Sociologia - Da - Educacao - UFMA
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Disciplina na Modalidade a Distância
São Luís
2010
Presidente da República Federativa do Brasil
Luis Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Carlos Eduardo Bielschowsky
Sistema Universidade Aberta do Brasil
Reitor
Natalino Salgado Filho
Vice-Reitor
Antonio José Silva Oliveira
Pró-Reitor de Ensino
Aldir Araújo de Carvalho Filho
Diretor do Núcleo de Ensino a Distância - NEaD
Othon de Carvalho Bastos Filho
Coordenador do Curso de Pedagogia
José Bolívar Burbano Paredes
Secretaria do Curso
Jorgiane Castelo Branco Santos
Coordenador Pedagógico
Reinaldo Portal Domingo
Coordenação de Tutoria NEaD
Sylvania Cavalcante de Sá
Coordenador Tecnológico
Rômulo Martins França
Tecnologia e Suporte
Nélio Alves Guilhon
Rafael Martins da Cruz
Reutmann Santos
Coordenador da Universidade Aberta do Brasil na UFMA
Othon de Carvalho Bastos Filho
Coordenadora Adjunta da Universidade Aberta do Brasil na UFMA
Reinaldo Portal Domingo
Coordenação de Tutoria UAB
Werlang Cutrim Gomes
Projeto Gráfico e Capa
Luciana Santos Sousa
Diagramação
Sebastião de Sousa Nunes
Sistematização
Cenidalva Miranda de Sousa Teixeira
Sylvania Cavalcante de Sá
Revisão Técnica
Aleksandra G. Santos Rêgo
Revisão Linguística
Acioli Fernandes da Gama
Veraluce Lima dos Santos
47 f.: il.
Inclui bibliografia
CDU 37.015
SUMÁRIO
1.4 As regras de observação dos fatos sociais................................................................. 13
1.5 A sociologia contemporânea e seus métodos............................................................. 15
1.6 O poder da linguagem................................................................................................. 17
CAPÍTULO
SEGUNDO DURKHEIM
O livro As regras do método sociológico constitui uma das etapas fundamentais do
pensamento de Durkheim (1858-1917) e da sociologia contemporânea que ele ajudou a fundar.
Montesquieu (1689-1755) e Aléxis de Tocqueville (1805-1859) deixaram uma vasta herança,
mas eles eram filósofos e historiadores. Esses trabalhos representam mais uma reflexão sobre
os importantes processos sociais e não propriamente uma análise sociológica das características
específicas dos fatos sociais. Para Bernard Dantier (2003), as regras do método sociológico
são a formalização, a descrição e a justificativa dos procedimentos metodológicos adotados por
Durkheim, nas suas três principais obras: A divisão do trabalho social (1893), O suicídio (1897),
As formas elementares da vida religiosa (1912).
A concepção que Durkheim tem da sociologia é fundada sobre uma teoria do fato social.
O objetivo dele é demonstrar que deve existir uma sociologia que seja uma ciência objetiva
(como modelo das outras ciências) e o objeto da sociologia seria o fato social. Para isso, é
necessário que o objeto da sociologia seja um objeto específico e distinto de todos os objetos
das outras ciências. É necessário, também, que esse objeto seja observado e explicado de forma
semelhante à observação e explicação das outras ciências. Essas duas exigências conduzem a
afirmar que os fatos sociais devem ser tratados como coisas e que a característica do fato social
é a coerção que ele exerce sobre o indivíduo (ARON, 1967). Durkheim parte da idéia de que
convém definir os fatos sociais pelos seus traços exteriores claramente reconhecíveis. O objetivo
fundamental é evitar a interferência das prenoções.
Para Raymond Aron (1967), Durkheim não afirma que a coerção seja a característica
essencial dos fatos sociais enquanto tal; ele admite somente que é a característica exterior que
permite reconhecê-los. Discute-se indefinidamente se é justo definir o fato social pela coerção
(ARON, 1967, p.365). Explicar um fenômeno social é buscar a causa eficiente e analisar o
fenômeno antecedente que o produz necessariamente.
Segundo Durkheim, não podemos estudar os fatos sociais, sem antes interrogarmos sobre
a natureza desses fatos e como poderemos defini-los. Nem todos os fenômenos que acontecem
na sociedade podem ser considerados como fatos sociais, mesmo tendo algum interesse de
natureza social. Assim, a sociedade tem todo interesse em que os indivíduos bebam, comam
Núcleo de Educação a Distância - UFMA
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e raciocinem regularmente. No entanto, esses fatos não podem ser considerados como fatos
sociais, em razão do fato de que eles se confundem com o objeto próprio da biologia e da
psicologia. Se esses fenômenos fossem considerados como fato social a sociologia não teria um
objeto próprio. O grande interesse de Durkheim, nas regras do método sociológico, é definir o
objeto e o método próprio da sociologia.
Durkheim parte do princípio de que em todas as sociedades existe um determinado grupo
de fenômenos que possuem características particulares. Assim, o papel de irmão ou de cidadão
é definido pela sociedade nos costumes e no direito, independente da consciência individual e
dos atos do indivíduo. Isso significa que não foi o indivíduo que inventou, mas a consciência do
seu papel de irmão ou de cidadão é o resultado de um longo processo de aprendizagem. Da
mesma forma, ao nascer, o indivíduo encontra as crenças, as práticas religiosas estabelecidas
e o próprio sistema financeiro que utilizamos, para estabelecermos as trocas comerciais. Os
códigos linguísticos que utilizamos para expressar o nosso pensamento também existem,
independentemente da utilização que o indivíduo faz dos mesmos. Podemos afirmar que as
maneiras de agir, de pensar e de sentir existem fora das consciências individuais.
Nesse sentido, os comportamentos e pensamentos são exteriores aos indivíduos e
exercem o poder coercitivo sobre os indivíduos. Isso se torna mais evidente, à medida que o
indivíduo tenta violar as regras do direito ou dos costumes sociais. Ao tentar violar o direito, há
uma força contrária que impede a violação das regras sociais. Neste caso, trata-se da coerção
direta, mas, se o indivíduo não se submete às convenções da sociedade, ele poderá sofrer uma
coação indireta. Essa é menos violenta, mas não deixa de existir e ser igualmente eficaz.
Durkheim e Marcel Mauss se posicionam sobre as nossas emoções e percepções dos
objetos integrados à realidade social em um texto que estuda as representações coletivas. Para
eles, a pressão exercida pelo grupo sobre cada um de seus membros não permite aos indivíduos
julgar livremente as noções que a sociedade elaborou e onde ela colocou alguma coisa de
sua personalidade. Aliás, as construções são sagradas pelos particulares. Assim, a história da
classificação científica é, ela mesma, a história das etapas durante as quais esse elemento de
afetividade social são legitimados Institucionalmente.
A forma que Durkheim utiliza para invalidar as representações e as pré-noções se inscreve
em uma concepção materialista do mundo social. Mas, não podemos dizer que ele é marxista.
Para Durkheim, é o aspecto material do mundo social que o sociólogo deve explicar e não o
aspecto espiritual presente nas representações sociais. O que Durkheim quer estudar se situa
dentro das estruturas sociais. Como já notamos, é a morfologia da estrutura social que deve
ser a primeira fonte de explicação dos fatos sociais. O fato social é o que o indivíduo encontra
instituído fora dela e na sociedade. Assim, o fato social se impõe ao indivíduo, através de uma
força específica.
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Na concepção de Spencer, uma educação racional deveria ser contra as imposições que
são feitas à criança. Para ele, a educação consistiria em deixar a criança agir com total liberdade.
Ao que parece, segundo Durkheim, essa teoria pedagógica nunca fora praticada em nenhum
povo ou sociedade. A pressão exercida sobre a criança é a pressão do meio social que procura
moldá-la à sua imagem. Nesse caso, os pais e os professores podem ser considerados como os
representantes e intermediários do processo educacional. A educação tem o objetivo de fazer o
ser social e é através da educação que podemos ver de que forma a criança vai se constituindo
na história, através das crenças e tendências de uma determinada sociedade.
O que constitui o fato social é justamente as crenças, as tendências e as práticas do grupo
considerado coletivamente. Ora, o hábito coletivo não existe somente em estado de imanência
nos atos sucessivos, mas se exprime em fórmulas que se repetem de boca em boca, transmitidas
pela educação, podendo até mesmo ser fixadas por escrito. É essa a origem e a natureza das
regras jurídicas e morais, dos ditados populares, das regras dos gostos que são estabelecidas
pelas escolas literárias.
É preciso dizer que nenhum indivíduo se reconhece integralmente nas aplicações (das
regras morais, por exemplo) feitas por pessoas em particular, uma vez que elas podem até
existir e não serem aplicadas. Nesse sentido, o fato social é distinto de suas repercussões
individuais. Assim, as manifestações individuais têm algo de social na medida em que
reproduzem, parcialmente, um modelo coletivo. No entanto, as manifestações individuais
dependem também da constituição orgânico-psíquica do indivíduo e, sobretudo, das condições
sociais particulares.
Os comportamentos e manifestações sociais pertencem, então, ao domínio do que
chamamos de sociopsíquicos. Com efeito, o fato social é devido, em parte, à nossa colaboração
direta. Isso significa que as crença e práticas que nos são transmitidas já foram elaboradas nas
gerações anteriores e a recebemos enquanto obra coletiva dotada de uma particular autoridade
que a educação se encarregou de nos ensinar a reconhecer e a respeitar. A vida comum é o
resultado das ações e reações entre os indivíduos e grupos sociais.
Os fatos sociais possuem uma realidade objetiva e é, exatamente, por isso que eles podem
ser observados e tratados como coisa.
toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma
coerção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer que é geral na extensão de uma
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de
suas manifestações individuais.
O fato social é tudo o que se produz na sociedade. O fato social é também tudo aquilo que
afeta, de alguma maneira, um grupo social determinado. Os fatos sociais existem fora e antes
dos indivíduos (fora das consciências individuais) e exercem uma força coercitiva sobre eles
(exemplo. as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem antes dos indivíduos e condicionam
coercitivamente o seu comportamento). O fato social é específico. Ele é criado pela coletividade e
se diferencia do que acontece nas consciências individuais. Os fatos sociais podem ser objetos de
uma ciência geral, porque eles são distribuídos em categorias e que os conjuntos sociais podem
ser classificados em gêneros e espécies. Podemos considerar que o fato social é resultado da vida
comum, por isso é necessário isolá-lo para estudá-lo. Dessa forma, a sociologia deveria preocupar-
se, fundamentalmente, com o estudo dos fatos sociais, de forma objetiva e científica.
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A tendência é fazer das nossas impressões a matéria das especulações e substituí-las
pela realidade. Assim, não produzimos uma ciência da realidade e sim uma ideologia. O que
deve ser feito é observar as coisas, descrevê-las e compará-las, para assim tomar consciência
das nossas próprias idéias e da realidade social.
Tratar os fatos sociais de uma certa ordem como coisas não significa classifica-los nesta
ou naquela ordem de categoria do real; é observar em relação a eles uma certa atitude
mental.[...] Portanto, pode-se dizer, que todo objeto de ciência é uma coisa, salvo, talvez,
os objetos matemáticos.(DURKHEIM, 2001, p. 17).
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ser aplicadas para se conseguir uma ruptura com as noções primeiras da realidade social. A
invenção não se reduz a uma simples leitura da realidade. Isso porque ela supõe sempre uma
ruptura com o real e com as configurações que ela propõe à percepção. (BOURDIEU; PASSERON,
1994, p. 28-29) Para Bourdieu, a sociologia é uma ciência da instituição e da relação feliz ou
infeliz com a instituição (DANTIER, 2003, p. 27)
No pensamento sociológico de Bourdieu, nós podemos encontrar uma certa continuidade
do método de Durkheim, mas se trata, na verdade, de um corretivo. Para Bourdieu, é necessário
esclarecer a teoria da prática que o conhecimento sábio engaja implicitamente e tornar possível
um verdadeiro conhecimento sábio da prática e do modo de conhecimento prático. Isso implica
que se deve esclarecer a lógica própria e insubstituível do conhecimento prático que estabelece
a relação fundamental ao mundo enquanto objeto científico. Bourdieu vai além da oposição
clássica entre o objetivismo (seguido por Durkheim) e o subjetivismo(combatido por Durkheim).
A sociologia deve não somente romper com a experiência e sua representação primeira, mas
também questionar os pressupostos inerentes à própria posição de observador “objetivo” que
pretende interpretar as práticas e tende a impor ao objeto os princípios de sua relação com o
objeto. (BOURDIEU, 1994 p. 46-47). A sociologia deve reintroduzir, na sua definição completa do
objeto, as representações primeiras do objeto que ela primeiramente destruiu para conquistar a
definição objetiva (BOURDIEU, 1994 p. 233). O objetivismo e o subjetivismo não reconhecem a
realidade que está no centro da relação entre o indivíduo e a sociedade: o habitus.
Para Bourdieu, na lógica interna da prática, o habitus se constitui em sistemas de
disposições duráveis e transportáveis para outros domínios. O habitus é também esquemas
classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão, gostos diferentes.
(BOURDIEU, 1994, p. 101.) O habitus sustenta as instituições e faz a homologia social. Essas
concepções são importantes, nessa disciplina, visto serem elas que estão na base de uma nova
sociologia da educação.
Nas ciências humanas e sociais, a fronteira entre a opinião e o discurso científico não é bem
precisa e é em razão disso que a vigilância espistemológica se impõe com mais força. A sociologia
do século XX se distanciou da filosofia social, mas não foi possível se livrar de contaminações
ideológicas de outra natureza. Assim, a familiaridade do sociólogo com seu universo social é o
principal obstáculo epistemológico. Isso porque a proximidade com o objeto produz uma série
de pré-noções, de sistematizações fictícias e, ao mesmo tempo, cria as condições sociais de
credibilidade das concepções ideológicas construídas espontaneamente. O sociólogo deve lutar
contra a ilusão do saber imediato e as evidências ofuscantes. No entanto, não é possível acabar
com a sociologia espontânea.
As pré-noções possuem uma função social que consiste em reconciliar, de qualquer
forma, a consciência comum consigo mesma, à medida que propõe explicações sobre as
questões sociais. As opiniões primeiras sobre os fatos sociais se constituem em um conjunto de
fatos que são falsamente sistematizados. Essas pré-noções são, na verdade, representações
esquemáticas construídas pela e para a prática social. Essas representações têm uma função
social de reconciliação das classes sociais.
É necessário levar a sério a influência das pré-noções e, ao mesmo tempo, utilizar diversas
técnicas de objetivação, para se romper com as noções comuns. Nesse sentido, a estatística,
enquanto técnica de ruptura, tem a vantagem de desconcertar as impressões primeiras. “[...] a
análise estatística contribui para tornar possível a construção de novas relações, capazes de
impor, por seu caráter insólito, a busca das relações de natureza superior que lhe serviriam de
justificativa.” (BOURDIEU, 1999, p. 24). O acento deve ser colocado na construção de novas
relações, pois a sociologia é uma ciência das relações sociais. Nesse mesmo sentido, devemos
considerar que a definição prévia de todo e qualquer objeto de pesquisa, enquanto definição
provisória, tem a vantagem de substituir as noções do senso comum por uma primeira noção
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mas também pelas temáticas e problemáticas que veiculam”. (BOURDIEU, p.57, 2002) Sem
teoria não é possível manipular um único instrumento, interpretar uma única leitura.
Isso significa que o sociólogo que recusar a construção controlada e consciente de seu
distanciamento em relação ao real e de sua ação sobre a realidade consciente, poderá impor aos
sujeitos questões que não fazem parte da experiência dos sujeitos entrevistados. O sociólogo
corre o risco também de impor as questões que ele mesmo formula a respeito. Assim, “[...] o
sociólogo terá de fazer uma difícil escolha quando, desencaminhado por uma falsa filosofia da
objetividade, vier a tentar anular-se como sociólogo.” (BOURDIEU, 2002, p. 51)
Uma análise orientada por uma hipótese é um instrumento privilegiado de ruptura com as
pré-noções. Como diz Bourdieu 2002, p.64:
http://www.esas.pt/dfa/sociologia/regras.html
http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S087365292003000300012&script=sci_arttext
http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm
http://maxpages.com/elias/A_Sociologia_de_E_Durkheim
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art12_12.htm
Questões:
CAPÍTULO
A SOCIOLOGIA CLÁSSICA
DA EDUCAÇÃO
Durante toda a sua existência Durkheim se dedicou ao ensino da pedagogia e da
sociologia. Na Faculdade de Letras de Bordeaux (1887-1902) ele ministrava duas horas de aula,
por semana, na pedagogia e na Sorbonne ela era titular da cadeira de Ciências da Educação. Ele
aborda o problema da educação enquanto fato social e a doutrina da educação é um elemento
fundamental da sociologia de Durkheim. A educação é uma coisa eminentemente social. É
a observação que nos prova isso na medida em que cada sociedade possui seus modelos
educacionais especiais. E mesmo em uma sociedade considerada igualitária, a educação varia
e deve necessariamente variar de uma sociedade à outra, segundo a profissão.
É verdade que todas as educações especiais repousam sobre uma base comum. Na
introdução ao livro Education et societé (Educação e sociedade) Paul Fauconnet afirma que é
na análise da educação que o sociólogo pode perceber melhor os aspectos fundamentais do
pensamento de Durkheim sobre a relação entre a sociedade e o indivíduo. Ele acrescenta ainda
que a ciência da educação é uma ciência sociológica e é dessa forma que Durkheim aborda o
problema da educação. (DURKHEIM, 1995, p. 17-19).
Toda sociedade constrói o seu ideal de homem e é esse ideal que se torna o ponto central
da educação. Para cada sociedade, a educação é então o meio através do qual ela prepara o
espírito das crianças para assumirem as condições essenciais de sua existência. Assim sendo,
cada tipo de povo possuiu a sua própria educação e, a partir dela, é definida sua organização
moral, política e religiosa.
Durkheim considera que, em cada um de nós, existem dois seres distintos. Um é feito de
todos os estados mentais que corresponde à nossa vida pessoal; é o que podemos chamar de
vida individual. Um outro é o sistema de idéias, de sentimentos e de hábitos que exprime em
nós, não a nossa personalidade, mas os grupos sociais dos quais nos fazemos parte, tais como
as práticas morais, a crenças, as práticas religiosas, as tradições nacionais, etc. É o conjunto
desses fatores que forma o ser social.
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A constituição do ser em cada um dos indivíduos é a finalidade da educação. A moralidade,
a linguagem, as religiões, a ciência etc. são obras coletivas e, portanto, coisas sociais. Ora, é
justamente pela moralidade que o homem forma a sua própria vontade e ultrapassa o simples
desejo. É a linguagem que se eleva acima das sensações e, por sua vez, a ciência elabora as
noções fundamentais para o entendimento do mundo social e o desenvolvimento das faculdades
cognitivas.
O ser social não é dado presente na constituição primitiva do homem, mas é a sociedade,
ela mesma, que se forma, se consolida e elabora suas grandes forças morais. As atitudes que
supõem a vida social do homem são complexas e “se materializam sobre a forma de disposições
orgânicas. A transmissão dos atributos específicos que distinguem o homem se faz por uma via
que é social, como eles são sociais: é a educação” (DURKHEIM, 1995, p.13).
A educação é coisa social, porque ela coloca a criança em contato com uma determinada
sociedade e não com a sociedade in genere. Se essa proposição é verdadeira, a educação não
orienta apenas a reflexão especulativa sobre a educação; ela deve fazer sentir sua influência
sobre a atividade educativa, ela mesma. A influência da educação é incontestável. Mas dizer que
a educação é uma coisa social não é formular um programa educacional e, sim, constatar um
fato.
A educação medieval e humanística era exclusivamente livresca. Ora, está claro que as
instituições escolares, as disciplinas e os métodos são fatos sociais. O livro é, ele mesmo, um
fato social. O culto ao livro e o seu declínio dependem de causas sociais. A educação física,
moral e intelectual que uma sociedade geográfica e historicamente datada oferece é, sobretudo,
domínio da sociologia.
Durkheim define a educação enquanto socialização da criança. A educação moral tem
por objetivo incitar a criança aos diversos deveres e suscitar diversas virtudes particulares.
Mas a educação tem também o papel de desenvolver a moralidade em geral, as disposições
fundamentais que são a raiz da moralidade e que constitui o agente moral. O agente moral deve
receber uma educação que o leve a tomar iniciativas visto que essa é condição indispensável
para o desenvolvimento da sociedade. Trata-se de inculcar o espírito de disciplina, o espírito de
abnegação e o espírito de autonomia.
Para Durkheim, o espírito de disciplina é o sentido do gosto e da regularidade, o sentido
do gosto e da limitação dos desejos e também o respeito às regras. Por que a vida social
exige regularidade? Responder a essa questão significa dizer qual é a função da disciplina. É
preciso, então, saber qual é o natureza da disciplina e seu fundamento racional. O espírito de
autonomia é um dos traços mais recentes da sociedade moderna. Trata-se das características
da moralidade laica e racionalista das sociedades democráticas. A autonomia é entendida como
uma atitude de uma vontade que aceita a regra. Isto porque o agente social reconhece que a
regra é racionalmente fundada. Ela supõe a aplicação livre e metódica da inteligência, para
examinar a validade das regras.
O ensino tem uma grande influência na formação do espírito de autonomia. É, diz Durkheim,
a ciência que confere autonomia. (DURKHEIM, 1995, p. 28). É necessário, então, ensinar às
crianças os elementos importantes das disciplinas fundamentais para dizer que a gramática ou a
história, por exemplo, contribuem na formação do entendimento. A análise do entendimento traz
conseqüências pedagógicas. Nesse sentido, a memória, a atenção e a faculdade de associação
são disposições congenitais da criança que o exercício ajuda a desenvolver.
A história não pode ter um sentido para um espírito que não possui a representação da
duração histórica; um bom espírito é aquele que possui essa representação. No entanto, a criança
não pode construir sozinha essa representação, porque os elementos não são fornecidos pela
sensação tampouco pela memória individual. É necessário que as gerações anteriores ajudem a
criança a construir determinadas representações.
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a maneira em que são formados e desenvolvidos os sistemas educacionais, percebemos que
eles dependem das religiões, da organização política, do grau de desenvolvimento da ciência
e do estado da indústria. Assim, o indivíduo só pode agir sobre a sociedade à medida que ele
aprendeu a conhecer a sociedade em que vive e ele não poderá conhecer se não entrar na
escola (DURKHEIM, 1995, p. 46).
O objeto da educação é criar as crianças. Mas é preciso dizer em que consiste criar as
crianças e a que tipo de necessidades humanas a educação corresponde. Para responder a
essas questões, torna-se necessário observar o significado da educação no passado e a que tipo
de necessidades ela atendeu.
A finalidade da educação é criar em cada criança um ser social. O ser individual é feito de
um conjunto de estados metais que estão relacionados à vida pessoal de cada indivíduo. Mas há
também um sistema de idéias, de sentimentos e de hábitos que se exprimem em cada indivíduo,
tais como as práticas morais e as tradições de cada nação. É aí que se percebe melhor o papel e
a fecundidade da ação educativa. Esse ser social não é dado na constituição primitiva do homem
nem é também o resultado de um desenvolvimento espontâneo.
Na verdade, por natureza o homem não é propenso a se submeter a uma autoridade
política, a respeitar uma disciplina moral e nem tão pouco a se sacrificar. Não há nada na
natureza do indivíduo que o predisponha a ser necessariamente servidor de uma divindade. A
sociedade tira dela mesma as forças morais que fazem com que o indivíduo se sinta “inferior”. A
cada geração nova, a sociedade se encontra na presença de uma tábua quase rasa, diante da
qual é preciso construir novos fatos. É necessário que o ser egoísta e anti-social que nasceu seja
transformado em um ser capaz de viver em sociedade. Essa é a tarefa da educação. A educação
cria, no homem que nasceu, um ser novo e essa virtude criadora é um privilégio especial da
educação humana.
Segundo Durkheim, nas diversas sociedades a educação atende às necessidades sociais
distintas. As vantagens de uma sólida cultura intelectual foram reconhecidas por todos os povos.
É preciso fazer que a indiferença em relação ao saber não foi imposta ao ser humano de forma
violenta. Há seres humanos que não possuem o apetite instintivo pela ciência. O desejo da ciência
só é possível onde a experiência ensinou que não se pode deixar de reconhecer a legitimidade
e a importância da ciência. Se o homem não tivesse conhecido outras necessidades que não
fossem as relacionadas à sua constituição individual, ele não iria buscar a ciência, sobretudo,
porque a ciência não pode ser conquistada sem trabalho e um doloroso esforço. O indivíduo só
conheceu a sede do saber, porque a sociedade despertou nele esse desejo e a sociedade o
fez, em razão da sua necessidade. À cultura científica tornou-se indispensável e é por isso que
a sociedade exige de seus membros uma formação científica e impõe como algo necessário.
(DURKHEIM, 1995, p. 54).
É, então, a classe social que induz o indivíduo a buscar ou não uma cultura científica.
É a partir da sua classe social que o indivíduo adquire o poder de resistir aos seus impulsos e
dominar seus desejos. Ora, a ciência é uma obra coletiva visto que ela supõe uma cooperação
entre todos os intelectuais, não somente do seu tempo, mas de todas as gerações sucessivas
da história. Antes da ciência, a religião cumpria esse papel, pois a mitologia consiste em uma
representação elaborada do homem e do universo. Aliás, a ciência é herdeira da religião.
Essa representação elaborada é feita por meio da língua; é através da língua que o indivíduo
apreende todo um sistema de idéias, de distinção e de classificações. É bem verdade que sem
a língua não teríamos idéias gerais. Isto porque, ao fixar a palavra, os conceitos adquirem uma
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consistência e pode ser amplamente manipulada pelo espírito. É, então, necessário demonstrar
que a linguagem é uma “coisa social”, como nos diz Durkheim.
Há um antagonismo entre indivíduo e sociedade. A ação que a sociedade exerce sobre o
indivíduo, por meio da educação, não visa diminuí-lo. Ao contrário, o objetivo deveria ser fazer
com que ele seja um ser verdadeiramente humano.
A questão fundamental é saber qual é o dever do Estado em relação à educação. Isso pode
se opor ao direito de família, à medida que a criança pertence aos seus pais. Isso significa que
são eles que devem orientar as crianças, no sentido de lhes oferecer um bom desenvolvimento
intelectual e moral. Nessa perspectiva, a educação é entendida como uma coisa privada e
doméstica.
Para Durkheim, colocar, o problema nesses termos equivale a reduzir ao mínimo possível
a intervenção do Estado na educação. À medida que as famílias não podem cumprir seu dever
em relação à educação das crianças, é natural que o Estado tome para si essa responsabilidade,
colocando escolas à disposição das famílias, caso elas queiram enviar suas crianças. Contudo,
o Estado deve se limitar a isso e não deve imprimir uma orientação determinada ao espírito da
juventude.
Se a educação tem uma função coletiva e o seu objetivo é adaptar a criança no seu meio
social, no qual ela é destinada a viver, torna-se impossível que o Estado não seja o responsável
pela educação. É necessário que a educação assegure, entre os cidadãos, uma comunidade
de idéias e de sentimentos sem as quais a vida em sociedade seria impossível. Para que esse
resultado seja possível, é indispensável que a educação não seja totalmente abandonada à
arbitrariedade dos particulares. Ora, a partir do momento em que se considera que a educação
tem uma função essencialmente social, o Estado não poderá se desinteressar pela educação.
Tudo o que diz respeito à ação educativa deve estar subordinado à ação do Estado, segundo
Durkheim. Ele acrescenta que isso não significa que o Estado deve monopolizar a educação.
(DURKHEIM, 1995, p. 59).
A escola não tem o direito de dispensar uma educação antissocial. Não se deve reconhecer
o direito da maioria de impor suas idéias às crianças da minoria. A escola não deve ser coisa
de um partido. A questão central é que deve existir um respeito à razão, à ciência e às idéias e
sentimentos que são a base da democracia.
O papel do Estado é o de fazer ensinar nas escolas os princípios fundamentais para a
constituição de uma sociedade igualitária e democrática.
É necessário determinar como e em que medida a educação poderá ser eficaz. Tanto para
Locke, quanto para Helvétius, a educação tem um grande poder. Segundo Helvétius, todos os
homens nascem iguais e com aptidões iguais, somente a educação faz a diferença. A educação
não faz o homem do nada, como esses autores acreditam. Ao contrário, a educação se aplica a
disposições que ela já encontra sedimentadas na criança. É preciso considerar que as tendências
congênitas são fortes e difíceis de serem destruídas ou transformadas radicalmente. Isso porque
elas dependem de condições orgânicas e sobre essas o educador tem pouca influência.
Deve-se levar em consideração que uma das características do homem é que as
predisposições inatas são muito gerais e vagas. Na verdade o tipo de predisposição rígida e
invariável, que não deixa nenhum espaço à ação externa, é o instinto. A questão é saber se
existe realmente um instinto propriamente dito no homem; a própria expressão “instinto de
26
2.6 A Educação e a Pedagogia
Durkheim faz uma distinção entre educação e pedagogia. A educação é entendida como
a ação exercida sobre as crianças pelos pais e mestres. Não há um só período da vida social
em que os jovens não estejam em contato com a geração adulta e que esta não exerça sobre
os primeiros uma influência educativa. Essa influência não acontece apenas na relação direta
professor e aluno; ela se realiza também de forma inconsciente, através das palavras que
utilizamos e dos nossos comportamentos.
A pedagogia consiste em teorias. Essas teorias são as maneiras de conceber a educação
e não as formas de praticá-la. A Pedagogia de Rabelais, a de Rousseau ou a de Pestalozzi
são opostas à pedagogia dos dias atuais. A educação é a matéria da pedagogia e essa é uma
maneira de pensar as coisas da educação. Existem povos que não tiveram pedagogia, ela só
aparece em um período mais recente da história. Nós a encontramos na Grécia, no período de
Péricles, Platão e Aristóteles. É no século XVI que ela produz suas obras mais importantes.
Quais são, então, as características da reflexão pedagógica? A pedagogia seria a ciência
da educação?
Está claro que as coisas da educação devem ser objeto de uma disciplina que apresente
as características de uma disciplina científica. Para ser chamada de ciência, é necessário que ela
estude fatos que são dados à observação. A ciência é definida pelo seu objeto e, consequentemente,
esse objeto deve existir e ele deve ocupar um espaço na realidade. É necessário também que os
fatos apresentem entre eles uma certa homogeneidade e que possam ser classificados em uma
mesma categoria. Em geral, a ciência emergente abraça um conjunto de elementos de forma
confusa, mas isso é uma fase transitória do próprio desenvolvimento da ciência.
A ciência estuda os fatos da educação, para melhor conhecer a realidade educacional.
O conhecimento dito científico é desinteressado. Para Durkheim, a ciência começa a partir do
momento em que o conhecimento é buscado por ele mesmo, sem interesse. É verdade que o
cientista sabe que suas pesquisas poderão ser utilizadas. É possível que o pesquisador dirija suas
preferências de pesquisas para aquilo que poderá ser mais proveitoso e responda a necessidades
urgentes. Quando ele começa as suas investigações científicas, ele se desinteressa pelas
consequências práticas. Ele não se preocupa em saber se as verdades agradam ou desagradam
certos grupos sociais. O papel do cientista é o de analisar o real e não de julgá-lo (DURKHEIM,
1995, p. 71).
Nesse sentido, a educação é um objeto de pesquisa; é um conjunto de práticas, maneiras
de fazer e costumes que constituem os fatos de uma determinada sociedade e que possuem as
mesmas características de outros fatos sociais. Eles não são fatos sociais isolados e arbitrários;
ao contrário disso, os fatos relacionados à educação se configuram como verdadeiras instituições
sociais. O sistema educacional de uma sociedade está implicado na sua estrutura social.
As práticas educativas têm em comum um caráter essencial que é o fato de que elas são
consequências de todas as ações exercidas por uma geração de adultos sobre uma geração de
jovens. O objetivo é adaptar as novas gerações ao ambiente social no qual eles são chamados
a viver. Trata-se de mobilidades diversas dessa relação fundamental. Trata-se de fatos de uma
mesma espécie que obedecem a uma mesma categoria lógica e podem, portanto, ser objeto de
uma ciência que seria a ciência da educação.
No conjunto, as práticas educativas não são fatos isolados uns dos outros. Em uma mesma
sociedade, eles estão ligados a um sistema onde todas as partes estão imbricadas umas nas
outras, por se tratar de um sistema educacional próprio de um país e de um tempo específico.
É possível, através de comparações, estabelecer as semelhanças, eliminar as diferenças e
construir um tipo geral de educação que corresponde a diferentes espécies de sociedades, da
mesma forma que se constitui tipos de família.
28
ajudar a construir. Não podemos esquecer que o ideal pedagógico de uma época é a expressão
de uma sociedade em uma época bem determinada. Aqui, mencionamos as principais disciplinas
que contribuem para reflexão do pedagogo.
Durkheim fala da educação enquanto sociólogo. Ele considera que o postulado fundamental
da especulação pedagógica é que a educação é um produto social e, assim, ela depende mais
da sociologia do que de qualquer outra ciência. Essa idéia dominou todo o ensino da sociologia
da educação de Durkheim.
Os pedagogos modernos (quase todos) partem do princípio de que a educação é uma
coisa individual e que a psicologia seria a principal disciplina que ajudaria nos processo de
ensino-aprendizagem. A educação teria o papel de desenvolver, no indivíduo, todos os atributos
constitutivos da espécie humana, em geral. Nessa perspectiva, só existia um tipo de educação
e todas as demais seriam excluídas. A educação seria, então, universal e indiferente a toda as
condições históricas e sociais. Era esse ideal abstrato e único da educação que os teóricos da
educação se propunham a determinar e implantar.
A filosofia clássica da educação admitia que existia uma única natureza humana, definida
desde o nascimento; a tarefa da pedagogia consistiria em saber como a ação educativa poderia
ser exercida sobre a natureza humana definida dessa maneira. Essa visão não corresponde à
realidade dos fatos, porque o ser humano se constitui progressivamente, ao longo da história,
que vai do nascimento até a maturidade moral e intelectual. Na visão da filosofia clássica da
educação, o educador não teria grande coisa a acrescentar à obra da natureza; a tarefa do
educador seria a de conservar as virtudes existentes no ser humano. Nesse caso, as condições
de tempo, local e condições sociais não teriam interesse nenhum para a pedagogia. O que
interessa é saber quais são as faculdades nativas e a sua natureza. Ora, a ciência, cujo objeto
explica o homem individual, é a psicologia. Nesse sentido, a psicologia daria conta de resolver
os problemas encontrados pela pedagogia.
Essa concepção de educação contradiz a realidade histórica, visto que essa visão nunca
foi colocada em prática por nenhum povo (DURKHEIM, 1995, p. 94). Não existe uma educação
que seja universal e válida para todo o gênero humano; também não há sociedade em que os
sistemas pedagógicos diferentes não coexistam. Hoje, a educação varia segundo as classes
sociais e os hábitos culturais. A educação do campo não é a mesma educação que se oferece
na cidade.
É bem verdade que cada classe social constitui o seu meio sui generis e exige atitudes
particulares, onde devem existir idéias, usos e costumes que se diferenciam de uma classe a
outra classe social. A educação especial não é organizada com fins individuais. Ela desenvolve,
na criança, atitudes particulares que são imanentes à criança. Se a educação não visa a fins
individuais é porque a sociedade tem necessidade que o trabalho seja dividido entre os seus
membros e que essa divisão do trabalho deve obedecer aos interesses de classe, como diria
Marx. É assim que nas sociedades desenvolvidas existem homens, cuja tarefa é exclusivamente
pensar e há homens que se dedicam somente à ação ou ao trabalho manual. A sociedade cria
agentes sociais que se dedicam exclusivamente ao progresso da ciência.
Na verdade, todos os sistemas educacionais que conhecemos historicamente são ligados
a sistemas sociais determinados. Assim, cada povo tem o seu sistema educacional e é, a partir
dele, que nós podemos definir a organização moral, política e religiosa de uma determinada
sociedade. Isso é um dos elementos da própria morfologia social. É por essa razão que a
educação varia de uma sociedade à outra e isso explica porque temos tipos de educação que
habitua o indivíduo a colocar a sua personalidade nas mãos do Estado e há outras em que a
30
O papel da sociologia da educação não é de ensinar as técnicas da profissão do pedagogo,
porque isso eles aprendem, através da prática de ensino. O papel da sociologia é fazer com que
o pedagogo analise os problemas do ensino, com o método sociológico. É necessário então
pensar sobre a profissão de educador e explicar a razão dos métodos que são utilizados e
contribuir para a utilização consciente desses métodos.
A sociologia nos ajuda a pensar a relação ensino fundamental e médio. No ensino médio a
relação é mais complexa do que no ensino fundamental. No ensino fundamental, em princípio, a
unidade do ensino se deve ao fato de que a classe se encontra nas mãos de um único professor.
No ensino médio, é diferente, porque o ensino é dispensado por professores diferentes. Isso
exige uma divisão do trabalho pedagógico.
Devemos nos adaptar à sociedade, para que ela encontre o seu equilíbrio. No entanto, Mozart
e Beethovem, Rousseau e Nietzsche, Van Gogh e Gauguin foram pessoas que não se adaptaram.
Assim, a integração social é uma norma que se deve discutir, pois cada sociedade comporta uma
parte de fanatismo. Devemos adaptar as crianças a uma sociedade racista? Esse tipo de educação
é nocivo à sociedade. A educação deve preparar a criança para viver na sociedade, levando em
consideração a sua complexidade e sua evolução. (REBOUL, 2006, p. 24).
http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=243
http://pt.shvoong.com/social-sciences/education/1650797-emile-durkheim-criador-da sociologia/
http://sociologiadaeducacao.blogspot.com/2006/03/texto-5-durhkeim-e-educao-para.html
Questões:
CAPÍTULO
EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO
SOCIAL
Na concepção de Bourdieu, a sociologia da educação consegue criar o seu objeto, à medida
que se configura como uma ciência das relações entre a reprodução cultural e a reprodução
social. A questão fundamental para a sociologia da educação é saber qual é a contribuição que o
sistema de ensino oferece, no processo de reprodução da estrutura das relações de dominação e
das relações simbólicas entre as classes sociais. Esses aspectos têm como efeito a reprodução
da estrutura da distribuição do capital cultural entre as classes sociais. O que o sociólogo quer
compreender, também, é a conexão entre o êxito escolar das crianças e a posição social das
suas famílias.
Colocar o problema nesses termos nos leva a opor-nos, radicalmente, ao modo de pensar
essencialista que se limitar a considerar apenas os elementos que podem ser detectados pelo
senso comum. Isso significa que não se leva em consideração a estrutura social de relação
de onde o indivíduo recebe todas as suas determinações mais pertinentes e faz a descrição,
baseando-se no processo de mobilização, cuja tendência é assegurar a reprodução da estrutura
das relações entre as classes sociais.
É bem verdade que
[...] tal pensamento ignora que a mobilidade controlada de uma categoria limitada de
indivíduos cuidadosamente selecionados e modificados pela e para a ascensão individual,
não é incompatível com a permanência estrutural podendo até mesmo contribuir, através
da única mobilidade concebível em sociedades que se pretendem democráticas, para a
estabilidade social e, por esta via, para a perpetuação da estrutura de relações de classe
(BOURDIEU, 2001, p. 295-296).
32
A compreensão da dinâmica da estrutura das relações sociais de classe pode ser
viabilizada pela sociologia das instituições de ensino. O problema da transmissão do poder e dos
privilégios é, perfeitamente, dissimulado pelo sistema de ensino que contribui para a reprodução
das estruturas sociais. Ora, ao mesmo tempo o sistema educacional se encarrega de cumprir
essa função social e o faz sob a aparência da neutralidade.
É preciso observar que o sistema de ensino foi definido por Durkheim como um conjunto
de mecanismos institucionais e habituais que possibilitam a conservação de uma cultura herdada
do passado. O que está em jogo é a transmissão entre as gerações de informações acumuladas
e esse elemento cria condições para que as teorias clássicas dissociem a função da reprodução
da cultura, que é tarefa do sistema de ensino, de sua função social. Nas sociedades divididas
em classes, não há harmonia entre a transmissão do patrimônio cultural e a reprodução social.
A cultura escolar é um dos elementos que determina a posição que o indivíduo pode ocupar na
estrutura social. Isso confirma o caráter social e política da educação. Cada sistema de governo
possui uma concepção de educação que é adaptada aos seus interesses e privilégios.
É através da estatística de frequência ao museu e ao teatro que se pode entender melhor
o fato de que os bens culturais acumulados e transmitidos pelas gerações anteriores pertencem
aos que possuem os meios intelectuais para se apropriarem dos bens culturais. Isso porque a
cultura exige códigos que nos permitam decifrá-los. Assim, a apropriação dos bens culturais
exige instrumentos específicos de apropriação dos mesmos. Dessa forma,
[...] o livre jogo das leis da transmissão cultural faz com que o capital cultural retorne às
mãos do capital cultural e, com isso, encontra-se reproduzida a estrutura de distribuição
dos instrumentos de apropriação dos bens simbólicos que uma formação social seleciona
como dignos de serem desejados e possuídos. (BOURDIEU, 2001, p. 297)
Esse é um elemento fundamental que mostra a dificuldade para se romper o círculo que
possibilita o retorno do capital cultural ao capital cultural. A distribuição do capital cultural entre as
diversas classes sociais é mais amplamente reproduzida, quando o sistema de ensino, quando a
cultura que é transmitida se encontra mais próxima da cultura dominante e, sobretudo, à medida
que o modo de transmissão ao qual o sistema de ensino recorre não é distante do modo de
inculcação familiar. Isso significa que a apropriação da cultura, que é proposta pelo sistema de
ensino, depende fundamentalmente da posse prévia dos instrumentos de apropriação e esses
instrumentos são distribuídos de forma desigual entre as crianças.
A competência linguística e cultural é um fator determinante para o êxito da comunicação
pedagógica. A relação de intimidade com a cultura e com os instrumentos de apropriação da
cultura é transmitida pela educação familiar quando essa se responsabiliza pela transmissão
da cultura dominante. Nesse sentido, tudo depende da distância entre a competência
linguística e a cultura que é inculcada pela primeira educação nas mais variadas classes
sociais.
Na verdade, o sistema de disposições, em relação à escola, é resultado de um longo
processo de interiorização que se efetiva na socialização primária. As disposições negativas
em relação à escola podem levar as crianças das classes menos favorecidas, do ponto de vista
cultural, a uma auto-eliminação. Isso acontece por meio da depreciação de si mesmo e pela
desvalorização da escola e de suas sanções.
As frações mais ricas em capital cultural são propensas a investir mais na educação de
seus filhos e, ao mesmo tempo, em práticas culturais propícias a manter e aumentar
sua raridade específica. As frações mais ricas em capital econômico dão primazia
aos investimentos econômicos em lugar de investimentos culturais e educativos [...]
(BOURDIEU, 2001, p. 324).
O sistema escolar é considerado por muitos autores como um fator de mobilidade social.
Tudo nos leva a pensar que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, à medida
que ele não só legitima as desigualdades sociais frente à cultura, mas também sanciona a
herança cultural, quando a considera como um dom natural.
As oportunidades de acesso ao ensino superior é o resultado de um processo de seleção,
direta ou indireta, que possui um peso desigual sobre os indivíduos de diferentes classes
sociais. Observa-se, então, que um jovem da camada superior tem mais chances de acesso à
universidade do que um jovem filho de operário.
A análise do acesso ao ensino superior nos mostra que o processo de eliminação dos
alunos das classes populares age durante todo o percurso escolar e culmina com o não acesso
ao ensino superior. É necessário se dar conta, também, dos mecanismos que determinam
a eliminação contínua das crianças das classes populares. O privilégio diante da cultura se
percebe bem na ajuda escolar, no ensino suplementar, no acesso às informações do sistema
de ensino e nas perspectivas profissionais que se apresentam para as crianças oriundas das
classes dominantes.
Além disso, cada família transmite aos seus filhos um certo capital cultural e um sistema
de valores culturais implícitos e profundamente interiorizados e isso contribui no processo de
constituição de atitudes face ao capital cultural e também face à instituição escolar. Assim, a
herança cultural, segundo as classes sociais, é responsável pela diferença inicial das crianças,
diante da cultura, da escola, sobretudo pela diferença no êxito escolar.
34
A apreensão da influência do capital cultural só é possível quando se relaciona o nível
cultural global da família e o êxito escolar da criança. Nesse sentido, Marx nos diz que “[...] a
verdadeira riqueza intelectual do indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações
reais” (MARX, 2002, p. 34). Isso nos permite concluir que a influência da família sobre o êxito
escolar da criança é especialmente cultural. Assim, não é somente o diploma obtido pelos pais
que é importante para o êxito escolar, mas, sobretudo, a relação que o grupo familiar mantém
com a cultura, no sentido global.
Uma avaliação da transmissão do capital cultural pelos pais deve levar em conta, não
somente o nível cultural do pai e mãe, mas também o nível cultural dos avós paterno e materno.
Além disso, a sociologia deve levar em conta o local da residência, pois o mesmo está relacionado
com uma categoria socioprofissional e também a vantagens e desvantagens culturais, cujo
efeito pode ser percebido em todas as práticas e conhecimentos culturais. O nível cultural dos
antepassados da primeira e da segunda geração permite explicar as diversas variações, no que
diz respeito ao êxito escolar.
Bourdieu (2007, p.45) nos diz que
As crianças oriundas dos meios mais favorecidos não devem ao seu meio somente os
hábitos e treinamento diretamente utilizáveis nas tarefas escolares, e a vantagem mais
importante não é aquela que retiram da ajuda direta que seus pais lhes possam dar. Elas
herdam também saberes (...), gostos e um bom gosto, cuja rentabilidade escolar é tanto
maior quanto mais freqüentemente esses imponderáveis da atitude são atribuídos ao
dom.(...) Mas é particularmente notável que a diferença entre os estudantes oriundos de
meios diferentes seja tanto mais marcada quanto mais se afasta de domínios diretamente
controlados pela escola.
O êxito escolar está muito relacionado com a aptidão para a utilização da língua escolar.
Na verdade, a língua materna das crianças das classes cultas é muito próxima da língua escolar.
A língua escrita e falada é um dos principais obstáculos culturais, porque esses dois elementos
constituem o ponto central na avaliação dos professores. A influência do meio social e lingístico
de origem não deixa nunca de exercer uma grande influência em todos os níveis de aprendizado.
Assim, as atitudes diante da língua e da cultura escolar são expressões de um sistema de valores
que os indivíduos devem à sua posição social.
Como nos diz Bourdieu (2007, p.48),
Diferentemente das crianças oriundas das classes populares, que são duplamente
prejudicadas no que respeita à facilidade de assimilar a cultura e a propensão para adquiri-
la, as crianças das classes médias devem à sua família não só os encorajamentos e
exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de ascensão social e de aspiração
ao êxito na escola e pela escola, que lhes permite compensar a privação cultural com a
aspiração fervorosa à aquisição de cultura.
De maneira geral, as oportunidades objetivas de ascensão social pela escola condicionam
as atitudes frente à escola. As oportunidades objetivas são intuitivamente apreendidas e
Não recebendo de suas famílias nada que lhes possa servir em sua atividade escolar, a não
ser uma espécie de boa vontade cultural vazia, os filhos das classes médias são forçados
a tudo esperar e a tudo receber da escola, e sujeitos, ainda por cima, a ser repreendidos
pela escola por suas condutas por demais escolares (BOURDIEU, 2007, p. 55).
É uma cultura aristocrática que o sistema de ensino transmite e exige dos seus educandos.
Isso é bem exemplificado pela relação que os professores estabelecem com a linguagem. A
linguagem é a parte mais atuante, no processo de transmissão de um sistema de valores. Isso
porque, enquanto síntese, a linguagem oferece um sistema de posturas mentais. A linguagem
universitária é bem diferente da língua falada por diferentes classes sociais. Nesse sentido, não
podemos considerar que existem educandos iguais em direitos e em deveres, diante da língua
universitária e também frente ao uso universitário que se faz da língua. É preciso dizer que,
além do léxico e da sintaxe, as crianças herdam igualmente uma atitude mental em relação às
palavras e aos usos possíveis das palavras. O gosto pelas palavras cria condições favoráveis
para o jogo escolar com as palavras.
O que está em jogo nas relações com a linguagem é o significado e a importância que
as classes cultas conferem, não somente ao saber erudito, mas também à instituição que tem o
papel de inculcar e transmitir os valores culturais. A instituição escolar tem a função de conservar
os valores que fundamentam a constituição da ordem social.
36
se servir dele. Conferindo às desigualdades culturais uma sanção formalmente conforme
aos ideais democráticos, ele fornece a melhor justificativa para essas desigualdades
(BOURDIEU, 2007, p. 59).
Percebe-se, então, que as necessidades culturais são produtos da educação. Nesse caso,
as desigualdades, face à cultura erudita, são um dos aspectos e um dos efeitos das desigualdades
frente à escola. Isso significa que a família exerce um papel determinante, no que diz respeito ao
gosto pela cultura erudita. Porém, somente uma instituição, que tem por função a transmissão
dos valores culturais de uma sociedade, poderia compensar as desvantagens daqueles que não
encontram, no meio familiar, um incentivo à prática cultural.
O agente social toma as suas decisões mais importantes, em função de um lucro possível
que pode ser assegurado pelos diferentes mercados. Isso significa que as práticas de uma
determinada classe de agentes sociais dependem das chances ligadas à classe social, isto é,
da relação entre a estrutura objetiva e a estrutura de distribuição dos diferentes tipos de capitais
(capital econômico, capital cultural, capital social) e isso supõe a apropriação das chances. É
assim que o êxito escolar funciona: como um estímulo que permite redobrar a propensão a
investir na escola e reforçar a adesão dos pais e alunos à autoridade da instituição escolar.
As práticas sociais “são o resultado desse encontro entre um agente predisposto e prevenido,
e um mundo presumido, isto é, pressentido e prejulgado, o único que lhe é dado conhecer.”
(BOURDIEU, 2007, p.111)
A propensão das famílias a investir dinheiro, esforços e esperanças no sistema escolar é
uma estratégia que tende a reproduzir a relação objetiva entre a classe dos agentes em questão
e a instituição escolar. Nesse caso, as avaliações positivas ou negativas da instituição escolar
reforçam a ideologia de que é natural e normal que o acesso aos diplomas seja reservado aos
que têm uma relação estreita com a cultura letrada. É justamente a história da relação prática
que o indivíduo tem com a instituição escolar que comanda o êxito ou fracasso escolar.
As práticas sociais de todos os agentes da mesma classe têm uma mesma afinidade de estilo
e isso se deve ao fato de que eles são produtos de transferências de esquemas de percepções,
pensamentos e ações. De fato, o habitus é a raiz comum de práticas objetivas e é ele que deposita
em cada indivíduo os esquemas mentais, tanto de pensamento, quanto de ação.
Os patrões da indústria e do comercio possuem outros meios e outras vias para obter êxito
na vida profissional. Eles não dependem diretamente da sanção escolar e por isso investem
menos interesse e trabalho nos estudos, nos diz Bourdieu. Isso significa dizer que a propensão
para investir no sistema escolar depende do êxito atual e também da posição que a classe
ocupou no passado na estrutura da distribuição do capital cultural. Assim, o interesse que um
agente tem, para se dedicar aos estudos, depende do grau de relação com o capital cultural e do
grau de dependência do êxito social em relação ao êxito escolar.
É preciso observar que a escola ocupa uma posição cada vez mais importante no sistema
capitalista e isso porque o aparelho econômico se desenvolve e ganha uma complexidade
cada vez maior. Podemos notar que, nos modos de produção mais antigos, a quantidade de
Antonio Paulino de Sousa
37
capital cultural que estava incorporado nas máquinas e nos agentes era bem menor ao capital
incorporado nas máquinas modernas.
Em um modo de produção em que o capital cultural incorporado nas máquinas e os
mecanismos que fazem a máquina funcionar, o sistema de ensino torna-se a instituição mais
importante na produção de agentes dotados de um capital cultural elevado. É por essa razão que
a sociedade atual é definida por Manuel Castells como uma sociedade informacional. O sistema
de ensino exerce um papel determinante, não somente no processo de formação de uma força
de trabalho qualificada, mas também nas funções de reprodução da posição social dos agentes
sociais e de sua classe.
Devemos observar que o sistema de ensino e o sistema econômico obedecem a lógicas
diferentes. Na verdade, existe uma tensão estrutural entre o sistema de ensino e o aparelho
econômico. O interesse que o sistema econômico tem para comprar a força de trabalho tende
a levar a reduzir, ao mínimo, a autonomia do sistema de ensino, à medida que o coloca em
uma relação de dependência direta com a economia. O sistema de ensino é, não somente um
aparelho produtor de indivíduos competentes, mas também um aparelho jurídico que garante a
competência. A propriedade do diploma é adquirida de uma só vez pelo indivíduo e o acompanha
durante toda a sua existência.
É justamente pelo fato de que o sistema de ensino exerce um papel determinante na
estrutura das relações de força que ele se constitui em um objeto de lutas políticas. Nesse
sentido, o grande interesse do capital econômico é de suprimir o diploma e seu fundamento.
Isso significa limitar a autonomia do sistema de ensino. O capital econômico não se interessa
pelos diplomas que conferem aos indivíduos uma liberdade em relação ao sistema econômico.
O sonho patronal é que a escola seja confundida com a empresa. Eles querem uma escola de
casa, ou seja, uma escola corporativa. O sistema de ensino está interessado em defender a
autonomia e o valor que é dado pelo sistema escolar ao diploma.
O poder conferido por um diploma não é pessoal, mas coletivo, uma vez que não se
pode contestar o poder legítimo (os direitos) conferido por um diploma ao portador, sem
contestar, ao mesmo tempo, o poder de todos os portadores de diplomas e a autoridade do
sistema de ensino que lhe dá garantia. De fato, a força do diploma não se mede pela força
de subversão (...) de seus detentores, mas pelo capital social de que são providos e que
acumulam em decorrência da distinção que os constitui objetivamente como grupo e pode
servir também de base para agrupamentos intencionais [...] (BOURDIEU, 2007, p. 136).
38
http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.htm
http://sociology.berkeley.edu/faculty/wacquant/wacquant/ESCLARECEROHABITUS.pdf
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/676_924.pdf
Questões:
3 O que é Habitus?
CAPÍTULO
Uma das tarefas fundamentais das ciências sociais é, sem dúvida, a de desmascarar as
falsas evidências do pensamento espontâneo, nos diz Raymond Bourdon, no prefácio do seu
livro “As desigualdades de chances” (l’inégalité des chances) (BOUDON, 1979, p.9 ).
É a partir de meados dos anos 60 que alguns sociólogos começaram a denunciar as
desigualdades de acesso à educação, como a causa principal da herança social, do imobilismo
social entre as gerações e da reprodução social das classes. Essas análises colocam a escola
como o local da formação das desigualdades sociais.
Raymond Boudon constrói um modelo para explicar as desigualdades de chances
escolares e as desigualdades de chances sociais. Ele demonstra que a igualdade de chances
diante da escola pode, até certo ponto, conduzir a um aumento da mobilidade social e que
o níveo de instrução pode ter uma influência muito fraca sobre a mobilidade do indivíduo em
relação à sua família de origem.
Os estudos sobre a mobilidade social demonstraram que as probabilidades de ascensão
ou descendente, entre uma geração e outra, muda muito pouco no tempo e no espaço. Assim, as
desigualdades de chances diante do sistema escolar tornaram-se um grande problema nos anos
60. O desejo dos sociólogos era mostrar os efeitos positivos das políticas do bem-estar social
sobre a mobilidade social.
Ele acrescenta que a democratização da escola, a partir do final dos anos 50, não produziu
resultados importantes em relação à igualdades de chances, diante do emprego e da vida sócio-
profissional. Uma redução das desigualdades de chances deveria ser acompanhada de uma
redução da herança social. As sociedades industriais são caracterizadas por uma redução lenta
das desigualdades de chances, diante do ensino (BOUDON, 1979, p.16).
O fato é que o capital cultural transmitido à criança pela sua família predetermina o capital
escolar, ou seja, o nível de instrução que ele será capaz de adquirir e isso vai determinar o
status sócio-profissional. Isso significa que a profissão do pai ou da mãe prefigura a posição
social do filho. No entanto, não podermos considerar que tenha uma conexão mecânica entre
as desigualdades de chances escolares e o níveo de herança social. Não podemos esquecer
que a herança social que podemos observar, em uma sociedade, é uma consequência complexa
40
de um conjunto de variáveis que compõem um sistema social. Isso significa que, por exemplo,
uma política pública eficaz não conseguiria reduzir brutalmente as desigualdades de chances
escolares. Isso só será possível, caso se eleve o nível escolar das classes populares, em relação
à classe dominante.
Tendo em vista a estrutura piramidal da estrutura social e que as classes populares são
mais numerosas do que a classe dominante, a diminuição das desigualdades entre as classes
deve ser acompanhada necessariamente de um aumento dos efetivos que devem chegar a um
nível escolar mais elevado. Isso corresponde dizer que diminui a distribuição de competências
e a distribuição das posições sociais. Mas a redução das desigualdades sociais, diante da
escola, não implica necessariamente em uma diminuição da herança social. O senso comum
assegura que uma redução das desigualdades de chances diante do sistema escolar conduz a
uma diminuição da herança social. Podemos explicar facilmente que “a igualdades de chances
escolares aumentou regularmente sem trazer consequências positivas nem no nível da herança
social nem sobre a igualdade de distribuição da renda” (BOUDON, 1979, p. 23).
Podemos observar que há dois temas importantes para sociologia da educação
contemporânea:
a) As desigualdades de chances diante do sistema de ensino, em função das origens
sociais e das probabilidades de acesso aos diferentes níveis de ensino. Claro que,
mais particularmente, a acesso aos níveis mais elevados na Universidade.
b) A mobilidade ou imobilidade social em função das origens sociais. Trata-se de analisar
as probabilidades de acesso às diferentes profissões.
As desigualdades de chances diante do ensino é um dos determinantes principais da
imobilidade social. É necessário partir do princípio de que o problema da mobilidade social é
resultado de um conjunto complexo de determinantes, cujas ações não podem ser compreendidas
isoladamente uma das outras, porque elas são concebidas como um sistema.
42
diversas posições sociais. Isso significa dizer que a mobilidade social é um resultado complexo do
que poderemos chamar de características estruturais das duas principais instâncias de orientação
já mencionadas. As instâncias de orientação são identificadas por Sorokin (apud BOURDON, 1979,
p.41-42) às instituições sociais, tais como família e escola.
O sistema escolar pode ser descrito como ponto de bifurcações, nos diz Raymond Boudon.
Nós podemos associar a cada ponto de bifurcações um campo de decisão característico de cada
posição social. Esse campo de decisões define o espaço de decisão que são construídos, a
partir das seguintes variáveis: o sucesso escolar, avanço escolar ou o atraso escolar.
A questão é que o sistema de decisões está conectado a cada posição social. Assim,
existem três classes sociais fundamentais que correspondem a três tipos de posição, na estrutura
da hierarquia social:
a) classe mais elevada
b) classe média
c) classe mais baixa
No nível de uma primeira observação, as crianças terminam o ensino fundamental.
Constata-se que existe um nível de escolarização constante nesse nível de ensino, mas se
44
negligencia a posição que cada criança ocupa na estrutura social. Nesse nível, observa-se que a
distribuição dos indivíduos, no espaço de decisão, é supostamente constante no tempo. Mas são
poucos os que conseguem frequentar a Universidade. Isso significa que a estrutura do campo de
decisões está relacionada à posição que os pais ocupam na estrutura social.
O fato é que o sistema escolar comporta, de fato, pontos de bifurcação institucionalizados
que colocam novas restrições aos candidatos que desejam entrar na universidade. Isso supõe
que os candidatos devem dispor de informações mais precisas que lhes permitam lograr êxito
nas etapas seguintes, que seriam o ensino médio e a universidade. Na verdade, cada ponto da
bifurcação corresponde a possibilidades distintas de decisões, à medida que esses pontos estão
associados a esperanças de níveis diferentes, em função do status social inicial.
Raymond Boudon supõe que um sistema escolar possui um número elevado de pontos
de bifurcações. Ele considera que existem oito pontos de bifurcação em um sistema escolar.
Mas reconhece também que a assimilação do sistema escolar a pontos de bifurcação é uma
simplificação incontestável, diz ele. O sistema escolar é considerado como uma arvore que é
constituída de diversos pontos de bifurcações. (BOUDON, 1979, p. 166-168).
Esse modelo de interpretação se interessa, essencialmente, pelos fenômenos que
conduzem os indivíduos ao ensino superior, permitindo determinar, para cada período (ensino
médio, por exemplo), o nível de instrução para uma população de 100.000 alunos e quantos
terminam o ensino médio. Esse modelo permite, também, determinar a taxa de escolarização
para cada nível de ensino. Enfim, esse modelo permite determinar a composição social dos
alunos em cada período estudado.
Visto que o conjunto das distribuições de cada período pode ser determinado, nós poderemos
calcular as tendências de evolução do sistema escolar. A passagem de um período a outro depende
do nível de relação que as famílias possuem, com o capital cultural e o status social de cada família.
As disparidades aparecem no período inicial. Isso significa que a proporção de alunos que serão
excluídos, em cada ponto de bifurcação, em função da posição social e do sucesso escolar, depende
da estrutura social. É possível calcular as probabilidades que um indivíduo tem de parar os estudos
em diferentes períodos em função da origem social. Assim, para os alunos das classes dominantes,
as chances para obter um diploma superior são maiores, em relação aos alunos oriundos das
classes populares. Os níveis de disparidades, diante do ensino entre essas duas classes, são mais
importantes e crescem, à medida que se considera o nível mais elevado do percurso escolar.
Como já foi dito, as desigualdades são efeito do mecanismo da herança cultural que conduz
a uma distribuição diferente dos indivíduos, no espaço de decisões, em função da posição social
que eles ocupam na estrutura da sociedade. A proposta, segundo a qual as desigualdades,
diante da cultura, poderiam ser suprimidas, é uma hipótese extrema que não tem chances de ser
realizada. Em consequência disso, as políticas públicas destinadas a reduzir as desigualdades
frente ao ensino terão sempre repercussões modestas. A posição social do indivíduo determina, a
cada momento do percurso escolar, um campo de decisão particular. Os mecanismos geradores
das desigualdades sociais, diante do sistema de ensino, são resultados do encontro entre a
estratificação social e o sistema escolar. (BOUDON, 1979, p. 193)
A existência de posições sociais distintas acarreta a existência de sistemas de esperanças
distintas e decisões distintas, cujos efeitos sãos as desigualdades de chances diante do sistema
de ensino. “As diferenças são, fundamentalmente, relativas à qualidade da herança cultural,
em função da classe social que explica apenas uma dimensão limitada das desigualdades de
chances diante do ensino”, conclui Raymond Bourdon (1979, p. 303).
Para ele, isso explica as diferenças do sucesso escolar em função da origem social da
criança, mas ela não explica as disparidades do nível escolar, em função da origem social. Isso
significa que as reformas pedagógicas que visam compensar as disparidades culturais do meio
familiar não podem atenuar as disparidades, diante do sistema de ensino, senão de maneira
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Diante das desigualdades face ao sistema de ensino e, sobretudo, o fato de que as chances
de acesso à universidade são maiores para um filho de profissional liberal do que para o filho
de um operário, a metodologia individualista vai se interrogar sobre as escolhas dos indivíduos
implicados e levantar hipóteses sobre essas escolhas. Ao invés de considerar a existência de
determinações entre as estruturas sociais e os comportamentos, será considerada a carreira de
um estudante, como uma sucessão de escolhas e, consequentemente, das decisões tomadas
pelo estudante.
Pierre Ansart nos fornece um resumo da teoria de Raymond Boudon sobre as desigualdades
de chances de acesso ao sistema de ensino. Assim, as classes dominadas:
1) atribuem um valor fraco ao ensino como meio para se conquistar o sucesso.
2) terá maiores dificuldades cognitivas, em relação às classes dominantes.
3) subestimam as vantagens futuras do investimento escolar.
4) subestimam os riscos de um investimento escolar.
A lógica do processo das decisões individuais permitirá compreender e explicar a ligação
estatística entre origens sociais e o acesso ao ensino superior. Isso conforme a metodologia
individualista que tem como ponto de partida as ações individuais. (ANSART, 1990, p. 90)
É necessário dizer que existe uma distância epistemológica fundamental entre o individualismo
metodológico e o estruturalismo genético. Esse último se interroga sobre as estrutura sociais e
sobre as modalidades de comportamentos individuais. O objetivo é constituir a relação de força e
de sentido que caracterizam a formação social. Essa discussão sobre as desigualdades de chances
diante da escola é bem ilustrada pelas teses de Pierre Bourdieu e J-C. Passeron.
Na verdade, a pesquisa de Raymon Boudon sobre as desigualdades de chances estuda
a ligação entre a educação e a mobilidade social. Para Nonna Mayer (1974), trata-se de uma
máquina de guerra contra Bourdieu e Passeron. A teoria de Bourdieu não é capaz de explicar
o fenômeno das desigualdades sociais que são definidas dentro do conjunto de um sistema
social mais amplo (BOUDON, 1979, p. 90-91). Ele afirma ainda que a teoria da reprodução está,
incontestavelmente, relacionada a um modo de raciocínio funcionalista.
Assim a escola assume a função de seleção dos indivíduos e essa seleção se opera com
base nos valores, cuja função latente é justamente a de garantir a reprodução da estrutura da
sociedade. Trata-se de assegurar a hierarquia das classes sociais e a oposição entre a classe
dominante e a classe dominada.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302003000200013&script=sci_arttext
http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE21/RBDE21_03_JEAN-LOUIS_DEROUET.pdf
http://quecazzo.blogspot.com/2008/06/entrevista-com-raymond-boudon.html
Questões:
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la méthode sociologique d’Émile Durkheim. Disponível em: http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/
Classiques des sciences sociales/index.html. Acesso em: 25 abril 2009.
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Revue française de sciences politiques. Paris, vol. 14 Numéro 6. 1975. http://www.persee.fr.
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PHILIPPE, Hugon. L’inégalité des chances. La mobilité sociale dans les sociétes industrielles.
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