10º Congresso Nacional de Foclore - Completo PDF
10º Congresso Nacional de Foclore - Completo PDF
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Lançamento
Goiânia - 11° Congresso Brasileiro de Folclore – 19/10/2004
São Luís – Centro de Cultura Popular DVF - 1º de Dezembro de 2004
Resumo
Coletânea de textos apresentados no 10° Congresso Brasileiro de Folclore, realizado
em São Luís de 18 a 22 de Junho de 2002, coordenada por Mundicarmo Ferretti. O
evento, que teve como temas centrais Folclore, turismo, tradição e modernidade, reuniu
membros das Comissões Estaduais de Folclore e especialistas de diversos estados do
Brasil. Foram incluídos nos Anais 42 trabalhos apresentados pelos autores convidados
em conferências, mesas redondas, mini curso, textos de coordenadores de grupos de
trabalho e de um número significativo de pesquisadores inscritos nos diversos GTs
(grupos de trabalho). A seleção dos textos apresentados e discutidos nos GTs foi feita a
partir das indicações dos coordenadores, levando-se em conta: entrega do texto em
disquete no prazo estipulado, qualidade, ineditismo, contribuição aos estudos de folclore
e procurando-se incluir na seleção textos de autores de diversas regiões e estados
brasileiros. Como a Comissão Maranhense de Folclore publicou e distribuiu, em junho
de 2002, um livro com a programação e resumo de 115 trabalhos aprovados para
apresentação no evento, os resumos expandidos e textos menores não foram incluídos
nos Anais. O livro de Anais foi lançado preliminarmente em Goiânia, por ocasião do
11° Congresso Brasileiro de Folclore, quando foram entregues 10 exemplares à
Comissão Nacional de Folclore e às 22 Comissões Estaduais de Folclore. Os
exemplares dos autores colaboradores começaram a ser distribuídos após o lançamento
da obra em São Luís, ocorrido em 1º de Dezembro de 2004. Os interessados poderão
adquirir a obra na lojinha do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho – Bazar
do Giz.
2
versao preliminar
ANAIS
ANAIS
4
Conselho Consultivo:
Marita Socorro Monteiro – Região Norte
Luiz Antônio Barretto – Região Nordeste
Eliomar Carlos Mazzoco – Região Sudeste
Francisco Pitombriras de Freitas – Região Centro-Oeste
Rose Marie Reis Garcia – Região Sul
Severino Vicente – Suplente Região Nordeste
Amélia Maria Zaluar – Suplente Região Sudeste
Waldomiro Balriani Ortêncio – Suplente Região Centro-Oeste
Doralécio Soares – Suplente região Sul
Conselho Editorial:
Sergio Figueiredo Ferretti
Carlos Orlando de Lima
Izaurina Maria de Azevedo Nunes
Maria Michol Pinho de Carvalho
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti
Roza Maria Santos
Zelinda Machado de Castro e Lima
5
ANAIS
São Luís – 18 a 22 de julho de 2002
São Luís
2004
6
ISBN 85-87949-05-5
ANAIS
Comissão Editorial:
Mundicarmo Ferretti – Coordenadora
Maria Michol Pinho de Carvalho
Roza Maria Santos
Sergio Figueiredo Ferretti
Zelinda Machado de Castro e Lima
Capa:
Roda de Boi – Nhozinho
(Acervo do CCPDVF)
SUMÁRIO
PREFÁCIO DA CNF, 11
Roberto Benjamin
PREFÁCIO DA CMF, 12
Sergio Ferretti
APRESENTAÇÃO, 13
Maria Michol P. de Carvalho; Mundicarmo Ferrett
CONFERÊNCIAS (CONF)
Celso Magalhães: pioneiro dos estudos de cultura popular no Brasil, 15
Braulio do Nascimento - CNF
Folclore, turismo e mídia - tradição e modernidade, 30
Ester Marques - UFMA
Evolução do conceito de folclore e cultura popular, 40
Maria de Cáscia Frade – CNF-IBECC/UNESCO
Feito à mão: uma discussão sobre artesanato e arte popular, 51
Gilmar de Carvalho - UFC
MESAS REDONDAS
Relações entre Folclore e Turismo (MR01)
Relação entre folclore e turismo, 55
Maria do Socorro Araújo – CMF
Mídia e Folclore (MR02)
As festas folclóricas como acontecimento midiático: reinventando a cultura nordestina,
59
Osvaldo Meira Trigueiro - CPF
Mídia e folclore – uma relação de conflito, 66
Lena Frias - CFF
Espetacularização da cultura e refuncionalidade dos grupos folclóricos, 73
Roberto Benjamin - CNF
Práticas Culturais e o Cotidiano (MR03)
O fato folclórico: sobrevivência e renovação, 77
Luiz Antônio Barretto – CSF
Práticas culturais e o cotidiano: relato de experiências, 81
Deborah Baesse/coord. - CMF, Terezinha Jansen - CMF, Jorge Itaci Oliveira – TI-MA,
Reginaldo B. Salles - CES, Humberto B. Mendes – BM-MA, Zelinda Lima - CMF
GRUPOS DE TRABALHO
Religião e cultura popular (GT01)
Entre os significados da ilha encantada: relações de poder e construção do universo
religioso afro-maranhense, 117
Álvaro Roberto Pires - UFMA
Um encontro na encantaria: notas sobre a inauguração do “Monumental Místico Rei
Sabá”, 126
Anaíza Vergolino-Henry - UFPA
As pajés e a política em Cururupu-MA: uma forma de lidar com tradição, modernidade
e poder, 132
Daniela Cordovil – PPG-UNB
Religião afro-brasileira em São Luís do Maranhão: aspectos e repressão nas décadas de
1920-1930, 143
Marcelino Silva Farias Filho – CG-UEMA
Tambor de Curador – Pajelança de negro, 150
Mundicarmo Maria R. Ferretti - CMF
Os Ogãs na Jurema de Alhandra, 158
Sandro Guimaraães Salles – PPG-UFRN
O mito de Dom Sebastião no Tambor de Mina e no Bumba-meu-boi do Maranhão, 169
Sergio F. Ferretti - CMF
PREFÁCIO DA CNF
PREFÁCIO DA CMF
APRESENTAÇÃO
CONFERÊNCIAS
15
Braulio do Nascimento*
É com grande satisfação que retorno a São Luís e com muita alegria percorro as
ruas de nomes líricos, que guardam a história de seu passado no colorido dos azulejos, a
evocação do grande poeta Gonçalves Dias e de tantos outros nomes que espelham e
engrandecem, no passado e no presente, a vida cultural do Maranhão.
Novamente venho participar de atividade ligada à cultura popular, na realização
do X Congresso Brasileiro de Folclore. A Comissão Maranhense de Folclore, presidida
pelo professor Sérgio Ferretti, aceitou com entusiasmo a proposta da Comissão
Nacional, por ocasião do IX Congresso, em Porto Alegre, em setembro de 2000, para
sediá-lo nesta bela Capital.
É particularmente grato para mim falar sobre Celso de Magalhães: pioneiro dos
estudos de cultura popular no Brasil. Celso Tertuliano da Cunha Magalhães, o
maranhense de vida tão breve nascido em 11 de novembro de 1849 e falecido em 9 de
junho de 1879 mas que nos deixou evidências da grande obra que poderia ter
realizado, se o destino avaramente não lhe tivesse atribuído apenas 30 anos de
existência.
Entretanto, o que nos legou, embora quantitativamente reduzido, reveste-se de
excepcional importância pelo carácter pioneiro dos caminhos que apontou para o estudo
da cultura popular brasileira. Os seus estudos sobre a nossa poesia popular constituem
um marco na bibliografia folclórica do Brasil pelas revelações que trouxeram, pela
segura orientação impressa no estudo da literatura oral, quando poucos trabalhos nessa
área, em língua portuguesa, apenas se iniciavam.
A inteligência de Celso de Magalhães não se limitou a estudar a nossa literatura
oral, mas percorreu outros espaços culturais, abrangendo a poesia, a ficção, o teatro, a
crítica teatral, o folclore.
Antônio Lopes, seu sobrinho, no livro Presença do romanceiro (1967, p.2),
menciona as dificuldades encontradas por Celso de Magalhães em seu trabalho de
pesquisas da poesia popular
"realizadas ao mesmo tempo que se entregava a estudos sérios de direito, filosofia, crítica e
história das religiões, literatura, música, ciências chamadas naturais e exercia intensa
atividade na imprensa como folhetinista, polemista, poeta, crítico de teatro e novelista, no
foro como promotor da comarca da capital maranhense, e em outros domínios do serviço
público, comissionado pelo governo provincial".
Sua estréia literária, aos 21 anos, ocorreu com a novela "Ela por ela", publicada no
jornal maranhense O País, em 1870, seguida de outra "Pelo Correio", em 1873, e com o
romance “Um estudo de temperamento”, publicado em capítulos na Revista Brasileir,a
do Rio de Janeiro, e em O País (1870), do Maranhão.
No campo teatral, figura em sua bibliografia o "Prólogo" para o drama "O
Evangelho e o Sílabus", de Rangel de S. Paio (1873); "O Processo Valadares", tentativa
dramática (1873) publicada parcialmente na revista Ateneida, n. 1, de São Luís, em
1912, segundo informação de Domingos Vieira Filho, que ainda refere um drama "O
Padre Estanislau", de que se perderam os manuscritos. Cabe mencionar ainda as
"Crônicas Teatrais", publicadas sob o pseudônimo de Giacomo de Martorello, no Jornal
do Recife e em O País, do Maranhão.
*
Rio de Janeiro. Presidente de Honra da Comissão Nacional de Folclore.
16
***
Não obstante o título limitado "A poesia popular brasileira", os dez artigos em O
Trabalho abrangem várias manifestações folclóricas: romances, lendas, contos, orações,
crendices, festas, tipos populares e costumes. Pela primeira vez se falava, entre nós, de
forma sistemática na existência de velhos romances peninsulares, que para aqui vieram
na bagagem cultural dos portugueses, talvez já a partir do século XVI.
Era amplo o projeto e Celso tinha plena consciência das dificuldades de sua
realização. Já no primeiro artigo, afirmava:
"Escrever um livro que historiasse todas as fases por que tem passado a poesia popular
brasileira, que lhe notasse a acentuação verdadeira, a sua originalidade, fazendo, no mesmo
tempo, ressaltar as partes em que ela foi beber nas tradições estranhas, a assimilação
empregada em sua elaboração, os romances herdados da metrópole, um livro finalmente do
qual se concluísse quais os elementos que produziram e presidiram a formação dessa poesia
popular, escrever um livro assim, seria tarefa por demais pesada, senão uma
1
impossibilidade. Um trabalho inglório é o que havia de ser com certeza". (p.31)
1
Todas as citações de Celso de Magalhães referem-se à edição comemorativa do centenário da
publicação dos artigos no jornal O Trabalho (Recife, 1873): A poesia popular brasileira. Introdução e
notas de Braulio do Nascimento; apresentação de Wilson Lousada. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional,
Divisão de Publicações e Divulgação, 1973.
18
angolano, por sua vez, arraigadamente preso às normas de sua sociedade, não pode encarar
o casamento com um final feliz para sua heroína".
É sabido que, nas sociedades de tipo matrilocal, o marido passa a residir na casa da
família de sua mulher, enquanto na tradição ocidental, Cinderela sai do borralho para o
palácio, onde viverá com o príncipe.
Essas adaptações são naturalmente comuns entre nós. Sílvio Romero recolheu
em Sergipe, no final do século passado (1897), uma versão do Gato de Botas em que o
famoso gato é substituído por um macaco, que o narrador considerou mais esperto que o
bichano. Celso de Magalhães registrou essa transformação na versão maranhense do
romance da Donzela Guerreira, como veremos.
***
Quando Celso de Magalhães pioneiramente iniciou os estudos de nossa poesia
popular, havia apenas duas coletâneas da tradição portuguesa: o Romanceiro de
Almeida Garrett, de 1843-1851 e o Romanceiro geral de Teófilo Braga, de 1867.
O Romanceiro de Garrett, como ele próprio informa, incluía correções e
melhoramentos, de acordo com as diversas versões de que dispunha. Celso discordava
e, já no terceiro artigo de 31/05/1873, definia sua linha metodológica na pesquisa da
literatura oral:
"Seguimos, neste trabalho, a coleção de Teófilo Braga, como a mais completa e extreme de
qualquer composição própria, o que não acontece com a de Garrett, que as mais da vezes é
emendada e aperfeiçoada, ficando desse modo defeituosa. Garrett muitas vezes troca
palavras e mesmo idéias, como ele mesmo confessa, quando acha que os ouvidos
melindrosos podem chocar-se com os dizeres simples e rústicos do povo, com as palavras e
frases mais ou menos obcenas. Se fizéssemos um trabalho de recreio e mera diversão,
adotaríamos o método e as recomendações de Garrett; porém, como assim não acontece,
como este estudo tem por fim mostrar o que é verdadeiro, o que é peculiar ao povo, o que
lhe é congênito, desprezamo-las de boa vontade, essas recomposições, tomando delas
somente o que nos é necessário”. (p. 47)
Celso possuía essa empatia - não esqueçamos que também era poeta, além de
crítico literário - e suas breves análises o confirmam plenamente. Ele possuía essa
indispensável intuição, bem como a metodologia adequada e sobretudo grande empatia
com a cultura popular.
Embora estudando as transformações que a poesia tradicional ia sofrendo em seu
novo contexto, suas observações iam além do material linguístico, focalizando sua
representação sociológica, cultural, no produto poético resultante da absorção e
adaptação pelo imaginário popular. Não era simplesmente uma abordagem de elementos
diferenciais entre as culturas portuguesa e brasileira, mas principalmente dos elementos
extralinguísticos indispensáveis à compreensão do texto poético.
Celso balizou seus estudos pela sequência das versões do Romanceiro de Braga,
colhidas na tradição oral.
À medida em que ia mencionando e transcrevendo versos dos romances
tradicionais trazidos pelos portugueses, Celso ia analisando detalhadamente, dentro do
espaço de um artigo, as transformações que se iam operando no texto oral e que pela
primeira vez se trazia a lume.
A importância do material registrado se manifesta nos diversos fragmentos.
Alguns poucos versos de um romance épico do ciclo carolíngio - Dom Beltrão ou Passo
de Roncesval ouvido aqui no Maranhão, provocou grande entusiasmo em Don Ramón
Menéndez Pidal, ao lê-los reproduzidos nos Cantos populares de Sílvio Romero. Dom
Beltrão é morto na famosa batalha de Roncesvales. Para escolher quem iria procurar o
cadáver, tiraram a sorte sete vezes - três com malícia e quatro com maldade, como diz o
romance viejo, incluído no Cancionero de romances de 1550 e já citado por Gil
Vicente na Comédia de Rubena, que é de 1521 e a decisão aponta a triste tarefa para o
velho pai.
Com tal antigüidade e sabendo-se que os romances históricos não migraram para
o Brasil, é sobremodo importante o registro de Celso, que o cita pelo texto de Teófilo
Braga, por não ser muito conhecido, mas tinha lembrança completa da parte final:
- Sete feridas no peito a qual será mais mortal:
por uma lhe entra o sol, por outra lhe entra o luar,
pela mais pequena delas um gavião a voar.
e ainda:
- Milagre! quem tal diria, quem tal pudera contar?
O cavalo meio morto ali se pôs a falar:
- Não me tornes essa culpa, que ma não podes tornar;
três vezes o retirei, três vezes para o salvar;
20
A versão aqui recolhida conserva o nome da versão da Foz, com a qual Celso
realiza o cotejo. É bastante conhecida a estória da Donzela Guerreira: a moça que
resolve ir às guerras em lugar do pai, já muito velho, que reclamava:
- Já se começam as guerras no campo de Dom Barão:
Triste de mim que sou velho as guerras me acabarão (Foz).
Mal o hajas tu mulher, mais a tua criação;
sete filhas que tiveste sem nenhuma ser varão.
Responde logo a mais velha com todo o seu coração:
- Dê-me armas e cavalo serei seu filho varão.
E o pai argumenta, com os vários traços femininos, sempre contraditado pela filha:
- Tendes o pé pequenino, filha, conhecer-vos-ão.
- Metê-los-ei numas botas, nunca delas sairão.
- Dê-me armas e cavalos, serei seu filho varão.
- Tendes os peitos mui altos, filha, conhecer-vos-ão.
- Incolherei os meus peitos dentro do meu coração. (Foz)
E vai para a guerra. O capitão dos soldados logo desconfia e enche-se de amor por ela e
lamenta-se, em casa:
- Oh mi padre, oh mi madre, grande dor no coração,
Os olhos do soldadinho são de mulher, de homem não.
Ela retorna para casa, acompanhada do capitão e casam-se como nos contos de fadas.
Celso compara duas sequências. Onde a versão portuguesa, como vimos, diz:
- Tendes o pé pequenino, filha, conhecer-vos-ão.
- Metê-los-ei numas botas, nunca delas sairão.
Celso registrou:
- Passe pra cá essas botas, encherei-as de algodão.
E comenta que "a expressão - passe pra cá - é muito nossa, e usada no interior das
províncias" (p. 49).
Em outra seqüência portuguesa:
- Tendes os peitos mui altos, filha, conhecer-vos-ão.
- Encolherei os meus peitos dentro do meu coração,
Celso ressalta que tais versos, na variante maranhense, adquirem uma cor local
extraordinária:
- Tendes os peitos crescidos, filha, conhecer-vos-ão.
- Apertarei-os c'um pano por baixo do cabeção.
e observa:
"Vê-se, que por esta variante, que o povo foi procurando substituir cousas que ele não
conhecia, como o justilho, de que fala a versão portuguesa da Beira Baixa: ´ Mande fazer
um justilho que me aperte o coração´ por outras usadas no meio em que ele vive. O
22
cabeção, usado pelas mulheres do interior das províncias, foi escolhido para substituir o
justilho, embora se note a contradição palpável de ver uma mulher que quer disfarçar-se,
continuar a usar do cabeção, vestimenta só própria das mulheres" (p. 50).
Celso assinala:
"Por esta apropriação, feita pelo nosso povo, vê-se claramente a influência dos seus
costumes e dizeres sobre o romance português. Em primeiro lugar - diz ele - temos a
locução - que era macaco, puramente brasileira, no sentido de astuto, fino. É costume
dizer-se entre o povo - fino como macaco velho. Em segundo lugar, há a substituição do
criado português pelo moleque, que só se encontra entre nós. Já é o elemento negro
tomando conta da poesia, como adiante veremos que toma em maior escala". (p.51).
***
As observações de Celso não se restringem às transformações dos romances com
reduções ou substituições de itens lexicais da matriz lusitana por correspondências
semânticas nacionais, como vimos em relação à Donzela Guerreira, tão reveladores do
processo de adaptação ao nosso imaginário.
São igualmente relevantes as suas análises sobre as semelhanças profundas entre
a matriz e a nova fisionomia do romance em nossa cultura.
23
Daí a reflexão e perdão final: “-Pois toma-a tu por mulher, e ela a ti por marido”
- verso ouvido por Celso no final da versão maranhense.
A presença da espada, como prova de proteção da virgindade, já se encontra na
lenda céltica do século XII de Tristão e Isolda. É bastante bucólica a cena, como na
versão de Joseph Bédier (1966, p.69):
"Debaixo da choupana de ramos verdes, atapetada de ervas frescas, Isolda foi a primeira a
se estender. Tristão deitou-se depois dela e depôs a espada, sem a bainha, entre seus corpos.
Para felicidade deles, conservaram suas roupas."
***
E a espada simbólica não atravessou o Atlântico? É claro que sim. E aportou no
Maranhão, conforme registrado em versões recolhidas por Antônio Lopes, em 1948,
semiprosificadas, na Quinta e em Viana.
A versão vianense:
"O rei teve um sonho em que via Leonardo se escondendo dele. Levantou, chamou por ele,
Levantou, chamou por ele, e nada. Depois de muita procuração foi dar com ele dormindo
com a princesa, na camarinha dela.
O rei foi buscar a espada e colocou entre eles dois, jurando que mandava matar Leonardo.
Quando a princesa acordou, ficou com muito medo, dizendo:
´ Acorda, meu Leonardo nós estamos em perigo,
a espada do rei meu pai está entre nós metida´." (p. 41)
***
Dentre os romances recolhidos na íntegra por Celso no Maranhão, figura o de
Bernal Francês, que ele afirma ser "um dos romances mais cantados e conhecidos entre
nós, mas do que o de Dom Barão (Donzela Guerreira), porém menos que o da Nau
Catarineta". “A variante maranhense que possuímos diz Celso dá-lo quase
completo, como vem na lição da Foz colecionada por Teófilo Braga:
Quem bate à minha porta, quem bate, oh, quem 'stá aí?
Sou Bernal Francês, senhora; vossa porta, amor, abri.” (p. 57)
***
Além dos 17 romances referenciados ou analisados, Celso divulgou quatro
contos em O Trabalho, aparentados a romances portugueses: Jesus Mendigo (AT
750B), A madrasta (AT 780), Jabuti (AT 6) e Saúbas (AT 2031), todos recolhidos no
Maranhão, de difusão internacional, registrados no Index de Aarne/Thompson, o que
constitui informação sobre a sua ocorrência entre nós, no século XIX.
O primeiro - Jesus Mendigo é a estória de Jesus, que anuncia ir jantar na casa
de um homem rico e na do pobre. Disfarçado em mendigo, vai à casa do rico e três
vezes é repelido, sob o pretexto de que esperava Cristo. Na casa do pobre, o mendigo é
recebido e ele, que assara uma galinha para o Cristo, dá-lhe as asas e uma coxa. O
Cristo revela-se. O pobre vai para o paraíso e o rico para o inferno.
O segundo conto - A madrasta -, que Celso afirma ser "muito corrente no
Maranhão e na Bahia", é a estória da madrasta que manda as enteadas cuidarem de uma
figueira para os pássaros não comerem os figos e as castigava se faltava algum.
Aproveitando a ausência do pai, mata as meninas e enterra ao pé da figueira, onde nasce
um capinzal. Quando o jardineiro vai cortá-lo, ouve o canto:
Jardineiro de meu pai
não me cortes meus cabelos!
Minha mãe os penteava,
minha madrasta os enterrou!
A Virgem então desceu do céu, uniu os pedaços do casco do jabuti, deu-lhe vida,
abençoou-o e amaldiçoou o urubu".
***
Nos estudos publicados em O Trabalho não se limitou Celso ao fenômeno
literário. Ele traçou nos dois primeiros artigos um breve panorama histórico e cultural
do país, em um contexto que ainda não se livrara da mácula da escravidão. Suas
opiniões sob o ponto de vista da etnicidade refletem a mentalidade e os conceitos
filosóficos da época. Com o passar do tempo e com a ampliação de seus estudos, Celso
foi relativizando algumas idéias e afirmações apaixonadas tão naturais na mocidade.
Essa evolução de seu pensamento está comprovada pelas alterações, eliminações e
acréscimos, na republicação dos artigos estampados no Recife. O próprio Sílvio
Romero, seu companheiro de Faculdade, procurou contextualizar as idéias ali expostas,
apontando e criticando os exageros através da análise das longas transcrições daqueles
artigos, em seus Estudos sobre a poesia popular no Brasil, já em 1879, ano da morte de
Celso, publicados na Revista Brasileira.
***
Poucos trabalhos de tão breve extensão e de certo modo inconclusos tiveram,
entre nós, tão larga divulgação. Afortunadamente, pela sua importância, logo
reconhecida, os artigos publicados em O Trabalho foram, ainda em vida de Celso,
republicados no jornal maranhense O Domingo, de Artur Azevedo, em 1873; e na
Revista Nacional de Sciencias, Artes e Letras, de Antônio Carlos e Inglês de Souza, em
São Paulo, em 1877, com uma introdução do autor, escrita no Maranhão.
São significativas, então, as diversas notas em que se observa o alargamento de
sua visão inicial. Novos nomes da bibliografia européia aí aparecem, como Conte,
Stuart Mill, Littré, entre outros.
Celso procurou atualizar as informações, na segunda versão dos artigos, como a
citação da obra de Couto de Magalhães, que considerara "um livro excelente",
declarando:
"Quando escrevemos o princípio deste estudo (1873) não havia ainda aparecido aquele, que
foi só lido no Instituto em 1874. Como as considerações que ele nos despertou seriam
longas de mais para fazerem parte de uma nota, e enxertadas no texto desmanchariam o
27
plano do escrito, tomamos a deliberação de fazê-la no fim deste estudo e para lá remetemos
2
o leitor curioso que toma interesse por estas questões" .
***
O caminho aberto por Celso foi bastante alargado por seu sobrinho Antônio
Lopes, que partiu do seguinte questionamento:
"Não caberia perguntar se haveria no Maranhão variantes, no todo ou em parte em versos,
de alguns ou de todos os romances que Celso ouviu, alguns cantados e outros contados em
prosa? Não se encontrariam versões dos romances que ele declara não ter ouvido nem em
prosa nem em verso e dos que conseguiu apanhar inteiros por escrito e não publicou?"
E Lopes realizou pesquisas em extensa área do estado, a lugares onde Celso não
estivera.
E foi de extrema sabedoria o seu projeto, pois, reuniu versões completas de
romances citados e dos não ouvidos pelo tio. Ampliava-se, desse modo, o registro de
ocorrências de romances no Maranhão, abrangendo grande parte dos incluídos por
Teófilo Braga em seu Romanceiro de 1867. Antônio Lopes, em seu livro Presença do
romanceiro: Versões maranhenses, de 1967, que tive o prazer de organizar para a
Editora Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro, apresenta 33 romances com um total
de 73 versões de recolha própria e de seus principais colaboradores Lucy Teixeira e
Domingos Lopes. São temas referenciados ou não nos artigos de Celso, que
comprovaram as previsões de Teófilo Braga e, posteriormente, as de Menéndez Pidal
sobre a riqueza do romanceiro em terra maranhense.
***
Parece-me demasiadamente alongada minha fala sobre o ilustre maranhense,
mas na verdade é pequena para a análise e avaliação do trabalho que realizou. É
admirável a sua acuidade, o pioneirismo de sua visão dos aspectos da literatura de
2
Revista Nacional de Sciencias, Artes e Letras. São Paulo, vol. II, no 2, novembro de 1877, p. 65. Renovo
os agradecimentos a Jackson da Silva Lima pela gentileza da oferta de cópia xerox dos números da
Revista existentes na Biblioteca Pública de Aracaju/Sergipe.
28
transmissão oral, com uma bibliografia extremamente reduzida sobre a matéria na área
portuguesa e obras pouco acessíveis de outras tradições européias.
Síntese realmente notável, Celso fez um recorte no acervo do imaginário
popular, deixando um lúcido panorama da tradição poética popular no Brasil, que até
hoje se torna imprescindível para os estudos nessa área, não apenas em termos de nossa
cultura, mas também pelos aportes e revelações que podem fornecer aos estudos
relativos a outras tradições.
A fortuna crítica de Celso de Magalhães oferece matéria para outra conferência.
Para finalizar, apenas três referências.
Fran Paxeco, em discurso pronunciado, em 1917, na Academia Maranhense de
Letras, traça um vasto painel da vida e obra de Celso de Magalhães. (Reproduzido no
livro de Joaquim Vieira da Luz - Fran Paxeco e as figuras maranhenses, Rio de
Janeiro, 1957).
Luís da Câmara Cascudo reconhece: "Um precursor na sistemática e seriedade
dos estudos folclóricos" (Dicionário do Folclore Brasileiro, 2a ed., 1962).
Eduardo Diatahy de Menezes, da Universidade Federal do Ceará, enfatiza:
"Alguns pontos obscuros de nossa literatura oral foram lucidamente
desbravados por ele. Algumas de suas análises chegam mesmo a ser
antecipatórias em termos da interpretação simbólica e segundo o modelo
que iria ser proposto muito tempo depois por um Mircea Eliade"3.
***
O pioneirismo do maranhense Celso de Magalhães na pesquisa da cultura
popular no Brasil representou uma semente, que não apenas vingou, mas transformou-se
em árvore, cujos frutos estão na extensa bibliografia do Maranhão e das demais áreas do
país, além da sua presença obrigatória nas referências internacionais.
Senti-me profundamente honrado pelo convite para falar sobre o ilustre
maranhense, na abertura deste X Congresso Brasileiro de Folclore.
Muito obrigado.
REFERÊNCIAS
3
In: Celso de Magalhães e os inícios da investigação sobre literatura oral no Brasil: Erudição e ideologia.
Apresentado na Reunião do Grupo de Trabalho Sociologia da Cultura Brasileira, Nova Friburgo, RJ,
1982.
29
JAKOBSON. Roman. Arte verbal, signo verbal, tiempo verbal. Trad. de Mônica
Mansour. México, Fondo de Cultura Econômica. 1992.
LOPES, Antônio. Presença do romanceiro: Versões maranhenses. Org. por Braulio do
Nascimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1967.
MEIRELES, Cecília. Uma antepassada da "Donzela Guerreira". In Estudos e ensaios
folclóricos em homenagem a Renato Almeida. Rio de Janeiro, Ministério das Relações
Exteriores, 1960, p. 549-54.
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. A propósito del "Romanceiro Português", de J. Leite de
Vasconcellos. Comunicação apresentada ao III Colóquio Internacional de Estudos Luso-
Brasileiros. Lisboa, setembro, 1957. In VASCONCELLOS, J. Leite de. Romanceiro
português. Lisboa: Universidade, 1958, p.XI-XXI.
_______. Flor nueva de romances viejos. 14a ed. Buenos Aires: Espasa-Calpe
Argentina. 1963.
PAULME, Denise. Cendrillon en Afrique. In Critique, Paris, no 394:288-302, março.
1980.
ROMERO, Silvio. Cantos populares do Brasil. 2 v. Intr. e notas de Teófilo Braga.
Lisboa: Nova Livraria Internacional, 1883; 3a ed. anotada por Luís da Câmara Cascudo.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1954.
_______. Contos populares do Brasil. Estudo preliminar e notas comparativas de
Teófilo Braga. Lisboa: Nova Livraria Internacional, 1885; Edição anotada por Luís da
Câmara Cascudo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1954.
_______. Estudos sobre a poesia popular do Brasil. 2a edição: Petrópolis: Vozes
/Governo do Estado de Sergipe /Funarte-Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro,
1888.
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. 27a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986.
30
Ester Marques*
INTRODUÇÃO
participa como uma realização cultural, como um ato de fé, como uma forma de
religião. A legitimidade da experiência folclórica é, portanto, o resultado da imposição
de uma autoridade indiscutível com discursos, ações e práticas sacralizadas, dentro de
um domínio específico de competência. Mas, diferentemente de outras esferas culturais,
o domínio de competência do folclore é um domínio que gera a sua volta um consenso
com força indiscutível, um conjunto de valores que se impõem a todos com força
vinculativa, assumindo assim de maneira mais ou menos visível e coerciva a função
ambivalente de inclusão e de exclusão, de abertura e de clausura que caracteriza a
função simbólica do seu poder de influência.
Por conta disso, o ritmo de funcionamento da experiência folclórica é tanto mais
freqüente, intenso e acelerado quanto mais sagrada e total é a sua ordem e quanto maior
a sua vivência por parte dos participantes do seu universo simbólico. É um ritmo de
funcionamento cuja intensidade exige um processo específico de esquecimento e
ocultação, não de rememoração atualizante, mas de reminiscência. É através desse
processo de ocultação ou de anamnésia que as fontes originárias da cultura folclórica
são atualizadas exigindo um retorno constante dessa tradição6 que, ao mesmo tempo, dá
sentido ao fato folclórico e funciona como reatualizador dessa mesma reminiscência,
num ciclo vital de vida e morte.
Por seu lado, o turismo alimenta-se precisamente do desejo de desenraizamento
dessa memória, da substituição do sagrado pelo profano, da procura de novas
experiências, do confronto com o outro, provocando desse modo mecanismos
desestabilizadores desse fundo arcaico. Ao promover a intrusão de populações
exteriores às comunidade visitadas, com crenças, costumes, práticas e concepções de
mundos diferentes, o turismo é muitas vezes responsável pela aceleração da perda da
memória arcaica de que se alimenta o folclore, pelo processo de desarticulação da
experiência cotidiana da tradição, pela quebra da simetria entre a produção e a recepção
do fato folclórico. Um processo cujo efeito mais direto é a cisão irremediável entre a
experiência ritualística dos produtores do fato folclórico e os receptores desse mesmo
fato.
O turismo, por conseguinte, alimenta-se de uma experiência estética
desarticulada da realidade cotidiana das culturas locais mesmo quando pretensamente
promove essa realidade através da visibilidade mediática ou de outros tipos de
promoção cultural. E isso acontece porque o regime de funcionamento do turismo é
acelerado, baseado num processo dessacralizador da experiência, no princípio da
transparência das indústrias culturais e fundamentado numa tradição permanentemente
reinventada7 conforme os contextos envolvidos. Desse modo, a legitimidade específica
6
Sobre o conceito folclórico de tradição, Mário de Andrade diz que a exigência de um fato para ser
folclórico deve ter existência comprovada há longo tempo. Assim, a pesquisa da cultura popular deve
pautar-se pelo processo de criação e dá como exemplo a música folclórica. «(...) se o documento musical
em si não é conservado, ele se cria sempre dentro de certas normas de compor, processos de cantar,
reveste sempre formas determinadas, se manifesta dentro de combinações instrumentais, contém certo
número de constâncias melódicas, motivos rítmicos, tendências tonais, maneiras de cadenciar, onde todos
já são tradicionais, anônimos e autóctones, às vezes peculiares, e sempre característicos do brasileiro. Não
é tal canção determinada que é permanente, mas tudo aquilo de que ela é construída.» (ANDRADE, l959,
p.l65)
7
Em A Invenção da tradição, Hobsbawn refere-se à criação de rituais e de regras que buscam traçar uma
continuidade com o passado, gestando dessa forma uma memória que funciona como um estoque de
lembranças. No entanto, nem tudo o que ela abarca é realmente passado - várias de suas manifestações
são recentes e surgem como algo há muito existentes, mas o fato de celebra-las faz com que se esqueça a
sua idade, sua origem atual, camuflada pelo tempo imaginado. A tradição criada confere a ilusão de
perenidade, reabilitando o nexo entre o presente e o pretérito reconstruído. (Hobsbawn apud Ortiz 1995,
p.27)
32
A concepção romântica
A concepção folclorista
Os folcloristas, por seu lado, apesar de, como os românticos, também cultivarem
a tradição, procuraram encontrar procedimentos de análise e de interpretação das
manifestações populares. Para eles, o aspecto primitivo, que encontramos nas
manifestações folclóricas, deveria servir de base para uma ciência interpretativa do
fundo arcaico da própria modernidade. No homem moderno ignorante encontraríamos
os mesmos modelos culturais de que o folclore se alimenta.
Seria, por isso, estudar o homem moderno ignorante como o antropólogo estuda
o homem primitivo e esse estudo seria indispensável para o compreender e melhor
civilizar. Nesse confronto, que se estabelece entre o civilizado e o selvagem, a intenção
é escutar o povo e transcrever escrupulosamente a memória popular, a partir do recém-
criado método da etnografia e das propostas por Edward Tylor. No seu livro Cultura
primitiva, esse autor estabelece uma analogia entre o homem primitivo e o selvagem
moderno.
Mas, ao contrário dos racionalistas, que consideram o folclore como conjunto de
práticas supersticiosas alimentadas pela ignorância do povo, os folcloristas punham em
relevo o seu aspecto divertido, charmoso, ingênuo, poético. O primitivo passa assim a
ser considerado como testemunho da tradição, um verdadeiro relicário, fonte de hábitos,
de costumes e de superstições, uma espécie de museu de antiguidades, com um valor e
um preço incalculáveis. O folclore passou assim a ser concebido como a suma dos
34
conhecimentos dos homens deseducados, inscrita numa memória fiel e virgem, que
precisava ser resgatada, antes que os bons selvagens acabassem por serem apanhados e
destruídos pela civilização.
«O tom nostálgico é revelador; trata-se de lutar contra o tempo. O esforço colecionador
identifica-se à idéia de salvação; a missão é congelar o passado, recuperando-o como
patrimônio histórico (...); nadam contra a corrente, e procuram armazenar em seus museus e
bibliotecas a maior quantidade possível de uma beleza morta.» (ORTIZ, 1995, p.40).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
*
Vice-P
residente da Comissão Nacional de Folclore;.Professora Adjunta da UERJ; Doutora em Antropologia da
Educação.
41
A reação a essa corrente foi encabeçada por Renato Almeida, que propôs uma
aproximação com a Antropologia Cultural. Recomendou que se observasse também os
aspectos externos, materiais e concretos, como as artesanias, as indumentárias, as
músicas, os instrumentos musicais e suas formas de execução, as coreografias, os textos
literários, os componentes rituais, além das considerações econômicas, políticas,
históricas e geográficas. O entendimento da cultura popular, na concepção de Renato
Almeida, deve atentar para “o comportamento do grupo social onde existe e para as
formas que revestem o fato” (ALMEIDA, 1974, p.29).
Mário de Andrade, na busca de uma interlocução com as ciências sociais e
humanas que então se estruturavam no Brasil, propôs “acabar com a falta de
cientificidade” no trato com o folclore. Para tanto organizou curso de formação de
folcloristas, ministrado pela antropóloga Dina Levi Strauss e criou a Sociedade
Brasileira de Etnografia e Folclore (SOARES, 1983).
Circunstâncias históricas favoráveis, como a necessidade de alguma forma de
atuação organizada nessa área, já expressas por estudiosos das “tradições populares” do
início do século XX (Amadeu Amaral, Mário de Andrade, dentre outros), e ainda o
contexto de pós-guerra, quando a preocupação com o folclore se ajusta à atuação da
UNESCO em prol da paz mundial, estimularam Renato Almeida a assumir a
presidência do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), do
Ministério das Relações Exteriores e vinculado à UNESCO. Renato criou então a
Comissão Nacional de Folclore (CNF) como Comissão Nacional da própria UNESCO
e, a partir de 1947, liderou um grande movimento em todo o território brasileiro. O
43
O caráter dinâmico da Cultura impõe então uma outra discussão, que ora admite
e ora recusa o folclore como possuidor de dinamismo. Muitos o consideram como de
aspecto conservador. O termo “cultura popular” seria mais progressista. Arantes (1981,
p.17/18) foi enfático: “pensar a cultura popular como sinônimo de “tradição” é
reafirmar constantemente a idéia de que a sua Idade de Ouro deu-se no passado”.
Esse questionamento, que propõe inclusive substituição do termo, foi resumido
assim por Brandão:
“Na cabeça de alguns, folclore é tudo o que o homem do povo faz e reproduz como
tradição. Na de outros, é só uma pequena parte das tradições populares. Na cabeça de uns, o
domínio do que é folclore é tão grande quanto o que é cultura. Na de outros, por isso
mesmo folclore não existe e é melhor chamar cultura, cultura popular, o que alguns
chamam folclore” (BRANDÃO, 1989, p.23)
“A identidade entre folclore e cultura popular se rompe no ISEB. Folclore passa a ser o
passado; cultura popular, transformação. Cultura popular passou a significar um meio
para atingir determinado fim, dar consciência ao povo”. (OLIVEIRA, 1992, p.72)
É assim, continua ele, que o povo estará presente no plano literário a partir do
século XIX: visto como classe, e não mais através dos planos estéticos, morais,
religiosos ou filosóficos.
O deslocamento do olhar para grupamentos humanos, considerados “populares”,
vigentes no interior do contorno citadino, no caso do Brasil pode ser visto em José
Murilo de Carvalho (1987), em seu estudo sobre o movimento republicano em seus
primeiros decênios. No discurso de variados expoentes desse ideário, a denominação
“povo” vai se dar através de dois eixos: pelo estatuto social - um amplo espectro
composto por gasistas, bombeiros, cocheiros, carroceiros, trabalhadores no comércio,
marítimos, além dos artesãos, dos têxteis, dos operários do Estado e da construção civil;
e pelo entendimento que se tinha deles: eram “ordeiros e que não se envolviam em
política” (CARVALHO, 1987, p.175).
A consolidação das sociedades de classes economicamente definidas vai
estimular intelectuais marxistas a denominarem por “povo” o proletariado, isto é, “o
conjunto das classes subcultas e instrumentais de toda forma de sociedade até agora
existente” (GRAMSCI, 1968, p.184).
E assim, popular/povo vai surgindo nos textos de variados autores, como
sinônimos de “camponeses”, “gente simples”, “gente modesta”, “maioria subalterna”,
etc.
Essas constatações, porém, não resolvem o problema por duas principais razões.
A primeira é que se pretende circunscrever uma situação ou forma da cultura a uma
determinada classe social. E variadas pesquisas têm revelado que todos os segmentos
partilham, pouco mais ou menos, “de valores comuns, existindo, portanto uma diferença
de grau, e não de natureza”. A outra é que toda essa terminologia nasce do discurso de
intelectuais, o que significa, conforme já revelou Mouralis (1982), uma referência dada
49
por quem se julga autorizado a falar do, para e pelo povo, o que pode se constituir numa
força nas lutas internas dos variados campos (político, religioso, artístico etc.).
Conforme vemos, a cultura popular tem sido enfocada no plano mais amplo das
relações sociais, do processo político e do exercício do poder. E, em conseqüência, as
percepções que daí resultam não são discursos neutros, mas existem num campo de
concorrências e competições que se enunciam em termos de soberania. (BOURDIEU,
1990)
Nossa proposta é que a cultura popular seja enfocada para além dos limites
estabelecidos por fatores econômicos, sociais, físicos ou biológicos. Os imperativos da
cultura transcendem essas fronteiras e se instalam indiferentes a elas. A comprovação
desse fato pode ser observada em pesquisa realizada por Florestan Fernandes (1979), na
cidade de São Paulo, sobre cantigas de ninar, e também em levantamentos que
realizamos em diversos locais do estado do Rio de Janeiro, sobre medicina das plantas,
culinária, crenças, canções. Conforme revelam diversos trabalhos, as práticas culturais
não se restringem a determinados estratos sociais, mas, contrariamente, perpassam todos
eles e configuram, mais do que uma classe, complexos grupamentos humanos. Faz-se,
pois necessário verificar os diferentes modos e situações com que a cultura se manifesta,
independentemente de quem dela se apropria.
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VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão: O movimento folclórico brasileiro (1947-
1964). Rio de Janeiro: MINC/Funarte, 1996.
51
Gilmar de Carvalho*
*
Professor da Universidade Federal do Ceará – Curso de Comunicação Social; Doutor em Comunicação
e Semiótica.
52
MESAS REDONDAS
55
*
Comissão Maranhense de Folclore; Universidade Federal do Maranhão – Mestre do Departamento de
Sociologia e Antropologia – CCH. Apresentado na Mesa-redonda Relações entre Folclore e Turismo,
coordenada por Olímpio Bonald da Cunha Pedrosa Neto – 1º Vice-presidente da Comissão Nacional de
Folclore.
8
Bairro da zona rural de São Luís.
56
depoimentos que realmente foram muito importantes para nós... mãe Rita faleceu no ano
seguinte às comemorações do centenário, em 1998”. (Entrevista com o presidente do Boi da
Maioba, 2000).
“preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico
de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas
populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes
populares...” (PELLEGRINI, 1993, p.45).
Como podemos observar essa brincadeira que vem sendo passada de geração a
geração há mais de 100 anos resiste pela força da cultura, isto é, pela vivência coletiva
que é permeada de significados. As dificuldades dos grupos muitas vezes alteram
determinadas formas de produções originais por exigência das relações capitalistas junto
às classes populares, logo as políticas e práticas que sustentam os padrões de vida atual
58
REFERÊNCIAS
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1993.
THEOBALD, William F. (Ogranizador). Turismo Global. São Paulo: Ed. SENAC,
2001.
59
INTRODUÇÃO
*
Comissão Paraibana de Folclore; Universidade Federal da Paraíba – Prof. Adjunto do Departamento
de Comunicação. Apresentado na Mesa-redonda Mídia e Folclore, coordenada por Ivan Proença –
Presidente da Comissão Fluminense de Folclore.
10
Neste artigo prefiro usar o termo globalização e não mundialização.
60
A GLOBALIZAÇÃO DA CULTURA
Com a rápida circulação dos bens materiais e simbólicos pelas redes midiáticas
do mundo globalizado se pensou que o processo de homogeneização cultural estava
chegando para ficar e que as “previsões” de Macluhan da Aldeia Global se tornariam
realidade. Com o impacto das novas culturas que chegam pelos meios de comunicação,
principalmente o rádio e a televisão, nos mais remotos recantos da terra, essas
preocupações tinham certa razão. Os povos de diferentes lugares passaram a cantar e
ouvir as mesmas músicas, vestir calças jeans e comer os Big Mac e as Pizzas Hut. Na
sociedade globalizada são modificadas as estratégias de produção, distribuição e compra
de bens de consumo materiais e imateriais pelas redes multimidiáticas que transformam
o mundo em um grande mercado de produtos unificados pelos sabores, cores e formas.12
A coca-cola é a preferida no mundo inteiro para acompanhar o Big Mac da
McDonald’s, lanchonete da cultura fast-food, presente em 120 países, atendendo 45
milhões de pessoas por dia nas suas 29 mil lanchonetes e vende anualmente cerca de 70
bilhões de hambúrgueres.13 Aqui chamo atenção para a publicidade da McDonald´s ao
lançar um cardápio especial em cada dia da semana do período da Copa do Mundo em
que um Big Mac tem “pitadinha” de gosto característico de um país participante. Na
sexta o McBrasil: pão-bola, hambúrguer de calabresa, queijo sabor 3 queijos, tomate e
cebola. Domingo o MacAlemanha: pão com gergelim, salsichão, molho alemão de
mostarda, salada mix, queijo e molho tipo maionese. Na segunda o McU.S.A com Pão-
bola, hambúrguer, queijo tipo cheddar, bacon, picles, cebola e molho barbecue. É a
MacDonald`s e a “Copa do mundo de sabores McDonald`s”: todo dia um sanduíche
diferente. As marcas Adidas, Umbro e Nike dominam o mercado mundial de
equipamentos esportivos. Nesta Copa do Mundo só a Adidas pagou 45 milhões de
dólares de patrocínio e doou 100 mil bolas, como estratégia de marketing social, para os
projetos da FIFA em países carentes.14 A indústria fonográfica, que vendeu em 1997 40
bilhões de CDs, é dominada por cinco marcas que controlam 78% do mercado mundial:
Polygram, Sony, Warner, Ariola e EMI. O Brasil ocupa o 6º lugar em vendas no
mercado mundial. Com uma fatia de 4%, está na frente da Holanda, Canadá, Austrália,
Itália, Bélgica, Dinamarca, Suécia e Suíça.15
Nos anos 80 a preocupação era com a massificação cultural que dominou grande
parte dos debates nas academias, entre os folcloristas e outros segmentos interessados
nos estudos da nossa cultura que, como conseqüência do consumo de bens culturais em
escala industrial e da hegemonia cultural, levaria ao desaparecimento a cultura popular e
11
R. Ortiz. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 17.
12
O. Trigueiro. Do rural ao urbano, o papel da televisão. In: Fragmentos e discursos da cultura
midiática.(Org.) GADINE, Sergio Luiz. São Leopoldo, RS: Editora UNISINOS, 2000, p. 81-97.
13
Veja. Edição 1754, nº 22 de 3 de junho de 2002.
14
Idem.
15
Ver, Planeta mídia: tendência da comunicação na era global de Denis de Moraes. Campo Grande:
Letras Livre, 1998.
61
o folclore. Essas preocupações nos dias atuais não têm mais sentido porque o que
estamos observando são as mudanças decorrentes dos novos estilos de vida do mundo
globalizado.
Com a televisão chegando em nossas casas, independentemente de classe social
e econômica, os telespectadores passaram a assistir os mesmos acontecimentos
midiáticos em espaços diferentes e tempo real, ou seja, o acontecimento “enquadra” o
espaço e o tempo aos seus interesses. Um grande exemplo é a cobertura da Copa do
Mundo no Japão e Coréia, onde os jogos são realizados no período noturno, e aqui no
Brasil acordamos ou estamos tomando o café da manhã e assistindo “ao vivo” o mesmo
jogo transmitido para mais de 200 países pela televisão e em tempo real pelas redes de
computadores conectados à internet. A Copa do Mundo na era da globalização é o
maior evento de esporte da terra a reunir vários povos de diferentes culturas que
circulam e se deslocam em torno de um mega acontecimento midiático.
Este campeonato mundial sintetiza como nenhum dos anteriores o tamanho e a natureza do
futebol. Reúne tanto o país mais populoso (China), os mais ricos (Estados Unidos e Japão)
e o maior em extensão (Rússia) quando um dos mais pobres (Senegal) e um dos menos
16
povoados (Eslovênia)
16
Veja, ob. cit.
17
Denis de Moraes, ob. cit..
18
Revista Época nº 221, 3 de junho de 2002.
62
19
Fonte: Ministério da Cultura. Disponível em www.minc.gov.br .
63
20
Denis de Moraes. ob. cit.
21
IANNI, Octávio. Globalização: novos paradigmas das ciências sociais. In: ADORNO, Sérgio (org.). A
sociologia entre a modernidade e a contemporaneidade. Porto Alegre: PPGS/UFGS, 1993, p. 17.
64
suas localizações e seus territórios cada vez mais abstratos, ou seja, são empresas que já
não pertencem a uma mesma localidade ou ao mesmo território.
Nesse sentido não podemos observar o folclore como uma manifestação cultural
engessada, fechada ou para ser “preservada”. É um processo cultural dinâmico no
âmbito do campo social dos indivíduos e que se encontra presente na vida cotidiana
moderna, que se entrelaça com os produtos culturais ofertados pelas novas tecnologias
de comunicação e de informação.
Exemplos desses novos procedimentos são as reconfigurações das festas
populares, do artesanato, da culinária, das cantorias, do cordel e de tantas outras
manifestações da cultura tradicional nordestina proporcionadas pelas novas tecnologias
de comunicação e de informação, pelo turismo e indústria do entretenimento.
As manifestações culturais populares têm as suas origens nas comemorações
comunitárias – festas religiosas ou profanas – para atender a nova ordem econômica do
mundo globalizado, de produção e consumo de bens materiais e simbólicos, que
influenciam os seus significados, se transformando em acontecimentos midiáticos que
envolvem as redes de televisão, os interesses das grandes marcas de bebidas, dos
políticos, do turismo, da economia e também dos comerciantes informais temporários,
na maioria desempregados ou em subempregos, que aproveitam as celebrações das
festas para obter alguma renda e reorganizar a economia familiar.
A evolução das festas tradicionais, da produção e venda de artesanato revela que essas
não são mais tarefas exclusivas dos grupos étnicos, nem sequer de setores camponeses mais
amplos, nem mesmo da oligarquia agrária: intervêm também em sua organização os
ministérios de cultura e de comércio, as fundações privadas, as empresas de bebidas, as
rádios e a televisão. Os fenômenos culturais folk ou tradicionais são hoje o produto
multideterminado de agentes populares e hegemônicos, rurais e urbanos, locais, nacionais e
22
transnacionais.
Para a indústria do entretenimento o evento tem que ser grande, com grande
participação do povo em todas as celebrações e que tenha o caráter macroeconômico.
“O Maior São João do Mundo” de Campina Grande, na Paraíba, “O Maior São João do
Brasil” de Caruaru, em Pernambuco, “A Festa do Boi-bumbá” de Parintins, na
Amazônia ou a “Festa do Peão do Boiadeiro” de Barretos, em São Paulo são eventos
22
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997, p.220.
23
GARCÍA CANCLINI, Néstor. ob. cit., 260.
65
que têm as suas origens na tradição popular que já entraram no circuito dos
megaespetáculos, envolvem grandes aparatos tecnológicos, financeiros e exigem uma
maior participação de pessoas. Esses acontecimentos são, ao mesmo tempo, rurais e
urbanos, locais, regionais e globais.
O que interessa à mídia, ao turismo, à economia da cultura publica ou privada é
o resultado do acontecimento midiático e não a manifestação folclórica em si mesmo.
Mas esses movimentos de interesses da economia da cultura são contraditórios por que
na recepção desses significados midiáticos os sujeitos – produtores da cultura folk –
ativos interagem nas organizações sociais como mediadores que se apossam, resistem,
expurgam, apropriam, expropriam e dão novos sentidos às mensagens midiáticas e
inventam leituras não desejadas inicialmente pela emissão. São essas diferenças que
enriquecem as manifestações folclóricas e reforçam as particularidades culturais no
mundo globalizado.
Não é comendo Big Mac, Pizza Hut, vestindo calças jeans ou roupa de vaqueiro
americano que o jovem ou o adulto brasileiro vai deixar de ser brasileiro, maranhense
ou paraibano.
Não podemos negar a existência de uma cultura global mas ela só é global por
que não existe uniformidade cultural. A globalização só tem sentido porque existe a
diversidade e não a repetição cultural.
REFERÊNCIAS
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TRIGUEIRO, Osvaldo. Do rural ao urbano, o papel da televisão. In: GADINE,
Sergio Luiz (org.). Fragmentos e discursos da cultura midiática. São Leopoldo
(RS): Editora UNISINOS, 2000, p. 81-97.
Vaquejada & Forró, Passaré (CE), n. 15, 2002.
Veja, v. 1753, n. 21, maio, 2002.
Veja, v. 1754, n. 22, jun, 2002.
66
Lena Frias*
*
Comissão Fluminense de Folclore. Jornalista, pesquisadora e escritora. Apresentado na Mesa-redonda
Mídia e Folclore, coordenada por Ivan Proença – Presidente da Comissão Fluminense de Folclore.
67
repentistas. Não há, porém, nada nesse sentido nas principais emissoras dos grandes
centros.
Acentua-se, porém, que um espaço onde vez por outra a cultura popular aparece
é nos cadernos turísticos. Como atração de destinos turísticos. Por exemplo, no Rio de
Janeiro, as serestas de uma localidade chamada Conservatória, que atraem milhares de
pessoas.
Mas o folclore como matéria regular na mídia, não tem mesmo.
Eu mesma venho batalhando há anos por um espaço assim.
Há algumas publicações dirigidas de qualidade. Como o jornal “O Galo”,
publicado pela Fundação José Augusto, de Natal, que dá ênfase à cultura popular. Há
algumas outras igualmente boas, mas que alcançam um alvo já conquistado – os
estudiosos, interessados e curiosos sobre a cultura popular. Não se trata da mídia de
grande alcance a maior influência.
Um outro ponto a considerar é que há uma certa confusão conceitual entre
cultura, lazer e entretenimento. E o que acontece? Os cadernos de cultura dos principais
jornais seriam, talvez, mais apropriadamente cadernos de lazer e de entretenimento, pois
se ocupam muito mais de agendas de espetáculos, de reportagens sobre artistas, shows
e por aí vai. O grande assunto dos cadernos de cultura é a televisão. Novelas,
personagens de novelas, os famigerados espetáculos de realidade – Big Brother, Casa
dos Artistas, que dominam completamente as pautas dos jornais em geral e dos
populares em particular.
Durante a minha carreira no Caderno B do Jornal do Brasil – o primeiro
caderno de cultura da história do jornalismo brasileiro – consegui manter em pauta a
cultura popular, que, afinal de contas, era, como continua sendo, o centro de meu
interesse. Houve uma fase, na década de 70, em que consegui trabalhar muito bem esses
assuntos. Naquele então, falar do povo brasileiro e de seus fazeres era uma atitude de
resistência e, em certo sentido, até mesmo um trabalho político. No rádio, por exemplo,
destacava-se Adelzon Alves, com um programa na madrugada em que só tinha espaço a
música popular brasileira. Muitos artistas surgiram ali e a partir dali até mesmo se
tornaram estrelas. Era um momento. Mas, mesmo naquele momento, os assuntos de
folclore eram percebidos na pauta do exotismo. Isso aí só fez piorar nos anos seguintes.
Nos anos 90 eu voltei para o Caderno B, sempre insistindo no meu tema. E encontrei
dificuldade em tratar de cultura popular brasileira. Ainda assim, alguma coisa se fazia,
na medida da boa vontade de editores mais sensíveis.
No momento, estamos no seguinte ponto: cultura popular, folclore,
manifestações populares, tudo isso é coisa antiga, baixa cultura. Entra na mídia se
contar com uma moldura erudita, se interessar dramaturgicamente, se contar com o aval
de alguma opinião midiática, de alguma personalidade ou artista.
Para atuar de maneira competente na área cultural, o jornalista precisa dispor de
alguns pré-requisitos e cumprir certas condições. Por exemplo, ter uma certa cultura, no
sentido intelectual. Dominar a linguagem, o campo, as ferramentas, inclusive teóricas
desse campo. Ter gosto por essas coisas, tornar-se um experto no ofício. E sobretudo,
amar o que faz. Condições que não combinam muito com a rapidez e a superficialidade
que marcam as pautas da mídia contemporânea. Claro que há pessoas fantásticas
escrevendo coisas interessantíssimas. Mas essas pessoas, esses profissionais ocupam-se
de folclore?
Acho fundamental, no jornalismo cultural, que se tenha ética. Porque o grande
risco do jornalismo cultural é ficar a serviço da indústria cultural. É ficar numa postura
servil em relação à indústria e ao “marketing” cultural, como um amplificador dos
interesses dessas atividades.
69
fluminense, desde as Folias de Reis ao Jongo e ao Boi Pintadinho, emolduradas por uma
certa dramaturgia que nos ajude a valorizar essas manifestações. Vamos convidar outros
estados a participar, com amostras de suas festas mais expressivas. Vamos montar uma
exposição de arte popular. Vamos promover um festival de cinema chamado “curta arte
popular”. Vamos organizar um fórum de arte, cultura e tradições fluminenses. Vamos
registrar as manifestações folclóricas em livro e ainda gravar todo o evento em vídeo.
E por que isso?
Para sermos mídia do nosso folclore. Para o apresentarmos, mesmo fora de suas
geografias naturais, em toda a sua força, pujança e encanto. Para sensibilizarmos a
população do Rio no sentido de sua própria identidade. E para atrair os meios de
comunicação, amplificando assim a informação folclórica.
Vamos atrair a mídia? Sim, vamos, porque a Casa França-Brasil tem uma
sofisticação natural que faz dela objeto de interesse. Vamos então usar esse atrativo para
chamar a atenção sobre o nosso folclore.
A conclusão é que a relação mídia-folclore é ainda uma relação de conflito. Mas
é dentro desse conflito que temos que encontrar e garantir os nossos espaços.
73
Roberto Benjamin*
*
Presidente da Comissão Nacional de Folclore. Apresentado na Mesa-redonda Mídia e Folclore,
coordenada por Ivan Proença – Presidente da Comissão Fluminense de Folclore.
74
REFERÊNCIAS
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DEBORAH BAESSE**
*
Apresentado na Mesa-redonda Práticas Culturais e o Cotidiano, coordenada por Deborah Baesse
(CMF).
**
Mestre em Educação.
82
continuidade à cadeia de transmissão do saber, num processo que inclui à medida que
transmite; que torna cidadão à medida que inclui, educando de fato.
E a escola que temos, educa? Inclui? Torna cidadão? Ou ao contrario: é
ineficiente, excludente e marginalizadora?
Que é preciso repensar as práticas e a função desse modelo escolar que temos,
não há dúvidas. A questão posta é: o que colocamos no lugar desse modelo falido?
Milhares de teorias e estudos se apresentam. Mas, talvez falte a todos eles
uma premissa básica: a desconstrução dos saberes acadêmicos cristalizados, voltando o
professor seu olhar e sua escuta aos mestres do saber popular, pois estes, sim,
continuam cumprindo com eficiência e eficácia sua tarefa de educar.
Quem sabe possamos parar para ouvir, observar, aprender? Um grande
problema do professor é sempre ensinar, estar sempre reativo em seu trabalho,
esquecendo o que ensinou Guimarães Rosa: “Mestre não é quem sempre ensina, mas
quem, de repente, aprende”.
É esse o convite que faço a todos nós: vamos aprender com a experiência dos
monstros sagrados que esta mesa reúne. Obrigada.
Essa era a minha contribuição e eu quero passar então a palavra na mesa.
Começo por Dona Terezinha Jansen pedindo a ela que faça um relato, que conte para
nós, como apreendeu as brincadeiras que dirige, como esse saber popular circulou e
chegou até ela e como ela faz para manter viva a tradição que dirige ?
Boa Tarde, é um imenso prazer estar com vocês aqui. Quero agradecer a
Comissão organizadora nesse espaço que nos foi permitido e não sei se será bem
preenchido, mas vamos fazer o possível para isso. Temos por experiência uma vivência
muito grande dentro da cultura popular do Maranhão. Nós temos grupos folclóricos em
vários sotaques e, particularmente, eu tenho a alegria e satisfação de ter sob a minha
responsabilidade dois grupos. Eu vou me identificar em primeiro lugar. Sou Terezinha
de Jesus Jansen Pereira, com 73 anos de idade, agradecendo a Deus de, com essa idade,
me permitir fazer tudo o que eu faço, somente porque ele quer. Meus pais foram Manoel
Jansen Pereira Júnior e Joana Carneiro Jansen Pereira e, com muita honra, sou bisneta
da grande matriarca do Maranhão, Ana Jansen.
Os grupos folclóricos na minha responsabilidade são o grupo de zabumba,
sotaque tradicional e original dessa nossa cultura popular tão rica, tão rica mesmo, que
nos enriquece de orgulho em estarmos acompanhando a trajetória dela ao longo de
nossa vida. Há mais de 30 anos, eu luto com a cultura e o sotaque de zabumba. Não sei
se vocês sabem mas é um sotaque tradicional que tem como instrumento as zabumbas,
que são arcos, recobertos de um lado e outro com couro de boi, ajustado com parafusos,
esquentados com fogo. Uma parte da percussão é completada pelos tamborins, que são
arcos, também, pequenos, recobertos com couro de cutia, por ser um couro mais flexível
e mais fácil de manusear para a confecção do tambor.
Ajudando a isso temos os maracás que são peças fundamentais para que não se
fuja ao sotaque. Para que não estoure o couro, então, tem que ser bem ajustado os
instrumentos, para que no fim dê um resultado positivo para o bom desempenho do
cantador. Temos, completando isso, a riqueza da indumentária de nosso trabalho. O
sotaque de zabumba tem como indumentária golas trabalhadas com canutilhos e
miçangas, conforme vocês viram aqui na abertura do Congresso, que eu tive o prazer, a
alegria e uma emoção muito grande de participar, tendo dentro dessa abertura o
lançamento do nosso primeiro CD e a oportunidade do grupo se apresentar ao vivo,
84
Deborah Baesse
Obrigada, Dona Terezinha. Eu passo a palavra agora a Jorge Babalaô,
Babalorixá do Terreiro de Iemanjá, da Fé em Deus, a quem eu queria sugerir, que
conversasse um pouco conosco hoje sobre a sua iniciação pessoal, sobre a iniciação das
pessoas que procuram a casa e como o saber circula, então, no meio que ele dirige.
A todos os presentes o meu Axé e o meu cordial boa tarde. Eu me sinto muito
satisfeito em estar aqui presente, participando desse encontro, porque sabemos que tudo
aquilo que falamos aqui é levado para fora e que outros vão ficar sabendo aquilo que
praticamos em São Luís do Maranhão. O Maranhão, como todo mundo sabe, é um
grande celeiro de tradições e de folclore e como também é um grande centro tradicional
de cultos de origem africana. Nós temos o maior orgulho de aqui no Maranhão ter
aportado a mãe do Rei Guezo, após 1797, que instituiu, aqui no Maranhão, a Casa das
Minas, que são os jeje, os membros da família real de Daomé, que prá cá foram
transportados. (Não sabemos quando chegou, mas Alberto da Costa e Silva, em
Francisco Felix de Sousa – mercador de escravos, afirma que ela foi resgatada por
volta de 1821). O Maranhão é o único lugar do mundo, depois do Daomé, em que é
verificado a família real de Daomé (...). Então aí começa a tradição afro no Maranhão,
que é logo enriquecida pelos negros nagô (os segundos a se organizarem), que foram os
que fizeram a difusão do culto aqui na nossa terra. Tivemos também Cambinda e outras
nações, mas aquelas duas predominaram aqui.
Quanto à minha apresentação, meu nome é Comendador Jorge Itaci de Oliveira,
título dado pela nossa Governadora Roseana Sarney a todos os grandes membros da
cultura e do folclore maranhense, e também sou babalorixá vodunom, porque
professamos em nossa casa as duas religiões: a jeje e a nagô, principalmente essa,
secundada pela jeje. Eu venho de uma terceira geração de pessoas ligadas ao santo,
como nós chamamos. A minha bisavó era africana, a minha avó e minha mãe já
nasceram no Brasil, e todas professaram o culto dos orixás. Há 48 anos, nós temos uma
casa montada aqui no Monte Castelo, que é o Ilê Axé Iemowá, que vulgarmente é
chamada de Terreiro de Mina Iemanjá. Então essa trajetória minha vem sendo muito
grande, muito árdua, porque nós, ao pegarmos uma casa para dirigir, eu ainda muito
novo, notei que faltava muita coisa dentro do culto, porque os ensinamentos pouco eram
dados, e que as pessoas entravam e saiam do culto sem saber o que estavam fazendo e
praticando - só sabiam que estavam dançando para os seus orixás. Vestiam os seus
orixás, mas um ensinamento muito grande ninguém tinha. Eu então procurei desbravar,
lutar, estudar e ver por onde poderíamos começar e ver o que fazer para educar esta
gente, para fazermos conhecer a sua origem, porque estavam dentro desse culto e isso
me exigiu, e exige, muito tempo, porque eu continuei a estudar e fui admitindo yaôs em
São Luís do Maranhão e a casa foi crescendo, crescendo. Entrou um número muito
grande de yaôs, que foram sendo preparados para que pudessem também, em um futuro
próximo, fundarem novas casas, para que fossem perpetuados os cultos no Maranhão,
visto que as duas casas grandes e tradicionais (Casa das Minas e de Nagô) estavam em
vias de extinção, por não terem mais continuadores. Do contrário, se elas fechassem ia
acabar tudo, o nosso culto ia ficar desaparecido. Devemos em grande parte a educação
desse culto ao professor Ferretti, que, ao chegar ao Maranhão, se interessou muito por
nossa cultura religiosa e começou a escrever sobre ela, e também a sua esposa,
professora Mundicarmo Ferretti, que se dedicou de coração e alma em escrever sobre
86
os cultos nagô e de caboclos do Maranhão, que não eram conhecidos em parte nenhuma,
eram totalmente desconhecidos, somente conhecidos no Maranhão. Hoje em dia eles
são conhecidos internacionalmente, através das pesquisas, estudos dessas pessoas, que
atrás de si trouxeram outros antropólogos, outros sociólogos, que vieram estudar de
perto e que, hoje em dia, transformaram o cenário religioso do Maranhão, tornando-o
diferente.
As pessoas hoje em dia já vão sem medo a uma casa de culto. Antigamente
havia muito mistério, pois o culto era feito por negros e seus descendentes e, nessa
época, tudo aquilo que fosse de negro ou de seus descendentes era marginalizado.
Então, fomos perseguidos pela polícia, pela justiça, porque diziam que isso ali era
feitiçaria trazida pelos africanos para o Brasil. Mas hoje em dia nós podemos rodar com
grande satisfação e felicidade, pois o mundo está em grande estado, está evoluindo cada
vez mais e cada vez vão trazendo pessoas, para que se confirmem aqui, vivam aquilo
que vieram procurar aqui. Então, eu fui um desses pioneiros em não deixar que o culto
morresse, dando ensinamentos àqueles que iam à minha casa e me sinto muito feliz com
isso, porque se morresse hoje eu iria feliz, satisfeito, porque vi consagrada a nossa
religião, não só pelos adeptos, mas por aqueles que não são adeptos dela, mas que
freqüentam as casas, nem que seja só para conhecer e estudar. Axé a todos. Hoje os
tambores de mina estão em maior evidência. Muito Obrigado!
Deborah Baesse
Quero então registrar a chegada de Humberto do Maracanã, membro maior da
cultura popular maranhense, amo do Boi de Maracanã, que muito nos honra também
com a sua presença. Nesse momento eu queria então, passar a palavra ao Sr. Reginaldo
Barbosa Salles, portador da tradição dos brincantes dos folguedos e dos Congos, e
praticante festeiro da manifestação de São Benedito, líder da consciência folclórica do
Espírito Santo e vice-presidente da Comissão Espírito-Santense de Folclore. Ele vai nos
fazer um relato de experiência de uma vida de devoção, folguedos e danças. Com a
palavra o Sr. Reginaldo Barbosa Salles.
Divino, batendo caixa, e gostávamos muito de bater a caixa. Pois bem, então através da
banda de Congo (eu me incluí na Banda de Congo, ingressei na Banda de Congo e estou
até hoje), então eu tocava tambor e cantava. Tinha uma igreja na Goiabeira, na minha
Goiabeira, em Vitória do Espírito Santo, que nós ficávamos na porta, eu e meus filhos,
minhas filhas, a noite toda, e amanhecia o dia tocando Congo e cantando a Folia de Reis
também. Meu pai chamava-se João Salles e minha mãe Ana Maria da Penha. Meu pai
fazia, criava, a Folia de Reis, levava para a casa dele e saía de nossa casa. Andava a
noite toda pela rua, cantando nas portas e reservava uma casa, que lá no Estado do
Espírito Santo é assim, se reserva uma casa, daquelas que a gente vai cantar, escolhe um
salão maior e uma casa daquelas e canta até de manhã e dança. Canta e dança muito
esses folguedos. Fiquei feliz de ver aqui o Boi, a dança do Boi aqui, e também o
Tambor de Crioula. Fiquei encantado. Muito bem enfeitado, muito bom mesmo. E
quero dizer também aqui que a Comissão Espírito-santense vem trabalhando muito
bem. A Comissão Espírito-santense de Folclore revolucionou lá a nossa cultura.
Tínhamos Banda de Congo pelo interior que estava assim devagar. Então, a Comissão
entrou em ação, correu o estado do Espírito Santo, foi lá no interior, procurou aquelas
bandas de Congo, que estavam precisando de apoio, deu apoio e elas estão muito boas e
as Folias de Reis no Espírito Santo são muitas. O Sul do Espírito Santo tem muitas
Folias de Reis, mês passado foi feito concurso de Folias de Reis, todo ano é feito esse
concurso e a Comissão Espírito-santense está trabalhando lá, através das Folias de Reis,
das brincadeiras de Boi, das Marujadas, de toda a cultura. Eu acho que a cultura
brasileira é a melhor do mundo. Eu acho que nós devemos dar todo apoio a esse povo
que faz a cultura, a esse pessoal que fica batendo Congo, que fica cantando a Folia de
Reis e outros trabalhos que são feitos através dessas senhoras, desses professores, dessas
meninas criativas, inteligentes, que se colocam à disposição, com muita disposição para
fazer esse trabalho.
Então nós queremos, lutamos para apoiar a banda de Congo em nosso estado, lá
em Vitória do Espírito Santo, nós já temos uma cidade que é a cidade da Serra, onde as
Bandas de Congos, que são em número de 13 - bandas de Congo adultas e tem mais as
Bandas de Congo mirim -, já tem ajuda, já tem verba pra fazer o seu trabalho. A
prefeitura de lá, da cidade da Serra, fez um projeto e o prefeito aprovou e eles já estão
com a verba, a associação lá da cidade recebe aquela verba e distribui para as bandas,
para aqueles mestres da banda de Congo. Nós temos lá, no estado do Espírito Santo,
mais de 60 bandas de Congo, com mais de 60 mestres, e então, lá na Serra, já são 13
que estão sendo apoiadas, recebendo verbas, e o presidente lá da nossa Comissão do
estado do Espírito Santo já entrou em ação, pegou o projeto lá da Serra, trouxe pra
Vitória, já levou à Câmara dos Vereadores, já está agilizando para que lá em Vitória,
para que as três bandas de Congo que tem lá - a Banda Congo Amores da Lua, da qual
eu sou presidente, e a Banda de Congo Panela de Barro, de Goiabeira, que é o meu
berço natal, onde eu nasci, também sejam beneficiadas por essa lei. Assim, nós vamos
poder dar apoio a essas três bandas de Vitória. A Prefeitura de Vitória, o prefeito é bom,
ele até ajuda e gosta da cultura, mas ele não dá uma ajuda mensal, ele dá uma ajuda no
final do ano, por exemplo, que deve ser requerida através de um projeto, bem feitinho,
com muito cuidado. Além disso, é muito documento que eles pedem. Mas eu arranjo
esses documentos todos, levo lá, faço o trabalho e aí eu recebo uma verba pra fazer esta
Festa de São Benedito, lá em Vitória, no Bairro de Santa Marta, em Maruins. Mas essa
festa lá tem 57 anos, é muito bonita, muito boa. Vocês precisam ir lá ver essa festa,
portanto, meu tempo esta encerrado. Muito Obrigado!
Deborah Baesse
88
Boa tarde, como todo mundo já sabe, meu nome é Humberto e o que eu tenho a
falar sobre a cultura popular é que, a meu ver, ela é uma herança que vem repassando
dos nossos antepassados. É um grande tesouro, é uma fazenda de gado, uma grande
fazenda, que com muito capricho os nossos primeiros pais cuidaram e nos repassaram.
Então, entre eles, alguém foi escolhido para administrar, e foi o que aconteceu comigo.
Ao longo desse tempo, desde início da década de 70, eu fui convidado. Aliás, eu me
ofereci. Achei que estava na hora porque eu vi que alguma coisa estava se deturpando.
Faltava algo na administração da fazenda, então eu me pronunciei. Eu mesmo, sem que
alguém me convidasse, e até hoje estou dando a minha colaboração.
Então, o que eu quis dizer com isso? Que venho refletindo sobre a importância
de preservar as tradições. Por isso, eu não mudei nada. Não houve nem uma inovação.
Eu acredito que até os primeiros administradores dessa fazenda, eles administravam
com mais capricho, com mais zelo, e hoje a gente se envaidece com esse negócio de
mudança, de inovação.
Há alguns anos atrás, chegou lá no Maracanã um rapaz com uma matraca de aço
inoxidável, que pegou de uma sucata por aí. Eram algumas peças de aço inoxidável que
se usa na frente dos caminhões. Ele pegou uma fina e outra grossa e chegou batendo lá
em casa. Então, a gente foi lá e o meu pessoal ofereceu uma matraca original (de
madeira) pra ele, e ele disse: "eu tô pensando que você tá inovando o seu batalhão!".
Então eu falei pra ele: "desse tipo de inovação a gente não faz questão de participar".
Então, o que a gente vem fazendo, o que a gente teve de mudança com relação a isso, a
essa modernização, foi fazer desse trabalho, do Boi do Maracanã, uma coisa muito
espontânea. Lá não se paga ninguém, não tem cachê para quem brinca em baixo do boi,
ou na roupa, ou batendo. O que se ganha com o Boi se investe dentro do próprio Boi.
O que acontecia no passado? A diferença era que todo mundo, se tivesse 100
brincantes de fita, que nós chamamos de rajados, então cada um se aprontava por sua
própria conta. Mas com o tempo as coisas foram se dificultando cada vez mais, a nível
econômico, e todo mundo sabe disso, que até mesmo quem tem muito dinheiro diz a
mesma coisa. A verdade é que ninguém tem dinheiro. Então o que foi que a gente
procurou fazer? Organizar o grupo, através de CEB's (Comunidades Eclesiais de Base),
trabalho da igreja, não sei se vocês conhecem, muito cultivado pelo país inteiro. Então,
diante dessa experiência eu convidei os antigos pra participar pra que aquilo fosse nos
render, futuramente, melhor, até porque já não tinha mais quem quisesse se aprontar
pagando do próprio bolso. Então, a gente viu que como uma entidade organizada a
gente teria como reivindicar. Eu me lembro agora do nosso amigo, que falou sobre a
papelada que eles exigem por aí a fora para a gente participar de algum recurso, e é
tanto do papel que a gente tem que inventar para poder ver se a gente faz uma
reivindicação de R$ 10.000,00 e recebe pelo menos R$ 500,00.
Enfim, com isso, agente conseguiu até agora tocar prá frente, com a experiência
da comunidade, de trabalho de grupo - foi como a gente conseguiu até agora continuar
com a brincadeira e chegou ao ponto que está. Nós não somos os melhores, mas onde
estão os melhores nós estamos lá também. Quero destacar que devemos também o
merecimento desse grupo do Maracanã a uma pessoa ilustre que se encontra aqui
89
também, que é uma grande batalhadora pela cultura popular: a Joila Moraes, que na
década de 80 nos deu uma grande colaboração.
Então, agora o que nós estamos pensando fazer é repassar para a rapaziada, pros
jovens, essa tradição. No início foi um grande desafio e um trabalho assim muito árduo,
porque o pessoal mais antigo não acreditava na participação dos jovens, porque
achavam que eles chegavam para bagunçar e foi uma das coisas que eu entrei para
mudar. Houve muita briga para a participação das mulheres e crianças também. Era
falta de informação e quase um vício, um preconceito, mas a gente conseguiu romper o
vício e agora já estamos vendo o fruto dessa briga, pois a participação hoje é de mais de
60% de jovens, principalmente da própria comunidade de Maracanã. Vocês podem
chegar lá agora. Está tendo uma reunião e quem está dirigindo essa reunião são eles. Eu
dei a sugestão e disse: vocês ampliem da forma que vocês acharem melhor. Pois bem,
isso para o trabalho que vai começar amanhã, as apresentações do boi, enfim todas as
tarefas. E o que já está acontecendo? A gente já está feliz, porque a gente já vê o
cantador e a direção como vai se dirigindo a gente e repassando para eles a cultura
popular, que é uma herança, como já disse, uma grande fazenda que os nossos avós
deixaram prá nós, tanto que nós temos uma toada que diz:"Cheguei da sombra da
palmeira, o compromisso com o Sr. São João e os meus antepassados", o que significa
que é uma herança e que essa herança a gente tá repassando para essa rapaziada e
também a maneira de como administrar essa herança. Inovações que existem por aí
como o pandeiro de nylon, coberto, ao invés de pele, com o nylon sintético, são coisas
que infelizmente agente brigou e briga muito para isso não existir, mas no grupo do
Maracanã vocês vão chegar e vão encontrar pandeiro de nylon lá tocando, mas não são
fabricados por nós, são pessoas de fora que vêm e vão bater com a gente. Eles acham
bonito. Agora mesmo, com ofertas de empresas que houve aí, eles estão fabricando uns
de alumínio, um negócio muito de luxo. Eu disse: "ah não, isso aí já é coisa de bumba-
meu-boi, não vou dizer de elite não, mas um bumba-meu-boi de reinados”. Negócio
muito chique. Não é dizer que sou rústico. Não é que o bumba-meu-boi tem que ser
rústico, mas tem que ser tradicional, tem que ser bonito, a beleza, a gente encontrou, a
gente conserva e pretende repassar essa beleza para o pessoal. Então, tudo isso está
sendo, graças a Deus, obedecido pelos nossos herdeiros. Essa miscelânea de
manifestações culturais que existe pelo Brasil, como falou o amigo ali, o nosso país é o
mais rico em cultura popular e, na realidade, acontece isso. A gente fica emocionado
quando se ouve falar em tudo que já se falou aí, no reisado e não sei mais o que. Nós
também temos a Festa de Reis dentro de outras coisas também, agora o bumba-meu-boi
de matraca, tem vários sotaques. Eu acredito que no decorrer deste Congresso vocês já
vão ver que no Maranhão tem vários outros sotaques. Eu dizia 4, mas são mais de 4,
porque ainda tem mais o sotaque de costa de mão, que vem da Baixada, da Baixada
Oriental, e muitos outros.
Em relação com o nosso compromisso é isso que recebemos e pretendemos
entregar aos nossos futuros herdeiros. Infelizmente, na hora em que eu recebi, não
houve essa passagem, essa passagem foi com briga. Eu entrei brigando. Sabe como é
que o herdeiro quer a herança, pra ver a coisa funcionar em certa mentalidade. Ele entra
brigando porque tem muito ouro, tem muito dinheiro, pra um só ficar sozinho. Essa é a
diferença. Eu não entrei para ficar pra mim, mas pra garantir que a coisa não se acabe,
porque houve uma preocupação muito grande, que Joila também participou dessa
preocupação junto comigo no final da década de 80. A gente achava que agora não
existia mais bumba-meu-boi, até mesmo porque os grupos que existiam eram muito
limitados, foram ficando muito reduzidos. E hoje a gente vê aí cento e tantos grupos e o
pessoal diz: pra que vai nascer mais grupos?. O chato é que isso vai diminuindo o
90
dinheiro da gente. Eu devia ganhar 10 (R$10.000,00?) e vai diminuir, porque tem que
repartir pra outros grupos. A gente tava se queixando que não tinha, mais agora está se
brigando porque já tem grupo demais. Na hora a gente faz aquela papelada toda e
manda lá pros homens, como disse o nosso amigo ali (Reginaldo), acredito que todo
povo faz isso. Aí eles dizem: não, tem que ter agora é fax preto com j.a.l.e.r (?) sei lá o
que.... Aí a gente leva essa coisa toda e quando chega lá eles perguntam como era o
nome do teu avô, aí vão inventando papel. Enquanto isso eles vão diminuindo, pra
demorar o tempo pra conferir o dinheiro a menos, eles vão ganhar tempo pra conferir a
menos. Olha, era 10 pro bumba-meu-boi do Maracanã, mas vamos ganhar tempo com
eles, quando eles resolverem trazer tudo a gente diz mais alguma coisa. Já deu pra
entender, não é?
Eu quero agradecer pelo convite e por poder estar junto aqui com essa
imensidão de pessoas que cuidam da cultura popular deste nosso país. O Brasil todo é
esta grande riqueza. Vamos realmente preservar tudo isto que é muito bonito.
Deborah Baesse
Obrigada. Para finalizar, então este primeiro momento, eu passo a palavra pra
Dona Zelinda Lima, pesquisadora da cultura popular, diretora do Centro de
Criatividade Odylo Costa Filho e membro da Comissão Maranhense de Folclore. E
passo com uma provocação, pedindo que ela inicie falando desse tempo de pesquisa,
onde foi acompanhando de perto a estória da cultura popular maranhense, e nos diga
como foi que percebeu essa transmissão do saber, essa circulação do saber e a
possibilidade da criança e do jovem participando, perceberem a importância de tudo
isso.
Terezinha Jansen - vou fazer um parênteses para dizer que essa Sra. Dona
Zelinda Lima é a árvore frutuosa que todos nós nos abrigamos.
A minha experiência não foi como os outros, passado de pai pra filho. Eu não
deixo de lembrar o meu pai. Meu pai era um espanhol que tinha uma venda a grosso e
que vendia a todos e dava crédito a todos os grupos folclóricos. Ele, sendo espanhol, era
muito estranho que gostasse de folclore - não tinha nada a ver com a cultura dele, mas
ele gostava muito e financiava, às vezes, algumas brincadas, vendia fiado e, nessa coisa,
eu sempre era convidada para ser madrinha ou participar de alguma maneira de um
grupo folclórico. Então, desde criança, acompanhando meu pai, que ia ver as
apresentações, eu comecei a conhecer as pessoas: Sr. Lobato, por exemplo, que é um
desses remanescentes, Seu Apolônio Melônio - todos do meu tempo de jovem. Então,
eu peregrinava por todos os grupos que fosse e depois, com uma curiosidade muito
grande, eu não só me detinha em batizar o boi, mas aí eu ia até a cozinha, querendo
conhecer tudo, e fui ficando íntima das pessoas, tendo liberdade e crescendo também,
comecei a ver um outro mundo diferente do meu colégio, diferente da minha casa, da
minha vida, era uma outra comunidade. Então, eu comecei a acompanhar e a observar,
de muito curiosa que eu sou. Não só chegava num grupo de Boi, eu não ia só ver a
dança ou batizar o Boi e ir embora, não. Dias antes eu ia ver a cozinha, como é que se
processava, de onde vinha aquela comida, o que se usava e comecei com 15 a 16 anos a
fazer anotações que, até hoje, eu ainda guardo. E comecei a acompanhar as ladainhas, os
batizados, a comida que era feita para cada festa, pois cada festa tem um ciclo de
comida também. Paralelamente iniciei outra pesquisa grande sobre as rezas. Sempre me
91
despertou a curiosidade de saber o que eles dizem, rezando ali baixinho. E ficava
insistindo: me ensina, eu quero apreender, me dá copiado. Geralmente as pessoas que
têm mais saber, como dizem os antigos, fecham muito, ainda mais eu, sendo de uma
outra comunidade, se tornava bem mais difícil. Mais como eu sou danada, e eu tive
muitas comadres e muitos amigos, acabei conquistando. Fui tendo acesso a todo esse
conhecimento, percebendo todas essas filigranas, desde a técnica que se usa para cortar
o papel que enfeita as varas, o modo de confeccionar o chapéu - e eu ia montar o chapéu
com eles também, para aprender, e assim por diante.
Mais tarde, eu tive a oportunidade de ser convidada para trabalhar na Prefeitura.
Primeiro para auxiliar nos grandes eventos como Carnaval e São João. Depois me
chamavam para dar o nome dos grupos que eu sabia, identificar em que bairro ficavam,
para convocá-los para apresentações, e assim eu fui iniciando um cadastro dos grupos
folclóricos do Maranhão. Nesse processo eu participei muito da grande batalha que
houve entre a polícia e os grupos folclóricos. Desde criança lembro da intolerância e até
mesmo implicância da polícia com os grupos. As autoridades todas eram contra essas
brincadeiras. Isso foi uma batalha muito grande, meu pai e eu várias vezes fomos tirar
pessoas da polícia. Sei de vários grupos que eram separados a pau, isso deu um trabalho
muito grande. Meu pai, que gostava e tinha recursos, podia pagar a fiança e soltava as
pessoas que eram presas injustamente, simplesmente porque eram pobres, negras,
suburbanas e, segundo eles, faziam “bagunça”, perturbando a ordem e incomodando as
famílias com suas músicas e danças. Era preconceito mesmo.
Já mais recentemente, com o governo Sarney, ele me chamou, eu era uma
pessoa totalmente fora de política e ele foi me buscar pra tomar conta dessa parte de
cultura e arte popular. Ele sempre foi uma pessoa sensível e deveria ser folclorista, mas
enveredou pela política.... Eu o conheci acompanhando todos os grupos. Nós tínhamos
um grupo de pessoas (uns intelectuais, outros não), que acompanhavam essas
brincadeiras. Íamos lá no subúrbio, já que as mesmas não vinham aqui na cidade, por
proibição da polícia da época. Seu Leonardo é outra testemunha viva desse período
negro. Ele foi preso, espancado, tiraram todo o dinheiro dele. Quando me comunicaram
de manhã cedinho, na hora do café, eu bati lá onde o governador (Sarney) e disse: "olha
está acontecendo isso, isso e isso. Ele botou a mão na cabeça e disse: "agora, que eu sou
governador, o que é que eu vou fazer? Vamos pensar, eu disse. Transferir o delegado?
Não, não é o caso. Chamar o chefe de polícia? Talvez. Decidimos ficar por aí. Parecia
pouco, diante da barbaridade, mas estávamos iniciando um processo importante de
mudança de mentalidade do maranhense frente à cultura popular de seu estado.
Logo depois desse fato, veio uma grande comitiva para visitar o Palácio, veio
Odylo Costa Filho, uma série de pessoas da literatura e o governador me chamou para
organização do cardápio de comidas típicas, para selecionar uma cozinheira que fizesse
um cuxá muito bem feito etc... Aí me lembrei e disse: "olha governador, está aí uma
oportunidade de acabar com a perseguição ao Boi, o Sr. chama para dançar aqui no
palácio, que todo mundo vai achar maravilhoso! E assim foi feito, chamamos não só o
Boi, mas o Tambor de Mina, aqui do Jorge Babalaô, que abriu a festa, e outras
brincadeiras também. Foi um choque para o “society” local. Eles ficaram em estado de
choque. Jorge belíssimo, com aquelas roupas maravilhosas, depois se apresentou o
Tambor de Crioula e, por último, o Boi. A partir de então o governo proibiu a
perseguição, foram criados órgãos encarregados de pensar uma política cultural para o
estado e teve início um processo fantástico de auto-valorização e auto-estima do povo
maranhense, que se descobriu detentor de um saber e de uma cultura popular
fenomenais.
92
Assim, desde a década de 60, venho nessa batalha pela cultura popular
maranhense. De lá para cá ocupei cargos, como a presidência da MARATUR, hoje Sub-
gerência de Turismo, criada por mim. A Sub-secretaria de Cultura do Estado e tantos
outros. Sempre me preocupei, ao exercer tais cargos, e sempre tive muito cuidado com
essa parte de ajuda financeira dada pelos órgãos às brincadeiras, bem como com a
interferência nos rituais. Sempre me policiei, refletindo sobre quanto eu “mandei’, de
quanto eu tive poder sobre os grupos, zelando para a brincadeira não sair antes da hora,
do tempo. Não havia interferência, figurinista não desenhava roupa para boi, e outras
coisas mais que eu cuidei, o que pude cuidar e ajudar no meu posto. Nossa perspectiva
era muito mais de investir na infraestrutura dos grupos, fazendo o barracão por
exemplo, já que notava muitas vezes que o espaço físico da brincadeira era inadequado.
O barracão é o local de reunir, é o ponto de encontro, é a fogueira ao redor da qual os
grupos se reúnem. Se ele cai, se desaparece, o grupo automaticamente desaparece.
Então, em nossas gestões, fizemos vários templos, vários barracões. Mesmo agora,
nesses 8 anos de governo Roseana Sarney, eu acho que foram feitos mais de 18
barracões e Vivas (espaços públicos comunitários para apresentações). O Viva é um
lugar público no bairro recuperado para apresentações. Se tem uma praça abandonada,
essa praça é transformada no Viva. A meu ver esse é o papel dos órgãos públicos
culturais: pensar políticas publicas culturais para o estado, investir em infraestrutura,
revitalizar e não deixar morrer as tradições. Obrigada.
DEBATE
Pergunta (?): Bom, primeiro eu queria agradecer ao Congresso pela
oportunidade de estar assistindo a essa mesa tão linda, agradecer aos mestres, por
estarem nos sensibilizando tanto com as suas falas. Olha eu tenho uma grande
curiosidade que é a seguinte: eu queria saber, se tem alguma diferença, ou se é melhor
ou pior, quando a apresentação do grupo é feita no seu lugar de origem ou em algum
outro lugar, outros arraias etc... Vocês acham que essas coisas que são conquistadas,
essa beleza, essa alegria, que todos estão lá lutando, não acontece quando vocês estão
fora do lugar de origem? Outra pergunta: vocês acreditam que essas manifestações de
cunho religioso, como é o caso do Comendador Jorge, isso é arte? E a terceira pergunta:
há dentro das escolas das crianças essa valorização da manifestação folclórica?
Zelinda Lima: Acho que vou começar, pela questão se é arte ? Na minha
opinião é arte e com uma dimensão global, porque vem a arte do bordar a indumentária,
do papel, das facas, dos guardanapos, da dança, quase todas as pinturas, os altares das
casas de santo, o São João, os presépios, sempre temos tudo pintado, temos o cenário,
etc... Então você passa pela música, onde muitas vezes os instrumentos são
confeccionados pelos próprios usuários, dança, pintura, escultura das imagens, dos ex-
votos, depois pelos bordados, à máquina e à mão. Quer dizer, é uma coisa fantástica!
Então, todas essas impressões artísticas estão dentro do folclore.
Terezinha Jansen: Olha, quanto a alegria que agente sente que é nossa, é maior
no nosso espaço, digamos assim, na nossa casa. Ao contrário daquilo, quando a agente
vai apresentar fora, a emoção que a gente sente é diferente daquela que a gente sente no
local que vai se apresentar. Até porque nós vamos nos apresentar para um público, que
não sabemos qual julgamento vai fazer, o que nos coloca a obrigação de procurar fazer
o melhor possível para atender a curiosidade e a vontade daqueles que estão nos
assistindo, e que vão achar bom ou mal aquilo que estamos fazendo, certo ?
Zelinda Lima: Eu queria só complementar essa pergunta. Na verdade não se
trata de mais ou menos emoção. É como disse Terezinha, são emoções diferentes, até
por que o Boi, por exemplo, tem dois tipos de apresentações, onde essas coisas estão
93
Pergunta (?/Deborah Baesse): Eu tenho uma pergunta, por escrito, para Jorge
que diz assim: Jorge, me perdoe a ignorância, mas o que acontece nos cultos da Casa
das Minas ?
Jorge Itaci: Essa resposta, esta assim meio velada, mas o que nós podemos
dizer é que as coisas que se passam na Casas das Minas são coisas de (?), são toques
para Orixás, onde são usadas músicas, danças e cânticos. Quando os orixás descem na
terra para homenagearem os homens aqui, então acontece um ritual público, que todos
podem olhar. Mas as outras coisas que ocorrem lá são secretas, elas fazem parte do
cotidiano religioso, no qual aquele que não pertence à religião não podem penetrar.
Pergunta (Suzete): Eu sou Suzete, de São Paulo, e quero dizer que sou
apaixonada pelo Bumba-meu-boi do Maranhão. Eu queria saber um pouquinho, queria
que os dirigentes falassem um pouco do trabalho social que vocês realizam e se isso
acontece. Queria saber o que é feito em cada comunidade, se vocês fazem um trabalho
social para introduzir essas pessoas dentro da sociedade, se têm uma preocupação
dessas pessoas enquanto cidadãs, se existe esse trabalho e como a escola participa desse
trabalho lá na comunidade?
Terezinha Jansen: Olha, eu anteriormente me referi ligeiramente a isso, da
satisfação que agente tem de proporcionar aquelas pessoas, de nível não superior, de
nível mais ou menos de instrução, a alegria que eles sentem em se preparar para esse
período junino, então eles sonham com aquilo porque como eu falei, enquanto eles estão
brincando eles esquecem a dificuldade da vida que eles têm e se entregam diretamente
ao folguedo. Quanto à parte social, nós temos uma parte social na Fé em Deus. Eu faço
reuniões mensais com as crianças e com os adultos também, para que nós possamos
orientar as crianças para seguir os caminhos diferentes da marginalidade, do vício, da
própria droga. Enquanto eles estão conosco eu estou vigilante, aí eles perguntam: "Dona
Terezinha porque a Sra. não dança um Tambor de Crioula, não dança no Boi? Eu
respondo: "não danço porque quem está dançando está se divertindo, está brincando e
eu, ao redor do grupo, estou prestando atenção e olhando pelo que se passa com cada
um, pra que todos lá se sintam seguros e aqueles que estão conosco naquele momento
não fiquem lá fora pinchando, usando drogas e até outras coisas mais que dói até agente
falar. Eu nunca fui mãe, mas o nosso Presidente da Fundação de Cultura do Maranhão
me diz que eu tenho uma família de filhos adotados pelo coração. É esse trabalho que eu
faço na Fé em Deus e me sinto feliz em saber que aquelas crianças me atendem muito
bem, tem respeito por mim, que são orientadas por mim, para que não enveredem por
um outro caminho que não seja o do saber, pela sua instrução. Eu determino também
que quem não quer estudar não pode brincar, para que tenham um amanhã melhor, para
sustentar os pais que ainda lutam pela vida, pela sobrevivência.
Humberto Mendes: Com relação ao lado social e a participação da criança na
escola, com relação à cultura popular, nós, quando começamos esse Boi, em 1973, a
grande preocupação, depois que construímos o barracão, que nós chamamos de sede,
era que ficava esse prédio ocioso. E o que aconteceu? A gente trouxe pra lá uma
escolinha comunitária. Infelizmente essa escola não caiu na graça dos poderes públicos,
mas ela continua sendo mantida. E o que a gente faz? O trabalho todo do bumba-meu-
boi, a gente passa para as crianças e as professoras têm um grande compromisso de
repassar isso. Agora mesmo estamos elaborando e vamos pedir a ajuda de D. Zelinda,
para que faça um livrinho sobre o Maracanã, que vai fazer parte, vai ser uma das
95
matérias da nossa escola. Registrar lá, para ser estudado, a fundação do Boi, quem criou
esse boi, de onde ele veio, para que as crianças saibam sua história e a história de sua
comunidade.
Zelinda Lima: Só complementando, essa escola tem 420 crianças, não é isso
Humberto?
Humberto: É, são 420 crianças.
Zelinda Lima: Com 8 salas, 2 turnos, com refeitório.
Deborah Baesse: Escolas normais e cursos de pedagogia, precisam apreender
com a escolinha do Maracanã. Nós temos uma última pergunta.
igreja, a gente não vai à igreja pra pagar o padre, a gente vai pra rezar pro santo, pra
pedir alguma coisa, pra se sentir aliviado, pra confessar, pra comungar, a mesma coisa é
o terreiro de Jorge, é o Boi de Leonardo, o Boi de Terezinha, é o Boi de Humberto.
Agora eles são bem diferentes dos para-folclóricos, que são companhias de danças.
Ontem teve até uma palestra muito boa sobre isso. Você constitui um grupo com
pessoas que dançam bem, meninas do mesmo tamanho, com as pernas grossas, que
formam um grupo de danças pra se apresentar, comercialmente. O que Humberto traz é
a brincadeira de promessa, de obrigação com o Santo.
Deborah Baesse: É com o coração partido, eu tenho certeza que o de vocês
também está assim, que eu encerro este primeiro momento dessa mesa maravilhosa.
Obrigada a todos.
Luiz Assunção*
Em língua Tupi, o termo catimbó significa “caá” – mato, folha: “timbó” – planta
venenosa. Um outro significado remete para “cachimbo”, como referência ao fumo –
petun – usado pelos indígenas para propiciar um estado de proteção espiritual, êxtase
divinatório e na defumação das pessoas presentes nos rituais. Este significado nos
encaminha para o universo dos rituais indígenas, onde se bebia a jurema, fumavam,
manipulavam ervas naturais, invocavam seus antepassados, como elementos culturais
inseridos nos costumes de práticas vividas coletivamente. Com o avanço do processo
histórico de colonização, a população indígena vai sendo incorporada à sociedade
nacional e, conseqüentemente, suas práticas culturais são reelaboradas.
O primeiro esboço do catimbó nordestino, segundo Roger Bastide (1989, p.243),
surge nas origens da colonização, denominando-se de “santidade”24, culto aos ídolos, de
pedra, personalizados, caracterizado por uma mistura de elementos cristãos e indígenas:
adoração do ídolo, porte do rosário e de pequenas cruzes, procissões, cantos e danças,
uso do tabaco, produção do transe e o chamado do espírito. É um período marcado pelas
incursões do branco colonizador ao interior da província, contato com a população
indígena em um contexto de guerras, extermínio, apresamento, aldeiamentos e missões
religiosas.
A santidade do Jaguaripe apresenta-se simbolicamente como uma forma de
resistência da população indígena contra a colonização portuguesa, esboçando para
Bastide a primeira forma do catimbó, chamado de culto dos encantados, expressando ao
nível religioso as ambivalências do encontro entre essas duas culturas, a do mundo
indígena e a do mundo dos brancos.
Outra idéia sobre o surgimento do catimbó nordestino é apresentada por
Cascudo (1978) e aponta para o encontro das tradições indígenas com a africana.
Embora Cascudo trabalhe com dados etnográficos posteriores ao contexto da santidade
do Jaguaripe, sua análise é importante por conter outros elementos que ampliam a
compreensão do catimbó. Segundo Cascudo (1978, p.91), a diluição étnica do indígena,
na segunda metade do século XVIII, depois da expulsão dos jesuítas, contribuiu para a
dispersão da população indígena e do encontro com o negro africano, esboça-se a
prática do catimbó, feitiçaria, individual. O índio e o negro são os lados de um ângulo
cujo vértice é o “mestre” do catimbó. No negro, havia a magia branca e no caboclo 25 “a
contaminação foi imediata e contínua”. Ainda segundo Cascudo (1978:90),
paralelamente a pratica do catimbó, feitiçaria, individual, havia o “adjunto da jurema”,
cerimônias simplificadas do culto indígena, a dança coletiva tupi, realizada em segredo,
com fins religiosos e terapêuticos. Uma dessas cerimônias foi observada por Koster
(1942, p.311) em 1816, entre membros de uma família que habitava uma plantação na
*
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/Departamento de Antropologia – professor e
coordenador do Grupo de Estudos sobre Cultura popular. Doutor em Antropologia.
24
A santidade do Jaguaripe ocorre no sertão baiano, por volta de 1583 e para Maria Isaura P. de Queiroz
evidencia um processo de sincretismo e revela relações de dominação-subordinação entre os nativos e os
portugueses (QUEIROZ, 1976, p.207).
25
Sobre a denominação caboclo, o viajante inglês Henry Koster (1942, p.184), em 1810, escreve: “o
nome que se dá, aqui (Maranhão) e em Pernambuco, a todos os índios selvagens é Tapuia, e Caboclo é
aplicado ao índio domesticado”.
99
região norte de Olinda. Assim descreve Koster a reunião indígena: “Um grande vaso de
barro estava no centro, ao redor do qual dançavam homens e mulheres. O cachimbo
passava de uns aos outros. Pouco depois, uma jovem indígena disse, em grande segredo,
a uma companheira, de classe diversa da sua, que fora mandada dormir, dias antes numa
cabana das vizinhanças porque seu pai e sua mãe iam beber jurema”.
Para Bastide (1989, p.244/45), o elemento de transição entre a “santidade” e o
catimbó é o culto indígena dos caboclos, mais ou menos cristianizados, do sertão. Esse
autor transcreve uma descrição feita por Carlos Estevão de Oliveira em relação aos
índios acaboclados no Brejo dos Padres, antiga povoação de missionários, que
conservam ainda em suas festas a antiga divisão exógama da tribo em dois clãs, o dos
filhos do sol e o dos filhos da lua. É o caso, por exemplo, da festa da jurema ou ajucá,
um dos licores inebriantes tão apreciados pelos indígenas. Para Bastide (1945, p.205) “o
catimbó não passa da antiga festa da jurema, que se modificou em contato com o
catolicismo” e esta cerimônia seria um modelo bastante próximo do catimbó, porém
afirma que o catimbó “começará a existir somente após a desagregação desta primeira
coletividade, quando nada mais subsistirá da antiga solidariedade tribal, quando os
mestiços estarão dispersos ou urbanizados, presos nas malhas da nova estrutura social,
de classes superpostas, onde ocupam a base da escala. O catimbó é um culto individual
e não mais social para onde as pessoas vão para curar seus males físicos e espirituais. Já
há meio século o velho pajé Tarcuuá confessava melancolicamente ao Conde Stradelli:
“Hoje não há mais pajé, somos todos curandeiros”. Apesar de tudo, continua Bastide, os
principais elementos da cerimônia do ajucá encontram-se no novo culto
proletário”(BASTIDE, 1989, p.245).
Cascudo define o catimbó nordestino como cerimônias de feitiçaria e escreve
que ele “provirá inicialmente do feiticeiro solitário, individualista, cioso dos processos
bruxos europeus e das muambas negras...” (CASCUDO, 1978, p.90). Para Cascudo, o
catimbó nordestino é formado pela contribuição dos grupos étnicos que formaram a
cultura brasileira: os negros, indígenas e europeus. Assim, afirma o pesquisador: “da
bruxaria ibérica a influência na concepção da magia, processos de encantamento, ternos,
orações transmitidas oralmente. Dos ameríndios, a farmacopéa, o maracá, os mestres
invisíveis que teriam sido tuixáuas e pajés de grandes malocas desaparecidas; a
terapêutica vegetal, o uso do cachimbo, da “marca”, com o tabaco, fumo, petum
provocador do transe. O negro trouxe a invocação com os ritos e ritmos musicais; do
cerimonial das macumbas bantus mantêm as “linhas” significando a procedência dos
encantados, nações, invocação dos antigos negros valorosos (CASCUDO, 1978, p.32).
Segundo Bastide, apesar da desintegração das populações indígenas e da
concepção mágica do catimbó, é possível esboçar, embora pobre e incipiente, uma
mitologia para o catimbó. Uma dessas explicações apresenta uma visão cristã quanto às
origens do culto ao afirmar que, antes do nascimento de Deus, a jurema era tida como
uma árvore comum, mas “quando a virgem fugindo de Herodes, no seu êxodo para o
Egito, escondeu o menino Jesus num pé de jurema que fez com que os soldados
romanos não o vissem, imediatamente, ao contato com a carne divina, a árvore encheu-
se de poderes sagrados” (BASTIDE, 1945, p.207/08), justificando, assim, que a força da
jurema não é material, a do suco da planta, mas espiritual, dos espíritos que passaram a
habitá-la.
Outra explicação mitológica foi àquela transmitida pelos indígenas e ensina a
crença na existência de um mundo sobrenatural (o “mundo do além”) concebido como
um outro mundo natural, dividido em reinos encantados, que se subdividem em estados
e esses, por sua vez, em cidades. Cada cidade é dirigida por três “mestres” (entidades
espirituais). Um reino é formado por doze cidades, com trinta e seis “mestres” e
100
compreende dimensões, com topografia, serras, florestas, rios, população e cidades cuja
forma, algarismo e disposição ainda não foram fixados pelos “mestres” terrestres
(CASCUDO, 1978, p.54). Cada “mestre” tem uma linha, que é seu cântico que precede
sua visita a terra. Este “reinado” é formado, portanto, por chefes indígenas, almas das
pessoas mortas, os antigos catimbozeiros, espíritos católicos e espíritos negros.
“A jurema não é só jurema, porque são muitas as cidades. É um reinado. Esse reinado são
as raízes, e que daí vão nascendo outros... pode vir mestre que tem parte com o mar, tem
outros que vem de muitos outros lugares, cidade de pedra, cidade de arruda, cidade do
angico, do manacá” (Dona Jovelina, umbandista e juremeira em Natal).
“Se for um serviço dentro da nossa ossada, então aí nós podemos preparar os remédios de
ervas pra gente fazer os banhos e até tomar. Agora são coisas que é preciso que aquela
pessoa que vem, que ela tenha fé, porque é um serviço feito pela mente e pela fé” (Seu
Geraldo Guedes, juremeiro e umbandista em Natal).
colubrina)
arruda (ruta graveolens) folha banho (como preservativo de mau
olhado)
canela (cinnamomum casca, pó chá (mal-estar)
zeylanicum ness)
cravo (syzigium semente chá (dor, tontura)
aromaticum)
cumaru casca, fruto chá (cozimento, lambedor)
erva-doce (pimpinella semente chá (para nervos)
anisum)
gengibre (zingiber batata chá (para dor)
officinalis rosc)
imbira (não identificada) semente chá (para “quebradura”)
jurubeba branca raiz chá (desintoxicante)
jucá (casalpina férrea) casca lambedor (para gripe, fígado, rins)
jurema (mimosa tenuiflora) raiz chá (antinflamatório)
folha limpeza
casca bebida ritual
malva (malva sylvestris folha chá (como sedativo)
waltheria)
mangericão (ocinum folha banho (como estimulante)
minimum)
pimenta (capsicum Semente chá (dor de cabeça)
frutescens)
fêmeas) que passam a constituir um conjunto autônomo” (MOTTA, 1991, p.39). Aponta
ainda o autor, para uma influência kardecista anterior à expansão da umbanda.
No universo da denominada “umbanda que é jurema”, as entidades espirituais
constituem-se dos caboclos e mestres. O ritual, ainda fortemente sacramental, encontra-
se drasticamente simplificado em comparação com o do candomblé. A organização
eclesiástica é frouxa e informal (e, segundo MOTTA, 1977, p.102, mais igualitária). Os
rituais: são de consulta verbal às entidades, por ocasião do transe mediúnico, e limpeza
pelo fumo, e muito outros, de caráter mágico ou terapêutico, envolvendo o uso de chás.
Os estudos realizados sobre o catimbó e a jurema na região nordestina, levam-
nos ao encontro de um recente processo de reelaboração e ressignificação das práticas
religiosas populares no universo dos cultos afro-brasileiros. Esse processo apresenta-nos
outra versão da prática do catimbó e da jurema em um contexto definido como
umbanda, porém marcado profundamente pela doutrina espírita kardecista, definindo
significados para as tradições indígenas e africanas. É dentro desse quadro que a jurema
acaba se polarizando, internamente, como afirma Carvalho (1994, p.93), entre rituais
que apresentam: um lado de ordem e coerência; e rituais onde de fato se assumem os
conteúdos rejeitados pelos outros.
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Oneyda. Catimbó: Registros sonoros do folclore musical brasileiro.
São Paulo: Discoteca Pública Municipal, 1949.
ANDRADE, Mário de. Música de feitiçaria no Brasil. São Paulo: Martisn, 1963.
ASSUNÇÃO, Luiz C. de. O reino dos encantados, caminhos. Tradição e religiosidade
no sertão nordestino. São Paulo: PUC/Programa de Estudos de Pós-Graduação em
Ciências Sociais. Tese de Doutorado, 1999.
BASTIDE, Roger. Imagens do Nordeste místico em branco e preto. Rio de Janeiro: O
Cruzeiro, 1945.
______. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1989.
CARLINI, Álvaro. Cachimbo e maracá: o catimbó da Missão (1938). São Paulo:
Centro Cultural SP, 1993.
CARVALHO, José Jorge. “Violência e caos na experiência religiosa. A dimensão
dionisíaca dos cultos afro-brasileiros”. In: MOURA, Carlos Eugênio M. de (org.). As
senhoras do pássaro da noite. São Paulo: Edusp/Axis Mundi, 1994, p. 85-120.
CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1978.
KOSTER, Henry. Viagem ao Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional,
1942.
MOTTA, Roberto. As variedades do espiritismo popular na área do Recife: ensaio de
classificação. Boletim da Cidade do Recife. Recife: PMR/CMC, n.2, 1977.
______. Notas sobre o sincretismo afro-brasileiro. Anais da II Reunião de Antropologia.
Recife: UFPE, 1991.
QUEIROZ, Maria Isaura P. de. O messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo: Alfa-
Omega, 1976.
VANDEZANDE, René. Catimbó: pesquisa exploratória sobre uma forma nordestina de
religião mediúnica. Recife: Dissertação de mestrado em sociologia, 1975.
105
INTRODUÇÃO
*
Etnomusicóloga, Professora da Queen´s University of Belfast. Doutora em Antropologia.
26
Para uma discussão aprofundada do conceito de encantamento, ver Reily 2002.
106
As folias de reis, por exemplo, vão de casa em casa durante o período do Natal,
cantando para angariar fundos para a organização da Festa dos Reis Magos, que é
celebrada anualmente no dia 6 de Janeiro; os congados e moçambiques são grupos
formados predominantemente por negros, que dançam ao som de tambores e
instrumentos de percussão nas festas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, São
Benedito e outros santos populares; São Gonçalo é homenageado através de uma dança
devocional que também serve para proteger as pernas dos devotos; os batismos de São
João Batista são organizados para se pedir chuva em muitas comunidades rurais; as
festividades em homagem a Santo Antônio, o santo padroeiro das ‘tias’, são
freqüentemente estruturadas em torno de quadrilhas e ensenações jocosas de
casamentos. Como se pode notar, muitos dos santos que se tornaram foco de devoção
popular são representados com características bastante humanas, sendo eles
freqüentemente músicos e dançadores. A devoção a estes santos se estrutura através da
festa, onde deve haver muita comida, muita música e muita dança.
Para entender como experiências encantadas são promovidas nestas tradições,
procurarei situar o papel que a música desempenha nelas. Nota-se que cada uma das
tradições se estrutura em torno de um determinado roteiro ritual, adquirindo sua lógica a
partir de um conjunto de narrativas associado ao santo homenageado. Existe, portanto,
uma certa homogeneidade nas práticas devocionais para cada santo, e isto tem levado
alguns pesquisadores a sugerir que cada santo é o foco de um ciclo ritual distinto (ver
Brandão 1981). Cada ciclo, portanto, se estrutura em torno de um conjunto de motivos
simbólicos específicos, alguns mais, outros menos, difundidos. Os ciclos a serem
tratados aqui se estruturam em torno de narratives em que a música e/ou a dança estão
intimamente ligadas aos santos e às tradições envolvidas em sua devoção. Passemos,
então à etnograpfia.
AS FOLIAS DE REIS
107
Existem muitas narrativas populares no país que contam como os Três Reis se
tornaram músicos, formando a primeira folia na terra. Na versão mais comum, diz-se
que, em troca dos seus presentes (ouro, incenso e mirra), Nossa Senhora deu um
instrumento para cada um dos magos; eles receberam uma viola, um pandeiro e uma
caixa. Nossa Senhora então lhes disse que deveriam voltar para o Oriente cantando de
casa em casa para anunciar o nascimento de Cristo. Portanto, as folias de reis fazem
uma dramatização simbólica da jornada dos Reis Magos, em que um grupo de músicos
e alguns palhaços vão de casa em casa com a bandeira dos santos reis. Durante suas
jornadas, as folias abençoam as famílias que visitam, recebendo em troca doações para a
Festa da Chegada – ou a Festa dos Reis Magos.
Por todo o Brasil existem tradições de folias de reis, e em cada região são usados
estilos musicais diferentes. No sudeste do país o estilo mais comum hoje é conhecido
como o ‘estilo mineiro’, que pode ser identificado facilmente pelo ‘gritinho’ no final de
cada toada. O estilo mineiro utiliza uma forma acumulativa, em que de seis a oito vozes
vão entrando sucessivamente, até chegar-se ao gritinho, para formar, ao final da toada,
um prolongado acorde maior. Os versos das toadas são improvisados pelo
‘embaixador’, o líder ritual do conjunto. Vale notar que o uso da palavra ‘embaixador’
indica que a folia é entendida como um conjunto que atua como emissários dos Três
Reis.
O estilo mineiro é particularmente apropriado para a tradição da folia de reis, na
medida em que a forma acumulativa articula com o papel ritual do conjunto: um grupo
de músicos que vai de casa em casa angariando fundos, progressivamente aumentando
os recursos disponíveis para a organização da festa. Mais ainda, o estilo reproduz as
concepções dos foliões a respeito da jornada dos Reis Magos, na medida em que eles
foram instruídos a voltar ao Oriente cantando de casa em casa para anunciar o
nascimento de Jesus. No estilo mineiro há uma dramatização sonora da missão dos
Magos no estabelecimento da família de Deus na terra. O embaixador, o líder ritual do
grupo, começa proclamando a mensagem divina através de seus textos improvizados, e
esta mensagem é então repetida pela próxima voz, e depois pela próxima – a assim por
diante – até o conjunto todo acabar por formar um todo harmonioso no acorde final.
Assim como os Três Reis cantaram de casa em casa convertendo os pagãos ao
anunciarem o nascimento de Jesus, cada nova configuração vocal do estilo mineiro
poderia ser visto como a integração de novos cristãos no reino de Deus.
OS CONGADOS
Os congados – ou congos – por sua vez, operam de maneira bastante diferente. Tratam-
se de conjuntos de dança e percussão que saem às ruas durante as festas em homenagem
a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e outros santos populares. No sul de Minas
108
Gerais, onde conduzi a maior parte dos meus estudos sobre estes conjuntos, a estória
mais comum para explicar a origem da tradição afrima que os congados surgiram para
celebrar a aboliçãqo da escravidão. Veja, por exemplo, a seguinte estória narrada por
Seu Pedro Cigano, de Campanha (MG):
O congado é do tempo dos escravos. ... Na libertação dos escravos, ... fizeram a festa ... . Foi
daí que surgiu o congado. A única coisa que eles tinham pra bater era a caixa, aonde nós
temos as caixas. ... Foram dançar pra Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, ... que São
Benedito é o verdadeiro congadeiro e Nossa Senhora do Rosário foi a rainha que cuidava
deles, protegia eles no cativeiro. ... Disso aí criaram, né, evoluiu, e hoje o congado tem
bastante instrumento [Pedro Cigano, Campanha (MG)]
A partir destes esboços pode-se notar que cada ciclo tem características próprias,
mas também apresentam alguns elementos em comum. Por exemplo, em todas estas
tradições a música e/ou a dança associada ao ritual é representada como uma dádiva dos
santos aos devotos. Foi Nossa Senhora quem deu os instrumentos aos Três Reis e lhes
mandou voltar pro Oriente cantando de casa em casa para anunciar o nascimento de
Jesus; através da performance musical, portanto, os Reis Magos deram início ao
estabelecimento da família de Deus na terra. No caso dos congados, os instrumentos
vêm de Nossa Senhora ou São Benedito; ao presentiarem os escravos no dia da
abolição, os santos proclamam seu desejo de ver a igualdade humana instaurada na
terra. Por sua vez, São Gonçalo inventou uma dança, que usou para redimir as
pecadores. A música, portanto, é representada como uma dádiva divina e por meio dela
torna-se possível construir contextos sociais harmoniosos, isto é, contextos sociais que
recriam na terra a vontade divina.
Os estilos musicias utilizados nestas tradições são muito diferentes. No entanto,
as práticas performáticas empregadas nelas apresentam paralelos, por se tratarem de
formas musicias marcadas por características participativas. Nas três tradições, a
performance musical é continua no decorrer da dramatização, organizando o roteiro
ritual. Os estilos utilizados são guiados por uma orientação participativa, para que todos
os devotos se mantenham constantemente engajados no decorrer da performance. Assim
como uma infinidade de outras tradições participativas, os estilos são altamente
repetitivos e aderem a uma rígida estrutura formal, elementos estes que permitem que os
participantes aprendam suas partes com relativa facilidade e possam entrar na esfera
performática sem a necessidade de extenso treinamento prévio (ver: TURINO, 1992).
No entanto, os estilos utilizados também são capazes de permitir a participação de
pessoas de níveis de comptetência diversos, desde iniciantes até músicos e dançadores
110
suas performances. A noção de que a música é uma dádiva divina se confirma através
das experiências de alegria e bem-estar promovidas durante a performance.
Os participantes das tradições do catolicismo popular afirmam que eles se
engajam nestas atividades por causa de sua devoção aos santos e cada evento ritual é
concebido como um ato de devoção. Nas comunidades católico populares, a devoção é
compreendida como uma declaração pública da adesão do devoto à moralidade superior
dos santos, e a participação afirma o seu compromisso de procurar viver de acordo com
estas verdades divinas. Em troca de sua lealdade, os devotos esperam se beneficiar do
poder protetor dos santos. Portanto, cantar é também uma dádiva dos devotos aos
santos; é a retribuição pelo poder protetor do santo e o meio garantir a continuidade da
presença divina na terra. Através dos seus devotos, os santos são trazidos à terra para
festejar com os seres humanos. Tanto as folias de reis como os congados executam suas
performances na presença de uma bandeira onde há uma representação do santo
homenageado. Na dança de São Gonçalo, contudo, o momento central de cada volta é
aquele em que os dançadores vão ao altar para buscar o santo e dançar com ele. Neste
ato, o santo é colocado entre os devotos, e dança com eles.
Como se pode ver, todos estes contextos rituais se estruturam em torno de uma
relação de reciprocidade entre os devotos e os santos. A estrutura desta relação se torna
explícita na lógica da promessa. Como já foi observado por diversos antropólogos, a
promessa é um contrato recíproco feito entre um devoto e um santo, a quem se pede que
interceda junto a Deus em benefício do devoto (BRANDÃO, 1981, p.84-92; MAUÉS,
1995, p.352-57; ZALUAR, 1980, 1983, p.80-106 entre outros). Muitas promessas,
principalmente as para Nossa Senhora, envolvem algum tipo de sacrifício físico, como
uma longa caminhada – talvez até de joelhos ou descalço – para algum centro de
peregrinação. Promessas na forma de ex-votos também são comuns. Porém, promessas
para um santo relacionado com uma forma de devoção coletiva são geralmente pagas
através de um ‘sacrifício’ que contribue para a realização da homeangem ao santo. A
promessa pode incluir pagamento através da participação direta na celebração ou
através de uma doação material para a celebração – especialmente na forma de comida –
que contribue para a construção do ambiente festivo. Talvéz a melhor maneira de
representar a promessa seja através de uma narrativa de um devoto. A seguinte estória
foi narrada por Seu Luizinho, um membro de uma Folia de Reis em São Bernado do
Campo.
Quando eu tinha oito anos meu pai tinha que ir pra [cidade], porque a gente morava na
roça. … Então ele falou pra eu ir lá no pasto pegar um cavalo pra ele, que ele ia a cavalo.
Então eu fui pegar o cavalo pra ele, né. Peguei o cavalo e sai galopando. Aí o cavalo
pisou num buraco de tatu e me jogou pra longe. Foi então que eu bati com a boca num
tronco de milho. O tronco entrou na minha garganta isso tudo [mosta dois centímetros]. E aí
até mais ou menos a idade de vinte anos eu perdi a fala.
Aí a folia de reis passou lá em casa. Minha mãe tirou uma fita da bandeira e amarrou no
meu pescoço e pediu pros Santos Reis que eu soltasse a voz e que cantasse normalmente,
como a senhora viu eu cantando aqui agora, que eu ia ser dos Santos Reis de corpo e alma.
Ela me deu pros Santos Reis daquele dia em diante.
E eu soltei a voz e comecei a cantar Reis de novo. Aí em ’46 eu comecei a embaixar Reis
aqui em São Paulo. Mas quando eu cheguei aqui, eu não falava ainda não. Eu comecei a
soltar a voz tava com vinte e um anos. Eu não falava nada, e ela me deus pros Santos Reis
de corpo e alma. …
Eu tinha que sair todo ano, pelo menos uma casa, se eu soltasse a voz, se eu ficasse bom,
cantando assim como agora. Depois que eu soltei [a voz], eu passei a canta tala [a voz fina].
113
Este episódio segue um padrão típico para promessas no sudeste do país. Note
como a promessa foi feita em favor de Seu Luizinho por outra pessoa –sua mãe – mas
caberia a ele pagá-la. Embora uma pessoa possa fazer uma promessa em benfício
próprio, poucas pessoas me falaram que já haviam feito uma promessa para si mesmas;
no entanto muitos devotos relataram promessas que tinham sido feitas em seu favor por
outras pessoas. Alguns até disseram que promessas feitas em benfício próprio não são
sérias, por se tratarem normalmente de santos casamenteiros ou pedidos de sorte no
jogo. Outros afirmaram que fazer uma promessa para si mesmo seria agir de forma
interesseira; no entanto, quando outra pessoa faz uma promessa para alguém, é porque a
pessoa percebeu a necessidade do outro e a promessa expressa seu carinho e
preocupação com o seu bem-estar.
Ao estruturar-se a promessa desta maneira, cria-se um conjunto de relações entre
os atores envolvidos no contrato: os santos, o pedinte e o beneficiado, e estes elos
articulam obrigações mútuas tanto verticais como horizontais. No eixo vertical, as
obrigações do contrato ligam os seres humanos aos santos, na medida em que tanto o
pedinte como o benficiado da graça se endividam aos santos por terem respondido a
prece. No eixo horizontal, o contrato cria obrigações mútuas entre o pedinte e o
benficiado: o benficiado se obriga ao pedinte em gratidão pela graça pedida em seu
favor, enquanto o pedinte depende do benfeciado para cumprir com sua parte do
contrato.
Embora raro, há instâncias em que um benficiado se recusa a cumprir com a
promessa: isto pode acontecer, por exemplo, se ele se torna crente antes de pagar a
promessa; neste caso o próprio pedinte terá que encontrar um meio de pagá-la. Vale
notar, contudo, que se recusar a pagar uma promessa pode ter conseqüências drásticas,
pois muitos santos são considerados vingativos. Com efeito, há uma abundância de
estórias de castigos divinos que confirmam isto. Ouvi falar, por exemplo, do caso de
uma mulher que zombou da dança de São Gonçalo, e no mesmo instante ela caiu e
quebrou as duas pernas.
Quando uma promessa está associada a uma tradição ritual, ela só pode ser paga
quando – e se – o ritual for organizado e o benficiado se torna dependente de uma
comunidade de devotos para cumprir com sua obrigação. Luizinho, por exemplo, só
pode pagar sua promessa vitalícia para com os Três Reis com o apoio de outros foliões
dispostos a formar uma companhia na qual ele possa participar. Portanto, a instituição
da promessa é um fator fundamental para garantir a continuidade de tais tradições
devocionais, posto que o pagamento da promessa de uma pessoa se torna
responsabilidade da comunidade como um todo. Assim, o princípio da reciprocidade
que liga os fiéis aos santos serve de base para a concepção das obrigações mútuas entre
os seres humanos como um mandato divino.
As obrigações entre os devotos estão subordinadas às suas obrigações aos santos
porque, na falta do componente divino, os seres humanos estariam menos dispostos a
cumprirem suas responsabilidades para com seus pares. Os escravos retratados nos
congados, por exemplo, sofreram muito nas mãos de seres humanos; os seres humanos
redimidos pela dança por São Gonçalo eram mulheres da rua. No repertório narrativo
das folias de reis, a orientação auto-centrada ‘natural’ dos seres humanos é representada
pelo Rei Heródes, que se preocupou tanto com a ameaça à sua posição de poder que foi
capaz de sacrificar quarto mil crianças, na esperança de atingir o Menino Jesus. Nesta
economia moral, o mal é encarnado naqueles que se negam a participar de relações de
reciprocidade; a conseqüência da não-reciprocidade é a desigualdade social e fim da
vida. Enobrecidos pela sua adesão aos ideais de reciprocidade dos santos, os devotos do
114
catolicismo popular proclamam a sua superioridade moral sobre aqueles que acumulam
bens, recebendo mais do que dão.
ENCANTAMENTO
A troca primordial que deu origem à tradição das folias de reis ocorreu na
Adoração dos Reis Magos. Os reis chegaram em Belém com os seus presentes e
receberam uma viola, um pandeiro de uma caixa. Com estes instrumentos faz-se
música, e através da música constroi-se contextos de harmonia social. Ao participar
desta troca, os Magos foram santificados, tornando-se mediadores entre os seres
humanos e o Deus todo-poderoso. Logo, o que agrada a Deus é ver seu ideal de
harmonia social implantada na terra e Ele deu a música aos Três Reis – e a muitos
outros santos – para que eles pudessem cumprir esta missão. O legado dos santos à
humanidade, portanto, é a música que receberam de Deus. Através da performance
musical, os seres humanos podem re-criar – ou encantar – o ideal divino no mundo,
onde a paz e a harmonia só podem ser alcançados através da adesão ao mandato divino
da reciprocidade.
O espaço ritual do catolicismo popular é, portanto, um espaço de mediação entre
o humano e o divino. Ele não é nem totalmente humano nem totalmente divino, mas um
espaço para a expressão da humanidade dos santos e da divindade da humanidade.
Neste espaço, os seres humanos e os santos se encontram e participam de trocas
recíprocas de mensagens e dádivas. Com a performance das músicas e danças dos
santos de tempos em tempos, os devotos encantam os ideais harmoniosos dos santos
para dentro de suas comunidades, transformando o contexto ritual numa experiência
concreta desta realidade idealizada. As verdades deste ideal encantado se confirmam
quando a presença dos santos entre os seres humanos promove experiências de
harmonia social. Embora este ideal só possa ser sustentada por um período limitado, seu
re-encantamento através de rituais regulares o mantém vivo, dando aos devotos os
meios de afirmarem a sua integridade moral.
Na esfera restrita da marginalidade, os rituais do catolicismo popular permitem
às classes subalternas expressarem suas aspirações e a articularem seus códigos morais,
forjando para si imagens positivas que lhes permitem enfrentar as humilhações diárias
que marcam suas vidas. Ao resgatarem sua auto-estima, adquirem forças para continuar
a batalha constante de preservar sua dignidade numa esfera social mais ampla marcada
por fortes barreiras de classe e descriminação racial.
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Oneida. Música popular brasileira. São Paulo: Duas Cidades. 1982
[1950].
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira. 1985 [1960].
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Sacerdotes da viola. Petrópolis: Vozes. 1981.
MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e
controle eclesiástico: um estudo antropológico numa área do interior da Amazônia.
Belém: CEJUP. 1995.
REILY, Suzel Ana. Voices of the magi: enchanted journeys in southeast Brazil.
Chicago: University of Chicago Press. 2002.
TRAVASSOS LINS, Elizabeth. "Dramatization and antagonism in the Brazilian
115
GRUPOS DE TRABALHO
A cidade de São Luís, no estado do Maranhão, a poucos anos catapultada para o universo
nacional através das propagandas veiculadas pelo mass media, como sendo o mais novo enclave das
festividades populares regionais, com suas particularidades culinárias, religiosas, comportamentais, cujo
patrimônio histórico e arquitetônico ganhou notoriedade a partir do momento em que transformou-se na
cidade tombada pelo UNESCO, portanto pertencente a humanidade, possui diversas maneiras de ser
compreendida considerando-se o “olhar” de quem a vê. Cidade localizada na região Nordeste do país,
tanto quanto na região Norte, particularidade esta que a faz conhecida como a capital do “meio norte”, é
narrada no imaginário simbólico de seus artistas bem como do cidadão comum, na circularidade de suas
lendas as quais falam de encantados, répteis míticos, figuras lendárias. Sabidamente Liana Trindade
prefaciando o livro de Mundicarmo Ferretti, – Maranhão encantado: encantaria maranhense e outras
histórias – revela que
“encantados são entidades espirituais ou animais, que no término de sua existência mortal
tornaram-se imortais; espíritos que vivem nas matas, nos rios e mares, baixam em terreiros,
nos salões de curadores e convivem com mortais. Os encantados dialogam com os homens,
não são sobrenaturais nem extraordinários, mas naturais. Fazendo parte constitutiva da vida
social, indicam os tabus, os valores e práticas; castigam as transgressões sociais, a caça ou
pesca predatória. Embora sendo entidades pagãs, compõem os sistemas de crenças da
catolicismo popular; o poder dos sacramentos, como o batismo, apazigua estes espíritos”.
(FERRETTI, M., 2000, p.5).
A cidade de São Luís apresenta um conjunto muito significativo de lendas, histórias que são
apresentadas dioturnamente no contexto social de seus moradores, lendas estas que tomam corpo
principalmente na festividade mais importante do Nordeste, as festas juninas, materializadas na pólis dos
azulejos, na brincadeira do bumba-boi27. Neste evento os “encantados”, incorporados em seus filhos,
tomam conta das praças e ruas, juntamente com os brincantes, para prestar homenagens aos padroeiros da
festa, São João, São Pedro, São Marçal. Compartilhando o espectro das lendas, figuras míticas
encontradas na ilha, é necessário lembrar do sebastianismo profético de Portugal, resgatado nas histórias
contadas sobre o Rei Dom Sebastião parcialmente mencionada em nota de rodapé neste texto; a saga
deste fidalgo, presente tanto em Portugal como no Brasil, preserva “o mundo dos mortais encoberto sob o
encanto das tradições” (idem, p.6). O sebastianismo construído em Portugal durante os séculos XVI e
XVII, sabidamente iluminado pelo trabalho de Jacqueline Hermann em seu No reino do Desejado,
elabora sob outro “olhar” a construção do mito lusitano que aportou às costas brasileiras, enriquecendo o
imaginário fértil de nossa cultura popular.
O prefácio de Ronaldo Vainfas ilustra dois momentos impressionantes da construção desse
imaginário, historicamente distintos, corroborando a força das lendas e dos mitos em nosso cotidiano.
Diz,
*
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) - Depto. de Sociologia e Antropologia. Doutor em
Antropologia.
27
A brincadeira do “bumba-meu-boi maranhense é, tradicionalmente realizado na intenção de São João,
com base na crença de que agrada a esse Santo organizar um boi ou participar de um que já se ache
organizado. Através dos cantos, danças e demais elementos do ritual de bumba, seus participantes rendem
homenagens a São João, pagam promessas feitas, ou seja, o boi funciona como veículo de comunicação
espiritual, como ponte de ligação entre o Santo e o devoto. [...] Embora essa explicação de cunho
religioso ligada à figura de São João seja a mais forte, a mais evidente e comumente aceita como
justificativa e motivação para a realização do Bumba-boi maranhense, existe, secundariamente, como um
componente da fértil imaginação popular, uma ligação entre o Bumba-boi e a curiosa “Lenda de Dom
Sebastião”, rei de Portugal. Conta-se que esse rei, depois de desaparecer em Alcácer-Quibir, veio com
toda a corte de Queluz, encantar-se na Praia dos Lençóis, localizada no município de Cururupu, no Estado
do Maranhão. A partir daí, justamente durante o período das festas juninas, ele se transforma em luzente
touro coberto de pedras preciosas, com olhos de fogo, fulgurante estrela na testa, chifres de ouro e boca
de brasa. E, assim, transfigurado, aparece em desabalado galope e apavora os pescadores incautos.”
(CARVALHO, 1995, p.40).
118
“...Não por acaso, Jacqueline Hermann verifica que, na mesma época em que Vieira era
processado pelo Santo Ofício por pregar a ressurreição de d. João IV, transformado em
“duplo” de d. Sebastião, uma humilde lisboeta dizia encontrar o próprio rei, desaparecido
em 1578, numa ilha que visitava enquanto dormia – e isto na década de 1660 -,(grifo
nosso) realizando um autêntico vôo noturno de que falavam os demonólogos”
(HERMANN, 1998, p.14)
Tanto a lisboeta como o pescador, mencionados nos trechos acima, separados estes por nada
mais, nada menos que aproximadamente 336 anos, “sonham” com a ilha onde se encontra o fidalgo
português. Diz-se no Maranhão que Lençóis é o lugar onde está Dom Sebastião, “encantado” que é
incorporado por diversos fiéis do Tambor de Mina 28 que ecoam nas noites ludovicenses. A partir desse
universo simbólico amplo e multifacetado diz-se que a cidade de São Luís é uma ilha encantada.
A ilha encantada é palco da diversidade religiosa própria do amálgama étnico aqui localizado.
Podemos encontrar desde o Catolicismo, passando pela Assembléia de Deus até a fé fervorosa no Divino
Espírito Santo, cujas festas são realizadas tanto na cidade de Alcântara (MA) como nos diversos terreiros
de Tambor de Mina espalhados na cidade. Há espaço também para as manifestações religiosas que
incorporam elementos da cultura indígena como a Pajelança ou Cura29, do Canjerê30, sem esquecer do
Baião das Princesas31 que pertence a linha da cura. Declinando um pouco para a ritualística da religião
28
“Casa de mina ou tambor de mina, é a designação popular, no Maranhão, para o local e para o culto de
origem africana que em outras regiões do País recebe denominações como candomblé, xangô, batuque,
macumba, etc. É o nome de uma das religiões afro-brasileiras desenvolvida pôr antigos escravos africanos
e seus descendentes. Entre outros aspectos, caracteriza-se como religião de transe ou possessão, em que
entidades sobrenaturais são cultuadas e invocadas, incorporando-se em participantes, principalmente
mulheres, sobretudo pôr ocasião de festas, com cânticos e danças, executados ao som de tambores e
outros instrumentos. Daí o termo tambor, pelo qual também são designados tais cultos” (FERRETTI, S.,
1996, p.11)
29
“Cura é um ritual público e festivo da pajelança cabocla do Norte, realizado em muitos terreiros de São
Luís, onde o pajé (ou curador) incorpora entidades espirituais de diversas linhas, canta, dança e toca
maracá durante a noite toda. Na Cura o pajé é acompanhado pela assistência (que canta e bate palmas),
por tocadores de pandeiros e de outros instrumentos musicais e ‘dá passagem’ (em um transe de pequena
duração) a grande número de entidades espirituais. Durante o ritual, o pajé ou curador é acompanhado por
um auxiliar (‘servente de Cura’), que defuma o salão, acende seu cigarro, serve-lhe uma bebida (às vezes
chá de erva preparada pelo curador, antes do ritual), entrega-lhe suas ‘panas’ (‘bandeiras’ pequenas de
seda ou de veludo, que representam suas principais linhas de encantados).
A cura incorpora muitos elementos do catolicismo popular (santos, rezas, benzimentos, devoção a Nossa
Senhora), e da cultura indígena (presença de maracá, transe com animais encantados, uso de ervas
medicinais e cigarro de ‘tauarí’ preparado com diversas ervas e enrolado em folha de planta da região),e
parece corresponder ao Toré, realizado em terreiros nordestinos que têm linha de Jurema ou Catimbó (de
origem indígena). É também muito influenciada, em São Luís, pela Mina-nagô, o que explica porque ali
muitos curadores abriram terreiros com linha de Cura e de Mina e porque em muitos terreiros de São Luís
recebe-se entidades espirituais de Cura em ‘toques’ de Mina”. (FERRETTI, M., 1993, p.343-44).
30
“O Tambor de Borá ou de Canjerê é um ‘toque’ de caboclo, para entidades espirituais indígenas, onde
não ocorrem transes com voduns e orixás. Nele se homenageia São Miguel Arcanjo, patrono dos índios,
chefe das entidades espirituais das matas e também ‘pesador das almas’ (juiz). [...] Apesar do termo
Canjerê ser de origem bantu, aquele ritual é considerado na Casa Fanti-Ashanti como ameríndio, uma vez
que dele participam entidades espirituais indígenas da aldeia de Tabajara – que apesar de ser filho do Rei
da Turquia, tornou-se chefe indígena ao casar-se com a índia Bartira (uma das poucas entidades femininas
que participam do ritual)” (op. cit., p.330-31).
31
O Baião “... pertence à linha de Cura (de ‘água doce’) mas nele são também recebidas algumas
entidades espirituais que participam da Bancada (ritual do Tambor de Mina). Segundo Pai Euclides, o
Baião (corruptela de Bailão), é inspirado nos bailes de São Gonçalo, santo invocado na abertura e no
encerramento do ritual. Teria surgido em São Luís, no final do século passado, no Terreiro do Egito (já
desaparecido), quando a religião afro-brasileira e a pajelança eram proibidas. [...] Apesar do Baião ser
119
uma festa feminina – dançado pôr mulheres, com entidades espirituais femininas – muitas entidades
masculinas, principalmente da Cura, são homenageadas naquela festa. Pôr essa razão, não se pode dizer
que o Baião é uma inversão do Samba Angola (Candomblé de Caboclo), uma vez que neste as entidades
espirituais masculinas (caboclos e boiadeiros) são recebidos também (ou principalmente) pôr mulheres, e
não se acostuma cantar para entidades femininas recebidas na casa em outros rituais” (op. cit., p.359-61).
32
Existem quatro sotaques identificados, na opinião dos entendidos, no Estado do Maranhão: Matraca,
Zabumba, Orquestra e de Pindaré. “O sotaque de Matraca é próprio dos bois da ilha de São Luís do
Maranhão, que formam verdadeiros batalhões de pessoas. O sotaque de Zabumba, onde a presença
africana é mais incisiva, apoiando-se nos tantãs – tambores enormes de percussão rústica – que produzem
um ritmo mais lento, socado, que lembra a melancolia do banzo ou a tristeza das senzalas. O sotaque de
Orquestra, marcado pôr um ritmo alegre, mais suave, produzido pôr um conjunto de instrumentos
sonoros: clarinetes, banjos, saxes, pistons, entre outros. O sotaque de Pindaré, advindo da região da
Baixada Maranhense, que apresenta matracas e pandeiros menores que os dos bois da ilha, resultando
num toque mais leve, além de se caracterizar pelo guarda-roupa rico e exuberante, onde se destacam os
grandes chapéus ornados de fitas coloridas e de penas” (CARVALHO, 1995, p.47-8).
120
33
“Casa das Minas é o nome pelo qual é conhecido o mais antigo terreiro de tambor de mina de que se
tem notícia no Maranhão, sendo provavelmente o que deu origem a esse culto em terras maranhenses, e
que aqui serviu de modelo a outras casas semelhantes. É também chamada de Casa Grande das Minas ou
Casa das Minas Jeje, por ter sido fundada por negros jeje, denominação dada a grupos étnicos
provenientes do sul do Benim – o ex-Daomé – vindos em grande número para o Brasil no século
passado”. (FERRETTI, S., 1996, p.11).
121
Outra influente mineira de São Luís, dona Deni Prata Jardim, conhecida como mãe Deni, uma
das responsáveis pela centenária Casa das Minas, há 57 anos no santo, também emitiu seu parecer a
respeito da vinda de outras manifestações religiosas para a cidade. Parece ficar implícito, em seus
argumentos, a discordância a respeito da presença do candomblé em solo maranhense.
“Álvaro: Qual é a opinião da senhora sobre a vinda do candomblé para São Luís?
Deni: Olha, a vinda do candomblé prá São Luís é uma opinião também que eu não posso
dar, porque eu não sei também o porquê. (...) Ninguém me... não foi uma coisa que se
reunisse os terreiros de mina prá dar um parecer, né? É uma idéia formada pelo... Eu não
tenho nada absolutamente prá dar uma opinião concreta dessa história. Porque também não
faço parte lá desse candomblé, nunca nem fui na Bahia, aonde ele foi fundado, prá eu ver
como é”. (entrevista em março/99).
Podemos notar que o conteúdo apresentado na fala dos sacerdotes entrevistados evidencia
algumas vezes, a controvérsia instaurada quanto a presença e fixação do candomblé em terras
maranhenses. Se existe aceitação ela não é unânime bem como as vozes discordantes não dominam as
relações societárias estabelecidas entre o povo-de-santo local. Ainda presenciaremos outros
desdobramentos relacionados com essa questão.
Mencionamos páginas acima a existência da luta concorrencial pelas melhores colocações dos
sacerdotes e suas respectivas casas no cenário religioso afro-maranhense, isto é, a disputa pela hegemonia
123
do campo religioso acirra-se, considerando as diversas estratégias usadas pelos sacerdotes. A categoria
que utilizamos aqui, campo religioso, encontra-se amparada na noção de “campo”, tratada por Bourdieu.
“Bourdieu denomina “campo” esse espaço onde as posições dos agentes se encontram a
priori fixadas. O campo se define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre
os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão” (ORTIZ,
1983, p.19).
O campo de que tratamos aqui é o da religião, no qual os sacerdotes já estão com suas posições
pré-fixadas na prática social inerente a ele. Assim se todos os sacerdotes buscam conhecer mais
profundamente os segredos de cada ritualística, fincando as estacas divisórias entre aqueles que possuem
maior conhecimento pelo “tempo no santo” e os sacerdotes ainda imaturos nos meandros do
conhecimento ritual, é lícito pensar que quanto mais o sacerdote estiver em sintonia com os diversos
segmentos da sociedade abrangente, sabendo pois criar as correspondências entre ela e a comunidade-
terreiro, maior o prestígio coletivo e pessoal.
Portanto, as estratégias sociais desenvolvidas pelos sacerdotes inseridos no
campo religioso fazem com que este mesmo campo se particularize,
“...pois, como um espaço onde se manifestam relações de poder (grifo nosso), o que
implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um quantum social
que determina a posição que um agente específico ocupa em seu seio” (ORTIZ, 1983,
p.21).
Quando trata do sistema do direito, falando sobre o campo judiciário, Foucault menciona cinco
precauções metodológicas fundamentais para se enveredar na discussão das relações de dominação e
124
técnicas de sujeição. A terceira delas é pontual para justificar os argumentos a respeito da teia tecida
nessas relações. Diz que devemos ter presente que o poder
“...não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e
aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo
que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui
ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O
poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas
estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte
ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não
se aplica aos indivíduos, passa por eles” (FOUCAULT, 1995, p.183).
Em busca do melhor capital social que possa oferecer as condições ideais de legitimidade no
cenário religioso e social em São Luís, os sacerdotes adotam estratégias distintas para lograr seus
objetivos. Pudemos acompanhar, em nossa pesquisa, as estratégias desencadeadas por Pai Euclides da
Casa Fanti-Ashanti. Suas ações deixaram evidente que, se por um lado seu terreiro ainda não possui o
respeito pela antigüidade religiosa adquirida pela Casa das Minas e Casa de Nagô (são centenárias), por
outro trás à tona sua incomparável capacidade de caminhar pelos interstícios da sociedade abrangente,
amarrando os contatos com os mais diversos profissionais e religiosos, credenciando-se assim a ser um
forte candidato na disputa que ora segue.
Esta capacidade de envolvimento com a sociedade começou a patentear-se a partir de dezembro
de 1986, período em que foi gravado o disco Tambor de Mina, Cura e Baião na Casa Fanti-Ashanti/MA,
sério trabalho de pesquisa realizado em São Luís por Mundicarmo Ferretti sobre as tradições religiosas
populares no Maranhão. Os registros sonoros para a confecção do disco foram feitos na Casas Fanti-
Ashanti. Este importante documento fonográfico, idealizado pela pesquisadora, inicia, acreditamos, a
inserção do terreiro no universo do “mass media” local, tornando-o mais conhecido do grande público,
pouco familiarizado com as cantigas que são freqüentemente entoadas nas dependências dos terreiros da
religião afro-maranhense.
Seguindo a trajetória de constituir seu capital social, Pai Euclides grava Candomblé do
Maranhão, o primeiro CD com cantigas dessa ritualística em São Luís, reforçando, assim, a idéia de que
seria possível constituir a convivência harmoniosa entre duas práticas rituais distintas: o tambor de mina
majoritário na ilha e o candomblé. Na ocasião em que este CD foi lançado, segundo a pesquisadora
mencionada, Pai Euclides havia lhe falado que “tudo começou com o disco; que aquela pesquisa foi muito
importante e que o disco foi importante mesmo...”. A Casa Fanti-Ashanti já era procurada por jornalistas
da cidade antes do lançamento do disco de vinil. O disco selou o progressivo prestígio que Pai Euclides
começava a possuir como sacerdote deste terreiro em São Luís, conforme as informações que obtivemos
de Mundicarmo Ferretti.
Continuando no caminho da visibilidade, perseguida pela Casa Fanti-Ashanti, mencionamos a
realização do II Encontro Maranhense de Cultos Afro-Brasileiros (novembro de 96) e do III Encontro de
Cultos Afro-Brasileiros (novembro de 98). Há pouco tempo o cineasta Renato Barbieri, juntamente com
sua equipe, encerrou a produção do documentário Na rota dos orixás, filmado no Benin, Salvador e São
Luís. Nesta última cidade o cineasta direcionou suas lentes para a Casa Fanti-Ashanti; foi partícipe da
amizade mantida entre Pai Euclides e Avimanjé Non, sacerdote de Uidá, Benin. Pode-se ver no
documentário um dos momentos mais emocionantes quando os dois sacerdotes trocam presentes, (levados
por Renato durante as tomadas do Benin e São Luís), palavras de reconhecimento da estreita afinidade
étnica e religiosa entre ambos.
O capital social deste sacerdote também contou com a presença de diversos pesquisadores das
religiões afro-brasileiras (inclusive nós), cineastas, fotógrafos, entre outros. É importante frisar que o
universo jornalístico esteve presente; a revista, Parla (São Luís), apresentou reportagem intitulada O
Costureiro da Fé, sobre a capacidade criativa de Pai Euclides confeccionar suas roupas.
Conforme entendemos, o processo de (re)construção da religião afro-brasileira na cidade possui
determinados elementos que compõem sua gênese. Um deles pode ser encontrado na difícil situação de
declínio, processo quase irreversível, enfrentado pela Casa das Minas e Casa de Nagô. A Casa das Minas,
ícone centenário da nação jeje no Maranhão (e no Brasil), realizou sua última feitura de iaôs no ano de
1914 conforme menciona o antropólogo e estudioso das religiões afro-brasileiras Sergio Ferretti. De lá
para cá não houve mais a introdução de novas filhas-de-santo (vodúnsis), o que acarreta a falta de
renovação do quadro religioso, considerando que as atuais componentes dessa casa já possuem idade
avançada. Na eventualidade do fechamento desta antiga casa religiosa, deverá eleger-se outra mãe ou pai-
de-santo capaz de assumir a incumbência de dar continuidade ao trabalho já desenvolvido bem como
contar com a presença de um quadro renovado de adeptos. Outro elemento importante é o aparecimento
de distintas ritualísticas no universo afro religioso de São Luís; os ritos que chegaram depois (como a
125
umbanda, o candomblé) disputam os espaços religiosos com a mina maranhense mais sedimentada nos
espaços citadinos. Cabe frisar também que a adaptação dos terreiros diante das exigências da sociedade
contemporânea são fatores relevantes que incidem na (re)construção do cenário religioso afro-brasileiro
em São Luís. Tanto as duas casas mencionadas bem como outras de menor porte existentes na cidade, a
nosso ver, deram mais importância para a “tradição” do tambor de mina maranhense, considerado a célula
mater da ritualística de nação jeje no Brasil, em detrimento das modificações sociais exigidas pelo ritmo
vertiginoso da pólis atual. Observando os terreiros com os quais tivemos contato durante o período do
trabalho de campo, é possível afirmar que a Casa Fanti-Ashanti foi o único terreiro que manteve a
preocupação de estabelecer transformações no modus operandi de sua prática sócio-religiosa,
aproximando, por outro lado, o discurso de seu sacerdote com as expectativas dos setores organizados da
sociedade civil que mantiveram a interlocução com aquele santuário religioso. Por mais paradoxal que
possa parecer, a adequação do discurso de Pai Euclides com a sociedade abrangente, naquilo que diz
respeito ao processo de transformação, reflete a concepção de mundo por ele estruturada.
O campo da contenda por maior legitimidade e visibilidade nas religiões afro-maranhenses,
travada pelos sacerdotes e filhos-de-santo; as diversas possibilidades estampadas para a (re)construção do
universo religioso de São Luís, ainda abertas em conseqüência dos posicionamentos controversos dos
artífices envolvidos; a capacidade encantadora que a ilha possui em fazer-se reconhecer como santuário
das lendas e histórias deslumbrantes de seu traçado, constituem o ethos fundamental da socialidade
ludovicense. Pelo sim ou pelo não a trajetória polifônica ainda continuará a criar misturas de rara beleza
na ilha encantada, apesar das tentativas de fazê-la deixar de existir.
REFERÊNCIAS
Anaíza Vergolino-Henry*
*
Universidade Federal do Pará – Departamento de Antropologia (aposentada). Mestre em Antropologia.
34
A pedra sagrada fica situada em uma praia, num sítio denominado Castelo, na ilha chamada de
Fortaleza, que pertence ao município de São João de Pirabas.
35
João Batista Rufino Moysés empresário do setor de pesca, dono da empresa PRINCOMAR governante
que “não usa carro público, não gosta de solenidade, discursos, nem de comitiva quando anda pelas ruas;
gosta de fazer festa para o povo” (Jornal Pirabas em Ação Ano II, janeiro de 2002).
36
O senhor Pedrosa é um ex-funcionário da Federação Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-brasileiros
do Pará (FEUCABEP). Era o cobrador dessa instituição na área.
37
O primeiro festejo da Sociedade contou por volta de 200 pessoas; o de 2002 foi avaliado em cerca de
1500/2000 pessoas.
127
Mesmo com um dia nublado e de muita chuva, as pessoas vieram em massa. Era
visível a agitação na cidade, especialmente na orla do cais. Às 8:45h saímos num grande
38
Lá se encontraram: o então Presidente da PARATUR, Adenauer Goes, o deputado estadual André Dias,
entre outros políticos locais.
128
barco de pesca que levou cerca de 150 pessoas: duas equipes da televisão local, o
terreiro do senhor Pedrosa, outros terreiros, moradores de Pirabas, vários visitantes e
nós39. Outros barcos também íam saindo e na travessia do mar o conjunto de barcos se
deslocando formava uma vista muito bonita. Após um percurso de 35 a 40 minutos
chegamos à ilha onde o desembarque foi muito lento tanto pela chuva quanto pela
necessidade de se transferir os passageiros para uma pequena lancha, que deixaria a
todos na beira da praia p. dita. O navio de pesca sendo grande, ficou fundeado distante
da praia pois, caso contrário, havia o risco de encalhar.
Os grupos de pessoas que desciam imediatamente se punham a caminhar sob a
chuva por vezes fina, mas que sempre incomodava especialmente porque o percurso da
praia era longo, cerca de 25 a 30 minutos, para os mais lentos. A partir de um certo
trecho da praia selvagem o cenário da inauguração começou a se descortinar.
Apareceram as primeiras barracas em uma seqüência do tipo “Barraca Jarina”, que
vendia cerveja, refrigerante, peixe frito, carangueijo e mexilhão. As três últimas
barracas eram as maiores: a da Prefeitura, com mesas e cadeiras de bar; a do som
PODEROSO RUBI que deveria animar a parte dançante do evento; e, finalmente, a
maior de todas que uma senhora nos informou ser destinada aos “trabalhos” do uso
ritual. Um terreiro maranhense já lá estava com sua “obrigação” arreada e dona
Herondina em “guma”.
A chegada até aquele ponto e após tantas peripécias era um tanto quanto
desconcertante para quem esperasse encontrar, pelo menos, um palco para discursos e
apresentações ao vivo de algum terreiro. Não havia nem discurso e nem tambor. Em que
consistia então a inauguração? Estávamos todos ali, à primeira vista muito mais num
clima de lazer do tipo “domingueira” e dos “pic-nics”, tão ao gosto das camadas
populares e suburbanas de Belém40. Constituía a inauguração apenas naquele lado
absolutamente profano de festa? Onde o sagrado, o lado religioso que deveria existir,
pois afinal não estavam ali as pessoas-do-santo?
Era preciso observar muito bem a geografia circundante para, a partir do espaço,
vislumbrar uma espécie de peregrinação à pedra do rei Sabá que ali também acontecia
ao lado do barulho, da cerveja, do bate-papo e do bregão do Rubi. Isto porque:
“O acidente natural, onde fica a referida pedra, apresenta uma característica interessante:
há um platô de pedras, mais ou menos da mesma altura, no qual se destaca, bem no meio,
uma pedra maior que, vista de certo ângulo, tem a forma de um homem sentado em atitude
de meditação (...) cada um “sente” ou vê a figura do Rei, ao seu modo” (REGO, 1983,
p.56).
Começamos a observar a pedra no seu platô: ela não era uma ermida, mas era
como se fosse. Estava situada em meio a uma natureza selvagem, repleta de elementos
de grande densidade significativa – pedras que se elevavam como uma grande pedreira,
pedras que formavam, no seu recôndito, pequenos lagos que vez por outra deviam
aprisionar os peixes. Um contexto daquela natureza que potencializava e levava o
sensível ao reconhecimento do sagrado. E, no meio, a grandiosa pedra antropomorfa.
39
Membros do Centro Paraense de Estudos de Folclore: Walcyr Monteiro (Presidente); Franz K. Pereira
(Secretário) e eu, Vice-Presidente da mesma entidade.
40
Um cenário que lembrava as praias da ilha de Outeiro (Icoaraci) ou a entrada da praia do Atalaia
(Salinas) quando, durante os domingos do mês de julho, uma multidão desce de ônibus de linha ou
fretadas levando sua comida, bebida, bolas para bater uma “pelada” e se instalam no espaço de
preferência comendo e dançando.
129
Mais uma vez pensamos: “aqui está o sucesso da inauguração” que na verdade
consistia num ir-e-vir contínuo e livre “até lá ... na pedra”. Era, sem dúvida, uma leitura
muito particular da universal peregrinação pois ali havia, sim, a busca do sagrado.
Porém não através da experiência penitencial que pretendesse transcender o tempo e o
espaço ordinário como mostrou o antropólogo Rubém César Fernandes, a respeito da
“caminhada” católica ou da romaria cristã a que Victor Turner se referira como uma
“mística exterior”.(TURNER, 1979).
Na sua essência o ir até lá ... na pedra” era algo diferente da “aventura mística
essencialmente o “ir alhures” uma saída do caminho da vida normal e do eu (...)
desapego de si e desprezo de seus interesses pessoais” (MESLIN, 1988, p.162). Seu
sentido tinha certamente um caráter mais mágico, era a busca do “maná”, da verdadeira
eficácia das coisas de que falou Marcel Mauss:
“O Mana é exatamente o que dá valor às coisas e às pessoas – valor mágico, valor
religioso, até mesmo valor social” (MAUSS, 1974, p.138).
Mas, se aqui estava a chave da compreensão dos “peregrinos” que enfrentavam
aquela caminhada íngreme42 até à pedra do Rei p. dita, o que dizer dos outros “vultos”
(estátuas) ali entronisadas? Não seriam elas uma espécie de desordem naquela geografia
sagrada? O que, por exemplo, o Caboclo Zé Raimundo estava ali fazendo, saído das
matas do Codó? Os intelectuais, os ortodoxos, os teólogos, enfim o alto clero “do santo”
certamente responderiam: aqui não tem fundamento43 referindo-se aos ‘vultos’. Para o
fiel devoto daqueles encantados havia um sentido fornecido pelo mito ao contar que
Jarina, filha do encantado Rei Sebastião, estava presa numa pedra na Praia do Lençol
vítima de uma praga de seu pai quando chegou Dona Mariana com sua esquadra da
Marinha Brasileira e a libertou do encantamento. Quanto ao encantado Zé (José)
Raimundo Boji Buá Sucena da Trindade ele é codoense, sim (FERRETTI, M., 1993),
mas na sua biografia mítica ele se apresenta como sendo “mais do mar do que terra”
41
“Vamos até lá, na pedra”- expressão usada pelas pessoas, umas convidando as outras, para começarem
uma espécie de “peregrinação” até à “pedra do rei Sabá”.
42
Trata-se de uma distância calculadamente de 200m que não se faz em linha reta pois há necessidade de
se buscar as pedras menos pontiagudas para se pisar e proteger os pés descalços ou mesmo de sandálias.
43
Por “fundamento” se entende nas religiões de matriz afro os “assentamentos”, objetos que contém o axé
(força) das divindades e que ficam enterrados sob o centro ou outro local especial do terreiro, constituindo
a base mística do mesmo” (cf. CACCIATORE, 1988, p.129). Com relação à pedra do Rei Sabá é como se
esse “fundamento” fosse natural, o mesmo não ocorrendo com as estátuas que, assim sendo, seriam meras
alegorias.
130
(PRANDI & SOUZA, 2001)44 e pela água do mar tinha afinidade com a mãe e senhora
Iemanjá.
Em resumo, ali e naquele dia os encantados se encontraram e todos tiveram
morada no “castelo do rei”, como alguns costumam se referir ao platô onde existe a
pedra do rei Sabá.
FINALIDADE DA PEREGRINAÇÃO
O “ir até lá ... na pedra” certamente deverá ter diversas finalidades mas, de um
modo geral, havia um rito que consistia em levar e acender velas de tamanhos e cores
variados além de fitas, igualmente coloridas, que eram amarradas na pedra-imagem do
rei; defumações e as invariáveis bebidas. Também flores e velas começavam a ser
depositadas aos pés das novas estátuas. No geral, o predomínio era das velas, as brancas
e as muito coloridas, que compunham os ofertórios levados por visitantes do santo e por
leigos. Conseguimos saber que o mais comum é se ir até lá para: a) pedir proteção pela
saúde, emprego e estudo; b) acender vela para pagar uma promessa; c) arriar uma
“obrigação” (oferenda ritual obrigatória), um dever especial dos terreiros ou das pessoas
“do santo”.
O aspecto que chamava particular atenção era o tocar na pedra, como que para se
adquirir sua “força” (mana), momento em que algumas pessoas se “incorporavam” com
suas entidades passando a cantar e a receber os cumprimentos dos demais45.
Reproduzia-se então, ao ar livre, fragmentos rituais das ceremônias públicas
dos terreiros ...
Foi o que pudemos registrar e interpretar naquele encontro na encantaria do qual
participamos e registramos no dia 20 de janeiro de 2002.
REFERÊNCIAS
CACCIATORE, Olga G. Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros. Rio de Janeiro:
Forense Universitário, 3a. ed. (revista), 1988.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
FERNANDES, Rubem C. Romarias da Paixão. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na Guma: o caboclo do Tambor de Mina no processo
de mudança de um terreiro de São Luís. São Luís: SIOGE, 1993.
JADÃO, Paulo Bosco R. Marabá. 1a. ed., Marabá, 1984.
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. 2 vls. São Paulo: EPU, 1974.
MESLIN, Michel. A Experiência Humana do Divino: Fundamentos de uma
Antropologia Religiosa. Petrópolis: Vozes, 1992.
PIAZZA, Waldomiro O. Fenomenologia Religiosa. Petrópolis: Vozes, 1976.
44
Um rápido comentário que escutei sobre Zé Raimundo, dizia que ele ali estava “porque anda na beira
do mar”.
45
O folclorista Moraes Rego registra entre outras finalidades da peregrinação o fazer uma obrigação de
água para harmonizar-se com as vibrações desse elemento. Registra ainda a importância de se tomar
banho, de preferência na maré cheia para que se receba mais “força” da natureza (1983, p.63 e 71).
131
Daniela Cordovil*
Entenderei aqui como carreira o conjunto de etapas pelas quais alguém deve
passar para que possa exercer uma determinada profissão. Nesse sentido, existem duas
etapas principais da carreira de “pajé. A primeira delas, que denominarei de formação,
é uma etapa preparatória, onde o aspirante a “pajé” adquire os requisitos básicos para
exercer a profissão. Na segunda fase da carreira, que vou chamar de exercício da
profissão, o “pajé” passa a atuar profissionalmente e, na interação com seus clientes,
deve se mostrar capaz de se consolidar como um profissional respeitado e bem
sucedido. Nas duas etapas a representação pública é fundamental para o sucesso
profissional na carreira.
Para compreender o processo de formação de “pajé” é indispensável adentrar no
sistema de crenças que fundamenta a profissão. As pessoas reconhecem, em Cururupu-
Ma, duas vias para a formação dos “pajés”: 1) tanto os “pajés” quanto os leigos,
acreditam na existência de uma vocação, um “dom natural” para a magia, que apenas
algumas pessoas possuiriam e que as tornaria especialmente propícias a se tornarem
“pajés”; 2) além daqueles que “já nascem com o dom”, alguém que não possua este
“dom” pode adquirir conhecimento místico através de um processo de aprendizagem
com um “mestre” (um “pajé” de amplo reconhecimento pela comunidade). Nos dois
134
casos o neófito deve passar por um ritual de iniciação. A diferença é que, para aqueles
que “já nascem com o dom”, apenas a iniciação é suficiente; enquanto os outros teriam
que ser antes “preparados”, através dos ensinamentos do “mestre”.
No discurso dos “pajés” é muito mais ressaltado o caráter “natural” do dom, que
pode ser resumido na fala de um “pajé” a respeito de sua vocação, segundo ele: “quem é
nasce feito”. Apesar de conhecida a possibilidade de se aprender o ofício de “pajé” com
um mestre, não encontrei nenhum “pajé” que admitisse ter tido um. Por isso explorarei
aqui a manifestação da vocação ou do “dom” que, além de ser ressaltada pelos próprios
“pajés”, é a maneira mais expressiva de caracterização da profissão, como mostrarei ao
longo deste tópico.
A vocação é vista como um dado objetivo que se manifesta a partir de uma
sucessão de sinais exteriores; transpor as etapas dessas manifestações corresponde à
formação, no sentido definido acima. A vocação tem sua origem, para os moradores de
Cururupu, na ação de um “encantado” - ser espiritual de outro mundo -, freqüentemente
o “Rei Sebastião”, que “atingiria” algumas pessoas em Cururupu; o que, segundo se diz,
conferiria a estas pessoas “atingidas” - os “pajés” - o dom de falar com os “encantados”
e de praticar “curas”, que caracterizaria a sua vocação.
A manifestação da vocação para “pajé” se dá em várias etapas. Segundo contam
em Cururupu, o primeiro sinal exterior ocorre quando uma criança preste a nascer
“chora” no ventre da mãe. A essa primeira manifestação segue-se o contato com os
“encantados” durante a infância, geralmente em momentos em que a criança encontra-se
sozinha na mata. O futuro “pajé” também pode apresentar poderes premonitórios. Se a
criança que manifestou essa vocação for filho(a) de um (a) “pajé”, o que ocorre com
freqüência; é provável que o pai ou a mãe, ao detectar os sinais, passe a lhe ensinar
algumas noções básicas sobre a realização dos rituais e permita que ele os freqüente
desde a infância.
O último sinal da fase de formação da carreira do “pajé” ocorre na puberdade: a
pessoa que manifesta esse “dom” passa a ser acometida de transes involuntários, quando
as entidades espirituais utilizariam o corpo do futuro “pajé” para se comunicar com os
vivos, geralmente exercendo atividades de “cura”. Nesse momento surge a necessidade
do “escolhido” passar a “aprender a lidar” com os espíritos e com seu dom, ou seja, de
dominar poderes que no início se anunciam de maneira caótica e descontrolada. A busca
deste domínio vai marcar a trajetória do “pajé” até que ele se legitime na comunidade
como alguém autorizado a interferir no sobrenatural em favor dos homens. Para ilustrar
este ponto transcrevo a seguir um trecho de uma entrevista, onde o “pajé” narra a
manifestação de sua vocação quando perguntado a respeito de como se tornou um
“pajé”:
“Eu não percebi, ninguém me disse não, acontecia de eu estar assim e de repente ir saindo
de mim. É uma sensação assim, é aquele negócio estranho que tu achas que tu vais apagar,
sabes? Por exemplo, muito sono, certo, nisto aí você sai de si. (P) E o senhor tinha 13 anos.
O senhor procurou alguém? (R) Não, porque eu não gostava, se eles me levassem num
terreiro eu fazia vergonha pra eles, porque eu poderia quebrar santo, eu pintava o diabos,
portanto não me levaram. (...) Até quando pude, 17 anos. Não deu mais pra lutar porque, até
mesmo em festa assim, aí me dava aquele branco, aí eu tinha que sair, me sentia mal,
estranho...17 anos comecei a trabalhar.”
Nessa fala pode-se notar alguns valores básicos que informam a profissão: a
idéia da inevitabilidade da vocação e da obrigação de, uma vez manifestada a vocação,
ceder a vontade dos “encantados”. A obrigação de “servir” à vocação é imperiosa. Ou
seja, acredita-se que se a pessoa que, tendo sentido os sinais, não se entregar ao contato
com os espíritos pode ser punida por eles com a loucura ou a morte, o que também
ocorre quando alguém utiliza mal seus poderes.
135
observadores e que tem sobre estes alguma influência” (p.29).Este momento caracteriza
a segunda fase da carreira do “pajé”: o exercício da profissão.
“Eu peguei de dançar ai depois eu larguei, acho que é por isso que eles tão me judiando. Tem
dias que eles ficam em cima de mim, minha filha, eu fico geladinha, gelada, gelada, gelada, aí
eu fico mortinha, friinha, quando não, é me dando um calor, eu fico banhadinha de suor. É de
47
tá num lugar pra mim sempre trabalhar se não eles vão me matar.”
política não é uma atividade esporádica limitada ao ano eleitoral, mas sim uma esfera
constitutiva da vida social da comunidade, como discutirei nas Considerações Finais.
O “pajé”, ao atuar na esfera pública estabelece relações e consegue favores com
pessoas influentes, os quais repassa para a comunidade de fiéis. Por exemplo, alguns
“pajés” de Cururupu-Ma estavam tentando obter do prefeito, em troca dos votos que
lhes forneceram nas eleições, a doação de um terreno para a construção de uma
Federação de Umbanda local, a exemplo da de São Luís-Ma, que funcionaria como
ponto de encontro dos “pajés” e dos fiéis. Desta forma o “pajé” atua como uma brocker,
alguém que estabelece conecções entre grupos sociais distintos: a população e os
políticos locais.
Um dos “pajés” com quem conversei afirmou, a respeito do reconhecimento
público que gozava perante a população: “eu tenho uma simpatia com o povo”. Nessa
fala ele se situa numa condição liminar pois, ao mesmo tempo em que não é um
político, com quem ele se relaciona e troca votos por outros favores, ele não se
identifica com sua clientela, que ele chama de “povo”, estabelecendo uma distância sua
com relação a eles. Assim, pelo menos exteriormente, a posição liminar do brocker é
um elemento constitutivo da profissão de “pajé” É também a comprovação da sua
habilidade em atuar como brocker, em angariar a confiança dos dois lados, conseguindo
favores e gozando de prestígio entre membros de classes superiores, que faz com que
um “pajé” seja respeitado na comunidade e adquira adeptos para sua “irmandade”,
fatores que demonstram que um “pajé” é bem sucedido em sua carreira.
Isto ocorre porque, voltando a formulação de Levi-Strauss (1975), o poder e o
prestígio de um “pajé” é medido grosso modo pela quantidade de pessoas que ele é
capaz de “curar”. Indo mais adiante, essas pessoas que foram curadas por um “pajé” lhe
devem favores, pois tiveram seus problemas solucionados por ele e, quanto maior for a
quantidade dessas pessoas, mais isso confirma seu poder e legitimidade como “pajé”.
Assim, a quantidade de membros de uma “irmandade” e a fidelidade deles ao “pajé” -
que se expressa principalmente na política, quando essas pessoas votam e apoiam
candidatos do “pajé” - é a materialidade concreta da capacidade do “pajé” de “curar” e
de solucionar problemas através de atos mágicos, adequando-se ao que se espera
publicamente da profissão.
Como se pode notar a confiança é uma das moedas fortes do sistema. Quando
alguém paga ao “pajé” um preço menor que o do serviço por ele prestado ou mesmo não
pode pagar, pode retribuir o serviço ao “pajé” através da participação ativa na sua
“irmandade”. Por outro lado, a população deve confiar nos serviços do “pajé” e este tem
de fazer-se confiável., através da construção de uma fachada convincente. Quando falha
nessa caracterização, o “pajé” pode cair em descrédito da comunidade, principalmente
se não fizer o que se espera do seu papel, seja envolvendo-se com magias maléficas ou
recusando-se a ceder a vocação para lidar como sobrenatural. O lado do sistema onde a
reciprocidade entre as partes não tem funcionado bem nos últimos anos, conforme
observei, diz respeito à esfera política partidária: os “pajés” têm se mostrado
descontentes com o atual prefeito pois ele havia prometido, em troca do apoio nas
últimas eleições, doar um terreno para os pajés construírem a Federação de Umbanda, o
que não ocorreu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
141
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
As religiões afro-brasileiras em todo o seu processo de evolução histórica foram perseguidas e
discriminadas por grande parcela da então população brasileira.
Influenciada pela ideologia do Catolicismo, esta população atuou de maneira a
proibir (sob a forma de pressão das autoridades locais para a criação e execução de
meios repressivos) os rituais religiosos africanos, confundidos com feitiçaria, fazendo
com que “terreiros afro-brasileiros tenham sido muitas vezes objetos de perseguição
policial” (FERRETTI, M., 2001).
Em São Luís “a existência de casas de culto abertas por africanos e crioulos
antes da abolição da escravidão, como a Casa das Minas e a Casa de Nagô
testemunham a resistência do negro” (FERRETTI, M., 2000), contrariando assim, a
frase marxista “a religião é o ópio do povo”.
Outrossim, admite-se que a discriminação e inferiorização do negro perante a
outra parcela da população brasileira autodenominada “branca” advém dos resquícios e
influências da teoria evolucionista que impregnou a população européia, tendo reflexos
claros nessa sociedade em formação.
Convivendo com uma população de negros superior a de brancos, segundo
consta o censo populacional da cidade em 1855 (ver Anexo 1), São Luís por possuir
grande número de terreiros afro-brasileiros foi palco de diversas situações onde a
religião propalada nos mesmos, foi e ainda o é confundida, intencionalmente, com
feitiçaria, sendo motivo de ação repressora de forças policiais.
A intencionalidade em confundir os rituais da religião afro-brasileira com
feitiçaria, encetada inicialmente pela Igreja Católica, afetou profundamente essas
religiões, no entanto, estas resistiram “a proibições, perseguições e, apesar de ser ainda
objeto de preconceitos e desconfianças de muitos, hoje os terreiros são freqüentados por
pessoas de todas as camadas sociais” (FERRETTI, M., 2001).
No Maranhão, ao contrário do que se observou no restante do País, “fala-se mais
em perseguições policiais no início do século” (FERRETTI, M., 2000, p.169) do que
com o advento do Estado Novo, mesmo assim, a freqüência de batidas policiais a
terreiros e restrições aos mesmos quando da realização de seus cultos em anos que
antecedem esse momento político do Brasil é relativamente grande.
*
Universidade Estadual do Maranhão – Curso de Geografia; aluno-pesquisador – bolsista do
PIBIC/CNPq.
48
O tema a que se refere o presente trabalho é resultado de projeto de pesquisa, financiado pelo CNPq
executado pelo autor sob a orientação da Profª. Dra. Mundicarmo Maria Rocha Ferretti, na Universidade
Estadual do Maranhão desde agosto do ano passado.
144
Atribuir a prática da magia negra aos praticantes das religiões aqui implantadas
pelos escravos e seus descendentes foi quase sempre dada em função de se inibir a
expansão e aceitação das mesmas, visto a grande procura da população por elas, ainda
que com receio em grande parte dos casos, na tentativa de solucionar problemas de toda
ordem: financeira, amorosa, médica dentre outras.
Se por um lado os pedidos de licença na polícia para a realização de festas e
“toques” por diversos terreiros de São Luís demonstram uma das formas pelas quais os
146
mesmos foram alvo de perseguição, por outro, a freqüência e o número desses terreiros
(relativamente grande), que aparecem em jornais de São Luís por diversas vezes,
denotam a expansão dos cultos afro-brasileiros na cidade, como bem pode se observa na
notícia intitulada “A Dansas de Tambor”, inserida na coluna dos “Casos Policiaes”
publicada no jornal Tribuna a 18 de agosto de 1935 (ver Anexo 7).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BRAGA, Júlio. Na Gamela do Feitiço: repressão e resistência nos candomblés na
Bahia. Salvador: EDUFBA, 1995.
FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha. Encantaria de “Barba Soeira”: Codó, capital
da magia negra. São Paulo: Siciliano, 2001.
FERRETTI. Desceu na guma: o caboclo do Tambor de Mina no processo de mudança
de um terreiro de São Luís. São Luís: SIOGE, 1993 (2ª edição: EDUFMA, São Luís,
2000).
147
DIVISÃO DE SUBDIVISÃO RESUMO DO 1º ATÉ RESUMO DO 37 ATÉ TOTAL DOS TOTAL DOS
CLASSES 37 QUARTEIRÃO O 80 QAURTEIRÃO RESUMOS HABITANTES
1ª LIVRES 1807 3588 5395 9000
CONDIÇÕES ESCRAVOS 1553 2052 3605
2ª MASCULINA 1758 3034 4792 9000
SEXO FEMININA 1602 2606 4208
3ª DE 1 A 14 ANOS 963 1719 2682
IDADES DE 14 A 21 ANOS 513 862 1375 9000
DE 21 A 40 ANOS 1322 2207 3529
MAIORES DE 40 ANOS 562 852 1414
4ª BRANCOS 1231 1946 3177
CORES PARDOS 196 441 637
MULATOS 391 924 1315 9000
CAFUSOS 145 105 250
PRETOS 1397 2224 3621
5ª SOLTEIROS 3037 5136 8173 9000
ESTADOS CASADOS 256 376 632
VIÚVOS 67 128 195
6ª NACIO- NACIONAIS 2669 4837 7506 9000
ALIDADES ESTRANGEIROS 691 803 1494
7ª BACHARÉIS 6 9 15
EMPREGOS MÉDICOS 2 13 15 137
1ª CLASSE NEGOCIANTES 75 32 107
8ª IDEM ECLESIÁSTICOS 5 8 13
2ªCLASSE EMP. PÚBLICOS 29 53 82 101
MILITARES 2 4 6
9ª IDEM ESTUDANTES 26 26 52
3ª CLASSE CAXEIROS 245 - -
ARQUITETOS 1 1 2
ALFAIATES 8 71 79
BARBEIROS 9 15 24
CARROCEIROS 2 0 2
O F Í C I O S
CALAFATES 10 4 14
CARPINAS 11 5 16
CARPINTEIROS 11 10 21
CHAPELEIROS 2 4 6
CHARUTEIROS 7 13 20
ESPINGARDEIROS 1 4 5
FERREIROS 6 0 6 328
FUNILEIROS 2 9 11
E
MARCINEIROS 19 11 30
OURIVES 3 16 19
A R T E S
PEDREIRO 2 8 10
PENTIEIROS 6 2 8
POLIEIROS 3 0 3
SAPATEIROS 6 12 18
SELEIROS 1 2 3
SERINGUEIROS 3 3 6
TABERNEIROS 9 1 10
TIPÓGRAFOS 3 2 5
PROPRIEDA ARMAZENS 33 24 57
DES BOTICAS 3 8 11
PARTICULA BARRACAS 19 3 22
RES LOJAS 9 39 48 322
OFICINAS 44 64 108
QUITANDAS 38 38 76
EDIFÍCIOS EDIFÍCIOS PÚBLICOS 7 8 15 15
PÚBLICOS
DIFÍCIOS SOBRADOS 156 147 303
PARTICULA MIRANTES 10 25 35 1065
RES CASAS TÉRREAS 232 495 727
PROPRIEDA CASAS EM 5 21 26 86
DES CONSTRUÇÃO 18 42 60
PARTICULA TERRENOS P/
RES CONSTRUIR
A cidade está cheia de exploradores, na maioria sem outra profissão, da credulidade do público.
Por toda a parte há faroleiros, curandeiros, pagés e hierofantes, que predizem, curam, receitam, numa
palavra, - cavam a vida, aproveitando-se do espírito superticioso do povo.
Ainda ontem o delegado de polícia dr. Raimundo Mendes desvendou em público o bote de um
dos meliantes, num caso triste, que bem pode servir de amostra. E ainda não é tudo: uma enquête bem
conduzida revelaria no exercício da profissão dos tais sujeitos lados bem sombrios, como sejam casos
doentes que das suas sessões saem inutilizados para toda a vida.
A indústria, exercida sem o menor constrangimento, é das mais rendosas. Vejam aquele
camarada que se meteu na casa duma viúva, a comer á tripa fôrca, a mandar a seu belprazer, a dilatar o
campo de acção de seu negócio!
As autoridades precisam de reagir contra essa casta de exploradores, energicamente, fechando as
casas onde êles pontificam e processando-os.
E o povo que se compenetre de que êsses indivíduos são uns ignorantaços incapazes de prevêr
onde curar e cujo charlatanismo tem o seu êxito na ingenuidade dos desprevinidos e incultos e na
incapacidade de defesa dos fracos de espírito.
(Matéria publicada em 28 de dezembro de 1923, p.01 – Pacotilha).
ANEXO 3: UM CANDOMBLÉ
Na rua da Madre Deus existe uma pagelança que, em noites determinadas para a feitiçaria, reune
uma turma hierática de pagés ao redor de uma sala, onde se acha o candomblé manejado por mãos
adestradas. O pagé destinado a receber comunicações do fundo fica ao meio da sala, com um capacete de
cores espalhafatosas, adornado de maracás, dançando, batendo com os pés no chão ás reviravoltes, aos
pinotes e distribuindo cachaça a todos os presentes. As pretas levantam-se então a um gesto do pagé, e,
suspendendo as saias até os joelhos, pulam para o meio, nuns requebros escandalosos, estabelecendo-se
um samba divino cuja influencia aumenta na razão direta dos copos de cachaça.
A pagelança de ontem ia animada. O pagé, porém, ao virar a cabeça, deu com os olhos na
diligencia do dr. Raimundo Mendes, que para lá se dirigiu, incumbida de acabar com o culto. Então
começou o disfarce do homem, que abria os braços, dando beijos, recitando versos e fugindo a pouco e
pouco para o fundo da sala, com os olhos pregados nos policiais, bancando assim, o Harold Lloyd. Os
soldados imediatamente, entraram na casa, acabando com o candomblé, e prometendo cômodos no posto
de S. João aos presentes, caso continuassem com aquele negócio divino.
(Matéria Publicada em 06 de Maio de 1924 - Pacotilha)
com todas as forças os seus tambores, ficam, verdadeiramente allucinados, com os ruídos que elles
mesmos produzem, julgando ouvir a voz terrível de seus deuses”.
São assim mesmo os “zocubús”, na estranha alucinação das práticas de sua liturgia. Os deuses da
selvagem tribo africana retrata-lhes o primitivo estado d’alma.
Zobucús... estes são lá do continente negro os que Harry descreve com tanta exactidão.
Por aqui, pelo Brasil há também similares. Mas que semelhantes: descendentes ou ascendentes
próximos dos que demoram nas mattas virgens do Congo ou da Somalilândia. Harry não sabia que no
Brasil existem “zobucús” que de preferência, buscam o Maranhão. Aqui, no estado, se instalaram velhos
feiticeiros daquela tribo vindos não sabemos de que longes terras.
A verdade é que os “zobucús” maranhenses mais conhecidos por marcellinistas, do nome de seu
primeiro cacique, fazem também enorme ruído com os seus tambores, invocando as virtudes dos chefes e
promovendo grito de ensurdecer contra os que por civilizados lhes movem campanha de educação.
Entre estes, o que há de notável é que, enquanto se entregam o trabalho construtivo, ninguém se
impressiona com a barulheira dos “zobucús” ninguém a não ser os próprios ZOBUCÚS.
(Matéria Publicada em 07 de novembro de 1934 - Tribuna)
A polícia deu permissão para d. Andreza Maria de Souza realizar festas de S. Sebastião com
toques de tambor de Minas, Hoje, amanhã e Segunda-feira no prédio à rua Senador Costa Rodrigues n.
857.
(Matéria escrita em 19 de Janeiro de 1935 - Tribuna)
A 1ª Delegacia forneceu licença às festas do Divino Espírito Santo, das seguintes pessoas: -
Julieta Maria da Paixão, á rua Senador Costa Rodrigues, n°448; Severa Soeira, á Avenida João Pessoa;
Porphirio Pedro Baptista, á rampa Manoel Nina; Leopodina Meirelles, o largo da Madre Deus e Andreza
Souza, á rua Senador Costa Rodrigues, esquina com a travessa das Minas.
A auctoridade determinou que, esas festas, será tocado foguete tão somente pela manhã, ao meio dia e à
noite, por occasião das ladainhas, conforme consta na licenças.
(Matéria escrita em 17 de abril de 1935 - Tribuna)
A polícia deu permissão para haver na noite de hoje, nos logares Belyra, Caratatiua, Villa Passos
e João Paulo, tendo como responsáveis das diversões os srs. Valentim Silva, Francisco de Jesus, Lourenço
Reis, Conceição Macedo e Francisca Rosa.
(Matéria escrita em 17 de abril de 1935 - Tribuna)
150
Mundicarmo Ferretti*
INTRODUÇÃO
*
Comissão Maranhense de Folclore; Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/Departamento de
Ciências Sociais (Coordenadora do Grupo de Pesquisa: Cultura Popular). Doutora em Antropologia.
151
49
De acordo com a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1959), Guimarães surgiu de uma
fazenda construída com a ajuda de índios, que teve grande número de escravos, e Cururupu, instalada em
terra habitada por tupinambás, comandados pelo índio Cabelo de Velha, surgiu do grande número de
fazendas e de industrias de açúcar e farinha. Ali, devido a grande necessidade do braço escravo, houve
importação de negros diretamente da Costa do Ouro e Dahomey (Guiné) e o negro foi o maior povoador
do município (IBGE, 1959, p.182; 167-168, vol. XV).
152
“Os que curão de feitiço (a que o vulgo dá o título de pajés) incorrerão na pena de cinco mil
reis, e na falta de meios ou reincidencia, de 10 a 20 dias de prisão”. (Artigo 31 da Lei 400,
de 26/88/1856 - Postura de Guimarães)
A existência no Maranhão, na segunda metade do século XIX, de curadores ou
pajés negros é também atestada na análise de notícias de prisões de pajés na capital
maranhense, divulgadas em jornais do Estado e, às vezes, também no de outros Estados
brasileiros, como a da pajé Amélia, de quem se fala em matéria publicada em São
Paulo, e de outra comentada em livro publicado em Recife, transcritas a seguir:
“Uma religião de que não gosta o governo. O Diário do Maranhão, refere-se “pagés”.
Tendo chegado ao conhecimento do Sr. Chefe de Polícia que, ao largo do Palácio, nos
baixos do sobrado nº 23, em dias especiais reuniam-se diversas pessoas para consultar as
prophecias de uma mulhe-pagé. Hontem às 2 horas da tarde para alli fez seguir uma escolta
de guardas pedestres e, feito um cerco, prendeu 12 mulheres e um homem que dansavam
semi-nús polvilhado de cinzas.
Dada uma busca foram encontrados: 1 lata de pimenta e alfazema, 3 pequenos canudos
pintados, 1 tigela com aguardente e diversos rosários de contas brancas e pretas. O Sr. Dr.
Chefe de Polícia mandou recolhe-los à cadeia.
Seria correccão merecem estes indivíduos, principalmente a pagé de nome Amélia, que
dizem ser dona do Templo erguido junto, quase ao paço municipal”.
50
(A Província de São Paulo, 11 de novembro, de 1876) .
“Há cinco ou seis annos foi descoberta na capital do Maranhão uma sociedade suspeita, de
negros e pessoas de classe baixa, cujo fim era fazer feitiçarias. Esta denominava-se
‘pagelança’ e os seus sectarios eram conhecidos pelo nome commum de ’pagés’. Não sei
porque artificio veio a policia a saber da existência d’esses ’pandegos’, que foram todos
mudados para a Casa de Detenção, onde poderiam, se quizessem, continuar na pratica de
seu officio. Penetrando a policia na tal casa de feiticeiros encontrou uma grande panella de
ferro, onde se cosinhava juntamente uma quantidade enorme de objetos, como: cabellos,
pedaços de sola, ferros velhos, folhas, fructas, etc., com o fim de ser aplicada esta mistura
para a salvação dos consocios doentes.
Diziam elles, todo aquelle que provasse de tal composição não sahiria mais da casa dos
pagés, e ficaria sectario da’ pagelança’. Em todos os cantos da sala das sessões haviam
outras feitiçarias, que se applicavam a fins diversos. Todo aquelle de quem estes indivíduos
conseguiam apoderar-se, era immediatamente castigado, em excesso, e, por sobre as
feridas, atiravam-lhe uma colherada da ‘meizinha’, bem quente, de fórma que o desgraçado
ficava estenuado. O fim principal da sociedade era cometter toda a sorte de roubos e
infamias.
Mas, si elles sabiam fazer o ‘diabo sahir do couro’ dos doentes, a policia fez melhor com
elles; mandou-os para uma habitação mais aprasivel - a Casa de Detenção. Assim acabou-se
esta terrivel ‘instituição’ dos pagés em S. Luiz” (FREITAS,1884, p.47-48).
50
O processo-crime da pajoa Amélia, negra, natural de Alcântara, que tem 198 páginas, está sendo
pesquisado por Jacira Pavão. É possível que o caso relatado na matéria transcrita por Freitas seja o
mesmo que foi comentado na transcrita aqui anteriormente.
153
de maior repressão policial, muitos objetos rituais foram jogados em suas águas, quando
os negros eram avisados da vinda de policiais e tinham pouco tempo para fugir
(MACHADO, 1999, p.81; FERRETTI, M., 2001, p.99).
Os documentos do século XIX que fazem referências a pajés negros (escravos,
livres ou quilombolas) que tivemos a oportunidade de analisar não fornecem descrições
detalhadas dos rituais, mas são suficientes para mostrar que se tratava de uma religião
de negros. Matthias Assunção, analisando documentos de quilombos maranhenses,
parece ter chegado à mesma conclusão. Em relação ao quilombo do Limoeiro comenta:
A existência de “casa de Santa”, a veneração de santa Bárbara (que corresponde ao vodu
Sobo na religião mina do Maranhão), São Benedito e outros santos, além da referência à
“dança do tambor”, parecem indicar que longe de constituir cultos isolados, esses
quilombolas praticavam uma religião sincrética comum a toda a população brasileira negra
e mestiça da região. A qualificação de “pagé” não é necessariamente uma prova de
influência indígena, já que o termo, de forte cunho pejorativo no linguajar da elite da época,
era usado para qualquer manifestação não-católica considerada “feitiçaria”. (ASSUNÇÃO,
1996, p.457).
51
Embora o maracá e o penacho de arara tenham sido usados pelos pajés em todos os Brinquedos de Cura
observados em São Luís, em Cururupu, Betinho utilizou nos rituais por nós observados, em vez deles,
uma régua e uma chave de fenda, - a primeira, simbolizando o esforço da pajelança para traçar o “reto
caminho” e a segunda para abrir para os seus clientes tudo o que estava fechado em suas vidas, como nos
explicou Maria Roxinha, da Casa das Minas, sua particular amiga.
52
É preciso esclarecer que o pesquisador Didier de Laveleye, que realizou pesquisa sobre pajelança na
área de Cururupu-Mirinzal, embora fale em cultura mestiça, enfatiza principalmente o caráter indígena
daquela pajelança. Em sua tese de doutorado defendida em 2002 na Universidade Livre de Bruxelas
(LAVELEYE, 2002), embora tenha tido como principal informante um pajé negro que tem terreiro e que
toca abatá (tambor nagô), procura compara-la principalmente com a pajelança indígena (descrita por
Alfred Metraux e por Florestan Fernandes) e com a pajelança cabocla da Amazônia (descrita por Galvão
e por Heraldo Maués), dando menor atenção à presença negra e a trabalhos anteriormente realizados
sobre pajelança maranhense (de Laís Sá, Regina Prado e M. Ferretti).
155
parte ou durante todo o ritual, com um penacho de arara na mão e um maracá na outra
(daí porque esse ritual é também conhecido, principalmente no Pará, como “pena e
maracá”), “dando passagem” a várias entidades espirituais. A pluralidade de transes
ocorrido na cura é um dos seus principais traços diferenciais já que na mina da capital,
mesmo nos terreiros abertos para entidades caboclas, onde os médiuns entram em transe
com muitas entidades, nunca se recebe mais de duas durante um mesmo ritual: o senhor
(dono da cabeça) ou o guia chefe, e um caboclo “farrista”, com quem às vezes
permanecem em transe por muitas horas após o término do ritual.
Os terreiros de São Luís que têm linha de cura, mas se definem como mina,
costumam também separar as atividades das duas linhas e, às vezes até, realizar seus
rituais em dias e locais diferentes. Nesses terreiros, quando se realiza uma cura, os
tambores da mina costumam ser substituídos por outros (pandeiros, adufes, tambores de
crioula) e as pessoas da “assistência” são solicitadas a participar do ritual batendo palma
ou matraca, o que confere ao ritual uma atmosfera muito diferente da encontrada em
toques de mina.
Fala-se em São Luís que antigamente curadores ou pajés não se confundiam
com “mineiros”, mas, como os pajés eram mais perseguidos pela polícia, muitos se
associaram a “mineiras” e passaram a tocar mina. Por essa razão, nos toques realizados
em salões de curadores eles costumam sair por algum tempo do barracão para atender a
clientes53. Essa mudança na pajelança foi constatada em São Luís, em 1943/1944, por
Costa Eduardo (EDUARDO, 1948). Segundo aquele pesquisador, muitos dos terreiros
que funcionavam na época, na área rural de São Luís, que enfatizavam práticas
terapêuticas, haviam sido abertos por curadores ou pajés e alguns deles haviam
funcionado antes em outro local, mas tiveram que se transferir para áreas mais afastadas
do centro, devido à acusação de curandeirismo e a perseguição policial, o que também
aconteceu com alguns terreiros de mina que funcionavam no centro da cidade.
53
Em 1940, no período repressivo conhecido como “Estado Novo”, foi promulgada a Lei de
Contravenções Penais que incluía o curandeirismo na lista das práticas criminais, tal como ocorrera no
Código Penal de 1890. Respaldada nesses dispositivos legais a polícia, em todo o país, invadiu terreiros,
confiscou objetos de culto e prendeu líderes religiosos afro-brasileiros. Os terreiros fundados por
africanos ou mais apegados às tradições culturais daqueles povos foram, geralmente, menos perseguidos,
por serem mais reconhecidos como casas de culto.
156
e nenhum deles parece conhecer musicas e rezas em língua indígena que não possam ser
interpretadas como língua do “p” (acréscimos de prefixos ou sufixos a palavras em
português) ou criação de um vocabulário especial denominado “língua de índio”. Não
encontramos também nos documentos em que especialistas médico-religiosos negros
eram denominados de pajés ou organizadores de pajelança nenhuma referência à
participação ou envolvimento de pajés indígenas ou caboclos.
Essas razões nos permitem sustentar a posição de que a pajelança de negros
do Maranhão deve ser estudada a partir do negro e não do índio e que essa pesquisa
deve ser realizada em várias frentes: 1) busca e analise de documentos do século XIX;
2) etnografia de terreiros e histórias de vida de curadores ou pajés da capital, de
Cururupu e de outras cidades maranhenses onde a população negra é antiga e
expressiva; 3) entrevistas com pais-de-santo que começaram a atuar no campo religioso
como pajés, descrições e analises dos rituais de cura realizados em terreiros de mina da
capital (“Brinquedo de Cura”).
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
ORIGENS
Conhecemos muito pouco sobre a influência do índio na cultura brasileira e
menos ainda da religiosidade destes índios, sobretudo dos indígenas nordestinos. Muito
se escreveu sobre a delimitação de suas terras, a ocupação do seu território pelo branco
e os conflitos que dela sucederam. Como observou Clélia Pinto, só em trabalhos mais
recentes a religiosidade é vista como fundamental para o estudo desses povos
(PINTO,1995, p.II).
O culto à jurema é um legado cultural desses índios nordestinos, que, apesar de
catequizados, mantiveram sua crença no mundo dos “encantados”, no poder da
“fumaça“ e dos cantos evocatórios. Esse culto tendo, inicialmente, misturado a cultura
indígena com o catolicismo, foi, posteriormente, influenciado pelo espiritismo, pela
magia européia54 e pelos cultos africanos.
A jurema ou catimbó tem suas raízes nas áreas em que por mais tempo
persistiram a identidade e a memória indígena. Essas áreas eram justamente aquelas
cuja qualidade das terras eram mais propícias à pequena lavoura e impróprias as grandes
criações de gado, não despertando o interesse dos colonos e dos grandes fazendeiros.
ALHANDRA
*
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Mestrado em Ciências Sociais/ Antropologia
54
Sobre a influência da magia européia no catimbó, ver Meleagro de Câmara Cascudo.
159
DO TRADICIONAL AO UMBANDIZADO
“...eu disse, agora nos vamo é girá mesmo, né? mas
sempre nos num esquece da mesa...” (Mestre Ciriaco).
“Os diversos cultos em funcionamento diligenciam a fim de ser instituída a Federação dos
Cultos Africanos do Estado da Paraíba, a qual estarão subordinados, cabendo-lhes entre
outras atribuições, disciplinar o exercício desses cultos no estado e exercer a representação
legal das atividades de suas filiadas”.
O PANTEÃO
160
SESSÕES DE JUREMA
Sessão de mesa
Sessão de toque
55
Orixá iorubá da caça.
161
“A gira que a gente faz é só pra doutrina, então pra consulta é mesa, consulta tem que fazer
na mesa, sabe? e pode também um mestre consultar aí no salão mas não é de certo, sabe? se
nós consultamos no meio do salão, presenteia todo mundo, nós num ganhamos nada...”
faz, eu não posso dizer que eu sei. Sempre existe o segredo. O que ele faz é pra não sujar o
ogã. A gente chama sujar pra não dá desmantelo pro ogã. Você vê que tem muito catimbó
por aí que dá muito desmantelo”
“Então pra fazer um tambor desse pra um menino bater é preciso que o pai de santo também
faça uma obrigação, que eles merece a mesma obrigação, que eles são mais que recebe a
mensagem dos espíritos, são eles, eles são quem chama”.
OS OGÃS
Sendo este um instrumento sagrado, é necessário que o ogã esteja “limpo” para
tocá-lo. Um ogã limpo protege todo o terreiro e a si mesmo. Tal fato torna a vida dos
tocadores cheia de regras e deveres espirituais. Logo que começam a tocar são
obrigados a se batizar na jurema. O batismo varia de terreiro para terreiro, e não é
exclusivo dos ogãs. Em seguida, é realizado o “amaci” das mãos. Este consiste em um
ritual de “lavagem” das mãos na jurema (também dizem “calçar” ou “ensementar” as
mãos) e é exclusivo dos ogãs. Cada terreiro tem o seu ritual próprio, que é segredo. A
163
não-realização do ritual, segundo Mita, ogã e filho do Mestre Deca, leva o tocador a
perder a resistência na hora de tocar.
Após o amaci, a responsabilidade do ogã aumenta. Segundo José, filho do
Mestre Ciriaco, se um ogã com a “mão lavada” por um mestre for tocar para outro,
todas as “demandas” enviadas para o terreiro cairão sobre ele, ferindo principalmente
suas mãos.
Outro ritual adotado por alguns terreiros é o “banho médio”. Este deve ser
realizado pelo ogã semanalmente. Consiste em um banho de ervas e plantas específicas
para cada sexta-feira do mês. Segundo José, praticante desse ritual, só é possível indicar
parte dos produtos utilizados no banho (a outra parte seria segredo): Em uma semana
José utiliza o arruda, o manjericão e o “atipi” (erva aromática do mato). Na outra
semana, o banho é com arruda, manjericão e lírio de cheiro e na terceira semana com
rosa branca ou vermelha.
Nas sextas-feiras o ogã não deve consumir bebida alcoólica nem ter relações
sexuais, como nos explica José:
“toda sexta eu não posso usar mulher. Se a gente usar mulher se suja por aquele corpo
mesmo... não pode ver mulher, pra gente não se prejudicar, adoecer, bater uma dor, levar um
baque, quebrar uma perna. Tem que levar tudo a sério, do começo ao fim. Assim a gente
não prejudica ninguém, nem a mulher e nem a pessoa”.
Os mestres que não têm ogãs na família são obrigados a contratar tocadores de
cidades próximas. Tal fato deve-se à proibição imposta a esses músicos, como dito
anteriormente, de tocar para outros mestres. A rivalidade hoje entre os principais
juremeiros de Alhandra é outro fator que impede um tocador de atuar em mais de um
terreiro. O valor pago por sessão a um ogã varia de acordo com a experiência e o
prestígio deste na comunidade.
José viveu um ano e oito meses a experiência de tocar para outros mestres
quando seu irmão mais velho tocava para o pai. A experiência é mencionada com um
certo orgulho. José afirma que, se o dinheiro compensar, ele, eventualmente, pode tocar
noutro terreiro, mesmo admitindo que após o toque será castigado:
“quando eu bato fora fico com a mão toda cortada. Passo três dias sem fazer
nada, sem trabalhar. O problema é esse, eu só vou se for de sessenta acima, por trinta,
quarenta contos, eu não vou”.
Aprendizagem musical
“Ninguém quis me ensinar. Eu aprendi só... Eles não me ensinaram nada não. O que eu vejo
eles fazendo eu aprendo logo... Parece que grava. Agora na escola eu sou péssimo, começa
dar logo uma dor de cabeça...”
De acordo com os ogãs, não existe ritmo exclusivo para uma determinada
entidade. Os ogãs empregam os mesmos utilizados nos toques aos orixás. Boa parte
desses ritmos são variações do exemplo acima e do exemplo abaixo. Entretanto, como
dito anteriormente, há uma maior variedade de timbres e ritmos no toque para Mestre.
Em todos os casos o triângulo e o maracá fazem basicamente a mesma coisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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ASSUNÇÃO, Luiz Carvalho de. O Reino dos Encantados – Caminhos: Tradição e
Religiosidade no Sertão Nordestino. Tese de doutorado em Ciências Sociais
(Antropologia) apresentada à Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo,
1999.
AUGRAS, Monique, Zé Pilintra, Patrono da Malandragem. In: VII Ciclo de Estudos
Sobre Imaginário, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1989.
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira Ed. 1971.
________. Antropologia Aplicada. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979.
________. Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto. Rio de Janeiro: Edições O
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da comunicação no Alto Xingu. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.
BERGER, Peter Ludwig. O Dossel Sagrado. elementos para uma teoria sociológica da
religião. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985.
BRANDÃO, Maria do Carmo. Xangôs Tradicionais e Xangôs Umbandizados do
Recife: Organização Econômica. Tese de Doutoramento, Universidade de São Paulo
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BRUMANA, Fernando Giobellina; Gonzáles Martínez, Elda. Marginália Sagrada.
Campinas: Ed. Da Unicamp, 1991.
CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros. Rio de Janeiro:
Ed. Forense Universitária, 1977.
CARLINI, Álvaro. Cachimbo e Maracá: o Catimbó da Missão. São Paulo, Acervo
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CARNEIRO, Edison. Religiões Negras/Negros Bantos. Rio de Janeiro: Civilização
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CASCUDO, Luiz da Câmara. “Meleagro” Depoimento e Pesquisa Sobre a Magia
Branca. Rio de Janeiro: Agir,1951.
________. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1969.
CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A., Dicionário dos Símbolos, Rio de Janeiro: José
Olímpio, 1991.
DURAND, Gilbert. As estruturas Antropológicas do Imaginário. Lisboa: Editorial
Presença,1989.
________. Imaginário. Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de
Janeiro: Difel, 1999.
167
Sergio F. Ferretti*
INTRODUÇÃO
O sebastianismo, ou a crença num rei encantado que virá salvar o seu povo,
existe em muitas regiões e pode ser considerado como uma das manifestações do
messianismo ou mito da espera de um messias ou salvador. Afirma-se que no Brasil o
sebastianismo foi trazido pelos portugueses, sendo registrado em várias épocas e locais,
relacionando-se com o culto a El Rei Dom Sebastião, difundido amplamente e
possuindo peculiaridades que o distingue em diferentes regiões. Vinculado ao
sebastianismo existe igualmente o culto ao santo mártir do mesmo nome.
No Maranhão, elementos dessa crença são encontrados no catolicismo popular,
na umbanda56, no tambor de mina57, na cura ou pajelança58 e também no folclore59.
Neste texto, apresentaremos uma visão geral sobre o sebastianismo nesses diferentes
elementos da cultura popular maranhense.
Como é conhecido, a antiga expectativa da vinda de um redentor ou messias foi
incentivada em Portugal pela presença judaica em fins do século XV. Intensificou-se em
inícios do século seguinte com a divulgação das Trovas de Bandarra, sapateiro poeta
que pregava a vinda de um rei prometido. O jovem rei de Portugal, Dom Sebastião - “O
Desejado”60, educado pelos jesuítas em ambiente de exaltação religiosa, morreu
inesperadamente no Marrocos, na batalha contra os Mouros, em Alcácer Quibir, em
1578, com apenas 24 anos, sem ter deixado herdeiros. Após a batalha, espalhou-se em
Portugal a crença de que Dom Sebastião não morrera e que iria regressar, crença que se
difundiu em meio às expectativas messiânicas pregadas por Bandarra. Dois anos depois,
o Reino foi herdado por seu tio Felipe II, da Espanha, que, durante 60 anos, dominou
Portugal e suas colônias. O Reino português foi restabelecido com a dinastia de
Bragança, por Dom João IV, que governou entre 1640 e 1656. Com a morte desse rei, o
padre Antônio Vieira pregou sermões, inclusive no Maranhão, dizendo que El Rei Dom
João IV haveria de ressuscitar, o que o levou a ser julgado pelo Tribunal da Inquisição
(VALENTE, 1963; SANTOS, 1983).
Falando do rei e passando ao santo epônimo, lembramos que Dom Sebastião
teria recebido esse nome por ter nascido a 20 de janeiro, data em que se comemora o
martírio de São Sebastião. Lembramos também que, no catolicismo popular e nos
ambientes afro-brasileiros em geral, encontra-se largamente difundido o culto ao mártir
São Sebastião61. Câmara Cascudo comenta que São Sebastião dá nome a muitos
*
Presidente da Comissão Maranhense de Folclore. Dr. em Antropologia. Professor adjunto da UFMA.
56
Umbanda é uma das religiões afro-brasileiras mais difundidas no Brasil. No Maranhão, a umbanda se
diz “cruzada”, ou misturada com outras religiões afro-brasileiras.
57
Tambor de mina é um dos nomes da religião de origem africana no Maranhão e na Amazônia.
58
Cura ou pajelança são os nomes conhecidos, no Maranhão e na Amazônia, da religião popular que
inclui elementos ameríndios e afro-brasileiros.
59
No folclore maranhense, o sebastianismo se relaciona com a manifestação do bumba-meu-boi
60
Dom Sebastião recebeu esse título por ter sido o único descendente de D. João III, seu avô, que viu
falecer seus outros filhos sem deixar herdeiros ao trono português. (HERMANN, 1998).
61
Sebastião foi oficial do exército do Imperador Diocleciano, que por volta do ano 300 realizou grande
perseguição aos cristãos em Roma. Não renegando sua fé, foi amarrado a uma árvore despido, sendo
170
alvejado por flechas pelos outros soldados. Encontrado quase morto, foi curado e novamente condenado a
morte. Sua história se difundiu a partir do século IV.
62
No tambor de mina maranhense de tradição nagô, esses santos correspondem aos orixás Omolú,
Obaluaê e Xapanã, que combatem as pestes. Na tradição mina jeje, difundida na Casa das Minas do
Maranhão, os mesmos santos e entidades correspondem aos voduns Acossi-Sakpatá, Azili e Azonce, que
pertencem à família da Dambirá, encarregada de combater a peste e outras doenças graves (FERRETTI,
1996).
63
Ritual do catolicismo popular no qual se queimam as palhas do presépio, muito comum nas residências
de famílias e nos terreiros de culto afro-maranhenses. Na ocasião se oferece uma mesa de doces,
desmancha-se o presépio e são escolhidos os padrinhos para a festa do próximo ano.
64
O banquete dos cachorros é uma forma de pagamento de promessas a São Lázaro, realizada em Estados
do Norte e Nordeste. Consiste numa mesa com alimentos, arrumada no chão, em que são servidos
determinado número de cachorros e crianças. Nos terreiros, costumam ser acompanhados por três dias de
festas com missa, ladainhas, oferecimento de alimentos rituais e toques de tambores (FERRETTI, 2001).
65
Nessa noite, os voduns da Casa das Minas costumam realizar uma visita ritual à Casa de Nagô, situada
a uma quadra de distância (FERRETTI, 1996).
66
A cura ou pajelança possui semelhança com a Jurema do Nordeste (ASSUNÇÃO, 1999). No ritual da
cura, o pajé recebe sucessivamente entidades ou encantados de diversas linhas ou famílias. Predominam
entidades das águas doces, ou entidades do fundo, encantados em cobras, peixes e repteis, ou entidades da
linha da mata, como Surrupira e também entidades dos ares, como pássaros diversos, bem como príncipes
e princesas encantadas (FERRETTI, M., 2000).
67
A respeito da categoria encantado, veja-se Maués (1977, p.40/41): “Há certo número de pessoas que
não morrem e, ao invés disso, se tornam encantados. Dizem que essas pessoas são levadas, muitas vezes
ainda crianças, para o encante (local de morada dos encantados), por certos encantados que se agradam
delas, como as Mães D´Água. Assim, se uma criança desaparece num rio e seu corpo não for mais
encontrado, dir-se-á que aquela criança foi para o encante.” Ainda em relação ao termo encantado no
tambor de mina e nos salões de curadores do Maranhão, Mundicarmo Ferretti informa que: “Refere-se a
uma categoria de seres espirituais recebidos em transe mediúnico, que não podem ser observados
171
diretamente ou que se acredita poderem ser vistos, ouvidos ou sentidos em sonho, ou por pessoas dotadas
de vidência, mediunidade ou de percepção extrasensorial.” (FERRETTI, M, 2000, p.15).
68
A ilha dos Lençóis localiza-se no arquipélago de Maiaú, no município de Cururupu, no litoral Norte do
Estado, a 160 quilômetros de São Luís (PEREIRA, 2000).
69
Como informa Maués (1987, p.178; 248), existem outros locais na Amazônia conhecidos como morada
de Dom Sebastião.
70
Ver FERRETTI, M., 2000 (b), p. 77 e PEREIRA, 2000.
172
pode seguir viagem, pois tudo lá pertence ao tesouro do rei. Se insistirem a embarcação
pode afundar.
A população da ilha dos Lençóis atinge atualmente um total de cerca de 500
pessoas e 3% dos habitantes são albinos, uma percentagem bastante elevada (PEREIRA,
2000). Os albinos de Lençóis são considerados “filhos do Rei Sebastião”. São também
chamados “filhos da Lua”, pois não podem tomar muito sol, preferindo sair à noite.
Periodicamente, os meios de comunicação divulgam matéria sobre os albinos e sobre
Dom Sebastião na ilha dos Lençóis, o que tem atraído a atenção de muitos curiosos.
A ilha é formada por dunas de areia e a movimentação dessas dunas faz com
que a paisagem se altere. O isolamento do local e a paisagem que muda de aspecto,
contribuem para o desenvolvimento do imaginário fantástico na região. Para uns, a
lenda seria resultante do consumo de entorpecentes pelos pescadores de Lençóis71.
Preferimos a explicação de Tânia Santos (1999, p.86), segundo a qual: “o homem
simples, morador da ilha dos Lençóis que não dispõe de um saber científico sobre os
fenômenos naturais que envolvem o meio em que vive e a sua própria vida, busca, como
já vimos, explicações mágicas, refletindo nas suas lendas o assombro e o temor que
sente diante do desconhecido.”
71
Ver Dias, 1974.
72
Povo de mina no Maranhão é expressão usada para se referir aos que acreditam e participam do tambor
de mina.
73
Por onde têm que passar todas as embarcações que saem de São Luís em direção ao litoral Norte, rumo
ao vizinho Estado do Pará e à Ilha dos Lençóis, como também as embarcações que se dirigem aos rios e
lagos da Baixada Maranhense, como o Mearim, o Pindaré, o Lago de Viana, o Campo de São Bento e
outras regiões vizinhas.
74
Terreiro que existiu próximo ao atual Porto do Itaqui até o falecimento de sua última chefe, mãe Pia,
em 1970. O terreiro do Egito, por mais de um século, funcionou no Bairro do Bacanga, numa elevação
diante do porto do Itaqui, que visitamos mais de uma vez em companhia de Pai Euclides, da Casa de Fanti
Ashanti, que diz ter sido lá iniciado no tambor de mina..
75
“Ela é tida como uma líder - “patrona dos marinheiros” - como mulher sexualmente liberada numa
versão local das “pombas-giras” da umbanda sulina; ou vista ainda como uma espécie de médica-
feiticeira quando “trabalha na linha de cura” identificada à arara vermelha (Ara.macao), nossa bonita ave
amazônica de plumagem vermelho-vivo, cauda azul e asas azuis mais escuras. Na mais pura tradição
xamanística amazônica, ela manipula as penas da cauda do animal como parte dos ritos de cura. Mas se
dona Mariana vem da floresta isto não significa que ela seja um índia, ao contrário, ela é tida como
173
Anaíza Vergolino-Henry, dona Jarina, princesa Flora, princesa Ina, princesa Jandira,
Rei ou Dom Sebastião, Sebastiãozinho, Barão de Guaré e outros.
78
Vejam-se, por exemplo, os Boletins da Comissão Maranhense de Folclore nºs 17 e 20, que trazem
diversas matérias sobre o bumba-meu-boi do Maranhão.
175
santo estava adoentada, não haveria toque, mas durante a apresentação do boizinho,
várias filhas-de-santo da casa receberam entidades filhos de “seu” Légua e filhos de
Dom Sebastião, entre os quais a princesa Jandira.
Ele é Sebastião
Vem no rolo do mar, ah, ah, ...
Vem no rolo do mar, ah, ah, ...
Ele é pai do terreiro,
79
Na guma imperiá, ah, ah, ...
Na guma imperiá, ah, ah, ...
(SANTOS, P. B. 1983, p.26)
79
No tambor de mina do Maranhão, a palavra “guma”, ou “guna” significa espaço, salão de dança ou
terreiro. V. FERRETTI, M., 2000.
177
REFERÊNCIAS
LEITE NETO, Alcino. Autores relacionam Bálcãs com o sertão. A Folha de São Paulo,
São Paulo: 06/09/2001. Caderno Folha Ilustrada, Pág. E 1; E-3.
MACHADO, Roberto e BAIANO, Paulo. A Lenda do Rei Sebastião. Gravação 1979,
Produção 1999. CD Rec. Play, Vídeo Tempo Filmes. São Paulo: 1999.
MAUÉS, Raimundo Heraldo. A Ilha Encantada. Dissertação de Mestrado. PPGA/UNB.
Pesquisa Antropológica N. 22. Brasília: 1977.
_______. A tensão constitutiva do catolicismo: catolicismo popular e controle
eclesiástico (Estudo antropológico numa microrregião da Amazônia). Rio de Janeiro:
Museu Nacional/PPGAS. Tese de Doutorado em Antropologia Social, 1987.
MORAES, Jomar. O Rei touro e outras lendas maranhenses. São Luís: SIOGE, 1980.
PEREIRA, Madian de Jesus Frazão. O imaginário fantástico da Ilha dos Lençóis.
Estudo sobre a construção da identidade albina numa ilha maranhense. Dissertação de
Mestrado. Belém: UFPA/PPGAS. 2000. Mimeo.
SANTOS, Pedro Braga dos. O Sebastianismo no Maranhão. São Luís: IPES, 1983.
Mimeo.
SANTOS, Tânia L. dos. Do mito sebastianista à lenda de D. Sebastião no Maranhão.
Aplicação da morfologia de Propp. São José do Rio Preto: Universidade Estadual
Paulista Júlio Mesquita. Diss. de Mestrado em Letras, 1999.
VERGOLINO-HENRY, Anaisa. História Comum, Tempos Diferentes. In: Maria Ângela d’ Incao (Org.).
A Amazônia e a Crise da Modernização. Belém: 1992.
VALENTE, Waldemar. Misticismo e Região (Aspectos do Sebastianismo Nordestino).
Recife: IJNPS, 1963.
180
GRUPOS DE TRABALHO
INTRODUÇÃO
*
Uiversidade Federal do Pará - Curso de Ciências Sociais; bolsista de IC. do CNPq.
80
“Apropriação de materiais previamente gravados, normalmente sem observar direitos autorais
prescritos em lei” (CASSEANO, DOMENICH & ROCHA, 2001, p.146).
81
Cf. PIMENTEL, 1997; HERSCHMANN, 2000; BORDA, 2001; e CASSEANO, DOMENICH &
ROCHA, 2001.
182
“UM DJ E UM PANDEIRO”
Com essa fraze Negro Lamar justifica a utilização do Bumba Meu Boi do
Maranhão na música “Toada do Clã”, na apresentação do grupo Clãnordestino no
festival da Juventude em Belém, promovido pela prefeitura municipal, que os tinha
como atração convidada de fora do estado. A partir dessa idéia, podemos observar a
“busca pelas raízes” por uma necessidade de afirmação de identidades, Lamar reproduz
algo imanente de uma nova concepção do RAP brasileiro, a união do chamado RAP
tradicional com a cultura nacional, e de forma mais micro ainda, com a cultura regional.
Podemos considerar como grande alavancador deste processo nos anos noventa,
o movimento de Recife conhecido como “Mangue Beat”, alanvacador no sentido de
propagar tal idéia midiáticamente, tendo como principal expoente, a figura de Chico
Science, que produzia a fusão de Rock e Rap/Funk com maracatu. Chico Science
acreditava que em tempos de globalização se precisava estar “antenado” ao mundo,
praticar uma “antropofagia” com as influências contemporâneas que o mundo poderia
oferecer, e a partir disso criar-se um novo conceito de música brasileira e regional, uma
música de raíz e ao mesmo tempo contemporânea e mundial.
Neste rastro deixado por Science, um grupo em especial, o Faces do Subúrbio
promove então a regionalização do RAP pernambucano, e com o disco “Como é Triste
de Olhar”, consolida a fusão Embolada e RAP. O grupo defende a total harmonia entre
a batida da embolada e a do RAP, e ainda no plano das idéias a literatura de cordel
surge enquanto “raíz”, o RAP então seria uma forma urbana de destacar os problemas
sociais, enquanto que a literatura de cordel estaria mais ligada às questões do sertão,
como podemos observar na entrevista dada por eles a revista “RAP Brasil”:
“... eu posso dizer que a temática às vezes é muito igual a da embolada. Por exemplo, o cara
lá em Recife fala dos problemas sociais que ele vive lá no sertão, que é a fome, a seca, a
miséria. Aqui na cidade, a gente fala o que a gente passa na periferia, que é polícia, chacina,
a violência que impera na periferia. Mas a temática no fundo é a mesma.” (Zé Brown, RAP
Brasil, Ano I n° 6, 2001).
183
Ou seja tanto na questão de uma busca por ritmos (essa é uma das palavras que
compõe a palavra RAP- Rhythm And Poetry), quanto num ethos nordestino, a
preocupação desses grupos (Clãnordestino e Faces do Subúrbio) é delimitar uma
identidade contrastante, no momento em que o Rap ultrapassa a fase de afirmação no
meio artístico brasileiro, enquanto expressão cultural da juventude periférica. A
delimitação da identidade nacional e regional torna-se agora necessária.
82
Como não estou me propondo neste trabalho traçar um a análise política do RAP, estou apenas
reproduzindo as idéias contidas nas letras dos grupos usados como exemplo.
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS
83
Grupo formado pela união de MC’s dedicados a uma modalidade de RAP chamada de Freestyle (Estilo
Livre), que consiste na improvisação das rimas. Fazem parte deste grupo Max B.O., Akin, Kamau,
Thaíde, Paulo Napoli, entre outros.
185
REFERÊNCIAS
CASSEANO, Patrícia, DOMENICH, Mirella & ROCHA, Janaina. Hip Hop: a periferia
grita. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001.
FRADE, Cáscia. Folclore. Col. Para Entender, vol. 3. São Paulo: Global, 1991.
HERSCHMANN, Micael. O Funk e o Hip Hop Invadem a Cena. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
PIMENTEL, Spensy Kmitta. O Livro Vermelho do Hip Hop. São Paulo, USP, 1997.
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Comunicação e Artes.
WEBER, Max. A Objetividade do Conhecimento nas Ciências e Políticas Sociais. In.:
Sobre a Teoria das ciências Sociais. São Paulo: Editora Moraes, 1991.
187
Os congados – ou congos – são grupos de dança que saem nas festas de negros,
principalmente a Festa do Rosário. Estas associações existem em diversas regiões do
país, sendo especialmente comuns no estados de Minas Gerais. No sul de Minas, os
congadeiros costumam dizer que os congados surgiram para celebrar a libertação dos
escravos. Veja, por exemplo, a seguinte estória narrada por Seu Pedro Cigano, de
Campanha (MG):
O congado é do tempo dos escravos. ... Na libertação dos escravos, ... fizeram a festa ... .
Foi daí que surgiu o congado. A única coisa que eles tinham pra bater era a caixa, aonde
nós temos as caixas. ... Foram dançar pra Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, ... que
São Benedito é o verdadeiro congadeiro e Nossa Senhora do Rosário foi a rainha que
cuidava deles, protegia eles no cativeiro. ... Disso aí criaram, né, evoluiu, e hoje o congado
tem bastante instrumento. [Pedro Cigano, Campanha (MG)]
*
Etnomusicóloga, Professora da Queen´s University of Belfast. Doutora em Antropologia.
188
OS CONGADOS DE CAMPANHA
abolição. Uma versão desta estória foi narrada por Seu Paulo, o Rei Perpétuo de
Cordislândia (que fica 30 kms de Campanha).
O congo é uma coisa que os pretos não tinha condições de se adivertir, é uma coisa
inventada por eles. ... Então eles mesmo fazia os instrumento deles: reco-reco de bambu, ...
e ali à noite, depois que os senhores deles se deitavam, ... eles ia fazer a festa deles, porque a
senzala era no terreiro, no curral, assim. Ali eles ia dançar. Eles fazia o batuque deles lá,
dançava. Depois que eles terminava a dança deles tudo, eles pegava aquilo ali, ... fazia um
fogo ali, queimava, ... que se não, no outro dia, que o patrão visse aquilo ali, eles apanhava.
... Então eles fazia aquilo tudo escondido. ... Aí quando eles foi libertado, ... não precisaram
mais queimar os instrumento, e sairam tocando pra todo mundo vê.
Os músicos se olham uns aos outros, observando o que cada um está fazendo.
Entre os caixeiros, particularmente os mais experientes, parece até que eles procuram
não tocar exatamente aquilo que os outros a sua volta estão tocando. Para isto é preciso
que eles prestem atenção para os seus companheiros. Nas fotos abaixo, nota-se como os
músicos interagem uns com os outros.
INTRODUÇÃO
*
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Dep. de Música do Instituto de Artes. Dra. em
Musicopedagogia e Pós-doutora em Música.
194
respeito a si mesmo, bem como descobrir outras culturas, no rigor de sua pureza, é
estabelecer parâmetros para tomar consciência de sua própria cultura. E vice-versa.
No sentido do que preconiza a Lei de Diretrizes e Bases atualmente em vigor,
este texto trata da estruturação de uma oportunidade para ações criadoras, numa relação
interdisciplinar que reúne, num mesmo trabalho, questões artísticas, ecológicas e
folclóricas. Aqui justifica-se também porque ele está sendo apresentado durante o X
CBF: trata-se da composição e produção de um musical infanto-juvenil intitulado
Curupira – histórias, mitos e lendas das florestas brasileiras. Este trabalho, foi
realizado entre 1996 e 2000, por pessoas da área de Artes (Música, Dança, Teatro e
Plásticas), a maioria professores e seus alunos, com a consultoria de dois Engenheiros
Florestais, uma Folclorista, um Filósofo, uma Psicopedagoga e um Teólogo.
Principalmente em sua fase inicial, sentiu-se muito falta de um(a) Etnomusicólogo(a).
Dúvidas específicas sobre o uso de instrumentos e sonoridades, andamento, estilo,
estruturas rítmico-melódicas, emissão vocal, coreografia, etc, trouxeram muita
insegurança durante os processos de composição e interpretação da obra. Além disso,
provavelmente, espaços educativos importantes deixaram de ser aproveitados por falta
de conhecimento, dos dirigentes, sobre detalhes sutis da música de nossos índios.
Segundo os redatores dos PCN, um dos principais problemas da Educação
Artística na Escola é o “enorme descompasso entre a produção teórica, ..., e o acesso
dos professores a essa produção” (PCN, 1997, pág. 31). Nesta afirmação, incluo
também os resultados das pesquisas folclóricas, em particular, musicais. Como proceder
para minimizar este desperdício de esforços e possibilidades? Provavelmente, as
contribuições da pesquisa etnomusicológica para a Musicopedagogia prescindam de um
modelo para a transdução de dados científicos em linguagem de sala de aula, e do
estabelecimento de estruturas de apoio e absorção do trabalho cultural e artístico na
escola. Numa tentativa de minimizar os prejuízos deste distanciamento e propor alguns
canais de aproximação entre as pesquisas musicopedagógicas e etnomusicológicas,
apresento a maneira como este problema foi tratado, no âmbito da Proposta
Musicopedagógica CDG, para discussão.
elas têm para o ser humano, a partir da ótica de nosso índio, verificada através de suas
histórias, lendas e mitos. A forma como tal tema foi trazido desde o entendimento
indígena sobre ele até nossas crianças de cidade será discutido mais adiante neste texto,
e consiste de sua parte mais importante, pois poderá contribuir com as discussões sobre
o aproveitamento do folclore na educação escolar.
As conclusões deste trabalho de pesquisa e criação sob a forma de espetáculo e
libreto, foram apresentadas 09 vezes no Brasil, a título de pré-estréia, e 29 vezes na
Alemanha, em diversas cidades integradas ao circuito da EXPO2000 de Hannover,
durante os meses de setembro e outubro de 2000. O grupo que desenvolveu o trabalho
foi formado por 09 especialistas e o que o interpretou foi integrado por 34 pessoas entre
07 e 67 anos, profissionais e amadores de diversas áreas. Os custos foram garantidos por
leis de incentivo à cultura, apoio de instituições eclesiásticas, educacionais e de
pesquisa, bem como contribuição de particulares, no Brasil e na Alemanha.
Como antecedentes do projeto aqui enfocado, identifica-se uma tese de
Doutorado desenvolvida na Dortmund Universität com o apoio da ÖSW –
Ökumenisches Studienwerk Bochum84 e o projeto registrado na EXPO2000 WFW –
Weltforum Wald85, cujo objetivo era alertar o mundo para a importância das florestas
numa perspectiva de desenvolvimento sustentável e de respeito à vida na terra. Em
consonância com o tema gerador desta feira internacional, qual seja, a busca de formas
de harmonização para o trinômio Homem – Natureza – Técnica, o WFW buscava
projetos originais de caráter técnico-científico, ecológico, artístico-cultural e/ou
educacional, e selecionou o Curupira. A opção de buscar na visão do índio a inspiração
para o tratamento do tema deve-se ao fato de ser este o conhecedor mais profundo dos
mistérios e belezas de nossas florestas e a expressão mais legítima da harmonia entre
todas as formas de vida nelas existentes. O maior desafio foi entender e expressar esta
visão de maneira acessível às pessoas de centros urbanos.
Tendo sido o Projeto Curupira selecionado em 1997, iniciaram-se os contatos
para sua realização. Algumas condições preliminares foram estabelecidas, a partir das
quais se desenvolveriam todos os procedimentos dos próximos três anos: o projeto
deveria resultar na composição de repertório e coreografias para um espetáculo de
música ao vivo, a ser interpretado por crianças e adolescentes brasileiros, com
aproximadamente 45 minutos de duração.
considerando o caráter internacional da feira, era necessário que tanto o programa
quanto o libreto estivessem traduzidos para Alemão, Inglês e Espanhol, além do
Português, haveria duas fontes de recursos, quais sejam: as brasileiras, que garantiram o
Musical desde sua criação até sua colocação no aeroporto de Frankfurt, e as alemãs, que
possibilitaram todas as despesas com mídia, alimentação, hospedagem e transporte para
34 pessoas, por 35 dias, cobrindo 12 cidades das regiões norte e oeste da Alemanha.
84
WÖHL-COELHO, Helena: Cante e Dance com a Gente – Ein Projekt für die Musikerziehung in
Brasilien. Frankfurt, Peter Lang, 1999.
85
VAUK, Gottfried (Sonderbeauftragter des Landkreises Soltau-Fallingbostel und des Waldforum 2000
e.V.): Weltforum Wald / Registriertes Projekt der Weltausstellung EXPO2000 Hannover.
196
sua afinação e potencial para serem, o mais rápida e facilmente possível, bons
intérpretes. Diante de um olhar um pouco mais atento, é possível verificar que vários
conceitos estão, aqui, em jogo e mereceriam ser questionados: O que é uma “obra
impecável”, para crianças? Como são tais crianças, do que gostam e do que precisam
para seu desenvolvimento integral harmonioso e equilibrado? Terão condições
emocionais e técnicas para serem tratadas como “intérpretes”? Sob tal prisma, não será,
eventualmente, apenas o regente um intérprete, e as crianças seus instrumentos, objetos
manipulados com vistas a atingir objetivos expressivos preestabelecidos e a sua revelia?
E, se assim o for, estará havendo justiça e responsabilidade educativa? Ao entender a
criança como intérprete, corre-se o risco de torná-la repetidora passiva, sujeita às
escolhas impostas por seus professores de música, por seus pais, pela mídia e, até
mesmo, pela crítica especializa.
O intérprete deve, com base em seu conteúdo interior e seu esforço técnico,
disponibilizar ao público uma obra musical escrita sob sua forma audível. Não raro,
justamente por causa da imaturidade própria da idade, as crianças são consideradas
“artistas menores”, a quem apenas é dado o direito de ser repetidor treinado, devendo
esperar pelo prazer estético próprio ao ser intelectual e tecnicamente capaz de alcançar o
domínio pleno de uma grande obra. Naturalmente, a criança, como cantora, deve
preparar-se e ser preparada para enfrentar exigências técnicas de obras consagradas,
tanto no campo da composição, quanto no da interpretação e da apreciação. No entanto,
mesmo num pretenso caminho que conduza do desconhecimento ao domínio, existem
instantes onde o belo se revela de forma absoluta. Educar para a sensibilidade estética é
alertar, permanentemente, para tais instantes e oportunizar sua fruição. Assim sendo,
enquanto no processo que conduz à interpretação tradicional, o intérprete curva-se à
obra, na proposta CDG, a obra submete-se ao intérprete, num processo de
complexização permanente. Na forma CDG, as crianças são participantes ativas do
processo de criação: os temas e/ou o tratamento musical dado a eles emergem daquilo
que cada uma identifica em si e em sua comunidade com relação a preferências,
capacidades, expectativas e imaginação. E, principalmente, àquilo que, num
determinado momento, é capaz de perceber e executar com êxito.
Os processos composicionais desenvolvidos devem ser adaptados a cada grupo
particular e a suas condições específicas. A Proposta Musicopedagógica CDG é multi-
modal, isto é, emprega tanto técnicas e instrumentos já consagrados, quanto a serem
inventados. Trata-se de uma abordagem fundada num quadro teórico diversificado mas
consistente, numa observação que busca ser livre de preconceitos, e numa ação flexível
e responsável. Uma abordagem que parte da constatação do presente, buscando entendê-
lo pelo conhecimento de seu passado e construí-lo em função das escolhas feitas entre
as possibilidades de seu futuro. Todas as experiências CDG são rigorosamente
estruturadas, permanentemente avaliadas e redirecionadas, se e quando necessário. O
compromisso maior está no processo educativo, onde tolerância, flexibilidade,
confiança e estímulo são referenciais básicos. Como situar, então, o tipo de trabalho
desenvolvido para a criação do musical Curupira? É o que passaremos a discutir.
Escolha do tema e levantamento dos dados: A escolha do tema gerador do
trabalho teve determinação externa ao grupo, pois o compromisso era levar ao espaço da
EXPO2000, bem no final de todo o caminho, um Musical que, sob a ótica e expressão
infantis, apresentasse a visão brasileira sobre as matas do mundo. Já por ocasião do
convite, a idéia de aproveitar a figura de Curupira saltou espontaneamente em frente aos
compositores, mas nada estava claro de como isso aconteceria. Assim sendo, um tema
assim tão amplo e uma inspiração tão vaga, se levados às crianças, poderia deixá-las
apenas perplexas, sem inspirar-lhes as desejadas ações criadoras. Foi preciso, então,
197
realizadas pelas próprias crianças e/ou seus pais. Os recursos estéticos empregados
estavam delimitados pelo nível técnico dos integrantes (estudantes ou não de dança e de
música) e por recursos financeiros disponíveis.
Por essas e algumas outras razões, sustentar esta iniciativa foi um processo
também permeado por falta de fé, dores e esforços que, por vezes, pareciam superiores
às forças disponíveis. A criação e os ensaios foram cheios de percalços: brigas,
decepções, irritações, desistências, trabalho excessivo de uns contra a insensibilidade e
o egoísmo de outros... Mas o que se buscava era um processo autêntico, cujo resultado,
no palco, fosse a expressão das verdades encontradas por cada integrante do grupo; e
não apenas um espetáculo impecável, bem treinado, mas artificial e sem graça. O que se
queria mostrar no palco era o resultado de um comprometimento, feito por uma opção
pessoal, depois de se ter procurado bem. (E ainda nesta referência a Chico Buarque, só
a bailarina não tem perebas, no mundo onde se procura direito...). Conhecer e
reconhecer os fatos folclóricos e as bases culturais do tema índios e florestas,
entendendo sua essência e assimilando seus significados para as crianças do grupo, foi o
objetivo maior desta primeira fase do trabalho, que, ao ser trazido ao grande público
teve receptividade e repercussão superiores às esperadas: os brasileiros conseguiram,
efetivamente e numa vitrine do mundo como foi a EXPO2000 de Hannover, falar de
como nossa cultura, desde suas origens, entende e defende nossas matas.
À medida que o tempo passa, cada um verifica, em sua própria vida, no que ter
vivido tal experiência contribuiu para si próprio. Para alguns, certamente, tratou-se de
uma destas experiências que, de tão intensas, precisam da vida inteira para serem
completamente entendidas. Harmonizar-se com nossas raízes e enfrentar o desafio de
responsabilizar-se pela preservação delas também não é um tema superficial nem
passageiro. Trata-se de um tema que exige muito, o tempo todo.
Processo composicional do repertório e de criação do espetáculo: Na fase
subseqüente, procurou-se recursos para expressar as descobertas feitas na fase anterior,
através de linguagens conhecidas pelo próprio grupo e pelo público presente à referida
feira internacional A primeira tarefa dos compositores consistira em auxiliar o grupo a
formular e refletir sobre dados e fatos que despertaram seu interesse, quando das leituras
e conversas informais sobre o tema. Posteriormente, veio a fase de composição assim
como é normalmente entendida: o músico diante de seu material temático e
possibilidades estéticas, lutando para encontrar uma forma de expressão artística
condizente com suas sensações interiores. Deste processo, ao contrário do que
normalmente ocorre, surgiu uma obra pré-acabada, isto é, uma proposta inicial de
canção. Esta foi levada ao grupo, ensinada por audição e executada sempre do início ao
fim, sem parar. Sem que ela fosse completamente “aprendida”, era deixada de lado. A
partir desta apresentação inicial, esperava-se que retornasse espontaneamente ao grupo:
ou por solicitação formal, durante o tempo de ensaios, ou nos corredores, durante os
intervalos, por exemplo. E era então que a verdadeira canção começava a nascer:
pequenas ou grandes alterações, que em outra forma de trabalho seriam considerados
“erros”, no Repertório CDG passam a ser fonte de inspiração e estruturas para novas
idéias e expressões. Neste momento, os compositores “escutam o que sobrou para as
crianças”, daquilo que foi proposto na fase inicial 86. De posse deste conjunto de dados,
retomam seu trabalho convencional e formatam, mais uma vez, uma proposta de
canção. Esta retorna ao grupo e assim, sucessivamente, incluindo instrumentação e
coreografia, até que chegue à sua forma final, quando, então, é formalizada numa
partitura em arte-final e é feito o registro de direitos autorais.
86
“A forma artística fala por si mesma, independente, e vai além das percepções do artista.” (LDB, 1996,
pág. 38).
199
87
“Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. ... O que foi, é o que há de ser; e o
que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol. ” (Eclesiastes, 1: 4 e 8)
200
foram determinadas pelo e determinantes para o grupo de crianças que lhes deram vida.
No mais profundo sentido da idéia explicitada por Humberto Eco, o repertório CDG
busca ser uma obra aberta, que mesmo realizada com prioridades pedagógicas, mantém
seu compromisso com a expressão da Arte em seu tempo e seu contexto.
Aproveitamento de recursos expressivos e emprego de elementos estéticos: A
maior preocupação com relação a este aspecto do problema foi como manter a
autenticidade das manifestações indígenas sem tornar-se caricatural e, ao mesmo tempo,
trazer para o palco figuras que lhe são próprias, de forma atraente ao público que
teríamos pela frente. A expectativa deste público estava fundamentada num conjunto
bem definido de informações vindas tanto da forma Musical, como vindas daquilo que o
europeu sabe do Brasil. Com um histórico muito maior do que o dos brasileiros, os
alemães convivem com espetáculos de Musicais de forma cada vez mais intensa desde
os últimos 15 anos: sofisticados recursos de multimídia, cantores e bailarinos formados
em escolas e experientes no exercício da profissão, organizados empreendimentos
econômicos de turismo e lazer, eficiente apoio da indústria editorial e fonográfica.
Enfim, estes são apenas alguns dos mecanismos de sustentação desta forma de arte, os
quais, na Alemanha funcionam com eficiência e, no Brasil, praticamente inexistem.
Quanto ao segundo aspecto, o que o europeu pensa ser o Brasil, pode-se afirmar que não
é bem aquilo que um grupo gaúcho, vindo de uma região de imigração açoriana, alemã
e italiana tem a oferecer. O medo de decepcionar a platéia não era um fantasma de nossa
imaginação; era real. O desejo de sermos verdadeiros era, porém, impositivo. Como
harmonizar aspectos tão antagônicos?
Para que o trabalho fosse interessante para o próprio grupo de crianças e seu
público, não foi possível deixar de lado a acrobacia das coreografias, o som
amplificado, as melodias e harmonias tonais, os instrumentos como o violão, a
exuberância e o brilho das purpurinas no figurino e no cenário, estilizações. O
equipamento da produção pesava cerca de uma tonelada, e nele havia mesa de 32
canais, 09 microfones sem fio, 16 microfones com fio, 12 focos de luz, amplificadores,
processadores de sinais, caixas de som, mesa de luz, suportes, estantes, cabos... O
cenário, todo feito em espuma, para ser facilmente dobrável durante o transporte,
precisava ser erguido cada dia. Os figurinos, empregavam tecido, papel, espuma,
lantejoulas, plumas. Apesar de terem sido costurados sob medida e reforçados,
precisavam ser remendados seguidamente.
A tais recursos técnicos, bastante sofisticados para a categoria Musical Escolar,
trabalhou-se com a convicção e a naturalidade das crianças. Elas não foram intérpretes,
mas testemunhas eloqüentes de vivências reais. Apenas por isso foi possível harmonizar
todos os conflitos e as dificuldades, foi possível adequar recursos expressivos e
elementos estéticos de mundo distintos a uma mesma obra.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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1982.
BONILLA, Vitor: Castillo, Gonzalo; Borda, Orlando Fals & Libreros, Augusto. Causa
popular, ciência popular – uma metodologia do conhecimento científico através da ação.
In: Brandão, Carlos Rodrigues (org): Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
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Brandão, Carlos Rodrigues (org): Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo:
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DE SOUZA NUNES, Helena & SCHMIDT SILVA, Laura. Curupira – histórias, mitos
e lendas das florestas brasileiras (Libreto e Cancioneiro). São Leopoldo, R.Schramm,
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DESGRANGES, Flávio. O teatro do sem jeito manda lembranças: um pequeno estudo
sobre o espectador do teatro épico. In: Kramer, Sonia & Leite, Maria Isabel (orgs.).
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Akwén-Xerente: tópicos introdutórios para uma hinologia indígena. In: Schumacher,
Rüdiger (hrsg). Musices Aptatio, Liber Annuarius 1998/1999. Institut für
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KRAMER, Sônia. O que é básico na escola básica? Contribuições para o debate sobre o
papel da escola na vida social e na cultura. In: Kramer, Sonia & Leite, Maria Isabel
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PEREIRA, Rita Marisa Ribes & Jobim e Souza, Solange. Infância, Conhecimento e
Contemporaneidade. In: Kramer, Sonia & Leite, Maria Isabel (orgs.). Infância e
Produção Cultura. Campinas: Papirus, 1998. Série Prática Pedagógica.
RIBEIRO, Darcy. Sobre a mestiçagem no Brasil. In: Schwarcz, Lilia Moritz & Queiroz,
Renato da Silva (orgs.). Raça e Diversidade. São Paulo: Estação Ciência – EdUsp,
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Nacionais – Artes (1ª a 4ª Série). Brasília: MEC/SEF, 1997. Vol 6.
WÖHL-COELHO, Helena. Cante e Dance coma Gente – ein Projekt für die
Musikerziehung in Brasilien. Fankfurt: Peter Lang, 1999.
ZILBERMANN, Regina (ed.). A produção cultural para crianças. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1990. Série Novas Perspectivas 3.
203
GRUPOS DE TRABALHO
*
Universidade Federal do Maranhão - Concludente do curso de Educação Artística, habilitação em Artes
Plásticas. Educadora no Centro de Artes Cênicas do Maranhão e no Programa Integração AABB –
Comunidade. Integrante do grupo de dança e pesquisa “Terreiro em Festa”.
205
A oficina foi dirigida pela professora Tânia Ribeiro, a qual atualmente coordena
o grupo de pesquisa e dança Terreiro em Festa88 e envolveu alunos das habilitações de
artes plásticas e artes cênicas do curso de Educação Artística, assim como pessoas da
comunidade. Iniciou-se com aproximadamente vinte e cinco integrantes, tendo o
número diminuído progressivamente à medida que a greve tinha seu período prolongado
pela ausência de acordos.
Tendo como temática principal o corpo, o movimento e as danças folclóricas
maranhenses, as coreografias Nação e Promessa resultam de pesquisa e criação
desenvolvidas por alunas da habilitação de artes cênicas, na disciplina Oficina de dança
2000.1, que participaram da oficina e compõem atualmente o grupo. Já o aquecimento e
a coreografia Saudade foram criados durante a oficina pelos integrantes e pela
professora coordenadora, tendo sido feitas algumas alterações nas duas primeiras
coreografias.
Quanto à proposta de cada uma delas, “Nação” é de autoria de Maria Raimunda
Fonseca Freitas, partindo da música Tapuitapera, de Zé Pereira Godão e Luiz Bulcão.
88
O grupo tem se denominado, provisoriamente, com o próprio título do Trabalho. É composto pelas
alunas do curso de Educação Artística que permaneceram na oficina: Beatriz Sousa, Célia Lima,
Josinelma Rolande, Maria Raimunda Freitas, Patrícia Santos, Rosélia Lobato e Sandra Ferreira.
89
Informações retiradas do folder do evento.
207
Já “Promessa”, foi elaborada por Rose Lobato e Tânia Ribeiro, com a música
Itamirim, de Chico Saldanha.
“Faz alusão ao aspecto ritualístico, localizado na promessa a partir da qual a maioria dos
bois “nascem” , a coreografia enfatiza o Bumba-meu-Boi enquanto evento festivo e toda a
movimentação do povo maranhense no período junino. Tendo como matriz rítmica o
Bumba-meu-Boi sotaque de orquestra, na construção da referida coreografia foram
inseridos movimentos estilizados, assim como outros criados durante o processo. O figurino
constitui-se de adereços utilizados na indumentária dos sotaques de orquestra e da ilha,
90
assim como de elementos reelaborados a partir do universo cultural maranhense” .
90
Id. Ibidem.
91
Id.Ibidem.
208
92
Eugênio Araújo é professor do Departamento de Artes da Universidade Federal do Maranhão e Mestre
em Antropologia da Arte pela EBA/UFRJ.
209
93
O estudo dos movimentos recriados e estilizados no trabalho não será feito nesta oportunidade. No
entanto, ratificamos a importância e a necessidade da sua pesquisa, enquanto meio construtivo de uma
proposta baseada na integração entre os conhecimentos da dança e das artes visuais.
210
utilizados no trabalho, o público chegou a afirmar que além de belos são “adequados à
época”.
A simplicidade das respostas é também verdadeiramente valiosa. Confirma a
assertiva de Azevedo Neto (1997, p.106)94 quando diz
“a tradição se mantém apenas enquanto continua a ser o efeito lógico de uma causa cultural.
Quando conhecimentos novos, informações novas alteram a causa cultural, logicamente o
seu respectivo efeito folclórico será também alterado sem que isto, contudo, lhe retire a
autenticidade”.
94
AZEVEDO NETO, Bumba-meu-boi no Maranhão. São Luís: Alumar, 1997.
95
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1997.
96
RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura: a experiência cultural na era da informação.
Lisboa:Editorial Presença,1994, p.49. apud MARQUES, Ester. Mídia e experiência estética na cultura
popular. São Luís: EDUFMA,s/d.
97
OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
98
O impressionismo é um estilo artístico onde houve uma preocupação com a representação da
luminosidade atmosférica, com a observação e descrição dos efeitos da cor produzidos pelo fenômeno
natural da luz. Contudo, o apreciador da obra de arte não perceberá a presença da cor apenas neste
período artístico.
211
trabalho. Não poderia ser diferente, já que para se representar a alegria e o prazer
das danças maranhenses, em particular dos brincantes do boi, vitoriosamente se
faria através do uso da vivacidade que as cores carregam consigo. Para esta
finalidade, principalmente as cores quentes adequam-se pelo seu potencial
energético, vital, excitante.
A vestimenta usada pelo grupo traz essa marca ao usar como cores
dominantes o vermelho e o amarelo. Apesar de o número de integrantes com
indumentárias ser quatro vezes maior que a integrante de amarelo, o isolamento
99
desta equilibra o peso visual, conforme afirma Arnheim . A composição recebe
ainda o contraste de duas integrantes em verde para enriquecer sua organização.
Dessa forma, consegue-se equilibrar a distribuição irregular das cores, ainda que em
alguns momentos a sua disposição seja feita simetricamente.
99
ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira,
1997.
O autor, ao abordar o equilíbrio nos objetos visuais, trata de duas propriedades que o influenciam: o peso
e a direção. Dentro da propriedade peso visual, pode-se destacar os fatores que exercem influência sobre
ele: a localização, a profundidade espacial, o tamanho, o interesse intrínseco, o isolamento e a
configuração.
100
Trincheira é um termo aplicado pelos brincantes do bumba-meu-boi para definir sua posição em uma
linha reta, no sentido de avançar para uma ação. Assemelha-se ao significado militar.
212
101
Esta pesquisa faz parte do sub-projeto “Igreja e padrões sociais no Maranhão do século XVIII” de
autoria do autor que, por sua vez, integra o projeto “Reformas Pombalinas e Mudança nos Padrões
Sociais” subvencionado pelo PIBIC/CNPq e sob coordenação dos professores José Dervil Mantovani e
Antônia da Silva Motta.
*
Graduando em História – Licenciatura plena pela Universidade Federal do Maranhão.
102
BRANCO, Celene Couto Castelo. Teatro no Maranhão. Digitado, São Luís, 1999.
103
MARQUES, Ester. Mídia e Experiência Estética: o caso do bumba-meu-boi. São Luís: EDUFMA, s/d.
214
revelava a necessidade que esses grupos sentiam de encontrar formas de expressar sua
104
cultura e o estado de opressão em que viviam”
104
PRIORE, Mary Del. Religião e Religiosidade no Brasil colonial. São Paulo: Ática, 1995.
105
Id. Ibidem, p.37.
106
HOONAERT, Eduardo. A igreja no Brasil-colônia (1550-1800). São Paulo: Brasiliense, 1982.
107
COSTA, Wagner Cabral da. Novo Tempo/ Maranhão Novo: quais os tempos da oligarquia?, [digitado],
2001.
215
***
108
[Folha 26]
Treslado de Justificasam do/ Reuerendo Padre frej Manoel da/ trindade tirado em forma/ do proseso Com
o theor dos autos/ que vaj tirado por autoridade/ de justisa q tudo he o que/ ao diante se segue/ [Está
acima] Declara o embargante q não contradita nem as teste/munhas nem as certidons porq’ quejra fazer
certo [occazo]/ senao’ para q ueja q se as do padre q seguirao’ outra opiniao’ tem q’ lhe/ dizer o mesmo
tem estas: q o Embar/gante so lhe resta prouar/ q lho disserao’ Como [ileg.]/ [Está à direita] uejao’ se
aqui/ foi citado o Em/bargante para uer jurar estas/ testemunhas/ por donde preten/de o castigar o
Em/bargante/ [Cont.] Sajbam Coantos este instro/mento de justificasam dado/ e passado por autoridade de
jus/tissa Em forma do proseso ui/rem Como no ano do nacim/ento de nosso Senhor Jezus Ch/risto de mil
e setesentos e oi/to annos neste diguo aos doza/noue dias do mês de nouen/bro do dito anno nesta Villa/
de Santo Antonio de alcan/tra Em uertude do despaxo/ do Reuerendo Vigairo furanio/ autuej esta petisam
e artigoz/ oferecido da parte do Reuere/ndo uigairo furanio seu/ despaxo do Reuerendo pa/dre [frej]
Manoel da Trinda/de [peticam] e artiguos pa/ra [corr.] serem prezentadas/ testemunhas e he [corr.]/ [ileg.]
[corr. 2] [termo]/ de autuameto Jozeph pe/rejra Pacheco Escriuam o/ abajxo acignado que eu/ sitej as
testemunhas que/ pello Reuerendo padre frej/ Manoel da trindade foram/ nomeadas para jurarem/ [Está à
esq.] Sertidao’/ [Cont.] nesta Justificacam que/ seus ditos e nomes sam os/ que ao diante se uem pa/ssa o
Referido na uerdade/ em fé de que me asigno/ em Santo Antonio de al/cantra dozanoue de no/uembro mil
sete sentos/ E oito annos: Jozeph perei/ra Pacheco. Emteruguto/rios que oferece e apre/zenta o padre frej
Manoel/ [Está à esq.] Artigoz/ [Cont] da trindade ao munto Reue/rendo Padre Vigairo ffur/anio Jozeph
Pestana de/ arauio para por elles pre/guntar as testemunhas/ abajxo nomeadas na/ fforma que em sua
[petis/am] atrás pede. [Prouara]/ que [neste] anno [prezente]/ de mil e sete sentos e oito/ ffoj [corr.]
suplicante com/ seu prelado e mais Reli/giozos a aldeia de Sam Ch/
[Folha 27]
Christouam para no seu/ dia do dito Santo lhe can/tarem missa e preguar pe/didos pello Juis da Comfra/ria
que o hera Antonio/ Mendes seuredo Como de/ Effeito sastisfizeram. Pro/uara que cheguados que/ [Está
dir.] 2/ [Cont.] fforam a dita aldeja em/ uinte e coatro de julho [a] esp/era do dia do dito Santo/ e
cheguada que foj a noite/ em a coal ouue pelllos Cecu/lares muntos ffolguedoz/ depois de sseia e
passadaz/ horas bastantes da noite/ emtraram a reprezentar/ huma comedia na coal/ Emtre as jornadas
della/ que foram três ouue baj/lês e antremezes e muz/iquas Como antes E no ffim/ da [dita] Comedia.
Prouara/ [Está à dir] 3/ [Cont.] que [acabada] que ffoj a/ dita Comedia foram os di/ttos [seculares] com
suas [m/uziquas] e dansa[corr.] pellas/ Cazas [dos] [asistentes] [com s/eus] instromentos [E] [a] cantar/
sseus tonilhos Em que gaz/ [verso] gastaram munto tempo/ da noitte Como he uzual/ em semelhantes
folguedos/ e comedias gastarce e pa/ssarce muntas horas. Pro/uara que acabados oz/ ditos folguedos seria
já/ [Está à esq.] 4/ [Cont.] meia noite e passante/ della em que o Suplican/tte e mais Relegiozos esta/uam
Recolhidos Como junttamente os seculares se/ recolheram no dito tempo/ a descansar e a dromir/ ficando
tudo em celencio/ Prouar [sic] que passado o tempo/ [Está à esq.] 5/ [Cont.] do descanso e Repouzo
can/ttando já os guallos Repe/tidas uezes ffoj chamado/ o Suplicante para dizer/ missa as mulheres que
tra/balhauam nos Comeres pa/ra aquele comcurco [corr.]/ ente almosar e jantar/ e pera terem tempo de
[corr.]zer/ lhe tinham pedido [corr.] ma/ridos a busca da [corr.] pa/ra [corr.] dicece [corr.]ras que/
[corr.]hecem [corr.] ao que/[corr.] [corr.] satisffiz Co/ando [corr.] mesmos acham[corr.]/ram por serem
horas dice/
[Folha 28]
dece selebrar e o suplicante/ acim ouio pello signal da/ estrela dalua que sahi/ra ffora e os guallos
me/udando o seu Cantar. P/rouara que pasado o dia/ do dito Santo que ffoj a uin/tte e sinco do dito mes
ues/pera de Santa Anna em q/ue emtraua outro Juis que/ Comesou a celebrar a sua/ ffesta com os mesmos
fes/tiuos da pasada e chegado/ o dia de uinte e sseis do dito/mês dia da dita Santa sele/brou o suplicante
pellas se/tte ou outo oras do dia por ten/sam de Manoel feReira/ de esteveis que lhe emComen/dou a
missa. Prouara que/ no dito dia da Santa dice [?]/ o Juis que o hera Jozeph/ de [Souza] Rodrigues seus
[b/anquetes] de almoso jan/ttar [corr.] Cia como he uzual/ na [dita] aldeia ffazerem/ ttodos [corr.] Juizes
da [corr.]las/ Com [corr.] Em [corr.]os/ dos ditos santos. Prouara/ [Está dir.] 7/ [Cont.] que no banquete de
jantar/ pos o dito Juis na meza em/ [verso] em cada cabeseira della/ junto Com o mais [ileg.]/ a matade de
hum xourico/ do Reino e como o suplican/tte prezedice em huma das/ cabeseiras da dita meza/ se lhe
offeresece pello mesmo/ Juis seu compadre que jun/to a elle estaua a matade/ do dito xojrico para que/ a
108
Arquivo Público do Estado do Maranhão. Acervo da Arquidiocese de São Luís. Série Feito Cível,
Caixa 198, Processo de 1708.
216
goardace para a tarde o me/rendarem Com o mais que/ dao lha se guaradace a para/ ffianbre a coal lha
deu em/brulhada em hum papel/ dizendo que a goardace que/ sse fouce a goardar Com o mais/ que elle
mandaua goardar/ a Comeria algum defeiozo/ [Está à esq.] 8/ [Cont.] Prouara que Recebendo/ o
suplicante a dita meta/de de sourico da mam do/ dito Juis seu Compadre já/ embrulhada em o papel/ que
ali se tirou de [huma]/ algibeira a [embrulhou]/ [Está à esq.] 9/ [Cont.] o suplicante em [hum] len/co
pardo e a meteu [corr.]/ [corr.] Prouara [corr.]/ [corr.] de jantar [corr.] nam/ [corr.] quizece mere/ndar o
suplicante inad/vertidamente ficou com/
[Folha 29]
Com o dito padaco de xouri/co embrulhado em o dito/ papel e lenço que por ser cou/za tam limitada nam
a/ultaua [sic] mais que o mesmo/ lenço; Prouara que no mes/ [Está à dir.] 10/ [Cont.] mo dia da dita
Ssanta que/ ffoj a quinta ffeira de tarde/ se despediram muntos secu/lares para esta Villa e o sup/licante
Com os mais Relegio/zos se preparauam tambem/ para o mesmo recolhendo/ os ornamentos e os
emuiara’o/ para esta Villa na ceposisam/ de ce uirem nesta mesma tar/de para ella o que nam fi/zeram por
se adeuertir inda/ emtre os mesmos seculares/ que milhor hera por liurar/ da munta calma da tarde a
par/ttirem ao outro dia de mad/ruguada ante manham/ o que acim o suplicante e/ mais Relegiozos e
seculares/ que com ellez morauam o [a/prouaram] ficandoce tendo/sse [corr.] despedido os orname/ntos
[corr.] algu’s seruos seuz/ que [corr.]rao Prouara que/ [Está à dir.] 11/ [Cont.] Ao [dia] [seguinte] [sexta]
feira/ uinte e sete do [corr.] [corr.] se/ leuantou o Suplicante e os/ [verso] e os mais Relegiozos e seculares
antes da manham/ mandando dezamarar re/des e [ileg.] para se ui/rem ffoj o suplicante Como/ os mais
fizeram a despedi/rem ce dos Juizes das ditas/ ffestas e cheguado que ffoj/ o suplicante as pouzadas do
juis Jozeph de couza seu/ compadre e a despedida/ lenbrou o pedaço de xouri/sso a trouco de dizer o dito
juis/ que se nam hauiam de hir/ sem almosarem o tirace/ o suplicante da mangua/ dizendo que se o nam
tinhao’/ merendado almosariam/ precurando farinha para/ isso e começou a repartir/ pellas pesoas que ali
estauao’/ estando já em termos de ce/ comer se aduertio por [hua]/ das ditas pessoas ser sesta feira/ e cada
huma dellas loguo/ largou os bocados que tin/nham nas mãos que [corr.] su/plicante tinha [repartido]/ e
dizendos lhe que ffe[corr.] aly/ emtre elles aquelle [descui/do] [porque] donde [nao] [hauia]/ mal [corr.]
nam [hauia] pecado/ Prouara que no dito dia/ [Está à esq.] 12/ [Cont.] de sesta ffeira o suplicante/
[Folha 30]
nenhum dos mais sacerdotes/ sselebraram nem fizeram/ ttensam dico por os ornam/entos terem já uindos
para/ esta villa pella tensam que/ fizeram de partir para ella/ de madruguada como fica/ dito e despedidos
que forao’/ dos ditos Juizes fizeram a di/tta jornada para esta villa/ a sseu comuento e os seculares/ que
com elles fforam e morarao/ Prouara o suplicante que/ [Está à dir.] 13/ [Cont.] he de reparar e assim o
jurao’/ as testemunhas que quan/do o suplicante dice a missa/ de madruguada ffoj da ter/sa ffeira para a
coarta dia/ de Ssam christouam vinte/ e ssinco do mês e a quinta/ ffeira uinte e seis dia de/ Santa Anna na
meza do/ [jantar] se deu nelle o dito [pedaço] de xojrico depois/ de [o] [suplicante] ter [sele/brado] pellas
sete ou oito/ horas [do] dia e no dia segu/intte [corr.] se com[corr.]/ ssete [corr.] ffeir[corr.]/ manham
[sucedeo] [corr.]/ [corr.] do esquecimento/ [verso] esquecimento acima/ dito no qual dia se nam/ dice
missa pellas rezois/ refferidas. Pede recebi/mento de seus artiguioz/ emterogatorios e proua/dos que seiam
se lhe m/andem dar os treslados/ nesesarios como em sua/ peticam atrás o requer/ ffoj Manoel da
trindade/ ttestemunhas Jozeph de /Couza Rodrigues sua m/olher Julianha pinh/eira Izabel dos Reis
Man/oel gonsalues de Couza/ Viuente de Mello munto/ [Está à esq.] Petica’o/ [Cont.] Reuerendo padre
prior/ dis ffrej Manoel da trin/dade ora comuentual/ deste conuento de tapui/tapera com sua uos e lu/guar
que a elle supli/cante para bem [de sua]/ justicca em huma [juz/ttifficasam] que [corr.] ffa/zer e tirar no
Juis [corr.]/ [corr.] lhe he [necessário]/ [corr.] dito licensa/ de [corr.] patrinidade/ com seu prelado pello/
[Folha 31]
Pello que pede a Vossa Patrin/idade queira ser seruido/ e fazer lhe caridade de lhe/ comceder por seu
despaxo/ a dita licensa no que a re/ssebera e mercê: comsedo/ licensa ao padre supli/Cante para tratar da
juz/ttificacam que pretende Con/ [Está à dir.] Despo./ [Cont.] uento de tapujtapera dezoj/to de nouembro
de mil/ e sete sentos e oito frej Thomas/ jordam Dis o padre ffrej/ [Está à esq.] Peticao’/ [Cont.] Manoel
da trindade re/legiozo da orde de nosa se/nhora do monte do Carmo/ da antigua obseruansa/ Regular e
Comuentual do/ Comuento desta Villa de/ Santo Antonio de alcan/tra que elle suplicante/ [corr.] licensa
de sseu prelado/ [quer] fazer huma justifi/ [corr.] por testemunhas/ [por] conuir assim munto/ ao [corr.]
credito e da sua [re/legião] para a [todo] tempo/ Constar em juízo [corr.] sua/ uerdade pellos
[emteroga/ttorios] que com esta offerece/ [verso] offerece Juntos por escrito/ pello que pede a vossa
merce m/unto Reuerendo Padre/ e Senhor uigairo ffuranio/ [ileg.] desta villa lhe/ fará merce preguntar/
pellos ditos emterugatorios/ as testemunhas que por/ Rol offerece e nomeia e sa/ttisffeito que seia lhe
man/de dar os treslados que/ pedir e necesarios lhe for/ em depois de sentenciado/ ttudo em forma
217
jurídica/ e Recebera merce, Autu/ado tuddo pello esCriuam/ [Está à esq.] Despo./ [Cont.] de noso juizo
tragua pera/nte nos noteficadas as/ ttestemunhas nomeadas/ para sserem preguntadas/ alcantra dezanoue
de/ nouembro mil ccete sen/tos e oito. [Pestana] [corr.]/ [Está à esq.] termo/ [Cont.] dezanoue dias do mês
de/ nouembro de mil [sete]/ sentos e oito annos nesta/ villa de santo Antonio/ de Alcantra [Corr.]
Reue/rendo uigairo ffuraneo/ Jozeph Pestana de arauio/ ffoj preguntado ttestem/
[Folha 32]
ttestemunhas pellos artiguos/ emterugatorios do justificante o Reuerendo padre/ ffrej Manoel da trindade/
que seus ditos e nomes ssam/ os que abajxo e ao diante/ se uem de que ffis este ttermo/ Jozeph pereira
Pacheco esCriuao/ que o esCreui. Juliana pinh/eira molher cazada com Jô/zeph de Couza Rodrigues/
109
[Está à dir.] testa. / [Cont.] de idade que dice ser de tr/inta annos pouCo mais/ ou menos testemunha/
jurada aos santos euangelioz/ sob carguo lhe emcaRegou/ o uigairo furanio dicece uer/dade do que
soubece e lhe fo/ce preguntado o que pro/meteu ffazer e do [costume]/ dice ser compadre do justifi/cante
mas sem embargo/ prometia dizer a uerdade/ e [perguntada] a ella testem/unha pello comtheudo/ nos
[artiguos] dice que sa/be [corr.] o justificante/ fora a [aldeja] de [São] [Chr/istouam] [a ffestiuidade]/
[Está à dir.] 1/ [cont.] que na dita aldeja há/ [verso] hauia do dito santo e de/ Ssanta Anna junto com/
[Está à esq.] 2/ [cont.] algu’s mais Relegiozos/ e al nam dice do prim/eiro e de segundo artigo/ dice ella
testemunha/ que sabe que na dita al/deia se festeiou munto/ ao santo e na mesma noj/tte se reprezentou
huma/ comedia com seus bajles/ e o mais que o justificante/ dis em seus artiguos e al/ nam dice. E do
treseiro ar/ttiguo dice ella testemun/há que ao depois da come/dia fforam algumas peco/ [Está à esq.] 3/
[cont.] as bajlar e brinquar/ pellos Ranxos donde esta/uam Recolhidos os que/ ttinham hido a dita
[ffes/tiuidade] e al nam dice/ [Está à esq.] 5/ [cont.] e do quinto artiguo [dice] e/lla testemunha [corr.] que
seu marido [Jozeph]/ de Couza Rodrigues fora/ [mesmo] [pecualmene]/ [corr.] que as [corr.]/ [corr.]
estauam e heram/ horas de ce dizer missa/ e sahirem as molherez/
[Folha 33]
As molheres antes de ama/nhecer ffoj chamar o dito/ padre para que a fouce [?]/ dizer Como tinham
fficado/ ao outro dia a noite e di/ce ella testemunha que/ lhe parecia serem duas horas/ antes da manham
porque/ loguo amanheseu sem/ auer tardansa alguma/ e al nam dice. e do cesto/ [Está à dir.] 6/ [cont.]
artiguo dice ella testem/unha que tudo he uer/dade o que nelle se dec/Lara e ser uerdade dizer/ o dito
padre missa já co/m o sol alto isto ao dia de/ Ssanta Anna e al nam/ dice. e do cetimo artiguo/ /[Está à
dir.] 7/ [cont.] dice ella testemunha que/ assim foj o que dis e de/clara o artiguo pois a ella/ ttestemunha
he que [ma/ndou] o dito padre o xoj/rico para que o goardace/ [para] o merendar junto/ [com] algumas
Couzas mais/ que [tambem] mandou [go/ardar] Como [goardei] e al/ nam dice. e do [décimo]/ [Está à
dir.] 10/ [cont.] artiguo dice ella testem/ [verso] ttestemunha que sabe que/ ao dia de Ssanta Anna se/
uieram para esta Villa/ a maior parte da gente/ que as ditas ffestiuidadez/ tinham hido Como tambem/ Sse
uinham os Religiozoz/ e pReparados que fforam/ Já com os ffatos a caminho/ acordaram Com algu’s/
Sseculares a fficarem para/ o outro dia de madruga/da Rezam da munta Cal/ma que fazia e al nao/ dice. e
do undécimo artigo/ /[Está à esq.] 11/ [cont.] dice ella testemunha que/ a ssesta ffeira depois de san/tta
anna indoce despedir/ os Relegiozos e mais peCoas/ para virem para esta Villa/ a caza do juis ffora
tanbem/ o dito padre e dezendo lhe/ o Juis que nam hauia [de]/ uir sem Comer [dicera o] di/tto padre a
ella testemu/nhá que lhe dece [huma]/ manzinha de [ffarinha] que/ isso [corr.] bastaua [corr.] nam/ [corr.]
Jegum [ileg.] na mangua ac/har o pedaso de xoiri/
[Folha 34]
de xourico que tinha me/ttido na mangua e o tirou/ e o Repartio Com algu’s/ que ali estauam a cada/ hum
sua migualha e pr/incipiando a comer todoz/ lenbrou hera xesta ffeira/ e o lansaram fora o que es/ttaua
por Comer e dicera o di/to padre uisto ser eneuer/fensia fficace emtre elles/ e al nam dice. e do um/ [Está
à d.] 12/ [Cont.] dudecimo artiguo dice ella/ testemunha ser acim/ nam dizer Relegiozo al/gum missa
naquelle dia/ e al nam dice. e do undo/ [Está à d.] 13/ [Cont.] decimo artiguo dice ella/ ttestemunha que ao
dia/ que veio o xourico a meza/ ffora ao dia de santa ana/ e nam ao dia que se dice/ a missa que ffoj dia de
sam/ christouam e al nam dice/ dos dios artiguos que todoz/ lhe fforam lidos e declara/dos pello
Reuerendo Vigairo/ [ffuraneo] Com o coal acignou/ e [por] nam saber [corr.] pe/dio [corr.] esCriuam por/
ella acignace [corr.] [corr.] seu/ roguo o ffis E eu Jozeph/ [verso] Jozeph pereira pacheco es/criuam a
escreuj acigno a Ro/guo da testemunha juli/ana pinheira Jozeph per/reira pacheco . Pestana . Jo/ [Está à
110
e.] ttestemunha/ [Cont.] zeph de couza Rodriguez / cazado e morador nes/tta Villa e de idade que/ dice
109
Comadre/ e todo do/ embargado/ em amistade/
110
Compadre e amigo.
218
ser de coarenta annoz/ ttestemunha (...)/ (...) o prometeo/ ffazer e do custume dice/ sser compadre do
justi/ficante mas que sem em/barguo dico prometia di/zer a uerdade e [pregun/ttado] a elle testemunha/
pello comtheudo nos ar/tiguos do justifficante/ do primeiro artigo dice/ sser assim uerdade [corr.] por/
[elle] [corr.] testemunha oz/ m[corr.]ar hir a elle e aoz/ mais Relegiozoz por ser/
[Folha 35]
Por ser hum dos Juizes das/ ditas ffestas e al nam dice/ e do cegundo artiguo dice/ [Está a d.] 2/ [Cont.]
elle testemunha que assim/ he o que no artiguo se com/ttem por que ao depois da ceia/ larguas horas
emtraram/ a huma Comedia em/ que ouue bajles e emtre/mezes e al nam dice/ do treseiro artiguo dice
elle/ [Está à d.] 3/ [Cont.] ttestemunha que ao depo/is da comedia andaram/ algu’s mosos brinquan/do
bajlando pellas cazas/ donde acestiam os que/ a dita ffesta tinham hido/ e al nam dice/ e do coarto/ [Está à
d.] 4/ [Cont.] artiguo dice elle testemunha que na dita noite/ uespera de Sam christouam/ depois de
ameudarem os/ gallos ffora elle testemu/nha chamar o dito padre/ [para] lhe dizer misa as/ [molheres] que
andauam/ [trabalhando] nos Come/res [corr.] que seria duas horas/ [antes] [corr.] da manham [corr.] [ao]
[cha/mado] delle testemunha/ veio o dito padre [corr.] mi/ssa e al nam dice e do/ [Está à d.] 5/ [Cont.]
quento artiguo dice elle/ [verso] elle testemunha que sa/be que o dito padre dice/ missa pellas outo ou
no/eu horas da manham/ ao dia de santa anna/ e al nam dice. e do cesto/ [Está à e.] 6/ [Cont.] artiguo dice
elle testem/unha que o que dis o ar/ttiguo he acim pois de sua/ bossa lhe sahio e al nam/ dice. e do cetimo
artiguo/ [Está à e.] 7/ [Cont.] dice elle ttestemunha que/ acim ffora o que no artigo/ articula pois a elle
teste/munha he que o dito pa/dre deu o pedaco de xou/rico para o goardar com/ o mais que se artecula/ no
artigo e al nam/ dice. e do oitauo artiguo/ [Está à e.] 8/ [Cont.] dice elle testemunha que/ o padaco de
xoirico o deu/ elle ao suplicante [corr.]/ embrulhado em [hum]/ papel e o dito [padre] em/brulhou em hum
[corr.]/ e o meteu na [mangua]/ e al nam dice. [corr.]/ [Está à e.] 11/ [Cont.] decimo artiguo dice/ elle
testemunha que/ ao [corr.] de Santa anna/ Sse uieram mais das pe/ssoas que na festa acis/
[Folha 36]
Acistiram e querendoce/ uir os Relegiozos todos Com/ os mais que se uinham/ por fazer munta calma/
Comtrataram a uirem/ de madruguada e o fato [?]/ o mandaram no dito dia/ de tarde assim ornamen/ttos
Como o mais e al nam/ dice. e do undecimo ar/ [Está à d.] 12/ [Cont.] ttiguo dice elle testemu/nha que
querendoce uir/ o dito padre e os mais se/ fforam despedir delle teste/munha e elle lhe dice que/ sse nam
hauiam de uir/ sem almosarem dicera/ o dito padre que lhe de/ssem huma man heia de/ ffarinha para
comer e que/ [isso] lhe bastaua lhe lenbrou/ o [corr.] pedaco de xourico que/ [corr.] na mangua e o tirou/
[Repartio] por algu’s que/ [aly] [estauam] e [principi/ando] a comer [corr.] ffoj/ hum delles [corr.]
[testem/unha] lembrou que hera/ [verso] hera xesta ffeira e o que/ estaua por Comer o lan/ssaram ffora o
que se/ comia porem eneuertencia/ e al nam dice e do co/ndecimo artiguo dece/ [Está à e.] 14/ [Cont.] elle
testemunha que/ a misa Refferida ffoj/ dita a tersa amanhecer/ para a coarta dia de Sam/ Christouam e
declarou/ elle testemunha que/ quando o dito padre aca/bou de dizer missa loguo/ atras ueio o Reuerendo/
Vigairo furanio a dizer/ missa e coando acabou/ hera ao sahir do sol Como/ elle o pode dizer e o seu/
esCriuam Jozeph pereira/ pacheco que acistio [corr.] [mi/ssa] do Reurendo [Vigairo]/ ffuranio e al nam
dice/ dos ditos artiguos que to/dos hus e outros [lhe] [foam]/ lidos e declarados pello [Reuerendo]/ uigairo
ffu/ranio com o coal acig/nou eu Jozeph pereira/
[Folha 37]
Pereira pacheco esCriuam/ o esCreuj. Jozeph de Souza/ Pestana. Izabel dos Reis/ moradora nesta Villa/ de
Ssanto Antonio de alC/antra de idade que dice/ Sser de Coarenta annos pou/Co mais ou menos
testem/unha jurada aos santos/ (...)/ (...) e do cos/tume nada e preguntado/ a ella testemunha pello/
111
comtheudo nos artiguoz/ do justifficante dice que/ ttudo o que no primeiro/ [Está à d.] Testa. / [Cont.]
artiguo se comtem he uer/dade por hir o dito padre/ Com os mais seus Compan/heiros a ffesteuidade de/
[Sam] Christouam Como he/ [Costume] e al nam dice/ [Corr.] [segundo] artiguo dice/ [ella] testemunha
que a/ [Corr.] uespera [Corr.] Sam/ christouam [Corr.] [Corr.]/ Comedia Com [bajles]/ e emtremezes
emtrando/ [verso] emtrando a ella depois/ de ceia e pacadas algu/mas horas da noite e que/ o ssabe pello
uer e acistir/ a ella e al nam dice. e do/ ttreseiro artiguo dice ella/ [Está à e.] 3/ [Cont.] testemunha que ao
de/pois da comedia acaba/da fforam os Comedian/ttes Com seus imtromentos/ pellas cazas dos acistentes/
na dita aldeia a can/tarem seus tunilhos e d/ansarem em que se paca/ram muntas e bastantes/ oras da noite
e al nam/ dice e do coarto artiguo/ [Está à e.] 4/ [Cont.] dice ella testemunha/ que ao depois da dita
co/media acabada e ffol/guedo seria ja Coaie [me/ia] noite se he que [nao]/ pasace e depois dico [Corr.]/
foram deitar [Corr.]/ ttudo em [selencio]/ e al nam dice. [Corr.] qu/into artiguo [dice] ella/ ttestemunha
[que] ao de/pois [do] descanso e Re/poizo ameudando ja/
111
Molher do/ Mundo./ Anular/
219
[Folha 38]
Ja os guallos ffoj o dito pa/dre Repetidas vezes cha/mado para dizer missa/ a algumas molheres que
acestiam a dita ffestiui/dade e a dice a Ssuas horaz/ Como se custumam dizer/ e al nam dice e do xes/
[Está à d.] 6/ [Cont.] tto artiguo dice ella tes/temunha que tudo o que/ no artiguo se declara/ he uerdade
pello ella uer/ que ao dia de Santa ana/ que ffoj a quinta ffeira ao/ jantar pos o Juis da dita/ ffesta dois
xouricos em a m/eza e o dito padre ffrej/ Manoel da trindade de/ hum tirou hum pedaco/ e o deu a goardar
pera/ o merendar e al nam/ [dice] e dos mais artiguoz/ [dice] ella ttestemunha/ que o que delles sabe he/
que [Corr.] sesta ffeira queren/doce [Corr.] os padres [que] assi/ttir [Corr.] dita [Corr.]/ de mandando
[Corr.] juis/ dar lhe de almosar/ [verso] de almosar antes que/ uiecem e o dito padre/ dice que Com elle se
nam/ cansasem que huma/ man cheia de ffarinha/ que comese lhe bastaua/ e no mesmo tempo lhe
le/nbrou o xourico que ti/nha na mangua e pu/xar por elle e deu a al/gumas pessoas que ali/ estauam como
ffoj huma/ dellaz a ella testemunha/ e principiandoce a com/er lembrou ser xesta/ ffeira e loguo lansaram/
ffora o que estaua por/ comer o que se fes por/ eneuertencia e nam/ por malecia e al nam/ dice dos ditos
artiguos/ que hus e outros [lhe] fo/ram lidos e declarados/ pello Reuerendo uigairo/ ffuranio Com o [coal]
[Corr.] [aci/gnou] e pello [nao] sa/ber [Corr.] Rogu[Corr.] mim/ [escriuam] por ella aci/gnace o que o ffis
a [ileg.]/
[Folha 39]
Roguo e eu Jozeph perei/ra pacheco esCriuam q/eu o esCreuj aCigno a Ro/guo da testemunha Ja/bel dos
Reis Jozeph perei/ra pacheco. Pestana. aos/ [Está à d.] termo/ [Cont.] uinte e dois dias do mez/ de
nouembro de mil/ e sete sentos e oito anoz/ nesta Villa de santo A/ntonio de Alcantra/ pello Reuerendo
uigairo/ ffuranio Jozeph pestana/ de arauio ffoj comtenu/ado a tirar testemunhas/ pello Comtheudo nos
ar/tiguos que seus ditos/ e nomes sam os que se/ uem de que ffis este ter/mo de acentada Jozeph/ pereira
112
pacheco Escriuao/ que o esCreuj. Manoel [gon/salues] soares moso sol/tteiro de idade que dice / [Está à
d.] Testemunha/
[Cont.] sser de uinte e seis annoz/ testemunha Jurada aos/ santos euangellios sobre/ (...)/ [verso] (...)/ (...)
e preguntado a elle/ ttestemunha pello comthe/udo nos artiguos do justi/fficante dice que elle
ttez/temunha se achou este a/nno de mil e cete sentos/ e oito na dita aldeia de Sam/ christouam a
ffestiuidade/ que ao dito santo se fazia/ e nella vio o Reuerendo/ padre ffrej Manoel da trin/dade E seu
prelado e mais/ ffrades que tinham hido/ para cantarem missa/ na dita festa e al nam/ dice deste. e do
cegundo/ [Está à e.] 2/ [Cont.] artiguo dice elle testemu/nha que tudo o que no ar/ttiguo ce declara he
uerda/de por elle ser hum dos com/ediantes que reprezentarao/ a comedia e bajles e [al]/ nam dice e do
treseiro ar/ttiguo dice elle testemu/nha que sabe que [depois]/ da comedia fforam [Corr.] [Corr.]/ [ileg.]
com [instromentos]/ a [cantarem] [tonilhos] e baj/lar [Corr.] pellas Cazas donde/ [acestiam] os que
tinham/
[Folha 40]
ttinham hido a aldeia e al/ nam dice e do coarto ar/ [Está à d.]4/ [Cont.] tiguo dice elle testemu/nha que ao
depois de tudo/ em Celencio cantaram/ os guallos porque elle tes/temunha querendo ce hir/ deitar a
descansar foj dez/pois de cantarem os guallos/ e al nam dice e do quin/tto artiguo dice elle teste/munha
que depois de am/eudar os guallos vira elle/ ttestemunha vir Jozeph/ de Couza Rodriguez cha/mar ao
padre ffrej Man/oel da trindade para lhe/ dizer misa a molheres/ que acestiam aos comerez/ e depois de
acabada a misa/ sseria huma ora por que/ emtrou loguo o Reverendo/ [Vigairo] furanio a dizer mi/ssa
[corr.] acabou ao sahir o sol/ e [al] nam dice e do xesto/ [Está à d.] 6/ [Cont.] [artiguo] dice elle
testem/unha que tudo o que ne/lle [corr.] he [uerdade] p/orque ao dia de [santa] [Anna]/ [corr.] o dito
padre [corr.]/ oje pellas outo ou noue/ [verso] ou noue horas do dia e / al nam dice e do cetimo/ [Está à e.]
7/ [Cont.] artiguo dice elle testem/unha que ao dia de san/tta anna o Juis da ffesta/ dera em meza dois
xoj/ricos e os puzera hum/ em cada cabiseira do/nde o dito padre tirou/ hum padaco para que/ lho
goardacem para mer/endar e al nam dice/ e do undecimo artiguo/ [Está à e.] 11/ [Cont.] dice elle
testemunha/ que ao dia que se qui/zeram uir os Relegiozoz/ para esta Villa mandou/ o juis fazer de
almosar/ aos frades e querendo o [Pa/dre] ffrej Manoel Comer/ humas manehinhas [sic] de ffa/rinha lhe
lenbrou que/ ttinha o bocado de xou/rico inda do outro [corr.]/ na mangua e [querendo]/ Comer
Repartindo [com]/ algumaz pecoas [len/brou] que hera [sesta] ffei/ra [corr.] [loguo] o lansaram ao/ [chao]
com toda a pressa/ isto por descuido e nam/
[Folha 41]
112
discipulo/ e Amigo.
220
e nam lenbrar que hera/ Xesta ffeira e al nam/ dice nem dos mais que lhe/ fforam lidos e declarados/ pello
Reuerendo Viguajro/ ffuranio com o coal acign/ou eu Jozeph pereira pa/checo escriuam o escreuy/
113
Manoel gonsalues de Souza/ Pestana. Vicente de me / [Está à d.] Testa./ [Cont.] llo moso solteiro
mora/dor nesta Villa de santo/ Antonio de alcantra de/ idade que dice ser de trin/tta annos pouco mais ou/
menos (...)/ (...) e pre/guntado a elle testem/unha pello contheudo/ nos artiguos emteroga/torios do
suplicante dice/ do [primeiro] [artiguo] que/ [Está à e.] 1/ [Cont.] tudo o que nesse [se contem]/ he
uerdade porque [tam/bem] elle testemu/ [verso] testemunha ffoj a dita/ aldeia em companhia/ dos padres e
al nam dice/ e do cegundo artiguo di/ce elle testemunha que/ uespera de Sam christo/uam a noite se
repre/zentou huma comedia/ de tres Jornadas e em ca/da huma ouue bajles/ e emtremezes e al nam/ dice e
do treseiro artiguo/ [Está à e.] 3/ [Cont.] dice elle testemunha/ que sabe pello uer que/ ao depois de ce
acabar a co/media andaram os Re/prezentantes Com seus/ instromentos Cantando/ e bajlando pella aldeja/
e ao depois que se fforam/ deitar a descansar hera/ meia noitte se nam/ passace e al nam dice/ E do coarto
artiguo [corr.]/ [Está à e.] 4/ [Cont.] elle testemunha [corr.]/ ao depois que o padre/ ffrej Manoel da
trindade/ dice missa [Emtrou] o Re/uerendo [uigairo] furanio/ a [dizer] misa [corr.] sahio/ Ja [ao] sahir do
sol e al/ nam dice e do cetimo/ [Está à e.] 7/
[Folha 42]
E do cetimo artiguo dice/ elle testemunha que/ ssabe pello uer que ao dia/ de ssanta anna o Juis poz/ em
meza em cada/ cabeseira da meza hum/ xourico e al nam dice/ nem dos mais artiguoz/ que todos lhe
foram lidos/ e declarados pello Reue/rendo Vigairo ffuranio com/ o coal acignou e eu Jozeph/ pereira
pacheCo esCriuam/ que o esCreuj Visente de/ mello Pestana aos uin/ [Está à d.] termo/ [Cont.]tte e
Coatro dias do mes/ de nouenbro de mil e cete/ ssentos e oito annos nesta/ Villa de Santo Antonio/ de
alCantra depois de pre/guntadas as testemunhas/ que pello Justificante/ o Reuerendo padre ffrej/ Manoel
da trindade/ [foram] nomeadas pello [dito] Reuerendo padre/ ffoj [corr.] nam queria mais/ testemunhas
para [corr.]/ [ileg.] ao Reuerendo ui/gairo ffuranio [corr.] [corr.]/ [corr.] fazer comcluzos para/ ssentensiar
ao que loguo/ [verso] loguo me mandou o dito/ Reuerendo Vigairo ffura/nio lhos ffizecce comclu/zos ao
que sastisffarej/ de que ffis este termo Jo/zeph pereira pacheco es/Criuam do ecleziastico que/ o esCreuj, e
sendo em o mes/mo dia mes e hora acima/ e atras declarado loguo/ em comprimento do ma/ndado do
Reuerendo ui/gairo ffuranio lhe ffis estes/ autos Comcluzos Como a/bajxo se uem de que fiz/ este termo
de comcluzao/ Jozeph pereira pacheco es/Criuam que o escreui/ Ao/ [Está à e.] Comcl/uzam/ [Cont.]
Ssenhor Reuerendo uigairo/ ffuranio e da uara quon/cluzo em uinte e coatro/ de nouembro mil e cete/
114
ssentos e oito annos jul / [Está à e.] Sentensa/ [Cont.] guamos por sentensa os/ capilutos
[emterrogatorios]/ da peticam do Reuerendo/ suplicante o [padre] ffrej/ Manoel da trindade [ar/teculados]
com [licensa]/ [corr.] prelado por Jus/tifficados pellos ditos [das]/ testemunhas que por/
[Folha 42]
Por nos fforam examina/das de cuia Justeficacao/ dara o esCriuam della o/ treslado autentico ao/ dito
Reuerendo padre Jus/ttificante para o que lhe/ for nesesario como por elle/ he Requerido em sua pe/tticam
o qual pague as custas Santo Antonio de/ alCantra uinte e seis de/ nouembro de mil e cetes/entos e oito
Jozeph pestana/ de arauio aos uinte e seis dias do mes de Nouembro/ de mil e cete sentos e oito/ annos
nesta Villa de San/to Antonio de alcantra/ pello Reuerendo padre/ [Está à d.] termo/ [Cont.] uigairo
ffuranio me ffoj/ Emtregue estes autos de/ Justificasam Com sua sen/ttensa ao que se dara Com/primento
Como nella ce/ contem de que ffis este/ [ttermo] Jozeph pereira pache/Co [esCriuam] que o esCre/uj
[corr.] [ileg.] as custas destez/ autoz [corr.] [esCriuam] delles Jozeph pe/rejra pacheco de [corr.] [corr.]/
tos termos Caminhos [corr.]/ notefiCaCois i [testemunhaz]/ [verso] testemunhas papel e Raza/ e tudo o
mais que dos autos consta/ mil e coatro sentos Reis. Ao Re/ [Está à d.] 1400/ [Cont.] uerendo padre
uigairo de/ emquerir Cinco testemun/haz e hum caminho e sua/ sentensa sete sentos Reis/ [Está à d.] 700/
[Cont.] desta conta trinta e dois Reis/ [Está à d.] 032/ [Cont.] que tudo faz soma saluo/ eRo de dois mil e
sento/ e trinta e dois Reis que tu/ [Está à d.] 2132/ [Cont.] do Comtej bem e ffielmen/tte por Comisam em
santo/ Antonio de alcantra uinte/ e oito de nouembro de mil/ e ssete sentos e oito: Igna/cio mendes e
ssilua o qual/ treslado de justeficasam/ aqui Comtheudo e decla/rado aqui tresladej por/ me ser pedido
bem e ffiel/mente em esta Villa de sa/nto Antonio de alcantra/ e uaj sem couza que [duui/da] fassa tirado
pello pro/prio que em meu [corr.]/ [ileg.] e com elleeste [tresla/do] Comfferi e me [corr.] de/ meus signais
[corr.]/ [em] esta villa de [Santo] An/tonio de alcantra aos u/inte e noue dias do mes/
[Folha 44]
113
vezinho Amigo/ e muito familiar do/ conuento/.
114
notem aqui/ o juis e da certidao’/
221
Do mes de nouembro de/ mil e cete sentos e oito/ annos/ [Jozeph Pra. pacheCo]/
Comfferido com/ssertado por mim/ [Jozeph Pra. pacheCo]/
Montasse as custas deste treslado/ ao escriuao desse de papel e raza/ e mais q desse consta mil e noue/
sentos e oitenta/ [Está à d.]1980/ 018/ [Cont.] E de contajem dezoito reis/ q tudo Contey p Comissao bem
e fiel/mente em Santo Antonio de Alcantra 29 de 9bro./ de 1708 annos/ [Miguel Pra. da Ssilua]/ De auto
[corr.] treslado/ deue/ [Está à d.] 18/ 1980/ 2132/ 4230/
222
Este trabalho constitui a primeira etapa de uma pesquisa mais ampla, que busca
compreender as diferentes representações do índio brasileiro, vistas através das festas e
festivais populares contemporâneos.
O objetivo desta primeira etapa, é essencialmente destilar o contexto histórico
em que as imagens dos “donos da terra” foram se consolidando no imaginário social,
como sendo integrantes da nação que se formava e buscava uma identidade de seu povo
heterogêneo.
Procuro demonstrar as principais questões que afligiam aqueles que pensavam o
país e procuravam pensá-lo como nação, no cenário do segundo império.
*
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Curso de Ciências Sociais.
223
115
(In: LESSA, Clado Ribeiro de (org.) Francisco Adolfo Varnhagen. Correspondência ativa. RJ, INL,
1961. p.187).
224
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo dos preceitos da “fábula das três raças”, tal como analisada por Da
Matta, a formação da sociedade brasileira trazia em si um movimento curioso, que seria
uma intensa busca do lugar do mestiço, já que num sistema hierárquico, cada um tem
um lugar certo, no todo social. No Brasil, se o negro e o branco interagiam tanto na
casa-grande quanto na senzala, é porque tanto um quanto outro tinham um lugar
determinado sem ambigüidades dentro de uma totalidade hierarquizada e muito bem
estabelecida (Matta, 1981) Assim, houve uma conseqüente preocupação com os
intermediários, mestiços e interstícios do “sistema racial”.
Ortiz demostra em sua interpretação do romance de J.Alencar, “O Guarani”
como mito de fundação, o mestiço não é privilegiado na formação do país, ele é um
“fora do lugar”. As relações raciais demonstram os ideais de embranquecimento, pureza
e castidade. Assim, o Brasil não pode ser fundado pela mistura de etnias diversas, mas
por uma fusão de raças míticas.
Portanto, apesar do II Reinado conviver com um intenso debate sobre os índios
no Brasil, com fortes defensores de diferentes visões dos nativos, o país que estava se
formando como uma Nação que trouxe em sua essência a idéia de que iria surgir como
um desdobramento nos trópicos de uma civilização que se constitui de três raças e suas
decorrentes misturas.
Porém, o fato é que o país é fruto não só de uma mistura de raças como uma rica
composição cultural, numa sociedade que interage uma diversidade de representações
como demonstra muito bem o exemplo da festa de independência da Bahia (dois de
julho) em que a figura do índio Caboclo representa o povo independente, sendo que este
é em sua maioria negro. (SANTOS, 1995). Temos assim, uma imagem de uma nação
como um tecido que entrelaça muitas diferentes representações, formando um corpo
cultural e social essencialmente mestiço.
REFERÊNCIAS
GRUPOS DE TRABALHO
que estão por trás das repetições dos hábitos e costumes; e também tentar obter um
princípio de interpretação desta medicina. Tudo isso contribuirá para o esclarecimento
da problemática enfocada.
Pretendemos igualmente na pesquisa chegar a compreender porque os práticos
da medicina científica expressam através dos seus discursos os mecanismos de poder
sobre os práticos da medicina popular. Segundo Locke, isto se explica por que
Os homens têm princípios práticos opostos. Quem investigar cuidadosamente a história da
humanidade, examinar por todos as partes as várias tribos de homens e com indiferença
observar suas ações, será capaz de convencer-se de que raramente há princípio de
moralidade para ser designado, ou regras de virtude para ser considerada [...], que não seja,
em alguma parte ou outra, menosprezada e condenada pela moda geral de todas as
sociedades, de homens, governadas por opiniões práticas e regras de conduta bem
contrárias umas às outras (LOCKE, 1978, p.151).
REFERENCIAL TEÓRICO
118
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte
230
Pode-se concluir daí que é através da cultura que a humanidade constrói sua
identidade pessoal.
Quando Engels (1995) faz uma análise dos estágios pré-históricos da
cultura, apoiado nos estudos de Morgan, mostra claramente que o homem, desde o
estágio primitivo, tentava dominar a natureza, transformando-a na medida em que
tentava reproduzi-la. Este tipo de abordagem mostra que, na relação do homem
com a natureza, ora ele é reprodutor, ora ele é produto desta natureza. É neste
ambiente que o homem cria a cultura.
A cultura, no conjunto de suas atribuições, é produzida pelo homem quando
ele estabelece um universo de regras, para bem viver, mesmo que não possua para
a maioria dos povos que a praticam, explicação racional ou moral. Isto se expl ica,
de acordo com Levi-Strauss (1975), porque existem razões inconscientes que
levam o indivíduo a partilhar de uma crença ou agir conforme um costume, que são
distintas das razões invocadas para justificar tal crença ou costume.
Para Levi-Strauss (1975), estão contidos no conceito de cultura o conhecimento,
crenças, artes, estilos de trabalho e lazer. Apesar de ser interessante o ponto de vista
conceitual deste autor, cabe observar a concepção de Thompsom (1998) que, embora
não negue várias destas características da cultura, toma-a como,
Um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o
dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole: é uma arena de elementos conflitos, que
somente sob uma pressão imperiosa [...] assume a forma de um sistema (THOMPSOM,
1998, p.17).
Não pretendo fazer um juízo de valor sobre a validade da medicina, que se apóia
no senso comum, nem tampouco desprezar a validade do conhecimento científico.
Entretanto, deve-se considerar que, a despeito de todas as práticas populares não se
apoiarem em uma verdade universal, a medicina popular permanece viva como parte de
tradições milenares. Além disso, não está sendo afirmado em nenhum momento que esta
medicina permaneça imutável, pois até mesmo as tradições se modificam de acordo
com as experiências vivenciadas.
Afinal, em que consiste, exatamente, o caráter popular de uma cultura?
Thompsom (1998, p.18) responderia que “o caráter está nas tradições que se repetem
mediante a transmissão oral”, considerando que a propagação da cultura é um processo
que se desenvolve em várias etapas, por meio da transmissão de conhecimentos.
Burkel (1995) considera que a descoberta da cultura popular, na Europa, teve
um caráter peculiar relacionado à descoberta do povo. Sob esse enfoque, esse autor
conclui que a descoberta da cultura popular sob o impacto da arte foi algo característico
de países da Europa, particularmente daqueles que faziam parte da periferia cultural.
A adoção de tal postura não somente exclui que o conhecimento formalizado
suprime a transmissão que vai de geração a geração, como fornece provas possíveis da
permanência dos costumes tradicionais, no contexto de uma sociedade moderna, mesmo
quando surgem novos hábitos que contribuem para a alteração nas condições de vida
humana, desencadeando modificações nas relações sociais. Esta noção prova que muitos
hábitos e práticas populares são conservados. A medicina popular incorpora muitos
preceitos desta concepção, como indicadores da herança dos conhecimentos
tradicionais, provenientes dos povos indígenas, negros e portugueses.
Araújo (1985, p.13), argumenta que “a medicina do mato” tem influência
marcante de aculturações da medicina popular portuguesa, indígena e negra. Acrescenta
que a medicina popular utilizada nos terreiros de umbanda, candomblé e catimbó
recebeu forte influência dos povos africanos e indígenas que conservaram as tradições
deixadas aos seus descendentes. Reforça que a medicina popular brasileira foi sobretudo
231
influenciada pela medicina indígena, pois os índios detiveram e ainda detêm grandes
conhecimentos (baseados na experiência) das plantas medicinais presentes na
biodiversidade brasileira. Em seqüência este autor argumenta que os jesuítas foram os
primeiros a fazer anotações acerca dos conhecimentos tradicionais indígenas sobre a
flora, ou seja, sobre as práticas indígenas do manuseio das plantas. Tais anotações
serviram como fonte documental através da qual era informado o teor medicinal
presente na flora brasileira e que, atualmente, estas são utilizadas na área técnico-
científico cujas atividades estão relacionadas à preparação de medicamentos que
auxiliam a medicina institucionalizada.
O povo nordestino, de uma maneira geral, utiliza, em seu cotidiano, a flora
medicinal seguindo uma tradição que é passada de geração a geração. Para Campos
(1995), é assim que os nordestinos criam hábitos ao sugerirem o uso de remédios feitos
à base de plantas medicinais para combater os males que afligem seus semelhantes, sem
que seja necessário comprá-los nas farmácias. Este autor associa a crença119 na
medicina popular, que é usada em grande proporção na farmacopéia folclórica, ao
surgimento dos primeiros manuais de medicina que apareceram com a evolução dos
tempos, como o Chernoviz, Lunário Perpétuo.
A crença na medicina popular se fundamenta na experiência, fundada no hábito.
Com base em Hume vemos que, "o hábito é um principio único que faz com que nossa
experiência nos seja útil e nos leve a esperar, no futuro, uma seqüência de
acontecimentos semelhantes às que se verificaram no passado" (HUME, 1968, p.152)
Este autor tratou de investigar uma realidade que se torna objeto de experiência
empírica possível, sendo que sua continuidade constitui um hábito, cuja ação é
necessária para adequação dos meios aos fins, quando utilizados poderes naturais na
produção de um determinado efeito. Acontece que Hume, em nenhum momento, se
refere à relação antagônica existente entre as duas medicinas, popular e científica, no
entanto ele ressalta que todo o conhecimento resulta da experiência.
A prática da medicina popular fundada na experiência tem maior aceitação por
parte da população de baixa renda, não somente em relação ao fator econômico, mas
sobretudo pela crença na sabedoria popular. Isto ocorre, porque "[...] está por trás dessa
prática mas uma crença popular, uma visão do mundo, do organismo e da saúde em
grande parte incompatível com aquele subjacente à medicina legitimada pelo cânone da
ciência". (LOYOLA, 1978, p.225).
Vale ressaltar que não estou propondo em nenhum momento que a medicina
popular seja considerada ciência, no entanto, como parte da tradição milenar e que
serviu de base na complementação do conhecimento utilizado pela medicina científica,
é importante considerá-la como uma medicina alternativa, já que vivemos em
sociedades nas quais predominam contradições de ordem política, econômica e social, e,
diariamente, pessoas são excluídas do acesso a medicamentos produzidos pela indústria
farmacêutica devido ao alto custo.
No Brasil ocorrem contradições entre essas medicinas porque, tanto aqui como
em outros países, instaurou-se o primado da medicina científica que, em detrimento da
medicina popular, põe em dúvida o conhecimento fitoterápico dos práticos dessa
medicina, acentuando os seus aspectos negativos.
A medicina científica se representa como detendo o monopólio legitimo do saber médico,
embora a biologia sobre a qual se apóia reconheça suas limitações no campo da
119
O termo "crença" aqui empregado reflete a influência da experiência. De acordo com Durkheim
(1983), as crenças ocupam na vida social um importante papel, pois são capazes de fixar os objetivos da
ação humana, seja individual ou coletiva.
232
METODOLOGIA
REFERÊNCIAS
ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense. 1987.
(Col. Primeiros Passos).
ARAÚJO, Alceu Maynard. Medicina rústica. São Paulo: Nacional, 1977.
ARAÚJO, Iaperi. A Medicina popular. Natal: Nossa Editora, 1985.
BRAGA, R. Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará. 3.ed. Natal: Ed
Universitária, 1976.(Coleção Mossoroense, 42).
BERGER, Peter; LUCKMAMN, Thomas. A construção Social da Realidade.
Petrópolis: Vozes, 1985.
BUKER, Peter. A cultura popular na Idade Moderna. Tradução de Denie Bottann. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
CAMPOS, Eduardo. Folclore do Nordeste. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1960.
CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro: pesquisa do catimbó e notas de magia branca
no Brasil. Rio de Janeiro: Agir; Natal: Fundação José Augusto, 1978.
CORADINI, Lisabete. Praça XV, espaço e sociedade. Florianópolis: Reflex, 1995.
(Coleção Teses Vol.V).
233
*
UFRN – Curso de História; Orientadora: Professora Dra. PMCC/ Pesquisadora do Museu Câmara
Cascudo/UFRN.
120
A estética arcaica não se encerra em um período histórico, nem em lugar característico. O
expressionismo aliado a uma postura simétrica e hierática são as principais características do
comportamento arcaico nos ex-votos. (VALADARES. Sobre o comportamento arcaico brasileiro nas
artes populares, 1974.)
235
CONCLUSÕES PRELIMINARES
O mercado da arte tem voltado os olhos cada vez mais para as esculturas
votivas. Não raro os mesmos são vendidos a colecionadores particulares, ás vezes sem
nunca terem sido ex-votos. As fronteiras entre a arte "erudita" e a arte "popular" são
derrubadas e os ex-votos em madeira, cada vez mais raros, tornam-se bastante
cobiçados. Estudos estéticos das esculturas votivas vem colaborar para a conhecimento
do potencial das coleções, contribuindo assim para a guarda e preservação das mesmas.
237
REFERENCIAS
SAIA, Luís. Escultura popular de madeira. In: 7 brasileiros e seu universo: artes ofícios
origens permanências. Brasília: Departamento de documentação e divulgação, 1974. p.
34 - 45.
VALLADARES, Clarival do Prado. Sobre o comportamento arcaico brasileiro nas artes
populares. In: 7 brasileiros e seu universo: artes ofícios origens permanências. Brasília:
Departamento de documentação e divulgação, 1974. p.61 - 69.
GALVÃO, Dácio. A pintura popular e os ex-votos. Galante (Encarte da Tribuna do
Norte), nº 07, ano 01, dezembro de 1999.
NETO, Mário Cravo. Ex-votos. Aries Editora, s/d.
BARATA, Mário. Ex-votos. Aries Editora, s/d.
MEIRELES, Cecília. Ex-votos (Escultura). In: As artes Plásticas no Brasil: artes
populares. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d.
MELO, Veríssimo de. Xarias e Canguleiros. Natal: Imprensa Universitária, 1968.
238
INTRODUÇÃO
Este trabalho toma como referência o conjunto formado por cinco Sereias
pertencente à coleção afro-brasileira do Museu Câmara Cascudo da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. O acervo completo é composto por aproximadamente
trezentos e trinta e oito peças, que passam atualmente por um estudo e trabalho de
revisão de sua documentação e condições de conservação. Para complementar e
contextualizar esse estudo e revisão, iniciamos uma leitura simbólica, funcional e
plástica da Sereia, mapeando sua presença na cultura ocidental, africana e afro-
brasileira, visando entender sua relevância e representatividade, na estruturação dos
pejis - espécie de altar pertencente às divindades afro e afro-brasileiras. É do que trata a
primeira parte do texto. Na segunda parte complementa os verbetes a análise
iconográfica uma biografia sintética de dois escultores identificados como autores de
duas das peças referidas.
O projeto de estudo e revisão da Coleção Afro-brasileira do MCC/UFRN, foi
iniciado no mês de abril de 2002 com previsão de conclusão em abril/2003.
*
UFRN – Curso de História; Orientação de estágio: Drª. Wani Pereira - Professora e Pesquisadora do
Museu Câmara Cascudo/UFRN.
239
companheiros com cera, amarrando-se ao mastro de seu barco durante a passagem pelo
mesmo itinerário. Como conseqüência ocorre somente a precipitação das sereias no mar
e não a suas mortes. Mesmo tidas como seres temíveis as Sereias não foram
vilipendiadas no mundo das divindades, tendo em sua homenagem um templo erigido
nas proximidades de Sorrento.
Em outras versões as sereias aparecem como divindades funerárias, aladas. De
caráter benevolente, nesta interpretação as sereias desempenham papéis diferenciados
empregados de acordo com a cultura. Na cultura greco-romana por exemplo, a figura
das Sereias podem aparecer esculpidas em túmulos, como nos de Sófocles e Isócrates,
no papel de divindades que indicam a voz suave dos mortos ou destinadas a chorar
pelos defuntos. Outra representação pode ser encontrada em sarcófagos do Egito com a
significação da alma do morto saindo dos corpos. Também no Brasil registramos na
igreja de São Francisco, no estado da Paraíba, sereias com a mesma função simbólica
exercida pelas chorosas sereias presentes nos sepulcros de Sófocles e de Isócrates.
Muda entretanto a sua forma. Aqui ela aparece com configuração de uma mulher-peixe.
Nos relatos de antigas culturas africanas, as sereias da região de Angola eram
originalmente negras e apresentam uma diversidade estética muito variada. Aparecem
tanto na forma completamente humana, de uma mulher, ou de um grande peixe, ou
ainda de uma sombra, podendo ser descrita como uma sensível presença. A cultura
angolana possui duas divindades identificadas como sereias são elas: a Quianda que
ocupa a região dos mares e a Quituta pertencente aos rios, lagos e matas. Esta última
característica da Quituta apresenta um diferencial em relação à figura aquática uma vez
que atua também em ambiente terrestre. A festa para Quianda ocorria uma vez por ano
e durava de quinze a trinta dias. A divindade era conduzida por uma celebrante a
Imbanda ou Kimbana, designada para a cerimônia que a conduzia a uma casa chamada
Dilonbo, local próprio para a celebração. Nesta comemoração os banquetes oferecidos
aos participantes da festa eram fartos e seus restos ao final eram lançados ao mar.
A figura aquática da Sereia, tanto na vertente européia como na africana,
representam o mito antropofágico das mães devoradoras dos seus filhos, as Iyás
Oxorongas e estão relacionadas com a história do nascimento pelas águas. Na mitologia
Yorúba a sereia representa em geral as mães ancestrais desta cultura, significado que se
disseminou em imagem e conteúdo para as demais “nações” de Candomblé. Os orixás
Iemanjá e Oxum são vistas como sereias, e às suas características de beleza,
sensualidade e fatalidade são acrescida de um sentido de maternidade. Essas
características atribuídas a essas divindades, estão presentes na construção mítica da
figura da sereia em geral. É esta representação, a das sereias, que compõe os pejis (altar
das divindades negras) nos assentos pertencentes aos orixás.
MANUEL EUDÓCIO
241
Nascido no Alto do Moura/PE, em 1931. Perdeu a mãe ainda cedo quando tinha
três anos. Ela também trabalhava com a louça como sua avó.
Com sete ou oito anos começou a trabalhar com barro fazendo cavalinhos e
boizinhos que eram levados para vender na feira. De toda a família somente ele
continuou na arte.
Até a idade de dezoito anos, seu trabalho se limitava a confecção de figuras de
brinquedo em geral, a feitura de bonecos se deu quando passou a ser pupilo de Mestre
Vitalino, quando foi morar no Alto do Moura. Manuel Eudócio conta que a principio
ficava observando as obras de Mestre Vitalino durante seu processo de feitura até que
decidiu tentar moldar bonecos que posteriormente levou para vender na feira, onde
obteve sucesso na venda. Segundo Manuel Eudócio a chegada de Vitalino trouxe um
contingente maior de compradores e que tinha por hábito levar seus aprendizes para a
feira e divulgá-los.
Como forma de assinar suas obras utiliza um carimbo que passou a usar alguns
anos depois. Novos personagens foram surgindo no cenário de sua arte como cenas do
cotidiano: o médico operando, noivos em pé ou à cavalo, padre no confessionário dentre
outras. Começou a fazer também lapinhas, maracatu , bumba-meu-boi, São Francisco,
as moringas em forma de Lampião e Maria Bonita. No entanto a peça de sua preferência
é o boi que confecciona desde de criança sendo de sua a criação, a escultura do boi com
a cabeça virada.
Os bonecos que ele chama de "bonecos profissionais" - o boneco advogado,
medico, dentista e outros são peças que segundo ele tem muita saída, tendo sempre
encomendas.
A pintura foi usada a principio por algum tempo. Pintava só as roupas do boneco
que fez sucesso no inicio. Depois o mercado passou a valorizar aqueles sem nenhuma
pintura. Mas ocorreu a volta da pintura a pedidos de encomendas.
Toda a sua família trabalha com o artesanato. Sua mulher pinta e faz desenhos
delicados nas peças enquanto seus filhos lhe acompanham na feitura das peças, ficando
estes por enquanto com as menores. A matéria prima escolhida é um massapé simples e
sem misturas.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
GRUPOS DE TRABALHO
INTRODUÇÃO
É sabido que, desde tempos que se confundem com sua própria origem, o
homem manifestou uma tendência para viajar, conhecer outras terras e outros povos
semelhantes e desvendar os seus hábitos, culturas e maneiras de pensar. Seguindo essa
característica, as sociedades modernas fizeram desta natural curiosidade uma atividade
extremamente rentável, capaz de fomentar grandiosos retornos. E assim surgiu o
turismo.
Contudo, ainda que se saiba da enorme importância econômica que o turismo
possui para os países que o exploram, ele deve ser encarado como uma maneira
relevante e eficaz de preservar o patrimônio cultural, histórico e paisagístico. Dentre as
variadas facções que foram usadas para forjar a atividade do Turismo, o folclore é uma
das que mais se sobressai, pois se converte em um produto que se auto-divulga.
Além disso, num momento em que a oferta turística se amplia mais e mais, o
folclore exerce um papel consolidador, ajudando de forma fundamental na sua
promoção. Ele surge indistintamente vinculado à publicidade, quaisquer que sejam os
destinos turísticos ou áreas temáticas, uma vez que se constitui sempre numa das
principais razões que definem a escolha do visitante. Não há aquele que não considere
pelo menos o artesanato, a gastronomia ou a arquitetura como critério de escolha de um
determinado destino de viagem.
Desta forma, convém fazer um comentário a respeito desta parceria e é
justamente a isso que este trabalho se propõe. De forma sucinta e articulada,
procuraremos esclarecer questões sobre os dois temas e correlacioná-los de maneira a
fornecer subsídios para um melhor entendimento e posicionamento a respeito do
binômio: turismo e folclore.
O QUE É TURISMO ?
*
Universidade Federal do Maranhão - Graduandos do Curso de Turismo.
246
O QUE É FOLCLORE ?
TURISMO E FOLCLORE
Para atender aos diversos fluxos turísticos, o Folclore pode ser destacado como
elemento de grande potencialidade. Os grupos folclóricos constituem uma alternativa
para a prática de ensino e para a divulgação das tradições folclóricas, tanto para fins
educativos, como para atendimento a eventos turísticos e culturais.
O Turismo é uma atividade economicamente importante para as cidades
receptoras, pois os reflexos sociais e econômicos são visíveis aos seus habitantes, no
que tange a geração de trabalho e renda e melhoria de qualidade de vida. A atividade
turística, uma vez bem planejada, pode garantir a permanência de determinados
fenômenos folclóricos e, através deles, garantir a geração de recursos econômicos para a
população residente. Turismo e Folclore devem estar, portanto, de mãos dadas, aliados,
inseparáveis, pois este estimula aquele, dá-lhe calor e vida. Além disso, a admiração do
turista entusiasma o povo, dá-lhe prestígio e alimenta o Folclore.
De fato, o turismo, quando cauteloso, pode ajudar na conservação e valorização
das manifestações populares. Estimular e oferecer aos turistas a oportunidade de
conhecer os habitantes da região, seus modos de vida, suas atividades profissionais,
promove uma atividade rica e prazerosa a eles. A localidade é visitada por religiosos,
estudantes, curiosos, pessoas interessadas em uma “nova” cultura, em um patrimônio
cultural perdido na maior parte das cidades. Nesse ponto, vale ressaltar que o turista é
atraído por uma manifestação popular especialmente pela naturalidade e fidelidade
desta. Ao mesmo tempo, é importante que o visitante informe-se sobre o significado do
“ritual” que está presenciando, o porquê do vestuário utilizado pelos participantes da
festa, entre outros aspectos, para que assim compreenda e valorize a manifestação.
Todavia, a falta de planos de desenvolvimento turístico que preguem a
sustentabilidade podem tornar a atividade turística mal conduzida, criando um problema
que muitas vezes pode levar a descaracterização da própria manifestação. Com isso,
resultará numa prática de turismo desenfreado, agressor e banalizante, onde as ações
mercadológicas denigrem, estereotipam e simplificam o Folclore local.
Nesse caso, Folclore e Turismo aparentemente se chocam, uma vez que a
espontaneidade e a autenticidade das manifestações podem ficar comprometidas em
função do último. Logo, interessante seria a interligação definitiva dos dois aspectos
numa parceria de objetivos mútuos, favorecendo a ambos os setores e contribuindo para
o desenvolvimento sociocultural.
As entidades representativas como as Comissões de Folclore de todos os Estados
brasileiros, as Secretarias de Cultura e de Turismo, as Agências de Viagens, o
TRADE1*e outros órgãos ou entidades interessadas apresentariam propostas para dar
melhor atenção a esses fenômenos que, na maioria das vezes, de mal interpretados e
utilizados, passariam a apresentar efetivamente o caráter de destaque e relevância que
concretamente possuem.
CONCLUSÃO
Reconhece-se que a relação que existe entre Folclore e Turismo é uma realidade.
O turismo é hoje uma atividade de caráter altamente relevante no mundo, atraindo para
1
Conjunto de organismos e entidades de segmentos variados dentro da área de turismo.
251
*
Profa. Assistente em Antropologia – UFPE. Doutoranda em Ciências Sociais – UNICAMP
253
definido como exterior e diferente do grupo de referência, era visto de forma contrastiva
e também homogêneo e imemorial. Hoje a questão encontra-se amplamente desafiada
pelos deslocamentos conceituais e políticos provocados pelas recentes mudanças
econômicas, culturais, estruturais com o advento da assim chamada globalização e as
inovações teóricas do pós-estruturalismo, para alguns, ou pós-modernidade, para outros
(Hall, 1997)121. Da idéia e esforço teórico de desvendar identidades homogêneas e fixas,
passou-se para a crítica da existência de tal identidade, a qual considerada-se
heterogênea e historicamente construída. Afirmando-se a heterogeneidade das
identidades dos grupos humanos, questiona-se a possibilidade de um sujeito centrado,
tendo um eixo de definição para sua identidade. O sujeito, que se define a partir do
pertencimento a um grupo, pela possibilidade de assumir diferentes posições e
localizações sociais, desloca sua identidade de acordo com seu posicionamento. Daí que
ele sempre poderá escolher onde se posicionar e refletir sobre sua própria construção.
Este debate sobre identidade também perpassou a discussão sobre a nação, sendo
o cenário nacional um locus privilegiado de investigação de identidade. O sentido
imemorial e naturalizado caracterizou muitos dos esforços da definição de nação no
século XIX, estando intimamente ligado com o conceito de raça. Preocupação
exemplarmente revelada na idéia de Mauss de que a nação inventa a raça, dando a
impressão inversa de que são as raças que necessitam da nação. Os românticos alemães
destacaram a cultura como um dos fenômenos centrais para entender o espírito de um
povo. Criticando o Iluminismo francês, o cosmopolitismo que o caracterizou e a busca
do sujeito universal através da razão, os alemães colocaram a cultura popular como a
chave para alcançar a diferença que marcava os grupos humanos. Este debate desenrola-
se num cenário político tenso, da formação tardia do Estado-nação alemão, em oposição
e resistência à consolidação econômica e política do Estado francês já constituído. Sabe-
se que tal Estado, para se formar, passou por um processo lento, para alguns autoritário,
de conformação de uma unidade mínima entre suas diferentes regiões, sendo a educação
uma das principais instituições para a consolidação de um idioma nacional e do ideário
de um passado comum. Assim, para os alemães era fundamental valorizar a cultura dos
povos para entender sua identidade, sendo este entendimento a chave para a formação e
explicação do estado nacional. Mas, esta teoria não estava livre do sentido de
homogeneidade necessária para construir a nação a qual se justificava por estar baseada
numa identidade cuja memória se perdia no tempo. Se a diferença era valorizada ela não
era percebida como construída, mas como herança tradicional invariante. A cultura
aproximava-se do conceito de natureza, como sendo uma herança imemorial. Em certa
medida povo e raça eram conceitos co-extensivos e equivalentes.
Ao longo do século XX o debate nacional trouxe muitos desafios para as
ciências sociais; os estudos antropológicos em muito contribuíram para isso,
principalmente ao estudar povos organizados a partir de outras estruturas políticas que
não o Estado. Porém a consolidação do Estado-nação como modelo geral e final das
sociedades humanas, paralelo à organização da economia capitalista cujo território é o
planeta faz destes fenômenos variáveis transversais a quase todas sociedades
conhecidas. Mas, isto não impediu a permanência de cosmologias e visões-de-mundo
específicas que dão suporte à constituição e permanência de comunidades, grupos e
organizações humanas que se diferenciam daquilo que se define como a nação na qual
se inserem. Enfim, uma das características marcantes de quase todas as nações do
mundo é que sejam multiculturais, sendo criticada sua constituição homogênea e
121
HALL, S. A Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A Ed., 1997
254
séc. XX para o Brasil e posteriormente saiu de cena. Segundo, porque a constituição dos
símbolos nacionais, ou o debate entre região e nação foi construído principalmente a
partir da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, e secundariamente pelo Rio Grande do
Sul. Este fato possibilitava dar relevo para novos dados e aportes para as reflexões sobre
nação e identidade e as construções regionais. Terceiro: a forma de inserção do
Maranhão nas disputas por destinos turísticos veio fortemente voltada para o turismo
cultural, destacando sua especificidade frente às manifestações consideradas nacionais,
de acordo com o novo debate da heterogeneidade nacional. Mas, não só por isso,
claramente a propaganda que vem se fazendo coloca a cultura maranhense como
produto a ser consumido. Sendo assim, quais as implicações desta configuração para a
cultura local para quem de fato a detém e produz?
A cultura é pública. Resulta do esforço coletivo ao longo da história para se
fazer o humano. Até aqui temos um predomínio do Estado para conferir o suporte
econômico e de infra-estrutura na realização das festas e manifestações vendidas pela
indústria do turismo. Quais serão as conseqüências para a cultura e os grupos humanos
que a produzem se elas são privatizadas e/ou apropriadas pelos turistas consumidores?
A esta questão soma-se a dimensão da tradição e seu importante papel para elaborar
identidades coletivas. Como se dará a relação com a tradição e sua sempre renovada
capacidade de inovação, frente aos interesses da indústria do turismo, que como todas as
demais no cenário global é gerida internacionalmente? Quais as possibilidades de
autonomia dos grupos locais frente a estes interesses? Quais as implicações de colocar a
cultura do Maranhão como o mais importante fator de produção deste estado?
Relacionar-se com outras culturas, no cenário global ou não, sempre foi fundamental
para as sociedades, que de fato nunca existiram isoladamente, mas sempre em
constantes trocas em todos os níveis. Porém há diferentes modos de se posicionar na
relação com o global: pode-se fazer passivamente como mero consumidor dos produtos
econômicos em circulação, ou de forma autônoma, identificando os diferentes poderes e
desigualdades implicados nas relações econômicas e políticas locais, nacionais e
internacionais. Resta perguntar qual a legitimidade do governo local e nacional, que age
em nome do Estado, para transformar a cultura de um povo em fator de produção? Em
que medida esta transformação é operada de forma democrática e autônoma por aqueles
que a produzem. Mais importante ainda é saber se as pessoas que produzem este mundo
e os saberes que permitem nele se situar, percebem as relações de poder implicadas na
transformação da cultura em fator de produção e quais suas possibilidades de se
posicionar em relação às diferenças de poder e desigualdade que podem engendrar.
257
GRUPOS DE TRABALHO
INTRODUÇÃO
*
UFMA – Curso de Comunicação; bolsista do PIBIC/CNPq. Orientação do prof. Dr. Sergio Ferretti
259
Sendo uma ação administrativa do poder executivo, o tombamento inicia-se pelo pedido de
abertura de processo por iniciativa de qualquer cidadão (pessoa física) ou instituição
pública (pessoa jurídica). Após a avaliação técnica preliminar o processo é submetido a
decisão dos orgãos responsáveis pela preservação. Se o pedido de proteção a um bem
cultural ou natural for aprovado, é expedida uma notificação ao seu proprietário e a partir
dessa comunicação o bem já está protegido legalmente, contra destruições e
descaracterizações, até que a decisão final, veredicto, seja tomada.
261
Sim, pois a partir dele os bens culturais serão legitimados legalmente, evitando-
se sua destruição. Além dos bens culturais preservados na memória coletiva,
conservam-se também todos os esforços e recursos já investidos na sua construção.
Um bem cultural será visível para a sociedade, a partir do momento, que estiver
em bom estado de preservação, permitindo uma eficaz utilização.
Atualmente, a Casa das Minas é chefiada por Dona Deni, que é uma pessoa
muito gentil e inteligente,no momento de se expressar com as pessoas, demonstrando
muita inteligência nos mais variados assuntos, além dos religiosos. “É uma cultura
daomeana e ficou muito preservada e hoje muitos dizem que ela está morrendo, mas ela
está muito longe de morrer, pois as pessoas é que são mortais e ela é imortal estando
muito longe de morrer”,afirma Dona Deni, representante máxima da Casa das Minas.
De acordo com a lei 5.082 de 20 de dezembro de 1990,que dispõe sobre o
patrimônio cultural, define em seu artigo primeiro, “os bens de natureza material e
imaterial, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade maranhense”. A Casa das Minas é um verdadeiro
pedaço da África em terras maranhenses e constitui um expressivo patrimônio da
herança cultural dos africanos, que foram exemplos de resistência e de importância
emblemática para gerações de seus descendentes, merecendo ser muito mais preservada
(através do tombamento) do que já está por suas seguidoras, vodunsis logo constata-se
que é muito difícil afirmar-se sobre seu desaparecimento,pois somente as divindades
tem o saber do futuro dessa casa centenária africana. Nos últimos anos o estado vem
apresentando grande expansão na área cultural, apresentando muitos avanços a partir de
incentivos governamentais e até mesmo municipais, visando a propalação de nossos
valores étnico-culturais. Compreende-se que esse processo é constituinte de uma
indústria cultural emergente, onde os meios de comunicação assumem papel
preponderante nesse contexto, intensificando-se as discussões sobre a cultura popular
retratada pela mídia no Maranhão
Articuladores, membros e participantes da cultura popular, até então, pouco
visíveis pela mídia tradicional, ganham destaque na nos meios impressos (jornais,
revistas) e audiovisuais (televisão e rádio) e as manifestações folclóricas terão a sua
quintessência, sentido originário, reelaborado nas mensagens massivas. Segundo
Marques “o fundo arcaico da cultura popular sofrerá refuncionalizações em que o valor
de culto ou de uso original adquire um valor de exposição ou de valor de troca abstrato
(1999, p.207).
Um exemplo típico do mero e simples valor de exposição, pode-se pensar a
religiosidade popular sob as lentes dos veículos massivos: uma apresentação de Tambor
de Mina, religião afro-maranhense, em qualquer local público (ruas, praças, avenidas e
centros culturais) fora do seu ambiente sagrado de culto (templos afro-religiosos ou
terreiros). O valor de exposição emplume e fragmenta o valor de culto e essa é uma
característica de um fenômeno classificado como “esteticização da experiência”, que de
acordo com Marques (1999, p.188) o que conta nesse “processo de aceleração” “é a
perfomance, a realização individual e a visibilidade, o efeito do puro espetáculo, de um
acontecimento elaborado, cuja natureza combinatória se esgota, porém, na sua
realização e representação espetacular”.
Todo esse universo de intrepretações sobre a relação dos veículos de
comunicação e a cultura popular maranhense são de extrema importância, pois
identificam os principais pontos ou especificidades das mensagens sobre a cultura
popular para a sociedade maranhense.Todo esse universo de intrepretações sobre a
relação dos veículos de comunicação e a cultura popular maranhense são de extrema
importância, pois identificam os principais pontos ou especificidades das mensagens
sobre a cultura popular para a sociedade maranhense.
Observando-se além do conjunto de procedimentos, modalidades e meios de
intercâmbio de informações, idéias, experiêcias e sentimentos adotados pelas elites
eruditas, os sistemas de comunicação social( rádio, televisão, jornais, revistas, etc.), há
uma outra maneira de transmissão de mensagens e idéias divergindo da tradicional(via
264
REFERÊNCIAS
É na oralidade, hábito entranhado nas diversas culturas folk, que repousa o traço
ancestral das literaturas populares. Por isso, e por outras razões que adiante apresento,
não podemos dizer que os meios de comunicação de massa vieram suprir, com
exclusivismo, a necessidade do povo em abastecer-se de notícias, tampouco ocupar o
espaço de fruição dessas mesmas notícias, quando transmitidas por meios de
comunicação produzidos pelo povo, e para consumo próprio, mesmo se o tema é algum
assunto que envolva o imediatismo do enfoque jornalístico ou a premência do calor da
hora, tão bem facilitados hoje graças à velocidade e sofisticação das novas tecnologias,
cada vez mais acessíveis aos extratos sociais pobres. Foi exatamente o que ocorreu com
os folhetos escritos sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, cometidos nos
Estados Unidos. Embora fadado a fenecer sob o império dos mass media, segundo o
vaticínio de especialistas na morte do cordel, foi exatamente aí que o folheto de
circunstância provou que agrada, sim, aos leitores e ouvintes porque, perante eles,
exerce um fascínio.
Justamente no fascínio encontra-se a cadeia de explicações. Todos os títulos
pesquisados, os quais encontram-se listados no final deste texto, fazem menção à
barbaridade dos ataques e contra-ataques que desmantelaram a “ordem mundial”, além
de apresentar, deliberadamente ou não, o posicionamento ideológico do escritor, que,
em parte dos folhetos pesquisados, lança mão do humor e da ironia para apimentar a
discussão sobre o assunto. A partir de um estudo comparativo da abordagem escolhida
pelos poetas para tratar o tema, o objetivo do trabalho consistiu em descobrir os
elementos (jornalísticos, históricos, sociológicos, filosóficos, literários) que tornam
atraente o folheto de circunstância, num momento em que os meios de comunicação têm
poder de penetração no meio popular muito maior do que o cordel escrito até os anos 70
do século XX. Sem dúvida nenhuma, o formato tradicional, a rima, o ritmo, o metro, a
ilustração da capa, a opinião do autor e a maneira particular de abordagem e
interpretação do fato, tudo se transforma numa mistura fina, temperada ao sabor das
metáforas e originalidade de cada poeta, cujo resultado é o deleite estético, o prazer do
texto.
“Exercendo plenamente uma função de comunicação intermediária, o folhetos
não são apenas informativos, mas também interpretativos, opinativos e de
entretenimento”, é o que diz o folkcomunicador Roberto Benjamin. Evidentemente, a
temática era por demais apelativa; aliás, a comoção mundial é um território movediço
que suga a todos. Nesse rastro, os poetas tinham mesmo que atiçar-se a criar, a
reescrever a história, ainda que repisada de todos os modos pelos MM. Afinal, era a
dicção poética, além dos recursos estilísticos possíveis na literatura de cordel, que
deveria falar mais alto do que George W. Bush, quando empunhou o megafone, ante os
escombros do World Trade Center, para encorajar a equipe de resgate, conforme vemos
no desenho de capa do folheto de Arievaldo e Klévisson Viana. O formato tradicional
do livrinho é, sem dúvida, um elemento de atração, sobretudo pelo apego às vivências
de infância, freqüente entre os leitores de cordel. Contribuiu no chamamento a
apresentação da capa, oferecida em diversas cores (predominaram as suaves: branco,
*
Jornalista, com especialização em Teoria da Literatura pela UFPE; Membro da Comissão Pernambucana
de Folclore.
267
forte argumento em situação de iminência de guerra. A força do mal ataca / outra vez
este planeta / a chama da violência / traz uma luz violeta / que se apaga a cada instante
/ pelo som horripilante / surgida duma corneta. Assim começa Guaipuan Vieira, numa
franca alusão às trevas do Apocalipse e à trombeta anunciadora do final dos tempos.
Uma vez mais, o argumento religioso ecoa; o que não é novidade, graças à religiosidade
dos autores e público de cordel. O destino é uma curva / fechada na contramão / filho
de gato é gatinho / e quando cresce é gatão / mãe e pai azunha e mata / nem Alá que é
Deus empata / fanatismo e obsessão. Assim começa o poeta Pedro Américo, contra-
invocando a divindade, porque, embora esta goze da prerrogativa de onipotência, não
livra a humanidade do fatalismo do destino em contramão, nem dos sentimentos
impuros de “fanatismo e obsessão”.
Graças à iminência de uma guerra devastadora, e sob forte apelo à religiosidade
popular, é recorrente o tom de admoestação, de invocação de preceitos morais, de
alusão aos ensinamentos bíblicos e à sabedoria proverbial. É solene o tom de
advertência. Para não perder a oportunidade de escrever sobre o tema, José Honório
publica o folheto um mês após os atentados e, por isso, solicita a Alá que também
receba os halos / do espírito picaresco para escrever uma história bem-humorada, após
repassar os tópicos da tragédia de setembro. Ao terminar a narrativa da história do
português que planeja um atentado contra o Congresso Nacional, em Brasília,
exatamente por repudiar as piadas discriminatórias contra os lusitanos, o poeta retoma o
discurso antibelicoso, antifanatismo, e em favor da democracia, da justiça e da paz. É
importante ressaltar que o posicionamento do autor do folheto é sempre importante para
marcar a diferença e, o que é melhor, o cordelista pode discorrer livremente sobre o
assunto, expondo as próprias opiniões, crítica e análise, com a liberdade que os MM não
têm, com a isenção que os MM não podem oferecer.
Longe de ser um método ineficaz de comunicação, ou um objeto de criação
desprovido de valor literário, os folhetos publicados sobre o fatídico 11 de setembro
atraíram, para si, não só as atenções de leitores e ouvintes, também as atenções da mídia
impressa e eletrônica, levando à produção de diversas matérias, artigos e reportagens.
Os canais de televisão levaram o assunto à cadeia nacional, inclusive a outras partes do
mundo por meio do sistema de TV a cabo. Os periódicos do Rio de Janeiro, São Paulo,
Brasília, a exemplo do Correio Brasiliense, O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São
Paulo, entrevistaram poetas e pesquisadores, reproduziram trechos de folhetos, a capa
de folhetos, fotografaram poetas. Num franco exemplo de metajornalismo ou
metacomunicação, jornais de outras regiões e todos os jornais do Recife divulgaram a
vitalidade do cordel de acontecido.
REFERÊNCIAS
Folhetos pesquisados:
DINIZ, Stênio. Terror nos Estados Unidos “Os perigos de uma 3ª guerra mundial”.
Juazeiro: ed. autor, 2001.
FARIAS, Pedro Américo de. A dolorosa peleja de Osama bin contra Bush. Timbaúba:
Folhetaria Cordel, 2001.
FERNANDES, Olegário. O atentado terrorista e o nosso sofrimento. Caruaru: ed.
autor, 2001.
SALES, Allan. O império contra-ataca. Recife: ed. autor, 2001.
SILVA, José Honório da. O atentado terrorista e o desmantelo da guerra. Timbaúba:
Folhetaria Cordel, 2001.
271
SOARES, Marcelo. A guerra do fim do mundo entre o povo talibã e os Estados Unidos
que para eles são tidos como o “Grande Satã”. Timbaúba: Folhetaria Cordel, 2001.
TARSO, Paulo de. Da ficção à realidade - “Nova York em chamas”. Fortaleza: ed.
autor, 2001.
VIANA, Arievaldo e Klévisson. O sangrento ataque terrorista que abalou os EUA.
Fortaleza: Tupynanquim, 2001.
VIEIRA, Guaipuan. Estados Unidos em chamas (um aviso para o mundo). Fortaleza:
ed. autor, 2001.
Livros consultados:
BENJAMIN, Roberto Émerson Câmara. Folkcomunicação no contexto de massa. João
Pessoa: ed.Universitária, 2000. 150 p.
_______. “Os folhetos populares e os meios de comunicação social”. Symposium:
Revista da Universidade Católica de Pernambuco. Recife, ano XI, nº 1, set./69.
CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário de arte poética. Rio de Janeiro: Ouro, 1965.
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura
popular em verso. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. Estudos, tomo
I. p. 1-151. (Col. de textos da língua portuguesa moderna, vol. 4).
SARAIVA, Arnaldo. Literatura marginal-izada. Porto: Roca Ares Gráfica, 1975. 172 p.
SOUZA, Liêdo Maranhão de. Classificação popular da literatura de cordel. Petrópolis:
Vozes, 1977. 104 p.
272
GRUPOS DE TRABALHO
Gustavo Côrtes*
*
Professor da UFMG, Escola de Educação Física. Membro Efetivo da Comissão Mineira de Folclore;
Mestrando em Educação, na Faculdade de Educação da UFMG, sob a orientação da Prof. Dra. Lucíola
Licínio Paixão.
2 Fourquin, Jean Claude. Saberes Escolares, Imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria e
Educação, n 5, Porto Alegre, 1992, pág 168.
274
127
Grignon, Claude. Cultura dominante, Cultura popular e multiculturalismo popular. In: Alienígenas na
sala de aula. Ed. UFRGS, 1993, pág 179.
276
128
Silva, Tomás Tadeu da. Currículo e Identidade Social: Territórios Contestados. In: Alienígenas na sala
de Aula. Petrópolis: Ed. Vozes, 1995.
277
129
McLAREN, P. Multiculturalismo Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto
Alegre: Ed. Artmed, 2000.
10
SACRISTAN, J. Gimeno. Currículo e Diversidade Cultural. SILVA, T.T. da & MOREIRA, A. F.
(orgs.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes,
1995.
278
131
Para maiores esclarecimentos ler Grignon, Claude. A escola e as culturas populares: pedagogias
legitimistas e pedagogias relativistas. Teoria e Educação, Porto Alegre, n 5, p 50-54, 1992.
279
tratando apenas de uma sobrevivência, de uma inércia cultural. o contexto sócio cultural
se alterou, mas preservaram as condições que asseguraram a vitalidade e a influência
dinâmica dos elementos folclóricos. segundo Fernandes,132 podemos afirmar o
verdadeiro valor educacional do folclore em dois planos distintos: o primeiro, no plano
das relações humanas. a atualização de um jogo cênico, de uma dança ou de um
brinquedo, exige todo um suporte estrutural, fornecido pelas ações e atitudes das
crianças e para realizá-los, elas precisam organizar coletivamente o seu comportamento.
em segundo plano, cada um destes elementos relacionados envolve a elaboração de
gestos e composições tradicionais que mantém vivas as representações da vida social do
homem em um clima moral que existe e se perpetua através do folclore. nestes dois
planos, são variáveis as influências socializadoras do folclore:
de um lado, a criança aprende a agir como ser social: a cooperar e a competir com seus
iguais, a se submeter e a valorizar as regras sociais existentes na herança cultural... de outro
lado, introjeta em sua pessoa técnicas, conhecimentos e valores que se acham objetivados
133
culturalmente.
132
Ibid, pág.61 a 65.
133
FERNANDES, Florestan. O Foclore em Questão. 2ª ed., ed. Hucitec, São Paulo: 1989. p.62.
134
SEGALLA, Lygia e outros. Múltiplas linguagens na escola. In: A troça, a traça e o forrobodó: folclore
e cultura popular na escola. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000. p. 66.
280
do sistema social. Sob o ponto de vista da infância, por exemplo, no contato com os
folguedos populares, as crianças não só aprendem algo, como também adquirem uma
experiência social significativa para o desenvolvimento de sua personalidade. Através
do estudo e das vivências das manifestações populares, a criança interage com outras
crianças, com outros adultos e com outros ambientes. Elas têm oportunidade de manter
contatos pessoais significantes. Essas relações geralmente são com pessoas que
apresentam um mesmo centro de interesses, a mesma concepção de mundo, a mesma
categoria social e a mesma idade.
É utópico pretender que todos os avanços de aprendizagem sejam homogêneos e
simultâneos entre os alunos, uma vez que a diversidade traduz uma realidade de
histórias de vivências corporais, interesses, oportunidades de aprimoramento fora da
escola e o convívio em ambientes físicos diferenciados. Os jovens, vivenciando essas
relações sociais, alargam sua área de contatos humanos, aprendem de modo mais
acessível às vantagens e o significado das atividades organizadas grupalmente,
experimentam os diferentes papéis associados às relações de subordinação e de
dominação entre pessoas da mesma posição social e se identificam com interesses ou
com valores cujas polarizações de lealdade transcendem ao âmbito da família. Através
do reconhecimento dos valores sociais do grupo em que vivem, as crianças se sentem
integrantes legítimos de agrupamentos sociais estáveis. Podemos observar então, na
formação de grupos infantis, as influências socializadoras do Folclore Infantil e das
atividades sociais a ele associadas. A idéia de grupos infantis se refere à escola, a
família e a vizinhos de um mesmo bairro, entre outros. Fora da escola, a socialização
aparece como um processo de educação informal, através da transmissão de
experiências e de conhecimentos às crianças, através de um intercâmbio cotidiano, isto
é, durante a própria vida interativa dos indivíduos. Na escola, entretanto, quem deve
determinar o caráter de cada dinâmica coletiva é o professor, a fim de viabilizar a
inclusão de todos os alunos. Esse é um dos aspectos fundamentais que diferenciam a
prática corporal dentro e fora da escola. As manifestações populares devem ser
valorizadas pelo professor e estar presentes no repertório dos alunos, pois são partes da
riqueza cultural dos povos, constituindo importante material para a aprendizagem e para
o reconhecimento social.
É importante frisar ainda, que os jovens se desenvolvem em situações de
interação social, nas quais conflitos e negociação de sentimentos, idéias e soluções são
elementos indispensáveis. Assim, as manifestações da cultura popular, através dos seus
mais variados elementos, e que são quase sempre desenvolvidos em grupos, irão atuar
na formação individual e coletiva de um determinado agrupamento, auxiliando no
reconhecimento e na legitimação de uma identidade social.
Viver na sociedade brasileira é buscar compreender junto aos aspectos da vida
cotidiana o reconhecimento das variações do comportamento do povo brasileiro nos
seus modos próprios de agir, pensar e expressar a sua diversidade cultural. Conhecer os
saberes populares é buscar na diferença, uma melhor compreensão da expressão e do
pensamento do outro, o que irá permitir uma ação menos preconceituosa em relação às
diferenças culturais, garantindo o respeito e a tolerância à diversidade cultural existentes
no país. O sujeito poderá compreender a relatividade dos valores que estão enraizados
nos seus modos de pensar e agir, que criam uma identidade e determinam um sentido
para a valorização da sua origem, favorecendo a ligação e o reconhecimento com a
cultura do seu povo. Com isso, ele torna-se capaz de perceber a sua realidade cotidiana
mais vivamente, reconhecendo objetos e formas que estão a sua volta, no exercício de
uma observação crítica do que existe na sua cultura, criando condições para participar
ativamente na sociedade que o cerca.
281
135
Para maiores detalhes do programa ler, SMED, PBH. Publicação da Secretaria Municipal de
Educação. A construção pedagógica do tempo escolar. Belo Horizonte: 1999.
136
BELO HORIZONTE. PREFEITURA MUNICIPAL. Escola Plural. Belo Horizonte: PBH, out.1994
(Documento 1).
137
CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola. Escola Plural: A função de uma utopia. Texto e palestra
apresentados pela autora no Congresso Brasileiro da ANPED, 1999, Caxambu, MG.
138
FISCHMANN, Roseli e outros. Multiculturalismo, mil e uma facetas da escola. Rio de Janeiro: DP$A
282
REFERÊNCIAS
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Mineira de Folclore. Belo Horizonte: Cultura, 1998.
ASSIS, Regina Alcântara de.(relatora): Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental. Homologada em 31/08/1998, parecer n CEB 04/98, da Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Brasília.
AYALA, Marcos e Maria Ignez. Cultura popular no Brasil. 2. Ed., São Paulo: Editora
Ática, 1995.
GONÇALVES, Maria Alice Rezende (org): Educação e Cultura: pensando em
cidadania. Rio de Janeiro: Quartet Editora, 1999.
CANEN, Ana & MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Mini-curso: Multiculturalismo,
currículo e Formação Docente. 22º Reunião da ANPED, 26 a 30 Setembro, UFRJ, Rio
de Janeiro, 1999 – Texto do GT de Currículo.
CHAUÍ, Marilena. Convite á Filosofia. 5º ed., São Paulo: Ática, 1995.
FERNANDES, Florestan. O Folclore em Questão. São Paulo: Hucitec, 1978.
FOURQUIN, J. C. (org.). Sociologia da Educação – Dez anos de Pesquisa. Petrópolis:
Vozes, 1995.
GRIGNON, Claude. A escola e as culturas populares: pedagogias legitimistas e
pedagogias relativistas. Revista Teoria e Educação, n 5, Porto Alegre, 1992.
LOPES, Alice Ribeiro. Conhecimento escolar: Ciência e cotidiano. Ed. UERJ, Rio de
Janeiro: 1999.
LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas.
São Paulo: EPU, 1986.
MARTINS, Saul. Folclore - Teoria e Método. 2. edição, Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1986.
McLAREN, Peter. Rituais na Escola: Em direção a uma economia de política de gestos
na educação. Petrópolis: Vozes, 1992.
PÁDUA, Elizabete. Metodologia da Pesquisa: Abordagem teórico-prática. Campinas:
Papirus, 1997.
SACRISTAN, J. Gimeno. Currículo e Diversidade Cultural. SILVA, T.T. da &
MOREIRA, A. F.(orgs.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas
políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995.
INTRODUÇÃO
O PROJETO CRIAÇÃO
O Projeto Criação, desenvolvido desde 1999 com jovens carentes dos bairros do
São Francisco e adjacências, é um exemplo de como a as oficinas de Cultura Popular,
podem ser meios pedagógicos minimizadores e transformadores de impactos sociais e
culturais advindos do desenvolvimento econômico, sobretudo pela indústria turística,
utilizando o próprio conhecimento empírico do grupo trabalhado, aliado ás
interferências pedagógicas do saber-fazer acadêmico.
O Projeto consiste na realização de aulas teórico-práticas envolvendo
manifestações populares maranhenses, com ênfase na Capoeira, explorando
*
Autoras: Faculdade São Luís (São Luís – MA): 1º período do Curso de Turismo; 3º período do Curso de
Turismo; Professora orientadora do trabalho, mestranda em gerontologia pela USP.
139
“Há mesmo no brasileiro um padrão cultural de favorecimento ao novo, de valorização do moderno,
acompanhando o desprezo pelo antigo. Na sociedade de consumo, isto é acentuado por veículos de
comunicação social que difundem grandemente mensagens publicitárias induzindo á constante renovação,
assim persuadindo a aquisição de novos produtos ou produtos “maquilados’ parecendo novidade. O povo
brasileiro é aberto a mudanças e adota prazerosamente o novo” Américo Pellegrini Filho.
140
“As ações mercadológicas do Turismo geralmente apresentam espetáculos populares aos turistas dos
países desenvolvidos de forma inexata e romantizada, contribuindo para a criação de uma imagem
simplista e estereotipada”. (Doris Van Meene Ruschmann). In: DE LA MÔNICA, Laura. Folclore e
Turismo, um binômio a ser cultuado. p.44.
285
RESULTADOS
Em três anos de trabalho, com 450 crianças e jovens de ambos os sexos, entre 4
e 18 anos, foi possível fazer um levantamento sobre o grau de aproveitamento e
aprendizagem desses jovens inseridos no Projeto a partir da :
- Coleta de todo o material referente às informações sobre as crianças e os
adolescentes que participam do Projeto Criação;
- Coleta de depoimentos das crianças e adolescentes participantes do Projeto
Criação acerca do grau de conhecimento da cultura popular maranhense;
- Observação participante de toda a rotina do Projeto Criação registrada e
transcrita em Diário de Campo;
É importante destacar que a forma de ingresso no Projeto tem como pré-
requisito básico a comprovação da inserção do aluno na rede escolar.
Os resultados obtidos foram organizados sob a forma de gráficos, considerando
os seguintes questionamentos:
Sotaques de Reegae
Cacuriá boi 19%
T. de Crioula
4% 10%
4%
Forró
4%
Axé
21%
Capoeira Pagode
10% 15%
Funk
13%
Não Sim
III - Nível de conhecimento: da história e situação geográfica urbana de São
Luís (bairros tradicionais, monumentos, museus, praças, teatros e complexo
arquitetônico):
287
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Início do 1º ano 2º ano 3º ano
Projeto
80%
60%
40%
20%
0%
Início1º ano
2º ano
3º ano
do
Projeto
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
STRINATI, Dominici. Cultura Popular: Uma Introdução. São Paulo: Ed. Hedra, 1999.
CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia: O Discurso competente e outras falas. São
Paulo: Cortez, 2000.
MONICA, Laura Della. Turismo e Folclore: Um binômio a ser cultivado. São Paulo:
Global, 1999.
SWAR BROOKE, John. Turismo Sustentável. São Paulo: Aleph, 2000.
PELLEGRINI FILHO, Américo. Ecologia, Cultura e Turismo. Campinas: Papirus,
1993.
ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura Popular? São Paulo: Brasiliense, 1981.
288
INTRODUÇÃO
*
Professor de Curriculos e Programas e MTPP-do DE I da UFMA.
289
A escola tal como é vista, com monolíticos muros de discussões, mais filosóficas
que práticas, tem cansado e desmotivado os educadores. A matriz de culpa, sublocada a
governos neoliberais, globalização, à extrema direita ou à corrupção e impunidade,
deixa um vazio sobre o cerne desse currículo/cultura, gestado no âmago de uma variável
pouco estudada.
"...está-se a perder, o novo e o avanço sem contar que (as escolas) têm se espelhado numa
orientação etnocêntrica. Seu foco dirige-se para sociedades industrializadas ou etnias
dominantes... ignorando, certamente, os custos humanos e ambientais que supõe esse
mesmo desenvolvimento em outras etnias, particularmente as dos países em vias de
desenvolvimento. De fato, normalmente essas temáticas aparecem ligadas ao conceito de
qualidade de vida como um conceito que se reivindica tendo como referência as classes
médias de sociedades avançadas ou desenvolvidas, nas quais, partindo da superação das
necessidades primárias, aspira-se à melhora de aspectos ‘qualitativos’ que freqüentemente
foram descuidados no desenvolvimento prévio" (YUS apud YUS, 1998, p32-3).
O que tem sido visto sobre currículo no Brasil, mostra uma contradição
pertinente, explicitada por Apple (1997) entre a manifesta função de um currículo
explícito e a latente função de um currículo oculto. Não se trata de cultura avocada,
porque uma geração mais velha ou especializada considerou. Não é uma conceituação
de currículo, onde esquemas de forma precedem o fundo; quer se caracterizar, porque o
fundo se sobrepôs à forma e lhe deu feição, reforçando-se mutuamente. Como
sobrevivem as pessoas e as manifestações culturais que são produzidas?
o que também é falso e não corresponde aos anseios de investigação deste grupo. Por
exemplo analisar os PCNs a partir da historiografia anterior não é do nosso interesse,
apesar de haver neles elementos culturalmente significativos, mas sem abandonar tais
290
E CONTINUA:
“De acordo com os princípios das teorias da reprodução e, principalmente, da
reprodução cultural, os recursos didáticos funcionam como um filtro de seleção dos
conhecimentos e verdades que coincidem com os interesses das classes e grupos sociais
dominantes; considera-se que desempenham um papel muito decisivo na reconstrução da
realidade que tanto os estudantes como o professorado efetuam. Os manuais escolares
colocam-se assim no ponto de mira das políticas educativas. Os governos procurarão vigiar
e supervisionar a sua ortodoxia, tal como farão a Igreja, os sindicatos e partidos políticos, o
corpo docente, os investigadores da educação, etc”. (SANTOMÉ, id. Ibidem, op.cit.).
Constitue objeto neste texto, o currículo e sua relação com segmentos populares
e a cultura popular, que o expressam, produzem, sustentem e desenvolvam: algumas
dessas relações poderão estar intrinsecamente observadas dentre outras em :
- Políticas Incidentais para currículo/cultura de segmentos populares;
- Raízes teóricas dos currículos de segmentos populares e sua relação
defensiva;
- Manifestações culturais, suas raízes e permanência em eventos e calendários
institucionais sobre o enfoque de currículo;
- O conhecimento Oficial e o Popular: auto-estruturação e hetero-
estruturação;
- Conteúdos curriculares criados, sua forma de codificação e uso e a
transposição didática ou leitura feita sobre a realidade, repassada com os
códigos dos grupos de segmentos ou no ensino regular;
- Conflitos e contradições entre mediadores e usuários de currículo arbitrados
defensivamente;
- A dinâmica dos atores dos segmentos populares e sua representação nos
currículos assumidos institucionalmente;
- A dinâmica dos atores dos segmentos populares e sua representação nos
currículos regulares/institucionais;
Estado psicológico, cidadania e permanência da cultura/currículo em
segmentos populares;
- Estrutura e funcionamento de currículos populares: natureza e contradição;
- Sociedades Alternativas de Aprendizagem nos diferentes níveis e
modalidades de ensino: estrutura, funcionamento, currículo e cultura
engendrados.
Assim, realizar estudos e pesquisas sobre currículo e construir teoria para análise
dos componentes e finalidades de currículos não-regulares e resistentes, são os objetivos
maiores de grupos associados ao que desenvolvemos na UFMA.
A idéia de enveredar pela compreensão do currículo sob o enfoque cultural dos
segmentos populares a nosso ver está contemplado em BORDIEU, citado por CUCHE(
1988):
(os habitus) são sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturados, predispostos
a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, a funcionar como princípios geradores e
organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas a seu
objetivo sem supor que se tenham em mira consciente estes fins e o controle das operações
necessárias para obtê-los (p.88),
"uma concepção de mundo social incorporado, uma moral incorporada. Cada pessoa,
por seus gestos e suas posturas, revela o habitus profundo que habita, sem se dar conta e
sem que os outros tenham necessariamente consciência disso", BOURDIEU(id. ibidem),
A ESCOLA CULTURAL
Por último, as razões postas nos levam a assumir na área de currículo algumas
evidências AXIOLÓGICAS, que serão referenciadas pelo quadro teórico da Escola
Cultural. PATRÍCIO (1997), considera que a
"finalidade real da educação é de ordem cultural. Os elementos estruturais constitutivos
desse processo, vivido pelo homem são:
1º um momento de recepção ou percepção pura;
2º um momento de apropriação;
3º um momento de assimilação;
4º um momento de fruição;
5º um momento de criação;
6º um momento de difusão e promoção.
Formar o ser humano implica atender devidamente a todos estes momentos. Para ser digna
do qualificativo cultural, a escola não pode fixar-se em um ou algum deles, mas tem de os
considerar a todos".
293
Há, então, muita coisa a ser pesquisada para estudo de currículo. Tentar
combinações entre os momentos citados acima para exemplificar situações curriculares,
é fazer cortes longitudinais no tempo e no espaço para localizar sujeitos (muito
especiais e fortes). Entretanto, destes , o que nos interessa, é principalmente seu
currículo/cultura, construído ou em processo de construção.
Considera ainda o mentor da Escola Cultural - Manuel Ferreira Patrício - cinco
vetores que a consolidam:
- Teoria da PESSOA:
Pessoa não é coisa, nem simples consciência, nem indivíduo (porque a pessoa
não é predadora, nem solitária) não é átomo social; ela é única e insubstituível, aberta ao
outro e portanto gregária,... dentro da sua cumplicidade e dignidade própria; afirma-se a
si e ao outro; é indivíduo e sócio numa unidade nova e superior. A pessoa é a síntese do
EU singular e do OUTRO universal. Mergulha dentro de si, com o outro e procura ver-
se no outro através de si. A pessoa é uma contradição sintética viva.
Na Escola Cultural o educando é a Pessoa, que tem que ser encarado,
compreendido e tratado. O sujeito da educação é sempre uma pessoa.
- Teoria da EDUCAÇÃO
O quadro a seguir sintetiza o Projeto de tornar-se Pessoa. As diferentes formas
de consciência a partir do conceito de Pessoa são:
Consciência Percurso
1. consciência racional de si Vê a si e julga
2.consciência racional do outro Vê o outro e julga-o
3.consciência racional de si para o E valoriza-se no que tem de importante
outro
4.consciência do outro para si E valoriza-o
5.consciência do Nós Descobre a si nos outros, possibilitando
aperfeiçoamento e até a perfeição
6.consciência de si, de nós no mundo Poder criador
- Teoria da ESCOLA
É na escola que o homem faz germinar a si mesmo; é a instituição mais
nobre que o homem criou e o templo mais sagrado que edificou. A arte, técnica, a
ciência, a filosofia, a religião e o direito, são escolas. Ir à escola é ir a pessoa que o
homem pode ser. Como pode a pessoa deixar de ir à escola?.
Instrumentar-se, aperfeiçoar-se, potenciar-se é uma forma de educação de si
mesmo e será sempre uma atividade cultural mesmo que não se tenha consciência
disso (será que os 100 anos do Boi da Maioba tem essa consciência, independente
de quem seja o boieiro –mor? ).
- Teoria da COMUNIDADE
A sociedade e a comunidade não são entidades abstratas independentes das
pessoas que as constituem, só são o que são, por quem as fizeram. A sociedade e a
294
- Teoria da VIDA
Tudo culmina no fim de contas, na vida, entendida como existência humana, e
continua o
"homem quer realizar-se a si próprio... é a serviço dessa idéia que coloca a educação, a
escola, a sociedade e a comunidade.... porque quer afirmar a plenitude da sua pessoa num
contexto comunitário de pessoas afirmadas plenamente."
A EXPERIÊNCIA
Dois vetores impulsionaram a realização dos estudos que deram como resultado
uma publicação, da Coleção Prata da Casa v. 7 - Traço Cultural, Temas Geradores e
Interdisciplinaridade no universo pedagógico e cultural delimitado:
- currículo de per si, e
- o impacto ou consciência da construção de currículos nos segmentos
populares. Tais abordagem nos permitiram em cortes longitudinais, atingir
nossos objetivos e chegar ao objeto proposto.
Nossos sujeitos, delimitados por segmentação e inovação, referem-se a grupos
também regulares, na medida que eles expliquem conhecimento engendrado ou
arbitrado por força heterodeterminada; poderão ainda ser explicados conhecimentos co-
determinados ou dialética e oralmente assumidos. Buscamos o tipo comum, da realidade
maranhense, suas cidades e manifestações, seu traço cultural como estímulo a
descoberta do currículo oculto a ser reforçado pelo regular enquanto realidade proximal.
Diferenciaremos então a cultura ou currículo oficial, da cultura ou currículo
popular, nesses sujeitos. Por isso, inicialmente, construimos um acervo de desenhos do
que consideramos cultura/currículo, formados por:
- Análise de estruturas e funcionamento de grupos em situações, não regulares
de ganho curricular;
- Discussão de fontes documentais, oficiais ou não ,de currículos e cultura, tais
como se apresentam.
- Colecionamento e caracterização de tendências currículares oficiais e não
oficiais e sua cultura;
Tais ações, realizadas com alunos do 8º semestre dos alunos de Pedagogia,
através de programa na disciplina Currículo e Programas tiveram, tal como no anterior
deste texto, seu preparo conceitual. Procuramos falar a mesma língua. Leu-se muito e
visitou-se muito a biblioteca do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho.
Várias reuniões, visitas, seminários foram realizados no local e outros que tratavam de
cultura popular no Maranhão (Casa das Mina).
Esses procedimentos permitiram a fundamentação inicial e a coesão do vocabulário
conceitual dos membros do grupo, ao mesmo tempo que atividades foram
desencadeadas ou melhor compreendidas. Dessa compreensão um mapeamento de
grupos de sujeitos diferenciados começou a fluir e nosso objeto ficou mais preciso e
diversificado.
Partindo então do princípio de que o currículo não oficial é importante para a
instalação da pluralidade étnica e sua permanência, buscamos a definição e a
delimitação de como a cultura popular seria registrada. Optamos não pelo discurso mas
para a feitura, para o apresentar situações de modelo para os professores da Educação
Escolar, 1º e 2º ciclos que retratassem o traço cultural maranhense.
O assumir essa delimitação incorria no aceitar que os conteúdos regulares seriam
secundários; o oficial não teria a força ou a dominação dos PCNs, Guias Curriculares da
Gerência de Desenvolvimento Humano do Estado ou Programas da SEMED .
Assim a metodologia de trabalho empregada considerou:
1.A tecnologia de ensino sobre planejamento interdisciplinar
2.O substrato da cultura maranhense
3. ATeoria de Currículo
296
REFERÊNCIAS
GRUPOS DE TRABALHO
*
Presidente de Honra da Comissão Nacional de Folclore.
300
vencerem uma série de dificuldades, da fuga perseguidos pela pai e pela mãe da heroína,
chegam à cidade do príncipe. Ele a deixa em algum lugar e vai buscar roupas e
carruagem para levá-la ao palácio e apresentá-la aos pais. Apesar das recomendações de
Brancaflor, ele não pode evitar o abraço dos familiares e acaba esquecendo-a. Ela
resolve ir ao palácio e depois de tentar por vários modos e artifícios acaba conseguindo
fazer-se lembrar. A família do herói, porém, já lhe arranjara uma noiva. E aí vem o
diálogo final. Diz ele, em uma versão recolhida em Portugal, em 1994:
"- Eu tinha uma chave d'ouro, e perdi-a, e encomendei uma de prata que ainda nã'tá feita.
Então agora eu tornei a achar a chave d'ouro. Digam-me, meus senhores, com qual hei-de
ficar?
E todos concordaram que ele devia ficar com a d'ouro que já era dele. E aqui, ele
põe a mão em cima dum ombro da Dona Branca e disse:
- A chave d'ouro qu'eu perdi, e que achei, é esta, e agora vou casar com ela" (Custódio &
Galhoz, 1996 no 1).
fabular. Diego Catalán (1959, p.166, n. 14) afirma: "Encontrar numa pesquisa folclórica
com uma pessoa que inova de um modo profundo o texto que recebeu da tradição é um
fato realmente muito estranho". E Lauri Honko (1990, p.393), estudando os "Tipos de
comparação e formas de variação"; declara enfaticamente: "Eu entendo variação
essencialmente como um corolário de mudanças de significado, porque as pessoas não
produzem variantes; elas produzem significados, trocam mensagens e é nisto que estão
interessadas; e não em detalhes particulares de forma ou coisa semelhante".
Estamos, portanto, em pleno domínio da paráfrase, em que se movimentam os
narradores ou cantores, com a naturalidade de uma competência lingüística, partilhada
pelos ouvintes. A paráfrase é uma reelaboração consciente de um significado
apreendido.
O processo parafrástico é inerente à transmissão da literatura oral, em maior grau
que a própria variante. Em uma situação narrativa, durante a performance do narrador
ou cantor, o ouvinte dá validação às construções parafrásticas, pelo simples fato de não
reclamar ou intervir - corrigindo - a narrativa. Ele aceita com naturalidade a elaboração
parafrástica, pois tem uma espécie de competência para saber que o narrador está
dizendo o mesmo, reproduzindo através de suas paráfrases um modelo consagrado pela
tradição e aceito pela comunidade. O contrário - protestos, correções - ocorre quando
são introduzidas variantes, que representem corpos estranhos no texto narrativo.
Portanto, a afirmação correntemente aceita de que jamais uma narração - conto
ou romance - é recontada do mesmo modo, tais alterações não devem classificar-se, via
de regra, conto variantes, mas sim elaborações parafrásticas de uma fábula, cujo
significado mantém-se invariante, validado pela aceitação coletiva.
Diego Catalán e Jesus Antonio Cid (1957) reuniram em três volumes da série
Romancero Tradicional, do Instituto Menéndez Pidal, 819 versões do romance de
Gerineldo, das quais 551 do romance autônomo, de que já existe registro em coletâneas
do século XVI - precisamente um pliego de 1537, e continuam sendo recolhidas na
atualidade, em diversas culturas, com a mesma fábula inclusive no Brasil, como figura
na recente coletânea Romanceiro ibérico na Bahia (1996) de Doralice Alcoforado e
Maria del Rosario Suárez Albán, em cinco versões coletadas na Bahia, além de seis
versões da tradição galega local, no período de 1986 a 1989.
Gerineldo já fora recolhido em Portugal, em 1876, por Leite de Vasconcellos
(1938, p.985-87); no Brasil, no final do século XIX ou início de XX, por Pereira da
Costa (1908, p.365) e ainda em Portugal, contemporaneamente, por Pere Ferré (1987,
p.79); em Cuba, por Carolina Poncet (1912), sem falar no excepcional estudo da vida do
romance em território espanhol por Menéndez Pidal (1920) e trinta anos mais tarde por
Diego Catalán e Alvaro Galmés (1950).
Menéndez Pidal, apesar de a Escola pidaliana privilegiar o estudo das variantes,
afirmara em 1920:
"Quanto maior seja a difusão do romance, quanto mais abundante a quantidade de
recitações, contemporâneas, mais se limitam e refreiam, mais se neutralizam uns com
outros os desvios que, relativamente ao tipo normal se promovem em cada performance e
mais se afirma, sobre estas contínuas variações, a autoridade do texto velho." (1920, p.125).
Em sua própria diferença está embutido o componente invariante. Não muda o sentido, não varia,
preserva-se a mensagem, assegura-se a invariante. Essa capacidade de formular, de acordo com a situação
narrativa, através de expressões diferentes o mesmo significado, revela, semelhantemente à competência
lingüística, uma competência narrativa.
Esse processo complexo de transmissão oral de um saber tão fluentemente
numa situação narrativa divide a importância do texto com a performance do narrador.
O conto popular não é, apenas, uma estória para divertir. Câmara Cascudo, no
prefácio de seus Contos tradicionais do Brasil (1946:10) afirma:
"O conto popular revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social. É
um documento vivo, denunciando costumes, idéias, mentalidades, decisões e julgamento".
Devemos ir mais além, acrescentando que ele reflete as vivências, a psicologia do narrador. Não se trata
da gravação de um texto anônimo. O narrador ou cantor é, de certo modo, também o autor do texto que
reproduz, pois ele não é um simples canal mecânico de transmissão. O saber transmitido traz um pouco de
si mesmo. Daí a importância atribuída hoje, nas pesquisas de literatura oral, à figura do narrador ou
cantor.
Uma pesquisadora italiana, Aurora Milillo (La vita e il suo racconto, 1983:79)
estudando longamente uma narradora através das estórias contadas, comparadas com
momentos de sua vida, chegou à conclusão de que
"se pode afirmar, em sentido lato, que toda narrativa folclórica é de algum modo
autobiográfica no sentido de que ela, por definição, nasce e se transmite em relação a um
determinado narrador e a um determinado ouvinte".
chão, eles têm significado histórico, são depositários de componentes culturais, que
identificam as comunidades que reproduzem, que recriam as fábulas.
Os aportes da lingüística estrutural, da semiótica, da lingüística textual vêm
possibilitando uma visão em extensão e profundidade dos fenômenos da variância e
invariância na literatura oral.
A contribuição dos estudos do conto popular tem colocado à disposição
instrumentos para a análise dos problemas da transmissão oral, que são semelhantes ao
da poesia tradicional. Uma abordagem interdisciplinar e uma aproximação maior entre
os estudiosos da área do conto e do romance tradicional será de grande proveito e
enriquecimento dos trabalhos, abrindo largos caminhos para a consideração das
invariantes como força central na vida da literatura de transmissão oral.
REFERÊNCIAS
LORD, Albert B. The singer of tales. Cambridge: Harvard Univ. Press. 1981.
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. Sobre geografia folklórica. Ensayo de un método, 1920;
Ver também In: CATALÁN, Diego e GAMÉS, Alvaro. Como vive un romance. Dos
ensayos sobre tradicionalidad. Madrid: 1954.
MILILLO, Aurora. La vita e il suo racconto. Roma: Casa del Libro, 1983.
NEVES, Guilherme Santos. Romanceiro capixaba. Vitória: FUNARTE/Fundação
Ceciliano Abel de Almeida, 1983.
PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Folk-lore pernambucano. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1907.
VASCONCELLOS, J. Leite de. Romanceiro português. in Opúsculos, v. VII, parte
II:1013-86. Lisboa: Imprensa Nacional, 1938.
ZUMTHOR, Paul. Essai de poétique médiévale. Paris: Seuil, 1972.
306
GRUPOS DE TRABALHO
INTRODUÇÃO
O trabalho em pauta integra um projeto de pesquisa mais amplo que tem em
vista fazer o mapeamento dos movimentos sociais e populares no Maranhão,
obedecendo ao recorte histórico dos anos sessenta aos noventa, tendo em vista
identificar os atores e sujeitos envolvidos nessas manifestações. É um empreendimento
muito complexo e, por isso mesmo, tento delimitar o seu horizonte selecionando, dentre
as manifestações coletivas, as práticas na esfera da cultura no Maranhão, com o fim de
resgatar a sua singularidade e as relações com o poder político hegemônico,
especialmente no tocante às políticas públicas implementadas como mecanismos de
controle social e de legitimação das ações estatais.
Pretendo analisar as intersecções com as políticas públicas demandadas pelos
movimentos organizados e ofertadas pelos governos estadual e municipal, destacando-
se as contradições produzidas no âmbito do público e privado. Destaco a reflexão sobre
cultura e movimentos sociais onde se evidenciam as mudanças que ocorrem na
sociedade, as quais têm relação estreita com a fragilização do Estado Nação no que toca
à hegemonia ideológica e política do neoliberalismo, que tem gerado fortes
rebatimentos no mundo do trabalho, provocando profundas alterações no padrão de
acumulação do capital e na nova ordem social.
O resultado desse cenário é o crescimento da miséria, degradação econômica,
desemprego, desesperança, apatia e desespero dos trabalhadores e das classes
subalternas. Neste sentido, o estudo dos movimentos sociais e sua importância para a
construção de uma nova noção de cidadania e de um novo padrão de democracia, leva
em consideração sua imbricação com as transformações no mundo do trabalho,
especialmente os impactos da reestruturação produtiva, da reforma do Estado e o
reordenamento jurídico que busca a desregulamentação das relações entre capital e
trabalho e a retração dos direitos sociais. Desta forma, a racionalidade inerente ao
desenvolvimento capitalista, inspirado pelo neoliberalismo, suscita diferentes formas de
relações entre o Estado e a sociedade civil imprimindo leituras diversas sobre o
significado da democracia, induzindo a uma cidadania individualista, obediente às
regras do mercado competitivo.
Apesar disso, ocorre um movimento inverso que busca construir estratégias
políticas articuladoras de interesses, desejos e aspirações tendo em vista produzir e
difundir uma cultura democrática, onde se fazem presentes sujeitos coletivos variados,
que lutam e discordam entre si, mas que têm em vista um horizonte menos desigual. A
participação desses sujeitos na definição de mecanismos de controle social tem
possibilitado a implementação de políticas públicas, favorecendo a recriação de
movimentos e produção de expectativas.
Esta pesquisa tenta examinar as práticas coletivas no âmbito da cultura popular
no Maranhão, especialmente na cidade de São Luís, e suas intersecções com as políticas
governamentais, valorizando os discursos oficiais e as falas dos sujeitos coletivos
constituintes dos movimentos organizados. O texto contempla uma reflexão preliminar
sobre cultura e política nas práticas dos movimentos sociais. Destacam-se os discursos e
*
Doutora em Serviço Social, área de Políticas Sociais e Movimentos Sociais - PUC/SP. Professora da
UEMA. Pesquisadora/bolsista do CNPq. Colaboradora junto ao Programa de Pós-Graduação em Políticas
Públicas/UFMA.
308
141
Entrevista realizada por PINHEIRO e MONTEIRO, maio de 2002.
310
Vou ficar só nesses exemplos por conta da exigüidade do tempo para expor esse
trabalho. Observa-se a grande preocupação com a massificação e transformação da
311
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
*
Arinaldo Martins de Sousa; sociólogo; aluno do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Maranhão.
142
Categoria usada pelos maranhenses para designar todos aqueles que dançam e celebram bumba-meu-
boi, deriva da expressão “brincar boi”, muito usada pelos próprios chamados brincantes.
143
Instrumento musical que se constitui de dois pedaços de madeira que produzem um som agudo ao
serem batidos um contra o outro. É utilizado por um tipo específico de bumba-meu-boi, o chamado boi de
sotaque de matraca.
144
Classificação adotada para referir-se aos tipos específicos de bumba-meu-boi que se desenvolveram
nos festejos juninos de São Luís a partir das primeiras décadas do século XX. Em geral, tende-se a
identificar cinco desses chamados sotaques: boi de matraca ou Ilha, boi de zabumba ou Guimarães, boi
de orquestra, boi da baixada, boi de costa de mão ou Cururupu.
145
Categoria usada em São Luís para designar os espaços públicos, distribuídos pelos bairros, nos quais
se apresentam as chamadas manifestações folclóricas. Recentemente, alguns dos chamados arraiais
foram objeto de políticas infraestruturais por parte de Governos estaduais, passando a ser conhecidos pela
categoria Vivas. Geralmente são conhecidos pela combinação desta categoria com o nome do bairro em
que se encontram, tais como: Viva Madre Deus, Viva Renascença, Viva Liberdade etc.
146
Por ocasião do trabalho realizado na conclusão do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal
do Maranhão passei a utilizar a categoria celebração para referir-me ao bumba-meu-boi, em
conformidade com o modo como o Inventário Nacional de Referências Culturais, realizado pelo
Ministério da Cultura em parceria com outras instituições (Museu do Folclore Edson Carneiro, Centro de
Cultura Popular Domingos Vieira Filho) se refere à manifestação.
314
celebram, havendo a reapropriação por parte dos agentes estatais, intelectuais, bem
como pelo público (CANCLINI, 1998).
Nesse campo de influências híbridas, os brincantes, além de produzir o
espetáculo, produzem também representações, discursos que servem como marcas
identitárias dos grupos perante as influências dos outros e também como instrumentos
de legitimação e conquista de status elevado numa disputa pelo capital simbólico da
legitimidade. Tais representações também sofrem influências de outros agentes, e é
exatamente por isso que estamos tratando de um campo multideterminado de relações
sociais. Assim sendo, poderíamos, a partir de uma análise da configuração sócio-
histórica (ELIAS, 1994) que produziu o bumba-meu-boi tal como o conhecemos
apreender também as representações dos brincantes como produtos desta
configuração147. Sendo algo criado coletivamente, o entendimento que uso para tratar as
categorias dos brincantes, entendidas também como algo determinado pelo campo no
qual se movem e agem os grupos, é a de representações coletivas.
DURKHÉIM (1970) nos oferece a concepção clássica do que seria o sistema de
representações coletivas: um produto da vida em sociedade, estando relacionadas a cada
tipo de cultura em particular. O autor possui um interesse bastante perceptível pelas
religiões, em especial às que ele denomina primitivas, justamente pelo fato de
encontrarem-se nelas os primeiros sistemas de representações produzidos pelos homens
a respeito do mundo e de si mesmos. Logo, o estudo das religiões possibilita discutir
problemas que só teriam sido debatidos por filósofos, e que dizem respeito diretamente
ao ser humano.
O interesse pelas religiões, segundo ele, primitivas, se dá por questões de
método. Não se trata de apreender as origens ou o funcionamento das religiões, mas,
sim por entender a religião, já que, segundo o autor, é uma instituição existente em
todas as sociedades, como possuindo a mesma função em cada uma delas (responder a
determinados problemas humanos).
Partindo do pressuposto de que as religiões forneceram os primeiros sistemas de
representações que os homens produziram do mundo e de si mesmos, Durkhéim nos diz
que existem determinadas noções que são dadas pela sociedade, e somente por ela,
servindo para organizar a própria noção que o indivíduo tem do mundo a sua volta e da
sociedade. Neste sentido, estamos tratando de categorias produzidas socialmente, tais
como a de espaço e tempo, que são diferentes de sociedade para sociedade. Isto quer
dizer que o tempo e o espaço são construções sociais, referindo-se ao modo pelo qual os
homens classificam suas atividades e os elementos constantes em sua sociedade.
A esse respeito, DURKHÉIM & MAUSS (1981), já em “Algumas formas
primitivas de classificação”, escrito em 1903, nos diz que relacionada à religião está a
forma pela qual os homens se dividem espacialmente e como se distribuem na
sociedade, divididos em clãs, cada qual com o seu totem. Isto se refere, porém, ao fato
de que nas sociedades ditas simples a religião não se encontra apartada do resto do
corpo social; não há diferenciação com relação ao domínio econômico, por exemplo.
Determinadas teorias que procuram explicar as manifestações religiosas a partir do
campo econômico não são eficientes quando estamos tratando desse tipo de sociedade.
Com relação à natureza das categorias religiosas, são sociais por serem produto do
147
Uma tentativa de compreender a citada configuração está sendo realizada por mim no trabalho
monográfico de conclusão do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão onde
procuro enfocar que o entendimento que se possui acerca do ser do bumba-meu-boi do Maranhão é fruto
de discursos produzidos por agentes sociais detentores do monopólio da representação legítima. A este
respeito, vide SOUSA, Arinaldo Martins de. Dando nomes aos bois: o bumba-meu-boi maranhense como
artefato político.
315
pensamento coletivo.
Assim ocorre com outras categorias, produtos de um processo de classificação e
hierarquização realizados pelos homens. Resumindo, as categorias têm uma origem
social. Todas as noções de gênero, força, personalidade, beleza, distinção entre direita e
esquerda, e outras, são noções diferenciadas entre si e dizem respeito à forma pela qual
os homens estão organizados, o que determina, segundo os autores, a visão de mundo de
cada grupo social. As variações não se dão somente de um grupo para o outro, mas
variam também com o correr do tempo.
Neste sentido, as representações sociais são fruto de uma longa série de
experiências acumuladas por gerações. Elas ultrapassam o alcance dos conhecimentos
empíricos que se ligam aos estados individuais, ao que os indivíduos sentem ao se
defrontarem com os objetos. Por outro lado, não são também devidas a uma virtude
misteriosa, mas à organização social. Trata-se de representações que são produto de
uma imensa multidão de espíritos diversos associados na mistura e combinação de
idéias e sentimentos. É neste sentido que o “social se explica pelo social” e o todo não
se explica simplesmente pela soma das partes, mas por sua combinação.
No que diz respeito ao bumba-meu-boi parece haver uma tendência
generalizada, tanto entre os brincantes quanto entre outros agentes, a ligar a tradição a
um passado e a modernidade a algo fugidio, que incorpora modificações, corrompendo
o antigo. E muitos grupos assumem no seu discurso a referência à tradição como sua
característica mais marcante, reservando-se assim o direito de receber mais incentivos
estatais do que outros por conta disso. Também atribuem a esse fato a razão de serem
pouco apreciados pelos que assistem as apresentações. Assim sendo, tais grupos
internalizam um habitus (BOURDIEU: 1989) de grupo pouco apreciado por conta de
sua ligação com a tradição, isto é, dadas as condições objetivas da concorrência pelo
prestígio junto ao público pelos grupos de bumba-meu-boi, alguns grupos assumem
como discurso e como prática o habitus de ser tradicional. É o que parece ocorrer com
os grupos enquadrados no chamado sotaque de zabumba.
Decerto, os grupos do boi de zabumba, tidos como os mais tradicionais,
realizam também dicotomias com relação aos grupos de orquestra e de matraca. Dizem
eles que estes dois tipos de bumba-meu-boi possuem prestígio muito mais por conta de
estratégias que atraem o público. Para o boi de matraca é atribuído o fato de possuir
centenas de brincantes não fantasiados. A este respeito eles estabelecem um sinal
diacrítico dizendo que não aceitam a entrada de lambudos (pessoas não fantasiadas)
para brincar no boi ou tocar instrumentos. Para os de orquestra, enfatizam a
musicalidade fácil, que contagia o público a dançar, enquanto a musicalidade dos
grupos de zabumba é considerada mais difícil.
“Acho que isso é um dos motivos que a brincadeira do boi de Zabumba, tá vendo? Então tá
se apagando. Porque hoje a brincadeira é do boi de matraca, que tem 20 pessoa pronto e
tem 500, 600 à paisana, só tocando matraca, té vendo? E o boi de sotaque de Guimarães é
um boi que tem despesa, o grupo de Guimarães é um boi que tem muita despesa. Você vê
que é tudo no canutilho, desde o boi, vaqueiro, pandeireiro, tudo é no brilho, é só no
canutilho puro. E canutilho, quanto é que tá custando o canutilho? Então, se aprontar 40,
148
50, 60 pessoas só na base do canutilho, faça a conta e vê quanto é que vai! E a Cultura ,
tá vendo? não dá uma condição pra dar um adiantamento.”(Cte.: 17/05/01).
Por que será tão importante, como eles dizem, ter a modernidade? Em razão de
que estes grupos precisam adotar como suas características o fato de adotarem sempre
as inovações? Parece-me muito mais um sinal diacrítico. Isto é mais um fator que
evidencia o fato destes grupos estarem incluídos em um campo de disputas pelo
prestígio, tanto entre os agentes estatais que realizam as políticas, quanto entre a
população que assiste às apresentações. É como se esses grupos adotassem como sua
tradição o fato de opor-se aos que eles entendem como a tradição existente nos outros
grupos.
Sendo assim, os outros grupos são outra coisa, distinta, enquanto que eles
precisam incorporar novidades. Trata-se de um critério que tem determinado valor para
estes indivíduos e é respeitado por todos os grupos que se definem enquanto bois
modernos, ou, como se quer chamar, alternativos. Neste sentido, seria esse o critério
simbólico adotado por estes indivíduos, pois, ao fazer isto, estão realizando uma
comunicação que lhes é própria. A idéia de grupos que precisam inovar e o fato de
serem reconhecidos enquanto tais pode ser entendido como instrumentos na disputa
318
pelo prestígio. Isto parece estar evidente nesta outra representação, realizada por este
outro brincante:
“(...): quando eu dizia ainda agora que o Barrica tem o mérito de ter tirado dos guetos o
bumba-boi e colocado no salão, se você vai analisar a evolução do bumba-boi de 10 anos
pra cá, é um negócio fantástico, percebe? Há 10 anos eu criei um boi (...), lá o Boi de Palha,
né? E eu conheci um cara com um talento fantástico, um cara que tava lá no fundo do baú,
que tinha coisas maravilhosas,(...). Conheci Da Fé já um pouco mais recente. Quer dizer,
quantas pessoas começaram a mostrar o seu trabalho a partir disso? Imagina se não fosse
permitido essa evolução aí, essa coisa que tá acontecendo. O fato do Barrica ... o fato do
Pirilampo tá vendendo 15000 cópias vai criar na cabeça de todo mundo a necessidade de
produzir um disco melhor. Olha! No passado, no passado, os bois tradicionais iam gravar
no estúdio, não tinha arranjador, não tinha produtor, não tinha nada, rigorosamente nada. O
cara chegava lá ... Se você vai olhar os discos de 15 anos atrás, pra trás, o cantor, ninguém
sabia o que o cantor cantava. Vai ouvir um boi de zabumba, por exemplo, até hoje, que
ainda não tem essa atividade, que tu não ouve, tu não sabe o que é que o cara tá
cantando.”(R. D.: 18/05/01).
Esse mesmo responsável por um desses grupos realiza uma interpretação que
enfoca a oposição com o que é entendido como tradicional:
“Nós respeitamos o tradicional; eu sou ligado ao Boi de Maracanã, gosto do Boi de
Maracanã. Sou ligado a tambor de crioula e tal. Mas, nós não temos nenhuma pretensão de
imitá-los. Nós não temos nenhuma pretensão de fazer igual a eles. Nós não temos nenhuma
pretensão de fazer um trabalho parecido com o deles. Nós temos a pretensão de fazer um
trabalho parecido com a pretensão da gente, com a proposta pedagógica, cultural da
gente. E a proposta da gente é diferente da deles. Agora, como os bumba-bois, um é ..., são
diferentes entre eles. Como o sotaque,tão dizendo que o Boi de Iguaíba tem 150 anos, não
sei se alguém viu no jornal. Um pesquisador descobriu que Boi de Iguaíba é o mais velho,
tem 150 anos. O sotaque da Ilha tocado há 150 anos, seguramente, não era igual a agora.
Eu tô no bumba-boi há muitos anos e o sotaque Costa de Mão aqui, quem ta há pouco
tempo, não deve tá quatro anos que apareceu por aqui, não é? Não deve ter quatro anos que
ele apareceu por aqui. Não quero dizer que ele não existia lá em Cururupu. Não to dizendo
isso. Mas, não tá com quatro anos que ele apareceu por aqui, então, mas ele diz que é
tradicional. Nós não temos compromisso com isso. (...). Por que é a evolução natural das
coisas; eu vi Humberto gravando, agora, ao vivo, o Boi do Maracanã, ao vivo. Isto não é
uma grande evolução? Não é aproveitar um instrumento de leitura moderna?” (R. D.:
18/05/01).
A partir do que ele disse, apenas sob um determinado ponto de vista um boi é
considerado tradicional, ou seja, o que define um grupo como tradicional seria a
existência de determinadas características reconhecidas por determinados agentes, pois,
segundo esse depoimento, os próprios grupos ditos tradicionais mudam. Um boi
assumiria um determinado status a partir do habitus que se adequa aos interesses de
determinados agentes que valorizam esse habitus. Por isso é que se constitui como um
campo onde vários agentes atuam, cada qual agindo e disputando com outros a
imposição de seus critérios. Em suma, o boi de zabumba, de habitus tradicional, é
valorizado por determinados tipos de agentes, enquanto o alternativo é valorizado por
outros.
Trata-se, insisto, de um campo onde não há uma sobreposição bem definida de
quem detém o maior poder, pois isso depende das relações sociais que são
estabelecidas. Para alguns agentes (entenda-se que trato de agentes tanto do campo
político-estatal, quanto de outros campos, pois trato de um campo – onde se movem os
grupos de bumba-meu-boi – de múltiplas influências) os critérios valorizados, os
mesmos que definem o entendimento da categoria tradicional, seriam a antiguidade dos
grupos e sua inscrição comunitária, bem como a comprovação disso tudo a partir de
pesquisas. Para outros, os critérios são a assimilação do público e a interação, os
recursos mais modernos etc.
319
O informante acima citado afirma sua identidade pela diferença. São diferentes,
são outra coisa. Há em seu discurso uma clara diferenciação entre o que ele entende
como nós e o que ele entende como eles. Ao mesmo tempo, apela para o conceito de
evolução, ou seja, de inserção dos bois tidos como tradicionais, em um mercado
fonográfico, de recursos tecnológicos, permitindo assim aos grupos utilizarem-se de
instrumentos de leitura moderna. Ao fazer isto, parece reivindicar o direito de ser uma
linguagem diferente pelo fato de adotar como sua característica essa diferença,
reivindicando ainda o fato de estar em um mesmo mercado que o dito tradicional, por
usar os mesmos recursos e estar inserido em uma mesma rede de relações.
Eles se autodenominam uma linguagem diferente, mas, afirmam que os próprios
grupos tidos como tradicionais utilizam instrumentos de leitura moderna. Então, sob um
discurso de que não é sua proposta fazer algo tradicional estes grupos apresentam uma
linguagem distinta do bumba-meu-boi.
Para concluir poderia referir-me a uma discussão sobre tradição que ainda não
está bem formulada em razão dos contornos deste problema não estarem ainda bem
nítidos no campo das apresentações dos grupos de bumba-meu-boi, mas que talvez
possa ajudar no debate sobre o tradicional e o moderno. Se tomarmos um texto do
século XIX referindo-se ao boi, verificamos que já naquela época existia a preocupação
com a inovação:
“Introduziram na folgança deste anno um repinicado de matracas com acompanhamento de
uns gritos estolidos e dissonantes, que arrepiavam as carnes ao ouvil-os, sem a minima
lembrança de que outro’ora uzassem de taes cousas as figuras do boi. No canto notei
sensível diferença e sempre para peor: (...). (Semanario Maranhense: 5 de julho de 1868)
Ou seja, aquilo que hoje é considerado um dos elementos mais fortes da tradição
do bumba-meu-boi maranhense, quando surgiu, considerava-se uma inovação e para
pior. A esse respeito:
“Muitas vezes, ‘tradições’ que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes,
quando não são inventadas.(...).
O termo tradição inventada é usado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto
as ‘tradições’ realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto
as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de
tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez.”
(HOBSBAWN In: HOBSBAWN & RANGER, 1997, p 09).
O conceito, portanto, refere-se tanto às tradições em que não se pode precisar a sua
instituição quanto as que surgem com pouco tempo. O que importa é que as tradições
possuem um caráter de algo instituído, aceito como tal. Neste sentido, no depoimento
acima, a introdução daquilo que o informante está classificando como novidade pode se
transformar também numa tradição.
“Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por
regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam
inculcar certos valores e normas de comportamentos através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível,
tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.” (HOBSBAWN In:
HOBSBAWN & RANGER: op. cit., p.09).
entre os bois como um fato folclórico e estes grupos como algo distinto.
Ora, para os tipos e as características das tradições:
“Elas parecem classificar-se em três categorias superpostas: a) aquelas que estabelecem ou
simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades
reais e artificiais; b) aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relações
de autoridade, e c) aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de idéias,
sistemas de valores e padrões de comportamento.” (HOBSBAWN In: HOBSBAWN &
RANGER: op. cit., p.17).
Isso quer dizer que as tradições também são representações sociais e estão
direcionadas a algum fim específico, ditado por pessoas em sociedade. As categorias
citadas expressam o caráter normativo da tradição, enquanto um sistema de valores, que
institucionaliza uma determinada visão de mundo. Assim temos que o campo onde os
grupos de bumba-meu-boi agem está permeado de disputas e de representações que
visam conquistar a legitimidade. O importante disso tudo é que eles ainda disputam,
preocupante é se uma representação se impõe sobre a outra.
Deve o leitor levar em consideração que o recorte deste artigo visar abarcar
apenas um dos aspectos da problemática da ação das manifestações culturais no
Maranhão. A outros que ficaram de fora e que também merecem ser discutidos. Espero
que tenhamos oportunidade de fazê-lo em outra oportunidade.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989.
_______. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo:
EDUSP, 1996.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. 2a ed. São Paulo: EDUSP, 1998.
DURKHÉIM. “Representações individuais e representações coletivas”, in: Sociologia e
Filosofia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1970, p 15-49.
DURKHÉIM, Emile. MAUSS, Marcel. “Algumas formar primitivas de classificação –
contribuição ao estudo das representações coletivas”, in: MAUSS, Marcel. Ensaios de
sociologia. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1981.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1994.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.
São Paulo: Martins Fontes, 2002.
_______. Microfísica do poder. 6a ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001.
HOBSBAWN, Éric. Introdução: A Invenção das Tradições, in: HOBSBAWN, Éric,
RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
SACRAMENTO, João Domingos Pereira do. Chronica Interna. In: SEMANARIO
MARANHENSE. ANNO I, N45. San’Luiz, 5 de julho de 1868. p.7-8. (Disponível no
acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite de São Luís – MA – BPBL/MA)
SOUSA, Arinaldo Martins de. “Dando nomes aos bois”: o bumba-meu-boi maranhense
como artefato político. (monografia – versão preliminar). São Luís, 2002.
321
O INRC NO MARANHÃO
*
Pesquisadora do CNFCP e doutoranda em Antropologia pelo IFCS/UFRJ. Atuou no projeto de
Inventário do Complexo Cultural do Bumba-meu-Boi do Maranhão junto com Gustavo Pacheco,
doutorando em Antropologia pelo MN/UFRJ.
322
149
Maria Michol Pinho de Carvalho, diretora do Centro, e os pesquisadores Arinaldo Martins e Jandir
Gonçalves colaboraram no levantamento de dados sobre a manifestação e forneceram orientações
valiosas para a pesquisa de campo.
150
Especialmente do Professor Sérgio Ferretti.
323
O BOI NO MARANHÃO
REFERÊCIAS
GRUPOS DE TRABALHO
Cecília de Mendonça*
Brasil, para Mário, dependeria da análise e para isso seria preciso a razão, a disciplina e
a técnica científica.
O TURISTA APRENDIZ
Nesse intuito analítico Mário sai em viagens pelo Brasil pesquisando a cultura
popular brasileira, primeiro em 1927, numa longa viagem ao Norte de navio, e logo
depois no final de 1928 e início de 1929 faz outra ao Nordeste desta vez sem
companhias e sem um itinerário fixo como tinha sido a primeira. Mário inventou a
expressão “turista aprendiz” para caracterizar-se. Não negava a si a condição de turista,
porém não era simplesmente um turista, ou seja, alguém que viaja a passeio. Para Mário
“o turismo sempre foi uma manifestação egoísta e individualista” (ANDRADE, 1979, p.
307) O turista Mário viajou sobretudo para aprender, para ver coisas novas e conhecer
mais seu próprio país, sua própria cultura. Torná-la mais próxima apesar da distância.
“Viajando pelo Nordeste, nosso cronista, nos comunica que ainda há um Brasil por
descobrir e valorizar, para ser entendido enquanto vida e cultura de um povo. Essa
dimensão, a da pesquisa etnográfica e do enfoque sociológico revelará as danças
dramáticas, o catimbó e procurará analisar as condições de vida da região, numa
perspectiva nova que deseja abandonar a caracterização do regional através do exótico e
do pitoresco, porque estará preocupada com as relações de produção e as classes
sociais”. (LOPEZ, 1976, p.41).
Mário de Andrade ao intitular-se turista, por um lado, estava se afastando do
peso da caracterização folclorista, ou mesmo, cientista social. Mário parece ter sido
bastante influenciado pelo folclore e pela etnografia e, aliás, ele não distinguia o
folclore da etnografia, pois o folclore era para Mário, sobretudo, um trabalho
etnográfico de coleta de documentação. Porém, ele era acima de tudo um artista. Seu
diário não resumia-se a um diário de campo, era um diário, cuja os fatos
experimentados, sentidos e pensados estão relacionados à uma finalidade artística. A
experiência vivida era filtrada pela arte e nem por isso perdia-se do real, pois o real tem,
segundo Lopez, neste caso, preponderância sobre o ficcional.
O contato de Mário de Andrade com o folclore já havia levado-o a compreender
a cultura brasileira. “Ao longo de suas leituras sobre o folclore, Mário irá entendendo o
Norte e o Nordeste como ricos repositórios de tradição e cultura popular, que anseia
conhecer diretamente”. E é este contato que o inspirá a conhecer o Norte e o Nordeste
do país.
É nessa mesma época, entre essas duas longas viagens que ele irá construir sua
síntese artística do Brasil. Macunaíma, escrito em 1927, livro conceituado pelo grupo
antropofágico como uma obra antropofágica152 pode ser, sem dúvida, tido como uma
síntese de Mário de Andrade do Brasil. Síntese que foi construída num impulso onde se
juntou suas pesquisas e sua intuição.
Essa síntese que, sem dúvida, é Macunaíma, não foi o bastante para Mário,
faltava ainda muita pesquisa e é isso que ele continuará persistindo. No ano de 1928,
Mário iniciará sua vida política, neste ano ele torna-se membro do Partido Democrático;
em 1930 participa da comissão de reforma da Escola Nacional de Música, patrocinada
pelo Ministério de Educação, em 1935 ajuda a criação do Departamento de Cultura de
152
O movimento Antropofágico surge em 1928 liderado por Oswald de Andrade. “O instinto
antropofágico, por um lado destrói por deglutição, elementos de cultura importados; por outro lado,
assegura a sus manutenção em nossa realidade, através do processo de transformação/ absorção de certos
elementos alienígenas”.(MORAES, 1978, p.144).
333
São Paulo a convite de Fábio Prado então prefeito. Logo torna-se chefe do
Departamento. Lá encontrará meios de realizar muitas de suas idéias.
O DEPARTAMENTO DE CULTURA
CONCLUSÃO
No início do século XX, a cultura popular era vista pelas elites, principalmente
nos centros urbanos, como promíscua e atrasada. Nesse momento, as idéias
evolucionistas e racialistas estavam instaladas na mentalidade dessas elites. “A
modernização concebida por artistas nos anos 20 remodelou a percepção negativa da
334
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. São Paulo: Duas Cidades, 1979.
BANDEIRA, Manuel. Mário de Andrade e a Questão da Língua. In: De Poetas e de
Poesia. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967.
CAVALCANTI, Maria Laura et alii. “Os estudos de folclore no Brasil”. Seminário
Folclore e Cultura Popular. Série Encontro e Estudos, n 1. Rio de Janeiro, Funarte,
1992.
LOPEZ, Telê Porto Ancona. “Viagens etnograficas” de Mário de Andrade; um projeto
de livro; a edição de “o turista aprendiz” e a bordo do diário. In “O turista aprendiz”.
São Paulo: Duas Cidades, 1979.
MORAES, Eduardo Jardim. “Modernismo e folclore”. Seminário Folclore e Cultura
Popular. Série Encontro e Estudos, n 1. Rio de Janeiro, Funarte, 1992.
Limites do Moderno. Rio de Janeiro, 1999.
--------. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: ed. Graal,
1978.
SANDRONI, Carlos. “Mario de Andrade Antropófago”. Seminário Folclore e Cultura
Popular. Série Encontro e Estudos, n 1. Rio de Janeiro: Funarte, 1992.
--------. Mário contra Macunaíma. São Paulo: Ed. Vértice, 1988.
335
INTRODUÇÃO
Faremos neste tópico uma descrição desta festa feita por João Nogueira na
Revista do Instituto do Ceará, em 1936, por percebermos ser esta o melhor registro
desta manifestação, considerando que todos os outros autores que a citam se reportam
ao seu trabalho. Temos a intenção de com isto podermos destacar aspectos que se
perderam ao longo do tempo a medida em que formos descrevendo toda a nossa coleta
de campo realizada no bairro em setembro/dezembro de 2001 até 6 de janeiro de 2002.
Em 1936 a Chegada da Coroa é vista como uma peregrinação dos caboclos da
Porangaba à cata de esmolas para a festa do Bom Jesus dos Aflitos, padroeiro da Vila.
Antes da edificação da Matriz os caboclos realizavam esta peregrinação de
acordo com João Nogueira153 apud Seraire (1983, p.90), da forma como este descreve
abaixo:
“... Os caboclos faziam sua festa na fé, sem igreja nem imagens ou símbolos sagrados; e
quando partiam ou chegavam, davam vivas a “Dão” Arco Verde, a Camarão e a “Dão” João
VI, o qual segundo a tradição, teria doado a imagem do Bom Jesus aos índios e a de N. Sra.
das Maravilhas às índias de Porangaba.”
Coroa são um convite a nossa união neste final de ano. Venha participar conosco.”
(Paróquia da Parangaba, s/a, s/d).
154
Sra. Luísa da Silva, esposa do Sr. Euclides Bezerra da Silva, um dos caboclos que mantinha a tradição
até início dos anos 80. Ele faleceu em 1983. Ela nasceu em 1914 entre Pacajus e Fortaleza. Mora em
Parangaba desde os anos 30. Tem 87 anos.
339
E logo recomendando
Rezo o Terço em suas casas devotos da santa cruz (Bis)
Às 4 horas da tarde
Os sinos ouvi tocar
Era o Pe. Biapina quando seu sermão vei pregar (Bis) (sic)
Três caboclos mantinham a tradição de levar a Coroa em torno dos anos 30 a 50:
o Sr. Manuel Severino, o Sr. Antônio e outro senhor de nome Manuel (D. Luísa não
soube precisar os nomes corretamente). O Sr. Euclides, marido de D. Luísa passou a
cuidar do festejo posteriormente, porém sempre participou como caboclo que era.
No final dos anos 50, de acordo com nossa informante, a Coroa passa uns três
anos sem sair. Foram dizer ao Padre que o caboclo Manuel Severino estava construindo
uma casa com as esmolas, o que para ela não acontecia. A paróquia suspende a
manifestação.
Com a chegada do Padre Antônio Gurgel na paróquia a peregrinação da Coroa
retorna com os caboclos em 1960. Saia em peregrinação e no dia 22 de dezembro ela
chegava em Maranguape já tendo passado na Taquara155, onde no Siqueira, diante da
Igreja de São Francisco, rezavam o Terço e celebravam missa. Vinham caminhando
onde no final da tarde realizavam a 8ª novena no Sr. José Gomes e pernoitavam.
Nesta época, os párocos sempre se deslocavam para onde estavam os caboclos
com a Coroa e lá faziam celebrações. D. Luísa destaca também a presença do Padre
Aquiles seguindo os caboclos onde fosse necessário e apoiando muito este festejo
enquanto esteve na Paróquia.
Nossa coleta de dados conseguiu com o Sr. Mário Rocha, um dos antigos
sacristãos da Igreja Matriz, o hino156 cantado pela paróquia durante a Chegada dos
Caboclos com a Coroa no ano de 1955, conforme transcrevemos abaixo:
Coro:
Salvador, que reinais sobre a cruz / nossos hinos de amor escutai:
Só vós sois nosso Rei ó Jesus / Nosso Rei, nosso Deus, nosso Pai!
155
Pequeno lugarejo localizado no bairro Bom Sucesso, próximo ao Rio Siqueira.
156
Letra: P. Belchior Neto C. N. e música de Mons. José Mourão Ribeiro.
340
Daí aos fracos sustento e guarida / daí aos cegos a graça da luz!
E a nós todos depois desta vida / conduzi-nos ao céu, ó Jesus.
157
Instrumento de percussão menor que o tambor, do qual se originou.
158
Couro que foi para o curtume, para ser beneficiado, deixando-o macio.
159
Conjunto típico do Cariri com caixas, tambor (bumbo) e pífaros. Ver FIGUEREDO FILHO, J. O
folclore do Cariri. Fortaleza, 1960.
341
Em 1981 a Coroa deixa de sair novamente. Foram falar ao padre que os caboclos
estavam bêbados durante a peregrinação e novamente a Igreja sob decisão do Padre
Joaquim proíbe a manifestação dos caboclos com a Coroa do Bom Jesus. Quando a
manifestação da Coroa retorna por volta de 1983, ela recomeça sob o domínio e
coordenação da Igreja Matriz de Parangaba, ano em que falece o Sr. Euclides Bezerra,
marido de nossa informante, um dos últimos coordenadores populares da Chegada dos
caboclos.
D. Luísa Tomás da Silva, acompanhou o marido na festa entre 1960 até 1981.
Desde o período em que a Igreja passou a cuidar da manifestação D. Yeda,
recentemente falecida, ficou responsável pela missão peregrina da Coroa, do novenário
e percurso, tendo esta reintegrado a figura de D. Luísa na peregrinação. Todos os anos a
Santa Coroa visita a sua casa no bairro João XXIII.
343
Bom Jesus vossos braços benditos / estendidos no lenho da Cruz, vem derramar sobre os
pobre aflitos / mil favores de graças e luz.
Nos dias seguintes logo após a novena tem a festa popular com quermesses,
bingos, leilões, apresentações artísticas da comunidade e convidados. Tudo o que
arrecadam é destinado a paróquia.
Percebe-se um trabalho feito pelas pastorais da Parangaba muito organizado com
crianças, jovens, adultos e idosos. É nítido o senso de responsabilidade, disciplina,
solidariedade e respeito pela tradição da Santa Coroa entre todos que cuidam da festa e
dela participam.
É importante destacar a presença da pastoral dos surdos sob a coordenação da
Sra. Graça que garante imensa participação popular destes nos festejos atuais.
No dia 23 de dezembro, considerado o dia maior na devoção a Santa Coroa pelos
antigos caboclos, Parangaba se faz mais bonita e uma infinidade de gente em seu
entorno se prepara para receber a Santa Coroa, como é feito, desde o século XXII, há
mais de 300 anos (395 ou 350 aproximadamente), desde sua origem.
A procissão sai às 16:00 horas da igreja do Parque São José indo pela avenida
Osório de Paiva entra a direita na rua Napoleão Quezado, entrando a esquerda na rua
Cônego de Castro chegando na rua Sete de Setembro onde fica a Igreja Matriz.
A Coroa vai sendo conduzida segurada e exposta por um dos sacerdotes em um
carro pequeno. O percurso é dividido entre as comunidades que fazem a paróquia da
Parangaba. Simbolicamente a cada trecho eles anunciam o momento em que uma
pessoa ou pároco representante do bairro citado assume a condução da Coroa. O carro
pára por alguns minutos enquanto fazem a troca, instantes em que os fiéis aproveitam
para tocar na Coroa sagrada. A cena é de fé e grande devoção. Um som vai anunciando
nas ruas tudo o que acontece. As pessoas rezam e cantam uma vez por outra o hino atual
da Coroa.
Aproximadamente uns dez coroinhas abrem o cortejo da procissão levando a
cruz de procissão e uma espécie de estandarte do Bom Jesus dos Aflitos. Vários devotos
pagando promessas vestem-se de alvas160 roxas, pois esta para a Igreja católica, é vista
como um sinal de penitência. São homens, mulheres e crianças, jovens e adultos, alguns
descalços, outros levando objetos na cabeça, cada um, deseja apenas do seu modo,
agradecer e comprovar as graças recebidas do Senhor Bom Jesus.
A procissão caminha sob o barulho dos fogos que a todo instante vai revelando a
força popular deste festejo. Sob o toque contínuo dos sinos a Coroa do Bom Jesus dos
Aflitos chega a Parangaba. A missa é no pátio da Igreja lotado de populares, fiéis
devotos da Coroa do Bom Jesus. O altar foi armado na carroceria de um caminhão em
frente a Paróquia onde se encontram a bandeira do Bom Jesus colocada no mês de
setembro, ao lado da bandeira do nosso Estado de onde descerá apenas no dia 06 de
janeiro quando ocorrerá a subida da Coroa.
Durante toda a missa os padres que promovem a concelebração enfocam a
tradição peregrina da Santa Coroa através dos fiéis caboclos. Hoje, atores coadjuvantes
do festejo. A comunhão em meio a grande multidão na praça é bem organizada. Os
padres enviam para vários pontos desta dois ministros da eucaristia juntamente com dois
coroinhas com bandeirinhas azul. Em meio ao povaréu vê-se as bandeirinhas
tremulando marcando os diversos locais onde acontece a comunhão. Apesar da grande
quantidade de fiéis tudo se dá na mais perfeita ordem. A organização como evento
grande que é por parte da paróquia é visível.
O encerramento da missa é marcado pela entrada simbólica por uma
representação dramatizada da entrega da coroa aos índios, como já havia ocorrido no dia
da abertura, junto com a entrada dos descendentes diretos dos caboclos, organizadores
160
Espécie de cáftas, tipo hábito de São Francisco usado para pagar promessas.
345
do festejo anteriormente. O momento é esperado por todos com grande ansiedade. Sob o
rufar do tambor entram eles cantando um dos benditos antigos. Todos aplaudem. Já no
altar em cima do caminhão, D. Luísa demonstra a vontade de cantar outros benditos
tradicionais sendo autorizada pelos padres. Juntamente com o auxílio do frei Edson que
a conhece bastante e outras pessoas do pequeno grupo começam a entoar o Cântico ao
Bom Jesus dos Aflitos, bendito este já citado neste trabalho.
Após os benditos, são dados vários gritos de evocação a Santa Coroa e a Bom
Jesus dos Aflitos. As alvas dos devotos são doadas a Paróquia logo após o término da
missa. Em seguida, todos se dirigem a festa social nas quermesses da Paróquia.
Do dia 24 ao dia 31 a paróquia vive e revive os festejos natalinos e no dia 06 de
janeiro, dia de Reis, é a “Subida da Coroa”, momento em que todos os fiéis se reúnem
para cumprir o ritual de levar de volta à cabeça da imagem do Bom Jesus dos Aflitos a
Sagrada Coroa. O dia do retorno é marcado também com festa e grande alegria onde ao
final da solenidade eles cantam a despedida final e o bendito de despedida.
Percebe-se em vários entrevistados além de D. Luísa, pessoas comuns que
participam do novenário na Igreja, um grande desejo de ver a festa com todos os ritos
tradicionais e principalmente nos dias, datas em que eram feitos. O dia 1º do ano é o dia
do santo padroeiro da Parangaba, por isto que comumente se fazia a chegada da Coroa
no dia 23 de dezembro para que o novenário se realizasse durante o período natalino até
o dia do Bom Jesus dos Aflitos, 1º de janeiro, início do Ano bom.
Sentimos também em meio aos atuais organizadores da festa uma tendência para
promover uma mudança nas datas do festejo da Santa Coroa de forma a retira-la do
período que cerca o natal. Acham os religiosos que isto prejudica as comemorações do
nascimento de Cristo.
Não percebem que a maior característica deste nosso país plural e eclético é a
diferença e que eles possuem algo especial nesta terra cearense. É o único lugar da terra
da luz cujo natal se dá com uma cor especial, particular, envolvido com um festejo de
personalidade própria, de origem e história ímpar com a realidade e formação étnica do
povo do Ceará.
Mudar o período dos festejos significa interferir na memória da cidade e do seu
povo devoto, que há mais de 350 anos reafirma sua fé através da missão peregrina da
Coroa do Bom Jesus dos Aflitos.
A Parangaba exalta uma forma natalina bem mais cearense do que em qualquer
outro lugar. Aqui, os dias de festa do menino nascido, são antecipados pois no dia 23 a
comunidade se encontra no ponto alto da chegada da Coroa. A Parangaba incorpora
num momento único a síntese da vida de Cristo e de todo o seu significado junto ao
povo cristão. Aqui se vê o menino nascido, sua vida e seu calvário tudo vivenciado
através de seu amor pelo irmão, razão da cristandade.
Reconhecemos certas dificuldades de ordem eclesiais nas realizações da santa
missa nos dias de natal por parte dos padres, se a parte principal da festa permanece em
suas datas originais de 23 de dezembro a 6 de janeiro. Porém, nada que não possa ser
conciliado e adaptado, através dos homens inteligentes e preparados que são.
Robson Pereira*
MADRE Deus
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
*
Universidade Federal do Maranhão - Curso de Ciências Sociais – 9º período.
161
Estrofe do samba enredo da Turma do Quinto, “Sublime Mãe Senhora”, considerada uma das
melhores do século XX, de autoria de Zé Pereira (Godão), Sapo e Bulção, este último, hoje é presidente
da Fundação de Cultura do Maranhão – FUNC-MA.
348
corresponde a 10% da Bateria, que, segundo esses ritimistas, é uma espécie de coração
da Escola.
MADRE DIVINA
O bairro da Madre Deus é um dos mais antigos da capital do Estado, São Luís,
localizado nas proximidades do Centro histórico. Foi constituído a partir de pescadores,
que do porto da rampa velha, ao lado da tabatinga e escadaria (hoje área que
compreende a capela de São Pedro e sede do Boi da Madre Deus), desciam para o mar,
com acesso pelo Rio Bacanga, que separava a Madre do Anjo da Guarda (hoje área
Itaqui/Bacanga).
O Bairro foi se construindo e reconstruído, passando de casas de palhas em torno
do Rio Bacanga e enseada de São Marcos, para casas de alvenaria, cuja construção se
estenderia para os morros do “querosene” e “come fedendo”, no Goiabal. Hoje é um
labirinto de ruelas e ruas, cortadas pela avenida, “Rui Barbosa”, e a Rua do Norte. Casas
modernas convivem com casas humildes e as ruínas das antigas fábricas Cânhamo e São
Luís162. É na Madre Deus que está o mais antigo cemitério de São Luís – o Gavião. O
bairro se interliga com o Centro da cidade através das ruas do Norte, Passeio e São
Pantaleão; com a Área Itaqui/Bacanga e interior do Estado, através da BR 135 e aos
bairros mais distantes pelas Avenidas Presidente Médici e Africanos. Tem um hospital,
uma escola de primeiro e segundo grau. A sua morfologia social é de uma hibridez
fascinante. A rigidez moral para o trabalho de alguns convive com os batuques e
“cachaçadas” dos antigos malandros e dos novos desempregados nos cantos de rua do
Bairro, desde o longínquo “Canto do Maguari” até o canto da “Padaria de Seu
Mário”163. Além do que o bairro é um dos mais freqüentados nos períodos junino e
monesco, ocasiões onde suas ruas são transformadas em verdadeiros formigueiros
humanos e a polifonia atinge níveis consideráveis.
A TURMA DO QUINTO
164
A cuíca, segundo Luís de França, foi uma inovação do Lousa, que viu no Rio de Janeiro uma espécie
de tambor onça sendo tocado na escola de samba. Então, ele inventou o instrumento de uma lata
cilíndrica, assemelhada com o tambor onça.
165
Ver – PINHEIRO, Luís Antônio. O Canto do Maguari: estudo da “Escola de Samba Turma do
Quinto”. São Luís: UFMA, 1991, monografia.
166
Ver – MARANHÃO. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de Cultura Popular Domingos Vieira
Filho. Memórias de Velhos - Depoimentos: Uma contribuição à memória oral da cultura popular
maranhense. São Luís: LITHOGRAF, 1997.
350
167
“Por tradições inventadas entende-se um conjunto de regras práticas, normalmente reguladas por
regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas de natureza ritual ou simbólica visam inculcar certos
valores, normas de comportamento através de repetição, o que implica, automaticamente, uma
continuidade em relação ao passado.” (HOBSBAWM, 1997, p.9).
168
Uma espécie de “apelido comum” aos moradores da Madre Deus.
351
À GUISA DE CONCLUSÃO
169
O termo “velharada” é de responsabilidade do autor, que quer expressar carinho aos que décadas
fizeram do samba e do carnaval maranhense, manifestação popular das mais autênticas.
170
Esse regulamento não é jurídico. Foi tecido nas novas relações sociais da Escola.
352
REFERÊNCIAS
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
CABRAL. Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora
Lumiar. 1996.
CANCLINI, Nestor Garcia. As populares no capitalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense,
1983.
CAVALCANTE, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1994.
HOBSBAWM, Eric. A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
MARTINS, Ananias. Carnavais de São Luís: diversidade e tradição. São Luís:
SANLUIZ, 2000.
OLIVEN. George Rubem. Violência e Cultura no Brasil. Petrópoles: Vozes.1989.
353
*
Dra. em Musicologia/Etnomusicologia pela Université Lumière, Lyon, França; Mestre em Educação,
pela PUC, RS; Especialista em Etnomusicologia e Folclore, pelo Instituto Interamericano de
Etnomusicología y Folklore (INIDEF). Docente do Departamento de Música, Instituto de Artes, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Presidente da Comissão Gaúcha de Folclore;
Presidente da Fundação Santos Herrmann.
354
de mesma faixa etária, que participam da mesma turma. As festas se realizam com o
mesmo aparato das "antigas” comemorações familiares: as crianças se reúnem ao redor
de uma mesa de salgadinhos, docinhos, bolo, a ornamentação é feita com balões
coloridos, figuras de personagens temáticos, propicia-se brincadeiras, distribuem-se
lembrancinhas. Antes, tinha-se a mãe como anfitriã; agora, cabe à professora organizar
a festinha para comemorar os aniversários dos alunos a cada dois meses ou ao final de
cada semestre. O evento mudou de local mas o seu significado continua inalterado.
Os hábitos vêm mudando em todas as instâncias. Sem nos darmos conta, nós, os
adultos, fomos instituindo nos ambientes de trabalho, as Festinhas de Amizade,
acompanhadas da Brincadeira do “Amigo Secreto”, também chamado de “Amigo
Oculto”. Esta se inicia com um sorteio de nomes entre as pessoas que querem participar.
A pessoa que retira o papelzinho com o nome de um colega, deve manter sigilo deste
nome até o dia da comemoração e poderá neste interregno estabelecer uma
correspondência ou presentear o “amigo sorteado”. Praticamente, em todo o Brasil,
essas comemorações acontecem nas escolas entre professores, nos escritórios entre
funcionários, enfim em inúmeras repartições. Marca-se um dia para a festinha. Os
pratos salgados e doces aportados pelos participantes são dispostos em mesas ou numa
espécie de “buffet”; o ponto alto da reunião é a descoberta do “amigo secreto” que pode
se dar pela descrição das qualidades do mesmo ou até mesmo pode nem haver a
descoberta e “ele” (amigo/a) continuar eternamente secreto. A entrega de um
presentinho (cujo preço geralmente é estabelecido num valor de compra acessível a
todos) costuma acompanhar a descoberta do “amigo secreto”.
Uma análise da transferência dessas festividades outrora familiares para o
ambiente de trabalho sugere que os tempos são outros, exigem nossa permanência fora
do lar mas não nos impedem de estabelecermos laços de fraternidade e de fazermos
“amigos para siempre”. As representações sociais do anfitrião, dos homenageados, do
ato de compartilhar a mesma ceia, da troca de presentes, de participar das brincadeiras
propostas, são mantidas.
O indivíduo em e com seu grupo social gera o rito de fortalecimento da união e
da afetividade.
Roberto Benjamin (2001) chama a atenção para o fato de que
“Quando se buscam os signos da identidade nacional e das identidades regionais, é para
o folclore que todos se dirigem, tanto os órgãos de governo como as empresas comerciais e
industriais, os meios de comunicação de massa, especialmente os voltados para a promoção
do turismo”.
E acrescenta:
“Todavia, a preocupação pela preservação e incentivo destas manifestações não
corresponde a este interesse. Os lucros auferidos com a utilização dos signos da cultura
popular nunca são revertidos em benefício dos seus autores. Não há uma política para o
Folclore”.
171
"O folclore sou eu!" força de expressão usada pelo compositor Heitor Villa-Lobos, indicando a
procedência de grande parte de suas motivações nacionalistas.
172
Em todas as esferas do conhecimento estamos convivendo com o efêmero. As exposições de arte
viraram "instalações" de tal forma que, ao terminar uma exposição, a "obra" é desmontada, desfeita; no
campo da música, inúmeras composições são feitas de grandes momentos de silêncio; os produtos de
consumo doméstico têm um prazo de validade restrito (ao terminar a última prestação do plano encerra o
período de validade da "garantia de qualidade").
356
173
Sobre a estruturação dos contextos sociais e suas vinculações com a produção e recepção de formas
357
simbólicas, é interessante ler o Capítulo "Repensando a cultura: uma concepção estrutural." (p. 181-215).
In:
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis, Vozes, 2000.
174
A esse respeito, recomendamos a leitura da obra de
BAUSINGER, Hermann. Volkskultur in der technischen welt. (A cultura folclórica em um mundo
tecnológico).
Este livro publicado em alemão em 1961, foi posteriormente (1990) traduzido ao inglês, Universidade de
Indianna, USA.
175
Os estudos dessa autora estão disponíveis em
DÉGH, Linda. American Folklore and the Mass Media. Bloomington and Indianopolis, Indiana
University Press, 1994.
358
sua fonte arquetípica de energia. Cabe a cada indivíduo construir sua própria identidade
cultural, protegê-la face ao mundo em constantes transformações, e usufruí-la em seu
próprio benefício.
REFERÊNCIAS
VIDA DE FOLCLORISTA:
MÁRIO SOUTO MAIOR, UM CABRA DA PESTE
Rúbia Lóssio*
*
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco¸Coordenadoria de Estudos Folclóricos.
176
Depoimento de Mário Souto Maior por telefone conversando com o seu amigo, o médico Dr. Getúlio
Araújo. Ver: MAIOR, Jan Souto (Org.). Mário Souto Maior – Oitenta anos. Recife: Ed. Massangana,
2001, pg. 54
177
MAIOR, Mário Souto. As Dobras do Tempo – Quase Memórias. Recife: 20-20 Comunicação e
Editora, 1995. 226p.
178
MAIOR, Mário Souto. MAIOR, Moacyr Souto. Roteiro de Bom Jardim. Recife, 1954
179
MAIOR, Mário Souto. Meus Poemas Diferentes. Recife: Geração Editora, 1938
180
Maior, Mário Souto. Três Histórias de Deus Quando Fez o Mundo. Recife: 20-20 comunicação e
Editora, 1993.
181
MAIOR Mário Souto. Como Nasce Um Cabra da Peste. São Paulo: Arquimedes. Edições, 1969. 93p.
( Coleção Brasil para todos, 5)
360
Daí então ele não parou mais de escrever sobre o folclore. Quem diria hen!, um
advogado, promotor, prefeito, inspetor, professor passa a ser etnográfo, pesquisador, e
folclorista.
Com o passar dos anos, atendendo a um pedido do sociólogo Gilberto Freyre em
1980, Dr. Souto elabora um Dicionário do Palavrão e Termos Afins. Que se transforma
em um pesadelo. Mas um pesadelo que deu certo. Depois de esperar cinco anos para
publicar o dicionário, a revista Veja publica uma matéria: É cultura, pô - Liberado o
dicionário de palavrões:
“Foi preciso esperar cinco anos para que as autoridades de Brasília, no mês passado,
liberassem o livro pioneiro do etnólogo, apresentado agora como um trabalho de relevante
importância para a cultura nacional. Além do nihil obstat e dos louvores governamentais, o
dicionário vai para o prelo com prefácio do sociólogo Gilberto Freyre, orelhas do juiz de
Direito carioca Eliézer Rosa, comentários de Aurélio Buarque de Holanda, capa de
Francisco Brennand e contracapa de Jorge Amado, indiscutível autoridade no assunto. Com
5 000 exemplares, deverá marcar a estréia da Editora Guararapes, do Recife, no próximo
182
mês de agosto”.
Foi assim que por intermédio de Gilberto Freyre, Fernando de Melo Freyre,
Mauro Mota, Gladistone Vieira Belo, Sylvio Rabello entre outros que ajudaram a nascer
um folclorista.
Mas, essa virtude estava adormecida, vinda da infância no interior de
Pernambuco, recheada de crendices, superstições, lendas, brincadeiras de roda, comidas
típicas, cadeiras nas calçadas, banhos de açudes, suspiros, nego bons, mangas, cajus,
que também ajudaram no imaginário rico e fascinante, às pesquisas de Mário Souto
Maior.
Vivendo como matuto e brincando na fazenda de seus avós, chupando muita
cana-de-açúcar, Mário Souto Maior recorda-se de sua infância quando cometeu um
crime matando um passarinho com sua baleadeira, onde se arrependeu e disse: nunca
mais iria matar um passarinho.
Dr. Souto sempre dizia: “desconfie das pessoas que não amam, as crianças, os
animais e as plantas”.
Essa sensibilidade iria refletir mais tarde em seus livros dedicado ao público
infantil, mas que todo adulto ficava encantado. Quase morreu afogado quando foi tomar
banho escondido dos pais no açude, pois não sabia nadar, depois desse trauma nunca
mais quis saber de banho nem em açude, nem em rios nem em mar, pois quem salvou a
sua vida foi Ademarinho. Quando tinha 5 anos Souto Maior foi visitar com seus pais o
Coronel Joaquim Gonçalves da Costa Lima – seu Quincas que morava numa casa no
Recife. Onde tirou retrato com o fotógrafo Luiz Pierreck, visitou a loja de brinquedos
chamada “A Rosa Branca”. E ao chegar na casa de seu Quincas ficou encantado com
uma frutinha vermelhinha, colocando-a na boca enquanto seus pais conversavam. A
curiosa frutinha era pimenta, acho que os livros Comes e Bebes do Nordeste e
Alimentação e Folclore teve sua origem remota nessa sua primeira visita ao Recife.
Mesmo assim teve uma alimentação bastante regional comendo muitas roscas-de-coco,
bolachas de ovos na padaria de seu Chico Gordo e todos os pratos regionais como :
inhame, macaxeira, canjica, e frutas típicas do nordeste.
Mário Souto Maior estudou com a professora Santinha a Carta do ABC, a casa
da professora ficava no beco da matriz de Bom Jardim e quando aprendeu a ler passou a
estudar na escola do professor Valpassos. Gostava de ouvir as histórias de João do
Bonde na escada da matriz. João do Bonde era um homem muito engraçado que não
182
Ver: Revista Veja- nº 561 - 06 de junho de 1979 ou na home page http://www.soutomaior.eti.br/mario/
- 27/05/2002 - 11:32h
361
tinha estudado, mas tinha uma imaginação muito fértil, diz Dr. Souto que quando João
do Bonde foi ao Recife e viu pela primeira vez o mar não ficou encantado, foi vendo o
Bonde que ele achou aquilo fabuloso, e depois da visita ao Recife toda história dele
falava em bonde, por isso ficou conhecido como João do Bonde. É por isso que em toda
história infantil, que Dr. Souto publicou, João do Bonde está presente.
Mas, Dr. Souto tinha uma intimidade com tudo que era de moderno, apesar de
considerar suas origens, ele misturava folclore com tecnologia. Lúcia Gaspar amiga e
bibliotecária de Mário Souto Maior salienta:
“Tem paixão por documentar tudo que diz respeito à cultura popular. É o folclorista
mais ‘tecnológico’ que conheço. Tradição e tecnologia são aparentemente elementos
antagônicos, mas em Mário Souto Maior convivem em perfeita harmonia. Ele pesquisa a
tradição e a coloca rapidamente à disposição dos interessados, utilizando-se dos mais
modernos equipamentos eletrônicos existentes”. 183
Assim entre os seus oito a dez anos, Mário Souto Maior juntava todos os tostões
que recebia, para que nos dias de feira, que ficava no pátio da matriz , ver o cosmorama
um aparelho ótico que ampliava vistas de cidades de outros países. Era a novidade da
época, no ano de 1928.
Hoje podemos acessar sua home page http://www.soutomaior.eti.br/mario/ para
encontrar virtualmente o folclore na linguagem simples e didática do autor. Porém sua
paixão pela tecnologia era tanta que segundo Renato Phaelante em uma homenagem aos
seus oitentas anos declarou que:
“Lá, Mário Souto Maior era considerado pioneiro, tantas inovações que introduziu na
cidade. E essa é outra característica de seu temperamento calmo guardando um espírito
curioso, inquieto, ousado e vanguardista. Foi dele, primeiro refrigerador a querosene da
cidade, como também, o primeiro ventilador, o primeiro televisor, a primeira radiola, por
aqueles tempos denominadas de Pick-up. Introduziu, ainda um gravador de áudio que
gravava em ferro de cobre e foi também o primeiro rádio amador da cidade sob o prefixo
PYY&EC”.184
Então, depois foi morar na casa de Ermírio Fonseca que era dentista.
Morando numa pensão teve como companheiro o professor José Cardoso
que na época era secretário da Escola Normal Pinto Júnior do Recife.
Tempo vai e tempo vem, nesse ínterim, aos treze anos de idade, diz ele que inventou de
ser poeta, elaborando assim um livro que ele batizou de Minhas Poesias.
Dentro dessas poesias havia uma com significado especial. “Uma menina
Piedosa” era o poema predileto de Mário Souto Maior. Seu poeminha era assim:
Uma Menina Piedosa
Daí então, Mário não parou mais de sonhar em ser escritor. Fundou um
jornalzinho com seu amigo Américo Sedycias, no dia 19 de janeiro de 1936, que era
chamado O Literário, mesmo tendo uma vida efêmera, o jornalzinho significou muito
para ele.
E continuava seu sonho e seus estudos, cursou o pré-jurídico no Colégio carneiro
Leão com os professores Jorge Cahu, Moacir de Albuquerque, Hoel Sete e Arnaldo
Carneiro Leão. E na pensão de Dona Sinhá onde residia, que ficava na rua Barão de São
Borja ficou amigo de Guerra de Holanda, Pelópidas Soares e Isac Schachnick que
morava numa rua próxima. Imaginem o que esses estudantes não inventaram! Fundaram
a Academia dos Novos, grupo formado por devoradores de livros e amantes das letras. E
depois de devorar tantos livros, surgiu sua primeira publicação em 1938. Meus Poemas
Diferentes teve sua primeira edição com duzentos e cinqüenta exemplares financiado
pelo seu pai.
E muita coisa aconteceu e sua ansiedade de escritor aguçava seu sonho. Porém, a
maturidade chegava e junto com ela o cupido havia acertado seu coração. A menina dos
olhos surgiu como um encanto para sua vida. Carmem, filha do Dr. Patrocínio um dos
chefes políticos da UDN, um detalhe que complicava muito em seus investimentos
amorosos com a moça. Ao mesmo tempo como ele mesmo dizia “flechas atiradas,
palavras proferidas e chances perdidas não voltam mais”, foram aparecendo
oportunidades de empregos. Foi secretário da prefeitura de Bom Jardim na época em
que seu pai era prefeito. Por volta de 1940 ocorreu o eclipse solar.
Em 1943, no dia 23 de dezembro Dr. Souto casa-se com Carmem, dessa união
apareceram sete filhos: Fred, Gise, Jane, Lis, Jan, Glen e Ed.
Enquanto a família crescia, Souto Maior tinha que trabalhar para sustentar os
sete pares de queixos que batiam pedindo comida.
Com o passar dos anos foi promotor Público da Comarca de João Alfredo, em
Pernambuco no período de 1948 a 1954. Logo após veio a ser diretor do Ginásio de
Bom Jardim em Pernambuco, que ele mesmo fundou. Em 1945 é nomeado prefeito de
Orobó em Pernambuco. Já em 1967 torna-se secretário administrativo da Diretoria
executiva do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais e Inspetor de ensino do
Ministério da Educação e Cultura. Mesmo com o sonho literário adormecido sua
vontade e sensibilidade de continuar seu sonho em pesquisar sobre o folclore resurgia
aos cinqüenta anos de idade.
363
Renato Phaelante seu grande amigo fez uma homenagem a Dr. Souto nos seus
oitenta anos escrevendo um texto sobre sua vida: “Segundo o maestro Dimas Sedícias –
conterrâneo dele e informante meu – teria Mário Souto Maior promovido uma festa
junina, a mais poética e pura que a cidade jamais viu, intitulada Festa do Milho e da
Milha. Para divulgá-la, fez-se compositor em parceria com o músico Dinamérico
Sedícias. Eram de Mário os versos:
O milho casou com a milha
Numa noite de São João
Passaram a lua de mel
Navegando num balão
Foi um sucesso na cidade! Além disso, diz ele de forma bem simples “Sou
alfaiate do primeiro ano”. Frase do populário resgatada depois pelo cantor e compositor
Luiz Gonzaga.
E assim continuou pesquisando. Seu robby predileto era tirar fotografias com
sua máquina fotográfica de última geração.
Com tanta coisa guardada na memória, assim que teve oportunidade colocou
todas as suas idéias no papel. Ele dizia que escrevia para o povo. E foi escrevendo para
o povo sobre o nosso folclore que ele ganhou muitos prêmios. Recebeu em 1976 o
prêmio Joaquim Nabuco da Academia Pernambucana de Letras pelo livro Nordeste: a
inventiva popular. Em 1977 o prêmio Vânia Carvalho da Academia Pernambucana de
Letras pelo livro Território da Danação. Em 1979, é a vez do prêmio Sílvio Romero da
campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, pelo livro Alimentação e Folclore e o Gran-
Prêmio Iberoamericano Dr. Augusto R. Cortazar concedido pelo Fondo Nacional de Las
Artes do Ministério da Educación y Justicia da Argentima, em 1989.
Com tanto prêmio assim, Souto Maior foi reconhecido por várias instituições.
Em 1981 tornou-se sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito
Santo. Recebeu a medalha de prata do Banco Econômico da Bahia e a medalha
comemorativa dos 25 anos da Fundação do Rotary Clube de Bélem, Pará. Também
recebeu Mensão Honrosa no IV Concurso Raimundo Correa de Poesia, outorgado pela
Shogun Arte, do rio de Janeiro entre tantos outros.
No entanto Dr. Souto tinha em sua simplicidade uma forma carinhosa de falar
com as pessoas. Foi um homem de muitos amigos e dizia que hoje em dia só fazia
amizade de “oi”, não havia conversa só “oi”.
Portanto, parto do princípio de que a história está apenas começando como
afirma o historiador francês Jacques Le Goff. O objetivo dessa pesquisa sobre a vida do
folclorista Mário Souto Maior é evidenciar sua vida e obra sob um novo olhar,
construído através da folkcomunicação185 para divulgar a vida de Mário Souto Maior.
185
Segundo Luiz Beltrão Folkcomunicação é o processo de intercâmbio de mensagens através de agentes
e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore e, entre as suas manifestações, algumas possuem
caráter e conteúdo jornalístico, constituindo-se em veículos adequados à promoção de mudança social”.
364
Pois, a história foi contada pelo olhar de cada historiador e aqui estou eu falando do
folclorista Mário Souto Maior através do meu olhar. Um olhar novo em relação a sua
história de vida. Mas um olhar “puro” como as nossas raízes. Contar a vida de um
folclorista que tanto fez para resgatar os nossos costumes é voltar as nossas tradições.
Então, inspirações e idéias de Mário Souto Maior tiveram começo nas suas horas
em que ficava bestando. Diz ele que ficar bestando é pensar em nada olhar a natureza,
ver os carros e as pessoas passarem, é tirar um tempo para nada. Nada mais natural
quanto o folclore. Para ir ao trabalho Dr. Souto trazia água de coco, chocolate,
jabuticabas e acerolas. Com sua máquina fotográfica de última geração “brincava”
durante os intervalos de suas pesquisas, batendo fotografias dos visitantes que
chegavam, da natureza e das revistas.
Mas, quem quiser conhecer melhor o folclorista Mário Souto Maior tem que
falar com a mulher que enganou o diabo, para isso você vai precisar chamar alguns
palavrões e termos afins. Saber porque a mulher se casou com a cobra, tomar uma
cachaça para entrar no território da danação: o diabo na cultura popular, onde vai
precisar das orações que o povo reza para compreender o Frei Damião: o santo, tudo
isso para entender a morte na boca do povo. Se receitar com os remédios populares do
nordeste. Ensinar as cantigas de ninar de origens remota para as criancinhas. Se
deliciar com os comes e bebes do Nordeste através da alimentação e folclore. E nesse
puxa-saco: aqui, ali & acolá, dá com a língua na boca do povo, para entender o homem
e a mulher na sabedoria popular. Consultar os nomes próprios pouco comuns no
dicionário dos folcloristas brasileiros. Conversar com Pedrinho e seus mil carneiros e
perguntar a ele sobre as três histórias de Deus quando fez o mundo e se ainda você não
conseguir, consulte João do Bonde.
Mesmo assim, você terá que presenciar o nascimento de um cabra da peste,
numa cidade do nordeste, para conhecer esse menino chamado Mário Souto Maior.
Esse olhar na sua história revela uma pessoa iluminada e simples. Durante o dia
Dr. Souto se preocupava com sua família, falava em seu neto Bruno, sua esposa, e em
seus filhos, principalmente em Jan filho que acompanhou suas expectativas e idéias.
Amante de uma boa música, tinha como passa tempo na hora do almoço, ouvir músicas
clássicas, boleros, valsas reggae, músicas de temas de novelas e até mesmo músicas
americanas. Conhecia o mundo através da tela, com seus vídeos de vários lugares do
mundo.
Nos seus oitenta anos Dr. Souto teve uma bela homenagem, realizada na
Fundação Joaquim Nabuco, foi quando ele me disse “minha filha quase faltou coração”.
Uma vez ele me falou: “o segredo da longevidade está quando a gente sempre tem um
objetivo na vida, quando convivemos com várias gerações e quando estamos sempre
produzindo alguma coisa”.
Muitos amigos renderam homenagens e definiram a personalidade de Mário
Souto Maior. O seu amigo desde do Instituto Carneiro Leão na década de 1940, Manuel
Correia de Andrade disse: calmo, tímido, sempre com um livro na mão. E gostava de ler
os livros água com açúcar de M. DellY”. Diz seu amigo que ele teve um sentimento de
empatia com sua região, florescendo assim suas obras sobre temas folclóricos. O
presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Dr. Fernando Freyre escreveu o prefácio do
livro organizado por Jan Souto Maior em homenagem aos seus oitenta anos: “...que
tenho a honra de prefaciar: não só como homenagem, mas como um ato, que se quer
pleno, de celebração da vida”.
LUIZ, Beltrão. Folkcomunicação – Um estudo dos agentes e dos meios populares d einformaçào de fatos
e expressões de idéias. Porto Alegre: Editora EDIPUCRS, 2001. P73
365
Era assim que Dr. Souto refletia sua imagem uma celebração constante da vida.
Com suas histórias e com seu carisma divertia as pessoas traduzindo uma forma única
de viver. Seu cotidiano era mágico, pesquisava muito para produzir e publicar. Seu
amigo Doutor Getúlio Aráujo residente em Goiás, rendeu uma bela homenagem
dizendo: “Esse é o verdadeiro Mário Souto Maior, personagem sui generis, da boa
verve, espalha humor a flor da pele, brincalhão e culto”.
Seu amigo de trabalho Renato Phaelante utiliza as palavras de Goeth: “o talento
só, não pode fazer um escritor. Por trás do livro deve haver um homem”, para definir o
seu amigo. Também, em sua homenagem aos seus oitentas anos salienta também as
palavras de Gilberto Freyre:
“Quem versa a matéria é intelectual, consiste de sua responsabilidade e cioso de sua
dignidade de homem de letras e de homem ciência, como é Mário Souto Maior (...)”
Por isso, Dr. Souto era uma pessoa transparente, tinha como alegria sua família,
era chamado de tatu, pois não saía de casa para nada. Até que foi convidado para dar
uma entrevista em São Paulo no Programa do Jô, exibido na rede Globo, no dia nove de
julho de 2001. Também foi homenageado em um baile de carnaval no Recife o
chamado Baile dos Artistas em fevereiro de 2001.
No meu olhar, confesso que Mário Souto Maior foi uma pessoa iluminada pois ele
tinha uma preocupação enorme com as mulheres e com o futuro do nosso país. Chegou
a propor em um artigo que as mulheres que tivessem filhos até dez anos de idade só
poderia trabalhar meio expediente para que no outro pudesse dar educação aos seus
filhos. Dizia ele que o amor estava se acabando pois essa nova turma estava começando
a amar pelo fim. Definia as mulheres assim: “a mulher é uma flor que enfeita os
caminhos do mundo e Deusas capazes de gerar filhos nos momentos de amor”. Tinha
como alegria sua família e unindo tecnologia ao folclore dizia que o mesmo nunca ia se
acabar pois, quando os astronautas foram à lua colocaram primeiro o pé direito. Os seus
livros trazem uma linguagem simples e envolvente, enfeitiçando todos os leitores que
apreciam o nosso folclore. Viver como folclorista não é fácil seu filho Jan Souto Maior
escreveu sobre seu pai quando ele morreu durante um ocaso no dia 25 de novembro de
2001:
“Viver de cultura no Brasil não é sonho, é pura utopia. Este é Mário Souto Maior, meu pai,
que sabe honrar seu nome, enchendo de orgulho aqueles que em vão, tentam acompanhar
sua trajetória. Vai pai, vai que a gente corre atrás...”
Porém sua esposa Dona Carmem presta sua última homenagem dizendo:
366
“Perdi Mário que era a minha vida. Fiquei com os meus filhos que são a razão do meu viver.
Por isso tenho que ser forte para levar minha missão até o fim. Agradeço a todo os amigos
que me confortaram nessa hora tão difícil e dolorosa da minha vida. Obrigada pelo carinho
de todos vocês. Minha amizade...”
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
REFERÊNCIAS:
ANEXOS
368
ANEXO
COMISSÕES BRASILEIRAS DE FOLCLORE EM 2002