Aulas de Filosofia Da Linguagem

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 47

FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Aula: 01 - Temática: Dialogando com um conceito

Os registros escritos deixados pelos filósofos desde a Grécia Antiga nos


permitem acompanhar a evolução deste ramo das Ciências Humanas,
seus momentos estáveis e, principalmente, suas rupturas. A palavra
escrita – manuscrita e posteriormente impressa -, é uma das
codificações mais tradicionais dentre todas as formas de relacionamento
humano e tem nos auxiliado a entender esse processo de
desenvolvimento contínuo do pensamento do homem.
Pensar e registrar este pensamento são ações que nos co-movem ao
conhecimento,à elaboração de novos conceitos e novos paradigmas, que
constroem aquilo que se convencionou chamar vulgarmente de
Realidade, o resultado das interações humanas em suas formas culturais,
organizacionais, sociais, globalizadas.
Neste contexto, vamos procurar situar a Filosofia da Linguagem, um dos
ramos da Filosofia que reflete sobre os problemas da linguagem, de
maneira mais ampla, integrando não somente a lingüística, seu impulso
matriz, mas também a psicologia, a antropologia, a sociologia,
transpondo esses limites à medida que avança o progresso tecnológico.
Um conceituado estudioso da Filosofia da Linguagem, William Alston
(1972), defende que este ramo do saber filosófico difere dos demais
porque não há critérios nítidos para manter um princípio de unidade
como na maioria dos outros ramos.
Por isso, vamos procurar resgatar, desde os gregos, as principais
inferências sobre Filosofia da Linguagem. O objetivo, como já
descrevemos anteriormente, é nos capacitarmos melhor para o
desenvolvimento da consciência crítica através do conhecimento,
aprofundando questões sobre as sensações, sentidos e sentimentos
provocados pela experiência advinda dos fenômenos de nosso cotidiano.
Assim, nossa trajetória se projeta também sobre a Idade Média, o
Renascimento, o Iluminismo, as correntes filosóficas modernas, as
contemporâneas, as pós-estruturalistas.
Estas, essencialmente focadas nos estudos sobre fenômenos sociais e
humanos, numa perspectiva da desconstrução dos valores ocidentais
organizados em textos culturais.
Desconstruir um texto cultural não é destruí-lo. Muito menos demonstrar
como foi construído. A desconstrução, sob a ótica do pós-moderno, é
reflexão permanente sobre o universo da linguagem.
Antes de avançarmos em nossa exposição, precisamos definir neste
momento o conceito de texto cultural considerado nesta disciplina.
Trata-se de uma operação de linguagem, abrangente e imprescindível ao
próprio desenvolvimento da cultura humana. Textualizar é construir
simbolicamente uma “realidade”. É inventar, criar, mover um
pensamento, entrelaçar códigos e, com isso, articular novas linguagens.
Organizar textos culturais é manter a cultura viva, uma vez que o
processo se dispõe não apenas a ser instrumento do fazer, mas a ser
depósito do saber-fazer.
O processo textualizante é, assim, uma forma de ação cognitiva do
homem, espécie de mola que o empurra a buscar sempre novas saídas
para suas dúvidas, principalmente aquelas vindas do mundo externo.
O conceito de texto é preciosamente definido pelo lingüista russo Iuri
Lotman (1976), da Escola de Tartu, que o edifica sobre três alicerces: a
expressão, a delimitação e o caráter estrutural.
- Expressão: um determinado arranjo de signos forma o texto, sendo
que os critérios dessa escolha fixam o significado que se quer dar à
mensagem em elaboração; - Delimitação: ao definirmos os signos que
serão utilizados nesse processo, excluímos outros que não compõem a
estrutura textual em produção, a não ser por oposição ou por ausência.
- Caráter estrutural: um texto não representa uma simples sucessão
de signos no intervalo de dois limites extremos (expressão e
delimitação), mas possui organização interna que o estrutura (LOTMAN,
1976: 104-106).
E aqui, abrimos a primeira porta para entendermos a linguagem como
uma questão filosófica a partir do conceito de signo, que veremos mais
adiante sob vários focos conceituais. Ao falarmos de signos, códigos e
linguagens levamos em consideração que eles estão em movimento, em
envolvimento, em comunicação entre homens e homens, homens e
máquinas e máquinas e máquinas.
Por enquanto, voltamos a Alston (1972), para podermos dizer que a
tarefa primordial da Filosofia é analisar os conceitos básicos (signos) que
nos permitem chegar a uma
concepção adequada da estrutura fundamental do mundo, através da
identificação de um conjunto de normas e condutas (códigos) que levam
à organização social do homem (produção de linguagem).
Parte da tarefa do filósofo é fazer ressaltar as características do uso ou
da significação dessas formas comunicativas. Assim, à medida que a
Filosofia é concebida, em princípio, como uma análise conceitual sobre
um universo ilimitado de potencialidades, a Filosofia da Linguagem ocupa
uma posição utilitária, pragmática, na estruturação de teorias e de
métodos filosóficos.
Vamos terminar nossa primeira aula com uma reflexão dada por Karl
Marx, que traduz a esperança de firmarmos um compromisso com a
Filosofia, palavra que conceitua o estado da pessoa que ama, deseja,
estima e procura o conhecimento:
... O nosso ponto de partida é o trabalho sob uma forma que pertence
exclusivamente ao homem. Uma aranha faz operações semelhantes às
de um tecelão e a abelha confunde, pela estrutura de suas células de
cera, muitos arquitetos hábeis. Mas o que, logo de início, distingue o pior
arquiteto da abelha mais destra é que ele construiu a célula na cabeça
antes de a construir na colméia. O resultado a que chega o trabalhador,
preexiste, idealmente, na imaginação do trabalhador... (Ele) não muda
apenas a forma das matérias naturais: realiza, ao mesmo tempo, o seu
próprio objetivo de que tem consciência, que determina como lei o seu
modo de ação e a que deve subordinar a vontade. Durante toda a sua
duração, além do esforço dos órgãos que atuam, a obra exige uma
atenção firme que não pode resultar senão de uma tensão constante da
vontade. (MARX, 1974, p 52-53)
Aula: 02 - Temática: Estruturas textuais da cultura humana

As ciências médicas, particularmente a neurociência, têm estudado com


muito rigor aspectos ligados à evolução da ontogênese e filogênese no
processo de hominização. Trabalhos como o do russo Aleksandr R. Luriá
e do americano Oliver Sacks tem deixado pistas para uma investigação
mais ampliada sobre a importância do pensamento simbólico e narrativo
para o desenvolvimento do acervo de informações primárias da espécie,
base para a fundação da cultura humana.
Como nos explica Baitello Jr., narrativizar significou e significa para o
homem atribuir nexos e sentidos, transformando os fatos captados por
sua percepção em símbolos mais ou menos complexos, em
encadeamentos, correntes, associações de alguns ou de muitos elos
sígnicos. “Foi provavelmente este procedimento o gerador de um
universo de sentidos – um universo simbólico” (BAITELLO Jr., 1997,
p.37).
Este universo simbólico, que é também objeto de estudo da Filosofia, é
composto por um conjunto de informações produzidas e armazenadas
pelo homem há milhões de anos. Para isso, utiliza-se de sua capacidade
imaginativa para narrativizar suas novas experiências. Essa
narrativização, hoje, extrapola o âmbito da palavra oral ou escrita,
admitindo outras formas de instrumentos construtores, resultados de
invenções tecnológicas.
Chamamos de texto cultural ao menor conjunto dessas associações,
considerando cada um deles como uma unidade base da cultura. Porém,
uma unidade altamente complexa. Para estudá-la com mais propriedade
são
necessárias investigações e diálogos multidisciplinares e
transdisciplinares,
como propõe Baitello Jr. (1997, p.38).
Sob uma perspectiva evolutiva, podemos observar que, em nosso tempo,
as conquistas tecnológicas no campo da comunicação ampliaram as
fronteiras do saber. O homem ultrapassa seus limites repertoriais com
mais facilidade, sabendo cada vez mais a respeito de cada vez mais
assuntos. Parece ser um consenso, portanto, que a informação é um dos
bens simbólicos, mais consumidos ao longo dos últimos séculos. O
conceito de informação é muito bem definido pelo alemão Harry Pross,
um pensador da cultura.Informação significa comunicação, redutível ao
nível de conhecimento do receptor. Supõe-se que a informação aumenta
o nível de conhecimento, reduzindo o desconhecimento ao compensar
deficiências. Só podemos adquirir informação sobre objetos, pessoas,
relações, acontecimentos que de alguma forma desconhecemos. Nem
toda comunicação é uma informação, mas toda informação é uma
comunicação. (PROSS, 1982, p.14).
Isso quer dizer que a informação é a novidade que, ao se estabelecer,
pressupõe um mecanismo compensador. Ao proporcionar a diminuição
do desconhecimento, o processo informativo (a novidade) possibilita ao
homem algumas vantagens em sua vivência social. Essa circunstância,
que envolve as necessidades de bem-estar e felicidade, evoca um estado
de universalização da cultura, a base do processo humano de vida. Para
ultrapassar fronteiras é preciso se apropriar de linguagens, reconhecer
costumes, obedecer regras e observar o culto aos mitos. Isso se dá
muito mais facilmente a partir do momento em que o homem descobre
alternativas técnicas para a reprodução. Dessa forma pode ampliar suas
descobertas, armazená-las e, ao mesmo tempo, distribuí-las em diversos
suportes. É dessa forma que, universalizadas, as mensagens culturais se
massificam como o Crátilo de Platão, que chega às bancas de jornais e
se abre para o consumo social.
A definição de sociedade, dada por Horkheimer e Adorno, nos parece a
mais adequada para adotarmos neste contexto: “uma espécie de
contextura formada entre todos os homens e na qual uns dependem dos
outros, sem exceção” (HORKHEIMER; ADORNO, 1987, p.63).
Nesse sentido, podemos perceber que dentro de uma cultura/sociedade
sobrevivem diversas subculturas/subsistemas sociais. Isso nos leva a
pensar sobre as diferenças existentes nessas instâncias subculturais, que
apelam para uma regulamentação das regras que organizem o padrão
cultural e auxiliem no diálogo hierárquico entre os diversos substratos.
As técnicas de divulgação, os meios de comunicação, são, assim,
potentes instrumentos para ajudar na elaboração desses padrões.
Assumem o papel de canais de transporte de conteúdos vivenciais de
determinadas culturas para outras, universalizando os repertórios.
Ao agirem como canais, os meios exercem a função de ordenar o ritual
da emissão e recepção de mensagens. Nessa tarefa de transportar
símbolos, adotam mecanismos peculiares, organizando sistematicamente
as informações que por eles circulam. Dessa forma é que consolidam o
repertório informacional, preenchendo a tabula rasa de John Locke com
montagens de séries ordenadas de signos que, dispostos e regidos por
determinados códigos, vão se transformar em linguagens.
Para finalizarmos esta aula, pensemos na construção de um universo de
linguagem bastante utilitário: o trânsito de uma cidade.
Tomando o trânsito da cidade como texto cultural, podemos observar
que ele é formado por uma série de signos, unidades mínimas de todo
processo textualizante. No caso, os signos são de caráter:
• Gestual (do motorista, dos pedestres, dos policiais),
• Verbal - oral (os gritos, os xingamentos, as cortesias),
• Verbal - escrito (placas, talonários de multas, leis do trânsito
impressas, folhetos de alerta),
• Visual (semáforo, percepção visual do fluxo dos carros, das pessoas
que transitam a pé, das que estão dentro dos veículos),
• Sonoro (buzinas, alto-falantes, música do rádio).
Todos esses signos possuem códigos próprios, regras que os
regulamentam para poderem existir e agir nessa complexidade que é o
texto cultural “trânsito de uma cidade”. A interação dos signos, a
submissão e ordenação deles por um código, é o que determina a
linguagem. Linguagem é, portanto, a combinação do conteúdo e da
forma de qualquer mensagem.
Aula: 03 - Temática: Processo de codificação de linguagens

Curioso por natureza, o homem quer conhecer o que lhe cerca. Quer
aprender sobre as formas do universo, manipular técnicas, compreender
artes e descobertas científicas. Busca, assim, aprimorar seu repertório de
informações. Acredita, com isso, garantir uma posição estratégica frente
a outros de sua espécie.
Faz parte do instinto humano a atividade de competir. Jogar significa
poder vencer o inimigo. “A ânsia de ser o primeiro assume tantas formas
de expressão quantas as oportunidades que a sociedade para tal oferece”
(HUIZINGA, 1971, p.119).
O jogo se complica à medida que se amplia o saber humano. As
respostas se tornam cada vez mais insuficientes. As perguntas cada vez
mais intrincadas. Assim se arma a trama (o texto cultural), que tem a
seguinte regra: os contatos com o exterior (o mundo da ocorrência dos
fenômenos) passam a ser sentidos em uma zona de incertezas, uma
zona cinzenta, um lugar desconhecido.
É nessa zona de incertezas que se desenvolvem o mito e a magia, é
nessa zona que circulam fantasias e espectros, que a palavra, o sinal, a
representação, se impõem com a evidência da coisa, que o rito apela
para a resposta de um receptor-interlocutor imaginário. (MORIN, 1988,
p.104). Nesse espaço se trava o combate da figuração. De um lado, as
informações já decodificadas pelo cérebro. De outro, o ambiente, o lugar
estranho, onde vigoram leis não-conhecidas, mas determinantes sobre o
que será a “realidade” humana. Pouco se sabe sobre esse terreno, a não
ser que é escuro. É preciso chegar até esse território e ultrapassá-lo. Mas
só há um caminho, repleto de obstáculos. Temos que vencer o não-
conhecido sob pena de se estagnar, ou morrer, o que vem a ser
ideologicamente o mesmo. Chegar a um certo nível de repertório e
estagnar é próprio do homem. O medo de conhecer, de aprender as
coisas novas é um sentimento incomensurável. Superá-lo requer um
ritual que depende de um combinado de forças: interesse, vontade e
condições físicas para o saber.
Praticamente, ao codificar uma informação nova, externa, o homem
estrutura sua noção de mundo. Conta com o trabalho de agentes
culturais, que se encarregam de préselecionar e divulgar objetos e fatos
que se tornarão modelos. Consumidos, reprocessados, esses modelos
serão a base do código de valores que norteará o jogo: suas regras.
Ordenado, o exterior humano ganhará significação. Codificado, o mundo
se convenciona. A zona de incerteza, cinzenta, se clareia. E o homem se
liberta, aprendendo. Mas se aprisiona, se condicionando.
Os lingüistas da Escola de Tartu, Iuri Lotman e Boris Uspenski, explicam
que o homem traz em si uma predisposição a regular sua convivência em
sociedade (LOTMAN;USPENSKI, 1979, p. 6). Conforme Baitello Jr.
(1997), sem a existência de um código ou um conjunto de códigos de
natureza social, não seria possível a formação e manutenção de
comunidades sociais. O teórico tcheco Ivan Bystrina chama esses códigos
de “secundários ou de linguagem”, determinando que suas unidades
mínimas são os signos. Na próxima aula veremos qual é a sistematização
da codificação da cultura humana proposta por Ivan Bystrina.
Aula: 04 - Temática: A noção de código de linguagem

Com o objetivo de sistematizar os códigos culturais de forma a garantir


uma estrutura para possíveis análises de caráter filosófico pragmático,
Ivan Bystrina aponta três processos como fundamentais para o
desenvolvimento de um pensar lógico sobre a noção de código de
linguagem.
Até agora já entendemos que código é um sistema de regras que
organizam o universo dos signos e possibilitam a criação de linguagens e
textos da cultura humana. Convivemos com infinitos tipos de códigos,
desde os mais primários, como o choro do bebê (que significa quase
sempre dor ou fome); os secundários, advindos das manifestações
verbais escritas, visuais, sonoras produzidas por uns para serem
decodificados por outros; até os terciários, que pressupõem interações
ainda mais complexas, envolvendo operações de produção de linguagens
entre homens e máquinas.
De acordo com Bystrina (1989), os três processos de codificação dos
signos humanos obedecem esta hierarquia:
- Processo informacional (biológico) – considerado como processo
primário ou hipolingual, opera com as informações bioquímicas e seu
fluxo dentro dos organismos vivos.
- Processo sígnico (linguagens da comunicação social) –
considerado como processo secundário ou lingual, aí se inserem todas as
linguagens necessárias à comunicação social (humana ou animal), do
gestual ao verbal, as manifestações visuais e sonoras. Sem a existência
de um código ou conjunto de códigos secundários não seria possível a
formação e a manutenção de comunidades sociais. O signo é a unidade
mínima dessa segunda instância.
- Processo cultural (cultura) – transpassa as fronteiras do
pragmatismo necessário à organização social, abrindo espaço para o
imaginário, a fantasia, as lendas, a ficção. Nesse universo todas as
dificuldades existentes na vida biológica e na vida social são superadas
por outros sistemas simbólicos. É um universo comunicativo adensado,
pois a cultura é um processo produtivo com resultados que podem ser
depositados em diferentes suportes e acessados quando houver
necessidade. Chamados de códigos terciários ou hiperlinguais, os textos
culturais dessa instância são a unidade mínima em sua composição.
Esses três processos comunicam-se entre si, possibilitando ainda mais a
ampliação de sensações, sentidos e sentimentos, alterando e
fortalecendo as análises que se fazem sobre as realidades fenomênicas.
Tomemos como exemplo a emoção provocada por um concerto de
música clássica. Como já vimos, trata-se de uma manifestação
secundária de linguagem, agindo sobre uma manifestação primária,
biológica, do ser humano. Dependendo de como foi sensibilizado o
homem pode manifestar diversificadas emoções, como o choro, o
aplauso ou o riso.
Da mesma maneira, uma doença do organismo físico pode interromper
uma produção cultural, alterando-lhe o sentido ou destruindo seus
significados.
Como se vê, a aproximação da Filosofia da Linguagem com as
diversificadas ramas da Semiótica, a Ciência das Linguagens é evidente e
será objeto de estudo da Unidade II deste curso.
No entanto, antes de avançarmos, é necessário entendermos como
captamos essa dinâmica da interação do signo com seu código para criar
linguagem. E isso só é possível se pensarmos no conceito de texto
cultural como uma informação.
Toda informação é energia, pois à medida que introjetamos novos
conceitos e conhecimentos em nossa vida podemos nos sentir mais
“carregados” energeticamente (para o positivo ou para o negativo, vai
depender apenas da escolha que se faz sobre o tipo de informação que
se quer ter).
Enquanto seres humanos captamos as informações exteriores através
das linguagens que atingem nossos órgãos dos sentidos. Se estivermos
numa vivência de comunicação verbal oral, pomos o ouvido para
funcionar. Se nos apresentarem uma pintura, certamente o olho é o
primeiro órgão do sentido a se abalar (se bem que, em situações de
visualidade, é muito comum querermos tocar o objeto; por isso, as obras
de arte nos museus são tão protegidas).
Ao atingir o nosso interior, através das linguagens que penetram pelos
nossos órgãos dos sentidos, essas informações (ou mensagens) entram
por nosso sistema nervoso central, até atingir o cérebro. Neste momento
do percurso, a mensagem é registrada, armazenada, ficando disponível
para que sirva de base a novas produções de linguagem. Estas,
normalmente saem do corpo humano através dos órgãos motores para
ganhar o exterior e, novamente, se transformarem em energia, desta
vez renovada.
Vamos dar um exemplo para entendermos melhor:
Sou uma jornalista que trabalha na seção de Gastronomia do jornal e fui
escalada para fazer uma reportagem sobre a Feijoada. Ela, a Feijoada, é
a informação energética, captada por alguns órgãos dos sentidos: olho
(estética do prato), nariz (cheiro da comida), ouvido (se vier
borbulhando), paladar (gosto) e até o tato (se pegarmos nos
ingredientes).
Todas essas informações entram pelos órgãos dos sentidos, atingem o
sistema nervoso, param durante alguns segundos no cérebro
(registro,armazenamento e produção de uma nova informação) e
seguem pelos braços até o computador, que deposita e organiza junto
com o cérebro a conformação desse processo que resulta em uma
matéria jornalística.
Essa matéria ganha o exterior, cria sentido, provoca sensações que se
convertem em sentimentos que, por sua vez, podem ou não levar o leitor
daquela mensagem a consumir uma feijoada, ou a fazer uma feijoada,
ou a desenhar uma feijoada.
O importante é perceber que entre o objeto Feijoada e o signo Feijoada
há um intervalo, necessário para que se instale o processo de
interpretação sobre a representação.
Aula: 05 - Temática: A unidade mínima da codificação: o signo

Das reflexões acerca da dicotomia natureza/cultura partem os estudos


sobre as ciências humanas, especialmente as desenvolvidas a partir do
século XX.
Esses estudos, que acabaram por se constituir em teorias (notadamente
no campo filosófico), nos levam a perceber que o homem é um animal
que partilha com outros da sua espécie o conhecimento adquirido por
meio das experiências.
Esta partilha é possível porque o homem é um ser de linguagem.Este
conceito tem ganhado diversos contornos ao longo do tempo. Porém, até
agora tentamos compreendê-lo como uma questão de representação.
Linguagem é um termo geralmente definido como o instrumento da
comunicação e do pensamento. Trata-se, na verdade, de um sistema
simbólico que permite ao homem substituir a realidade por entidades
mentais chamadas signos.
Numa perspectiva da História da Filosofia, temos que, para os gregos
antigos, signo é uma percepção que indica qualquer coisa
escondida da cognição. Se pensarmos no contexto contemporâneo,
veremos que outros filósofos definem signo como tudo aquilo que
representa alguma coisa para alguém.
Com estas reflexões acerca do conceito de signo, podemos pensar a
linguagem como um sistema de signos. Sob este ponto de vista,
devemos entender os signos como objetos constituídos de matéria, que
chamaremos inicialmente de porção significante do signo.
Ao tomarmos contato com o signo materializado (o significante),
acionamos nossa percepção pelos órgãos dos sentidos, como já
estudamos anteriormente. A partir daí, evocamos na mente idéias ou
conceitos já internalizados pela experiência (parte não-material do signo)
e respondemos ao estímulo definindo o seu significado. Vamos dar um
exemplo, para que não haja ruído em nossa comunicação:
Todos nós possuímos algum objeto que nos é dado por uma pessoa
estimada por nós. Pensemos numa medalha, num anel, num relógio –
um objeto que não sai de perto de nós. Apesar do caráter utilitário
(relógio, por exemplo), ou do caráter estético (anel), esses objetos são
portadores de um significado, que normalmente nos remete à pessoa
que nos deu tal objeto. Assim, podemos perceber que a mente humana
possui a capacidade de manter um caráter mediador, que lhe serve para
se relacionar com as coisas e fenômenos externos, não de forma direta e
imediata. Mas indiretamente, com os signos que os representam. É
evidente que as ações do homem sobre as coisas são diretas – ele é
apenas um entre os vários seres ou forças naturais que participam de
sua atividade – mas suas ações materiais são precedidas por ações
mentais, representações simbólicas, projetos ou programas. O homem,
ao longo de seu processo evolutivo, tem desenvolvido essa aptidão para
simbolizar e, assim, evocar “magicamente” objetos ausentes ou
intangíveis (como sentimentos, por exemplo), através de seus
substitutos, os signos. Com isso, pode trocar a experiência efetiva sobre
a realidade pela experiência virtual sobre os signos, pode visualizar em
sua mente objetos que não estejam presentes, que ainda não existam no
plano material, ou que jamais virão a ganhar existência material, bem
como experiências passadas ou hipotéticas. O mais poderoso signo
criado pelo homem é a palavra. É um tipo de signo chamado símbolo,
pois determina o significado no contexto em que é usado. Por ter esse
caráter simbólico tão arraigado, podemos reafirmar que a palavra tem
magia. Ela nos traz a imagem de qualquer objeto. Vamos pensar na
palavra SORVETE.
Cada um de nós construirá em sua mente um tipo de imagem de
sorvete: de chocolate com calda, banana-split, de frutas, diets, lights e...
Sempre haverá vários significados. Em nossa disciplina chamamos a
atenção para a relevância de duas ciências diretamente ligadas às
palavras: a Etimologia – parte da gramática que estuda a origem das
palavras; e a Lingüística – a ciência da linguagem articulada. Esses dois
ramos do saber nos ensinam sobre a importância do conhecimento das
palavras para que possamos, em nossa prática filosófica, dominá-las.
Dominar as palavras é perceber o valor que elas têm, para usá-las da
melhor forma que pudermos.
Retomaremos a questão do signo, com maior profundidade, na Unidade
III, quando já tivermos feito o percurso dele na História da Filosofia e
adentrarmos no universo da Semiótica, a Ciência das Linguagens.

Aula: 06 - Temática: A palavra como ferramenta do filósofo –


-projeto de símbolo

A Filosofia é a essência de nossos pensamentos e de nossas ações e por


isso se faz presente em nosso cotidiano. A reflexão filosófica, com base
em nosso atual universo de linguagens, permeia nossas decisões, mesmo
que de forma inconsciente, sem nossa percepção imediata. Qualquer
atitude humana se baseia nessas decisões, em nosso poder de pensar,
refletir, avaliar, filosofar.
Por isso, a filosofia está retomando seu lugar no Ensino Médio, que já
não enxerga essa área do saber humano como um tema sem função
prática e concreta. Essa nova visão aponta que o ato de filosofar é
intrínseco, não podendo ser separado de sua existência. E mostra que
somente a linguagem verbal pode atuar como articuladora desse novo
pensar. Afinal, é pela palavra que o filósofo obtém conhecimentos,
elabora seus pensamentos e expõe suas idéias. Por este motivo, pensar
a linguagem articulada pelos processos de codificação dos signos
lingüísticos é uma necessidade premente num momento em que os
conceitos se alteram, morrem e renascem a cada dia. De um modo geral,
todos nós sentimos necessidade de entender essa complexidade da vida
que se impõe pelo fenômeno da globalização. Este processo, que se
iniciou justamente com o desenvolvimento da escrita e ganhou impulso
com a era dos descobrimentos, faz revolver a necessidade de reflexão
sobre o cotidiano dos novos tempos, sobre os significados desta vida
moderna. Neste panorama, a Filosofia da Linguagem se insurge,
também, para repensar nossa condição humana frente a revolução
tecnológica que se expressa no nível da linguagem ou linguagens.
Nossa era exige um comportamento aberto às novas condições do
conhecimento, para que possamos entender todo e qualquer conflito
gerado pela rapidez da mudança dos costumes propiciada pela
comunicação instantânea de gestos, palavras, imagens e sons em um só
meio: o computador. A palavra computador é um signo, composto por
unidades sígnicas de origem lingüística, ou seja, nove letras do código
alfabético (seis consoantes e três vogais, sendo que a letra o foi
repetida). Organizado e utilizado em determinado contexto, o signo-
palavra computador passa a ter um significado de ordem semântico-
pragmática. Assim, ao articularmos determinados signos-letras em
signos-palavras, usando determinados códigos (como o alfabético, a
gramática da Língua Portuguesa, o teclado do computador), estaremos
criando infinitas possibilidades de linguagens.
Vamos aprofundar esta explicação: Ao selecionarmos algumas letras
(signos) do código alfabético e as organizarmos em outro código, a
gramática da Língua Portuguesa. Poderemos criar cartas, poemas,
relatórios, matérias jornalísticas. Todas essas produções do âmbito
pragmático são resultantes e têm funções específicas dentro do processo
de produção de linguagem.
Essa é uma atividade consciente, apreendida durante o percurso de
qualquer ser humano normal, a partir do momento em que nasce. É uma
ação mediada por instrumentos de produção (ferramentas) e por
instrumentos psicológicos (signos da linguagem), ambos produtos da
evolução histórico-cultural. O instrumento de trabalho e o signo
lingüístico objetivam a relação homem-natureza, homem-homem,
homem-máquina e máquina-máquina. Sendo produtos sociais tanto pela
sua origem quanto pelo seu uso. O uso da palavra permite que a
transmissão da experiência de uma geração a outra deixe de ser
meramente biológica (genética) e passe a ser também sociocultural,
ainda mais se pensarmos em um contexto de pleno desenvolvimento das
ferramentas tecnológicas de reprodução de informações e idéias.
É fundamental salientarmos que, em qualquer atividade lingüística,
operamos com os níveis fonológico, sintático, semântico-lexical e
pragmático, com suas interdependências e interações recíprocas. E que,
apesar dessa complexidade, continuamos usando signos cada vez mais
generalizados para nos expressar, com seus significados impostos pelo
operador da produção de linguagem, o controlador dos fluxos
informativos. Num contexto educativo, o controlador é o professor
significador.

Aula: 07 - Temática: Signos no pensamento grego

Não é tarefa fácil compreender as modalidades do pensamento grego,


especificamente, sem algum conhecimento do idioma. Para os filósofos
gregos, linguagem e pensamento se entretecem e atuam um sobre o
outro. As palavras têm sua história e suas associações, as quais
constituem para quem as emprega uma parte muito importante de seu
significado. Ainda que, em idiomas falados em uma mesma época,
possamos encontrar algumas palavras semelhantes para designar
objetos materiais, é praticamente impossível traduzir um vocábulo de
maneira que produza exatamente a mesma impressão em um
estrangeiro, que a palavra original produz em quem a ouve em sua
própria terra. A significação é operação que também depende do
conteúdo repertorial tanto de quem emite uma mensagem, quanto de
quem a recebe. Essas dificuldades crescem consideravelmente ao longo
do tempo e, ainda mais, se pensarmos nas diferenciações provocadas
pelos ambientes culturais que suportam essas questões. Palavras como
justiça ou virtude têm significados completamente diferenciados se
compararmos contextos culturais diversos. E ainda mais diferentes da
concepção conceitual dada pela cultura da Grécia Antiga. Por isso, o
pensamento grego está tão atrelado à idéia do signo verbal. Vem dos
gregos grande parte do significado de muitas palavras utilizadas nas
mais diversas línguas humanas até hoje. E é desse sistema de
codificação que a Filosofia da Linguagem se nutre em sua base.
Para entendermos o papel do signo nessa jornada, precisamos começar
nosso percurso com Platão: Platão (427 – 347 aC) – Tratou de vários
aspectos da teoria dos signos. Preocupou-se em definir o conceito de
signo verbal, inicialmente, pois sabia que a palavra tem poder absoluto
sobre o ser humano. Trabalhou conceitos de significação e contribuiu
com idéias críticas para a teoria da escritura. O lingüista alemão Winfried
Nöth nos explica que o modelo platônico de signo tem uma estrutura
triádica, onde é possível distinguir os três componentes do signo: “o
nome (ónoma, nómos); noção ou idéia (eîdos, lógos, dianóema) e a
coisa (prágma, ousía) à qual o signo se refere” (NÖTH, 1995, 29).
Conforme esclarece, no diálogo Crátilo (Sobre a justeza dos nomes),
Platão investigou a relação entre o nome, as idéias e as coisas. “Uma das
questões levantadas é se a relação entre nome, idéia e coisa é natural ou
depende das convenções sociais, sendo, portanto, arbitrária” (NÖTH,
1995, 30) As reflexões do filósofo sobre essa problemática apontam que
os signos verbais, os naturais e também os convencionais são
representações incompletas da verdadeira natureza das coisas. Platão
acreditava que o estudo das palavras não revelaria nada sobre a
verdadeira natureza das coisas, porque considerava a esfera das idéias
como independente das representações na forma de palavras (signos).
Para ele, qualquer cognição concebida por meio de signos são
apreensões indiretas e inferiores às cognições diretas: Desse modo, para
Platão, a verdade que se exprime e se transmite por palavras, mesmo
que as palavras possuam semelhanças excelentes com as coisas às quais
se referem, é sempre inferior ao conhecimento direto, não intermediado,
das coisas. A natureza indireta da escritura em relação à língua falada é,
também, a base da crítica que Platão faz à escritura no diálogo de Fédon
(NÖTH, 1995, 30). A tradição do pensamento grego nos revela que o
signo (semeîon) é, naquele contexto, uma percepção que indica qualquer
coisa escondida da cognição. Aristóteles (384- 322 aC) – Começou a
traçar a distinção entre o signo incerto (semeîon) e o signo certo
(tekmérion) e discutiu a teoria dos signos no âmbito da lógica e da
retórica. Para Aristóteles, a lógica é instrumento baseado no silogismo,
em raciocínio formal estruturado, que supõe certas premissas colocadas
previamente para que haja conclusão necessária. Desta forma, se forem
verdadeiras as premissas, a conclusão logicamente também o será.
Aristóteles considerava importante o conhecimento da retórica, já que
ela se constitui numa técnica (habilita a estruturação e exposição de
argumentos) e relaciona-se com a vida pública. Definiu signo como uma
relação de implicação, sentenciando que aquilo que procede ou segue o
ser ou o desenvolvimento de uma coisa é um signo do ser ou do
desenvolvimento dessa coisa. Para Aristóteles, o signo é uma premissa
que conduz a uma conclusão. Para o pensador grego, o modelo de signo
é de concepção triádica. Ele chamou o signo linguístico de “símbolo”
(symbolon) e o definiu como um signo convencional das “afecções
(pathémata) da alma”. Descreveu essas afecções como “retratos” das
coisas (prágmata).

Aula 08 - Temática: Signos no pensamento greco-romano

Antes de avançarmos no estudo da doutrina do signo, é preciso dizer que


ela compreende todas as investigações sobre a natureza dos signos, suas
significações e seu uso no processo de comunicação humana. Estudar o
signo a partir do pensamento greco-romano é abrir caminho para a
compreensão da Semiótica, a Ciência das Linguagens, ou Teoria Geral
dos Signos, que apresentaremos na Unidade III. Por enquanto, podemos
adiantar que esse campo teórico situa-se entre as ciências da
descoberta. Por isso a Filosofia é o seu berço. Vamos prosseguir em
nossa caminhada, retomando o rumo do pensamento grego e seguindo,
nesta aula, até o pensamento romano de Aurélio Agostinho, considerado
o verdadeiro fundador da Semiótica. Estóicos (300 aC – 200 dC) – O
aparecimento do estoicismo na Grécia deu-se no período helenístico,
após a perda da liberdade política para a Macedônia e, posteriormente,
para Roma. Nesse contexto, os estóicos ofereciam ao povo idéias
compensadoras e consoladoras, reunidas em uma doutrina que prometia
a felicidade a partir do cultivo de uma virtude básica: a aceitação pelo
indivíduo de sua condição, regida pela lei única do universo.
A doutrina estóica foi sistematizada e dotada de um instrumental lógico,
que tratou de dividir a concepção estóica em três níveis de questões
estreitamente ligadas: a física, a lógica e a moral. Nesse escopo, foi
desenvolvida uma teoria estóica do signo, que interpretava a cognição de
um signo como um processo silogístico de indução.
Para os estóicos, o signo consiste em três componenetes: semaínon (é o
significante, a entidade percebida como signo); semainómenon ou
lékton (correspondendo à significação ou significado) e tygchánon
(evento ou objeto ao qual o signo se refere). Nessa perspectiva,
enquanto o significante e o objeto são considerados como entidades
materiais, o significado é uma entidade ideal, não-corporal. Tem-se,
portanto, um modelo triádico do signo Epicuristas (300 aC) – Surgida
do filósofo grego Epicuro, esta doutrina considera a natureza como um
conjunto de átomos materiais, cujos movimentos não são regidos por um
determinismo rigoroso, mas, ao contrário, pelo acaso absoluto.
Sua moral tem por objeto a felicidade do homem, sendo que Epicuro era
considerado como um modelo de sobriedade. Assim como no estoicismo,
o epicurismo trata de oferecer ao homem um refúgio em si mesmo para
escapar dos golpes da sorte e das imposições de coisas que não
dependem de nós. Os epicuristas pretendiam desenvolver um modelo
diádico do signo, onde só entram em composição o significante
(semaíon) e o objeto referido (tygchánon). O significado imaterial do
signo (lékton) não é reconhecido. Na base do modelo epicurista o objeto
físico é considerado como a origem das imagens (eídola) que emanam de
sua superfície, na forma de átomos. Na cognição do receptor, esses
átomos reaparecem como uma nova imagem chamada fantasia. A
imagem emitida do objeto e a imagem captada pelo observador
descrevem, portanto, os dois componentes do signo. Por outro lado, os
estóicos consideravam que a cognição não é só um processo
inteiramente mecânico; o reconhecimento de um signo, para eles,
presumia a capacidade de antecipação (prolépsis) por parte do receptor.
Ou seja, quem decodifica mensagens precisa ter um repertório mínimo
para entendê-las. Se observarmos melhor, vemos que o modelo estóico
do signo contém uma terceira dimensão semelhante aos modelos
triádicos. Aurélio Agostinho (354-430) – Santo Agostinho é
considerado o último dos pensadores antigos. É também visto como o
primeiro dos medievais, já que sua obra, de grande originalidade,
influencia os rumos que tomaria o pensamento medieval em seus
primeiros séculos. Como o maior vulto da filosofia metafísica cristã,
Agostinho inspirou-se em Platão, fundindo o caráter especulativo da
Paidéia (Educação) grega com o caráter prático da humanitas latina, se
preocupando com problemas práticos e morais: o mal, a liberdade, a
graça, a predestinação. É considerado o verdadeiro fundador do estudo
sobre os signos, concordando inicialmente com a teoria epicurista, que
definiu o signo como um fato perceptivo que representa alguma coisa
atualmente não perceptível. No entanto, sua definição de signo segue a
dos estóicos. Em sua contribuição para o desenvolvimento dessa
questão, aceitou o papel da interferência mental no processo de
interpretação do signo. Assim, distinguiu os signos naturais (aqueles que
revelam a vontade de Deus na criação terrestre), dos signos
convencionais (aqueles nados para a vivência em sociedade). Signos
naturais, segundo Agostinho, não provêm de uma produção voluntária,
correspondem a uma causa natural. Signos convencionados supõem a
intencionalidade, são aqueles por meio dos quais os seres manifestam
aquilo que pensam e sentem. Suas reflexões se estenderam dos signos
verbais para os não-verbais. No sentido dado por Agostinho, signo é uma
coisa que, além da forma (speciem) que imprime aos sentidos, faz com
que a partir dela qualquer outra coisa venha ao pensamento. Para ele, a
significação é uma relação triádica que se dá na relação da coisa (a
espécie sensível persuadida pelos sentidos), seu significado e seu
intérprete (o pensamento mediador). Separou coisas consideradas signos
e coisas que não eram consideradas como tais, afirmando que “todo
signo é, ao mesmo tempo, alguma coisa, visto que se não fosse alguma
coisa não existiria” (NÖTH, 1995, p.35). Em sua base teórica,
desenvolvida nos tratados De Magistro (389), De Doctrina Christiana
(397) e Princípia Dialecticae (384), conclui que as coisas tornavam-se
conhecidas por meio dos signos. Para Agostinho, significar é associar um
conteúdo de pensamento a uma forma sensível de interpretar é o trajeto
inverso.
Aula: 09 - Temática: Idade Média e os primeiros esboços para
uma teoria do signo

A Idade Média se iniciou com a desintegração do Império Romano do


Ocidente (476 d.C.) e terminou com o fim do Império Romano do
Oriente, marcado pela queda de Constantinopla no século XV (1453 d.C).
A partir do século V, sob a influência da cultura judaica e cristã, os
pensadores cristãos começaram a desenvolver temáticas filosóficas para
equilibrar os dogmas da fé com a Filosofia, até então marcada pelo
pensamento clássico grego. Foi nesse contexto que, no século IX, surgiu
a Escolástica, com a necessidade de responder as exigências da fé
advindas da Igreja, instituição que ditava os valores espirituais e morais
daquele período por toda a Europa. A Escolástica combinava elementos
do pensamento de Platão, com os valores de ordem espiritual do
Ocidente cristão. No século XII, Tomás de Aquino introduziu no
pensamento escolástico elementos da filosofia de Aristóteles, abrindo
caminho para o surgimento da Teologia. Assim, fé e razão se tornaramos
temas principais da discussão filosófica daquele momento. Durante o
período medieval, os estudos sobre as questões do signo e significado se
desenvolveram no âmbito da Teologia e também da Gramática, da
Retórica e da Dialética (entendida como lógica das transformações),
ganhando espaço de divulgação nas escolas universitária.
Seguindo a tradição romana, os escolásticos faziam da lógica, depois da
gramática, o fundamento na formação de um estudante. Assim, o
estudante que conduzia bem seus procedimentos silogísticos, tinha
aprovação de seus mestres. Fundamentados na filosofia estóica, os
escolásticos distinguiram três ciências: a filosofia natural, a filosofia
moral e a ciência dos signos, também conhecida como ciência racional,
que equivale à lógica. Os temas predominantes na produção filosófica
deste período são, essencialmente, as doutrinas do realismo, do
nominalismo, as doutrinas das suposições e dos modos de significação.
Segundo Nöth, a distinção entre denotação e conotação foi clivada neste
momento, abrindo caminho para o surgimento de uma teoria da
representação com o foco voltado às funções dos signos, símbolos e
imagens (NÖTH, 1995). Destaca-se neste contexto, o trabalho de Roger
Bacon (1215-1294), frade franciscano conhecido como Doctor Mirabilis
(Doutor Admirável). Sob a influência de textos vindos do mundo árabe,
Bacon deu ênfase ao empirismo, contribuindo para a delimitação de um
método científico circular: observação, hipótese, experimentação.
Para ele, a concepção escolástica de raciocínio aparecia como um
obstáculo à verdade. Assim, constatou que apenas a experiência
ensinaria alguma coisa. Em seus estudos, apontou que, de todos os tipos
de experiência, a melhor seria a iluminação interior. Considerava este
tipo de experiência um aprimoramento sobre a natureza, algo que os
sentidos externos nunca poderiam descobrir. No campo da teoria geral
dos signos, contribuiu com o tratado De Signis. Na cultura medieval e até
a Renascença, surgiram muitos modelos filosóficos para explicar a
interpretação dos signos humanos, os animais e os naturais. Também
apareceram modelos criados para servir de chave à interpretação de
todo o mundo natural. O mais difundido desses modelos é o dos quatros
sentidos exegéticos, cuja origem são os textos bíblicos. A interpretação
do mundo cristão na era medieval baseava-se na interpretação da Bíblia.
Ela deveria ser feita sobre quatro níveis, capazes de revelar quatro
sentidos diferentes do mesmo texto. No primeiro, os textos tinham
sentido literal ou histórico, no segundo, aparecia o sentido moral. No
terceiro, havia o sentido alegórico e o quarto sentido referia-se aos
mistérios celestes. Este modelo também foi usado mais tarde para ler o
mundo natural. Uma ponte para o Renascimento A obra de William de
Ockham, ou Guilherme de Occam, conhecido como Doutor Invencível
marcou a transição do pensamento medieval para o pensamento
renascentista. Nascido na Inglaterra (1285) ingressou na Ordem
Franciscana, onde estudou Filosofia. Tornou-se o maior expoente da
escola nominalista, influenciando o pensamento lógico na Idade Média.
Sua obra Ordinatio, determinava que todo conhecimento racional têm
base na lógica, de acordo com os dados proporcionados pelos sentidos.
Assim, definia que nós só conhecemos entidades palpáveis, concretas e
que nossos conceitos não passam de meios lingüísticos para expressar
uma idéia, necessitando de realidade física para serem comprovados.
Ficou marcado pela criação do conceito Navalha de Occam, que defendia
a intuição como ponto de partida para o conhecimento do universo. A
base desse princípio filosófico diz que se existirem diversas teorias para
explicar determinado tema, e se não houver evidências que comprovem
se há uma mais verdadeira que a outra, deverá valer a mais simples,
aquela que pode ser provada sensorialmente. A regra é inspirada na
dinâmica da economia medieval e foi muito utilizada por Occam para
definir mais precisamente o conceito de realidade usado pelos
pensadores escolásticos. Separando razão e fé, filosofia e teologia,
Guilherme de Occam defendia que somente a experiência permite
conhecer a causa das coisas. Por isso, é considerado como o precursor
do empirismo inglês, do cartesianismo, do criticismo kantiano e da
ciência moderna. Suas posições o levaram a sair de Oxford antes que se
doutorasse em teologia. Condenado pelo papa João XXII por heresia,
refugiou-se em Munique, onde morreu após ser excomungado.

Aula: 10 - Temática: Contribuições do Renascimento à teoria


do signo

Caracterizado como o período da descoberta de novos continentes, época


de grandes invenções como a bússola e a imprensa, o Renascimento é
considerado um marco da cultura européia.
Tratava-se, na verdade, de um poderoso movimento artístico e literário,
surgido na Itália entre os séculos XV e XVI e espalhado por todo o
continente europeu, fazendo reflorescer a arquitetura, as artes plásticas,
a literatura, a música, e dando novo vigor à política. Desse período
histórico, destacam-se a redução da influência da Igreja Católica, do
Império Romano-Germânico, o surgimento das cidades-estados, o
desenvolvimento das línguas nacionais e o início do desmoronamento das
estruturas feudais. O Renascimento, que fez uma releitura dos textos
clássicos em grego e latim, é responsável pelo surgimento do
Humanismo, movimento intelectual nascido na Itália e responsável pela
criação de um sistema de pensamento que rejeitou as estruturas mentais
impostas pela religião durante a Idade Média. O Humanismo garantiu a
supremacia do homem sobre a natureza, dando a ele espírito crítico e
confiança em suas próprias possibilidades, características do
Antropocentrismo. Na perspectiva da teoria dos signos, o Renascimento
viu surgir o modelo da assinatura das coisas. Essa doutrina foi estudada
na obra do médico e sábio suíço Paracelsus (1493-1541). Em seu
trabalho podemos encontrar um sistema elaborado de códigos para a
interpretação de signos naturais, tendo Deus como autor das mensagens
do mundo. Ele foi acompanhado nessa tarefa por outros três assinantes
de signos naturais – o homem, o principio interior de desenvolvimento
(archaeus), as estrelas e os planetas. Assim, os signos naturais eram
chamados de assinaturas e suas articulações resultavam em codificações
que originaram a quiromancia, geomancia, piromancia, hidromancia,
astrologia. Os signos do mundo natural mantêm entre eles relações de
semelhança, analogias, afinidades ou correspondências.
No Renascimento, pode-se destacar ainda a obra Tractatus de Signis,
escrito em 1632, por Jean Poinsot (1589-1644), nome do português João
de São Tomás.
Sua teoria admite que todos os instrumentos dos quais nos servimos
para conhecer e para falar, são signos. Assim, ele define o signo como
instrumento, um meio para a mediação do sujeito rumo ao
conhecimento. Em sua obra, João de S. Tomás possibilita à inteligência
humana a investigação da realidade sem limites ou compartimentos do
saber. Para ele, a vocação do homem é a abertura ao ser, considerando
a filosofia como uma atividade que realiza essa vocação.

Aula: 11 - Temática: Teoria do signo nos séculos XVII e XVIII

Durante este período da História da Filosofia, três grandes correntes se


destacaram no estudo da teoria do signo: o racionalismo francês, cujo
expoente é René Descartes, o empirismo inglês, com destaque para a
obra de John Locke, e o iluminismo, que será visto na Aula 12. O
Racionalismo francês Desenvolvido na escola semiótica de Port-Royal,
parte da definição de raciocínio para traçar seu percurso. Raciocínio,
nessa visão, é uma operação mental, discursiva e lógica, que usa uma ou
mais proposições para extrair conclusões sobre qual delas é verdadeira,
falsa ou provável. A obra de René Descartes (1596 – 1650) marca essa
corrente, quando define que a inteligência está acima da experiência.
Seu pensamento sustenta a primazia da razão em relação ao sentimento
e à vontade, eliminando o aspecto referencial do signo ao estabelecer
que as relações se dão no mundo das idéias e não no da concretude
material. Para Descartes, que optou pelo modelo diádico de signo
advindo da gramática geral e da lógica da escola de Port-Royal, o signo
compreende duas idéias: uma da coisa que representa (significante) e
uma idéia da coisa representada (significado). Dessa forma, o signo
verbal seria uma representação ou modelo mental do som e da
articulação, no momento da recepção. Este modelo influenciou o trabalho
do lingüista Ferdinand Saussure, que abordaremos mais adiante. Antes
de nos ocuparmos do empirismo inglês, propriamente, é necessário
destacar o trabalho de dois filósofos e suas contribuições que nos servem
de pontes para entendermos a construção da teoria do signo na
perspectiva da História da Filosofia: Francis Bacon (1561 – 1626) e
Gottfried Wilhelm von Leibiniz (1646 – 1716). Bacon, o primeiro dos três
famosos filósofos ingleses a ter lugar na Corte, junto a Thomas Hobbes e
John Locke, considerava a filosofia como uma nova técnica de raciocínio
com o objetivo de restabelecer a ciência natural sobre bases firmes. O
núcleo de seu trabalho está no pensamento indutivo.
Segundo Winfried Nöth, Bacon era um cético semiótico, que “estudou os
meios lingüísticos de “falsificar” as coisas no seu tratado Idols of the
marketplace (Novum organum I, 43). Também foi ele quem descobriu,
em 1605, a possibilidade de codificar economicamente o alfabeto,
substituído por um código binário no qual dois elementos (a e b) são
usados para substituir as 25 letras do alfabeto em combinações do tipo A
= aaaaa, B = aaaab, C = aaaba, D = aaabb (De Augm. Scient. Vl. 1). De
certo modo, essa idéia está nas origens da teoria da informação” (NÖTH,
1995, p. 45). Leibniz, filho de um professor de filosofia moral, foi o
primeiro a perceber que as leis do pensamento, a anatomia da lógica,
como determinou, seria um assunto de análise combinatória. Em sua
obra, admitia que uma série de causas eficientes relacionadas ao corpo e
seus atos, determinariam o agir humano dentro da cadeia causal do
mundo natural. Para Leibniz não há ação livre se não for contingente,
espontânea e refletida. No campo da teoria dos signos, contribuiu para a
criação de um sistema racional de signos. O empirismo inglês foi na
filosofia da época um movimento que acreditava que as experiências
eram as únicas ou principais formadoras de idéias, discordando da noção
de idéias inatas de René Descartes. Seus principais expoentes foram
Thomas Hobbes (1588 – 1679), John Locke (1632 – 1704) e George
Berkeley (1685 – 1753). Hobbes trabalhou temas fundamentais no
empirismo, partindo da premissa de que todo conhecimento é sensação.
Assim, a imaginação seria um agrupamento inédito de fragmentos de
sensação e a memória, um reflexo de antigas sensações. Foi responsável
pela definição diádica e materialista do signo verbal, postulando que os
nomes são signos de nossas concepções e não das coisas mesmas. De
acordo com Nöth, Hobbes “evidenciou um modelo associacionista
bastante unilinear de semiose, ao salientar que, na associação de um
acontecimento antecedente com um evento conseqüente, um é signo do
outro” (1995, p. 45). Berkeley, insatisfeito com o rumo que a filosofia
moderna tomara, passou a defender o imaterial da realidade. Partindo de
críticas ao pensamento de Locke, afirmava que as únicas coisas com
existência efetiva são Deus e os espíritos humanos. Por isso, condenava
discussões acerca de coisas das quais não se têm idéias. Para ele, idéias
são palavras com significado e o conhecimento gira em torno delas. Sua
obra Sobre os princípios do conhecimento humano define que todas
as idéias são simples e derivam da percepção, que em sua concepção é
uma recepção passiva. O trabalho aponta que a linguagem e o uso das
palavras são fontes de controvérsias e que a comunicação de idéias não
é o objetivo principal das idéias, mas, sim, as sensações que provocam
no espírito. Berkeley define espírito como um ser simples e ativo, que
percebe idéias ao criar o entendimento e operar com elas através da
vontade. John Locke é considerado como o primeiro filósofo a postular
uma “doutrina dos signos” com o nome de Semeiotiké. Partindo do
princípio de que a finalidade da filosofia é prática e moral, Locke
sentenciava que em nosso pensamento podemos achar somente idéias
(representações), das quais devemos questionar suas origens e valores.
Para ele, a mente humana é como uma tábula rasa, uma folha em
branco onde se inscrevem as experiências individuais e coletivas. Essas
experiências têm o duplo caráter de serem externas e internas. A
experiência externa nos proporciona a representação dos objetos
externos e se realiza através das sensações como cores, sons odores,
sabores, forma, movimento. A experiência interna se consolida através
da reflexão, que nos garante a representação das próprias operações
exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como conhecer,
crer, lembrar, duvidar, querer. Locke descreveu os signos como
instrumentos do conhecimento, distinguindo duas classes deles: as idéias
e as palavras. As idéias seriam os signos que representam as coisas na
mente e as palavras representam as idéias na mente da pessoa que as
utiliza, sendo, portanto, signos das idéias de quem as emite.

Aula: 12 - Temática: Teoria do signo no Iluminismo

Surgido na França do século XVII, com o propósito de defender o


domínio da razão sobre a visão teocêntrica que dominava a Europa
desde a Idade Média, o pensamento iluminista é considerado a base da
Revolução Francesa, da independência das colônias inglesas na América
do Norte e, até, da Inconfidência Mineira, no Brasil. Os filósofos
iluministas propunham que o homem deveria combater o sistema de
crenças religiosas e os misticismos do mundo medieval. Essa forma de
pensar partia do princípio de que o homem é naturalmente bom, mas
passível de ser corrompido pela sociedade. Por isso, propunham o
estabelecimento de uma sociedade justa, com direitos iguais a todos,
para que a felicidade comum pudesse se estabelecer. Esses ideais foram
adotados pela burguesia da época, que viu nesse pensamento uma forma
de participar mais efetivamente das questões políticas envolvendo,
sobretudo o poder. É sempre bom lembrarmos que naquele regime, o
clero vinha em primeiro lugar, seguido da nobreza, da burguesia e dos
trabalhadores da cidade e do campo, nessa ordem. Embora irradiado na
França, o Iluminismo surgiu, de fato, na Inglaterra, principalmente com a
obra de John Locke, já comentada anteriormente. Para os iluministas,
cada pessoa deveria pensar por si própria e não se deixar levar por
outras ideologias que eram obrigadas a seguir. Nesse contexto histórico,
se inserem novas possibilidades para a construção de uma teoria dos
signos. Isso porque, foi no século XVIII que se abriram novas fronteiras
para a ampliação de áreas da epistemologia, hermenêutica e da estética.
No campo da epistemologia, se intensificaram os estudos sobre a gênese
e os processos de percepção dos signos. A hermenêutica, arte geral da
interpretação, possibilitou o entendimento do papel dos signos no
processo de compreensão dos textos. Por sua vez, a estética contribuiu
com investigações acerca da função do signo na percepção do belo. No
âmbito da estética, é importante ressaltar a obra de Alexander Gottlieb
Baumgarten, que em trabalho escrito em 1750 definiu estética a partir
da palavra grega aísthesis, como “percepção dos sentidos”. Entre os
franceses devemos relevar as contribuições de Etienne Bonnot de
Condillac (1715-1780), um dos responsáveis pela fundamentação de
uma nova forma de empirismo, o sensualismo. Amigo dos
enciclopedistas, foi o principal divulgador das idéias de Locke na França e
o primeiro a elaborar uma teoria psicológica da utilidade como base de
valor. Segundo sua teoria, o ponto de partida para o conhecimento é a
sensação, seguida da percepção, consciência, atenção, reminiscência,
imaginação, interpretação, memória e reflexão. Defensor do princípio de
que o uso dos signos revela a fonte de todas as nossas idéias, Condillac
estabeleceu três categorias de signos: causais (aqueles que
estabelecem conexões entre objetos e algumas de nossas idéias);
naturais (estabelecidos pela natureza para expressarmos sentimentos
como o medo, a alegria e a dor); e instituídos (aqueles que só têm uma
relação arbitrária com nossas idéias) (NÖTH, 1995, p.51). Também entre
os franceses, destaca-se a obra do enciclopedista Denis Diderot (1713-
1784), na contribuição para a construção de uma teoria do signo. Como
filósofo, preocupava-se com a natureza do homem, sua condição, seus
problemas morais e o sentido do destino. Diderot acreditava que a
linguagem dos gestos (tridimensional) é mais expressiva e lógica que a
linguagem verbal (unidimensional), por estar mais próxima da realidade
do mundo. Para ele, a linguagem verbal seria responsável pela distorção
da realidade, à medida que apenas representa a realidade e, ao fazê-lo,
distorce-a. Dentre os ideólogos da Revolução Francesa, é importante
destacar também a obra de Josef Marie Degérando (1772-1842), autor
de Os signos e a arte de pensar, que desenvolveu a semiótica
sensualista e um modelo semiogenético, onde distinguiu os limiares do
signo em três níveis: as sensações necessárias à existência de
representações (signos pré-lingüísticos), o limiar entre as sensações e o
estado de conexão da sensação com a idéia (signos lingüísticos). Os
signos pré-lingüísticos iluminam a si mesmos ao evocarem idéias e os
signos lingüísticos desviam nossa atenção para as idéias que evocam.
Antes de apagarmos as luzes do Iluminismo, focaremos a obra do
alemão Johan Heinrich Lambert (1728-1777), autor do primeiro tratado
de teoria geral do signo, que recebeu o nome de Semiótica (1746),
onde acentua o papel dos signos na clarificação das idéias obscuras. Sua
obra apresenta quatro tipos de signos: naturais, arbitrários, imitações e
representações (entendidas como variados graus de similitude). No
trabalho, apresentou 19 sistemas sígnicos, abordando desde os gestos,
as palavras orais e escritas, a notas musicais, as representações visuais,
os signos químicos, os sociais e os naturais.
- Contribuições de Vico
A obra do italiano Giambattista Vico (1668-1774), embora fora dos
padrões essenciais do espírito iluminista, também merece ser lembrada,
principalmente se observarmos os aspectos evolucionistas e não-
cartesianos de suas idéias. Escrito em 1725, seu trabalho Nuova
Scienza apresenta temas como a poesia, o mito, a metáfora, a língua e
a evolução dos signos na história da humanidade, dividida entre:
- Era divina - Quando os homens se expressavam por meio de
hieróglifos, gestos ou objetos que mantivessem relações naturais com as
idéias.
- Era heróica - Quando a comunicação se caracterizou por
representações visuais como emblemas, brasões, insígnias que
denotassem poder, sendo as idéias abstratas representadas por mitos,
especialmente o mito do herói
- Era humana – Quando os signos, dominados pela razão e pelas
imposições do processo civilizatório levaram ao declínio da poesia e da
imaginação.

Aula: 13 - Temática: A Semiótica no século XIX

O século XIX foi marcado pelo Romantismo, um movimento artístico e


filosófico que surgiu nas últimas décadas do século XVIII na Europa, com
acentuada visão de mundo contrária ao racionalismo que caracterizou o
Iluminismo. O período romântico é marcado pelo lirismo, pela emoção e
por uma relevância da subjetividade em relação à visão de mundo. As
teorias dos signos surgidas nesse período definem noções centrais como
símbolo e imagem, que acabaram determinando toda a produção
intelectual sobre o tema naquela época.
A obra do alemão J.G. Fichte (1762-1814) teve relevância naquele
momento porque defendeu a importância das imagens no processo de
cognição, admitindo que o sistema de conhecimentos é um sistema de
imagens sem realidade, significação ou finalidade. Como ideólogo,
exerceu influência sobre os representantes do nacionalismo alemão, mas
principalmente, sobre as concepções filosóficas de Friedrich Schelling,
G.W.F. Hegel e Arthur Schopenhauer. Dentre os grandes filósofos do
século XIX destaca-se, sobremaneira, a obra de Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (1770-1831), Fenomenologia do Espírito, onde introduz o
conceito de dialética como a arte do diálogo, da contraposição e
contradições que levam a novas idéias. Elaborou definições de signo e
símbolo, ampliando as possibilidades da aplicação desse estudo. Para
Hegel, signos são como uma percepção imediata que representa um
conteúdo bem diferente do que tem em si mesmo. Já o símbolo
corresponde a uma percepção que, pela sua natureza própria é mais ou
menos conteúdo do que manifesta. As teorias de Hegel influenciaram
Charles Sanders Peirce e é isso o que trataremos na Unidade III.
A obra de Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, o Barão de von
Humboldt (1767-1835), merece destaque no contexto das teorias do
signo produzidas no século XIX. Humboldt é tido como o primeiro
lingüista europeu a considerar a linguagem verbal humana como um
sistema governado por regras e não simplesmente uma coleção de
palavras e frases com significado. Seu papel para a formação da
semiótica verbal é fundamental, principalmente por introduzir o princípio
da relatividade lingüística. Segundo essa teoria, há diferenças estruturais
entre várias línguas do mundo, que agem sobre a cognição humana. Seu
trabalho estabeleceu uma diferenciação entre o sistema lingüístico e os
processos dinâmicos do uso da linguagem verbal.
Bernhard Placidus Johann Nepomuk Bolzano (1781-1848) também
contribuiu para a formação da teoria dos signos com um tratado escrito
em 1837, onde se encontra uma investigação sobre a utilidade dos
signos. Nela encontramos uma relação de nove vantagens do uso dos
signos na descoberta da verdade e 13 regras para o uso e invenção de
signos. Por fim, para encerrar este breve panorama das teorias do signo
no século XIX, destacamos o trabalho de Lady Victoria Welby.(1837-
1912), que deixou sua contribuição para a formulação da ciência do
significado e da comunicação (significs). Teve influência na obra de
Charles Sanders Peirce, com quem manteve constante interlocução. Seus
livros O que é significado (1903) e Significados e linguagem (1911)
serviram de base para a obra de C.K. Ogden e I.A. Richards, O
significado do significado (1923), que tem servido de referência às
escolas de Comunicação Social em todo o mundo.

Aula: 14 - Temática: O Pragmatismo

Entender o percurso da Filosofia da Linguagem a partir do século XX


requer uma concentração para a abordagem sobre o Pragmatismo,
escola filosófica surgida no final do século XIX nos Estados Unidos,
caracterizada pela idéia de que a ação é o fim do homem.
Três pensadores norte-americanos são considerados os pioneiros na
elaboração das teorias de sustentação do Pragmatismo: Charles Sanders
Peirce (1839-1914), William James (1841-1910) e John Dewey (1859-
1952). A missão do movimento pragmatista seria transformar a filosofia
e seus métodos com a intenção de torná-la “útil”. Nessa visão, o
pragmatismo seria uma espécie de ponto médio, colocado entre duas
correntes filosóficas formadas, de um lado, pelos filósofos caracterizados
como intelectualistas, otimistas, idealistas, religiosos, dogmáticos e
racionalistas, guiados por princípios. De outro, estariam os pessimistas,
fatalistas, não-religiosos, céticos, pluralistas, materialistas e empiristas,
guiados pelos fatos (MOTA, HEGENBERG, 1984, p. 19).
O Pragmatismo seria uma forma de superar as disputas entre
racionalismo e empirismo e, para tanto, propunha-se a ser um método
para se chegar à verdade. Mota e Hegenberg acreditam que o
pragmatismo pode ser entendido como tentativa de esclarecimento de
idéias, procurando aplicar na análise filosófica as técnicas de investigação
experimental que já eram colocadas em prática pela física e a biologia.
Essa tentativa deixa assentado, entre outros pontos, que os dados
científicos são coligidos, em uma investigação, sob condições planejadas
de observação – e não casualmente recolhidos, como se fossem
impressões isoladas de vários órgãos dos sentidos. Erra, portanto,
Bacon, ao sustentar que o conhecimento deriva da experiência,
entendendo-a em termos de sensações distintas, sem cogitar do papel
que o espírito desempenha na atividade preliminar de seleção,
comparação e discriminação. Os dados da ciência não são ‘oferecidos’ ao
espírito receptivo (e passivo), mas são encarados sob um prisma peculiar
em que não é pequena a intervenção do controle e da análise
experimental (MOTA, HEGENBERG, 1984, p. 20).
Nesse sentido, o pragmatismo é tido como um instrumento capaz de
colaborar com procedimentos de decisão, a partir da observação de
experiências (ou fenômenos), onde se consideram as alterações no
âmbito da vida cotidiana e prática. Assim definido, o pragmatismo
nasceu realmente em 1878, quando Charles Sanders Peirce publicou o
artigo How to make our ideas clear (Como tornar nossas idéias
claras), impulsionando à construção arquitetônica de um edifício
filosófico, que seria a base para o desenvolvimento da Semiótica, a
ciência dos signos. Esse edifício, conforme explica Lúcia Santaella, uma
das maiores especialistas em Semiótica peirceana no Brasil, se baseia
em três pilares: Fenomenologia, Ciência Normativa e Metafísica. No
campo das Ciências Normativas, a Semiótica, conforme delineou Peirce,
estaria acompanhada da Estética e da Ética. A ela, Semiótica, estariam
subordinados três outros campos filosóficos: a Gramática Pura, a Lógica
Crítica e a Retórica Pura (SANTAELLA,1996, p. 27).
Nessa perspectiva do Pragmatismo, a Fenomenologia é responsável pela
observação e análise dos fenômenos, definindo as formas e propriedades
universais de qualquer tipo de experiência e pensamento.
É com base na Fenomenologia que as Ciências Normativas, nesse
escopo, se desenvolvem obedecendo a seguinte ordem: Estética, Ética e
Semiótica (ou Lógica, como entende Peirce), com a função de “distinguir
o que deve e o que não deve ser” (1996, p. 29). Segundo Santaella, a
Estética se define “como ciência daquilo que é objetivamente admirável
sem qualquer razão ulterior. É a base para a Ética ou ciência da ação ou
conduta, que da Estética recebe suas primeiras delimitações. Sob ambas,
e delas extraindo seus princípios, estrutura-se em três ramos a ciência
Semiótica, teoria dos signos e do pensamento deliberado” (1996, p. 29).
Enfim, tem-se a Metafísica, entendida como ciência da realidade, aquilo
que é de modo independente das nossas fantasias. Por enquanto, vamos
seguir os conselhos de Lúcia Santaella, quando diz que a Semiótica é um
estudo suportado pela observação direta dos fenômenos, ação que
permite a discriminação das suas diferenças e, por conseqüência, a
generalização dessa observação na formulação de classificações
categóricas bastante universais.
Para isso, estimula a especialista, é preciso desenvolver três faculdades:
1) A capacidade contemplativa, isto é, abrir as janelas do espírito e ver o
que está diante dos nossos olhos;
(2) Saber distinguir, discriminar resolutamente diferenças nessas
observações;
3) Ser capaz de generalizar as observações em classes ou categorias
abrangentes (SANTAELLA, 1996, p.33).

Aula: 15 - Temática: Charles Sanders Peirce

Falamos na Aula Inaugural desta disciplina que é impossível dissociarmos


a autoria de uma obra, da história de vida de seu autor. Portanto, não
vamos prosseguir na explicação sobre a Semiótica antes de
contextualizarmos a importância de seu criador, o filósofo Charles
Sanders Peirce (1839-1914). Considerado por muitos historiadores da
filosofia como um dos maiores e mais originais pensadores norte
americanos, tem seu nome ligado diretamente ao Pragmatismo. Nascido
em 10 de setembro de 1839, em Cambridge, Massachusetts, Peirce
conviveu desde cedo com um rigoroso espírito científico. Isso porque,
seu pai, Benjamin Peirce, era um reconhecido intelectual da época,
voltado para as novas descobertas na matemática, física e astronomia.
Esse exemplo familiar garantiu a Peirce uma sólida formação acadêmica.
Foi cientista, matemático, historiador, filósofo e lógico. Graduado com
louvor em Química, pela Universidade de Harvard, é reconhecido nos
Estados Unidos por suas contribuições no campo da Geodésica, Biologia,
Psicologia, Matemática e, principalmente, Filosofia.
Nessa área, a maior marca do pensamento peirceano é a ampliação da
noção de signo e, conseqüentemente a de linguagem. Segundo Lúcia
Santaella, Peirce “foi o enunciador da tese anticartesiana de que todo
pensamento se dá em signos, na continuidade dos signos” (SANTAELLA,
2001, p. 32).Porém, a contribuição de Peirce avança por outras áreas,
como a lingüística, a semântica e a teoria da comunicação, disciplinas
consideradas fundamentais no campo das ciências humanas no século
XX. É importante lembrarmos, que esse período da história é marcado
especialmente por uma revolução no desenvolvimento dos aparelhos
técnicos que permitiram ao homem ampliar sua capacidade de
comunicação. A mídia impressa foi aperfeiçoada a partir da invenção
medieval de Gutenberg, Samuel Morse contribuiu com o telégrafo
eletrônico, Auguste e Louis Lumière, partindo dos conhecimentos sobre
fotografia, ampliaram as possibilidades de criação de linguagem com
suas imagens cinematográficas ainda sem linguagem sonora.
O campo estava fértil para o surgimento de uma nova teoria dos signos,
que cumprisse a função de observar, analisar e generalizar a enorme
quantidade de fenômenos de linguagem que surgiam. Essa empreitada,
Peirce assumiu com dedicação. Isso se deu, principalmente, por sua
sólida formação filosófica e sua reconhecida dedicação ao estudo. Peirce
dedicava-se tão intensamente à filosofia, que, durante três anos,
estudou duas horas por dia a Crítica da Razão Pura, de Kant (1724-
1804), chegando a decorá-la. Em pouco tempo seus trabalhos originais
em lógica e filosofia deram-lhe reputação, a ponto de ser indicado para a
função de conferencista de lógica na recém-fundada Universidade Johns
Hopkings. Nessa escola Peirce lecionou de 1879 a 1884 (Os pensadores,
1980, p.VI) Dono de uma personalidade bastante complexa, o filósofo
não prosseguiu com sucesso em sua carreira universitária, devido a
incompreensões das autoridades administrativas, que lhe negavam apoio
na construção de seu trabalho. A partir de 1887, já doente, passou a
viver isoladamente em Milford, na Pensilvânia, onde morreu em 19 de
abril de 1914. Charles Sanders Peirce deixou 12 mil páginas publicadas e
90 mil páginas em manuscritos inéditos acerca da Semiótica, que estão
depositados na Universidade de Harvard. Vinte anos após sua morte,
surgiu a primeira publicação desses textos em seis volumes, os Collected
Papers. Nos anos 1950, Burks acrescentou os volumes 7 e 8 aos
Collected Papers, nos quais aparecem temas adicionais... tais como a
filosofia da mente e algumas das principais correspondências de Peirce
com Lady Welby, onde estão expostas discussões importantes da teoria
dos signos peirceana. .. em 1976, sob direção de Max Fisch, estabeleceu-
se na Universidade de Indiana, com sede em Indianápolis, o Peirce
Edition Project.. sob os auspícios do National Endowment for the
Humanities, para a publicação de escritos cronológicos de Peirce em 35
volumes (SANTAELLA, 1999,ps.6-7).
Aula: 16 - Temática: Teoria peirceana do signo – parte I

Como vimos na aula anterior, a obra de Charles Sanders Peirce ainda


não está totalmente disponível para estudos. No entanto, suas
postulações já publicadas nos permitem traçar um caminho para
entendermos, pelo menos, as suas origens. Peirce considerava, em
princípio, que os problemas filosóficos surgidos no seu tempo deveriam
ser solucionados através de métodos apropriados em termos
experimentais, de modo a que conferissem significado às idéias
filosóficas. Para ele, esses métodos serviriam para organizar essas
idéias, de forma que pudessem ser estendidas a novos fatos. Essas
postulações, como já vimos, se encontram na base do Pragmatismo,
formulado para ser uma técnica capaz de auxiliar na compreensão de
fenômenos de natureza científica ou filosófica. Sua teoria do signo é
ampla e complexa, compreendendo uma lógica matemática e simbólica.
A questão central de seu pensamento reside na definição do que é signo
e na distinção que estabeleceu entre os diversos tipos de signos. Como
nos ensina Winfried Nöth, o ponto de partida da teoria dos signos
formulada por Peirce determina que “as cognições, as idéias e até o
homem são essencialmente entidades semióticas. Como um signo, uma
idéia também se refere a outras idéias e objetos do mundo” (NÖTH,
1995, p. 63). Lúcia Santaella aponta que Peirce ampliou a noção de signo
que a tradição filosófica vinha trazendo desde a Antiguidade. Segundo
ela, Peirce acreditava que “signo é uma coisa que representa uma outra
coisa; seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse
poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele”
(SANTAELLA, 1996, p.58).
Apresentando a definição de signo colhida na obra já publicada de Peirce,
Santaella nos fornece novas dimensões para a compreensão desse
elemento básico de sua teoria: “Defino um Signo como qualquer coisa
que, de um lado, é assim determinada por um Objeto e, de outro, assim
determina uma idéia na mente de uma pessoa, esta última
determinação, que denomino o Interpretante do signo, é, desse modo,
mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem
uma relação triádica com seu Objeto e com seu Interpretante (8.343)”,
(SANTAELLA, 2000, p.12).
Explicado dessa forma, podemos perceber que o signo não é aquilo que
significa, mas a representação da coisa significada. Vejamos um
exemplo: se observarmos uma nuvem carregada no céu, podemos
denotar que haverá chuva. Porém a nuvem não é a chuva, mas uma
indicação de que poderá chover. Da mesma maneira, qualquer
pensamento não é aquilo que significa, pois todo pensamento implica um
objeto a ser interpretado, um intérprete e uma interpretação.
Queremos dizer com isso que o significado do signo está diretamente
vinculado ao conteúdo repertorial, à vivência, à experiência daquele que
o interpreta. Apresentar com densidade a Semiótica de Peirce em
algumas aulas é uma pretensão. Para obtermos esse conhecimento de
forma ampla, são necessários muitos anos de estudo. No entanto, numa
perspectiva atual, onde, como já se frisou anteriormente, há uma
produção incessante de novos signos, acreditamos ser necessário que o
aluno possa se sentir estimulado a navegar por esses mares. Diante
dessa proposta, devemos manter uma atitude aberta ao processo
cognitivo. Isso porque, a investigação semiótica abrange diversas áreas
do saber envolvidas com as linguagens ou sistemas de significação.
Dentre eles, destacamos novamente a lingüística (linguagem verbal),
mas também a matemática (linguagem dos números), a biologia
(linguagem da vida), as artes (linguagem estética), entre outras. Nesse
contexto pragmático, a principal utilidade da Semiótica é possibilitar a
descrição e análise da dimensão representativa, o entendimento da
estruturação sígnica de objetos, processos (semioses) ou fenômenos em
categorias e classes organizadas. E esse foi o trabalho fundamental do
filósofo Charles Sanders Peirce.

Aula: 17 - Temática: Teoria peirceana do signo – parte II

Muitos filósofos têm contribuído ao longo da história para a formulação


de categorias limitadas para definir os fenômenos. Como já foi estudado
em outras disciplinas, Aristóteles propôs a existência de dez categorias.
Immanuel Kant tem seu modelo filosófico baseado em doze delas. Peirce,
por sua vez, ao esboçar a Semiótica como teoria do signo propôs em sua
fenomenologia, a existência de apenas três categorias universais, que
chamou originalmente de Firstness, Secondness e Thirdness, traduzidas
em português para Primeiridade, Secundidade e Terceiridade.
A elaboração de tríades como suportes classificatórios e categorizantes
de fenômenos é uma prática que se encontra em Platão e nos católicos.
Porém, nos critérios adotados por Peirce, esse modelo procura reduzir a
multiplicidade e complexidade universais em uma ordenação com
determinado sentido.
Em sua visão pan semiótica, acreditava que o mundo é composto de
signos analisáveis e classificáveis fenomenologicamente nos três eixos:
• Primeiridade – Categoria do sentimento imediato e presente nas
coisas, sem relação com outros fenômenos do mundo; é a primeira
impressão ou sentimento que recebemos das coisas, uma qualidade de
sensação.
• Secundidade – Categoria que se inicia quando um primeiro fenômeno
é relacionado a um segundo fenômeno qualquer, no sentido de
comparação, do relacionamento direto, do embate, provocando uma
experiência analogística
• Terceiridade – Categoria que relaciona um fenômeno segundo a um
terceiro, estabelecendo uma mediação, interconectando dois fenômenos
em direção a uma síntese regulatória, a uma convenção. As qualidades
puras, imediatamente sentidas, são típicas da Primeiridade. É, por
exemplo, a primeira sensação que nos traz uma música que nunca
escutamos ou uma imagem que nunca vimos, ou qualquer espécie de
violência física pela qual nunca passamos...
As relações diádicas, analítico-comparativas, são exemplos de
Secundidade. Como diz Santaella, a Secundidade “é a arena da
existência cotidiana” (1966, p.47). Podemos dizer que é o estado de
comparação entre a qualidade de sensação obtida durante o contato com
o fenômeno primeiro e o estoque repertorial que mantemos vivo em
nossa mente, preparando-a para encontrar as definições acerca dos
fenômenos, que se dão basicamente através das palavras. Assim, temos
que as palavras, por se remeterem a algo para alguém, são fenômenos
de Terceiridade. Como já dissemos na Unidade I dessa disciplina, elas
são resultado de uma operação perceptiva codificada por um sistema de
linguagem, ou seja, uma representação. A construção da fenomenologia
que reduz tudo a três categorias é considerada por muitos estudiosos da
obra de Peirce como possível de ser aplicada a uma visão evolucionista
do cosmo. Nessa ordem cosmológica, temos que o acaso estaria no nível
da Primeiridade. As lutas e embates do processo fenomenológico de
formação da ordem estariam associados à Secundidade, de onde
resultariam em uma definição legal e organizada sobre a evolução do
cosmo, associada à categoria da Terceiridade Por sua origem no
Pragmatismo, a Semiótica é uma ciência que oferece “ferramentas” para
se ler o universo em que estamos inseridos. Muito mais do que descrever
as classes ou categorias em que se inscrevem os signos, o que veremos
nas próximas aulas, trata-se de um instrumental útil para ser aplicado
nos mais diversos campos de investigação.
Dessa forma, permite a compreensão do jogo de relações que se
estabelecem em qualquer semiose, qualquer processo semiótico. Ao
colaborar na ordenação desse conjunto de relações, percebemos seu
potencial no mundo das linguagens.

Aula: 18 - Temática: Teoria peirceana do signo – parte III

A definição de signo é fundamental para a compreensão da teoria


formulada por Peirce. Para ele, como já vimos anteriormente, signo é
qualquer coisa capaz de tornar presente algo que está ausente para
alguém, produzindo nesse alguém um efeito resultante de um processo
de interpretação. Assim, quando nos deparamos com um desenho de
uma casa, estamos diante de uma das possibilidades de representação
sígnica da casa. Que é bastante diferente da fotografia de uma casa,
outra forma de representação. Ou, até mesmo, da palavra casa. Todos
esses signos que representam a casa estão no lugar dela. Trazem para
nossa mente o objeto-casa. Essas relações mediadas, entre a
representação do objeto e a sua interpretação têm uma correspondência
lógica no pensamento peirceano, o que Peirce chama de semiose. “O
termo foi por ele adaptado de um tratado do filosófo epicurista
Philodemus. Em outra definição, onde usou a palavra grega, ele dizia:
‘semeiosis significa a ação de quase qualquer signo, e a minha definição
dá o nome de signo a qualquer coisa que assim age’ (CP5.484)” (NÖTH,
1995, p.68). Na formulação de sua teoria, Peirce concebeu o signo como
uma tríade, formada desta maneira: • Pelo representamen – Tudo
aquilo que funciona como signo para quem o percebe; • Pelo objeto –
Tudo aquilo que é referido pelo signo; • Pelo interpretante – O efeito do
signo naquele (humanos ou máquinas) que o interpreta.
Vamos aprofundar nossa explicação sobre a formulação do signo
peirceano: Representamen é aquilo que sustenta o signo, o que o faz
funcionar como signo, remetendo a alguma referência para um
interpretante, entendido como o resultado interpretativo em si mesmo. É
através do representamen que o signo se vincula – por semelhança,
indicação ou convenção – a um objeto exterior, a um objeto perceptível.
“Ele é, segundo Peirce afirmava, ‘o veículo que traz para a mente algo de
fora’. É, assim, o signo considerado do ponto de vista ‘da sua própria
natureza material’ ou ‘como é em si mesmo’” (NÖTH, 1995, p.69).
Tratemos agora de explicar o objeto na teoria do signo de Peirce. Para o
filósofo, o objeto pode ser material ou uma entidade mental e
imaginária. Podem ser também de duas espécies: objeto imediato e
objeto mediato, conhecido também como real ou dinâmico. Objeto
imediato é definido por Peirce como uma representação mental de um
objeto, existente ou não (imaginado). Já o objeto mediato ou objeto
dinâmico é aquilo que o signo substitui, firmando o elo de ligação entre
ele (signo) e sua representação. É uma passagem dentro do processo de
significação, que dá abertura para entendermos a noção de
interpretante. Existem três facetas a serem estudadas para o
entendimento do conceito de interpretante na teoria de Peirce. A
primeira delas diz respeito à capacidade de um signo produzir algo na
mente de qualquer pessoa, ou seja, seu potencial sígnico, também
chamado de interpretante imediato. Mas, para que se dê o processo de
semiose, é necessário que esse potencial se realize, de forma parcial e
singular, na mente de alguém ou de um dispositivo interpretativo (uma
máquina, por exemplo). Essa faceta é chamada de interpretante
dinâmico. Quando, nesse percurso, o interpretante dinâmico atinge o
momento da interpretação do signo, cria na mente um outro signo,
resultado do processo de simbolização.
Vamos dar um exemplo prático, para entendermos essa complexidade:
Vamos recorrer à memória e nos lembrar de um episódio fenomenológico
ocorrido há algum tempo no interior do Brasil. Trata-se da notícia de que
um vidro de uma construção arquitetônica traria a imagem de uma
santa. A imagem não possuía nenhum significado, até que alguém a viu
e se espantou (Primeiridade). Recorrendo às experiências registradas em
seu cérebro, comparou o que já conhecia, com aquilo que estava diante
de seus olhos (Secundidade). A partir daí determinou: é uma santa
(Terceiridade). E todos acreditaram no fenômeno, produzindo em suas
mentes outras correspondências de significação. Esse é o processo da
semiose. É essa a operação sígnica que se põe em funcionamento a cada
instante de nossas vidas, fazendo com que possamos ver nossa
consciência crescer e ir para fora de nós, na busca de outros caminhos.

Aula: 19 - Temática: A classificação peirceana dos signos

Terminamos a aula anterior explicando o conceito de semiose, que pode


ser considerado como um processo de apreensão de um signo. Como
pudemos perceber, a semiose envolve um movimento espiralado de
compreensão, na medida em que, depois de completado, dá início a um
novo processo sígnico, a uma nova semiose. Nesta aula vamos
apresentar como Peirce desenvolveu as classes ou categorias que
envolvem todos os tipos de signos, segundo suas características
referenciais e fenomenológicas. O trabalho parte de organizações
tricotômicas, triádicas, que obedecem a lógica exposta a seguir:
1. Primeira tricotomia – Organiza os signos segundo as características
do próprio signo, ou seja, do representamen. Este foi dividido por Peirce
nas seguintes categorias:
• Quali-signo – qualidade sígnica imediata, tal como a impressão
causada por uma cor; é considerada como um pré-signo ou
antematerialidade sígnicia de um signo
• Sin-signo – quando a qualidade sígnica se concretiza de maneira
singular ou individual, passa a ser um sin-signo
• Legi-signo – quando o sin-signo gera uma idéia universalizada, uma
convenção que substitui o conjunto que a singularidade representa,
torna-se um legi-signo
2. Segunda tricotomia – Surge da relação entre o representamen e o
objeto e é considerada por Peirce como a mais importante tricotomia,
que a divide da seguinte forma:
• Ícone – assim como o quali-signo, representa apenas uma parte da
semiose na qual o representamen evidencia um ou mais aspectos
qualitativos do objeto. Tomemos como exemplos os retratos
(desenhados ou fotografados) como exemplos de representamen, que
possuem semelhanças, similaridades para com seus objetos (a pessoa
retratada). Lembremos o exemplo da santa do vidro.
• Índice – estabelece uma relação direta entre signo e objeto, de modo
referencial. Vamos nos lembrar do exemplo da nuvem e da chuva, dado
em uma aula passada, quando dissemos que uma nuvem carregada nos
remete à idéia de que vai chover. Podemos ampliar esses exemplos com
outros, como as pegadas na areia indicando que alguém esteve ali, ou a
sinais de fumaça em uma floresta, que nos remetem à impressão de que
há fogo.
• Símbolo – são signos arbitrários, pois já vêm com os sentidos
socialmente convencionados pelo interpretante. Como já dissemos
anteriormente, as palavras são os mais simbólicos signos que
conhecemos. A palavra cadeira, por exemplo, se refere não somente a
uma cadeira, mas a todos os tipos de cadeiras que conhecemos.
3. Terceira tricotomia – Considerada como a mais complexa e racional
categorização dos signos, refere-se à relação entre representamen e
interpretante.
Também recebe uma divisão triádica em sua composição:
• Rema – em referência à lógica formal, pode ser chamado de termo,
um enunciado impassível de averiguação de verdade, descritivo como
um nome ou palavra. Podemos exemplificar com a palavra Fátima, que
fora de qualquer contexto é considerada um rema.
• Dicente – corresponde à categoria lógica da proposição, que é a
unidade mínima para exprimir idéias que podem ser verdadeiras ou
falsas. Combina ao menos um argumento e um predicado, como por
exemplo: “meu nome é Fátima”. É um signo altamente informativo,
porém não fornece os motivos pelos quais afirma algo.
• Argumento – esses motivos são fornecidos pelo argumento, um
enunciado encadeado de forma a evidenciar a condição de verdade de
uma conclusão. Discursos de caráter persuasivo ou silogismos formais
são considerados exemplos de argumento: “Meu nome é Fátima porque
nasci no dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima”.
Ao atingir este ponto, Peirce, que enraizou toda a sua teoria na Lógica,
parece se preocupar em classificar os argumentos e verificar sua
condição de verdade. Para isso, utilizou-se de três operações lógicas,
para aplicar suas postulações:
• Dedução – partindo de um geral para o particular
• Indução – partindo do particular para o geral
• Abdução – também chamada de hipótese, afirmando um caso a partir
de uma regra e de um resultado
Acabamos de expor as três grandes tríades dos signos, uma divisão
lógica genérica que funciona como “um mapeamento panorâmico das
grandes matrizes sígnicas e das fronteiras que as definem. A partir disso,
por combinação lógica entre essas matrizes, Peirce estabeleceu 10
classes principais de signos que dizem respeito às misturas entre signos
que são logicamente possíveis” (SANTAELLA, 1996, p. 69). É este o tema
de nossa próxima aula!

Aula: 20 - Temática: As dez classes principais de signos para


Peirce
Chegamos ao final dessa exposição bastante abreviada da obra de
Charles Sanders Peirce. A intenção, como já afirmamos, é divulgar de
maneira didática as origens e desenvolvimentos de suas postulações
para a formação da teoria do signo chamada Semiótica. Peirce vivenciou
um período de efervescência no mundo das linguagens. Como
pragmático observava essa evolução com a mente voltada para o estudo
do efeito do signo sobre os intérpretes em situações de comunicação.
Como podemos perceber, pelo que já estudamos até aqui, essas
situações de comunicação nada mais são do que fenômenos sobre os
quais se operam as leituras possíveis de interpretação. São conhecidos
também como processos de semiose. Como lógico, Peirce contribuiu
categorizando o universo da linguagem. Baseou suas normas em
fenômenos observáveis, analisáveis e registráveis de forma científica e
racional, como deve ser feito por todo pesquisador sério e empenhado.
Mas essa conduta deve ser sempre temperada com algumas reflexões no
âmbito da poiesis, no sentido grego e original do termo. Vamos, então,
conhecer mais um pouco do trabalho de Peirce: A partir de suas três
tricotomias, estudadas na aula anterior, o filósofo propôs que elas
fossem cruzadas com as categorias fenomenológicas de Primeiridade,
Secundidade e Terceiridade na perspectiva do representamen, do objeto
e do interpretante, gerando nove categorias. Essa possibilidade
combinatória geraria 27 classes de signos. Porém, como apontam os
especialistas em Peirce – dentre eles Santaella e Nöth, algumas dessas
combinações teóricas são semioticamente impossíveis. Daí, a redução
para as dez classes principais. Vamos nos utilizar do esquema montado
por Nöth, para explicá-las abaixo:
1- Quali-signo icônico remático – é uma qualidade que é um signo,
como a sensação do vermelho
2- Sin-signo icônico remático – é um objeto particular e real que,
pelas suas próprias qualidades, evoca a idéia de um outro objeto, como
um diagrama dos circuitos numa máquina particular
3- Sin-signo indicial remático – dirige a atenção a um objeto
determinado pela sua própria presença, como um grito de dor
4- Sin-signo inidicial dicente – além de ser diretamente afetado por
seu objeto é capaz de dar informações sobre esse objeto, como um
catavento
5- Legi-signo icônico remático – ícone interpretado como lei, como
um diagrama em um manual
6- Legi-signo indicial remático – lei geral que requer que cada um de
seus casos seja realmente afetado por seu objeto, de tal modo que
simplesmente atraia a atenção para esse objeto, como um pronome
demonstrativo
7- Legi-signo indicial dicente- lei geral afetada por um objeto real, de
tal modo que forneça informação definida a respeito desse objeto, como
uma placa de trânsito
8- Legi-signo simbólico remático – signo convencional que ainda não
tem o caráter de uma proposição, como um dicionário
9- Legi-signo simbólico dicente – combina símbolos remáticos em
uma proposição, sendo, portanto, qualquer proposição completa.
10- Legi-signo simbólico argumento – signo do discurso racional, tal
como a forma de um silogismo.

Aula: 21 - Temática: Como perceber o mundo das linguagens

Estamos chegando ao final desta unidade, com a certeza de que já


aprendemos conceitos novos e importantes, que vão ser somados aos
outros conteúdos repertoriais que possuímos arquivados em nosso
cérebro, para gerar um pensamento renovado e pronto para aportes
criativos em nossas análises filosóficas. Podemos, nesta altura do
percurso, ampliar nossos objetivos introduzindo uma questão muito
próxima à Filosofia da Linguagem, senão, essencial a ela. É o problema
da percepção do signo, pois se o signo é aquilo que representa alguma
coisa para alguém, certamente não o é para quem não o percebe como
tal. No entanto, em um mundo globalizado, onde as mensagens sígnicas
têm um conteúdo valorativo altamente simbólico e invasivo, abordar a
questão da percepção é atitude urgente para a formação de uma
mentalidade que não seja submissa. E esse compromisso deve nortear a
ação de qualquer agente filosófico, seja em qual âmbito for.
Vimos até aqui que qualquer tipo de linguagem serve para produzir
sentido para nós. O ser humano é um ser simbólico, incapaz de
sobreviver sem criar um universo de linguagem que o auxilie no processo
de evolução de sua espécie. Todas as relações que mantemos com o
mundo, com os outros ao nosso redor e até conosco mesmo, são
mediadas pelas operações de linguagem. Por isso, ao considerarmos a
Semiótica como a ciência que se ocupa desse processo de mediação e
sabendo que o homem é um ser simbólico por natureza, podemos dizer
sem errar que todo ser humano é um ser semiótico. Apesar de a grande
maioria deles não ter essa consciência que acabamos de adquirir.
Como afirma Santaella, “os signos produzem mensagens, transmitem
informações de um ponto ao outro no espaço e no tempo, sem o que os
processos de cognição, de comunicação, de significação e de cultura não
seriam possíveis” (1998, p.13). Essa dimensão pode ser ainda mais
ampliada se pensarmos o quanto os processos perceptivos mais básicos,
como os visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativos são, em si,
também signos, uma vez que ao passar por qualquer dessas experiências
sensórias temos a capacidade de evocar a presença de uma ausência.
Isso nos é permitido porque temos como auxiliar, além do sistema
sensório-motor, o potencial e os limites dos nossos esquemas cognitivos
mentais. As percepções humanas são resultados de elaborações
cognitivas, o que as coloca no paradigma dos signos em sentido lato. Há,
evidentemente, uma gradação que vai do olhar ao degustar. O olhar e a
escuta são mais mediatizados, enquanto o apalpar, cheirar e degustar se
colocam numa escala decrescente de mediação até a quase imediatez da
degustação. Enquanto a visualidade e a escuta dependem de órgãos
decodificadores sofisticados, como são o olho e o ouvido, o apalpar se dá
numa interação corpo-a-corpo com a matéria, enquanto o cheiro e o
paladar envolvem uma absorção da matéria por nossos órgãos sensores
(SANTAELLA, 1993, p. 156-157). As pesquisas na área das ciências
cognitivas têm nos mostrado que o homem possui modelos ou esquemas
abstratos que nos servem de equipamento para apreender as
experiências de mundo, aquelas que adquirimos ao longo de nossa
vivência.
É comum que esses processos perceptivos funcionem como processos
interpretativos, essenciais à construção de nosso conhecimento que, num
contexto contemporâneo, estão diretamente ligados às formas pelas
quais os homens expressam seus universos simbólicos. O problema do
signo, então, é um problema de comunicação presente, como vimos, no
início da Unidade I, nas existências mais primárias da natureza, nos
sistemas codificados de produção de linguagem que dão suporte para
que haja um entendimento necessário à vivência em sociedade. É por
isso que os estudos semióticos vêm se expandindo. À medida que esses
sistemas codificados de produção de linguagem vêm sendo ampliados
com as descobertas tecnológicas, maior é a necessidade de se observar a
expansão da visão semiótica sobre as coisas, fenômenos, pessoas e
idéias. Como nos explica Santaella, a Semiótica interage com disciplinas
já estabelecidas nos campos das humanidades, como direito, sociologia,
antropologia, literatura, psicanálise e educação. E, daí, possibilita a
amplitude de conexões, abrindo frentes de pesquisa para que se estude
a semiótica do circo, do teatro,do jornalismo, do cinema, do discurso, a
semiótica da cultura.
... a hipótese que venho desenvolvendo, há algum tempo, é a de que
existe uma tendência expansiva nos estudos semióticos, pelo simples
fato de que se pode observar um crescimento, no próprio mundo dos
signos, sob ação dos processos culturais e comunicacionais criados pela
humanidade, crescimento esse que, desde a revolução industrial e, mais
ainda, a eletrônica, está se acelerando cada vez mais (SANTAELLA, 1998,
p.21). O Brasil vem sendo considerado no âmbito internacional como um
dos países onde os estudos sobre a Semiótica têm se desenvolvido com
maior seriedade e diversidade. A cultura brasileira, por sua característica
miscigenada, interativa, antropofágica, é um bom celeiro para a
observação de fenômenos. Na próxima aula, vamos informar como
surgiu esse interesse e como ele vem sendo tratado nos dias de hoje.
Aula: 22 - Temática: A Semiótica no Brasil

A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, desenvolve


estudos sobre a obra de Charles Sanders Peirce desde o início dos anos
70. Seu pensamento passou a ser focado no Programa de Pós-Graduação
em Teoria Literária, fundado e coordenado pelos professores Lucrécia
Ferrara, Joel Martins e Antonieta Alba Celani, que originou o Programa de
Pós-Graduação em Semiótica, ainda em funcionamento naquela
instituição de ensino. Haroldo de Campos e Décio Pignatari, dois
expoentes da Poesia Concreta no Brasil, foram os primeiros professores a
introduzirem em suas aulas a teoria dos signos de Peirce. Familiarizado
com o trabalho do filósofo alemão Max Bense, Pequena Estética,
Haroldo de Campos organizou uma edição para a Perspectiva, uma das
mais emergentes editoras do país naquele período.
Octanny S. da Mota e Leonidas Hegenberg, através da editora Cultrix,
publicaram em 1972 a primeira edição de uma coletânea de escritos
escolhidos de Peirce, obra já citada no início desta Unidade III. Esse
trabalho foi pioneiro e antecedeu as primeiras coletâneas do filósofo
norte americano publicadas na Europa. A partir de 1978, o programa de
Teoria Literária foi ampliado, abarcando numa proposta interdisciplinar,
novas perspectivas comunicacionais e se transformando no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. A semiótica peirceana
passou, assim, a conviver com outras correntes do pensamento
semiótico, como a saussuriana, hjelmsleviana, a corrente soviética, a
greimasiana, a barthesiana. Todas essas idéias a respeito da teoria do
signo acabaram formando um conjunto teórico bastante aberto e com
propósitos críticos com capacidade de aplicação em áreas da linguagem
como a literatura, as artes, a música, dança, jornal, rádio, cinema. Essa
vocação interdisciplinar da Semiótica possibilitou expansões de caráter
multidisciplinar, provocando diálogos com outras áreas do saber, como a
epistemologia, ciências sociais, psicologia. Desde 1992, o programa
passou a incentivar e dar origem a alguns grupos, núcleos e centros de
pesquisas. Dentre eles, podemos citar o Centro de Estudos Peirceanos,
criado por Lúcia Santaella em 1996 e o Centro Interdisciplinar de
Pesquisa em Semiótica da Cultura e da Mídia, criado por Norval Baitello
Jr., também há 11 anos.
Grupos de Pesquisa:
Grupo de Pesquisa em Mídia Impressa
Grupo de Pesquisa Espaço-Visualidade/Comunicação-Cultura
Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco e Mestiçagem
Grupo de Pesquisa NET ART – Perspectivas Criativas e Críticas
Núcleos de Pesquisa:
Núcleo de Estudos em Semiótica e Complexidade (NESC)
Núcleo de Pesquisa em Hipermídia
Centros e Laboratórios de Pesquisa:
Centro de Pesquisa Socio-semióticas (CPS)
Centro de Estudos Peirceanos (CenEP)
Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Semiótica da Cultura e da Mídia
(CISC)
Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e Cibercultura
(CENCIB)
Centro de Estudos de Crítica Genética (CECG)
Centro de Estudos do Corpo
Centro de Estudos da Oralidade
Centro de Estudos Orientais
Laboratório de Inteligência Coletiva (LinC)

Aula: 23 - Temática: Semiologia – breve introdução

Vimos nas últimas aulas que a Semiótica é uma ciência de muitas


origens. Como pudemos perceber, há várias correntes semióticas com
visões diferenciadas. Embora não caiba nessa disciplina uma abordagem
mais aprofundada, é necessário fazermos um resgate sobre o
florescimento desses estudos no século XX. A literatura específica nos
mostra que os estudos semióticos emergiram na Europa, mais
especialmente na França, no efervescer dos anos 60. O interesse surgiu
porque nascia naquele momento, naquele país, o estruturalismo e, com
ele, o resgate do trabalho de Ferdinand Saussure (1857-1913),
contemporâneo de Peirce. Ferdinand Saussure é considerado o fundador
da lingüística moderna, que influenciou com profundidade o
desenvolvimento do estruturalismo semiótico e filosófico. A essência de
seu trabalho se encontra no Curso de Lingüística Geral, onde Saussure
elaborou e apresentou seu projeto de uma teoria geral de sistemas de
signos, que ele denominou de Semiologia. Professor renomado, com
atuação nas universidades de Leipzig, Sorbonne e Genebra, seu trabalho
ficou inicialmente marcado por ter descoberto uma lei importante de
mudança fonética em sua pesquisa sobre o sistema lingüístico indo-
europeu. Essa pesquisa deu origem ao Curso de Lingüística Geral,
dividido em três momentos, de 1907 a 1911, para abarcar suas idéias
sobre a teoria geral da linguagem e dos sistemas sígnicos.
O conteúdo de suas exposições foi compilado, em 1916, por Charles
Bally, Albert Sechehaye e Albert Riedlinger a partir das anotações dos
alunos. Este material recebeu posteriores contribuições e complementos,
que resultaram na reconstrução do sistema original de pensamento de
Saussure. A partir de então, lingüistas e semioticistas estabeleceram que
signo é uma entidade de duas faces. Possui um significante, que é a
parte perceptível pelos sentidos e um significado, que é um conceito,
uma imagem mental associada a esse significante. “Tal signo possui um
valor, socialmente determinado, que se define pelas relações que
estabelece com os demais signos do sistema” (BIZZOCCHI, 2003, p. 49).
A semiologia de Saussure não deve ser confundida com a semântica, que
estuda o significado na língua. Seus esboços apontam para uma
grandeza maior em sua concepção. Foi tentando responder à pergunta “o
que é a palavra?” - para ele um signo formado por conceito e som
(significado e significante) -, que Saussure marcou sua contribuição para
a emergência dessa nova disciplina.
Na concepção de sua teoria se encontram duas idéias fundamentais
sobre o papel da semiologia no quadro das ciências humanas:
• A semiologia e a lingüística são ramos da psicologia geral.
• As ciências da linguagem partem da semiologia e as leis gerais da
ciência dos signos são aplicáveis à lingüística.
Sua elaboração previa que a relação entre semiologia e lingüística seria
dupla. Primeiro, as leis da semiologia geral seriam aplicáveis à ciência
dos signos lingüísticos. Depois, as leis da lingüística seriam um guia
heurístico na elaboração da ciência dos signos em geral. Foi esse o
caminho percorrido pela semiótica estruturalista dos anos 60,
especialmente na França, como já dissemos, mas também na Itália.
A partir dos anos 70, os semioticistas pós-estruturalistas passaram a
perseguir a idéia de construção de uma teoria da linguagem que
explicasse ao mesmo tempo sua evolução e funcionamento. Os princípios
básicos dessa ordenação estabelecem que a linguagem é mais do que
um simples sistema de signos. “... além de conter um repertório de
signos efetivamente criados e de regras combinatórias, a linguagem
também contém a possibilidade de criar novos signos (e, numa
velocidade menor, novas regras combinatórias)” (BIZZOCCHI, p. 49).
Ao reforçar a associação que existe entre um significante e um
significado, a relação de significação, a linguagem passou, então, a ser
considerada, além de um sistema de signos, um sistema de significação.
Dessa forma, a linguagem deve conter um repertório de signos efetivos,
um conjunto de regras de combinação desses signos (códigos) e um
processo contínuo de adaptação às realidades que se apresentam.
... vamos definir linguagem como um conjunto de elementos que
mantêm entre si relações funcionais e que, além disso, foi concebido
para ser percebido pelos sentidos e, assim, produzir no observador
alguma reação racional ou emocional. Em outros termos, linguagem é
uma estrutura cuja função é ser percebida. Assim, todas as linguagens
são combinações de elementos numa certa ordem produzindo
“mensagens” capazes de impressionar a mente humana pelos sentidos
(BIZZOCCHI, p. 52) Merece registro neste campo do conhecimento os
trabalhos de Louis Hjelmslev (1899-1965), fundador de uma escola
radical de lingüística estruturalista que batizou de glossemática ou Escola
de Copenhague, seguidor do trabalho de Saussure. Também se deve
apontar o papel da Escola de Praga, fundada em 1926, que ressaltou o
trabalho do lingüista Roman Jakobson como influência direta no
estruturalismo francês. Jakobson desenvolveu o modelo das funções da
linguagem, baseado nesta premissa: o emissor envia uma mensagem ao
receptor e, para ser operativa, essa mensagem necessita de um
contexto, de um contato e de um código comum tanto ao emissor quanto
ao receptor. As obras de Saussure, Hjelmslev e Jakobson foram
determinantes para que, num contexto estruturalista, a lingüística fosse
considerada paradigma para outras ciências, como a antropologia,
psicologia, sociologia e a filosofia. Nesses ramos, destacam-se os
trabalhos de Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Michel Foucault e de
Jacques Derrida.

Aula: 24 - Temática: O pós-estruturalismo

O estruturalismo não é uma filosofia. Mas pode ser considerado como


uma teoria baseada em metodologia própria. É, na realidade, um método
interdisciplinar de investigação, adotado em diversos campos do
conhecimento. Servindo de instrumento para se organizar a leitura de
uma realidade, contribui para entendermos estruturas lingüísticas,
psicológicas, etnológicas, antropológicas, entre outras, como processos
de ordenamentos sígnicos. As análises desses processos possibilitam
aberturas para a compreensão de nossa dimensão cósmica. Sobretudo,
de nossas relações humanas. Ao pensarmos uma estrutura, nesse
âmbito, não podemos idealizá-la apenas como uma simples construção
abstrata, modelar. O modelo, nesse caso, é considerado uma
simplificação do real e pode ser alterado de acordo com a análise do
fenômeno que queremos investigar. Ou seja, os fenômenos devem ser
estudados em suas singularidades, para identificarmos padrões de
pensamento, comportamento, de expressão de conteúdos vivenciais.
Sobre esse leque se debruçam o lingüista, o antropólogo, o psicólogo, o
filósofo. Durante o período de sua efervescência, o estruturalismo atraiu
pensadores que já haviam tomado contato com a Semiótica, dentre eles
podemos destacar Algirdas Julien Greimas, Mikhail Baktin, Roland
Barthes e Umberto Eco, como veremos a seguir.
Greimas (1917-1992) se notabilizou por introduzir os estudos sobre
semântica narratológica, baseados em um modelo chamado actancial.
Essa palavra provém de actante, que “pode ser concebido como aquele
que realiza ou que sofre o ato independentemente de qualquer outra
determinação” (GREIMAS, COURTÉS, 1979, p.12). O modelo de Greimas
está inserido em uma teoria discursiva complexa, incluindo o nível
profundo e o superficial dos discursos. Nos anos 70, começaram a ser
divulgados importantes estudos realizados no início do século XX na
então União Soviética. Silenciados pela ditadura stalinista, esses
trabalhos receberam o nome de formalismo russo, e apresentavam
coincidências muito relevantes com as teorias lingüísticas surgidas no
mesmo período.
Na mesma época, e na própria União Soviética, surgiu também o Círculo
de Bakhtin, com trabalhos voltados para investigações acerca da
literatura e cultura. A complexidade do pensamento de Bakhtin levou à
configuração de elementos articulados de linguagem, que concebem o eu
e o outro como inseparáveis, habitando e sendo habitados por inúmeras
vozes. Os principais conceitos da obra de Bakhtin se resumem a
dialogismo (o diálogo é forma de ligação entre linguagem e vida e a
palavra é o espaço no qual se confrontam os valores sociais
contraditórios), polifonia (inúmeras vozes em diálogo entre o eu e o
outro) e autoria. Dessas duas correntes soviéticas – formalismo russo e
Círculo de Bakhtin - desenvolveu-se a Escola de Tartu, que se propunha
a analisar os fenômenos da cultura em geral. Esse movimento deu início
à formulação da Semiótica da Cultura, cujas teorias principais já
pudemos aprender na Unidade I desta disciplina. Merecem destaque
também os projetos semióticos de Roland Barthes (1915-1980) que
abraçou outros sistemas de signos além dos lingüísticos e literários. São
famosas as leituras semióticas de Barthes sobre cinema, pintura, moda e
comunicação de massa, reunidos na coletânea Mitologias. Esse resgate
histórico não estaria completo sem o registro da obra do italiano
Umberto Eco (1932), que define semiótica como uma teoria da cultura.
Seus estudos abrangem desde a filosofia medieval até a cultura popular
cotidiana, como o Carnaval do Rio de Janeiro e os rituais de umbanda e
candomblé na Bahia. Seu reconhecimento, apesar de contribuições
importantes no âmbito teórico, se dá em função de seus famosos best-
sellers, como O nome da rosa, O pêndulo de Foucault e A ilha do
dia anterior. Por fim, acrescentamos a essa perspectiva do pós-
estruturalismo, a obra de Thomas Sebeok, nos Estados Unidos. Seu
trabalho é amplo e envolve estudos de estruturas textuais, comunicação
verbal, não-verbal, comunicação animal e a biossemiótica, um diferencial
que ganha adeptos em várias partes do mundo.

Aula: 25 - Temática: Conceitos básicos para pensar a


linguagem na Filosofia

Todas as investigações feitas ao longo da história humana sobre


questões envolvendo a representação apontam para a necessidade de se
entender as formas de comunicação entre seres vivos e/ou (re)
animados pelas energias em uso. A presença do filósofo para pensar o
universo da representação, o mundo da linguagem, ou das linguagens
como é melhor apresentável é muito necessária nesse processo.
Sua função é tentar determinar o que é a linguagem e como se relaciona
com outras formas de atividades humanas, mais ou menos análogas,
semelhantes em alguns propósitos.
Também é sua tarefa tentar compreender, em suas singularidades, os
fenômenos de mediação entre a existência e a essência das coisas e das
idéias, ou seja, numa linguagem semiótica, como determinados signos
são organizados em códigos para produzirem linguagens e darem sentido
para alguém se nortear no caminho da vida. Esse é o papel da Filosofia
da Linguagem, que em princípio somente se ocupou da natureza do
significado lingüístico. A formulação da disciplina Filosofia envolve hoje
estudos sobre a referência, o uso, o aprendizado das linguagens. Procura
analisar ainda a criatividade de quem fala e a compreensão por aquele
que se deixa tocar por essa fala.
Quem filosofa sobre as linguagens interpreta, traduz, pensa e repensa,
troca e comunica. E, assim, vive e contribui para o viver. William Alston,
autor do livro Filosofia da Linguagem, elencado nas referências
bibliográficas desta disciplina, apresenta na introdução de sua obra
conceitos básicos que são necessários para se pensar a linguagem. A
eles acrescentaremos algumas reflexões sobre as evoluções das formas
de linguagem e a urgência que temos em aprendê-las para continuarmos
interconectados na rede complexa que é o planeta Terra e suas
ramificações intergalácticas. A ligação para o desenvolvimento da
argumentação conteudística é feita na obra de Edgar Morin, que tão bem
define a importância da linguagem em qualquer circunstância da vida:
A linguagem está em nós e estamos na linguagem. Fazemos a linguagem
que nos faz. Somos, na e através da linguagem, abertos pelas palavras,
fechados nas palavras, abertos para o outro (comunicação), fechados
para o outro (mentira, erro), abertos para as idéias, fechados nas idéias,
abertos para o mundo, fechados ao mundo. Reencontramos o paradoxo
cognitivo maior: somos prisioneiros daquilo que nos liberta e libertos por
aquilo que nos cerca. (MORIN, 1998, P.210). Certamente, Morin tem
uma visão bastante ampliada sobre o conceito de linguagem,
apresentado em O método 4: asidéias, iniciado em 1984 e publicado
em 1991 pela Editora Seuil (no Brasil, pela Sulina de Porto Alegre). No
trabalho, uma continuação de sua investigação anterior sobre o
conhecimento do conhecimento, Morin mostra o estudo das idéias sobre
três vertentes de sua consciência cósmica:
• Ecologia das idéias – Aponta aspectos culturais e sociais.
• Noosfera – Apresenta o ponto de vista da autonomia e dependência
da vida das idéias.
• Noologia – Mostra a organização das idéias a partir da linguagem e da
lógica (PETRAGLIA, 1995, P.30). Retomaremos as formulações de Edgar
Morin mais à frente, quando fecharemos o conjunto de aulas com uma
reflexão contextualizada sobre nossa atuação como professores e
formadores de opinião. Nosso objetivo será fornecer informações que
permitam ao nosso sistema nervoso reator, reagir com mais consciência
planetária, conferindo um sentido ainda mais ético à nossa tarefa de
ensinar. Aprender a aprender para poder ensinar é uma função que
devemos exercer com profundo respeito ao outro. É uma tarefa que nos
exige muita consciência de nossa responsabilidade social como agentes
do processo. Daí a necessidade de compreendermos o papel da
linguagem, da palavra às possibilidades cibernéticas. Por hora, vamos
introduzir mais alguns conceitos da obra de William Aslton, que são
pertinentes neste percurso. Na próxima aula veremos como ele define a
Filosofia da Linguagem e quais são seus objetos, objetivos, métodos e
principais formulações teóricas.

Aula: 26 - Temática: Definindo o campo da Filosofia da


Linguagem

Tomamos a referência de William Alston para apresentar o campo da


Filosofia da Linguagem, pois sua obra é de fácil acesso e possui uma
estrutura didática bem definida. Dela, extraímos a essência da disciplina,
que hoje, no Brasil, é mais oferecida em cursos de pós-graduação,
devido às suas exigências de interdisciplinaridade, em especial com as
áreas da Comunicação. Iniciamos com a definição de Alston sobre a
tarefa básica do filósofo nesse trajeto: “chegar a uma concepção
adequada da estrutura fundamental do mundo e a um adequado
conjunto de normas para a conduta e organização social e humanas”
(1972, p.20). Podemos acrescentar que a linguagem, ou as linguagens,
são os canais pelos quais o filósofo tem que navegar até o momento de
executar sua missão, ou seja, formular um conjunto de normas para
ajudar na organização social da humanidade. A Filosofia da Linguagem
surgiu, então, para contribuir na concepção de alguma estrutura do
mundo. Conforme Alston, a disciplina se estrutura na Metafísica,
entendida como “parte da filosofia que se caracteriza como tentativa
para formular fatos genericamente universais, incluindo uma
enumeração das categorias mais básicas a que pertencem às entidades e
alguma representação de suas inter-relações” (1972, p.12).
Tem também um aporte na Lógica, apresentada por Alston como o
estudo da inferência, uma tentativa de criação de critérios para distinguir
as inferências válidas das inválidas. “Como o raciocínio se efetua pela
linguagem, a análise das inferências depende da análise dos enunciados,
que figuram como premissas e conclusões” (1972, p. 16). Por fim, Alston
acrescenta a Epistemologia ou Teoria do Conhecimento, que envolve
a linguagem em certos pontos, sendo o mais importante o problema do
conhecimento a priori. “Temos um conhecimento apriorístico quando
sabemos algo sem que esse ‘algo’ esteja fundamentado na experiência”
(1972, p. 17). Em se falando de a priori, é curioso pensarmos que o mais
influente dos filósofos da linguagem, Ludwig Wittgenstein, é
contemporâneo de sure, de Peirce, de Sigmund Freud, em um contexto
de Primeira Guerra Mundial, reconhecido como um marco na evolução
progressiva das formas de comunicação humana. Naquele período, além
do universo experiencial ofertar a conduta básica das ciências, a
invenção e o uso de tecnologias foram essenciais para nascer uma
preocupação maior com a palavra, seus significados, significantes e
significações. O mundo aprendia a se comunicar melhor, com mais
amplitude. Abria-se o portal da diversidade cultural. E a Filosofia, da
forma como vinha sendo aplicada, precisou ser repensada, o que deu
abertura para a Filosofia da Linguagem. Segundo Alston, (...) Em sua
forma mais vigorosa, tal como observamos nas últimas obras de Ludwig
Wittgenstein, ela (a Filosofia da Linguagem) sustenta que todos ou, pelo
menos, a maioria dos problemas da Filosofia promanam do fato de os
filósofos terem usado mal alguns termos decisivos como ‘saber’, ‘ver’,
‘livre’, ‘verdadeiro’ e ‘razão’ (p.19). Ele explica que naquele tempo os
filósofos começaram a se afastar do uso comum desses termos e não os
substituíram por algo mais inteligível. Aponta que, por isso: Acabaram
por cair em enigmas insolúveis sobre se podemos saber o que outras
pessoas estão pensando ou sentindo; se realmente vemos, de modo
direto, qualquer objeto físico; se agimos sempre livremente; se temos
sempre alguma razão para supor que as coisas acontecerão de uma
maneira ou de outra no futuro (Alston, 1972, p.19).
Pode-se perceber na fala de Alston uma nova luz sobre o papel da
Filosofia e a função do filósofo, visto aqui como um analista cuja tarefa
consiste em revolver nossas limitações conceituais. “A palavra não basta;
o mundo não se reduz ao conceito; o pensamento não ilha” (Edgar Morin
cf. ALMEIDA,2001, P.19) O trabalho do filósofo da linguagem é fazer com
que esses conceitos contaminados por racionalidade fechada, se abram,
adquiram a dimensão poética que os tornem capazes de se renovarem.
Mas, para atingir essa meta, são necessárias muitas análises em
interface com outras áreas do saber. Essa preocupação, que precisa ser
dominante na vontade de qualquer filósofo é o que impulsiona o
desenvolvimento de instrumentos que propiciam diversificadas análises
sobre a linguagem, apontando para visões cada vez mais ampliadas dos
fenômenos. Veremos a seguir algumas dessas possibilidades,
relacionadas no livro de Alston, que se preocupou em reunir na sua obra
um estudo sobre o conteúdo da produção acadêmica em Filosofia da
Linguagem. Ele relaciona as fontes nas referências bibliográficas de seu
trabalho. Aqui, vamos apenas elencar essas novas possibilidades de
visões.
• Classificação de atos lingüísticos
• Definição de “usos” ou “funções” da linguagem
• Classificação de tipos de indefinição
• Classificação de tipos de termos
• Classificação de espécies de metáforas
• Análise sobre o papel da metáfora na ampliação da linguagem
• Estudos sobre as inter-relações entre linguagem, pensamento e cultura
• Análises sobre as peculiaridades do discurso poético, religioso e moral
• Estudo sobre a criação de linguagens artificiais
• Investigações meticulosas sobre as peculiaridades de determinados
tipos de expressões, como os nomes próprios e as expressões referentes
de plural
•Estudo sobre determinadas formas gramaticais, como sujeito-predicado
Alston reconhece a importância da diversidade de temas surgidos na
Filosofia, em função dos estudos sobre a linguagem e adverte que:
Alguns desses problemas se situam na fronteira entre a filosofia e
disciplinas mais especiais e todos eles poderiam ser tratados em uma ou
outra dessas disciplinas. Assim, a psicologia poderia assumir a tarefa de
distinguir entre diferentes tipos de comportamento lingüístico e poder-
se-ia esperar que a lingüística descritiva fornecesse classificações de
tipos de expressões. Mas, se esses problemas pertencem, em princípio,
às disciplinas mais especiais, eles pertencem aos seus fundamentos. E a
filosofia tem tido, tradicionalmente, muitas relações com os problemas
de elevado nível das ciências, especialmente quando essas ciências estão
nas fases iniciais de construção (ALSTON, 1972, p. 23)

Aula: 27 - Temática: Teorias da significação em William Alston

Vamos nos lembrar que na aula passada afirmamos, com base em


William Alston, que a análise dos conceitos sempre foi uma preocupação
dominante entre os filósofos. E que a Filosofia da Linguagem veio
assumir, inicialmente, essa investigação. Conforme Morin, “a linguagem
filosófica tende, naturalmente, a criar os seus próprios conceitos e o seu
próprio vocabulário. Mas, se exprime inserindo esses conceitos e esse
vocabulário na linguagem comum” (2001, p. 209). De acordo com
Alston, grande parte da tarefa do filósofo da linguagem é “fazer ressaltar
as características do uso ou da significação de várias palavras ou formas
de enunciado” (1972 p. 21-22). Por isso, acentua o autor, é essencial
estabelecer um procedimento que esteja de acordo com alguma
concepção geral da natureza, do uso e da significação lingüística. Por
isso, Alston inicia sua apresentação sobre os propósitos da Filosofia da
Linguagem tratando de três teorias de significação: Teoria Referencial,
Teoria Ideacional e Teoria Comportamental, que veremos
resumidamente a seguir.
• Teoria Referencial - Parte do princípio de que a linguagem é usada
para falar sobre as coisas. Assim, para uma expressão ter significado,
deve se referir a algo diferente dela própria. De uma forma rudimentar,
podemos entender que o significado de uma expressão é aquilo a que a
expressão se refere. De forma mais sofisticada, temos que o significado
da expressão deve ser identificado com a relação entre a expressão e o
seu referente, isto é, a conexão referencial constitui a significação.
• Teoria Ideacional – O enunciado clássico dessa teoria foi dado pelo
Ensaio sobre o entendimento humano, de John Locke: “O uso,
portanto, de palavras consiste em fazer delas marcas sensíveis de idéias;
e as idéias que representam são a sua apropriada e imediata satisfação”
(Seção I, cap. 2, Livro III cf. ALSTON, p.44). Esse modelo está
subentendendo sempre que as pessoas pensam na linguagem como um
meio ou instrumento de comunicação humana. Conforme a teoria, o que
dá certa significação a uma expressão lingüística é o fato de ser ela
regularmente usada na comunicação como a ‘marca’ de certa idéia, uma
vinculação a priori. Assim, as idéias que constituem o nosso pensamento
têm uma existência e uma função independentes da linguagem, pois
estas já nos são dadas a priori.
• Teoria Comportamental – Parte do princípio de que o uso
significativo da linguagem tem como referência o ‘mundo’. De algum
modo, expressamos e comunicamos nossos pensamentos usando a
linguagem. No entanto, as unidades de linguagem obtêm sua significação
mediante o seu uso por pessoas, mediante o fato de essas pessoas
estarem envolvidas em várias experiências fenomênicas, que por sua vez
evocam inúmeras espécies de comportamento. Dessa forma, podemos
entender que a significação depende do contexto em que se inserem
falantes e ouvintes. (ALSTON, 1972, pp. 55-56). Na seqüência de seu
livro, Alston aborda a questão da significação e do uso da linguagem,
tecendo argumentos e buscando referências em outros instrumentos e
métodos, como a Semiótica, para estabelecer seus próprios critérios
sobre a significação. O final de seu trabalho trata de algumas dimensões
da significação, voltando suas análises para duas “metáforas
irredutíveis”: Deus e os sentimentos íntimos.
Com essa explicação, encerramos os aportes ao trabalho de Alston, para
passar a apresentar a construção conceitual de Ludwing Wittgenstein.

Aula: 28 - Temática: A Filosofia da Linguagem em Ludwig


Wittgenstein

Não é possível estudarmos a Filosofia da Linguagem sem tratarmos da


obra de Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (1899-1951), filósofo
vienense considerado como um dos mais influentes no século XX,
exatamente por suas contribuições inovadoras no campo da lógica. Como
estudante de engenharia na Inglaterra, Wittgenstein foi aluno do filósofo
Bertrand Russell, que naquele momento havia publicado a obra
Principia Matemática (1913), considerada uma tentativa de reduzir a
matemática à lógica. Essa revolução na lógica matemática, que se
descortinava no início do século passado, acabou por abrir novas
perspectivas para o surgimento de uma ciência dos significados, da qual
Wittgenstein foi um dos principais idealizadores.
Considerado como um dos responsáveis pela “virada lingüística da
filosofia”, Wittgenstein contribuiu para alertar os filósofos de sua época
sobre a necessidade de se buscar uma “filosofia livre do arbitrário, da
tagarelice e da insignificância metafísica e com o rigor e a validade da
ciência” (Morin, 2001, p. 217). Seu primeiro livro foi publicado em 1921
e chamava-se Tractatus Logico Philosophicus. Pensado quando
estava na caserna, durante a Primeira Guerra Mundial, foi concluído em
1918. O Tractatus ficou aguardando três anos para a publicação. O livro
foi escrito em um contexto em que a lógica se comprometia a aliar-se à
razão para assim compreender o significado de frases e textos dispostos
em várias disciplinas do conhecimento, no sentido de reduzi-las a átomos
lógicos. Esse era o teor de sua tese de doutorado, defendida em 1929,
para mostrar como as partes se conectavam em uma linguagem ideal de
forma a compor todos os significados possíveis.
Versando sobre sete proposições comentadas e esclarecidas, o
Tractatus Logico Philosophicus de Wittgenstein é a base de sua visão
filosófica, que diz:
1- O mundo é tudo o que ocorre.
2- O que ocorre, o fato, é o subsistir de estados de coisas.
3- Pensamento é a figuração lógica dos fatos.
4- Pensamento é a proposição significativa.
5- A proposição é uma função de verdade das proposições elementares.
6- Há uma fórmula geral da função de verdade.
7- O que não se pode falar, deve-se calar.
Vejamos um exemplo bem simples, para entendermos seus propósitos:
uma caneta é uma coisa; a afirmação de que a caneta é preta, consiste
em um fato. Pensando dessa maneira, Wittgenstein propõe que o
mundo, da forma como é conhecido, seja uma reunião de fatos, captados
pelo pensamento, que seria uma imagem lógica dos fatos.
Assim, relaciona o pensamento como sendo a linguagem verbal
concretizada em imaginação (em imagens mentais), assumindo o papel
de construtora de nosso senso de mundo. De nossa realidade. Para ele,
aquilo que não podemos dizer, não podemos conhecer ou concretizar.
Portanto, sobre aquilo que não conseguimos falar, devemos silenciar.
Para Wittgenstein o objetivo último da reflexão filosófica é a clarificação
da estrutura mais geral da realidade, sendo que o problema central da
Filosofia da Linguagem, sob este prisma, é encontrar e conhecer o valor
de verdade das proposições iniciais. Ao filósofo cabe determinar o valor
de verdade das proposições elementares. Essas idéias iniciais de
Wittgenstein foram muito influentes na época, atraindo jovens filósofos
que ficaram conhecidos como positivistas lógicos. Apesar disso,
Wittgenstein não aderiu ao grupo. A maior divergência é que os
positivistas lógicos não adotaram a teoria da figuração de Wittgenstein,
que abordaremos na próxima aula.

Aula: 29 - Temática: Os dois momentos de Wittgenstein

Na época em que as idéias de Ludwig Wittgenstein ganhavam


consistência, a Europa era o cenário da Primeira Guerra Mundial e esse
fato se refletiu profundamente no desenvolvimento de seu trabalho.
Influenciado por idéias cristãs de Leon Tolstoi, Wittgenstein deixou sua
vida acadêmica no grande circuito europeu, para tornar-se professor
primário em vilarejos da Áustria, onde também trabalhou como
jardineiro em um mosteiro.
Este período de recolhimento abriu uma cisão entre seu trabalho, a ponto
de muitas obras sobre Wittgenstein falarem claramente de seus dois
momentos: o primeiro Wittgenstein e o segundo Wittgenstein.
• O primeiro Wittgenstein – Tentou estabelecer abstratamente um
paralelo entre pensamento e linguagem. Criou uma teoria baseada na
idéia de que a realidade é afigurada pela linguagem. Aderiu à teoria
segundo a qual a linguagem humana é construída de acordo com
padrões dados a priori na mente, mas acreditava ser possível ir além dos
sentidos e da experiência para compreender o mundo e explicá-lo.
• O segundo Wittgenstein – Percebeu que seria de pouca utilidade
continuar a busca para identificar o nexo lógico entre as proposições
consideradas em si mesmas e a pretensa realidade representada por
elas. Concluiu que seu trabalho não poderia ser puro exercício de
semântica formal, sem nenhuma utilidade prática. O período de reclusão
certamente fez com que repensasse suas postulações contidas no
Tractatus. Em 1929, quando foi a Cambridge, Inglaterra, para
completar o doutoramento, passou a se dedicar a essa nova etapa de
suas concepções teóricas. O trabalho resultante desse processo,
Investigações Filosóficas, é uma coletânea de conferências dadas por
ele e reunidas em 1936, para uma reflexão ainda maior que iria resultar
na idéia de propor uma anti-filosofia. Iniciava-se a nova fase de
Wittgenstein. Muitos críticos de Wittgenstein apontam uma radical
divisão de princípios entre suas duas grandes obras. No entanto, o que
se percebe lendo essas referências é que os pontos de vista anteriores
foram repensados, como por exemplo, a questão da palavra como
indicadora ou simbolizadora das coisas no mundo. No segundo trabalho,
Wittgenstein aponta para um novo caminho, ao considerar que o
significado das palavras não depende daquilo a que elas se referem, mas
a como elas são utilizadas. Essa visão incluía a consideração de que a
linguagem é um jogo, as palavras são as peças e as regras (os códigos),
seriam ditadas por convenções lingüísticas que produzem o significado.
Se no Tratactus, Wittgenstein apostava nas afirmações denotativas, em
suas Investigações, ele investe na conotação, no desenvolvimento do
significado da palavra em determinado contexto, submisso a um
conjunto de normas.
Assim, defende que o importante é estudar o modo como a fala funciona.
Relativizando a análise de seu uso, podemos entender o quanto é amplo
o universo da significação. Os apreciadores da obra de Ludwig
Wittgenstein consideram seu modelo de pensamento intenso, puro e
autocrítico. Recomendam a leitura de suas duas obras como uma
experiência libertadora.

Aula: 29 - Temática: Os dois momentos de Wittgenstein

Na época em que as idéias de Ludwig Wittgenstein ganhavam


consistência, a Europa era o cenário da Primeira Guerra Mundial e esse
fato se refletiu profundamente no desenvolvimento de seu trabalho.
Influenciado por idéias cristãs de Leon Tolstoi, Wittgenstein deixou sua
vida acadêmica no grande circuito europeu, para tornar-se professor
primário em vilarejos da Áustria, onde também trabalhou como
jardineiro em um mosteiro.
Este período de recolhimento abriu uma cisão entre seu trabalho, a ponto
de muitas obras sobre Wittgenstein falarem claramente de seus dois
momentos: o primeiro Wittgenstein e o segundo Wittgenstein.
• O primeiro Wittgenstein – Tentou estabelecer abstratamente um
paralelo entre pensamento e linguagem. Criou uma teoria baseada na
idéia de que a realidade é afigurada pela linguagem. Aderiu à teoria
segundo a qual a linguagem humana é construída de acordo com
padrões dados a priori na mente, mas acreditava ser possível ir além dos
sentidos e da experiência para compreender o mundo e explicá-lo.
• O segundo Wittgenstein – Percebeu que seria de pouca utilidade
continuar a busca para identificar o nexo lógico entre as proposições
consideradas em si mesmas e a pretensa realidade representada por
elas. Concluiu que seu trabalho não poderia ser puro exercício de
semântica formal, sem nenhuma utilidade prática.
O período de reclusão certamente fez com que repensasse suas
postulações contidas no Tractatus. Em 1929, quando foi a Cambridge,
Inglaterra, para completar o doutoramento, passou a se dedicar a essa
nova etapa de suas concepções teóricas. O trabalho resultante desse
processo, Investigações Filosóficas, é uma coletânea de conferências
dadas por ele e reunidas em 1936, para uma reflexão ainda maior que
iria resultar na idéia de propor uma anti-filosofia. Iniciava-se a nova fase
de Wittgenstein. Muitos críticos de Wittgenstein apontam uma radical
divisão de princípios entre suas duas grandes obras. No entanto, o que
se percebe lendo essas referências é que os pontos de vista anteriores
foram repensados, como por exemplo, a questão da palavra como
indicadora ou simbolizadora das coisas no mundo. No segundo trabalho,
Wittgenstein aponta para um novo caminho, ao considerar que o
significado das palavras não depende daquilo a que elas se referem, mas
a como elas são utilizadas. Essa visão incluía a consideração de que a
linguagem é um jogo, as palavras são as peças e as regras (os códigos),
seriam ditadas por convenções lingüísticas que produzem o significado.
Se no Tratactus, Wittgenstein apostava nas afirmações denotativas, em
suas Investigações, ele investe na conotação, no desenvolvimento do
significado da palavra em determinado contexto, submisso a um
conjunto de normas. Assim, defende que o importante é estudar o modo
como a fala funciona. Relativizando a análise de seu uso, podemos
entender o quanto é amplo o universo da significação.
Os apreciadores da obra de Ludwig Wittgenstein consideram seu modelo
de pensamento intenso, puro e autocrítico. Recomendam a leitura de
suas duas obras como uma experiência libertadora.

Aula 30 - Temática: Uma questão de figuração

Vamos retomar a Filosofia da Linguagem de Wittgenstein, introduzindo


outros aspectos conceituais. Principalmente os voltados para a
formulação de uma teoria analítica, que corresponde à segunda fase do
filósofo. Para Wittgenstein, a Filosofia tem um sentido profundo, que é
mostrar as raízes da perplexidade e como elas se acham marcadas no
pensamento humano. Usando métodos investigativos, ele acredita que o
trabalho do filósofo é explorar todos os domínios do pensamento, para
entendê-lo em todas as dimensões possíveis.
No entanto, ele acredita que a Filosofia deve ensinar ao homem apenas
como “ver” as questões, sem explicar, inferir, deduzir e, seria bom, nem
mesmo induzir. Desse ponto de vista, a função do filósofo é somente
“pôr à vista” as perplexidades que acontecem quando esquecemos as
razões de nosso universo de conceitos. É assim que a Filosofia também
reflete sobre como se emprega mal as potencialidades da linguagem,
criando vários tipos de desvio em uma comunicação. O que causa a “des-
comunicação”. O mundo de hoje é muito rico em exemplos, uma vez que
é cada vez mais entrópico do ponto de vista da perda energética gerada
por um excesso de monólogos, diálogos, discursos, aparelhos,
mediadores, humanos, emoções humanas, máquinas... Amplificadoras de
sons, imagens, cheiros, gostos e contatos. O mundo de hoje é propício
para o surgimento de figurações, que motivaram o pensamento do
primeiro Wittgenstein e a construção de suas idéias em linguagem verbal
escrita. Grande parte de seu trabalho exposto no Tractatus consistiu em
explicar a natureza das sentenças das linguagens verbais (orais ou
escritas). Ele entende sentença como figuração, como construção da
realidade, que se dá da seguinte forma:Quando selecionamos um
determinado número de palavras (signos do tipo símbolo, lembram-se?),
passamos a arranjá-las obedecendo a um ou mais códigos (alfabético,
língua portuguesa, digitação eletroeletrônica) e também a códigos
culturais, que assimilamos ao longo de nossa vida, constituindo parte do
repertório de nossa vivência. Ao verbalizarmos, estaremos manifestando
os conteúdos que estão entrando e saindo constantemente de nossa
mente. Essa operação gera a leitura de uma realidade, que certamente
possui aspectos diferenciados para outros seres em outras ocasiões.
Assim, temos que a Teoria da Figuração é embasada em dois pilares:
• Formas de representação – É tudo o que existe em comum entre a
figuração e o afigurado; dado em contextos macro (símbolos sociais) e
microcósmicos (símbolos individuais), possui caráter de objetos ou de
idéias.
• Formas de realidade – É a possibilidade de que as coisas no mundo
estejam relacionadas como os elementos da figuração, construindo um
painel de fundo para a expressão dessas representações. Se retornarmos
às primeiras aulas da Unidade I veremos que o caminho tomado pelos
formalistas russos foi semelhante, quando trabalharam a noção de texto
da cultura, que deve ser relativizado para que possa ser estudado em
profundidade. Os textos culturais, assim como a “realidade de
Wittgenstein” são resultados de um processo (semeiose) de linguagem,
que envolveu a codificação de signos escolhidos e arranjados por seus
emissores.
Só haverá sentido se houver a troca, se o receptor captar a mensagem e
devolver a resposta de forma lógica. Nesse momento, poderemos
observar e analisar vários aspectos dessa relação: a empatia dos
agentes, o conteúdo da mensagem, a forma como ela está sendo
vivenciada, a recepção. Isso sem falar nos estudos e análises feitas
exclusivamente sobre as palavras faladas e escritas. Nesse ponto, antes
que nossas aulas cheguem ao fim, vamos procurar oferecer uma visão
também do papel do receptor no processo de criação e identificação de
sentidos. É uma tímida contribuição teórica para a Filosofia da
Linguagem. Trata-se do trabalho Lendo o Leitor – um exercício
prático de vampirismo, publicado em 1998, onde defendo que toda
obra de arte – ou produção comunicativa – é o espelho de uma
realidade. Se for um espelho, é necessário luz para que exerça sua
função. Iluminado, o espelho atrai para si dois tipos de grupos de
receptores: os lúdicos, semelhantes às mariposas sideradas pela luz do
espelho, que brincam e rodopiam, completamente capturadas pela
realidade iluminada do espelho, pela sua ilusão.
Por outro lado, os críticos, semelhantes aos morcegos, aos vampiros,
mantêm-se em posturas discretas, não se deixando capturar pela luz
intensada obra que espelha uma falsa realidade, uma ilusão.
O trabalho dos críticos é absorver a obra em todas as suas
potencialidades e usá-las para criar novas obras, a partir de operações
de significados que se potencializam com os conteúdos repertoriais
estocados. Assim, os críticos adquirem o poder de dominar os lúdicos,
fazendo deles suas presas. Vamos finalizar a aula de hoje com alguns
questionamentos, pois afinal, até agora, não deixamos um segundo para
exercitarem seu próprio pensamento, a partir de sua própria realidade.
Para dar a partida, vamos apresentar algumas questões para serem
refletidas.
• É possível haver pensamento sem linguagem?
• É possível raciocinar sem linguagem?
• O que é o significado?
• Qual é o significado do significado?
Na canção Sampa, Caetano Veloso canta a expressão “... Porque és o
avesso, do avesso, do avesso, do avesso”. Cante mentalmente a canção,
refaça o percurso poético do compositor e tente explicar o que Caetano
quis dizer com isso. Vamos testar nossa recepção vampiresca!

Aula: 31 - Temática: A linguagem planetária


Pela linguagem nos expressamos, interagimos socialmente, construímos
nossas significações, nossos discursos, nossas representações. A
linguagem é uma condição essencial para nos constituirmos como
sujeitos. Ela é um eixo para a evolução de nossas formas de
comunicação. Ao buscar desencarcerar pessoas de conceitos, a Filosofia
da Linguagem adentra numa outra instância, que é a dos controles, da
racionalidade fechada, do aprisionamento que não pode existir no mundo
complexo da Educação. O objetivo da Filosofia da Linguagem, nesse
contexto, é proporcionar uma abertura para o entendimento, para a
compreensão das nossas realidades, no sentido poético do termo.
Lembrar a origem da palavra poesia faz toda a diferença neste instante.
Poesia é palavra-resultado de recombinações e adaptações que provêm
do grego poieses. Originalmente significa criação, ação, confecção,
fabricação. Hoje, terminou por significar arte da poesia e faculdade
poética. Vamos considerar que o conceito atual não descarta todos os
aspectos do conceito original. Poesia é a forma que mais bem expressa o
sentido humano da linguagem. Não importa sobre qual suporte (papel,
telas de computador, outdoors, desenhos, esculturas, construções
arquitetônicas, música), não importa quais códigos serão utilizados
(verbal, visual, sonoro, gestual, da cultura ou da cibercultura), o que
importa é estabelecer a comunicação, para que o conhecimento se
renove e que o homem possa se sentir integrado à complexidade do
mundo atual. Segundo Edgar Morin expressa em Os sete saberes
necessários à educação do futuro, a Educação é o portal para a
transmissão do antigo e a abertura da mente para receber o novo. O
novo, para Morin, é a compreensão de que temos uma identidade
genética, cerebral e afetiva. No entanto, para percebê-las no ambiente
da Educação, é preciso que os agentes educativos levem em
consideração as experiências aleatórias, o acaso, o inesperado e o
imprevisto. É daí que poderá ressurgir uma (re)valorização do ser
humano, despojado dos preconceitos e dos prejuízos que deles resultam.
Por isso, a educação deveria mostrar e ilustrar o Destino multifacetado
do humano: o destino da espécie humana, o destino individual, o destino
social, o destino histórico, todos entrelaçados e inseparáveis. Assim, uma
das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo
da complexidade humana. Conduziria à tomada de conhecimento, por
conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os humanos e
da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das
culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra... (MORIN,
2000, p. 61).
A Filosofia precisa se repensar, pois foi reintroduzida como curso nas
matrizes curriculares do Ensino Médio no Brasil. Certamente, a sua
inserção na grade da educação básica veio para sanar algumas
deficiências. Assim como a sociologia, a Filosofia retorna para compensar
déficits de várias ordens, que têm minado os valores da Educação. A
proposta de mudança foi feita pelo Ministério da Educação em 2005, mas
como é do CNE a prerrogativa de definir as diretrizes curriculares
nacionais, a deliberação foi feita pelos conselheiros. Os argumentos para
essa alteração enfatizam o aprimoramento da formação estudantil
humanista e não só tecnicista. Acreditam que a decisão estimula os
estudantes a desenvolverem um espírito crítico para que possam ter
discernimento para decidir e respeitar a diversidade. Desde então, o
Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação trabalharam
para elaborar a resolução nº4, de 16/08/2006, que determina a
obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia no Ensino Médio.
No entanto, qualquer esforço vai depender muito da vontade do
professor, visto na perspectiva da complexidade educacional, como um
significador.

Aula: 32 - Temática: O professor significador

Docentes e pesquisadores na área da Filosofia receberam com


entusiasmo o retorno da disciplina aos currículos da educação básica no
Brasil. Essa medida certamente vai contribuir para que nossos jovens
(re) direcionem suas energias para fortalecer o processo de construção
de conhecimentos capazes de integrar o homem ao mundo e à natureza.
A luta tem um sentido: tratar o jovem como um agente da prática
reflexiva, despertando suas consciências para a necessidade de um
pensar sobre suas existências e funções na complexidade do mundo
moderno. Como define Jacques Delors em seu relatório para a UNESCO,
Educação – um tesouro a descobrir:
Para podermos compreender a crescente complexidade dos fenômenos
mundiais, e dominar o sentimento de incerteza que suscita, precisamos,
antes, adquirir um conjunto de conhecimentos e, em seguida, aprender a
relativizar os fatos e a revelar sentido crítico perante o fluxo de
informações. (DELORS, 2001, p.47). Assim encaminhada, essa luta é
composta por diversas batalhas: compreender as mudanças,
compreender nossas essências, compreender o outro e as necessidades
de transformações, certamente estão entre as mais difíceis. Edgar Morin
vai mais longe, dizendo que é preciso compreender a incompreensão.
Assim, se descortina o trabalho do filósofo que abraça a carreira docente.
De uma forma bastante pragmática, podemos dizer que o reviver de um
pensar filosófico abre caminhos para o surgimento de um professor-
significador. Não mais um reprodutor de conteúdos depositados em
diversos suportes, mas um decodificador/codificador dos saberes do
universo. Para que se chegue à concretização desse ideal, temos que
voltar a lembrar a importância da linguagem, especialmente a linguagem
verbal (em sua forma oral e escrita), que é a ponte principal estabelecida
entre os sujeitos dessa realidade ensino/aprendizagem, entre o professor
e o aluno, mesmo que em ambiente virtual.
A palavra deve ser dominada por aquele que a usa para se expressar. É
dela que se extraem conceitos para nos orientar no mundo. É por ela que
damos vazão à nossa criatividade, nossa felicidade, mas também à nossa
angústia e desespero.
Com as palavras, os gregos procuraram a resposta verdadeira e
universal sobre os problemas desconhecidos pelo homem. Foi nelas, que
os filósofos da Idade Média sustentaram suas teorias de fé na igreja
católica. Por elas, os modernos voltaram à razão baseada no empirismo,
abrindo as portas para o avanço tecnológico. Desse desenvolvimento
tecnológico surgiram novas formas de pensar e expor este pensamento.
E a Filosofia da Linguagem é de todos os ramos da Filosofia, o mais
preparado para abarcar este tipo de discussão. Não só porque considera,
para efeito de função, o sentido da palavra em determinado contexto,
mas porque acredita que o maior símbolo já inventado pelo homem
jamais vai morrer. As palavras são importantes, mas também
precisamos aprender a filosofar em outras plataformas de linguagem.
Para enxergarmos essas novas frentes, sugiro consultas a toda literatura
sobre as novas tecnologias da comunicação na educação.
Os trabalhos desenvolvidos no Brasil, sob este prisma, são muito sérios
em suas abordagens sobre as linguagens da indústria da cultura
utilizadas nos processos educativos. Grande parte dos autores voltados a
esta temática trabalham suas análises do ponto de vista crítico, não
descartando a contextualização pragmática em que se criaram, criam,
usaram e usam as linguagens da comunicação na educação.
Devemos avaliar estas possibilidades sem qualquer espécie de
preconceito, pois já sabemos que eles inevitavelmente nos levam a pré-
juízos. Ter uma capacidade de ler esta realidade de forma aberta,
escancarada, só nos leva à alucinação. Vejam que surpresa a palavra nos
dá:
Alucinar = pôr luz em algo ou alguém. Para encerrar, deixamos uma
reflexão para ser burilada pelo pensamento de quem gosta da
linguagem: a Filosofia já é conteúdo do Fantástico!

Você também pode gostar