Sociologia - Da - Educacao - UFMA

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ANTONIO PAULINO DE SOUSA

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Disciplina na Modalidade a Distância

São Luís
2010
Presidente da República Federativa do Brasil
Luis Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Carlos Eduardo Bielschowsky
Sistema Universidade Aberta do Brasil
Reitor
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Edição – Livro didático


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e-mail: [email protected]
site: www.nead.ufma.br

Sousa, Antonio Paulino de

Sociologia da Educação./Antonio Paulino de Sousa. – São Luís: UFMA/


NEaD, 2010.

47 f.: il.

Inclui bibliografia

1. Sociologia. 2. Educação. Universidade Federal do Maranhão.


II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título.

CDU 37.015

Catalogação na publicação por Sylvania Cavalcante de Sá CRB13/449


APRESENTAÇÃO
Nesta disciplina – Sociologia da Educação –, queremos abordar alguns aspectos
fundamentais, como: o seu objeto e o seu método. É por essa razão que vamos começar com
um debate sobre o método de Durkheim e a metodologia sociológica contemporânea. Essas
questões são importantes para podermos aprofundar melhor a educação enquanto objeto da
sociologia. A sociologia é uma ciência que estuda os fatos sociais enquanto coisas; ela é uma
ciência das instituições. Partindo do princípio de que a sociologia é uma ciência das instituições,
devemos considerar também que a educação se configura como um meio fundamental para a
produção de fatos sociais.
A educação é um esforço contínuo, tanto da família quanto da escola para impor às
crianças maneiras de ver, de sentir e de agir na sociedade. Para Durkheim, a pressão sentida
pela criança é a pressão social do seu meio que procura moldar a criança, a partir dos interesses
e das necessidades de uma sociedade particular.
A sociologia estabelece regras de observação dos fatos sociais. A regra fundamental
do método sociológico é a necessidade de romper com as representações sociais. As noções
primeiras da realidade se configuram como obstáculos para o entendimento da realidade e é por
essa razão que devemos questionar os conceitos oriundos da vida quotidiana para estabelecer
e definir bem as palavras que utilizamos para entender a realidade. As primeiras noções sobre
a educação, ou sobre qualquer outro fato social, se configuram como um conjunto de fatos
falsamente sistematizados. Essas representações visam reconciliar as classes sociais. A ciência
começa, então, com uma crítica da linguagem. Essa crítica se impõe como condição fundamental
para a construção do objeto científico.
O livro de Durkheim, intitulado Educação e Sociedade, é um clássico da Sociologia da
Educação. É a partir desse livro que discutiremos as questões fundamentais relativas à socialização
primária e à socialização secundária. Foi Durkheim que introduziu o termo socialização no
vocabulário sociológico. A educação é definida, enquanto processo de socialização da criança
e, nesse sentido, ela desenvolve na criança disposições fundamentais que se encontram na raiz
da moralidade do agente social. A educação visa formar um espírito de disciplina e de autonomia
moral e intelectual da criança.
A Sociologia da Educação moderna considera que o seu objeto próprio é o estudo das
relações entre a reprodução cultural e a reprodução social. Essa sociologia parte do princípio
de que o sistema ensino dá uma grande contribuição no processo de reprodução da estrutura
das relações de dominação. Qual é a relação que existe entre o êxito escolar das crianças e a
posição social das suas famílias? Essa questão nos leva a romper não só com o discurso do
senso comum, mas também com o modo de pensar essencialista.
Na sociologia moderna, um grande espaço é dado para a análise da reação entre a
competência linguística e o êxito escolar. A relação com a linguagem depende da posição que a
criança ocupa na estrutura da sociedade e da classe social a qual ela pertence.
A escola é considerada por muitos autores como um fator de mobilidade social. A partir
dos anos 60, os sociólogos começaram a discutir a questão das desigualdades de acesso à
educação. Nas sociedades industrializadas, a democratização da escola não produziu grandes
resultados, em relação à igualdade de chances de acesso à cultura.
As questões fundamentais da Sociologia da Educação são abordadas nessa disciplina.
Ao longo da disciplina, poderemos discutir no Fórum os conceitos e os principais temas que
são tratados nesse trabalho. O nosso objetivo é aprofundar e entender a educação enquanto
processo de construção de conhecimento e enquanto um objeto de disputa política.
APRESENTAÇÃO........................................................................................................... 05

CAPÍTULO 1 - OBJETO E MÉTODO DA SOCIOLOGIA SEGUNDO DURKHEIM........ 09


1.1 As características fundamentais do fato social........................................................... 10
1.2 A Educação enquanto característica fundamental do fato social............................... 11
1.3 O que é fato social?.................................................................................................... 12

SUMÁRIO
1.4 As regras de observação dos fatos sociais................................................................. 13
1.5 A sociologia contemporânea e seus métodos............................................................. 15
1.6 O poder da linguagem................................................................................................. 17

CAPÍTULO 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA DA EDUCAÇÃO........................................ 19


2.1 A natureza e papel da Educação................................................................................. 21
2.2 Sistemas educativos................................................................................................... 22
2.3 A Socialização da criança............................................................................................ 23
2.4 Estado e Educação..................................................................................................... 24
2.5 O poder da educação e seus mecanismos de atuação.............................................. 24
2.6 A educação e a pedagogia......................................................................................... 26
2.7 A relação entre sociologia e educação........................................................................ 28

CAPÍTULO 3 - EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL............................................... 31


3.1 A escola como fator de conservação social................................................................ 33
3.2 As estratégias de reprodução e a luta de classe........................................................ 36

CAPÍTULO 4 - A SOCIOLOGIA DAS DESIGUALDADES DE CHANCES DE ACESSO


À ESCOLA....................................................................................................................... 39
4.1 A escola enquanto mecanismo corretor das desigualdades....................................... 40
4.2 A distribuição desigual dos indivíduos no sistema escolar......................................... 42
4.3 O sistema escolar enquanto pontos de bifurcações................................................... 43
4.4 Metodologia individualista e desigualdades sociais................................................... 45
OBJETO E MÉTODO DA SOCIOLOGIA
1

CAPÍTULO

SEGUNDO DURKHEIM
O livro As regras do método sociológico constitui uma das etapas fundamentais do
pensamento de Durkheim (1858-1917) e da sociologia contemporânea que ele ajudou a fundar.
Montesquieu (1689-1755) e Aléxis de Tocqueville (1805-1859) deixaram uma vasta herança,
mas eles eram filósofos e historiadores. Esses trabalhos representam mais uma reflexão sobre
os importantes processos sociais e não propriamente uma análise sociológica das características
específicas dos fatos sociais. Para Bernard Dantier (2003), as regras do método sociológico
são a formalização, a descrição e a justificativa dos procedimentos metodológicos adotados por
Durkheim, nas suas três principais obras: A divisão do trabalho social (1893), O suicídio (1897),
As formas elementares da vida religiosa (1912).
A concepção que Durkheim tem da sociologia é fundada sobre uma teoria do fato social.
O objetivo dele é demonstrar que deve existir uma sociologia que seja uma ciência objetiva
(como modelo das outras ciências) e o objeto da sociologia seria o fato social. Para isso, é
necessário que o objeto da sociologia seja um objeto específico e distinto de todos os objetos
das outras ciências. É necessário, também, que esse objeto seja observado e explicado de forma
semelhante à observação e explicação das outras ciências. Essas duas exigências conduzem a
afirmar que os fatos sociais devem ser tratados como coisas e que a característica do fato social
é a coerção que ele exerce sobre o indivíduo (ARON, 1967). Durkheim parte da idéia de que
convém definir os fatos sociais pelos seus traços exteriores claramente reconhecíveis. O objetivo
fundamental é evitar a interferência das prenoções.
Para Raymond Aron (1967), Durkheim não afirma que a coerção seja a característica
essencial dos fatos sociais enquanto tal; ele admite somente que é a característica exterior que
permite reconhecê-los. Discute-se indefinidamente se é justo definir o fato social pela coerção
(ARON, 1967, p.365). Explicar um fenômeno social é buscar a causa eficiente e analisar o
fenômeno antecedente que o produz necessariamente.
Segundo Durkheim, não podemos estudar os fatos sociais, sem antes interrogarmos sobre
a natureza desses fatos e como poderemos defini-los. Nem todos os fenômenos que acontecem
na sociedade podem ser considerados como fatos sociais, mesmo tendo algum interesse de
natureza social. Assim, a sociedade tem todo interesse em que os indivíduos bebam, comam
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e raciocinem regularmente. No entanto, esses fatos não podem ser considerados como fatos
sociais, em razão do fato de que eles se confundem com o objeto próprio da biologia e da
psicologia. Se esses fenômenos fossem considerados como fato social a sociologia não teria um
objeto próprio. O grande interesse de Durkheim, nas regras do método sociológico, é definir o
objeto e o método próprio da sociologia.
Durkheim parte do princípio de que em todas as sociedades existe um determinado grupo
de fenômenos que possuem características particulares. Assim, o papel de irmão ou de cidadão
é definido pela sociedade nos costumes e no direito, independente da consciência individual e
dos atos do indivíduo. Isso significa que não foi o indivíduo que inventou, mas a consciência do
seu papel de irmão ou de cidadão é o resultado de um longo processo de aprendizagem. Da
mesma forma, ao nascer, o indivíduo encontra as crenças, as práticas religiosas estabelecidas
e o próprio sistema financeiro que utilizamos, para estabelecermos as trocas comerciais. Os
códigos linguísticos que utilizamos para expressar o nosso pensamento também existem,
independentemente da utilização que o indivíduo faz dos mesmos. Podemos afirmar que as
maneiras de agir, de pensar e de sentir existem fora das consciências individuais.
Nesse sentido, os comportamentos e pensamentos são exteriores aos indivíduos e
exercem o poder coercitivo sobre os indivíduos. Isso se torna mais evidente, à medida que o
indivíduo tenta violar as regras do direito ou dos costumes sociais. Ao tentar violar o direito, há
uma força contrária que impede a violação das regras sociais. Neste caso, trata-se da coerção
direta, mas, se o indivíduo não se submete às convenções da sociedade, ele poderá sofrer uma
coação indireta. Essa é menos violenta, mas não deixa de existir e ser igualmente eficaz.
Durkheim e Marcel Mauss se posicionam sobre as nossas emoções e percepções dos
objetos integrados à realidade social em um texto que estuda as representações coletivas. Para
eles, a pressão exercida pelo grupo sobre cada um de seus membros não permite aos indivíduos
julgar livremente as noções que a sociedade elaborou e onde ela colocou alguma coisa de
sua personalidade. Aliás, as construções são sagradas pelos particulares. Assim, a história da
classificação científica é, ela mesma, a história das etapas durante as quais esse elemento de
afetividade social são legitimados Institucionalmente.
A forma que Durkheim utiliza para invalidar as representações e as pré-noções se inscreve
em uma concepção materialista do mundo social. Mas, não podemos dizer que ele é marxista.
Para Durkheim, é o aspecto material do mundo social que o sociólogo deve explicar e não o
aspecto espiritual presente nas representações sociais. O que Durkheim quer estudar se situa
dentro das estruturas sociais. Como já notamos, é a morfologia da estrutura social que deve
ser a primeira fonte de explicação dos fatos sociais. O fato social é o que o indivíduo encontra
instituído fora dela e na sociedade. Assim, o fato social se impõe ao indivíduo, através de uma
força específica.

1.1 As Características Fundamentais do Fato Social

A primeira característica do fato social é a sua exterioridade em relação às consciências


individuais. Podemos considerar que existe uma série de fatos que se apresentam com
características particulares e consistem em maneiras de agir, pensar e sentir que são exteriores
ao indivíduo e exercem sobre ele um poder de coerção. Isso significa que esses fatos não podem
se confundidos com os fenômenos de natureza orgânica, porque se trata de representações e
ações. Eles não podem também ser confundidos com fenômenos de natureza psíquica, pois esses
existem na consciência individual. As maneiras de pensar e de agir se constituem em uma espécie
nova que pode ser qualificada de sociais. Esses fenômenos não têm o indivíduo como substrato.
Assim, seu substrato não pode ser outro, senão a própria sociedade enquanto sociedade política,
confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profissionais etc.

Antonio Paulino de Sousa


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No prefácio da segunda edição de Regras do método, Durkheim caracteriza a sociologia
como sendo a ciência das instituições, de sua gênese e de seu funcionamento. (DURKHEIM, 2001,
p.3-4). É esse então o domínio da sociologia: os fatos sociais. As regras jurídicas, morais, dogmas
religiosos, sistema financeiro etc. são todos crenças e práticas sociais constituídas. Isso não pode
nos levar a concluir que só existem fatos sociais onde há organização bem definida. Para Durkheim,
há outros fatos que se apresentam de forma cristalizada, possuindo a mesma objetividade e
ascendência sobre o indivíduo. Trata-se das correntes sociais. Compreende-se que as grandes
manifestações sociais não têm sua origem nas consciências particulares e chegam a cada indivíduo
do exterior e com a possibilidade de jogar o indivíduo contra a sua própria vontade.
Nesse sentido, Durkheim nos diz que somos vítimas da ilusão que nos faz acreditar que
fomos nós que elaboramos o que nos foi imposto do exterior. Essa ilusão é tão menos perceptível,
quando estamos engajados no processo de construção de uma manifestação social e aceitamos
as concepções de certos dirigentes como se fossem nossas próprias ideias. Essa ilusão está,
sobretudo, presente nos indivíduos menos conscientes, mas não deixa de se estender a todos.
Uma perfeita fidelidade a esse princípio se encontra nas formas elementares da vida religiosa.
Ele começa dizendo que é necessário se liberar de todas as idéias pré-concebidas. Os homens
foram obrigados a elaborar uma noção da religião antes mesmo da constituição das ciências da
religião e de seu método de investigação. No entanto, como as pré-noções foram formadas sem
método, de forma espontânea, elas devem ser descartadas. Não são as nossas pré-noções e
nossas paixões que devem servir de elementos de definição, mas a realidade, ela mesma, é que
deve ser definida.
Podemos dizer que um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que ele
exerce ou poderá exercer sobre o indivíduo. A presença desse poder é reconhecida pela existência
de uma sanção bem determinada. Podemos até nos perguntar se a noção de contradição não
depende das condições sociais. Isso nos leva a crer que o poder que ela exerceu sobre o nosso
pensamento variou, segundo os tempos e as sociedades. Essas variações, pelas quais passaram
na história as regras que parecem governar nossa lógica atual, provam que elas não estão
inscritas desde sempre na constituição mental do homem. Na verdade, elas dependem de fatos
históricos e, por via de consequência, de fatos socais.

1.2 A Educação Enquanto Característica Fundamental do Fato Social

Se a sociologia é a ciência das instituições, a educação constitui o principal meio social


para a produção dos fatos sociais. Isso Durkheim estabelece bem, tanto no seu livro Educação
e sociologia, quanto na evolução pedagógica na França.
Para confirmar essa definição de fato social, Durkheim observa a forma como são
educadas as crianças. Ao observar os fatos sociais, tal como eles se apresentam, é notório
constar que toda educação é fundamentalmente um esforço contínuo cujo objetivo é impor à
criança maneiras de ver, de sentir e de agir. Parte-se do princípio de que a criança não chegará
espontaneamente a conceber o mundo e agir sobre o mesmo sem a contribuição da geração
adulta. A partir dos primeiros dias de vida, a criança é obrigada a beber, comer e dormir nas horas
certas. A criança é, com o tempo, obrigada a relacionar-se com os outros, respeitando os usos
e costumes de uma determinada sociedade. Desde o momento em que essa coerção deixa de
ser sentida pela criança, é exatamente porque, aos poucos, foi-se criando uma série de hábitos
e tendências internas.

Disciplina de Sociologia da Educação


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Na concepção de Spencer, uma educação racional deveria ser contra as imposições que
são feitas à criança. Para ele, a educação consistiria em deixar a criança agir com total liberdade.
Ao que parece, segundo Durkheim, essa teoria pedagógica nunca fora praticada em nenhum
povo ou sociedade. A pressão exercida sobre a criança é a pressão do meio social que procura
moldá-la à sua imagem. Nesse caso, os pais e os professores podem ser considerados como os
representantes e intermediários do processo educacional. A educação tem o objetivo de fazer o
ser social e é através da educação que podemos ver de que forma a criança vai se constituindo
na história, através das crenças e tendências de uma determinada sociedade.
O que constitui o fato social é justamente as crenças, as tendências e as práticas do grupo
considerado coletivamente. Ora, o hábito coletivo não existe somente em estado de imanência
nos atos sucessivos, mas se exprime em fórmulas que se repetem de boca em boca, transmitidas
pela educação, podendo até mesmo ser fixadas por escrito. É essa a origem e a natureza das
regras jurídicas e morais, dos ditados populares, das regras dos gostos que são estabelecidas
pelas escolas literárias.
É preciso dizer que nenhum indivíduo se reconhece integralmente nas aplicações (das
regras morais, por exemplo) feitas por pessoas em particular, uma vez que elas podem até
existir e não serem aplicadas. Nesse sentido, o fato social é distinto de suas repercussões
individuais. Assim, as manifestações individuais têm algo de social na medida em que
reproduzem, parcialmente, um modelo coletivo. No entanto, as manifestações individuais
dependem também da constituição orgânico-psíquica do indivíduo e, sobretudo, das condições
sociais particulares.
Os comportamentos e manifestações sociais pertencem, então, ao domínio do que
chamamos de sociopsíquicos. Com efeito, o fato social é devido, em parte, à nossa colaboração
direta. Isso significa que as crença e práticas que nos são transmitidas já foram elaboradas nas
gerações anteriores e a recebemos enquanto obra coletiva dotada de uma particular autoridade
que a educação se encarregou de nos ensinar a reconhecer e a respeitar. A vida comum é o
resultado das ações e reações entre os indivíduos e grupos sociais.
Os fatos sociais possuem uma realidade objetiva e é, exatamente, por isso que eles podem
ser observados e tratados como coisa.

1.3 O que é Fato Social?

Para Durkheim (2001, p.40), o fato social é

toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma
coerção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer que é geral na extensão de uma
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de
suas manifestações individuais.

O fato social é tudo o que se produz na sociedade. O fato social é também tudo aquilo que
afeta, de alguma maneira, um grupo social determinado. Os fatos sociais existem fora e antes
dos indivíduos (fora das consciências individuais) e exercem uma força coercitiva sobre eles
(exemplo. as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem antes dos indivíduos e condicionam
coercitivamente o seu comportamento). O fato social é específico. Ele é criado pela coletividade e
se diferencia do que acontece nas consciências individuais. Os fatos sociais podem ser objetos de
uma ciência geral, porque eles são distribuídos em categorias e que os conjuntos sociais podem
ser classificados em gêneros e espécies. Podemos considerar que o fato social é resultado da vida
comum, por isso é necessário isolá-lo para estudá-lo. Dessa forma, a sociologia deveria preocupar-
se, fundamentalmente, com o estudo dos fatos sociais, de forma objetiva e científica.

Antonio Paulino de Sousa


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O objetivo de Durkheim é estender ao estudo dos comportamentos humanos o racionalismo
científico. É nessa perspectiva que os fenômenos sociais podem ser explicados através da
observação e análise dos mesmos. Para Durkheim, não existe nenhuma razão para buscar fora
dos fatos sociais suas razões de ser. Neste caso se trata de verificar a causalidade de um fato
social, ou seja, uma variável que chamamos hoje independente sobre uma outra variável que
chamamos de dependente.
A variável independente é temporariamente (encarada como causa) anterior à variável
dependente (encarada como efeito). A variável independente é um estado ou uma situação como
idade, sexo, profissão, estado civil etc. A variável dependente deve ser uma prática ou um ato.
As duas variáveis devem ser fatos sociais, ou seja, independente das contingências individuais.
Dessa forma, a prática deve aparecer na estatística como uma constante, situada dentro de
um espaço-tempo e ultrapassando o quadro individual. Em seguida, é necessário comparar as
configurações onde a variável independente se encontra presente e calcular a proporção do
caso onde essa variável independente aparece conjuntamente com a variável dependente a ser
explicada. É assim que podemos encontrar as regularidades estatísticas que emergem de uma
série estatística e em seguida supor e confirmar as regras de causalidade (DANTIER, p.21-22,
2003).
Não podemos esquecer que a sociedade produz e é reproduzida pela própria sociedade.
Nessa perspectiva, é necessário encontrar a variação concomitante entre dois fatos, para
se chegar a um primeiro índice de causalidade entre ambos. Trata-se de utilizar um método
comparativo que substitua, no campo social, o método que é utilizado no campo da física ou da
própria biologia.
A ambição de Durkheim era a de construir uma sociologia que tivesse seu campo específico,
separado da historia e que o domínio experimental fosse equivalente ao das ciências físicas.
É Jean-Claurde Passeron que limita a possibilidade dessa ambição. Para ele, ao afirmar que
devemos tratar os fatos sociais como coisas, o que está posto na definição “da coisa” é o tratar
como. É preciso dizer que no raciocínio sociológico as coisas não se deixam tratar muito tempo,
pois são coisas históricas. A sociologia está ligada à história, à história humana e à História
enquanto disciplina; ela não deve ser confundida com a estatística.
Para Passeron (1991, p.15 e 77), uma teoria interpretativa constitui-se com base na
comparação histórica e as Regras do método sociológico não podem ser aquelas definidas
por Durkheim. Para o autor do raciocínio sociológico, existe uma grande proximidade entre a
sociologia e a história, devido à sua base comum.

1.4 As Regras de Observação dos Fatos Sociais

Durkheim estabelece que a primeira regra de observação é a que consiste em considerar


os fatos sociais como coisas. Trata-se da regra fundamental. Para ele, as representações
sociais são úteis à prática, mas na ciência elas não devem substituir as coisas e a sua história.
As representações são designadas também como pré-noções. É por essa razão que as causas
dos fatos sociais devem ser buscadas nos fatos sociais anteriores. Da mesma maneira, a
sua função depende de um fim social. É a morfologia social que deve ser a primeira fonte de
explicação.
A partir do momento em que os fatos sociais se tornam objeto da ciência, eles já são
representados no espírito dos indivíduos, por meio de imagens e conceitos grosseiros. Isso
significa que a reflexão é anterior à ciência. Assim, não é possível viver em um determinado
meio social sem se fazer uma idéia das coisas, dos problemas e conflitos sociais que regulam
os comportamentos em sociedade. No entanto, essas noções estão muito mais próximas de nós
mesmos do que da realidade à qual ela corresponde.

Disciplina de Sociologia da Educação


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

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A tendência é fazer das nossas impressões a matéria das especulações e substituí-las
pela realidade. Assim, não produzimos uma ciência da realidade e sim uma ideologia. O que
deve ser feito é observar as coisas, descrevê-las e compará-las, para assim tomar consciência
das nossas próprias idéias e da realidade social.

Tratar os fatos sociais de uma certa ordem como coisas não significa classifica-los nesta
ou naquela ordem de categoria do real; é observar em relação a eles uma certa atitude
mental.[...] Portanto, pode-se dizer, que todo objeto de ciência é uma coisa, salvo, talvez,
os objetos matemáticos.(DURKHEIM, 2001, p. 17).

Portanto, a regra de Durkheim não implica nenhuma concepção metafísica, nenhuma


especulação sobre a essência do ser.
As noções e conceitos que temos da realidade não podem substituir as coisas. Nossas
noções primeiras são produtos da experiência vulgar e o objetivo fundamental das mesmas é
colocar as nossas ações em harmonia com o mundo social no qual vivemos. Elas são produtos
da prática e feitas em função da prática. Nesse sentido, uma representação social pode
perfeitamente exercer um papel de coesão social e ser, ao mesmo tempo, teoricamente falsa.
As noções vulgares tomam então o lugar dos fatos sociais. Para Durkheim, são fantasmas que
desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas e que nós confundimos com as coisas. Mas os
homens não esperam pela ciência social, para começar a fazer uma idéia dos problemas sociais
sobre o direito, a moral, o Estado, a família e a própria sociedade, de modo geral. É, sobretudo,
na sociologia que as pré-noções são susceptíveis de dominar os espíritos e substituir a própria
realidade.
Durkheim busca compreender as representações no campo social, para melhor excluí-las
do estudo sociológico. Para ele, mesmo as categorias de pensamento (do tempo, do espaço, da
causalidade), não são atitudes internas ao indivíduo, mas representações coletivas, uma espécie
de estrutura mental saída da condensação educativa das práticas seculares de uma sociedade
particular, uma herança para cada indivíduo da longa experiência do grupo social (ou sociedade)
ao qual ele pertence. As categorias são sábios instrumentos de pensamento que a humanidade
construiu ao longo dos séculos e eles acumularam o melhor de seu capital intelectual.
Criticando os trabalhos anteriores, Durkheim dizia que eles não tomavam as devidas
precauções ao observar os fatos sociais, a maneira de colocar o problema e o sentido a partir
do qual a pesquisa deveria ser dirigida e finalmente a regra na administração das provas. Para
Durkheim, Spencer, Auguste Comte e Stuart Mill se ocupavam das representações da coisa
sociológica e não da coisa (o fato social) ela mesma. Ele reformula o problema, a fim de colocar
em relação à grande distinção entre a coisa social (ou fato social) e a representação social. O
autor das regras do método sociológico fundou todo o seu método nessa distinção fundamental.
Seus estudos são rapidamente centrados na relação entre o indivíduo e a sociedade. Durkheim
investiga as interações existentes entre os dois pólos dessa relação, a partir das observações
de material empírico.
Para Auguste Comte, os fenômenos sociais são fatos naturais que estão submetidos às
leis da natureza. Ele reconhece o seu caráter de coisas, à medida que na natureza o que há são
coisas. No entanto, a matéria principal da sociologia de Conte é o progresso da humanidade. O
ponto de partida de Comte é a idéia, segundo a qual existe uma evolução contínua do gênero
humano e isso corresponde a uma realização, cada vez mais completa, da natureza humana. O
que Comte quer encontrar é a ordem dessa evolução.
Durkheim contesta essa concepção, porque, ao dizer que o progresso não existe, a sua
realidade não pode ser demonstrada cientificamente. Não se pode assim fazer da evolução o
próprio objeto da pesquisa. Isso só seria possível, enquanto uma concepção do espírito e não

Antonio Paulino de Sousa


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enquanto coisa. Nesse caso, trata-se de uma representação subjetiva e isso devido ao fato
de o progresso da humanidade não existir. O que o sociólogo pode observar são sociedades
particulares que nascem e se desenvolvem independentemente umas das outras. Assim,
a noção de Comte não difere muito da noção vulgar. Para Durkheim, a evolução social é o
desenvolvimento do pensamento humano e a sociedade é definida pela idéia que os homens
têm da sociedade em que vivem.
Para Spencer, a essência da vida social é a cooperação e é somente através da cooperação
que os indivíduos podem se transformar em uma sociedade no sentido amplo do termo. É
partindo desse princípio que ele faz a distinção da sociedade em duas classes: no primeiro tipo
de sociedade há uma cooperação espontânea. Nesse primeiro caso, trata-se de sociedades
industriais. No segundo tipo de sociedade há uma cooperação que é conscientimente constituída
e supõe fins que são de interesse público. Nesse caso, são sociedades de tipo militar. É essa
idéia que se constitui na idéia central da sociologia de Spencer. Para Durkheim, essa definição
faz da visão do espírito a coisa e consequentemente o objeto da sociologia. O que Spencer
define não é a sociedade, mas a idéia que ele faz da sociedade. Na sociologia de Spencer, a
sociedade deve ter a cooperação por finalidade. A escolha é entre uma cooperação tirânica e
uma cooperação livre e espontânea.
Tanto as noções de Aguste Comte, quanto as de Spencer, são consideradas como vulgares
e, portanto, concepções do espírito. Essa mesma crítica é direcionada também à economia
política de Stuart Mill. Essas noções se encontram, não somente na base da ciência; podemos
encontrar essas noções também na trama dos raciocínios. Assim, não sabemos definir com
exatidão o que é o Estado, a soberania, a liberdade, a democracia, etc.; o método científico
exige que esses conceitos só podem ser utilizados quando eles estiverem cientificamente
constituídos e estabelecidos. No entanto, essas palavras aparecem constantemente nos
discursos sociológicos.
Comte e Spencer consideram que os fatos sociais são fatos naturais. Mas eles não os
tratam como coisas. Mas o que é coisa?
Nas palavras de Durkheim, “É coisa, com efeito, tudo o que é dotado, tudo o que se
oferece, ou antes, se. impõe à observação”.
Considerar os fenômenos sociais como coisas é analisá-los, enquanto data que se
constituem ponto de partida da ciência, nos diz Durkheim.
Regras Fundamentais:
1. Os fatos sociais devem ser tratados como coisas.
2. Deve-se afastar sistematicamente todas as pré-noções.
3. “Nunca se deve tomar como objeto de investigação senão um grupo de fenômenos,
previamente definidos por certas características exteriores que lhes sejam comuns,
e incluir na mesma investigação todos os que correspondam a esta definição”
(DURKHEIM, 2001, p. 57)
O sociólogo deve esforçar-se para considerar os fatos sociais sob o ângulo em que eles se
apresentam de forma isolada do que são as manifestações individuais. Foi assim que Durkheim
estudou a solidariedade social, as suas diversas formas de manifestação e como se deu sua
evolução por meio do sistema jurídico.

1.5 A Sociologia Contemporânea e seus Métodos

Na França, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron escreveram A profissão de


sociólogo. Nesse texto, eles citam amplamente as Regras do método sociológico e insistem
sobre a necessidade de se romper com a realidade social e suas representações. Para Bourdieu
e Passeron, a dominação das pré-noções é tão forte que todas as técnicas de objetivação devem

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ser aplicadas para se conseguir uma ruptura com as noções primeiras da realidade social. A
invenção não se reduz a uma simples leitura da realidade. Isso porque ela supõe sempre uma
ruptura com o real e com as configurações que ela propõe à percepção. (BOURDIEU; PASSERON,
1994, p. 28-29) Para Bourdieu, a sociologia é uma ciência da instituição e da relação feliz ou
infeliz com a instituição (DANTIER, 2003, p. 27)
No pensamento sociológico de Bourdieu, nós podemos encontrar uma certa continuidade
do método de Durkheim, mas se trata, na verdade, de um corretivo. Para Bourdieu, é necessário
esclarecer a teoria da prática que o conhecimento sábio engaja implicitamente e tornar possível
um verdadeiro conhecimento sábio da prática e do modo de conhecimento prático. Isso implica
que se deve esclarecer a lógica própria e insubstituível do conhecimento prático que estabelece
a relação fundamental ao mundo enquanto objeto científico. Bourdieu vai além da oposição
clássica entre o objetivismo (seguido por Durkheim) e o subjetivismo(combatido por Durkheim).
A sociologia deve não somente romper com a experiência e sua representação primeira, mas
também questionar os pressupostos inerentes à própria posição de observador “objetivo” que
pretende interpretar as práticas e tende a impor ao objeto os princípios de sua relação com o
objeto. (BOURDIEU, 1994 p. 46-47). A sociologia deve reintroduzir, na sua definição completa do
objeto, as representações primeiras do objeto que ela primeiramente destruiu para conquistar a
definição objetiva (BOURDIEU, 1994 p. 233). O objetivismo e o subjetivismo não reconhecem a
realidade que está no centro da relação entre o indivíduo e a sociedade: o habitus.
Para Bourdieu, na lógica interna da prática, o habitus se constitui em sistemas de
disposições duráveis e transportáveis para outros domínios. O habitus é também esquemas
classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão, gostos diferentes.
(BOURDIEU, 1994, p. 101.) O habitus sustenta as instituições e faz a homologia social. Essas
concepções são importantes, nessa disciplina, visto serem elas que estão na base de uma nova
sociologia da educação.
Nas ciências humanas e sociais, a fronteira entre a opinião e o discurso científico não é bem
precisa e é em razão disso que a vigilância espistemológica se impõe com mais força. A sociologia
do século XX se distanciou da filosofia social, mas não foi possível se livrar de contaminações
ideológicas de outra natureza. Assim, a familiaridade do sociólogo com seu universo social é o
principal obstáculo epistemológico. Isso porque a proximidade com o objeto produz uma série
de pré-noções, de sistematizações fictícias e, ao mesmo tempo, cria as condições sociais de
credibilidade das concepções ideológicas construídas espontaneamente. O sociólogo deve lutar
contra a ilusão do saber imediato e as evidências ofuscantes. No entanto, não é possível acabar
com a sociologia espontânea.
As pré-noções possuem uma função social que consiste em reconciliar, de qualquer
forma, a consciência comum consigo mesma, à medida que propõe explicações sobre as
questões sociais. As opiniões primeiras sobre os fatos sociais se constituem em um conjunto de
fatos que são falsamente sistematizados. Essas pré-noções são, na verdade, representações
esquemáticas construídas pela e para a prática social. Essas representações têm uma função
social de reconciliação das classes sociais.
É necessário levar a sério a influência das pré-noções e, ao mesmo tempo, utilizar diversas
técnicas de objetivação, para se romper com as noções comuns. Nesse sentido, a estatística,
enquanto técnica de ruptura, tem a vantagem de desconcertar as impressões primeiras. “[...] a
análise estatística contribui para tornar possível a construção de novas relações, capazes de
impor, por seu caráter insólito, a busca das relações de natureza superior que lhe serviriam de
justificativa.” (BOURDIEU, 1999, p. 24). O acento deve ser colocado na construção de novas
relações, pois a sociologia é uma ciência das relações sociais. Nesse mesmo sentido, devemos
considerar que a definição prévia de todo e qualquer objeto de pesquisa, enquanto definição
provisória, tem a vantagem de substituir as noções do senso comum por uma primeira noção

Antonio Paulino de Sousa


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científica. Nota-se, então, que o conhecimento científico começa com a crítica lógica da linguagem
comum. Essa crítica é fundamental para a elaboração sistemática das noções científicas.
Para se constituir enquanto ciência, a sociologia deve opor às pretensões sistemáticas da
sociologia espontânea uma teoria do conhecimento que possa contradizer todos os pressupostos
de uma filosofia primeira da realidade social. Os fatos sociais têm uma forma de ser constante
e uma natureza que não depende da vontade individual. Na verdade, os homens, na produção
social de sua existência, estabelecem relações determinadas independente de sua vontade
individual, nos diz Marx. Durkheim reconhece a Marx o mérito de ter rompido com a ilusão
da transparência: “Julgamos ser fecunda a idéia de que a vida social deve ser explicada, não
pela concepção que têm a seu respeito os que participam nela, mas por causas profundas que
escapam à consciência”. (BOURDIEU, 1999, p. 26). Na verdade, as críticas que Marx faz a
Stiner e a Strauss se referem ao fato de que eles reduzem as relações sociais à representação
que os agentes sociais têm delas e acreditam que é possível transformar as relações objetivas,
modificando as representações sociais dos indivíduos.
Para explicar um fato social, como a educação, por exemplo, é necessário construir o
sistema das relações objetivas de um determinado sistema educacional no qual os indivíduos
estão inseridos e que a natureza das relações se exprime mais no interior dos grupos sociais
do que nas opiniões e intenções dos sujeitos envolvidos na relação. A descrição das atitudes e
opiniões dos indivíduos não possibilita a criação de um princípio explicativo do funcionamento
de um sistema educacional ou de uma outra organização social. Nesse sentido, o preceito
fundamental da sociologia clássica é que o social deve ser explicado unicamente pelo social. A
decisão metodológica fundamental é que não se deve aceitar prematuramente um princípio de
explicação do social que seja oriunda de uma outra ciência, tal como a biologia ou a psicologia.
A tarefa da sociologia é justamente a explicação do social. Ao recorrer às definições trans-
históricas ou transculturais, se incorre no erro de oferecer uma explicação daquilo que justamente
merece uma explicação.

1.6 O poder da Linguagem

A linguagem comum é o principal instrumento de construção do mundo dos objetos e é


por não nos submetermos a essa linguagem que uma crítica metódica se impõe como condição
fundamental de construção do objeto científico. É o que dizia Wittgenstein, quando afirmava
que o emprego lógico de uma palavra nos permite escapar da influência das expressões táticas
e comuns. Isso significa que não podemos simplesmente construir o nosso objeto, tirando do
vocabulário comum as palavras que são fornecidas pelo próprio objeto de investigação. Essa
crítica da linguagem só será possível através de uma teoria. É por isso que o sociólogo não
pode “recusar a formulação explícita de um elenco de hipóteses baseado em uma teoria, ele
fica condenado a aplicar pressupostos que não são diferentes das pré-noções da sociologia
espontânea e da ideologia, isto é, as questões e conceitos que temos como sujeitos sociais,
quando não desejamos tê-los como sociólogos”(BOURDIEU, 2002, p. 52)
Ora, todos os procedimentos, desde a elaboração do questionário até a codificação
estatística, se configuram como teorias em ato. Isso enquanto procedimentos de construção
consciente ou inconsciente dos fatos sociais e de suas relações. É bem verdade que, quanto
menor for a consciência do sociólogo, em relação à teoria implícita em sua prática, maiores serão
as possibilidades de que sua análise seja mal controlada e mal ajustada ao objeto de pesquisa.
Se o sociólogo é inconsciente em relação à problemática que está implícita nas suas perguntas,
ele não compreenderá também a problemática que os sujeitos implicam em suas respostas.
“Pressupor que uma pergunta tem o mesmo sentido para sujeitos sociais separados pelas
diferentes linguagens não diferem apenas pela amplitude de seu léxico ou grau de abstração,

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mas também pelas temáticas e problemáticas que veiculam”. (BOURDIEU, p.57, 2002) Sem
teoria não é possível manipular um único instrumento, interpretar uma única leitura.

A sociologia seria menos vulnerável às tentações do empirismo se fosse suficiente


lembrar-lhe, com Poincaré, que os fatos não falam. A maldição das ciências humanas,
talvez, seja o fato de abordarem um objeto que fala. Com efeito, quando o sociólogo
pretende tirar dos fatos a problemática e os conceitos teóricos que lhe permitem construir
e analisar tais fatos, corre sempre o risco de se limitar ai que é afirmado por seus
informadores. Não basta que o sociólogo esteja à escuta dos sujeitos, faça a gravação
fiel das informações e razões fornecidas por estes, para justificar a conduta deles e, até
mesmo, as razões que propõem : ao proceder dessa forma, corre o risco de substituir
pura e simplesmente suas próprias pré-noções pelas pré-noções dos que ele estuda,
ou por um misto falsamente erudito e falsamente objetivo da sociologia espontânea do
cientista e da sociologia espontânea de seu objeto.” (BOURDIEU, p. 50, 2002).

Isso significa que o sociólogo que recusar a construção controlada e consciente de seu
distanciamento em relação ao real e de sua ação sobre a realidade consciente, poderá impor aos
sujeitos questões que não fazem parte da experiência dos sujeitos entrevistados. O sociólogo
corre o risco também de impor as questões que ele mesmo formula a respeito. Assim, “[...] o
sociólogo terá de fazer uma difícil escolha quando, desencaminhado por uma falsa filosofia da
objetividade, vier a tentar anular-se como sociólogo.” (BOURDIEU, 2002, p. 51)
Uma análise orientada por uma hipótese é um instrumento privilegiado de ruptura com as
pré-noções. Como diz Bourdieu 2002, p.64:

A metodologia que deixasse de levar em consideração o problema da investigação das


hipóteses a serem comprovadas não poderia, como observa Claude Bernard, dar idéias
novas e fecundas aos que não as têm; servirá somente para dirigir as idéias dos que já
as têm e desenvolvê-las, a fim de tirar delas o melhor resultado possível [...]. O método
por si só não gera nada.

Para saber mais

http://www.esas.pt/dfa/sociologia/regras.html

http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S087365292003000300012&script=sci_arttext

http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm

http://maxpages.com/elias/A_Sociologia_de_E_Durkheim

http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art12_12.htm

Questões:

1 Quais são as principais características do fato social?

2 Qual é o objeto da sociologia?

3 Como se deve observar os fatos sociais?

4 Qual é a relação que existe entre ciência e o poder da linguagem?

Antonio Paulino de Sousa


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CAPÍTULO

A SOCIOLOGIA CLÁSSICA
DA EDUCAÇÃO
Durante toda a sua existência Durkheim se dedicou ao ensino da pedagogia e da
sociologia. Na Faculdade de Letras de Bordeaux (1887-1902) ele ministrava duas horas de aula,
por semana, na pedagogia e na Sorbonne ela era titular da cadeira de Ciências da Educação. Ele
aborda o problema da educação enquanto fato social e a doutrina da educação é um elemento
fundamental da sociologia de Durkheim. A educação é uma coisa eminentemente social. É
a observação que nos prova isso na medida em que cada sociedade possui seus modelos
educacionais especiais. E mesmo em uma sociedade considerada igualitária, a educação varia
e deve necessariamente variar de uma sociedade à outra, segundo a profissão.
É verdade que todas as educações especiais repousam sobre uma base comum. Na
introdução ao livro Education et societé (Educação e sociedade) Paul Fauconnet afirma que é
na análise da educação que o sociólogo pode perceber melhor os aspectos fundamentais do
pensamento de Durkheim sobre a relação entre a sociedade e o indivíduo. Ele acrescenta ainda
que a ciência da educação é uma ciência sociológica e é dessa forma que Durkheim aborda o
problema da educação. (DURKHEIM, 1995, p. 17-19).
Toda sociedade constrói o seu ideal de homem e é esse ideal que se torna o ponto central
da educação. Para cada sociedade, a educação é então o meio através do qual ela prepara o
espírito das crianças para assumirem as condições essenciais de sua existência. Assim sendo,
cada tipo de povo possuiu a sua própria educação e, a partir dela, é definida sua organização
moral, política e religiosa.
Durkheim considera que, em cada um de nós, existem dois seres distintos. Um é feito de
todos os estados mentais que corresponde à nossa vida pessoal; é o que podemos chamar de
vida individual. Um outro é o sistema de idéias, de sentimentos e de hábitos que exprime em
nós, não a nossa personalidade, mas os grupos sociais dos quais nos fazemos parte, tais como
as práticas morais, a crenças, as práticas religiosas, as tradições nacionais, etc. É o conjunto
desses fatores que forma o ser social.

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A constituição do ser em cada um dos indivíduos é a finalidade da educação. A moralidade,
a linguagem, as religiões, a ciência etc. são obras coletivas e, portanto, coisas sociais. Ora, é
justamente pela moralidade que o homem forma a sua própria vontade e ultrapassa o simples
desejo. É a linguagem que se eleva acima das sensações e, por sua vez, a ciência elabora as
noções fundamentais para o entendimento do mundo social e o desenvolvimento das faculdades
cognitivas.
O ser social não é dado presente na constituição primitiva do homem, mas é a sociedade,
ela mesma, que se forma, se consolida e elabora suas grandes forças morais. As atitudes que
supõem a vida social do homem são complexas e “se materializam sobre a forma de disposições
orgânicas. A transmissão dos atributos específicos que distinguem o homem se faz por uma via
que é social, como eles são sociais: é a educação” (DURKHEIM, 1995, p.13).
A educação é coisa social, porque ela coloca a criança em contato com uma determinada
sociedade e não com a sociedade in genere. Se essa proposição é verdadeira, a educação não
orienta apenas a reflexão especulativa sobre a educação; ela deve fazer sentir sua influência
sobre a atividade educativa, ela mesma. A influência da educação é incontestável. Mas dizer que
a educação é uma coisa social não é formular um programa educacional e, sim, constatar um
fato.
A educação medieval e humanística era exclusivamente livresca. Ora, está claro que as
instituições escolares, as disciplinas e os métodos são fatos sociais. O livro é, ele mesmo, um
fato social. O culto ao livro e o seu declínio dependem de causas sociais. A educação física,
moral e intelectual que uma sociedade geográfica e historicamente datada oferece é, sobretudo,
domínio da sociologia.
Durkheim define a educação enquanto socialização da criança. A educação moral tem
por objetivo incitar a criança aos diversos deveres e suscitar diversas virtudes particulares.
Mas a educação tem também o papel de desenvolver a moralidade em geral, as disposições
fundamentais que são a raiz da moralidade e que constitui o agente moral. O agente moral deve
receber uma educação que o leve a tomar iniciativas visto que essa é condição indispensável
para o desenvolvimento da sociedade. Trata-se de inculcar o espírito de disciplina, o espírito de
abnegação e o espírito de autonomia.
Para Durkheim, o espírito de disciplina é o sentido do gosto e da regularidade, o sentido
do gosto e da limitação dos desejos e também o respeito às regras. Por que a vida social
exige regularidade? Responder a essa questão significa dizer qual é a função da disciplina. É
preciso, então, saber qual é o natureza da disciplina e seu fundamento racional. O espírito de
autonomia é um dos traços mais recentes da sociedade moderna. Trata-se das características
da moralidade laica e racionalista das sociedades democráticas. A autonomia é entendida como
uma atitude de uma vontade que aceita a regra. Isto porque o agente social reconhece que a
regra é racionalmente fundada. Ela supõe a aplicação livre e metódica da inteligência, para
examinar a validade das regras.
O ensino tem uma grande influência na formação do espírito de autonomia. É, diz Durkheim,
a ciência que confere autonomia. (DURKHEIM, 1995, p. 28). É necessário, então, ensinar às
crianças os elementos importantes das disciplinas fundamentais para dizer que a gramática ou a
história, por exemplo, contribuem na formação do entendimento. A análise do entendimento traz
conseqüências pedagógicas. Nesse sentido, a memória, a atenção e a faculdade de associação
são disposições congenitais da criança que o exercício ajuda a desenvolver.
A história não pode ter um sentido para um espírito que não possui a representação da
duração histórica; um bom espírito é aquele que possui essa representação. No entanto, a criança
não pode construir sozinha essa representação, porque os elementos não são fornecidos pela
sensação tampouco pela memória individual. É necessário que as gerações anteriores ajudem a
criança a construir determinadas representações.

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2.1 A Natureza e Papel da Educação

No livro Educação e sociologia, o ponto de partida da reflexão de Durkheim é uma critica à


concepção que Stuart Mill tem da palavra educação. Stuart Mill define a educação como um conjunto
de influências que a natureza ou os homens podem exercer sobre a inteligência e sobre a nossa
vontade. Em uma visão ampla, a educação produz efeitos indiretos produzidos sobre o nosso caráter
e sobre as faculdades do homem, leis e formas de governo e, também, fatos físicos que independem
da nossa vontade tais como o clima. Essa definição é confusa, segundo Durkheim, porque a ação
das coisas sobre o homem é diferente da ação que vem dos próprios homens.
Em que consiste essa ação sui generis, que é a ação da educação?
Durkheim resume em dois tipos principais:
Segundo Kant, o objetivo da educação é desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição
à qual o homem é possível chegar. A perfeição seria o desenvolvimento harmônico de todas as
faculdades humanas. Esse desenvolvimento é necessário, mas não é integralmente realizável,
porque ela entra em contradição com uma regra fundamental do comportamento humano que
consiste no fato de que o indivíduo deve se dedicar a um papel específico.
Para Durkheim, nem todos os indivíduos são feitos para refletir, é necessário que haja
homens de sensação e de ação. Contrariamente, é necessário haver homens cujo papel seja o
de pensar; o pensamento só pode se desenvolver, à medida que ele se distancia do movimento.
(DURKHEIM, 1995, p. 42) Assim, Durkheim conclui que uma harmonia perfeita não pode ser
apresentada como a finalidade última do comportamento e da educação.
O segundo tipo é a definição utilitarista de James Mill, para quem a educação tem como
objeto fazer do indivíduo um instrumento de felicidade para si mesmo e para os seus semelhantes.
Essa concepção não é satisfatória, porque a felicidade é algo essencialmente subjetivo que cada
sujeito aprecia de forma diferente. Essa concepção de educação não determina o objetivo da
educação.
Tanto a concepção de Kant quanto a de James Mill partem do postulado, segundo o qual
existe uma educação ideal, perfeita, que vale para todos os homens indistintamente e é essa
educação universal que os teóricos tentam definir. Historicamente, não podemos confirmar essa
hipótese, visto que a educação varia no tempo e segundo os paises. Na Grécia antiga, o indivíduo
era subordinado à coletividade; na Idade Média, a educação era cristã e no Renascimento, ela
tem um caráter mais leigo e literário. Hoje, a educação e ciência tomam o lugar que a arte
ocupava antigamente.
Na sociedade, existem necessidades importantes e não podemos fazer abstração das
mesmas. O ponto de partida não deve ser a questão relativa ao ideal da educação, pois fazer
abstração da realidade e do tempo implica admitir, implicitamente, que um sistema educativo
não possui nada de real nele mesmo. O sistema educativo não seria um conjunto de práticas
e de instituições que são organizadas lentamente e que é também solidário de todas as outras
instituições sociais.
Assim, cada sociedade possui um sistema educativo que se impõe aos indivíduos com
uma grande força. Não podemos acreditar que seria possível criar as nossas crianças como
queremos. Em todas as sociedades, existem costumes aos quais os indivíduos devem se
adequar. Isso significa que, a cada momento da história, surge um tipo regular de educação e nós
não podemos nos distanciar das grandes orientações do nosso tempo, sem que haja resistência
e lutas. Ora, a cultura e as idéias em geral não fomos nós que as construímos individualmente,
mas elas são produtos da vida comum e exprimem necessidades. Elas são obras das gerações
anteriores.
Todo o passado da humanidade contribuiu para fazer o conjunto das idéias que orientam a
educação de uma nação em particular. Durkheim nos diz que, quando estudamos historicamente

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a maneira em que são formados e desenvolvidos os sistemas educacionais, percebemos que
eles dependem das religiões, da organização política, do grau de desenvolvimento da ciência
e do estado da indústria. Assim, o indivíduo só pode agir sobre a sociedade à medida que ele
aprendeu a conhecer a sociedade em que vive e ele não poderá conhecer se não entrar na
escola (DURKHEIM, 1995, p. 46).
O objeto da educação é criar as crianças. Mas é preciso dizer em que consiste criar as
crianças e a que tipo de necessidades humanas a educação corresponde. Para responder a
essas questões, torna-se necessário observar o significado da educação no passado e a que tipo
de necessidades ela atendeu.

2.2 Sistemas Educativos

No processo de definição da educação é necessário considerar os sistemas educativos


atuais e os que já existiram. E, a partir disso, se faz uma comparação, a fim de encontrar as
características comuns.
Durkheim determina que, para que haja educação, é necessário a existência de uma
geração de adultos e uma geração de jovens. E a geração de adultos deve exercer uma ação
sobre os jovens. O problema que resta é saber: Qual é a natureza dessa ação?
A educação é, por definição, múltipla. Existem diferentes tipos de educação e eles são
determinados pelos diferentes meios e grupos sociais. A educação varia, segundo as classes
sociais e, até mesmo, segundo os locais de habitação. A educação na cidade se diferencia
da educação do campo e a educação do burguês se diferencia da educação do operário. Isso
significa que a diversidade moral implica também em uma diversidade pedagógica. Na verdade,
cada profissão constitui um meio sui generis que se configura com atitudes e conhecimentos
particulares. Por outro lado, cada classe social tem a sua maneira de ver as coisas e também
como a criança deve ser preparada para exercer a sua função na sociedade. Assim sendo,
a educação não pode ser a mesma em todas as nações e classes sociais e é exatamente
por isso que existem diversos sistemas educativos e, consequentemente, diversas concepções
pedagógicas.
A educação não é homogênea. Durkheim nos diz que é somente nas sociedades pré-
históricas que podemos encontrar uma educação igualitária e homogênea, pois no seio
dessas sociedades não existe diferenciação. No entanto, acrescenta Durkheim, esses tipos de
sociedades representam apenas um momento lógico na história da humanidade. (DURKHEIM,
1995, p. 48).
Ao longo da nossa história, é construído um conjunto de idéias sobre a natureza humana,
sobre a importância das nossas diferentes faculdades, sobre o direito e o dever, sobre a
sociedade e o indivíduo e sobre a ciência, etc. Tudo isso está na base da construção da nossa
identidade nacional. Isso significa que cada sociedade constrói um certo ideal do homem, o que
ele deve ser, do ponto de vista intelectual, físico e moral. Esse ideal é o mesmo para o cidadão
e, a partir de um certo momento, ele se diferencia segundo a classe social. A primeira função da
educação é a de inculcar na criança predisposições físicas e mentais que a sociedade considera
importantes para todos os seus membros. A segunda função considera importantes, para todos
os que formam a classe social ou família, certas predisposições físicas e mentais de um grupo
particular (família, classe social e profissão). Enfim, é a sociedade, no seu conjunto, e os grupos
sociais, em particular, que definem o ideal de homem; a educação tem a função de fazer existir
esse ideal definido pela sociedade.
A sociedade não pode existir sem que haja uma certa homogeneidade entre os seus
membros. A educação perpetua e reforça essa homogeneidade, à medida que fixa, no espírito
das crianças, os princípios fundamentais da vida social. Mas sem uma certa diversidade a

Antonio Paulino de Sousa


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cooperação entre os membros de uma sociedade ou classe seria impossível. A educação
assegura essa diversidade necessária se modificando, ela mesma, e assegurando a sua
especialização.
Para Durkheim, a educação é, então, a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas
que ainda não são maduras para a vida social. Ela tem por objetivo suscitar e desenvolver
na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais que se reclamam dele
e da sociedade política, em geral, e do meio especial ao qual ele é particularmente destinado
(DURKHEIM, 1995, p. 51).
Essa definição nos leva a compreender a educação enquanto socialização metódica da
geração jovem.

2.3 A Socialização da Criança

A finalidade da educação é criar em cada criança um ser social. O ser individual é feito de
um conjunto de estados metais que estão relacionados à vida pessoal de cada indivíduo. Mas há
também um sistema de idéias, de sentimentos e de hábitos que se exprimem em cada indivíduo,
tais como as práticas morais e as tradições de cada nação. É aí que se percebe melhor o papel e
a fecundidade da ação educativa. Esse ser social não é dado na constituição primitiva do homem
nem é também o resultado de um desenvolvimento espontâneo.
Na verdade, por natureza o homem não é propenso a se submeter a uma autoridade
política, a respeitar uma disciplina moral e nem tão pouco a se sacrificar. Não há nada na
natureza do indivíduo que o predisponha a ser necessariamente servidor de uma divindade. A
sociedade tira dela mesma as forças morais que fazem com que o indivíduo se sinta “inferior”. A
cada geração nova, a sociedade se encontra na presença de uma tábua quase rasa, diante da
qual é preciso construir novos fatos. É necessário que o ser egoísta e anti-social que nasceu seja
transformado em um ser capaz de viver em sociedade. Essa é a tarefa da educação. A educação
cria, no homem que nasceu, um ser novo e essa virtude criadora é um privilégio especial da
educação humana.
Segundo Durkheim, nas diversas sociedades a educação atende às necessidades sociais
distintas. As vantagens de uma sólida cultura intelectual foram reconhecidas por todos os povos.
É preciso fazer que a indiferença em relação ao saber não foi imposta ao ser humano de forma
violenta. Há seres humanos que não possuem o apetite instintivo pela ciência. O desejo da ciência
só é possível onde a experiência ensinou que não se pode deixar de reconhecer a legitimidade
e a importância da ciência. Se o homem não tivesse conhecido outras necessidades que não
fossem as relacionadas à sua constituição individual, ele não iria buscar a ciência, sobretudo,
porque a ciência não pode ser conquistada sem trabalho e um doloroso esforço. O indivíduo só
conheceu a sede do saber, porque a sociedade despertou nele esse desejo e a sociedade o
fez, em razão da sua necessidade. À cultura científica tornou-se indispensável e é por isso que
a sociedade exige de seus membros uma formação científica e impõe como algo necessário.
(DURKHEIM, 1995, p. 54).
É, então, a classe social que induz o indivíduo a buscar ou não uma cultura científica.
É a partir da sua classe social que o indivíduo adquire o poder de resistir aos seus impulsos e
dominar seus desejos. Ora, a ciência é uma obra coletiva visto que ela supõe uma cooperação
entre todos os intelectuais, não somente do seu tempo, mas de todas as gerações sucessivas
da história. Antes da ciência, a religião cumpria esse papel, pois a mitologia consiste em uma
representação elaborada do homem e do universo. Aliás, a ciência é herdeira da religião.
Essa representação elaborada é feita por meio da língua; é através da língua que o indivíduo
apreende todo um sistema de idéias, de distinção e de classificações. É bem verdade que sem
a língua não teríamos idéias gerais. Isto porque, ao fixar a palavra, os conceitos adquirem uma

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consistência e pode ser amplamente manipulada pelo espírito. É, então, necessário demonstrar
que a linguagem é uma “coisa social”, como nos diz Durkheim.
Há um antagonismo entre indivíduo e sociedade. A ação que a sociedade exerce sobre o
indivíduo, por meio da educação, não visa diminuí-lo. Ao contrário, o objetivo deveria ser fazer
com que ele seja um ser verdadeiramente humano.

2.4 Estado e Educação

A questão fundamental é saber qual é o dever do Estado em relação à educação. Isso pode
se opor ao direito de família, à medida que a criança pertence aos seus pais. Isso significa que
são eles que devem orientar as crianças, no sentido de lhes oferecer um bom desenvolvimento
intelectual e moral. Nessa perspectiva, a educação é entendida como uma coisa privada e
doméstica.
Para Durkheim, colocar, o problema nesses termos equivale a reduzir ao mínimo possível
a intervenção do Estado na educação. À medida que as famílias não podem cumprir seu dever
em relação à educação das crianças, é natural que o Estado tome para si essa responsabilidade,
colocando escolas à disposição das famílias, caso elas queiram enviar suas crianças. Contudo,
o Estado deve se limitar a isso e não deve imprimir uma orientação determinada ao espírito da
juventude.
Se a educação tem uma função coletiva e o seu objetivo é adaptar a criança no seu meio
social, no qual ela é destinada a viver, torna-se impossível que o Estado não seja o responsável
pela educação. É necessário que a educação assegure, entre os cidadãos, uma comunidade
de idéias e de sentimentos sem as quais a vida em sociedade seria impossível. Para que esse
resultado seja possível, é indispensável que a educação não seja totalmente abandonada à
arbitrariedade dos particulares. Ora, a partir do momento em que se considera que a educação
tem uma função essencialmente social, o Estado não poderá se desinteressar pela educação.
Tudo o que diz respeito à ação educativa deve estar subordinado à ação do Estado, segundo
Durkheim. Ele acrescenta que isso não significa que o Estado deve monopolizar a educação.
(DURKHEIM, 1995, p. 59).
A escola não tem o direito de dispensar uma educação antissocial. Não se deve reconhecer
o direito da maioria de impor suas idéias às crianças da minoria. A escola não deve ser coisa
de um partido. A questão central é que deve existir um respeito à razão, à ciência e às idéias e
sentimentos que são a base da democracia.
O papel do Estado é o de fazer ensinar nas escolas os princípios fundamentais para a
constituição de uma sociedade igualitária e democrática.

2.5 O poder da Educação e seus Mecanismos de Atuação

É necessário determinar como e em que medida a educação poderá ser eficaz. Tanto para
Locke, quanto para Helvétius, a educação tem um grande poder. Segundo Helvétius, todos os
homens nascem iguais e com aptidões iguais, somente a educação faz a diferença. A educação
não faz o homem do nada, como esses autores acreditam. Ao contrário, a educação se aplica a
disposições que ela já encontra sedimentadas na criança. É preciso considerar que as tendências
congênitas são fortes e difíceis de serem destruídas ou transformadas radicalmente. Isso porque
elas dependem de condições orgânicas e sobre essas o educador tem pouca influência.
Deve-se levar em consideração que uma das características do homem é que as
predisposições inatas são muito gerais e vagas. Na verdade o tipo de predisposição rígida e
invariável, que não deixa nenhum espaço à ação externa, é o instinto. A questão é saber se
existe realmente um instinto propriamente dito no homem; a própria expressão “instinto de

Antonio Paulino de Sousa


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conservação” é imprópria. Isto porque o instinto é um sistema de movimentos determinados,
sempre os mesmos; não se utiliza a reflexão.
O que é denominado de instinto de conservação é uma impulsão geral, relativa ao medo
da morte. Podemos até dizer que, o que chamamos de instinto paterno, instinto maternal
e mesmo instinto sexual, são empurrados em uma direção e os meios pelos quais isso se
atualiza são dependentes de um indivíduo a outro e das ocasiões que se apresentam. Um
grande espaço é deixado às tentativas pessoais. É verdade que ninguém nasce criminoso
e muito menos propenso a um determinado tipo de crime. O que é herdado é uma falta de
equilíbrio mental que torna o indivíduo refratário ao comportamento disciplinado. (DURKHEIM,
1995, p. 62-63).
O que a criança recebe de seus pais são faculdades gerais, uma força de atenção,
perseverança e imaginação. Assim, uma criança com uma viva imaginação pode tornar-se,
segundo as circunstâncias e as influências, um poeta ou um engenheiro com grande espírito
de iniciativa. Isso significa que o futuro não é determinado pela nossa constituição congênita.
No entanto, somente as disposições gerais que exprimem as características comuns das
experiências particulares podem sobreviver e se passar de uma geração à outra.
Para se dar conta da ação da educação, Durkheim a compara com a ação hipnótica. Diante
do professor, a criança fica em um estado de passividade comparável à que ele se encontra, no
momento em que é hipnotizado. A sua consciência ainda contém um pouco de representações
capazes de lutar contra o que lhe é sugerido, sua vontade ainda é rudimentar. É por isso que ele
aceita facilmente as sugestões e também é mais inclinado à imitação. O resultado disso é que o
professor terá uma ascendência sobre o aluno, devido à sua superioridade de experiência e de
cultura. É isso justamente que confere poder e eficácia à ação do educador. É necessário que o
educador esteja desarmado, devido ao poder da sua sugestão hipnótica.
Essa comparação nos faz entender que a educação não pode obter grandes resultados
através da violência. Não batendo na criança, nós poderemos agir mais fortemente sobre ela.
Porém, quando a educação é paciente e contínua, quando ela não busca sucesso imediato,
ela poderá marcar profundamente as almas. O que constitui a essência da ação educativa é a
influência e a autoridade do professor sobre o aluno.
A educação deve ser, então, coisa de autoridade. Para que a criança aprenda a dominar o
seu egoísmo natural, a submeter os seus desejos ao império da vontade, é preciso que a criança
exerça sobre ela mesma uma forte dominação. O sentimento do dever é, para a criança, e
mesmo para o adulto, um estímulo excelente para o esforço físico e moral. Contudo, a criança só
pode conhecer o dever, através dos seus mestres e pais. Ela só pode conhecer pela linguagem
e pelo comportamento. Isso significa que a autoridade moral é a qualidade que orienta a ação do
educador, pois é a autoridade que ele possui que faz com que o dever seja um dever reconhecido
e legitimado.
O que existe de sui generis é o tom imperativo com o qual o professor fala às consciências,
o respeito que ele inspira às vontades e o fato de que as consciências se submetam, desde
o momento em que o professor diz a palavra, com o devido tom da autoridade. Para isso, é
necessário que exista vontade, pois a autoridade implica sempre confiança; a criança não
acredita em alguém que hesite e volta sobre as decisões tomadas. Essa é a primeira condição,
mas não é a mais essencial. O que importa é que o professor deve possuir essa autoridade e ter
consciência de possuí-la; é preciso que ele acredite no seu papel. Assim, o castigo só adquire
sentido, se ele for considerado como justo por aqueles que são submetidos ao mesmo. Isso
implica que a autoridade que pune é reconhecida como legítima.
A autoridade do mestre é um aspecto da autoridade do dever e da razão. A criança deve
ser levada a acreditar na palavra do educador.

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2.6 A Educação e a Pedagogia

Durkheim faz uma distinção entre educação e pedagogia. A educação é entendida como
a ação exercida sobre as crianças pelos pais e mestres. Não há um só período da vida social
em que os jovens não estejam em contato com a geração adulta e que esta não exerça sobre
os primeiros uma influência educativa. Essa influência não acontece apenas na relação direta
professor e aluno; ela se realiza também de forma inconsciente, através das palavras que
utilizamos e dos nossos comportamentos.
A pedagogia consiste em teorias. Essas teorias são as maneiras de conceber a educação
e não as formas de praticá-la. A Pedagogia de Rabelais, a de Rousseau ou a de Pestalozzi
são opostas à pedagogia dos dias atuais. A educação é a matéria da pedagogia e essa é uma
maneira de pensar as coisas da educação. Existem povos que não tiveram pedagogia, ela só
aparece em um período mais recente da história. Nós a encontramos na Grécia, no período de
Péricles, Platão e Aristóteles. É no século XVI que ela produz suas obras mais importantes.
Quais são, então, as características da reflexão pedagógica? A pedagogia seria a ciência
da educação?
Está claro que as coisas da educação devem ser objeto de uma disciplina que apresente
as características de uma disciplina científica. Para ser chamada de ciência, é necessário que ela
estude fatos que são dados à observação. A ciência é definida pelo seu objeto e, consequentemente,
esse objeto deve existir e ele deve ocupar um espaço na realidade. É necessário também que os
fatos apresentem entre eles uma certa homogeneidade e que possam ser classificados em uma
mesma categoria. Em geral, a ciência emergente abraça um conjunto de elementos de forma
confusa, mas isso é uma fase transitória do próprio desenvolvimento da ciência.
A ciência estuda os fatos da educação, para melhor conhecer a realidade educacional.
O conhecimento dito científico é desinteressado. Para Durkheim, a ciência começa a partir do
momento em que o conhecimento é buscado por ele mesmo, sem interesse. É verdade que o
cientista sabe que suas pesquisas poderão ser utilizadas. É possível que o pesquisador dirija suas
preferências de pesquisas para aquilo que poderá ser mais proveitoso e responda a necessidades
urgentes. Quando ele começa as suas investigações científicas, ele se desinteressa pelas
consequências práticas. Ele não se preocupa em saber se as verdades agradam ou desagradam
certos grupos sociais. O papel do cientista é o de analisar o real e não de julgá-lo (DURKHEIM,
1995, p. 71).
Nesse sentido, a educação é um objeto de pesquisa; é um conjunto de práticas, maneiras
de fazer e costumes que constituem os fatos de uma determinada sociedade e que possuem as
mesmas características de outros fatos sociais. Eles não são fatos sociais isolados e arbitrários;
ao contrário disso, os fatos relacionados à educação se configuram como verdadeiras instituições
sociais. O sistema educacional de uma sociedade está implicado na sua estrutura social.
As práticas educativas têm em comum um caráter essencial que é o fato de que elas são
consequências de todas as ações exercidas por uma geração de adultos sobre uma geração de
jovens. O objetivo é adaptar as novas gerações ao ambiente social no qual eles são chamados
a viver. Trata-se de mobilidades diversas dessa relação fundamental. Trata-se de fatos de uma
mesma espécie que obedecem a uma mesma categoria lógica e podem, portanto, ser objeto de
uma ciência que seria a ciência da educação.
No conjunto, as práticas educativas não são fatos isolados uns dos outros. Em uma mesma
sociedade, eles estão ligados a um sistema onde todas as partes estão imbricadas umas nas
outras, por se tratar de um sistema educacional próprio de um país e de um tempo específico.
É possível, através de comparações, estabelecer as semelhanças, eliminar as diferenças e
construir um tipo geral de educação que corresponde a diferentes espécies de sociedades, da
mesma forma que se constitui tipos de família.

Antonio Paulino de Sousa


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Não é suficiente fazer a classificação dos diversos sistemas educacionais; é preciso
explicá-los, ou seja, buscar as condições de produção de um tipo de sistema e as características
de cada sistema. É assim que se chega às leis de evolução dos sistemas educacionais.
Poderemos, assim, determinar em que sentido a educação se desenvolve e o que determina o
seu desenvolvimento. Essa é a tarefa das ciências da educação.
Para Durkheim, as teorias pedagógicas são especulações de uma outra natureza. O
objetivo das teorias pedagógicas não é a de descrever ou explicar o que é um fato, mas de
determinar o que deve ser. Assim sendo, essas teorias não se preocupam em expor fielmente a
realidade dos dados, mas em criar preceitos que orientam os comportamentos. Elas não dizem o
que é e o porquê dos fatos, mas o que é necessário fazer. A pedagogia é diferente das ciências
da educação? (DURKHEIM, 1995, p.77).
É preciso saber em que consiste a pedagogia. Para Durkheim, ela é uma arte. O nome
de arte é dado a todo produto da reflexão que não é propriamente ciência. Nesse sentido, é
chamada de arte a experiência prática de interação entre o professor e o aluno, no ambiente
da sala de aula. Essa experiência se diferencia das teorias pedagógicas e nós podemos ser
um perfeito educador e não ter habilidades para a especulação pedagógica. O professor que
possui grandes habilidades sabe exercer o seu papel e, contrariamente, há pedagogos com
poucas habilidades para exercer a função de professor. Nesse sentido, não se deveria, nos diz
Durkheim, confiar a sala de aula a Rousseau tampouco a Montaigne. Os fracassos repetidos
de Pestalozzi indicam que ele não possuía bem a arte de educar. A arte é entendida como um
sistema de modos de fazer que estão ajustados a objetivos específicos e são produtos de uma
experiência tradicionalmente inculcada pela educação.
A pedagogia é uma teoria prática. Ela não estuda cientificamente os sistemas educacionais,
mas pensa e tem por objetivo fornecer ao educador idéias que orientem a sua atividade na sala de
aula. Mas antes da pedagogia, torna-se necessária a existência das ciências da educação sobre
as quais a pedagogia deve se apoiar. Para saber o que deve ser a educação, é preciso saber
qual é a sua natureza e as condições diversas e as leis, a partir das quais ela se desenvolveu
historicamente. Contudo a ciência da educação só existe enquanto projeto, nos diz Durkheim.
O que nos resta é a sociologia que poderia ajudar a pedagogia a fixar os objetivos da
educação e a orientação geral dos métodos a serem utilizados. A psicologia pode ajudar na
determinação dos procedimentos pedagógicos; a sociologia é uma ciência que está nascendo e
a psicologia se constituiu antes das ciências sociais. É verdade que as ciências da educação não
estão inteiramente constituídas e a sociologia e a psicologia não são muito avançadas.
É conveniente ressaltar que a sala de aula é uma pequena sociedade; nela as crianças
pensam e sentem de forma diferente. Na sala, se produzem vários fenômenos que podemos
chamar de hábitos, desejos, emoções, violência etc. e isso deve ser controlado. É não somente a
psicologia infantil, mas também a psicologia coletiva que deve ajudar na resolução dos problemas
que surgem, a partir da interação entre os alunos e também entre o educador.
Discute-se muito qual deve ser o papel do ensino fundamental, no âmbito da nossa
organização escolar e na sociedade, de modo geral. Esse problema não pode ser resolvido sem
um profundo conhecimento da nossa organização escolar e de onde vêm suas características
e as causas do seu desenvolvimento. A cultura pedagógica depende então de uma história do
ensino primário. Isso significa que a cultura pedagógica deve ter uma base histórica sólida.
Assim, o pedagogo poderá evitar criticas que foram feitas a ilustres pedagogos que começaram
a edificar seus sistemas, fazendo abstração do que existia antes deles. O futuro não pode nascer
do nada; nós só poderemos construí-lo, a partir do material elaborado no passado. As utopias de
Rousseau e de Pestalozzi exerceram um papel importante na história.
A história do ensino e da pedagogia nos permite determinar os objetivos e o fim último da
educação do nosso tempo. Contudo, a realização desse fim último é a psicologia que deve nos

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ajudar a construir. Não podemos esquecer que o ideal pedagógico de uma época é a expressão
de uma sociedade em uma época bem determinada. Aqui, mencionamos as principais disciplinas
que contribuem para reflexão do pedagogo.

2.7 A Relação entre Sociologia e Educação

Durkheim fala da educação enquanto sociólogo. Ele considera que o postulado fundamental
da especulação pedagógica é que a educação é um produto social e, assim, ela depende mais
da sociologia do que de qualquer outra ciência. Essa idéia dominou todo o ensino da sociologia
da educação de Durkheim.
Os pedagogos modernos (quase todos) partem do princípio de que a educação é uma
coisa individual e que a psicologia seria a principal disciplina que ajudaria nos processo de
ensino-aprendizagem. A educação teria o papel de desenvolver, no indivíduo, todos os atributos
constitutivos da espécie humana, em geral. Nessa perspectiva, só existia um tipo de educação
e todas as demais seriam excluídas. A educação seria, então, universal e indiferente a toda as
condições históricas e sociais. Era esse ideal abstrato e único da educação que os teóricos da
educação se propunham a determinar e implantar.
A filosofia clássica da educação admitia que existia uma única natureza humana, definida
desde o nascimento; a tarefa da pedagogia consistiria em saber como a ação educativa poderia
ser exercida sobre a natureza humana definida dessa maneira. Essa visão não corresponde à
realidade dos fatos, porque o ser humano se constitui progressivamente, ao longo da história,
que vai do nascimento até a maturidade moral e intelectual. Na visão da filosofia clássica da
educação, o educador não teria grande coisa a acrescentar à obra da natureza; a tarefa do
educador seria a de conservar as virtudes existentes no ser humano. Nesse caso, as condições
de tempo, local e condições sociais não teriam interesse nenhum para a pedagogia. O que
interessa é saber quais são as faculdades nativas e a sua natureza. Ora, a ciência, cujo objeto
explica o homem individual, é a psicologia. Nesse sentido, a psicologia daria conta de resolver
os problemas encontrados pela pedagogia.
Essa concepção de educação contradiz a realidade histórica, visto que essa visão nunca
foi colocada em prática por nenhum povo (DURKHEIM, 1995, p. 94). Não existe uma educação
que seja universal e válida para todo o gênero humano; também não há sociedade em que os
sistemas pedagógicos diferentes não coexistam. Hoje, a educação varia segundo as classes
sociais e os hábitos culturais. A educação do campo não é a mesma educação que se oferece
na cidade.
É bem verdade que cada classe social constitui o seu meio sui generis e exige atitudes
particulares, onde devem existir idéias, usos e costumes que se diferenciam de uma classe a
outra classe social. A educação especial não é organizada com fins individuais. Ela desenvolve,
na criança, atitudes particulares que são imanentes à criança. Se a educação não visa a fins
individuais é porque a sociedade tem necessidade que o trabalho seja dividido entre os seus
membros e que essa divisão do trabalho deve obedecer aos interesses de classe, como diria
Marx. É assim que nas sociedades desenvolvidas existem homens, cuja tarefa é exclusivamente
pensar e há homens que se dedicam somente à ação ou ao trabalho manual. A sociedade cria
agentes sociais que se dedicam exclusivamente ao progresso da ciência.
Na verdade, todos os sistemas educacionais que conhecemos historicamente são ligados
a sistemas sociais determinados. Assim, cada povo tem o seu sistema educacional e é, a partir
dele, que nós podemos definir a organização moral, política e religiosa de uma determinada
sociedade. Isso é um dos elementos da própria morfologia social. É por essa razão que a
educação varia de uma sociedade à outra e isso explica porque temos tipos de educação que
habitua o indivíduo a colocar a sua personalidade nas mãos do Estado e há outras em que a

Antonio Paulino de Sousa


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educação busca fazer do indivíduo um sujeito autônomo. Se existe essa variação é também
porque se criam novas necessidades, em função de interesses particulares ou de classe.
A educação mudou completamente a sua natureza. A transformação da educação começa,
verdadeiramente, quando ela se torna um serviço público. É quando, não somente na França,
mas em toda a Europa ela é colocada sob o controle e direção do Estado. Se o Estado passa a
assumir a educação como um serviço público, é porque existe um interesse a ser defendido. É a
sociedade que educa e cria um modelo que o educador deve reproduzir, mas a sociedade constrói
seus modelos, em função das necessidades sociais (DURKHEIM, 1995, p.100). O homem que
a educação faz em nós não é o homem tal qual a natureza fez, mas o homem que a sociedade
quer e que a economia exige. No passado, a coragem era um elemento fundamental, com todas
as faculdades que implicavam na virtude militar. Nos dias atuais, é o pensamento, a reflexão, a
sensibilidade e a arte que são os elementos fundamentais da cultura moderna. Assim, tanto no
passado quanto no presente, o nosso ideal pedagógico é obra da sociedade.
A educação é o meio através do qual a sociedade transforma constantemente as suas
condições de existência. A educação assegura diversidade necessária a uma convivência social
e a especialização dos indivíduos.
Existe um rito que nós podemos encontrar em todos os tipos de sociedades. Trata-se do
rito de iniciação. Ela acontece quando uma etapa da educação termina; quando ela termina, é um
período em que a geração adulta conclui a formação do jovem, mostrando as crenças fundamentais
e os ritos mais sagrados da tribo. À medida que a instrução se completa, o jovem assume um papel
no seio da sociedade; ele se torna um homem e um cidadão. A iniciação é considerada como um
segundo nascimento e o novo homem que foi criado é o ser social; a educação atende, então, às
necessidades sociais. Existem sociedades nas quais certas qualidades não são cultivadas e que
foram entendidas de formas diferentes por diversas sociedades.
Assim, não podemos acreditar que a indiferença, em relação ao saber, tenha sido
artificialmente imposta aos homens e que sua natureza tenha sido violentada. O indivíduo, por
ele mesmo, não tem nenhum desejo pela ciência, simplesmente porque a sociedade da qual ele
faz parte não sente nenhuma necessidade. Nesse caso, para viver, os indivíduos necessitam
apenas de tradição forte e de respeito. Ora, a tradição não desperta o pensamento e a reflexão.
(DURKHEIM, 1995, p. 105).
Podemos notar, então, que somente a psicologia é insuficiente para explicar e contribuir
com a pedagogia no processo de aprendizagem. Isso se deve ao fato de que é a sociedade que
delimita um ideal a ser realizado pelo indivíduo, através da educação. Se o ideal pedagógico se
exprime por meio das necessidades sociais, esse ideal só pode se realizar através do indivíduo.
Para que o ideal não seja apenas uma concepção do espírito, é preciso encontrar um meio para
conformar o ideal da sociedade à consciência da criança. Por sua vez, a consciência tem as suas
leis próprias, que é necessário conhecê-las para poder agir mais eficazmente na consciência
das crianças. Nesse caso, a psicologia reassume o seu papel e importância para a análise da
sensibilidade moral das crianças e dos seus desejos. A psicologia contribui, à medida que ela
indica a melhor maneira de educar as crianças.
Quanto à sociologia da educação, ela deve ajudar na análise das instituições pedagógicas
e sua relação com outras instituições, como a família e o Estado. À medida que nós conhecemos
a sociedade, poderemos compreender o que se passa no microcosmo social que é a escola. A
transformação de sistemas educacionais sempre aconteceu, por influência dos grupos sociais
que fizeram sentir suas ações, na sociedade, de modo geral. As transformações profundas
de uma sociedade exigem sempre uma modificação correspondente no sistema de educação
nacional. Assim, a educação, sob todos os seus aspectos, atende a necessidades sociais. O
estudo da sociedade é indispensável e é, nos resultados das pesquisas dos sociólogos, que a
pedagogia encontra o princípio de suas especulações.

Disciplina de Sociologia da Educação


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O papel da sociologia da educação não é de ensinar as técnicas da profissão do pedagogo,
porque isso eles aprendem, através da prática de ensino. O papel da sociologia é fazer com que
o pedagogo analise os problemas do ensino, com o método sociológico. É necessário então
pensar sobre a profissão de educador e explicar a razão dos métodos que são utilizados e
contribuir para a utilização consciente desses métodos.
A sociologia nos ajuda a pensar a relação ensino fundamental e médio. No ensino médio a
relação é mais complexa do que no ensino fundamental. No ensino fundamental, em princípio, a
unidade do ensino se deve ao fato de que a classe se encontra nas mãos de um único professor.
No ensino médio, é diferente, porque o ensino é dispensado por professores diferentes. Isso
exige uma divisão do trabalho pedagógico.
Devemos nos adaptar à sociedade, para que ela encontre o seu equilíbrio. No entanto, Mozart
e Beethovem, Rousseau e Nietzsche, Van Gogh e Gauguin foram pessoas que não se adaptaram.
Assim, a integração social é uma norma que se deve discutir, pois cada sociedade comporta uma
parte de fanatismo. Devemos adaptar as crianças a uma sociedade racista? Esse tipo de educação
é nocivo à sociedade. A educação deve preparar a criança para viver na sociedade, levando em
consideração a sua complexidade e sua evolução. (REBOUL, 2006, p. 24).

Para saber mais:

http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=243

http://pt.shvoong.com/social-sciences/education/1650797-emile-durkheim-criador-da sociologia/

http://sociologiadaeducacao.blogspot.com/2006/03/texto-5-durhkeim-e-educao-para.html

Questões:

1 Qual é o significado da educação em Durkheim?

2 Qual é a natureza e o papel da Educação?

3 Qual é o papel do Estado no processo educacional?

4 Qual é a finalidade da Educação para Durkheim?

5 Estabeleça a relação entre pedagogia e sociologia.

Antonio Paulino de Sousa


3
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CAPÍTULO

EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO
SOCIAL
Na concepção de Bourdieu, a sociologia da educação consegue criar o seu objeto, à medida
que se configura como uma ciência das relações entre a reprodução cultural e a reprodução
social. A questão fundamental para a sociologia da educação é saber qual é a contribuição que o
sistema de ensino oferece, no processo de reprodução da estrutura das relações de dominação e
das relações simbólicas entre as classes sociais. Esses aspectos têm como efeito a reprodução
da estrutura da distribuição do capital cultural entre as classes sociais. O que o sociólogo quer
compreender, também, é a conexão entre o êxito escolar das crianças e a posição social das
suas famílias.
Colocar o problema nesses termos nos leva a opor-nos, radicalmente, ao modo de pensar
essencialista que se limitar a considerar apenas os elementos que podem ser detectados pelo
senso comum. Isso significa que não se leva em consideração a estrutura social de relação
de onde o indivíduo recebe todas as suas determinações mais pertinentes e faz a descrição,
baseando-se no processo de mobilização, cuja tendência é assegurar a reprodução da estrutura
das relações entre as classes sociais.
É bem verdade que

[...] tal pensamento ignora que a mobilidade controlada de uma categoria limitada de
indivíduos cuidadosamente selecionados e modificados pela e para a ascensão individual,
não é incompatível com a permanência estrutural podendo até mesmo contribuir, através
da única mobilidade concebível em sociedades que se pretendem democráticas, para a
estabilidade social e, por esta via, para a perpetuação da estrutura de relações de classe
(BOURDIEU, 2001, p. 295-296).

A sociologia da educação de Bourdieu toma, como objeto, o processo de educação, a


partir da produção do sistema de disposições que é o habitus. Na verdade, o habitus é uma
mediação entre as estruturas sociais e as práticas sociais. Nesse sentido, é necessário conhecer
as leis que contribuem para o processo de reprodução de agentes dotados de um sistema de
disposições que produzem práticas adaptadas à estrutura social e, consequentemente, reproduz
as relações de força e de dominação.

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A compreensão da dinâmica da estrutura das relações sociais de classe pode ser
viabilizada pela sociologia das instituições de ensino. O problema da transmissão do poder e dos
privilégios é, perfeitamente, dissimulado pelo sistema de ensino que contribui para a reprodução
das estruturas sociais. Ora, ao mesmo tempo o sistema educacional se encarrega de cumprir
essa função social e o faz sob a aparência da neutralidade.
É preciso observar que o sistema de ensino foi definido por Durkheim como um conjunto
de mecanismos institucionais e habituais que possibilitam a conservação de uma cultura herdada
do passado. O que está em jogo é a transmissão entre as gerações de informações acumuladas
e esse elemento cria condições para que as teorias clássicas dissociem a função da reprodução
da cultura, que é tarefa do sistema de ensino, de sua função social. Nas sociedades divididas
em classes, não há harmonia entre a transmissão do patrimônio cultural e a reprodução social.
A cultura escolar é um dos elementos que determina a posição que o indivíduo pode ocupar na
estrutura social. Isso confirma o caráter social e política da educação. Cada sistema de governo
possui uma concepção de educação que é adaptada aos seus interesses e privilégios.
É através da estatística de frequência ao museu e ao teatro que se pode entender melhor
o fato de que os bens culturais acumulados e transmitidos pelas gerações anteriores pertencem
aos que possuem os meios intelectuais para se apropriarem dos bens culturais. Isso porque a
cultura exige códigos que nos permitam decifrá-los. Assim, a apropriação dos bens culturais
exige instrumentos específicos de apropriação dos mesmos. Dessa forma,

[...] o livre jogo das leis da transmissão cultural faz com que o capital cultural retorne às
mãos do capital cultural e, com isso, encontra-se reproduzida a estrutura de distribuição
dos instrumentos de apropriação dos bens simbólicos que uma formação social seleciona
como dignos de serem desejados e possuídos. (BOURDIEU, 2001, p. 297)

A observação da estrutura das classes sociais é fundamental para se compreender a


estrutura de distribuição, segundo a hierarquia do capital econômico e do poder. As classes
sociais podem ser classificadas da seguinte maneira:
1) Posição inferior: posição ocupada por profissões agrícolas, operárias e pequenos
comerciantes. Essas categorias sociais são excluídas da participação dos bens
culturais.
2) Posição média: posição ocupada por são funcionários públicos, empresários de
indústria e comerciantes, os técnicos de nível médio.
3) Posição superior: posição ocupada pelos grandes administradores, diretores e pelas
profissões liberais.
É importante notar que, quando se medem as práticas culturais que exigem uma disposição
cultivada como a leitura, a frequência ao teatro, a concertos etc., observa-se a mesma estrutura
de distribuição dos hábitos culturais. A estatística da aquisição de livros mostra que os pequenos
patrões e comerciantes possuem uma prática cultural próxima às dos operários. A frequência a
museus é quase, exclusivamente, uma prática das classes privilegiadas. Essas relações e outras
variáveis nos permitem afirmar que a relação com os bens culturais se resume sempre a uma
relação entre o nível de instrução e a frequência aos mesmos.
Bourdieu nos diz que o domínio dos códigos das obras de cultura erudita não é
completamente adquirido pelo aprendizado cotidiano. É preciso que haja um método de ensino
e uma instituição montada exclusivamente para esse fim.

Como o rendimento da comunicação pedagógica, responsável pela transmissão do


código das obras de cultura erudita, é função da competência cultural que o receptor
deve à educação familiar, o êxito da transmissão vai depender do grau de proximidade do
código familiar junto à cultura erudita que a escola transmite e dos modelos lingüísticos e
culturais segundo os quais se efetua tal transmissão. (BOURDIEU, 2001, p. 304).

Antonio Paulino de Sousa


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Esse é um elemento fundamental que mostra a dificuldade para se romper o círculo que
possibilita o retorno do capital cultural ao capital cultural. A distribuição do capital cultural entre as
diversas classes sociais é mais amplamente reproduzida, quando o sistema de ensino, quando a
cultura que é transmitida se encontra mais próxima da cultura dominante e, sobretudo, à medida
que o modo de transmissão ao qual o sistema de ensino recorre não é distante do modo de
inculcação familiar. Isso significa que a apropriação da cultura, que é proposta pelo sistema de
ensino, depende fundamentalmente da posse prévia dos instrumentos de apropriação e esses
instrumentos são distribuídos de forma desigual entre as crianças.
A competência linguística e cultural é um fator determinante para o êxito da comunicação
pedagógica. A relação de intimidade com a cultura e com os instrumentos de apropriação da
cultura é transmitida pela educação familiar quando essa se responsabiliza pela transmissão
da cultura dominante. Nesse sentido, tudo depende da distância entre a competência
linguística e a cultura que é inculcada pela primeira educação nas mais variadas classes
sociais.
Na verdade, o sistema de disposições, em relação à escola, é resultado de um longo
processo de interiorização que se efetiva na socialização primária. As disposições negativas
em relação à escola podem levar as crianças das classes menos favorecidas, do ponto de vista
cultural, a uma auto-eliminação. Isso acontece por meio da depreciação de si mesmo e pela
desvalorização da escola e de suas sanções.

As frações mais ricas em capital cultural são propensas a investir mais na educação de
seus filhos e, ao mesmo tempo, em práticas culturais propícias a manter e aumentar
sua raridade específica. As frações mais ricas em capital econômico dão primazia
aos investimentos econômicos em lugar de investimentos culturais e educativos [...]
(BOURDIEU, 2001, p. 324).

3.1 A Escola como Fator de Conservação Social

O sistema escolar é considerado por muitos autores como um fator de mobilidade social.
Tudo nos leva a pensar que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, à medida
que ele não só legitima as desigualdades sociais frente à cultura, mas também sanciona a
herança cultural, quando a considera como um dom natural.
As oportunidades de acesso ao ensino superior é o resultado de um processo de seleção,
direta ou indireta, que possui um peso desigual sobre os indivíduos de diferentes classes
sociais. Observa-se, então, que um jovem da camada superior tem mais chances de acesso à
universidade do que um jovem filho de operário.
A análise do acesso ao ensino superior nos mostra que o processo de eliminação dos
alunos das classes populares age durante todo o percurso escolar e culmina com o não acesso
ao ensino superior. É necessário se dar conta, também, dos mecanismos que determinam
a eliminação contínua das crianças das classes populares. O privilégio diante da cultura se
percebe bem na ajuda escolar, no ensino suplementar, no acesso às informações do sistema
de ensino e nas perspectivas profissionais que se apresentam para as crianças oriundas das
classes dominantes.
Além disso, cada família transmite aos seus filhos um certo capital cultural e um sistema
de valores culturais implícitos e profundamente interiorizados e isso contribui no processo de
constituição de atitudes face ao capital cultural e também face à instituição escolar. Assim, a
herança cultural, segundo as classes sociais, é responsável pela diferença inicial das crianças,
diante da cultura, da escola, sobretudo pela diferença no êxito escolar.

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A apreensão da influência do capital cultural só é possível quando se relaciona o nível
cultural global da família e o êxito escolar da criança. Nesse sentido, Marx nos diz que “[...] a
verdadeira riqueza intelectual do indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações
reais” (MARX, 2002, p. 34). Isso nos permite concluir que a influência da família sobre o êxito
escolar da criança é especialmente cultural. Assim, não é somente o diploma obtido pelos pais
que é importante para o êxito escolar, mas, sobretudo, a relação que o grupo familiar mantém
com a cultura, no sentido global.

O capital cultural e o ethos, ao se combinarem, concorrem para definir as condutas


escolares e as atitudes diante da escola, que constituem o princípio de eliminação
diferencial das crianças das diferentes classes sociais. Ainda que o êxito escolar,
diferentemente ligado ao capital cultural legado pelo meio familiar, desempenhe um
papel na escolha da orientação, parece que o determinante principal do prosseguimento
dos estudos seja a atitude da família a respeito da escola, ela mesma, função (...) das
esperanças objetivas de êxito escolar encontrados em cada categoria social (BOURDIEU,
2007, p.50).

Uma avaliação da transmissão do capital cultural pelos pais deve levar em conta, não
somente o nível cultural do pai e mãe, mas também o nível cultural dos avós paterno e materno.
Além disso, a sociologia deve levar em conta o local da residência, pois o mesmo está relacionado
com uma categoria socioprofissional e também a vantagens e desvantagens culturais, cujo
efeito pode ser percebido em todas as práticas e conhecimentos culturais. O nível cultural dos
antepassados da primeira e da segunda geração permite explicar as diversas variações, no que
diz respeito ao êxito escolar.
Bourdieu (2007, p.45) nos diz que

As crianças oriundas dos meios mais favorecidos não devem ao seu meio somente os
hábitos e treinamento diretamente utilizáveis nas tarefas escolares, e a vantagem mais
importante não é aquela que retiram da ajuda direta que seus pais lhes possam dar. Elas
herdam também saberes (...), gostos e um bom gosto, cuja rentabilidade escolar é tanto
maior quanto mais freqüentemente esses imponderáveis da atitude são atribuídos ao
dom.(...) Mas é particularmente notável que a diferença entre os estudantes oriundos de
meios diferentes seja tanto mais marcada quanto mais se afasta de domínios diretamente
controlados pela escola.

O êxito escolar está muito relacionado com a aptidão para a utilização da língua escolar.
Na verdade, a língua materna das crianças das classes cultas é muito próxima da língua escolar.
A língua escrita e falada é um dos principais obstáculos culturais, porque esses dois elementos
constituem o ponto central na avaliação dos professores. A influência do meio social e lingístico
de origem não deixa nunca de exercer uma grande influência em todos os níveis de aprendizado.
Assim, as atitudes diante da língua e da cultura escolar são expressões de um sistema de valores
que os indivíduos devem à sua posição social.
Como nos diz Bourdieu (2007, p.48),

Diferentemente das crianças oriundas das classes populares, que são duplamente
prejudicadas no que respeita à facilidade de assimilar a cultura e a propensão para adquiri-
la, as crianças das classes médias devem à sua família não só os encorajamentos e
exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de ascensão social e de aspiração
ao êxito na escola e pela escola, que lhes permite compensar a privação cultural com a
aspiração fervorosa à aquisição de cultura.
De maneira geral, as oportunidades objetivas de ascensão social pela escola condicionam
as atitudes frente à escola. As oportunidades objetivas são intuitivamente apreendidas e

Antonio Paulino de Sousa


35
interiorizadas pelas classes dominantes e isso implica em chegar à escola e aderir a seus valores
e às suas normas e nela obter êxito escolar e profissional. As oportunidades objetivas podem
ser transformadas em chances para alguns membros da classe dominante ou desesperanças
subjetivas.
A maior parte das críticas dirigidas ao sistema universitário procura não levar em conta
as desigualdades frente ao sistema escolar e isso se deve ao apego a uma definição social
de equidade nas oportunidades de acesso à escolarização. No entanto, as desigualdades
socialmente condicionadas diante da escola e da cultura nos levam a concluir que a equidade
formal é injusta de fato, porque que ela protege melhor os privilegiados do que a transmissão
ampla dos privilégios. Em outras palavras, o fato de o sistema escolar tratar todos os alunos
como iguais em direitos e deveres o leva a sancionar as desigualdades iniciais diante da escola
e da cultura.
A prática pedagógica se baseia nessa igualdade formal e isso serve para mascarar e
justificar a indiferença, no que diz respeito às desigualdades sociais reais, diante da cultura que
deve ser transmitida. Nessa perspectiva, a pedagogia praticada no ensino médio e superior é
uma pedagogia para despertar o aluno. “Mas o fato é que a tradição pedagógica só se dirige, por
trás das idéias inquestionáveis de igualdade e de universalidade, aos educandos que estão no
caso particular de deter uma herança cultural, de acordo com as exigências culturais da escola”.
(BOURDIEU, 2007, p.53)
Na verdade, a cultura da elite é bem próxima da cultura escolar. Isso significa que as
crianças das classes populares só podem adquirir penosamente o que é herdado pelos filhos
das classes cultivadas. O que esses últimos herdam é o estilo, o bom-gosto e o talento. Trata-
se de atitudes e aptidões que aparecem como naturais e são, na verdade, a cultura da classe
dominante.

Não recebendo de suas famílias nada que lhes possa servir em sua atividade escolar, a não
ser uma espécie de boa vontade cultural vazia, os filhos das classes médias são forçados
a tudo esperar e a tudo receber da escola, e sujeitos, ainda por cima, a ser repreendidos
pela escola por suas condutas por demais escolares (BOURDIEU, 2007, p. 55).

É uma cultura aristocrática que o sistema de ensino transmite e exige dos seus educandos.
Isso é bem exemplificado pela relação que os professores estabelecem com a linguagem. A
linguagem é a parte mais atuante, no processo de transmissão de um sistema de valores. Isso
porque, enquanto síntese, a linguagem oferece um sistema de posturas mentais. A linguagem
universitária é bem diferente da língua falada por diferentes classes sociais. Nesse sentido, não
podemos considerar que existem educandos iguais em direitos e em deveres, diante da língua
universitária e também frente ao uso universitário que se faz da língua. É preciso dizer que,
além do léxico e da sintaxe, as crianças herdam igualmente uma atitude mental em relação às
palavras e aos usos possíveis das palavras. O gosto pelas palavras cria condições favoráveis
para o jogo escolar com as palavras.
O que está em jogo nas relações com a linguagem é o significado e a importância que
as classes cultas conferem, não somente ao saber erudito, mas também à instituição que tem o
papel de inculcar e transmitir os valores culturais. A instituição escolar tem a função de conservar
os valores que fundamentam a constituição da ordem social.

O sucesso excepcional de alguns indivíduos que escapam ao destino coletivo dá uma


aparência de legitimidade à seleção escolar, e dá crédito ao mito da escola libertadora
junto àqueles indivíduos que ela eliminou, fazendo crer que o sucesso é uma simples
questão de trabalho e de dons.[...]. Assim, o sistema escolar pode, por sua lógica
própria, servir à perpetuação dos privilégios culturais sem que os privilégios tenham de

Disciplina de Sociologia da Educação


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

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se servir dele. Conferindo às desigualdades culturais uma sanção formalmente conforme
aos ideais democráticos, ele fornece a melhor justificativa para essas desigualdades
(BOURDIEU, 2007, p. 59).

Percebe-se, então, que as necessidades culturais são produtos da educação. Nesse caso,
as desigualdades, face à cultura erudita, são um dos aspectos e um dos efeitos das desigualdades
frente à escola. Isso significa que a família exerce um papel determinante, no que diz respeito ao
gosto pela cultura erudita. Porém, somente uma instituição, que tem por função a transmissão
dos valores culturais de uma sociedade, poderia compensar as desvantagens daqueles que não
encontram, no meio familiar, um incentivo à prática cultural.

3.2 As Estratégias de Reprodução e a Luta de Classe

O agente social toma as suas decisões mais importantes, em função de um lucro possível
que pode ser assegurado pelos diferentes mercados. Isso significa que as práticas de uma
determinada classe de agentes sociais dependem das chances ligadas à classe social, isto é,
da relação entre a estrutura objetiva e a estrutura de distribuição dos diferentes tipos de capitais
(capital econômico, capital cultural, capital social) e isso supõe a apropriação das chances. É
assim que o êxito escolar funciona: como um estímulo que permite redobrar a propensão a
investir na escola e reforçar a adesão dos pais e alunos à autoridade da instituição escolar.
As práticas sociais “são o resultado desse encontro entre um agente predisposto e prevenido,
e um mundo presumido, isto é, pressentido e prejulgado, o único que lhe é dado conhecer.”
(BOURDIEU, 2007, p.111)
A propensão das famílias a investir dinheiro, esforços e esperanças no sistema escolar é
uma estratégia que tende a reproduzir a relação objetiva entre a classe dos agentes em questão
e a instituição escolar. Nesse caso, as avaliações positivas ou negativas da instituição escolar
reforçam a ideologia de que é natural e normal que o acesso aos diplomas seja reservado aos
que têm uma relação estreita com a cultura letrada. É justamente a história da relação prática
que o indivíduo tem com a instituição escolar que comanda o êxito ou fracasso escolar.
As práticas sociais de todos os agentes da mesma classe têm uma mesma afinidade de estilo
e isso se deve ao fato de que eles são produtos de transferências de esquemas de percepções,
pensamentos e ações. De fato, o habitus é a raiz comum de práticas objetivas e é ele que deposita
em cada indivíduo os esquemas mentais, tanto de pensamento, quanto de ação.

O habitus, isto é, o organismo do qual o grupo se apropriou e que é apropriado ao grupo,


funciona como o suporte material da memória coletiva: instrumento de um grupo, tende
a reproduzir nos sucessores o que foi adquirido pelos predecessores, ou, simplesmente,
os predecessores nos sucessores. A hereditariedade social dos caracteres adquiridos,
assegurada por ele, oferece ao grupo um dos meios mais eficazes para perpetuar-se,
salvaguardar sua maneira distintiva de existir. (BOURDIEU, 2007, p. 113).

Os patrões da indústria e do comercio possuem outros meios e outras vias para obter êxito
na vida profissional. Eles não dependem diretamente da sanção escolar e por isso investem
menos interesse e trabalho nos estudos, nos diz Bourdieu. Isso significa dizer que a propensão
para investir no sistema escolar depende do êxito atual e também da posição que a classe
ocupou no passado na estrutura da distribuição do capital cultural. Assim, o interesse que um
agente tem, para se dedicar aos estudos, depende do grau de relação com o capital cultural e do
grau de dependência do êxito social em relação ao êxito escolar.
É preciso observar que a escola ocupa uma posição cada vez mais importante no sistema
capitalista e isso porque o aparelho econômico se desenvolve e ganha uma complexidade
cada vez maior. Podemos notar que, nos modos de produção mais antigos, a quantidade de
Antonio Paulino de Sousa
37
capital cultural que estava incorporado nas máquinas e nos agentes era bem menor ao capital
incorporado nas máquinas modernas.
Em um modo de produção em que o capital cultural incorporado nas máquinas e os
mecanismos que fazem a máquina funcionar, o sistema de ensino torna-se a instituição mais
importante na produção de agentes dotados de um capital cultural elevado. É por essa razão que
a sociedade atual é definida por Manuel Castells como uma sociedade informacional. O sistema
de ensino exerce um papel determinante, não somente no processo de formação de uma força
de trabalho qualificada, mas também nas funções de reprodução da posição social dos agentes
sociais e de sua classe.
Devemos observar que o sistema de ensino e o sistema econômico obedecem a lógicas
diferentes. Na verdade, existe uma tensão estrutural entre o sistema de ensino e o aparelho
econômico. O interesse que o sistema econômico tem para comprar a força de trabalho tende
a levar a reduzir, ao mínimo, a autonomia do sistema de ensino, à medida que o coloca em
uma relação de dependência direta com a economia. O sistema de ensino é, não somente um
aparelho produtor de indivíduos competentes, mas também um aparelho jurídico que garante a
competência. A propriedade do diploma é adquirida de uma só vez pelo indivíduo e o acompanha
durante toda a sua existência.
É justamente pelo fato de que o sistema de ensino exerce um papel determinante na
estrutura das relações de força que ele se constitui em um objeto de lutas políticas. Nesse
sentido, o grande interesse do capital econômico é de suprimir o diploma e seu fundamento.
Isso significa limitar a autonomia do sistema de ensino. O capital econômico não se interessa
pelos diplomas que conferem aos indivíduos uma liberdade em relação ao sistema econômico.
O sonho patronal é que a escola seja confundida com a empresa. Eles querem uma escola de
casa, ou seja, uma escola corporativa. O sistema de ensino está interessado em defender a
autonomia e o valor que é dado pelo sistema escolar ao diploma.

O poder conferido por um diploma não é pessoal, mas coletivo, uma vez que não se
pode contestar o poder legítimo (os direitos) conferido por um diploma ao portador, sem
contestar, ao mesmo tempo, o poder de todos os portadores de diplomas e a autoridade do
sistema de ensino que lhe dá garantia. De fato, a força do diploma não se mede pela força
de subversão (...) de seus detentores, mas pelo capital social de que são providos e que
acumulam em decorrência da distinção que os constitui objetivamente como grupo e pode
servir também de base para agrupamentos intencionais [...] (BOURDIEU, 2007, p. 136).

A grande contradição patronal cria instituições privadas para se opor ao sistema de


ensino do setor público. As instituições de ensino, que são financiadas e controladas pelo capital
econômico, possuem uma autonomia muito fraca. Eles são elementos determinantes na luta
entre as classes e as frações de classe que estão interessadas em defender o valor do diploma
e autonomia da escola.
As divisões entre as classes e o sistema de classificações que criam condições para a
reprodução dos grupos sociais são produtos das relações de força. Nesse sentido, o sistema
de ensino tem um papel determinante nos conflitos ou negociações individuais ou coletivas que
acontecem entre os donos do capital e os detentores da força de trabalho. O sistema de ensino
vai definir o cargo e as condições de acesso ao cargo e também o nome do cargo ou a posição
na estrutura das relações de produção.
Essa luta pela classificação, pela definição do cargo e a remuneração são institucionalizadas
nas instâncias de negociação coletiva que são produzidas, no momento das convenções coletivas
que legalizam a relação de força entre as classes envolvidas no processo de classificação. É o
sistema de ensino que introduz todas as profissões no universo do certificado escolar. A luta pela
classificação é uma dimensão da luta de classes.

Disciplina de Sociologia da Educação


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38

Para saber mais:

http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.htm

http://sociology.berkeley.edu/faculty/wacquant/wacquant/ESCLARECEROHABITUS.pdf

http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/676_924.pdf

Questões:

1 Estabeleça a relação entre êxito escolar e a posição social do aluno.

2 Para Bourdieu, qual é o problema fundamental da Sociologia da Educação?

3 O que é Habitus?

4 A escola é uma instituição de conservação social? Justifique sua resposta.

5 Fale sobre as estratégias de reprodução e a luta de classe.

Antonio Paulino de Sousa


A SOCIOLOGIA DAS DESIGUALDADES
DE CHANCES DE ACESSO À ESCOLA
4
39

CAPÍTULO
Uma das tarefas fundamentais das ciências sociais é, sem dúvida, a de desmascarar as
falsas evidências do pensamento espontâneo, nos diz Raymond Bourdon, no prefácio do seu
livro “As desigualdades de chances” (l’inégalité des chances) (BOUDON, 1979, p.9 ).
É a partir de meados dos anos 60 que alguns sociólogos começaram a denunciar as
desigualdades de acesso à educação, como a causa principal da herança social, do imobilismo
social entre as gerações e da reprodução social das classes. Essas análises colocam a escola
como o local da formação das desigualdades sociais.
Raymond Boudon constrói um modelo para explicar as desigualdades de chances
escolares e as desigualdades de chances sociais. Ele demonstra que a igualdade de chances
diante da escola pode, até certo ponto, conduzir a um aumento da mobilidade social e que
o níveo de instrução pode ter uma influência muito fraca sobre a mobilidade do indivíduo em
relação à sua família de origem.
Os estudos sobre a mobilidade social demonstraram que as probabilidades de ascensão
ou descendente, entre uma geração e outra, muda muito pouco no tempo e no espaço. Assim, as
desigualdades de chances diante do sistema escolar tornaram-se um grande problema nos anos
60. O desejo dos sociólogos era mostrar os efeitos positivos das políticas do bem-estar social
sobre a mobilidade social.
Ele acrescenta que a democratização da escola, a partir do final dos anos 50, não produziu
resultados importantes em relação à igualdades de chances, diante do emprego e da vida sócio-
profissional. Uma redução das desigualdades de chances deveria ser acompanhada de uma
redução da herança social. As sociedades industriais são caracterizadas por uma redução lenta
das desigualdades de chances, diante do ensino (BOUDON, 1979, p.16).
O fato é que o capital cultural transmitido à criança pela sua família predetermina o capital
escolar, ou seja, o nível de instrução que ele será capaz de adquirir e isso vai determinar o
status sócio-profissional. Isso significa que a profissão do pai ou da mãe prefigura a posição
social do filho. No entanto, não podermos considerar que tenha uma conexão mecânica entre
as desigualdades de chances escolares e o níveo de herança social. Não podemos esquecer
que a herança social que podemos observar, em uma sociedade, é uma consequência complexa

Disciplina de Sociologia da Educação


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40
de um conjunto de variáveis que compõem um sistema social. Isso significa que, por exemplo,
uma política pública eficaz não conseguiria reduzir brutalmente as desigualdades de chances
escolares. Isso só será possível, caso se eleve o nível escolar das classes populares, em relação
à classe dominante.
Tendo em vista a estrutura piramidal da estrutura social e que as classes populares são
mais numerosas do que a classe dominante, a diminuição das desigualdades entre as classes
deve ser acompanhada necessariamente de um aumento dos efetivos que devem chegar a um
nível escolar mais elevado. Isso corresponde dizer que diminui a distribuição de competências
e a distribuição das posições sociais. Mas a redução das desigualdades sociais, diante da
escola, não implica necessariamente em uma diminuição da herança social. O senso comum
assegura que uma redução das desigualdades de chances diante do sistema escolar conduz a
uma diminuição da herança social. Podemos explicar facilmente que “a igualdades de chances
escolares aumentou regularmente sem trazer consequências positivas nem no nível da herança
social nem sobre a igualdade de distribuição da renda” (BOUDON, 1979, p. 23).
Podemos observar que há dois temas importantes para sociologia da educação
contemporânea:
a) As desigualdades de chances diante do sistema de ensino, em função das origens
sociais e das probabilidades de acesso aos diferentes níveis de ensino. Claro que,
mais particularmente, a acesso aos níveis mais elevados na Universidade.
b) A mobilidade ou imobilidade social em função das origens sociais. Trata-se de analisar
as probabilidades de acesso às diferentes profissões.
As desigualdades de chances diante do ensino é um dos determinantes principais da
imobilidade social. É necessário partir do princípio de que o problema da mobilidade social é
resultado de um conjunto complexo de determinantes, cujas ações não podem ser compreendidas
isoladamente uma das outras, porque elas são concebidas como um sistema.

4.1 A Escola enquanto Mecanismo Corretor das Desigualdades

A sociologia aderiu, durante muito tempo, à idéia segundo a qual o desenvolvimento da


escolarização relativa à expansão das sociedades industriais deveria ser seguido de um aumento
da igualdade de chances,diante do ensino e a sociedade. Na verdade, a partir do momento em
que as pesquisas começaram, constatou-se que a persistência das desigualdades de chances
escolares, nas sociedades industriais, persistiu. A escola aparece como uma instituição incapaz
de corrigir as desigualdades de chances relativas ao nascimento. A observação mostrou que
não há um efeito mecânico entre o desenvolvimento industrial e a mobilidade social. Não há,
portanto, um efeito mecânico do desenvolvimento do sistema escolar sobre a igualdade de
chances escolares e consequentemente sobre a mobilidade social. Isso provocou uma crise
na sociologia da mobilidade social, mais precisamente, na sociologia das desigualdades de
chances. (BOUDON, 1979, p.33)
No que diz respeito à mobilidade social, havia também uma proposição que era aceita
sem discussão, isto é, via-se no aumento da mobilidade uma consequência necessária do
desenvolvimento das sociedades industriais. O raciocínio consistia em afirmar que as sociedades
tradicionais eram caracterizadas pela homogeneidade entre as estruturas familiares e as
estruturas econômicas e sociais, como resultado o status da família, é o determinante principal
do status social. No caso das sociedades industriais, é justamente o contrário: o status social do
indivíduo não lhe é imposto, mas sim adquirido pelo indivíduo. No entanto, o desenvolvimento
das sociedades industriais conduz também a uma dependência cada vez maior do status social
em relação às competências adquiridas. A mobilidade social é maior nos países desenvolvidos
comparativamente aos países subdesenvolvidos.

Antonio Paulino de Sousa


41
As pesquisas mostram que a mobilidade social é maior nas sociedades industriais. No
entanto, a evolução da mobilidade é menos evidente, quando nos situamos no interior das
sociedades industriais. O índice utilizado é a herança social. Quanto maior é a herança, maiores
são as chances de ocupar o mesmo cargo que o pai ocupa ou um cargo similar. Reciprocamente,
quanto menor é a herança social, menores são as chances de ocupar um cargo elevado.
(BOURDON, 1979, p.30-31).
As diversas pesquisas conduzem a considerar que, entre as diversas formas de
desigualdades sociais, as desigualdades de chances aparecem como as mais refratárias às
transformações e mais insensíveis ao desenvolvimento das sociedades industriais. Para
Raymond Boudon, as sociedades industriais praticamente eliminaram as desigualdades jurídicas
e políticas formais. É bem verdade que as desigualdades econômicas existem, mas elas vão se
atenuando ao longo do tempo. Isso não significa que as sociedades industriais liberais tenham
uma tendência à diminuição das desigualdades econômicas.
As desigualdades de chances escolares e sócio-profissionais são, então, a única (com as
desigualdades econômicas) forma de desigualdade que não parece ser afetado sensivelmente
pelo desenvolvimento das sociedades industriais. Nessas sociedades, um filho de operário terá
um nível de vida superior ao de seu pai. No entanto, as chances de acesso ao ensino superior,
em relação ao filho de um profissional liberal, não são mais elevados do que as chances da
geração de seu pai. (BOUDON, 1979, p.35)
A mobilidade deve ser concebida como um resultado complexo de filtragem dos indivíduos
por uma instância de orientação. Esse ponto de vista é o resultado de um postulado, segundo
o qual as estruturas de uma sociedade manifesta sempre uma certa continuidade no tempo e,
assim, cada sociedade cria necessariamente mecanismos que têm por efeito a manutenção
das estruturas. Esses mecanismos são mantidos pelas instituições de orientação, tais como a
família e a escola. Essas instâncias de orientação controlam os movimentos dos indivíduos e
contribuem no processo de determinação da posição social dos indivíduos, no interior de um
sistema social.
Devemos considerar que essas instâncias de orientação variam, segundo os tipos de
sociedade. Nas sociedades tradicionais, a família tem um papel determinante no processo de
mobilidade social. Isso é mais evidente, quando a estrutura familiar e a estrutura econômica são
similares. Assim, em muitas sociedades agrárias, quem herda a terra é o filho mais velho. Nas
sociedades industriais, a determinação da mobilidade social pela família só aparece, quando o
papel econômico e o papel familiar coincidem. No entanto, a família guarda um papel importante
enquanto instância de orientação, à medida que ela contribui para a determinação do nível
escolar e, mais precisamente, para as esperanças sociais das crianças.
A escola é uma outra instância de orientação fundamental, nas sociedades industriais.
A escola não somente tem a função de fornecer uma competência necessária às sociedades,
mas também seleciona os indivíduos e os orienta em direção às posições sociais existentes em
uma determinada sociedade. O fato é que o crescimento da demanda de pessoas qualificadas
tende a minimizar o papel da família e reforçar o papel da escola. (BOUDON, 1979, p. 39).
Contudo, a mobilidade que nós podemos observar em uma determinada sociedade é o resultado
dos jogos complementares entre essas instâncias de orientação. O aumento da escolarização,
nas sociedades industriais modernas, pode levar a um aumento da mobilidade social. Essas
instâncias de orientações têm a função de reprodução social.
O princípio fundamental dessa teoria é que os mecanismos geradores das desigualdades
sociais são resultados de uma filtragem por uma instância de orientação. Podemos perceber que, ao
penetrar em cada uma dessas instâncias de orientação, cada indivíduo tem uma certa faculdade de
iniciativa. Seu ponto de partida não depende de uma vontade ou de suas características individuais.
Ela depende também dos mecanismos de filtragem da instância de orientação e da distribuição das

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diversas posições sociais. Isso significa dizer que a mobilidade social é um resultado complexo do
que poderemos chamar de características estruturais das duas principais instâncias de orientação
já mencionadas. As instâncias de orientação são identificadas por Sorokin (apud BOURDON, 1979,
p.41-42) às instituições sociais, tais como família e escola.

4.2 A Distribuição Desigual dos Indivíduos no Sistema Escolar

O caráter persistente das desigualdades sociais diante da escola é um dos fatos


bem estabelecido pela sociologia da educação. Um problema bem discutido nessa área do
conhecimento é a relação entre o nível de instrução e a mobilidade social. Na verdade, o status
social é adquirido após o níveo de instrução e só poderemos falar de mobilidade, a partir do
momento em que o status que o indivíduo adquiriu é comparável com o status de seu pai.
Não é surpreendente que as categorias sociais superiores terminam seus estudos com a
idade bem mais elevada do que as categorias sociais mais baixas. Isso demonstra que o nível
de instrução aumenta, à medida que se eleva a hierarquia das categorias sócio-profissionais. Na
França, observa-se bem o tipo de relação entre nível de instrução e o status social: os diplomas
superiores são sempre concentrados nas mãos das categorias sociais mais elevadas.
É possível observar que a relação entre o nível de instrução e o status social se deve ao
fato de que, para um indivíduo, a probabilidade de atingir um nível de instrução elevado é bem
maior, quando seu pai tem um status sócio-profissional bem elevado. Podemos concluir que
existe uma influência direta do nível de instrução sobre o status social adquirido pelo indivíduo.
É claro que o status sócio-profissional do pai contribui para determinar o nível de instrução do
filho. O pai pode influenciar o status social do filho, quando ele lhe oferece um nível de instrução
elevado. Assim, o nível de instrução exerce uma influência sobre o status social. O ponto de
partido de Raymond Boudon, para compreender esse problema, é o método estatístico que
permite determinar a influência, a partir do conhecimento da relação entre o nível de instrução e
o status social. (BOUDON, 1979, p. 53).
Toda sociedade tem uma tendência a se reproduzir. Para isso, a sociedade cria
necessariamente mecanismos de seleção e de reprodução, cujos efeitos são a manutenção das
estruturas sociais. É por isso que o primeiro mecanismo de controle da mobilidade se exerce na
instância de orientação que é a família. O objetivo da família é assegurar a sua continuidade no tempo
e no espaço, por essa razão, a família tem a tendência de ferir a mobilidade dos indivíduos, tanto
em relação à mobilidade ascendente, quanto à mobilidade descendente. A mobilidade excessiva
em uma ou outra direção tende a enfraquecer a continuidade da família. Por esse motivo, a família
impõe a seu filho um nível de ambição escolar compatível com o seu próprio status social.
Convém ressaltar que o nível e a intensidade do controle dependem, exclusivamente, do
sistema social. Nas sociedades tradicionais, onde a característica fundamental é um forte grau
de entrelaçamento entre o papel da família e o papel econômico, esse controle é bem maior.
Contudo, nas sociedades industriais modernas, esse papel tende a se atenuar, porque a família
se constitui mais sob o modelo nuclear.
A escola é a instância de orientação maior nas sociedades indústrias e sua função é, não
somente de formação, mas também de reprodução. O sistema escolar seleciona os indivíduos
em função das características e dos valores de um sistema social determinado. O papel da
escola tende a aumentar, à medida que o da família diminui. As instâncias de orientação filtram
os indivíduos de maneira que seja garantido a reprodução das estruturas sociais.
Para Parsons, a família tem um papel essencial no processo de geração das desigualdades
sociais. A família constitui um sistema de solidariedade social. Assim, cada membro da família
é caracterizado pelo mesmo status social. A família não pode deixar de ver a sua influência
reguladora das ambições escolares das crianças. O sistema escolar é mais denso na cidade, nos

Antonio Paulino de Sousa


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bairros favorecidos do que nos bairros que não são favorecidos por boas escolas. Isso significa
que os estudos são amplamente concebidos em função das elites e não em função da população
em geral. Podemos dizer que os mecanismos geradores das desigualdades, frente à escola,
são cada vez menos dependentes do sistema social, no seu conjunto e mais dependente das
instâncias de orientação que estão mais próximas do indivíduo tais como a família e a escola.
(BOUDON, 1979, p. 89-90). É por isso que a tarefa do sociólogo da educação é justamente
analisar a influência dessas instâncias de orientação sobre as motivações individuais.
A análise macro-sociológica de Parsons o conduz a afirmar que os mecanismos geradores
de desigualdades sociais diante da escola se situam, essencialmente, no nível micro-sociológico.
Já a análise de Pierre Bourdieu é uma reação a esse tipo de análise; ele elabora uma análise do
sistema de ensino, numa perspectiva macro-sociológica.
Para Kahl e Hyman, as desigualdades diante da escola são o resultado das atitudes
dos indivíduos, em relação ao sucesso escolar e ao valor que eles atribuem ao ensino. Tudo
isso varia, segundo as classes sociais. Hyman fez várias pesquisas e constatou que o nível de
instrução não é amplamente percebido pelas classes sociais mais baixas como um meio eficaz
de ascensão social. De fato, o sucesso escolar é mais percebido como uma segurança material,
de melhoria do conforto e não em termos de desenvolvimento e realização pessoal, como é o
caso das classes superiores. (BOUDON, 1979, p. 93).
É importante observar que os efeitos da herança cultural se manifestam desde a mais
baixa idade das crianças. Bernstein demonstra que a estrutura da linguagem aparece como o
fator determinado pelo meio social. As crianças das classes populares manifestam um atraso
em relação ao vocabulário, a sintaxe e, sobretudo, em relação à utilização da abstração. Esses
elementos são supervalorizados pelo sistema de ensino. As proposições de Bernstein podem ser
resumidas da seguinte maneira:
a) o desenvolvimento linguístico é muito influenciado pelo meio social.
b) o desenvolvimento verbal tem um papel fundamental no desenvolvimento das
habilidades intelectuais e, mais precisamente, nas habilidades a desenvolver aptidões
para a abstração.
c) a estrutura das relações familiares varia de acordo com o meio social; essas relações
são mais simples e mais autoritárias nas classes populares.
d) a sintaxe das famílias exerce uma influência sobre a sintaxe das crianças.
Assim, a herança cultural tem um papel importante, no processo de geração das
desigualdades sociais, frente à escola. Essa influência é mais particularmente sentida na infância
e na adolescência (BOUDON, 1979, p.98-99).

4.3 O Sistema Escolar enquanto Pontos de Bifurcações

O sistema escolar pode ser descrito como ponto de bifurcações, nos diz Raymond Boudon.
Nós podemos associar a cada ponto de bifurcações um campo de decisão característico de cada
posição social. Esse campo de decisões define o espaço de decisão que são construídos, a
partir das seguintes variáveis: o sucesso escolar, avanço escolar ou o atraso escolar.
A questão é que o sistema de decisões está conectado a cada posição social. Assim,
existem três classes sociais fundamentais que correspondem a três tipos de posição, na estrutura
da hierarquia social:
a) classe mais elevada
b) classe média
c) classe mais baixa
No nível de uma primeira observação, as crianças terminam o ensino fundamental.
Constata-se que existe um nível de escolarização constante nesse nível de ensino, mas se

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negligencia a posição que cada criança ocupa na estrutura social. Nesse nível, observa-se que a
distribuição dos indivíduos, no espaço de decisão, é supostamente constante no tempo. Mas são
poucos os que conseguem frequentar a Universidade. Isso significa que a estrutura do campo de
decisões está relacionada à posição que os pais ocupam na estrutura social.
O fato é que o sistema escolar comporta, de fato, pontos de bifurcação institucionalizados
que colocam novas restrições aos candidatos que desejam entrar na universidade. Isso supõe
que os candidatos devem dispor de informações mais precisas que lhes permitam lograr êxito
nas etapas seguintes, que seriam o ensino médio e a universidade. Na verdade, cada ponto da
bifurcação corresponde a possibilidades distintas de decisões, à medida que esses pontos estão
associados a esperanças de níveis diferentes, em função do status social inicial.
Raymond Boudon supõe que um sistema escolar possui um número elevado de pontos
de bifurcações. Ele considera que existem oito pontos de bifurcação em um sistema escolar.
Mas reconhece também que a assimilação do sistema escolar a pontos de bifurcação é uma
simplificação incontestável, diz ele. O sistema escolar é considerado como uma arvore que é
constituída de diversos pontos de bifurcações. (BOUDON, 1979, p. 166-168).
Esse modelo de interpretação se interessa, essencialmente, pelos fenômenos que
conduzem os indivíduos ao ensino superior, permitindo determinar, para cada período (ensino
médio, por exemplo), o nível de instrução para uma população de 100.000 alunos e quantos
terminam o ensino médio. Esse modelo permite, também, determinar a taxa de escolarização
para cada nível de ensino. Enfim, esse modelo permite determinar a composição social dos
alunos em cada período estudado.
Visto que o conjunto das distribuições de cada período pode ser determinado, nós poderemos
calcular as tendências de evolução do sistema escolar. A passagem de um período a outro depende
do nível de relação que as famílias possuem, com o capital cultural e o status social de cada família.
As disparidades aparecem no período inicial. Isso significa que a proporção de alunos que serão
excluídos, em cada ponto de bifurcação, em função da posição social e do sucesso escolar, depende
da estrutura social. É possível calcular as probabilidades que um indivíduo tem de parar os estudos
em diferentes períodos em função da origem social. Assim, para os alunos das classes dominantes,
as chances para obter um diploma superior são maiores, em relação aos alunos oriundos das
classes populares. Os níveis de disparidades, diante do ensino entre essas duas classes, são mais
importantes e crescem, à medida que se considera o nível mais elevado do percurso escolar.
Como já foi dito, as desigualdades são efeito do mecanismo da herança cultural que conduz
a uma distribuição diferente dos indivíduos, no espaço de decisões, em função da posição social
que eles ocupam na estrutura da sociedade. A proposta, segundo a qual as desigualdades,
diante da cultura, poderiam ser suprimidas, é uma hipótese extrema que não tem chances de ser
realizada. Em consequência disso, as políticas públicas destinadas a reduzir as desigualdades
frente ao ensino terão sempre repercussões modestas. A posição social do indivíduo determina, a
cada momento do percurso escolar, um campo de decisão particular. Os mecanismos geradores
das desigualdades sociais, diante do sistema de ensino, são resultados do encontro entre a
estratificação social e o sistema escolar. (BOUDON, 1979, p. 193)
A existência de posições sociais distintas acarreta a existência de sistemas de esperanças
distintas e decisões distintas, cujos efeitos sãos as desigualdades de chances diante do sistema
de ensino. “As diferenças são, fundamentalmente, relativas à qualidade da herança cultural,
em função da classe social que explica apenas uma dimensão limitada das desigualdades de
chances diante do ensino”, conclui Raymond Bourdon (1979, p. 303).
Para ele, isso explica as diferenças do sucesso escolar em função da origem social da
criança, mas ela não explica as disparidades do nível escolar, em função da origem social. Isso
significa que as reformas pedagógicas que visam compensar as disparidades culturais do meio
familiar não podem atenuar as disparidades, diante do sistema de ensino, senão de maneira

Antonio Paulino de Sousa


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bem modesta. Isso só será possível em uma sociedade que consiga abolir o fenômeno da
estratificação social, o que é praticamente impossível.
A redução das desigualdades de chances, diante do sistema de ensino, nas sociedades
industriais liberais, não se deve a uma atenuação da rigidez do sistema de estratificação. Não
se pode esquecer que essa redução diminui depois do fim da segunda guerra mundial nas
referidas sociedades. A redução das desigualdades de chances é mais o resultado do aumento
geral da demanda de educação. Esse fato acentua a importância da escola, no que diz respeito
aos mecanismos de mobilidade social e é associado ao poder que a escola exerce sobre os
indivíduos. Hoje, o nível escolar tornou-se um dos mecanismos essenciais de determinação do
status social ao qual o indivíduo é destinado.
Raymond Boudon elabora um sistema teórico adaptado à análise econômica. A sua
hipótese central é que, a cada ponto de bifurcação da trajetória escolar, os indivíduos escolhem
racionalmente, a partir da combinação entre custo-risco-benefício, a via que poderá maximizar
o investimento feito no sistema escolar. Essa combinação é determinada pela posição social
que o indivíduo ocupa, na estrutura da sociedade e pelo sistema de espera que está ligado à
posição social. Para Boudon, existe um espaço de decisão. Assim, ele minimiza a importância
da herança cultural como fator explicativo das desigualdades de chances, diante da escola, para
afirmar a relevância da estratificação social, no processo de determinação dessas desigualdades
(BOUDON, 1979, p. 129)
Na verdade, Boudon explica a questão das desigualdades sociais diante da escola, como
efeitos puramente mecânicos da agregação das vontades individuais e não relaciona as escolas
racionais aos interesses da classe dominante e à faculdade de reprodução das estruturas
sociais. É preciso dizer que não há uma racionalidade, mas várias racionalidades. Isso nos
envia à questão do debate sobre o conceito de racionalidade, na economia política clássica
e na economia política marxista. A racionalidade econômica do empresário se diferencia da
racionalidade do operário. Devemos, então, reconhecer as diversas variantes da ação racional.
(NONNA, 1974, p.1272).

4.4 Metodologia Individualista e Desigualdades Sociais

Raymond Bourdon formalizou o que chamamos hoje de individualismo metodológico. Ele


coloca como princípio que as análises sociológicas devem tomar por objeto primeiramente a
observação; o indivíduo é a unidade de referência. É a partir disso que se deve tirar todas
as consequências sociológicas dessa metodologia. O objeto privilegiado do individualismo
metodológico é examinar os comportamentos individuais, no seio de um sistema social
determinado. Esse método se interessa pelos comportamentos reais dos atores, considerando
os papeis não como coerção, mas possibilidades de uso que são ofertadas aos atores sociais.
(ANSART, 1990, p. 83-84).
Nesse sentido, o papel social não é tão determinado quanto deixa transparecer a
abordagem funcionalista. As normas são contraditórias e cada indivíduo tem vários papéis a serem
desempenhados. Todos esses papéis fazem parte de uma dimensão estratégica que garante
sempre uma margem de autonomia aos atores sociais. A tarefa da metodologia individualista
não é a de catalogar os diversos papéis sociais, mas de examinar como os atores assumem os
papéis que lhes são propostos.
A abordagem individualista procura examinar os comportamentos face ao sistema de
ensino, as esperanças e as aspirações dos atores sociais, face a esse sistema. Ao invés de
afirmar que as transformações sociais são resultados de conflitos ou de dinâmicas gerais do
sistema, o individualismo metodológico explica os processos complexos de mudanças sociais, a
partir da ação elementar dos atores sociais. (ANSART, 1990, p.87).

Disciplina de Sociologia da Educação


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

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Diante das desigualdades face ao sistema de ensino e, sobretudo, o fato de que as chances
de acesso à universidade são maiores para um filho de profissional liberal do que para o filho
de um operário, a metodologia individualista vai se interrogar sobre as escolhas dos indivíduos
implicados e levantar hipóteses sobre essas escolhas. Ao invés de considerar a existência de
determinações entre as estruturas sociais e os comportamentos, será considerada a carreira de
um estudante, como uma sucessão de escolhas e, consequentemente, das decisões tomadas
pelo estudante.
Pierre Ansart nos fornece um resumo da teoria de Raymond Boudon sobre as desigualdades
de chances de acesso ao sistema de ensino. Assim, as classes dominadas:
1) atribuem um valor fraco ao ensino como meio para se conquistar o sucesso.
2) terá maiores dificuldades cognitivas, em relação às classes dominantes.
3) subestimam as vantagens futuras do investimento escolar.
4) subestimam os riscos de um investimento escolar.
A lógica do processo das decisões individuais permitirá compreender e explicar a ligação
estatística entre origens sociais e o acesso ao ensino superior. Isso conforme a metodologia
individualista que tem como ponto de partida as ações individuais. (ANSART, 1990, p. 90)
É necessário dizer que existe uma distância epistemológica fundamental entre o individualismo
metodológico e o estruturalismo genético. Esse último se interroga sobre as estrutura sociais e
sobre as modalidades de comportamentos individuais. O objetivo é constituir a relação de força e
de sentido que caracterizam a formação social. Essa discussão sobre as desigualdades de chances
diante da escola é bem ilustrada pelas teses de Pierre Bourdieu e J-C. Passeron.
Na verdade, a pesquisa de Raymon Boudon sobre as desigualdades de chances estuda
a ligação entre a educação e a mobilidade social. Para Nonna Mayer (1974), trata-se de uma
máquina de guerra contra Bourdieu e Passeron. A teoria de Bourdieu não é capaz de explicar
o fenômeno das desigualdades sociais que são definidas dentro do conjunto de um sistema
social mais amplo (BOUDON, 1979, p. 90-91). Ele afirma ainda que a teoria da reprodução está,
incontestavelmente, relacionada a um modo de raciocínio funcionalista.
Assim a escola assume a função de seleção dos indivíduos e essa seleção se opera com
base nos valores, cuja função latente é justamente a de garantir a reprodução da estrutura da
sociedade. Trata-se de assegurar a hierarquia das classes sociais e a oposição entre a classe
dominante e a classe dominada.

Para saber mais:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302003000200013&script=sci_arttext
http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE21/RBDE21_03_JEAN-LOUIS_DEROUET.pdf
http://quecazzo.blogspot.com/2008/06/entrevista-com-raymond-boudon.html

Questões:

1 Qual é a análise que Raymond Boudon faz das desigualdades sociais?

2 As sociedades industrializadas conseguiram eliminar as desigualdades de acesso à escola?

3 Qual é a relação que é estabelecida entre a instrução social e o status social?

4 O que é individualismo metodológico?

5 Qual é o significado da escola enquanto pontos de bifurcações?

Antonio Paulino de Sousa


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REFERÊNCIAS

ANSART, Pierre. Les sociologies contemporaines. Paris: Seuil, 1990.

ARON, Raymond, Les étapes de la pensée sociologique. Paris: Editions Gallimard, 1967.

BOURDIEU, Pierre. Le sens pratique. Paris: Les Editions de Minuit, 1994.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007.

BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2001.

BOUDON, Raymond. L’inégalité des chances. Paris: Armand Colin, 1979.

DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2001.

DURKHEIM, Emile. Education et sociologie. Paris: Puf, 1995.

DANTIER, Bernard. Les choses sociologiques et les représentations: introduction aux règles de
la méthode sociologique d’Émile Durkheim. Disponível em: http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/
Classiques des sciences sociales/index.html. Acesso em: 25 abril 2009.

JACQUES, Lautman. Boudon (Raymond) – L’inégalité des chances. Paris, vol. 27, numéro 2.
1975. Disponível em: http://www.persee.fr. Acesso em: 18 jun. 20009.

MARX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Matins Fontes, 2002.

NONNA, Mayer. Boudon (Raymond) – L’inégalité des chances dans les sociétés industrielles.
Revue française de sciences politiques. Paris, vol. 14 Numéro 6. 1975. http://www.persee.fr.
Acesso : 18/06/20009

PASSERON, Jean-Claude. Le raisonnement sociologique –L’espace non-poppérien du


raisonnement naturel. Paris: Nathan, 1991.

PHILIPPE, Hugon. L’inégalité des chances. La mobilité sociale dans les sociétes industrielles.
Paris, Tiers-Monde, vol. 16. Numéro, 62 1975. Disponível em: http://www.persee.fr. Acesso em:
18 jun. 20009.

REBOUL, Olivier. La philosophie de l’education. Paris: Puf, 2006.

Disciplina de Sociologia da Educação

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