex terna. produ ção de bens de consumo, a composição
O fordi smo expressou uma tentati va de au- orgâni ca do ca pital sed a mai s elevad a c a taxa
mento de extração de ma is-valor relati vo atra- de lu cro teri a caído ainda mais rapidamente.
vés d o uso da tecnologia objeti vand o aumen- A expan são da produ ção de bens de consu-
tar a produ tividad e. No e nta nto, o us o d a mo produ z a necess id ade de ampliação do mer-
tecno logia avançada também significa cus tos cado consumid or, o que provoca a integração
mais a ltos, o qu e faz com que os ga nhos não de camad as cada vez mais ampl as do proletari -
fossem tão e leva d os. Alé m d isso, dev ido ao ado ao cí rcul o do consumo, gerand o que alguns
aume nto da compos ição orgâni ca d o ca pital den ominaram "sociedade de cons umo".
(uso crescente de tecn ologia e forças produti - O Estado integracioni sta visa am ortecer os
vas; uso decrescente de força de trabalho, gera- conflitos de classes, com s ua po líti ca de bem
d ora de mais-va lor) e a conseqüente tend ência es ta r socia l e coo ptação da burocracia sindi cal,
decli na nte da taxa de lu cro, se lan çou mão da e desviar os in vestimentos para seto res de con-
estratégia de desv iar a acu mulação de cap ital sumo e se rviços. Entretanto, isso não é sufi ci-
para a p rodução de bens de consumo, em de- ente pa ra a reprodu ção do cap itali smo nos pa-
trimento de meios de produ ção. íses imperi alistas c por isso a intens ifi cação da
22 - Acumulação CapiJali.fta e Golpe de 64

exploração internacional torna-se fundamental. 11956 - 1961J cumpriu o papel de in centivado '
O processo de desco lonização foi acompanha- do capital transnacional e da expan são ind"s-
do pela expansão transnacional como ponto trial. Esse processo marcou a inserç50 d o Brasil
forte da exploração mundial . na divisão internacional do trabalho sob a for-
Neste contex to históri co, temos no cap ita- ma do desenvolvimento subordinad o, manten-
lismo s ubordinad o uma forma de acumu lação do seu pape l na engrenagem do ca pitalismo
capitalista diferenci ada. Esse é o caso do Bra- mundial. O denominad o "modelo de substitui-
sil, que possuía uma acumu lação capitalista ção de importações" fo i a expressão d a cons-
subordinada. Nos países imperialistas, além da tante reconversão ca pitali sta, reproduzindo a
exploração inte rnacional, ternos o predomínio subordinação mundial dos países de capitalis-
do capital nacional. No capitalismo subordina- mo retardatário, subordinação essa caracte riza-
do, temos a chamada "tríplice aliança", isto é, a da pela modernização e reprod ução da exp lo-
associação entre capital estatal, capital nacio- ração internacional.
nal e capital trans nacional [Gorender, 1988 1. "As medidas adotadas em 1955 pelo gover-
A diferença e ntre a acumulação capitalista no de Juscelino Kubitsch ek redunda ram de fa to
dos países imperiaJjs tas e a dos países subordi- na anu lação das limitações que se impun.ha m à
nados encontra-se na transfe rência de mai s-va- p enetração d o capital es trange iro no Brasil.
lor que aumenta o processo de acumu lação em Com base nos decretos gove rn amentais e n a
uns e diminui em outros. O Estado e o ca pital Instrução nU113, a Superintendência da Moeda
nacional são aliados s ubordinados do capita- e do Crédito - SUMOC - concedeu às compa-
li s mo impe ri a li s ta e, portanto, do capita l nhias estrangeiras o direito de leva rem ao Bra-
transnacional. Assim, a acumulação capitalista si I equi pamento obsoleto.
subordinada é mai s lenta do que a acumulação O governo bras ile iro assumi a o compromis-
dos p aíses imperi alis tas, pois, no primeiro caso, so de considerar novo esse equipamento, tomá-
tem os uma parte da acumulação trans ferida lo na qualid ade de investimen to direto em di -
para o ex te rior e, no segundo, um incremento visas, como valor declarad o pela empresa in-
da acumu lação de capital, dev ido à transferên- vestidora estrangeira, que dava direito a quais-
cia para o interior. quer vantagens: à isenção do imposto alfande-
Essa situação faz d o regime de acumulação gário para a entrada no país, dos impos tos fe-
nos paises capita lis tas subordinados um ele- derais e locais durante vários anos, a uma taxa
mento propulsor da acumulação imperialista e especial e vantajosa para a troca do cru zeiro por
ao mesmo tempo faz com que ele seja deficitá- dólar para efeitos de remessa de lucro para o
rio e mais lento do que nos países imperialis- exterior e assim por di ante." [M ichin, 1973,
tas. Após a Segunda Guerra Mundial, a implan- p.75J.
tação do regime de acumu lação intensivo-ex- A reconversão capitalista expressa a moder-
tensivo nos países imperialis tas se fez com al- ni zação subordinada . Nesta últi ma, se re pro-
terações nos pa íses subordinados. No Brasil, duz a relação de explo ração internaciona l atra-
mais especificamente, ocorreu um processo de vés de irradiação de mudanças dos países im-
reconversão capitalista, denominado por alguns peri alistas para os países subordin ados, em for-
autores como "modelo de substituição de im- ma retardatária e reproduzind o a subordinação.
portações", marcada pela expansão industrial Um exemplo clássico é o da índ ia, que produ-
e por uma forma subordinada de integracio- zia e vendia algodão para a Inglaterra, compran-
nismo, ou seja, o populismo. Desde Vargas, o do tecidos da mesma. Posteri ormente, a índia
populismo brasil eiro realizou uma certa con- passou a produzir e vender tec id os e comprar
cessão ao movimento operário, tal como expres- máquinas para realizar esta produção e assim
so pe la CLT, al ém de outras ações e elementos sucessivamente. [Emanuel; J981; Dowbor, ]987;
ideológicos, cultu.rais, entre o utros. Viana, 2000J
O desenvolvimentismo foi o comp lemento O populismo expressava uma forma s ubor-
do populismo e o Governo Juscelino Kubitschek dinada de integração d a classe o perária. No
lIi slIi r;a & 1,lI ra tl (' C JnsH' .f - 23

entanto, no caso brasileiro, a integração d a cl as- bilhões de dólares, agravando-se essa situação
se operária e de outros seto res sociais sempre a partir de 1958. IGranou, ] 9741A partir d os anos
foi débil, pois, nesse caso, o processo de extra- ] 960, inicia-se a tend ênc ia mundial de aumen-
ção de mai s-valor era mais intenso, dev ido à to dos preços e da inflação IBenako uche, ] 9811·
tran sfer ên cia de mai s-va lor para o ex teri or. Certa mente que esse processo é a penas a
Além disso, as re lações de produção não-ca pi- antecâm ara do qu e virá a partir da segunda
ta listas ainda ex istentes tinh am que se inserir metade da d éca d a d e 60 e na década de 70.
na nova dinâmi ca do país no interi or do ca pi- IMand e l, :1 990; Benakou che, 1981; GrilllOu ,
ta li smo mundi a l. Ass im sendo, desencadeou- 19741 No entanto, essa cri se marca a necess i-
se o acirramento das lutas de classes, que ge- dade do aumento da exploração inte rn ac ional,
rou o golpe de :1 964, caracteri zado, por um lado, que começa a se r gerad o nesse momento e se
pe la a ascensão d as lutas sociais e, por outro, int en s ifi ca co m a forma ção da Co mi ssão
pe la crise do regim e de acumulação intens ivo- Tri latcra l, culminand o com a impl antação do
ex tensiv o. regime d e acumulação integra l, a partir d os
Embora atinja tod o o bloco imperialis ta, a anos 80 IVi ana, 20031·
cri se do regime de acumul ação intensivo-ex ten- O processo inicial de crise dos Estados Un i-
s ivo ocorre exemplarmente na g rand e potência dos e em todo o mundo ca pitali sta, teve g rand e
impe rialista mundial, ou seja, nos Estados Uni- importância no d esenvo lvimento da soc iedade
dos. Entre 1950 e 1957, a balança come rci al no r- brasileira, send o determinação fWldam ental d o
te-americana apresentou um défi cit de dezesseis go lpe de 1964, co mo proporemos adi ante.

As lutas Sociais no Brasil e a Acumula ção Subordinada

J á no final dos anos 50, as lutas dos trabalha-


dores no Bras il exp ressam um ques ti o na-
me nto do Estado pop u lis ta. O desen vo lv i-
mento grevista cresceu a partirdo final d os a nos
50 e continu ou se fortalecendo no iníci o da d é-
cada seguinte. liA esca lada in flacionária leva a
men tismo do Governo Kubitschek com a ex pan- umiJ esca lada das gre ves. A no após ano os re-
são da in fra-estrutura e a atração de capita l es- cordes de horas perdidas são batidos.
trangeiro marco u um processo de desenvolvi- Em 1958, destaca-se a paralisação po r 7 dias
mento ca pitalista fundado no crescimento do da marinha 111erca nte em todo o país, C0l11 a par-
ca pital transnacional e no aumento da explora- ti cipação de centenas de milhares de ma rítim os.
ção da fo rça de trabalho, ao lado de várias ou- Malgrado a il egalidade da greve, JK acabo u
tras mutações que s ignifi cavam W11 avanço do concedend o à mai oria das reivindi cações. Nos
ca pita lismo no país. transportes urban os, a greve dos cani s do Rio
A ex pan são ca pitali s ta promoveu um a de Jane iro, apoiada por fortes e vio lentas ma-
po liti zação das lutas pela terra, pois as relações nifestações es tudantis, também te rmina vitori-
de produção não-capitalis tas eram destruídas osa." ICastro, :1 980, p. 691.
devido à va lori zação das terras, motivada pela Ai nda em 1958, o mov imento o perári o ar-
co ns trução de rodovias lMartins, :1 986; Dowbor, ran co u 53(},;) de aumento salarial do govern o JK,
"1987 1 e va lo ri zação d o açúcar. Es te processo a um ento co rro ído pela infl ação qu e e m dez
gerou a expu lsão dos foreiros e vári os mov i- meses chegou <l oitenta por cento. "Em 1959 não
mentos co ntestado res no campo, ta l co mo as somente as greves se intensifi caranl, co mo a
revoltas e li gas camponesas da segunda meta- deses peração pel a co ntínua erosão dos salá ri -
de da década de 50 IMartin s, 1986J. Também os provoco u a mult ip licação de manifes tações
oco rreu um a ascensão das lutas estudanti s, que de rua co m choq ues vio lentos co m as fo rças
p romoveu uma mobili zação mai or do que a de po li ciais. Protestos con tra a alta dos preços se-
períodos precedentes IPoerner, 1979 1. gui am-se freqü entemente de pilhage ns de a r-
O movimento operá rio também atravessou mazéns. Em vários casos as forças poli ciais uti -
um período de mobili zação crescente. O movi- liziJ ram armas de fogo ou biJi onetiJs pariJ rep ri -
24 · AculIlulação Capitalista e Golpe de 64

mir OS manifestantes, provocando ferimentos e Assim, temos wna alta taxa de ex ploração
a morte de dezenas destes". [Castro, 1980, p. 70] que possui momentos de ascen são e queda. Esta
O ano de 1960 foi marcad o pela continuida- alta taxa de ex pl oração é al go constante na his-
de d a luta o perári a. Em 1959, ocorreram 954 tória brasileira, pois a exploraç50 visa susten-
greves e, em 1960, um milhão e meio de traba- tar não somente a acumulação interna como
lhadores aderi ram ao mov imento grevista, sen- também rea li za r trans ferên cia de mais-valor
d o que a greve geral d a cidade de Santos foi o para o exterior.
momento mai s fo rte dessas lutas. No fina l de A ascensão ou qued a ocorre no interior de
1960, aumentaram os confrontos entre o gover- um contexto permanente de alta taxa de explo-
no e os trabalhadores d o setor ferroviário, ma- ração. É necessá ri o ressaltar isto paTa não se cair
rítin10 e portuário. na ilusão es tatística que utili za a comparação
A ampla mobilização continuou e, em 1962, de um dado períod o com ou tro sem apresentar
vária s g reves foram desencadeadas pelos o que signifi ca o período que é ponto de parti-o
aeroviários e es tivadores, juntamente com g re- da, isto é, que ele já tem embu tido dentro de si
ves parciai s, o que leva o Governo Goulart 11961 uma alta taxa de ex pl o ração. No entan to, alguns
- 1964] a conceder aumentos sa lariais. Em ou- autores, como Moraes, qu esti ona m a segw1da
tubro de 1962, setecentos mil trabalhadores en- fase apontada por O li veira, co locando que os
tram em greve em São Paulo, obtendo aumen- ,úveis salariais são m ais elevados do que este
tos sa lari ais. [Castro, 1980]. Assim, a ascensão autor afi rma. [Moraes, 19911·
das lutas 'o perári as, bem como das lutas estu- Sendo assim, seja como co loca Moraes, seja
d anti s e ca mp onesas, difi cultava a concreti- como coloca Oli veira, há u m revezamento en-
zação d os interesses da classe capitalista: o au- tre altos e baixos salGri os de pendendo das lu-
mento da taxa de explo ração. tas dos trabalhadores. Isto sign ifica que temos
Por wn lado, o p rocesso de ascensão das lu - uma taxa de exploração qu e não cresce linear-
tas sociai s a temo r izava as fo rças po líti cas mente e ainda encontra obstáculos [tal comu no
ins titu cionais co nservadoras e, por outro, pro- caso de 1961, citado por Ol ive ira].
vocava a intensifi cação da aprox imação dos A partir de 1961, há um a expa ns50 do pro-
setores popu li stas co m a pop ulação, radi ca li- cesso infl acio ná rio e do défi cit es tatal, come-
zando na medida do poss ível o seu discurso. çando as dificuld ades no p rocesso de acwnu-
A história do salári o mínimo dos operári os ' lação capitalista subordinada no Brasil. Antes
(excluind o outros setores sociais) aponta para de continu ar, seria interessante ca racteri zaT essa
uma lógica d e aumento da exploração reveza- acumulação subo rdinada, tendo em vista que
da com diminuição da mesmo, segund o a força alguns autores procu ram dar res pos ta a essa
de pressão d os trabalhadores. questão. Para eles, o grand e problema da acu-
"Pode-se perceber claramente três fases no mulação capitalis ta no Brasil res id ia no proble-
compo rtam ento d o salári o-mínimo real: a pri- ma da real ização, pois o processo de acumula-
meira, entre os anos 1944 e 1951, redu z pela ção tornaria necessá ri o uma "terceira deman-
metade o poder aqui siti vo do salári o; a segun- d a". Essa é a posição de, entre ou tros, TavaTes e
da, entre os anos 1952 e 1957, mostra recupe ra- de Salama, citad o por Moraes. [Tavares, 1973;
ções e declínios alternando-se na medida do Moraes, 1991]
poder po líti co d os trabalhad ores: é a fase do A terceira demanda seri a co nstituída pelas
segu nd o Governo Vargas, qu e se prol onga a té camadas médi as, consumid oras de bens de con-
o primeiro ano d o Governo Kubitschek; a ter- s umo dur áve is. Essa tese pa rte de uma
ceira, ini ciando-se no ano de 1958, é ma rcada incompreensão d a dinâmi ca da aCLLmulação
pela deteri oração d o sa lário-mínimo real, numa capitalista, iso land o e tornando um setor de
tendência qu e se agrava pós-anos 64, com ape- consumo centro da reprodu ção do ca pital. Na
nas um ano de reação, em 1961, qu e coincide verd ade, houve uma expansão da produção de
com o in ício do Governo Goulart". [Oli ve ira, bens duráveis, qu e teve como pr in cipai s con-
1987, p. 51-52] sumido res as classes auxiliares da burguesia
l/i .Ç (lír ill & LU/li (/(' C/tl.\'.{/'x • 25 I
("classes médias" ) que aumentaram quantita- tas, enq uanto os sa lár ios seguiam de pe rto os
tivamente. Porém, pa rte d esse processo de acu - preços, limitand o, ass im, as poss ibilidades d e
mu lação era reve rtido pa ra os países impe ri a- redistribui ção fo rçada". ITavmes, 1973, p. 1691
lis tas e essa expansão proporcionava o cresc i- Por sua vez, o invcs titnento es tatal estava
mento, ainda qu e em meno r medida, de outros comprometido pela relação gas tos-carga fiscal.
seto res. Ass im, o probl ema da demand a era re fo rçad o
A tese com ple mentar presente e m Tava res é pelo problema d o in vestimento públi co e pri-
de que o g ra nde problema, ao lado da de man - vado, gerando as causas da c rise d o início da
da, foi o financiamento. "A inex istência de um d écada de 60.
volume adequad o de in vesti me ntos, capaz d e Ess a tese apresenta vár ios probl e mas. A
assegura r a man utenção de um a alta taxa d e ques tão d a demanda ganha a impo rtân cia atr i-
ex pansão eco nônücél, não se relaciona es trita- buída de vido ao fato d e Tavares setoriali zar e
mente com limi tações d a ca pacidade produti - a utonomizar os elementos componentes da pro-
va [... 1, mas s im com probl emas relacion ad os du ção. Nessa abordagem, o seto r d e prod ução
co m a estrutura de de ma nda e co m o financia - de bens duráveis é iso lad o e autonomizado, ao
mento". [Tavares, 1973, p. 168 1 contrário d o que oco rre na realid ad e conc re ta .
Para essa tese, o probl em a d a d e manda é Pod emos di zer que, como propõe Tava res, o
comple me ntado pe lo problema da incapacida- cap ital tran snaciona l era o principal, mas 1150
de d e fina ncia me nto. Para Tavares e José Serra, único, produtor d e be ns duráveis, e qu e as clas-
co-autor do ca pí tul o e m que a autora abo rda a ses au xili ares da burgu es ia e ram seu prin cipal
prob lem á tica, o problema d a demand a é d e ri - mercad o consumid o r. No entanto, o consumo
vad o do alto grau de concentração d e renda e de ben s duráveis ta mbé m e ra rea li zad o pela
da escassa capacidade aq uis iti va d os "grupos classe d ominante, inclu sive com um po de r aqu i-
médios". A solu ção seri a mud a r a co mpos ição siti vo 111uito mai s elevado, e, em m enor grau,
da d emanda em favo r das "camadas médi as" e po r seto res das classes ex plo rad as com melh o-
a ltas, be neficiadas com a redistribui ção da ren- res condições finan ceiras.
da pessoa l. Ass im, oco rre ri a um processo d e É necessá rio lembrar que há difere ntes tipos
"co mpressão, até mesmo abso luta, das remu - d e ben s duráve is, com preços mai s e me nos
nerações à m assa d e traba lhadores me nos qu a- acess íveis. Além di sso, para comprovar o pro-
li ficados"- [Tavares, 1973, p. 1691 blema da de manda, seria necessá ri o d e mo ns-
Neste contexto, comprometi a-se o financia- trar que hou ve uma diminui ção quantitati va das
mento de novos investime ntos pri vad os. A re- classes auxil iares ou, então, uma qu eda d e seu
lação exceden te-salári os compro me tia esse pro- nível d e renda, o qu e Tavares não fez . No e n-
cesso, já que a escalada inflacionária do pe río- tanto, a relaç50 salarial apo nta para uma di stri -
do anteri or propo rcionava um amo rtecimento bui ção de renda fa vo rável às classes auxi li ares
das " tensões sa lári os-lu cros" e urna taxa ilu só- em d etrimento do pro le tariad o.
ria de lu cros, qu e pro porcion o u novos in vesti- "A relação entre os sa lá ri os médi os d os bu-
mentos, mas qu e acabo u perdend o a fun ciona- rocra tas e o d os operári os é de 1; 18 e m ]949 e
lid ade. 2,23 em 1969, pa ra o total da indú s tria d e trans-
"Com o descontrole de seu s mecani smos d e form ação. Da Inesma maneira, a ta xa de cresc i-
propagação, a inflação se ace lerou, pe rdendo mento d o salár io médi o d os buroc ra tas supera
s ua fun ciona lid ade; ne m as a ltas ta xas de cres- em mai s de duas vezes c meia a dos operári os
cime nto poderi a m diminuí-Ia . A mai o r so lid a- e m ·1949-58 e em quase quatro vezes no pe río-
ried ade d os preços relati vos imped ia uma trans- d o ]958-69 (o índice do va lo r abso luto d o salá-
fe rê ncia interseto rial dos custos, d es mi stifi cava rio médi o d os o perários passa de 100 e m 1949,
os lu cros ilu só ri os, es trangula va fin ~l1l cc ir amen ­ a 136 e m 1969, e nquanto qu e o dos burocratas
te as e mpresas. passa d o índ ice ]05 para 320, no mesmo pe río-
O acele rado ritmo d o aumento d os preços do)." [M o raes, 1991. p. 36 1.
levou à intensificação das pressões trabalhi s- Alé m di sso, O p rocesso d e buroc ra ti zação
26· AClIlIlulaçiio Capjttlli.~t(l e Gol/JC de 64

crescente faz parte da dinâmica do desenvol vi- "classe média", consumid ora d e bens duráveis.
mento capita li sta, o qu e d etermina aumento [Oliveira, 1987]
quantitativo d as classes au xili ares da burgue- A cri se teria sido gerad a pel o ro mpimento
sia. Como Tavares não apresentou ne nhuma com do pacto populista e pela luta dos traba-
informação sobre a diminuição quantitativa lhadores: "A luta que se desencade ia e que pas-
dessas classes, não existe comprovação para o sa ao primeiro plano políti co se dá no coração
cllamado "problema da demanda". das relações de produ ção.
Por sua vez, ao contrário do que di z Tavares, Pensar que, nes tas cond ições, poder-se-iam
o p rocesso inflaci on6ri o não beneficia os traba- manter os hori zontes d o cálcul o econômico, as
lh adores, criando taxas ilu só rias de lu cro. Isso projeções de investimentos e a capacidade do
só ocorreria caso se comprovasse que os aumen- Estado de atuar med iand o o conflito e manten-
tos dos preços foranl inferio res aos au mentos do o clima institu cional es tável, é vo ltar ao
sa lari ais, o que é desmentido pelas informações economicisnlo: a in versão cai não porque não
ap resentadas p or outros a utores . [Oli veira, pudesse reali zar-se econ om ica mente mas sim
19871 Assinl, o suposto probl ema de demanda por qu e não pode ri a reali za r-se institucional-
revela-se uma hipó tese não comprovada e que mente." [Oli veira, 1987, p. 63J
possui muitas informações que a contradizem. Sem dúvid a, a luta dos trabaUladores foi fun-
Por co nseguinte, o probl ema do financia- damentai para o desencadeamento do golpe de
mento privado é inexistente, pois as taxas de 64 e para as dificuld ades de reprodução do ca-
'lu cro do períod o não e ram "ilusórias" e sim pitaLismo brasileiro no in íc io da década de 60.
rea is. O financiamento estatal derivado da re- Porém, essa abordagem esquece a especifici-
. lação cus tos-carga fiscal também não recebeu dade da acumulação capitalista no Brasil, que
comprovação. E mesmo que os investimen tos res ide em seu ca rá ter s ubordinado.
estatais tenham diminuíd o no período pos teri- A luta dos trabalhadores difi cultava a inten-
or ao Governo Kubitschek, seria necessá ri o de- sifi cação da taxa de expl o ra çã o e, ao mesmo
monstrar que tal diminuição foi significativa e, tempo, atemorizava os setores nlais conserva-
ainda, que ela provocaria efeitos poderosos no dores. No entanto, isso não era suficiente para
processo de acumu lação. explicar o gol pe de J 964.
O problema geral da acumulação capitalista A rlificuldade na acumulação capitalista bra-
subordinad a é a con vivência de uma alta taxa sileira do inJcio da década de sessenta está Li-
de exploração com a transferência de mai s-va- gada, por um lad o, ao seu caráter s ubordinado
lor. Isso proporciona, por um lado, uma acu- e, por outro, à luta dos trabaLhildores .
. mulação mundial elevada e, por outro, uma A acumulação subordinada exige uma super-
acumulação naciona l limitada, já que parte d a exploração dos trabalhad o res que se intensifi-
acumulação é enviada aos países imperiali stas. caria natura lmente, caso não ho uvesse res istên-
O principal entrave é a dificuldade em au- cia. Mas C0l110 a res istê ncia ex iste €, naquele
mentar a já intensa taxa de exploração e não contexto histó ri co, tornou-se mais forte, o pro-
problemas de demanda e financi amen to, em- cesso de acumul ação encontrou dificuldade
born eles possam difi cultar a rep rod ução da para prossegui r.
acumu lação em determinad os contextos. A grande ques tão é que, naquele período
Uma outra tese explica a crise do início da histórico, não apenns a aClIlllU lação subordina-
década de 60, não como de realização, mas a par- da no Brasil atravessava d ifi culdades, pois este
tir das lutas dos trabalhad ores. Na época, teri a processo era mundial, tal como co locamos an-
ocorrid o um aumento da taxa de expl oração que teriormente.
deprimia relativamente o cons um o, sobretud o Essa crise d o regime de acumulação intensi-
de bens não-d uráveis - vestuário, alimentação, vo-extensivo pro vocava a necess idade de au-
ca lçad os, etc. - dos trabalhadores e dos seto res mento da ex plo ração em escala mundial, o que
ma is empobrecidos da popula ção. Esse fenô- significava aumentar o processo de exploração
meno era acompanhado pelo crescimento d a sem alterar o regime de acumulação .
lIi.çt ti r itl ...I.'- 1. 11 ((1 dt~ C /(I.u ·cs . 27

Assim, as lutas dos traba lh adores criavam Desta forma, o golpe de 1964 foi p roduto da
um obstácu lo ao processo de intensifi cação da ofens iva cilpitalis ta rea li za da pelas potências
ex pl oração necessári a, por um lado, à acu mu- impe ria lis tils, com des taque aos EUA, com o
lação subord inad a brasil eira e, por outro, à acu- apoio da burguesia brasileira e de out ros seto-
mu lação norte-ameri cana . Assim send o, os se- res, que conseguiu produzir um ampl o aparato
tores conservadores, ou seja, o ca pi tal no rte- repress ivo e desa lojar do governo setores popu -
mne rican o c transn3cional, a burguesia brasi- li stas e reformistas qu e tinham dificuldades em
leira e suas classes auxili ares, etc., un iram-se atacar diretamente os trabalhadores e aumen-
para comba ter essa res is tência. Ass im o fazen- tar o processo de exploração.
do, poss ibil itariam um a inten sificação do pro- Portanto, o discurso segund o o qu al o golpe
cesso de ex ploração nacional, como efetivamente foi realizado para ev itar a forma ção dc lun a "re-
ocorreu, nos anos pos teriores ao go lpe de 1964, públi ca s indi ca lis ta", para combate r o comuni s-
e o crescimento da exploração internacional, qu e mo, para acabar com a corrupção, não passíl de
gerou, na dé cada de setenta, a Co m issão pretex to visand o justifi car e legitimar um pro-
Tri latera l. cesso intens ivo de re pressão qu e procurava
Des taque-se que a grand e preocu pação da possibilitar processo igualmente inten s ivo de
Comi ssão Trilateral e ra o controle internaci o- ex pl oração.
nal, IAsmann, J979] que procu ra, por um lado, Tud o isso pa ra aumentar o processo de acu-
il so lu ção dil crise do regime de ilcumul ação no mulação ca pita li sta no Bras il , a fim de sus ten-
seu inte ri or c, por outro, ao mesmo tCln po, já tar as necess idad es da burgues ia brnsilcira e ;]
ilIlu nciavil elementos qu e seriilm desenvolvidos trans ferência de mais-valor ex igidas pe los p.lÍ-
n o regime de ilcumulação poste ri or, ex pressil n- ses imperiali stas, principalmente pe los Estad os
do, assim, um períod o de trans ição. Unidos. Em síntese, fo i a ascensão d a luta ope-
Não fo i sem razão a ampl a participação dos rá ri a e de outros setores socia is qu e promoveu
norte-americanos no desencadeamen to do gol- a necessid ade de trans ição da democ racia bur-
pe de 64. Ela era uma necess idade do capita li s- guesa p ara a ditad ura, pois a penas esta última
mo norte-ame rica no em crise, qu e precisava poss ibilita ria a ampli ação da taxa de ex p lora-
aumentar a ex ploração internacionLlI para com- ção naquele contexto hi stóri co, O qu e e ra ne-
pensar s uas di ficu ld ades de rep rodu ção. cess idade vita l do capital n o período. +

BIBLIOG R AFI A CITA DA

AMIN. Sa mi r. Umasrise estrut ural. In: Brasiliensc. 1987. C ri se de 19 C14 . in: M ANHGA. G. &
AMIN, S;\Illir (org.). 1\ a ise do il1f{u:r ill - EI-IMA NUEL. Arghiri . A Troe.. Desigual. In: M ORAES. M . ACllfll u/aÇlio J//ollo/JO!i.\·/a e
Ii.WUI . Rio de Janeiro: Graal, 1977. AMJN , Samir e outros. / IJ/IJcrja{i.\'l//o e crises / /0 /J rasil . 2 el..!. Ri o Ll e J:mciro:
ASMANN, H. (org .). A Trila/ eral : nova fase cOIIIl:/r.:io il//emaciol/a!. S:io Paul o: Glo- P,JZ e Terra, 199 1.
do capi talismo mundial. PClrüpolis: Vo- ha l. 1981. O LI VEIRA , Fran cisco. C rítico (/ ro ziiu
zes, ]1)79 . (; OREN OER . J:lcoh. A IJ/l rg llc.\'ia bmsilei- dlla/istfl. Petrópo li s: Vozes. 19X7.
H ENAKOUCIIE. Rabah. AClfllllflaçtlo II/UI/ - m. 7 cÚ. S:i o P:lUln: Brasilicnse. 19H5 . POEI(NER. Art bur. () floder jovt'lII. 2 cd.
dial (' depellt/hll.;;a . Pctn)po!i s: Vozes , G RANOIJ, Amlrc. A ni.\·I' ifl/am/ciO/IlI/ do Ri o de Janeiro: C i v i liz ;u~ Jo Brasile ira.
J ~X O . ('fi/li/aI . Porto: Escorpi:ío. 1974 . J 971).

B EN AKOUCIIE, R.•hah. /lIflaçlio e c rise 1/(1 M ANDEL. E. A crise tio capit(/1. S:io Pall - T AVARES, M . C. /)(1 .w/Jsli/1tirtio dI' illl -
I'COIIOm i(f II///fu!ial. Pelrüpolis: Vozes, lo: Ens;lio. 1990. flor/açries au 1·{/ IJiIllIi.\'IIIO fil/(lI/cl'iro .
J t,lX I . M ARTINS, J. S. Os C(/lIIfW II/ '.\·/'.~ e (/ poli/i- Ensai os sobre a Eco nomi:l Brasileira. 2
CAsno. Sandra . Apogeu e crise do ('a 11 0 llm.\·il. 3 el! . Petr6pol is: Vc?es, ed. Rio de Janeiro : Zall:lr. 1t,l71 .
populi slllo: 1954119Cl4. in: Lówy, M. e 1986. V IANA. Ni ldo. C:lpital. espaçu e des igual -
out ros. M ovilllelllo operário bmsilei m : M JClIIN. S. S. ProC{'.\·.w tle cOllce/lI l'tlçtlV dílJ e. Boletim Go iano de Geo gr,l fial
190011979. Belo Horizont c: Vega, 19KO. dt' (;llpi/lIlno IJmsil. Rio dc Janeiro : Ci- UFG VoL 20, nll 112. Dez. 2000.
Dowll o ~. Ladi slau . A forlllaçáo do Já- vilizaç:io I3 ras il cira. 1973 . VIANA, N ildo. 1:.:.\'/(1(/0, {/('lIIoc/'{u;;a l' ci-
(' ciro MUI/do . g ed . S:io Pau lo : M ORAES, Maria. Consideraçiies sohre a dtldanitl . Ri o de J:lIleiro : A chi alllé. 2003 .
is lú ',1 & Lulól de

o último governo populi sta da história da repú blica bras i-


leira foi marcado por fortes cr ises na esfera pol íti ca.
Os anos em que Jo ão Gou lart ocupou a Presidê ncia da
República, sej a sob o mo lde parlame ntarista (setembro
1961 /jane iro 1963). seja sob o presidencia lista (janeiro
1963/ março 1964), se rão sempre lemb rado s co mo um
pe ríodo no qual diversos sujeitos soc iais e ncontraram-se
envolvidos em uma f e rre nha d isputa política pautada por
distintos projetos de nação, com co nse quê ncias
" fratric id as" para a es tabi lidade social do país.

A"Legalidade" do Golpe:
o controle dos trabalhadores como condição
para o respeito às Leis!!)
Felipe Abranches Demier m dos componentes d esta g rave
crise social e política que
que ati ngiu em d,eio o
gove rn o João Co ulart.
fer indo-o de morte, foi
o embate entre dois dos
seus m ais imp o rtantes
sustentácul os: uma par-
cela significati va da oficialidade "legali sta" das
Forças Armadas e o mov imento s indical orga-
nizado, principalmente suas entid ades "para-
Iclns", como u Cumando Ge ra l dos Traba! hu-
do res (CCT), Fórum Sindi ca l de Debates (FSD),
Pacto de Unidade e Ação (PUA) etc.
C riadas em desobed iência à leg is lação sin-
dica l de 1946, estas en tid ades não se enco ntra-
va m, portanto, tuteladas pel o Min istério do Tra-
ba lh o, como ex ig ia a es trutura s indi ca l
Pcl ipc Abranches Demier é g r~dll ado em Hi stúria pela
Universidade Pederal do Rio de Janciro. Organizou (J
co rporativista então v igente.
l ivro " A.,' (rflfls!Ol"/I/{/rt}es do PT e os mil/os da Esq/U'r- Os estudi osos do Governo João Go ulart, ten-
t/{/ 1/0 amsi/". do semp re em mente o fim trágico do mesmo c
)0 . A "Lcgalültule "do Golpe

sua substitui ção po r uma ditadura militar atra- d ade "lega li s ta" pode se r indica da por urna
vés de um golpe, empenharam-se - e empe- colocação mais estrutural, d o pon to de vista da
nham-se - em apontar, de formas diferencia- análise Estado-socied ade. A o fi cialidade "le-
d as, as razões do fracasso do último governo galista" é, naturalmente, pa rcela integrante e
populista brasileiro. Todavi a, entendemos que constituti va das Forças Armadas. O papel das
nenhum deles se d edi cou pri o rita ri am ente a F.F.A .A. enquanto agente mantened or d a ordem
esse conflito entre os doi s alicerces de susten- políti ca estabelec ida é notó rio ao longo da his-
tação do governo Jango, que acabaria por oca- tória contemporânea mundial, sejam essas or-
s ionar o enfraquecimento d o mesmo. Tentare- dens políti cas basead as em d itad uras ou em
mos nes te artigo, de forma sintéti ca, di scutir dem ocracias liberais. No caso do Brasil, a im-
essa cri se políti co-milita r que co nsid eramos portân cia desse gara nti do r da o rd em - ainda
ftmdamental para os interessados em se debru- mais d e uma pa rce la confi ável aos oLhos do
çar sobre a crise do regi me popuJista, e em es- chefe da nação, co mo e ra o caso da relação
pecial, do govern o Goulart. Goul art-"legaJistas" - potencial iza-se enorme-
A impo rtância da chamad a "corrente"(2) " le- mente, tend o em vista o número alto de tentati-
gali sta" nas Forças Armad as enquanto vital ali- vas gol pistas - fracassad as ou não - na nossa
cerce do governo Jango é faci lmente perceptí- recente histó ria política -1 945, 1954, 1955, 1956,
vel aos olhos d os que se detém sobre esse perí- 1959, ]961 e, finalm ente, 1964.
od o. Bas ta n os remetermos ao episódio da pos- A importânc ia do mov imento sindical, atra-
se d o pres idente Goulart para co ncluirmos que vés de suas enti dades "pma lelas", enquanto
esta se deveu em g ra nde parte ao papel desem- alicerce do governo Go u lart era também cruciaL
pen.hado pelos militares "lega li stas" após a Tal como fi ze mos no caso da o fi cialidade
re núncia d e jâ ni o Quadros (25 de agos to de "legali sta", pod emos nos remeter ao papel do
1961), quando os três ministros militares - o ge- movimento sindical no epi sód io d a crise da le-
neral Od ílio Denys, o brigadeiro Grünn Moss e galidade em agosto/setembro de 1961. Através
o almiran te Sílvio Heck - empenha ram-se feroz- da constante pal avra de o rdem "greve geral",
mente para impedir qu e Jango ascendesse ao imp ortantes líd e res s indi ca is, co mo Dante
posto de pres idente da Repúbli ca, apresentan- Pelacani, Hércules Correia, Oswald o Paclleco,
do um veto no Congresso Nacional a sua posse. Roberto Morena, constitu íra m u m Comando de
O empenho da oficialidade " legali sta", de Greve dos Traba lhad o res, fazendo com que uma
sentid o contrári o aos dos mini stros militares, parcela substancial da classe traba lhadora se
somou-se ao de entidad es co mo a União Naci- aglutinasse, em :1961, na "Campanha da lega-
onal dos Estudantes (UNE), partid os de esquer- lidade" qu e objetivava a posse de jango. (3) No
da, sindicatos, inteJectuai s c arti stas e, mesm o, ano seguinte, d uran te o IV Encontro Sindical
setores políti cos conservad ores, poss ibil itando Nacional, o Co mand o de Greve dos Trabalha-
ass im que João Goulart ass umi sse o lu ga r qu e dores se transformaria no Comando Geral dos
lhe cabia cons titucionalmente - embo ra Goulart Trabalhadores (CGT),14) mais impo rtante entida-
tenha assumido sob um regime parlamenta ri s- de "paralela" d o movimento sin di ca l brasileiro
ta, solu ção "encontrada" para a cri se, qu e lhe e principal inimi go da oficialidade "legalista".
re ti rou parte d e seu s poderes como chefe da Podemos afirma r qu e a base socia l mais fiel
nação. ao presid ente Gou la rt era o movi mento sindi-
Além deste aspecto que remete às "o rigens" caL Isso se dev ia não só ao fato de os interesses
do govern o Goulart, a importância da oficial i- "nacional -refo rmi stas" d o últim o período de

1 - Este artigo tem como base o capítulo ~""'legaHsmo na política bras ileira (1954 -1964): um breve histórico· de minha monografia de gra duação na UFRJ
(finalizada em 2004) intitulada ~Soldados x Or~ rários: o general Peri Constant Bevilaqua no Comando do 11 Exé rcito em São Paulo (1962·1963f, orientada pelo
professor Renato lemos.
2 - PEIXOTO, Antônio Ca rlos. -Exército e Polít ir:a no Brasil. Uma crítica dos modelos de interpreta ção~.ln: ROUaUIÉ, Alain (co ord.) Os partidos militares no
Brasil. Rio de Janeiro: Record, s. d. , pp. 34-35.
3 - VICTOR, Mário. Cinco anos que abalaram o Brasil: de Jãnio Quadros ao Marechal Castelo Branco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 436.
4 - MAnOS, Marcelo Badaró. TrabalflOclores o s indl~ ·.. t f1<; no Brasil. Rio de Janeiro : Vício de leitura, 2002 . p.SS.
/J ÜltÍr itl & I , llla de Clq\'\'es - 31

Jango - "reformas de base" - "coincidirem" com o embate entre esses dois impo rtantes sus-
os interesses das entid ades" paralelas" - esses tentácu los do governo João Coul art contribuiu
porém, de tom mais extrem ado - , mas também para o en fraquecimento d as suas es trutu ras
il pró pria trajetória do p olíti co João Goul a rt. socia is e políti cas de sustentação, já que os mi-
Devemos lemb ra r que, desde os tempos em que litares "legalistas" não toleravam, em hipótese
fo ra min istro do Trabalho d e Getúli o Vargas algu ma, a ex is tê nóa e a pro li feração dessas
(1953-1954), Jango já estabelecera boas relações entid ades "pa ra lelas", consideradas por eles
com os s indicalistas loca lizados mai s à esquer- COlno Ui legais" e "subversivas", nCln as cons-
da - li gad os ao Partido Co muni sta do Brasi l - tantes greves provocadas por elas, qua li ficadas
PCB -, estimuland o inclu s ive a formação de da mesma forma. Acred itamos que as alterações
entidades "paralelas", como a União Geral dos ocor ridas no s istema sindical brasileiro na pri-
Trabalhadores (UGT).!') Durante seu governo, me ira me tad e d os anos sesse nta, d ev id o ao
Jango chegou a fa zer decla rações do tipo: ''[. .. 1 surgimento s ignifi cativo de ent idades "pa ra le-
procurei assegurar a liberdade a todos os tra- las" - CGT, PUA, FSD etc. - e da estreita rela-
ba lh adores bras il ei ros [... ] p rocure i organ izar ção que elas mantinll am com o governo Gou lil rt,
os s indi catos"!6\ : o "Comando Gera l dos Tra- cond uzi ram a uma mud an ça no sentid o po líti-
billhadores é o organismo superior da classe tra- co nas intervenções de pa rte da o fic ia li dade
billhadora no Brasi l". (7) Essa re lação bastante "lega lista", qu e passaram en tão a possuírem um
p róx im a entre os quadros s indi cais e o poder cará ter "reac ionárj o", diferentemente d o qLle
executiv o foi chamada por Francisco Weffort oco rrera em ] 954,1955 e 1961, como veremos a
de Uintimidade palilci,.na". (8) seguir.

"Legalistas" contra os golpes do imperialismo

S em so mbra de dúvida, a ideo logia "lega-


lis ta"!') é mai s co mplexil do que pode apa-
f(~ntar. Sabemos que, em última instância, ela
zeram uso. Ce rta vez, Francisco Weffort ind a-
go u: "[... [ que outro modo haveri a para dec i-
frar a estrutura real das ideo logias senão indo
p ro tege e assegura juridicamente a proprieda- às prát icas po líti cas que elas inspiram?"!]])
de, a "ma is-va lia", a rep rodução d o ca pita l c Caso s igamos o método científico proposto
das relações sociai s de produção.!iO) por Weffort com O intui to de "decifrar a estru-
Todavia, red uz ind o-se - ou amp liando-se - tura rea l" da ideologia "legalista", no que diz
o esco po il nalíti co para a influ ência da ideolo- respeito a sua inse rção no cenário políti co bra-
g ia "lega lista" no processo político brasi leiro, s ileiro, enco ntraremos, decerto, alg um as d ifi -
isto é, para a sua uti lização em meio às dispu- cu ld ades.
tas entre classes, frações e subfrações soc ia is Tomand o o plan o genérico da organi zação
pela hegemonia do aparelho estatal, nos depa- p rod uti va - lato senso - da sociedade bras il ei-
ramos co m situações hi s tóricas d istintas, em ra, sabemos que a ideologia "legali sta" fun cio-
fun ção dos diversos inte resses políti cos e soci- nou sempre co mo mantcnedora da nlesn13, isto
ais perseguidos pelos personagens que dela fi- é, in spirou práticas po lít icas que assegura ram,

5 - VICTOR, Mário. Cinco tinos {...}. Oh. cit., p. 436. ;


6 - Idem, p. 486. ;
7 - Idem , p. 453
8 - WEFFORT, Francisc o Oemocracia e movimento operário: algumas questões para a história do período 1945/ 1964 . in Revista de Cultura Contemporânca,
ano I, nO 2, pp . 3· 12 (2~ parte), janeiro de 1979 , p. 4.
9 _ Tratamos legalismo como uma forma de ideologia, no sentido atribuído por Marx, mais precisamente quando se dedicou à análise co ncreta das relações
capitalistas adiantadas (os GrU/ldrisscs e O c.1pital, mais especificamente ). Ver lARRAIN, Jorge. Ideologia. i/l BOnOMORE, Tom (Org.). Dicionário do
pcnsamento marxista Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 19 88. pp 183 ·7. Ver também GOODRICH, Peter. Positivismo jurídico. in BOnOMORE, Tom & OUTHWAITE,
Willian. OiciOllârio do pCnSamfJllto social do século XX Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996 . p. 597.
10 - ALTHUSSER, louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado: notas para uma investigação . il/ ZIZEK, Slavoj (Org.). O mapa da ideo/ogitl. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1996. pp. 105·2.
11 - WEFFORT, Francisco . Democracia e movimento operário. (3~ parte). Ob.cit., p. 14 .
32 · A "Legalülade"tllJ Golpe

de uma forma ou de outra, as relações de p ro- blicos, jornais e estações de rád io com o fito de
dução do sistem a ca pitali sta nacional. Entretan- garantir o cumprimento das normas constitu-
to, no que diz respeito às formas politicas pe- ci onais. Acusa nd o o então presid ente Carl os
las quais a produção capitalista se organizou a Lu z de estar Li gad o aos gol pistas, mais uma vez
partir dos anos 50, a ideologia "legalista" de- liderados por Lacerda, que objeti vavam impe-
monstrou que foi um importante elemento nas dir a posse de Ju sceli no Kubitsche k e seu vice
disputas que acabaram ora por manter (1954, Goulart - eleitos em 3 de outubro do mesmo
1955, 1961), ora po r substituir (1 964), os regi- ano (1955) -, sob o p retexto de qu e ambos des-
mes políti cos que comandavam o Estado bur- frutavam d o apoio d os comu nistas, o "contra-
guê, bra, il eiro. Passando os olhos por um pe- golpe preventi vo", pa ra u sa rnl 0S a terminolo-
ríodo recente da história politi ca do país (1954- gia de Lott e seus segu id ores, dos "legalistas"
1964), percebem os que a "defesa d a lega lida- fez com que no mesmo dia a Câmara do Depu-
de" fo i utilizada por grupos socia is distintos, e. tados Federais transferisse, por 185 a 72 votos,
até mesmo antagônicos. o poder presidencial para o presidente d o Se-
No episódi o d o suicídi o de Getú lio Va rgas, nado, Nereu Ramos, possibilitand o ass im que
em 24 de agosto d e 1954, ca pítulo final de uma o resultado eleitora l acabasse por ser res peita-
crise po lítica que afligiu seu segund o governo, do e que JK e Jango chegassem a Presid ência e
oriunda das crescentes contradi ções entre as Vice-Presidên cia, respectivamente, pouco tem-
novas formas de acumul ação imperi a lista e o po depois. (12 )
regime populista nacional, a defesa da ordem Referindo-se ao fa to, aparen temente parado-
lega lm ente co ns tituíd a adquiriu um ca ráte r xal, de que a preservação da ordem legal foi as-
"progress ista", encampand o a luta pela manu - segurada a pa rtir d e atitudes il ega is, como
tenção do modelo econômico industri al de tipo cercamento de prédios públi cos, SkicLmore es-
nacionalista con tra o afã go l pi sta dos gru pos creveu: "A intenção de Lott e ra ga rantir as re-
li gados mais d iretam ente ao cap ital estrangei- gras do processo eleitoral, porém, a ironia de sua
ro, associados a Carlos Lacerda e aos militares devoção à ' legalid ade' repou sava no fato de que
organi zad os no " Mov imento 24 de Agosto". É esta mesma 'legalidade' teve deser garantida por
necessários ressaltarmos qu e quando utilizamos um ato arbitrário de um golpe m ilitar."(13)
o termo "progressis ta", em h ipótese alglUna lhe Contud o, mais uma vez, uma intervenção de
atribu ím os uma conotação positiva, no que diz cunho "legaJis ta" encerrava uma feição #pro-
res peito aos an seios da classe trabalhadora por gressis ta", defendi a com a rmas a perm anência
elnan ci pação. do regime po pulista contra a ameaça gol pista
Entend em os po r "p rogress istas" as forças dos anti getuli stas libera is. O in teressante é que
nacionali stas e populi stas de esquerd a que, ine- o própri o JK em seu governo, at ravés de sua
gavelmente, nes te pe ríod o, possuíram contra- política econômi ca d e abertura ao grande capi-
di ções com o imperi ali smo e suas tentati vas de tal intern acio nal, forta leceria os mesmos seto-
go lpe. Todav ia, não podemos trata r "naciona- res burgueses que articulariam o go lpe final
lismo" e "liberalismo" de fo rma antitéti ca, es- contra o populismo em 31 de março de 1964 -
tabe lecendo uma "se paração radi ca l" entre inviabili zand o, in cl usive, a provável candida-
ambos, já que, em questões es truturais, de clas- tura de JK à Presidência em ] 965.
se, ambos estiveram de braços bem dados. No entan to, a in tervenç50 "lega lista" mais
Em meio a ou tro ambiente golpi sta, a 11 de embl emáti ca a in da es tava po r v ir. Em 25 de
novembro de 1955, um mov imento militar, que agosto de 1961, o recém-empossado presidente
ganhari a como nom e a data d o mesmo - "Mo- da Repúbli ca, Jâni o Quadros, renunciou, pro-
vimento 11 de Novemb ro" -, liderad o pelo m a- vocand o uma grave crise institucional, política
rechal Henriqu e Teixeira Lo tt, então mini stro e milita r no país. Os três ministros militares
da Guerra demiss ionári o, ocupou prédi os pú- anunciaram seus vetos à posse d o vi ce-presi-
12 - SKIDMOR E, Tho mas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco 11 930- 196 4). 12 ed . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000 . pp. 194-7.
13 - Id. ib. p. 197.
lI i.I"l ,íri(/ & 1./lla de ClanH - 33 I
dente João Gou lart, qu e se en co ntr~v~ na Re- mand ante da 3!! Div isão de Infanta ri a sed iLld3
pública Popular da Chi na, contrar iand o assim em Santa Maria, no Rio Grand e do Su l. Este
o artigo 79 da Constitui ção Federal de ·1946. estad o transfo rm ou-se assim no grand e bastião
Herdeiro do períod o mai s nacional ista de da legal id ade, e seria por lá que João Gou lart
Vargas (]951-1954), no q ual fo ra mini s tra do chegar ia ao Brasil para, no d ia 7 d e setembro
Trabalho, Jan go e ra líder do Parti do Trabalh is- de 196] , ser e mpossado como pres id ente da
ta Bras ileiro (PTB) e, p ela seg unda vez, vice- Re públi ca, porém, sob um regi me p~r1am en ta ­
presi dente da República . Pelos mili tares con- ri sta ins tituído pela e m e nd ~ constitu ciona l n"
servadores, er(l identificildo C0 l110 U Ill naciona- 4, so lu ção aceita por Jango e p elos mini stros
lista radical próxi nlo aos cOITIun islas. militares para pôr fim à cri se.(I;;)
Após o veto da cúp ula militar à posse de O caráter " prog ress is ta" d o mov imento ci-
Jango e a ameaç~ de pri são do líder trabalh is ta, vil -milita r de agosto/setembro de 1961 foi cla-
caso João Goulart pusesse os pés no p,lÍs, os ro. Amplos setores da popu lação, mi lit~res, tra-
grup os soóa is favo ráveis à manutenção dd or- balh~d o res, estud antes, intelectu ais e arti stas
dem co ns titu cio nal , isto é, à posse de Jango, pos icionaram-se co n tra ma is U1nél tentativa de
o rg~n i zma m -se rap idam en te. Lid erados pe lo der ru bada do pop uli smo po r pa rte do gra nd e
então governad or do Rio Grande do Sul, Leo- c~ pital estrangei ro arti culado com li be rais bur-
nel de Moura Brizo la, as forças "lega listas" o r- gueses, setores méd ios conse rvado res e milita-
ganizara nl UIll movi lncnto qu e fi caria conheci- res go lpi stas que, como não poderia deixar de
do como "Ca mpa nh a da Lega lidade". Bri zo b , ser, contava m com o a poio de Carl os L~ce rda,
que havi a ocu pado militarmente a Rád io Guaíba cnt50 gove rnad o r dLl Guanabara.
e a Rádi o Far ro upi lha de Porto Alegre pa ra Como em 1954 e "1 955, a defesa da Constit·u i-
transmiti r mens agens e m p ro l da posse d e ç50 c da dem ocracia contrariava, no nível das
Gou la rt - a chamada "Cadeia da Lega li dade" estr uturas de poder, os interesses da burgues ia
chego u a contar co m até "104 es tações de ródio "cos mo pol ita" br~ s il e i r~. De ·1954 a ] 96·1, os mo-
entre gaúchas, pamnacnscs c ca tarinenscs (1 4) - vi mentos "lega li stas" possuíram, de forma ge-
dis punha apenas da Brigada Mi lita r gaúcha e rai, um sentid o "progressista", pró-pop u l i s t~,
de seto res da popu lação civi I que se armavam o que possibi li tou a ex tensão desses governos
deficientemente para o provável co nflito, a lém de "colaboração de classes" e de ímpeto naciona-
dos apoios "lega li stas" dos governadores de li sta - moderados ou radicais - por mais tempo.
Goiás, Mauro Bo rges, e do Paraná, Nei Braga. Somen te nos anos d o govern o João Goul art
No entanto, deso bedecend o às ordens do é que começa m os a ass istir a lima d iv isão subs-
ministro da Gue rra Denys de pôr fim ao mov i- tanc ial nas força s " lega li s t~ s", no que di z res-
mento de res istência " lega lis ta", bombardea n- peito ao sentid o políti co da utili zação de ban-
do, "se nccessill:io", o Pal6cio PiríJt ini, o C0J11an - deiras como "defesa d a lega lid ade" e "defesa
dante do 111 Exército, general Machado Lopes, da Co nstitu ição". este momento, nos depara-
nfirmando qu e só acataria orden s pJutadtls peln mos co m notó ri os "legali s tas" passando a se
Co nstitui ção, aderiu ao mov imento "legalista", ~grupa r co m seto res po líticos que asp iravam
proporc ionando a este um sa lto qua li tativo. ao fim do reg im e pop uli sta . No en tanto, antes
Devido ao apoio bélico do 111 Exército, a co rre- de passarmos ~o lega lis mo à época do govern o
lação de forças en tre "lega li s tas" e go lp is tas João Go u lart, devemos ressa ltar qu e, mes mo no
sofreu substanciais alterações. período ]954-196 1, o ~ rt ifício da "de fesa da le-
O gene ra l M~ch~do Lopes co ntav~ co m O g~ li dade" fo i também utili zado pe los gru pos
~poio d o genera l Oro mar Osó rio, da ·1" Divisão li gados ao capital est rangeiro e setores ca nse r-
de In fanta ria,do gene ra l Benjamin Ga lh ardo, vL1do rcs em gc rnl.
da 5" Região Mi li ta r sedi ada no Paranó, a lém An teri orm ente, na v itóri a de Va rgas nas elei-
do general Peri Cons tant Bev il aqua, então co- ções de ] 950, a Un ião De mocrM ica Nac i o n ~1

14 - VICTOR, Mario. Cil/co anos {. .J. Ob. cit, p. 355.


I? - ldclII, p. 403.
34 - A "Legalidade"do Golpe

(UDN), liderada pelo deputado Aliomar Bale- Em uma situação na qual a divi são entre
eiro e contando com o apoio do jovem jornalis- "legal istas" e gol pistas estava claramente deli-
ta Lacerda, buscou impedir a posse do presi- mitada, tendo inclusive o movimento de resis-
dente eleito alegando que este não alcançara a tência ao veto dos ministros militares garlhado
maioria absoluta dos votos (50% + 1 voto), con- o nome de "Campanha da Lega lidade" e o con-
dição essa, segundo os partidários da UDN, junto de estações de rádi o que defenderam a
necessá ria para obter uma vitóri a respaldada posse de Jango o nome de "CadeiG da Legali-
pela Consti tuição vigente. Todavia, segund o as dade", os construtores da emp resa gol pista não
normas co nstitucionais relativas ao processo se furtaram de invocar parâmetros legais que
eleitoral, bnstaria apenas a maioria simples dos "legitimariam " suas posi ções. O e ntão lninis-
votos para que o candidato fosse declarado pre- tro da Guerra, Odíli o Denys, um dos ex poentes
sid ente. Ou seja, o candida to que possuísse o do movimento "legal ista" de 11 de novembro
maior número de votos entre os demais seria de 1955, expli caria seu veto à posse de Jango
eleito presidente da República. recorrendo a artifícios "Ieg;:lis".
C umprind o a Constitui ção, O Tribuna l Su- Considerando Jango uma anleaça aos pode-
pe rior Elei tora l (TSE) proclamou em dezembro res constitucionais, devido ao caráter "subver-
Getúl io Vargas presidente (qu e hav ia obtido sivo" do líder do PTB, e pauti1l1 do-se no artigo
48,7% dos votos) e Café Filho vice-presiden te. 177 da Constitui ção que atribuía aos militares
A alta hierarquia militar comandada pelo ge- o papel de defensores desses poderes, Denys, a
neral Canrobert Pereira da Costa, mini stro da o :r de W'l verdadeiro mali:lba rism o teórico
Guerra do presidente Eurico Gaspa r Dutra, rb realizado quase vinte anos depo is do ocorrido,
pei tou normalmente a decisão do TSE. afirmou ter sido a posição tomi:lda pelos minis-
Em outubro de 1955, quando da vitória de tros militares dotada de co nteúdo "legal":
JK nas urnas, a UDN chegara a votar interna- "Tudo se exp lica dentro dos mais rigorosos
mente o intuito de contestar o resu ltado eleito- princípios da boa fé. É só raciocinar com clareza
ral, alegando mais lUll a vez o fato de o candi- e ânimo patriótico. Com efeito, João Goulart,
dato mais votado não ter alcançado a maioria quer conduzindo o seu partid o, o PTB, para a
absol uta dos votos. No entanto, como este mé- extrema-esq uerda, quer admitindo infiltrações
todo gol pista, apresentado como uma "inter- de notórios comunis tas nos seus quadros e no
pre tação fiel da Constituição", já se mostrara seu comando, ou, ainda, promovendo alianças
fracassado, a tentativa não foi levada à frente.'l') partidárias com os esquerdi stas de todas as ma-
Grada tivamente, as forças antigetulistas tizes, desde a esquerd a moderada e democráti-
perdiam as esperanças de alcançar o poder por ca até a esquerda extremadi:l e revolucionária,
cam inhos eleitorai s, isto é, a partir das normas tornou-se presa dos seus aliados, que por certo
constitu cionais vigentes. Contud o, o discurso del e se utili zar ia m, co mo o fize ram d e pois,
"lega lista", m esnl Q que cOln o fachada, conti- como instrumento de seus pl i:lnos de implanta-
nuaria a ser alardeado por estes seto res con- ção no Brasil de um Estado estra ngeiro [... ].
se rvadores. Aliados aos com unistas, vinculado a compro-
Até mesmo em Wll momento no qual a Cons- missos que assumiu com eles, Goulart tornou-
tituição não deixava dúvidas quanto às medi- se tão perigoso, do ponto e vista da vivência das
das a serem adotadas, como no episódio da re- institui ções democráti cas qu antos os comw1Ís-
núncia do presidente Jânio Quadros, em agos- tas mesmos, de ta l maneira qu e s ua investidura
to de 1961- o artigo 79 da Constitui ção de 1946 na Presidência da Republi ci:l podia, na verda-
deixava claro que o vice-presidente deveria as- de, ensejar a investidura de com unistas, por via
sumir - , a tentativa gol pi sta dos grupos antige- oblíqua, nos altos postos do governo [... J.
tulistas liderad os pelos ministros militares ca l- Ora, é sabido que a Constituição Federal de
cou-se no di scurso da "defesa da legalidade" 1946, no seu art. J41, § :13, proíbe a organiza-
pélfa justificar suas atitudes arbitrárias. ção, o registro ou o fu ncionGmento de qualquer
16 - SKIDMORE, l hamas. De Getúlio Vargas f. ..]. Ob. cit. , p. 189.
lIis t tida & I.I/Ia de C la.f.H! .~ - 35

partido ou associação cujo o programa ou ação Assim sendo, quando as Forças Armadas, em
contrarie o regime democrático, e que o art. 58, agosto de 1961 , desaconselharam a p osse de
da Lei n.2.550, de 25.7.1915, que alterou dis po- Goulart na Presidência da Repúbli ca, n ada mais
s ições d o Código Eleitoral, o rdena que se ne- fi zeram que cumprir o mandato cons titucional
gue o registro a candid atos qu e, pública ou os- do artigo 177, já invocado, poi s na verdade,
tensivamente, façam parte ou sejam adeptos de nessa emergência, elas só fizeram defender a Pá-
partido político cujo registro tenha s ido cassa- tria, garantir os poderes constitllcionais, a lei e a or-
do com fund amento no art.141 § 13, da Consti- dem." 117)
tuição Federal. Podemos perceber como até mesmo as ações
Vale dizer que, no Brasil, o Partido Comu- mais inconstitucionais c ilegais tinham a neces-
nista está fora da lei, e que a lei eleitoral não sid ade de serem expostas pelos sujeitos promo-
permite sequer o registro de candidato comu- tores das mesmas enquanto atitudes legais e
nista a cargo eletivo. Pois bem, a Constituição constitu cionais. O primado da lei no pl ano ide-
e a lei ordi nária que ex pressam essas proibi ções o lógico da sociedade contemporânea, e mai s
não pod em permitir que exerça qualquer cargo es pecificamente, no d a políti ca brasi leira da
e leti vo o cidadão qu e, embora eleito como de- época, tal como hoje, constitui-se em algo facil-
mocra ta r como não-comunista, veio a to rnar-se mente observável nes te caso, da mes ma forma
comunista depois de investido no ca rgo para o que a maleabilidad e e a in cons istência da d ou-
qual foi eleito. trina "legalista", passível de ser utili zada conco-
Se os tex tos lega is ex pressam uma proibição, mitantemente por grupos políticos rivais, p ode
é ev idente, dentro d os mais rudimen tares prin- ser verificada sem muitas dificuldades.
cípios ju rídicos, que a inobservânci a da norma É bom lembrarmos que essas utilizações do
proibitiva conduz à nulidade o ato proibitivo. di scurso "legali sta" enquanto promotoras de
Em outras palavras: se João Gou lart decl i- atos golpistas por parte do grande ca pital estran-
nasse sua conv icção comunis ta r sua vin cul ação geiro e dos setores conservadores nacionais até
ao Partido Com uni sta, não seri a admitid o a o inicio do governo Jango não ocuparam, sen ão,
candidatar-se à Vice-Presidência, e portanto não urna posição marginal dentro daquil o qu e po-
teria ensejo de suceder a Jâni o Quadros. Assim deríamos chamar de "campo legalis ta", isto é,
também, embo ra eleito vi ce-presidente da Re- daqueles que, de alguma forma, "fund amenta-
públi ca, embora n a posse do direito de assu - vam" suas atitudes na defesa d a lei e d a Consti-
mi r a Pres idência quando Jânio Q uadros renun- tui ção. De forma geral, os membros deste" cam-
cia, imped id o estava e le de exercer o cargo, pelo po" tiveram seus posicionamentos políti cos li-
fa to de haver-se, depo is de eleito, vincu lado aos gados a interesses "progressistas", nacionalistas,
comuJli stas e ao Partid o Comuni sta, torn and o- direcio nad os p a ra a d efesa d os governos
se ele mesmo um comunista, o que ev idente- populistas legalmente eleitos entre 1954-1961.
mente o tornou incompatibilizado para exercer No caso das Forças Armadas, a ligação dos
a Presidência. I... ] "legalistas" aos interesses "progress is tas" pode
E porqu e na Co ns titui ção não se encontra ser percebid a nas compos ições das chapas para
remédi o pa ra tal aberração jurídica, O normal é a dis puta da presidên cb do Clube Militar, nas
que as Fo rças Armadas, que se des tinam, como ali anças que se fo rm aram entre "lega lis tas" e
expressa o art. 177 da Constitui ção Federa l, a nacionalistas com o fito de derrotar os anti getu-
defen der a Pátri a e a ga ranti r os deveres consti - listas liberais e golpi stas. A composição da cha-
tucionais, a lei e a ordem, o normal é qu e as pa que teve como ca ndid a to a presidente do
Forças Armadas, na eme rgência de um comu - Clube Militar o general Peri Bevi laqua, em 1962,
nis ta se investir na Presidência da República, a é exemplar des ta organização das fo rças po líti -
isso se oponham, a iss o desaco nse lhem 1... 1. cas no interi o r das Forças Armadas. II '>

17 - DENYS, Odílio. o ciclo revolucionário brasilciro, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1993, pp . 79 -8 1. Grifo meu.
18 - Ver PEIXOTO, Antônio Carlos. ·0 clube militar e o confronto no seio das Forças Armadas (1945-196 4)- in ROUQUIÉ. Alain (coord). Os partidos mililarcs
no Brasil. Rio de Janeiro: Aecord, s. d., p. 108.
r

36 - A "Legalidade"do Go/pe

Se, nas Forças Arm adas, a aliança entre sidentes, Café Filho e Coul art, respectivamen-
"legalistas" e nacionalistas pode ser entendida te, assumirem a Presidência da República, en-
pelo fato de que a primeira corrente estava es- quanto que em 1955, cabi a ao candidato eleito,
truturalmente li gada, desde sua gênese, à se- JK, tomar posse. Faz-se necessário destacar, para
gunda;!(9) no pl a no politico gera l - incluindo compreendermos o apoio dos "legalistas" aos
obviamente também os militares -, o sentido nacionalistas nesses epi sód ios, que em nenhum
"progress ista" das intervenções "legalistas" desses momentos críticos d a institucionalidade
explica-se pelo fato de que, em todos os mo- esteve colocado, substan tivamen te, como o se~
mentos de cr ise in s titu ciona l do regime ria durante o governo Jango, uma ameaça por
populista no país (1954, 1955, 1961), a Consti- parte dos trabalh adores de extrapolação da es-
tuição estivera ao lad o dos nacionalistas e "pro- trutura sindical corpora ti va e do papel submis-
gressistas". Em 1954 e 1961, cabia, segundo as so que lhes era destinad o pelas classes domi-
normas constitucionais vigentes, aos vice-pre- nantes brasileiras.

"legalista s" e golpistas contra os trabalhado res

S eria somen te durante o governo João Coulart


que a relação entre "legalistas" e "nacio-
nalis tas" começaria a se modifi car. Insatisfei-
da estrutura social vigente na mente de muitos
que se consid eravam "defensores da legalida-
de". Segundo os "lega li stas", seri a através do
tos pela aprox imação do Poder Executivo com "Poder Sindical" que Jango, insatisfeito com as
as organizações sind icais "paralelas", consi de- posturas p olíticas dos outros poderes, em ·es-
radas ilega is, alguns representantes do "cam- pecial, o Legislativo, tentari a levar a cabo as
po legalista" passaram a fazer sucessivas críti- chamadas" reformas de base" .
cas ao gove rno federal e estabelecer relações Nesse contex to, ser "legal ista", no sentido
mais cord iais com conhecidos conservad ores de defender a Constitui ção vigen te, significa-
golpistas. va, para os "legalistas", uma ruptura com o go-
A proliferação de entid ades sindi cais que verno lega lmente co nstituído. O gove rno
escapavam à tutela do Ministério do Trabalho, COulart, segw1do os "defenso res da lei", igno-
como o CCT, o PUA e o FSD, fez com que seto- rava a Carta Constituci onal de ] 946, permitin-
res "legalistas", tradicionalmente identificados do a manifestação do proleta riado por sobre a
com posturas "progressistas", considerassem legislação sindi cal corporati vista que o enges-
qu e a ordem, a lei e a Constituição encontra- sava. Em outras palav ras: enquanto os sindica-
vam-se ameaçadas. Sendo o "legalismo progres- tos encontraran1-se sob o controle da estrutura
sista", mencionado anteriormente, identificado corporativista de matriz fa sc ista, criada pelo
e compatível com a estrutura sindical corpo- Estado-Novo e preservada intacta pela Consti-
rati vista, ou seja, com o controle legal d a classe tui ção "liberal" de 1946 - o que demonstra sua
operária pelo Estado burguês, em um momen- utilid ade e efiCiência para atender aos interes-
to no qual as organizações sindicais dos traba- ses da burguesia brasileira, mesmo sob um re-
lhadores livravam-se, ainda que débil e incom- gime democrático -, a lei, a ordem e a tranqüi-
ple tamente, das amarras dessa estrutura, come- lidade estavam assegu rad as.
çava a se des nud ar o conteúdo anti-operário do Todavia, a par tir do momen to em que a clas-
"legalismo" . se trabalhadora começou a se organ izar mais
O chamad o" Poder Sindical", adjetivad o pe- livremente po r intermédi o das o rganizações
los "legalistas" e conservad ores como o "quar- "paralelas", funcionando estas como instru-
to poder", numa referência aos três poderes da mentos de mobilização políti ca para a defesa
nação: Execu tivo, Legislativo e Judiciário, s ur- dos interesses "nacional-reformistas" de Jango,
g ia como um elemento novo e desestabilizador a lega lidade, para os "lega listas", encontrava-

19 - Id.lb. pp. 103-4.


I/i .a,;rill & f . /lta (/e C (tlnes - 37

se fer ida de morte. Co mo bem sa lientou Peixo- as comissões regionai s), ou de cúpul a (como O
to, ser "legalista" sob o governo )ango, no sen- CGT), que representavam a tentativa de criar
tido de defender o governo lega lmente existen- canais de mobili zação para além dos limües da
te, "representava, até certo p onto, defender o es trutura s indica l montada pelo Estado nas
nacio n a li s mo rad ica l. Quando o gove rno décadas de 30 e 40." (2 1)
Coulart começa a ex igir uma revisão dos qua- Neste contex to, as greves adquiriram uma
dros constituciona is e a exercer seu poder fa- importân cia fundam e ntal e nqu a nto pa pe l
zendo a prova r as "refo rmas de base", a defesa conturbado r da ordem soci al. Constantes no
da lega l idade constitucional é transferida para governo )ango, assumi am um caráte r cada vez
as mãos dos antigos 'go lpi stas'. "(20) mais polít ico e menos "economici s ta".(22) Fo-
Os anti gos golpistas, que mais uma vez v i- mentadas em sua mai oria pelas o rganizações
savam a de rrubada de um governo democrati - "paralelas", as greves serviram de instrumen-
camente elei to, tinham agora a seu lado a com- tos políticos de agitação por parte dos "na cio-
U
panhi a de anti gos "legal istas". Se no qu e diz nal- rcformi sta s e comunista s em vá rios mo-
respeito aos gol pi stas, a bandeira da "defesa da mentos críticos d a institu cional id ade bras ilei-
lega li dade" signifi cava apenas a manutenção de ra, como na troca de ministéri os e na polêmi ca
u ma pa lav ra de ordem de grande apelo con tra criad a em função da data do plebiscito. Em ju-
os naciona li stas e populi s tas de esq uerda, no lho de 1962, o mov imento s indi cal combati vo,
relat ivo aos "lega listas", ela não representava tendo à frente o CCT, construiu um a sign ifi ca-
nada mais do que a agoni a de setores sociais tiva pa ralisação dos trabalhadores co ntra a pos-
dian te d o estado críti co do mecanismo de con- se d o prim e ir o- mini s tro Auro de Mo ura
trole dos trabalh adores por parte do Estado que Andrade, político conservador do Partido So-
até então h av ia fun cionado re lativamente bem. cial Democrático (PSD) e então pres idente do
A ofens iva do mov imento s indical contra os Sen ado. (23)
lim ites impostos a sua a ti vidade pelas am arras A mobili zação organi zada pelo CCT foi um
da legis lação s indi ca l vigente deu-se com enor- dos componen tes da crise política que fez com
me intensidade sob o govern o de )ango. As or- que Auro Andrade apresentasse, em menos de
gan izações "paraJelas" passaram a ser atores de 48 horas, sua renúncia ao presidente Goulart.
primeiro plano n a cena política nacional, prota- Em setemb ro d o mesmo ano, uma greve geral
go nizando di versos ep is ódios nos quai s de- foi convocada pelo CCT com fito de press ionar
mon straram ta nto su a ca pacidade de reagir o Congresso para que o pleb isci to que decidi-
aos ataq ues do empresa ri ado qu anto s uas pers- ria sobre a contin uidade do regime pmlamen-
pectivas programáticas referentes ao país. tar fosse rea li zad o em outubro de 1962, como
Para Ma rcelo Badaró Mattos, estudi oso d o queri a Cou lart. Ini cialmelite, o plebi scito esta-
movimento s indi ca l brasi leiro, essa ofensiva do va marcado para 1965, todav i~ )an go almejava
movi mento sindi ca l s ignificava uma tentativa realizá-lo aind a em 1962, o que foi v isto pelos
de s upe ração, ainda que de forma incomple ta, conservadores como um a tentativa de go lpe.
da estrutura sindi cal co rpora ti va: "A força pei- O general Jair Dantas Ribeiro, coma nd an te do
Iíti ca, a trajetóri a g revista ascend ente e o cres- 1\1 Exército, sediad o em Porto Alegre, telegra-
ci mento no nível de mobili zação a lcançado pe lo fou ao ministro da Cu erra, gene ral Nelson de
s indicalismo entre 1955 e 1964 expli ca m-se, em Melo, av isa nd o-o que não poderi a conte r o povo
grande parte, pelo surgimen to de orga ni zações do Ri o Grand e do Sul caso o plebiscito não fos-
para lela ao s indi ca li smo ofici al. Organi zações se rea li zad o até outubro de 1962. Após um a sé-
paralelas de base (como as comi ssões sind ica is ria ameaça à ordem ins titucional do país devido
por empresa), inte rs indi ca is (como os pactos e às pressões vi nd as da esq uerda e da direita, o

20 - ldelll, p. 109.
21 - MATTOS. Marcelo Badaró. Trabalhadores {...}. Ob. cit.. p. 60
22 - WEF FORT. F. C. Os sindic atos na política: Brasil: 1954-1964. in Ensaios de Opinião, 1978, pp . 18-27, p. 26 .
23 - Ve r MAnOS, M. Badaró. Trabalhadoms I.. ,], Ob . cit., p. 59.
38 - A "Legalidade"do Golpe

plebiscito realizou-se em 6 de janeiro de 1963, o epicentro desse conflito entre "legalistas"


restabelecendo o regime presidenci alista. (24) e sindicalistas deu-se em São Paulo nos anos
A interferência rotineira na vida política do em que o general "lega lista" Peri Constant
país por parte dos grevistas contribuiu para o Bevilaqua ocupou o Comando do II Exército
aumento do temor, bas tante difundido nos (1962-1963), quando oco rreram violentos <:lto-,
meios militares, de que ]ango, tal como fizera ques entre as tro pas federa is pa ulistas e as or-
Perón na Argentina, poderia estar construindo ganizações sindicais. Defensor ardoroso da
uma "República Sindicalista" na qual os sindi- posse de ]ango na crise sucessória de 1961, Perl
catos comporiam o alicerce central do governo Bevilaqua assumiu o 11 Exército, em setembro
em detrimento das Forças Armadas. Este temor, de 1962, mal visto pelos setores conservadores
destacado por Skidmore(25) e Campos Coelho,(26) pauli stas. Todavi a, invocando a "ilegalidade'"
entre tantos outros autores, encontrava-se pre- das organizações inters indicais que escapavam
sente nas Forças Armadas desde o segundo ao controle do Ministério do Trabalho, aproxi-
governo Vargas, no qual ]ango fora ministro do mou-se imediatamente da burguesia industrial
Trabalho, e crescera consideravelmente duran- paulista, do governador Ademar d e Barros e dos
te o governo Gou lart. setores anticomun istas d o estado.
A experiência revolucionária cubana de 1959 O general "legalista" fez d eclarações e bai-
constituiu-se em mais um elemento para o au- xou notas de instrução aos seus s ubordinados
mento do receio por parte dos militares, entre condenando o CGT, o PUA, o FSD e demais enti-
eles os "legalistas", de serem desalojados de seu dades sindi ca is, dlamadas por ele de "ajunta-
papel na sociedade. Esse medo por parte de al- mentos, il ega is e es púrios, serpen tários de
guns setores das Forças Armadas de serem subs- peçonhentos inimi gos da Democracia, traido-
tituídas por milícias operárias, tal como ocor- res da consciência democrática". (28)
rera em Cuba, já se en contrava expresso no Com a repressão militar contínua do 11 Exér-
"Manifesto à nação" dos ministros militares em cito sobre as mov imen ta ções operárias, com
agosto de 1961: "Na Presidência da República, destaqu e para as greves, Bevilaqua caiu nas
em regime que atri bl.li ampla autoridade e po- graças das classes dominantes e dos setores
der pessoal ao Chefe de Governo, o Sr. João gol pistas das Forças Armadas. Por conta de sua
GouJart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no Nota de Instrução n" 7, que teve por fito atacar
mais evidente incentivo a todos aqueles que o levante dos sargentos em Brasil ia, ocasiona-
desejam ver o País mergu lhado na anarquia, na do por acórdão do Supremo Tribunal Federal
luta civil. As próprias Forças Armadas, infil- que confirmava a inelegibilidade dos mesmos,
tradas e domesticadas, transformar-se-iam, apoiado pelo CCT, Bev ilaqua r ecebeu uma
como tem acontecido noutros países, em sim- qu antidad e infind ável de cong ratulações por
ples milícias comunistas". (27) intermédio de cartas, telegramas e visitas ao II
Parecendo aterrorizados com o papel desem- Exército. Industriai s, co mo José Ermirio de
penhado pelas orgarLizações sindicais "parale- Moraes (FI ESP), pol íti cos, como A rmando Fal-
las", suas greves e s ua íntima ligação com o cão, e militares, como Eur ico Gaspar Dutra,
Poder Executivo, tradicionais "lega listas" come- . Álvaro Fiúza de Castro, Antõ ni o Carlos da Sil-
çaram a passar para o cam po dos críticos aos va Muri ci, João Batista Figueiredo e Augusto
governos populi stas, entretanto, carregando Magessi, seu anti go adversário nas eleições para
nos braços, como não poderia deixa r de ser, a o Clube Militar, foram alguns dos que se soli-
Carta Constitucional de 1946. darizaram com Bevilaqua.

24 - Ver SKIDMOAE, Thamas. De Getúlio Vargas f. ..j. Ob.cit. pp. 271 -272 .
25 - SKIDMORE. lhamas. De Getúlio Vargas [...] Ob.cit. p. 257.
26 - COelHO, Edmundo Campos. Em busca de identidade: o exército e a politica na sociedade brasileira. Rio de Jane iro: Fo re nse Universitária. 1976.
pp. 138-140.
27 - Ver VICTOR, Mário. Cinco anos {... }. Ob. cit., p. 348 .
28 - Nota de Instrução n07. baixada por Bevilaqua em 15 de setembro de 1963. Arquivo Peri Constant Bevilaqua, depos itado no Museu Casa de Benjamin
Constant (1PHANI, localizado no Aio de Janeiro.
lI i.l'l/írill & LIIllI de C/unes · 39 I
Consid erando-o um "traid or", o movimen- qu e se viram envolvidos os "legalistas", tal
to sindical exigiu de Goulart seu afastamento como as conseqüências concretas acarretadas
do Comando d o 11 Exército, o qu e acabou por por este nos destinos do regime populista bra-
conseguir em dezembro de J 963, dando uma sileiro, forneceram ao lega lis mo um sentid o
clara demonstração do peso pol ítico qu e pos- político "reaci onário" nos anos Goulart.
su ía no cenári o político nacional. A inflexão Acerca di sto, René Dreifuss afirmou: "Os
po lítica do general Bevilaqua nos reve la muito po líticos não chegaram a rejeitar as regras do
sobre o desenvolvimento da prótica "legalista" pacto populista que proporci onava o terreno no
ao longo dos momentos críti cos do regime de- qual eles existiam, mas condenavam o governo
mocrático instaurado em 1946. por ter inutilizado a ação políti ca de rotinização
Sua "virada" política é sintomáti ca da "v ira- econcil iação dos partidos ao permitir queas das-
da" do legali smo nos anos do gove rn o Goulart. ses trabaUl adoras fossem mobilizadas além dos
De combatente da lega lidade em 196J, lado a seus métodos trad icionais de controle.
lad o co m o movimento sindi cal, passo u, em A radi cali zação da cri se, isto é, s ua transfor-
po uco tempo, a inimi go intransigente dos tra- mação em uma crise de domínio, provocou sig-
ba lh adores organi zados, cerrando fi leiras com nifi cativas mudan ças no un iverso ideológ ico
notórios golpi stas traves tido s de "legalistas". das Forças Armadas em direção a uma atitude
O agrupamento destes últimos com figuras interve ncioni s ta respondendo a di s pos ições
como Bevi laq ua é dem onstrativo de que o an- constitucionais e, conseqüentemen te, dent ro do
seio de liberdade políti ca e organizativa dos tra- que era considerado um marco ' legal'.
balhadores brasileiros foi capaz de provoca r al- O abandono de pos ições leais ao gove rn o e
terações s ignifica tivas no jogo político nacio- ao próprio pres id ente po r parte dos oficiai s
nal, fazendo com que os inimi gos de ontem se militares, bem como a genera li zação da atitu-
tornassem os am igos de hoje. de intervencionista dentro dos altos e médios
Parte signifi ca tiva d os "legal istas" não mais esca lões, de pendiam de vá ri os fatOl·es [... Ium a
se chocava com os antivarguistas, liberais bur- grand e parcela dos militares sent ia que o go-
gueses, setores co nse rvadores e go lpi stas em ve rn o deixara de se co mportar adequadamen-
ge ral, mas sim, com as organ izações sindi cais te em termos co nstitu cionai s, justificando s ua
"paralelas" c o governo "nacional-reformista" própria interve nção como send o "dentro dos
que lhes dava suporte. Es te arco de alianças em limites da lei". I")

... Aos inimigos a lei

N o caso da participação política dos "lega-


listas" dUril nte o gove rn o João Goulart,
não se tratou mai s sonlcntc de figu ras claramen-
para os adeptos do legali smo, um fim em si
mesmo, fornecendo as suas práticas políti cas -
referenciadas úni ca c excl usivamente em lUllél
te identificadas com o capita l estrangeiro e p ro- defesa intransigente das normas constitu cionais
postas políti cas conservadoras fazend o uso da - um aspecto tautológico. No caso de Bevilaqua,
bandeira da "defesa da legalidade" para alcan- fora ass im, em J961, na "Campanha da Lega li -
ça r fins po líti cos e eco nômi cos previamente de- dade", e ass inl fora de novo nos anos em que
terminados, e sim, de renomados "lega li s tas" ocupara o Comand o do 11 Exército.
que, aterro ri zados pelo ava nço políti co e organi- A tentativa dos ministros militares de evi tar
za tiv o d os trabalhadores, passa ram a chocar-se a posse de Jango em 1961 era, para Bevilaqua,
com um governo populista de cunho "nacio- por exemplo, tão absu rda e in cons titu cional
nal- rcformi stj)" que, d e cc rti] forma, perm itia quanto a ex istên cia de entidades como o CGT e
este avanço. as g reves provocadas por el as.
A defesa dos códigos jurídicos signifi cava, Sem parece r importar-se co m qu em ga nha-

29 - DREIFUSS, René. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981 . p. 142.
40· A "LegaJiJade"do Golpe

ria ou perderia com essa defesa inconteste da contradas nas cond ições objetivas da socieda-
ordem legal vigente, parcela significativa da de, ou seja, no patamar em que se encontra, em
oficialidade "legalista" confrontou-se com um determinad o momento, a luta entre as classese
importante sustentáculo do governo Cou lart, frações de classe pelo poder do Estado.
o movimento sindical e suas organizações "pa- O processo de "inflexão" sofrido pelo "cam-
ralelas", atacando-o com os porretes da lei. po legalista", isto é, a sua passagem a uma posi-
Este embate teria como resultado a "deser- ção reacionária durante o governo João Coulart,
ção" do campo governista de um importante explica-se, objetivamente, pela correlação de for-
contingente de militares "legalistas", que em ça entre as classes sociais no Brasil a partir dos
um primeiro momento, por questões legais, anos sessenta, principa lmente no que tange ao
eram favoráveis a j ango. fortal ecimento da classe trabaUladora e sua trans-
O tão falado "dispositivo militar" de jango, formação em ator político de maior peso, aspec-
esperança de muitos reformistas da esquerda, to que impul sionou um enorme tem or subjetivo
mostrara-se sem nenhuma consistência. Enfra- nas classes dominantes brasileiras.
quecido militar e politicamente, Coulart pare- A autonomia organizativa d a classe trabalha-
cia contar somente com o "Pod er Sindical", dora, expressa pel a construção das entidades
poder este que se mostraria mais fraco d o que "paralelas", como o CCT, constituiu-se em fa-
os próprios militares "legalistas" imaginavam. tor substancial para a compos ição do novo qua-
Diferentemente de 1954, 1955 e 1961, a atua- dro político no pa ís. Associa-se a isso, o fato de
ção dos "legalistas", ou pelo men os de parte que a classe trabalhadora organizada passava a
substancia l destes, não mais corroborou a ma- servir de importante instmmento político para
nutenção de um governo de "colaboração de os interesses "refo rm istas" do populismo de
classes", populista. Seus aliados durante o go- Coulart, populismo que, enquanto modelo eco-
verno jango não foram os mesmos de en tão, isto nômi co, político e social, lutava ing loria-men-
é, nacionalistas e até mesmo comunistas - refi- te contra interesses de parcela significativa da
ro-me ao PCB, partid o que nos momentos críti- burgues ia brasileira. A estrutura política repu-
cos da legalidade de 1954 a 1961 cerrou fileiras blicana brasileira não poderia s uportar a classe
com nacional istas e "legalistas", com o objeti- trabalhad o ra livre d os grilh ões d a estrutura
vo de que a ordem constitu cional fosse preser- corporativista sindi cal criad a por Vargas.
vada. Liberais, militares anti-varguis tas e de- A "defesa da Consti tui ção" foi utilizada pe-
mais po rta-vozes d o imperialism o, grupos es- los "legali stas" - t50 confi áveis aos olhos da
ses que finalmente em 1964 sairianl vitoriosos, esquerda reformi sta - contra um governo legal-
constavam agora na lista dos "companheiros mente consti tuíd o, demonstrando assim que o
de viagem" dos "legalistas". controle da cl asse trabalhad ora era condição ne-
A participação política dos militares "lega- cessária para o res peito às leis. •
listas" nos anos 1962-1964 encerrou um caráter
indubitavelmente reacionário: proporcionou o
enfraquecimento de um governo democrático
e nacionalista e sua substituição por outro de
cunho econômico libe ral, favoráve l ao ca pital
estrangeiro e politi camente ditatorial.
Com efeito, por m ais que as práti cas políti-
cas dos adeptos d o legali smo aparentem, em
um primeiro momento, ser frutos da consciên-
cia "li vre" d e sujeitos qu e decidem sobre suas
ações independentemente das condições estru-
turais e conjunturais da sociedade, sabemos que
as verdadeiras motivações destas práti cas polí-
ticas - e de qu aisqu er outras - podem ser en-
lfi niÍ rill &- f . I/UI til' CltlHes - 41

BIBLIOGRAfiA CITADA

ALTH USSE R, Loui s. " Ideo logia e Apa- golpe ele classe). Pelr6poli s: Vozes. 198 1 1964) . 12 eel. Rio de Jane iro: Paz e Te r-
re lhos Ideológ icos do Estmlo: notas para MATIOS, Marçel o Badaró. TmIJ a/flac!o- ra. 2000.
Ilmil in ves ti gação" ill Z IZE K, Slavoj rc.\· e simliclIfos 110 Brosil Ri o de Janei - VICTOR . Mií rio. Cillco (lI/OS 'que lIba-
(org.). O mapa da ideologia. Ri o de 1:1- ro : Víeio de Leitu rn. 2002. laram o lirasil (de J;i nio Quadros ao
ne iro: Co ntraponto, 1996. PEI XOTO , Antô nio Carlos. "O c1 uhe Marechal Castelo Branco). Ri u de Janei-
BOTTOMORE. Tom (cditor). Dióomí· militar e os con nitos no sc ios das Fo rças ro: C ivi lização Bra sil eira. 1965.
rio do pCII.W/IIWIlIO II/arxista. Ri o de Ja- Arnwdas";1I ROUQ UIÉ. Alain (coo rd .). WEFFORT. Fr:ü1c isco C. "Demuc rac ia
neiro : Jo rge Znllil r, 1996. Os i'llrlic!o.\· militares 1/0 I1msil. Ri o de e mov ime nto opc r ~írio : a lguma s questões
l3orroM oR E. Tom c OUTHWA ITE. Janeiro: Record . S.eI. para a hi stó ria do período 1945119(14"
\Villinn . DióOIu;rio do pell.wmelllo so - PEIXOTO. Antônio Carlos. "Exército e in Re vüw de Cultura COllfeJIIl'o/'rllll'(I.
cial do .\·ént/o XX. Ri o de Janeiro: Jorge Po lítica no 13rasil. Uma n ític<l dos mo- ano I , n° 2, pp .3- 12 (segunda parte). ja-
Zahar, 1996. de los de inte rpretaçfio". In : RO UQU IÉ. neiro de 1979
COE LHO. Edm undo Cam pos. /:.'/11 Im.\·, Al:lin (c.:ood .) Os !llIrlido", militares / /0 WEFFORT. Fr~lI1 c i sco C "Oell1ocraci;\ c
('(I de ic!enrid(l{le: O exé rcito e n políti ça I3rasi/. Rio de Janeiro: Record , s.d. movi mento openírio: algu mas qucs tões
na soc iedade brasileira. Rio de Janeiro: ROUQ UIÉ, Alain. "Os proces sos políti- IKlfa a hi s tóri a do período 194511964"
Forense Uni vc rs it.íria , 1976. cos nos part idos m ilit ares do Brasil: Es- in Re l!ista de Cullllm (' Política. ano I.
OENYS, Oclílio. Ciclo RCJ!ol!wiomírio tratég ia de pesquisa c dinrimica in stitu- n" I . pr. 11· 18 (terceira p:lrt e). agos to
Umsilciru.(lllem6riJ s: 5 dc julho de 1922 cion:lI" in ROUQU IÉ. AIJin. (coarei.). 0.1' de 1979
n J I de março de 19M). R io de Jan ei ro : partidos /JI ilit(lres 110 Um sil. Rio de Ja- WEFFORT, Fr:ltlcisco "Os sindi c:lLOS n:1
Bibli ex. 1993. neiro: Record , s. d . po lítica" ( 13 r:15iI:l954 - 1(64) in EI/.mi-
DRE IFUSS. René Armand. /964 : A COI/ - SKI Dl'vI ORE. Thomas E. /l msil: de Gl'- os de Opillliío. 1978. pp. I R·27
quista do Estado ( a ~: rio po lít ica. poder e tli/io \/argas a Castelo I1mm.:o (1930-
Ui sllÍr ia & Lul a de C lasses - 43 1
Buscaremos neste, artigo") apontar eleme ntos sobre as re la-
ções entre a grande imprensa brasilei ra e a ditad ura mi litar.
Es se fo i um mo m ento de co nso lidação de uma te ndência no
jorna lismo: a dos pad rões norte-ameri ca nos q ue se vi ncula à
progressiva dependê ncia do capital exte rno.
Fo i estabelec ido um " padrão de qua lidade", faze ndo co m que
o própri o trabalho jorna lístico se tornasse subm isso aos
interes ses dos veículos de comun icação .

Imprensa e Ditadura Militar


padrões de qualidade e construção de memória

Carla Luciana Silva fato de que os principa is veícu los


da impre nsa brasileros
foram censurad os na di-
tadu ra não impli ca e m
que eles não ten ham de
diferentes formas apoia-
do e legi tim ad o o regi -

-
\;;~J
me. Além disso, rcescrc-
creveram sua versão sobre sua própria atuação
no proccsso, qu e rend o se mos trar como críti -
cos da d itadura. No caso de Veja, a rcv ista tcm
inves tid o ainda em construir uma nle mó ria so-
brc o go lpc que procu ra ame-nizá-Io, bana lizá-
lo c justificá-lo.

Um modelo de imprensa

U m marco histó ri co na imp rensa brasileira


é o pcríodo dos anos 1950, que possui dois
aspectos fundamenta is: a entrada de empresas
Illu ltin ac ionai s c do ciJ pita l es tran ge iro, e as
conseqü entes influ ências d os padrões norte-
america nos de jo rna l ismo.
Ca rla Luci;lIw Si lvo\ é Professora do C urso de H istória da
Naquela década, "o modelo norte-am erica-
Universidade Estadual do Oes te do Para n;í, Campus de no se imp lan tou no jorn ali smo nacional, pro-
M, ll'c(;/lill Candido Rondo ll . É doutora em Hi stória pela vocand o n50 só a mode rnização das em presas
Unive rsi dade Fl uminense. carlal ss ilva @uol .co m.br. e dos tex tos, mas também a profissio nalização
F"44
~= - ~~~~~~~~~~~~~~~~/~"=,p=
n=,,=sa~
e ~D~~=,d~,,~ro~~~'~il~üa:r~~~~~~~~~~~~~~~~~=
f
d os jo rn a li s tas e a cons titui ção de tod o um sa" . Isso implico u em criar a a pa rên cia de obje--
ideá rio sobre o que e ra o jornalismo e qual era tiv id ade e ne u tra lid ad e, partind o d a d esvincu-
a sua fu nção social" P) lação d ire ta co m a sociedade p o lítica, mas fi-
Com as reform as oco rridas nesse pe ríodo, cand o l ivre pa ra agir partidariamente n o senti-
demarca-se "a passagem d o jorn alismo po líti - do de classe, embora os jorna is bus quem sem-
co-li terári o pa ra o jornalismo in fo rm ati vo",!') o pre ocu ltar essa s ua face_
que se dá sob os parâmetros norte-a meri canos. A desvincu lação fo rmal de um partido polí-
A questão ma ior que estava em jogo e ra que "J ti co atende exa tamente a esse inte resse, pois o
imp rensa deixa de ser de fin ida como um espa- jornal não de ixa de ser portado r d e "opiniões",
ço d o co mentári o, d" o pini ão e da experimen- mas pode ass im di zer-se "inde pendente".
tação estiIística e começa a ser pensada como O caráter empresar ial e ideológico d o mode--
um I uga r neu tro, .111 d epen d ente." (5)
lo norte-am eri cano é ev iden ciad o por Nelson
Talvez melh or seria d izermos q ue o pad rão We rneck Sod ré, que conclui po r uma crise da
d a su posta neu tra li dade passa a ser v i sto como impren sa, naque le período: "Na medida em que
modern o, e to rna-se mode lo para a im prensa os monopólios norte-ameri canos se instalam e
em gera l bu sca ndo-se co ns titui r como g rande se ex pandem no Brasil, têm a necessidade, tam-
empresa e empregad ora de jormJ!is tas profissi- bém, de estabe lecer, aqui, o contro le da opinião:
onais mas isso acaba abri nd o cam po para sua esse controle deriva da penetração daqueles
a tu ação pa rti dá ri a. Ao mes mo tempo, essas monopó lios. O imperi a lis mo, d epois de domi-
mu danças tornam as em presas jorn alísti cas pro- nar o mercado de coisas materiais, p rocura do-
g ress iva mente de penden tes do cap ita l ex terno. mina r o merca do da opinião e, ass im, depois
Não se pode di zer que anterio rmente os jor- que se ins tala, ins tala a sua imprensa _ E come--
nais não poss u íam víncul os com o ca pita l. Mas, ça essa imprensa a di fundir que ' a solução dos
o qu e os ca racterizava era o víncul o à socieda- nossos problemas está nos Es tad os Unidos",.(1)
de po líti ca, sem preju ízo de sua ação de classe. Não po r acaso, os exempl os dessa expansão
O u seja, eram jo rnais ligados expl icitamente a citados p o r Sod ré são as revis tas d e histórias
parti dos ou grupos políticos. A pa rtir d aqu i, o em quad rinho da ed itora Abril e a rev is ta Reali-
d iscurso d e que seria "info rmat·ivo" pe rmitiria dade, que são a po rta de entrad a desse modelo
ocultar s ua açã o partidá ria concreta_ de fragm entação ed itoria l e d e d o mini o ideoló-
As influências das concepções emp resar ia is g ico. J. S. Fa ro vê ta mbém vá ri o s as pectos posi-
na imprensa brasileira passa m a ser muito for- tivos no lançame nto des ta revi s ta, be m como
tes e incentivadas não apenas pelos jornais bra- de todo esse processo em curso d e p rofissiona-
s il eiros, mas também po r ó rgãos da imp rensa li zação. Pa ra el e, a " no va organi zação empre-
norte-ame ricana, que pagava m cursos para que sa ri a l', que pe rmi te "a imprensa es tar moder-
jo rn a li s tas bras il eiros fossem em s uas sedes !lamente vin cul "da à d inâmi ca cultural", e a
co nhecer s ua fo rma d e prod uzir jo rn al is mo, qu alifi cação técn ica e fo rmação unive rs itária do
inclus ive o ferecend o bo lsas de es tud os para profi ss iona l de im p rensa, seria m fato res posi-
jorna listas brasileiros(6) ti vos daq ue le momento" )
Essas influências permitiam oculta r a organ i- Mas, no seu traba lho, f'1f' mos tra que mesmo
cidade d a im p rensa. Se o modelo anteri or "de Realidade, qu e passa a se Is ta como um mode--
opini ão" seri a relegad o ao p assado, o jornal lo de jorna lis mo in vestig. 'o ·- ' ra a imprensa
esta ria livre para se co loca r como "uma empre- brilsileira, não fo i imune ao C' cham aríamos

•- Este artig o é uma adaptação do primei ro capítulo da Tese de Doutorado so bre a revista Veja de fendida junto ao Progran _ de Pós Graduação em
História - UfF ~Vcja: o inde spensável partido neolibetal (1989-2002).
3 - RIBEIRO, Ana Pa ula Goulart. /mprcnsa e história no Rio de Janeiro nos anos .1 ('. Tese de Doutorado, UFRJ, Escofa de Comunicação, 2000. p. 8.
4 - Id.ib., p. 25 . ;
5 - Id.ib., p. 26 .
6- SILVA, Carlos Uns. Oadiantado da hora: a influência americana so bre o jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991. pp . 79 e 86 .
7- SODRÉ. Nelso n. História da imprensa no Brilsil. 4 ed. Aio de Janeiro : Mauad, 199 9. p. 438. Grifas do original.
S - FARO, J. S. Revista Realidade. 19 66 -1968: tempo da reportagem na imp rensa brasileira. Porto Alegre: Age / Ulb ra, 1999. p. 75.
Hi s lária & Lula de C'aHe .ç . 45

de cons trução da hegemonia capitalista, qu e fundamenta l que é a informação na sociedade


naquele momento era profundamente marcada con temporân ea".(II) O pano de fundo é a entra-
pe lo anti co muni s mo . Esse posic ioname nto da de empresas multinacionais, também na área
pode ser localizado no qu e o autor chama de d a comuni cação, no Bras il.
"padrões de mod ernidade ocidental que o pós- A partir do final d os anos 1950, acelerou -se
guerra havia instituído" .(9) a ex pansão dos grupos Tim e Life, Reader's Digest,
O processo d e transformação em grand es Washington Pos t (proprietário da Ncwsweck), em
empresas acaba prevalecendo sobre as eventu - toda a Europa e também na Améri ca Latina.
ais posições progressistas d os jorna listas, o qu e Essa expansão se deu ou pelo lançamento de
não oco rre sem conflitos nem acaba d efiniti va- revistas ou pela associação com ed itoras locais.
mente co m eles, mas estabelece limites be m Como resu ltado, temos a entrada no Brasil de
definidos. Na medida em que a empresa cres- revistas como Marie-Clairc, Elle, Cosmopolitan,
ce, as máqllinas e o própri o papel para impres- HOll se & Gnrdcn, Forbcs, BlIsiness Weck, Plnyboy e
são são importados, e cada vez mai s caros, pois rev istas infantis de Walt Disney, sendo que viÍ ri-
s50 mais so fisticad os, aumenta cada vez mai s a as fo ram editadas no Brasil pelo Grupo Ab ril.(" )
dependência de fatores exte rnos como in vesti- Segundo Mattelart, citand o os editores nor-
mentos, e mprés tim os, in centivos fisca is, que te-ameri canos, havi a uma ali ança intern acional,
muitas vezes acabam levando a comprometi- cujo objetivo se ri a "unir os homens que to mam
mentos políticos de todo tipo.(IO) as decisões no mund o empresa rial e os d iri gen-
Aq ui entram também as agências publicitá- tes políticos de todas as nações".(1 3)
rias, qu e te rão papel fundam ental para mante r Po rtanto, nada hav ia de casual ou de puro
esse padrão jornalísti co. Some-se a isso as agên- "entretenimento". Doi s elemenl-os vêm junto
cias internacionais de notícia, que fazenl sua com essa ex pansão: o padrão tecnológi co que
parte no sentid o da unifi cação ideo lógica d as leva à dependência técnica externa; a dependên-
diversas publicações, gerando urna verdadeira cia de finan ciamentos e de palTocí ni os das em-
es trutura trans nacional: "Só recentemente co- presas multinaciona is. E· também;] relação com
meçou a emergir com clareza a dimensão co- os órgãos estatai s é d ada por inte resses mútu-
muni cação/publi cidade/cultura como parte d o os, pois os jornais e rev ist;]s se co loc;] m co mo
ins trume ntal transnaciona l. neu tros, possibi litand o sua atuação p;],tidiÍria
É cad a vez mais ev idente que o s istema trans- n a defesa d os inte resses de ambos. E se cons i-
naciona l d e comunicação se desenvolveu com derarmos o atreldmento do Estado também ;]OS
O apoio e a serviço dessa es trutura transna- interesses externos, indi ca remos uma sim biose
cional de poder. É parte integrante do s istema, entre imprensa, Estado brasi leiro e inl·e resses
e por meio do qu al é contro lado o instrumento trnnsnacionais.

Multinacionais, cultura e ideologia

acirramento da Gu erra Fria nos anos 1960 culnvam val ores C0 l11 0 trabalh o, ord em, famí-
O oco rre u junto com a abe rtura d as empre-
sas jorna lís ticas e de mid ia para o ca pital norte-
lia, propriedade, para vender gcladcirus, Ci1rros,
telev isores, etc. Ao mesmo tempo em qu e anun-
ameri cano. Isso é demonstrado no trabalh o de ciavam o produto, agiam no sentid o d ;) prod u-
Ana Figue iredo sobre a pub li cidade das multi- ção de consenso acerc;) de certas idéias arl"icu la-
• nacionais no Brasil naquele pe ríodo, que arti- d as a' cnaçao
. - d as necessl·d ad es d c consumo. (")

9 - Id.íb. p. 209.
10 - Ver, por exemplo: WAIN ER, Samuel. Minha razão da viver. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.
11 _ SOMAVIA, Juan. A estrutura transacional de pode r e a informação internacional. In: MAnA, Fernando Reyes fOrg). A informação na flova orrIem
inI(!fflacional. Aio de Janeiro : Paz e Terra, 1980. p. 35.
12 _ MATIELART, Armand. Multinacionais e sistemas de comunicação: os aparelhos ideológicos do imperialismo. São Paulo: Ciências Humanas, 1976. p. 200 -9.
13 - Idem, p. 204.
14 - FIG UEI REDO. Ana. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada. São Paulo: Huc itec, 1998.
46 - Im prl!llJll e lJittUlllra MiliJar

As propagandas faziam, num primeiro mo- tes - padrão d e qu alidade, d esenv o lvimento
mento, com que a p opulação se identifi casse témico, objetivid ade -, crescem e se desenvol-
com as multin ac ionai s e qui sessem que e las vem outros órgãos co m fll1lções seme lhantes: a
fossem imp lementadas, para o bem do "desen- Rede Globo e o Grupo Folha. Dentro dos pIa-
volvimento nacional" . As empresas fariam, de nos de Médi ci, esses avanços temológicos tra-
acord o com a propaganda, com que " o progres- zid os no p eríodo d a ditadura con tribuíam para
so chegasse ao fim do mundo". a " idéia de qu e a vocação brasileira é tornar-se
Em seguid a, agiram no mund o d o trabalh o, potência" 'I7) Tais idéias provinham d e estados
promovendo a divisão entre tmba lho x laze r, maio res. É re levante que lembremos da criação
abran gendo um cí rCLLio da prod ução ca pital is- nos Es tados Unid os de uma forte lI1lião empre-
ta: "O indi víd uo, ansioso po r al cançar a sa tis- sa ria l que a té hoje age como estado maior, o
fação qu e não encontrava em seu trabalho, es- COll ncil Df Forcign Rc/ntions, e o COllncil for Latia
forçava-se pam ascend er dentro da fábri ca ou Amcrican, qu e possuía entre seus planos, res-
empresa em qu e traba lhava a fim de obter me- pectivamente, a criação de um projeto para os
lh or renlunern ção e, com ela, tanto o acesso aos anos 1980, e a orga ni zação da atuação na Amé-
bens de co ns umo de massa qu e encerrariam os ri ca Latina. Desses grupos parti ci pavam o pró-
sign os de s ua ascensão, quanto as cond ições pri o g rupo Times In c.(l8)
para o des frute de seu lazer. Desse modo, ele se Tinha como seus divulgadores n o Brasil a
tornava u nl traba lhado r ideal c, ao .n esmo tem- Fundação Getúli o Vargas}'?) e como represen-
po, um cons um idor padrão - tudo o qu e o s is- tantes brasileiros em algumas de s uas re uniões
tema ca pita li sta precisa va para garantir indefi- Mario Henrique Simonsen(20). Roberto Campos("),
nida e ininterruptamente s ua reprodução,, (IS) que seriam recu perados pela rev is ta Veja nos
Finalmente, essa publi cid ade, e a imprensa anos J 990 como seus conselheiros e colll1listas,
de forma gera l, agiam no sentid o de não deixar e também Jo ão Paulo dos Re is Vell oso}")
dúv idas dos ri scos qu e a população "ordeira e ideali zador e coordenador do Fó rum Nacional
pacífi ca" correria diante do "peri go comuni s- no final dos anos 1980.(23)
ta", e que aba laria a possibilidade inali enável É o estado maior em ação con cre ta : "Ao lon-
de p oder cons umir, qu e seri a o marco da " li - go de qu ase 20 an os de atuação em diversos
berdade" cap ita li sta e "p ro ibida" no mund o países da Amé ri ca Latina, o COll1lcil utilizou
comu ni sta. Segundo Anamari a Fadu l, "as agên- um verd adeiro arsenal de recursos, inclus ive os
cias de notícias cri adas es pecia lmente para tra- da mídia oral, escrita e visual, definidas d e acor-
balha r na con tra-ofensiva ideo lógica foram ou- do com O público a ser ating id o e o tipo de pro-
tro importan te elemento da Guerra Fria. 1... 1 Os paganda - gera l o u seletiva - na telev isão, nos
países altamente industri alizados controlavam jo rn ais diários, nas revistas semanajs, nos pro-
não somente a produção de mercador ias e sua g rama s de rádio, pa nfl etos, liv ros, re vi s tas
dis tribui ção, como ta mbém a produ ção e dis- es pecia liza das, outdoors, etc. Depende nd o do
tribuição de notícias"'''' tipo de a lvo, a mensagem podia ser pre parada
Mas, a enca mpação e di vul gação desses ide- nas estufas ideológicas do Council e p lantada
ai s ma is amp los ab rangem todos os grandes nos me ios de di vul gação, ou até encomendada
grupos de mídi a. Com justificações semelhan- às empresas es peciali zadas, às elÜes congêneres

15 - Id.ib. p. 86.
16 - FADUL, Anamaria . A inte rnacionalização da mídia brasileira. Comllnicação & Sociedade. Identidades comunicacio nais. N. 30, 1998. p. 76 .
17- WAINBERG, Ja cques. Casa Grande c senzala com antena parabólica: telecomunicação e o Brasi l. Porto Alegre, EdiPUCRSSIFamecos, 2001 . p. 51.
18 - DREIFUSS, René . A Intcmacional Capitalista: estratégias e táticas do empresa riado transnacional. 1918 -1986. Rio de Janeiro: Espaç o e Tempo,
1986. p. 111.
19 - Id.ib. p. 117.
10 - Id.ib. p. 165 .
11 - Id.ib. p. 167.
22 - Id.ib., apêndice HQH.
23 - Dados em DREIFUSS, A Internacional Capitalista. Ob.cit. O Fórum 1em agido como intelectual coletivo das publicações da Editora Abril, conforme
demonstra a investigação de minha tese de doutorado.
f-1i... ttÍrit, & 1, /lIf1 til' C l a .\'Se .\' - 47

ou às associações em presa riai s vincu ladas ao do o autor, passa a ser um apêndice ideológico
C LA"_(") Até o fina l dos anos 1980, a articula- do Estado, inclusive através d" espi onagem, que
ção se dava em torno da idéia de Guerra Fria. E é sofisticado "q uand o o inim igo deixa de ser ex-
nesse sentido, também Mattelart aponta dad os clusivamente o concor rente industrial, para tor-
que nos pe rm item estabe lecer ligações entre na r-se mais político. Como sempre, esse inimi go
grupos norte-americanos e a realização de pes- é identificado com a etiqueta de 'terrorismo' e 'ex-
quisas e pub licação de publicidade de "comba- tremismo'. Uma vez diagnosti cado, trata-se de
te ao comunjsmo N
, neutrali zá-lo COtn os meios ma is adcquados".(2Ü)
U m exemplo é um questionário de pesqui sa Ou seja, demonstra-se que a publ icidade e o
"pli ca do a "formadores d e opinião", pelo gru- mater ial editorial não estavanl desvi ncu lados da
po Ga llup, no Chile às véspe ras das elcições de li nha es tratégica Ina is Zlmp lü norte-a meri ca na,
1970: 'l .. ] em sua opinião, porque o presidente naquele momento, o controle da Guerra Fria nos
João Gou lart foi de mi tido (s ic] de suas fun ções? países latino-a merica nos. Têm impli caçõcs no
a) porque fora longe d emai s com suas medi- mercado de comunicação brasil eiro e do padrão
d as de nacionalização das riquezas naturai s do de qu"lidade, que passa ria " ser mais uma fo r-
país; b) po rq ue n ão res pe itou os pr in cípios ma de estabelec imentü de consenso pel a gr"nde
co ns ti tucionais e trad icion ais da nação; c) por- imprensa. E que, com isso, consol ida sua posi-
que identificou-se co m os part id os p olíticos ção empresa rial. Já nos anos 1990, o consenso
de esqu erda, particu larmente co m o partido co- passaria a ser bu sc"do em torno de outras qu es-
munistaO yS) tões, ll1iJis "modernas", c esses g rupos ütuür50
Esse ma terial se relaciona com um conjunto juntos nesse sentid o. A "globali zação" pilssa a
de o utros provindos da publicidade, que scgun - ser a grande arti cu ladora desses ideil is.

Os padrões de qualidade e a "nova ordem"


,
ta mbém no contexto de Ditadura e de abcr-
E tura ao cap ital externo qu e se dá a inlp lan-
tilção da Rede Globo de Te lev isão, com a entra-
política de intcr na cio na lizaç50 d<l eco nom ia
a través da criação d e um mercado nacional de
produtos indu stri ai s so fisti cados.
dil direta de ca pita l estrangeiro e ges tão pelo Robe rto Ca mpos e ra figura noto riam cn te
grupo norte-ameri can o Time- Lifc. A ilega lidil- idcnt ifi ca da com os intcrcsses do ca pital estran -
de desse fato gerou a Comi ssão Parlamentar de geiro e também Octav io Gouvêa de Bu lhões,
Inquérito, que acabo u inocentand o a Rede Glo- gue mai s ta rd e chegar ia a se r pres id e nte da
bo, depois de vários vícios no processo. poderosa l11ultinLlciollLl I Eri cso n, d Ll indúslTi Ll
Em q ue pesem as inLune ras i rregu laridades, quc, juntamente com Standart Elctric e a Ni ppon
a em pres a foi abso lvida po r decreto do pres i- Electric Company, co ntr o laram o mcrcado bra-
den te Costa e Silva, em 23/11/]968, co m o arqui- sileiro de telccomun icLlções, criLld o co m I11 Llci-
va mento do processo. Isso ocorreu porqu c os ços in vestimentos d o Governo após '1964".(")
interesses estavam bem delinea d os: "A supe rfi- Essa conjun t'ura foi dec is iva para gue a Abril
cialidade com qu e os mini s tros da área eco- pudesse abr ir-se pa ra os in vestim cntos neccs-
nômica trataram os proble nlâs levantados n50 s;:í rios pa ra uma rev ista do po rte dc Vcjn . Va le
e ra, por certo casua l. O governo implantado em retom ar Daniel He rz, que sc util iza co mo base
'1964 tratava d e contornar as res istências qu e O livro negro dn in vnsão vrnncn, de João Calm on
surg ianl, inclus ive na área mi li tar, !nas mano- quc: "Falava também da chegada de Victo r
brava Rara garantir a implantação da TV Glo- C ivita que cs ta va ins ta la nd o no Bras il agu e la
bo, que se ria u m inst rumento fundamenta l na que hoje é a maior empresa ed ito ria l el a Amé ri -

24 - Id.ib., p. 173 .
25 - MATIELART. Multinacionais e sistemas de com/Jnicação Oh. cit, p. 225.
26 - Id., Ib., p. 266.
27 - HERZ. Daniel. A história secreta da REDE GLOBO. 14 ed. Pono Alegre: Ort iz. 1991. p. 169.
IlIIprcl/Sa e Dit(ldllra Militar
48 -

ca Latina, a Edito ra Abri l: 'O Grupo da Editora leiro terá ca pacid ade finan ceira para manter
Abri l edi ta esta rev ista ' Rea li d ade', que é a dé- dezenove rev istas, no Méxjco, na Argentina e
cim a no na que lança no Brasil. O dono d este no Brasil". I'" He rz caracteriza o grupo Time
grupo cham a-se Victo r Civita _Este homem nas- como sendo "da linha mais reacionária e mais
ce u na Itá li a, n atura lizo u-se norte-allleri cano. retrógrad a d o Partido Republi cano, exclusiva-
1___ 1 Quand oprocurei a pura r o qu e ele fazia nos mente interessad o em manter, em pillses como
. . (30) 11

Es tad os Un idos, antes de vi r para o Bras il , so u- o nosso, bases antJ comUnlstas -


be q ue ele era empregad o d o grupo Time-Life_ A justi ficação ideológica muda ao longo dos
Chegou ao Brasil sem dis por de recu rsos finan - anos, pois desde os anos 1980 se inicia uma ten-
ce,ros e o seu Hm ao part,u para a A rgen t"
o • -

ma" -(28)

dência de usar na ideologia da "globalização" as
Além djsso, ele aponta para o crescimento da novas definições dos rumos que aparecem como
Ed itora, em co nsonância co m O qu e ocorria no inexoráveis. Além de negar alternativas, justifica
Méx ico e na Argenti·n a, onde a li gação com os positivamente os avanços do capital na sua rea-
g rupo Time era apontada : " Dentro de pouco ção à crise de acumulação vinda desde os anos
tem po o grupo da Edi tora Abril lançou d eze- 1970. O sentido a ser preservado é o da acumula-
no v e revistas no Bras iI, dezenove rev istas na ção. Ademais, é através dessas ligações que a Rede
Argentina e dezenove rev istas no Méx ico. Ou - Globo recebe altos investimentos tecnológicos, ga-
tro detalhe interessante: a Editora Abril na Ar- rantindo um elevad o padrão de qualidade técni-
gentina ed ita UI11a rev ista chanl ad a 'Pan oranla' . ca, que é vista muitas vezes como avalista de uma
Em ba ixo do títu lo d a rev ista lê-se: ' um a rev is- suposta credibilidade, e tem como conseqüência
ta d o Edi tori al Abril e de Til1l c-Lifc'. o aumento das dividas das empresas da rrúdia
Na Itáli a, ex is te U111 él o u tra rev ista, co m o brasileira, e seu progressivo atrelamento aos me-
mesmo títu lo, ' Pano rama' embai xo do títu lo lê- ca nismos d e finan ciamento ex ternos e in ter-
se: ' u ma ed ição de Tim e- Life e Monda tori '. O ra, nos, estatais ou não. Em conseqüência, as rela-
é m ui ta co incidênci a. E é o grupo Civita na Ar- ções políticas se dão também levand o em conta
gent ina e o g rupo d a Edito ra Abri l q ue opera essas necessidades, send o este um d os elemen-
em três países. Creio que nenhum grupo brasi- tos principais da ação partidária d a imprensa.

Folha de São Paulo : padrão de qualidade e ação política

A lém d a Rede Gl obo, teve v ida lon ga de des-


taq ue, com LUTI projeto editorial e uma o r-
ganização eln presari al "nl odern os", o jorna l
A centralização englobou, em di versos graus,
todas as o perações que fosse possível centrali-
zar: produção e re produção da me""';agem, dis-
Folha de São PaI/ lo. Gisela Taschner es tud ou o tribuição, vendas, publicidade, admi ni stração,
cong lomerad o do qu al faz pa rte o jorna l, mos- serviços de a poio. A diversificação fo i feita com
trando que nos anos 1960 a empresa tomou um a - aos pro d li tos.,, (31)
re Iaçao
série d e medi das no senti do d a centralização O grupo não se restringe ao seto r jo rnalístico,
de capi tal, ao mesmo tem po em que se amplia- seus proprietá rios têm inves timentos em diver-
ram os inves timen tos no seu setor produtivo. sos tipos de atividade, "só a títu.lo de exempl o,
Daí nasceu a ju nção entre Folha da M anhã, Frias é um d os maio res g ranjeiro s, se não O
Últill1a H ora e No tícias Pop l/lares: "O novo com- maior, d o país".(J2) Ma rio Sergio Conti também
plexo fo i abordad o a parti r d o binômi o centra- cita investimentos do grupo na área rod oviári a. I'"
I ização -dive rsi ficação. Ou seja, são mu ito di versi ficad os os in vestimen-

18 - Id.ib. p. 91.;
29 - l oe.cit. ;
30 - Id.ib. p. 93.
3 1- TASCHNER, Gisela. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Aio de Janeiro: Paz e Terra, 1992 . p. 156 .
32 - Loe. cit.
33 - CONTI , Mario Sergio. Notícias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor. São Paulo : Co mpanhia das l etras, 1999 . p. 185.
lI jqti ri a & LI/ Ia de ClaHf\' - 49

tos e interesses do gru po qu e publi ca o maior tatal e de Illultinacionais.


jo rna l impresso nacional. E isso deve se r leva- Os editori ais passavanl a ve rsa r sobre temas
d o em conta para entende r seu posicionamen to amenos, que n ~o comprometessenl sua pos ição
político. O caso da Folha de São Palllo é bas tante po líti ca. E, na versão criada pela direção do jor-
ilus trativo da relação opo rtunis ta com a Dita- nal, a mud ança enl prol da abertura oco rreria
dura, pois o jornal foi censurado, posteri ormen- po r "ex igência do públi co", como se antes não
te apoiando o movimento das Diretas Já Com tivesse indi cado a necessidad e de apontar a d i-
isso co ns truiu uma aura em torno de s i qu e até reção intelectu a l de seus le itores.
hoje lhe p ermite ser vis to como um jorn al pro- Fo i no contexto de abe rtura que o jorn al im-
gress ista. E é n esse mesmo contexto que o jor- plemento u o Projeto Folha, qu e traz uma nova
nal cria e d esenvolve o "projeto Folha", que es- form a de enquad ramento jornalístico bras ileiro.
tabelece o p adrão de qualidade como premis- Os avan ços tecnológ icos permitem que a comu-
sa, em de trimento da au tonomia jorna lísti ca. ni cação se dê de lima forma muito nlai s ráp ida,
O mais relevante é que oculta, relega ao es- o qu c não impl ica necessari nmcnte em 1l1elh ori a
queci mento o apoio que deu ao go lpe e às med i- de qu a lidade e fided ign idad e. A tecno logia é
das re pressivas já sob julgo militar. A Folha se uSJda como Ullla form Ll de reforça r a id éia de
adap tou aos rum os dn abertura, no 1l10mcnto credibilidade. Em algu ns casos, torna di spen-
cnl que a democracia se colocava como necessá- sável LI própria fun ç50 do jornali sta, a Li, como
ria ao seu projeto de "modernização". O jornal di z Ramonct, " rebai xando-os ao n ível de rero-
buscou se construir como O "jornal das diretas". cado res de transmi ssões de agência" .{:\(')
Mas com isso, oculta que não apenas Llpoioll a Um dos e fe itos disso é a auto-censura por
Ditadura, mas também ex igia ed itor ia lmente parte dos jornali stas, que se torn am ca da vez
que o governo de Jango fosse der rubad o. Sua mai s alinhados à linha editori al, a meaçados de
postura fo i anti comunista, antipopu lista, elitis ta perde rem seus empregos se ass im não O fi ze-
e, po r conseqüência, pró-cap itali sta .(") rem. José Arbex Juni o r que foi jorn a li sta da Fo-
Vár ios editoriai s bu sca vam associar po pu - IIIa de São Pall lo, se refere ao Projeto Folha dessa
li smo a comunismo, e se buscavam coloca r O le i- fo rm a: "1... 1sua impl an tação introd uziu no Bra-
tor em uma postura de su perioridad e diante das s il , em ritmo acele rad o, .wna lóg ica empresa ri -
"massas" que apo iavam o governo. Além di sso, al qu e a moderna imprensa cLlp ita l ista co nstru iu
o jornal teve muitos lucros com O golpe, chega n- ao longo de vá rias décadas nos Estad os Uni-
do no ano d e 1965 a aumentar seu patrimôni o d os e na Europa", adotan do um "discurso para
vin te vezes com relação ao ano de 1964, o que se o J11ercado", adequa nd o-se à "cxp an s50 do
deveu b aquis ição d os dema is jornais que perd i- neo liberali smo". O projeto, seg und o A rbex:
am razão d e ser com O fim do governo Coul art''') "1.". 1ca ra cterizava a notícia co mo lllerc.Jdo ri n,
Fo ram co mprados os jo rnais Folha da Manhil, destinad a a gerar lucros. Essa pe rs pectiva ex i-
Últi/lla Hora e Notíc ias Poplllares. Es te ú lt im o g ia, obviamen te, o fim da ' polit·izaç50' da reda-
"a pós o go lpe perdeu s ua razão de se r, posto ção, urna das ca racterísti cas mais fortes, do jor-
que havia s ido criad o pa ra se opor à Úll irlla nali s mo até então prati cad o no Bras il. 1... 1 A
Hora". O crescimento trou xe também o end ivi- adoção do Projeto Fo lh a impunha, po rtan to, um
damento, o qu e levou o g rupo a uma posição 'saneamento id eo lógico' da redação" "') Po rtan-
fragilizada com relação ao governo. Além di s- to, nesse novo períod o, outras c rt:l lll LlS in ovcJ-
so, o utro ins trumento essencia l naquele perío- ções para qu e o jorna l atuasse po litica mente.
do recebe u especia l atenção da publi cid ade es- A justifi ca ti va de ser "p rog ress ista", a lém d o

34 - Esse material é discutido em: DIAS. Luiz Antonio. O poder da imprensa e a imprensa do poder: a Folha ele São Paulo e o golpe de 196 4. Dissertação de
Mestrado em Histó ria, UNESP. Assis. 1993 .
35 - Id. ib. p. 95.
36 - RAMONET, Ignácio. A tirania da Com/lnicação. Petrópolis: Vozes. 1999. p. 51.
37 _ ARBEX JA . José . Showffla/ismo: a noticia co mo espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001. p. 142-3 e COSTA, Caio Tt'llio. O relógio de Pascal: a
experiência do primeiro ombudsman na imprensa brasileira . São Paulo: Siciliano, 1991 .
50· Imprel/.m e Ditlldura Militar

fa to de ser altam ente d esenvolvido tecnologica-


11lente, seri am as grandes Tn arcas qu e pe nllltt-
I ri am desviar d as implicações po líticas desse
novo programa para o jornalismo brasileiro.

Veja na abertura

A revista Veja passou por um processo bas-


tante semelhan te, embora o grand e ele-
mento que a permitiu se colocar propagandisti-
ve sua posição centrista, proclamando mudan·
ças sem se chocar com o govern o", mesmo que
fosse uma posição derrotad a.
cam e nte co mo um veícul o críti co tenha sido o O elo de ligação teórica entre o programa de
impcachment de Fernando Co ll or. Veja fez o que abertura econômica e o regime militar parece es·
es teve ao seu alcance para incentiva r uma saí- tar vinculado à figu ra da "iminência parda" de
da conci li atória, e apenas depois di sso se m os- Golbery do Couto e Silva, que viria a ter ligaçãe;
trar imp oss ível é que co mpro u a bri ga pelo estreitas com Elio Gaspari, editor d a revista. E
il1lpeachl1lcnt, buscando d ar a linha para que o relevante que, na eleição de Tancred o, mesmo no
processo se desse com o m ínim o de fi ssuras contexto de abertura, a revista abriu espaço para
sociais poss íveis. O fato de te r sido censurada Médici C40, e a Golbery, com a intenção de recupe-
na Ditadura contribuiu de forma decisiva pa ra rar "momentos positivos" da ditadura(4J,
que ela não tenh a fal id o nos seus pr imeiros Freitas cita um editorial de 1974 em que se
anos, ela "be nefic iou-se d a cens ura, porque sem dizia que "quando a his tória oferecer seu juízo
censura seri a mais di fícil d iferenciar-se das ou- sereno à administração Médici, muitos haverão
tras pu bli cações existentes no país", fo i com isso de ser os acertos e os erros [... ] talvez ele venha
que se "firm ou a imagem d e inde pendência" (3M' a ser o govern ante que, mantendo a política na
No gove rn o de Fi gueiredo, a abertura po lí- gelade ira, impediu que ela fosse a tirada ao
ti ca se apresentava como inevi tável, dev ido às quintal [... ]".c", As entrev istas fo ram publicadas
pressões socia is. Veja teve urna postura nl uHo "às vés peras de o Colégio eleitoral escolher para
coerente, apostand o, aind a que timid amente, na a presi dênci a entre Paulo Salim Maluf (PDS) e
possibili dade de eleição de Aure li ano Chaves, Tancredo Neves". Médi ci falara "com exclusi·
que m ante ri a a coerência de seu anti go parti- vid ade para Veja, concedendo um a entrevista
do, a UDN (39' formal ao repórter que freqüenta va s ua casa e
Em edito ri al, no contexto da decisão de quem conhecia seu pensamento ao longo d os anos
seri a o candid ato, di zia qu e "enqu an to Maluf e sem publi car uma só palavra para o conheci·
And reazza exibem bases di feren tes e programas mento do leitor".c",
semelh antes, Au reli an o parece bu scar uma tri - Quanto a Golbery, a entrevista já es tava pron·
lha capaz d e fazer renascer as velhas raízes de ta para ser publ icada quando a rev is ta quises·
seu pa rtid o de ori gem, a UDN, Glvél lgand o um a se, também po r influência do editor Éli o Gaspari
mis tura de realid ade com defesa das liberda- que "freqüentava o ex-minis tro pod eroso, mas
des públi cas. Por isso, dis põe de uma bi ogra- que até então não havia escrito ne nhuma linha
fia. Foi um admin istrado r de contas res peitado de matéria com informações atribuíd as ao ex-
pela oposição e o primeiro po lítico do PDS a chefe d a casa civil de dois govern os militares e
defe nd er a a nis ti a, e m 1977". Como a ponta mentor intelectu al da revolu ção d e 1964".c" ,
Gazzo tti, qu e cita o editori al, "a revista mante- Mesmo ass i.m, a re vista apoio u a Canlpanha

38 - FREITAS, Jorg e Rob erto Mart ins. A entrevista nas pâginas amarelas da revista Veja: a imagem do milagre econômico sob o ponto de vista do prime iro
IIcwmagazine brasileiro. Mestrado em Comunic ação, UFRJ, 19 89, p. 151 e 152.
39 - GAUOTTI, Jutiana. Imprensa e ditadura: a revis ta Veja e os governos militares (1968 ·1985) . Dissertação de Mestrado em Ciências So ciais. São Carlos,
UFSC, 1998 , p. 39, 40.
40 - Citado por FREITAS, p. 117.
41 - E, segundo Freitas, Mdcmolls trou euforia com os msultados anunciados pelo então presidente~. (p. 11 5). FREITAS. A entrevista /. ./. Ob.ciL
42 - Carta ao l eitor, 9/1/1974, p. 24.
43 - ld.ib. p. ' 12.;
44 - Id.ib. p. 115.
lli.çl /ír i n & I.ula d e C ta Bu - 51

pelas Diretas, em cl ara oposição à Rede Globo Rodri gues: "Tomaram o poder e esse poder lhes
de Televisão. Para Veja se tratou d o "maior mo- foi imposto pela inépcia, pela burri ce, pela im-
vimento po pular d a Histó ria do Brasil", ind ican- becili dade das esquerdas. As esq uerdas fizeram
do que para ela, o importante neste momento tud o isso e co loca ram as Forças Armadas na
era o p rocesso "democrático" para possibil itar obrigação elementa r de intervir s Wl1ariamen te
aprofundar as reformas liberais. Mas é altamen- porque o Brasil de Jango foi o Bras il do caos, de
te relevante a complementação: "1... 1jll stamcntc caos mais idiota, mas estéri l, mais infecund o, que
por tcr amadurccido nes tes vin te anos, o país sc acha não co nd uziri a a nada a não se r ao própri o
pronto para escolher seu presidcntc. ,,(<5) caos".<46) Esta é a "express iva passagem que en-
É ev idente que, dessa forma, o próprio golpe cerra a primeira am arelinha",(47)
de 1964 fica jus tificado, pois se tratava de um A edição aponta para um sentimen to qu e
país "imaturo". Em inúmeros momentos se tra- seri a repetid o ao longo dos anos sobre a "inép-
ta do Golpe com amenidade a pa rtir d as referên- cia" de um govern o de esq uerda e os "riscos
cias de desprezo ao governo de Jango. A ci tação pa ra o país", qu e são associados à figu ra de
em des taque é de um a e ntrev is ta de Ne lson Ja ngo como fraco e portado r do caos.

Veja reconstruindo a memória do golpe

O principal m arco recente d a reconstrução


da memória sobre o golpe de 1964 é o con-
junto da obra de Élio Gas parj/") que fo i ed itor
liberdades".(·" ) A seqüência é atribui r as atroci -
dades da d itad ura aos excessos de a lguns ofici-
ais descontrolados: "1... 1o Exército cometeu ex-
de Veja. E a base de sua inte rpretação é utili za- cessos vergonhosos no Recife e no Rio ele Ja-
da pela re vi s ta, em idéias como: a fraq ueza de ne iro. I... 1Uma vergonha. Mas, pa ra quem aclla-
Jango; a possibilidade de um golpe comunista; va que uma guerra civil era iminente, posso con-
a grandeza do país sob o regime. Pinço em se- siderar como pacífico o go lpe qu e derrubo u
gu id a alguns exempl os de como isso se dá nas Goulart,, -'51)
páginas d e Veja, embora o tema mereça ainda Po rtan to, primeiro ele cria o a rgumento de
maio res pesquisas. Idéias re petid as em matéri- um go lpe iminente, depo is, utili za-o para di zer
as como: " O golpe na estrada: deflag rado n 11 1'1'1 qu e as coisas não teri am sido t50 ru ins, embora
rompante dc dois generais de seg undo cscalão, o a ponte a lguns s u pos tos desv ios. Está clara a
golpe dc 1964 sc consolido ll por inércia c sem cn- posição que Vcja quer p riv ilegiar, não a das ví-
fren tar resistência. ,, (49) ti mas da Ditad ura, mas dos pró p rios a lgozes.
Q uando foram publ icad as obras qu e com- A concl usão é exp lici ta: "Veja: Mesmo ass im o
provavam o envolvimento da C1A com O golpe senho r acll a que a queda de Goul a rt fo i um bem
milita r no Brasil, Veja abriu es paço pa ra o d ire- pa ra o Bras il ? Gordon: Como ami go do Bl'asil,
to r da C IA e emba ixado r d os EUA no Bras il acho s inceramente qu e s im. Go u la rt certamen-
apresenta r su a versão. Reitera-se a tese sobre a te d aria o autogo lpe. Como era um sujeito fra -
ameaça d e um golpe comun ista, ao que Lincol n co, a Hi stó ri a mos tra que logo o pod e r se ri a
Gordon res ponde: "1... 1 para mim, a melhor so- surrupi ado pelos seus ali ados comunis tas, por
lução era mesmo a s ubs ti tuição do pres idente a lgum líd er mais ca paz do que ele, a lgum mar-
Go u la rt. Temia mu ito qu e ele fosse engolido xista, sehTUid or de Fid el Castro". (SO)
pelos comunis tas, a que m d e dava as maiores Ass im se ence rra a entrev is t'a, fixa ndo as

45 - Carta ao l eitor, 18/4/198 4. APU D GAZZOTII, op. cil. p. 43 .


46 _ Nelson Ro drigues entrevistado por Fernando Mercadante. na primeira entrevista das páginas amarelas da revista, 4/6/1969. op . cit., p. 125.
47 - loe .cit.
48 - Ver resenhas no presente nume ro de História e luta de classes.
49 - Veja. 30/3/1994, p. 38 a 45.
50 _ Uncoln Go rdon. Entrevistado por Eurípedes Alcântara. Oembaixador e o go lpe. Veja. 15/1 0/ 1997. p. 42 .
51- ld. p. 43.
52 - (d ..
52 - Imprellsa e Ditadura Mjlitar

· _ po I'
translçao · " .(55)
Itlca
1l1Csn13S idéias-ch ave: a fraqu eza de Jango, a
ameaça comunista. Em sintonia, há LIma idé ia Na seqüência, ao falar d o que considerava
mu ito batida, de que a Ditadura, qu ase sempre absu rda g reve de fun cionários públicos, eles são
dlamada de regime, caiu por anacronismo, c que, associad os à selvageria. I561 E completa que "es-
portanto, haveria sempre uma ameaça velada de ses absurd os, cometid os p o r um sindicalismo
que voltasse, como se depreende da ci tação: "Era irresponsável, representam um abuso selvagem
moda, no velho regime, falar da d istância entre do legítimo d ireito de greve,,{57)
o governo e a sociedade. O apare lho governa- A ameaça vinha em seguid a: 'l .-] a selvage-
menta l v iv ia num mund o e a popul ação do país ria não leva à conquista de re ivindicações sala-
vivia em outro, em co nseqüência, basicamente, riais e muito men os ajuda na consolidação da
do g rand e defeito de fabrica ção do regi me - o democracia. Em setores vitais, com o o do trans-
fato de não ser legítimo nem rep resentativo. porte e da sa úde, ela apenas penaliza ainda mais
Pura verd ade. Só que, devolvida a democracia os traba lh adores de renda mais baixa, além de
ao Bras il se verifica que muitos ocu pantes de ad icionar um perigoso elemento de tensão na
ca rgos p úblicos da Nova Re públi ca conseguem vida bras il eira".I"'1
1... 1 ma nte r-se tão distantes da sociedade quan- Há uma a meaça aos movimentos sociais: o
to os seus antecessores da VeUla".I"1 regime " foi para casa", mas p o d eria voltar a
Portanto, teriam sido os militares, por sua qu alquer momento se não h ouvesse a "colabo-
próp ria ação que "devolveram a democracia", o ração de todos". Veja está alertando e contribu-
que pode ser vi sto como uma forma de co rrigir indo para a manuten ção d o medo. Sua p osição
O "defe ito" da d itad ura, redu z ida b falta de n o período da abertura fo i de sempre ameaçar
representati vidade. Naquele contexto aumenta- que os militares " podiam voltar ", se a "sacie--
va o embate da revi sta contra O func iona li smo dade civil " não se comportasse.
público. Ela completava, su postamente em nome Para justifi car o golpe, se apresenta a imagem
de "tod o o pais": I... ] ta l vez tenha chegado a hora de João Goulart como um "incapaz", um "fra-
de fazer alguma coisa. Chegou mesmo - como co". Essa pos ição pode ser percebida nesse tre--
chegou, um dia, "o descrédito qlle mandoll o velho cho em que Veja reitera seu apoio a Fernando
regime para casa".l541O clima de insegurança e a Henrique Ca rd oso, cujo governo é considerado
necessi dade de planejar uma ação futura es ta- um "elevado momento nacional": "Faça-se a crí-
vam co l ocad os~ c a Ditad ura apa recia vclada- tica que se deseja r ao presidente da República,
mente como algo que poderia ai nd a voltar. Nos mas reconheça-se que ele imprime um rumo ao
dois momentos em que se refere à Ditadura, o se u governo, coisa que parece banal mas não é.
seu fim aparece como algo alheio aos mov imen- Jâni o Q uadros, um alucinado na Pres idência,
tos sociais que a abalaram: a democracia foi de- nunca teve rumo algum, a não ser p romover
vo lvida" o descréd ito mand ou-o para casa". Fi ca pirotecni a política. JoãoGoul art, um homem fra-
assegurad o, além disso, qu e ele não "desapa re- co, governou dividido no seu intimo e também
fl
ceu", es tá fiem casa c pode voltar à cena se vo l-
, dividiu o país. Nada há a dizer sobre os gover-
ta r a "te r créd ito" , Assi m, "embora a vo lta ao nos militares, que devem ser avaliados por ou-
governo não fosse intenção da maio ria dos mili- tros critérios. Seu rumo era o da ditadurau(59)
tares, a publi cação periód ica de reportagens dei- A ditad ura apmece co mo a lgo indiscutível,
xa ndo entrever o contrário produzia grand e im - como se ne la não ex istissem re presentações de
pacto e lançava sus peitas quanto aos rumos da classe e interesses de fend idos inclusive pela

53 - Carta ao leitor. Veja. 1/3/1 989, p. 17.


54 -Id.
55 - AGUIAR, lei la Bianchi. ~Não se trata de uma ameaça, mas .. Um estudo das declarações dos ministros militares durante o governo Sarney. Tex-Ias
H,

CPDDC, n. 34, 1999, P. 3.


56 - As greves que só prejudicam. Ca rta ao leitor. Veja. 12/4/1989, p. 27 .
57 - loc.cit.
58 - l oc.cit.
59 - Um ano depois. Veja. 17/1 / 1996, p. 31.
2

lIi .\"ttÍria & Lllt a de ç la ue~ - 53

imprensa. Neste m omento acnda se rea firm ava caso de Lula se mostrar um "aventureiro". In-
qu e quanto a C ard oso, "desde ju sce lin o siste-se mais uma vez na v isão sobre jango: fra-
Kubitsche k, nenhum pres idente deu mais es- co e inca paz, portanto, está implíci to qu e ele
perança ao Brasil ".(60) O conjunto d o tex to é não teri a mesmo condi ções de governar o país.
tra ns pa rente: apenas Ca rdoso teria s id o bom Por outro lado, os homens da Ditadura, e mais
para o Brasil, " reconheça-se". Tod os os outros especialmente, o general Geisel recebe adj etivos
são desqualificados. jango, a exemp lo do que opostos: "[. .. 1o ditador esclarecido: num li vro ex-
diria também sobre Lula nas campanhas pres i- cepcional, Geisel conta como vi veu, amou, co ns-
de nciais, é v i sto como a lguém que " dividiu o pirou e exerceu o poder,, (61) Os elogios e o pon-
país", o u seja, n ão se ria alguém que es tav a to de onde se fala, justi ficando a Ditadura, são
numa s ituação em que o país estava de fato di- claros: "1... 1é um li vro extraordinário, feito por
v idido. Com isso também se pe rmite atribuir à um homem cônscio de ser diferente da maiori a,
su a " fraqueza", o própri o Go lpe. que tem a co ragem de atacar as eleições diretas
Ao ana lis ar a candidatura de Lula, de novo e justificar a tortura em alguns casos".".1)
a associação: "1... ] não dá para comparar nem A idéia a incutir era que se jango era cova rd e,
com Getúlio Vargas nacio nalis ta de 1950, nem Geisel seri a o seu oposto, e justamente pela sua
co m O João Goulart aventureiro levado ao Planal to ca pacid ade e "coragem" de justifi ca r a tortura,
de po is d a renúncia de jan go em ]96] ".(61 ) permitind o-nos inferir que para Veja, Geisel fez
Re pare-se a fo rma com que jango, que fo i "o qu e tinh a que ser feito": "1... 1c/c era o general
e leito vice-presidente é tratad o: um "aventurei- mais bem preparado para o cargo e o que tirlha lllais
ro levado ao Planalto". Essa afirmação serve cla- clareza do que queria"/'" e ainda ma is: "1... 1o mai s
ram ente para legi tima r o go lpe mi lita r de 1964. esclarecido dos ditad ores: um general podero-
A frase permite desca rtar o fato de que os so, autoritári o, bem fo rmado e complexo, co ra-
d o is casos re metem a presid entes e le itos em joso no seu reacionarismo, di vertido em a lgu-
processos democrá ticos - regra s upostamente mas opiniõcs, e cuja obra presidencial foi des-
defendida p ela imprensa liberal. E a remi ssão feita pe lo tempo e pel a sociedade". Portanto,
aos d o is presidentes que foram vítimas de go l- caberi a a ob ras co mo es ta resenhada, e à pró-
pes não era ocasi ona l, ficava um alerta para o pria revi sta, recuperar essa memóri a.

A censura ocultando a ação política

ão ex is te qu a lqu e r dú v ida d e qu e a im- tinham intenção de co ntestação ao regim e mi-


N prensa brasil eira fo i du ramente censura-
da d urante o período militar. Várias foram as
litar, sua forma ção, suas impli cações e sobretu -
do, seu sentid o econôm ico. Mas, pos teri ormen-
fo rmas d e exercício da censura, desde a presen- te os grandes jorna is usaram o fato de seus jor-
ça de censores na redação, a cen sura prév ia, a na listas terem s ido pe rseguid os co mo form a de
ap reensão de jorna is e revistas nas bancas, ou atestar sua suposta independ ência, ocu ltand o
mes mo o e mpaste lamento de bancas inteiras. as formas de apo io ao go lpe e à Ditadura.
Mas a cens ura ex istiu n1uito mais por atu ação Portanto, a ccnsurn não pod e serv ir pil ra
d os profissionais jornalistas(65) do que pela linha oculta r a o utra fa ce do processo q ue foi a trans-
ed ito ri a l d os grand es veículos de comuni cação. fo rmação de alguns jo rnais e rev istas em ver-
O que há de efet ivo é a pos tura de jornalis- dadeiros mitos, como se fossem até "de esque r-
tas que se colocaram contrá rios ao Golpe, e não da" po r terem sid o censurad os. A censura atin-
a p os tura s is temáti ca de seus jo rnais. Estes não gi u a todos os jornais e revi stas, fossem id enti -

60 - Loc.cit..; 61 - Id.ib. p. 44.;


62 - o ditado r esclarecido. Veja. 22/ 10/ 1997, p. 42 .
63 - Loc.cit.
64 - Id.ib. p. 44.;
65 _ JORGE, Fernando. Cale a boca, jornalista! 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1990; MARCONI, Paolo . A censura política na imprensa brasileira. 1968-1978. 2 ed. São
Paulo: Glo bal, 1980. Também sobre o tema: KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 . São Paulo : Boitempo, 2004 .
S4. Imprensa e Dilatlura Militar

· . (66) te-ame ri ca no, vem send o u sado com o justifi·


fi cados com esq uerd a ou com a d >relta.
No entanto, o que ch ama atenção é que so- ca ti va de uma s uposta credibilidad e d a imo
mente os g randes, identificados com O projeto prensa. Mas a exis tência dos g rand es jo rnais
da Ditadura, sobrev iveram, c ai nda lucrara m e rev istas só é poss íve l com o es tabe lecimen·
com O fato d e terem s ido censurados. Já os pe- to de relações entre empresas jorna lísticas e
quenos, os alte rn ativos, estes n ão conseguiram ó rgãos fin anciado res, sejam privados ou es-
sobrev iver às in vestid as da cens ura, que os ta tai s, inte rnos ou externos.
desestru tu rou economi ca mente. Essas relações desencadeiam uma atu ação
As re lações en tre imp rensa e Ditadura ape- política partidária concreta da impre n sa para a
nas in iriam a ser questionad as e estudadas de manutenção dos interesses conjunto s (de quem
forma slo temática. É necessá ri o que sejam fei- a finan cia) e de suas empresas.
tos trabalhos de fundo, que analisem as pos i- A relação com a Ditadura te m que ser com-
ções editoriais para além das ma nchetes e das preendi da para a lém d a cens ura e prejuízos
ca pas, o qu e permitirá enco ntrar as efetivas pontua is qu e os g randes veícul os so freram . É
pos ições desses veícul os/empresas. necessário que o pesquisador atente para a per·
Há que ir além do texto ed ito ria l e, partindo manente construção de memória sobre a histó'
dele, descobrir as relações de classe que sus- ria, pois esses órgãos a reescrevem, ocultando
tentam a g rand e imprensa brasi leira. Ela tem que apoiaram e sustentaram a Ditadura. Por se
sid o o ma is ativo e e fi ciente partido político atu - colocar como portadora do " rascunho da his-
ante n a democracia existente no Bras il. tória", essa imprensa permite que sejam igno·
O padrão d e qu a li d ad e, lega do da pro fi s- rados fatos so bre seus posicioname ntos concre-
s iona li zação, da tecnol ogia, d o padrão no r- tos nos embates políticos. •

66 - AQUINO. Maria Apareci da. CensurIl, imprensa, Estado Autoritário (1968-1978 ): o exercíc io cotidiano da dominação e da resistência. O Estado de São
Paulo e Movimento. Bauru: EdUSC, 1999 ..

BIBLIOGRAFIA CITA DA

AQ UINO, Maria Aparecida. Cellsura, calça velha, azul e desbotada. São Pau- ",a çüo IUlllova ordem int ernacioJlal. Rio
impren s{/, Estado A IItoritfÍri o ( 1968- lo , I-Iuci tcc, 1998. de Jane iro, Paz e Terra , 1980. P. 35.
1978): o exercíc io cotidiano da domina- FRE ITAS, Jorge Roberto Mart ins. A efl - MATIELART, Armand. Mllltill ac:iOJwü
çiio c da resistênci a. O J:;,I"f(It!O de Süo Irel'i.\·tll l UIS pâ!{iJ/as {IJ/w re1as d(l revi.\'- e sistema.\' de cOJllllllicaçüo : os aparelhos
Pall lo e Movimentu. Bauru. EDUSC, UI Veja: a imagcm do mi lag rc econômico ideológi cos do imperiali s mo. Siío Pau-
1999. so b o pont o de vista do prim c iro lo. Ciências Hum anas , 1976.
ARIl EX JR . José. Slwl\lrIlalismu: a notí- Ilcwmagaz ine bra sil c iro. Mes trado e m RAMONE'I~ Ignácio. A tirania da Co·
cia como cs pct.Íl: ul o. Suo Paulo. Casa Comullicaçi:io, UFRJ. 1989. mllllicaçllo, Petrópo lis, Vozes, 1999.
Amarela,200 t. GAZZOTrI . Juliana. ImpreJ/.m e ditadu- R1I3EIR O, Ana Paul a Gou lart. Impnm.WI
CONTI. Mario Se rgio. Notícia.\" do P/a - ra : a rev ista Veja c os governos milita- e história 1/0 Rio de Ja n e iro 1I 0S (IJIOJ
fI {f(tO. A imprcnsa e Fernando Coll or. Suo rcs ( 1968 - I 985) . Di sse rtaç i:i o d e 50. Tese dc Douto rado , UFR J , Escola de
Pau lo. Companhia das Lctras. 1999. Mest rado c m Ciê nc ias Sociai s. Siío Comunicaçiío, 2000.
DIAS , Lu iz Antonio. O poder da imfJrell - Carlos, UFSC, 19n. S ILVA , Carlos Lins. O lUliantado ria
.Wl (' (l imprensa do poder: a F olha de HERZ, Dani e l. A história secreta da h o ra : a innuência amc ricana sobre o jor-
Stio Palllo c o go lpc de 1964. Di sse rta- REDE GLOBO. 14a ed. Porto Alegre, nali smo brasile iro. Si:io Pau lo , Sumlllus,
çi:io de Mes trado e m Histó ria , UNES P, Orti 7.. 1991. 199 1.
Ass is, 1993. JORGE. Fcrn ando. Cale a boca, jO rlla - SOD RÉ, Nelson. Hisfó ria da imprellsa
DRE IFUSS. Rcné. A IlItt:rnflciOlIllI Ca- lisla! 3:1 cd. Pet rópoli s, Vozes, 1990; fW Brasil. 4a ed. Rio de Jan e iro , M:uwd.
piltllisla : es tratég ia s e tiÍti cas do e mpre- MAR CON I, Paolo. A c:ell.'Wrtl polÍlicll 1I(l 1999.
sa ri ado tran snacional. 19 18-1986. Rio imprt!J/.\'fl br(l.\'ilóra. 1968078. 2" ed. S:;o TA SC HNER, Gi scla. Fo"tas ao vt!ntO:
dc Jane iro, Espaço e tcmpo, 1986. Paul o, Global , 1980. amíli se de um conglomerado jorn alísti co
FA RO, J. S. Revista Realidade. 196Cr1968: KUS HNIR , Bcatriz. Cii(~sde gua rdll :jor- no Brasil. Rio de Jane iro. Paz e Te rra,
tcmpo da rcport;'lgelll na im prensa brasi- nali stas e ce nsores, do A I-5 ü Constitui - 1992.
leira. Porto Alegre, Age I Ulbrn, 1999. çfio dc 1988. Sfio Paulo, Boitc mpo, 2(X)4. WA INER , S.unuc1. Minha ra zllo de vi-
FIGUE IREDO, Ana. Liberdade ti uma MArrA , Fernando Reyes (Org). A illJor- ver. 6" ed. Rio de Janeiro, Record , 1987.
Hi s lória & Lula d e Classes - 55 1
o objetivo deste artigo é discutir a participação do movi-
me nto integralista no processo de mobilização política e de
articulação civil e militar que desencadeou o golpe de Esta-
do de 1964_ De início, ressalta-se a perspectiva de compre-
ender o golpe de 1964 não como mera conspiração militar,
mas como produto de uma vasta mobilização e articulação
que envolveu os principais segmentos da classe dominante
brasileira e suas mais destacadas organizações no âmbito
da socie dade civil e da sociedade política, com apoio direto
dos Estados Unidos _

Os Integralistas eoGolpe de 64'


Gilberto Calil ertam ente não é possível aqui discu -
tir O sentid o hi stórico ma is
geral do golpe, su a relaç30
com a crise de acuIllul aç50
ca pital ista no Bras il e com
o d esenvo lvimento d a luta
de cl asses. Ain da ass im ,
é impo rt a nte d es tacar o
acirramento da luta de classes durante o perío-
do do governo Co ul a rt, co m ev identes desdo-
bramentos nas diferentes organi zações da so-
cied ade civil.
Desta forma, se po r um lado as mobil izações
operárias adq uiri am crescente autonomia, os
trabalhadores furai s avançavZl nl em sua orga-
ni zação enfren ta ndo os ditames d o latifúndi o
e aS mobi li zações es tud an ti s po liti zava m-se
crescentemente, por outro, também a bu rgue-
sia, em suas d iferentes frações, se movimenta-
va, agia poli ticamente c constituía instru men-
tos de in terven ção - co mo O IPES Il ns tituto de
Pesquisas Econõmi cas e Superiores ] e o IBAD
Ilnstituto Brasi leiro de Ação Democrática J-, con-
tando com fin anciamento norte-america no Pl
É neste contex to que se inseriu a intervenção
golpi sta do mov imento in tegralista, co nstituíd o
na década de 1930 através da Ação lntegral ista
Gilbe rto Ca lil é Proressor Adjunloda Univers idade Es-
tadual do Oeste do P;uaná c Doulor em H is tóri a pela
Brasileira (1932-1937) e atu ando desde 1945 atra-
Universidade Federal Fluminense. vés do Partid o de Representação Popu lar.
56. o~· IlIlegra li~'las e (J Golpe de 64

o integralismo no processo político brasileiro


O mov imento in teg ra li s ta foi lançado em
1932 por Plíni o Sa lga do com a publica-
ção d o "Man ifes to de O utubro". Constituiu-se
s imbólicos qu e mais claramente denunciavam
seu caráter fascista - uniforme, saudação, jura-
mento de fid elid ade ao "Chefe Nacional", etc.
como um m ov imento fa scista de mélssas, regis- Manteve-se, ainda assin1, como movimento
trand o-se como partido políti co em 1934 e ch e- fortemente anti comunista, propugnador de um
gando a contar co m mai s de quinhentos milmi - co nceito abe rtamente e liti sta de democraci a,
litantes. Cons tituía-se como o rgani zação alta- segundo o qual o regime d emocrático deveria
mente centrali zada, lnan tendo treinatncnto mj- fundamentar-se nas "verdades reveladas" do
litar, uniforme própri o e uma v asta ritu alísti ca. cri stianismo, as quais não poderiam ser subme-
Seus militantes juravam fid eli dad e abso luta tid as ao sufrágio universa l, qualificado como
e incondi cional él Plíni o Salgad o, "Chefe Nacio- "a rbítrio das massas inconscientes".
na l" dos integra li stas. De fendia um a reo rga ni- A adaptação ao novo contexto políti co mo-
zação corporativi sta do Estado, de aco rdo com difi cou o papel desempenhado pelo movimen-
os moldes fascistas, utili za nd o-se de um di s- to . Enquanto nos anos trinta o integraJismo se
curso radi ca lmente anti comunista, antilibcml c co nstituía como propugnador da ins talação de
ultra nac iona lista, com fo rte co nteúd o es piri - um Estado fa scista e concretamen te contribuiu
tuali sta. para o processo de centralização política, ain-
O mov imento integrél li sta teve importante da que a opção de Vargas te n11a s id o po r uma
pa rticipação no processo que desencad eou o cent rali zação que descartava a mobili zação po-
go lpe que ins taurou o Es tado Novo em novem- Iítica de massas através de um partido úni co, a
bro de 1937. Aind a ass im, a Ação Integralistél parti r de 1945, imposs ibilitados de propugnar
Bras il eira teve seu registro cél ncelado jun to aos abertamente ta l perspectiva, os integra listas
demai s partid os políticos, pélrél decep ção da passaram a desempenhar claramente um papel
direção integrél lis tél. Após uma fru stradél tenta- d e "cães de guarda" da ordem es tabel ecida, seja
tiva de acord o, os integrali stéls paSSélram él cons- através da defesa de restri ções ao exercício da
pirar contra Vargas, culminando na chamada d e mo cra cia, seja através da propa ga nd a e
" Intentona In tegrali sta" de maio de 1938, qu an - mob ili zação anticomuni sta.
do tentaram tomar o Pal ácio do Catete. A ace itação forma l da "democracia re presen-
Após a de rro ta d o mov imento, di versas li- tati va" não impedia os integralistas d e defen-
derél nças integralis tas foram presas e Sa lgad o derem pos ições abertamente repressivas - cen-
partiu para o ex íli o, não sem antes lan ça r um sura política e moral, intervenção em entida-
manifesto aos integra lis tas ped indo-lhes qu e se des sindicai s e estudantis, res trições às liberd a-
élbsti vessem de élgitações e hipotecassem apo io des públi cas, etc. Ao contrári o, consistia em um
ao gove rn o Vargas. Sa lga d o pe rm aneceu em recuo tático qu e se tornara necessári o em vista
Li sboa entre ] 939 e 1946. do novo contexto político, mas não impli cava
Co m a rede moc rati zélç50, o mov im e nto em uma efetiva él lteração do ideá ri o integ ralis ta,
integrali sta rea rti culou -se e organizou -se como a inda qu e dete rminasse alterações nos métodos
pélrtido po líti co, através da fund ação do Parti- e ins trumentos de sua intervenção.
d o de Representélção Popul ar, em setembro de Em termos gerai s, durante todo o período
'1945. Em conso nância co m O novo co ntex to da chamada Quarta República (1945-1964), os
políti co, Sa lgado passo u él nega r o caráter fas- integralistas desempenharam um pape l de "cães
cista d o mov imento, apresentando-o como "de- de gua rda" da o rdem estabelecida, através da
moc ráti co". O PRP abandonou a característi ca intervenção do Partido de Representa ção Popu-
abertamente insurrecio na l da AIB e os aspectos lar e também de ou tras organi zações voltadas à

1 - Este artigo foi produzido a partir de material integrante da tese de doutoramento NO integralismo no processo político brasileiro (1945-1965) ", defendida
junto ao Programa de Pós Graduação da Universidade Federal Fluminense, sob orientação da Prota. Ora. Virginia Fontes .
3 - Ver a respeito DREIFU SS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação política, pode r e golpe de classe. Petrópolis: Vozes , 19 8 1.
lI i.\' t ó r j a & Lut a d e ç la .\'.\·e~ - 57

juventude, às mulheres e aos trabalhadores, e pa rtid ária, da militância e do eleito rad o inte-
ainda de jo rnais de circulação nacional, regio- g ra lista, ainda que em proporções di fere ncia-
na l e municipal e de wna editora. O as pecto das, nos obri ga a refl etir acerca d as condi ções
mais destacad o d essa interven ção e ra o anti co- qu e envolvem sua atuação política, em es peci-
munismo. O comba te ao comunis mo pelos inte- al sua tend ência à heteronom.ia, ou seja, SUZl
gralistas d a va-se de diversas fo rmas: di ssemi- incapacid ade de produz ir e sustentar um p ro-
nação de pro paganda anticomunis ta através de jeto próprio e autônomo frente às classes fun-
panfle tos, folhe tos, programas radiofô ni cos; damentais.
discur sos p a rlamentares e comícios públi cos; De aco rd o com Gramsci, a pequena bu rgue-
produção e publicação de obras anticomun.istas; sia "se caracteri za precisamente pela inCZlpiJci-
campanha s is temá ti ca de denún cia d e supos- dad e orgâni ca de cri ar para si um a lei, de fun-
tas atividades comunistas e manute n.ção de um dar um Estado", muitas vezes levando a uma
vasto ser v iço d e es pi onagem d a ação d os co- subse rviência frente à burgues ia: "A peq uena
munistas, soc ialis tas e militantes s indi ca is, es- burgues ia, meS lllO nes ta sua última enca rn iJção
tudan tis e sociais. po lítica qu e é o 'fascismo', revelou definiti va-
Sua base social era cons tituíd a fundamental- mente sua verd adeira natureza de serViJ do Cil-
mente p o r segmentos da pequena burgues ia ur- pita li smo e da p ro pri ed ade agrá ri a, de agente
bana e rural (e ntendida de acordo com as pro- d a cont ra-revo lução. Mas revelou também qu e
posições apresentadas por Poulantzas, engloban- é fun dam enta lm ente inca paz de d esem penh ar
do tanto a " p equ en a burgues ia tradicional" - qu a lquer tarefa histó ri ca". (' I
pequen os com erciantes, pequenos proprietári- A pequ ena bLUguesia define-se sem pre, por-
os rurais, artesãos -, quanto a u n ova pequena tanto, "enl liltilTIiJ instância, em fun ção do con-
burguesia" - traba lhadores assa la ri ados imp ro- flito principa l", po is "os g rupos médi os não
du tivos, d o setor públ ico ou privad o).(') constituem um d os agentes sociais da opos ição
Dentre os e le ito res do Pa rtid o d e Rep resen- entre as classes; assim, sua prática po lítiCJ deve
tação Po pul a r d estacavam-se os pequenos pro- aceita r a defin ição, es tabe lecida pe las classes
prietários ru ra is, particula rmente d as regiões de antagôni cas, das linh as gerais do conflito prin-
colonização germâni ca e italiana no Ri o Gran - cipa]",(6) em virtude da "contradição ideológica
de do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito San- pró pri a da classe méd ia: enqu anto expressão
to, comerci a ntes, trabaUlad ores d o comércio e privilegiada d a di visão ca pitalista do traba lh o,
serv iços e p rofi ss ionais li berais. Seu nú cleo di- tende a ser atraíd a pa ra o campo ideológico da
rigente nacional e e ra pred ominantemente cons- burgues ia: enqu anto cl asse traba lh ado ra, ten-
titu ído p o r p ro fi ss ionais libera is (ad vogados, de a se solid a riza r com o pro leta ri ado".(7)
méd icos, e n genhe iros), a ind a qu e também con- Ta l constatação não s igni fica que sua int e r-
tasse com integrantes de outras frações da pe- venção po lítica seja pouco relevante, mas ape-
quena burg u esia. nas que es ta se d á sempre arti cul ada ou s ubor-
A participação d e setores ope rá ri os e ra pou- din ada a li ma das classes fund amenta is. Assim,
co express iva e a d e trabalhad o res rurai s assa- a intervenção de um 1l1 ov iment"o qu e arrcg i-
la ri ados, pra ti cam ente inex istente. Também a menta e mobi liza seto res da peq uena bu rg ue-
pa rtic ipação direta de integrantes d a burgue- s ia pa ra um p rojeto anti o pe rório e s ubo rdi na-
sia nos ó rgãos diri gentes integralistas era pou- d o à o rd em vigente é um fenômeno d a ma io r
co ex p ress iva, e mbo ra não tota lmente irre le- importância nZl luta de classes, em um contexto
vante. A compos ição majoritariamente peque- no qu al, a despeito d a situ ação de cla ndes tini-
no-burg u esa d as diversas instâncias da direção dade do PCB, oco rri a uma a prox im ação entre

4 _ POU lANTZAS, Nico s. As classes sociais fi Ocapitalismo hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; POUlANTZAS, Nicos. As classes socia is. In: ZENT ENO, Raul
Benítez. As classes sociais na América Latiaa. Rio de Ja ne iro: Paz e Terra, 1977. p. 91 · 116.
5 _ GRAMSCI, Antonio. O povo dos macacos f2. 1. 1921). In: Escritos políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. V. 2. p. 32-33 .
6 _ SAES, Décio. Classe média e sistema político no 8rasil. São Paulo: T. A. Que iroz, 19 79. p. 18.
7 _ SAES, Décio. Classe média e política. In: FAU STO, Bóris forg). História geral da civilização brasileira. Tomo 111: O Brasil republicano. V. 3: Sociedade e
Política 1930 -1964. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertand, 199 1. pp. 449-506, p. 452.
58 - Os IlI tegralista s e o Golpe de 64

setores d a pequena burguesia e o proletariado táti cas dman te o pe ríodo d e sua intervenção,
em alguns setores, como era o caso do mov i- ainda que mantendo os aspectos centrais d e seu
mento estud a ntil e o si ndica lismo do seto r p rojeto. Durante os primeiros anos, es tabeleceu
terciário (bancários, comerciários, etc). alia nça preferencia l com o PSD, a po iando a can-
A subordinação dos in tegra listas aos gru pos did atm a e o govern o do general Eurico Dutra.
domin antes também é evid enciada pelo es ta- Em 1950, co ligou-se à UDN, apoiando a candi-
belecimento de víncul os orgânicos com gru pos d a tura pres id encial d o brigad e iro Edu ardo
e entid ades de classe representativos de di fe- Gomes, recebendo em troca o apo io u denista à
rentes frações da g rand e bu rgues ia. candid a tura d e Sa lgad o ao Senad o pel o Rio
O seman ário integralista de âmbito naciona l Grande do Sul.
A Marcha, que circu lou entre 1953 e 1965, teve Nas eleições estadu ais, o apoio do eleitora-
dentre seus prin ci pais a nun cian tes regul ares do integralista, que oscilava entre cinco e oito
grandes insti tuições financeiras - Banco Mauá, por cento no Ri o Grande do Sul, Santa Ca tarina,
Banco Hipotecário Gramacho -, companhias aé- Paraná, Espírito Santo, Bahia e São Paulo, era
reas - Cruzeiro do Sul, Varig, Pan air - e lojas de muitas vezes decis ivo, e os integralis tas o ne-
de par tamento - Lojas Drago, Casa Va lentim . gociavam em troca de secretarias de estad o, re-
Ressalte-se o ca ráter abertamente parti dário do cursos financeiros pa ra campanha eleitoral ou
jornal, o que permite que se compreenda a pu- a poio em eleições municipais. Entre 1952 e 1955,
bli cação desses anúncios como forma de apoio o PRP seguiu uma linha d e "inde pe ndência
político. Ainda ma is direto fo i o apoio de inte- pa rtidária", lan çand o candid a turas própri as,
grantes da bu rgues ia na constitu ição da editora incl usive a cand idatura de Plíni o Salgado à pre-
integralista Livraria Clássica Bras ileira, destacan- sidência da Repúb lica em 1955, a qual obteve
do-se o banqueiro Gas tão Vidi gal e o industrial 714.379 votos (8,3%).
Euva ldo Lodi dentre seus principa is acionistas. Em 1957, passou a apoiar explicitamente o
A Livra ri a Cláss ica Brasil eira publico u as governo de Kubitscheck, recebendo e m troca a
principais obras de Salgado e dos dema is auto- pres idência d o In stituto Nacional d e Imigração
res integralistas e trad uziu e ed itou dezenas de e Coloni zação (INIC), que conservaria a té 1962.
obras an ti com un istas, reunidas na Coleção Es- Neste período, rea li zou diversas coli gações
trela d o Ocidente. Algu mas destas obras eram com O PTB, com destaque para a coligação que
com pradas em grande quantidade pelo Servi- elegeu Leonel Brizo la governad or d o Rio Gran-
ço Social da Ind ústria pa ra distri bui ção entre de do Sul e o integralista Guid o Mondin para o
seus associad os. A ex istência des tes víncul os Senado, tendo integrad o o gove rno Brizola en-
não significa que o PR P fosse a opção preferen- tre 1959 e 1961, ocupand o as secreta rias da Agri-
cia l de qua lquer fração da burguesia brasileira, cultura e das Obras Públicas e a presidência do
mas a penas qu e cum pri a um pa pel qu e atendi a Ban co do Estad o do Rio Grande d o Sul .
aos seus interesses, particularmente pela disse- Em 1960, apoiou a cand id a tura pres idencial
mi nação do anti comunismo. d o Br igadeiro Lott (PSD- PTB). Aind a ass im,
Em term os mais estri tamente pa rl amentares passou a apoia r o gove rno de Jân io Qu adros,
e eleitora is, o PRP teve im po rtantes oscil ações permanecend o na pres idência d o INI C.

o PRP e o governo João Goulart

D ura nte a crise po lítica aberta com a inespe-


rada renúncia de Jânio Quad ros, a 25 de
agosto d e 196] , os in tegra listas man ifes taram
cia, Salgado d iscu rsou no Congresso Nacional
defendendo o "apoio a tod as as med id as pro-
postas à Casa no sentid o de preserva r a d igni-
publi camente suas posições e bu scaram inter- dade do Poder Legislativo" .(8) Três dias depois,
vir na sua resolu ção. No mesmo di a da renún- após o pronunciamento dos ministros mi lita-

8 - SALGADO, Plínio. Defesa do Congresso Naciona l, 25 .8. 1961. In: Discursos Parlamentares. Bra sília: Câmara dos Deputados, 1982. p. 165.

--------..........
/lis t ó r;a « l.uta d, C /a nu - 59

res vetando a posse de João Coulart, Salgado externa anticomunista, a formação de um "mi-
escreveu urna longa carta ao Ministro do Exér- nis tério de concentração nacional do qual par-
cito, marechal Odylio Denys, sus tentando que ticipem todos os partidos políticos" e a ace ita-
um golpe de estado deveria ser evitado, pois ção das Forças Armadas como fiadoras de tais
serviria aos propós itos do Partido Comunista: compromissosYO)
" No atual momento bras ileiro, vejo o Parti- Salgado acrescentava que "em relação à pes-
do Comunista organizado de forma a pode r soa do atual Vice-Presidente da Repúbli ca, dou
atuar no sentido de uma desordem gene rali za- meu testemunho pessoa l de que se trata de um
da, cujos efeitos não podemos prever em toda h omem equil ibrado, que muitas vezes manifes-
a sua plenitude. Senão vejamos: 1) Do ponto de tou sua índ ole e pensamento conservadores" .(11 )
vista politico: le va m os comunistas a vantagem Esta carta foi lida po r Salgado na Tribuna da
de desfraldar a bandeira da lega lidade e de Câmara dos DeputadosY2) A posição então as-
pugnar pelo cumprimento da Constituição. 1... 1 sumida por Salgado visava garantir a manuten-
Isto pod e criar um dima dos mais propícios à ção da ordem institucional vigente, e com ela
ação d os agentes de Moscou, dada a tendência os espaços de intervenção conqui stados pelos
do nosso povo para examinar as ques tões su- integralistas, além de ga rantir a participação d o
perficialmente e para subme ter ao seu incorri- PRP em um eventual minis tério de conci li ação.
gível superficialismo todas as questões qu e se Naque le contexto, uma ruptura ins titu cio nal
Lhe oferecem ; 2) Sob o ângulo das dife rencia- rad ical não parecia necessá ri a nem se apresen-
ções regionais: o caso d a posse, ou não, do atu- tava vantajosa aos integralistas, sendo preferí-
ai Vice-Presidente da República, será certamente vel obter compromissos de Coula rt. Ass im, é
transformado numa reivindicação do Rio C ran- compreen s ív e l o apoi o e ntu s ias mad o dos
de do Sul, inflamando as paixões regiona listas integralistas ao golpe parlamentarista, limitan-
1... 1; 3) 1···1Há cerca de cinco anos e com o re- d o os poderes de Cou lart, mas preservando a
crudescimento desd e a instalação d o comunis- ordem ins tituciona l vigente. Com a posse de
mo em Cuba, estão funcionando no Brasi l es- Coulart, os integralis tas sa íam forta lecidos, s us-
colas de guerrilhas, segundo a técnica e a sis te- te ntand o que Salgado foi um dos autores da
matização de Mao Tsé-tung r... ); 4) Em re lação proposta de emenda parlamentarista, o que era
à situação social: não se pode negar o descon- confirmado em decla rações de parlamentares
tentamento popula r, pelo e ncarecimento do de outros partidos. Ao mesmo tempo, enqu an-
custo de vida, o que gera d isposição para o in- to via a ascensão de João Coul art à presidência,
gresso de grandes massas em qualquer mov i- não perdia oportunidades de lembrá- lo que os
mento de desordem; 5) Apreciando o ato de re- votos integralistas foram decisivos para sua elei-
núncia: vê-se daramente, quer na alegação das ção em 1960, bem como da carta enviad a por
causas ('vencido pe los g rupos reacionários'), Salgado ao Ministro do Exército, assegurand o
quer no apelo ('operá rios e estudantes'), que o que Cou lart seri a "democrata e anti comunista" .
ex-Presidente, conhecedor d a aparelhagem po- Efetivada a posse de Cou lart, a 7.9.61, e cons-
lítica acim a enumerada, sabe quais os efei tos de tituíd o seu prime iro Cabine te, che fiad o po r
suas palavras". (9) Tancredo Neves, no dia segu inte, o PRP tratou,
Alegando sua experiência de "velho lutador mais uma vez, de buscar a conquista de postos
contra o comunism o", suge ria ao Marechal que gove rnamentais. Em entrevista ao Correio I3ras i-
permitisse a posse d e Coulart para evitar uma li ense, Sa lgado voltou a refutar as vincul ações
"revolução comunista", impond o- lhe como de Coul art com o "comunis mo": ''[. .. 1acaso o
condições O estabe lecim e nto de uma política vice-pres idente da Repúbli ca, hoje presidente,

9 _ Correspondência de Plínio Salgado a Odyio Denys. sJd. IArquivo Público e Histórico de Rio Claro - Correspondências Políticas: Pprp 62.00.00/94) .
IO- ld.ib.
II- Id.ib.
12 _ SALGADO. Plínio. Carta ao Marechal Odylio Oenys sobre a posse do Vice-Presidente da República João Goulart. 28 .8.196 1. In: Discursos Parlamen-
tares. ob.cit .• p. 168.

d
• ;
60 - Os Integralistas e o Golpe de 64

é um agitador perigoso? Não. E dissemos não inúmeros cargos de Bvre nomeação que possuía.
porque o sr. João Goulart é um homem de bom Parcialmente contra riados em s uas expectativas,
senso, tem a mentalidade patriarcal dos estanci- os integraBstas diminuíram o entus iasmo de seu
eiros do Sul e que muitas vezes revelou sua ca- "apoio" ao governo, passando a ve icular algu-
pacidade pa ra contornar crises e tranqüilizar o mas críticas. Em novembro, editorial do jornal
Pa ís. Mas, nesse caso, podemos ainda pergun- integralista registrava: "o novo Gove rno vai en-
tar: o s r. João Coulart adota a ideologia comu- trar no seu segundo mês de exeró cio e o povo já
nista? Também não, pois todos o conhecemos".cI3) começa a dar mostras de impaciência quanto à
Ao mesm o te mpo, c riticava a "a mbição parcimônia exagerada de sua atividade"Y')
desordenada dos chamados 'grandes partidos', Um mês depo is, o integra li s ta Raimundo
deixando à ma rgem e descontentes os chama- Barbosa Lima fo i nomeado presidente d o lnsti-
dos 'p equenos partid os"'.!") tuto de Prev idência d os Servidores Públicos
A indicação de làncred o Neves era entusias- (IPASE). Em resposta, os integraBs tas passaram
ticamente aprovada: "A escolha do sr. Tancredo a elogiar Cou lart e seu governo, e mbo ra ressal-
Neves para o cargo de Prime iro Mini s tro do va ndo a p olítica exte rna independente por ele
novo regime que se inicia foi uma das mais acer- adotada . No decorrer de 1962, no e ntanto, os
tadas. Home m reservado, de atitudes comedi- integra li stas enfrentaram crescentes dificulda-
das e pronunciamentos serenos, dignos e opor- des, com a não liberação de ve rbas às a utarquias
tunos, ins pira a confiança de tod os. Pelas suas que d irigiam e a divulgação d e d enúncias de
qualidades d e jurista e virtudes de caráter está co rrupção contra os dirigentes do INIC.
predestinado a um desempenho condigno com Este descontentamento incentivou-os a acir-
o alto cargo para o qu al foi indi cado"Y') rarem suas críticas à política externa. Aind a em
Em 23 de setembro, o PRP formalizou seu 1961, um Conclave Nacional do PRP de finiu que
apoio ao novo governo, reafirm ando a propos- o partido deveria desencadea r ma is uma "vasta
ta de formação de "uma concentração naciona l campanh a anticomunista naciona l", tendo como
em qu e participassem todos os partid os".(16) p rimeiro ponto "prossegu ir, com maio r intensi-
A diretriz afirm ava que o pa rtid o deve ria dade, a campanha já defl agrad a durante o go-
"adotar a linha do bom senso neste período de verno do sr. Jânio Quadros, contra a po lítica ex-
transição [... 1, não pretendend o se pratique no terior, continuad a pelo atual Gabine te, cujas con-
momento um rigoroso parlamentarismo clássi- seqüências se evidenciam no entu s iasmo e no
co, cerceando demas iadamente o Presidente da su rto interno do comunismo em todo o Brasil". CIO)
República"; denunciava os que pretenderiam A campanha seri a desenvolvida a través de
"implantar no País uma s ituação de desordem"; comícios confe rências, mani fes taçôes públicas,
reafirm ava que uno atual instante a mai or amea- discursos parl am enta res e denú ncias contra a
ça contra nossa Pátria é o comunismo"; e deter- "infiltração comunis ta" na adminis tração pú-
Ininava que unão devemos nos manifesta r iso- blica. A cam panha fo i inaugu rad a com um dis-
ladamente em relação ao Governo Central, aos curso proferid o por Salgado na Câma ra, tratan-
Governos dos Estad os ou aos partidos".CI7) do do "mais grave de todos os assuntos de que
A pre tensão em ampli ar sua pa rticipação no tomou conhecimento esta Câma ra na presente
governo fo i fru strad a, mas o partido conseguiu legis latu ra": "o reatamento das relações di p lo-
conservar a presidência do IN IC, considerado máticas do Bras il com a Rússia Sovié tica".(20)
estratégico pela sua importância política e pelos Sa lgado a rgumentou que "no pl ano ve rme-

13 - Entrevista concedida por Plínio Salgado ao Correio Brasilicnsc. sJd. Original Datilografado IAPHRC·FPS 091.003 .004).
14 - A palavra de Plínio Salgado em Palestras com o Povo. A Marcha. Rio de Janeiro, 15.9. 196 1, p. 2.
15 - O premier. A Marcha, Rio de Janeiro, 15.9.196 1, p. 1.
16 - Diretrizes da Presidência Nacional do PRP, 23.9. 196 1 (APHRC·Pprp 23 .09.61/3). Grifos meus.
17 - As Diretrizes foram public adas no jornal partidário; Diretrizes do PRP sobre o regime parlamentarista. A Marcha, Rio de Janeiro, 5. 10. 196 1, p. 3.
18 - O Governo existe? A Marcha, Rio de Janeiro, 2.11 .196 1, p. 1.
19 - PRP comanda ofensiva anticomunisla no país. A Marcha, Rio de Ja neiro, 9. 11 . 1961 , p. 1.
20 - SALGADO, Plínio. Reatamento de relações diplomáticas com a URSS, 29.11 .1961. In; Discursos parlamentares, ob. cit., p.411.
H; \· ttÍr; a & I.ul a (/e C l a.uc .\· - 61

lho para as Américas, o Brasil ocupa lugar de massa de agentes soviéti cos no Bras il, apelan-
especia l d esta que", concluind o qu e "o reata- do para "o pres idente d a Repúbli ca e o Conse-
mento d as re lações diplomáticas com a Rússia lho d e Ministros cham a rem à razão este irres-
revelou a exi stê ncia em nosso País de um pen- ponsável chanceler San Tiago Dan tas". 12')
samento di g n o d os acomodados, d os negligen- A críti ca à p o líti ca ex te rn a do gove rn o
tes, dos o po rtunistas e dos fatali stas".!2I) Goul art, que em termos gerais seguia e apro-
Na Câmara, o deputado integralista Oswaldo fundava a "políti ca externa independente" inau-
ZanelJo (PRP-ES) a cirrava a críti ca, pedind o gurada no governo Jâni o Q uadros, teve um a
abertamente às "cl asses armadas" que impuses- função relevante para o PRP no período em que
sem uma mudança n a política externa: "Resta- ele parti cipava d o gove rno, po is e ra utilizada
nos nesta ho ra d e luto naci onal, ape lar para o co mo uma compensação oferecid a aos se us
patriotismo d e n ossas classes armadas, a fim militantes que di scord avam do a po io àqu ele
de que resguardem n ossas maís puras tradições governo e, ao mesmo tempo, visava impedir
de bras ili dad e, procurando reprimir e da fo r- que a UDN monopoli zasse a críti ca d e dire ita
ma mais viril a infiltração comunista no Brasil contra o comunis mo e sua suposta "i nf iltração"
e nas A mé ri cas, ex ig indo do gove rno, como no governo. No entanto, a pa rti cipação d o par-
responsáve l pe la manutenção da o rdem inter- tid o no governo, à frente d o INIC e d o IPASE,
na e da segura nça da Nação, que o Brasil se in- to rnou tal discurso cada vez mais contrad itó-
tegre n ovam ente no s istema pan -am e ri ca no, ri o e insustentável, gerand o um impasse cres-
rompendo s u as re lações com O regime sa ngu i- cente, só resolvid o com O rompimento definiti-
ná ri o, tirâni co e opresso r d e Fide l Castro. O vo, às vésperas d as eleições estadu a is de ·1962.
Brasil confia n as suas classes armadas e sabe A pa rtir de junho de 1962, qu ando o Gabine-
que elas n ão lhe fa ltarão".(22) te chefiado por Tan credo Neves entrou em cri-
Em novo di.scurso, Zanello afirm ou qu e "o se, o PR P passou a criti car abe rtamente o go-
governo está m a ncomunado e orientad o pe los verno como um tod o, não se restringindo mais
comunis tas", " facili tando-lhes a ação subve rsi- à políti ca externa, embo ra aind a tenha conser-
va, crian do n o p a ís uma ambiência pericul osa vado os cargos que detinha no governo por mais
Isic] de d omínio vermelho ou amarelo", e ex i- três meses. No in ício daq uele mês, Abel Rafae l
gia a d emissão d os comunis tas do governo, d os de fendeu a qu eda d o Gabi nete: "Eu quero der-
cargos públicos, d as cátedras, d as classes arma- ruba r O Gabinete. A casa não quer. Cada qu a l
das, dos s indicatos, d o Pa rlamento e do meio tem um emprego a ped ir, uma verba a li berar,
estudantil, a p roibição d a venda de livros "sub- uma estrada a abrir. Enqu anto hou ver institu -
vers ivos" , e a pró pria qu ed a d o gove rn o: tos, houver emp regos, etc., não se derruba nin -
"Derrubá-lo é a maior obra de patriotismo que a Câ- guém" .!" ) Com a demissão d o Gab inete chefia-
mara poderá fazer. Que os deputados prov iden- do po r Tancred o Neves e a in d icação de San
ciem isto antes que esse gove rninho que está a í Tiago Dantas para o ca rgo de Prime iro Mini s-
tenha tempo d e d es tru ir nossas in s titui ções tro, os integralistas radi ca li za ram sua oposição.
democráti cas". (23) O de putad o Abel Rafael (PRP- Sa lgad o discursou criti cand o o "esq uerd ismo"
MG) quali ficava o reatamento com a Uni ão So- de sua gestão no Minis té rio das Relações Ex te-
viética como um "crime contra o Bras il " e afir- riores e encaminh ou a decla ração d e voto d o
mava que "os russos estão fazendo o que que- PR P con tra a aprovação de seu nome, ass in ada
rem em nosso pa ís". (24) Esta tese era difund ida pe lo cinco deputad os federais do pa rtido.(27)
por A M archa, qu e d enuncia va a e ntrad a em De acord o com A Marcha, "não é de hoje qu e

21 - Id .ib., p. 42 3, 432 e 425.


22 _ Apelo de Oswaldo Za nello às Forças Armadas. A Marcha, Aio de Janeiro, 1°.3. 1962, p. 2.
23- Discursos Parlamentares. A Marcha, Aio de Janeiro, 15.3. 196 2, p. 2. Grifo meu.
24 _ Disc ursos de Ab el Rafael, Oswa ldo Zanello e Arno Arnt.A Marcha, Aio de Jane iro, 24 .5 .1 962, p. 2.
25- Política de San Tiago trampolim para a invasão bolchevista no Brasil. A Marcha, Aio de Janeiro, 3t.5. 1962, p. 1 e 6.
26 _ Discurso de Abel Rafael sobre a Moção de Censura ao Ministro San Tiago Dantas. A Marcha, Aio de Janeiro, 7.6.1962, p. 2.
27 _ Declaração de voto da bancada do PAPo 28.6.1962 . In: SALGADO, Plínio. Discursos parlamentares. ob . cit., p. 197-198.

.....
p Q

62 - Os IlIlegraljslas e o Golpe de 64

o de putad o Plíni o Salgad o, coerente com a d ou- demagogia e le i t o rei ra e a be rt o co nvite à


trina integra lista, vem ad vertind o a Nação para baderna, à mazorca, à convulsão nacional". ~I)
o peri go que representa, em potenci al, este ho- Confirmada a an tecipação d o Plebiscito, mar-
mem que até hoje nada fez pelo Brasil a não ser cado para 6 de janeiro de 1963, os integralistas
causar-lhe prejuízos morais e materi ais".{2B) passaram a defender o não reconhecinlento do
O voto pela rejeição d a indi cação de Dantas Plebiscito e o voto nulo: 'l .. ] debaixo de pres-
represento u um passo importante n a articula- sões de todos os gêneros e modos, o Congresso
ção d o PRP com o conjunto das forças de dire i- capitulou, marcando a cons ulta ao povo para 6
ta, reunid as na Ação Democrática Parl amentar, de janeiro. E os integralistas? Só tê m uma ma-
a qu a l, contando com 158 deputados federais, neira para se condu zirem em tal ple biscito, não
dentre os quais os cinco do PRp, fechou ques- se manifestando nem por urna forma nem por
tão na rejeição de seu n ome.(29) outra. Apenas escrevendo na cédula a palavra
A formação dos d ois g randes bl ocos pa rla- I nteg ralismo".(2)
mentares qu e polari za ri am a d isputa política no O últinlo gabinete parlamentarista, liderado
Pa rl a mento nos d o is anos seguintes - Ação por Hermes Lima, também teve acirrada oposi-
Democráti ca Pa rlamenta r e Bloco Pa rl amenta r ção dos integ ralistas. No decorre r d o segundo
Nacionalista - levou ao a linhamento natural dos semestre de 1962, os integralistas questionavam
integra li stas ao bloco de d ireita - ADP -, tor- diretamente a legitimid ade daquele governo e
nand o irreversível seu afastamento do gover- denunciavam a existência de um su posto" plano
no Goul a rt. A rejeição da ind icação de Sa n Tiago golpista" que seria executado pelo governo ou
Dantas pela Câma ra deu ori gem a urna crise co m sua cum pli cid ade, argwnento que seria de-
políti ca, cujo passo seguinte foi a indi cação, por senvolvido durante o ano seguinte e até o golpe
Goul a rt, d o nome d o de putad o co nservad or de Estado em ]964. Naseleiçãesestaduais de ]962,
Auro Moura And rade (PS D-S P) para o ca rgo os integralistas alinh aram-se daramente com os
de Primeiro Mini stro, apoiad a pe los pa rlamen- demais grupos conservadores nos principais es-
tares integra li stas . A aprovação d o nome de tados, apoiando as candidaturas de Adhemar de
Andrade fo i recebid a com grande sa ti sfação Barros (PSP/SP), li do Meneguetti (PSD/ RS),
pelos integrali stas, pois determinaria uma gui- Lomanto Júnior (UDN/ BA), Pau lo Fe rnandes
nada conservadora do govern o Go ul art PO) (PSD/ Rj), Virgílio Távora (PSD-CE), João C1eofas
No entanto, a fo rte reação po pul ar levou à (UDN/ PE), todos contrários a Goulart.
renún cia de Andrade e a pro fu ndou a crise po- Em São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahi a, a
lítica. Goulart retomou a iniciati va, indi cando votação proveniente do eleitorado integrali sta
Francisco Brochad o da Rocha (PTB-RS) à Che- foi decisiva para a vitória dos ca ndid a tos apoi-
fia d o Gove rn o, pa ra descontentamento d os ados pelo PRp, pois a d iferença de votos foi in-
integra li stas. A ap rovação do Gabinete por ele ferior à votação recebida pe la bancada parla-
chefi ado, contra o voto de a penas 58 deputa- mentar do partido. Es pecialmente exp ressiva do
d os, fo i uma derrota para o PRp, levando ao rompimento com os setores governi s tas era a
seu rompimento definiti vo com Goubrt. partici pação do PRP na coligação conservado-
Dias dep o is, A M archa res pon sa bil izava ra constituída no Rio Grande d o Sul para en-
Go ula rt e Brodlado pela "subversão da ordem", frentar o candidato do então govern ador leo-
s upos tamente confi gurada na ca mpanh a pela ne l Brizola, de cujo governo o PRP pa rti cipara
antecipação do plebi scito: "O p lebiscito, de rei- por quase três anos, posição mantida nas elei-
vindi cação ju sta, passou, nas bocas e nas mãos ções mun icipais de ]963, sob a diretriz de "man-
d os ag itadores, a me ro pretexto de con fu são, ter a Ação Democrática Popul a r e só em último

28 - Com Jànio e depois co m Jango o PAP sempre ficou contra San Tiago Dantas. A Marcha, Rio de Janeiro, 28.6 . 1962, p. I.
29 - Por que a AOP velou San Tiago. A Marcha, Rio de Janeiro, 28 .6.1962, p. 2.
30 - Comunistas derrotados com a vitória de Aura. A Marcha, Aio de Janeiro, 28 .6. 1962, p. 1.
31 - OBrasil precisa andar. A Marcha, Rio de Janeiro, 13 .9. 1962 , p. 1
32 - Oplebiscito. A Malcha, Rio de Janeiro, 22 .11.1962, p. 3.

~,~ _______________________________________________A
/lislaria & Lul q d e ClaHe .f - 63

caso, realizar coligação com o Partido Traba- o "Movimento de Reconstrução Nacional", já


lhista BrasiJeiro".(33) O PRP participou do go- anunciando uma mobili zação mai s agress iva
vemo lido Meneguetti, assumindo as secretari- contra o governo Goulart: "Cons iderando que
as da Administração e da Fazenda, as pres idên- não se pode mais perder tempo co m a políti ca
cias do Banco do Estado do Rio Grande do Sul e med íocre dos partidos I... J propomos neste ins-
do Instituto de Previdência do Estado, e direto- tante à Nação Bras ileira um movimento no sen-
rias da Comissão Estadual de Silos e Armazéns, tido de reconstruir tudo o que sentimos destruí-
do Departamento de Imprensa Oficial, da Junta do em nossa Pátria, lançamos o Movimento de
Comercial do Estado e da Caixa Econômica Es- Recons trução Naciona l. I... J Co ncl a mamos O
tadual.(34) Em São Paulo, o apoio a Adhemar de povo de nossa terra principalmente os pais de
Barros era justificado em nome do anticomu- famíl ia, que pela sua forma ção cristã são dl a-
nismo: "A vitória eleitoral de Adhemar de Bar- mados ao bom combate para ev itar, enquanto é
ros em São Paulo [... ] significará um golpe de tempo, as desgraças iminentes que ammçam o
morte no processo de bolchevização por que Brasil e ver cerrar fil eiras em torno da nossa ban-
passa O país", sustentando que" com Jânio elei- deira em que inscrevemos a trilog ia sagrada:
to, o Brasil correrá perigo de sangue". (.1$) Deus, Pátria, Fam.Ília ." (.\6)

O PRP participou do governo Adhemar ocu- Este Mov imento não prosperou, mas o tom
pando a Secretaria do Trabalho, lndústria e Co- de seu InanHesto de lanç.:uncllto marcarin a i.ll-
mércio e a presidência do lnstituto de Previdên- te rvenção integralista a partir de então, quand o
cia do Estado, mas teve sua participação redu zi- os integra listas passa ri am a propu gnar abe rta-
da no decorrer do governo. Em junho de 1962, mente pe la derrubada v io len ta do (;ove rn o
os integralistas lançaram um Manifesto criando Goulart, através de um go lpe de Estado.

A campanha anticomunista e a defesa do golpe de Estado

sociado ao comunismo, mot ivo pelo qu al jamais


O PRP teve uma intervenção relevante no
processo que conduziu aO go lpe civi l-mi-
litar de 1" d e abril de 1964, ainda que esta seja
se poderia conciliar com ele, tornand o progres-
sivamente exp lícita a opção dos inte(; rali s tas
praticamente descons id e rada pela hi s torio- pela alternativa gol pista . Reunid o em Conven-
grafia. Esta intervenção se efetivou tanto atra- ção Nacional em maio de ·1963, o PRP produ z iu
vés das manifes tações públicas do partido nos uma Nota Oficia l "cons iderando ext remamen-
meses que antecederam o golpe, utilizando-se te grave a situação bras il eira", propond o "uma
de manifestos, notas públi cas e discursos par- alta políti ca de bom senso e de equ il íbr io", para
lamentares, quanto pela articulação concreta de evitar "q ue o País ven ha a ca ir nas mãos da de-
lideranças integralistas com outros grupos sordem ou na de uma o rd em que suprilll a as
go lpistas, sempre tendo co mo tôni ca principal liberdad es democráti cas" e permitir qu e (ossem
o anticomunis mo. restaurnd as "a ord em econômi ca, n ord em fi-
A restaUIação do presidencialismo, determi- nanceira, a ord em soc ial, a ord clll políti ca, n
nada pela esmagadora vitória obtida pelo gover- ordem adminis trativa, a ordem mo ral, a disci-
no no plebiscito de jane iro de 1963, constituiu- plina e iI hie rarquia dos va lores".!")
se em marco para a adoção de um novo patamar Em setembro do mesmo ano, a Ba ncada d o
de radicalização do opos icionismo integralista. Partido na Câmara Fed eral lan çou o utra Nota,
A partir d e então, o governo Goulart seria apelando diretamente pa ra a inte rve nç50 das
tratado como um inimigo perigoso, sempre as- Forças Armadas: "A Ban ca da do Partido de

33 _ Orientação sob re as eleições municipais de 1963, 9.12.1962 (Centro de Documentação sobre a Ação Integ ralista Brasileira e o Partido de Representação
Popular- Documentação do Diretório Regional) .
34 _ Participação do PRP no governo gaúcho. Boletim do PRp, Porto Alegre, out. 1963, p. 1.
35 _ Adhemar e Lacerda unidos contra o comunismo. A Marcha, Rio de Janeiro, 26.7.1962, p. 1.
36 _ Plínio em Bauru preconiza a reconstrução do país. A Marcha, Rio de Janeiro, 14.6.1962, p. 1 e 3.
37 _ Nota Oficial da Convenção Nacional do PRP, 21 .5.1963 (Centro de Documentação sobre a AIB e o PRP - Documentação do Diretório Nacional).

....
p 4

64 . Os IlIlc/:Ta!istnJ e o Golpe de 64

Representação Popular na Câmara Federal denun- hierarquia e nem di sci plina; em que assistimos
cia à Nação Brasile ira a ex istência e funcionamen- a inversão dos valores; em que ouvimos teóri-
to de um Sovict em nosso País, nos moldes exatos cos e d outrinad ores, metafísicos ou românticos,
do que se instalou em Petrogrado em 1917, aqui trazendo m ais achas à fogueira em que arde a
sob o pseudõnimo de CCT. [··· 1Nestas condi ções, Nação. Esta h o ra em que v emos a dissolução
a bancada do Pa rtido de Rep resentação Popular completa da o rgânica brasileira e, agora, ainda
apela para o pundonor, o brio, a honra, o patriotis- se pretende, depois de sucessivas greves alimen-
111 0, das Forças Armadas, para que evitem, a todo o tadas pelo pró prio poder constituído, ainda se
tran se, as desgraças que se prefig uram para a Na- pretende destruir a única coisa qu e ainda tem
ção brasileira e alerta o povo de nossa Pátria para algu ma organização no Bras il; a nossa lavoura
que em un ião sagrada levan te nesta últi ma opor- e a nossa p ecu ária. Este é um momento doloro-
tunidade de que depende a salvação nacional" .(38) so da nossa Nação".I'O)
A partir de então, as manifestações dos inte- O deputad o Oswaldo Zanell o protestou con-
gralistas contra o govern o Coul art sucederam - tra a concessão d a condecoração d o Marechal
se em ritmo ace lerad o. Na semana seguin te, Tito, apontado como "o n ovo Nero, o m aior per-
Salgado d iscursou na Câmara, res ponsabilizan- segui dor d a Ig reja", e apresentou um projeto
do o pres iden te pe lo clima de "agitação" e "de- d e Lei decl arando-a sem efe ito.14I ) N a mesma
sordem": "Desde que Sua Exa. assum iu a Pre- seman a, Sa lgad o posicionou -se contra a solici-
sidência da Repúbli ca, recru desceram as agita- tação governamental de decretação de Estado
ções políticas de estu dan tes, comícios promo- de Sítio, qualifi cand o-a como "preci pitação dos
vidos p elo próprio Pres idente da Repúbli ca e Mini stros Militares", "mesmo ameni zado por
ga rantidos po r forças do Exército pa ra lançar o essa ado rável Irmã Paula que aparece em todas
País no campo das paixões, da confusão e da as ocasiões em n ossa Casa Legislativa, com suas
ruína, ou temos greves s ucessivas que trazem fó rmulas conciliatóri as, ou trazendo o espara-
prejuízos de bi lhões à Nação. 1... 1 Se ex iste al- d ra po para cura r fe ridas - o PSD" .(42) Os depu-
guém res ponsável pela deso rdem reina nte, al- tados pe rrepistas se revezav am nos discursos
guém responsável peLos preju ízos acarretados contra Cou la rt. Zanel lo acusava que "nunca, ja-
ao País, pelas greves sucess ivas a que estam os mais, em tempo algum, h ou ve nesse país go-
assistindo, esse responsáve Lé o Pres id ente da verno faccioso, medíocre e irrespo ns ável como
Re púb li ca. [... ] Fa lta autoridade no "tu al mo- esse qu e aí está a infelici ta r a Nação e d esespe-
mento naciona l, falta ordem, fa lta sentido de rar o povo brasileiro"I")e Abel Rafael Pinto con-
responsabi li dade. 1... 1 Fa lta ao Chefe da Nação siderou a administração de Coul art "n u la" .!")
autor idad e mora l para p retende r aco rdos entre Sa lgad o, po r sua vez, sustentava que "o que
patrões e emp regados ou pa ra intromete r-se na se está passand o no Brasil é abso lutamente idên-
v ida do Legi s lati vo".I") tico ao que se passou na Rú ssia em 1917", agra-
No d ia segui nte, Sa lgad o encam inhou o voto va d o pe la "presença em nosso Pa ís d e um a
contrário da Ba ncada d o PRP ao p rojeto gover- embaixad a cujo governo tem, como p onto de
namen ta l de reforma agrárin, qua lifi ca ndo-o progra ma, a im p la ntação d o comuni s mo no
como ten tativa de destru ição da agricultu ra e mund o".I") Aind a em outubro de 1963, Sa lga-
da pecuária bra sileiras: "Esta é uma horiJ dolo- d o enviou um a "Mensagem ao Povo Caúcho",
rosa em que o princíp io de auto ri dade es tá co m- sustentand o qu e ex istiri a uma "ampla infiltra-
pletamente com balid o; em que já não há mais ção comu nista" no go ve rno federa l: " Homens

38 - Nota Oficial da Bancada do PRP na Câmara Federal. 24 .9.1963 (APHRC-FPS 018.004.002). Grifo meu.
39 - SALGADO, Plínio. Pronuncia-se contra a demag ogia governamental, 30.9.1963. In: Discursos parlamentares, ob. cil., p. 234-235.
40 - Discurso de Plínio Salgado na Câmara dos Deputados em 10 .10. 1963. Anais da Câmara dos Deputados, 1963, p. 163.
41 - Discurso de Oswaldo ZanelJo na Câmara dos Deputados em 1°. 10. 1963 . Anais da Câmara dos Deputados, 196 3, p. 74 95 (APHRC-FP S 015.029.009) .
42 - SA LGADO, Plínio. A desordem no sistema presidencialista e o Estado de Sítio, 7. 10.1963. In: Discursos Parlamentares, ob. cit., p. 236-2 37 .
43 - Discurso de Oswaldo ZanelJo na Câ mara dos Deputados em 10. 10.1 963. Anais da Câmara dos Deputados, 196 3, p. 7662.
44 - Discurso de Abel Rafael Pinto na Câmara dos Deputados em 10. 10.1963. Anais da Câmara dos Deputados, 1963, p. 7669-7672.
45 - SALGADO, Plínio. Advertência às esquerdas, 24 .10.1963. In: DiscUfsos Parlamentares, ob. cit., p. 239 -247;
/-l h·tóri a &. / "t n el e C/aues - 65

reconhecid am e nte comunistas ocupam altos Pública e comparecer à Assembléia, ju nto com
postos n o Governo, desde os auxiliares di retos José Antoni o Zuza Aranha, qu e passou a res-
do Presidente da República, aos ministros e pre- ponder pela Secretaria da Ju sti ça, confo rme re-
siden tes d e a utarqui as. O meio estudantil está lata Pires: "Fui preparar-me para o embate que
dominado pela União Internacion al dos Estu- ocorreu dia 8 de janeiro. Os subs ídios forneci-
dantes, com sed e em Praga, e subord inada ao dos por Plínio foran1 apoucados. Hav ia tiros
Consom ol, uma das ma is importan tes seções de festim e escassa munição. O importante era
do Kominform. O operariado está dominado aproveitar a oportunidade para agitar idéias e pregar
pela ditadura de um sov ie te qu e entre nós tem na ofensiva. Ass im procedi, como relataram os
o nome de CGT. A infiltração na imprensa de jornais da época. 1... 1 No Lm ico e Ligeiro encon-
elementos vermelhos é notória. Nos cí rculos do tro entre eu, José An tonio Zuza Aranha e Plínio
professorado su perior e secund ário é tão gran- Cabra l para ajustamento dos ponteiros, acordou-
de a influência de elementos de Moscou, qu e se que se fosse necessár io nominar o chefe da
recentemente num manifesto vibrante de patri- conspiração, este seria chamado de Otáv io. Zuza,
otismo, urn a centena de professores uni versi- no seu depoimento que antecedeu o meu em um
tários d enunciou à Nação as ativ id ades de mes- dia, confundiu-se e nomeou Osvaldo em vez de
tres no sentid o de formarem em seus a lunos Otáv io. Tive de confirmá-lo ... O certo é que rIllYI -
uma mentalidade comuni sta". (46) ca existi" nem Oswaldo nem Otavio. Foi coisa de
A tese de que havia um a revolução em curso fértil imaginação ... O relevante é que termos ap ro-
fundamentava a argumentação em fa vor do gol- veitado a oco rrência da opin ião públi ca para o
pe, tornando necessário o forjamento de um "pe- que se passava Is icl. Foi um alerta".''')
rigo revolucionário iminente", ainda que para Nos três primeiros meses de ·1964, os de pu -
isto fosse necessário denunciar cons pirações tados federais do PRP proferiram dezo ito dis-
inexistentes, como fica evidente em um episó- cursos anticOlllunistas c antijanguistas, de acor-
ruo relatado pelo perrepista Anton io Pires, en- do com leva ntamento da Assessoria Parlamen-
tão Secretário da Administração do Rio Grande tar do PRP' (49) Em fevere iro, Sa lgado seguia afir-
do Sul: o C hefe da Casa Civi l, Plínio Cabral de- mando que "no Bras il se processa a prepa ração
nunciou à imprensa, em janeiro de ] 963, qu e de uma guerra civil"."O)
"estava em marcha um movimento revolucioná- O Diretório Regiona l do PRP no Rio C rand e
rio, tendo seu s articuladores até marcado data do Su l reagia, em Nota Oficia l, contra os dec re-
para ecIodi-lo, adiando-o por duas vezes", sus- tos pres idencia is anun ciados por Co u la rt no
tentando que "o Governo do Estado havia abor- comício da Centra l do Bras il, con side rados pe-
tado o golpe com medidas que tomou de forma ças "de um terrível esq uema de aniqui lação da
secreta, m as que os aventu reiros pretend iam Nação Brasileira": a en cam pação d~ s refinari as
levá-lo a cabo no inido de janeiro".''') de petróleo visaria "da r aos subvers ivos as con-
A declaração gerou uma crise política, já que dições necessá ri as à para lisação do pa ís em 24
a Assembléia Legis lativa convocou os secretá- horas e entregá- lo à sanha revolu cion6r ia dos
rios da Justiça e da Segu rança Pública para pres- esquerdistas de todos os mati zes", enquanto o
tarem esclareci mentos, o que foi recu sado pe- Decreto da Superi ntendên cia da Refo rm a Agrá-
los mesmos, visto que sabiam que a denúncia ria te ria "como objetivo essencia l a agitação, o
era forjada. M esmo assim, Pi res ofereceu-se atropelo da propriedade privada e o desmante-
para responder pela Secretaria de Segurança lamento da produção". ''')

46 _ Plínio Salgado ao Povo Gaúcho. Boletim do PRP, Porto Alegre, out. 1963, p. 1.
47 _ Citado por PIRES, Antonio . Pelo PRP na politica gaúcha: Depoimento para o CDAIBPRP. Porto Alegre: mimeo, 1997, p. 92 .
48 - Id.ib., p. 93 . Grifos meus . .
49 _ Discursos parlamentares anticomunistas da banca da federal do PRP na crise antecedente à Revolução de março -abril de 1964 (20.1 a 31.3. 1964 )
IAPHRC·FPS 015.026}.
50 _ SALGADO, Plínio. O Povo Brasileiro, a reforma agrária, o voto do analfabeto, a Guerra Revolucionária e a legalização do Partido Comunista, 28.2.1964. In:
Discursos Parlamentares, ob. cit., p. 252.
51 - PRP abre baterias contra os decretos presidenciais. Diário de Notícias, Porto Aleg re, 13.3.1964 (CDAIBPRP-Recortes) .

...

66 - Os IlI legrtllÚ'lfU' e o Golpe de 64

Uma manifestação especia lmente impo rtan- tade, no que tange à solução d e problemas da
te no contexto do imediato pré-golpe fo i o Ma- mai s alta complex idade com qu e se defronta a
nifes to da Bancada d o PRP, lançado dez d ias Nação; nem lhe reconhecemos credenciais pró-
antes do desencadeamento da ação militar, "de- prias ou indu zidas. Já n ão h á, portanto, uma
nun ciando" "o agravanlcnto da s ituação polí- dúvida razoável. Os atos e proce dimentos do
tica nacional, torn ada mai s agud a pelos episó- detentor d o Pode r Executivo da República não
di os que se desenrolaram no Estado de Gua- se condicionam mais à Constituição, seja como Lei
naba ra no dia "13 do co rrente", e diri g in do-se à O rgâni ca, seja co mo ins trumento d e governo,
Nação para "a le rtá-Ia so bre os perigos que a seja como limitação do Poder. I· ·· ] À violência
allleaça m c informá-Ia sobre a inequ ívoca posi- arbitrária, res ponderemos com a força do Di-
ção que adota em sua defesa e das instituições reito, que legitima a força no Direito. Por isso
por que se rege": "O Bras il se encontra em esta- mesmo advertinlos: ao lado do p ovo brasileiro,
do de semi -ocupação pe lo Pa rtid o Comunista, defenderemos até o últinlo alento a liberdade
o rgani zação intern ac iona l a servi ço do ilnperi- que pretend em roubar-nos. De cidade em cida-
ali smo s in o- ru sso, de caráte r ideológico, eco- de, de ru a em ru a, de casa em casa, palmo a
nômico e mi litar. Os agentes das potências es- palmo, di sputaremos o mão deste pa ís. A qual-
trangei ras comandam o assa lto fina l ao Poder. quer preço e por todos os meios. I... I Nem o terror
[... 1 Denun ciamos ao Povo Brasile iro, ao seu de uma ditadura comunis ta, nem caudilho al-
juízo e ao ju ízo da His tó ria, o atual detento r do gum tripud iará sobre o brio, a h onra, o sangue
Poder Executi vo da Repúb li ca, s r. J050 Goulart, e as lág rimas desta Nação". !")
como o prin cipa l responsável pela s itu ação aci- Desta forma, em nome da manutenção da
In;] descrita c pelas conseqü ências trágicas qu e "democrac ia", que esta ria ameaçad a pela per-
dela decorrerão para o Povo Bras il eiro. É hoje manência de Goulart no poder, os integralistas
o pres id ente da Repúbli ca e lemento dlave uti - construía m uma justi ficação para a ruptura
li zado pe lo Pa rtido Com uni s ta ao assalto ao institucional, através da "força legítinla", o que
Poder. A B d o mês corre nte, no Estado da foi refo rçad o no dia 31 de março, em um dis-
Guanabara, o detento r d o Pode r Executivo da cu rso de Abel Rafael Pinto, jus tificando e soli-
Repúb li ca, co mparecendo a um co núcio orga- citand o aberta mente o uso d a força para a de--
n izado po r agitado res, em loca l proib ido, pra- posição de Gou lart. !"')
tico u ato c<lp itul<ld o como crime contra a Segu- A cons tante e crescente m an ifes tação dos
rança do Estado, por lei em p lena vigência. É a integrali s ta s nos últimos meses d o governo
segunda vez que o fa z. Ali o uviu , ap laudiu , Goula rt inseriam-se, certamente, em um contex-
aprovou e secund ou, com suas próprias pala- to mais amplo de mobilização e manifestação dos
v ras, pro nun ciam e ntos sedi c iosos cont ra a diferentes g rupos de direita. Aind a que muitas
Consti I·u iç50 e a o rd em juríd ica es tabelec ida nas vezes as críti cas dos integralistas se confundis-
lei s votadas pelo Povo, leva nd o a intranq ü i- sem com as de outros gru pos, em especial, a
lid ade, a angústia e o pâni co aos lares bras ilei- UDN, deve-se, no múúmo, reconhecer que a in-
ros. 1... 1 Não reconhecemos no atual detentor tervenção do PRP contribuiu pa ra a obtenção do
d o poder Executivo, a uto rid ade a qual qu er tí- apoio ao golpe em parcelas da sociedade civil,
tul o, pa ra nos im po r, co mo p re tende, a s ua VOI1 - em especial junto à pequena burg uesia.

A participação integralista nas articulações e mobilizações golpistas

P tH81Cla mcntc aos di scursos parl a me ntares,


procla mações e notas públi cas contra o go-
vern o Gou lart, os integra l istas procuravam es-
dos políti cos, a e leição d e 1962 n os estados foi
um momento decis ivo do estabe lecim ento des-
ta arti culação, não apenas através do a poio a
tabe lecer laços e se arti cularem com outras fo r- cand.idatos da UDN e dos setores a ntijanguislas
ças go lpis tas, visando uma ação co njunta. do PSD para os governos da m a io r pa.rte dos
No que se refere es pecifi cam ente aos parti - estados, mas, a ind a, com o finan ciamento de
/fi ó ia ~ ul d as - 67

candid a turas parlamentares do PRP pelo com- d adão Ruy Gomes de Almeida. Em B. Hori zon-
plexo I PES / IBAD, que financiaram candidatu- te, é um cidadão Pierruti, ou nome parecido.
ras antijanguistas nas eleições de 1962 e coor- [... 1Eu mesmo tive oferecim ento de uns 3 ou 4
denaram a articulação gol pi sta na sociedade milhões, para disputar por Mato Grosso. [... J O
civ il. Em junho de 1962, uma longa carta confi - homem (de certo cumprind o orientação geral
d enciai e n ão assinada, dirigida a Teixeira Coe- deste grupo reacionári o, de direita), exige que
lho, chefe d o "Gabinete Militar" de Plinio Sal- o candidato assine um compromisso escrito, de
gado, re latava as a tividades d o complexo IPES seguir a orientação que eles que rem ... [... 1Pe-
/ IBA O, suge rindo qu e o PRP tirasse proveito las minhas ligações, estava eu tentando um au-
do esquema: "A gora vau lhe contar O 'mapa da xílio s ubstancial, da ordem de 10 a 20 milhões,
mina' e admiro que vocês aí no Rio não saibam para o IJ.QS5Q homem, candidato a federal, por
disso. Po r isso, este assunto é confidencial. Logo aqui, neste pleito [Plínio Salgado l. Acontece que
que foi aprovado, na Câma ra d os Deputados, o este chefe fez uma brilhante ex pos ição, peJa te-
chamado projeto de remessa de lucros (qu e con- levisão, há cerca de dois a três meses I... ] e saiu-
tém dis pos itivos a rroch a dos ), as chamad as se, para nós, brilhantemente. Mas, - acred ito -
'classes con servadoras' ou forças da produção não foi brilhante para essa turm a reacionária
(Ass. Comercial, Centro das Indústri as, Fede- de direita, pois o nosso candidato declarou, cla-
ração d as lndús trias, etc) d aqui d e São Paulo ro e sinceramente que o projeto (respondendo
se a larmaram e se entende ram com as congê- pergunta) de remessa de Iucros teve a votação
neres daí do Rio e de Belo Ho rizonte. Reuni- de nosso partid o ou melho r, dos d eputados do
ram-se aqui e d eliberaram enfrentar o proble- nosso partid o 1... 1Isso, por certo, abespinhou a
ma, estruturando entid ades, pa ra o públi co, de turma reacionária de direita que está esfri ando
estudos e pes quisas sociais. Aqui em São Paulo qu anto às poss ibilidades de au xíli o. 1.·. 1Aí no
é o IPES (lnstituto Paulista de Estudos Superi- Ri o, também há o ' homem', Ruy Almeid a, mai-
ores), aí no Rio, O INES (Instituto Nacional de oral do INES que, internamenl"e, tem os mes-
Estudos Supe riores) e em Minas o IMES (Ins ti- mos propós itos de combate an ticomunista, au-
tuto Mineiro de Est. Sup.). Para uso extern o, xiliando candidatos. Também em Minas, o IMES
convi dam m a iorais, políti cos, governad ores, tem os mesmos propós itos. E, assim, em conclu -
etc. p ara pal estras e confe rê ncias e fazer-lhes são, sugiro que você entre em ação aí, - arranje
senti r as suas preocupações, em fa ce da Frente uma li gação dire ta com O cid ad ão Ru y d e
Parlam e ntar Nacionali sta, de nítida tendência Almeida (h á um co mp a nh e ir o n oss o, do
esquerdista e, daí, os receios deles, dessas clas- Diretório Naciona l que é vice-pres id ente da As-
ses con servadoras. Entretanto, há lima atividade sociação Comercial, e ele lhe poderá abri r a por-
in terna: financiar candidatos, de quaisquer legendas, ta, para este assunto). Aliás, em Minas, você po-
desde q1le seja 100% anticonwnistas. A principio, derá ter uma conversa séria com O deputado
e na primeira reunião, d esses capitães de em- Abel, qu e, como deputado, tem credenciais para
presas, daqui, eles fizeram uma 'vaca' qu e ren- apresentar-se, e deve conhecer, melhor que eu, a
deu 300 milhões, e os planos são para atingir posição do IMES, de Belo Horizonte. 1··· 1É pre-
u m bilhão . Estabe leceram me io p o r cento, ciso descobri r ri chave' do problema c como abrir
I

taxa tivo, sobre os lucros líquid os apurados nos a porta; conseguid o isso, julgo que a Ma rcha terá
respectivos ba lanços dessas empresas, desses um amparo finan ceiro regul ar, séri o, por via de
empresá rios e maiorais da indús tria e d o co- aux íli o ou de recomend ações de publicidade. O
mércio, d aqui . Aqui, o ' homem ', encarregado momento é oportuno, pois a infiltração comu-
de centralizar essa atividade reservada é o ban- nista que tanto os atemori za, e que estó levando
quei.ro Leopoldo Figueiredo. Aí no Rio é O ci- nosso p aís a um pl a no in c lin ado p a ra o

52 _ Bancada do PRP lança manifesto sobre a gravidade da situação nacional. Diário Popular. São Paulo, 21.3 .1964. p. 1 (APHAC·FPS 114 .005.REC 64).
Grifos me us.
53 _ Discursos parlamentares anticomunistas da bancada federal do PRP na crise antecedente à Revolução de março-abril de 1964 (20.1 a 31.3 .1964)
IAPHRC·FPS 015.0161.
p
f
(iH . Os IlIfcgralisl(l.~ e o Golpe de 64

esq uerdismo proporciona recursos id ôneos Isic1, pagou CR$ 3.000.000,00 (57) e o dleq~e nominal a
com que A Marcha poderá contar, para um com- Salgado foi publicado pelo jornal Ultima Hora.
bate ideológico, sério, à penetração vermelha".I") Os integralis tas tentaram minimizar sua im-
Ainda que tal correspondência revele que na- portância, afirmando que tal va lor cobria ape-
quele momento o PRP ainda não tinha uma vin- nas parte de seus gastos eleito rai s: "Era natural
culação maior com o complexo IPES/IBAD, indi - e lógico que o candidato a governador preci-
G10 rumo que seria buscado pel a liderança inte- sasse da propaganda da nossa agremiação, pelo
gralista em busca de financiamento, além de ev i- que ela representa como força política e moral.
denciar que uma Iiderança integral ista de S50 Acontece que, para uma propaganda de re-
Paul o estava bas tante entros<.1da no esquema, su- lativa envergadura, o PRP não dis põe de gran-
gerind o v árias possib ilidades para que o PRP fos- des recursos. A d es pesa to tal d e propaganda
se benefi ciado. Uma delas, pelo menos, produ- para gove rnador, vice-governador, senadores,
ziu resultado efetivo: o finan ciamento da ca ndi- deputados fed erais e estaduais, efetuada pelo
datura à reeleição d o deputad o federal Abe l nosso Comitê, foi de CR$ 8.527.650,00. Era com-
Rafael, pelo IBA D, que se tornou públ ico em agos- preensível que o s r. Adhemar de Barros, como
to de 1963. Abel Rafae l. e m face de provas candidato ao ca rgo cuja publi cidad e era a mais
irrefutnveis, admitiu as ligações com o IBAD, e cara, contribuísse com alguma coisa. Assim, re-
tentou cxplicá-Itls, de fonn3 "cr intivn", IIdizcndo colheu à caixa do comitê, em prestações, a quan-
que estas se limitaram ao recebimento de uma ilju- tia de 3 (três) milhões de cru zeiros, parcela in-
da em sua campanha eleitora l, a fim de poder en- significante em face do v ulto d a campanh a" .~
f ren lar o predomínio econômico de cerlos capilalislas Também em outros estad os candidatos con-
Isicl e de uma turma de pelegos que sempre usou servad ores, apo iad os pelo IPES/ IBAD, direcio-
o gove rno e as nomeaçôes do governo, o Banco naram recursos ao PRP, sem qu e isto tenha se
do Brasil, a LBA e os institutos, a seu ta lante".I") tornado público. É o caso da Guanabara, onde
Admitiu ter recebido "o auxílio de cédulas, candidatos apoiados pelo PRP a vice-governa-
ca rtazes, fai xas, p oucos programas de rádio", C dor (Lapa Coelho-PSD) e ao senado (Gilberto
aind a acrescentou que o l BAD "n50 é tão po- Marinho-PSD e Juracy MagaUlães-U DN) paga-
deroso assim, porque se o fosse já teria com- ram CR$ 515.000,00 ao PRP, o qu e representava
prudo seus acusadores Isic]".ISG) 65% do total arrecad ad o pelo partido para a
Não encontramos registros de outros ca nd i- campanha (CR$ 794.250,00), conforme relatório
d atos do PRP financiad os diretamente pelo com- finance iro interno do Partido. IS9)
plexo IPES / IBAD, mas deve-se ressa lva r que é Em maio de 1963, Sa lgado esc revia a Egon
pouco provável que eventua is reg istros de ou- Renner, deputado estadu al do PRP no Rio Gran-
tras transilçõcs ti vessem subsistid o na documen- de do Su l e um d os maiores indu s triais do esta-
tilç50. Além disso, provavelmente são proveni- do, prevendo o d esen vo lvim ento de um con-
entes d o complexo IPES/ IB AD as ex press ivils fronto armado: "O momento bras ileiro é de ex-
verbil s pagas por Adhemar d e Barros em troca trema grav id ade. A pretexto dum a reforma
do apoio integralista a sua cand idatura em 1962, agrária demagógica e sem nenhum senso práti-
verbas que foram empregadas para a reeleição co, prepara-se uma revolu ção a rmada".I60-
de Sa lgad o à Câmaru dos De putados. Adhemar O combate aberto ao projeto de reforma agrá-

54 - Co rrespondência sem remetente para Teixeira Coelho, 7.6. 1962 (APHRC, Pprp 62 .06.07/ 1) . Grifos meus .
55 - Deputado diz que o auxilio do IBAD ajudou-Q a enfrentar os pelegos. Folha da Tarde. Porto Alegre, 9.8.1963 (COAIBPRP _ Recortes)
56 -Id.i b..
57 - Aproximadamente RS 160.000,00 em va lores dezembro de 2004, conforme conversor disponível em www.fee .lS.gov. brlsftefee/pt/content/servicos/pg
atualizacao valores. php. Este converso r realiza atualização de valores de acordo com a inflação acumulada seg undo o índice Geral de Preços _ Disponibilidade
Interna (lGP-Dl) da Fundação Getúlio Varg as.
56 - PRP explica o cheque de Adhemar a Plínio. Última Hora. São Paulo, 23. 1.1963 (APH RC-FPS 114.004 .REC 1963).
59 - Resumo do Relatório Financeiro correspondente às eleições do dia 7 de outubro de 1962 no estado da Guanabara fAPHRC-FP S O17.009.002 ). Seg undo
o relatório, l opo Coelho teria pago CR$ 100.000,00; Juracy Magalhães CR$ 215.000,00 e Gilberto Marinho 200.000,00.
60 - Correspondência de Plínio Salgado a Egon Renner, 5.5.1963fAPHRC-Pprp 63.05.05/4).
Uist ú ria & I. u la d , e lQ sser - 69

ria de Goul a rt v iabilizou que Salgado fosse tra- melha. Vem daí a guerra contra o IBAD. Posso
tado com o interl ocutor respeitável por setores fa lar insuspeitamente e de cabeça erguida, pois
do latifúndi o, como exemplifica o telegrama de não recebi auxílio algum dessa entidade para a
Paixão Côrtes, Presidente da Associação Rural minha eleição. Essa fo i custeada por um grupo
de Bagé (RS), uma d as mais impo rtantes d o Ri o de amigos e ajl/dada pelos candidatos majoritários
Gra nde d o Sul, a Sa lgado: "Apelamos eminente ql/e o nosso partido apoiol/ . Posso, pois, falar a ver-
homem público espírito cívico e patri ótico sen- dade sobre essa infame campanha contra o IBAD.
tido evitar com vossa influênci a seja a lterad o A fin alidade é apresentá-lo como corruptor, pelo
texto Co ns tituição impedind o através d a já fato de ter ajl/dado homens pobres, mas de bem, ini-
pro pa lad a re fo rma agrá ri a a m odifi cação d o migos do com l/nismo. Eu penso que isso foi servi-
nosso regime d em ocrático onde produtores d o ço à Pátria, numa hora em que os candidatos
ca mpo fi cariam mercê dos partidos políticos"fGl ) comunistas esbanjavam dinheiros públicos, dos
Os integra listas voltaram a receberam expres- Institutos de Previdência, da famigerada SUPRA,
sivo apo io d e integrantes d a grande burguesia d a Novaca p, da moscovita Petrobrás Isic]. Isso,
para a s u s te ntação de um progra ma seman al s im, é corru pção, é roubo dos dinheiros do Povo,
de televisão e o relançamento d o jo rnal A Mar- é desavergonhada maroteira".(64)
cha, cuja circulação fora sus pensa em 1962. Ao mesmo tempo, hav ia a preocupação em
O programa te levis ivo fo i ao a r, semana l- acompanh ar a mov imentação dos setores mili-
men te, e ntre m aio e agosto de 1963. Seu a lto ta res que se opunham a Gou lart, bem co mo es-
custo te ri a s ido financiado pelas "classes con- ta be lece r ligação co m os mes m os, co mo
servad o ras", embora o a po io tenha sid o insu fi- ex pli cita uma ca rta recebid a po r Sa lgad o em
ciente p ara m antê-lo no ar: " Resolvi parar o pro- feve reiro de 1964: "Confirmo minha Ca rta de
grama. C us ta a qu antia de600 mi l cru zei ros po r 23 do mês passado e envio-lhe co m es ta um
mês, para d ez minutos por semana. Um ami go exempla r de um Man ifesto qu e recebi de ami-
daí es tava a rrecadando fund os pa ra man ter o go. [... 1Pelo que ouvi de um Ca pi t50 do Exérci-
program a. Mas a sabotagem no estúdi o é incrí- to - católico, anti comun ista, fi lho de integra lista
vel. [... ] Além disso, O ami go que est<:Í promo- e nosso sim pa ti zante - pa rece haver dentro do
vendo os me ios finan ceiros não te m tido as fa- Exérci to, um como que arrobmen to dos ofi ci-
cilidades que supunha".(·') a is que não vêem com bons olhos a atitu de do
Em jane iro de 1964, Salgado re latava a um Govern o e certamente pa ra um fi m determin a-
co rre ligion á ri o que "como nossos companhei- d o, talvez dentro d o p la no do Man iFesto de qu e
ros não compreendem a impo rtância do nosso lhe fa lei acima" .(~')
jorna l estoll providenciando amigos estranhos nos- Em di scurso p rofe ri do dez anos depo is, Sa l-
so movimento allxílio mensal para poder tirar nosso gado sustentou que a in da em '1963 "con Feren-
semanário", (63) o que pode indi ca r re lações com cie i com O General O ly m p io Mour50, combi -
o complexo IPES/ IBA D. na nd o um mov ime nto milita r a p oiado pe la
Em ca rta a um militante, Salgad o defendeu opinião conservado ra do Brasil".("") No entan-
veementemente a ação d o IBAD, mesmo a fir- to, não encontramos comprovação des te con ta-
mand o que n ão tinha recebid o nenh um financi- to na documentação partid ári a. A parti ci pação
amento d o ó rgão: "Um d os objetivos [dos co- de Mou rão na conspiração gol pista - muitas ve-
mun is tas ] é d esmora liza r o u destruir todas as zes cons iderada aned óti ca ou irre levante pela
organ izações que dificultam a caminhada ver- hi s to ri ografia - é co n siderad a decis iva p o r

61 _ Corres pondência de Paixão Cortes a Plínio Salgado, 6.5.196 3 (APHAC-Pprp 63.05.0Sn!.


62 _ Correspondênc ia de Plínio Salgado a Paulo Paulista de Ulhôa Cinlra, 26.8.1963 (APHRC, 63.08.26/ 15) .
63 _ Te legrama de Plínio Salgado a João Voltarelle, 22. 1.1964 (APHRC-Pprp 64.01 .22/91. Grifos meus.
64 _ Co rres pondência de Plínio Salgado a João Zulian, 23.9. 1963 (APHRC-Pprp 63 .09 .23/ 181 . Grifo meu.
65 _ Correspondência de Caetano Souza a Plínio Salgado, 6.2.1963 (APHRC-Pprp 63.02 .0613). _
66 _ SALGADO, Plínio. Despedida do Parlamento: Discurso proferido na sessão de 3.12 .74 pelo Deputado Plínio Salgado. Brasília: Centro de Doc umentaçao
e Info rmação - Coordenaç ão de Publicações , 1975, p. 15.
p :q

70 - Os IlIlet:rtl[istas e o Go lpe de 64

Hélgio Trindade: "O o rgani zad or, ex-chefe da tados Sul fi carão mais baratas. Re união indis-
mil ícia integralista, autor do Pl ano Cohen e ex- pensável entretanto informal para simples troca idéias
capi tão do serviço secreto do Exército, Olympi o sobre grave momento atravessamos. Comunique
Mourão Filho, é a figura chave do processo de es ta s ex pli cações di zendo tamb é m reunião
co nsp iração e do desen cadeamento d o go lpe convocada tem caráter secreto evitando qualquer
mil itilr. Sua cons pirilção soli tári a e obsessiva repercussão pública". IGO)
começou em Silnta Maria (RS), desde in ício de A reunião deu-se em circunstâncias suspei-
1962, quan d o assumiu o coma nd o do 3" Regi- tas: as passagens te riam sido pagas por um
mento de In fantaria, após a posse de Co ul art "grupo piluJista" não identificado; não consta
como presidente. I...] A partir d aí começa o pro- registro algum da reuni ão no livro d e atas do
cesso de co ns piração, de núncia e articul ação Diretó rio Nacional, além d o fato qu e parece
junto a setores militares e e mpresariais que abs urdo d e que uma reunião convocada em
prossegu iria, durante o ano de 1963, em São caráter secreto fosse paril "simples troca de idéi-
Paulo e Minils Gerais, até o desenl ace do golpe as". Todos es tes indícios refo rçam a hipótese
a partir de Jui z de Fora. Em suas Melllórias, não de que es ta reunião tenha d ebatido abertamen-
hesita em afirmar que ' meu verdadeiro e prin- te a iminência da interven ção militar e efetiva-
cipa l papel cons is tiu em ter articul ado o mov i- ção do golpe de estado, e articu lado o apoio e
mento em todo o país e d epois ter começado a participação d os integra lis tas para s ua consu-
revolução em Minas. Se nós não O ti véssemos milção. Estil hipó tese é re forçad a, aind a, por
feito, ela não teriil sido jilmais começadil'."I(,7) uma matéria publicadil meses de pois pelo Bole-
Out ril ev id ência dil releva nte parti cipilção tim do PRP do Ri o Grande d o Sul, qu e reme-
integra li sta no desencadeamento do go lpe a pre- morava: "Em conseqüência da gravidade do
sentada por Sa lgad o é o fato de qu e fo i "outro momento, o Diretório Nacional do PRP, sob a
oficia l ex- integrillis ta que desencadeou a pri - pres idência de Plíni o Salgad o, co nvocou, nos
meira ação armada n o contex to d o go lpe". Tra- dias 20 e 21 de março d o co rrente ano, uma reu-
til-se do almirante Hasselman, que en frentou, nião da Bancada Integralis ta n o Senado e na
"em 25 de ma rço, de metralhad ora em punh o, Câmara Federal, bem como dos Presidentes dos
um grupo de marinheiros revoltosos que, com Diretórios Regionais e integrantes dos Legisla-
a bande ira nacional à fren te, se dirigia ao portão tivos Estad uais. A s ituação bras lle ira foi ampla-
de saída do Ministério da Marinha com O obje- mente debatida, deliberand o-se lançar um ma-
tivo de aderir aos seus colegas de armas qu e nifes to que, pela s ua s ignifi cação e o portu-
estavam no Sindicato d os Meta lú rgicos".I'"1 nidade, obteve intensa repe rcussão em todo o
Embo ra os eventua is co ntatos entre Sa lgad o território nacional ".(70)
e os conspirado res militares não es teja m docu- Outra rewlião do Diretório Nacional, desta
mentados, pa rece cla ro que ao menos nas se- vez convocad a oficia lm ente, ocorreu a 30 de
manas an terio res ao golpe a direção integralista março. A brevíssima ata de ve ser inte rpretada
estava in fo rm ada, acompanhava de pe rto c se com precaução, pois há indícios d e que tenha
inseria na articul ação c mobili zação go lpistas. s ido redigida posteri ormente, po is, ao contrá-
Em 20 e 21 de março ocorreu uma reuni ão se- ri o do hab itual, as interven ções pessoais não
creta do Di retório Nacional: "G rupo pil ul is ta forilm transcritas e a discussão foi s umari amen-
va i pagar passagens líde res Estad os sem recur- te res illllida: "O s r. Presidente em a lo ngada ex-
sos norte c no rd este. Além disso pilssagens es- posição abord ou a atual conjuntura nacional,

67 - TRI NDADE. Hélgio. o radica lismo militar em 64 e a nova tentação fascista. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon & O'ARAÚJO, Maria Ce/ina (org5.). 21 anos
de regime milirar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 1994. p. 123-141, p. 130-1. A participação de Mourão na cons piração é di scut ida também em
DREIFUSS, oh. cit.. 373·396 (~A maior conspiração das Améri c a s~ do Genera l Olympio Mourão Filho).
68 - Id.ib., p. 132.
69 - Telegrama de Plínio Salgado a Sebastião Navarro, 15.03. 1964 (APHRC -Pprp 64.03. 15/ t 1I. Grifos meus.
70 - PRP previu o desfecho da crise e a vitória da Revolução Democrática - Manifesto Integralista de Março. Boletim do PRP, Porto Alegre, jun. 1964, p. 4. O
manifesto. transcrito na seção anterior, foi assinado pela Bancada federal. já que a reunião não tinha caráter oficial e, portanto, não podia produzir deliberações.
[Us / ó r ia & Luta d e C / anu • 71

apreciando-a de tod os os ângulos e concl uindo Deus e pela Liberdade", que mobili zaram par-
apresentar-se ela e m termos de ex trema grav i- celas da sociedade civil em defesa do golpe de
dade, p arecendo mesmo, no seu entender, ser Es tad o. A pró p ria denominação das marchas
imposs íve l fi xa r qu aisqu e r previsões váli das remete ao lema integra lista " Deus, Pátria e Fa-
para o próximo pe ríodo, eis que nos encontra- míli a". As passea tas de Belo Horizonte e São
mos em m om en to d e defini ção de rumos, tud o Pau lo fo ram as duas ma io res mani fes ta ções
indicand o qu e esta defini ção não se faria tar- p úbl icas co ntra Co ul art rea liza d os antes do
dar, o rie ntand o-se ou no sentido de um a tota l go lpe, já qu e as ma rchas no Rio de Janeiro e
cubanização d o Pais, ou na rota de uma reação outras cap itais ocor reram depois de consu ma-
fulminante contra o s tatus quo atu al. Solicita- do O go lpe.(7J)
va, em con seqü ência, de todos os companhei- Em ou tras cidades, como por exem plo Po rto
ros, es pecialme nte d aque les que participava m Alegre, a Marcha fo i suspensa, "a pedid o das
das altas resp on sabilidades de integrar O D.N. autoridades loca is", po is conforme a Ação De-
do Partid o, urna a titude de vig il ân cia, di scri- mocrát ica Feminina, teri am "desa pa recido os
ção e di sciplina, pa ra bem servirem ao Bras il m o ti vo s pa ra sua efe ti vação, com v ista;) v itó-
em qualqu e r em ergên cia que se lhe afigure pró- ri a das fo rças democrá ti cas Is icl". Da a rticul a-
xima. Nad a m a is havend o a trata r, o s r. pres i- ção da m archí.l m inci rn pa rti cipar.J1ll di rett:l nlcn-
dente d ecl a ro u e nce rrada a sessão às vin te e te o deputado federa l Abe l Rafae l e os depu t-a-
quatro ho ras"- (71) dos estadu ais do PRP Aníba l Teixeira e Sebasti -
Como a re u.ni ão foi iniciad a às 21 horas, pa- ão Nava rro. Já em São Pau lo, Sa lgad o foi um
rece pou co pla us íve l que te nha se resumi do à d os oradores principais da marcha, tend o em
"a longad a e xpos ição" de Plíni o Sa lgad o, em- se u discurso ape lado pe la in tervenção d o 11
bora n ão h aja ne nhum outro re lato. Ressa lte-se Exé rcito para a de pos ição de Co ula rt, o qu e,
a ênfase na tese de que havia um go lpe em cur- segundo ele, "causou pasmo nos homens res-
so ("cubanização d o país") e na conseqü ente p onsáve is, m as v ib r()n tcs ap lnusos n íJ mult i-
caracte rizaçã o d o go lpe como um send o um d ão", (74)
"contra-golpe ", exa tamente confo rme a versão Ainda antes da rea lização d<:l m a rch a, SiJ lga-
difundid a p elos go lpistas, tan to durante a pre- do lançou um "mani fes to às mu lhe res pa u-lis-
paração d o g olpe como em s ua jus tifi cação pos- tas", elog iand o a iniciativa a c!as atri buída c
terior. Esta tese é pro palada a té hoje, como se concla mando pa ra a pa rticipação no ~to.
verifi ca, p o r exe mpl o, n a p os ição d e Élio "E u vos cnvio esta 1l1cnsagcm de ca loroso
Gaspari : "Havia d o is golpes em ma rcll a. O de ent·usias mo. É um entusiasmo conscqücnt·c da
Jango viria ampa rad o no dis positivo militar ' e leitu ra do vosso mani festo ao povo, co nel a-
nas bases s indi cais, que cairiam sobre o Con- mando-o para a grandc mardlél das FalÍlí li as,
gresso, o brigand o-o a aprova r um paco te de por Deus e pela Liberdade. Ass inam este docu-
reformas e a mud ança das regras d o jogo da mento histó ri co tri nta e três associações femi -
sucessão presidencial. [···1Se o golpe de Jango ninas, O que representa belíssima vit·ó ria de Lllna
se destinava a mantê-lo no poder, o o utro des- arregimentação cxecutado, acim a de tudo, pe-
tinava-se a p ô-lo pa ra fora. A árvore d o regime los vossos corações. 1... / Os a udaciosos agentes
cstava caindo, tratava-se de empurrá-Ia para a do comuni smo, in filtrad os nos órgãos gove r-
direita ou para a esquerda". (72) namentais, dominand o os sind icatos operá rios
A intervenção d os integral is tas fi ca eviden- e as organi zações es tu dant is, va lend o-se das
te na articulação d as "Marchas da Família po r franquias das li berdades, q ue e les mes mos pre-

11- Ata do Diretório Nacional, 30.3. 1964 - l ivro de Atas do Diretório Nacional e do Conselho Nacional do PRP (APHRC -Pprp 021 .002.002).
n_ GASPARI, Élio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das l etras, 2002, p. 51-52.
73_ Cf. FlACH, Ângela. ~Os vanguardeiros do antico munjsmo~: o PRP e os perrepistas no Rio Grande do Sul(196 1-1966). Dissertação em His tória do Brasil.
Porto Alegre: PUCRS. 2003. p. 71.
14 _ Correspondência de Plínio Salgado a Oswa ldo Sá, 24 .5.1964 (APHRC-Pprp 64.05.24/38).
p ...
72- Dl' Jlltegralisul.\' e o Golpe de 64

tend em abo lir, chegaram a extremos des respei- fabetos que empestam o País. Com o disse, den-
tos a tud o quanto representa a honra e os bri os tro de 2 dias remeterei. Não será preciso dizer
nacionais. Atingindo o clima propício ao desen- que tudo is to deve ficar em absoluto sigilo, en-
cadca mcnto da "guerra revolu cionária", nlinLl- tre nós dois. É possíve l ta mbé m que lhe envie
ciosa mente planejada por Moscou, resolveram um esquem a da organ ização fe minina." (76)
não mais se conter nos limites dos debates d o Sa lgad o escreve u outros documentos cuja
Pa rl amento; ou das p olêmi cas de Imprensa: fo- autoria foi atribuída às mulhe res. Consumado
ram para as praças públicas propor O fechamen- o golpe, sua intenção e ra apropriar-se do mo-
to do Congresso, a convocação de u ma Consti - vi mento para co nstituir uma e ntidade integra-
tuinte, exatamente C0 l110 Len ine fez !li] Rú ss ia; lista, denominad a Confed eração das Familias
ex igi r o vo to dos analfabetos para desmorali - por Deus e pela Pátri a.
zar o sufrágio democrático e s ubverter a hi e- Manifesto da entidade publicado logo após
rarqui a d os va lores; reclamar a lega li zação do o golpe, a 5 de abril reivindicava "o poder da
Partido Co mw1is ta; pos tul ar re formas que pra- mulher quand o se ameaçam os fundamentos do
tica mente extin guem os dire itos à pro pried a- Lar, da Religião, dos Dire itos Humanos e da
de; lança r ind iscipl in a nos quartéis, e tudo com Soberani a Nacional", rep rodu zind o claramen-
o prestígio do próprio C hefe da Nação. Imensa te a concepção integra li sta so bre as "diferen-
foi a perpl ex id ade do povo brasileiro, do ve r- ças" entre Homem e Mulhe r, ressa ltando a "in-
dadeiro povo brasileiro [s ic], qu e não é rep re- tui ção feminina", e p ropond o uma "ação per-
sentado pelas assembléias dos comícios subver- manente" das mulheres: "Nossa intu ição femi-
s ivos, mob ili zados, con du zid os e a li mentados nina [sic] precedeu a tomad a d e posição hoje
à custa dos dinhe iros públicos, mas s im pelas ev iden te, d os homens de n ossa Pátria. A intui-
fam íli as cri stãs que no labor das ci dad es e na ção poss ui s ua lógica pró pria, s upe ri or quase
faina rura l, sustentam o teor hi stóri co das vir- sempre à d o raciocíni o em seu s asp ectos for-
tud es da raça e dos sentimentos do cri stianis- mai s. Por isso, podemos dizer que os homens,
m o. Mas eis que ouvinlos urn a g rand e c1ari- em face dos fatos ocorrentes e das circllilstân-
nada. São as mu lheres paulis tas que se leva n- cias que os rodeiam, formul a m pensamentos
tam. São as intérpretes de um sentimento que dos qu a is procuram dedu z ir co nclu sões, ao
não é apenas dos pauli stas, mas de todos os passo que as mu lheres, por uma sen sibilidade
brasileiros. A sign ificação do vosso des fi le va i inerente ao seu modo de ser, não precisam re-
se r comp reend ida po r todo O Brasil, quando se correr à arti cu lação d e premissas e construir
ap rox ima a hora em que deve se r decidido o sil ogismos: a verdade lhes vem ins tantân ea, por
desti no da PMria". (75) um processo direto de inte rpre tação. Não pre-
Em 28 de março, Sa lgado remeteu a Alfredo cisam de argumentos demas iad os, provas con-
Buzaid, out ro in tegra li sta com destacada pa rti - cretas, evidências excess ivas; s uprem -se de im-
cipação na a rticu lação do go lpe, o "Ma nifes to pressões e percepções e co m estas e laboram,
às Mulheres Brasil eiras", c afirma viJ estar con- subjetivamente, um qu adro de rea lid ades que
cluind o o utro man ifesto, qu e se ria pub li cado escapa ao dominio da lógica formal. Podemos
como se tivesse sid o escrito por es tud antes de dizer qu e o homem é objetivo e a mulher subje-
Direito: "O outro Manifes to já es tá escrito, mas tiva . O homem rea li za, mas a mulher o desper-
depend e de co rreções datilográficas e ligeiras ta para a realização. E fo i isso o que vimos a
alterações, pelo que lh o envia rei dentro de d ois partir do início des te ano de ] 964. [... ] Deve-
dias. I··. ] Creio que ficou wn bom trabalho, à al- mos orga ni za rm o-nos para uma ação perm a-
tura de W11 documento de alunos de Direito, não nente, uma cons tante vigília, uma campanha de
abastardados pela subm issão ao CG1: às med i- escla recimentos do Povo Bras il e iro, incitando,
ocridad es da UNE e à demagogia de semi-ana l- cada vez mais, nossos maridos, n ossos filh os,

75 - SALGADO, Plínio. Mensagem às mulheres brasileiras. Diário de São Paulo, São Paulo, 19.3. 1964, p. 7 (AP HRC ·FP S 114 .4.REC 64 ).
76 - Correspondência de Plínio Salgado a Alfredo Buzaid, 28.3. 1964 (APHRC·Pprp 64.03.28/ 1I.

j
5 a

U i ritÍ r;a & Lu t a d~ Cla urs - 73

nossos p a is, n ossos irmãos, para que não d ur- neral Ald év io Barbosa, Secretário de Segu ran-
mam, p a ra qu e se conservem alerta na defesa ça de São Paul o, com quem ele mantinha liga-
da Pá tri a. Co m es te mani fes to, lançamos a Con- ção. Lá esti ve. Trocamos idéias.
federação d as Famíli as po r Deus e pela Pátri a. Aj ustamos os ponteiros. São Paul o tornara-
É um a e ntidade d e âmbito nacional. Co nel a- se, efeti vamente, um centro de res istência. Pou-
mamos n ossas patrícias pa ra que venham coo- co depois - sempre no início de 1964 - Plín io
pera r n esta o rgani zação, qu e es tabelecerá tare- Salgado convocou-me à ca pital pauli sta para
fas e miss õ e s e s pecífi cas às associadas e gru- um encontro com O Go ve rnador Ad hema r de
pos feminin os que irão constituí-Ia em todos Ba rr os, n a mesma l inh a co n tra a possíve l
os Es tad os." (77) bolchevização d o Brasil. 1... 1 Fui recebido por
O d ocume nto es tá datado como " Domingo Adhema r de Barros, no Palácio dos Ba ndeiran-
da Ressurre ição de ]964" . O estilo de red ação e tes, imed iatamente a pós ele ter conferenciado
o conteúd o d o m anifesto indicam que pode ter com O Govern ad or Ca rlos Lacerd a, enco ntro
sid o escrito p o r Sa lgado. Além di sso, se ri a es- pa ra O qu al, di ga-se de passagem, Plí nio mu ito
tranho que t ivesse s ido rea lm ente escrito por se empenhou, por entende r que, a pesar d a ri -
mulheres, p o is a rgumenta que as mu lheres "não va lid ade entre ambos, suas pos ições contrá ri as
precisam d e a rg umentos" e expõe premi ssas ao quad ro naciona l os aprox imava m. Aqui che-
para afirm a r qu e as mulhe res "não p recisam gand o, fu i logo convid ado pelo Dr. Osca r Car-
recorre r à a rticul ação de premissas". ne iro da Fontoura, então presid ind o a FA RSUL,
Outro m a nifesto, que também pa rece ter sido pa ra um almoço no reservado do restaurante
escrito por Salgad o, sustentava que "a revolução d o Pa lácio do Co mé rcio, co m a prese nça de
das armas está finda; mas a revolução das almas, Fá bi o d e Ara új o Sa n tos, pre s id e nte d a
encetada pel os movimentos femininos de Minas, FEDER ASU L; de Coelho Bo rges, representan-
de São Paulo, da Gu anabara, do Ri o Grande do do a direção da FARSUL; e d o p res idente do
Sul e de o utros estados, há de prossegu ir".r'l Sindi cato dos Bancos, cuj o nome não lemb ro
Fo rmad a a Confederação d as Fa míli as po r mas reco rdo qu e e ra Diretor do Ba nco da Pro-
Deus e pela Pá tria, seus Estatutos defini am como vín clLl .
fi nalidad e principal "fortalecer os sentimentos Declinando a razão d o encontro, Dr. Osca r
da fa mília e promover-lhe a defesa como grupo di sse qu e os presentes e s uas entid ades es l·a-
natural d a socied ade bras ile ira".(7'1 va m preocupadíss im os com O pano ra ma po lí-
A participação d os integra lis tas na a rticul a- ti co e d is postos a faze r a lguma coisa. Pensava m
ção go lpis ta p od e se r observada ta mbém pela em criar Uln a entidad e pa ra se opor à onda es-
sua movimentação no Ri o Grande d o Sul, em qu erdo-comunis ta, e pa ra tanto di s pensari am
especial através d o então Secretário da Ad mi- o necessá rio apoio fi na nceiro. A res pe ito dessa
nistração Anto ni o Pires, que d esempenh ou fun - idéia, qu eri am ouvir-me, dad a a m in ha co nhe-
ções tanto d e a rticul ação nacional d as fo rças cid a a tu ação. 1... 1. Ponde rei que cria r uma enti -
anti-Go ulart, com o na organi zação do movi- dade n50 era o melh or caminh o. Se ri a um ent'e
mento conspira tó ri o no es tad o: "Um dos mais s u s pe ito , pe ra nte a s oc ie d a d e, d <l es ta r
acérrimos luta d ores que conheci co ntra a situ - labo rando apenas em defesa de seus pró pri os
ação políti ca e mpo lgada pelos esque rd is tas ra- interesses, nem sem pre bem vistos por ce rtos
dicais fo i Linh a res, líd er do PRP d o Paraná. segmentos socia is. O idea l, segund o meu en-
Tomand o conhecimento da minha presença na tend imento, seria que as entid ades a li rep resen-
Assembléia n as cond ições antes re fe rid as, con- tad as a poiassem, de fo rma e ficiente mas d is-
vid ou-me p ara um contato pessoa l com o Ge- creta, aq uelas pessoas e aq ueles organ is mos que

11_ Sem título . Orig inal Datilografado, 5.4.1964 jAPHAC·FPS 006 .007.005) .
18_ Manifesto da Confederação das Famílias por Deus e pela Pátria, sJd. Orig inal datilografado jAPHRC·FPS 019 .013.003).
79_ Estatutos da Confederação das Famílias por Deus e pela Pátria, sido jAPHA C·FPS 019 .01 3. 01 3).
aO- PIRES, ob. cit. , p. 96-9B .
F zq

I 74- Os 1llfegra!ülas e o Golpe de 64

já es tavam em ação. Como exemplo concreto e uma empreiteira, na cidade de Bagé, colocou à
imediato citei as providências preliminares que disposição do exército caminhões, dinamite e
esta vélll1 send o articuladas para rea lizar aqui a gasolma, e participou da formação d e uma mi-
'Marcha da Familia' - à semelhança do que ocor- lícia, que deveria enfrentar a Brigada Militar
ria em São Paulo e outros lugares. Os re presen- caso esta mterviesse em favor de Goulart.{&l)
tantes das Três Federações concordaram com Outro integra lista da mesma cidade relata-
minhas ponderações e prontifica ram-se a reco- va a Salgado sua participação na conspiração e
lher o numerário necessário. [.. .] Fui autoriza- na formação daquela milicia: "Foi realizado em
do a transmitir às organizadoras da 'Marcha da Bagé um Movm1ento de Resistência Democrá-
Fa mília' o conveniente respaldo finan ceiro, tica, em princípios de Março, para cujo Movi-
ponto de partida para outros apoios. Só que a mento fomos convidados. Este Movimento era
'Ma rcha' não chegou a reali zar-se, porque an- dirigido por 18 membros, a fim de fazermos
tcs as tropas de Olímpio Mourão Filho marcha- através da I mprensa escrita e falada o combate
ram sobre o Rio de Janeiro e a Nação toda lc- ao comwusmo e ao passado desgoverno de João
vantou-se em 31 d e março para F de abril." (BO) Goulart. Com grande satisfação, tenho a infor-
A esco lha de Pires para a intermediação d o mar ao Chefe que os dois elementos que mais
repasse das verbas dimcnsiona a importânda se destacaram pela sua combatividade ao co-
quc desempenh ou na arti cul ação go lp ista na- muni smo e ao desgoverno passado foram jus-
quelc estado. tamente os doi s mtegralistas que dele faziam
O integrali sta Dolmy Tarasco ni, qu e então parte: dr. Telmo CaJ1diota da Rosa, por smal
e ra Diretor Gera l d a Secretaria da Administra- convidado para presidir o Movin1ento, e este
ção, relata a participação integraJi sta na orga- seu modesto mas sincero e leal seguidor. [... ]
nização das marchas, ind icando que Pires foi Durante os dias da Revolução, estive de arma
seu coo rde nador estad ual : 'l .. ] antes da revo- na mão, no aquartelamento feito na sede do Jó-
lu ção teve o movimento da 'Marcha da Famí- quei C1ub, pertencente à Associação Rural de
lia', o Pires coo rdenava aqui no Rio Grande d o Bagé. A coisa aqui esteve muito feia com o caso
Su l. Aqu elas mard1as no intcrior, eu mcsmo fui dos sargentos, e os quartéis não tendo seguran-
coo rdenar em Es teio, Sapucaia" .(81) ça interna, nós que estávamos armados na Ru-
Ainda de acordo com Tarasco ni, Pircs fo i ral era quem fazíamos a revi são nas estradas
elcmento chave da articulação golpi sta no inte- das saídas e chegadas da cidade, revisaJ1do to-
rio r do gove rn o, ch egand o a acumular várias dos os veículos que por lá passavam. Foi um
secrctarias de estado: "Antôni o Pires, que era graJ1de serviço prestado pela Associação Rural
secretário da Admini stração, foi obri gado a as- de Bagé à Revolução. [... ] O companheiro
sumir a Secre taria d a Seguran ça Públi ca, [... 1a Pe rgher, inclusive, pôs os caminhões da
Sec retari a d a Fa zendn e mais a Secretaria d a Rod o pav à dis posição do Exército, o qu e feLiz-
Agri cultura no governo do Mencguetti. Ele as- mente não foi necessá rio. Éramos um total de
s um iu quatro sec retarias cOlno inte rino, ma is a apenas 80 homens, mas constava que éramos
Ad mini stração. [... 1Aí elc foi de fcnder o gove r- 500,1000 ou mais. [... ] Passamos 3 dias e 3 noi-
n o, durante o movimento revolu cionári o" .<t~2) tes sem do rmir, de vigília permanente, até que
Co nsolidad o o golpe, Pires foi ÍJ1di cad o para chegou a tão almejada vitória." (8')
in tegrar a Comi ssão de Exp urgos no estad o, o Consumado o golpe, Salgado passou a vei-
que evidencia quc seguia contand o com a con- cular uma versão fantasiosa, sustentando que
fiança dos se tores gol pi s ta s. O integrali s ta toda a mobilização e articulação que redundou
Umbcrto Pergher, que era Engenhei ro-Chefe de no golpe foi conduzida pelo integralismo. Esta

80 - PIR ES, ob. cit., p. 96 -98 .


81 - CAlIL, Gilberto, SILVA, Cát ia e BATISTA, Neusa. Depoimento de Dolmv Tarasconi. Porto Alegre : COAIBPRP, 2000, p. 45.
81 - Id.ib., p. 46.
83 - Cf. CALJL, Gilberto, SILVA, Carla l ucia na & BATISTA, Neusa . Depoimenfo de Umberto Pergher, Porto Alegre, CDAIBPRP, 1998, p. 41 . I
84 - Correspondênc ia de Antonio Carlos Belló a Plínio Salgado, 26 .5.1964 (APHRC-Pprp 64.05.26/1). I

J
p c

UÜl ó r;a & L uta d e C l aHu . 75

versão está presente em di versas cartas e tele- tavam firmes em suas decisões, assim como com
gramas, trazendo a lgumas informações plaus í- Juscelino e Carl os Lacerda. Quando Coul art co-
veis mis turadas a evidentes exageros. Segund o meteu a insensatez do comici o de 13 de março,
ele, "tudo o que foi feito salvação nacional teve a Bancada do nosso Partido na Câmara Federal
origem integralismo". I&') Os eventos de Minas fo i a única que lançou um Manifesto à Nação,
Gerais eram ressaltados, tan to no que se refere de tal maneira corajoso e violento que nos ar-
à construção d e um ambiente favorá vel, como ri scávamos a ser incursos na Lei de Segurança.
ao desen cadeamento da ação militar: "Nosso Em seguid a fui a São Paulo, e na mardla de um
companheiro integralista Mourão tomou inici- milh ão de pessoas, qu and o todos os oradores
ativa Minas onde te rren o preparado compa- fal avam em termos vagos, pronunciei um dis-
nheiros Abel Rafael e Anibal Teixeira".IIJ6) curso apelando para as Forças Arm adas e par-
Os trechos d e uma correspondência aba ixo ti cularmente para o 2° Exército. Segui para o
exemplificam seus principais argumentos: "A n- Ri o, onde fi z a articul ação d os sargentos, va-
tes de m ais nada, falem os da revolu ção vitori o- lend o-me da circunstância de serem os três pre-
sa. Foi obra · exclusivamente dos integralistas. Faz s identes d os Clubes de Sa rgentos (Ma ri nha,
mais de um ano que venho tendo entendimen- Exército e Aeronáuti ca) nossos companheiros,
tos com o nosso companheiro general Mourão, bons integra listas. Isso de tal so rte que, ex is tin-
que foi o chefe d o estado maior d a milícia dos do no Rio 12 mil sargentos, só compareceram
camisas-ve rdes, quando capitão. Ele preparou na homen agem ao Jango 150. Fa ltava a ini ciati-
tudo n o Rio Grande d o Sul, quand o comand a- va. Quem a tomou foi O Genera l Mourão, nos-
va naquele estad o. Trans fe rid o para São Paul o, so compan heiro de id ea l. Arrisco u s ua ca rreira
como Comandante da 2" Região Militar, encon- e s ua vid a. Leva ntou Minas Gerais em peso.
tramo-nos numerosas vezes, tudo preparando Cumpre dizer que o comand ante da Força PÚ-
em nosso Estad o. Tendo o Jango transferi do bli ca em Minas, co ronel Gerald o, é velho ca mi -
Mourão para Jui z de Fora, ali arti culou todas sa-verde" .(87)
guanuções d e Minas. Ao mesmo tempo, os de- A despeito d os exageros, diversas in forma-
putados Abel Rafael e Aniba l Teixeira, com dis- ções arroladas no relato de Sa lgado ex pressam a
cursos e conflitos de rua, cri a ram o clima pro- efeti va parti cipação dos integralistas na arti cu-
pício entre os mineiros. lação do golpe. Os diversos militares citados por
Con comitantemente, nossos companheiros Sa lgado - Mourão, Hasselman, As trog ild o -,
Pi res e Hoffmann, secretários de Estado no Go- eram efetivamente integralistas e é provável que
verno Menegue tti, agita ram o Ri o Grande do esti vessem de fa to em con tato com Sa lgado.
Sul, arti culando o m ovimento. Na mesma oca- Da meSma fo rm a, a pa rti cipação de inte-
sião, agia m os co mpanheiros d o Paraná, de gralis tas nas mobili zações em favo r da depos i-
Pern ambuco e do Ceará, co m g rand e êx ito. ção d e Goul a rt fo i relevante, em es pecia l em
osso co mpanhe iro Corone l Astrogild o, da Minas Gerais, São Paul o e Ri o Grand e do Su l,
reserva do Exército, viajou por tod os os esta- da mesma forma qu e a intervenção d os inte-
dos, articuland o. g ra lis tas no debate parl amentar contribuiu para
Na Marinha, o nosso companheiro Almiran- o acirramento do confron to.
te HasseIman trabalhava a tivamente, ali se ex- A parti cipação dos integrali stas no processo
tinguindo as di ssensões oriund as dos aconte- de des legitimação d o govern o Go ulart, nas ar-
cimentos d e novembro de 1955, unindo-se to- ticulações gol pistas e nas mobili zações qu e cri-
dos os grupos inclus ive o do Almirante Heck, aram um clima propício ao desencadeamento
que se tornou nosso aliado. Conve rsei com os do golpe militar é um e lemento a ma is a ser
governadores M e neguetti e Adhemar, que es- considerado na análise da ampla coali zão for-

65 _ Telegrama de Plínio Sa lgado a Tarquinio, 14.4.1964 (APHRC -Pprp 64 .04 .14/ 17).
86 _ Telegrama de Plín io Salgado a Ra imundo Rubes, 14.4.1964 (APHRC·Pprp 64.04. 14/ 131.
87 _ Correspondênc ia de Plínio Salgado a Castorino. 23 .4.1964 (APHRC ·Pprp 64 .04 .23/2).

""'"

76 - Os IlIlegra/istas e o Golpe de 64

mada para a derrubada do governo Coulart e mente pouca visibilidade e seja normalmente
imposição de uma nova ordem ditatorial, con- desconsiderada pela rustori.ografia, foi relevante
tand o com ramificações na soc ied ade civil , e efetiva, cumprindo importantes funções na
envo lvimento de grupos po líti cos diversos e conspiração gol pista. •
cons piradores militares, além d o apoio finan -
ceiro, político e diplomático estadunidense.
Embora tal intervenção tenha tid o relativa-

BIBLIOGRAFI A CITADA
DREIFUSS, RClléArrn'lIld. 1964: Acon - de Janeiro: Pa z e Terra , 1977. C DA IBPRP, 1999.
quisla do Estado. Ação política, poder c SAES, Dédo. Classe média e política. In: CA LlL, Gi lberto, SILVA. CJrla Lueiana
golpe de dassc. PctrüpoJis: Vozes , 19R I . rAUSTO, f36ris (org) . Ni.\·tôria Geral da & f3AT ISTA, Neu sa. Dep o imento tie
FLACII , Ângela . "Os vn nguardc iros do Cú'i/iZl/('rlo I1ra.l'ileira. O I3rasil Republi - Umberto Perg lt e r. Porto Alegre:
an li com uni slllo": o PRP c os pcrrcpistns C'IIlO. Volume 3: Socicdadcc Política 1930- C DAIBPRP, 1998.
no Rio Grande do Sul ( 196 1- [9(6). Di s- 1964. 5 cd Rio dc Janciro: Bertand, 1991. CA LlL, Gi lberto, S ILVA , Cát ia C BATIS-
serlação em Hi stória do Brasil. Porto SAES, Décio. Classe m élJia e sütema 1'0- TA , Neusa . Depoimento de Dolm y
Alegre : PUCRS , 2003. líri('o r/O /lmsil. S:ío Paulo : T. A . Queiroz, T"rtlSC(Jlli. Porlo Al eg re : CDA IBPRP.

GASPAR ], Élio. A ditadura clIl'ergollllll - 1979. 2000.


da. São Paulo: Compan hia das Letras. TRINDAD E. Bélgio. O radica lismo mi - PIRES, Antonio. Pelo PRP na PO/iticll
2002. lit ar cm 64 c a nova tClltaçilo fascista. galÍcha: Depo imento p~lm o C DAIBPRP.
GRAMSC I, Antonio O povo dos maCtl - In : SOARES , Gláucio Ary Dillon & Porto Alegre: mimeo, 1997.
cos (2. 1. 192 I). I n: Escritos Polílico .... D-ARAÚJO , Ma ria Ce lina (orgs .). 2/ SALGADO, Plínio. De.\'p edida do plJf-
Vo lume 2. Rio de Jane iro: Civi li zaçfio f/flo.\· lle reg ime militar: balanços c pers- lamento: Di scurso profe rido na scssilo de
Brasileira, 2004. pectivas. Rio de Janei ro : FGV, 1994, p. 3. 12.74 pelo De putado Plínio Salgado.
POULA NTZAS , Ni cos. As classes soc;- 123 - 14 1. Brasília: Centro de Documentação e In-
ais 1/0 capita (üm o hoje. Rio de Janeiro: formaçilo - Coordenação de Publicações,
Fontes Impress<ls
Zahar, 1975. 1975.
POULA NTZAS, Nicos. As classes soc i- CALlL, Gilberto, CA RDOSO, Claudira SALGADO, Plínio. Discursos Paria·
ai s. In : ZENTENO, Raul Benítez. As & S ILVA , Cnrla Luciana. Depoimelltode mel/tare.s. Brasília: Câmara dos Deputa-
c/asses sociais I/{ / Am érica ullúw. Rio Artlltl r Bacchini. Porto Alegre: dos, 1982.
4

H"stil "a &

Em 1978, em O escravismo colonial, Jacob Gorender apresentou as leis


tendenciais do modo de produção escravista colonial a partir da crítica
categorial-sistemática da formação social escravista brasileira, pondo fim
à dicotomia feudalismo-capitalismo.
Aconcomitante retomada das lutas sociais no Brasil abriu espaço para a
forte repercussão nas ciências sociais daquela obra. A flexão do movi-
mento social e a posterior vitória da contra-revolução mundial deu-se no
contexto de ofensiva objetiva e subjetiva contra o mundo do trabalho.
No mundo acadêmico, empreendeu-se ataque sistemático àquela inter-
pretação que teve como ponto nodal o debate sobre a brecha camponesa.

oEscravismo Colonial
ARevolução Uopernicana de Jacob Gorende
Mário Maestri acob Gorende r nasceu em 20 de jan eiro
de 1923, em Salvad or, onde viveu sua
infância nos co rti ços habitados pe la
comunid ade p obre d aqu e la cid ad e.
Seu pai, Nathan Gorender, judeu ucra-
niano socialista e anti-s ionis ta, emi gra-
ra após as jornadas revolucioná ri as de
1905 para a A rgentina, onde vivera por
ci nco anos. A seguir, talvez atraíd o pe la peque-
na comunid ade judaica de Sa lvador, parti u pa ra
a Bahia, onde vive u e trabalhou humildemente
Agradec e mo s a leitura e crítica da lingüista como vend edor a pres tação.
Florence C arboni, do jornalista Duarte Pereira,
do historiad or Th éo Lob arinhas Pineiro e o
Após concluir os es tud os primá ri os na Es-
apoio documental do dr. Antônio Ozaí da Silva .. cola Is raelita Brasileira Jacob Dinenzon, de ] 933
a 1940, Jacob Go rende r prosseguiu os estud os
g inasiais e o prepa ratório no Ginásio da Ba hia,
esco la públi ca de grande prestígio, freqü enl a-
d a habitu almente pelos filh os da elite ba iana.
Em 194], matri cul ou-se na Faculd ade de Di-
reito daqu ela cidad e, onde se manteve até "1943.
Militante da Uni ão de Es tudan tes d a Bahi a, em
inícios de 1942, foi cooptad o para pequena cé-
lula unive rsitária comunista fund ad a po r Má-
rio Alves e Ariston Andrade, que secund ava m
Mário Macstri , 56 . é doutor em hi st6ria pela Ue L, Bélgica, c
professor do Progra ma de Pós-Graduação em Hi stória da UPF,
no meio es tudantil a rearti culação d o PCB na
RS.lIl aest ri @v ia-rs. nct Bahia empreendida po r Gi ocond o Di as.
r
78 - o Escravismo Colonial

Os jovens estudantes comun istas part icipa- fio lançado pelo general Demerval Peixoto, co-
ram ativamente da mobilização pela entrada do mandante da VI Região Militar, aos estudantes
Brasil na II Guerra, que cresceu forteme nte com que exigiam n as ruas a declaração de guerra.
os torpedeamentos de navios brasileiros. Seis Mário Alves foi, porém, reprovado no exame
décadas após os fatos, Gorender lembra a emo- médico. Na viagem para o Sul, Gorender conhe-
ção des pe rtada pelos cadáveres de passageiros ceu a bordo de pequeno navio transporte a des-
que chegavam às costas baianas. Nesses anos, preocupação acintosa dos oficiais com os praças,
trabal hou como repórter nos jornais O Impar- obrigados literalmente a alimentar-se com carne
cial e O Estado da Bahia. (2) crua, motivo de uma quase revolta em alto mar,
Em 1943, Gorender, Ariston Andrade e Mário que Gorender contornou ao interceder junto aos
Alves arrolaram-se na FEB, em resposta ao desa- oficiais pela melhoria no tratamento alimentar.

Partindo para o front


no secretariado metropolitano do PCB. A Guer-
C om 21 anos, em Pindamonhangaba e no Rio
de Janeiro, Gorender recebeu treinamento
m il itar co mo membro do corpo de comunica-
ra Fria ensejou o abandono da política de cola-
boração do PCB com as elites naci onais, por Ii-
ções, partind o a seguir para o porto de Nápo- nha semi-insurrecional de confronto direto com
les, no su l da Itáli", onde chegou em setembro o Estado e co m O governo conservad o r de
de :1944. No fronte de batalha, participou dos Eur ico Gaspar Dutra [1946-50J - Manifesto de
ataq ues ao Monte Castelo e a Montese, no ou- Luís Ca rl os Prestes, de agosto de 1950.
tono-inverno de 1944, acompanh"ndo a ofen s i- A o ri entação es querdista prosseguiu, aos
va ai iada até o fim da guerra. menos reto ricamente, mesmo após a v itória de
Gorender lembra qu e, durante a campanha, Getú li o Vargas, em fins de ]950. Em :1951 -3,
não raro, era acordado, com seus companhei- Gorender transferiu-se para São Paulo, entran-
ros, à noite, sob o frio in vernal, para elllprCCn- d o no Comitê Estadu al do PCB, novamente na
der operações na chamada terra de ninguém, es- ilegalid ade, desde maio de 1947. (3)
tendendo ou remendando cabos de comuni ca- De vo lta ao Rio de Jan eiro, em 1953, parti ci-
ção part id os. Estacionado em Pistóia, freqüen- pou da organização dos "cham ados C/lrsos
tou a sede do Partido Comunista Italiano, pre- Stalin", destinados a militantes e dirigentes co-
sen ciando d iscurso de Palmiro Togli atti, secre- 1l1unistas. (4) Nesses anos, trabaU1 0 U no diári o
tário-gerai do PC! e ho mem de co nfiança de com unista Imprensa Popular e conv iveu com
JosefStalin na Itália. De vo lta ao Brasil, na Bahia, a geração de ferro stalini sta brasileira, 11" qual
retomou o CLl[SO universi tário, que abandonou destacavam-se Carlos Marighella, João Amazo-
muito logo para militar profi ss ionalmente no nas, Diógenes de Arruda Câmara e Pedro Fo c
PCB, lega lizad o em 1945. Em fin s de ·1946, já n o mar, que se entregavam sem reservas e grandes
Rio de Janei ro, Gorender ingressou na redação inquietações teórico-intelectuais à revolução,
do semanário comunista A Classe Operária e como lemb rar ia anos mais tarde. (:;)

Nova Política

m novembro de 1954, Gorend er foi eleito semicolonial e semifeudal " e a " luta por Ulll
E membro suplente do comitê central, no lV
Congresso do PCB, rea lizado em São Paulo, que
govern o democrático e popular" dirigid o por
"Frente Democrát ica de Liberação Nacio nal ".
reaf irm ou o caráter do Bras il conlO "país Apesar da linha dura, o PCB apoiou nas cl e i-

2 - Cf. TOlEDO, Caio Navarro de. Natas sabre Jacob Gorender: a engajamento intelectual SEM IN ÁR IOS, No. 2, São Paulo, Arquivo do Estado/lmprensa Oficia l
do Estado, maio 2003; MAESTRI, Mário. Da Europa, o ollJar crítico sobre o Brasil. IEntrevista a J. GorenderJ. DIÁRI ODO SUl. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 91
10/1987; Entrevista em 7/12/2003, na residência de J. Go render, em São Paulo.
3 - Cf. MAESTRI. Entrevista cita da.
• 4

/-fi çt ó ria & L u ta tl e ClOUH - 79

ções de outubro d e 1955 a aliança PDS-PTB que De volta ao Bras il, no Rio de Janeiro, di rigiu
apresentou Juscelin o Kubitsd1ek e João Coul art a Imprensa Popular e, a seguir, o semanário Voz
à presidência e vi ce- presidência [1956-61l. Operária, onde hav iam sid o abertas co lun as de
Em 1955, Corender integrou a segunda tur- debates sobre a s ituação do PCB, algo inus itado
ma brasileira a cursar a escola superi or de for- até então. Em 1958, com a aprovação de Prestes,
mação de quadros do PCURS, em PUSd1kino, na C iocondo Dias reuniu pequeno g rupo de diri -
antiga sede da Inte rnacional Comunis ta, a Lms gentes -A lberto Passos Cuin1arães, Mário Alves,
trinta quilô m e tros de Moscou. A pesar do seu Armêni o C uedes, Jacob Co render - para redi gi-
baixo nível teórico e cultural, O curso permiti- ram documento substil·uti vo à orientação ofi ci-
ria-lhe dominar o russo e, mais tarde, traduzir ai, à margem do Comitê Central, onde tinham
ao portugu ês a lg uns dássicos d o marx ismo sta- fo rça stalinistas como João Amazonas, Dipognes
linista. Durante a escola, iniciou seu relaciona- Arruda, Pedro Ped ro Pomar e Maurício Crabo is.
mento com a companheira de tod a a sua vida, Publi cado na Imprensa Pop ul ar e a segu ir
uma das d ez comunistas que seguiam a escola. co mo li vrelo, o documento conh ecido co mo a
Idealina da Silva Fernandes era fi lh a do operá- " Decla ração de Ma rço" materi ali zou a definiti-
rio eletricista H e rmogênio d a Silva Fernandes, va subs titui ção da po líti ca esquerdi sta qu e re-
um dos fundad o res do PCB, em 1922. gera o pa rtid o após sua ilega lização por pro-
Em Moscou , os comunis tas bras ileiros foram pos ta de direita, de ali ança com a bllrgllesia na-
notificados p a rc ia lm e nte d o rela tó ri o de cional e progressis ta. Po r pr imeira vez, propunh a-
Kruschev sobre Stá liJ1, em 1956, que Co rend er se a poss ibilidade da conquista pacífica do po-
pode ler, na su a totalid ad e, em edi ção reserva- de r, materi al ização no Brasil da nova oricn tll-
da aos funcion á rios d o PCURS. As revelações ção mundi al da burocracia soviéti ca de coex is-
de Krusche v la nçaram o mov imento comunis- tência pacífi ca. O carMer da revolu ção bras il ei-
ta na confusão e apressaram o retorno dos bra- ra, di z ia o documento, era antiimpcri <:l list·a c
sileiros de M oscou, em meados de 1957. (6) antifeud al, nacio na l e democr5tico.

Bu rguesia progressista

nova políti ca es tava send o aplicada des a conquista d a eman cipação do país d o domí-
A de o apoi o do PCB à candid atura Jusce li-
no Kubitsd1ek. Apo io que, segund o Co render,
ni o imperiali sta c a climina ç50 da cs trulul"il
agrár ia atrasada 1... 1 o estabeleci mento de am-
teria tido impo rtância talvez d ecis iva na elei- plas liberd ades democráti cas e a melho ri a das
ção de JK, devid o aos quinhentos mil votos de- condições de vida d as massas pO]JLli ares." (7)

cisivos advindos d o PCB. A nova guinada le- Com a renúncia de Jâni o e a posse de João
vou à saída d e Maurício Crabois e João Ama- Coulart 11961-641. ap rofund ou-se radi ca lmen-
zonas da Comissão Executiva e ao ingresso na te o atrelamento da direção d o PC B, co manda-
mesma d e Giocondo Dias e Mári o Alves. d a por Prestes, à políti ca po pu lista e il pro pos-
Em setembro d e 1960, no V Congresso, rea- ta de mod ifi cação da Co nstitui ção, para a ree -
lizado na Cine lândi a, no Rio d e Jane iro, em leição de Jango, em um momento em que se
semi-legalid a de, Jacob Co rende r, com 37 anos, precipitava a crise políti ca e social. Ao contrá-
fo i eleito m emb ro pl eno d o Comitê Central do ri o do ocorrid o durante o gove rno JK, era d ire-
PCB e M á rio Alves e Ca rl os Mari ghella, des ig- to e freqüente o co ntato da d ireção po lít ica do
nados para su a Comi ssão Executi va. O encon- PCB, em geral, e de Pres tes, em parti cu la r, co m
tro aprofundou a po líti ca de apo io à "burgue- João Coul art e co m seu governo. Nesse co ntex-
sia nacional": "As tarefas fundamentais I···Jsão to, fortaleceu-se no PCB seto r de fendendo mai-

4 - Cf. TOlEOO. Ob.cit.


5 _ Cf. MAESTAI. Entrevista citada.
S _ DIAS, GiocondoA vida de um revolucionário: meio século de história política no Brasil. 20 ed. Rio de Ja neiro: Agir, 1993. p. 190.
l - DIAS. Ob.cit. p. 210 .
xo - o E.\'cral'ismo Co lonial

or aprofundamento d a lu ta social e au tonomia americana com sua proposta de conquista ime-


diante d o bl oco social dominante no governo. d iata d o poder através da formação do foco
Em 1962, na N Conferência, Marighell a, Má- guerrilheiro.(') No mesmo ano, a modificação
rio Alves e jover Telles, da Comissão Executiva, da designação de Partid o Comunis ta do Brasil
criticam os "desvios de direita" da d ireção, pro- para Partido Comunista Brasileiro [PCB), com
pondo a "substituição do f... 1governo por outro o objetivo de facilitar a legalização do Partido,
nacionalis ta e democrático, do qu al esti vessem ensejou que João Amazonas, Pedro Pomar e
excluídos os elementos conciliadores". (") Mau rício Grabois comandassem fracionamento
Em 1959-61, a vitória da revolução cubana do partido e fundação do Partido Comunista
ga lvaniza ra a esquerda revo lu cionári a latino- do Brasil.

Virada à esquerda

N esses anos, o PCB era a única organização


de esquerd a com rea is raízes no m ov i-
mento social. Num sentido sociológico gera l,
sição de esquerda d o PCB, na qual participavam
Apolônio de Carvalho, Carlos Marighella, Jacob
Gorend er, Joaquim Câmara Ferreira, Manuel
no contexto e nos limi tes da cu ltura políti ca jover TeIl es, Mário Alves, Miguel Batista do
stalinista, sua facção de esq uerd a so fr ia a influ - Santos, entre outros. Porém, em 1965-6, a dis-
ência dos segmen tos class istas da classe traba- puta pelo controle da direção do partido seria
lhadora em contradição com a políti ca de cola- vencida pelo grupo prestista. (12)
boração de classes da direção d o PC B. A oposição de esquerda foi expulsa do PCB,
Em jane iro de 1958, Jacob Gorende r publi ca- sem nem mesmo poder defender suas posições
ra os ensa ios "Correntes socio lógicas no Bra- no VI Congresso, em dezembro d e 1967. A di-
sil ", na rev ista ESTUDOS SOCl AIS; em janeiro reção comunista tomara a "decisão d e proibir a
de 1960, "A ques tão Hegel", na mesma rev ista parti cipação dos delegados e suplentes d a opo-
e, em janeiro de 1963, "Contradi ções d o desen- sição: Carlos Marighell a, Mário Alves, Manoel
vo lvimento econômico no Brasi l", na Revista Jover Te lles, Joaq uim Câmara Ferreira,
PROBLEMAS DA PAZ E DO SOCIA LISMO. (lO) Apolônio de Carvalho, Jacob Go render e Miguel
Em 1961 , trad u ziu, com Mário Alves, o Ma- Batista dos Santos." (13)
nllal de economia política, da Academi a de Ciên- A políti ca recessiva implementada pelo go-
cias da URSS e, no ano segu inte, Fundamentos vern o Castelo Branco, em respeito às exigênci-
do marxismo-leninislIIo, obra co letiva de sta li- as do grande ca pital finan ceiro, ensejou forte
ni stas sov iéticos, ambos pub licados pela Ed i- reação e rea rti cul ação popular, sobretudo a par-
tora Vitó ri a, do PCB. (li) tir de 1967, aprofundando a crise e o fracio-
Em 1964, a gra nde desmora li zação da d ire- namento d o PCB em o rganizações, em geral
ção d o PC B, dev ido à vitória do go lpe militar, influ enciadas pela vitória d a Revolução Cuba-
em 1 de abril, sem resistência, fo rtaleceu a opo- na e pela revo lu ção vietnamita.

Renovação revolucionária

I
E m abril de 1968, no Rio de Janeiro, o Pa rti-
do Comun.ista Brasileiro Revolu cionário -
PCBR-foifundado,sob a direçãodeMárioAlves,
Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outros

6 - Id.ib. p. 111.
9 - Cf. Oebret, Reg is. Revolution dans la réva/urion? Lutte armée ef luue politique en Amérique Latine. Paris: Fra nçois Maspero, 1967.
10 - Cf. GORENDEA, Jaco b. Correntes sociológicas fiO Brasil. ESTUDOS SOCIAI S, n. 3-4, Rio de Janeiro, 1958; -A questão Heger. ESTUDOS SOCIAIS, n. 8,
Rio de Jane iro, 1960; Contradições do desenvolvimento econômico no Br8sil. PROBLEMAS DA PAZ E DO SOCIALI SMO, n. 2, Rio de Janeiro, 1963.
11 - Cf. PEREIRA, Duarte. Marxis mo sem classe operária. Princípios, nO56, São Paulo, fe vereiro/abril de 2000, pp. 12-21.
12 - Cf. Mário Alves de Souza Vieira. Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). www.torturanuncamais .org.br/mtnm morl
mor desaparecidos/mor mario vieira.htm . -
13 ~ CI. DIAS. Ob .c it. p~ 166. -
Hi s t tÍ ria & Luta d e C/aoUf' .ç - HI

comunistas de esqu e rda . A nova organi zação o caráter híbrido d oPCBR contribuiu para
propu nha "renovação" revolucionária do anti go que fosse rapidamente destru íd o, já que manti -
PCB, como sugeri a o nome que ass umia . 1141 nha a organi zação anterior, necessária à inter-
Marighella e Câmara Fe rreira, ao contrário, venção no mov ilnento de massas, seln assutllir
h av iam fundado aALN, grupo guerrilheiro que estrutura organi zaciona l ri gidamente estanqu e
se afas tava d e qualquer versão político-parti- dos g rupos mi litaris tas, impresc in dível para
d ári a le ninis ta e m arxis ta. Diversos comunis- resistir por maior tempo aos ataq ues poli cia is.
tas aband onaram o PCB para ingressar no PC Em 12 de janeiro de 1970, ini ciaram-se as que-
do B., ou para fund a r e pa rticipar em outras das que deso rgani zaram a direção histórica do
o rganiz ações militaristas - VPR, Var Palmares, PCBR. Mári o Alves, secretári o-geral d o PCB R,
MR8, POC, etc. caiu no Rio de Jane iro, sendo executado após
O PCBR constituiu o rganização híbrida, com torturas inomináveis.
al guma força no Rio de Jan e iro, no Paraná, no No dia 20, em São Paul o, depois de seis anos
Espírito Santo e no Nordes te. No plano políti- na clandestinid ade, Jacob Gorender era preso e
co, rejeitava a aliança com a burguesia, mas igualmente torturado. Na ofens iva policia l fo-
negava a luta direta pe lo socia li smo. No pl ano ram detidos Apolôni o de Carvalho e outros d i-
táti co-o rgani zaciona l, d efendia a luta soc ia l e rigentes da "velha guarda", ensejando qu e a nova
s indica l, qu e fora desprestigiada pela derrota direção aprofu nd asse a via militarista defini da
da esquerda diante dos militares em 1964, as- na fundação do grupo. Em abri l de "1 969, o PCB R
soc iada à luta armada n o ca mpo, fo rtemente ini ciara operações de "propaganda armada ur-
pres ti gia d a pela recente vitó ri a cubana, em ban a", sob a pressão de m.ilit5ncia qu e d cixavJ J
1959-61, e pela luta vietnamita, então em curso. o rganização por g ru pos Inilita ri stas 1l1ais ati vos.

Fora da linha
lismo, sem passagem pelo feudalismo. Essa in-
J aCOb Gorender divergira da o rientação guer-
rilheíra, apoiada por Mário Alves, mantendo-
se à m argem d as ações armadas, apontando a "he-
m o rragia" em que vi via a esquerda armad a, en-
terpretação, se co rrctJ, determinava
de da luta direta pelo socialismo, desca rtand o
conseqüentemente a etapa anti feud al, apoiada na
ti nccessidJ-

vo lvida n o ciclo vicioso ações armadas-quedas burguesia progress ista, defendida pela Decla ra-
que lhe esgotava as forças e os quadros. Já então, ção de Março, de 1958, que o próprio Corender
Gorende r dedicava-se à investigação sobre o ca- ajudara a produz ir. Em outub ro de ·197"1, Jacob
ráter da form ação social brasileira e da revolução Corcndcr concl uiu os doi s .:111 05 de cnCll l"ccra-
bras i lei ra. ( I;;) men ta a que fora con'denad o. Fora da prisão, ja-
Na prisão, Gorender apresentou, sob forma de 111ais vo ltou à m.ilitância rcvolucion6ri o orgâni ca,
curso, primeiro plano de sua interpretação da for- tendo se inscrito tard iamente no PT, em meados
mação social brasileira que defendia a transição dos anos :1 990, sem parti cipar ativa mente da sua
da sociedade brasileira, d o escrav ismo ao capita- vida interna ou de alguma de suas tendências. 1"1

A redação de O escravismo colonial- Uma Revolução Copernicana

m f in s de ] 97"1, em lib e rd ade, Ja co b econômico d e a lguns ami gos, e ntre e les José
E Gorender manteve-se com o traba lho de
tra duto r, d edicando-se na medida das possibi-
Adolfo C ranvill e e Jacq ues Brey ton, fra ncês e
ex-resistente, ded icou-se plenamenle à reda ção
lidad es a sua investigação sobre a formação so- de O escravismo co lonial, qu e co mpl e tou d o is
cial bras ileira. Em 1974, aos 51 anos, com o apo io anos mais tarde, em 1976, a inda em plena di ta-

14 _ CA RVALHO, Apo lônio. Vale a pena sonhar. 2a ed. Rio de Ja neiro: Roeco, 1997. p. 200.
15 - Id.ib. 203. ,
16 _ GORENDEA , Jacob. Combate nas trevas. 5(1 ed. Ver., ampliada e atualizada. São Pa ulo: Atic a, 1998 . pp. 20 1 el seq. ; PEREIRA . Ob .cil.
s 4

82 - o Escravismo ColOllial

dura mil itar [1964-85]_ ( 17) Em 1978, depois de Brasil haviam se centrado sobre essa questão.
demorado exame, O escravismo colonial era lan- A origem do impasse teórico era antiga e ti-
çado pela Edjtora Ática, de São Paul o_ nha raízes complexas. A hegem onia stalirusta
Para surpresa do autor e dos editores, tama- sobre o marxi sm o e o m ovimento operário
nho foi O sucesso da volwnosa obra no mundo ensejara que as sociedades extra-euro péias fos-
acadêmko que a edição esgotou-se rapidamen- sem necessariamente enquadradas em um dos
te após o lançamento, ensejando W11a segund a estágios da linha interpretativa marxiana do de-
ed ição illnda no mesmo ano. A tese com cerca senvolvimento europeu - comunismo primiti-
d e se is centas página s e fetuava re vo lu ção vo-es cravismo clá ss ico-fe ud alismo-capi ta-
coperrucana nas ciências sociais brasileiras. Efe- lis tamo-socialis mo . Em 1928, quando do VI
ti vamente, ao apresentar exaus tivamente a defe- Cong resso da Inte rnacion a l Comunis ta, esse
sa do caráte r escrav ista colonial do passado bra- procedimento teórico dogmático transformou-
sileira, superava a falsa polêmica passado feudal- se em política oficial para o mundo colorual e
passado capitalista que dividira por décadas as ci- semicoloru al, sendo implementada n o Brasil e
ências sociills e a esquerda brasileira. AIgw1s dos na América Latina pelo Bureau Sul-Americano
mais ás peros debates po lítico-ideológicos no da IC, sed iado em Montevidéu. ( 18)

Diplomacia soviética

E ssa leitura não constituía erro ou desvio de


a pli cação de método marx ista. Era orienta-
ção políti ca da burocracia soviéti ca que impul-
O intelectual e militante comunista Alberto
Passos Guimarães criou arbitrariamente uma
sociedade camponesa desde o início da coloni-
sionava a pacificação do movimento social dos zação, forma tando literalmente o passado e a his-
países do Terceiro Mundo, subm etendo-o às bur- tória nacionais às necessidades dessa interpre-
guesias nacionais e às necess idades conju nturais tação_ Em seu livro Quatro séculos de latifúndio,
da diplomacia do Estado sov iético. de grande repercussão, o pensad o r comW1ista
Expressava e apo iava-se também em segmen- propunha: "Jamills, ao longo de toda a história
to sociais proprietários, das cl asses méd ias, da da sociedade brasileira, esteve ausente, por um
bu rocracia sindi cal e da elite operária interes- in stante sequer, o inconci li ável antagonismo
sad os nessa colaboração. A de fini ção do cará- entre a classe dos latifundi ári os e a classe cam-
ter co lonial, semi -colonia l, feudal e semi -feu- ponesa, tal como igualmente su cedeu em qual-
dal das nações de capita lismo atrasado justifi - quer tempo e em qu alquer parte do mW1do." (191
ca va a p o líti ca de alian ça e de s ubmi ss ão Entretanto, no Brasil, por sécul os, d ominaria a
programáti ca dos trabalhadores as suas burgue- produção escravis ta co loni a l e a qu ase inexis-
sias nacion ais, em frente anti impe riali s ta e anti - tência de um campesinato propriamente dito. ~Ol
latifu ndiária que excl uía a luta anti-ca pitalis ta. Em lº de abril de 1964, a p olítica de aliança
Apenas ve ncida a etapa democrát ica da re- anti imperialista e anti-lati fundiária mostrou sua
vo lu ção, se ria empreendida, a lgum di a, ago ra inconseqüência objetiva quando, sem qu alquer
so b a direção opcrór ia, a lutiJ pela supera ção prurido, a burguesia nacional, delllocrática e pro-
socia lis ta do capita lis mo. No Bras il, para cor- gressista integrou a vanguarda social do movi-
roborar essa v isão, a intclcctua li dad c orgâni - mento militar que impôs seus interesses estra-
ca comuni s ta in te rpreto u a luta socia l no pas- tég icos de s uper-exploração e d estru ição de
sad o bras il e iro a partir do confronto entre o conquistas históricas do mundo do trabaUlo, em
campo nês p obre sem te rra e o latifundiário associação com o imperi alismo, com o capital
semi-fe udal. financeiro e com o latifúndio.

17 - GORENDEA. Jaco b. o escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978 .


18 - LAPA, José ~oberto do Amara l [Org .] Modos de Produção 8 (ealidade brasileira. Petrópo li s: Vozes , 1980. p. 11 .
19 - Cf. GUIMARA ES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio : 3 ~ ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, sd. p. l l a.
20 - Cf. MAESTRI , Mário. A aldeia ausente: índios. escravos e imigrantes na formação do campesinato brasileiro.
/J i .ç tÚria & l.ula de C laHes - 83

Esquerda marxista

G ru pos m a rxistas revolucionários frágeis -


Organização Revolucionária Marxista-Po-
lítica Operária, pequenos grupos trotsldstas, etc.
estava "suficientemente amadurecida a contra-
dição" capital-trabalho, impunha-se a lu ta soci-
alista, dev id o à contradição maior e estarem es-
-, em op osição ao projeto nacional-desenvolvi- sas regiões imposs ibil itadas "de repetir o pro-
mentista burguês, propunham programa socia- cesso de desenvolvimento trilhado pelas nações
lista para a revolução brasileira. Porém, ded uzi- capitalistas avançadas". Portanto, pouca impor-
am a corre ta caracterização cap italista do Brasil tância tinham as "diferenciações sensíveis" exis-
da cons ta tação sumária de determinações gerais tentes entre nações ameri canas que "passa ram
da ordem mundial e da sociedade bras ile ira. por fases de industrialização, possuind o um pro-
Evacuava-se a questão do caráter da antiga for- letariado desenvolvid o" e os "países que conti-
mação soci al com definição sumária d o domí- nu am a viver praticamente da monocultura de
nio de relações capitalistas desde a Colônia. (21) produtos tropicais". A dominação imperialista,
Em "Programa Socialista para o Brasi l", de o geral, determinava para qualquer nação, o par-
1967, a OMR-POLOP deduziu o caráter socia- ticular, a luta anti-capitalista direta.
lista da revolução no Brasil da situação mund i- O Brasil era definido como "país cap itali sta
al da luta d e classes, pautada pela contradição indu strial", de "desenvo lvimento, bloqueado",
entre o capital imperialista e a revolução socia- "em processo de integração com o sistema im-
lista, que d efini a em fase sua conclus iva. "Vi- perialista", com contrad ições co m a "exp lora-
vemos na é p oca do confronto final entre o ve- ção latifundi á ri a do campo", às quais se hav ia
lho regi me capitalista e as forças que lutam pelo "acomodado", já que o latifún dio "nLlda" Hnha
socla. I·lsmo [....
I " (22) de "feud al", já que "desde o período co lonial"
Mesmo n os "países subdesenvolvidos", "par- forn ec ia bas icamente "arti gos para o mercado",
te do mercado capitalista munclial", "onde não" a fim de obter "lucro" .

Passado capitalista

corte integracion is ta (23) da a ná li se da iniciava praticamente com a Revolução de 1930,


O OMR-PO não deixava espaço para refle-
xões sobre a formação social brasileira, no pas-
já qu e apenas então se podia cons tatar inter-
ven ção nacional, ainda que frági l, da c1ilsse o pe-
sado e, p ortanto, s uas tendên cias domin antes rária do Bras il. Evacua vam-se os períodos co-
no presente. No docu mento h á referências à loni al, imperia l e a Re púb li ca Velha co mo qu es-
"herança colo ni a l" e regis tro que, "pelo menos tões teóri cas, so lu ciona nd o-se ass im il impos-
a pa rtir d e 1930", a burgues ia não e ra mais "clas- sibilid ade de análise daqu eles sécul os com ca-
se marginali zada do poder". Era muito s umá- tegorias próprias à produ ção cap itali sta .
ria a abordagem d o golpe de 1964, "deco rrên- Em co ntexto de g rande pragmati smo, em pi -
cia necessária da crise do regi me burguês-lati- ris mo e propagandi smo, militantes das o rga ni-
fundiário", certa mente porqu e a luta socialista zações brasileiras com prog rama socia lis ta ou
c armada ind ependi a deste e de outros suces- de li bertação nacional, em geral mu ito jovens,
sos continge ntes. estudavam e d iscuti am com dedicação as expe-
Nesses a n os, para a q uase totalidade dos ri ências sov iéti ca, cubana, chincsiJ, vicl"rlamitLl,
militantes revo lucionários, a história do Brasi l argelina etc., despreocupados com a hi stóri a e a

21 _ Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966; FRANK, A. G. Capitalismo e o miro do feudalismo 110 Brasil. Revista
Brasiliense, n. 51. São Paulo, 1964.
22 _ REIS FILHO, O.A. & SÁ, J. F. de. IOrg.1Imagens da revolução: documentos políticos das organizações c/andestillas do esquerda dos alias 1961 -1971. Rio
de Janeiro: Marco Zero, 1985. p. 89 -117.
23 _ "1.. .1 Lógica do Integracioni smo: A operação se efetua segundo o axioma de que as relações de dominância são sempre relações de integração
idemificadora' o termo subordinado integra-se no termo dominante e, desde log o, tem a mesma identidade substantiva dele. ~ GORENDER, J. O escravismo
Colonial. 401 ed. Rev. E ampl. São Paulo: Ática, 1985. P. 307

..
p G

84- o Escra vÚ'm o ColOllia l

rea.lid ade brasileiras. Boa parte dessa mili tância sua "estrutura essencial" . Isto é, seus elemen-
permaneceu à margem da d iscussão qu e se es- tos e conexões inte rnos e o movimento de suas
tabeleceu, em 1978, em torno de O escravismo co- contradições. (24)
lonial, inconsciente do sentid o e das deco rrên- Ao apli car cri ativamente o m é to d o marxista
cias pro fund as d aquele traba lho. ao passad o brasile iro, o auto r d emarcava igual-
Em O escravismo colonial, Jacob Gorender s u- mente a necessid ad e de investigação exaustiva
perava a tradi cional apresentação crono lóg ica que rea lizasse a exegese d e seu cará ter singular
de cunho hís tor icista do passado do Bras il para e, po rtanto, d os ritmos objetivos d e seu desen-
definir em fo rma categori al-s istemá ti ca sua es- volvimento, a pa rtir das s uas contradições ob-
trutu ra escrav ista colon ial. O u seja, em preen- jeti va s inte rnas. Pro punha, ass im, superação
d ia es tu d o "estrutural " daque la rea lidade, para epistemológica radica l da interpre tação da for-
pene trar "as aparências fenomenais e revelar" mação socia l brasileira.

Contradições interna

Dor primeira vez, empree ndia-se e m fo rma nos n a escrav id ão e no Brasil, a his tó ri a não
.1.- s is te m á ti ca
a inte rprct;:,ção do passado fora p roduto da luta de classes .
p ré-Abo li ção a pa rtir de s u as co n tradi ções Um d os pontos altos d a inte rpretação de
fund a me nta is, a o pos ição e ntre o tr;:,b;:,lh ad or Go render e ra a apresentação d o traba lhador
esc ra v iza d o c o cscrav iz ad or. A té então, as escrav izad o como "agente subjetivo d o proces-
ma is e l;:, bo rad ;:,s inte rpreta ções d ;:, a nti ga fo r- so de trabaUlo N, e não como Umáquinas" ou
m ação soc i al bra si le i ra ap on ta v am co m o "outro bem de ca pital", ao igu a l do formula-
demi u rgos soc ia is o senhor-d e-engen ho - na d o p o r a ut o res co m Ca io Pr a d o Júni or,
le itu ra d e Gilbe rto Frey re, d e 1933(") - e o Wern eck Sodré, Fe rnand o Henrique Cardoso
e m p resá ri o cap i talis ta d o ca fé, d o oes te e Ciro Flam a ri ón. Po rém, esse último autor,
pa u lis ta. Essa ú ltim a inte rpre tação, da Esco- ao contrári o d os ana lis tas ante ri o res, propôs
la Pauli s ta de Socio logia, d e 1950-60, pro pu - em fo rm a cl a ra a d o min ân cia n o Bras il de
nha o des po ti s mo d a esc rav idão, um a fo rma modo de p rodu ção escra vi s ta colo ni a l e ja-
de "ca pita li s mo in co mp le to" e a impotência ma is desco ns id e ro u o ca rá te r s ubje ti vo do
hi stó rica do traba lh ad o r escrav iz;:,d o. (2(,) agi r serv i I. (28)
Fe rnando Henriqu e Ca rd oso s inte ti z;:, a v i- O caminho pa ra a interpre tação ra dical e sis-
são d a impotência socia l servi l: "A libe rdad e temáti ca d o passad o bras ile iro d e Gorender
desejad a e imposs íve l ap rese nt;:, va-se, po is, não se de ra em esp aço vaz io. Ele fo ra aberto
como me ra necess id ad e s ubjeti va de a firma- po r m ov ime ntos teó ri cos em d esen volvimen-
ção, qu e não enco ntrava co ndi ções pa ra rea li - to no pl an o na ciona l e in ternacion a l, anteri o-
za r-se co n c re ta me nte. f... 1 h o uv e fu g;:,s , res e contemporâ neos àque la inves ti gação.
ma numi ssões e reações. [... 1. A li berdad e as- No Brasil, interpretações his to ri cis tas ou sis-
s im co nsegu ida o u outo rgad a não imp li cava temáti cas s um ári as defendi am a exis tência de
em nenhum momento, porém, mod ificações na sistema escravista e a opos ição entre o senhor e
estrutura bás ica qu e definia ;:,s rel ações entre o cati vo como a contrad ição fund a me ntal na
senho res e escravos f ... I." (27) O u seja, ao me- pré-Abolição, com destaque pa ra os trabal hos

24 - GOREN OER, Jacob. HO conceito de modo de produção e a pesquisa histÓrica LAPA, José Roberto do Amaral lOrg.J HModos de produção e realidade

brasileira Petró polis: Vozes, 1980. p. 45.


H

25 - Cf. FREYRE, Gilberto. ~Casa grande & senzala: formação da falllilia brasileira sob o regime de economia patriarcar . I 4a ed. Rio de Janeiro: José Olímpio,
1969.2 v.
26 - Cf. FERNANDES, Flo restan. ~M!Jdanças sociais fiO Brasir. São Paulo : Difel, 1960; HA integração do negro na sociedade de classcs 3aed. São Paulo:
H

Ática, 1978; IAN NI , Octávio. ~As metamorfoses do escr.1vo~. São Paulo: Dife l, 1962 ; CA RDO SO, EH . -Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro
na sociedade escravocrata do Rio Grande do s ur . São Pa ulo: Difel, 1962.
27 - Cf. CARDOSO, f. H. Ob .cit. p.14D-2.
28 - Cf. GOREND ER, Jacob. -Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo cofoflial. ESTUDOS ECONÔMICOS~ , Institut o de Pe squisas Econõ.
micas, IP E, Sã o Paulo, 1311/. jan. -abril 1983, p. 16.
p a

H i,t llíria &: Lula d e C /a uu - 85

de Bejarnin Péret, de 1956 (29), de Clóvis Moura pe rmitid a pe la forte retomad a da revo lu ção
~O), de 1959, J. Stanley Stein (31), de 1961, de mundial. Essa discussão cen trou-se ini cia hnen-
Emi li a Vi o tti da Costa, de 1966 (32), de Décio te na proposta de Marx e En gels de "modo de
Freitas, d e 1973 . (33) produ ção asiático", com ex plo ração classista
No cen á ri o inte rnacion al, desempenhou pa- e sem apropriação pri vad a d os meios de p ro-
peI essen cia l na interpretação de Gorender o dução. (34)
renascime nto d a di scu ssã o sobre a plura- Quand o do lan çamento de O escravismo co-
li dade d e m od os de produção das form ações lonial, havi a muito qu e se conso lid ara no Bra-
sociais n ão e uropéias, ensejado pelo enfraque- s il a di scussão sobre a divers id ade de mod os
cimento d a h egem onia mundial do stalini smo, de produção n a história e na Amé rica La tin a. (35)

Economia política da escravidão

gia próprias, deduz ia mais de uma vez a d inâ-


E m sentid o mais específico, no contex to d a
d iscu ssão d as razões da gu erra de Seces-
são, Eu gene D . Genovese apresentou estudo
mica essencial dessa socied ade da visão m'islo-
crática dos escrav izad ores.
sobre o escravism o no sul dos USA onde de- Na introdu ção de seu magis tra l t raba lh o,
fendeu a análise d essa realidade social a par- Eugene D. Genovese propunha: "Tenho cons-
ti r de s u as dinâmi cas, es truturas e contradi- ciência que, em fim de contas, os verdadei ros
ções inte rnas. (36) problemas são de o rdem id eológica e ps icoló-
Nesse traba lho germinal, Genovese apontou gica. Não se morre por nenhum in teresse m;)te-
a existência no sul dos USA de sistema soci al ri a l, suponde-se qu e algum o me reça, o que
escravista qu e s ubordinava as outras formas de não é evidente." (37)
trabalho, d estacand o seu caráter necessariamen- A seguir, o histo ri ado r abandonmia g rand e
te colonial . Com pe rtinência, ressaltou a imp ro- pa rte das pro postas revolu cionárias q ue en un -
priedad e d e d efinir como capitalista qualque r ciara em Economia política da escravidão. Porém,
socied ad e d o minad a po r relações me rcantis. elas fora m re to madas ou estava m se ndo de-
Essas propostas fo ram ampliadas e aprofun- senvo lvidas por outros estudiosos, com des-
dadas em O escravismo colonial. taqu e pa ra O historiad or Ciro Fla mar ion Ca r-
O hi sto riad o r estadunidense jamais propõs d oso, já citado, qu e publi co u em ]973 do is ;)r-
a existên cia d e m od o de produção escrav is ta ti gos germin a is sobre as fo rm ações soc ia is
colonial n o s u I dos USA e vaci lou entre inter- escrav istas ame ri ca nas, escritos no con tex to do
pretação m a te ri ali sta e ideali sta d a realid ade. desenvo lvimento de su a tese de do uto ramen to
No mom e nto e m qu e de fendi a qu e o mundo sobre a Gui an a Francesa, rc di gidíl na Fra nça,
escravi sta p ossuía sua lógica, moral e id eo lo- em 1967-7"1. (38)

29 _ Cf. PÉRET. Benjamin. Que loi o quilombo de Palmares? Revista Anhemb i, São Paulo, abril e maio, 1956; _ _ Oquilombo de Palmares . Org .. ensaios
o

e comentários de M ário M aestri e Robert Ponge. Po rto Alegre: EdUF RGS, 2002 .
30 _ Cf. MOU RA. Clóvis. Rebeliões na senzala: quilombos. insurreições. guerrilhas. São Paulo: Zumbi. 1959.
31 _ Cf. STE1N. J. S. Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba: Com referência especial ao município de Vassouras . São Paulo : Brasifiense. 1961 .
IOriginal em inglês 195 7)
32 _ Cf. COSTA. Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 2a ed. São Paulo : Ciênc ias Humanas. 1982.
33 _ Cf. FR EITAS. Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento. 1973. lPrimeira edição espanhol, 1971.) ..
34 _ Cf. SOFRI. Gianni. fi modo diproduzione asiático. Torino: Einaudi, 1969; SOFRI. ~O modo de produção asiático: história de um cOlllfovérsia lIU)rxlstn-. RIO
de Janeiro: Paz e Te rra. 1977; GOOEUEA/MARX/ENGElS, Sobre el modo de producción asiOfico. Barcelona: Martinez Roca, 1977.
35 _ Cf. ASS AOOURIAN. C.S. et ai. Modos de producción en América Latina. Buenos Aires : Siglo XXI, 1973; GEB RAN, Philomena 10rg.) Conceito de //Iotlo
de produção. Rio de Janeiro : Paz e Terra , 1978; MEll lASSOUX, Claude. L'esclavage en Afrique precoloniale: dix-sepr études présemées par. . .
Paris: François M as pero. 1975; MI ERS, Suzanne & KOPYTOn, 19or. SIavery in Africa: historica! and anthropo!ogica! perspectivas. Wisconsin: Unlverslty of
Wisconsin. 1977 ; GODEUER. Maurice. Sobre as sociedades pré-capdalistas.lis boa: Sea ra Nova, 1976. .
36 _ Cf. GENOVESE, Eug ene. The po/itica! econom y Df slavery. New York : Pantheo n Books, 1965; GENOVESE. Economie po/itique de I'esc/fJVag .
Paris: Ftançois M aspero, 1968; ,G ENOVES E. A economia política da escravidão. Rio de Janeiro : Pallas~ 1976.
37 _ Cf. GENOVESE, Eugene . Economie politique de "esc/avage. Ob.cit. p. 20. ITraduzimos do frances I . . .
38 _ Cf. CARDO SO, Ciro F. S. fI modo de producción esc/avista colonial en América. Assa dourian et AI. C.S. et a!. Modos de producció n en Amenca l atma .
Ob.cit.; CA RDO SO, Ciro F. Escravo ou camponês ? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasi liense, 1987. p. 31..

s1
r 4

K6 - o Esc ra~islllo Col(Jflial

leis Tendenciais da Produção Escravista Colonial


m O escravismo colonial, Jacob Gorender em- denciais da produção ca pitalis ta, e m O capital,
E preende crítica ca tegorial-sistemática da pro-
dução escravista americana considerada como
por Karl Marx, sem se nega r a re futar referênci-
as marxianas ao escravismo mod e rno conside-
modo de prod ução hi stori ca mente novo, dev i- radas in corretas ou pou co desenvo lvidas.
do ao seu caráter dominantemente mercant il, que Em capítulo dedi cado a "refl exões metodoló-
extremou qualitativamente determinaçõcs secun- gicas", Gorender inicia sua tese cUssociando-se
do:írias ou pouco desenvolvidas da produção pa- da leitura a lthusseriaJl a d a história e do ma DOS-
triarca l e pequeno-mercanti l do escravi s mo mo, então em voga. (<<l) Dedica a "Primeira Par-
greco-romano. [.19) Gorender propõe que a escra- te" à definição do escrav ismo colonia l como ca-
vidão co lonial tenha determinado essencialmen- tego ria hi s to ri ca mente nova, n o contexto da
te todas as sociedades americanas onde assumiu impu lsão d o mercado inte rnacional e dos avan-
papel dominante. Portanto, a fundamentação de ços materiais da época - trans po rte, moendas,
sua investigação no caso bras ileiro deve-se tam- etc. A seguir, apresenta as "categorias fund a-
bém ao (ato de ter si d o a li que a prod ução mentais" desse modo de produ ção, d estacando
escravista colonial alca nçou o mais acabado de- a "categoria escravidão" e a "forma plantagem
senvolv imento - longevidade, espaço geográfi- de organização da produção escravis ta". (<l)
co, variedade de produtos, número de cativos Na "Segunda Pa rte", aborda a gênese his-
importados, influência na forma ção social, etc. tóri ca da formação escravis ta lu so-brasileira,
Ao emp reende r a aná li se crítica da li teratu- através da crítica d o es paço sócio-geográfico
ra teó ri ca e da historiografia sobre o Br<Jsil escra- português, nativo e colon ial. Portanto, trata-se
vista, através de rigorosa ap li cação d o método de processo de exposição que v io le nta consci-
marxis ta, associa criativamente os níveis histó- entemen te a o rd em de investigação para em-
ri co, lóg ico e metodológico de análise. Utili za preender apresentação qu e parta do geral, para
co mo paradigma a apresentação das le is ten- o parti cular, do abstrato para o co ncreto.

leis tendenciais

A longa "Terceira Parte" é dedicada 11 discus-


são das leis "monomodais", excl usivas do
modo de prod ução escravista colon ial, em opo-
escravistas do oeste de São Pau lo". A definição
do caráter escrav is ta da cafeicultura do Oeste
paulista constitu i refutação da prop osta do ca-
s ição às leis "plurimodais", comuns a diversos ráter empresa ri al capita lista d os cafe icultores
modos de produção. As lei s específ icas do dessa região apresentados, como vimos, como
escravismo co lon ial seriam: lei da rcnda mone- dem iurgos da revo lução burguesa no Brasil.
tári a; lei da inversão inici<lJ da aquisiç50 do tra- Apesa r do caráter multifacetad o da produ-
balhador escravizado; leis da rigidez da m50 de ção esc ravista coloni al, pa ra Go re nder, seu pólo
ob ra escrav izada; lei da correlação entre econo- domi nante encontrava-se na g rand e plantação
mia mercanti l c economia natural na plantagcm escrav is ta - plantagel/l -, cujas ca racterísti cas
escravista e lei da popu lação escravizada. (42) descreve em fo rma minu ciosa, ass im como as
Nas quarta, quinta e sexta partes e e m parti cularidades e as forças p rodutivas que a
adendo final, discute res pectivamente o "regi- s ustentaram. Nesse processo, d estaca a coexis-
me territorial c rcnda da terra", as "formas par- tência estrutural na plantagem d e correlação
ti cul ares de escravi dão", a "circul ação e repro- d ialética ent re esfera de produ ção, na tural e
dução" no escrav is mo moderno e "as fazendas subordinada, e outra, mercantil e dominante.

39 - Cf. MAESTRI, Mário. Breve história da escravidão. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
40 - Cf. GORENDER . O escravismo colonial. Ob.cit. pp. 1-30 .
4i - Ci. id.ib. pp. 37·98.
42 - Cf. Id .ib. pp. 45·3 70.

j
>
J1 isltÍria & Lula d e Cla \'.f f \' • S7

Era antiga na hi storiografia da escravidão a Jacob Gorend e r apresenta so lu ção teó ri ca


discussão sobre o ca ráter benign o ou despóti- estrutural para essa qu estão, ao lembrar que as
co do escravismo americano. Durante decêni- ca ra cterí st icas patriarca is, co nsid erada s por
os, a interpre tação patricarcalista de Gi lberto Gilberto Frey re como a essência do escravi smo
Frey re, que re tomava interpretações das pró- luso-bras ileiro c brasileiro eram, ao co ntrário,
prias classes escrav istas, fora vi são his toriográ- secundárias, já que se originam sobretud o na
fica semi-oficial no Brasi l, tendo s ido o brilhante esfera natural de produção, sempre subo rdina-
sociólogo agraciado pelo Estado com fundação da aos ritmos e sentidos da es fera mercantil,
para melhor desenvolver e pe rpetrar s ua visão comandada essa última pelas inexo ráveis ex i-
pacificadora e consoladora do passado c do gências e determinações da produ ção para o
presente brasileiros. (43) mercado mundi al.

o geral e o particular

E ssa compreensão de Gorender ressa ltava a


imperiosa necessid ade da aná lise dos fenô-
menos sociais e hi stó ri cos no contex to da tota-
trabalho teóri co profundam ente influencia do
pela co rrelação objetiva de forças entre o Ill un-
do do trabalho e o mundo do ca pital.
lidade das est ruturas e form ações sociais em Estritamente, trata vLl-SC de invcsti gaç50 com
que se apresentam, para que se desvelem co r- O objetivo de es tabe lece r bases Illetodológicas
retamente seus nexos e de terminações gerais e sóli das para a interpretação da lnodcrn a form a-
essencia is. Ou seja, a necessidade de não gene- ç50 social brasil eira, para podcr transform<J ·la
raliza r o fenômeno histórico parti cular ou par- em sentido revo lu cionár io. Essa reflexão teve
ticu larizar o fenômeno geral. seguimento sobretudo em dois outros estud os
O escravi smo co lon ial nã o co n s ti tu ía fundam entai s, desenvo lvidos apenas sob fo r-
monografia acadêm ica iso lada, parte de divi- ma de ensaios s intéticos - Gênese e desenvolvi-
são e es peciali zação e rudita d o saber que se mento do capitalismo 110 campo iJrasileim e a Bur-
frus tra ou se reaJl zâ, ao suprir, mai s ou menos guesia brasileira.!'''' Port~nto, toda essa refl ex50
plenamente, as exigências de plano semi-a nár- desenvolveu -se no co ntexto da ·1F Tese el e
quico do avanço do conhecimento, sempre de- Marx, sobre Feuerbach, de J845, o u seja, par~
termi nado p e las necess id ades objetivas e su b- "interpretar" O mund o social c, ass im, iljudar a
jetivas dos inte resses sociais hegemônicos. PIa- "transfo rm á-lo", ao agir no sentid o das fo rças
no em geral exterior ao processo de produ ção tenden ciais libertadoras. I"')
do investigador e, não raro, mai s ou menos à NUIll sen tid o ma is ampl o, ao empreend e r
margem d e s u a co nsciência. eco nomia po líti ca do m odo d e pr od u ç50
A inquirição sociol ógica de Ja cob Co rend er, escrav ista co lonial , Corcndcr co ntri buía para a
em O escravismo colonial, des envo lvi a-se " na construção de eco nomia po líti ca dos modos de
perspectiva d o marxismo crí ti co e dialético" que produção pré-capitali sta s, capitali stas c pós-
considera, n o contexto de sua "autonomia re- ca p it ~li s ta s, ao lado de obras co mo ~ Novo eco-
lativa", "o trabalho intelectual" como "d imen- nomia, do eco no mi s ta sov iéti co trotski sta E.
são das lutas políti cas e ideo lóg icas que per- Preobrazhensy, de Mulheres, ccll'iros & capitois,
passam a sociedade cap ita lista".I" ) Portanto, um de C1~ude Me illassau x, entre outras. I")

43 _ Cf. MAESTRI, Mário. Gilberto Freyre: da Casa grande 80 Sobrado: gênese e dissolução do patriarcalismo escravista no Brasil. CADERNOS IHU, ano 2, n.
6, 2004, Instituto Humanitas Unisinos, Unisinos, São Leopoldo. 31 pp .
44 - Cf. rOLEDD. Ob.cit.
45_ Cf. GORENDER . Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 19 67; GO RENDER. "'A burgue si a bra sile i·
ra". São Paulo: Brasiliense. 1986.
4S _ MERKER Nicolao. 10rg.) MARX & ENGELS. E2 ed. ia concezione materiaJisticadella storia. Roma : Riuniti, 1998 . p. 52 .
41_ Cf. PREOBRAZHENSKY, E. 119261. ia IIuava economia. -México: Era, 1971-; MEIllASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros & capitais. Porto: Afrontamento,
1917; OAllA VECCHIA. Agostinho Mário. As lIoites e os dias: elementos para uma economia política da forma de produção semi-servil filhos de criaçlio.
Pelotas: EdiUfPEl, 200 1.
88 - o Escravismo Colollial

o escravismo colonial - apogeu e crise


importantes sucessos sociais, políti cos, nacional-desenvolvimentismo burguês do PCB,
O S
culturais e ideológicos gerais ocorridos no
Brasil e no mundo em fins da década de 1970 per-
antes de 1964, e pelo militarismo pequeno-bur-
guês - VAR, PCBR, ALN, VPR, etc. - nascido
mitem compreensão mais precisa do SI/cesso cien- sobretudo nas fi las comunistas e entre os seg-
tífico e acadêmico de O escravismo colonial, no mo- mentos de classe média radicalizados, após 1967.
mento de seu lançamento, e durante o decênio No mundo d as representações, O escravismo
segu inte, e a radical reversão de sua receptividade colonial mate rializava as necessidades das mo-
e legitimação acadêmica, nos anos 1990. bilizações classistas dos traballladores de inter-
Em 1977-8, O Milagre Brasileiro pertencia ao pretação radi cal da formação sodal brasileira,
passad o e a sociedade nacional ingressava na a partir da ótica do mundo do trabalho, que
depressão econômica tend encial na qu al ainda su perasse as falsas visões do passado, nas quais
se ma ntém. Naquele então, ainda no contexto se haviam apoiado as estratégias popu listas,
do afluxo do movimento social mundial, a vio- d ireitis tas e esquerdistas, derrotadas em mea-
lellta decadência das cond ições da vid a da po- dos dos anos 1960 e nos inícios de 1970. (48)
pulaç50, devid o à expropriação salarial - infla- O forte avanço dos trabalhadores de fins
ção e arrocho - , determinad a pelo início do de 1970 - greves operárias e ocu pações de lati-
pagamento incondi cional da dívida financeira, fúndios, com ápice em 1979; fundação do PT
ensejava o renascimento do ativismo sindi cal, anticapitalista, em fevereiro de 1980; fundação
pondo fim ao longo período depressivo que o da CUT class ista, em agosto d e 1983 - abria es-
movim ento social ingressara em 1969. paço social para o reconhecimento acadêmico
Em 1979, muito duras mobilizações popula- e científico de obras como O escravismo colonial,
res na cidade e no campo agitaram o Brasil, assi- de 1978, que empreendiam e apoiavam leituras
nalando objetivamente o caráter social e políti- radicais da formação social brasileira exigidas
co protagonista dos traball1adores, negado pelo pelo desenvolvimen to da luta social.

Hegemonia conservadora

E ntretanto, a ofensiva do mund o do trabalho


brasileiro, de fins dos anos 1970, so freu ime-
d iatas e múltipl as respostas, de todas as ordens,
de dois movimentos. Enquanto procurava-se
s istematicamente argumentação que questio-
nasse, nem que fosse no mundo das aparênci-
de pa rte das forças sociais proprietári as ascen- as, elementos essenciais daquela interpretação,
dentes e d escendentes, qu e jamais deixaram de es forçava-se para manter à margem do mundo
manter a hegemonia nacional e intern acional. acadêmico os d efensores do novo revisionismo
Essas respostas abran geram igualmente as ex- historiográfico, em geral, e Jacob Gorender, em
pressões daquele impulso social no mund o d as es pecia l.
representações. Quanto ao segundo movimento, é exemplo
Nessa operação destaco u-se vasto mov imen- paradigmático a trajetória profission al do pen-
to de deslcgitim ação científi ca e acadêmica de sador marxi s ta baiano, após o lançamento de
O escravislllo colonial, inicialmente em forma in- s ua obra. Apesar da profunda erudição regis-
d ireta e transve rsal, mais tarde em forma direta trada e m O escravismo colonial, as portas da aca-
e frontal, qu e se mobili zou para soldar a fratu- demia, espaço ideal para a atualização, corre-
ra ca usad a pela apa ri ção de obra que co locava ção e ampliação daquela interpretação d o pas-
o traba lh ado r e a luta de classe no centro da sad o mantiveram-se fechadas pa.ra ele, sob a
inte rpretação da formação social brasileira. justificativa d e não possuir título unive rs itário.
A campanha processou-se sobretudo através Nesse sentido, o pensador radical foi indis-

48 - Cf. KORSH, KarL Marxismo e filosofia. Porto : Afrontamento, 1977. p. 79.


c

U ist6rla f.I!: "/lta d e C l a .He.f - 89

cuti velmente punido por te r preferido comba- rado de formação su peri or, qu e lhe teriam ga-
te r militarmente o naz i-fascismo, como praci- rantido as exigências formai s para ingressar na
nha, em ]942, e o capitalismo, como militante Academia ou carreira burocrática res pe itadora
profissional, após 1945, e ter-se, ass im, descu- das ins titui ções e da simbologia do poder.

Finalmente doutor

N os a nos segu intes à publicação de sua tese,


pa ra manter-se, Jacob Gorend er trabalh ou
na Abril C ultural, coorden ando a coleção "Os
Notório Saber, pela Congregação da Facu lda-
de de Filosofia, Letras e Ci ências Hum anas, da
mesma uni versidade, o que lhe permitiu parti -
Economistas", que apresentou mais de meia cipar como examinador de bancas de mestrad o
centena de autores e vendeu, inicialmente, um e doutorado.
milhão e me io de exempl ares. 1491 Nessa co le- Em 1997, mini strou discipli na em curso de
ção, pubücou uma "Introd u ção" e uma "Apre- pós-graduação do Departamento de His tória da
sentação" a dois volumes de obras de Marx . 1!i()1 mes ma instituição - "Hi stóri a c marxismo: a
Em 1989, escreveu longa "introdução" à Ideolo- prova prática no sécul o XX (aná li se científica e
gia alemã, de Marx e Engels. 1"1 aspirações utópicas )." Esse limitado reco nhe-
Apen as em 7 de abril de 1994, dezesseis anos cimento científico institu cional muito honra as
a pós a publicação d e O esc ravismo colonial, institui ções e os promoto res que se desdobra-
Gorender foi agraciado com o títu lo de Douto r ram para efetivá-lo .
Honoris Ca l/ sa, pe la Universidade Fede ra l da A exc lu s ã o a cad ê mi ca o b rigo u Ja co b
Bahi a, quand o da reito ri a do dr. Lui z Fclippe Gorcndcr a emp reender, em form a quase isola-
Pe rret Ser pa, em obedi ênc ia à res o lu ção do da, sem apo io institu ciona l, i.1 pÓS suas at ivid a-
C on se lh o Uni ve rsitário de 27 de outub ro de des profissionais, nos momentos roubad os ao
1992. 1"1 laze r, a resposta aos va ri ad os qu esti onamentos
Em ] 994-6, atuou como professor vis itante de sua interpretação do passad o, p rodu z idos
no Instituto de Estudos Avançados da US I~ re- em gera l por intelectu a is ded icados p ro fi ss io-
digindo o ensaio "G lobali zação, tecno logia e na lmente à prod ução inte lectua l, sus tentados e
re lações de traba lho". IOJI Em 29 de agos to d e apoiados po r suas institui ções, po r bo lsist;:,s,
1996, por propos ta do Departamento de I-Iis tó- por seu orientandos, pe la g r;:,nd e im p rensa na-
ria da USP, recebia o título de especia lista de ciona l e regi ona l, etc.

Escravismo Colonial: Ouestionamentos

pós a publicação de O escravismo colonial, esc rav ismo co lonia l", de 1983. 1ó41 Em 1985, pu -
A Jacob Gorender inte rve io sobretud o com
d o is e n sa io s -- na imp o rt a nte di sc u ss ã o
blicou uma quarta ed ição revista e amp li ada de
O escravismo colonial.
e nsejada por sua obra - "O co nceito de mod o Em 1990, um ano após a consolid ação da con-
d e produção e a pesq ui sa his tórica", de 1980, e tra-revo lu ção mundi a l - Q ueda d o Muro el e
"Questionamentos sobre a teoria econômi ca do Berlim -, po rtanto, em uma conjuntura po líl i-

49 - Cf. MAESTRI. Entrevista.


50 _ GOAENDER, Jacob. Mlnt rod ução ~. MARX , Karl. Para a cdrica da economia política: salário. preço e lucro; a rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril
M
Apresentação . MARX , Karl. O capital: critica da economia política. São Paulo: Ab ril CuHural, 1983 . pp. VII ·LXX II ;
Cultural. 1982. pp. VIJ -XXtJI; GORENDER M
51 _ Cf. GORENDER, Jacob. Mlntrodução-. O nascimento do materialismo histórico . MARX & ENGElS. A ideologia alemã. São Pa ulo: Martins Fontes, 1989;
52 _ Cf. Diploma expedido em Salvador, 07 de abril de 1994 lxeroxl.
53 _ GORENDER, Jacob. Globalilação. tccnologia e relações de trabalho. ESTUDOS AVANÇADOS, IEA-USp, São Paulo, 11 (291 , janei ro-abril de 1997, pp .311-
361.
54 _ GORENDER . O conceito de modo de produção e a pesquisa /Jistórica. LAPA, José R. do Amara llOrg.1 Modos de produção c realidacle brasileira.
Petrópo lis: Vozes, 1960. pp. 43·63. GOAENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.
M
55 _ GOREN DER . "Que stionamentos sobre a teo ria econômica do escravismo colonial . ESTUDOS ECONÔMICOS, Instituto de Pes quisas Econômic as, IPE,
São Paulo, 13 111 , jan. -ab riI198 3, pp . 7·39.

~ -
90· o IJscroviHl/O Colollial

ca, cultural e ideológica rad ica lmente adversa, apesar de "substanciais aproximações" em al-
esc reveu o li vro A escravidão reabilitada(~'I, res- guns casos.
posta exaustiva à criticaria organizada em tor- Pretendia-se que se desse no "universo
no de O escravismo colonial. Em forma gera l, essa conceitual" do "modo de produ ção" e "forma-
produção demarcou as diversas fases da pode- ção social", correlaci onado com "suas catego-
rosa operação revisionista es tabelecida em tor- rias básicas [... ], relações de produção, forças
no de sua tese. produtivas, classes sociais, luta de classes, cons-
Em 1980, o artigo "O conceito de modo de ciência de classe, etc" 1571
produção e a pesquisa histó ri ca" 1561 registrava O texto de Gorender abre o ensaio, seguido
o impacto de O escravismo colonial sobre a co- por ensaios de Antônio Barros d e Castro,
munidade intelectual. Na " Introd ução", José Flamarion Cardoso, Werneck Sodré, Octávio
Roberto do Amaral Lapa ass inal a que a co letâ- lanni, Peter Eisenberg e Theo Santiago, apresen-
nea pretendia retomar debate interrompido tados em ordem alfabética.
havia "quinze anos", reunindo os textos "mais O organizador lembra a ausência de autores
representativos" d a "in terpretação da realida- essenciais para a polêmica como Caio Prad o,
de histórica brasileira através do co nce ito de Celso Furtado, Fernando Novais, Fernando
mod o de produção". Portanto, constitu ía ten- Henrique Cardoso, Fl orestan Fernandes e José
tativa de organização da polêmi ca entre inter- de Souza Martins, por motivos "perfeitamente
pretações que utili zavam "conceito teó rico mar- compreensíveis". (SB)

xista axia l" em fornla, n o ugera l, disco rd ante",

Teoria geral

m seu texto, Gorender empreende a defesa mundialmente. Dedica a parte final do texto à
E da proposta da construção de uma teoria ge-
rai dos modos de produção singu lares; reafirma
propos ta de um amplo processo de investiga-
ção, geral e sistem ático, exig ido pela caracteri-
as categorias sociais como expressão da realida- zação da gênese da produção ca pitalista no Bra-
de empírica; assinala a dominância da esfera eco- si l, não a partir do feudalismo, m as d o escra-
nômj ca, necessariamente associada à esfera ex- vismo colonial, sob retud o após a Abolição, com
tra-econômica; lembra a necessidade do desen- particularidades no que se refere ao desenvol-
volvimento de teoria da formação socia l, em ge- vimento de qu atro grandes regiões: São Paulo,
ral, e da formação social capitalista, em especia l. Rio de Janei ro, Sul e Nordeste.
Na terceira parte do texto, retoma a defesa do Avança igualmente a defesa da não d omi -
caráte r hi storicamente novo do modo de produ- nância imed iata da produ ção capitalista "no fi-
ção escravista coloni al, em relação à produção nal e o escravismo e após a Aboli ção", dev ido à
escrav ista patriarca l da Anti guid ade, ressa ltan- gênese e à ex pansão, de "formas camponesas
do sua dependência ao mercado externo não- pré-capita li s ta co mbin adas à es trutura da
escravi sta. Daí seu caráter colonial, "na acepção plantagem e do latifúndi o pecuári o".
econôlllica do term o". Essa interpretação seria apresentad a no en-
Fenôme no do qual não decorreria - co mo saio "A gênese e desenvolvimento do capitalis-
pretend iam as visões integracionistas, entre elas mo no campo brasileiro", transcrição de confe-
a Teoria da Dependência - a detenninaç50 e rência à 31 Reunião Anua l da SBPe, em 13 de
integração do modo de produção escravista co- ju lh o de 1979, em Fortaleza, que conheceu di-
lon ial pelos modos de prod ução dominantes versas edições. 1"1

56 - GORENDER. o conceito de modo de produção e a pesquisa hist6rica. Ob .cit. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. Ob .cit.
57 - LAPA. Int rodução ao redimensionamento do debate. LAPA. Modos de produção 1... 1. Ob.cit. p. 15.
58 - Id.ib. pp. 10 e 3.
59 - Cf. GORENDER. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 198 7; ~A gênese e desenvolvimento do
capitalismo no campo brasileiro STÉDILE, João Pedro IOrg .l. NA questão agrária hoje Porto Alegre : EdUFRGS, 1994. pp. 15-44 .
H H

• c

Ui.ftÚia & I.u.ta dr ÇJanes • 91

Burguesia conservadora

D a transição da produção escravista colo-


nial. portanto mercantil, apoiada em for-
mas alodiais da propriedade da terra, à produ-
outras relações de produção e ao surgi mento de
um novo modo de produ ção." (61 )
Proposta correta do ponto de vista da episte-
ção capitalista, Gorender deduz o caráter con- mologia marxista, na medida em que se com-
servador da burguesia nacional, que jamais en- preenda o impulso à variação ascendente das
con trou "obstáculo para adquirir a proprieda- relações sociais de produção, sempre no con-
de de terra e teve na especulação fundiária uma texto de forças produtivas histori camente da-
das suas fontes de acumulação original do ca- das, como determinação da solução da contra-
pital". Lembra q ue ela não aprofundou sua dição entre produtores diretos e controladores,
"contradição com os latifundiários", incorpo- detentores ou proprietários dos meios de pro-
rando, ao contrário, "o latifúndio à estrutu.ra dução. Como em O escravismo co/.onia/, nessa
do capitalismo no Brasil, onerando", assim, seu apresentação geral e na proposta de in vestiga-
"desenvolvimento (... 1com O peso exorbitante ção sistemática sobre a forma ção socia l bras i-
do preço e da renda da terra [...]". (60) leira não há referência s is temáti ca e explícil·a à
Quan to à dinâmica social e à trans ição luta de classes como determinação principal do
interrnodal, propõe que são "as variações nas devir social. A abordagem mais s istem6ti ca des-
forças produtivas (na medida em que progridem sa ques tão pelo autor daria-se em res posta iI
ou, mais raramente, na medida em que retroce- acusação de ignorar essa instância do devir hi s-
dem) que estabelecem uma não-correspondên- tórico, lançada por autores em gera l defenso-
cia com as relações de produção ex istente e con- res da indeterminação objetiva da aç50 s ubjCli -
duzem, no final de contas, à sua substituição por va das classes sociais.

Refutação sistemática

S algo engano, no artigo "A economía políti-


ca, o capitalismo e a escravidão", Antônio
Barros de Castro apresentou a primeira tentati-
da Escola Sociológica Pau lista de um "capitalismo
escravista" ou de um "escravismo capit"alista".
Portanto, para o autor, o escrav izador es ta-
((~1)

va de refutação estrutural da proposta do modo ria "submetido a uma engrenagem econômi cJ",
de produção escravista co lonial, ao retomar a enquanto o trabalhad or escravizado n50 teri a
defesa da singularidade do capita lismo como o "caráter social efetivamente moldad o pelo
modo de produção capaz d e ser apreendido sob regime de produção". Ou seja, segund o o ana -
a forma de economia política, poi s apenas nele lista, as condições servi s de ex istência n50 ser i-
a "lógica econômica" determinaria o socia l. ((,2) am condi cionadas pelas condi ções de produ -
Apoiada em apresentação superficia l do feu- ção. O que ensejaria qu e pouco importasse ao
dalismo e do escravismo clássico, a tese de Barros cativo ser des locado da coz inha da casa-gran-
de Castro choca-se com as determinações econô- de para o cito açucareiro '
micas do escravismo colonial, anal isadas com Mero "cativo", o traba lhado r escravizado se-
maior rigor, paradoxo argumentativo evacuado ria ajustado, "bem ou mal ", "ao aparelho de pro-
com a proposta de que "o moderno escravismo" du ç50 (... 1por um a combin ação mai s ou menos
leria "importantes traços em comum com O capi- eficaz de violência, agrados, persuasão, ele" Em
talismo" e "o escravo" constituiria "antecipaç50 contexto de "classes expli cita mente antagôni -
do moderno proletário". Essa visão rea lizava ver- cas", sobretudo "na passagem do sécul o XV III
dadeiro retrocesso analítico, ao retomar o enfoque para o XIX", quando a produção assumiu ori-

60 _ GORENDER . o conceito de modo de produção [... ). Ob.c it. p. 64.


61 - Id.ib. p. 51.
62 _ CASTRO, Antônio Barros de. A Economia Política, o Capitalismo fI a escravidão. LAPA . . Modos de produçáo 1... /. Ob.cit. pp. 67-107.
63 - Id.ib. p. 91. ;

b ~1
92· o Escravism o C% fl ia l

entação merca nt il, as sociedades escravistas cito e da consciência d os senho res d o perigo
avançariam a partir do confronto social explí- I das g randes massas servis. (fi4)

o escravo que negocia

E ssa lei tu ra dua lista propunha não assentar


a dev ir histórico da escravidão na oposição
mas sobretudo na acomodação entre escraviza-
de Paz", dos cati vos d o "Engenho Santana de
Ilhéus", em 1789 (fi7), a concessão s istemática de
glebas servis no Brasil (fi8), o aproveitamento das
do res e escravizados, já que a orientação social "oportunidades mercantis" pelos trabalhadores
dependeria "da intens idade, direção e êx ito da escrav izados, etc., que consti tuiriam expressões
resis tên cia e/o u luta aberta dos escravos, bem das lutas servis para "construir um esp aço pró-
como das res pos tas encontradas pelos proprie- prio" na escrav idão. Segund o ele, a importân-
tári os C homens livres e ln gemi, para assim ilar, cia desses atos encontrariam-se n o fato de que
acomodar e abafar a presença hostil e o poten- não expressariam "apenas o esforço d os escra-
cia l de rebeldia" serv il. «(") vos no sentido de negar as condições que os opri-
Os atos de "de rebe ld ia declarada e aberta" mem", mas sobretudo o p rocesso de "acomoda-
SerialTI "como O vapo r qu e escapa ruidosamen- ç50" à escrav idão que se mobilizaria pela con-
te da maquina", " índi ce de pressão" no interi- qu ista por pa rte dos ca ti vos d o "reconhecimen-
or da sociedade escrav is ta. Conscientes desse to da s ua existên cia e lu gar na sociedade." I&!)
fato, os senhores adaptariam-se "social, políti- Desde esses anos, até hoje, com ma ior ou me--
Gl c militnrnlcntc à conv ivêncin" con1 os cat i- nor sucesso, centenas de his to riadores esforça-
vos, "busczmd o meios e med id as para atenuar ram-se pa ra segu ir as recomendações de Bar-
a combativ idade, o u desviar" sua "agressiv i- ros de Castro sobre a n ecessidade d e assentar a
dade", e nsejand o que "o regime social" tenha interpre tação d o devir d a sociedade escravista
cedid o aos cativos "transformando-se sob O im- na acomodação ao s istema escra vis ta e não nos
pacto de sua presença." (fi(,) ritmos e determinações da p rodução e da resis-
O a utor concl ui propondo investigações so- tência servil. Em 1989, Ed uardo Silva e João José.
bre fenômenos qu e não ter iam despertado Reis tenta riam uma s istem atizaçã o d essa visão
"g rand e atenção" na hi stor iografia brasi leira, em Negociações e conflitos: a resis tência negra
co mo os registrad os pela proposta do "Tratado no Bras il escravista. (70)

A brecha cam ponesa

E m J983, Jacob Corend er apresentou res pos


ta sistcmát icZl aos principJi s "Questio n a-
mentos sobre a teo ria cconôm.iGl do cscrav islllo
Eisen be rg, Ma nu e l Co rre ia d e Andra de, en-
tre outros es pec iali s ta d o te m a. (71)
Esse tex to ensejaria debate his to ri ográfico,
colonial", em artigo publi cado na Revista Estlldos articulado em torno d a "brecha camponesa"
Econômicos, do IPEA da USP que, dev id o ao seu caráter p a ra djgrnático, será
Ma is um a vez, ab ria o doss icr dedicadu in - ana lisado em fo rma m ais s is te m á tica.
tei ra me nte à esc rav idão, qu e con to u co m a Na pa rte três do en saio - " Escravismo colo-
p rese n ça de Fla m a ri on Cardoso, Pe te r nial e economia camponesa" - , Corender abor-

64 - Id.ib .. p. 94.
65 - Id.ib. p. 105.
66 - Id.ib. p. 98.
67 - Cf. SCHWARTZ, Stuart 8. Resistence and accomodation in eighteenth-century 8r81l1: lhe s/aves' view af sfarevy. The Hispanica American Historica}
Review, Duke Univers ity Press, 57(1); fe v. 1977;
68 - Cf. CARDOSO, Ciro F. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis : Vozes, 1979. ca po4.
69 - Id.ib. p.IOO
70 - Cf. SI LVA, Eduardo & REIS, João. Negoc;ações e conflitos; 8 resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das l etras , 1989.
71 - GOA ENDER. Questionamentos I... J. pp. 7·39 .

-
c

Ri ... tiiria & Luta de Classe~' . 93

da esse fenômeno na escravidão, apresentado genhos e os "moradores" e os "parceiros"- No


em forma ampla por Flamarion, em 1979, em século XVII, no caso das Antilhas, o mesmo de-
capítulo do livro Agricultura, escravidão e capita- via-se fazer com os "indentured servants" e
lismo. (72) "engagés", que obtinham nesgas de terras ao ter-
Em "A brecha camponesa no sistema escra- minarem os contratos, mesmo que a expansão
vis ta", Flamarion retornara a proposta de da plantagem corroesse essa economia campo-
Tadeusz Lepkowski da "economia independen- nesa. No ensaio, apenas se refere à agricultura
te de subsistência" dos quilombos agrícolas e dos quilombola, centrando a discussão no fenôme-
"pequenos lotes de terra concedidos em u sufru- no do "protocampesinato esc ravo", conceito
to, nas fa7.endas, aos escravos não-domésticos", proposto por Sidney Mintz, de quem se dissocia
corno "atividades que, nas colônias escravistas, no que se refere à di sso lução das categorias
escapavam ao sistema de plantation". "escravo" e "modo de produção escravista", já
Para o autor, no caso do Brasil, aos qui lom- que defende que o cativo poderia ser escravo e
bolas e cativos devia-se agregar os "lavradores campones, ao viver, em forma alternada, as duas
arrendatários das 'fazendas obrigadas'" dos en- "relações de produção".

Um só modelo

I nicialmente, Flamarion propõe sua visão ge-


ral do fenômeno: o domínio das re lações
escrav istas sobre as "atividades camponesas"
me econômico-social, se estabelece entre a classe
dominante e a classe exp lorada um acordo
contratual - lega l ou consuetudinário - que
servis; o objetivo escravista de "minirnizar o garante para a classe dominada, pe lo menos de
custo de manutenção e reprodução da força de fato, certos direitos cuja infração traz consigo O
trabalho" com a concessão; o recuo da agricul- perigo de alguma forma de rebeLi ão"- (74)
tura autônoma dos cativos nas "épocas de co- As decorrências da proposta de " brecha cam-
lheita e elaboração dos produtos"; a importân- ponesa" na escravidão americana eram claras.
cia "econômica e psicologicamente" para o "es- Propunha-se a exi stência de relações de produ -
cravo"; a compreensão do escravizador do ca- ção camponesas sistêmi cas, isto é, nccessórias
r á ter "revogável" da parce la, "destinada a li- e universais, no inter ior do escrav ismo coloni-
gar" o cativo "à fazenda e evitar a fuga". al, determinando, corroendo e dissolvendo esse
A pós reconhecer a existência" de um SÓ modelo modo de produ ção. A apresentação da documen-
de sistema escravista na América" e propor a abor- tação probatória das proposições avançadas ini-
dagem do fenômeno a partir do "conjunto dos cia-se pel o reconhecimento de que, no Bras il, "a
casos observados", mesmo reconhecendo que ele pou ca atenção prestada I... ! pelos historiadores
" não foi pesquisado igualmente a fundo em to- à 'brecha camponesa' pareceria indi car certo ce-
das as regiões escravistas", propõe que "a atri- ticismo relativo à sua importância" f")
buição aos escravos de parcelas de terra e de tem- Entretanto, apesa r dessa constatação objel·i-
po para cultivá-las" constituísse" característica va, o autor não retém a poss ibilidad e de a es-
universal do escravismo americano" e queo "aces- cassa Uatcnção" nascer de escassa importânci a
s o dos escravos aos meios de produção e ao tem- do fenôm eno ou de s uas deco rrên cias diretas e
po" te nha tendjdo "a transformar-se em um d i- indiretas no escravismo bras ileiro. Ao contrá-
rei to de fato e, em certos casos, fixados pela lei".(7J) rio, antepõe-se, s impl esmente, crença oti mista
Essa última proposta apoiava-se substanci- ao "ceticismo" gera l: "Acredit·amos que, ao de-
al m ente na concepção do caráter contratual do senvolver-se, o estud o [...1 reve lará o grande
Hes crav ismo" onde, u como em qualquer reg i- peso do que chamamos aqui a 'brecha campo-

7Z - CARDOSO, Ciro F: -A brecha camponesa no sistema escravista~. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis : Vales, 1979. pp. 133·54 .72 -
73 - I d.ib. p. 138.
74 - Id.ib. p. 137.
75 - Id.ib. p.13B.
r=

94. o ESCTUI'Ü'1II0 Colollial

nesa' 1... 1." (16) Confi ança desmentida pelos es- I últimas décadas que reafirmaram o caráter re-
tudos hi stori ográficos especiali zados das duas sidual e n ão estrutural do fenômen o no Brasi l.

Documentação sumária

sumária documentação probatória apre- versalid ade d o fenômeno e, paradoxalmente,


A sentada sobre o Bras il reduz-se a pouco
mai s do que referên cias a André João An toni l,
d esa utori z ando re lativam e nte seu caráter
s istêmi co: "1 ... 1em todas as colônias o u regiões
Jorge Benci, Luís dos Santos Vilhena e a es tu - escravista - embora em proporção variável -,
do de Stuart Schwartz, o mesmo ocorrendo para muitos d os escravos dispunham de lotes em
o s ul dos USA, onde se afi rma que "estava bem usufruto e d o tempo para cultivá-los [.. .]".(77)
assentado" o "hábito de conceder aos escravos Nas pá g in as fin ais do ensaio, Flamari on
lotes de terra em usufruto e o tempo pa ra ap resent a o timi s ta ava li ação d e corte
trabalhá-los" e que existiriam "algu ns indíci os im pressionista d a produtivid ade da produ ção
de que a posse sobre a parcela e a ga rantia do da agricultura autônoma servil, sobre a qual não
trabalho li vre eram direitos amp lamente reco- s e te nt a es timativa co n cre ta . Em "Saint-
nhecidos 1... 1" Domingue" IH aiti], "na horta próx ima" à "ca-
A abordagem do fen ômeno nas Cuianas fran - bana, plantavam árvo res frutiferas e legumes,
cesa e inglesa e nilS Antilhas, feita il partir de além de criar galinhas e ocasion almente tam-
informnção relativamente mai s rica, ass inala LI bém peru s, po rcos e cabras. Nos te rren os co-
existência de dois lotes se rvi s, um perto da ca- muns, plantavam bananas, milho, raizes (man-
bana, o ou tro em geral em terreno montanho- dioca, batata-doce, inhame, etc )."
so, mais afa stado. Regi s tra-se igualmente o A avaliação positiva é estendida também ao
movimento dos cativos, e m algumas regiões, seu caráte r e rentabilidade mercantil Propõe-
quando dil aboli ção da escravatura, pela com- se que na Jama ica "os escravos também culti -
pra-aluguei dos lotes servi s. Referências espar- vam, por sua conta, café, gengibre e alguns p ro-
sas são apresentadas para a Venez uela, Cuba, dutos m e n o res d e ex porta ção" qu e, na
Porto Rico, etc Venezuela, além de produtos d e s ubs is tência,
A partir da co mprovação da existência qua n- N
os ca tivos "preferi am plantar "cacau", consti-
to muito lacuna r e des igual desse fenômeno na tuin do verd ad e iras "pequenas fa zend as -
América escrav ista, conclui-se afirmando a un i- haciendillas - dentro da fazenda maio r " .(18)

Pequenos banqueiros

a "Gu iana Francesa", os cativos "monopo- Ih ante", propõe-se como "finalidade primordi-
N li zava m quase totalmente o mercado inter-
no de cassave (preparação da mandioca) e aves,
al" dessa produ ção "obter suplem entos de ali-
mentação e vestimenta de melhor qualidade (in-
tend o em seu poder grande parte da moeda que duindo jóias [sicl e sapatos), tabaco e bebidas". (111)
circulava na colônia". Na Jamaica, os cativos te- Uma rea lidade que se estende ao Brasil, ao
riam chegado a "possuir 20'Yo da moeda em cir- acei ta r-se sem retenção a propos ta d e Stuart
cu lação, e a legar, em seus testamentos infor- Schwartz de qu e os trabalhadores escravizados
mais, até duzentas libras esterlinas!". (19) Após do engenho de Santana "eram ca pazes d e pro-
reafirmar que "em todas as colônias a inserção duzir um excedente comerciali záve l" e "parti-
dos escravos nos circuitos mercantis era seme- cipar diretamente na economia d e mercad o [sicl

76 - Id.ib. p. 139.
77 - Id.ib. p. 145. Destacamos.
78 - I d.ib. p. 146.
79 - Id.ib. p. 148 .
80 - Id.ib. p. 14 7.

I
L--.J
• a

Ui .f (Úria & L/llt! de C 'a .HU - 95 I


e acumular capital [s icr'! Produção se r v il qu e corpo do texto: em geral, as parcelas" não chega-
even tualmente negaria a proposta histori o-g rá- vam a garantir a total idade" da subsistência ser-
fica da inexistê ncia de um verdadeiro "merca- vi l; muitas vezes prevalecia lia forma ex trema da
do interno" colonial apontando em direção do lógica" plantacionista; "nem todos os cati vos se
"desenvolvimento indu strial " !('!) bcncficiaran1 com O sistem a"; nenl todos os cati-
Na "conclusão", propõe-se retenção nas con- vos tinham energia ou d isposição para empregar
clusões sobre o fenômeno totalmente ausente no SlIas pOLlG1S horas de repouso nessa ati vidade.

Crítica metodológic a

I nicialme nte, em "Questi ona mentos sobre a


teo ria econ ô mi ca do escra vis mo co lonia l",
Jacob Gorender propõe que Flamarion aborde
intercâmbi o" com ele. Não introdu zindo "q ual-
quer al teração no modo de produ ção escravista
coloni al em si mesmo", os quilombos não eram,
aquela qu estão "sem recorrer às catego rias de conseqüen tement e, "a rgumento em fa vo r da su-
formação social e de modo de produção"_ Ou seja, pos ta ' brecha camponesa'." (1l1) Pa rI-anta, "as fo r-
que assimile modos d e produ ções diversos, do- m as camponesas n50" rep resentl.1ril.1 1n "brecha
minantes e dominad os, coex is tcntcs em uma alguma no modo de proelu ção escravi sta domi -
mesma formação socia l. Lembra que nas for- nante, sejZl pZltriarcZl I corn o coJoniZl I, 1I11U/ vez qlle
mações sociais escravistas da Antig uid ade e dos YlI70 fnziml/ /7I1r /c de SI/a estm tl/rn "(l'l)
Tem pos M o d e rnos, ao lado d o modo de pro- Ao contriÍri o, "o cul ti vo autônomo el c lot·es
dução escravista dom.inante, s ubs ist iram "va - de terra pel os esc ravos dentro do âmb ito da
riados tipos de atividad e camponesa", "depen- plantagem" co nstituía fenômeno da "es trutura
den tes o u não"_ do modo de produ ção esc ra vista co lon ia l" su-
Assina la que d efinira em O escravismo colo- jeito à necessári a nn6 li se. Sob re ess Zl rcnl idade,
nial a ex is tên cia de "modo de produção dos peque- Corender a firma : "Ca rd oso resume as refe rên-
nos cllltivado res não-escravistas", "secundário na cias da bibliog rafia secund6ria sobre o assunto
formação socia l escravi sta", "no qua l se agru- e conclui que sc tral"Ou de práti ca genc ml izZldZl
pava m os s itiantes minifundiári os, os posse i- nZlS d iversas regiões do csc ravi sm o amcri ca no",
ros e os agregados ou mo rado res". Esses traba- "com d iferença de amplitude para cada região".
lhadores ficariam excluíd os "de todo" na "con- Pa ra Co rendcr, esse "cu Il ivo de gêneros", "ati -
side ração da chamada ' brecha camponesa"'. 112 vidades de co letoras", "criação de pequen os ~111i ­
Qu anto aos " lavrado res, p ro pri etários ou a r- mais", etc, para au to-consumo" ou, eventual-
renda tári os, que se incumbi am de p lantar cana- mcntc, para a venda, tcri ZIITI sid o redu z idZ\s nos
de-açúcar p a ra fornecê-la a engenhos alheiros" USA, "po is as plantagens mantinham culti vos
"eram escravi stas, e até grand es escrav istas", próp ri os a fim dc ali mcntzlI·" os cativos, c "móJ i-
"organicamente integrad os no modo de produ - a r desenvo lv im ento" no C" ribe, onde se reg is-
ção escravis ta co loniaJ" . traria "apreci6vel parti cipação cOll1 cr}:i al dos
Q u anto aos quilombos, ass inala qu e se s itua- próprios esc ravos com a venda ele seu s prod u-
vam "fora" d o âmbito do escrav ismo coloni al, tos e um g rau de estabilid ade no usufruto dos
apesar deeventu almente manterem "vínculos de lotes, qu e pe rm iti a mesmo IegiÍ-los".

Deb at e ant igo


orende r lembra que ao con trá ri o d o pro- res e sociólogos aborda ralll, conquanto, elll cer-
G p osto por Flamarion, vári os "histo ri ad o- tos casos, apenas de passagem" " questão. As-

81 - Id.ib. p. 148.
81-
83-l d.ib. p. 19 .
84 - Id.ib. p. 18.


f
o E SC fllVÜlt/O Colonial

sinala qu e tratara igualmente em O escravismo Em 1996, João José Reis confirmaria a propos-
colonial o fenômeno, a partir de uma dezena de ta de Gorender. Para O conhecid o historiador
fontes p ri márias e quase o mesmo número de baiano, "no Brasil o sistema [brasileiro] aparente-
estudi osos. Em 1978, naq uela obra, refutara am- mente não foi assim tão difundido [.. -l". Nos
plam ente a tendência a uni versali zar e a supe- engenhos açucareiros, após o grande "boom" do
restim ar a produtividad e das roças servis e, so- produto, escr avi s tas teriam passado a alimen-
bre tud o, a p roposta de Passos Gu imarães, dos tar os trabalhadores. Reis lembra: "Um estu-
anos '1960, em QlIatro séclIlos de latiflíndio, do tra- do recente de B. Ba rickman conclui que, en-
balh ador escrav izado se r em parte esc ravo e em tre 1780 e 1860, nos engenhos a alimentação
parte servo-camponês, devid o ao contro le de esc ra va fi cava principalmen te por conta do
glebas servis. Aquele autor defendera também senhor." (87)
a extensão da concessão de terras ao cati vo. (8.") A prática da plantação de gêneros alimentí-
Gorender resenh a a seguir a visão apresenta- cios ou, até mesmo, comerciáveis, em peque-
da em O escravisrno colonial sobre a questão. A nas parcelas, nos " d omingos e dias santos de
prática teria sido transportada pel os portugue- guarda", teria sido maior nas plantagens de al-
ses da ilha de São Tomé, nas costas da África, no godão e café, possivelmente devido a m enores
século XV, para o Brasil, sendo aplicado em for- ex igências do "processo produtivo" nessas ex-
ma "extremamente irregular na área da produ- pl orações, em relação ao açúcar. Sobretudo na
ção açucareira"- Engenhos não concediam lotes cafeicultora, lembra estar documentado "a ali-
e outros avançavam no tempo livre dos cati vos mentação" servil, "no fundamental, pelas pl an-
durante a safra, "quando as jorn adas de traba- tações e criações dos próprios fazend eiros",
lh o podi am prolongar-se até dezoito horas e os contribuindo a exploração dominical de lotes
di as de desGlJlso eram muito espaçados". (86) com "recursos acessórios" aOs cativos.

Direito ao descanso

C obre a origem última da práti ca, COl'ender mo entre o trabalho para o senhor, na reserva
Uaceita que pode ter sid o ini ciati va dos cati - senhorial, e do servo para si, na g leba que de-
vos, m as ass in ala qu e s ua introd ução cons tituiu tinha. "A concessão de um lote ao escravo não
um retrocesso em relação à conqu ista d a "dis- passou de uma forma variante, i nessencial e con-
pensa do trabalho nos dias feri ados, dura nte o dicional, do segmento de economia natural, po-
escrav ism o anti go", "favo rilvcl (l O senh or, uma dend o inex istir ou ocupando a pe nas uma par-
vez qu e obri gava o escravo j] trnbzt1har mesmo te desse segmento." (89)
no d ia co nsagrado ao descanso a fim de s uprir Mesmo acei tando que os cativos esforçavam-
uma parte do p roduto necessá ri o à auto-sub- se para ampliar o "espaço de autonomia que o
sistência", elevand o o "gra u de ex ploração do usufruto do pequ e no lote lh es co ncedi a",
traba lh o escravo".(") Go render ressa lva o grau elevado de exploração
Fenô meno qu e determ inava o entrosamento do cati vo na produção de açúcar, na América
o rgânico dessa práti ca "na estrutura do modo escravista, com jo rnadas infe rna is d e trabalho
de prod ução escravista co loni al, não se trata n- que ensejavam uma "extrema estreiteza e a pre-
do de d o is sistem as, porém de um ún ico". Uma cariedade do culti vo autônomo d o escravo". (?J)
integração seme lhan te a ex istente no feudali s- Lembra que o direito à formação d e pecúl io I
85 - GORENOER. o escravismo colonial. 4u ed. São Paulo : Ática, 1985 . p. 263 .
86 - Id. ~Q ue s t ioname nto s ].. .] .~. p. 20. REIS. João José. -Escravos e coitei ros no quilombo do Oitizeiro : Bahia, 1806-, In REI S & GOMES. 10rgl . Liberdade
por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das l etras, 1996 . p. 336 .
I
87 - REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro: Bahia, 1806. In REI S & GOMES. ]Org l. liberdade por um tio: história dos quilombos no
Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1996. p.336 .
aa - Id.ib. p. 11.
a9 - Id.ib. p. 24.
90 -Id.ib. 23.

--
a

lIistária & Lula de Cla Hes . 97

pelo trabalhador escravizado, comum na Anti- ameri ca no "d ev ia preva lece r, em proporção
guidade européia, fora tardio e limitado no esmagadora, a massa de escravos agríco las con-
escravismo brasileiro. Rejeitando as visões gen- denada à impiedosa ex ploração e sem outra
tis da escravidão, assinala que no escravismo perspectiva que não a morte na escravidão" . (9I)

Ouinta edição

C omo assinalado, em 1985, nove anos após


ter concluído a redação de s ua tese, Jacob
Gorender revisou e ampl iou, "em cerca de dez
ência, " nos últimos vi ntcs anos", "das co rren-
tes his tori ográfi cas estad unid enses no Brasil ",
co m destaq ue para a inte rpreta ção d o neo-
po r cento", o texto original quando da quarta p ratiarca lismo representada pelo "ex-marxis-
edição de O escravismo colonial, que se tornaria ta" Eu gene Genovese que, ins pirando-se em
sua segunda e definitiva versão. Em depoimen- "Gi lbe rto Freyre", aprese ntava "os escra vos
to a José Tadeu Arantes, que o entrevistara, em amcri czmos co m o a cl asse trabalhadorn mel ho r
1978, para o semanário Movimento, após o lan- tratada d o mund o, d o ponto de vista mate ri al,
çamento d e O escravismo colonial, assinalou que e m s ua é poca". Sobretudo e m Sobrados c
a revisão reafirmava a Uestrutura u c as "teses" 11Il1 cmnbos : deca d ên c ia do pntriarcwdo rur,1I e
essenciais da obra através de "fundamentação desenvolviment o urbano, publi cado têm ] 936,
ma is profunda, mais fl ex íve l e mai s ricas d e Frey re empree nd e ve rdade i ra a po log ia da s
várias" de suas "teses". (92) condi ções de v id a dos traba lhad ores escr;w i-
No "Prefácio à quarta edição", enfati za igual- zados do No rd es te, tran s fo rm and o a Aboli ção
mente que as "modificações introdu zidas" man- em ve rd adeiro drama soci al para os traba lh a-
tinham e reforçavam "em conjunto todas e cada d ores escrav izad os. (1)4 )
uma das teses da primeira edição". Os temas Nesse cenário hi stori og ráfico n a c i o n ~ l ond e
am pliados foram "trabalho escravo e alto cus- dominava a "rev ivescêncin da in fluência de Gil -
to d e vigilância", "plantagem escravis ta e pro- berto Freyre", sobretud o a t r~vés d ~ hi s to ri o-
g resso técni co" , "características d o tráfi co g rafia estaduni dense, propunha que n50 "seria
afri cano" "escravismo patriarcal c antigo", "a lei de estranhar que chegássemos ao cen tenó ri o da
da p o pulação escrava", "a a lforri a", o "tratamen- Abolição" "com um a rmb ilit~ ção também do
to dos escravos", "lavradores e evolução da ren- escravismo brasileiro". Tese que serin desenvol-
da da te rra", "a escravidão em Minas Gerais", vida, em forma sistemática, em 1990, em A escra-
"escravidão e industrialização", "os pequenos vidão reabilitada, que teve influência mmcn nte na
escravistas", a "escravidão no setor ca feeiro". (9 3 ) inte rv e nção de Go re nd er n a d isc u ss ão do
Na entrevista, Gorender refe riu -se à influ - escrav ismo, como veremos o po rtun amente.

A brecha camponesa
m 1987, Escravo ou camponês? O proto - No li vro, descreveu a crítica co mo eivélda de
E ca mpes inato neg ro na s Américas, C iro
Flamarion Cardoso retomou O debate sobre a
"erros" hi s to ri og rá fi co e produto de "vi são
mono lítica" e "c1assificató ri a" d a hi stória, ";) m iJ-
pro posta de brecha camponesa, em resposta ex- neira dos velhos manuais do marx ismo". Como
tremamente ácida à refu tação de Gorender, de assinalado, Gorender traduzira manua is d ~ Aca-
quatro anos antes, em "Questionamentos sobre demia de Ciência da URSS nos anos 1960. rX,)
a teo ria econõmica do escrav ismo colonial".{"') Escrito por um dos primeiros e mais bril han-

91 - Id.ib. p. 224, 26.


92 _ AR ANTES, José Tadeu. ~ O esc ravismo colonial revisado· [Entrevista a Jacob Go rende r.llE1A, dezembro de 1985. p. 22 -3.
93 _ GO RENDER. Jacob. ·Prefácio à quarta edição·. O escravismo colonial. 5a ed. ver. e ampliada. Ob .cit. p. IX - X.
94 _ FREYRE, Gilberto . Sobrados e mucambos: decadência do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Ed ito ra Nacional, 1936. 405 pp.
95 _ GORENDER , Jacob. -Questionamento [... 1: · :
96 _ Cf. CARDOSO, C. F. Escravo ou camponês? Ob.cil. p. 111.; 97 - ld .ib. pp. 97, 109. ; 98 - Id.ib. p. 63 ; 99 - Id.ib., p. 64.; 100 - Id.i b. p. 65

9X . o E.\·crll~i.HIIO C%" ial

tes defensores da categoria escravislllo colonial, a mente frutas ." 98 Sobre a Virg ini a: "Muitos [... ]
resposta de Flamarion obteve grande repercus- ev itavam tal traba lho extra e viviam só d as ra-
são acadêmica. O breve ensaio Escravo 0 11 calll - ções. Estas eram tão abundantes que os negros
pOllês?d iv ide-seem três partes. Na primeira, de- negociavam com partes delas, comprando aos
senvolve-se proposta de apresentação, explica- domingos, a brancos pobres da red ondeza, uis-
ção e correção de sua leitura sobre o escravismo que que consumiam às escondidas [.. .]."(99)
americano. Nas duas seguintes, empreende-se A situação no sul algodoeiro seria a mesma:
defesa geral da propos ta da brecha camponesa 'l .. ] também lá os negros e ram bem alimenta-
co mo fenômeno "estrutu ral", de orientação mer- dos, além de possuírem parcelas, galinhas e chi-
cantil, no Brasil e na América escrav is tas. (97) queiros, cujas produ ções vendiam (comprand o,
Para tal, apresentam-se incidências da "bre- entre outras coisas, farinha de tri go), além de
d la camponesa" no sul dos USA, no Ca ribe bri- venderam o produto da caça." (100)
tâni co, fran cês e es panhol, ap oiado sobretud o No mesmo sentido, supervaloriza-se a pro-
enl relato de viajantes, tratadi sta s co loniais c tra- dutividade e a o rientação mercantil da "econo-
balhos hi storiográficos isolados, o que faci lita a mia autônoma" d os trabalhadores escravizados,
descrição de paisagens otimistas sobre aquele fe- sem apoio d e d ocumentação conclus iva: "O
nômeno e as condiçôes de existência servil. produ zido nas parcelas (às vezes incluindo al-
No relativo à Carolina do Norte, o autor es- godão), criand o animais e em atividade extra-
creve: "A lém do que produ zissem em suas par- tivis ta, era, normalmente, vend id o: com O di-
celas, os eSCravos recebiam abundantes rações nheiro obtid o, os escravos compravam roupas,
de a limentos, provenientes da prod ução da pró- fumo tecidos e outros objetivos (jó ias [s ic], brin-
pria plantation pertencentes a Pettigrez: peixe, quedos para as cri anças, anzóis, utens ílios de
ca rne, arroz, milho, farinha de trigo, eventual - cozinha, etc.)." (101)

Lotes minúsculos

C enário que contradita com o reconhecimen-


to de que os lotes eventua lmente concedi-
dos aos cativos eram 1l1inúscul os - "não eram
libras esterlinas!" e reafirma-se qu e "graças às
suas atividades comerciais, [...] cI1egaram a p os-
suir 20% da moeda em circulação". Afirma-se
g randes" -, possuindo, habitualm e nte, no que" os negros exerciam, em Saint-Domingue,
Ca ribe fran cês dois ares per capita. Ou seja, qua- um grau cons iderável de poder econômico". (103)
renta metros quadrad os l No Car ibe britâni co, A sugestão de a ltíssima produtividad e des-
o te rreninho podia ser de 25 a 30 pés quadra- sas parcelas é rei tera da e m afirmações como:
dos: uns oitenta metros quadrados l ( 102) "Num caso, um hecta re e meio de te rra, culti-
A limitZlda ex tensão de tcrri:.1, os rú sti cos ins- vado por três homens e três mulhe res, rendia,
trumentos de trabalho e o pouco tempo livre que em média, vi nte francos por di a! O ganh o mé-
gOZi:lVam os cativos delimita vam materia lmen- d ia anual que se podia es perar de um lo te indi-
te a produ ção possível dessas g lebas. O que viduai era estimado va riavelmente entre 200 e
recomenda retenção no qu e se refere a genera- 800 fra ncos." (lU')
li zações de casos exempl ares de cativos, para A apresentação otimista da p rod ução possível
qu e não di storçam a descri ção essencial do fe- dos micro-lotes, nas escassas ho ras de trabalho
nômeno em discussão. En tretanto, o auto r não pennitidas, com meios de traba lho precár ios é
o pta pela retenção, em s ua inte rpretação. viabilizada comumente por descrições impressio-
Em Escravo 0 11 call/ponês?, citam-se traba lha- nistas prod uzid as com a aglutinação de ativida-
dores escrav izados que lega ram "a té duzentas des de diversas micro-glebas, através do uso de

101 - ld.ib. p. 66 .
102 - Id.ib. p. 69.
103 - Id.i b. p. 75,81.
104 - Id.ib. p. 84.
- a

II Ú/âr; a & I.II/a d e C/il HU - 99

vírgula substituta da preposição aditiva "e", ali Paradoxalmente, após as longas a presenta-
o nde devia de rigor usar-se a conjunção alternati- ções otimistas, lembra-se qu e "Tomich chama a
va "ou". "Os cativos pl antavam em seus lotes atenção, sensatamente, para o peri go do exage-
mandioca, bananas, batatas, inhames, legumes ro: eram poucos os escravos realmente prós pe-
d iversos, árvores frutiferas. Criavam galinha, co- ros; hav ia muitos v ivend o na penúria mais ex-
elhos, porcos, ovelhas, às vezes mesmo vacas e trenla; existiam, ainda, aqueles que recusavam
ca valos I.. ,), Também praticavam O artesanato, a continuar trabalh and o nas horas e di as livres,
cortavam madeira e fabricavam carvão, coletan- ou não agüentand o fa zê- Io, pre fe rind o receber
do forragem para vender, pescavam, etc" (I "') rações dos senhores." (1IJ6)

Sem avançar

A ré plica de Flamarion limita-se a reafir-


mação e radicalização d o proposto, sem
re futação dos questionamentos metodo lógicos
ce las rea li za d a pa ra os Es tad os Unidos e o
C aribe . Po ré m, co mo ass inalad o, a ce ita-se
acriticamente a pro pos ta de Schwartz de qu e
a presen tados por Gorende r. Não há também os cativos do engenho de Santana "eram ca pa-
amp li ação sistemática do m a teria l empíri co zes de produ zir um excedente comercializável"
apresen tado. Boa parte da documentação na e "participar diretamente na economi ca de mer-
q ual se apoiara fora já utilizada e ci tad a po r cado Isicl e acumu la r ca pital Is icl'"
Jacob Gorender em Escravismo colonial. Proposta qu e não co mpreend e a economia
No relativo ao Brasil, os poucos casos reg is- servil co mo mi serável po upança mon cl"á ri a,
trados de concessão de n esgas de terras refe- capaz, no melhor dos casos, de, após décadas,
rem-se sobretud o à econo mi a açu carcira e à vi abili zar a alforr ia de um produtor enve lheci-
p roprie dades rurais de ordens reli giosas. do, como registra ad nall sean a documentação,
Mais comumente, eles reafi rOlam o caráte r mas sugere, ao co ntrári o, uma din âmi ca eco-
aleató ri o e não sistêmi co da prática. Em 1700, nomia qu e ensejaria verd adeiro " mercado in -
Jo rge Benci registra que "alguns senhores" da- terno" e apontaria, qu em sabe, em direç50 d o
va m "u m dia" aos cativos para produ z irem "desenvolvimento indu stri a l", através d a p ro-
mantime ntos. Em 1711, Antoni l afirmava tam- dução de "capital", como já ass in <:l lado! (JIlK)
b é m que" alguns senhores" cos tumavam con- Em alguns casos, ao contrári o do de fendi -
ceder "um dia em cada semana pa ra plantarem d o/ a documentação aprcscntLld <J ilpo nta pLlra íJ
pa ra s i". No final do sécu lo 18, Vi lhena reafir- práti ca extrao rdiná ri a daquel e hábi to . Como é
ma o caráter não orgânico da práti ca e, em me- O caso do es tud o d a escrav id50 em Go i6s, em
ados do sécul o seguinte, em Vassou ras, fa zen- qu e Eurípi des Funes encontrou registro docu-
de iros "re comendavam " a s u a ad oção como mentai de roças de cativos em menos d e dez
fo rma de diminuir a res istênci a servil. ( 107) po r cento das pro priedades regis tradas ' O u seja:
No relativo ao Bras il, não se empreend e a mai s de noventa po r cento pod eriam n50 co-
s uper-es timação da produtivid ade dessas pa r- nhecer esse fenõmeno. ( I ~J)

Generalização do singular

Dortanto, baseado em docume ntação Incun ar pro põe-se qu e o fenôme no teri a se co nve rtid o
...- qu e não raro in firma o proposto, sem di s- "cm costum e cadil vez m aj s íJ rra igado e difun-
cuti r as refutações metodológ icas apresentadas, d id o", "indispensável " ao escrav is mo bras il ei-

105 - Id .lb. p. 83 ldestacamos l.


106 - Id.ib. p. 84 .
107 - CARDOSO. Escravo I...). Ob.cit. p.
108 - (d.ib. p. 109.
109 - (d.ib . p. IOZ.
p

100 - o Escravismo C%nial

ro_ Em inversão arbitrária da realidade objeti- de terras e a consolid ação do controle servil
va, afirma-se terem s ido "casos individuais" e sobre ela cresceu - e não diminuiu -, por que
"conjunturas variáveis" aqueles nos quais "cer- n ão se co nhece u no Brasil mobilização
tos senhores puderam preferir e impor O s iste- multitudinária po r seu controle, no contexto
ma de rações"! (110) da luta abo li cion is ta, como em regiões d a
Flamarion e, salvo engano, nenhum autor que América escravista onde o fenôm e no assumiu
defendeu na época a alta produtividade, o cará- importância?
ter mercantil e a generalização da brecha campo- Ou seja. Por que os cativos abandonaram as
nesa no Bras il tentou responder sistematicamen- fazendas em que viviam, com tanta facilidade,
te as questões incontornáve is d ecorrentes da procurando comumente a libe rdade nas cida-
proposição. Entre elas, por que os escravi zadorcs des ou relações assalariadas em outras propri-
não distribuíram as terras entre os trabalhado- edades, não empreendendo res is tê ncia aberta
res escravizados e limitaram-se à cobrança de ou velada pelo controle das hortas que, segun-
renda, repetindo nas Américas a trans ição do do se propõe, ex pl orariam maciçamente, com
escravismo ao feudali smo, através do colonato, tanta felicidade? (1 11)
já que era tão elevada a produção desses "peda- Nos últimos quinze anos, as investi gações
ci nhos de terra" explorados com instrumentos sobre o escravismo colonial no Brasil te rmina-
rústicos e escasso gasto de tempo? ram solucionando pela negativa as questões em
Transição que seria também aconselhada re- discussão. Hoje, não há mais dúvidas sobre o
forçada pelo fato d e que essas prMi cas contri - caráter não sistêmico da concessão d e hortas
bu iriam para a paz na senzala, redu ziriam os aos cativos, o Limite da produtividade d essa p ro-
gastos marginais de segurança, poriam fim à dução e sua orientação dominante p ara a satis-
hemorragia de recursos ex igida pela renova- fação das necessidades de subsistência dos pro-
ção das esc ravarias di z imadas na produção, dutores . Em ge ra l, com o propuse ra Jacob
através d o tráfico. Como se sabe, o camponês, Gorender, em 1978, em O escravismo colonial: " No
co m alguma terra e autonomia, pare filho s regime escravista, a economia pró pria d o escra-
co mo coelh os! Finalmente, se, nas últimas dé- vo nunca representou peça indis pensável, sem-
cadas da escrav idão, a concessão de parcelas pre foi acessória e condicional." (112)

Ninguém é inocente

e mo su gere o título, A escravidão reabilita


a, de 1990, constituiu duríssima resposta
às críti cas contra a interpretação escrav ista co-
entre senhores e escravos [... 1 muito mais p os-
sível e viável, vem a ser a conciliação entre ca-
pitalista e assalariados." (1 13)
lonia l do passado brasileiro que alcançavam en- Como já assinalado, quando d a edição de A
tão verdadeiro apogeu, caracterizadas expli ci- escravidão reabilitada, em 1990, vivíamos a ápice
tamente como "reabilitação" da escravidão e re- da vitória histórica da contra- re vo lu ção mun-
finamento das teses patria rcalis tas de Gilberto dial, da dissolução da URSS e dos estad os o pe-
Freyre. Partindo do princípio que o "trabalho rári os degenerados d o l.es te euro pe u e d a vaga
histo riográfico nun ca é inocente", o autor apon- neoli beral que varreria conquistas hi stó ri cas do
tou as raízes ideológico-socia is profundas das mundo do trabalho em todo o mundo, através
obras qu e analisa, caracteriza ndo o forte viés de avassalador mov imento d e privatizações,
social-democrata do revis ionismo historio-grá- destruição de conquistas sociais, dissolu ção de
fico sobre a escravidão então em curso: "1... 1se partidos e organizações operárias, etc. Ou seja,
foi poss ível e viável a conciliação de classes processava-se já o dramáti co re trocesso do

110 - ld.ib. p. ll0.


111 - Cf. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura fiO Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira; Brasília, INl, 1975.
112 - GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4~ ed. rev. e amplo São Paulo: Ática, 1985. p. 258-9; 254-64; 2363 .
113 - Cf. GORENOER. Jacob. A escravidão reabilitada. Ob.cit. p. 43.

«
lIi lõ 16ria & l.ula de C[au o · IIH

mundo do trabalho diante das forças do capi- sobre o mund o social, em geral, e sobre a es-
tal, no qual vivemos até hoje. cravidão, e m parti cul ar. ( 114)

A crítica de A escravidão reabilitada, apresen- A "resenha" de Sidney Chalhoub A escravi-


tada sem nuanças formai s em momento em que dão reabilitada é exemplo pa rad igmáti co desse
se aprofundava abismalmente o dominio das movimento. O autor procura dep"rar o debate
fo rças sociais nacionais e internacionais que sobre o escravismo de qualqu er sentid o polí ti-
apoiavam as tendências irracionalistas nas ci- co e id eo lógico, tornand o-o mero tema acadê-
ências sociais, ensejou a formação de ampla e mi co, despido de transcend ência e pi s temoló-
sólida frente de oposição acadêmica contra o gica e social. Nesse sentid o, registra não co m-
auto r e sua interpretação, num momento em preender "o porquê" da "histori a d a escrav i-
que se vivia refluxo quantitativo e qualitativo dão" ser para Gorender "uma questão e impor-
das pesquisas historiográficas nacionais sobre tância tão transcendental" .

Complô escravista

N a resenha, Gorende r é acusado da mesma


"monomania classificató ria" do "médico
alienista, de Machado de Assis "que com suas
seja, além de maluco, seria negreiro!
No longo e árido contex to social caracte ri-
zado pelas propostas de fim da história, encerra-
expe riências científi cas lançou o terror entre os ram -se prati ca me nte as d iscu ssõe s so bre a
habitantes da vila de ltagual". Apenas no pre- multiplicid ade de modos de produ ção, já qu e a
sente caso, as vítimas seriam os "histori ado res própri a proposta de compreensão tendencial do
que se atreve ram a escre ver sobre a hi stóri a da passado foi anatcmati zada C01110, no nlín imo,
escravidão e da abolição", co ntra os quai s o visão ideológica de uma p rá tica h istoriogrMi ca
autor utilizaria o mesmo método "abrangente dirigida para campos mais gentis e menos ten-
e a te rrador" do alenista-alienado. sos, como a hi s tó ri a da v ida privada, d a cultu -
A escravidão reabilitada seria produto da mente ral, das menta lid ades, das festas, d os scntimen-
de um autor que se tomava po r "vítima de um tos, dos costumes, dos háb itos, do scxo com o
co mplô urdido na s hostes rev is ion is tas". desvio, etc., sobretud o das elites d o passado c
Gorender não teria autoridade cientifica e ética, do presente.
já que "nunca" teria feito "uma pesquisa históri- Na décad a seguin te, redu z ido a um mc ro
ca prolongada nos arquivos da escrav id ão bra- campo de estudo dos fcnõmcnos s ingu la res da
sileira - limito u-se, até hoje, a ler alguns docu- formação socia l bras ileira, desconcctad o de in-
mentos [s ic) impressos c livros de viajantes". tc rpretação totali zante dos fenõmenos cm dis-
Seguindo no mesmo sentid o, Go rend er é acusa- cussão, a histori ografia da escrav id 50 cl ecli co u-
do de fundamental "seus proced imento de críti - se sobremaneira i:l a niÍ li sc das propus tas d os
ca historiográfica no truque e na pilhagem." pa ct os e co n s e n s o s entrc cati vos c sc u s
Pra ticamente limitand o sua referência ao li - escravizadores e da defesa da exis tência s istc-
vro resenhad o ao "si c" pos pos to após o Wul o, máti ca da famíli a esc rav izada no Brasil, fJ S últi -
C halh oub concl ui o arrazoad o retomand o ~ crí- nlfJSestratégias de reconstit-ui ç50 d o consenso
tica d e Gorcnd e r d efender em O escravismo colo- cstrutural da escrav idão proposto pel os cscra-
nial a visão d o "escravo-co isa" - ureprescntd- vis tas, quando da escra vidã o, e pel os inte lec-
ção acadêmi ca segundo a qu a l os escravos só tu a is o rgâni cos d as e litcs bras il e iras, após a
conseguiam p ensar o mundo, c atuar sobre e le, Aboli ção.
a partir dos s ignifi cados socia is im postos pelos Nos anos novcnta, comumcnte, DS bibl iog ra-
senho res" -, d e ixando-se assim "sedu zir " "com- fia s de dissc rtações e teses sobrc a esc rav idão
pletam ente p ela lógi ca dos escravocratas". Ou brasil ei ra não mais arrolaram O escravislIl o co lo-

114 _ Cf. CHAlHOUB, S. Gorender põe etiquetas nos historiadores. Jornal Folha de Sao Pa ulo, 24 novo 1990.; GOREN OER, J. Co mo era bom se r escravo no
Bras il. Folha de São Paulo. (réplica), 15/ 12/90; lAAA , S. Gorender esc raviza a Histó ria. Folha de São Paulo (tréplica). Ca derno letras, jan. 199 1.
t
102. o Escrall;slII o C%lljal

nial, numa prepotente tentati va de comprova- mundo d as re presentações dominantes ocorri·


ção dn superação fina) da fratura oco rrid a no da no já dis tante ano de 1978. •

Algumas obras de .Jacob Goerender

GORENDER, Jacoh. "Corrent es soci - êne ias soc iais. São Paulo: Xamã, 2003 . na d e las Améri cas. Bogotárrerce r
ológicas no Bras il ", ESTUDOS SOCI- pp. 130· 149. Mundo/Flacso/Libri Mundi , 1992 ,
AIS , n. 3A. Rio de Janeiro. 1958. GO RENDER, Jacob. " A escravidão re-
GORENDER. " A qu estão Hegel", ES- O ut n ls ohr:ls não cit:ulas de Jaeob abil itada". LPM - Rev is ta de Hi stória.
TUDOS SOCIA IS, n. 8, I~io de Janei· Gorcnder: Se minári o ''Tendências co nt cmporfine-
ro. 1960. as da historiografia brasi le ira". UFOP,
GOR EN DER. "Contrad ições do desen- GOREN DER, Jacoh . "Notas sobre lima deze mbro, Minas Gerais , 1992, I (3).
vo l vime nto econômi co no Bra sil", questão de éti ca in telec tu al" . EST U- GORENDER, Jaco b. O fim dtl URSS:
PROBLEMAS DA PA Z E DO SOC IA· DOS ECONÔM ICOS. S"O Pau lo, IPE· origens e frae<lsso da pereslroika. SJo
LlSMO. n. 2. Riu de Janeiro. 1963. usr. 1984.2 ( 14) Paulo : Atua l. 1992.
GOREN DER. Jacob. O {'.w.:ravislllo 1: 0- GORENDER, Jacoh. " A parti ci pação GORENDE R , J acob. Marcill o e
IOl/ial. SJo Paulo: Aliea , 1978. do Brasil na 11 Gu erra Mundial e SU:1S Libc:rltu/ore: di<llogos sobre marxismo,
GORENDER. Ja cob. " Int rodução", co nseqiiências." SZM RECSANYI , T. socia l-democ ra cia e libera li s mo. São
MARX , Karl. J-'ora (I (: ,-ílico da l!l:O- & GRANZ IERA. R.B. [Org. ) Getúlio Paulo: Áti ca , 1992.
flOmia polít i ca; salário, pn'('o {' II/cm; \.ohr}:ll.\' e (l eC:OIwmitl contemporânell. GO RENDE R, Jacob. "Liberalismo c
O rel/dimcllIu e .\'U{u !ullles. São Paulo : Ca mpinas : UN ICAM P, 1986. ca pitali s mo re :1I ". NÓVOA , J orge ,
Abril Cul tural. 1982. pr. V II -XXI II. GOREN OER , Jacob. "A revol ução bur- lOrg. ] A hi.\·lór ia ti deriva: um bulanço
GORENDER "A prese nta ção", guesa c OS co m unis tas." O' INCAO, c.J e fim d e séc ulo . S'll vado r: UFBa,
MARX. Karl. O (;0l' il(1/: crítica da eco- M.A. [Org. 1 O .\'llber miliuJIlte: esaios 1993.
nomia polít ica. São Paulo: Abril Cul- sobre FloreSI,ln Fernandes. São Pau lo: GO RENDER , J<lcob. " O proletariado
tural. 19X3. pp. V II -LXX II. E<I.UNESP· PA Z e Terra. 1987. e sua mi ssfio hi s tórica". ALME IDA , J.
GORENDER, Jacob. Questionamentos GORENDER, J acoh . "Coe rção e & C ANCELLI . V. [Org. ] / 50 tinos de
sobre ~l teoria econômica do escrav is mo consendo na políti c a" ESTUDO S Manifes to Comunista . São Pa ulo :
colonial. ESTUDOS ECONÔM ICOS, AVANÇADOS . S"O Pau lo , IEA·USP, Xamã: SNFPPT. 1998. pp. 19·28.
Institulode Pesquisas Econômicas, IPE, 1988. 3 (2) GO REND E R, Jacob. M a rxümo sem
São Paulo, I3 rll , jan.-abri l 1983. GORENDER, Jacob. " A face escra va utop ia. São Paulo: Álica, 1999.
GORENDER. Jacoh. O escravismo co - da co rt e impe ri al bras il eira". Azevedo, GO RENDER , Jacob. IJrasil em p reto
IOllial. 4 cd . rev. e ampl. São Paulo: P. C. & LlSSOVSKY, M . [Org j. E.<cm · & branco: O passado escra v is ta que não
Ática , 1985 . 1'0.... bm.\·ileims: do século XIX na foto· passou. São Paulo: Ed iSE NAC, 2004.
GORENDER. A Imr}:lIt:sia brasileira. grafia de Chi sti,lIl o Jr. São Paul o: Ex fLi vre pensar, 4 j.
S:in Paulo: Brasi liensc, 1986. Libri s, 1988. pp. xxxi · xxxv i.
GORENOER. Gêllese (' dOt:flvot.J;- GORENDE R. Jacob. " Do pec:1do ori-
11/(' 1110 do capitalismo /lO campo bra.\'Í- gina i ao desastre de 1964." O' INCAO,
Ic:im. Porto Alegre: Mercado Abcrto, M.A. [Org.) H Ülúritl e ideal: e nsaios
19~7. sobre Ca io Prado Jlínior. São Paul o:
GORENOER, Jacob. " Introdução. O EdUNESP- Brasi liense. 1989.
nasc imcnto do mat eriali s mo hi sI6rico·'. GOREN DER , Jacoh. "Crise morta ou
MARX & ENGELS. A id('ologia ale- reeons tru çJo'!" T EOR IA & DEBATE.
mÜ. São Paulo: Martins Fontes. 1989. São Paulo, 1989. "8.
GORENOER. J'lcol1. A t:.Kmvit!iio re- GOREN DER . Jacob. "Teoria econômi -
(I!Jililm!a. São Paulo: Áticil. 1990. ca c po líti ca revol ll ciomíria no marxis-
GORENOER, Jacob. Com/mie lias Ire- mo ru sso" . BUK HAR IN. Ecoflmllitl.
\ltl.\'. 5 ed . ampliada e atua lizada. São São Paulo: Á ti ca, 1990. [Coord. FI.
Paulo: Ática, 199X. r ernandes. J
GORENDER , J . Como era hom se r cs- GOREN OER , Jacob. " rim uo milên io
cravo /lO Brasil. Folha dI: Silo Paulo. ou rim da hi stória". LPM - Rev ista de
(rép li ca). 15/ 12/90; Hi st6ria . Ana is do V II Encont ro Reg i-
GO RE NDER , Jaco b. "Globalização, o n:11 da ANPUH -Mo. Min as Gerais ,
tccnolog ia e rel ações de traba lho". ES- 199 1, I (2).
TUDOS AVANÇADOS.IEA·USP, S"O GOREN DER , Jacob. " La Améri ca por·
Pau lo , 11(29), janeiro-abril de 1997, tu g uesa y e l esc la v is mo co lo ni a l" .
I1p.3 11-36 1. BON ILLA , Hercacl io. [O rg .] Lo.\· COII -
BENO IT, Hecto el aI. Marxi s mo e ci- qllis/(ulos. 1492 y la poblac ión indíge-
=
is ú o',

Nos anos de 1990, a Arg entina começou a se r co nhec ida


no mundo por uma palavra diferente das corriquei ras
" tango" ou "Maradona". A palavra "piqueteros" , que deno-
mina os movimentos de trabalhadores dese mpregados,
atingiu uma identidade finalmente internac iona l quando em
19 e 20 d e dezembro de 2001 aconteceu o "Argentinazo", a
g rande rebelião que provocou a q ueda do presidente
Fe rnando d e la Rua e abriu uma crise do regime po líti co e
de suas instituições, principiando também uma nova etapa
po lítica no país.

Os movimentos piqueteiros
e o Argentinazo" U

Situação, problemas e debates de um movimento social do século XXI

Roberto Ramírez u cl es m om cntos, os o lhMcs d <l


A mé ri CLl Llltina e do
(Tradução de Adrián Pablo Fanjul) mund o inteiro volt<l -
rtJ m-sc pLl ra a A rgcnti -
ní:l. Ambos, o A rgenli -
n<lzo C os piq uel cros,
f o r<l m pro d ul os, po r
um a parte, de UIllZl ct)-
tástrofe econôm ico-soci<ll, e por o utra p<l ,t e, eb
res posta de mobili zação que der<lm os sctores
mai s gra vemente prcjudi C<ld os.
Embora, como expJj c<lrcmos, ambos rcfletcm
combinaçôes peculi ares d a formação eco nômi -
co-soci al da Argentina c d<ls tr<ldi çôes de org <l-
nização e de lu ta dos setores sociais envo lv id os,
também expressa ram e exprcssam situ açôes co-
Robe rto Rarnircz é editor da rev ista Socia lismo o Barbaric
muns da Améri ca Latina e dos países da peri fe-
( ww w.socia lismo-o-b •.ubarie.org) c militante do M ov imicnt o ria. Nessa margem hab ita 85% da hum anidad c.
ai Soc iali smo - Argentin a. Porém, n ão somente el a recebe apenas v intc po r
104 - Os I/Iovimentos piqllcteiro.\' e o "A rgclllitw!.O"

cento da rend a mundi al bruta, mas também essa polarização social e ao empobrecimento, fen ô-
mi serávcl fatia ainda tend e a diminuir [dados meno que se percebe nos próprios USA, essas
do World Bank, 20021· rebeliões e movimentos dizem muito res pe ito
É dev ido a esse contexto que tanto as rebeli- às perspectivas para o atual século. Nesse sen -
ões qu e in auguraram o século XX I (na Améri ca tido, são de alguma maneira um " laboratório"
Latina, sucess ivamente as, do Equador, da Ar- político e social, onde esforçados ensaios de
gentina e da Bolívia) quanto os diversos tipos "tentativa e erro" têm sido efetuados.
de m ov imentos sociai s eme rgentes, não devem Portanto, em relação ao Argentinazo e aos
ser cons iderados como fato s "excepcionais". piqueteiros, há de se levar em conta que são
Na verdade, sc no capitalismo globalizad o parte de uma história que ainda está sendo es-
con tinu am dominando as atu ais tendências à crita ... por vezes, com sangue.

"Bem-vindos à América latina"

té há pouco menos de duas décadas, a for- da de sessenta, quando estava no seu apogeu,
A m ação econômico-social da Argentina
apresentava uma peculiaridad e importante em
o hi storiador marxista Mildades Pena caracte-
rizava-a acertadamente como uma "pseudo-in-
compa ração à ma ioria dos países latino-ameri- dustrialização", frágil e profundamente dife ren-
canos: nunca houvera, nesse pais, wna grande te daquelas dos países centrais. [Pena, 19641
pe rcentagcm de população "excluída": "Duran- A ditadura militar instaurada em 1976 prin-
te décadas, a Argentina foi um a sociedade rela- cipia uma mudança que nos seus inícios seria
tivamente bcm integrada d o ponto de vista so- evolutiva, para finalmente, nos anos 1990, sob
cial. Em termos gerais, cssa integração aconte- a "democracia", sofrer um salto de qualidade,
ceu em um contexto de abundância de empre- provocando uma "explosão de pobreza" seme-
go, a tra vés dc um conjunto de institui ções que lhante à do resto do continente. [Katz, 20021
poss ibi li ta ram a incorporação de um amplo se- A indú stria por substituição de impo rtações
tor d e traba lhado res urbanos cm tcrmos dc di- foi sendo prog ressi vamente esmagada, estabc-
re itos sociai s, proteção socia l c es tabilidade no lecendo-se um "novo padrão" de acumu lação
trabalh o." [Sva mpa e Pe reyra, 2004 1 com "central idade do endividamento ex te rno"
Muitos a rgcntinos, espccia lmcnte da classe e uma concentração e centralização d o capita l
média po rtenha, ou seja, d a capital, região de em um redu zid o conjunto de "grupos cconô-
mai or riqu cza re lativa no pa ís, tinham sido ed u- micos". [Bas uald o, 2002; Inigo Ca rre ra, 2002,
cados sob a idé ia de qu c scu pa ís fosse uma Azpiazu, 20001 Tudo isso acabou gerand o lml
fi li al, embora um pou co mais pobre, da Euro- vcrdadei ro te rrcmoto socia l.
pa, e não uma ruin osa scmi co lônill latino-ame- Co mo afirmávamos em um trabalh o n osso
ri cana . Essa ideo logia condi z ia, no entanto, ZI já publi cado IR amírcz, 20011, prati camcntc des-
certos n íve is da rca lidadc. A indu striali zação dc antes da Scgunda Guerra Mundi a l, depois
por substitui ção dc impo rtaçõcs tinh a sid o, a té da crise dos anos de ]930, a Argentina não co-
] 976, is to é, até o começo da última ditadura nhecera um alto índi ce de d esemprcgo, ape-
militar fina li zada em 1982/3, "a ati vidade cen- sar de os traba lhadorcs empobrecercm a cada
traI e d in âmi ca da cconomi a" . IBasuald o, 20021 al1 0, a partir da década de setenta, COI11 cresci-
Esse prcd omíni o poss ibi litou a constitui ção de mento da ex pl oração e degrad ação do sa lá ri o e
um fo rtc proletariad o indu strial c também de das condi ções dc trabalho. Havia osc il ações,
UJ11a éUllpla "classe 1l1édia" de aparência "euro- mas o desemprego gerad o em cada conjuntura
péia", identificação cu ltu ra lment·c facilitada pela recess iva era de pois reabsorvido, cmbora um
sua origem nas migrações do vclh o continente. grand c seto r dc trabalhadores co meçassc a fi -
No entanto, essa indus tri a li zação, cujo ciclo, car exduído, rel egado ao trabalho autônomo .
com altos e baixos, tinha começado nos an os Na década de 90, tudo mudou . O processo
de ]930, carecia de alicerces sólid os. Já na déca- deixou de ser 'evolutivo' e, bru scamente, mi-

I
2

U h/líri o & l I/ta de C I({uc\' - 105

lh ões perderam o emprego, dessa vez sem es- esca la ai nd a mais anl pl il por afetar também os
peranças de recuperá-l o . As primeiras cifras "a utônomos" supos tamente "ativos", a ma io-
já antecipavam o desastre. Enquan to a econo- ria da sociedade afunda bru scam ente sob ní-
mia crescia quase nove po r cento ao ano, o de- veis de pobreza e indi gên cia nun ca antes co-
semprego também começava a aumenta r em nhecidos na Argentin a. Um estud o reali zado
ritmo acelerado, uma co isa que teria s ido m - pouco depois do Argentin azo, aponta que: "I n-
concebível em outras épocas.(I) cor poraram-se 3,4 milhões de novos pobres e
O desemprego foi alimen tad o por várias fon- ],5 milh ões de n ovos indige ntes à ma ss a
tes: pela falência da ant iga indús tria e de ou- preexistente de 14 mi lhões de pobres 1... 1 que
tras empresas, que não se ' adaptaram' à J~ber­ incluem 4,9 mi lhões de ind igentes (qu e n50
tura econ õ mica'; pelas pr ivatizações das empre- podem adquirir uma cesta bás ica d e alim entos).
sas públicas, com demissões em massa de seu A Argentina tem a metade de sua populaç50
pessoal; p e la ' reconversão' das indú stri as so- (37 milhões em 2000) afundada na po breza e
brevjventes, que re d uz iranl vagas; pel a ban ca r- está entre os 15 países com pior di s tribui ç50 da
rota d a maiorja das dlanladas "economias re- riqu eza do mun do I... ] A depressão acrescen-
gionais" em províncias d o interio r do país, etc. tou um milhão de novos desempregad os à me-
Assim, e m ou tubro de ] 991, a taxa de desem- don ha percerttagem de 40% dil popu lação de-
prego era de seis po r cento. No mesmo mês de sempregada ou subempregada. Desde a cri se
1994, ano e m qu e ho uve crescimento de oi to por de :1 930, n50 se viil uma ciltástrofe seme lh ant e
cento, ela tinha s ubid o para quase treze por em um país que n50 passo u po r g ucrríJ s ou CLl-
cento. Em maio de 95, chegava a 18,4%. Desde taclismos naturais." IEDI , 2002, I
aquele ano, depo is de ca ir alguns pontos, vo l- É nesse co ntexto que nascem e se desenvo l-
tou a s ubir com a depressão econõmica de 2001 . vem os mov imentos "pi queteros", e qu e em 19
A taxa de s ubemprego era igual ou ma ior. e 20 d e d ezemb ro de 200:1 es to u ra o
Devido ao desemprego e ao subemprego, em JlArgentinazo".

Várias rebeli ões em uma só


r
Como todo aco ntecimento d essas dimen-
E tema de um d ebate não concluíd o entre os
marx is tas argentin os a "defin ição" d o
Argentmazo. Por exemplo, na época, mu itos o
sões, o A rgenünJzo apresentLl UnlJ co mbin a-
ção desigual e peculi ar de causas, processos e
caracterizaram cO ln o uma "revo lu ção operária suje itos sociai s e políticos. A "exp losiío de mi -
e socialista". Do nosso ponto de vis tas, cremos sério " já descritLl, ogra vodLl pcl~ depress50 do
que precisamente o g rande p rob lema é que não economio, co mbin ou-se co m o inud im p lêncio
chego u a ser um processo desse ca ráter. do pró pri o Es tado, co m a ex prop ria ção das
Socialmente, a 1l1a ioria da classe trabalhadora pau panças da classe méd ia pelos bancos, por
empregada, como tal, não entrou em luta, à ex- decreto do próp ri o governo, e co m uma grave
ceção d e setores m in ori tários, mo lecularmente, "cri se de leg itimid ilde" do regime ..i emoc rMi -
na qualidade d e "v izinhos" e outros como ocu- co-burguês e de s uas institui ções - Poder Exe-
pantes de e mpresas fal idas que os pró pri os tra- cuti vo, Legi slativo, Judi cijrio e partidos po líti -
ba lhadores co locavam e m funcionamento. cos. Assim, O A rgentinozo combinou, simulto-
[Cruz Bernal, 2003 1 Por sua vez, po liticamente, ncamcnte uma "rebel ião dJ fomc", um<1 "rebc-
não houve u ma radica lização de se to res de li ão por trabalho", um a rebel ião de seto res mé-
massas em direção a pos turas socia listas. Cre- dios defraudados pelos bancos e, no co njunto,
mos que é mais pertinente definir os fatos como um a "rebel ião dem acrilti ca cantro II 'democrll-
uma rebelião que indicou O começo de um pro- ciil ' e contra o poder polít ico" ISáe nz e C ru z
cesso revo lucionário. Berna l 2002' 1.

1 _ SaNO indicação contrária, as cifras referidas ne ste artigo são do Instituto Nac ional de Estadística V Censos (IN DEC l, centro estatístico do Estado argentino.
106 - Os lIIovimcnlOJ p iqueteiros e o "Argenti1lazo"

Esta rebeli ão democrática das bases sociais do Argentinazo, os movimentos piqueteiros.


contra a democra cia" expressou-se na famosa
If
Houve um resultado já "clássico". A repressão,
palavra de ord em "qu e se vayan todos" (tod os em lu gar de amedrontar, foi estopim de gran-
fo ra l ). Ela resumiu, à vez, a abrangência e os des protestos e mobilizações. À beira do abis-
limites do Argentinazo. Era muito certa como mo, o "presidente interino" fez uma virad a
fó rmula de rejeição contra a "democracia para política: anunciou que adiantaria sua saída e
os ri cos", mas carecia de um a perspectiva que convocou eleições.
indicasse como transcendê-Ia, como passar para As urnas conseguiram aquilo que as balas
além dela. Isso implicava qu e, "para poder sus- não puderam. A chave desse sucesso está nos
tentar s uas ini ciais mo tiva ções democráticas limites que já apontamos como traço do pro-
sem qu e invo lu cionem ou sem que sejam traÍ- cesso em geral. Por parte da amp la vanguard a
da s, a rebe li ão popular d eve progredir para mobili zada no Argentinazo, majoritariamente
a lém delas, ir em um sentid o anticapitali sta e piqueteira, mas também de trabalhadores de
socialis ta [... 1. É avançar ou recuar ". [Sáenz e empresas ocupadas, assembléias de bairros, etc.,
C ru z Berna l, 2002'1· não chegou a haver, como expljca Yunes, "urna
E, ·efetivamente, O recu o aconteceu. Ao não alternativa própria para a crise global em um
"avan ça r", quer dizer, ao não entrarem na Juta terreno também global, de projeto de pais, quer
os setores ocupados da classe trabalhadora e tam- dizer, politico [.. .]. Se isso não começava a vin-
bém ao não ocorrer urna radicalização política gar, a pura negatividade do 'que se vayan to-
maci ça, m as apenas de sectores de vanguarda, dos' acabaria dissolvendo-se na esperança de
começou um processo de "lenta reabsorção de- 'que venha o menos ruim'. A política, sabe-se,
mocráti co-burguesa da crise". [Sáenz, 2004J sente horror do vazio". [Yunes, 2003)
A vi rada nessa direção aconteceu depoi s de Diga-se de passagem que essa modabdade de
uma outra data importante para a hi stória do desenvolvimento "em tesoura", entre a magnitu-
A rgen tinazo: a feroz repressão aos movimen- de das lutas sociais, e a limitação e fraqueza da
tos piqu eteiros, em 26 de junho de 2002, quan- representação e influência política das vanguar-
do da chacin a d a Ponte AveJlaneda, em Buenos das que lideram as mobilizações, vem sendo um
Aires. Os se is meses anteri ores tinham sid o con- problema comum dessas rebeljões do século XXI
turbados. O gove rn o "inte rin o" d e Duhalde, na América Latina. Não nos deteremos aqui na
que tomara posse em 10 de janeiro daquele ano, análise desse importante fenõmeno, mas aponta-
nomead o pelo Cong resso, de pois da queda de mos que ele é comum não apenas ao Argentinazo
três pres id entes em doze dias, pensou que re- e às rebeljões do Equador e da Bolívia, mas tam-
verte ria o processo rep rimind o o núcleo "d uro" bém aos movimentos e lutas de outros países.

I O
Os piqueteros antes e depois do Argentinazo

processo eleitora l combinado com um ci-


clo ascend ente da economi a depois da
depressão de 2000-2002 ab riu um períod o de
não foi fechada a etapa política aberta em J 9 e
20 de dezembro de 200J.
Essa continu idade da etapa se ex pressa de
cstabili zaç50 e de retorno ir "norma li dade" d o diversas maneiras, como caracteri za Sáenz: "[... 1
regime d emocráti co-burguês. IRamÍrez, 20031 ad mini stração de um mecanismo de co nquis-
Co mo ap ontara Sáenz, Ll "c ri se il guda" tinh<l tas, concessões e armadi lhas sobre setores am-
s id o ence rrada . ISáenz, 2004 1 No entanto, isso pl os das massas e da vanguarda (na mai o ria d os
n50 signifi co u lima vo lta à década de noventa, casos, miga lhas). Esse é um fenômeno tre men-
nem no qu e tan ge à s itu ação geral, nem quanto damente contraditório que expressa a pressão
às relações socia is de fo rça. Não estamos já no das massas sobre o governo e sobre a burg ue-
pe ríodo "convulsivo", de cri se e mobili zações s ia. E, ao mesmo tempo, sua utilização por par-
quase qu e diár ias dos primeiros seis meses do te do governo como ins trumentos de domíni o
Argentinazo. Mas, em um sentido mai s amp lo, e de domesti cação." [Sáenz, 20041

II Ü·tlÍr;a & 1. 1110 (l I! C/a uer . 107

Diferentemente disso, a década de 90 não foi piqu etes e insurreições do interi or, resultado de
um tempo de "concessões" en ganosas, muito uma no va ex periê ncia SOCill l conlunitária vin-
p elo contrário, de esmagamento direto dos se- culada ao co lapso das economias regionais e à
tores da classe trabalhadora que tentaram en- pri vati zação das empresas públicas rea li zad a na
frentar as privatizações e os planos neo ljberais. década de 90; por outra parte, remete à ação
É que existe um importante elemento de con- territori al e organi za ti va ori gin ada na Grande
tinllidade do Argentinazo que, segundo pa la- Buenos Aires e relacionad a às lentas e profun -
vras de Kirchner, faz com que a Argentina ain - d as trans formações do mund o popu lar, produ-
d a não seja um pills "normal". É a ex istência de to de um processo de des industriali zação e de
uma vanguarda ampla, que, em s ua grand e empobrecimento crescente da sociedade argen-
m a ioria, está organizada nos diversos mo vi - tin a que começou na décad a de 70."
m entos piqueteros, mas que agora também tem Os mesmos autores prosseg uem a a presen-
ex pre ssão crescente em setores de trabalhad o- tação do fenômeno: "A primeira dessas fontes
res empregados. Há estimação d e ex istirem, no nos co loca na pers pecti va d a ruptura, tanto
país, mais de cem mil ativistas, espa lhados em quanto a segunda tend e a marca r a pers pectiva
uma diversidade de agrupações. da continu idad e. Em ri go r, poderíamos dizer
O que a burgu es ia e a mídia ex igem pe r- que o movimento piquete iro nasce a li onde a
m anentemente ao governo é terminar com essa desa rti culação d os contex tos sociais e de traba-
"anormalidade", que se manifesta, por exem- lh o acontece de mane ira abru pta e verti g in osa,
p lo, no fato de Buenos Aires fi car, "vira e mexe", ali onde a ex periência da descoleti vização ad-
parada, d e vid o à interrupção do trâns ito em quire um ca rLÍtcr mass ivo, iJ li onde o dcsLlrra i-
pontes e avenidas. E vale esclarecer qu e essa go e o desemprego reúnem, em um feixe só,
ci dad e é a capital de um país centra li zad o, não um cong lome rado heterogêneo de ca t·ego rias
fed e ral com o o Brasil, e que, para a Argentina, sociais 1... 1. Nesse sentid o, é necessá ri o desta-
e la representa qualitativamente mais do qu e a car que os primeiros piqu eteiros prov inham dos
so ma econ ôm ica e po lítica de São Paulo e (ex) traba lhad ores melho r pagos do (ex) estado
Bras ília representa para o Bras il. de bem-estar, com uma ca rreira es tável que in-
'A palavra "piquetero", de "pique te", come- cluía famíli as e gerações compl etas sociali za-
çou a ser utilizada a partir da explosão social das no contexto da estabilid ade e d o bem-esta r
de Cu trai Co, cidade da provincia de Neuqu én, social. Os prime iros bl oq ueios de estrada, ini -
e m junho d e 1996. Era um povoado da Pata- ciados em 1996-97, l"i ve ra m um caráter multi -
gô ni a , d e dicado à ext ração de p e tról eo. A seto ria l e a posteri or re pressão 1... 1 deflag rou
privatização da empresa nacional de petró leo, verdad eiras insurreições popul a res. Dia nt e do
a YPF, d eixou grande pa rte de sua popu lação reclam o de cri ação de emprego genuín o, o go-
sem em prego. Depois, houve rebeli ões seme- verno naciona l res pond eu a través de uma sé-
lha ntes e m outras cidades petro le iras do su l - rie de políti cas que combin am - at·é hoje - a re-
P laza Huincu l - e do norte da Arge ntina - pressão di s persa e se le t·iva co m a coo ptação
Mosconi e Tartagal -, na província de Salta . De políti ca e, de mod o mai s gene ra li zado, a atri -
s uas o rigen s naquele dis tante interi or, os mo- bui ção de " plan os soc iais'" ilss isLenc ill is." ( 2)

v im e ntos piqueteiros foram des locand o seu ISvampa c Perey ra, 20041
centro de ação para a Grande Buenos Aires, É possível, então, entend er por que a Argen-
periferia urbana da Capital Federal. tina fo i e é, na Am éri ca LD l"ina C mund it:l lmcntc,
A ss im descrevem Svampa e Pereyra a for- O país dos grandes mov imentos de desemp re-
m ação do movime nto: "O movimento pique- gad os. Não surgiram a partir de seto res secu-
teixo re conhece duas fontes afluentes funda - larmente "pobres" e/ ou "excluíd os", nem de
m e ntai s : por uma parte as ações abru ptas, "multid ões" como as qu e pro põe Toni Negri ou
e fê meras e por momentos unifi cadoras, dos de "identid ades" sem sexo de fin id o, ao esti lo

2 _ Os referidos planos consiste m em entrega de comida e pagamento de um auxílio ao desemprego. IN . do rI


Os movimelltos piqueteiros e o "Argcnlilwzo"
lOS -

de Laclau, mas d e uma classe trabalhadora que Com efeito, sob a "democracia", o Partido
ficou maciçamente desempregada faz relativa- justicialista (peronista) desenvolveu um gigan-
mente pou co tempo. Essa classe traz podero- tesco complexo organizativo territorial nos bair-
sas tradições de organização e lu ta s ind ical, com ros pobres da Grande Buenos Aires_Articulada
pe Ios d enomma. d os punteros 11(4),essa orgam-
/I .
milhares de antigos ativ istas e ex-representan-
tes de seção ou de oficina. A lém disso, embora zação clientelista é, à vez, um aparato eleitoral,
nas bases predomine politicamente a consciên- um aparato de controle social e político, e tam-
cia atrasada peronis ta(J), no ativismo sempre bém um órgão de assistencialismo miserável .
exis tiram fortes correntes localizadas mai s à A irrupção dos movime ntos piqueteiros
esque rda, entre elas, o trots kismo. abriu uma fenda no controle territorial desse
A emergência dos mov imentos piqueteiros, aparato com traços mafiosos. A luta dos movi-
es pec ia lm ente no seu desenvo lvimento n a mentos piqueteiros obteve do Estado diversas
Grande Buenos Aires, refletiu também o desa- concessões, principalmente, auxílios econômi-
bamento parcial d a colossa l estrutura políti co- cos e cestas básicas. Mesmo sendo parcas, es-
organiza tiva d o "peronismo" como rede de con- sas concessões ficaram por fora do controle dos
tenção da miséria e da protesta social. "punteros" do aparato peronis ta.

Heterogeneidade, reivindicações e política

pa rtir de diferentes co rrentes, foi desen movimentos de Juta de trabalhadores desem-


A volvendo-se o que a lgu ns caracteriza m
como um "m ovimento de movimentos" pa ra
pregados. Como caracteriza Sáenz, são movi-
mentos "reivindicativos" na m edida em que
fa zer referênci a à heterogeneidade d o m ovi - juntam seus integrantes, pelo menos no come--
mento piqueteiro. ISvampa e Perey ra, 2004] ço, em torno da satisfação de suas necessida-
Essa heterogeneid ade obedece a vários fato- des mais imediatas, principalmente a fome que
res. E sobre eJa também age o governo para ameaça milhões de trabalhadores. [Sáenz, 2003]
coopta r dirigentes e domesticar os movimen- Porém, dife rentemente do que acontecia em
tos. Não se trata de uma origina lidade argeJ1ti- outras épocas do capitalismo argentino e mun-
na. Mutatis mutand is, acontece a mesma co isa dial, essa Juta reivindicativa vira política quase
co m o res to d os movimentos sociais latino- sem me di ações: o afastamento entre a lu ta
americanos qu e emergiram c/ou entraram em reivindica tiva e a política tem muitas menos
cena na década de 90. possibilidades materiais do que no passado.
A heterogene idade tem d iferentes causas. As demandas não se encaminham, geralmen-
Por uma parte, nos mov imentos en trecru zam- te, a um patrão, mas ao pode r político. O prin-
se tod o tipo de pressões e problemas socia is e cipal métod o d e luta é fazer piquetes para im-
políticos. Por outra parte, os movimentos não pedir pontes, estradas e avenidas, gerando as-
são a lheios aos g randes debates estratégicos que s im um fato político: desafiando o estado, é in-
atravessam a vangua rd a na Argentina e em todo terrompida a "livre circulação" de mercancias
o mund o - reforma, revolução, autonomismo, e de pessoas, essencial para o funcionamento
partid o, mov imento, etc. É que esses mov imen- "normal" do ca pitalismo.
tos, a ind a que reúnam dezenas de milh ares de Quase "automaticamente", o movimento
desempregados, n50 deixa ram de ser movimen- adquire ass im um caráter reivindicativo-políti-
tos d e uma g rande vanguarda, embora às vezes co, sócio-político ou político-social. Mas, a par-
localmente mobilizem setores d e massas. tir disso, abre-se um Jeque de opções, que tem
In icialmente, os mov imentos nasceram como a ver com as diferentes respostas a uma sim-

3- Os referidos planos consistem em entrega de comida e pagamento de um auxílio ao desempreg o. (N . do T.)


4 - Em termos gerais, consciência herdada do Hperonismo·, movimento populista de origem na década de 40 (N. do 1)
5 - lideres de pequenos territórios urbanos. dedicados à promoção de ca ndidatos nas eleições, e cujo reconhecimento na · freguesia· provém dI! sua
possibilidade de obter e distribuir assistencialis mo. O nome · puntero· remete à liderança na obtenção de votos . (N . do T.)
a

lIi ~ / ór i a & I . /t ltl f/ e C/ a Hp - 109

p ies pergunta: que política adotar? Isso, qu e pod ería mos denomi nar como o
Os movimentos também são, s imultanea- cará ter qu e assume o movi men to co mo ta l,
mente, "uma ' cooperati va' d e reparto e micro- entrecru za-se com a questão política (!acrescen-
prod u ção [...1. Uma 'cooperati va de di stribui- ta fo rtes tensões pró p rias; já q ue, co ntra as
ção' d o obtid a mediante a luta. E de produ ção, idea li zações feitas es pecialmente pelo autono-
em pequ ena escal a de mÍcro- empreendimen- mismo, cremos, qu e, em verdade, organiza-se
tos. " [Sáenz, 20031 a "distri bui ção da mi séria".
Movimentos e problemas em debate: cooptação, marginalidade autonomista,
"pobrismo", "piqueteirismo" e unidade de classe

P a ra u.m observador que acabasse de chega r


a Bue nos Aires, esse "movimento de movi-
nlcntos" apresentaria uma primeira imagem ca-
Nesse seto r "fi s iológico", loca lizam-se outras
co rrentes menores, a lgum as qu e provém do
autonomismo, que an a lisa remos depois.
ótica. Seguramente, poderia pe rder-se nos labi- 2. Com um pé no apoio ao governo c outro na
rintos d as d ezenas de sig las. No entanto, não há oposição a Kirchner, encontra-se um outro mo-
caos nenhum, mas uma lógica qu e tem a ver com vimento piqueteiro important e, a CCC (Corriente
as "coo rden ad as" que acabamos de apontar. Clasista Combati va). Ela é orientada por uma
Essas "coo rd enadas" determ inaram um ri co tendência maoíst·a, o PC R (P.1 rh do Comun ista
debate teórico e estratégico sobre o mov imento Revolucionari o). As posições oscilantes da CCC
p iq ue te iro . Da mesma mane ira, é em fun ção das têm a ver com as espera nças incri velmente alen-
mesm as que pod e estabelecer-se uma cl assifi - tadas pelos maoístas em um ~ "bu rgues ia nncio-
ca ção desses movimentos. A relação de orga ni- nal progressista", da que Kirchner seria repre-
zações e d e correntes qu e farem os a seguir n50 sentante. A concl usão po líti ca é n50 fazer opos i-
será exau s tiva, já que seria longa dema is, mas ção frontal ao governo, mas press50 para que
in clu irá as principais. "enfrente" o imperi alismo e o FM I.
1. Há, em prime iro lugar, os que optaram por 3. As co rrentes autonomistas que, sob o nome de
entrar n a coo ptação-d omesticação que p romo- MTD (Movimiento de Trabajadores Desocu pados)
ve Ki rchn e r Qunto com a repressão seletiva con- foram possivelmente mai ori a na Grande Buenos
tra os refra tá rios) para ir acabando com a van- Aires, nas vés peras e nos p rimei ros meses d o
g ua rd a h e rda da d o Argentin azo. Esse se to r Argentinazo, merecem um trecho es pecial.
po d e ri a ser caracteri zad o com o de " piqu etei- É importante constZlta r que, co m o acon teceu
ros fi s io lógicos". Não apenas recebem fund os com O autonomi smo em outros lugares do mun-
do go verno, mas também seus diri gentes fo ram d o, depo is de um rá pi d o e importante cresc i-
recompe n sad os com cargos públi cos. mento, houve um a crise c u ma d ispe rs50 igual-
As d u as principais correntes nesse seto r s50 ment e velozes e ev identes. Hoje, fa zer um a re-
a Fe de rac ió n d e Ti erra, Vivi e nd a y Hábita t laç50 de todos os MT Ds ex istent es e s uas su-
(FTV), diri g id a p el o a go ra d e puta d o Lui s cess ivas divisões de d ivisões scri<J U ll1 iJ tarcfeJ
D' Elía, e Barri os d e Pie, cujo principa l d iri ge n- intermin ável.
te, Luis Ceballos, hoje é um alto fun cioná ri o do O autonomismo pi q uete iro levou ao mov i-
M in is té ri o d o Trabalho. A FTV é a ag rupação mento as teo ri as de John Ho lloway e d o za pa-
de d ese mpre gad os da CTA (Centra l d e los ti smo, sobre "mu da r O mund o sem to ma r o
Trabaja d o res Argentinos), uma das três centrais poder", o antipartidi smo e também a id ea li-
traba lhi s tas, qu e mantém estreitas relações com zação do "mi cro empreend im ento". Como já
a C UT b rasile ira e com o PT, com os que se iden- apontamos, os movLmcntos 550 um a es pécie de
tifi ca p o líti ca e id eologicamente. "Ba rri os de "coo pe rati vas" d e di s tribu ição d e " pl a nes
Pie" é um m ovimento orientad o po r " Patri a sociales" (auxíli o) e de alimentos, e tam bém de
Libre" , U.m a o rganização políti ca de esquerd i;1 pequena produ ção. Isso, que é co nseqüência da
que, d o " n acional.ismo popular revolu cionári o" lamentável necess idade de não morrer de fome,
de r ivo u n o ap oio incondi cional a Kirchn er. transforma-se em virtud e para os autonomi s tas.

L «
lJO - Os IIIovimclllos piqueteiros e o "Argefl/ill azo"

Assim é fi rmada, como define Sáenz, "a u to- governo, seu d irigente, Raúl Castells, foi recen-
pia reacionári a d a construção de relações soci- temente preso d uran te vári as sem anas. O MIJD
ais 'pa ralelas', de 'economias alternativas', que reúne e reflete os seto res socialmen te mais m ar-
se considera que signifiquem bases materiais ginais do movimento, isto é, os d esemprega-
para a emanei pação dos trabalhad ores, enquan- dos que já perderam seus v íncul os com a p ro-
to as principais alavancas das forças produti- d ução e com a classe traball1ad ora. Em conse-
vas são deixadas em poder dos ca pita li stas." qüência, Castells substitui as catego ri as d e clas-
ISáenz,2003J se pelas de "pobres" e "ri cos". Essa es pécie d e
A orien tação do autonomismo leva o desem- "pob rismo" assume como absoluta a tendên cia
pn.:gauu LI aceitar como definitiva sua mélrgi- I11.1- ao empobrecimento que hoje existe n a Argenti-
ção da prod ução e portanto da classe traba lha- na e em grande pa rte d o mundo.
dora. Ela tenta a constru ção de uma economia Sem reconhecer-se como memb ros d esem -
da marginalidade, da qual faz acirrada defesa. pregados de uma ún ica classe trabalhad ora, o
Mas a explosão d o autonomismo teve a ver Mlj D não desenvolve uma politi ca d e unid ade
mais com uma "redu ção ao absurd o" de suas com os trabalhado res hoje empregados. Tam-
concepções "a nti política" e "anti partido". Os- bém não dá relevância ao reclam o d e n ovos
ca r Wi lde fa lava sob re "o a mor que não se atre- empregos, menos a inda à reivindicação de di -
ve a dizer se u nome". As organizações minu ição da jornada de trabalho. O movimen-
autonolllistas costumam ser, em verdade, par- to de CasteIJs limita-se qu ase que excl us ivamen-
tidos, organizações políti cas, que não se atre- te ao recl amo de auxílio econômi co e de alimen-
vem a reiv ind icar-se como tais. Dessa moncirLl, tação na sua po líti ca tanto em relação ao go-
cada um dos MTDs e/ou suas frações, como verno qu anto a empresas como supermercad os,
partidos "de fato", foram adotando posições cass inos ou McDonalds.
políticas enfrentadas. Assim, por exemplo, parte O Po lo Obrero é ta mbé m um impo rtan te
do autonom ismo, como é o caso do MTD Ev i- movi mento. É o rien tad o pe lo Partido O brero
ta, aderiu ao governo de Kircluler. (PO), organ iz ação trotskista que tem afinid ad e
Em gera l, hoje os diferentes MTDs, onde se com O PCO brasile iro. O PO desen volveu u ma
encontra um arco-íris de posições do autono- co ncepção co nh ec id a n a Argentin a com o
mismo radical e o anarco-socia lismo até varian- "piqueteirismo", tema de po lêmi ca ta nto nos
tes populistas-peronistas e guevaristas, têm uma movimento s d e desempregad os qu an to n o
atitude que não é de apoio, mas também não é mov imento operá rio em geral e na esque rd a.
de enfrentamento em relação ao governo. Trata-se da teoria da "classe o perária piq ue-
O Movi miento Territorial de Liberación tei ra". Melh o r, de qu e os piquete iros cons titu-
(MTL), cujos dirigentes pertencem ao Partido em, por si, a "vanguard a política" da classe tra-
Comunista, loca li za-se no ca mpo da o pos ição ba lh adora. Parafrasean do um d os seus prin-
ao governo. A pesar de não ser autonomista, o cipias ideó logos, seri am in cl usive " um g ui a
MTL também estimu la e id ea l iza a micro- pro- histórico para a classe operári a do mundo todo"
du ção. Isso tem a ver com a orientação política e "a ex pressão histórica mais profun da que pro-
do Partid o Comuni sta de um "frente amplo" duz iu o mov i.mento operári o argen tino". Para
que inclua as PMES (pequenas e medianas em- essa concepção, os pique teiros passarão a re-
presas). Mas a conversão dos desempregados presentar, sem poss ibi li dade de nenhuma con-
em "pequenos e medianos em presá ri os" não corrência, a d ireção do mov imento, já que são
parece atingir mais sucesso d o qu e as "econo- "os operár ios co m con sciê n cia d e classe".
mi as a lternativas" p romov idas pelos d isd pu- IAltami ra, 2002 1
los de Holloway e pelo co mandan te Marcos. Cremos qu e os movimentos de trabalhado-
O Mov imi ento lndependie nte de jubi lados res desem pregados tiveram e têm uma im por-
y Desocupados - IAposentados e desemp rega- tância imensa. No en tanto, nem na Argentina
d osJ (Ml j D) é hoje um a das mais importa ntes nem seguramente em nenhum outro lu gar do
co rrentes piq ueteiras. Co locad o na opos ição ao planeta, a classe trabalhadora ocu pada va i ad-
..
lI i sI6ria & Lllla c/c C / llUI'I' - III

mitir os desempregad os como direção política, dores com e sem emprego. Partem do pressu-
social e d e suas lutas. A s ituação da classe tra- pos to "c láss ico" de qu e se os setores fu nd a-
ba lh a dora argentina é d e fra g me ntação, em mentais da cl asse o perá ri a ocupad a não cntrn -
prim e iro lugar e ntre empregados e desempre- rem em mov imento, nenhum a "vanguard Ll pi-
gados, e depois, entre as clive rsas categorias de qu eteira" pode subs titUÍ-los. Nesse sentid o, fo i
e mpregados - servid ores públ icos, precá ri os, e é uma preocu pação central do FTC a luta po r
te rce irizad os, etc. Na sua consciência cnco ntra- emprego genuín o e não meramente po r auxíli o
se profundamente fin cada essa fragmentação, ao desemprego e po r comida.
e por isso, é difícil, para muitos, recon hecer-se Ass im, a FTC é a prin cipal organi zação pi-
como urna classe só. O problema n50 reso lvid o qu eteira que apóia o Mov imi cnto Nrlcio nal por
d a unidade de classe fa z-se, em co nseqüência, la Redu cción de la Jo rnada de Trabajo a 6 ho-
c ru cial. E os piqueteiros são parte, também, de ras. Esse mov imen to fo i constituíd o neste ano,
u.ma vanguarda que se encontra a grande d is- em to rn o d os melr ov i6ri os de Buenos Aires.
tân cia das massas trabalh adoras. Medi ante um a g reve que pa rali sou o Irans por-
O governo e a mídia têm tirado hóbi l pro- te d uran te ccrCíJ de umn scnKlna, co nscgu irnm
veito d essa brecha. Há uma campanh a perma- impor a jorn ada de 6 ho ras sem redu ção sa la ri-
nente que mostra os piqueteiros co mo lumpens n!. A conseqüênciLl imedi nl-LI foi LI cri Llç50 de 500
q u e querem v iver sem trabalhar, vagabu nd os nov os empregos no mClrô.
q u e, com seus bl oqueios de pontes e de estra- Depois desse triunfo, os traba lhado res d o
das imped em os bon s traba lh ad o res d e irem melrô, junto com oulras exp ressões d o s ind i-
para o serv iço. Essa campanh a teve grande su- calis mo cl ass ista, orga ni zações de desem p rega-
cesso nas classes méd ias e entre muitos traba- d os e pa rti dos de esqu e rd n, chamaram a desen-
lhadores. A verd ade é que, lo nge de se rem a vo lv er um a ca mpanh a nacio n;)1 pel as 6 horas.
"vanguarda" ou a "direção" do mov imento ope- O fato é qu e enquanl o qu ase a metade dos Ira-
rá ri o, os piqueteiros estão hoje peri gosam ente ba lhad o res argentin os es tá desem p regada ou
iso lados. E logica mente, a auto-procl amação s ubempregad a, a ma io ri a dos que lêm em pre-
p iqueteiris ta n ão co ntribui para supe rar essa go cumprem jo rn ad;)s absurdas de doze e até
g r a ve s ituação. dezesseis horas.
O utros dois impo rtan tes movi mentos co m A g rand e massa de desempregados é um ra-
d ireção d e co rre ntes trots kistas s50 o MST to r d e pressão sobre os que a in da tê m emp re-
(Mov imiento Sin Trabajo "Teresa Vive"!"), diri - go, para e les não rec la marcm pe lo sa lário (que
gido pe lo M ov imi ento Socia lis ta d e los Tra- jil so freu um a perd n rCiJl de mLli s de Iri ntll po r
bajadores e a Frente de Trabajad ores Comba- ce nto d es de a desv a lorização do pes o em
tivos (FTC), ori entada pe lo MAS (M ovim iento 2000 1), nem pe las co nd ições de semi -esc ra,vi-
a i Socia lis mo). Dife rentemente d as outras co r- d50 trrlbLll histrl . É um a ini ciutivLl llluito impo r-
ren tes reformi sta s, autonom istlJ$, ma o ístas, tante de um se to r d a van gua rd;) oper6r ia de
trots ki s tas, e tc. qu e agem entre os piqu eteiros, fo rm ul rl r uma dcmLl n d Ll comulll tLl nlo pnrLl os
o MST não desenvolveu uma reflexão sobre os tra ba lh ad ores co m e m p rego q ua nto pa ra os
problem as estratégi cos e mes mo teó ri cos qu e d ese mpregados. Se esse m ov ime nto gnnhZl f
se a presentam nes tes novos mov imentos soc i- impul so, pode ró começa r a se r reso lvid a a pc-
a is. E le adota, então, um curso cr r6ti co, qu e na ri gosZl situnç50 dc iso lnlll cnl o LI qu e chcgLl rLl m
p r á tica re du z esse m ov im e nto à lu ta os mov imentos piqu eteiros. •
"co rporativa" por auxíl ios e comid a.
A FTC e o MAS, pe lo contrári o, desenvo lve-
ra m uma concepção "antipiqu ete rista", que tem
co m o e ixo o prob lema da luta pe la u ni dad e de
classe, com eçando pela unid ade dos traba lha-

6_ por Teresa Rodríguez, piqueteira assassinada pela repressão em Cut ra l Co .

~ __ ~ ____________________________________________________ ~C
J 12- Os II/ovimentos pique/eiros e o "A rgenlinazo"

BIBLIOGRAFI A CITADA

A LTAMIRA , Jorge. " Di sc urso CIl cl Izquierda. Bu enos Aires, junho de SÁENZ. Rob e rto e Cruz Be rnal .
microcstadio de Ferro", peri ódico Prcn· 2002. Is i<l o ro . "Arge nt i nazo : po lítica ,
sa Ohre r:1 766. Bu enos Aires ... gos to KAT Z. Claudio. " Las IlIrbul encias de eS lr a leg ia y teoría - Reform a,
UC 2002. la economía lat inoamc ri cana" , rev ista revo lueión y social ismo a comienzos
A LTAM IRA , Jorge. " Pi qucleros: de Socialismo o Barbari c. Buenos Aires, dei sig lo XX I", revista Soc ia li smo o
vanguardia d e la luc ha a rnovimi c ll lo julho de 2002. Barbarie, Buenos Aires, novembro de
de masas ", pe riódi co Pren sa Obre ra KATZ , Claudio . "ElI os o nosotros (La 2002b.
H32, Buenos A ires. j;1Ilciro de 2004. c ri sis en Argerllina )". Pue nte ai S ur, SÁENZ, Roberto. " Los ' problemas dei
AZ PIAZU , D:llIi c l. Concc llt ración y Buenos Aires, abril 2002. org:mización' <l I calor dei argentirmzo
cc ntra rizac iôn dei cap it al cn la Argen- KATZ, Claudio. "EI mi sle rio argenti - - Frente único, movimie nto y part ido" ,
tina durante la década de los noventa . no", W\\'\\'. eltnblo id . com/ claud iokatz, revista Socia lismo o Barbarie, Buenos
Quilmcs ; FLACSO-Uni v. Nac. de diciembre 2002- Aires, m<lrço de 2003.
QuiIIllCS- IDEP, 2000. PE NA, Mil cí:1des. " Indust ri al izac ión , SÁENZ, Roberto. " Una cxperienci a
I3 ASUA LDO . Edunrdo M. " L a crisis pseudo-indu slrializac ió n y desarrol lo que busca ser di stinta - EI Frente de
;lCllWI ele la A rge ntina", r,cvi s ta combill:1do", rev ista Fi cha s, Bu enos Trabajadorcs Combativos", revista So-
Ch i a pa s . N ° 13, \Vw\V.e z ln .o rgl Aires, abril 1964. c ia li s mo o Barb.arie, Bue nos Aire s,
rc vi sla chiapas/No [ 3/c1, 13. hlm l, feve- RAM IR EZ , Robe rt o. "Cal:lstro ph c março dc 2003.
reiro ele 2002. éco nomique el socia le, crise poli li que SÁENZ, Roberto . "Coyuntura nacional
CE PAL Argentina: R:1sgos gencra lcs el re noveau eles IUll es ell Arge nline" , - Estabil izac ión y ofensiva sobre la
de la cvo lu ciún rcc icnlc. S:lnL i ago de rev ista Ca rré Rou ge , Pa ri s, N° 19 , vanguardia", Soc iali smo o Barbari c pe.
C hil e. agos to de 2002. Au tomne 200l. ri ódico, Buenos Aires, II / nov/2004.
' J\IIGO CAR RER A. Juan. "Estanca- RAMíREZ, Robert o. " De la ' plata SVAMPA, Mar islclla e PEREYRA ,
micnto, cri sis y dellda ex terna" . C iclos dulce ' a la 'ecollomía de penuria ' - EI Sebasti5n. Entre la ruta y el barri o -
C II la llislo["i:l. la ce onomía y la Ill:lrco Jatinoamcr ica no de los planes L:l ex pcri c ncia de las organ izaciones
socic(l:ld , NU 23. Bu cnos Aires. 2002. eco nómicos dei Sr. K", peri ód ico So- piqueteras, Bucnos Aires: Bib los, 2004.
CR UZ BERNAL. Isieloro. " Las f~í brj ­ ciali smo O Barbari e, Bu enos Aires, 25/ WORLD BA N K , 2002 World
cas ocupada s y la rccom posición dcl sel/03. De ve loprnent Ind iealo rs.
movimiel110 o brero", revista Socia lis- SÁ ENZ, Roberto c Cr u z Berna l , YUNES, Marcelo. " Un análisis marxi s-
mo o Barba ri e. Buenos Aires . setem- Is idoro . " Los impu lsos dei arge nli· la de i gobierno de Kirchner", revi sta
bro de 2003. Ilazo", rev isla Socialismo o Barbarie , Soc ia li smo o Barbarie, Buenos Aires,
EOI. Prop ue stas de los Eco nomi stas de Buenos Ai res, novembro de 2oo2a. sctembro de 2003.

His tória & Lula I , .. 'S -

Se as razões de Bush para invadir o Iraque são mai s que


co nhecidas, os motivos de Blair para apoiar as aventuras
im periais americanas são m enos óbvios.
Es te artigo busca explicá-los, a partir das transforma ções
recentes no trabalhismo britânico.

Blair Bush y la guerra de Irak


Francisco Domínguez 17 Octubre de 2004, pe ri ódi co inglés
n/ c I ndcpcn dclIl publi có el
artícul o " EI jui cio fina l" don-
de se inform" cI resul t" do de
las cxhaLl sti vLlS invcstig<lC io-
nes dei I raq Su rvcy C ro u p,
la comisión designada por e1
presid ent e Bush enca rgada de
determinar si había o no nrmtlS de dcsl ru ccit'l n
lll i1si va en I rak.
La co nclu sión cs !Zlpid Zl ri a: no scenconlraron
!li Zl rm as bi ológicLlS, ni quÍmi G1S, ni n~lcl cLlreS,
!li sistelllas pa ri] d ctollarl t.1 s o lJll ziJ rl as, !li pro -
g ri.l1nas para dcsarroll<:n l<Js, !li nin gún lipo de
armas prohibidas por las decisiones dei C onsejo
de Seguri dad de b s Na ciones Unid as. Como se
d ice en C ran Bretafía: "No t a sausage'" (iN i
siquiera una salch icha!). Es deci r, la guerra rue
total mente innecesa ri a, se justifi có sobre b"ses
totalmente b isas, y tanto Bush co m o Blai r y sus
respectivo s sccua ccs, sinlpl clllcnte Ic minti cron
a sus parlamentos, a los ciud adanos de sus pa-
íses, a las Naci ones Unidas, "I mun do todo .
Francisco Domínguez cs Jcfc de I De plo de Estud ios
Lali noil lll c ri c ano s Y dirige e J Ce nt ro de Est udio s
EI d aiío políti co d e es tas ' revclilcioncs' para
13ras ilciios de In Univcrsidad de Middl escx. Blair, guien repiti ó majade ra y l11end az menle

«
114· llIoir 1311.\'" Y /a guerra de /rak

que las in ex is tentes arm as d e d es tru cc ión nalizar todos los m ed ios de producción,
mas iva de Sad dam podían ser des pl egadas y di s tribución e inte rcambio", y que implicó,
d isparadas a los centros nerviosos dei Occiden- además, el abandono de las tímidas políticas de
te como Londres en 45 minutos, es irre parable. redistribución de la renta con las que ellaborismo
Blair se ha conve rtido en un cadáver po líti - ha estado asociado historicamente en el pais.
co cn busca de Ull ataúd nlás o menos cÓmod o. Es este proceso e l que produce a Tony BI a ir.
Las verdaderas razo nes de Bush para invad ir Bla ir no es laborista. Por sus instintos, s us
Irak son conocidas, apoderarse de una de las predilecciones, su ideología y sus reflejos, Blair
fu entes de petróleo más importantes dei mun- es un conservador casi de extrema derecha.
d o co m o parte dei o bj e ti vo d e hege m o nía En esencia, e l 'b lai ris m o' cons is te e n la
no rteameri cana mundial to tal qu e fu e fonnu- adopció n g loba l de las concepcio n es dei
lada en el " Proyecto para el Nuevo Sig lo Nor- ' th atche ri s mo' d e recha zo a las políticas
te-a meri cano" y publicada en 1997 y firmada redistributivas dei pasado que financian e l es-
por los fa n áti cos n eocon se r va d ores de la tado de bienestar y que inc1uyen el derecho
adm ini s tra c ió n Bu s h como D ic k C he n ey, universal de la població n a la atención de saJ ud
Do nald Rums feld, Pau l Wolfowitz, jeb Bus h, g ratis, el derecho a la educación prima ria y se-
Ell io t Abrams, Dan Quay le y Francis Fukuya ma cundaria gratis, además de una ampLia variedad
e ntre o t ros. La c ues ti ó n es Lcuá les so n las de beneficios sociaJes p ara los jubilados, las ma-
razones d e Tony Blair, líde r Labori s ta, para dres solteras, los minusváLidos y otros grupos
plegarse tan e ntus iastamente a la cru zada de la social es.
extrema dcrecha norteameri cana co ntra Irak? EI 'blairismo' ace pta la dicotomia reacciona-
Para res po nder a esta pregunta es necesa rio ria que considera la empresa privada eficiente
compre nd e r a Blair y sus actos políti cos en el y a la empresa pública ineficiente y despilfarra-
contexto de la evolución dell aborismo britáll.i co dora, y que está a la base deI ceIo privatizador
e n los últimos anos. EI proyecto de Bla ir se de Blair. Por último, el 'blairismo' consiste en
inscribe en la lógica de derechi zació n sos tenid a un a capituJación total - genuflexiva - ai impe-
de la bu rocracia po lítica y s indi ca l labo ri s ta rialismo más fu erte en política internacional.
luego de las consecuti vas derrotas id eo lógicas Para lograr esto último Blair cue nta con la
y c1ecto rales q ue el labo rismo sufri ó en ·18 afios relación militar especial entre Cran Bretana y
de d o mini o co ns e rvador d es d e ]979 co n Es tados Unidos que se remonta a los fines d e la
Ma rgaret Tha tche r y su suceso r, Jo hn Major, Segunda Guerra Mundial cuando fue
h asta la e lecc ió n de Blair en 1997. Es ta es tablecida por Winston C hurchill y FrankJin
derechi zac ió n acumulati va ha prod ucid o un a Delan o Rooseve lt. Los voceros d e i blairis m o
especie de co ntra rrevo lu ción id eo lóg ica en la reconocen y adm iten esta de rechi zación pero
q ue c l labo rismo se ha desecho inclu so de los se apresuran a senalar que fue la que logró que
ropajes fo rm a les qu e lo hadan una co rriente e1 laboris m o re tornara a i gob ie rn o co n un a
'socia li sta' co mo la Cláu sul a IV de los estatu- abr um adora mayoría parlam e ntaria qu e
tos dei pa rtid o qu e le comp ro melía a " nacio- aumentó en la elección de 2001 .

Antecedentes: razones dei triunfo electoral

Un ti tul a r de The Econom is t, vocero dei ca- impos ible que gan a ran la e lecció n general de
pital finan ciero británico, resum ió con exactitud ]997. El descrédito provenía de tres fuentes. Los
el momento políti co de la elecció n de To ny Bla ir altos niveles d e corrupció n s imbolizados po r
yel Pa rtido Labo ris ta ai gobiern o e n 1997: " Los los juicios contra altos dirigentes dei partido
Tor ies me recen pe rd er, cl Labo ri smo no mere- Tory co mo jonathan Aitken, Mini s tro d e
ce triunfar" (7 Mayo, 1997). Es decir, los Con- Adqu isiciones de Defensa, quien te rminó con
se rv adores se ha bían d esacreditad o tanto y un a conde n a de cá rce l de 18 meses p o r
es ta ban tan divididos inte rn a mente qu e e ra corrupción, O jeffrey Archer, extravagan te Vice
..
f-lixtária & I . ltla d e C la s .H:.~ - 115

Presidente dei partido, ferviente thatcherista, ra r lo que a juicio de sus líd eres era una e lus iva
candidato a Alcalde por Londres y otros im- e lcc tabilid ad. G ra n parte d e ese pr o fund o
portantes puestos en ai partido y gobierno, e examen de conciencia Iabo ris ta apuntaba a b
inveterado mentiroso, que está todavía en la creación de pactos electorales, princi palmente
cárce l por perjurio. En segundo lugar, las con los Liberalcs, partid o burgu és de centro,
colosales divisiones dei gobierno y dei partido hi s tó ri ca mente hegemóni co en la burgu es ía
respecto de la integración británica en la Uni ón has ta 1913, fecha d eI fin de su supremacía polí-
Europea llevaron ai gobierno d e John Major ti ca y elcctoral (Dan gerfi eld : 1997).
prácticamente a la parálisis. Se trataba de crea r un a ali anza lo sufi ciente-
En realidad, las divisiones por causa de Eu- mente ampli a que no só lo ga ranti zará e l triun-
ropa son tan profundas que exis te hasta ahora fo electora l sobre los conservado res, s ino qu e
un estado de guerra civil inte rno larvado en aI s u a mplitud d ebí a ev itar la ' ro tah va' en el
partido, y que aflora toda vez que el asunto de gobierno entre Conservad ores y Laboristas qu e
Europa salta a la palestra. La tercera razó n, supu es ta mente habría pred ominado desde la
p robablemente la más importante, era la en or- segunda guerra mundi al.
me impopularidad de las políti cas econ ómi cas Thatcher lIega a i gobi ern o con un a inmensa
de rechistas deI gobierno de Jonh Maj o r e n mayo ría parbmentar ia y enfrenta a un Labo-
relación al estado de bienestar, la edu cación, la rismo desmorali zado, deso ri en tad o id eo lóg ica-
salud, los impuestos, y casi todas lo demás á re- mente, a la defens iva en e l terreno políti co, y
as de la vida nacional. con un a p ro po rció n s ignifi ca ti va d e la clase
Retrospectivamente, el factor decis ivo que trabajado ra ca lifi cada qu e no só lo lo ha aban-
selló la derrota electoral conservadora de 1997 d Ollndo clcc toralmclHc sino qu e adcmás íJp OyD
fue el Miércoles Negro, el 16 de Septiembre de aI Conservaduri smo.
1 992, cuando Norman La.mont, Mini s tro de Por otro lado, debid o a la desastrosa políti -
Econonnia de Major, con una pai idez mortal en ca econ ómi ca de rechi s ta de Ca ll agha n, los
e l rostro anunció ante las câmaras de TV que sectores tradi cionales de i mov imi cnto obrero y
G ran Bretaiía se veíaen la obligación de retirarse s indi cal - mineros, s id erúrg icos, empl eados
d e i Mecanismo de Tasas de lnter cambio púb li cos y de la salu d, por ejempl o - ti enen en
(E x change Rate Mechanism) de la Unión 1979 una profund a d esco nfi an za h acia e l
(entonces Comunidad) Europea (Time s Laborismo y se han des plazado, críti ca mente,
O nline, Septiembre 16, 2003). Desde ese mo- a la izquie rd a. Thatcher recibe un es tado co n
m e nto, los días de gobierno C o ns erv a dor una profunda cri s is fi sca l.
es tuvieron contados. Montad a en eI ca ba ll o ideo lógi co moneta-
A s í en Mayo de 1997 e l regocijo popular ri sta, T hatchcr ll cva rl:.í a céJbo una contrZl rrcvo-
llenaba las calles d e Gran Bretaiía con la notici a lu ción económi ca que tendrá profu ndos y retró-
dei tri unfo abrumador deI Labori smo no tanto g rados efectos en la distribu ción fi sca l entre las
p or la excitación de la L1egada d e Tony Blair aI c1 ascs, la relación entre empresa est-ata l y priva-
go bierno, sino fundamentalmente por la der- da, el fin anciami ento dei estado de bi enestar y
rota d e los Tories. EI último de los gobie rn os la protección tradi ciona l d e i es tad o hacia los
lab o ris tas antes de Blair había terminado estre- sectores más desva lidos de la población como
p itosamente como consecuen cia de i lI amado pens ionados, madres so lteras, desempl m d os,
"Invierno deI Descontento" en 1979 en el cua l inmigrantes y los pobres en general.
e l pais estaba dominado por hu elgas obreras Las políti cas dei gobi erno de Thatche r so n,
q u e se oponian a la políti ca de austeridad que asimismo, enormemente bene fic iosas pa ra el
e l gobierno de James Callaghan trataba capita l nacional e internacional. Se trata d e a pli -
infructuosamente de imponer (Blake: 1997). car el Marxismo ai re vés, a saber, log rar una
E I Laborismo se pasó toda la década de los trans ferencia substancial de la riqu eza y deI
1980 repensándose estratégicamente y auto- poder políti co des de los pobres a los ri cos.
e nmendándose políticamente a fin de recu pe- Lógi camente, el di scurso de Thatche r exp resa

c
116 - Blair IJush y la guerra de lrak

esta contrarrevolución e n la ideología que mente registrados en las listas de parados. EI


promueve y que se puede resumir en dos fra- objetivo declarado de las políticas y la acción
ses que ella emitió e n sendos congresos dei deI gobierno explicado por teóricos Conserva-
Conservadurismo inglés: "EI derecho a ser de- dores como Keith joseph, mentor político-inte-
sigual" y "Ia soc iedad n o ex iste, so lo e l lectual de Thatcher, era lograr el aumento de la
individuo existe". riqueza producida a través de la reducción de
Los cambios estructurales introducidos por los impues tos, lo que lIevaría a un incremento
Thatcher y la facilidad con que los logra imple- de la inversión productiva.
mentar son asombrosos. EI ceIo contrar-refor- En otras palabras, se argumentaba que el
mador de su gobierno es intenso: todo lo que se país estaba en crisis debido a los altos niveles
puede p rivatiza r se privatiza, desde los ferro- impositivos por causa deI gasto estatal, defi-
carr il es, hasta la compaiiía d e te léfonos, nido como improductivo. En breve, para que
induyendo el gas, eI agua potable, la elcctricidad, eI país saliera adelante era necesario sino des-
parte dei transporte público, el acero, indusive la mantelar e l estado de bienestar por lo m en os
vivienda barata estatal, una de las conquistas reducirlo s ignificativamente. Es decir, la
más importantes de la dase obrera y de los po- solución estriba en que el rico fuese más rico
bres de Cran Bretafia (Hall & jacques: 1983). y cl pobre más pobre. Una vez que el cre-
Las reducciones presupuestarias a lo s cimiento económico ocurriera, el chorreo y las
gobiernos locales fueron bajo su primera ma- oportunidades ofrecidas ai individuo por el
gistratura también extremadamente drásticas, funcionarniento deI mercado haría mas prós-
ai mismo tiempo que se introducía legis lación pera a toda la sociedad.
para aplicar severas penas financieras a las Sin embargo, para 1996-7 la total falta de
municipalidades que intentaran compensar los cred ibilidad de los conservadores se aprecia
deficits presupuestarios, así ocasionados, con en la descripción hecha por un perspicaz ob-
impuestos locales. Simultáneamente, el go- servador que describió el momento deI triun-
bierno imponía reducciones a los subs idios a fo de Blair: "Cerca de un millón y m edio de
las industrias en declinarniento y buscaba cer- duefios de vivienda se encontraban comprimi-
rar todo empresa que pudiera. dos por los saldos negativos resultados de la
Coherentemente con lo anterior, cl gobierno caída dei valor d e sus casas más abajo que eI
introdujo legislación que res tringía draconiana- dei creciente valor de sus hipotecas. Por lo
mente la acción de los s indi catos, e ntre las menos otro mi lIón han descubierto qu e s us
cuales se destaca la prohibición específica de privatizadas pensiones era un muy mal nego-
hacer huel ga en so lidaridad co n otros cio. Muchos otros se preocupaban por sus pers-
trabajadores en confli cto. Thatcher triunfa de- pectivas personales en un mercado de trabajo a
cis ivamente en su s esfuerzos por debilitar ai medio tiempo crecientemente informalizado, o
mov imiento obrero organizado en 1984-85, fe- veía impotente la descomposición de la sa lud
cha en que logra derro tar ai contingente más pública y la educación.
comba tivo, más radica l y mejor organizado dei La arrogancia y la corrupción de los dipu -
si ndicalismo británico, los mineros dei carbón tados Conservadores, la auto-induJgencia de los
(Camb ie: 1994). patrones de las industrias recientemente priva-
Las consecuencias, como era de esperarse, tizadas y, lo más importante de todo, las p ro-
fueron devastadoras. Amplias ca pas de tra- fundas divis iones sobre la unión monetaria eu-
bajadores vieron su futuro completamente ar- ropea, exp li can también la hemorragia dei apo-
ruinado debido a un aumento in crescendo deI yo electoral Conservador." (B1ackburn: 1997, 4).
desempleo. Para mediados de 1980 la cifra dei Por eilo, no sorprende que en la elección de
desempleo bordeaba los 6 millones. 1997, los conservadores hayan obtenido apenas
Como ' incentivo' a los desempleados a en- e132% dei voto popular, su peor resultado d es-
contrar emp leo, se redujo drásticamente los de 1832 (Blackburn: 1997,3).
beneficios d ei estado de bienestar a los oficial- Blair hereda una nación completamente

lIiíllíria & I rlla de CltlHt! .~ - 117

transformada en la cua! el peso dei paradi gma estructurales resultantes de 18 afios d e gobie rno
neoLiberal tanto e n lo ideológi co como en lo Conservad o r han metamo rfoseado la sociedad,
económ.ico es abrumador. Las transformaciones la políti ca, y la economia.

Principales componentes intelectuales dei 81airismo

L a idea central que ha animado la propagan


da y gran parte d e las políticas de Blair en
e l gobierno ha sid o la de que el crecimi e nto
e l pen sa mi e nto eco nó mi co s o cia l d e i
Labo ri sm o. EI 't hink-tank' In s tituto para la
In ves ti gación de las Politi cas Públi cas (IPPR -
eco nómico basado en e l fun cionamiento dei Instituto for Publi c Po li cy Research), preparó,
mercado producirá los recursos que finan - e ntre mu c hos o tros, d os d oc um e ntos, The
c iarían una deseada, pe ro nunca definida, justi ce Ca p (EI Tamafi o d e la Injus ti cia) y Soci-
modernización . al justi ce in a C hang ing Wo rld (La justi cia So-
Tal postura rompe con la tradi ción intelec- cial e n un Mundo Cambiante) en los cuales se
tual dei Laborismo. Ya en 1996, algunos obser- comb in a los conceptos d e 'comunid ad ' y de
vadores indicaban có mo la adopción de la ' opo rtunid ad ' a obje to d e trata r d e hace r los
herencia n eolibe ra l Tory por parte de Blair y principi os d ei 'N uevo Laborismo' o ' bl airi smo'
s us partidarios iba a significar la mate nció n d e co mpa tibl es co n aqu é ll os d e i thatche ri s mo
la su pre macía dei mercado por sob re cualquie r (Cohen: ·1994, 7).
con s ideración social a objeto d e aumentar la En estos panfl e tos se co nsid e m la opo rl·u-
eficiencia productiva dei ca pital británi co y as i nid ad de un Irabajador de conseg uir un emp leo
incrementar su compe titividad e n la a rena in- bien pagado (algo cad a vez mós raro para la
ternacional. Para esa fecha daba la impresión inmensa mayoria de los pro lcl"arios dei mundo)
de que Bla.ir hada esfuerzos infru ctuosos para con la de un capitali sta o in vcrsio ni s t~ p~r3 quicn
diferenciarse de los Tories y se argumentaba por 'una oportunid ad' pu cdc signifi ciJr la ganzmcia
algunos críticos de la izquie rda que e l Labo- de millones de libras esterlinas o d ó la res, como
rismo se auto-imponía restricciones en el ámbito id é nti cas. Los res ultad os d es ig ua les d e es ta
económ.ico lo que resultaría e n la no imple men- ' igualdad de opo rtunid ades' se justifi ca a los ojos
tación de s u programa d e mod ernizac ión de los blairis tas porqu e depende de las d ec i-
(Coates: 1996, 3). sio ncs ' Iibres' dei indi vidu o. Po r ello, nadie, es-
Si la mod ernizac ión ba sa da en el libre pecialmente el eSI·ad o, debe inmiscuirse en esle
funcionam ie nto dei mercado iba a produ cir el asunto tratando, po r ejemp lo, de redislribuir d
d eseado crecimiento económico que la finan - ingrcso pucs to que Zlten taría grLIvclllcnl c conlTil
cia ría, ello no reduciría la enorme brecha entre el principio de la libe rtad .
ri cos y pobres nj las agudas dife re nciacio nes Aunque por ca minos tortu osos y d es pués de
regionales, especialmente en tre el Norte y el Sur as o mbro s as co nto rs io ncs inte lcc tuales los
dei país. Este es otro aspecto de la ru ptu ra con blairi s ta s lI egan a las mi s mas co nclu s io nes
los princ ipios tradi cionales dei Labori s mo reaccionarias q ue los partid a ri os de Von Hayc k
británi co, a sa be r, inte rve nci ó n es tata l para o de Milton Friedmann : cua lqui e r inl e nlo d e
aminorar las diferencias social es ex is te ntes, redistribu ción a fa vor y como co nsccuc nci" d e
mucho más necesarias y urgentes lu ego de cas i la pres ió n políti ca d e los g rupos soc ia les c n
dos décadas de políticas económicas y social es desventaja quc crca la econo mia d e mc rc"d o,
Con servadoras. po ne en peli gro la li bc rt"d indi vid ual.
La verdad es que la adopción de la herencia Por dlo, el N uevo La borism o rechaza un "
Tory no resultó por force maje ure s ino por qu e política de impuestos progres ivos a fin d e man-
el equipo d.irigente que rodea a Blair concue rda tener, mucho men os a ume nta r, los servi cios y
profundamente con esos principios. Ya e n 1994 prestacioncs dei estado d e bi enestar. Subyacc
los partidarios dei 'b lairismo' preparaban las en este argumento la idca d e qu e, como e n un a
bases intelectuales de la contrarrevolu ción en economia de mercado la libe rtad y la ig ual d ad
IIK · IJla ir JJll.~")' la guerra de Imk

es tán en contradicción constante, eI principi o muchas de las restantes uni vers id ad es d e i país
más importante es la li bertad por lo que no to- entrarían en un proceso inexo rable d e d eca-
das las desigualdades son injustificadas. Así, los dencia fin anciera que terminará en s u quiebra
prim e ros g ru pos e n se r atacado s por las total. (Watts: J 998)
redu cciones presupuestaria de Blair fu eron los Además, desde sus inicios e l gobiern o de
minusvá lidos y los pensionados, a los primeros Blair adopta una política económi ca 'pruden te'
de los cuaJcs eI gobierno quiso dejar sin bene- bajo la dirección dei ministro d e econ omía,
ficios socia les por medio de una redcfinición le- Gord on Brown, quien en ]997, anunció que de
ga i de lo que es la inca pacidad y, a los segun- allí cn adel ante la tasa bás ica de interés sería
dos, por medio de la abolici ón dei vínculo entre decidida por el Ban co Central renunciando con
ingresos c infl ación, lo que ha signifi cado una ell o a un instrumento clave para determinar la
reducción drástica en sus pens iones (Jones: 1999). política económica de la nad ón. Eddie George,
Frank Fie ld, mini s tro nombrad o por Btnir Jefe dei Banco, nombrado durante e l pe ríodo
para hacerse cargo de este aspecto de la lI amada Conservado r, se inclina po r una tasa de interés
mode rni zación, es un admirador público dei que beneficie a i ca pital financi ero, lo que o pera
sistema de pens iones privad os en Chile, ai que en perju icio de todas las dem ás dase sociales
regul a rmente elogia (Marquese: 1997, J27). EI dei país, incluyendo el cap ita l industrial, y con
Nuevo Laboris mo de Blai r "es ta l vez mejo r consecuen cias económkas negativas ya m uy
entendid o como thatcherismo 'suav izado' por co no c id as d e d es in centiv o inv ers or, baj a
eI Old Labour (Vi ejo Laboris mo). Acepta, cas i tecnología y debilidad industrial .
enteram e nte, las p o líti cas de i gob ie rn o de Brown también se comprome tió a mantener
Thatcher: la privati zación, des regu lación, mer- los planes de gasto de Kenneth C larke, ministro
cados de trabajo ' f1 ex ibl es', baja ca rga impo- de economía dei gobierno Conservador de John
sitiva, ' re formas' s in fin dei s istema educacio- Major (Blackburn: 1997, 9). Además, desd e an-
nal, la caza de ' parás itos' de la seguridad social tes de la elección, Blair se había comprometido
- más o menos la totalid ad dei programa neo- a no aumenta r los niveles de impu es tos ni
libera l, en verd ad, en a lgunos aspectos New s iqu iera para aq uéllos individuos d e ingresos
Labou r ha id o más Iejos que los Conservado- exo rbitantes, porqu e s upuestarne nte garanti-
res" (M cKibbin: 2000). zaría la lea ltad e lecto ral de los trabajad ores
Blair recibió aclamación cuando en uno de calificados que habían emi grado e lecto ralmente
sus discursos electora les a ntes de "1 997, anunció a los Tories y que en 1997 votaron mas ivamente
que en s u gobi e rno h ab ría tres pr io ridades por el Laborismo. En real idad, es apenas una
"edu ca ti on, ed uca ti on and edu ca tion, in that velada excusa para mantener niveles impos itivos
o rde r" ("edu cación, edu cación y edu cación, en escandalosamente favorables a los ricos.
esc orden"). Sin embargo, ya en 1998, había Intelectualmente entonces, e l bla irismo es un
presentado proposiciones d etalladas a fin de intento de reacomodo ideológico d eI labo rismo
e li min ar la gra tuid ad de la edu cación uni ver- a i neo-l iberalismo thatche ris ta . No es más que
s itari a, inclu yend o la abo li ción d e las becas una ' thatcherización' de las a ltas cúpulas dei
u nivers a les a la qu e los ciud adanos tenían Partid o La bori s ta . Es ta ope ra c ió n p o lí ti ca
d e rec ho por ley. Ni s iq ui e ra Thatche r, qu e reacc io na ri a ha tenid o va ri os hitos e ntre los
tambi é n rechaza ba la gratu id ad e n toda la cua les es tán e l aband o no de la pos ición de
educación, no sólo la univers itaria, se atrev ió a desarmami ento unilateral. Durante la d écada
cambiar es te principio igualitario por eI cual los de 1980, la administración Reagan des pl egó una
individuos, inde pendientemente de su ingreso, nu eva gene rac ió n de mi s il es ba lís ti cos
pu eden te ner acceso a la edu cación superi or. in tercontinentales en Eu ropa Occidental a ob-
Ta les propu estas creadan dos tipos de sistemas jeto de pone r presión económico-miLitar con-
univers itarios: uno elitista, en d onde univers i- tra la URSS y el bloque sovié tico lo que creó un
d ades ta les como Oxford y Cambridge podrían mov imi ento de masas g igantesco: la Canlpaiia
cobr a r los prec ios qu e qui s iesen , mi entras p or e l Des armamien to Nucl ea r (C ND),
T
l-f iqtÍri" & L U((l (h CIO H l' .f

fuerte mente apoyada po r el grueso dei Labo- didato, Ro rhi Mo rga n, re prese ntante de la
ris mo . Sin embargo, a objeto d e ha ce r a i izqu ierel a, fu ese elegid o como presidente de la
labo ris mo 'elegible', Ne il Kinnock, líd er en- asamblca ga lesa, pos ició n que ocupa h"sta hoy
tonces y qu e había sid o un ferviente unilate- día. En Irlanda dei No rte pese a la creación de
rali s t a, logró que e l Labori s mo a poya ra la una Asamblea Gube rna ti va, poco progreso se
posici ón norteameri cana de des pliegue de los ha log rado d eb id o funda me nta lm ente a la
mis iJ es. La p os ición ' multilate ra lista' - desa r- int ra ns igencia de los protes tan tes.
rnamiento nuclear sólo cuando todos los demás De todas fo rm as, la "devo luti on" en Irlan da
se desarmasen - fue formulada por la corri ente d e i No rt e la co me nzó e l go bi e rn o el e John
labo rista conocida como 'atlanti ei sta', es dec ir, M"yor, no el de Tony Blair. As i y todo, pese a
pro-n orteame ri cana. He aquí uno de los ante- rc fo rm ~H llS pcc tos ccntra lcs de la constitu ción
ceden tes d e i pro norteamericanis mo de Tony el el Reino, la moderni zació n de Tony Blai r en
Blair. Por s upuesto, no es e l úni co. este aspecto es basta nte moderada pues el po-
Tra dicionalmente, la je rarquí a labo ris ta der g ub cr namc nl Ll I real co ntinú LI cn
británica, especialmente cuand o ha estado en cl Wes tmin s te r, es d ec ir, en la Cas" de los
go bierno, h a a p oya d o a i impe ri a li s mo Comunes, dond e ha res id ido tradi ciona lmen-
nortcamericano, como por ejempl o con el sóli- te. Por élltimo, en e l terreno de la re forma cons-
do a poyo qu e otorgó la admin is tra ció n de titu cioll JI, cl gobic rn o hLl cumplid o co n $U

Haro ld Wilson a la guerra de Vielnam en los ·1970 co mpr omi so de crca r UIl Ll AS Llmb l cLl y UIl
aunq ue nunca ai nive l que lo ha hecho Blai r. Alca ide elegidos po r voto d irecto en Lo ndres.
Pa rte dei programa blairis ta de ' moderni - EI ca ndidat o mós popular para este impo rt·ante
zaeión' es la "devoluti on", es deei r, el a uto-go- p uesto po lít ico e ra (y es) Ken Livi ngsto ne,
biemo de los países (o regiones) que con forman labo rista de izquierd a, que ocupó una pos ición
el Reino Unid o, a saber, Ing la terra, Escocia, s imila r en la Municipa lid ad de Londres bajo el
Gales y eJ Norte de Irl anda. Lu ego de mu chí- gob iern o de Thatche r desde la cu al reali zó un a
simas propuestas y planes, se ha logrado un labor de efecti va o posición a las po líticas con-
parlamento en Gales en y Escoeia con poderes sc rvadorZl s, di sc riminLltor ias, rZlci stZl s y ele
bas tante lirnüados en el terreno fi sca l, edu caci- aus te ridad thatchc ri stas (en rcalidad, precisa-
ona l, político y econÓmi co. mente po r esa labo r es qu e Livingstone es tan
Pese a su timidez, no se pu ed e desconocer el po pu lar hoy). Blair dirigió una fero z ca mpalí a
progreso logrado por las dem ás nac ionalid a- po líti ca pa ra imp ed ir que c l lab o rismo
des d e ntro dei estado-nación. En parte la razó n nombrara a Livin gs lone co mo s u cand idato
de estas reforma s cons titu cio na les - qu e se para Londres, hasta cl punto de manipular los
asem ejan a la regionali zación dei estado esp,,!'io l res ultados, imped ir votos, prohib ir m()cio nes
con las Autonomias en Gali cia, Cata luíia y el de nt ro d e i parti do lab o ri s ta e n Londre s,
País Vasco - e ra el d esafio electo ral representa- obli gand o a Livi ngsto ne a presentarse co mo
do po r el Partido Nacionali sta Escocés (Scotti sh ind ependientc cn una elección en que triu nfó
Nation alis t Party) y po r e l Partido Nacionali sta <:lm pli':lIn cntc. Su rcc lccc ión en 1Z1s pr6x ill1<:ls
Ga les (Plaid Cy mru) a las fo rtun as parl a- clcccio ncs cs cas i segou rL"L
men tarias d e i Laboris mo. La 'devolution' de Bla ir bu sca terminar la
En re lación a Gales debe destaca rse qu e Tony rcs po nsab il idad el el gobi erno cen tra l " n las
Bla ir impidi ó la expresión de m oc ráti ca de i cuesti ones económ icas y presu puestarias rela-
Laborismo e impuso su propio candidato, Allun ciona das con la ca pital y las regioncs. Afortu -
Michacl, quien cas i pierde la eleceión de pres i- nadamente, en la cap ital, es tos objehvos han
dente d e la asamblea parlamentaria de Ga les s id o fru s trad os g rac ias a la e lecc ió n co mo
debid o al au senti sm o e lectoral d e las bases Alcaide de Ken Li v in gs tone, pos ición desde la
labo ristas, indi g nadas con la inte rfe rencia cua l ha hecho un a o posición sosteni da a i co n-
blairis ta, y que luego fu e o bligad o a renuncia r. junto de los fin es neo li be ra lcs d e i gob ic rn o
Finalmente, ellaborismo galés logró que su ca n- incluyen do S ll S esfue rzos pa ra pri vatizar el
12n - mair Dush y la g/l erra de lrak

trans porte públi co. Los esfu erzos privatizado- po r tantos anos, que la ley que terminó s u pri-
res d e Tony Blai r ya se expresaba n en 1999 miendo esta práctica antediluviana sólo se logró
cuand o intentaba que e l Labo ri smo y e l go- pese, y no gracias, ai gobierno. Cuando d e tra-
bi crn o aprobJran sus In iciativas de Financia- ta de cuestiones progresistas el ceio moderni-
mi e nto Pri vad o (Priva te Funding Initiatives) zador de Bl air deja mucho que desear.
que a puntaban a obtener invers ión privada en Con respecto a Europa Blair se comprometió
los servi c ios púb li cos, hos pitalcs, escue las, a un referéndum a objeto de adoptar la mo n eda
empresas, etc (Mortimer: ·1999). única, el Euro. También se prometió adoptar los
Debid o a la impopu laridad de las PF I, Blair estándares ecológicos de la Unión Europea así
d ec idi ó re n o mbrar las y lI ama rl a s 'P PP ', como los principios y normas dei Capítul o So-
So cie dad Púb li co -Pri vada (Pr iva te- Publi c cial de la Unión Europea. Como en otras áreas,
Partners hip), que cl mov imi ento obrero orga- la políti ca dei gobierno con respecto a la Unión
ni z od o y el prop io Labor is mo co ntinúan Euro pea no ha hecho mucho progreso, to do lo
rechozando (véase "London Lobour says no to contrario. Blair, no se ha atrevido a o rganizar
PP P for tube", Soc ia lis t Campai gn Croup News el anunciado re feréndum y, aunque ha anunci-
N"160, December 2000). ado la rea li zac ión de tal refe réndum, lo h a
No l"Odo e l prog rama mod ern izado r de Blai r hecll o, en nuestra opinión deliberadamente, en
es rcaccionari o, sin embargo. BIJir anu nció la eI peor momento políti co posible.
d e moc ra ti zac ión de i s is tema pa rl amentorio Luego de la gue rra de Irak y las diferencias
británi co proponiendo la abo li ción de los "Iores co n Francia y Alemania ai respecto y su postu -
hereditarios" de lo Casa de los Lores, la cámara ra servil hacia el gob ierno Bush, es improbable
a lta, no e lecta, dei parlamento . qu e la integración de Cran Bretana en la Unió n
La inm e n so may o rí<1 de lo s "Io res Eu ropea ocurra antes de la próxima e lección
he redita ri os" son Conservado res y rC<1ccio na- general en 2005. En Europa, Blair ha apoyado
ri os y han tradi cionalmente bloque<1do toda las po s icio nes más reacc io narias co m o s u
legisl<1ción progresista o radi cal proveniente de oposición a esquemas fran ceses de creaci ó n d e
la C as a de los C omunes, la cámara de los empl eos en J 997 acusándoles de Euroesc1erosis
dipu t<1d os elegi dos en elecciones democrntic<1s. (Marquese: 1997, J 27) Y promocionand o la fl exi-
El pl<1n ori gi na l apunt<1ba <1 que lu ego de la bi lización de los mercados d ei trabajo ai resto
aboli ción de los "heredita ri os", la Casa de los de Europa. Su de rechismo se notó tambié n e n
Lores fuese co m pletamente elccta en elecciones la alianza con Azna r y Berlusconi, representan-
norma les. Sin emb<1rgo, Blair no hizo abso lu ta- tes de la extrema derecha europea, con quien es
mente nada a i res pecto hasta eI 2001 cuando la Blai r se s iente mucho más a tono que con s us
pres ió n de las bases labo ri stas se hi zo t<1n in - ca maradas sociald emócratas.
tenso que le obli gó a present<1r la leg isi<1 ción En lo que res pecta a los inmigrantes tanto
prometida, pe ro lo h izo de tal manera, que re- dei Tercer Mund o como de Europa Oriental, la
s ulto en um fars<1 . EI gobi e rn o dejó en li bert<1d políti ca dei gobierno Blai r se ha ido d e reclli -
de acc ió n <1 los d iput<1 d os para vot<1 r co mo zando en la misma medid a en que la res is te n cia
quis iesen y pefm iti ó que se presentaran varias dei mov imiento obrero ai desmantelamiento dei
propuestas de cómo real iza r la reform a si n re- estado de bienestar se ha ido endureciend o, a i
comendar nin guna, produ cicndo una increíblc punto de qu e en mu ch os aspectos es difíci l
co nfu sión paro deleite de los Conservadores y distinguiri a de la política dei National Front o
de los "Iores heredi tarios" y sus partidari os. dei British National Party, organizaciones fas-
Incluso con p romesas enormemente pop u- cistas y racistas de extrema derecha, cuya prin-
lares ta les como la abol ición de la caza de la cipal acti vidad es organizar ataques fís icos e n
zo rra - un 'd eporte' no sólo bruta l y sanguinari o contra de indi vidu os o famiJi as de colar y h acer
sin o que profundamente reaccionari o y feud al, campa;;a para qu e los inmi grantes, es pecia l-
incluid a en e l progra ma electoral de 1997 - el mente los de piei oscura, sean repatriad os.
gobiern o di ó tantas volteretas y esqui vó el tema Co mo e n Franc ia bajo e l mini s te ri o d e

l
lJiçl ó ri a & Lu /a d I! C faueç -12Il
Pasqua, el cabaJlo de batalla deI gob ierno ha va ri os g rupos de p res ión (mu je res, min o rías
s ido e l 'gravísimo' problema de la inmigraci ón étni cas, gays), y de los grupos loc<lles dei part i-
' masiva' _ Activistas anti-racistas como Kumar do, y qu e previo a la 'modern ización' tenían el
Murshid, co ncejal laboris ta y diri gente de la derech o de cues ti o na r las propues tas d e la
Asamblea Nacional Contra el Raci smo, ya en dirección, presentar propuestas a lte rn ativas y
1998, con apenas un afio de gob ierno Bl a ir, defenderi as en el congreso anua l. Los grupos
denunciaba los intentos legislativos d ei go- loca1cs, adc!11 ás, tenían cl dcrccho excl usivo ~
bie rno de limitar los derechos de los extranjeros e legir el ca ndidato a diputad o de su di strito.
que solicitaban as il o en el país (Murshid: 1998). La dirección ha ta mbién reforzado la d isci-
Desde entonces, la línea dei gobiern o se ha plin a de los d iputados labori stas cuanel o se trata
drechizado sos tenidamente hasta el punto de ele vo to s importantes rela c io nado s co n
que el min.istro d e I interior, Dav id Blu nkett, redu cciones de i gasto pú blico a la edu cación,
propone que los extranjeros que soli citen asi lo saluel, o pensiones. La impo rtancia y cJ peso de
en G ran Bretaiía fuesen enviad os lejos dei pa ís, los s ind icatos afiliad os en el fun cionam iento
, probablemente a Marruecos, Argelia, M old ova int e rn o dei pa rtiel o y el peso ele s u voto en el
! o Albania, a campos de detención especial mente cong reso anua l han s id o reeluciel os. Esto es de-
! creados para este efceto (The Gllardinn, Octubre cisivo en la lcgitim ación ele elccis iones relacio-
11,2003). nilelas con el estaelo ele b ienestilr y c1 sector pú -
\ La democracia inte rna deI partido laborista bli co en general.
que, aunque d e ninguna manera perfec t·a, EI gab inete tilmbi én estó sometid o a una di s-
existía y era bas tante vigorosa y vibran te. A su c iplin a de hierro y no hil y es paci o pa ra la
lIegada aJ lide razgo dei partido en 1994 Bla ir di sens ión, eleba tes e in clu so dudas. 13lilir exige
introdujo cambios estructurales cuyo objetivo lea ltad tol"a l y absolu ta. Hasta hace poco, e l
era exti rpar y e rradi car las ins tancias de demo- contro l el e Blai r sob re el gab ine te era Wn abso-
cracia inte rna que se remontan aI ori gen hi stó- luto qu e las reun iones semana les de gab inete
rico deI Labori s mo. Según un observad o r, " Ia dUfwba n norma lm ente jl11cdi a ho rw!
dirección labo ris ta parece decidida a establ ece r EI p rog rama ele Blai r, s in e mbar go, hacc
un gra do d e contro l dentro de su partido s in necesaria no só lo el estran gu lamiento de la de-
precedentes e n la historia moderna británi ca". mocracia interna dei Labo ri smo, s in o qu e la
Peter Mair (2000, 21) democracia libera l en el estad o mi smo. EI obje-
EI control burocrático de Elair sob re el par- tivo de Blai r y sus secuaces es la des- id eo lo-
tido Laborista es tal que Mair lo equipa ra en g iza ció n el e \;] po lí ti ca britóni ca as í co mo la
fo rma, a la con cepci ón mussol ini ana de " un margi nali zación el el Labo ri smo mis mo el e lils
partito, una voce" (op. cit., 26), y ha ll evad o a deci s iones po líti cas y econ ómicas cru ciales (e n-
algunos de sus ex partid a rios a sugerir qu e 13lair traela a la Uni ón Europea, elesman telami ento eld
es un "control freak", que tradu ce más o me- Estaelo ele 13ienes tar, la alia nza milita r es trat é-
nos como "fanático anormal de i co ntr o l" gica co n los Estael os Uni dos, el ecis ioncs sobre
(Hutton: 2000), y a los partidari os dei peri ód i- s i apoya r O no la polít ica guerrcris ta de i imperi o
co de la izquie rda laboris ta, Socia li st Campa ign nortcameri cano, etc). Se trata el e hacc r lo mós
Gro up News, a d en unciar la pe rsec u ció n bo rrosas pos ibles las diferenci as ieleo lóg icils Y
' macarthys ta' de Blair en contra de concejales, p olíti cas entre los partiel os. EI éx it o el e es ta
dip utados y miembros de la izquierda dentro cstrateg ia pcrmitirÍíJ gilra n ti z.Jr nla yo ríil s
dei partido (N"133, Juni o de 1998). pa rlamcntarias d e rechi s ta s qu e c ru ce n las
En los h e chos, Blair ha logrado bu rocrat izar barrcra s partidariLls tradi ciona lcs.
el funcionamiento deI partido en áreas cru ciales Blair bu sca obv iar la o posició n elel Lab o-
ta les com o la e lección d e I Comité Ejec uti vo ri s mo Inismo a su progriJ lnZl dcrcchi stLl )'Z1 sca
adonal, tradi cionalmente foco de opos ición cn su fo rma parl alncntZlriJ, sindi cal o de I;) b<lsC
a la djrección debido a qu e tiene representan- dei partido. Sigu ienel o la misma lógica dere-
tes de los sindicatos afiliad os a I partid o, de chista y anti -elemocráti cJ, Blair trató el e ev ita r

J
122 . Biair /Jus" y la guerra de lrak

por todos los medi os la di scus ió n parlamentaria gobierno actual. La verdad, como lo demuestra
sob re s i apoyar o n o la g ue rra co ntra Irak. la o posici ón a la guerra contra lral<, es bastante
Fue ron solamente las masivas manifestaciones diferente. Partes importantes dei electorado tra-
de oposición, tan to dentro como fuera dei par- di cional labo rista en los bastiones obreros d ei
lamento, las que le obli garon a ell o. norte dei país o en los distritos pobres d e las
Como se sabe, más de 2 miU ones marcharon g randes ciudades, combate ai blairismo abste-
contra la guerra contra Irak el 15 de Febrero de niéndose de votar. EI número de votantes en la
2003, en la marcha más g rande de la historia dei elecció n qu e eli gió a Blair en 1997 fue más o
país; la o posición parlam entari a sobrepasó los me nos un 50%, tota l dei cua l e l labori s m o
200 d ipu tados y fu e sólo gracias a los votos de obtuvo apenas el 43%.
los diputa dos Conservad ores que Bla ir logró Estas cifras no refl ejan una aprobación e u-
rnayo ría. A demás, 81air - hasta ahora sin éx ito- fó ri ca de la política o ideología de Blair. Más
ha pro puesto que los pa rtidos sean financi ados aún, en las e lecciones a i parlame nto europeo
centralmen te po r el estado y no po r s us afi lia- dei 10 de Juni o de 1999, el Laborismo recibió
dos. Sig nificaría cl fin de los partidos políti cos só lo e l 28% d e los votos en una e lección en
de masa bajo algún tipo de control y escrutíni o donde apenas el 23'Y., de i e lectorado se d ig nó
democrá ti co qu e es la consecuencia lógica (y votar.
conscient'e) de i objetivo perseguid o po r Blair: el Peo r aún, en la e lecci ón complementaria a
s urg imie nto de un s is te ma políti co d es- diputado por Hartl epool, en el norte de In g la-
politi zado y des-ideo logizado (Abbolt: 2002). terra, en Octubre 2004, e l candidato laboris ta
Los med ios de comuni cac ió n bri táni cos se triunfó con una mayoría inmensamente re du-
han a ulo-convencid o y proyeclan la im agen de cida d e 2003 votos. Hartlepoo l es un bas ti ón
que pese a i derechis mo de Bla ir cl electorado o bre ro d e i laborismo cuya mayoría e ra de
nacional continú a apoyándo le, o, temiend o una '14 .571 votos (Ande rson : 1999). La razón fun-
vuelta de los Co nservad o res y prefi ere aceptar dam e ntaI es e l des pres tigio d e Blair y s u
m ás o me n os pas ivame nte la po líti ca d e i gobierno por la guerra contra I rak.

EI Blairismo, Europa y los Estados Unidos: la guerra permanente

E I apoyo to tal, absolu to e incondi cional de


Blair a la po lítica guerreri s ta de la admi-
ni strac ió n Bu sh en Ira k confirma el carácter pro-
fue id éntica a la de Clinton: intervenci ó n po r
medios econó mi cos y principalmente milita res
en los Bal can es esencialmente contra Se rbia a
fund amente reacc io nari o de la posición dei lí- o bj eto d e d es m e mbrar completam e nte la
de r labo ris ta . Fede ración Yugoslava. Blai r también apoyo el
En 1997, algun os ingcnu os pensaban que cl bombardeo de Yugoslavia en Ab ril de 1999 pese
gobi crn o de Blair, d e a lg una mancra, repre- ai eno rme descontento y oposición expresado
sentaba una ruptura co n e l thatche ri smo, e l po r los diputado s lab o ristas y las mu ch as
neo libera li smo y co n la po líti ca exteri o r pro- manifestaciones en contra.
nortcamC' ri ca na. Se cs pcraba Ul1 giro drásti co Es inte resa nte co ntrastar e l ce io anti -
de Blai r hacia Europa y un d istanciamiento de dictato rial de Blai r en relación a Milosevi c y su
los peo res as pec tos d e la políti ca ex te ri o r cas i completo distanciam iento en la práctica dei
nortc 8mc ri caniJ. d eba te re lacionado co n la ex tradi c ió n d e
Sin e mba rgo, ya e n 1998, secto res d e la Pinochet. En forma típica, Blair, recurri ó a una
izqui erda laborista notaban co n preocupació n re tó ri ca críti ca en e l ano 1999 cuando e n e l
cI apoyo irres tri cto de Bla ir ai bo mbardeo de co n g res o an u a l d e i labori s mo se refirió a
Sud án, luego de ataques terrori stas a las emba- Pinochet como una persona 'incalif icable' y a
jadas no rteame ri ca nas en Na iro bi y Dar-es- los Tories como el ' partido de Pinochet', po r cl
SaJaam (Benn: 1999). Pre-anunciand o su apoyo apoyo que éstos le brindaron ai arrestado ex-
a Bu sh, la políti ca de Blair en relación a Kosovo di ctador. Como sabemos, el dictador fue envi a-
-
II Ü / tÍria & LU/li de C/anl')' . 123 I

do de vue Ita a C hile gracias a las man iobras el socialismo pa rl amen tar io que ha caracte ri -
legales y p o liticas de Blair y su ministro de Rela- zado la ex is tenc ia de i Labori s mo des de s u
don es Exte ri ores, Jack Straw quien había hecho fundación en 1900. Blai r está metamo rfosea ndo
activa campana e n e l pasado en contra de las 1.' 1 soc ialismo pa rlame nta ri o d e i Labo ri s mo
violadon es d e los derechos human os en Chile haciéndolo cada vez mós pa rl amen tar io y cada
(O'Sha u ggn essy: 1999). Y por si hu bo alguna menos socialista (Pa ni txh & Lcys: 1997). Bla;r -
dud a respecto dei carácte r de la política de Blair, a i igua l que Thatcher - ex presa la ap remi ante
la p rolon gadón innecesaria de la detención dei necesidad dei cap il·al fi nanciero bri tá ni co de
ex-dicta d or chilen o Augusto Pinochet en Lon- desmantelar el estado de bienestar a objeto de
dres po r 18 meses se explica fáci lmente por la ser más competitivo tanto en el terreno europeo
decisión p o litica deI gobiem o de Bla;r de tratar como en la concurrencia con Estados Unidos y
de n o senta r un precedente que permitiera ex- el ja pón.
tra di ta r y juzga r a indi vi du os culpabl es d e EI gob ierno Blair y su Nuevo Laborismo 1.'5
violadon es d e los derechos human os. un intento vcladamente d is fra za do de co nti -
Esto a plica principalmente a altos personeros nui dad co n 1.'1 thatcherismo, e! neolibcral ismo
de admini s traciones no rteaJne ri canas pasadas y e! apoyo a la al ianza 'a tlanti cis ta' en lre los
y presentes que han cometi do de litos de lesa Estados Unidos y Cran Bretalla.
hurnanid a d en el mundo, como po r ejemp lo, EI problema es que tan lo e l des mante la-
Henry J(jss inger, quien como Ministro de Re- miento dei estad o de bicnestar, como la guerra
lacio nes Ex te rio res d e Nixon, fu I.' cl ave, entre de I rak se csl"6n convirticndo cn la sepu lt ura en
otras pre d osuras, en el m ontaje de la Operación que van a terminar reposando los hu esos dei
Cónd or, o rien tad a a coord inar los es fu erzos de cadáver polí tico de! otro ra todopoderoso Tony
las di cta duras argen t ina, bras ilciia, pa raguaya, Blai r. Su situaci ón po lít ica es crili ca y los d ipu -
u rugu aya y chilena, para acres ta r, desa pa recer tados y d irigentes s indica les labori stas hablan
y ases inar a o p onentes de esos regímenes que ab iertamente de la neces idad de recmplaza rlo
residian en esos p aíses en los 1970. como Primer Min istro.
Por s upu esto que Bl air apoyó incond icio- La cuestión es (anles o después de la próxi -
nalmente y con tro p as la in vas ión no rtea me- ma c1ección genera l en Mayo de 2005? Luego
ri cana d e Afgani stán luego de la voladu ra de dei reciente congreso de! partido labor ista - que
las to rres gem e las e n Nu eva York 1.' 1 "1 ·1 d e estuvo dominad o por 1.'1 raplo de Ken l3igley,
Sep t i e mbre de 200] . Co m o s a be m os, e l trabajado r britán ico qu e fu I.' finalmen te decap i-
derrocarniento d ei Ta libán po r las fuerzas co m- tado po r sus captores irakíes - Blair fue tralado
bi nadas d e EE. UU . y C ran Bretat'ia, !levó a la quirllrg icamcntc por arriLmij) ca rclia G:L
Coalició n d e i No rte, d ominadas po r sci'iores de EI periód ico TI1c Inrlcpcndcnt dei 2 de Oclubrc
la gu e rra y traficantes de o pi o, ai pode r en 1.'51.' de 2004, in fonnaba de i hccho con una folo de
pa upérrimo p a ís, lo qu e ha p roduci d o una un Tony Bla ir so nri e n le y p rcte nd idamen le
fragmen tación pre-feud al dei país en territori os sa lu dable y des preocupad o con eI tilular: " EI
o regio n es co ntrolad os po r caciqu es mili ta res esta de vue lt·a ... (Pe ro por cuando tiempo?"
que 50n tan o m ás reaccionarios que cl TD libán. Como todo pu lil icastro acabado y p rofun da-
Los nive les de v io le nc ia ha n aumen ta d o mente desac red itad o, Blair se aferra a s u
enormem ente en e l país, en d onde en la prácti ca puesteci lo con todo lo que !"iene y se embarca,
predomina la ley d ei más fu erte y en dond e uno práctica mente cuda SemiJllw, cn .1 lgulla ini cií)li -
de los úni cos índ ices pos iti vos de la s ituación va I m ayor ', a objeto de cvitiJr cl t CIllLl I rllk,
prese n te es e l a um e n to g iga ntesco d e la aLlIlque con resu ltados miserables. I3lai r se ha
prod u cción d e o p io. Afgani stán proveI.' 75% de convertido en u na figura lament·ablc que hoy
la hero ína que se cons ume en el mu ndo (TI1c está pretend iend o que se interesa por África,
Gllardian, N o viembre 26, 2001 ). ma ll a na por los pens ionados britán icos, ayer
BJa ir re presenta un marcado giro a la derecha por ei problema de la obesid ad en C ran Bretai;a,
y que se resume en e l intento de term inar con incluso ha com prado una residencia de lujo en
I
L
124 - lllair IJush )' III guerra de lrak

el centro de Londres de 8.65 mill ones, lo que hi s to ri a d e la hum a nidad h a pa sad o por
sea, con tal de que no se hable de Irak. Mi entras d urisimas pruebas.
antes se vaya aI basurero de la histo ri a tanto EI Laborismo, la izquierda, los trabajado res
mejor para la humanjdad . y tod os los elementos progresistas de la nació n
Lo que está realmente en juego, es la relación tienen la posibilid ad no sólo de deshacerse de
especial transatlántica entre Gran Bretafia y los Tony Blair, un pobre diablo que parecia ofrecer
Estados Unjdos. Nunca an tes esta relación im- una alternativa estratégica ai thatcherismo y que
perialista y militarista se había visto sometid a es apenas un lacayo despreciable, s ino que la
a nive les d e tens ió n y de despresti g io como hi storia les ha ofrecido la increíble oportunidad
aho ra con la g uerra de Irak. de romper o seve ramente reducir la subordi-
NU.nca d esde la Segu nd a Guerra Mundia l nació n britárU ca a la alianza transatlántica con
Estad os Unid os hab ía s ido tan impo pular en los Estados Unidos. Seria la m ejo r contribución
un pa ís cuya fidelidad como sacio menor de I deI pueblo británico a la cons trucci ó n d e un
imperialismo más poderoso y más brutal de la mundo mejo r. •

BIBLIOGRAFIA CITADA

"London Labour says no to PPP for zalion" , Socialis L Ca mpai gn Gro up New Lcft Review N"2, LOCA L March
lub c", Socin li st C nmpai gn Group U
News N 144 , LOCAL ,June 1999. / April 2000.
Nc ws N" 160. DCl,;c mbcr 2000. BLAKE , Roberl. The CO lI servalive
KUMA R, Murshi . "Gov ernm ent Pany from Pee l to Maj or. LOCAL:
GA M lllE , Andrc w. Th c Frcc piam lo red ucc asy lulll seckcrs ri ghLs", New Edilion Arrow, 1997.
Econo my ano lhe Slron g Slalc: Thc Socia li sl C:unpaig n G roup News
Po li tics of Thal c hcris m. LOCA L: N" 135, LOCAL ,Septc mbcr, 1998. BLACKBURN , Robin . "Renecti on on
Maem ill an, 1994. Blair's ve lvcl revol ulion" , Ncw L cft
PAN ITC H, L eo & LEY S, Co lill. From Rev iew N"223 , LOCAL May I Junc,
COATES, David . "L:lboUf Govcr- Benn lo B l air : Th e End of 1997.
III1lCn ts: Olel Co nslrainl s ,mel Ncw Pa rli amentary Soc iali slll. LOlldon: Ver-
Par:ullclcrs. Ncw Lcft Rcvicw, N"2 19, so, 1997 . MCK IBBIN , Ross. "Trcading Wal crT',
"2 19, LOCAL Sept / Oct, 1996. New Ler< Review N"4 , LOCA L Jul y /
JON ES, Lynn c. "Govc rnm cnl 1ll1ls1 August 2000 . Socia li st C amp ili gn
ABBOTT . Dian c. " Funoing fo r drop di sabilily hcnellts culs", Socia lisl Group News N O l3 3, Jun io de 199 8.
Jlo li tica l parties", Socia li st Ca mpai gn Campaign Group News N 0 144 , LO-
Group Ncws N"179 , LO C AL , CA L June 1999. HALL, Stuart & M A RTIN , Jacqu es.
Sc plcmbcr 2002. (eds). The Politi cs or T halcher isl1l .
WATf S, Mark . Se llin g educa lioll", LOCAL: Lawrcncc and Wi shart , 198 3.
CO H EN , G.A. " 13ack to Soci ali st Soc iali sL C all1pai gn Gro up New s
l3asi cs", Ncw Lcft Rcv icw N"207, LO- N" 138, LOCA L, Decc mbcr 1998. Thc Gunrdian, 26 Novclllber. 200 I .
CAL, Scplc mbcr/Oclobcr 1994. AN DERSON , Maurcell , "Lessons of Th e Indcpcndent dei 2 de Octub re de
Ncw Labour", Socia li sl Cam pai gn 2004 .
DANGERF IELD. George. Stnnrord Group N cws N 0 14 5, LO CA L ,Ju ly
Univcrs it y Prcss; I~cp rint cdi tion , 1999 . BENN , Tony. "SIOp Britain's support
1997. for US bombin g" , Sociali st Campnign
MARQUESE, Mike. New Labour and Group Ncws, N" 135, LO CA L :
O'SHAUGGNESSY, Hugh. Pinochct , its D isco nt clll s, N ew Le ft Review Septe mber 1998.
lhe Polili cs of TorLurc., LOCA L : LaLin N"224 , LOCALJ ul y/ August 1997.
Amcrican Bureau , 1999. HUTION , Will , Th c Obse rv e r. 13
MAIR, Peter. "Parlyl ess Democracy. Febru ary. 2000.
MORTIM ER , Jim. "Crceping pri vali· Solv ing lhe Paradox orNew Labour?",

HistÚria & Lut a de Classes - 1251

RESENHAS

A historiografia envergonhada

Mário Maestri e Mário Augusto Jako bsk ind

N
as duas últimas décadas, produz iu-se uma ri ca bibli ografia sobre o perío-
do militar, em que se destacam as obras acadêrn icas, os en saios memori a-
listas e, o que n ão é comum, traba lhos científi cos prod uzid as por protago-
tagonistas d os fatos. Ainda não contamos, porém, com um trabalho de fô lego qu e
sintetize e aprofunde essa rica produção, ex plicitando o seu sentido profund o.
Compreende-se portanto a expectativa. Sob a prestigiosa d l ancela da ed itora
Companhia das Letras, Elio Gaspari, jorna lis ta de grande des taq ue e influ ência,
apresentou ao público bras ileiro os d ois prime iros dos cinco vo lumes de sua hi s-
tória d a dita dura bras ileira, produto de 'lu ase 20 anos de pesqui sa e do mergul ho
em arquivos e d e poimentos privi legiados, por sinal ced idos g raciosamente por
dois relevantes protagonistas do período qu e o auto r aborda: Ernesto Geisel, um
dos gen erais d e plantão do pós-64, e o co ronel Go lbery do Couto e Si lva (e n50
general, com o a m.ídi a o intitu la erradament e), uma es péc ie de eminência parda
dos governos CasteUo Branco e do próp rio Geisel, para não falar d os primeiros
anos da gestão d o ditador João Batista Figu eired o.
Apesar de Elio Gas pari afirmar que em "nenhum momento" passo u po r sua
cabeça "escreve r uma história da ditad ura", a ambi ciosa ini ciativa bibliogrMi ca
constitui n os fatos um ensaio de inte rpretação geral do reg ime militar, de 1964 a
1979, centrado em uma g rande e candente qu estão: as razões essenciais do ing res-
so e da salda do regime ditatorial. (pág. 20)
Q u a li da d es e id iossincrasias
O volume A ditadllra envergo nhada di scute o go lpe mil ita r e os governos Cas tcl lo
Branco e Costa e Silva. A ditadllra escancarada, o governo Médici, e a consolidação
da repressão e da tortura à luta armada. Os tomos finai s contarão "as vid as de
Geisel e Golbery, a trama que os levou de vo lta ao Plana lto e os quatro primeiros
an os do governo de Geisel" (pág. 20).
A ditadura envergonhada abre-se com In trodução, qu e antecipa momento da tra-
ma central do trabalho, a ser esmiuçada nos volumes fin a is. Ou seja, a deposição

I.
126 - Re.fenllO: A hisloriogmfia envergonhada

d o ministro da Guerra Sylvio Frota, episódio singular da consolidação do projeto


de "abertura lenta, gradual e segura" de Geisel e Golbery.
Para surpresa geral, no final da Introdução O autor apresenta a tese geral de
sua interpretação. Ou seja, as razões profundas que crê terem levado ao fim da
ditadura: "Para quem quiser cortar caminho na busca do motivo por que Geisel e
Golbery desmontaram a ditadura, a resposta é simples, porque o regime militar,
outorgando-se o monopólio da ordem, era uma grande bagunça" (pág. 4]).
No momento em que a produção ca pitalis ta em consolidação erodia a ordem
feudal, a história politica explicou os fatos históricos como produto da ação pro-
viden ciaI d e protagonis tas excelentes. Num reflexo da crença na capacidade
prometéica d o indivíduo, a história foi vista como o resultado da ação e da von-
tade de protagonistas singulares, como fora anteriormente compreendida como
expressão da vontade divina.
A Revolução Francesa dissolveu a visão da ação providencial do homem na
his tó ri a ao explicitar a trama social e o comportamento humano como produtos
de forças sociais profundas das quais os protagonistas têm apenas consciência
parcia l. Desvelar e explicar esses nexos subterrâneos tornou-se fun ção perspícua
da historiografia científica.
Portanto, é com surpresa que os leitores penetram nessa espécie de máquina
do tempo que os projeta em um universo analitico quase oitocentista, onde os
fatos históricos resolvem-se sobretudo a partir da decisão, das qualidades e das
idioss incrasias dos grandes atores políticos. Um cenário em que as massas popu-
lares não aparecem nem mesmo como fi/,'Urantes.

Simplismo constrangedor
Visão d a história que leva o autor, ao modo d a literatu.ra romântica do século
19, a traça r breves perfis psicológicos dos grandes homens, para deduzir deles
sumariamente seus comportamentos políticos e, assim, assentar a explicação de
momentos históricos singulares das idiossincrasias pessoais dos personagens ex-
celentes.
Entre as razões da vitória d o golpe de ] 964 estariam a decisão dos gol pistas e
a pach orra de Goul art que, a pa rti.r de duas referências bibliográficas e uma frase
de efe ito, é retratado como ser políti co vacilante e mediocre, quase abjeto. "Sua
biog rafia raquíti ca fazia d ele um dos mais despre parados e primitivos governantes
da his tória nacional. Seus prazeres estavam na trama política e em pernas, de
cavalos ou de coristas" (pág. 46).
No mesm o sentido, o furacão guerrilheiro que varreu as Américas nos anos
1960 e 1970, nem sempre impuls ionado pela Organização Latino-Americana de
So l id a riedade, é a presentado como uma espécie de iniciativa pessoal de Fidel
Castro, preocupado em conqu istar maior destaque individual e exorcizar uma
vid a monótona.
"O g rand e plano da revolução continental d ava-lhe uma plataforma de políti-
ca extern a que ga ranti a a Cuba uma projeção internacional [... ]. Assegurava a
Fidel um rele vo que o co locava na primeira fila dos governadores do Terceiro
Mund o e o afastava do peri go de uma monótona existência de prefeitão grisalho
de uma ditadura caribenha, fantasiado de rebelde." (pág. 197)
Nessa narrativa de um simplismo às vezes constrangedor, o golpe de ]964
deixa de ser a imposição radical pelas classes hegemônicas de novo padrão de
acumulação, em detrimento dos trabalhadores, projeto que já fracassara, em ] 954

1I j.\' t Órill & L //la ti!' C lll BI' .\' - 127 I

e 1961, d ev ido à insurre ição popu lar nascida do suicídi o de Cetúli o e do mov i-
mento p e la Legalidade. Elio Caspari prati camente absolve o emp resariado nacio-
nal da responsabilid ade po lítica da conso lidação da ditadu ra, trans formando-a
e m um s u cesso essenci almente militar (pág. 236, 11 ).
Elogio áu li co
Perfilhando a velha apologia gol pi sta, a ditad ura de 64 é apresentada como
resp osta preventiva ao golpe esquerdista em preparação: "I-b via do is golpes em
marcha. O de jango viria amparado no 'di spositivo m ili tar ' e nas bases sindi cais,
que ca iriam [s ic] sobre o Congresso, obrigando-o a aprova r um pacote de re fo r-
mas e a mudança das regras do jogo da sucessão pres idencia l" (pág. 5"1), argu -
mento este qu e indi ca também em que ca mpo ideo lógico o autor se s itu a.
Eli o Caspari n ão apenas igua la arbitra ri amente as partes em co nfronto como
pronuncia-se por uma delas, ao ex plica r o golpe com o reação m ili tar compreens í-
vel: "A revo lta dos marinheiros, na semana anter ior, e o discurso de jango [... 1, na
véspera, d esestabiJizaram as Forças Armadas. A orga nização mil itar, basmda em
princípios sim ples, claros e antigos, estava em processo de disso lução. Hav iam
s ido abala d as a di sciplina e a hierarq ui a" I pág. 91 1·
O m ovimento p opul ar seria um sedutor matreiro pronto a atent ar às castas v ir-
tudes cívicas de oficialid ade que, d ian te do perigo, levantou-se briosamente pa ra
p ô r fim à "desmorali zação" que conh eciam as forças a rmadas. Interpretação quase
bu cólica construída sob re a obliteração das décadas anteri o res de cons piração por
parte d essa mesma oficialid ade contra as forças e os interesses po pu lares.
No d esenrolar da p roposta d a intervenção correti va, de objeti vos democráti-
cos, p a ra p ô r fim à " bagunça" popula r, o auto r entoa contido mas pode roso elo-
g io áu.lico ao ditador Castell o Branco, personagem que respland ece fortemente
ao ser contrastad o com O pe rfil vil e debocho que se traça de João Co ubrt, o
presid ente expatri ado .
JlG uerra pre v e ntiva"
Se Jango e ra rústico, inculto e femee iro desbragado, espécie de lago da políti ca
nacional, "Caste llo e ra um homem de hábitos s imp les, porém refinad os, li a Anat ole
France e o uvia Mendelssohn" (pág. 139). Mais ain da, almoçava "no póJlácio La-
ranjeiras com o poeta Manue l Bandeira, ia às peças de teatro d e Tônia Ca n cro,
freq üentava as chatas sessões de posse" na ABL (pág. 221) .
Para jus tifica r as violências castelli stas, Caspari surra nas vagas das conjeturas
arbitrárias. Devido à " radica lização que levara o co nfli to para fora do círcul o
estr ito das cúpul as política e milita r, a vitóri a não podia ex tinguir-se com a de po-
sição do presidente. Fosse qual fosse o lado vitori oso, ao seu triunfo co rres ponderia
um expurgo po líti co, milita r e adm inistrati vo" (pág. 121).
A equação proposta é si mples. Se Jango Cou lart ti vesse vencid o seu hipotéti co
golpe, teria pra ticado hipotéti cas violências contra os vencidos. Portanto, as vio-
lências imag inadas de jango jus tificam as viol ências reai s do caste llis mo como
" parte do jogo bruto p rovocado pela radica lização dos últimos anos" (pág. 132).
A compreensão do dev ir his tórico como resultado da ação dos grandes prota-
gonistas impede qualqu er contextua lização efeti va do governo Castell o Bran co e,
mais grave ainda, das rupturas e superações materializadas pela ascensão de Costa
e Si lva e d e Médi ci ao governo, determinadas e determinantes das forças sociai s e
econômicas em tensão.
128· Resenha: A hi slo riografia envergonhada

As justificativas de Gaspari de alguma forma remetem ao contexto atual da


"guerra preventiva" do presidente norte-americano George W. Bush em sua in-
cursão militar contra o Iraque. Para evitar que o outro lado ataque justifica-se
urna ação militar preventiva. Ou seja, "as violências imaginadas de Jango justifi-
cam as violências reais do castel1ismo" ... O que é isso se não a própria justificati-
va do bote p ara a chamada guerra preventiva?

Tropeço político
Imediatamente após lembrar que as "contorções institucionais do regime de
1964 pouco deveram às característ icas dos generais-presidentes", Gaspari acres-
centa que Castell o era homem culto e refinado e "Costa e Silva se orgulhava de só
ler palavras cruzadas. Médici freqüentava está dios de futebol com um radinho de
pilha no ou vido e um cigarro na boca" (págs. 139, 128, Il) .
Já foram desveladas as razões fundamentais da fragilização da base de apoio
do governo Castel10 Branco. Seguindo o receituário ianque, ele impôs O arrodlo
salaria l; cortou subsíd ios; restringiu o crédito, liberou as remessas de lucro etc.
Essas medidas ensejaram recessão, desemprego, queda do p oder aquisitivo, que-
da da taxa de acumulação de ca pita is.
A orientação liberal castellista, que sonhava com a privatização das empresas
púb l icas, determinou forte descontentamento dos segmentos populares opos tos
ao golpe e das classes médias que o hav iam apoiad o. Motivou a oposição de
ca pitais indu striai s nacionai s, grande sustentáculo da regime. Tudo isso enquan-
to o mundo aprestava-se a explodir embalado pelos sucessos franceses de 1968.
Para Elio Gaspari, o prosseguimento da ditadura ap ós Castel10 Branco é uma
derrapagem fun cional militar sem conteúd o e a reação social de 1967-8, urna crise
política evacu ada analiticamente com algumas orações bem torneadas. "Quando
o consul ado de Castello Branco começava a apagar su as luzes, a panela do movi-
mento estud antil explodiu, e o governo teve [sic] de sai r às ru as de cassetete na
mão" (p ág. 232). "O país sangrava em virtude das punições de 1964 e das mutila-
ções eleito rais de 65" (pág. 278).
A co mplexa m etamorfose da ord em libe r a l-autoritário e m ditatori a l
desenvo lvimenti sta, embal ada pela cri se econômico-social, é apresentada como
resultado da ação de protagonistas que determin aram os rumos do Brasil, d evido
ao que fizeram ou deixa ram de fa zer. "Castell o sofria [s ic] procurando preservar
algum a forma de lega li dade, mas Costa e Silva, seu sucessor, numa só vacil ação,
precip itou o país na ditadura [.. ]" (pág. 139).
A rad ica l tran sição do regime libera l-autoritário ao autoritário-desenvolvi-
menti sta - apoiado no capi tal mundi al, no mercado externo e na superex ploração
do traba lho - torna-se tropeço político de ditadura qu e se queri a provisória (en-
vergon hada) em ditadura que se pretendi a eterna (escancarada). Tudo dev ido
à radi cali zação da esq uerda civi l e da direita militar. "O que se d eu no Araguaia
fo i o paroxi smo do choqu e dos radicalismos ideológicos que [... ] influenciaram a
v ida política brasileira por qu ase uma década" (pág. 406, 11).

Inesperados desvios morais


A negação rad ica l da central idade dos sucessos sócio,econômicos - o "mil agre
econômico" - n a radicalização e consolid ação da ditadura, por um lado, e na
derrota da oposição de esquerda, por outro, no início d os anos 1970, característi-
ca marcante da n arrativa de Eli o Gaspari, constitui elemento necessário ao qua-

...
e

/l iqÚ r ja & I.Il Ul de C lll HI'X . 129

ciro analítico e à explicação essencial dos fenôm enos pro postos.


A ignorância das transformaçôes estru tura is ensejadas pela ditadura viabili za
a apresentação de sua dissolu ção, não como fen ômeno complexo nascid o do es-
gotamento do n ovo padrão de acumulação, quand o da cri se capita li sta mundi al
de meados de 1970, mas como mero resultad o d;] vontad e de Gei sel e Go lbery,
paladinos d o enredo gaspariano, desgostosos com a "bagun ç;]" militar d os anos
Costa e Silva-Garrastazú Médi ci! Ei s aí uma s implifi c;]ção hi stóri ca não mram en-
te repetida p e los ideólogos de 64, protago ni stas ou não dos aconteciment os d;]-
quele p eríodo.
Nessa altura da narrativa, com eça a ficar cld ro que a propos ta "bagun ç;]" t;] l-
vez não se en contre nos fenômen os his tó ri cos, mas na su;] representação. "Resta-
beleceu -se a ordem com Geise l porque, de todos os pres identes militares, ele foi o
único a p er ceber qu e, antes de qualquer projeto pa Iíti co, era preciso res t;]be lece r
a ordem militar " (pág. 142).
Elio Gaspari paga caro a ignorância da complexi dade do processo hi stó ri co
objetivo. A ditadura escancarada, segund o tomo d;] su;] longa narrativ;], ded ic;]do
sobretud o ao governo Garrastazu Médici, to rn a-se rel ato da luta arm;]cld d;] es-
querda, da repressão da direita e d o início da lut;] co ntm ;] tortur;], de grand e
aridez, mesmo em re lação ao primeiro vo lume.
A queda d e inte resse da n arrati v;] não se d eve ;]0 f;] to de que a opos ição ;] rr11él -
da, a repressão e a tortura já tenham s id o ;]bo rd;]das, em fo rn", ex;] usti vas, em
trabalhos mag níficos, como o clássico Combate nas trevas, de Jacob Gorend er, e o
monumental Projeto Brasil: nunca ruais. Essas ques tôes se rão ainda objeto de mül -
tiplas análises m onog ráficas e sínteses gera is cri at ivas.
Esse empobrecimento deve-se sobre tu do a uma descrição circuns tan ciada d;]
luta armada, d a repressão, da tortura e de seu combate desp id ;] de seus sentid os
e conte úd os sociais e históri cos profund os, quase como se fossem ines pe r;]dos
desvios m o rais o u comportamentais da no rmali dade.
Caçando bruxas
Esse vo lume quase ignora a população. Isso, pilra não falar dos es te reót ipos
assacad os contra um d os lados da contend a ideo lógicil (a esq uerda). O autu r ig ua la
os que optaram pe lo caminho d a contestação a rm ada, muitas vezes até por falt·a
de outras poss ibilidades em funçã o do fecham en to total do reg ime de 64, aos
m ovimentos te rro ri s ta s qu e s urg iram ao longo do te mp o. Pe la co ncepção
gaspariana, fat os hi stó ri cos como a Revolu ção Francesa, por exempl o, não pnssa-
riam de um " m ov imento terrori stzl" , du mes ma fo rrn a que ns lutas de indepen-
dência dos o primidos pe las potências co loniais. Nem mesmo o herói d;] hi stóri a
brasileira, Tirad entes, seri a poupado em su;] luta contr;] os im postos d;] Co roa
Portuguesa. Ou o q ue fal ar da epopéia da res is tência anti fascis ta na Itólia, n;]
França, na Grécia e as lutas de um modo gera l con tr;] forças de ocupação estran-
geiras? A diferen ça entre ta is mov imentos e a luta arm ada do início do anos 70 é
que os acontecimentos acima mencionados foram vi tori osos, e aq ui no Br;]s il o
esquema militar conseguiu desbaratar os contestadores através de um a vi olenta
repressão. A con cep ção gaspariana, qu e é a ve rsão d icia l dos que se julgam ven -
cedores, ig n ora o beabá da hi stó ri a segund o o 'lu al para qu e um a novn ordem se
estabeleça é n ecessária a ruptura, qu e pode muitas vezes ocorrer de formas não
tão p acíficas.
As razões propos tas para a radi ca li zação da esquerd a são s impli stas e e liti stas.

l.
130 - Resenha: A his tori ogra fia envergonhada

Procurando "despoliti zar as uni versidades", Castello extinguiu a UNE, o que colocou
"gradativamente o movi mento estudantil na clandestinidade, juntando-o aos partidos
comuni stas, ao radi calismo brizolista e, sobretud o, às centenas de sargentos e subofidais
qu e haviam sido ex pulsos das Forças Armadas" (pág. 226).
A fi xação obsessiva na abordagem da tortura, presente no segundo volume, parece
nascer d a sua compreensão como o grande pecado capital de regime cri ticado, não
pelo qu e fez, mas pelo modo que o fez. "Durante todo o ano de 1968 a máquina de
informações e repressão do governo patroci nou O seu próprio terrorismo e edificou o
go lpe do AI-5, mas não cuidou da seguran ça nacional" (pág. 354).
Não se denwlCia lun regime autoritário, ao qual se reconhecem justificativas sociais,
mas sim O fato de ter superado o que se julga moralmente permitido e, sobretudo, de se
ter pro longad o além do tempo aval iado como necessário: "O governo acreditava em
bru xa, elas efetivamente existiam, e ele se dispunha a caçá-las, mas o problema não
estava nas bruxas, nlas s im na mane ira como as caça,-,:am" (pág. 222).

Horror ao desvio --
Também a linguagem de Gas pari registra o co rte liberal de discurso que realiza o
elogio da destrui ção da "bagunça" nacional-desenvolvimentista por Castello e a apolo-
gia d a obra de Geisel e Golbery. Um discurso qu e retoma amiúde vocábu los e conceitos
paridos e fec undad os pelos ideólogos da direita de então e, assim, seus conteúdos
essenciais.
Os sindi ca tos e associações são "fi locomunistas" e "monitoradas pelo Partido Co-
muni sta" (pá gs. 81, 11). A esqu erda "desmoralizava" e promovia a "anarquia" e a
"indi sc iplina" nas fo rças armadas, obri ga ndo "oficiais" a suportarem "situação
vexató ri a" (págs. 50, 91, 11). A mobilização dos marujos é "baderna dos marinheiros";
os sargen tos (antigo lpistas, uma "sa rgentad a"; a mobilização popular, uma "grande
bad e rn a" (págs. 140, 84, 227) . A Tri contine ntal, uma "grande quermesse [... 1 do
esquerdismo latino-americano" (pág. 197).
Há lapsos lingüísticos quase saborosos, como a adoção da retórica da repressão - "A
FNFi, no Rio de Janeiro, fora um dos mais agitados ninhos de subversão uni versitária"
- e a concessão à ditadura do ca ráte r "revolucionário" que acalentou possuir - 'l .. ] a
ordem revo lu cionária teve de conv iver tanto com os corruptos como com os torquemadas
1.. 1" (págs. 224, 135).
Com A ditadura envergonhada e A di tadura escancarada, Elio Gaspari inicia ambicioso
projeto de recuperação histori ográfi ca de cunho liberal da ditadura militar. Procura sepa-
rar o nú cleo central, que vê como positivo - O inicio do fim da Era Vargas; os governos
Castell o Branco e Geisel -, do secundá ri o e acessório, que aponta como nega tivo - o
gove rn o desenvo lvimentista de Costa e SiIva e Médici, os excessos da repressão.
Para não deixar dúvidas sobre sua filiação ao princípio do direito absoluto da circu-
lação d os capitais, registra na Ex pli cação inicial seu horror ao desvio desenvo lvimenti sta
ao libe rali smo casteJli sta: "[... 1 por conta da insana políti ca de reserva de mercado, os
dois primeiros Icomputadores utilizados para redigir as obras ] dlegaram à minha mesa pe-
los desvãos da alfândega" (pág. 18).
Homenagem aos qitadores
O poder da frase de efeito é poderoso recurso para s ugeriF desdobramentos comple-
xos que o texto jornalístico, dev id o a sua curta extensão e a sua abordagem superficial,
não é obrigado a desenvolver. Na narrativa jornalística, que navega em geral no mar da
trivi alid ade, a abo rdagem da essência dos fenômenos é normalmente objetivo apenas
l/i$lória &: l.ul a d e C/ a uo - 13I I
enunciado_ Para não se envergonhar, a narrativa historiográfica deve desenvol-
ver seu relato perseguindo inexoravelmente a reconstitui ção dos fatos e a ex pli-
cação dos seus nexos profundos_ Nesse percurso, a so lu ção literári a é fo rma de
ex pressão que não expunge a imprescindível exigência do desventramento dos
conteúdos_
A con clusão da leitura dos dois presentes livros permite ao leitor responder à
p e rgunta inicial do autor sobre as razões de Geisel e Go lbe ry guard arem e entre-
g arem a e le seus arquivos, concedendo-lhe o privilégio de um longo convívi o e
demoradas entrevistas_ Possivelmente sonhavam com a coroação de suas obras
pessoais por biografia parida por escritor de recursos solidári os com suas ações_
E sequer essa homenagem faltou aos ditad ores_ •

li sli> ri , ,", u la d' Ia sscs - 1331

RESENHAS

Os quilombos na dinâmica
social do Brasil
Adelmir Fiabani

E m 2001, a EDUFAL publicou tardi amente o li v ro Os quilombos na dinâm ica


social do Brasil, coordenado por Clóv is Moura para celebrar o transcurso
dos 300 anos da destruição da confederação d os quil ombos de Pa lma res.!' )
A publicação não teve o mesmo sucesso de Liberdade por 11111 fiam, escrito prati ca-
mente na mesma época e publi cado um ano após aquele transcu rso. O fato d o
lançamento ter passado em boa parte despercebido não diminui s ua qu alidade e
justifica esse comentário tardio.
São 378 páginas escritas por diferentes autores que Clóvis Moura agrupa em
três partes. Na primeira, "Textos Introd utóri os", temos v isão geral dos qui lombos
através dive rsas Ciências Sociais visão geral dos quil ombos; na segunda, "Os
qu ilombos do século XV I ao século XIX", registra-se a presença d o trabalhador
escravizado em diversas regiões do Brasil; na última, "A herança qui lombola",
abord a-se a questão dos remanescentes d os qui lombos como uma "con tinuid ade
viva das lu tas que os escravos rebe ld es detonara m durante o tran scurso da escra-
vidão". (3)
Atemos nosso comentário às duas primeiras partes, visto tratarem mais direta-
mente a questão histórica d o quilombo.Em 1948, o sociólogo Clóvis MouriJ ini -
ciou pesquisa sobre a luta dos trabal1ladores escrav izados no Brasil, co ncluin do
seu trabalho em 1952. Entretantu, Rebeliões da senzala: quiJ ombos, insurreições,
guerrilhas fo i publicad o apenas em 1959, pela ed itora Zumbi. Em seus traba lh os,
Moura assinalou a presença dominante do trabaUlador escrav izad o na fo rmação
do passado colonial brasil eiro, classifi cando sua luta como luta de cl asses.
a s umá ria "apresentação", Clóvis Moura propõe que "o problema d os qu i-
lombos no Brasi l pou cas vezes fo i tratad o como um processo pe rmanente que
expressava a luta de classes no contexto escravi sta, mas simples man ifestações de

1 _ MOU RA, Clóvis. (Org.1Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió : EdUFAI, 200 1. 378 pp .
2 _ REIS, J.J. & GOMES, Flávio dos Santos. (Org.(. Liberdade por um tio: história dos quilombos no Brasif. São Paulo: Companhia
das letras, 1996.
J _ MOU RA, Clóvis. 10rg.1Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAl. 200 1. p. 8.

R
134 · Rese"ha: Os quilombos na di nfl mica social do Brasil

volta às ins titui ções africanas, ex pressões cultura is e formas através d as quais o
africano reconstruiu aqui as s uas diversas cu lturas".!')
Uma visão sobre o passado colonial brasileiro que contrapõe a tradicional matriz
culturali sta, parcialmente retomada na última década.
Na primeira parte do livro, publicou-se tex to, de 1953, do antropólogo Edison
Ca rne iro, ced ido por d ona Madalena Ca rneiro, que abre as di scussões sobre o
tema. Por s ua vez, o antropólogo Kabenguele Munanga discorre sobre a origem
do qui lombo em Áfri ca, subs idiand o a análi se da trajetória do q1lilombo no Brasil.
Para ele, o quilombo bras ileiro é um a "cópi a do quilombo africano recons truído
pelos escrav izados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação
de uma outra es trutura po líti ca na qu al se encontraram todos os oprimidos".!')
O antropólogo e historiad or Carl os Magno Guimarães e a bióloga Juliana de
Souza Cardoso traba lh aram a arqueologia do quilombo, abordando, entre outras
ques tões, a arqui tetura, a alimentação e a arte no quilombo, mais precisamente
em Minas Gerais. O historiado r Waldir Freitas Oliveira escréveu sobre a "Econo-
mi a de Pa lmares" d ialogando com au to res como ClÓvis Moura, Décio Freitas,
Duvitil iano Ramos, Édison Carneiro, Ivan Alves Filho. Ele propôs o ca ráter pre-
cá ri o da economia quilombola, ou seja, "que os cons tantes ataques sofrid os pelos
quilombos, visando sua destruição e forçando seus habitantes a abandonarem,
co m freqü ência, seus campos de cultivo, os quai s, uma vez conquistados, eram,
imed ia tamente que imad os, teriam impedid o essa abundância, qu e pode ria, con-
tud o, haver ex istir em é pocas especiais".!")
O geógrafo e hi storiado r Manuel Co rreia de Andrade discorre u sobre a "Geo-
grafia do quilombo", co ncl uindo que, no in ício, os quilombos eram "bem mais
iso lados", passando com O tempo a loca liza r-se próx imo às aglomerações urba-
nas, milrcand o todo o território naciona l. "É fa lsa a idéia de que o quilo mbo era
uma sociedade fechada, sem contatos exteriores, sendo formado por negros". (7)
Correia de Andrade propõe que o isolamen to garantiu a existência de comunid a-
des iso ladas a inda hoje.(8)
O his toriad or Lui z Sávio de Almeida discorreu sobre o "Quilombo e Política",
enquadrand o-o no contexto d a luta de classes. Para ele, "os quil ombos foram
co ns truídos para enfrenta rem a sociedade senh ori a l e bran ca", comprovand o,
po rtanto, co ndição políti ca, já que "toda luta quil ombola foi con scientemente
a rti cu lada e arq uite tada". Havia du as vias pa ra o trabalhador escravizado, "com-
por-se ou rebelar-se" .!')
Sáv io a fas ta-se da corrente cu lturali sta ao afirmar que o quilombo pressupõe
forma determinada de organização, constituind o um "modo complexo de o pera r
o enfrentam ento pressupond o uma sociedade que deveria negar o senhoria l pe-
Jos seu s fundiJlncntos c ni sto se demonstrava como êl ltern ativa e em oposição".(IO)
Luiz Sáv io de Almeid a propõe que "não se pode pensar o quil ombo compon-
do; deve-se operar com a realid ade do quilombo se contrapondo".!II)
Es tabelece-se uma tese: "1··· 1a forma de luta va ria conjunturalmente, de acor-

4 - Id ib. p. 7.
5 - MUNANGA. Kabenguele. ~Origem e histórico do quilombo em África~. In MOURA. Os quilombos f. ..]. Op cit. p. 30.
6 - OLIVEIRA, Waldir Freitas. -Eco nomia de Palmares·, In MOURA. Os quilombos [. ..]. Op til. p. 68.
7 - ANDRADE, Manuel Correia de. -Geografia do quilombo·, In MOURA. Os quilombos [. ..}. Op cit. p. 8lo
8 - Id ib. p. 85.
9 - ALMEIDA. Luiz Sávio de. -Quilombo e política-. ln MOURA. Os quilombos [. .. }. Op cit. p. 89.
10 - Id ib. p.90.
l1 - Loccit.

I!i.ttória & I.ut a d i! ç la .B'I~ ç - 135

do com os rumos que vão sendo assumidos pela sociedad e bras il eira e, a í, o pró-
prio quilombo passa a revelar-se como um processo estratégico". "O quil ombo
e ra uma sociedade cujo aparecimento estava diretamente impli cado com a ordem
estratégica das forças contrapostas".!I2)
Clóvis Moura escreveu a "quilombagem como expressão de protesto rad ic" I".
Para ele, "o quilombo era uma sociedade alternntiva e paralela de trabalho li vre
encravada no conjunto do escravismo colonial que cons tituía a sociedade m"i or
institucionalizada".(13) A radicalidade proposta por Moura confirm a a negação do
quilombola quanto à apropriação violenta de sua força de trabalho.
Segundo Moura, "o quilombo aparecerá como unidade de protesto e de expe-
riência social, de resistência e reelaboração d os valores sociai s e cu ltur" is do es-
cravo e m todas as partes em que a sociedade latifundi ário-escravista se manifes-
toU".(I4) O quilombola era "um ser novo, contraposto ao escravo e que so mente
enquanto quiJombola podia assim pensar e sobretudo agir ". I") Pa ra o sociólogo, "o
quiJombola é o homem que adquire, pela sua pos ição radica l, a sua liberdade".I")

Cada quilombo linha suas singularidades


No entanto, alguns elementos lhes eram comuns: a produção e o trab" lh o
comunitário. A mais importante função social do quil ombo seri " "a ruptum radi-
cal, em todos os níveis, com o sistema co loni al-escravi sta, os seus representantes,
a sua economia e os seus valores radicai s e ideológicos". II7)
Não poderíamos portanto compreender O quilombo sem ser "v isto na s ua to-
tal idade de negação radi cal ao s istema" .(I8)
Moura entendeu que "economi camente o seu sistema de trabalho executado
por homens livres é outra negação ao traba lho escra vo prati cado nos engenhos,
nos latifúndios e fazendas. [... ] é também uma negação à monocultura de expo r-
tação, produzindo uma policu ltura para o consumo" .(19)
Moura ve ta a possibilidade da negociação. A liberdad e pl ena passaria pe lo
rompimento com o escravismo. Negando s ua co ndi ção de ca ti vo, no uni verso
quilombola o trabalhador escrav izado "se integrava completamente na essên cia
plena de sua cidadania e tinha a sua humanidad e restaurada e resga tad a" . A de-
cisão radical de romper com o ca ti veiro por s i só a fas ta a poss ibilidad e de nego-
ciação, pois, NO acordo com o inilnigo era a primeirJ etapa da sua rccscfi1 vizlJç50,
da vo lta ao cativeiro".(2U)
Na segunda parte, apresenta-se síntese da guerra aos quil ombolas no Gr50-
Pará, realizada por Vi cente Sa lles. Mari a Raimunda Araújo rea li zo u traba lho s u-
mário sobre os quilombos no Maranhão; Martiniano J. Sil va, sobre os quilombos
no Brasil Central; Josem ir Camilo de Melo, sobre os quil ombos d o CatLl c~, em
Pernambuco; Ariosva ldo Figueiredo, sobre os quil ombos em Sergipe; Pedro To-
más Pedreira, sobre os quil o mbos baianos; Aécio Villar de Aq uin o, so bre os
qu ilombos na Paraíba; Mário Maes tri sobre os quilombos no Ri o Grande do Su l.

11 - Id ib. p.95.
13 - MOURA, Clóvis. -A Quilombagem como expressão de protesto radicar~ . ln MOURA . Os quilombos f. .l. Op cit. p.103.
14 - loc cit.;
15 - Id ib. p. 104.
16 - Id ib. p.106.
17 - Id ib. p. 105.
18 - loc cit
19 - Loc err.
20 -loc cito
136 . Resellha ; Os quilombos na dinum ica social do Brasil

Tal abo rd agem ressalta que o fenômeno abrangeu todo o território bras ileiro,
prod uto inco ntestável da res istência do trabalhador escravizado a uma mesma
estrutura social escravista. Quanto aos quilombos em São Paulo, Clóvis Moura
id entificou o fenômeno e assina lou as diferentes fases, propondo que nos mo-
mentos finai s do escravismo "os escravos que fugiam, por meio da proteção e da
ação d os ca ifa ses não tiveram liberdad e de vender sua força de trabalho de forma
independ ente, li vre, sim, através de intermediários que estabeleciam as normas,
inclu sive o valor do salário, de acordo com os inte resses dos fazend eiros".(21)
Di s pos ição trans itória da Constitui ção de 1988 determinou a titulação das ter-
ras de remanescentes de quilombos no Bras il, ensejando nos anos seguinte movi-
mento pe la rea li zação dessa dete rminação em forma mais ampla possível. Ou
seja, qu e não excluisse as comunidades rurais negras de origens históricas não-
qu ilombo las. Uma realidade que propi ciou verdadeiro processo de invenção da
tradição, ao propor a literal defini ção co mo quilombo d e toda e qualquer comuni-
dade rura l negra nascida antes ou após a Abolição.
Na te rce ira parte, o li vro abord a di ve rsas ins tâncias do movimento pela
ti tulari zação das terras quilombolas. Em a "herança quilombola", Eliane O'Dwyer
abordou os remanescentes na fronteira amazôni ca e Lúcia M.M. Andrade, na ba-
cia do ri o Trombetas. Neusa de Gu smão discute a "herança quilombola: negros,
terras e direitos"; Dimas da Silva, o "problema jurídico das comunidades negras
remanescentes de qui lombos"; Maria Guimarães, os "mecanismos legais para
titul ação das te rras do reman escentes d o quilombos" e Walter Ceneviva, os
"quil ombos na Constituição" •

21 - MOURA, Clóvis . "São Paulo: da qui lombage m rad ica l à conc iliaç ão abolicionista", In MOURA. Os quilombos {...}. Op cit.
p.181.
-
I I
Participe desse projeto da ADIA

Crítica Social + Conjuntura Internacional +


Revista Nação Brasil
Por R$ 150,00 EM TRÊS VEZES
Assin ale com um X as o pções de ass in atura

D Assinatura Annual Crítica Social: R$ 60,00

D Assinatura Annual Crítica Social + Conjuntura Internacional: R$110,00

D Assinatura Annual Crítica Social + Revista Nação Brasil: R$ll 0,00

D Assinatura Annual Crítica Social + Revista Nação Brasil + Conjuntura Inter-


nacional: R$150,00
I lndillue se u e nd ereço pos t,,1 I

Nome:

Rua: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

CEP/ Cidade:_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

Telelone/ E-Mail:

Assinatura: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

8anco/ N'do Cheque: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

Anexe um cheque cruzado em nome da ADIA e remeta-Q pelo correio ~

ADIA
I ~~~~~~~~~~~;J Pça Pio X, n07 - 9° andar Sala Projetoadia -
L Cep 20040-020 RIO DE JANEIRO (RJ)
Nesta Ecliçãe> ,
Marcelo Badaró Mattos
Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balanço da historiografia

Nildo Viana
Acumulação Capitalista e Golpe de 1964

Felipe Abranches Demier


A "Legalidade" do Golpe: o controle dos.trabalhadores como condição
para o respeito às leis .

Carla Luciana Silva


Imprensa e ditadura militar

Gilberto Calil
Os integralistas e o golpe de 1964

Mário Maestri
O Escravismo Colonial: A revolução Copernicana de Jacob Gorender

Roberto Ramirez
Os movimentos piqueteiros e o "Argentinazo"

Francisco Domínguez
Blai" Bush y la guerra de Irak

, Resenhas ' :
Os quilombos na dinâmica social do Brasil (Adelmir Fiabani) • ,
A historiografia envergonhada (Mário Maestri e Mário Augusto Jakobskind)

Você também pode gostar