Revista Wunsch - N. 6, Jul 2007 - O Cartel
Revista Wunsch - N. 6, Jul 2007 - O Cartel
Revista Wunsch - N. 6, Jul 2007 - O Cartel
Nova série.
Número 6
Julho 2007.
O cartel
Boletim internacional da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
Editorial
Proposta para o cartel na Escola, em sua dimensão internacional.
1 - Damos por fundamentada a tese do cartel como pilar da Escola, razão pela qual não
vamos justificá-la.
2 - O cartel existe, e existe em nossa Escola. Existe em todos os lugares, é certo que em
alguns lugares mais que em outros; em alguns lugares se colocará em prática o sorteio
entre o grupo; em outros, não será possível; em alguns lugares, terão ocorrido jornadas
de cartéis; em outros, os cartelisantes terão apresentado seus trabalhos em diversas
jornadas de trabalho...
3 – No entanto, não há até o momento um instrumento que permita reunir e conhecer os
cartéis de nossa Escola no nível internacional. Isso, se fosse possível, sem ser de todo
realizável, já seria muito: um instrumento que reunisse todos os cartéis da EPFCL
permitiria tomar o pulso da própria Escola e conhecer outros parâmetros de sua
“saúde”, e um diálogo entre o que a própria Escola propõe como temas de trabalho e
investigação gerais através dos encontros internacionais e jornadas locais, e os temas
dos cartéis como indicadores das preocupações particulares e os interesses do “dia-a-
dia”. Posto que o cartel é um núcleo da Escola, é possível pensar nele como um
observatório privilegiado da vida da Escola.
4 - Para tal propomos uma comissão internacional de cartéis que se constituiria da
seguinte maneira:
O CIOE, através de um de seus membros, se ocupa da coordenação geral de uma
“comissão de cartéis”. Sua função seria velar pelo funcionamento geral desta comissão e
difundir no nível internacional, de dois em dois anos e na ocasião do Encontro
Internacional, o “estado da questão” dos cartéis através do meio que se considere mais
propício. (Neste momento, o único meio possível é o eletrônico).
A “comissão de cartéis” estaria constituída ainda por um responsável por cada
dispositivo epistêmico de Escola, 6 no total: Argentina, Colômbia, Brasil, França e 2 da
Espanha (de maneira provisória e a se recompor, se for o caso, a partir da estrutura que
nos dermos a partir de 2008).
Estes responsáveis pelos DEL teriam como função fazer um acompanhamento dos
cartéis, conseguir que se declarem, que notifiquem sua finalização e interessar-se pelo
destino dos trabalhos realizados através dos mais-um: é a cada responsável de cartéis
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O CARTEL
Um cartel, por quê ?
Jairo Gerbase
Reduzo a três as questões que Lacan propõe acerca do cartel, na aula de 15 de abril de
1975 do Seminário RSI. Mas, não posso publicar senão uma, por razões de espaço.
Por que foi que coloquei bem precisamente que um cartel parte de três mais uma
pessoa, o que, em princípio, faz quatro, e que dei, como máximo, cinco, graças ao que
faz seis. Quer isso dizer que eu penso que, como o nó borromeano, há três que devem
encarnar o Simbólico, o Imaginário e o Real?
Para comentar essa pergunta me refiro à intervenção de Soury, no seminário de 17 de
janeiro de 1978, que pelo menos explica satisfatoriamente por que se parte de três.
Soury começa propondo uma analogia entre o número 0 e a cadeia de dois círculos, e o
número 1 e a cadeia de três círculos.
Há pelo menos duas razões para se denominar a cadeia de dois círculos de cadeia
degenerada. A cadeia de 2 é o elemento neutro do enlaçamento, ou seja, não engendra
nada novo. A cadeia de 2 é a degeneração da propriedade borromeana, ou seja: em um
grupo cada elemento é indispensável; quando se retira um elemento o grupo não se
sustenta mais; cada elemento sustenta todos os outros; todos os elementos sustentam o
grupo; a propriedade borromeana é automaticamente realizada, logo, a cadeia
borromeana degenera em dois porque aí não se verifica esta propriedade.
Portanto, parece que os três do cartel se enlaçam como no nó borromeano, e que é por
isso que um cartel deve se dissolver quando pelo menos um real se solta, o que
corresponde a uma propriedade borromeana. Em outros termos, no cartel assim como
no nó borromeano estão em jogo três funções discursivas enlaçadas de modo
borromeano, o que não é a forma ideal de enlace, porque a propriedade borromeana
implica em que se cortando qualquer um dos elos o nó se desfaz.
Silvana Pessoa
"Saiam de suas poltronas e produzam um escrito sobre o que formularam em suas
análises e sua clínica, e o tragam a céu aberto para que um interlocutor possa levar a
empreitada mais adiante. Se ainda não há uma conclusão, exponham ao menos suas
crises de trabalho. Com certeza isso terá um efeito sobre o seu ato”.
Cartel foi uma aposta de Lacan para a transmissão da psicanálise na sua Escola.
Entretanto, nem sempre sua formalização foi precisa. No tempo da Escola Freudiana,
não se sabia muito bem como funcionava o cartel, muito menos o mais-um. De 64 a 80,
quando dá partida à Causa Freudiana, ele e seus colegas da comunidade analítica
fizeram algumas experiências com diversos tipos de agrupamentos. Existiam supostos
cartéis funcionando como seminários ou com 20 pessoas aproximadamente. Podemos
verificar isso em documentos e relatórios institucionais sobre este tema.
Aquilo que seria a quarta seção da Escola Freudiana de Paris, o cartel - a "mais uma"
das outras três seções, além das outras três: Psicanálise Pura, Psicanálise Aplicada e de
Inventário do Campo Freudiano -, não funcionou!
Seria esta a razão do fracasso da Escola? Rompendo-se a base, desmorona-se o edifício?
Podemos questionar e analisar, pois, em mais uma tentativa de construção de uma outra
Escola, a Escola da Causa. Ele, Lacan, ainda insiste no dispositivo dizendo: “restauro
em seu favor o órgão de base retomando a fundação da Escola - ou seja, o cartel - do
qual, feita a experiência, aprimoro a formalização".1
1
Lacan, J. D’Ecolage. 11 mars 1980.
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Estamos todos - sempre - dando voltas a redor do furo, titilando a verdade, nas nossas
análises e na psicanálise em extensão. Nisto estou afinada com Lacan na sua aposta.
Verifico na prática que trabalhamos melhor, conhecemos e somos mais conhecidos - e
reconhecidos - por aqueles dos quais nos aproximamos em pequenos grupos. Esse é o
lado bom do agrupamento. No entanto, existem diferenças radicais entre os membros de
um cartel, inconsistências profundas que apenas a aproximação é capaz de revelar e
que, se insuportáveis - e com pouca generosidade e tolerância -, podem levar a
dissolução.
Apenas de perto se percebe as imperfeições da pele e as teias de aranha por detrás dos
objetos, nos lembra Saramago, no documentário “Janela da Alma”. Por isso, somos
convocados por este outro autor, a dar a volta ao redor do cenário, de toda a coroa da
rainha de uma peça, antes de idealizarmos um objeto. Mais uma vez, dar a volta ao
redor do furo.
Assim sendo, não deveríamos nós, membros dos Fóruns, nas Comissões de Acolhimento,
estimular o trabalho em cartéis desde a entrada dos que se aproximam da nossa
comunidade? Lacan, na ata de fundação da Escola Freudiana de Paris em 1964, define
expressamente: "um cartel é, em primeiro lugar, a condição de admissão na Escola”.
Por que ainda não privilegiamos essa forma de entrada? Podemos aproximar essa
questão com a frase dita por Lacan quando fundou a sua escola: “aposto tudo no
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funcionamento e muito pouco nas pessoas”.2 Será que estamos nós, “as pessoas”, à
altura desta aposta? Arrisco levantar a hipótese que a dificuldade maior de bancar este
dispositivo, o cartel, reside no próprio processo de criação e no seu produto.
Ao participar de um cartel, entramos em um tema que é geral, de algo que nos é dado, e
só podemos dar a partida ao ato criativo a partir do individual, quando nos implicamos
com uma questão. Através da escolha das palavras e dos argumentos que sustentarão
cada idéia ou conceito fazemos algo de novo surgir do que nos foi dado. Feita duramente
a escolha das palavras, frases e parágrafos resta-nos colocar o produto no mundo,
nomeá-lo e sustentar o que foi escrito. Nada simples ou natural - nem para os analistas.
Verificamos isso, primeiro no nosso próprio processo criativo, depois na história e na
atualidade da nossa Escola, como já foi dito neste trabalho.
O cartel, o seu fim - na sua dupla vertente, de finalidade e término -, já está posto desde
o início, tal como nas análises e, para o cartel, Lacan diz: "Vamos. Reúnam-se vários,
grudem-se o tempo necessário para fazer alguma coisa, e depois se dissolvam para fazer
outra coisa (...) se desliguem antes de ficarem grudados para irremediavelmente".3
Grudados irremediavelmente? Não cabe na lógica feminina, não-toda! Este enodamento
temporário é necessário e fundamental para a produção.
Em uma análise, o analisando precisa do analista para fazer o atravessamento da
diagonal da transferência e, no cartel, do mais-um, que sustentará o funcionamento e
será o provocador da produção do grupo. Nas duas situações, a da análise e do cartel, o
analista e o mais-um provocam a produção de saber a cerca do gozo, mas o analisando e
cartelizante estão sozinhos no produto: a sua fala e a sua escrita são de sua única
responsabilidade. Elas servem para circunscrever o real, fazer passar o gozo ao
inconsciente. Isso não é sem conseqüências, essa passagem modifica inteiramente o ato,
por isso, a necessidade do corte, da destituição e da dissolução.
Orientada por esta ética, como a Escola pode dar tratamento a este produto? O que
fazer com o analista e sua criação - o produto próprio de cada um em cada cartel?
Os artistas fazem vernissage, apresentações públicas, concertos e saraus. Os analistas
têm feito nos últimos anos Jornadas de Cartéis. Nós, em São Paulo, inventamos o Café
Cartel, regado a chá, café e escuta de textos produzidos por membros de cartéis acerca
do seu funcionamento dos cartéis, suas crises, passes e impasses. Podemos fazer algo
diferente?
2
Lacan, J. L’Autre manque. 15 janvier 1980.
3
Lacan, J. Monsieur A. 18mars 1980.
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Lacan tentou. Ele, utilizando a lógica feminina, não-toda, como gosto de pensar, nos
obrigava a ultrapassar a inércia, a servidão dos saberes instituídos e o anonimato da
multidão. Acreditava que para fazer o dispositivo funcionar bastava uma caixa de
correio - dizia que isso tinha uma vantagem: "ninguém pede para fazer um Seminário
na minha caixa de correio;4 um correio que faça saber o que, nessa caixa, se propõe
como trabalho; um congresso, ou melhor, um fórum onde isso se intercambie; enfim, a
publicação inevitável para o arquivo; um pequeno boletim que faça o enlace,(...) para
que os novos cartéis, que abundam, se façam conhecer".5 Assim, instaurava um
turbilhão, a fuga do sentido, em oposição à hierarquia, regida pela lógica do todo, que só
se sustenta por gerir sentido, tal como a religião.
Por fim, e enfim, o que nos impede de realizar na nossa Escola - a Escola de psicanálise
dos Fóruns do Campo Lacaniano - o desejo de Lacan que, na sessão de encerramento da
IV Jornada da Escola Freudiana, expressou claramente: “gostaria que a prática desses
cartéis que imaginei se instaurasse de maneira mais estável na Escola”. O que nos
impede de “abraçar essa causa”, deixar a folha cair, escrever um texto e publicá-lo,
criar algo novo e deixá-lo ir?
4
Ibidem.
5
Ibidem.
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cartel, não há Escola. Mas é preciso acrescentar, ainda, o sentido militar. Nesse sentido,
há duas bases: A base avançada que é a base militar provisória, a qual se localiza em
área avançada do campo de operações e tem a função de apoiar as unidades envolvidas
nas operações em curso. E a base de operações que é o acampamento militar onde são
planejadas as ofensivas e para onde os soldados retornam caso a missão fracasse.
Portanto, seja na ofensiva, ou na defensiva, a base é um local fundamental para as
operações estratégicas e táticas que permitem sustentar uma operação política
qualquer.
Por outro lado, curiosamente, no Preâmbulo deste mesmo “Ato de fundação”, Lacan
propõe a separação entre o ensino e os dispositivos de garantia: “esta fundação, pode-se
de início levantar a questão de sua relação ao ensino que não deixa sem garantia a
decisão de seu ato. Estabelece-se que por mais qualificados que possam ser aqueles
capacitados para aí discutir este ensino, a Escola não só não depende dele, como
também não o ministra pois é realizado fora. Efetivamente, se por este ensino foi
revelada a existência de uma audiência ainda insegura de si, na virada que fez a Escola,
mais ainda importa marcar o que as separa.”
A questão do lugar do ensino me parece fundamental, sobretudo se lembrarmos que sua
idéia está articulada historicamente com a educação. Educar: trata-se de um dos
impossíveis freudianos, e observarmos que dessa impossibilidade Lacan escreveu o
Discurso Universitário. Ora, do meu ponto de vista, pode-se extrair daí uma
conseqüência bastante reveladora: se a noção moderna de infância corresponde ao
imperativo moderno “eduque-se”, que encontra sua versão mais bem acabada no Emílio
de Rousseau, podemos propor que o “dispositivo de infantilidade” passa a ser um dos
principais instrumentos de controle e domínio da subjetividade no mundo capitalista, ao
que Lacan chamou de “infância generalizada”. O “tempo para se educar”
corresponderá, então, ao tempo da transição entre a criança e o adulto, aquele que
supostamente é educado, maduro, desenvolvido, adaptado. O discurso universitário cria
a criança no lugar de objeto, deixando o sujeito do inconsciente impotente para alcançar
sua verdade.
Saber ° Criança
Mestre // Sujeito
Retomo esse ponto que, evidentemente necessitaria de mais tempo para ser
desenvolvido, apenas para mostrar a relação intrínseca da infância generalizada com o
DU. Assim, se privilegiarmos o ensino, em detrimento do trabalho em cartéis, não
estaremos renunciando rápido demais à crítica assídua, ou, por outro lado, fazendo
concessões demais ao DU. Editaríamos, de certa forma, contribuindo para certa
infantilização dos chamados alunos, contribuindo para uma relação de mestria, em
detrimento da “produção própria de cada um”.
Pois a noção precisa de Lacan de “garantia gratuita” é a lógica que orienta nossa
formação, orienta nossa clínica e desejamos que oriente nossa experiência de Escola. A
questão que eu gostaria de propor para o debate a céu aberto, nesta plenária, portanto,
é exatamente esta: como estão nossas bases?
Concluindo, queria apenas chamar a atenção de vocês para essa expressão: “A céu
aberto”, a qual, curiosamente, é utilizada por Lacan para se referir à Psicose. Vejam: a
Escola, enquanto abrigo, ao contrário do que possa parecer, nos remete necessariamente
à nossa condição de desamparo fundamental: no fundo, estamos todos à céu aberto. A
precariedade de nossa condição nos remete forçosamente à realidade de que não há
abrigo pronto ou definitivo já que o estado em que vivemos é sempre de emergência.
Cabe a cada um reconstruí-lo e sustentá-lo a cada dia. Nesse sentido, parece-me que a
idéia de que cada um possa, periodicamente, expor sua produção a céu aberto, remete
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6
Empreguei a palavra cartel, porém, realmente, é a palavra cardo que está detrás, ou seja, a
palavra bisagra. Lacan, J. Journées des cartels de l’Ecole freudienne de Paris, 12 avril 1975. Lettres
de l’Ecole freudienne, 1976, n° 18.
7
Lacan, J. Séminaire Les quatre concepts de la psychanalyse, Seuil, p.9.
8
Idem, p. 11.
9
Acte de Fondation, in Autres Ecrits, Seuil, p.229.
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Qual é o alcance, para nossa Escola, a EPFCL, desse estranho dispositivo criado por
Lacan e que tem efeitos de inconsciente?
Estranho, pois quando se deve explicar aos que se aproximaram recentemente da
psicanálise que quando eles decidem trabalhar em cartel, quatro se escolhem, em
seguida elegem em comum acordo um tema de trabalho e só depois eles devem escolher
juntos um Mais-um, não é fácil explicar essa função, a não ser simplesmente como uma
função de regulação. Mas a função de Mais-um imprime ao cartel uma estrutura bem
particular e que vai além da regulação, mesmo se ela está presente.
Para compreendê-la, me parece que é preciso se levar em conta o que Lacan está
trabalhando naquele momento do seu ensino.
Lacan ditou sua única aula “Introdução aos Nomes-do-Pai” no dia seguinte mesmo ao
de sua exclusão da Sociedade Francesa de Psicanálise, em 20 de novembro de 1963. Ele
decidiu que não retomaria nunca mais esse tema, percebendo uma impossibilidade dos
psicanalistas naquele momento de entender o que para ele está no cerne da invenção
freudiana. Dois meses mais tarde, em 15 de janeiro de 1964, ele se explica na aula de
abertura de seu seminário Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise , intitulada:
“a excomunhão” . Ele diz: “O que eu tinha a dizer sobre os Nomes-do-Pai visava apenas
a colocar em questão a origem, a saber, por qual privilégio o desejo de Freud pôde
achar, no campo da experiência que ele designa como o inconsciente, a porta de
entrada.”10 Em seguida, o Ato de Fundação da EF,P na data de 21 de junho de 1964.
Apenas em 1973-74 Lacan vai voltar aos Nomes do pai no seu seminário Les non-dupes
errent. No ano seguinte, no RSI, Lacan elabora o nó borromeano e faz do Nome-do Pai o
que faz o nó e permite a identificação ao Real do Outro Real. Lacan acrescenta: “é aqui
que Freud designa o que a identificação tem a ver com o amor”.11 Na aula de 15 de abril
de 1975, ele diz que o que ele deseja é “a identificação ao grupo”, ele acrescenta que os
seres humanos «quando não se identificam a um grupo, estão arruinados, eles devem ser
internados. A identificação, que ele indica aqui no início de todo nó social e no qual
Lacan inclui o cartel, é a identificação «ao ponto onde a está escrito no nó borromeano.
Ora, este é precisamente o ponto onde falta o saber.”12 Ali onde se situa o desejo.
Na nossa Escola, hoje, se trata de fazer existirem os cartéis pelo simples fato de que
Lacan inventou este dispositivo? Reconhecemos sem dificuldade nesse dispositivo seu
valor epistêmico, lugar de estudo de textos psicanalíticos. Contudo, além dos efeitos
subjetivos do um a um, o trabalho de cartel tem efeitos não apenas sobre os laços de
trabalho em nossa comunidade, mas também sobre o lugar da psicanálise no mundo.
Lembremos que Lacan queria uma Escola de analisantes, todos analisantes, quaisquer
que sejam seus títulos, tanto o AME como os outros. È no cartel que cada um, qualquer
10
Lacan, J. Séminaire Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse, Seuil, p.16.
11
Lacan, J. Séminaire R.S.I., inédit, leçon du 18 mars 1975.
12
Soler, C. Cartel d’Ecole, in Mensuel n°25, Mai 2007.
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que seja seu saber teórico, e apesar dele mesmo, sem o saber, coloca em questão, pois é o
que o questiona, o que ele tem de mais real nele próprio.
Temos cartéis de elaboração para trabalhar a teoria e a clínica. Cartéis de escola para
trabalhar o laço com a escola que se tornou muitas vezes “necessário” ao fim de uma
análise. E cartéis do passe para que a comunidade psicanalítica possa mensurar não
somente a eficácia da prática analítica sobre cada sujeito, mas ainda o que para cada
um o determinou no seu desejo de aceitar a ocupar um lugar de um psicanalista para
alguns e enfim para fazer progredir a teoria analítica. Isto não é um trabalho simples
depois de Lacan, certamente! Mas ele é indispensável se queremos que a psicanálise,
esta experiência particular, como nenhuma outra, sobreviva, se desenvolva e que esta
suma teórica inventada por Lacan depois de Freud, não fique empoeirada no fundo de
uma estante ou, pior ainda, que ela seja pervertida, deformada e não passe no discurso
corrente esvaziada de sua substância: o desejo que ela veicula.
25 de junho de 2007
Tradução: Gabriela Teixeira
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Apresentação
Colette Soler
ATUALIDADE
Hoje a questão do tempo próprio da psicanálise nos vem de fora. O tema nos é trazido
pela atualidade do discurso capitalista que faz do tempo um valor comercial como
qualquer outro, ligado evidentemente ao regime dos gozos contemporâneos.
Grande diferença tanto em relação a Freud como a Lacan. No começo da psicanálise, foi
no seio da comunidade dos analistas que a duração da análise esteve em questão e foi
objeto de debate. Quando, meio século depois, Lacan quis fazer do tempo, não mais um
dado inerte do quadro analítico, mas um dado inerente à relação de transferência e
manejável em virtude disso na sessão, foi na ortodoxia ipeísta que ele esbarrou. O objeto
de debate se tornara objeto de litígio, mas no mundo restrito dos analistas. Para nós, a
interpelação é duplicada por outra, muito mais poderosa, a do discurso corrente. Os
meios de comunicação se apoderaram do tema, que divulgam para o grande público, e
informam até mesmo as demandas. Ser escutado durante um longo tempo a cada sessão,
e sarar depressa, bem poderia ser a nova exigência de nossa época. Lógico: uma vez que
hoje o tempo se compra e se vende, como o consumidor não iria querer comprar o gozo
garantido de um tempo de sessão, e pedir ao analista vender-lhe uma análise curta?
E como analistas que se inscrevem sob o significante do Campo Lacaniano, campo de
regulação dos gozos, poderiam ser surdos a isso e continuar indefinidamente deixando
dizer? Tanto mais que o debate interno entre a corrente lacaniana e a ipeísta não está
encerrado. E verifica-se todos os dias o quanto esta última, pelo menos na França, para
bajular o espírito da época, não recua em fazer valer como pseudogarantia sua sessão
longa e com duração fixa – e sem mais argumentação. Do outro lado, vimos até mesmo
aparecer no Campo Freudiano o tema, não menos demagógico, da psicanálise aplicada
produzindo enfim, após um século de vãos esforços, "a análise curta"! Vê-se como é
grande a tentação para as políticas de parvoíce de jogar-se nos braços do discurso
contrário, e por medo de que a psicanálise desapareça do mercado, acaba-se por
contribuir ativamente para sua diluição no campo chamado psi, cuja cotação está em
alta.
Nossa questão é diferente. Ela se situa entre dois escolhos, seja por não reconhecer que
mudamos de mundo em alguns decênios e por ignorar soberbamente "a subjetividade
de nossa época", seja por ceder em relação à oferta propriamente analítica em nome da
adaptação realista, quando se trataria, antes, de precisar o que do tempo na psicanálise
não pode oscilar ao sabor do espírito da época.
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A análise, por exemplo, poderia não ser sempre longa, uma vez que sua extensão se
mede em relação a uma espera? Desde a época das primeiras análises, muito curtas na
realidade, alguns meses ou algumas semanas, já se lamentava sua duração, a começar
por Freud, sem dúvida porque o modelo de referência era a consulta médica.
Outra constatação engraçada: os psicanalistas de diversas obediências, eles que não
concordam em nada, concordam, entretanto, em relação a uma duração incompressível
da análise e poderiam subscrever, quanto ao essencial, a frase de Lacan "é preciso
tempo". Forçoso lhes é, com efeito, constatar que todas as tentativas para economizar
tempo – e os houve na história da psicanálise – fracassaram.
Quanto à duração da sessão, em contrapartida, desde que Lacan tocou nesse tabu, a luta
permanece acirrada. Já não seria o sinal de que o analista não se considera
verdadeiramente como responsável pela duração da análise, enquanto, no que diz
respeito ao tempo da sessão, ele sabe que aí entra em jogo uma opção, e que ela deve ser
justificada...
O inconsciente seria o recurso? Mas primeiro seria necessário responder à pergunta,
lancinante, ao longo de todo o ensino de Lacan e sempre retomada até o fim: o
inconsciente, o que é isso? Na realidade, em seus debates históricos sobre o tempo, os
analistas o usaram como argumento, mas sem que conclusão alguma se impusesse, pois
dele pode-se dizer uma coisa e seu contrário: que o inconsciente não conhece o tempo,
insistência indestrutível, que ele se manifesta, contudo, em uma pulsação temporal que
lhe é própria (o tema é freudiano), que, entretanto, ele quer tempo para se manifestar
na sessão (tema pós-freudiano) ou que, ao contrário, trabalhador jamais em greve, ele
tem todo o tempo, pois não conhece os muros da sessão (tema lacaniano). É que a
concepção que se faz do inconsciente é solidária com a do tempo analítico.
A questão aberta por esse tema não é simplesmente clínica. Uma clínica o tempo é
possível, sem dúvida, mas, para dizer a verdade, ela não está mais por ser feita, pois já
se encontra bem balizada pelo ensino de Lacan. Tempo do sujeito que se
"hystoriza"(NT) puxado entre antecipação e retroação: tempo próprio de cada
estrutura clínica, que marca com seu selo a temporalidade universal do sujeito e cuja
tipicidade já é o índice de um real, conforme elas se hystorizam ou não; "tempo lógico"
de produção de uma conclusão a partir do "não sabido", produção cuja duração,
incalculável, é própria de cada analisante, o que leva a pensar que, por mais lógico que
seja esse tempo, ele é algo não só lógico, participando antes de um real que se manifesta
na "textura" do tempo.
O ponto crucial de nosso tema hoje está, porém, noutro lugar, mais ético que clínico; o
que uma análise sempre longa pode prometer ao homem apressado pela civilização?
Efeitos terapêuticos às vezes e mesmo freqüentemente rápidos, sem dúvida alguma,
contrariamente ao que se crê. Mas, além disso, "o tempo necessário", conforme a
expressão de Lacan, permitiria produzir um novo sujeito?
Freud já se fazia essa pergunta, questionando em "Análise finita, análise infinita", para
além do terapêutico, a possibilidade de um estado do sujeito que só se alcançaria pela
análise. Mas ele se detém nesse limiar. Não que ele não reconheça que a análise produz
surpresas, mas, para ele, paradoxalmente, elas não são o signo do novo, mas, ao
contrário, são o signo do reencontro, do retorno de um passado infantil. Em
conseqüência, o que uma análise pode prometer de melhor é a reconciliação do sujeito
com o que ele rejeitara inicialmente no recalque, ou a admissão do que nem sequer
havia sido simbolizado e que insistiria na repetição. Daí a extraordinária fórmula
freudiana, em sua ironia: reduzir o infortúnio neurótico ao infortúnio banal.
Na opção de Lacan, ao contrário, o tempo é um possível vetor de novidade. É que ele
não pode ser pensado unicamente como estruturado pela dimensão simbólico-
imaginária que assegura a imanência do passado no presente. A questão do que ele
implica de real deve ser colocada, quer isso agrade, quer não a Emmanuel Kant, pois,
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antes de toda promessa analítica, é preciso responder à questão de saber como o tempo
real de uma análise alcança o real do falasser.
Tradução: Sílmia Sobreira.
PROPOSTAS DE TRABALHOS
Enviar título e argumento (15 linhas) até 30 de janeiro 2008 para a
Comissão Científica: [email protected]
Os trabalhos deverão ser entregues até 30 de maio de 2008.
INSCRIÇÕES
Profissionais Estudantes
até 30/11/07 R$ 240,00 (3X85,00) R$ 160,00 (3X55,00)
até 31/05/08 R$ 280,00 (2X155,00) R$ 220,00( 2X120,00)
de 01/06 a 30/06/08 R$ 320,00 (só à vista) R$ 260,00 (2X140,00)
a partir de 01/07/08 R$ 350,00 (à vista) R$ 280,00 (à vista)
LOCAL
Universidade Paulista – UNIP (Campus Paraíso)
Rua Vergueiro, 1211 - Paraíso, São Paulo
HOTÉIS
O encontro acontecerá na Universidade Paulista – UNIP (Campus Paraíso), lugar
central de São Paulo. Uma lista de hotéis será providenciada, mas, desde já podemos
informar que nos arredores da UNIP encontram-se hotéis cuja faixa de preço das
diárias varia entre R$ 85,00 e R$ 300,00 (categoria econômica a hotéis 04 estrelas).
Outras Informações
As Assembléias da IF e da Escola :
Sexta-feira, dia 4, à tarde, discussões sobre a experiência do passe na EPFCL
Segunda-feira, dia 7, e terça-feira, dia 8 manhã: Assembléia da IF-EPFCL e votações
A pauta será estabelecida posteriormente pelos Colegiados internacionais (CRIF-CIOE-
CIG).
WEB: www.vencontro-ifepfcl.com.br
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Fórum de Santiago-Chile.
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As Jornadas da EPFCL-Françaça.