Antropologia e Educação 1 PDF

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Práxis

Educacional e-ISSN 2178-2679

DOSSIÊ TEMÁTICO
Pesquisa em Educação: abordagens metodológicas

ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA E EDUCAÇÃO: QUESTÕES DE/PARA A


PESQUISA A PARTIR DA ETNOLOGIA INDÍGENA

Anthropology, ethnography and education: questions of/for research from the indigenous
ethnology

Antropología, etnografía y educación: temas para la investigación desde a etnología de


indígenas

José Valdir Jesus de Santana


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Brasil

Clarice Cohn
Universidade Federal de São Carlos – Brasil

Resumo
Neste artigo interessa-nos pensar a relação entre antropologia, etnografia e educação a partir
de um duplo exercício: primeiramente, refletir acerca da possibilidade de construção de um
diálogo entre antropologia, etnografia e educação, como tem sido discutido por Gusmão
(1997, 2003, 2010, 2015), Dauster (1996, 2007, 2014), Rocha e Tosta (2009), Tosta e Rocha
(2014), Oliveira (2012, 2013a, 2013b, 2013c), dentre outros; por outro lado, procuraremos
demonstrar como esse diálogo tem sido construído a partir das experiências escolares entre
povos indígenas em nosso país, e do como a etnografia tem se tornado central para a
compreensão dessas experiências.

Palavras-chave: Antropologia. Educação. Etnografia.

Abstract

In this article we are interested in thinking about the relation between anthropology,
Ethnography and education from a double exercise: first, to reflect on the possibility of
constructing a dialogue between anthropology, ethnography and education, as been discussed
by Gusmão (1997, 2003, 2010, 2015), Dauster (1996, 2007, 2014), Rocha e Tosta (2009),
Tosta e Rocha (2014), Oliveira (2012, 2013a, 2013b, 2013c), among others; still, we will try
to demonstrate how this dialogue has been constructed from the school experiences among
indigenous people in our country and how ethnography has become central to the
understanding of these experiences.

Keywords: Anthropology. Education. Ethnography.

Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 13, n. 25, p. 112-138, maio/ago. 2017.

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Resumen
En este artículo nos interesa pensar la relación entre la antropología, la etnografía y la
educación desde un ejercicio dual: en primer lugar, para reflexionar sobre la posibilidad de
construir un diálogo entre la antropología, la etnografía y la educación, como se ha hecho por
Gusmão (1997, 2003, 2010, 2015), Dauster (1996, 2007, 2014), Rocha y Tosta (2009), Tosta
y Rocha (2014), Oliveira (2012, 2013a, 2013b, 2013c), entre otros; por otro lado, se busca
demostrar cómo este diálogo ha sido construido a partir de las experiencias de la escuela entre
las personas indígenas en nuestro país, y como la etnografía se ha convertido en fundamental
para la comprensión de estas experiencias.

Palabras-clave: Antropología. Educación. Etnografía.

Para início de conversa ou porque pensar a relação entre antropologia, etnografia e


educação

O campo da educação continua permeado por muitas questões e sobre a educação são
depositados diferentes desejos e perspectivas, especialmente em relação à escola/educação
escolar, esta herança moderna. A escola, portanto, se vê confrontada e, nesse sentido, é a
própria concepção de escola – “suas funções e relações com a sociedade, o conhecimento e a
construção de identidades pessoais, sociais, culturais – que está em jogo”, (CANDAU, 2010,
p. 9). Ademais,
Globalização, multiculturalismo, pós-modernidade, questões de gênero e
raça, novas formas de comunicação, manifestações culturais dos
adolescentes e jovens, sociedade virtual, movimentos culturais e religiosos,
diversas formas de violência e exclusão social configuram novos e diferentes
cenários sociais, políticos e culturais presentes nas sociedades
contemporâneas. [...] A educação não pode ignorar esta realidade. O impacto
destes processos no cotidiano escolar é cada vez maior. (CANDAU, 2010, p.
9).

Além das questões apresentadas por Candau (2010) temos, na cena contemporânea,
diferentes coletivos que reclamam a escola e a enxergam como força potente para a produção
de relações mais simétricas frente às estruturas de poder do Estado e aos processos que
acentuam muitas das desigualdades sociais em nosso país, a exemplo dos povos indígenas,
comunidades quilombolas, povos do campo, para citar apenas alguns exemplos. Esses novos
(velhos) contextos têm exigido a construção de olhares interdisciplinares acerca desses muitos
fenômenos, como nos tem apresentado Gusmão (1997; 2003; 2010; 2015), Consorte (1997),
Tosta (2014), Rocha (2012), Rocha e Tosta (2009), Tosta e Rocha (2014), Lopes da Silva
(2001a; 2001b), Dauster (1996; 2007; 2014), Vieira (2012; 2014), Wulf (2005), Valente
(1996), Oliveira (2012; 2013a; 2013b; 2013c) e Gomes (2014) quando refletem acerca da

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necessidade de um diálogo entre antropologia e educação que seja capaz, ao mesmo tempo, de
refinar e deslocar o olhar da antropologia e de produzir entendimentos acerca dos processos
educativos que se dão nos mais variados contextos sociais/culturais. Todavia, mesmo diante
de sua “vocação interdisciplinar” (STOCKING, 2002), a antropologia parece ter
negligenciado ou subvalorizado o “fenômeno educação”.
Para o domínio de uma antropologia da educação, “uma das primeiras questões a
colocar é a seguinte: trata-se de estudar a educação ou de estudar os processos educativos”?
(VIEIRA, 2014, p. 31). A pergunta levantada por Vieira é relevante, na medida em que o que
se entende por educação pode ganhar diferentes contornos e sentidos a depender do lugar de
onde se fala. Por exemplo, a educação pode ser pensada a partir do lugar onde se pratica
“certa ciência”, como a Pedagogia ou as Ciências da Educação; ademais, pode significar uma
fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras
invenções de sua cultura, em sua sociedade e, nesse sentido, como sugere, Brandão (2002,
2003) educação é cultura. De toda sorte, segundo Vieira (2014, p. 31), “qualquer que seja a
sociedade, ela necessita, também, de criar, de construir conhecimento. Para assegurar tal
missão, desenvolve mecanismos, os quais designamos de processos educativos”. Nesse
sentido,
Há múltiplas abordagens da educação e seus processos, e a problemática não
é nova: podemos considerar as abordagens dos “protopedagogos” gregos
(filósofos), mas também chineses, hindus, árabes, etc. – refletindo sobre
“modos de ser”, “comportamentos espirituais” e “técnicas formativas”.
Podemos considerar, na Europa, ainda, as abordagens dos “pré-pedagogos”
religiosos (escolas da Igreja) e dos tutores e preceptores (da nobreza), com
seus manuais de comportamento espiritual e social (nobre) [tão bem
retratado por Ariès, 2006]. O iluminismo civilizacional europeu tinha fortes
preocupações com a educação e com a infância e juventude, com as
habitações dos educadores; e valorizava o papel da mulher como reprodutora
e educadora. [...]. No domínio específico da sociologia da educação,
podemos considerar uma fase de arranque com o positivismo e com Émile
Durkheim na qual brotam os projetos moralizadores da escolarização e o
progresso industrial, que gera a escola de massas. (VIEIRA, 2014, p. 31-32).

As possibilidades de realização de um trabalho profícuo nas interfaces entre a


antropologia e educação têm sido exploradas há tempo, contudo marcadas por certo
distanciamento espaço temporal e descontinuidade, como demonstraram Gusmão (1997,
2003), Consorte (1997), Valente (1996, 2003), Rocha e Tosta (2009) e outros. Nisso,

[...] o pioneirismo do diálogo entre antropologia e educação remonta ao final


do séc. XIX, quando a antropologia tentava compreender uma cultura da
infância e adolescência. [...] Décadas mais tarde, nos anos 20 e 50 do século

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XX, debates de antropólogos em torno das ideias de Piaget e Freud


forneceram maior visibilidade à importância da cultura nos processos de
socialização e aprendizagem. A participação de antropólogos em programas
de reformas curriculares promovidos nos Estados Unidos, nessa mesma
época, também é dado importante para entendermos as origens do diálogo.
(ROCHA; TOSTA, 2009, p. 121).

Quase sempre a forma propedêutica de retomar esse debate ou diálogo entre


antropologia e educação é remeter-se ao contexto do culturalismo boasiano, especialmente às
pesquisas realizadas por Margareth Mead, Gregory Bateson (Samoa, Nova Guiné, Bali,
Iatmul, EUA) e Ruth Benedict (movimento que tem sido feito, também, por estudiosos da
antropologia da criança). Não temos a pretensão de recuperar esse debate, já realizado por
Cohn (2000a, 2000b, 2002, 2005), Tassinari (2007), Pires (2008, 2009, 2010) e Rocha (2012).
Contudo, cabe salientar, conforme explicita Rocha:

Mead via na educação o melhor caminho para se estudar a dinâmica da


cultura e os processos de constituição das identidades culturais, de gênero, e
até as nacionais. [...] Para Mead, a educação desempenha uma importância
antropológica com dupla funcionalidade: de um lado, como chave
metodológica para se penetrar na cultura e personalidade de uma sociedade;
do outro, como instrumento de “engenharia social” a serviço da construção
do “caráter nacional” americano. (2012, p. 47-51).

Nesse sentido, os trabalhos de Margareth Mead e Ruth Benedict, discípulas de Franz


Boas, contribuíram para que sociólogos, economistas, educadores e outros estudiosos
começassem a conceber a cultura como o fundamento das estruturas sociais, levando ao
entendimento de que toda estrutura seria definida, no limite, por um sistema de
comportamentos impostos aos indivíduos que, por sua vez, precisa ser compartilhado,
aprendido e transmitido (ROCHA; TOSTA, 2009, p. 121). Esse entendimento impacta o
campo educacional na medida em que os processos de aprendizagem e sua transmissão são
constitutivos do ato de educar. Ademais, “nos anos 1950, com George Spindler e seus
parceiros norte-americanos, introduz-se claramente o problema da diversidade dos processos
educativos como sendo culturalmente produzidos” (VIEIRA, 2014, p. 32). Na década
seguinte, os trabalhos de Margaret Mead continuam a influenciar o debate em torno da
educação realizados por Anthony F. C. Wallace1, Dell H. Hymes2, Ward H. Goodenough3,

1
Professor adjunto e inspetor de Antropologia na Universidade de Pensilvânia. Conferência apresentada: As
escolas nas sociedades revolucionárias e conservadoras.
2
Professor adjunto de Antropologia e Linguística na Universidade de Califórnia (Berkeley). Conferência
apresentada: As funções da linguagem do ponto de vista evolucionista.
3
Professor adjunto e presidente efetivo do Departamento de Antropologia na Universidade de Pensilvânia.
Conferência apresentada: Educação e identidade.

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como apresentado no livro coordenado por Frederick C. Gruber4, intitulado “Antropologia e


Educação”, de 1961, resultado do ciclo de Conferências de Martin G. Brumbaugh 5 sobre
Educação, realizadas na Universidade de Pensilvânia (cuja primeira edição e tradução
brasileira é de 1963). Sendo assim, concordamos com Gusmão quando afirma:

[...] o diálogo entre antropologia e educação, percebido por muitos como


uma “novidade” que se instaura com as transformações da década de 70, [...]
é mais antigo que isso e reporta-se a um momento crucial da história da
ciência antropológica (1997, p. 9).

De forma mais pontual, no Brasil, temos uma tradição muitas vezes esquecida pelos
antropólogos que remete aos laboratórios de Antropologia Pedagógica ainda no começo do
século XX, que funcionavam junto às Escolas Normais, voltadas para a formação de
professores (OLIVEIRA, 2012; 2013a).
Nesses termos, “a aproximação entre a antropologia e a educação não visa apagar as
fronteiras das áreas de conhecimento, mas sim promover o diálogo, colocar em prática a
vocação antropológica da interdisciplinaridade” (DAUSTER; TOSTA; ROCHA, 2012, p. 18),
que nem sempre ocorre de forma tranquila. Nesse sentido, como articular o projeto
antropológico de produção de conhecimento com o projeto educacional de intervenção na
realidade? Como o campo educacional tem recorrido ao projeto antropológico de produção de
conhecimento e que categorias antropológicas são acionadas na produção desse diálogo? Que
limites e possibilidades se instauram? Segundo Dauster, Tosta e Rocha,

[...] A introdução da perspectiva antropológica no contexto educacional é


sustentada pela necessidade simbólica de produzir uma atitude de
observação, estranhamento e relativização por parte do profissional em
educação, segundo a qual são percebidos outros sistemas de referências
simbólicas que não os seus próprios. Pesquisadores e professores, com base
nesse exercício, são sensibilizados para compreender outras formas de
representar, praticar, classificar e organizar o cotidiano. Em outras palavras,
o educador se reestrutura e desenvolve seus potenciais para apreender
maneiras de sentir, fazer e pensar distintas daquelas que são próprias da sua
formação, observando relações sociais no cotidiano de distintos contextos de
vida. (2012, p. 18).

Pesquisadores, a exemplo de Oliveira (2012; 2013a; 2013b), Rocha (2014), Tosta


(2014), Vieira (2014), Rosistolato e Prado (2015) afirmam que a aproximação entre
antropologia e educação tem se dado, especialmente, no contexto brasileiro e português, a

4
Professor de Educação na Universidade de Pensilvânia.
5
Martin G. Brumbaugh (1862-1930) foi o primeiro catedrático de Pedagogia da Universidade de Pensilvânia,
regendo a cadeira desde 1895 a 1905.

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partir da utilização da etnografia que, “importada” ao campo da educação, passa a ser


utilizada como uma “técnica” para “coleta de dados” e, nesse sentido, conforme André
(2005), não haveriam estudos etnográficos em educação, mas estudos do tipo etnográfico6.
Segundo Dauster (2007), no diálogo entre antropologia e educação, “não se trata de
reduzir a etnografia a uma técnica, mas, sim, tratá-la como uma opção teórico-metodológica,
o que implica conceber a prática e a descrição etnográficas ancoradas nas perguntas
provenientes da teoria antropológica” (2007, p. 20). No limite, “a chave para a compreensão
do divisor de águas entre todos os pesquisadores sociais, e não apenas entre antropólogos e
pedagogos, passa a ser definida, em última instância, por sua opção teórica” (VALENTE,
2003, p. 19). Essa opção é que informa a “linhagem” do pesquisador, no sentido dado por
Peirano (1995) e, nesses termos, é por meio da etnografia que a própria teoria antropológica
se renova (PEIRANO, 1995), posto que, segundo Peirano (2014, p. 383) “monografias não
são resultado simplesmente de "métodos etnográficos"; elas são formulações teórico-
etnográficas. Etnografia não é método; toda etnografia é também teoria”. Se é por meio da
etnografia que a teoria antropológica se renova, o contrário também é verdadeiro, na medida
em que teorias antropológicas colocam questões à etnografia, refinando-a. Não é à toa que o
“fazer etnográfico” tem se tornando objeto de escrutínio, crítica e reflexão a partir do “olhar”
de certa antropologia pós-moderna que coloca sob suspeita a “autoridade e o texto
etnográfico”, como propõem Clifford (2002), Rabinow (1999), Marcus e Cushman (2008),
Tylor7 (2008).
O perigo que se corre, na construção do diálogo entre antropologia e educação, quando
pensado a partir do uso da etnografia por esta última, é de fossilizar a própria compreensão do
que seria a etnografia e reduzi-la a uma mera técnica para “coleta” de dados. Valente (1996)
já nos chamou a atenção para os “usos e abusos da antropologia na pesquisa educacional”.
Nesse sentido, é preciso reconhecer, como sugere Oliveira,

[...] que há uma íntima relação entre a Etnografia e a Antropologia, de modo


que não se pode propor uma pesquisa etnográfica sem se debruçar sobre o
desenvolvimento da etnografia na própria história da ciência antropológica,
buscando, portanto, conhecer profundamente os avanços, embates e
desdobramentos desse método no terreno no qual ele foi forjado. Muitas
confusões na apropriação da Etnografia, sobretudo por pesquisadores da
Educação, originam-se em razão da ausência desse exercício, pois, em

6
Para uma crítica aos estudos do “tipo etnográfico” conforme apresentado por André (2005) ver Oliveira
(2013a; 2013b).
7
Para uma crítica à denominada antropologia pós-moderna ver Peirano (1995), Strathern (2014) e Goldman
(2016)

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muitos casos, os pesquisadores que afirmam se utilizar de tal metodologia


desconhecem o vasto debate nesse campo. (2013b, p. 179).

Se levarmos a sério que “a antropologia é uma forma de educação, [e de que] a


educação só é possível como prática antropológica” (ROCHA; TOSTA, 2009, p. 145),
estaremos aptos a correr riscos e, sobretudo, “inverter a lógica colonialista de ensinar,
passando, portanto, a aprender. [...] É nesse sentido que a antropologia talvez possa ser
pensada como uma pedagogia de mão dupla, e, agora, parece mais que natural ela estar
associada à educação” (GONÇALVES, 2014, p. 162). Do mesmo modo,

Se a pedagogia pode ser pensada também como uma ecologia da pessoa


humana, com mais razões o seu campo de teorias, de práticas e de
metodologias não deveria ser, de igual maneira, aberto e múltiplo? Se assim
vier a ser, poderá chegar então o tempo em que um olhar sobre os mundos da
educação revelará, por debaixo da norma, da rotina, da estrutura
institucional, do método e da didática, um universo cotidiano cheio de vida e
de densidade cultural. (BRANDÃO, 2002, p. 155).

De todo modo, pesquisas instigantes têm sido realizadas, aproximando o diálogo entre
antropologia e educação, sobre diferentes temáticas, como demonstram os próprios títulos das
publicações aqui citadas: Diálogos sem fronteira: História, etnografia e educação em
culturas Ibero-Americanas (organizado por Sandra Pereira Tosta e Gilmar Rocha [2014]);
Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis,
organizado por Tania Dauster, Sandra Pereira Tosta e Gilmar Rocha (2012); Sertão de jovens:
antropologia e educação, de Vanda Silva (2014); Antropologia e Educação: um saber de
fronteira, organizado por Tania Dauster (2007); Pesquisa em educação: a produção do
Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU), organizado por Carmen Lúcia de Matos
[et.al.] (2015); e tantos outros artigos que têm sido publicados em periódicos.
No próximo tópico, a partir de pesquisa que temos realizado, procuraremos
demonstrar como esse diálogo tem sido construído a partir das experiências escolares entre
povos indígenas em nosso país, e de como a etnografia tem se tornado central para a
compreensão do como cada povo indígena tem produzido sua escola.

Por outras paragens: antropologia e educação em contextos indígenas e o lugar da


etnografia
O campo da chamada educação escolar indígena é atravessado por inúmeras linhas de
força, tanto ideológicas quanto pragmáticas. “O Estado ou faz passos de leão com o objetivo
de homogeneizar e modernizar, no caso do poder federal e de algumas poucas iniciativas

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locais, ou se mantém perigosamente omisso, no caso de muitas situações locais”


(FRANCHETTO, 2006, p. 197). Como afirma Ferreira,

A escola está inserida na “sociedade global” e na chamada “sociedade do


conhecimento” onde violentas e profundas transformações no mundo do
trabalho e das relações sociais vêm causando impactos desestabilizadores à
toda a humanidade, e consequentemente exigindo novos conteúdos de
formação, novas formas de organização e gestão da educação
ressignificando o valor da teoria e da prática da administração da educação
(2001, p. 296).

No mesmo sentido, conforme nos adverte Bonin,

Cada escola indígena deve ser pensada como experiência única, em sua força
particular, e esse é um direito e não uma concessão do Estado Brasileiro.
Sendo assim, não é demais exigir que as escolas indígenas sejam
diferenciadas em relação às escolas da rede regular de ensino, mas também
diferenciadas entre si. Também não é demais exigir que os processos de
formação de professores indígenas sejam planejados de modo a contemplar
as diferenças- não as diferenças genéricas, que embasam certas propostas de
formação para índios, mas a diferença de um povo indígena em relação aos
demais (2008, p. 106-107).

A garantia legal de escolas indígenas específicas e diferenciadas, que respeite suas


manifestações culturais, organizações sociais e políticas e processos próprios de ensino e
aprendizagem, foi uma conquista de direito que se consolida desde a Constituição Federal de
1988 e que se contrapõe à vocação histórica da escolarização dos povos indígenas, catequética
e civilizatória. Propondo uma escola que permita aos povos manter, valorizar e reforçar suas
culturas e construir sua autonomia, a escola indígena vem se constituindo, ao longo das
últimas décadas, cada vez mais, embora não nominalmente, em uma política cultural para
estes povos. Por ela, ou através dela, é proposto o regaste das culturas e a construção de
identidades; e, cada vez mais, nelas se propõem partes diferenciadas como um currículo
cultural e indígena que complementa o currículo dos conhecimentos ditos universais. Para
tanto, em nome desta especificidade, cursos de formação de professores indígenas são criados
e estimulados como política de Estado de modo a fortalecer este projeto de escola (COHN,
2014).
É importante notar que os povos indígenas têm investido grandes esforços para criar e
manter escolas em seus territórios. As lideranças políticas têm que se mostrar capazes de
negociar a criação de escolas e garantir todos os recursos – humanos ou materiais –
necessários para o bom funcionamento desta instituição em suas comunidades. As crianças
também investem parte importante de seu tempo e de seus interesses no ambiente escolar e

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suas famílias preocupam-se em oferecer esta formação. As experiências, elas mesmas, são das
mais variadas, diferindo como diferem as situações mesmo de povos e comunidades indígenas
no Brasil, indo desde o lugar onde se aprende o “conhecimento do branco” até o lugar onde
resgata a (própria) cultura (COHN, 2014).
Apesar desta diversidade, percebe-se uma homogeneidade, ou uma espécie de
denominador comum, no discurso oficial e nas práticas que deve ser debatida, e que está
exatamente nesta característica de uma política cultural para os povos indígenas, e que se
refere aos modos como cultura tem sido entendida, operada e construída em cada situação.
Nos discursos oficiais (e na prática) a escola, em contexto indígena, é valorizada porque passa
a se constituir como espaço de resgate da tradição e de valorização da cultura. A cultura –
acionada para as mais diversas finalidades – no ambiente escolar - é entendida como
produtora de conhecimento ou tradição indígena (COHN, 2014).
Nesse novo cenário, em que a educação escolar é acionada pelos povos indígenas, na
relação com o Estado brasileiro, em que se normatizam e se instituem princípios e
características do que deva ser a educação escolar em contexto indígena (nos seus sentidos
específico, diferenciado e intercultural) emergem questões que se colocam e que atravessam o
campo do currículo, a concepção de conhecimento próprio a cada povo indígena e,
consequentemente, o que pode e deve ser ensinado no espaço escolar. Dessa forma, é preciso
investir em pesquisas que atentem para essas questões.
No contexto atual, compreender os modos como os próprios indígenas refletem sobre
a escola e se relacionam com ela, bem como a execução das políticas públicas destinadas a
essa área e a atuação dos profissionais que trabalham diretamente neste local, sejam eles
indígenas ou não, para tentar entender as possibilidades de arranjos dessas relações, é tarefa
que vale a pena investigar e para isso a antropologia tem muito a contribuir (BELTRAME,
2013). No mesmo sentido, como afirma Beltrame (2013, p. 18-19, grifos nossos),

Com a intenção de problematizar os discursos que são feitos em torno do


tema e compreender a relação que os indígenas constroem com suas escolas,
recentes trabalhos na área da antropologia tem se preocupado em mostrar
como a diversidade étnica desses povos reflete na maneira como cada um se
apropria da escola e, acima de tudo, como os indígenas produzem reflexões
sobre esta instituição. Baseados em concepções e cosmologias próprias,
elaboram expectativas diferentes sobre esse espaço, o modo como ele deve
funcionar e o que pretendem conseguir ao aceitá-lo em seu meio e inseri-
lo no cotidiano. As soluções encontradas pelos indígenas para decidir o
lugar que esta instituição, de origem externa, deve ocupar na vida do grupo e
na relação com outras esferas sociais não cabem, assim, dentro de um
modelo fechado.

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Ademais, conforme Paladino e Czarny,

Parece-nos importante destacar a necessidade de que as pesquisas


etnográficas aprofundem esses diversos sentidos, não só considerando as
especificidades de cada povo estudado, sua visão de mundo e história de
contato com a sociedade não indígena, mas também as diferenças e tensões
geradas internamente ao grupo, considerando as clivagens de gênero, idade,
hierarquia social, entre outros aspectos. Nós, antropólogos, ainda dialogamos
predominantemente com os adultos do gênero masculino e, às vezes, sem
analisar seus discursos de forma complexa, considerando o contexto
situacional no qual são gerados. Por exemplo, quando dizem que querem a
escola porque os conhecimentos que ela transmite podem melhorar suas
condições de vida, dificilmente se aprofunda o sentido desse discurso, ou se
questiona de que condições de vida se está falando, ou ainda quais as
transformações na construção da pessoa estão sendo operadas nas
sociedades indígenas a partir da introdução da escola como agência
socializadora, quais as mudanças nos papeis de socialização, de
transmissão de conhecimentos e de exercício da autoridade e da liderança
são geradas, entre outras questões problematizadoras (2012, p. 19-20,
grifos nossos).

Na pesquisa conduzida por nós entre os Tupinambá de Olivença/BA, buscamos


compreender como e por que fazem escola e do como esta tem se tornado central na produção
de pessoas “fortes na cultura”, na atualização e produção de parentesco, aparentamento e no
“estar na cultura”, como demonstrou Santana (2015) em sua tese. Nesse sentido, interessou-
nos pensar como o “estar na cultura” e tornar-se “forte na cultura” vão sendo produzidos a
partir da escola e das relações que esta possibilita e articula, tanto interna quanto
externamente, através do movimento que multiplica a escola pelo Território Indígena, em
especial pelas “áreas de retomadas8”. Para os Tupinambá, tornar-se “forte na cultura” implica
em compartilhar memórias, afetos, em estar juntos (VIEGAS, 2003, 2007), em produzir
cultura e, para que isso ocorra, a escola tem se tornado central; do mesmo modo, como dizem
os Tupinambá, a escola tem sido, ademais, o “lugar da cultura 9”, processo que tem sido
observado em outros contextos, como nos demonstra Weber (2006) em sua etnografia sobre
os Huni Kuin e Mainardi (2010a; 2010b) sobre os Tupi Guarani.

8
“Retomadas” consistem em processos de recuperação, pelos indígenas, de áreas por eles tradicionalmente
ocupadas, no interior das fronteiras da Terra Indígena - TI, e que se encontravam em posse de não índios. São
ações encabeçadas por um cacique, algumas de suas lideranças e famílias indígenas que ao identificarem uma
área improdutiva ou abandonada dentro da TI investem na ocupação territorial da mesma (MEJÍA LARA, 2012;
ALARCON, 2013; ROCHA, 2014).
9
Nesse texto, diante do limite de páginas, não é possível apresentar a densidade dos dados produzidos durante a
pesquisa de doutorado, que resultou na etnografia intitulada “A letra é a mesma, mas a cultura é diferente”: A
escola dos Tupinambá de Olivença (2015). Todavia, interessa-nos apresentar aspectos que consideramos
importantes e que, no limite, sinalizam para os modos como os Tupinambá de Olivença têm produzido sua
escola.

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Compreender como cada povo indígena tem produzido suas escolas é de fundamental
importância, posto que, como já nos advertiu Sahlins (2004, p. 184) “nenhum objeto,
nenhuma coisa existe ou tem movimento numa sociedade humana exceto pela significância
que os homens lhe possam atribuir”. Nesse sentido, são muitos os sentidos e significados que
os povos indígenas, a exemplo dos Tupinambá, têm atribuído à escola, através de suas
“políticas culturais”, como propõe Carneiro da Cunha (2014). A etnografia (PEIRANO, 1995;
LOPES DA SILVA, 2001a; 2001b; COLLET, 2006), portanto, se torna fundamental para a
compreensão desses processos. A pesquisa que temos realizado junto aos Tupinambá, no
sentido de compreender como estes produzem e se apropriam da instituição escolar, teve
início em abril de 2011 e se estendeu, de forma sistemática a maio de 2012, com retorno a
campo em 2013 e 2014, por período mais curtos. No entanto, continuamos, até o presente
momento, desenvolvendo pesquisa junto a esse povo.
O movimento indígena de organização dos atuais Tupinambá se configura desde os
anos 1980, mas ganha corpo principalmente a partir do final dos anos de 1990 quando uma
mulher nativa, Núbia Batista da Silva, com formação escolar superior (graduação em
Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus/BA) e ligada a uma organização
não governamental de alfabetização (CAPOREC10) passa a mobilizar as famílias de diversas
localidades, que hoje compõe o perímetro da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. É nesse
contexto de mobilização e reorganização interna que a educação escolar indígena começa a
ser pensada e construída de modo a atender às necessidades deste povo, buscando atuar em
duas frentes: a luta pelo reconhecimento étnico e a retomada de seu território ancestral. O que
se vislumbra, a partir desse novo contexto, é uma escola que seja produzida pelos e para os
Tupinambá.
O projeto de educação escolar iniciado a partir de 1996, sob a liderança de Núbia
Batista da Silva, ganha força na medida em que um grupo de professores começam a trabalhar
voluntariamente para alfabetizar os moradores da aldeia. Estimulados por Núbia, essas
professoras participaram do Coletivo de Alfabetizadores Populares da Região Cacaueira –
CAPOREC responsável pelo acompanhamento, e assessoria pedagógica e tinha como
proposta pedagógica fundamentada na obra de Paulo Freire, como outras propostas de
educação voltadas para povos indígenas da Bahia, a exemplo dos índios Kiriri, como
demonstrou Cortês (1996), e consistia nos seguintes passos: primeiro, a identificação e

10
CAPOREC – Coletivo de Alfabetizadores Populares da Região Cacaueira, ONG institucionalizada em
05/09/96, mas que vem atuando na educação de jovens e adultos desde 1992.

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motivação das famílias da comunidade; segundo, o levantamento das expectativas dos


alfabetizadores; terceiro, o trabalho partindo das histórias de vida (SILVA, 2006). Assim, ao
estudar e problematizar a realidade, as questões étnicas vieram à tona nas histórias de vida dos
alfabetizadores e das alfabetizadoras que foram se somando ao movimento. Ao se assumirem
indígenas, muitos alfabetizadores integram-se às atividades de formação e articulação política
que preparavam as atividades paralelas à Comemoração dos 500 anos do Descobrimento do
Brasil. Essa participação proporcionou ao grupo maior experiência e conexão com os demais
povos indígenas, evidenciando a necessidade da definição étnica, já bem retratado por Viegas
(2007), Ferreira (2011; 2013), Magalhães (2010) e Alarcon (2013). Nesse sentido,

Esse movimento, protagonizado por Núbia e alguns outros professores,


contribuiu sobremaneira na organização da comunidade para o
reconhecimento étnico pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em 2002,
e a identificação do território Tupinambá de Olivença, atualmente em
processo, com a publicação do relatório preliminar de demarcação das terras
pela FUNAI, em 20 de abril de 2009, com área proposta de 47.376 ha,
abrangendo os municípios de Ilhéus, Buerarema e Una. (MESSEDER;
FERREIRA, 2010, p. 189).

O movimento que multiplica a escola pelo território indígena, em especial pelas áreas
de retomadas, através dos processos de nucleamento, tem sido central para a compreensão da
importância que a escola assume entre os Tupinambá que, como já demonstrado em nossa
tese de doutorado, está articulado à luta pela demarcação e defesa do território, à defesa do
parentesco, à produção da cultura e ao estar na cultura, além da construção da identidade
(COHN; SANTANA, 2016; SANTANA, 2015; MEJÍA LARA, 2012). Ademais, como
demonstrado por Rocha (2014), a produção da escola e sua dispersão pelo território também
se articula e é articulada pela forma como os Tupinambá fazem política.
Os Tupinambá fazem escola para resistir e resistem fazendo escola. Estudar é resistir.
Possibilidade, inclusive, para se manter no território, cuidando dos parentes. Se a escola
produz novos postos de trabalho e, portanto, novas funções, novos empregos, que são,
também, disputados internamente, a partir do modo como se faz política, que envolve a
relação entre caciques, escola e professores, é verdade, também, que muitos permanecem no
território, fortalecendo a cultura, a luta, o movimento, porque tem a escola e as vantagens que
esta oferece, a exemplo de emprego.
Estudar é como fazer retomada, em duplo sentido: é resistência, diante dos perigos,
das dificuldades que se enfrenta para chegar à escola. Alguns desses perigos são muito reais,
sobretudo quando se instaura tensões mais agudas com os fazendeiros, dentro do próprio

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território. Ir à escola, nessas circunstâncias, é sempre perigoso. Ouvi de professores que nestas
situações as crianças, especialmente as que precisam atravessar fazendas para chegarem à
escola, têm que esconder sua cultura, a pintura corporal, colares, tanga, como forma de não
serem facilmente identificadas e, com isso, sofrerem ataques. Outras, ainda, segundo relato de
um professor, não querem chegar pintadas em casa porque tem medo do patrão, de serem
expulsas da terra. Medo de sair da terra e não ter para onde ir. Por outro lado, estudar é
“retomar”, de forma sempre atualizada, através do que se aprende na e pela escola, a história
dos antepassados, suas lutas, resistências; é produzir e estar na cultura como temos afirmado.
Ingrid Weber, em seu livro Um copo de cultura: Os HuniKuin (Kaxinawá) do rio
Humaitá e a escola, nos apresenta reflexões interessantes, mostrando-nos como os Kaxinawá
do Acre se apropriam da escola e, da mesma forma, reflete sobre o papel da escola na
definição dos limites da comunidade-aldeia e na apropriação da noção de “cultura”. O que a
autora pretende mostrar é como os métodos didáticos utilizados na escola Kaxinawá e, da
mesma forma, a introdução da escola na aldeia e a função que esta passa a desempenhar no
atual contexto seguem o mesmo padrão das aprendizagens das habilidades tradicionais, como
por exemplo, a prática da tecelagem. Nesse sentido, a utilização da cópia, “decoreba”
enquanto método de alfabetização11, na escola Kaxinawá, reflete muito mais a singularidade
da pedagogia Kaxinawá12 do que uma simples repetição das práticas de alfabetização das
escolas ditas “oficiais”.
Nesse sentido, e conforme Weber,

[...] a recente introdução dos saberes especializados da “cultura” no âmbito


escolar parece ser, a primeira vista, incompatível e problemática. Como se
sabe, nas sociedades indígenas há contextos apropriados para a transmissão
desses saberes, o que lhes confere sentido. Para mencionar o aspecto mais
saliente do “movimento” atual, os cantos, por exemplo, eram
tradicionalmente aprendidos no contexto das próprias cerimônias rituais.
Portanto, em tese, ao serem incorporados à escola, esses conhecimentos
estariam sendo dissociados de seus contextos legítimos de transmissão. No
caso do Humaitá, porém, a maior parte dessas cerimônias não vinham sendo
realizadas; em decorrência da longa vivência nos seringais, a “animação”,

11
Como a aquisição de qualquer habilidade, o aprendizado da escrita é lento. Ele provém de um envolvimento
individual e gradual (mas não sistemático) com o contexto em que a escrita é “praticada” e onde, passo a passo e
através da repetição (cópia), cada uma de suas técnicas vai sendo internalizada. Entende-se, assim, porque a
alfabetização leva, em média, quatro anos (ou mais), o que, visto da nossa perspectiva, poderia ser julgado como
fruto da incompetência do professor. (WEBER, 2006, p. 203-204).
12
A visão é uma importante habilidade para aqueles que estão aprendendo [...] A maior parte da pedagogia
envolve o aprendiz observando as ações do professor, mais do que ouvindo suas explicações. De fato, os
Cashinahua são notoriamente refratários à pedagogia discursiva. Eles sentem que os estrangeiros, como as
crianças, devem aprender mais por meio da observação e imitação do que escutando e depois pondo em prática.
(MCCALLUM, 1998).

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um fator constitutivo das festas antigas, assumiu outras formas. Nestes novos
tempos de “cultura”, a escola kaxi do São Vicente – o cupixau-escola -, vem
provendo um (novo) contexto para a transmissão dos cantos rituais, entre
outros saberes, e atribuindo sentido a sua prática. (2006, p. 220).

Para Celia Collet (2006, p. 272), a escola, entre os Bakairi parece, em um primeiro
momento, estar completamente alheia aos processos e aos contextos “tradicionais” nativos de
aprendizagem, pois os Bakairi fazem questão de que ela seja ‘como a do branco’ e para isso
se esforçam em copiar a disciplina, as maneiras e o conhecimento das ‘coisas da cidade’.
Todavia, ela acrescenta:
Com o tempo, através de várias evidências, comecei a perceber que o
método característico da escola bakairi não diferia muito do ‘não escolar’,
sendo centrado na ritualização e na performance, bem como na pedagogia da
repetição. O que me levou a essa conclusão foi uma questão que me
apresentou desde o início da pesquisa. Percebia que a escola era uma
instituição extremamente valorizada pelos bakairi, o que era demonstrada
pela baixíssima abstenção nas aulas, pela longa distância que os alunos de
outras aldeias percorriam diariamente para chegar à escola, pela ansiedade
que demonstravam os alunos à espera do horário da aula, pela excitação que
demonstram por estar na escola, pelo tempo gasto em preparar seus corpos
para ir à aula, pelo lugar de destaque que ocupa o prédio escolar nas aldeias,
pela preocupação dos pais diante do estudo dos filhos e pela valorização da
posição do professor. Por outro lado, também, observava que os conteúdos
escolares não eram tratados com a mesma importância, seja por parte dos
alunos, seja pelos professores. A maioria dos alunos não tem o hábito de
estudar em casa, abrindo o caderno somente para fazer suas ‘tarefas’ ou para
‘decorar’ o conteúdo da prova, e reclamando muito de ter que ler ou estudar
– dizendo que ‘a cabeça dói’ – em decorrência do privilégio da oralidade e
da observação na transmissão do conhecimento, o que faz com que o hábito
de ler ou estudar ainda seja um comportamento muito distante das formas de
aprendizado a que estão acostumados. (COLLET, 2006, p. 274).

As reflexões de Ingrid Weber (2006) e Célia Collet (2006) nos remetem a novas
possibilidades de análise acerca do papel que a educação escolar pode e tem assumido nos
contextos dos grupos indígenas, partindo das demandas específicas de cada povo e, sobretudo,
pensadas a partir da “lógica da cultura” ou dos modos como os povos indígenas traduzem para
dentro da aldeia seus projetos de educação. No caso específico dos Kaxinawá, a partir da
etnografia de Weber, é explicitado como o modo de ser Kaxinawá vai traduzindo a escola
para o contexto da aldeia, ao mesmo tempo em que a escola vai se apropriando desse modo de
ser Kaxinawá. Isso conduz a novos processos de aprendizagem e de reelaboração da cultura
desse povo, ultrapassando a lógica do discurso que busca na educação escolar indígena a
possibilidade do resgate cultural a partir de uma ideia de cultura genuína, localizada no
passado, necessitando ser resgatada. Por outro lado, segundo Collet (2010, p. 176),

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A escola bakairi atual, portanto, é um híbrido de elementos variados,


provenientes tanto das formas ditas “tradicionais” de formação do kurâ –
aprendizado doméstico, reclusão e, principalmente, o kado – quando de uma
vivência definitiva, de mais de 80 anos, com o Estado e seus agentes (SPI,
FUNAI, MEC, governo de Mato Grosso). Neste sentido, a escola é para os
Bakairi o local privilegiado da mediação com os karaiwa, ‘donos’ de
recursos que, a cada dia, se tornam mais necessários em termos de meios de
subsistência, de troca e de status. É na escola que os Bakairi, por mais tempo
e com mais intensidade, vivem como civilizados e ‘viram’ civilidados,
conforme sua visão xamânica de ‘transformação’ (âtugudyly), no presente e
no futuro.

Da mesma forma que para os Kaxinawá a escola é, para os Tupinambá, o lugar da


cultura porque a cultura pode tudo, como costumam afirmar. Do mesmo modo, as reflexões
trazidas por Celia Collet nos ajudam a pensar a escola Tupinambá. Foi raro presenciar, nos
encontros pedagógicos, discussões relacionadas ao ensino e à aprendizagem dos estudantes,
mesmo a escola apresentando “sérios problemas” (como afirmava a diretora da escola, Cleusa
Pinto) relacionados à aprendizagem dos conteúdos escolares, da leitura e da escrita 13. O que
parecia mais importar eram as questões relacionadas ao estar, praticar e vivenciar a cultura.
Atividades de cópia, por parte dos professores, eram muito recorrentes. Ouvia, com
frequência, de duas professoras com quem fiz grande amizade, que os professores dessa
escola são muito copistas14. Do mesmo modo como demonstrou Collet (2006, 2010) para os
Bakairi, muitos estudantes Tupinambá não têm grande envolvimento com algumas atividades,
em especial aquelas que se voltam para o aprendizado de certos conteúdos escolares; ouvia-
se, com frequência, que estes estudantes pouco estudavam para as “avaliações 15” que são
realizadas pela escola. Por outro lado, sempre ouvi elogios a alguns estudantes que eram
envolvidos com as coisas da cultura, tanto dentro quanto fora da escola16.
Envolver-se com as coisas da cultura é tornar-se mais forte enquanto Tupinambá e isso
implica na manutenção de relações com os parentes17, no compartilhamento e na produção da

13
Camila Beltrame (2013) apresenta em sua dissertação de mestrado questões similares em relação à escola dos
Xikrin.
14
Uma dessas professoras já era formada em Pedagogia e a outra estava terminando o curso. Talvez por isso, as
“acusações” em relação a seus colegas, de serem copistas. Atualmente, os “discursos” da Pedagogia se
contrapõem às atividades de cópia. Por outro lado, pude observar que, em sala de aula, as atividades de “cópia”
eram muito recorrentes entre essas professoras.
15
As chamadas provas, no final dos períodos ou unidades escolares.
16
Muitos desses estudantes não “levavam a sério” as atividades escolares, no que dizia respeito à aprendizagem
de certos conteúdos; eram alunos que não se saiam bem nas provas.
17
Em conversa que tivemos com dona Lourdes, quando falávamos sobre José - considerado o estudante que mais
vivia na cultura, por estar sempre pintado, com colares - e sua ida para São Paulo, ela pergunta: “será que ele vai
perder a cultura”? Afastar-se dos parentes corre-se o risco de tornar-se um outro, ou ao menos, torna-se mais
“fraco” na cultura. Perder a cultura, no caso de José, não é só perder os elementos que caracterizariam, também,
a cultura tupinambá (pintura, colares, tanga, dentre outras coisas). O “perder a cultura” é antes um afastamento

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cultura (com e sem aspas), como proposto por Carneiro da Cunha (2009); diz respeito
também a algo que costumava ouvir em conversas que tinha com alguns Tupinambá: é
preciso ser índio, índio, índio mesmo, já que há, inquestionavelmente, uma disputa por estar
no ápice do gradiente da “indianidade” nativa. Por outro lado, sabe-se que quem não está no
território, em uma aldeia, em uma retomada, é cotidianamente questionado e acusado, como
se negasse a própria “cultura”. Perder a cultura, ou a possibilidade de vir a perdê-la, como
parece sugerir Dona Lourdes em relação a José, significa, justamente, perder tudo e todas as
relações que ela possibilita. Nesse sentido, ser e tornar-se Tupinambá forte significa estar apto
a obter o conhecimento e as ferramentas necessárias para se articular com o mundo – seja ele
dos brancos ou dos próprios Tupinambá, como também sugeriu Rocha (2014).
Para Mainardi (2010), a escola, entre os Tupi Guarani da terra indígena Piaçaguera –
SP, exerce um papel importante no resgate cultural deste povo, a partir das relações que
articula com seus outros ‒ Guarani Mbya, os não indígenas e outros indígenas. A escola,
segundo Mainardi, tem papel importante na medida em que se torna o local de ensino da
língua e da cultura às crianças. Nesse sentido, a “escola e a casa de reza são locais de
negociação, onde ocorre constante atualização/construção do conhecimento e do que pode ser
Tupi Guarani” (2010, p. 53).
Vieira (2010, 2014) analisa a relação entre saber xamânico e educação escolar,
sugerindo que, assim como os cantos rituais são usados para pacificar os espíritos, a escrita é
usada para pacificar os brancos. Se os Maxakali podem imitar os cantos e ritos ensinados pelo
próprio yãmiy18 para pacificá-los, podem também usar a escrita e a escola para pacificar o
branco. No limite, segundo Vieira, os Maxakali vêm utilizando a escola e a escrita para a
produção, num primeiro momento, de um conhecimento sobre os brancos e, num segundo
momento, de um discurso para os brancos (VIEIRA, 2010, p. 146-148).

dos parentes, é o não compartilhamento dessas “relações de proximidade”, de afetos, de memórias que são o
tempo todo produzidas e que acionam um “tipo de consciência” do que é ser Tupinambá, que é também
produzida na escola.
18
Os yãmiy são agrupados pelos Maxakali em diferentes yãmiyxop (xop– grupo). [...] Durante os rituais taxtaxkox
(lagarta da taquara) de iniciação masculina, os meninos são capturados por espíritos e passam um mês em
reclusão no Kuxex (‘casa de religião’, no português falado pelos Maxakali. Local frequentado apenas por
homens, por onde os espíritos devem passar ao entrar ou sair da aldeia), aprendendo sobre os yãmiy. Cada grupo
de parente está ligado a um grupo de yãmiy. Aqueles que frequentam um mesmo Kuxex e sempre realizam
rituais juntos são chamados xape (parentes) e possuem o conhecimento de determinado conjunto de práticas
rituais e cantos. Este repertório é um patrimônio familiar passado de geração para geração. Um canto é sempre
propriedade de um vivente, mas esta propriedade é compartilhada com um yãmiy (VIEIRA, 2010, p. 139-139).
Para mais informações ver dissertação de Myrian Alvares “Yãmiy, os espíritos do canto: a construção da pessoa
na sociedade Maxakali”.

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Alvares (2004) apresenta reflexões sobre os processos próprios de aprendizagem e


transmissão do conhecimento e sobre a formação e o desenvolvimento infantil, considerando
as possíveis inter-relações e interpenetrações com os processos escolares de
ensino/aprendizado, como concebidos e praticados pelos Maxakali. Ademais, no texto, são
apresentados diversos aspectos da cosmologia Maxakali, que se traduzem nos processos de
construção da pessoa, nos modos como as crianças são percebidas e valorizadas e quais
relações são possibilitadas por intermédio e agência destas. No que concerne, particularmente,
às formas pelas quais os Maxakali têm se apropriado da escola, buscando domesticá-la, é
possível afirmar, a partir da etnografia da autora, que as “tradições Maxakali” se apropriam da
escola e a produzem através da lógica do xamanismo. Em suas escolas, as crianças continuam
aprendendo somente o Maxakali (ao menos era assim no momento em que a autora realizou a
pesquisa). O ensino da língua e dos cantos rituais no contexto escolar se justificam na medida
em que estes são indispensáveis no processo de constituição da pessoa Maxakali. A
socialização dessas formas de transmissão do conhecimento tradicional, no contexto escolar,
passa a ser considerado como o maior valor conseguido através da escola.
Dessa forma, segundo Alvares (2004, p. 74) ao socializarem o conhecimento
xamânico, nas “aulas de cultura”, os Maxakali elegeram essa dimensão para constituírem sua
imagem para o “outro”. A dimensão ritual amplia o seu campo semântico para dar sentido às
relações escolares, relações essas que se constituem através dos “brancos”, esses outros
extremos.
Ângela Nunes (2010) aponta os conflitos, disputas e contradições que surgem no
momento da construção de uma escola na Aldeia Xavante Idzö uhu, no Mato Grasso e, do
mesmo modo, reflete sobre o sentido da interculturalidade e do como, no plano concreto, os
programas educacionais ditos diferenciados se efetivam no respeito às particularidades sociais
e culturais de cada povo indígena. Nunes apresenta o empenho de professores para o
funcionamento da escola e, da mesma forma, os diversos entendimentos que pais e mães têm
acerca desta instituição e das propostas educacionais dos professores, que variam desde os
que “não tem opinião consistente formada a respeito do assunto. Há os que entendem, mas
não opinam; há os que desconfiam, os que gostam, os que não entendem, mas estão a favor,
os que são contra, os que estão atentos ao que acontece e os que não querem saber de nada”
(NUNES, 2010, p. 100). Para os professores, de modo geral, a escola é considerada como um
espaço para sistematização de conhecimento e cultura, através do aprendizado da leitura e
escrita.

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Souza (2001) fez uma etnografia da escola dos Pataxó de Barra Velha, pensando-a a
partir do diálogo entre Antropologia e Educação. Nesse sentido, segundo a autora “o
problema em que me defronto é o da [...] possibilidade de dialogar e incorporar uma
abordagem antropológica da educação escolar indígena” (SOUZA, 2001, p. 38), diálogo
construído de forma competente, como se pode ver em sua dissertação.
A escola, para os Pataxó de Barra Velha, constitui-se como espaço privilegiado de
afirmação da identidade étnica, de fortalecimento cultural, de atualização da memória e da
história, de aprendizado da língua Patxohã19, através de diferentes mecanismos e a partir de
diversos sujeitos, a exemplo dos professores, anciãos, pais, estudantes e comunidade. Se
diversos sujeitos participam desse processo, segundo Souza, os professores ganham destaque
privilegiado ou estão entre os mais importantes interlocutores, “convertendo-se em
promotores do resgate étnico”. Desde quando passaram a lecionar, os professores indígenas
começaram um processo de reflexão geral no interior de sua categoria profissional, a qual,
organizada em ações culturais, passa a reexaminar seu próprio papel, e sua condição
sociocultural e política na comunidade; são esses mesmos professores que estimulam os mais
velhos a participarem do ensino diferenciado.
A partir das diferentes etnografias apresentadas é possível visualizar uma
multiplicidade de formas e de modos como a educação escolar tem sido apropriada por
diferentes povos indígenas, como ela tem sido produzida em cada contexto e do como, neste
processo, novas relações, demandas e (des) entendimentos são produzidos. Lopes da Silva
(2001) já colocara a necessidade de aliarmos, em nossas reflexões sobre educação escolar
indígena, as contribuições teóricas e analíticas que a antropologia e a etnologia sul-americanas
contemporânea têm produzido, com as questões que dizem respeito à relação entre
antropologia e a educação. No limite, os desafios que se colocam seriam da seguinte ordem:
como compreender os projetos de educação escolar indígena em nosso país a partir dos

19
“O Patxohã é a língua pataxó resultado de um esforço coletivo entre os Pataxó para a retomada da sua língua
mãe, a partir de um processo de política linguística de autoria, que se desenvolve desde os mais velhos e da
mobilização entre a geração mais nova através da criação de um grupo de pesquisadores pataxó motivados pelo
desejo de aprendê-la, tomaram como tarefa a pesquisa para a documentação e ensino da língua pataxó, através de
um projeto empreendido por eles próprios, desencadeado em 1998 (César, 2011). [...] Enquanto um dos espaços
possíveis para a implementação de política linguística para o ensino do Patxohã, a escola tem sido uma aliada
nesse processo como um lugar significativo, pois é através dela que a geração mais nova está aprendendo o
Patxohã. Isso só pode ser possível porque as lideranças pataxó deram a importância devida e abraçaram esse
sonho de poder ver as crianças falando a língua e valorizando a sua própria cultura. Atualmente, já existem, só
entre os Pataxó da Bahia, 30 professores de patxohã espalhados pelas aldeias através das secretarias municipais e
estadual de educação, pois há uma dificuldade em relação a essa questão, pois grande parte desses professores
não chegou a concluir o ensino médio ou ter uma formação específica para professores.” (BOMFIM; SOUZA,
2013, p. 149-150).

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conhecimentos e categorias analíticas que têm sido produzidos no campo da etnologia e que
pouco tem dialogado com as questões de educação? Como bem nos lembra Lopes da Silva
(2001a, p. 40),
A etnologia do pensamento indígena, que revela a complexidade das
proposições ontológicas e metafísicas ameríndias e sua originalidade
flagrante perante o pensamento ocidental (ilustra-o o perspectivismo
amazônico), alerta para a complexidade das questões com que terão de tratar
experiências de educação escolar que se desejem efetivamente respeitosas
dos direitos indígenas.

Em certa medida, os desafios postos estão na ordem do diálogo que se quer produzir
entre antropologia e educação. Nesse sentido, conforme Lopes da Silva (2001b, p. 113)

[...] Importantes para o amadurecimento da prática e da reflexão sobre as


escolas índias são os estudos antropológicos que problematizem concepções
e representações da escola, da escrita, do livro em diferentes contextos
indígenas, bem como analisem processos sociais deflagrados pela educação
escolar ou relativos a ela em uma variedade de situações concretas. Desse
modo, são urgentes, para a reflexão indígena (e acadêmica) sobre os
processos de escolarização em curso, o registro etnográfico e processual de
casos específicos.

Considerações finais

Há que se retomar aqui uma questão mencionada acima: o debate sobre a diferença –
ou não – da etnografia tal como praticada na antropologia e pela educação. Perceba-se que as
etnografias que retomamos aqui são produções em antropologia e testemunham o
reconhecimento que cada vez mais a etnologia indígena tem feito da importância da escola
para se entender o que é ser e se constituir indígena no Brasil contemporâneo. Nestas
etnografias, questões tais como de que modo se configuram as escolas nestes lugares e quais
as expectativas e práticas que voltam os indígenas para as escolas nos revelam, de um lado, a
diversidade de experiências escolares, permitindo-nos rever uma noção estanque de escola,
assim como, de outro, a diversidade de modos se ser indígena e do papel da escola neste fazer.
Dito de outro modo, a etnografia das escolas tal como temos praticado na etnologia
indígena não se volta a responder a questões que tantas vezes se levanta sobre a escola, sobre
suas práticas pedagógicas e a validade e a efetividade de seus ensinos, mas busca seguir os
indígenas ao formular as questões de pesquisa. Sendo assim, importantes deslocamentos são
feitos, desde a ideia mesmo de formação das pessoas – da formação moral da pessoa e a
instrução a uma formação da pessoa que incide sobre os corpos e nas relações – a ideias sobre

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coletivos humanos e a territorialidades; desde comensalidade, a parentesco e afinidade; de


identidades étnicas a debates sobre a constituição da humanidade e tantos outros exemplos.
Escolas indígenas são construídas para formar outras pessoas, outros coletivos, outras
territorialidades, mas também o são para permitir que essas diversidades dialoguem com esta
necessidade contemporânea, a da convivência em um Estado nacional – e por isso mesmo,
tematizam e praticam o diálogo com os modos de uso das terras e das concepções de cultura
tal como praticadas por este Estado, razão pela qual se tornem muitas vezes o locus de uma
reflexão e de uma construção de identidades étnicas. Fronteiriças, como sugere Tassinari
(2001), as escolas indígenas conjugam e fazem se encontrar e se confrontar concepções
indígenas e não-indígenas (e estatais) do que são conhecimentos, aprendizagens, pessoas,
crianças, instrução, mas também de culturas, diversidade, humanidade e instrução. Por isso
mesmo, se a etnografia tem servido a educadores para pesquisar a escola, na etnologia, como
demonstrou esse nosso percurso de reflexão bibliográfica das pesquisas que focam as escolas
indígenas, as reflexões as excedem, obrigando etnógrafos a atentarem não só a práticas
escolares, mas também a estas concepções, tal como operam neste espaço de fronteira, e aos
usos mesmo da escola em uma diversidade de construções escolares tal como vivenciadas
pelos indígenas.
Esta, quer nos parecer, é a maior contribuição que a etnologia indígena nos dá para o
debate sobre a pesquisa nas escolas e o valor da etnografia – (re)deslocarmo-nos e nos fazer
lembrar que uma boa etnografia das escolas deve nos levar a refletir sobre a humanidade que
se quer constituir, sobre a formação de pessoas e de coletivos, sobre a diversidade das
concepções de pessoa e de infância, e sobre a escola ela mesma.

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Dr. José Valdir Jesus de Santana


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Brasil
Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem
Doutor em Antropologia Social – UFSCar
Professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade
Coordena o projeto de pesquisa: “Do ponto de vista das crianças: Educação e Relações
Étnico-raciais em escolas públicas do município de Itapetinga-BA”
E-mail: [email protected]

Drª Clarice Cohn


Universidade Federal de São Carlos - Brasil
Doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado pela Université
Paris Ouest Nanterre La Défense
Professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social
Coordena o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Antropologia da Criança (LEPAC)
E-mail: [email protected]

Recebido em: 27 de março de 2017


Aprovado em: 13 de abril de 2017

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