Ela Disse Pra Ele, o - Namoro - Thalita

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 196

PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Sumário
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
Parte 6
Parte 7
Parte 8
Como esta parceria começou
Créditos
Sobre os Autores

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Mônica: Ai, Magali, que demais a professora ter


indicado o Ela disse, ele disse: O NAMORO, da
Thalita Rebouças, pra gente ler!
Magali: Não vejo a hora de começar! Tô doida
pra saber o que aconteceu com o Leo e a Rosa.
Cebola: É, Cascão! As meninas não vão falar de
outra coisa nos próximos dias...
Cascão: Pode crer! Ainda mais que é sobre
namoro! Se prepara, careca! Há, há, há!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
— Parabéns para a gente, nessa data querida,
muitas felicidades, muito amor nessa vida! Êêê!
Era a comemoração pelo nosso décimo mês de
namoro. Sim, fazemos questão de celebrar nossa
história a cada mês. Sim, somos o casal mais
romântico do Oeste. Eu e o Leo nascemos um para
o outro. Fofo, mesmo sabendo que todo dia 2 eu
chego na sua casa com um pote de brigadeiro e
uma velinha para apagarmos juntos, ele sempre se
emociona quando começo a cantar.
Inacreditável um garoto se emocionar com uma
coisa dessas. Mas o meu amor se emociona. Ontem
chegou a tapar os olhos com as mãos para esconder
as lágrimas. Como se não bastasse tudo isso, ele é
louco pelo meu brigadeiro. Nenhuma surpresa, ok,
faço o melhor brigadeiro do mundo. Mas ele achar
o meu brigadeiro o melhor do mundo é lindinho

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

demais, né não?

Leo
Eu não sabia como dizer pra Rosa que celebrar
cada mês de namoro com vela, parabéns e
brigadeiro era demais pra mim. Eu acho idiota
comemorar os meses dos bebês, imagina de
namoro! Desnecessário, pô. Mas ela fica tão
feliz com o ritual, e eu gosto tanto de vê-la
feliz, que nunca tive coragem de falar nada. O
problema é que ela inventou uma musiquinha
de parabéns só nossa, e eu acho meio ridícula,
sabe?
E o brigadeiro? É simplesmente a coisa mais
doce e enjoativa que já entrou na minha boca.
Mas a Rosa se acha a maior especialista em
brigadeiro do mundo, não sou eu que vou dizer
pra ela que só de olhar praquele pote eu já
tenho ânsia de vômito. Acho que ontem ela

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

percebeu. Cheguei a franzir as sobrancelhas e


tapar os olhos com as mãos para evitar uma
tragédia. Mas respirei fundo, consegui prender
(até porque meu pai me mataria se eu vomitasse
no sofá) e apaguei a vela.
Quando olhei para ela e a vi sorrindo com
todo o rosto, eu me senti especial e sorri de
volta, percebendo que meu sorriso me deixava
com a maior cara de bobo. Mas, sério, tirando a
parte das comemorações mensais, a gente é um
casal bem maneiro. E eu sou completamente
apaixonado por ela.

Rosa
Eu sou completamente apaixonada pelo Leo. Mas
ele tem umas coisas que me irritam. Por exemplo, o
futebol. Ah, por que os garotos levam tão a sério
uma simples pelada? Por que peladas não podem
acontecer bimestralmente, semestralmente?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Anualmente, então, seria perfeito.


Jura que toda semana eles precisam se reunir pra
chutar uma bola estúpida? Mesmo que o dia da
pelada seja o dia do nosso mesversário de namoro?
É, inventei mesversário. Sou ótima na arte de
inventar palavras.
O mais incrível é que nosso mesversário cai no
dia do mesversário do nosso primeiro beijo! Não o
beijo-que-não-foi-beijo, que demos dias antes do
beijo-que-foi-beijo-mesmo na porta do elevador.
Estou me referindo aos beijos que rolaram na
escola, beijos perfeitos. (Um parêntese se faz
necessário para que eu possa explicar o uso do
plural na frase anterior. Eu e o Leo temos dois
primeiros beijos. Sim, somos simplesmente
sensacionais. Temos o primeiro beijo, que o Leo
roubou de mim em plena sala de aula, enquanto eu
discutia com a Mabu, e o outro primeiro beijo,
lentinho, planejado e muitíssimo esperado, na saída
da escola.)
Quantos casais podem sair por aí se gabando de
ter começado a namorar no dia em que se beijaram
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

pela primeira vez? Impossível existir alguma coisa


mais importante do que o dia do nosso primeiro
beijo! O segundo primeiro beijo, digo. Aquele beijo
demorado, quente e romântico que aconteceu
depois de segundos de um respirando o ar que saía
da boca do outro, um sentindo o coração acelerado
do outro... Foi tão especial... E é sempre uma
delícia relembrar cada momento.
Mas o Leo, mesmo com todo o romantismo da
nossa data comemorativa, preferiu o futebol. O
futebol que ele joga duas vezes por semana. DUAS
VEZES POR SEMANA!
— Você é um insensível!
— Mas a gente já cantou parabéns e tudo!
— Só que eu achei que a gente iria ao cinema e
depois a um japinha.
— Por que você achou isso?
— Porque a gente combinou!
— Rosa, eu não posso ter combinado nada com
você, é impossível faltar à pelada hoje. Já não
expliquei que quem falta fica na reserva nos dois
jogos seguintes?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Ai, que ódio eu tenho dessa porcaria dessa


pelada! E como se não bastasse ele ter duas partidas
com os amigos durante a semana, aturá-lo na frente
da TV nas tardes de sábado e domingo e na quarta à
noite! Tem como não se estressar com esse vilão de
namoros chamado futebol?
— Jura mesmo que você pre-ci-sa ver esse jogo?
— perguntei numa tarde ensolarada de domingo.
— Claro.
— Por quê?
— Porque o Fluminense vai jogar.
— E ontem? O Fluminense jogou também?
— Não.
— Então por que você disse que TINHA que ver
o jogo de ontem?
— Porque o jogo era ótimo, os dois times eram
bons. Hoje vai ser melhor ainda. São dois jogos
excelentes.
— Um seguido do outro?
— Arrã.
— Meu Deus! Como consegue?
— São dois clássicos, Rosa!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Clássico é um sapato Prada, não um joguinho


de futebol, Leonardo!
— Joguinho? O Brasileiro é o campeonato mais
importante do país!
— E na quarta? Por que é que a gente não pode
nunca sair nas quartas?
— Porque quarta é dia de Libertadores.
— E precisa ver sempre?
— Sempre. Libertadores é muito importante.
— Muito importante não é o Brasileirão?
— Rosa, entende uma coisa: os dois
campeonatos são superimportantes.
— E eu? Não sou importante?
— Você é chata — respondeu, com um
sorrisinho safado, antes de me dar um beijo.
— A porcaria do Brasileiro, que tira você de
mim nas tardes de sábado e domingo, acaba
quando?
— Só no fim do ano.
Morri. Estávamos em maio.
— Só?! Mas o Fluminense joga todo fim de
semana?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Claro. Todos os times jogam todo fim de


semana.
— Todos os times do Brasil?
— Não, da Alemanha — debochou. — Claro que
é do Brasil, Rosa. O campeonato se chama
Brasileiro, pô!
Ok, mereci a patada, a pergunta acima era
praticamente um atestado de burrice. Mas não
passei recibo. Fingi que não ouvi e segui em frente.
— O que quero saber é como eles conseguem
jogar todos os fins de semana! Eles não tiram
folga? Não descansam?
— Descansam? Tá doida?
O meu sangue ferveu. Eu estava por aqui com
esse negócio de futebol. Queria matar o
Fluminense. E disse isso com toda raiva e com toda
a potência da minha goela.
— Eu quero que o Fluminense morra!
Ele olhou para mim sem dizer uma palavra.
Sentiu que a coisa era séria, que, como diria minha
mãe, a batata dele estava assando. Leo enfim
percebeu: era eu ou o futebol. Ele precisava saber
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

que eu não estava pra brincadeira, o futebol era


importante, mas eu era importantíssima. Não ia
deixar barato! Jogos de futebol, na telinha ou na
vida real, que se danem!, comemorei vitoriosa. O
buraco comigo era mais embaixo, nasci pra ser
goleadora nos diálogos e era evidente que tinha
acabado de fazer um gol de placa.
Só que não.
— Que frase ridícula é essa?! — rebateu, rindo
com o corpo inteiro. — Ai, Rosa, você é hilária! O
Fluminense é um time, time não morre! —
completou, limpando as lágrimas que corriam pelo
seu rosto.
Ele realmente estava achando muito engraçado.
— Então... Então eu quero que o Fluminense
acabe!
Ele continuou a rir, enquanto olhava sem piscar
para a televisão, à espera do tão incrível jogo que
estava por vir.
— Não vai acontecer!
— Por quê?
— Porque não! Time não acaba!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Mas o Fluminense foi para a terceira divisão.


— E voltou. E virou campeão! E tá jogando
muuuuito! Ôôôô!
Ôôôô? Que diacho era ôôô? Um sinal para que
eu calasse a boca? Um pré-espirro? Um cântico de
uma tribo indígena?
— Time de guerreiros! Ôôô! Ôôô! Time de
guerreiros!
Ah... Musiquinha idiotinha de torcida.
— Entendeu, né? O meu time não vai acabar,
não vai morrer, não vai explodir. Futebol é a paixão
nacional, eu adoro futebol, se você quer me ver
feliz tem que aceitar, e é isso aí.
Grosso!, xinguei em pensamento. Que óóódio!
— Entendeu?
— Entendi — rosnei, resignada.

Leo
Quando a Rosa começa a puxar conversinha de

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

futebol sempre penso como seria bom viver


num mundo em que namoradas pudessem levar
cartão vermelho dos namorados. Mais que bom,
seria perfeito um cara mostrar o cartão e a
garota, mesmo que tentasse argumentar —
como tentam os jogadores — não tivesse nada a
fazer a não ser sair de campo, reclamando. Pena
que na vida de um casal não existam regras
claras como as das quatro linhas. Aí, sim, eu
diria que vivemos num mundo justo.

Rosa
Agora que ficou claro o tamanho da raiva que sinto
dos 90 minutos mais malgastos do planeta, posso
voltar à discussão que rolou no dia do nosso
mesversário. Onde estávamos? Ah, sim. Eu
comentava a imensa insensibilidade do Leo em
relação à nossa linda e romântica data.
— Quer ser insensível? Problema seu! Depois, se

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

eu mudar meu jeito com você, não reclama! —


ameacei, antes de sair como um foguete do
apartamento.
Foi uma saída de novela. Aposto que logo depois
ele se arrependeu da forma que me tratou e ficou
chorando encostado na porta, deslizou por ela suas
costas até sentar no chão e ali, sentado, desolado,
arrasado, se entregou ao mais profundo sofrimento.
Tal qual aconteceria num folhetim.
Taí, nunca entendi por que ninguém em novela,
em nenhuma novela!, vai atrás de quem sai como
foguete dos apartamentos. Nas tramas televisivas,
as pessoas só choram, choram, esfregam as costas
ridiculamente na porta até o momento em que a
música de fundo sobe e corta para a cena seguinte.
O Leo, claro, só não foi atrás de mim
imediatamente (o que acabou levando-o a viver
uma cena de novela) porque preferiu se dar um
tempo para pensar na sua atitude, na sua
insensibilidade comigo, na nossa relação, na nossa
história. Mas a choradeira durou pouco. Em pouco
tempo ele enxugou as lágrimas, levantou-se num
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

pulo, abriu a porta e foi correndo atrás de seu amor.


Mas era tarde demais. Eu já tinha entrado no
elevador.

Leo
Ainda bem que a Rosa foi embora, pensei assim
que ela bateu a porta. A gente ia acabar
brigando e não tenho paciência pra brigar com
ela. Na verdade, não gosto de brigar, ponto. Até
porque essa discussão sobre o meu futebol já
rolou umas mil vezes. A garota sempre quer
que eu troque a pelada por algum motivo
especial. Especial pra ela, faço questão de
sublinhar: festa da Luana, ida ao shopping para
escolher o vestido da festa da Luana...
— Achei que a gente iria ao cinema e depois
a um japinha... Poxa, Leo...
— Por que você achou isso? — perguntei,
sem disfarçar o espanto. Ela estava realmente

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

exaltada.
— Porque a gente combinou!
Disse na hora que não combinamos nada,
mas admito que posso ter combinado. Existia,
sim, uma muito pequena possibilidade de eu ter
concordado com o cinema seguido de japa. O
problema não é meu, é da Rosa, que fala tanto
que já me fez questionar se não sofro de TDA,
Transtorno do Déficit de Atenção. Sou
superatento a tudo, mas com ela... juro que é
complicado ficar 100% do tempo focado.
Então, enquanto ela tagarela, o meu
pensamento muitas vezes voa para bem longe.
Aí acabo concordando com o que diz minha
namorada — mesmo sem saber com o que
estou concordando.
Se eu não fosse um namorado gente boa, um
“querido”, como ela gosta de se referir a mim (e
ao pipoqueiro, ao dono da banca perto da
escola, ao meu pai, à maioria dos professores e
a algumas pessoas com quem ela conviveu não
mais que 13 segundos), tudo bem ficar
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

irritadinha com meu futebol, mas sou o


namorado mais maneiro que conheço, os meus
amigos vivem me zoando que preciso ter mais
atitude, que faço tudo o que ela quer, que sou
uma marionete na mão da Rosa e coisa e tal.
Cara, qual o problema das mulheres com
futebol? Por que é tão difícil pra elas entender
que pode ser uma parada fundamental na vida
de uma pessoa? Eu, modéstia à parte, sou
fundamental para os meus dois times, o da praia
e o da escola. Sou praticamente um Neymar, é o
que dizem por aí. Mas a Rosa acha que nossa
comemoração a cada mês é que é fundamental
para a “saúde da relação”, para “não cairmos na
rotina” e outras frases malucas que ela diz e eu,
como sempre, só concordo, calado. Pô, se fosse
comemoração de ano, mas era de dez meses!
Dez meses!
Saiu batendo a porta toda dramática e eu
finalmente pude voltar pro livro que meu velho
tinha me dado de presente. Podia ter ficado pau
da vida, batido boca, mas não fiz nada. Apenas
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

me calei. Conheço a Rosa, ela estava na TPM,


aqueles dias em que garotas viram monstros.

Rosa
Odeio quando o Leo não argumenta comigo, odeio
quando me deixa de lado, odeio quando fica
monossilábico, odeio quando só concorda com
tudo, odeio quando discorda, odeio quando ele
deixa nosso namoro para segundo plano. Tá bem, tá
bem, futebol é importante pra ele e blá-blá-blá, mas
custava faltar um diazinho pra me levar ao cinema?
Custava? Mesversário, poxa!
Droga, agora lá estava eu chorando feito louca
enquanto caminhava para o ponto de ônibus. Como
é deprimente chorar em Botafogo, lamentei. Ok, é
deprimente chorar em qualquer lugar público, mas
andando pela Conde de Irajá e imaginando o que os
porteiros que me veem todos os dias estavam
pensando do meu choro é muito pior.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Quer saber? Não estou nem aí para o que estão


pensando sobre o meu choro, decidi assim que
cheguei ao ponto. A dor é minha, derramo lágrimas
quando e onde quiser! Preferiria chorar rios de
lágrimas sentada no azulejo frio do meu banheiro,
atracada com um pote de brigadeiro? Claro que
sim! Mas a vida quase nunca é como a gente quer
que ela seja. Porcaria de vida.
O ônibus chegou. Sentei ao lado de uma
senhorinha que se preocupou comigo e perguntou
se eu estava bem. Foi o que bastou para que eu
desabasse e abrisse o berreiro tal qual uma criança.
Meu Deus, alguém tem um chocolate? Preciso de
um chocolate!, urrei em pensamento enquanto
soluçava no colo da senhorinha. Sim, no colo da
senhorinha. Acho que estou na TPM, concluí.
— Não fica assim... Vai passar... — deu força a
avozinha.
— Jura?
— Juro. O importante é não ligar. Não liga. Dá
tempo pra ele pensar no que aconteceu, o seu
namorado precisa refletir.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Não ligo nunca mais para o Leo?


— Não é isso. Enquanto vocês estão
estremecidos...
Pausa para um comentário: A-M-E-I
“estremecidos”! Adoro palavras antigas. Palavras
de outrora. Tem palavra mais linda que outrora?
Tem. Proletariado. O significado não é bonito, mas
que palavra forte, boa de ser falada, mastigada.
“Estremecidos” foi tudo, ganhei o dia, até engoli o
choro por um momento.
A senhorinha continuou a me consolar:
— O ideal é ficar quietinha no seu canto. Fala
com o Leo só quando ele ligar. Os garotos dão
muito mais valor para as meninas quando pensam
que elas não estão dando muita bola pra eles.
Pessoas mais velhas sabem das coisas (só não
entendi direito o que significava dar “muita bola”.
Será que “dar bola” é o “dar mole” de gerações
passadas?).
— Faço linha dura, então, né?
— É! Dá duro nele!
— Finjo que não estou nem aí!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Isso mesmo, garota!


Adoro ouvir os conselhos dos mais velhos. São
experientes, vividos, sábios. Demais a senhorinha
estar tão interessada em me botar pra cima.
Querida!
— Mostro pra ele que tenho a alma sensível!
— Boa! Mas o importante mesmo é não dar bola
pra ele!
— Não vou dar bola pra ele!
Daria um Google assim que pudesse para me
certificar se “dar bola” era o mesmo que “dar
mole”, “pagar paixão” e afins. Mas naquele instante
precisei usar o celular para outra finalidade.
— Desculpaaaaa!
Liguei pro Leo. Liguei mesmo.
Nunca consegui seguir ao pé da letra os
conselhos dos mais velhos. Mas ouço tudo
atentamente. Enquanto a senhorinha falava, eu só
pensava no que o Leo estava pensando, no fim do
namoro, no fato de eu não estar preparada para
viver sem ele, que se fosse pra terminar que não
fosse naquela hora... Dramática? Eu? Naaada!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Sussurrei baixinho para ela, culpada até a raiz do


cabelo:
— Estou dando bola?
— Está. Muita. Tudo errado. Tudo errado! Tsc,
tsc, tsc... — recriminou a senhorinha, virando o
rosto para a janela.
Melhor contrariar a senhorinha do que o Leo,
certo?
— Desculpa o quê, Rosa?
— Eu ter saído da sua casa batendo portaaaa!
— Você estava chateada.
— Eu tava chataaa.
— Também.
— Você ainda gosta de mim? Diz que siiiim! Por
favor, diz que siiiim!
A essa altura, todos os passageiros ficaram
mudos para ouvir minha conversa cheia de vogais
irritantemente repetidas. E a senhorinha solícita?
De vez em quando, ela desviava o olhar da
paisagem só para me lançar olhares recriminatórios
piores do que o pior olhar recriminatório da minha
mãe.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Eu te amo, Rosa.
— Oooowwwnnn... Também te amo! —
comemorei e cutuquei a senhorinha. — Ele me
ama, viu?
Ela revirou os olhos, entediada, não sem antes
me chamar de burra com eles. A senhorinha não era
tão querida.
— Já esqueci todas as chatices que você disse,
tá?
— Chatice, disse... Rimou... Leo, seu lindo, até
fazendo as pazes você é maravilhoso, sabia?
— Sabia. E sei também que você tá na TPM, não
tá? Eu conheço voc...
— O quê?!
— Disse que sei que você tá na TP...
— Eu ouvi! Só não acredito que ouvi isso! Por
que você tá falando assim comigo? Por que tanta
agressividade? O que essa frase quer dizer? Hein?
Hein? Que eu fico diferente na TPM? Que eu mudo
de personalidade na TPM? Eu odeio quando você
me julga! Julga e condena, não é, Leonardo? E eu
toda fofa ligando pra pedir desculpas!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Mas Ros...
— É num telefonema que a gente conhece as
pessoas, sabe, Leonardo? Olha, eu quero que a bola
fure! Quero que a pelada de hoje seja a pior de
todas as peladas da história das peladas! Um beijo,
tchau! — desabafei, sem respirar. Respirei e
continuei em outro tom, emendando uma palavra
na outra: — Amanhã te espero na porta do colégio
pra entrarmos juntinhos de mãos dadas, tá? Você
ainda vai entrar comigo na escola de mãos dadas,
não vai? Vai, não vai?
— Vou, Rosa...
É... Eu definitivamente estava na TPM. Por que
fui deixar meu pote de brigadeiro incrível na casa
do Leo? Que mundo cruel e amargo, meu Deus!

Leo
Mulher na TPM é muito chata. A garota
telefonou e deu outro ataque comigo, do nada,

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

eu quietinho no meu canto e ela enlouquecida,


berrando insanidades no meu ouvido. E ainda
rogou praga pro meu futebol.
Não adiantou nada. A pelada foi sensacional,
com direito a quatro gols do Neymar aqui.
Quatro.
Depois do jogo, contei para os meus amigos
sobre o desastre do meu “mesversário” de
namoro.
— Cara, na boa, tu tá dando muito mole pra
Rosa! — alertou Tiago.
— A Luana não faz isso comigo, não. Leo,
aprende, a gente tem que ser duro com elas,
porque se a gente der o dedo elas vão querer o
braço. Desde o começo eu digo pra Luana:
“Comigo é assim, vai se acostumando” —
argumentou Homero.
— Sei. Só que ela não se acostumou, né?
Você e ela ficaram um tempão brigados.
Voltaram só na semana passada — zoei.
— É, Homero. Deixa de conversinha —
criticou João Ivo.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Nem você, que acha que sabe tudo,


entende cabeça de mulher — concluí, apoiado
pelos caras.
— É isso aí. Você e a Luana só não são
piores do que a Júlia e o Confusão. Tá pra
nascer casal mais estressado — comentou
Tiago.
— Casal? Você quis dizer garota estressada,
né? Aquela ali nasceu estressada — comentei.
— Ou, como ela dizia até pouco tempo atrás,
“es–ters–sa-da” — cutucou Homero.
— Pô, cara, nem fala. A Júlia fica boladona
quando eu corrijo ela. Sempre dá briga —
entrou no papo Confusão.
— Mas as brigas têm valido a pena, dá pra
perceber que o vocabulário dela aumentou. Até
a Rosa elogiou outro dia. Disse que você fez
bem pra Júlia, que agora ela até lê revista, antes
de você, nem isso.
— A gente tenta, a gente tenta... — brincou
ele. — Vocês também pegam pesado com a
Júlia. Não dá pra ser bonita, gostosa e
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

inteligente ao mesmo tempo, né?


Taí uma frase que eu jamais diria. Imagina se
eu algum dia me referiria à minha namorada
daquele jeito? O Confusão tinha evoluído como
pessoa, estava bem menos imaturo e menos
troglodita, fato. Mas de vez em quando dava
umas recaídas. O desconforto foi geral, porém
rápido. Ninguém falou nada sobre o comentário
canalha, já que Tiago se apressou em botar um
ponto final naquela conversa.
— Sério mesmo que a gente está falando de
mulher há mais de dois minutos? O que
aconteceu com a gente? — questionou Tiago,
às gargalhadas. — Daqui a pouco a gente vai
falar de depilação, cabelo, maquiagem, TPM...
Aliás, como elas são chatas na TPM, hein?
— Ô, nem fala. Acabei de brigar com a Rosa
por causa dessa porcaria. Elas podiam todas
viajar pra China nessa época do mês, né não?
Deviam ser liberadas da escola pra isso. A
humanidade seria tão mais feliz.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Mônica: Ai, vocês leram a parte da TPM? Fiquei


até emocionada! Que coisa linda!
Cebola: Linda? Emocionada? Você está
brincando, né? Essa parte é muito engraçada, não
tem nada de emocionan...
Mônica: Não acredito que ouvi isso! Seu... Seu...
Insensível! Você não entende nada! Nada! Na-da!
Cebola: Ô-ou...

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
No dia seguinte, mais calma e com vergonhinha das
minhas atitudes imaturas, levei um pedaço de bolo
de cenoura para o meu namorado. O Leo ama o
bolo de cenoura da minha mãe, foi amor à primeira
mordida, assim como aconteceu com meu
brigadeiro sensacional, que ele ama mais que tudo
na vida.

Leo
A Rosa chegou na porta da escola com um
sorriso meio encabulado. Dava pra ver que
estava mal por ter gritado comigo, dado
escândalo e tal. Assim que me viu mostrou o
bolo de cenoura. O meu estômago ficou felizão,
deu pra sentir. Ao contrário do brigadeiro da
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

minha namorada, o bolo da sogrinha é


simplesmente sensacional.
Com as bochechas vermelhas, Rosa pediu
desculpas com os olhos, depois com a boca, e
logo me deu um beijinho carinhoso. Perdoei na
hora. Em silêncio. Porque se eu tivesse
mencionado novamente as três letras que
transformam garotas em monstros, estaria
ferrado. Aos dez meses de namoro, cheguei à
conclusão de que o silêncio, na maioria das
vezes, vale mais que mil palavras. Mentira, foi
meu pai quem me ensinou essa frase. Mas eu
concordo. O grande Múcio estava coberto de
razão quando me passou esse “ensinamento”.

Rosa
Demos um beijinho e entramos na escola de mãos
dadas, como fazemos todos os dias, desde que
começamos a namorar.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Mabu e Confusão chegaram ao mesmo tempo,


mas separadamente. Nunca sabia se eles estavam
juntos ou brigados, os dois viviam às turras, casal
mais chato, mais briguento.
Ela tinha cortado o cabelo e deixado bem na
altura dos peitos, que pareceram ainda maiores.
Confesso que tinha inveja do corpo da Júlia. Por
que umas meninas ficam com corpo de mulher
antes de outras?
Só não caio no choro porque já me acostumei
com meu corpo reto como uma régua. A minha
querida mãe, por exemplo, costuma dizer que sou
“ótima nadadora”.
— Rosa? Nada de frente e nada de costas! Uma
beleza! — pontua sempre que pode, para cair na
gargalhada logo em seguida.
Isso é que é mãe amiga, mãe parceira.
— Você nunca me trairia, né? — quis saber, na
saída da escola.
— Claro que não, Rosa. Que pergunta!
— Nem se uma deusa do cinema ou da televisão
te desse mole?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Claro que não! Que bobagem! — reagiu Leo,


antes de fazer uma breve pausa. — Quer dizer...
Depende da deusa. Nomes, quero nomes.
— Leonardo, seu safado! — fingi um
enfezamento, rindo com todos os dentes e tascando
nele uma bitoca estalada.
Esse é o Leo. Fofo, espirituoso, inteligente,
engraçado.
— E se a deusa fosse eu? Se eu tivesse nascido
com o corpo incrível da Mabu?
— A Mabu tem o corpo incrível? Sério? Nunca
reparei.
Ok, o Leo é cínico também. Cínico, palhaço e
dissimulado.

Leo
Até hoje acho graça do apelido que a Rosa
inventou pra Júlia: MABU – Menina Arrogante
e Burra. Garota tem cada uma!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Oi, Leozinhôôô! — miou Júlia, derretida.


— Quanto tempo depois de começar a namorar
a Rosa você mudou o seu status no Face?
Demorou à beça, né?
Não! Aquele assunto não!
Pô, Júlia!, quase chiei. Esse assunto já tinha
me dado muita dor de cabeça e rendido
intermináveis discussões. Ela tinha que trazê-lo
à tona justamente na frente da Rosa?
Júlia e minha namorada tiveram problemas
desde o início. Antipatizaram uma com a outra
logo no primeiro dia. Quando comecei a
namorar, a Júlia foi bem grosseira, disse coisas
horríveis para a Rosa, que jurou ódio eterno à
sua inimiga mortal. Mas assim que voltamos às
aulas ela deu uma segunda chance à Menina
Arrogante e Burra.
— Legal ela vir se desculpar por tudo de
ruim que disse pra você, né? — comentei.
— É — concordou Rosa, desconfiada.
— Pô, foi a primeira coisa que ela fez
quando chegou na escola — complementei.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Arrã...
Mulheres... Fui salvo pela Carol, uma das
melhores amigas da Rosa.
— Acho que o namoro da Júlia com o
Confusão tem feito bem pra ela.
— E a gente tem que pensar que as pessoas
mudam, né? Amadurecem. Até o Confusão
parece ter amadurecido. Vai ver a Júlia pensou,
botou a mão na consciência e percebeu o quão
grossa, mal-educada e inconveniente ela foi
com você, Rosa — acrescentou Luana.
— É. Vocês estão certos. Além do mais, todo
mundo merece uma segunda chance, né? —
analisou minha namorada.
A Rosa é assim, especial. Magnânima,
perdoou, passou uma borracha no que
aconteceu e pareceu até estar disposta a ser
amiga da Júlia.

Rosa
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Demorou à beça, néan? Demorou à beça, néan? Ai,


como eu não consigo engolir a Mabu! Ela se joga
em cima do Leo sempre, sem a menor cerimônia! E
ainda finge que é minha amiga, que gosta de mim.
Tá bom! Achei bacana ela me pedir desculpas no
começo do ano. Perdoei porque sou incrível, gente
boa, fofura, querida, a bondade em pessoa. E
também porque não queria que o Leo, a Luana e a
Carol achassem que eu era cabeçadura. Mas a
vontade que eu tinha às vezes era de gritar “Falsa,
insuportável, metidaaaaa!”.
E vamos combinar que aquela pergunta foi só
pra me irritar, né? Claro, ela sabia o quanto tinha
me magoado o Leo continuar livre e desimpedido
no Face enquanto três dias depois do nosso
primeiro beijo eu já tinha trocado “solteira” por
“em um relacionamento sério”. Ai, que ódio!
— A Rosa mudou o status dela rapidinho e
você... Caraca, Leo, tipo, cê demorou muuuuito.
Muuuuito! Tipo, todo mundo comentava, tipo, todo
mundo abria o Face pensando, tipo, “será que o Leo
já trocou o status?”.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Também não foi assim, Júlia. Eu...


— Ah, Leuô, não... Menos. Nem vem se
defender agora! Tipo, todo mundo sabe, todo
mundo comentou.
Tipo... Eu queria voar no pescoço dela.
— Rosinha ficou tão tristinha... Tristinha, tipo,
modo de falar, cê ficou, tipo, tristona mesmo.
Lembra, Rosa? Você, tipo, chorando no banheiro
com a Luana e a Carol? Tadinha... Tipo toda
desconfiada, toda arrasada.
Agora eu estava tipo toda irritada, com reais
instintos assassinos.
— Isso nunca aconteceu! — foi tudo o que
consegui verbalizar. Digo, mentir.
Claro que chorei no banheiro, e muito! O meu
nome era angústia. Será que ele me ama? Será que
algum dia vai me amar? Será que está apaixonado
por outra? Será que quer pegar geral antes de
assumir um compromisso? Será que está pegando
geral? Será que vai me dar um toco? Será que ele
acha que tenho mau hálito? Será que me considera
uma pessoa chata no Face?, eram as perguntas que
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

povoavam o coitadinho do meu cérebro enquanto o


Leo não mudava de status.
O meu maior pânico, confesso, era que ele me
achasse chata no Face. Porque tem gente que é
legal na vida e no Face, tem gente que é legal no
Face e chata na vida e gente que é legal na vida e
chata no Face. Tantas pessoas são assim, eu podia
ser uma delas...
Na minha cabeça, ele estava com vergonha de
me assumir oficialmente como namorada porque
achava que no mundo virtual eu era infantil, burra,
sem graça, desinteressante, ou que eu curtia coisas
demais (ou de menos), ou que fazia comentários
bobos, ou, pior, que marcava muitas pessoas em
fotos com poucas pessoas, que publicava coisas
desnecessárias, que convidava meus amigos a curtir
páginas e a jogar joguinhos que para ele eram
idiotas... Enfim, os meus dias viraram um inferno
naquele período.
Corroída de dor e dúvida, ainda tinha que
disfarçar, porque não queria que o Leo me achasse
a louca do Facebook, a grudenta da vida real que
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

quer ser grudenta na vida virtual... Sei lá, é difícil


entender cabeça de menino, eu só queria ser amada,
real e virtualmente. Precisava ter certeza de que
estava namorando de verdade, que não era um rolo
sem importância.
— Ah, não faz a linha garota fina, Rosa. Tipo,
não combina com você, gata. Vi você, tipo, chorar
no banheiro, tipo, várias vezes por causa do Face
do Leo, tá? Várias vezes. Várias vezes mesmo.
E enquanto Júlia falava sem parar, eu queria
tatuar no meio da testa dela, bem lentamente, a
frase EU SOU ANTA. Pra machucar de verdade.
Tive esse pensamento várias vezes. Várias vezes
mesmo.
— Fala, Leozinho! Quanto tempo depois de
começar a namorar você trocou o status?

Leo
A Júlia só podia estar zoando com a minha

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

cara. Até hoje escuto muito por causa dessa


porcaria desse Facebook. Na época eu nem me
liguei, não passou pela minha cabeça mudar
status nenhum, na verdade, desconhecia a
existência do tal do status no Face! E
desconhecia mais ainda a importância da
porcaria desse status para uma menina como a
Rosa.
Para ela e para suas amigas (talvez para a
maioria das meninas), o status é coisa de vida
ou morte, diz muito sobre o caráter do cara, sua
postura, suas verdadeiras intenções, o “grau de
envolvimento com o ser amado”, como Rosa
adora frisar sempre que pode.
Mudei o status exatamente um mês e 17 dias
depois do nosso primeiro beijo, segundo a
minha doce namorada. Lembro que no dia em
que veio conversar comigo sobre o assunto ela
estava mal, chorou, disse que pensou que iria
esperar mais tempo, mas não conseguiu,
precisava desabafar. E saiu falando bobagem:
que eu não gostava dela, que no começo achou
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

que era desleixo, mas depois tinha ficado claro


que eu não dava valor a ela, que eu não
considerava séria a nossa relação, que se eu não
gostava de verdade dela que falasse logo, pra
ela não alimentar falsas esperanças... Essas
crises de mulher.
Agora vinha a Júlia perguntar a minha
opinião sobre status no Face. Na frente da Rosa.
Pô, a garota realmente não vai com a cara da
minha namorada, concluí.

Rosa
A Júlia não vale nada, mesmo, pensei. Afinal, ela
sabia perfeitamente o quanto o assunto me irritava
e foi perguntar a opinião do Leo, na minha frente!
Depois entendi seu real objetivo: irritar o
Confusão.
— É que eu e o Confa terminamos. Novidade,
né? Mas agora acho que é pra sempre. Então eu tô a

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

fim de mudar de status logo, pra mostrar pra todo


mundo que não tenho mais namorado, que tô livre,
livrezinha da silva, pronta para arrumar outra
pessoa.
Ô-ou... Climão, climão!
— Júlia, pega leve... Vamos conversar, pô... —
tentou Confusão.
— Vou escrever lá: d-e-s-p-o-n-í-v-e-l.
Uma vez Mabu... Sempre Mabu. Ô, garota burra!
— É disponível, Júlia. DISponível!
— Para, Confa! Odeio quando você me corrige!
Mas fica tranquilo, não vai mais precisar me
corrigir, eu nunca mais vou olhar na sua cara, muito
menos falar com você. Então, pra você, eu vou ser
incorregível.
Não! Ela não falou “incorregível”!
Sim, ela falou “incorregível”. Pobre Confusão.
Que vida louca, que mundo que gira e muda sem
a gente perceber!, não pude deixar de refletir. Eu,
euzinha, com pena do Confusão. Até outro dia eu
queria o máximo de distância dele!
— Pô, Júlia... Pega leve... Eu disse mil vezes que
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

não liguei porque acabou a bateria do meu celular,


já expliquei...
— Pedisse emprestado pra alguém!
— Mas eu não tinha intimidade com ninguém!
Eu não via os caras há muito tempo!
— Não interessa! Era só dizer que ligaria a
cobrar pra sua namorada! Aposto que o Leozinho
faria isso, ele jamais deixaria a Rosa sem notícia.
Se ele vai atrasar, liga. Se não vai poder ir, liga
também. A gente não se irrita com o bolo, a gente
se irrita por não saber o motivo do bolo. Né,
Rosinha?
Rosinha? Ah, fala sério! Mas tudo bem, eu
entendo uma garota com raiva do namorado que
não telefona. Quando o Leo atrasa, eu sempre acho
que ele morreu atropelado por um ônibus, ou que
está na emergência de um hospital sem um braço,
algo assim. Nunca penso que está com outra, fico
mesmo é preocupada com seu bem-estar, com sua
saúde. Por isso exijo que me ligue pra dar
satisfação. Isso é amor, é consideração com quem a
gente ama.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Confusão tinha mandado mal. Nem sei o


contexto da história, mas a Mabu estava certa. Sim,
eu estava do lado da Mabu. Quem diria que eu
viveria para ver esse momento acontecer, hein?
Não disse nada pra ela, claro que não. Fiquei na
minha. Pagar de amiguinha da Júlia... Aí também
era demais.

Leo
Coitado do Confusão. Eu sei, o cara é um mala,
briguei feio com ele num passado não muito
distante, já xinguei de imbecil, boçal e daí pra
baixo, mas mesmo assim fiquei com pena.
Mulher sabe ser muito chata às vezes. Não disse
nada na hora, a Rosa me mataria, mas depois do
futebol na escola me aproximei dele e fui
parceiro:
— Relaxa, cara. Mulher é assim mesmo.
Daqui a pouco passa. Qualquer coisa, tamos

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

juntos, valeu?
O tempo... Quem imaginaria essa cena na
época em que trocamos socos na rua Dona
Mariana? Quem cogitaria que eu e o garoto que
me odiava com os olhos e com a saliva
conversaríamos civilizadamente um dia? Ainda
bem que amadurecemos. Brigar realmente não
resolve nada. Nunca. Eu já sabia disso. Ele,
acredito, aprendeu. O bom é que tudo passa.
Até raiva, rancor.
— Valeu, Leo. Pô, não aconteceu nada, cara.
Estava na praia com uns brothers da minha
escola antiga, não via os garotos há muito
tempo, o pai de um deles chegou, ficou
conversando com a gente, o tempo passou e eu
não percebi. Juro que não percebi!
— Não precisa jurar! Eu entendo!
— Pois é, a Júlia não. Pelo esporro que levei
parece que peguei todas as mulheres da torcida
do Flamengo naquele dia.
— É ciúme. — João Ivo entrou na conversa.
— É falta de confiança. E ela vive dizendo
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

que namorar é confiar. Agora me diz o que é


que eu faço?
— Ó, nem pensa em mudar de status, hein?
— alertei, escolado. — A Rosa já me explicou
que se um casal se gosta mesmo nenhum dos
dois muda o status por causa de uma briga.
— E se um mudar, só para provocar, pra ver
qual é? — quis saber Homero.
— Segundo a Rosa, mesmo que o outro
mude, a gente tem que ficar lá, firme e forte,
mostrando o amor que sente para todos os
amigos. Pelo menos um mês — expliquei.
— Um mês? Sério?
— Sério, Confusão. Pras meninas esse
negócio de status é coisa seríssima.
— Só pra mostrar pra Deus e o mundo que a
gente tem dona, que a gente é delas, né?
— Exato, Homero. É por aí.
— Mulher é um bicho muito chato, mermão!
— desabafou João Ivo. — Não vou namorar tão
cedo!
— Ô... O negócio é aprender a lidar com as
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

maluquices delas. Semana passada a Rosa


estressou geral só porque eu não quis ficar
beijando no shopping, acredita?
— Claro que acredito. Elas se estressam por
qualquer bobeira. A Júlia ficou sem falar
comigo dois dias porque não a impedi de comer
um pacote de biscoito recheado. Disse que eu
queria que ela embarangasse pra ninguém mais
olhar pra ela.
— Sério? A Júlia tem cada uma... —
comentou Homero.
— Mulher tem cada uma! — consertei. — E
aí? Bora pra aula?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Magali: Ah, depois os meninos falam que não


são todos iguais!
Aninha: Eles se acham os tais, mas são tão
imaturos nessa idade...
Mônica: Queria entender por que eles têm tanto
pavor de assumir compromissos. Eu, hein?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Como costumo dizer, meninos são feitos de outro
tipo de massinha. Ô, raça complicada! Missão
impossível entender o que se passa pela cabeça de
um garoto. Eu, por exemplo, amo beijar. O Leo
também, mas não concordamos em alguns aspectos
referentes a esse maravilhoso gesto de amor e
carinho.
Quanto mais beijo, mais certa eu fico de que
nasci para juntar boca com boca e mandar ver.
Beijo muito bem, modéstia à parte. Tenho o beijo
simplesmente espetacular. E não ligo se ele
acontecer dentro de um cinema, no sofá da minha
casa, na praia, na saída da escola ou num shopping.
Beijo é beijo e ponto final. Mas o Leo não pensa
assim. Tem vergonha de beijar em público. Ok,
também não amo plateia, mas se rolar um beijo
sensa eu vou parar no meio só por que estou sendo

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

observada? Claro que não! Os outros que sigam


suas vidas e parem de xeretar a minha! O Leo não,
ele trava na hora! Não é a melhor coisa da vida
namorar na frente da minha mãe nem do pai dele,
mas também não morro se um deles flagrar um
beijo nosso. Somos namorados, poxa! Não há nada
de errado em um casal de namorados se beijando.

Leo
A Rosa adora beijar e eu adoro que ela adore
beijar. Entendido? Isso posto, preciso confessar
que sou tímido de nascença, fico vermelho na
hora de apresentar um trabalho na frente da
turma, sinto-me extremamente desconfortável
quando olham pra mim por mais de um
segundo e meio. Tenho melhorado com o
tempo, mas ser o centro das atenções nunca foi
o meu forte, não me agrada ser observado,
analisado. A Rosa não. Apesar de quietinha, é

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

bem resolvida, extrovertida, sabe usar as


palavras certas nas horas certas (nem sempre,
mas quase sempre).
Já com meus amigos a história é outra, sou
do tipo piadista, que zoa com a cara de geral,
brinca o tempo todo. Mas assim como fico
envergonhado de conversar certos assuntos com
meu pai (como quando ele puxa papo sobre
meu namoro com a Rosa), não gosto da
sensação de ser olhado. Mais que não gostar,
isso me incomoda de verdade, eu me sinto
invadido, sei lá.
O nosso primeiro beijo foi um caso atípico.
Foi na sala de aula, na frente da maior
cabeçada. Mas teve todo um contexto, precisou
rolar ali, naquele momento, naquele cenário. A
Rosa e a Júlia estavam discutindo feio e eu não
tive outra alternativa a não ser roubar um beijo
da garota mais bonita da escola minutos antes
de o professor entrar. Senti meu rosto
esquentar, mas passei por cima da minha
timidez — e dos aplausos e assobios de todo
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

mundo.
Devia ter beijado a Rosa muito antes, mas o
medo e a insegurança de levar um não e a
lentidão e a cegueira comuns à maioria dos
meninos de 14 anos me impediram. Então, foi
no começo da manhã, no colégio mesmo, de um
jeito que jamais tinha imaginado. O fato é que
ela gostou. E eu, apesar das circunstâncias,
também.
Somos um casal que beija, gostamos de nos
beijar. Mas outro dia, depois do cinema, onde a
gente se beijou praticamente durante todo o
péssimo filme, a Rosa resolveu me atacar com
mãos de polvo e línguas por todos os lados na
fila da lanchonete, que estava lotada. Nada
contra o beijo da Rosa, nada mesmo! É o
melhor. Mas atrapalhar a fila de uma
lanchonete... Não é para mim, eu não consigo!
E isso não tem nada a ver com o meu
sentimento por ela. Nada. Eu amo a Rosa. E
amo mais ainda o beijo dela. Mas ela não
entendeu assim.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
— Que foi, Leo? Você não gosta mais de mim, é
isso?
— Claro que gosto...
— Então não gosta é do meu beijo, né? Fala,
pode falar!
— Eu adoro seu beijo...
— Por que está me repelindo?
— Repelindo? O que é que é isso mesmo?
— Ai, Leo! Está me empurrando, me rejeitando,
me evitando!
— Rosa, que exagero!
— Estou babando?
— Claro que não.
— Estou indo mais rápido do que você gostaria?
— Não! O ritmo do seu beijo é perfeito.
— Não pode ser. Eu devo estar com beijo veloz,
beijo de hélice de helicóptero. Só pode.
— Nada disso...
— O que é, então? Assim fica difícil entender

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

qual é o seu problema!


— Já era pra você ter entendido meu problema,
Rosa.
— Como assim?
— Já falamos sobre isso. O meu problema é que
a gente não está sozinho, muito menos entre os
nossos amigos... Nós estamos no meio de um
bando de gente desconhecida. Já te disse tantas
vezes, eu me sinto mal de beijar em público.
— Ai, Leo, que frescura!

Leo
Bateu um misto de tristeza e indignação quando
ela disse a palavra frescura. E um pouco de
raiva também. Poxa, logo ela, sempre tão
educada e preocupada com as palavras,
precisava pegar pesado assim?
Não era frescura, era o oposto disso.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Droga. Assim que disse a palavra “frescura” me
arrependi amargamente. Tadinho... Ele já tinha
mesmo explicado que não se sentia bem com beijos
longos em público. Selinho tudo bem. Beijo tipo
beijaço é que ele não gostava. Durante um tempo
até achei que era frescura mesmo. Mas um dia,
durante um beijo na praia, senti suas mãos suadas e
me deu peninha. O problema é que sempre rolava
essa discussão quando a gente saía: beijar ou não
beijar, eis a questão.
Que fique claro que já senti vergonha de beijar
em lugares públicos, mas com o tempo isso foi
passando e eu esperava que acontecesse o mesmo
com o Leo.
Não aconteceu.

Leo
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Só acho que existem lugares e lugares. Não


apenas para beijar, mas para tudo na vida. Do
mesmo jeito que não me meto num chafariz pra
tomar banho e aliviar o calor num dia quente,
não gosto de beijar longamente quando não
estou numa, digamos, zona de conforto. Já
havíamos tido essa conversa algumas vezes
antes do dia da lanchonete. Mas parece que a
Rosa fez questão de esquecer. Ou acredita que
posso mudar um dia, sei lá. Até posso, mas
enquanto me fizer mal não vou insistir só para
agradá-la. Às vezes acho que estou sendo um
otário, um insensível, como ela me chama
tantas vezes, mas o que posso fazer? É mais
forte que eu!

Rosa
Meu Deus! O que está acontecendo comigo?, sofri
em silêncio. Não acredito que além de “frescura”

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

disse coisas como “Você não gosta mais de mim?”.


Essa é a pergunta mais infantil que existe. Pobre
Leo, eu estava sem palavras, sem saber o que dizer,
com vontade de chorar, de gritar, de abraçar meu
namorado.
As vontades não foram embora, mas fiquei
quieta, muda, sem ação. Preferi esperar as próximas
aspas do meu namorado. Não queria pressioná-lo
mais ainda.

Leo
O rosto da Rosa me disse com todas as letras o
quão desconfortável ela tinha ficado com
aquela situação. Tive pena dela. E de mim. Ela
não tinha culpa de querer me beijar, eu não
tinha culpa de não querer beijá-la ali... Ao
mesmo tempo, não queria falar nada... Queria
que ela desse o próximo passo no diálogo. Só
não queria discutir a relação. E o pior é que eu

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

estava farejando D.R. no ar. Não suporto D.R.


Mas a Rosa adora D.R.

Rosa
Eu odeio D.R. Embora às vezes uma conversa séria
se faça necessária para qualquer casal, evito ao
máximo discutir a relação. Até porque sobre o
assunto “beijo em público” a gente tinha
conversado à exaustão. E eu compreendo os
argumentos do Leo... Ele não se sente bem beijando
em público, e daí? Que tipo de bruxa de conto
infantil eu sou?, era a pergunta que martelava meu
cérebro insensível na fila da lanchonete.
Percebi que naquele momento estava sendo
intransigente, mimada, voluntariosa. Fiquei com
peninha dele. E de mim, que só queria beijar o
dono do melhor beijo do mundo. Mas em vez de
puxar briga, de estender o assunto, fiz uma fofura
daquelas depois que pedi desculpas — com a boca

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

e com o coração.

Leo
A Rosa se desculpou, me abraçou e depois me
deu um beijo no nariz, no queixo, um numa
bochecha, um em outra. Nem um na boca. Nem
um selinho. Logo depois ela soltou um “eu te
amo” com um sorriso escancaradamente
apaixonado. Linda. Senti minha pele esquentar,
certamente o meu rosto tinha ficado vermelho.
Nem liguei. Estava muito amarradão com a
atitude dela.
E eu achando que ela ia dar um ataque,
querer discutir, desenvolver o assunto... Nem
precisamos conversar, não brigamos, não rolou
clima ruim, nada. Apenas a paz.
Uau. A gente era um casal maduro.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Ele ficou todo vermelhinho. Fofooo! Sabia que não
adiantava brigar, nem tampouco discutir mais uma
vez sobre beijar ou não beijar em público. Ele não
gostava, eu gostava, ponto final. Namorar é muito
mais que beijar, é entender, é compreender, é ceder.
Nossa! Que frase sensacional! Além de incrível sou
tão madura, concluí.
Peraí! Será que é isso mesmo? Será que não dei
piti porque amadureci? Virei mulher? Não sou mais
uma menina ingênua e insegura?, refleti enquanto
olhava apaixonadamente para o meu namorado.
E o Leo? O que dizer dele? Fácil concluir que
meu jogador de futebol preferido também tinha
amadurecido nesse tempo em que estávamos
juntos! Comigo ele cresceu, não era mais um garoto
bobo como a maioria dos garotos! Uau! Que tudo!
Que descoberta maravilhosa! E que sintonia!
Éramos um casal maduro. Um casal adulto,
praticamente. Sem briguinhas de adolescentes, sem

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

infantilidades que não levam a nada, sem


bobeirinhas desnecessárias.

Leo
A Rosa estava tão linda pendurada no meu
pescoço que assim que chegou o sorvete de
casquinha eu encostei no seu nariz. Ela ficou
uma graça com a ponta do nariz branca. Mas
não achou graça nenhuma.
— Foi mal, amor. Sempre quis fazer isso —
admiti, sem conter o riso, enquanto dava uma
lambida no nariz da Rosa para tirar o excesso
de sorvete.
Ela não reagiu tão bem à surpresinha:
— Ecaaaa!
— Eca o quê? Sorvete é limpinho. E seu
nariz tá sem meleca! Eu reparei!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
O Leo enfiou sorvete no meu nariz! No meu nariz!
Na fila, na frente de todo mundo! E ainda meteu a
língua na minha cara! Foi horrível! Não só pelo
constrangimento, mas por sentir a ponta do meu
nariz gelada, derretendo, sujando meu vestido
novo. Que deselegante! O Leo ainda agia e pensava
como um menino. Um menino idiota! A madura da
relação era mesmo eu. Só eu!
— Que nojo! O que deu em você?
— Vontade de lamber seu nariz, ué.
— Que vontade ridícula! Desde quando meter a
língua no rosto da namorada é vontade que se
tenha?
Ele estava vermelho de tanto rir.
— Qual é a graça? Hein? — subi o tom. —
Nunca mais falo com você, Leonardo! Nunca mais!
Que garoto bobo! — estrilei, antes de correr feito
louca para o banheiro para consertar o estrago
causado pelo sorvete na minha roupa.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Ok, bobo não é exatamente o xingamento usado


por uma pessoa madura. Mas foi o máximo que
consegui.
E ainda quis repetir mil vezes: bobo! Bobo!
Bobo!
Mas não repeti. Disse apenas:
— Esquece que eu existo!
Isso, sim, é maturidade. E ainda arrematei:
— Bobalhão, pateta, paspalho!
Sim, falei paspalho.
Próxima página, por favor!

Leo
Tudo bem... Talvez a gente não seja um casal
tão maduro quanto eu pensava. Mas está bom
assim. Nem liguei pro pequeno ataque histérico
da Rosa. Na verdade, ri muito dele. Até porque
conheço bastante minha namorada. O “nunca
mais” da Rosa não costuma durar mais de cinco

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

minutos. Ela não consegue ficar sem falar


comigo.
Mentira.
Ela não consegue ficar sem falar, ponto.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Cebola: Vocês leram o capítulo do beijo? Esse


Leo é um herói! Que paciência!
Cascão: Nossa, a Rosa pega demais no pé do
cara! Não sei como ele aguenta!
Cascuda: Meninos são todos uns bobos mesmo!
Ele aguenta porque ama a Rosa, senhor Cascão!
Magali: Xi...
Mônica: Engraçado falar isso, senhor Cebola!
Por acaso, você lembra quem teve que tomar a
iniciativa no nosso primeiro beijo?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
A minha mãe ama o Leo. E o Leo ama a minha
mãe. Tá bem, tá bem! Talvez amor seja uma
palavra forte. Mais correto dizer que os dois se
adoram. A-do-ram! Não, não precisava da
separação de sílabas. Não mesmo. Resumindo:
adoro minha mãe e o Leo adora minha mãe por ela
ser minha mãe. Não, também não é isso... E que
frase péssima, Rosa Lucena! Você é melhor do que
isso.
Palavras, palavras, para onde vocês foram numa
hora dessas? Preciso da ajuda de vocês!

Leo
Eu gosto bastante da mãe da Rosa. Discreta,
gente boa, faz um bolo de cenoura irado, não
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

fica de conversinha com a gente quando eu vou


lá. Mas, pô, mãe de namorada devia vir com
manual. Como a Rosa é minha primeira
namorada, fica mais difícil ainda lidar com
minha dileta sogrinha.
— Eu gostaria que você não me chamasse
assim, Leo. Sogrinha soa depreciativo — cortou
a sogrona quando eu disse o carinhoso apelido
que tinha dado a ela, logo no começo do meu
namoro com a Rosa.
Devia ter respondido “e a senhora soou
grosseira”, mas ela também não gostava de ser
chamada de senhora. Muito menos de tia.
Simplesmente Paloma.
Mas, na boa, gostava dela de verdade,
embora às vezes tivesse a nítida impressão de
que ela não queria que eu e a Rosa estivéssemos
juntos.

Rosa
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Não é que minha mãe não quisesse que eu e o Leo


namorássemos. Longe disso! Mas tenho uma leve
suspeita de que ela não esperava me ver namorando
tão cedo. Cedo pra uma mãe coruja e agarrada com
a filha como ela, pra mim já estava mais do que na
hora de arrumar um namorado.
— Qual o problema de o Leo te chamar de
sogrinha, mãe? — questionei, depois da patada que
ela deu no meu fofito.
— Vocês são casados? Não. Então eu não sou
sogra dele, ué.
— E tia? Qual o problema de tia? Todas as
minhas amigas te chamam de tia e você adora.
— Suas amigas, não seu namorado, Rosa. Não
sei por quê, mas não me sinto bem de ser chamada
assim por ele. Acho esquisito.
— E eu acho que você não gosta do Leo.
— Ah, Rosa, sem crise, por favor. Gosto dele,
gosto mesmo. É um bom menino, adora você, faz
feliz o meu bem mais precioso. Como não gostar
do Leo? É só... Esquisitice de mãe. Você me
perdoa?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Aí foi golpe baixo... Perdoei na hora. E senti um


leve cheiro de ciúme no ar.

Leo
A mãe da Rosa, ao contrário do meu pai, que
sempre foi falastrão e extrovertido, é mais
reservada, por isso às vezes eu ficava bolado
com as atitudes e as palavras que ela usava nos
primeiros meses. Eu me sentia agredido, mas
aos poucos fui percebendo que o problema não
era comigo, era com ela. Para Paloma, desde o
início eu sou uma espécie de ladrão de filha.
Claro que não cheguei a essa conclusão
sozinho.
— Mãe nunca corta o cordão umbilical dos
filhos, Leo. A Paloma deve estar sentindo falta
da Rosa só para ela. Dá um tempo pra ela se
acostumar com a sua presença, vai aos poucos,
vai tateando o terreno. A mulher precisa se

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

acostumar com você, com a sua chegada na


vida da filha dela... — aconselhou meu sábio
pai. — Sogra é um negócio complicado, a
maioria sai à noite pra voar de vassoura.
— Pai! — bronqueei, prendendo o riso.
— Tô falando a verdade, pô. Sogra é bruxa.
— Você está chamando a minha avó de
bruxa?
— Claro. Você me desculpa, mas sua avó
sempre foi insuportável comigo, adorava fazer
da minha vida um inferno, só por diversão.
Aquela ali foi difícil de dobrar. No começo,
então, ela era bruxa com “b” maiúsculo.
Esse era meu pai. A sinceridade em pessoa.
Ele continuou:
— O melhor a fazer é agradar. Ainda mais
você, que está todo amarradão na Rosa. Não vai
deixar a chata da Paloma atrapalhar o amor de
vocês. Porque é isso que sogra faz. Inferniza a
vida da gente. Não deixa, Leo. Não deixa!
— Grande Múcio! — deixei escapar.
Preferia não ter dito nada, não queria que
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

meu pai se sentisse “o rei da cocada preta”,


expressão que ele adora repetir e que nunca
entendi direito. Afinal, qual a vantagem de ser o
rei de um tipo de cocada? Por que o maluco
acha tanta graça numa coisa tão sem graça?
O meu pai se acha um grande mentor, um
espetacular conselheiro, já até considerou
trabalhar como Life Coach, ou “melhorador de
vidas”, como ele gosta de traduzir essa
profissão. Graças a Deus seus amigos e eu
tiramos essa ideia de sua cabeça. Porque ele
pode até parecer e se portar como um homem
culto, simpático e dono da arte de convencer,
mas no fundo, no fundo, é uma criança.

Rosa
O problema é que a minha mãe ainda me vê como
uma criança (pausa! Será que existe alguma mãe no
mundo que não vê os filhos como crianças?) e

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

quando começou a espetar o Leo percebi que ela


gostaria de desfrutar mais da minha companhia. Eu
e ela, ela e eu.
— Agora você vive grudada com esse garoto.
Antigamente, numa hora dessas, nós duas
poderíamos estar no teatrinho.
— Cê jura?
— Juro. Você sempre gostou de ir ao teatrinho, a
gente comprava pipoca, amendoim e jujuba antes
das peças, lembra? Eu e você assistíamos a tudo,
abraçadinhas, éramos tão amigas, tão cúmplices...
— Mãe, o “cê jura?” não foi pra isso.
— Foi pra quê?
— Cê jura que usou a palavra “teatrinho”? Eu
tenho 15 anos! Não vou mais a teatrinho há um
bom tempo! Senti que ela ficou magoada. —
Desculpa, mãezinha... Sei que você sente saudade
de fazer programas mãe e filha.
— Muita saudade. Muita saudade, Rosa... –
confessou baixinho.
— Mas eu continuo sendo a sua menininha.
— Continua nada! Deixa de show! Continua
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

nada! — estrilou, com a voz dez tons acima do


habitual. — Agora é Leo pra cá, Leo pra lá, Leo
isso, Leo aquilo, o dia inteiro eu só ouço falar desse
garoto. Antes você conversava comigo, queria sair
comigo... Você agora nem lembra que eu existo.
— Ô, mãe... Não fala assim... Você não vive
dizendo que a coisa mais bonita que existe é a
primeira paixão? Então, o Leo é a minha primeira
paixão...
— Eu sei... Por mais que não tenha mais minha
filhinha por perto tanto quanto eu gostaria, acho
realmente bonita sua história com o Leo. Eu só
queria sair mais com você, filha.
— Mas a gente sai.
— Eu, você... E ele! Sempre com ele. Uma
chatice!

Leo
E quando a mãe dela cismava de sair com a

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

gente no começo do namoro? Um saco. Pelo


menos o meu pai não era disso, sabia que
quando eu estava com a Rosa era pra namorar,
não pra ficar de conversinha com pai e mãe. O
problema é que a Rosa não fazia nada. Parecia
que gostava!
Mas não podia cobrar nada dela. Mãe é mãe,
né?

Rosa
Nos primeiros meses a minha mãe se convidava,
sem a menor cerimônia e sem a menor noção, pra
sair comigo e com o Leo. Se não ia ao cinema com
a gente, marcava um encontro conosco depois do
filme. Se não ia ao shopping, encontrava na
sorveteria. Era péssimo, mas como eu ia cortar? Era
só dizer que queria ficar sozinha com o Leo que ela
fazia draminha, dizia que eu não a amava mais...
Difícil...

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Com o tempo ela foi evoluindo, parando de


perseguir a gente. Ela e o Leo estavam a cada dia
mais amigos, mais entrosados, ele fazia piadas, ela
ria, ela cozinhava, ele elogiava, uma alegria só,
uma paz infinita.
Até que chegou o aniversário da minha avó.
— Eu não posso acreditar que você quer que o
Leo venha, Rosa! Vai ser uma coisa pequena, só
família!
— Mãe, o Leo é meu namorado, namorado é
família!
— Não, não, não! Claro que não! Vocês estão
juntos há menos de um ano! Sua avó nem conhece
ele! Seu avô nem conhece ele.
— Ótima chance pra todos se conhecerem, não
acha?
— Não, Rosa, não acho — rebateu, enfática. —
Desconvida.
— Oi?
— Desconvida o Leo. Diz que não é uma festa, é
uma reunião boba com um bolinho.
— Como assim você quer que eu desconvide o
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

meu namorado? Tá louca, mãe?


— Na verdade não era nem pra você ter
convidado.
— Como eu não ia convidar?
— Não convidando, ué.
— Por que você não quer que ele venha?
— Porque ele não tem intimidade com ninguém
da nossa família! E porque não é uma festa, é uma
reunião pequena, ele vai se sentir deslocado —
argumentou. — Além do mais, aposto que o Leo
está achando horrível a ideia de vir a esse
aniversário. Aceitou o convite só pra te agradar.
— Aaaaiii! Claro que não! O Leo jamais faria
isso. Com a gente não rola esse tipo de coisa. Se
não estivesse a fim de vir ele me diria.

Leo
Eu não estava nem um pouco a fim de ir no
aniversário da avó da Rosa. Certeza de que ia

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

me sentir um peixe fora d’água, ia ficar sem


assunto, largado num canto, mudo,
constrangido. Tentei dizer isso pra ela.
— Tem certeza de que você quer que eu vá?
— Claro!
— Mas não é uma coisa pequena, de família?
— E daí? Você agora faz parte da família
também, meu amor. E meus avós são dois
fofooos! Você vai amar!
Eu tentei. Mas não dava pra falar mais nada
depois desses argumentos. Dei um beijo nela e
encerrei o assunto.
— Você está muito encoleirado, filho! Essa
menina até pra reunião de família já está te
chamando. É no começo do relacionamento que
a gente toma as rédeas da situação, mané!
Daqui a pouco você vai se ver toda semana nas
maiores roubadas familiares. E quanto mais o
tempo passa, mais difícil se livrar delas.
— Como é que eu ia dizer não, pai?
— Com a boca, ué. Deixa de ser bocó, Leo.
Foi um convite, não uma intimação. Essa
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

menina daqui a pouco monta em você. Não


deixa!
— Não fala assim da Rosa, pai. Parece até
que não gosta dela.
— Adoro a Rosa, é um amor de menina. Só
acho que você está na fase de aproveitar mais a
vida, não de namorar firme. Pô, cara, você é
novo, se esse negócio ficar sério você vai passar
a melhor fase da sua vida encoleirado.
— Pai!
— Não posso conversar com você?
— Pode, mas tá um saco essa conversa! Você
está igual à mamãe com esse papo de namoro
sério, de que não é a hora... Me deixa, pô!
— Não precisa ficar irritado, filho. É só a
minha opinião. Mas quero que saiba que estou
muito feliz por vocês.
— Não parece!
Difícil entender meu pai. O seu passatempo
preferido é dizer que com a minha idade ficava
com um monte de meninas, pegava uma a cada
festa, tinha o papo ótimo... Tudo para tentar me
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

induzir a fazer o mesmo.


A conversa sobre a Rosa continuou.
— Como é o pé dela?
— Ã?
— Como é o pé dela? O dedão, como é?
— Você bebeu, pai?
— Não, bocó! Tô só querendo saber o
tamanho do dedão em comparação ao dedo
médio.
— Sei lá qual o tamanho do dedão, muito
menos do dedo médio do pé da Rosa!
— Não acredito que você nunca reparou
nisso, cara!
— Por que eu ia reparar no tamanho dos
dedos dos pés dela?
— Da próxima vez que ela estiver descalça,
repara. Se ela tiver o dedo médio maior do que
o dedão, ela é mandona de berço. Nasceu assim.
Mulher com o dedo médio muito comprido é
problema. Vai mandar em você pro resto da
vida — discursou meu velho, com ar
professoral. — Abre o olho, japonês! Open
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

your eyes, japanese!


— Ã?
— Ai, filho, como você é bocó.
O meu pai adorava a palavra bocó,
entusiasmava-se em me “passar ensinamentos”
quando o assunto era relacionamento e ria dele
mesmo com coisas sem graça como a “piada”
bilíngue acima.
Ele estava num momento implicante com a
Rosa. A minha mãe, assim que a conheceu,
implicou também. Mas com o tempo as duas
ficaram amigas e a implicância diminuiu
bastante. Talvez porque minha mãe, que mora
em Chicago, não venha muito ao Rio (a
distância sempre facilita o amor entre sogras e
noras, é o que diz meu pai). Mas sempre que
liga pergunta por ela, manda beijo, essas coisas.
Com o meu pai foi o contrário. No começo
era Rosa pra lá, Rosa pra cá, um grude só.
Sempre gostou dela e torceu pela gente, fato.
Mas de uns tempos pra cá resolveu me pegar
pra conversar com o intuito de me dar uns
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

toques. A sua frase preferida: “Você precisa se


impor, fazer menos as vontades dela.”
Às vezes me irrito com tantos conselhos, mas
presto atenção em tudo. O meu pai sabe das
coisas. E sempre foi meu parceiro.
Em tempo: assim que tive oportunidade, dei
uma olhada no pé da Rosa. O dedo médio é
muito longo, bem maior do que o dedão.
— Por que você tanto olha para o meu pé?
Tô ficando com joanete?
— Com o quê, meu amor?
— Joanete.
O que é joanete, meu Deus? Pelo tom era
uma coisa não muito boa, então, em vez de
dizer que não tinha ideia do que era, achei
melhor dizer:
— Claro que não!
— Ownnn! Namorado lindo! Se um dia você
achar que estou ficando com joanete me avisa
que vou correndo pra podóloga, tá?
O que responder num momento desses?
— Tá.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— O que é, então? O esmalte tá


descascando?
— Esmalte descasca?
— Ah, Leo! Para de show! Sabe o que é
joanete e não sabe que esmalte descasca?
Pelamorrrr!
Eu estava indo bem. E continuaria no mesmo
caminho.
— O esmalte está perfeito. Estou só
admirando a beleza do seu pé.
— Admirando? Tá louco? O meu pé é
horroroso, o pé mais feio que conheço.
— Imagina, você é toda linda — exagerei. O
pé da Rosa realmente de bonito não tem nada.
— Já de você eu não posso dizer o mesmo...
Leo, meu amor, faça uma caridade para os
meus olhos e corta as unhas dos pés. Elas estão
bizarras! Um show de horror!
— Por quê?
— Enormes. Inadmissíveis! Um nojo! Suas
unhas dos pés estão maiores do que as da mão
da minha mãe!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— O que é que tem?


— O que é que tem é que é anti-higiênico, é
feio, é desnecessário, é desleixado, é tudo de
ruim que você pode imaginar. E namorado meu
não pode ter unha assim. Vou te levar na
manicure amanhã.
— Tá maluca, Rosa? Eu, na manicure?
— Na podóloga, então.
— Você quer que eu seja zoado por toda a
minha vida?
— Claro que não! Ninguém vai saber!
— Ah, tá. Você não ia contar pra nenhuma
amiga que me levou à podóloga?
— Só pra Luana e pra Carol.
— Então. Geral ia ficar sabendo e geral ia me
zoar.
— Mas você ia sair de lá 12 quilos mais leve,
de tanta pele e unha que sairiam desses pés
desagradáveis.
Pés desagradáveis? Só mesmo uma mulher
para juntar duas palavras tão distintas numa
mesma frase.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Rosa, deixa meus pés em paz. Não vejo


nenhum problema neles. Aliás, a gente estava
falando dos seus pés, senhorita.
— O que eu posso fazer se seus pés cheios de
unhas, bolhas, calos e peles são inadmissíveis?
Dá um jeito neles se não quiser ficar sem
namorada — fez graça. — Agora vamos parar
com esse assunto e dar um mergulho! O mar
está uma piscina!
— Agora? Vou não... Preguiça.
— Que preguiça? Anda, vem! — pediu
praticamente ordenando, enquanto me puxava
com força para me arrastar na direção do mar.
E não é que a teoria do dedo médio do meu
pai começava a fazer sentido!

Rosa
Eu sempre gostei do pai do Leo, desde antes de
começarmos a namorar. Ao contrário da minha

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

mãe, ele não se importou nem um pouco que eu o


chamasse de “tio”. Brincalhão, de uns tempos pra
cá ele deu pra brincar comigo dizendo que sou
muito mandona. Rolo de rir. Mandona? Eu? Até
parece.
Quem não gosta nada do tio Múcio é minha mãe.
E a recíproca é verdadeira. Foi desamor à primeira
vista. Tudo por causa de um pequeno acidente na
porta da escola — a moto dele bateu no carro da
minha mãe. Ou vice-versa. Não importa. O que
importa é que até sonhei com os dois namorando,
com programinhas a quatro... Não demorou muito
para que eu percebesse que esse sonho era inviável,
irrealizável.
Os dias passaram rápido e logo chegou o
aniversário da avó mais linda e moderna do mundo.
Moderna, sim. Até perfil no Face ela tem. E é
viciada nuns joguinhos de celular. Além de fofa,
vovó Emília é uma mulher tecnológica.
Leo chegou pontualmente, super bem-vestido,
camiseta branca básica sob camisa social xadrez
aberta e com as mangas dobradas, calça jeans,
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

sapatênis estiloso (que eu tinha escolhido, claro).


Lindo. Pronto para abalar corações, para conquistar
de vez todo e qualquer membro da minha família.
— Que lindeza! — exclamou minha avó, assim
que nos viu juntos.
— Eu e o Leo?
— Ah... Esse é o Leo? — perguntou, sem
esconder a decepção na voz.
— Sou eu, sim. M-muito prazer.
Xi... rolou uma gaguejada. Mas ele vai tirar de
letra, torci. Os meus avós são umas delícias.
— Muito prazer também... — cumprimentou
vovó. — Mas eu estava me referindo à minha
boneca. A cada dia mais linda... Você é uma flor de
candura, luar do sertão, pureza em forma de
menina, um anjo na Terra...
— Ai, vó, para! Assim fico sem graça —
banquei a tímida, nada sem graça.
Amo ser mimada pelos meus avós. E me acho
mesmo uma flor de candura.
— Parabéns, vó Emília — cumprimentou Leo,
entregando o presente que havia comprado.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Pode me chamar de dona. Dona Emília.


Ai, não. Só falta a minha avó implicar com o
Leo!, temi.
— D-desculpe, dona Emília.
— Agradeço o presente, mas os parabéns...
Parabéns pelo quê, meu filho? Por ficar mais velha
e mais perto do fim? Não mereço parabéns por
nada!
Opa! Percebi que precisava agir.
— Que perto do fim, vó! Até parece! Tá inteira,
bonita, toda trabalhada no esporte! — disse,
empolgada. — A vovó tá fazendo hidro, Leo.
— Que bom. Dizem que é um ótimo exercício.
— Ótimo pra quem? Só pra velhas e grávidas.
Aquilo é chato demais, demais!
Vovó enfim abriu o presente do Leo.
— Olha só, uma echarpe! De lã... Muito
obrigada!
— A Rosa disse que a senhora é friorenta.
— Sou mesmo. Vivo com frio.
— Gostou, vó?
— Gostei, só não vou poder usar.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Por quê? — Leo e eu perguntamos numa só


voz.
— Sou alérgica a lã.

Leo
Tal mãe, tal filha, era tudo o que eu conseguia
pensar naquele momento. Evidentemente não
começamos bem, mas eu podia mudar o rumo
da conversa. Afinal, ainda não tinha conversado
com o avô, que, ao contrário de dona Emília,
podia demonstrar a fofura de que Rosa tanto
comentava comigo. Porque para achar fofura
naquela avó eu teria que passar dias
procurando.

Rosa
— Leo de Leopoldo ou de Leonardo? —
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

questionou meu avô.


— De Leonardo.
— Leonardo. Quero que você me responda com
sinceridade, está bem?
— Beleza.
— Você não acha a Rosa muita areia pro seu
caminhãozinho, rapaz?
O Leo virou um pimentão. O que estava
acontecendo com meus avós?
Parti em defesa do meu amor.
— Que é isso, vô?! O Leo é um fofo!
— Eu sei, querida. Eles sempre são fofos no
começo.
Tadinho do meu namorado!
— Eu só quero fazer a Rosa feliz, seu José.
— Nós não temos que querer. Nós, homens,
temos que fazer. Você tem que fazer minha neta
feliz. Você faz?
— F-f-faço... Acho que faço.
— Claro que faz! Muito! — dei força, antes de
bitocar a bochecha dele, que àquela altura estava
fervendo.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Acho bom. Porque se por acaso eu souber que


ela está triste por sua causa, você sabe o que vai
acontecer, não sabe?
— N-não sei, não, senhor...
— Fui campeão de boxe. Tiro sangue do seu
nariz fácil, fácil, se eu quiser. E com um soquinho
apenas. É só você fazer a Rosa chorar.
O meu avô só podia ter bebido. Ele faz o tipo
sisudo, sim, mas é um encanto de pessoa. Juro que
é.
Pelo menos tinha sido até aquele dia.
— Não liga, não, filhinho. O José é chegado a
uma galhofa, a uma brincadeira. Querido, assim
você assusta o menino! — vovó amenizou o clima.
Nem precisei me meter na conversa, a carinha de
espanto do Leo deu lugar a um sorriso.
Saí para pegar uma empada. Queria que ele
ficasse mais à vontade com minha família. Nessas
horas é bom deixar o ser amado confortável e acho
que sem a minha presença ele poderia evoluir
melhor, com mais confiança.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Leo
Brincadeira? Brincadeira? Sangue,
caminhãozinho, boxe... Que parte disso era uma
brincadeira, vovó? Forma mais esquisita de
brincar. Aquele aniversário não podia ficar pior.
Ficou.
A Rosa me deixou sozinho com aquele
psicopata da terceira idade e aquela avó que não
sabia o significado da palavra “brincadeira”.
Isso lá era hora de me deixar sozinho? Eu me
senti abandonado dentro da jaula dos leões.
— Você é inteligente?
Não consegui dizer nada, a não ser fazer cara
de interrogação. Muitas interrogações.
— ???????
— Como vou dizer... Tira boas notas?
Entende tudo quando os professores explicam a
matéria? É de colar?
Que perguntas eram aquelas do vovozão? O
meu sábio pai estava certo! O que eu tinha ido

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

fazer ali? E que avós de filme de terror, meu


Deus! O Coringa era gente boa perto deles.
— As minhas notas não são tão boas, mas eu
sempre passo direto. Sem colar. E costumo
entender tudo, sim. Salvo raras exceções, os
professores da nossa escola são bons.
— Joga xadrez?
— Não.
— Então não é tão inteligente assim — fez
piada o vovô piadista.
Era evidente: o velho tinha me adorado.
— Eu não disse que sou inteligente.
— Não implica com o menino, ele vai
acreditar que você é assim. José é um velho
muito irado, sabe, Leo? Não é assim que vocês
falam hoje em dia?
— É, sim, senhora.
— Calma, José. Irado hoje não tem nada a
ver com ira para esses jovens.
Irado é sinônimo de muito bom para gente da
minha idade. Mas seu José é irado por
transbordar ira pelo olhar e pelos poros, eu
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

quase disse. Mas calei-me diante da constatação


de que seu José era o avô mais esquisito que eu
conhecera até então.
— Adolescentes adoram uma gíria, não é,
Leo? — continuou a avó da Rosa.
— É...
Que conversa mais chata! Rosa, sua maluca!
Cadê você?, era tudo o que eu queria saber
naquele momento.
— O namorado da Bruninha não fala uma
gíria. Rapaz de boa estirpe taí — comentou seu
José.
— Ah, e não é só isso, o namorado da
Bruninha é um excelente tenista. Aquele
menino vai longe. Não duvido nada ganhar
Wimbledon daqui a uns anos.
— Bruninha é minha prima, Leo — Rosa
explicou, assim que voltou para o meu lado. —
O Leo também joga tênis, vó. E além disso é o
melhor jogador de futebol que eu conheço —
complementou.
— É mesmo? Você não tem cara de quem
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

joga futebol. Parece um menino bem-nascido,


inteligente... E futebol é tão comum, tão raso,
tão sem propósito. Qualquer um joga futebol
hoje em dia — desdenhou a avó da Rosa, que,
como o marido, estava longe de ser a fofura que
a neta tanto alardeava.
— Qualquer um pode até jogar, vó, mas o
Leo joga muito.
— E o que você quer fazer da vida? — quis
saber a senhora. — Não quer ser jogador de
futebol, evidentemente.
— Quero ser fotógrafo como o meu pai.
— Fotógrafo? Mas isso dá dinheiro? —
indagou vovô brincalhão, sem um pingo de
acanhamento por perguntar tamanha
indelicadeza.
O meu sangue subiu.
— Nunca faltou nada lá em casa. E ele é
muito feliz com o que faz.
Silêncio.
Incômodo.
Mais (muito mais) incômodo.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Vovó querida cortou o climão.


— O namorado da Bruninha já trabalha com
o pai, que tem um escritório de advocacia. Quer
ser juiz. Profissão linda — disse, mostrando ser
péssima cortadora de climões. — O menino é
um partidão.
Vem cá, avós não são aqueles seres doces,
sorridentes e simpáticos?, tive vontade de
perguntar.
— E é novo, não tem nem 18 anos e já dá
duro indo ao fórum, acompanhando reuniões,
audiências... — acrescentou seu José.
— Aquela lá está bem-parada, não é,
Paloma?
Eu é que estava malparado, vovó. Eu!
— É, mamãe... — concordou minha sogra,
pedindo desculpas com os olhos. A minha cara
devia realmente estar digna de pena. — Mas o
Leo tem um futuro brilhante pela frente, tenho
certeza.
— Como fotógrafo? Faz-me rir, Paloma! —
reagiu o vovô querido que podia tirar sangue do
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

meu nariz. — Vamos mudar de assunto, meu


filho, nem tudo na vida é dinheiro, não é
mesmo?
O meu nome era alívio.
— Certíssimo! — respondi, sentindo que o
suor frio que banhava minhas costas começava
a secar.
— Você ou seu pai gostam de pescar?
— De jeito nenhum. Não entendo quem mata
ou machuca peixes por esporte, não vejo prazer
nenhum nisso. Sou radicalmente contra.
— O José pesca todos os fins de semana —
lamentou a vovó que adorava o namorado da
outra neta.
Agora certamente adorava mais ainda.
Sério, não me importaria nada de virar
defunto naquele exato instante. Se alguém
pudesse morrer de constrangimento profundo,
esse alguém seria eu.
Definitivamente, era a pior festa de todos os
tempos.
Sorte é que, com o show de simpatia dos
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

avós, a Rosa percebeu que não estava na hora


de me chamar para reuniões de família. Senti
que não ia me chamar tão cedo.

Rosa
O Leo foi ótimo. É bem verdade que em certos
momentos ficou tímido com meus avós, deu alguns
foras, mas na maior parte do tempo se saiu
superbem das piadinhas e brincadeiras. É fato que
seu José e dona Emília resolveram implicar um
pouco com ele, mas na paz, na brincadeira. O meu
amor tirou de letra. Agora ele era oficialmente parte
da minha família.
Amo!
— Leo, obrigada por ter vindo. Imagino que não
seja a oitava maravilha do mundo estar num lugar
sem muitos rostos conhecidos.
— Imagina, Paloma. Obrigado pelo convite.
Estava tudo ótimo. Principalmente o bolinho de

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

batata.
— Você quer dizer de bacalhau?
— Não! Não tinha nem sombra de bacalhau! Se
botaram, botaram muito pouco. Bacalhau é caro,
né? Esses lugares de salgadinhos prontos são assim
mesmo, vendem gato por lebre. Importante é que
estava ótimo, mesmo só com batata.
— Que bom que gostou. Pena que não sentiu o
bacalhau. Sei que tinha, porque não comprei o
salgadinho pronto, fui eu que fiz.
Caramba!
O Leo podia ter dormido sem essa. Mas “bolinho
de batata”? Onde ele estava com a cabeça? Pelo
menos elogiou.
Mesmo com o furo derradeiro da noite, o meu
namorado tirou nota 10 na primeira festa em
família. A partir daquele dia, ele seria convidado de
todo e qualquer evento na minha casa.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Mônica: Desta vez, eu concordo. Sorte que você


já conhece meus pais desde bebezinho, né, Cê?
Cebola: Hã... É... Clalo, clalo!
Cascão: Ih, trocando o R pelo L? Adivinha
quem está nervosão?
Cebola: Cascãããããoooo!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Leo
Naquele fim de semana eu e meu pai
recebíamos em casa uma hóspede especial:
Ludmila, afilhada da minha mãe, com quem
impliquei muito no passado e de quem aprendi
a gostar com o tempo. Uma pirralha que é uma
figurinha e que apesar da pouca idade me deu
dicas preciosas sobre a arte da conquista. Se
não fosse ela eu provavelmente teria demorado
mais um bom tempo para dar o primeiro passo
com a Rosa. Era praticamente nosso cupido.
Sábado de sol, praia lotada, mar brincando de
piscina... Geral estava lá: Júlia, Luana, a best da
minha namorada, Confusão, que tinha voltado
para a Júlia, Carol, Tiago, João Ivo e Yuri, o
nerd mais nerd que conheço na vida, o
branquelo mais branquelo de toda a faixa de
areia de Ipanema. Conversa vai, conversa vem,

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

todos rindo, até que fiz um pedido inocente para


a Rosa. Inocente só na minha cabeça, tendo em
vista o verdadeiro ataque que ela deu. Não dá
pra entender mulher, cara. Não dá.

Rosa
A praia estava uma delícia, todo mundo da escola
no maior clima bom, a Ludmila linda e fofa como
sempre, nossa cupidinha, fazendo todo mundo rolar
de rir com suas tiradas espirituosas, até que o meu
diletíssimo namorado teve a cara de pau de dizer,
para todo mundo ouvir:
— Rosa, dá uma olhada nas minhas costas.
— Pra quê?
— Pra ver se tem alguma coisa pra espremer, ué!
— Oi?
— Acho que tem umas espinhas. Tô sentindo. Dá
pra você fazer uma festa com suas mãos de fada,
meu amor.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Sim, senhoras e senhores. Leonardo Mendonça


estava prestes a perder o posto de melhor namorado
do mundo. Que decadência espremer espinha de
namorado na praia! Que decadência espremer
espinha! Que decadência espremer espinha na
frente dos outros!
E a frase? “Fazer uma festa com suas mãos de
fada, meu amor” seria motivo pra terminar com
qualquer Robert Pattison, com qualquer Ian
Somerhardler, com qualquer Caio Castro. Como
dizem nas redes sociais... aff!
Bufei. E senti meu rosto ficar vermelho, roxo,
berinjela, jabuticaba. Isso lá é coisa que se peça
para uma menina que é o retrato da elegância e dos
bons modos? Flor de candura da vovó, coisa mais
linda do papai, orgulho da mamãe... Catando
espinha nas costas oleosas e ensebadas de protetor
solar do namorado em plena praia de Ipanema? Era
um pedido sem noção! Diria mais: era um pedido
desumano. Ok, desumano foi demais. Mas para um
segundo e pensa na nojeira que seria essa cena.
Pensou? Irc! Írquit!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

(Parêntese necessário para explicar “írquit”,


palavra que inventei e acho, modéstia à parte,
brilhante. Irc é muito pouco quando a situação
causa um asco gigante. Para asco grande, palavra
grande: írquit. Diz-se írquiti. Assim mesmo,
acentuada. Proparoxítona. Quando digo que sou
ótima com as palavras não estou exagerando.)
— Você enlouqueceu, Leonardo? Acha mesmo
que sou mulher de espremer espinha de alguém na
praia?
— Por que não? Você tira sobrancelha na praia,
com espelhinho e tudo! Qual a diferença, pô?
— Qual a diferença? Tá falando sério?
— Claro que tô.
— Por-ra-da! Por-ra-da! — cantarolou Yuri no
momento menos apropriado para qualquer
cantarolada.
Quis socar o garoto e quebrar todos os seus
dentes. Mas sou fina, sou chique, sou praticamente
um desfile prêt-à-porter. Prossegui o diálogo com
o meu namorado.
— Pois fique sabendo, seu Leonardo, que tirar
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

sobrancelha não é nojento. Espremer espinha é.


Simples assim a diferença.
— Não dá pra entender, outro dia você estava
toda cheia de opiniões sobre o meu cabelo, corte,
textura, comprimento. Achei que se preocupasse
com a minha aparência.
— E me preocupo. Não quero um namorado com
cabelo quebradiço, grande demais ou curto demais.
E cabelo Playmobil? Não dá, simplesmente não dá!
— O que é Playmobil? — sussurrou Júlia para
Confusão.
— Um boneco antigo que tem cabelo em
formato de capacete, amor — respondeu,
sussurrando num tom mais alto que o dela.
Fingi que não ouvi os dois e segui em frente no
meu discurso irritadíssimo:
— E eu não acredito que você está comparando
minha preocupação com a beleza capilar da sua
pessoa com o fato de eu não querer espremer
espinha das suas costas na praia!
— Qual o problema, Rosa? A luz do sol é melhor
do que qualquer outra luz, você vive dizendo isso
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

quando está ensandecida com a pinça na mão


arrancando pelinho por pelinho da sua sobrancelha.
Você ia encontrar todas as espinhas em poucos
segundos.
— Leo, na boa, você é muito sem noção, muito
sequelado, muito tudo de ruim — categorizou
Ludmila. — Que espécie de namorado é você, que
tem coragem de pedir isso pra uma menina?
Por essas e outras que eu amo essa pirralha.
— Obrigada, Ludmila — agradeci, tascando um
beijo na sua bochecha.
— Ludmila, não, Rosa. Ludlinda, por favor —
corrigiu, marota, limpando o rosto, como se eu
tivesse dado um beijo babado. Palhaça! —
Espremer espinha é uma coisa que ninguém deve
fazer, nem nos outros nem na própria pele, fora de
casa. É que nem piranha!
Ui! Pegou pesado!
Todos olhamos para ela espantados, estupefatos.
— Ô, povo! Tô falando de piranha de cabelo!
Piranha é uma coisa que a gente só usa dentro do
box, na hora do banho. Fora do banheiro, jamais.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Eu uso — comentou Júlia.


— Então para agora. Tá louca?
— Mas eu tenho piranhas bonitas, Ludmila!
— Mesmo a piranha mais bonita do mundo é
horrorosa quando usada fora do banheiro. Um
atentado ao bom senso e à estética — atacou a
pirralha. Nem preciso dizer que adorei a bronca
fashion. — Piranhas nasceram para prender nosso
cabelo no banheiro. Só no banheiro.
— Arrasou, Ludlinda! — elogiei.
— Desculpaê me meter! Com a questão da
espinha eu concordo, mas a piranha? Nada contra
piranha fora do box. Não uso, mas acho que tudo
bem na praia, por exemplo. Pronto, falei e já me
calei — riu Luana.
Eu ri também. Mas nem precisei comentar a
intromissão da Lu. Logo voltei ao tema que me
angustiava.
— Viu, Leonardo? Até a Ludmila, que é uma
criança, sabe que ninguém espreme espinhas fora
do ambiente domiciliar!
— Pô, Rosa, “criança” foi pesado. Sou pré-
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

adolescente, poxa.
— Desculpa. Criança foi péssimo! É o Leo que
me deixa nervosa e eu troco as palavras — escapei.
— Tudo bem. Como “ambiente domiciliar” foi
lindo, eu perdoo você — completou a pirralha.
— Vocês duas estão muito chatas. Só porque tô
com umas espinhas incomodando e pedi
gentilmente pra você dar uma espremida nelas,
preciso ouvir tanto sermão? Fala sério!
— Ô, burraldo! Faz mal espremer!
— Faz mal? — repetiu Leo, indignado. — Ah,
pirralha, não viaja!
— Não é viagem! Uma espinha espremida pode
infeccionar, inflamar, emperebar, nascer uma
bolota enorme, mais outra... Em dois segundos suas
costas podem virar uma fruta-do-conde, só caroço.
Você quer isso pra sua vida, Leonardo? Quer?
Tomaaaa! Fã número 1 de Ludlinda! Arrasando
nas broncas praianas!
Como se não bastasse, ela arrematou:
— Não lê, não? Menino não tem revista com
assuntos mais delicados, né? Deve ser muito chato
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

ser menino.
— Ih, acho que a gente leu a mesma revista,
Ludlinda — comentou Carol. — Na matéria, uma
dermatologista dizia que uma espinha mal-
espremida pode virar cisto. E ainda pode deixar
mancha, cicatriz... Um horror!
— Obrigada, amigas! — comemorei.
— Leozinho, aprende: tipo, uma coisa é tirar a
sombrancelha, outra é tirar espinha. Sempre disse
isso pro Confa — discursou Mabu.
— Minha Santa Protetora da Gramática, rogai
por nós! Menos, filhinha. Menos letras, por favor.
Sombrancelha não existe. É sobrancelha. Essa
turma de vocês é muito desinformada, Rosa. Você
também não lê, não é, Júlia?
Tomaaaa!
— Não! — respondemos em coro, aos risos.
— Deixa o cara! A espinha é dele, ele faz o que
quiser com ela! — João Ivo defendeu o amigo.
— É isso aí, Johnny! — apoiou Homero. —
Vocês são muito esquentadinhas. O cara só fez um
pedido e vocês dão a maior bronca no coitado!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Depois encalham, ficam sem namorado e dão


de reclamar pelos cantos — completou Confusão.
— Leo, se para pessoas preconceituosas não
fosse tão esquisito ver um garoto analisar as costas
do outro para procurar espinhas, eu espremeria
todas as suas agora mesmo — brincou Homero.
— Como vocês são deprimentes. Esse assunto já
deu. Vou dar um mergulho — avisou Tiago.
— Peraí que vou com você. A minha orelha tá
queimando de tanto ouvir chatice. Pobre de mim!
— zoou Leo, antes de partir correndo com o amigo
rumo ao mar.
Ok, talvez eu tenha exagerado um pouco, pesado
a mão na tinta.
Mas ele precisava saber que espinha é coisa
séria, não é coisa de praia, não é oba-oba. Só estava
tentando mostrar o quanto eu o amava e me
preocupava com ele. Mas não adianta: sempre sou a
bruxa que fala demais e ele o pobrezinho que ouve
a tudo calado, sem chance de defesa.
Ah! Não se defende porque não quer! Se
quisesse falar, abria a boca e falava.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Leo
O Tiago estava certo. Não quer espremer, não
espreme, mas para de falar, de me dar
liçãozinha!, era tudo o que eu queria ter dito
durante a bronca que levei na frente de todo
mundo. A Rosa sabia ser bem chata quando
queria.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Cebola: Vocês leram o capítulo da praia? A


Rosa foi bem fresca! E a Ludmila parece a minha
irmã, querendo palpitar em tudo. Ninguém merece!
Mônica: Ah, claro! Qual a parte dos riscos à
saúde do Leo que você não entendeu, Cebola?
Cebola: Há, há! Pra quem na infância batia em
mim e nos meninos com um coelho encardido, você
está muito preocupada com higiene...
Mônica: Eu não admito que você fale assim do
Sansão! Ele sempre foi bem limpinho!
Cascão: Hã... O casal já acabou, pra gente voltar
pro nosso trabalho?
Mônica e Cebola, juntos: QUE CASAL?!
Magali: Ai, ai... Isso vai longe...

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
O Leo e eu sempre fizemos a linha romântica.
Somos fofinhos, sim, e daí? É nosso estilo, é nosso
jeito, é nisso que a gente acredita. No grude
representando o amor infinito, na parceria 24 horas,
nos 87 telefonemas diários, nas mãos sempre
entrelaçadas, no fato de sempre entrarmos juntinhos
na escola... Mas tem gente que não entende.
Inveja.

Leo
A Rosa faz o tipo namorada grudenta. Gosto de
receber tanto amor e de me sentir muito amado,
muito amado mesmo, mas acho que, como diz
meu pai, um casal não precisa ser um casal o
tempo inteiro. Todo mundo precisa de
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

momentos só seus, não pode haver mal nenhum


nisso. Mas a minha namorada não entende
quando quero ficar só com a minha companhia.
Loucura dela.
Ou o louco sou eu?
Os meus amigos estavam me zoando cada
vez mais, dizendo que a Rosa não me deixa
fazer nada sozinho, que me obriga a fazer tudo
o que ela quer... Mas... Na boa, não podiam
botar a culpa só nela. Se eu não saio mais tanto
com os caras a culpa é minha também, né não?
As peladas continuaram, mas as esticadas
pós-pelada, não. Vou parecer um mané ao
contar isso, mas tinha medo que a Rosa ficasse
triste com minhas saídas e chorasse as mágoas
nos meus ouvidos cansados. Nunca dá para
prever sua reação. Impossível saber o que se
passa pela sua cabeça. Claro que adoro ficar
com ela, mas confesso que de vez em quando
sinto saudades de estar só com os meus amigos.
— Vocês são muito grudados, cara. Eu não ia
aguentar uma namorada como a Rosa —
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

comentou João Ivo.


— Nem eu! — concordou Tiago.
— Se vocês não tiverem momentos sozinhos,
daqui a pouco enjoam um do outro —
complementou Homero.
Eles estavam certos.
Estavam?

Rosa
Às vezes o Leo vem com um papinho de que as
pessoas precisam de espaço, de individualidade.
Também acho! Tanto que não troquei a minha foto
de perfil no Face. Mantive eu e só eu. Não entendo
gente que bota como foto de perfil o casal, a família
reunida ou mesmo os filhos. Se o perfil é de uma
pessoa apenas, não tem que ter ninguém além dela!
Cada um é cada um e estou muito certa de que
gosto de mim do jeito que sou e gosto da minha
individualidade. Se eu sou a Rosa, é da Rosa, e só

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

dela, a foto que estampará meu Face até essa rede


social morrer ou virar Orkut. Mas a partir do
momento que um namoro engrena, a gente acaba
virando um só. Não no Face, mas na vida.
Estou sendo coerente? Ou louca?
Ou um pouco de cada?
— Rosa, você precisa deixar o Leo respirar! —
brigou Luana.
— É, você está sempre pendurada no pescoço
dele. Daqui a pouco ele começa a te achar uma
namorada chata! — emendou Carol.
Chata? Eu?
Nããão!
Ou sim?
— Rosa, um mais um é igual a dois. Dois! Não
existe isso de um casal ser uma pessoa só.
— Concordo com a Luana. Podem existir
momentos em que vocês se sintam tão unidos e
entrosados que pareçam um só. E isso é lindo? É,
mas não dá pra ser assim o tempo todo. Você já
deixou mil vezes de sair com a gente pra fazer nada
com o Leo.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Não foram mil vezes.


— MIL VEZES! — disseram em uníssono.
Ui!
Caramba... Elas pareciam meio ressentidas
comigo.
Primeiro namoro é assim mesmo, não? A gente
vai errando e aprendendo com os erros, VAI SE
CONHECENDO MELHOR. Eu não tinha ideia de
que as minhas melhores amigas estavam se
sentindo preteridas, deixadas de lado. Nunca
passou pela minha cabeça que elas pudessem estar
chateadas comigo.
Viva o diálogo!
Saí daquela conversa decidida a mudar. A
melhorar. Como namorada e como amiga.

Leo
A verdade é que não gosto desse negócio de
fazer tudo junto, de não ter vida própria. A

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa diz que é normal um casal se separar dos


amigos no começo do namoro. O problema é
que daqui a pouco vamos fazer um ano juntos e
ainda estamos nesse processo de tudo nós dois.
Sempre, tudo nós dois.

Rosa
Resolvi chamar o Leo pra menos programas
comigo, entrei numa de não exigir tanto dele.
Entendi o recado das meninas e passei a aproveitar
mais minhas amigas e tal. Mas tem umas coisas que
só quero fazer com ele. Acho supernormal, mas ele
reage mal às vezes... Como outro dia, quando falei
que nossa tarde estava reservada para uma coisa
importantíssima.

Leo
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Ah, não! Você só pode estar brincando!


— Claro que não estou brincando!
— Desde quando comprar vestido pra festa
da Carol é uma coisa importantíssima? E mais:
desde quando uma ida ao shopping precisa da
minha companhia?
— Não é “comprar vestido”, é encontrar o
vestido perfeito. Muito diferente!
O pior é que ela acreditava na baboseira que
dissera. Não era da boca para fora. Meu Deus,
como ser mulher deve ser chato!
Ela seguiu em frente.
— Venho exagerando nos doces
ultimamente, estou com o braço gordo, preciso
de um vestido que esconda o braço gordo sem
parecer que eu quero esconder o braço gordo,
entendeu?
Claro que não! Garota maluca!
— Entendi, Rosa...
Eu era o rei da paciência e da paz, estava a
um passo de virar um monge budista, pode
aplaudir.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Entendeu nada! Olha, Leo, se isso não é


importantíssimo pra você, não sei mais o que é
importantíssimo.
— Voc...
— Ainda não terminei! — cortou,
endiabrada. — Não mencionei shopping em
momento nenhum, a gente pode muito bem
andar aqui por Botafogo, ou por Copacabana,
Ipanema, sei lá.
— Rosa... Como é que eu... Como é que eu
vou explic... Não tem nad... Não tem nada a ver
com você, meu amor, minha coisa mais linda
do mundo...
Elogio é sempre bom. E tato. Muito tato na
hora de pronunciar cada palavra, porque tudo
pode ser mal interpretado por uma garota.
— Quando você disse que era uma coisa
importantíssima, achei que queria minha
companhia para fazer algum tipo de exame com
agulha, que te ajudasse a entender melhor
Química, essas coisas. Nunca um garoto vai
achar importantíssimo comprar uma roupa,
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

entende?
— Mas eu só queria a sua ajuda...
— Pra quê?
— PRA ENCONTRAR O VESTIDO
PERFEITO!
— Você tem mil vestidos!
— Nenhum perfeito.
— Por que não usa o da festa da sua avó?
— Por quê? Porque eu estava de short preto e
camisa cinza estampada caída no ombro, com
alça do sutiã preto aparecendo
displicentemente. Não acredito que você não
lembra.
— C-claro que lembro! Estava me referindo
ao estilo. Perguntando por que você não vai no
mesmo estilo.
Nossa, mandei muito bem. Muito bem!
— Estilo reunião-em-família? Estilo
simplicidade-é-meu-nome? Estilo não-tô-nem-
aí-se-estou-com-o-braço-gordo-porque-não-
tem-87-mil-meninas-da-minha-idade-no-
mesmo-recinto-me-analisando-e-me-criticando?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Não mandei nada bem. Nada bem.


— É que você estava linda.
— Mas não estava nem aí para o que iam
dizer ou deixar de dizer sobre mim! Todo
mundo na festa da minha avó me amava e me
acharia linda até com uma jaca pendurada no
pescoço. Será que não dá pra entender que eu
preciso disfarçar meu braço gordo e minha
barriga?
— Não era só o braço gordo que você queria
esconder?
— O meu braço está gordo?
— Você não para de dizer isso!
— Não acredito, Leo! Não acredito que você
tá dizendo que meu braço tá gordo e flácido.
— Não disse flácido!
— Quase tudo o que é gordo é flácido!
— Não!
— O meu braço está só gordo, então?
— Isso! Quero dizer... nada disso! Você que
estava dizendo que seu braço tá gordo, eu acho
uma bobagem, seu braço está lindo!
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

O que se diz para uma garota histérica? O


que se diz para uma garota histérica? Por que
elas não vêm com manual?
— Eu estou um bujão de gás, pode falar.
— Você está linda.
Linda, linda é a palavra. Sempre. Linda e
mais nada. Mais nada. Eu precisava aprender
que linda era a palavra mágica.
— Jura que me acha linda?
— Lindíssima. A garota mais linda do
mundo.
— Então vem comigo ao shopping me ajudar
a ficar mais linda ainda!
Caramba!
— Ah, Rosa! Por que você não chama uma
amiga? — rebati imediatamente.
— Leonardo, se você não quer ir, tudo bem,
é só dizer.
Xiii...
— Nada “tudo bem”! Eu disse que não
queria ir e desde então você está dando um
ataque.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— NENHUM ATAQUE! ESTOU


SUPERCALMA! SUPERCALMA! NUNCA
ESTIVE TÃO CALMA EM TODA A MINHA
VIDA! SÓ QUERIA A SUA COMPANHIA!
SÓ ISSO, MEU DEUS DO CÉU, É TÃO
DIFÍCIL COMPREENDER?
Como dá para perceber, a Rosa nunca primou
pela coerência entre palavras e atitudes. Haja
paciência.
— Não, Rosa... Entendo você querer minha
companhia. Mas para comprar vestido?
— É que a gente é tão grudadinho... E não é
comprar vestido, é encon...
— Encontrar o vestido perfeito, já entendi.
Completei seu raciocínio. E continuei.
— Rosa, meu amor... Você é grudadinha.
Não é porque a gente namora que tem que fazer
tudo junto o tempo inteiro. Um programa tipo
esse é só para você, ou para você e suas amigas.
Assim como o futebol é só para mim e meus
amigos.
Ela ficou pensativa. Boa! Estava usando os
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

argumentos certos!

Rosa
Eu queria voar no Leo e arrancar veia por veia do
pescoço dele até que todo o seu corpo ficasse sem
sangue e ele empalidecesse e morresse pouco a
pouco ali, na minha frente. Que ódio! O que
custava passar três, quatro horinhas do dia dele
comigo, pra me fazer feliz, poxa?
— Não vou fazer você ficar horas comigo vendo
vestido... Uma hora e meia e não se fala mais nisso.
Ok, tive que dar uma amenizada. Tá bem, tive
que mentir um pouquinho. Se eu dissesse que
demoraria mais de uma hora e meia, aí é que ele
não iria mesmo.
— Mas você vai experimentar vários, pedir a
minha opinião para cada um que você vestir... E eu
não sou a pessoa mais indicada para dar opinião em
roupa de mulher. Eu sou homem, Rosa. Não

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

entendo de moda.
— Custava ter um lado feminino mais aflorado?
— Eu sou assim... Esse é meu jeito...
— Mas eu ia ficar tão feliz se você fosse
comigo...
— Existem tantas coisas que te deixam feliz e
me deixam feliz também: ver DVD com um baldão
cheio de pipoca do lado, ir ao cinema, à lanchonete,
andar no calçadão, ir à padaria de Ipanema só pra
comprar seu pão de queijo preferido e ver seu
sorriso de criança assim que dá a primeira mordida,
parar no pipoqueiro depois da aula só pra ver sua
alegria quando se lambuza com tanto leite
condensado, esquentar seu pé com o meu quando
você tá com frio... Poxa, Rosa, tem coisas que te
fazem feliz e não me violentam. Já passar horas
vendo vitrine e entrando de loja em loja para opinar
sobre uma coisa que eu não entendo, isso me
violenta. E me violentaria se fosse com a minha
mãe ou com qualquer outra garota. Deu pra
entender agora?
Droga! Ele tinha encontrado os melhores
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

argumentos.
Queria voar no pescoço dele.
Para enchê-lo de beijos.
— Mas na festa da Carol você vai, não vai?
— Vou, claro que vou...
Nhooom... Tem coisa mais fofa que o meu Leo?

Leo
Eu não estava nem um pouco a fim de ir na
festa da Carol, mas seria impossível não ir.
Todo mundo ia.
Como é que vou dizer isso? Ah! É meio
chato ir a festas com a Rosa. Meio, não. É bem
chato. Pô, ela é garota-que-dança (aliás, alguma
garota não dança? Como elas gostam, como
enlouquecem dançando, é como se a música
estivesse falando com cada uma delas. Rolo de
rir da entrega das meninas numa pista), eu sou
garoto-que-não-dança. Sou desajeitado, não

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

gosto, fico envergonhado.


E concordo com meu pai quando ele diz, com
a sutileza que lhe é peculiar, que homem só
dança pra pegar mulher. Depois que pega para
de dançar pra sempre. Ou até precisar dançar de
novo, para pegar outra. Mulheres gostam de
homens que dançam, ele afirma. E é verdade.
Eu não danço, eu enrolo. Fico meio paradão,
mexendo os braços de um lado para outro, não
tenho ritmo... Para piorar, a Rosa é aquela que
dança e interage, sabe? Abre bem a boca para
cantar a música na maior empolgação, sua em
bicas, borra a maquiagem, olha no meu olho,
pega na minha mão e se descabela entoando os
versos. Pior quando toca uma música que ela
ama. Ou, como ela prefere dizer: a-ma.
— Caraca, Leo! Acredita que tava pensando
nessa música agora? — disse ela no aniversário
da Luana.
— Não. Não acredito, Rosa.
— Cara, tá rolando uma conexão de alma
com esse DJ, Leo! O cara é bom! Eu ia pedir
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

essa música agora! AGORA! Não é demais essa


conexão? Amo quando isso acontece. A-mo!
Eu ignoro quando isso acontece. Mas ignoro
num grau! Não tô nem aí pro DJ, nem aí pra
conexão, nem aí pra festa, é o que eu penso em
berrar quando ela vem com esse papo esotérico.
Mas fico calado. Só concordo, até porque
conversar com música alta rolando não dá.
A Rosa é do tipo que se emociona na pista, se
sente num reality show de música e interpreta
cada verso como se fosse uma poesia do
Pessoa, mesmo que a música seja um funk de
autoria da Valesca Popozuda.
O que fazer quando sua namorada se
transforma na Anitta e dança toda se querendo e
cantando “Prepara / Que agora / É hora / Do
show das poderosas / Que descem / Rebolam /
Afrontam as fogosas”? Ou se deprime por ver o
ser amado sensualizar ao som de funk ou diz
qualquer coisa pra fugir dali o mais rápido
possível.
— Vou fazer companhia pro Yuri, ele tá
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

sozinho e é todo tímido. Daqui a pouco não vai


mais querer ir à festa nenhuma.
— Deixa o Yuri pra lá. Ele é seu namorado?
— É meu amigo, Rosa! — respondi, irritado.
Assim que me virei ela segurou meu braço.
— Agora? Nessa música? Não! Olha o
refrão!
E tome de cantar olhando no meu olho. Haja
paciência. E ela sabe cantar todas as músicas do
mundo. Todas. Forró? Sabe. Anos 80? Sabe.
Sertanejo? Droga, ela sabe também. E funk,
samba, pagode, rock, dance music, rap, Britney,
Beyoncé, Phoenix, Cake, Beatles, Roberto,
Erasmo, Chico, Caetano, Skank, Fresno, Thalia,
o que toca e o que não toca nas rádios. A Rosa é
sinistra quando o assunto é música.
E gosta de dançar de parzinho! E eu odeio
esse negócio de dançar de parzinho. E quer
fazer passinho toda hora, e eu acho passinho
meio ridículo. Não tô nem aí para o que está
sendo cantado enquanto a gente dança, a única
coisa que eu penso é em sair da pista! Mas ela
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

não deixa, me puxa, faz beicinho quando eu


falo que vou pegar algo pra beber...
Vida de namorado de primeira viagem é
complicada, sabe?

Rosa
O Leo nunca foi muito chegado a festas. Ele acha
que dança mal, mas é o menino mais lindo do
universo dançando. Timidinho, todo sem jeito, fica
uma graça quando está na pista comigo. Todas
morrem de inveja.
Sim, porque os namorados das minhas amigas
não costumam dançar com elas. Quando muito,
duas, três músicas no máximo, só para dizer que
dançaram. O Leo não, mesmo não se sentindo
muito à vontade, ele faz questão de se jogar
comigo. Isso é que é companheiro.
E a carinha linda que ele faz quando eu
sensualizo dançando? Sem vulgaridade, que fique

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

claro. Sou fina até quando tá rolando um funk


bizarro. Olho pra ele toda-toda, faço carinha de
mulher-fruta, dou a mão pra ele pra ele ir até o chão
comigo, acompanhando o batidão.
Ele faz cara de quem odeia, mas sei que ama. A-
ma!

Leo
E tem o momento comida, que me irrita
profundamente. Não adianta eu dizer 50 vezes
que não quero experimentar o salgadinho ou
petisco que ela diz ser o melhor do mundo. Ela
praticamente enfia a porcaria do salgadinho
dentro da minha goela.
— Rosa, quando eu digo que não quero é
porque não quero! — briguei na última festa à
qual fomos juntos.
— Mas é a melhor torrada com queijo brie e
damasco que comi na vida!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Eu não gosto de queijo.


— Não dá para não gostar de queijo. Está
mais que na hora de começar a gostar! Prova!
— ordenou, encostando a porcaria da torrada na
minha boca.
— Não, Rosa! Por que você faz isso?
— Porque te amo. E quando amo uma coisa
que estou comendo quero que a pessoa que
mais amo experimente.
— Pra quê?
— Pra você ficar feliz, quando a gente come
uma coisa gostosa a gente fica feliz na hora.
O motivo é nobre, eu sei, mas viver a reprise
dessa cena a cada vez que a Rosa come uma
coisa gostosa é insuportável. Pensa que minha
vida é fácil, pensa!

Rosa
Não via a hora de ir pra festa da Carol! Ela é como

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

eu, adora comidinhas, adora comer. Mas já prometi


para o Leo que não vou forçá-lo a experimentar
nada. O chatonildo não entende que faço por amor.
Mas tudo bem, vai morrer sem provar maravilhas
gastronômicas por pura teimosia, só por ser turrão.
Meninos...
Fui para o shopping com Luana e a
aniversariante, minhas fiéis escudeiras, para
encontrar o vestido perfeito. O vestido que ia me
deixar toda gata: magra, com braço fino, cinturinha
e barriga chapada.
— Ô, Rosa, o que faz milagre é photoshop, não
vestido — Luana fez graça enquanto andávamos
pelos corredores do shopping com nossos radares
ligados nas vitrines.
— Ainda não acredito que você queria que o Leo
viesse com você — disse Carol. — Tadinho do
Leo, cara.
Pensei, pensei...
— É... Tadinho. Eu sou louca de ter pedido isso
pra ele...
Aos poucos entendi que relacionamento funciona
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

assim. Um cede um pouquinho daqui, o outro um


pouquinho dali, e assim a gente vai levando, se
aperfeiçoando como casal, sendo mais feliz a cada
dia.
Mas feliz mesmo fiquei ao encontrar o vestido
perfeito.

Leo
A Rosa foi pro shopping com a Luana e a Carol
e eu fui pra academia com o Tiago.
— Se fosse festa de alguém que você não
conhecesse você não iria, né? — mandou na
lata.
— Não?
— Claro que não! Pra quê? Ia ficar deslocado
como você ficou na festa da avó dela.
Ele estava coberto de razão. Sábio Tiago.
— Por isso que minha mãe vive dizendo que
relacionamentos são difíceis... — desabafei.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Normal, mermão. É assim mesmo. O


importante é que vocês conversam e se
entendem.
Nem sempre. Mas na maioria das vezes.
No dia seguinte comentei com a Rosa sobre a
minha conversa com o Tiago.
— O Tiago é sem noção. Qual o problema de
você ir na festa de uma pessoa que não
conhece? Vai pra me fazer companhia, ué.
— Não, Rosa. Se você conhece um monte de
gente e eu não conheço gente nenhuma, posso
muito bem ficar em casa ou fazer outra coisa
enquanto você vai à festa.
Pela cara que fez, vi que ela não gostou nada
da minha explicação.
— Isso quer dizer que você não vai comigo
no aniversário da Frances?
— Quem é Frances?
— Amiga do inglês, festa de 15 anos, festa
do tipo festão, com show, rango bom, gente
bem-vestida. Não podemos deixar de ir.
— Rosa, eu nunca ouvi falar dessa menina.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Mas vai todo mundo do meu inglês.


— E eu não conheço ninguém do seu inglês!
— O que é que tem?
— Tem que vou ficar deslocado, você vai
ficar de conversa com seus amigos e eu não vou
ter nenhum assunto com eles.
— Você sempre tem assunto com qualquer
pessoa, você é ótimo.
— Não, senhora. Não lembra como foi na
festa da sua avó?
— Foi ótima a festa da minha avó.
— Ah, Rosa, para! Você sabe que não foi.
Poxa, eu não estou dizendo que não vou à festa
da Frances, o que estou querendo dizer é que
em alguns momentos das nossas vidas iremos
só com nossos amigos a festas, shows etc. E
não tem nada de errado nisso.
— Entendi. É a discussão do shopping
revisitada — armou a tromba.
— Não, Rosa. É para manter a saúde da
nossa relação, como você gosta de dizer. Eu te
amo muito, não quero me sentir obrigado a
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

fazer exatamente tudo o que você quer, e não


quero que você sinta o mesmo em relação a
mim. A gente vai acabar se desgastando. E não
quero isso. Gosto da gente.
Uau! Arrasei num grau!
— Mas festa é diferente de shopping. Festa
sem companhia?
— Companhia dos seus amigos. Amigos que
te conhecem, que te adoram, que se sentem à
vontade com você, e que não vão se sentir na
obrigação de puxar papo comigo, de me dar
atenção por eu ser seu namorado. Vai ser bom
pra eles, pra mim e pra você. Claro que se você
também não conhecesse ninguém, ou
conhecesse poucas pessoas, eu iria.
— Então está decidido. Você não vai na festa
da Frances.
Caramba! A Rosa gosta de entender as coisas
do jeito que ela quer. Não importa o que eu
diga, a interpretação dela é sempre uma
incógnita pra mim.
— Não sei se vou ou não, já falei! Só sei que
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

a gente tem que ter claro na nossa cabeça que


um não querer fazer o que o outro quer não
significa que não gostamos mais um do outro.
— Nem um ciuminho você teria? Eu, numa
festa, sozinha?
— Não. Você estaria se divertindo e a sua
felicidade me deixa feliz. Além do mais, ciúme
tem quem não confia. Eu confio em você.
Ciúme é muito chato, Rosa. Não tenho
paciência com ciúme.
Fez charminho, entortou a cabeça, sorriu com
o cantinho da boca.
Ponto pra mim!
— Eu também confio em você. Mas tenho
um ciuminho, tá? Sempre vou ter. Saudável,
nada psicopata.
— Isso tudo bem.
— Mas você ainda não decidiu se vai ou não
na festa da Frances.
— Não. E prometo que vou pensar com
carinho.
— Acho importante a gente ter essas
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

conversas. Eu aprendo muito com você, Leo.


Brigada por me ensinar tanto, brigada por
gostar de mim, brigada por existir.
Ponto pra ela!
Fiquei todo bobo com a declaração.

Rosa
O Leo acabou não indo à festa da Frances. E foi por
um motivo nobre: o tio Múcio armou um
campeonato de jogo de botão na casa deles. Foi um
programa que varou a noite de sábado e reuniu pais
e filhos. Achei muito fofo.
Não podia ser a chata que priva o namorado de
uma coisa dessas, né? Seria egoísmo da minha
parte.
A festa da Frances foi ótima, dancei muito, suei,
ri, tirei várias fotos, tive tempo de conhecer melhor
o povo do inglês e passei a gostar mais ainda deles.
Lá cheguei à conclusão de que o Leo não ia gostar

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

tanto (a estrela da noite foi um cantor de funk, não


preciso dizer mais nada, né? O Leo é do rock, gosta
de umas coisas antigas que o pai dele ama, Led
Zeppelin, Black Sabbath e tal. Fico imaginando a
cara de bunda dele durante o show). E não doeu
nada ir sem ele. Pelo contrário, foi ótimo. Claro que
em algumas vezes senti sua falta, mas foi bom
entender que não precisamos mesmo estar grudados
em todos os lugares 24 horas por dia.
A gente se ama e amor não tem nada a ver com
grude. Tem a ver com respeito, é preciso respeitar a
vontade do outro, a individualidade do outro.
Vivendo, namorando e aprendendo.
No fim das contas, o Leo me fez compreender
que nosso amor é muito maior do que ir junto a
todos os lugares e fazer tudo o que o outro quer.
Nosso amor é imenso.
E está maior a cada dia.

Leo
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

É bom ter uma namorada com quem eu possa


conversar. Que me entenda, que faça drama,
mas volte atrás quando perceber que está
errada, que se permita mudar de opinião. E que
me ame de verdade.
Eu sou louco por ela. Aprendi que ser
romântico não é um problema, que mostrar
sentimentos também não. Por isso sempre que
posso olho dentro do olho dela e digo o quanto
ela é importante pra mim, o quanto me faz feliz.
Nosso amor é muito bonito.
E está a cada dia mais bonito.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Cascão: Concordo com o Cebola: o Leo é um


herói! A Rosa é muito, muito grudenta! Ainda bem
que você não é assim, Cascuda!
Cascuda: Claro, Cá! A gente tem que ter espaço
pra respirar!
Cebola: Namorando com o Cascão, precisa
respirar mesmo! Há, há, há!
Cascão: Muuuuiiito engraçado...
Cebola: Mas tem uma coisa que eu gosto na
Rosa: esse lance de ela ser atirada, provocadora...
Mônica: Ah, tava demorando pra me cutucar!
Pois cada menina tem seu jeito, sabia? Se eu quero
namorar, você foge. Se fico longe, não sou
“provocadora”. Tenha dó, Cebola!
Cebola: Cebola: Mas, mas... Eu só estava
brincando...

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Estávamos a uma semana de comemorar nosso
primeiro ano de namoro. É... O tempo voa. Parece
que foi ontem que entrei na escola e só falei
asneiras pro menino mais bonito que meus olhos já
tinham visto. As palavras sumiram do meu cérebro!
Gostei dele, achei que ele não gostou de mim, e
critiquei, elogiei e me encantei. Daí para me
apaixonar foi um pulo. E descobrir que a paixão era
correspondida foi a melhor sensação de toda a
minha vida. Faz um ano. Um ano. Coisa pra
caramba.
Uma data tão importante não podia passar em
branco, nem só com meu divino brigadeiro e uma
velinha para soprarmos. Precisava de um presente
com a cara dele. Um presente pelo qual o meu
fofito se lembrasse para o resto da vida.
O problema é que não tinha ideia do que dar para

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

ele nesse dia tão especial.

Leo
Eu e a Rosa íamos fazer um ano de namoro e
ela estava toda feliz com a data. Um ano é coisa
pra caramba! Nunca achei que pudesse namorar
tanto tempo. E sem enjoar, sem pensar em outra
garota. Eu queria que viesse o segundo ano. E o
terceiro, o quarto, o quinto.
Quem diria que aquela menina linda, que foi
meio gaga, só falou bobagem e agiu de forma
um tanto esquisita no nosso primeiro dia de
aula numa escola nova, me arrebataria dessa
forma?
Estávamos bem empolgados com nosso
aniversário de namoro. Eu menos que ela, pois
sabia que teria de engolir sem cara feia o
remédio, digo, brigadeiro que ela faz. Mas sabia
também que ela estava planejando me dar algo

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

além do brigadeiro. A Rosa adora fazer


surpresas. Eu não. Sou ruim de presente, sem
criatividade, nunca sei o que dar pra ela.
Mas no nosso primeiro aniversário de
namoro o Leo aqui seria o autor da melhor
surpresa. Daria a ela um presente inesquecível.
Um presente que faria minha namorada lembrar
todos os dias de mim. E útil, ainda por cima.

Rosa
O que me confortava era o fato de que se eu não
sabia o que dar para ele, ele sabia menos ainda o
que dar para mim. O Leo sempre deixa tudo pra
última hora. Eu não. Tenho o dom de surpreender,
de dar presentes fora de datas comemorativas, de
passear pelo shopping e comprar uma coisa que
tem tudo a ver com ele. Adoro ver sua cara de bobo
quando abre um presente meu.
Mas naquele primeiro ano eu procurava,

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

procurava... E nada! Nada tinha a cara dele.

Leo
Do que a Rosa mais gosta na vida? De falar. O
que mais ela ama depois de falar? De jogar uns
joguinhos bobos e de mandar um zilhão de
mensagens por hora para as amigas.
Resumindo, a minha namorada não vive sem, é
louca por um... Ce-lu-lar! E o que eu ia dar a
ela de presente? Uma capinha personalizada
de... Celular! Toda vez que ela olhasse para a
capa se lembraria de mim.
A sobrinha de uma amiga da minha mãe
vendia capas personalizadas de vários modelos
de telefone pela internet. Combinei tudo com
ela pelo Face.
Mandei benzão, pode falar!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Fuçando na internet, achei uma loja especializada
em camisas de times — não as de hoje em dia (a
maioria horrenda, por sinal), ele tem várias do Flu.
O que o meu namorado não tem é uma camisa
vintage. O Leo é Fluminense roxo, então achei
perfeito dar a primeira camisa usada pelo tricolor.
O primeiro ano do Fluzão no nosso primeiro ano. O
amor dele pelo futebol e por mim. Eu estava
demais! Que fique claro que as camisetas dessa loja
não têm nada a ver com as atuais. O tecido é
diferente (bom, não aqueles tipo dry-fit,
medonhos), o caimento é diferente (bonito), as
cores diferentes (discretas) e não vem o nome do
patrocinador berrando. Ou seja, quase chique. Ele
poderia vesti-la em qualquer dia, com ou sem jogo,
para um cinema, um pôr de sol na praia, um
piquenique... Ah, tá, como se o Leo e eu fizéssemos
piquenique.
Encomendei com a certeza de que daria um

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

presente que o meu namorado amaria eternamente.


E ainda pensaria em mim toda vez que tirasse a
camisa do armário. Eu, que implico tanto com
futebol, dando um mimo pra lá de futebolístico.
Nota mil para mim! O Leo ia cair duro quando
visse. E eu não via a hora de ganhar o sorriso
escancarado dele.
Depois do meu inglês passei na casa dele para
dar um beijo.
Mas... Parece que cheguei numa hora
inapropriada.

Leo
Completamente entretido no computador,
explicando para a garota das capas como eu
queria o meu presente, nem ouvi a campainha
tocar. Por isso, levei o maior susto quando a
Rosa entrou no meu quarto sem bater. Na
mesma hora minimizei a tela onde conversava

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

com a menina para não estragar a surpresa.


Para meu espanto, Rosa não gostou de ter
visto a cena. Demorei a entender o porquê.

Rosa
— Cheguei num momento ruim, pelo visto. Vou
embora.
— Claro que não, meu amor, vem aqui me dar
um beijo.
— Beijo? Por que você não pede beijo pra
essazinha aí?
— Quem? A Amanda?
— Ah, é Amanda o nome dela?
— É... O que foi? Não estou entendendo sua
cara...
— O que você quer que eu pense quando entro
no quarto do meu namorado e ele, no susto,
esconde a tela em que estava? Pensa que eu sou
burra?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Espera... Preciso saber se estou entendendo


direito. Você acha que eu estou traindo você com a
Amanda, é isso?
— Para de repetir o nome dessa garota!
— Rosa, não é nada disso que você está
pensando!
— Ah, não! Frase típica de quem tem culpa! Eu
não acredito, Leo. A poucos dias do nosso
aniversário de namoro você apronta essa comigo?
Devastada. Assim eu me senti naquele momento.
Era claro como água: o Leo estava me chifrando.
Apitou o chat. Era a garota que ia destruir meu
namoro querendo falar com ele. Apitou de novo.
— Não vai falar com sua nova namorada?
— Rosa, para com isso! Que agressividade é
essa?
— Como é que você quer que eu trate um cara
em que eu sempre confiei quando ele me dá uma
facada nas costas?
— Rosa, não delira!
— Então fala. Fala com ela! Por que você não
quer falar com ela? Vai dar uma de Múcio?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— O que tem meu pai?


— Duas caras. Falso. Diz que gosta de mim, mas
me critica pelas costas.
— Ele não te critica. Só falei que ele implica um
pouco com seu jeitinho mandona. Só isso!
— Pois é. Falso. Vai ver você herdou isso dele.
Consegue ser cínico e dissimulado.
— Rosa, parou! Tá pegando pesado demais!
— Olha aí! Sua namorada querendo
insistentemente teclar com você! Fala logo, porque
senão você vai ficar encalhado que nem seu pai!
— Rosa, para com isso! E fala baixo, ele está em
casa!
— Pode ouvir, tô nem aí! — dei de ombros.
— Ah, é? Pois é melhor ser encalhado
desencanado, que nem meu pai, do que solteirona
desesperada, como a sua mãe!
— Não bota a minha mãe no meio! — estrilei.
— Você que começou!
— Isso é falta de amor, Leo. A gente nunca falou
mal dos nossos pais um para o outro!
— Só se for da sua parte, porque eu nunca pensei
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

que você achava meu pai falso. Meu pai te adora.


— Adora nada!
— Então tá, Rosa. Você está a fim de acreditar
no que você quer acreditar, né?
— Quem é essa Amanda? Quem é?
— Não é ninguém!
— Você é a pior coisa que aconteceu na minha
vida, Leo. Mentiroso, sem caráter.
Saí chorando do quarto.

Leo
O meu coração estava na boca, nunca tinha
batido tão rápido. Uma sensação horrorosa
tomou conta de mim, o meu peito esquentou, a
minha cabeça queimou. Vi meu namoro prestes
a acabar por causa de uma bobagem.
Eu não podia dizer quem era Amanda.
Mas, poxa, me chamar de mentiroso? De sem
caráter? Botar o meu pai no meio da discussão?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

A Rosa me magoou muito. Acho que naquele


dia senti a primeira grande tristeza da minha
vida. Um misto de tristeza e decepção.

Rosa
Droga! Eu não sei brigar! Nunca soube! Meti o tio
Múcio no meio da nossa briga, nota zero para mim!
O cara sempre foi legal comigo! E faz parte sogro
implicar um pouco com nora. Mas eu chamei o Leo
de sem caráter... Ai, meu Deus, como minha cabeça
estava confusa naquele momento!
Ok, posso ter pesado a mão nas palavras, mas o
que eu podia fazer? O meu sangue ferveu, minhas
mãos suaram, o meu corpo todo entrou em ebulição
com a ideia de o Leo estar com outra garota. Há
quanto tempo ele me traía? Ele gostava mais dela
do que de mim? Por que me traía se éramos tão
felizes?
A dor de ser traída e de perdê-lo falou mais alto

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

que a razão e, admito, passei do limite e já estava


arrependida.
Mas não era hora para arrependimentos. Eu
precisava de explicações.

Leo
— Não foge, não! Quero saber que ataque é
esse! — questionei, cheio de rancor, enquanto
corria atrás dela.
Imediatamente meu pai e Marilda, nossa fiel
escudeira e melhor cozinheira de Botafogo,
apareceram na sala, curiosos.
— Ataque de quem está se sentindo
enganada, na lama!
— Você não pode me deixar explicar?
— Explica!
— Eu... Eu... Eu não posso dizer pra você
quem é Amanda... Não ainda!
— Ah, é? Então não vai precisar dizer nunca!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Esquece que um dia me conheceu, Leonardo!


— Sério? Sério mesmo? Você não confia em
mim?
— Não!
Parecia que eu tinha corrido 20 quilômetros,
de tanto que meu coração batia. Tudo pulsava:
peito, cabeça, até o pescoço. Respirei fundo e
disse o que jamais pensei (ou intencionei) dizer
para a Rosa:
— Então pode ir embora! Vai mesmo! Sai da
minha vida, garota maluca! — gritei.
Logo eu, que não sou de grito, senti rasgar
minha garganta com o aumento do tom de voz.
Mas não parei por aí. Peguei fôlego para
conseguir dizer uma última frase:
— Não aguento discutir com gente burra!
Virei as costas, fui para o meu quarto e bati a
porta com força. Absurdamente arrependido.
Chamar a Rosa de burra não foi nada legal. Eu
tinha virado um monstro.
Mas ela também tinha.
Deitei na minha cama e chorei. Era a
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

primeira vez que chorava em um ano de


relacionamento. Que dor estranha e descabida...
Chorei mais ainda quando vi a capa que tinha
criado para a Rosa na tela do meu computador:
uma montagem meio psicodélica com rosas de
todas as cores e tamanhos. Fotos que pesquisei
e escolhi com todo o meu carinho.
Dias antes havia consultado minha mãe para
pedir ajuda. Ela disse que se eu escolhesse para
as fotos um filtro que lembrasse sépia, as rosas
tivessem cores fortes e a capa fosse fosca, sem
um pingo de brilho, seria “o presente mais lindo
que uma garota pode ganhar”, nas palavras
dela.
Só que não ganharia.
Quem diria? Eu e Rosa tínhamos acabado.
Porque aquela briga não era briguinha. Era
coisa séria.

Rosa
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Falamos coisas horríveis um para o outro, eu


soluçava de tanto choro, de tanta mágoa. Burra! O
Leo me chamou de burra! E chamou com todas as
letras, disse com vontade. Era o fim.
Sim, era o fim do casal, o fim do sonho, o fim
antes do primeiro ano juntos.
Que dia triste, meu Deus! Que sensação
horrorosa, que angústia, que vazio dentro de mim!
A briga aconteceu na tarde de sexta-feira. Não
nos falamos no sábado, nem no domingo. A cada
mensagem que chegava no celular eu sentia meu
coração pular. Nunca era dele.
— Vocês são o casal 20 da escola! Claro que não
acabou! — consolou Luana, por telefone.
— Claro que acabou. Ele está me traindo.
— Você não tem certeza.
— Então por que ele não disse quem era
Amanda?
— Você acha mesmo que ele seria burro a ponto
de dizer o nome da outra na sua cara? Claro que
Amanda não é ninguém importante!
— Por que ele não me disse quem ela é?
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

— Porque não podia, não queria, sei lá!


Ele tinha dito que não podia dizer quem é
Amanda... “ainda”.
Droga! Eu estava oficialmente me odiando. Mais
do que odiava berinjela.
Mas quem garante que a Luana estava certa?
— Eu não estou com a cabeça quente, você está.
Além disso, estou vendo de fora. Fica mais fácil
opinar.
Caí no choro.
Casal 20. A gente era mesmo.
Que triste...
Na segunda, para minha surpresa, Leo não foi à
aula.
Uau! Para ele faltar alguma coisa tinha
acontecido. Ou ele estava com muita raiva de mim.
Ou muita culpa por ter me traído.

Leo

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

No domingo caí de cama com uma das piores


febres que já tive. O meu pai ficou bolado,
pensou até em me levar para o hospital, mas
depois que a temperatura baixou o velho se
acalmou.
Nada da Rosa. Nem ligou para pedir
desculpas, nem para entendermos juntos o que
havia acontecido entre nós.
E eu com o corpo todo dolorido, não tive
condições de sair do quarto na segunda de
manhã. Não fui à escola, não olhei no olho da
Rosa.
Melhor assim. Ou ela pedia desculpas ou eu
nem olharia na cara dela.
Nunca ninguém tinha me dito coisas tão
duras.
O meu pai, bacana como sempre, entrava no
meu quarto de vez em quando para saber se eu
queria “leite quente, biscoito, chá, colo, essas
coisas”. Eu apenas sorria triste para ele, que
entendia a senha e fechava a porta para me
deixar sozinho.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Fiquei preocupada. O Leo odiava faltar à aula.
Ligo ou não ligo?, era a pergunta que ecoava na
minha caixa cranial.
Na escola, Luana, Carol e até a Mabu fizeram
coro:
— Liga, boba!
E Mabu ainda acrescentou:
— Vai deixar seu grande amor escapar pelos
dedos assim? Sem nem uma conversa?
Sinceramente, esperava mais de você, Rosa...
Uau! Quem diria que um dia eu levaria uma
bronca da Mabu? Ela estava certa? O Leo era meu
grande amor?
Era... O meu grande amor.
Não sabia se para a vida toda, se por muitos
anos... Não importava. Naquele momento, no
presente, ele certamente era o meu grande amor, a
melhor coisa que já tinha acontecido na minha vida,
o sentimento mais fundo e bonito que experimentei

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

sentir.
— E além de tudo ele é lindo, né? — comentou
Mabu, rindo.
Nem fiquei com raiva. Sabia que ela só queria
descontrair.
É verdade. Não bastasse ser tudo de bom, o Leo
era lindo. Sorriso mais lindo do mundo. Imaginar a
vida sem ver todos os dias aquele sorriso bobo de
menino bobo doía até a alma.
Como a gente faz para apagar o passado?

Leo
Pena que a gente não apaga o passado, era tudo
o que eu conseguia pensar enquanto ia para a
escola na terça-feira. Difícil prever o que
aconteceria quando olhasse para a Rosa.
Impossível imaginar o desfecho da nossa
conversa.
Teria alguma conversa?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Rosa
Na terça quando chegou na sala de aula, ele olhou
para mim, mas foi sentar perto dos garotos. O meu
coração se desfez em mil caquinhos, por mais
cafona que essa cena possa parecer. Sim, sou
cafona às vezes. Bem cafona. Mas, sério, ouvi o
barulho dos cacos caindo no vazio do meu peito.
Vazio mesmo, a ausência do Leo tinha deixado um
buraco dentro de mim.
A gente se olhou, mas ele desviava os olhos dos
meus, eu desviava os meus dos dele. Um lado meu
queria matar o Leo, outro queria voar para o seu
colo e pedir desculpas. Mas ele tinha que pedir
desculpas primeiro.
Certo?
— Não tem primeiro nem segundo, deixa de ser
orgulhosa! — ensinou Carol, no recreio.
— Vai logo falar com ele. A gente não aguenta
mais esse climão! — ordenou Luana.
Não segui a ordem da minha amiga. Passei o dia

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

a sofrer com o peito apertado.


Na hora da saída ele voou para fora da sala. Eu
só iria vê-lo no dia seguinte.

Leo
Na quarta a Rosa não foi.
Fiquei preocupado, morrendo de vontade de
ligar. Muito ruim sentir saudade e não poder
matar essa saudade.
No fim da tarde tocou o interfone. A capinha
tinha chegado.
É... Comprei a capinha. Mesmo depois de
tudo.

Rosa
A minha mãe precisou fazer uma endoscopia, um
exame que vasculha a quantas anda o sistema
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

digestivo e, para isso, dopa o paciente. A amiga que


ia fazer companhia furou na última hora e ela me
pediu para acompanhá-la, já que sairia da clínica
sem falar lé com cré, sem noção de direção, de
nada. Tadinha. Fui com prazer.
E não precisei encarar o Leo e aquela nuvem
negra que tinha se instalado entre a gente.
No fim da tarde de quarta chegou a camisa do
Flu.
Olhando para o presente, não consegui conter as
lágrimas que caíam copiosamente.

Leo
Na quinta-feira eu e Rosa nos olhamos por mais
de um décimo de segundo na sala de aula. Ela
queria me dizer muitas coisas, era evidente. Eu
idem.
Ela franziu a testa, espremeu os lábios e...
Virou o rosto para que eu não a visse chorar.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

A aula começou e eu só conseguia olhar para


ela.
Enquanto o professor ensinava a matéria,
falamos ao mesmo tempo, olhando um bem no
preto do olho do outro:
— Desculpa.
Como eu queria correr para beijá-la e abraçá-
la.
— Eu te amo — disse Rosa, só com os
lábios, claro, para não atrapalhar a aula.
Ela com lágrimas nos olhos, eu com lágrimas
nos olhos (seria zoação certa na hora do
recreio) e várias mesas e cadeiras no meio do
nosso caminho. E uma aula de Física que ainda
demoraria uns 15 minutos para acabar.

Rosa
Ai, que alívio! Que alívio feliz eu estava sentindo!
O Leo pediu desculpas. Eu também! E o peso que

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

tirei dos meus ombros? Ô...


A aula acabou, todo mundo saiu e ficamos só nós
dois.
— Desculpa ter falado do seu pai, não sei o que
me deu, eu adoro ele.
— Shhh! — fez ele, lindo, calando minha boca
com o dedo indicador. — Eu sei. Ele te adora
também. Desculpa ter te chamado de burra.
— Shhh! — repeti seu gesto. — Eu sou burra
mesmo em alguns momentos. Naquele não. Fui
apenas cega. Estava com muita raiva e a raiva me
cegou. Eu só queria saber quem era Amanda.
Ele riu.
— Amanhã você vai saber direitinho quem é
Amanda — revelou com um sorriso tão lindinho e
sincero que me deu a certeza absoluta de que
Amanda podia ser tudo, menos uma ameaça ao
nosso relacionamento.
Selamos a paz com um beijo demorado, quente,
sofrido, cheio de mágoa. Um beijo choroso, um
choro beijoso. Ah, sei lá. Sem palavras para
descrever o momento que até então era o mais feliz
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

da minha vida. Eu tinha meu Leo de volta.


E no dia seguinte eu e ele comemoraríamos um
ano de namoro.
Enquanto dava nele um abraço apertado, só
conseguia pensar: “Como eu amo esse garoto. Amo
tanto, tanto.”

Leo
Foi maravilhoso fazer as pazes com a Rosa.
Não estava na hora de a nossa história acabar.
A gente sempre foi tão feliz, um casal sem
noias e brigas, sem ciúmes, sem estresses
sérios... Houve mágoa, houve dor e por isso
prometemos um para o outro: nunca mais
falaríamos sem pensar no peso das palavras.
Machucar o outro por raiva não combina com a
gente.
Chegamos à conclusão que não queríamos ter
dito nada do que dissemos. E aprendemos que

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

um de nós tem que ceder num momento tenso


como o que passamos. Resumindo: estava
oficialmente proibido brigar com a cabeça
quente.
Disse para a Rosa que viver sem ela era
muito difícil. Ela disse que viver sem mim era
vazio e sem propósito. E a gente se beijou e
contou as horas para o dia seguinte, quando ela,
enfim, descobriria quem é Amanda.

Rosa
— Isso aqui quem fez pra você foi a Amanda. Mas
eu que dei todas as coordenadas. Espero que você
goste — disse Leo.
E a vergonha que tomou conta de mim e me
deixou da cor de um caqui? Amanda tinha a ver
com o presente dele, que era uma surpresa. Por isso
ele não podia AINDA me contar quem ela era no
dia da briga.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Abri o pacote e senti meus olhos brilharem com


a capa de celular mais linda que já tinha visto.
Sorria tanto que parecia que minhas duas covinhas
iam sair do meu rosto. Senti uma lágrima cair no
meu rosto.
Como era perfeito, o meu Leo...

Leo
— Eu te amo. Foi o presente mais perfeito que
ganhei na vida! — ela disse, antes de me dar o
beijo mais perfeito que ganhei na vida.
Ela chorou! Ela chorou!
Que felicidade acertar tanto com um presente
para a Rosa. Só não sei se acertei tanto quanto
ela.
A garota comprou uma camisa irada do
Fluzão, usada pelo meu time do coração no seu
primeiro ano de vida! Vesti na hora. E me
emocionei com o cartão em que ela, sempre boa

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

com as palavras, descreveu nossa história, com


detalhes dos momentos mais marcantes que
vivemos. O primeiro ano do Fluzão, o nosso
primeiro ano, ela disse.
Eu disse que a amava profundamente, um
amor tão grande que eu nem entendia como
cabia dentro de mim. Ela disse “te amo mais”.
E eu abri o sorriso que ela tanto elogia, sorriso
de criança, como costuma descrevê-lo, sorriso
imensamente feliz, toda hora feliz, sorriso que
só ela tira de mim. Sorriso que é só dela.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Cebola: Mô, às vezes, a ficção tem tanto de


realidade, né? Hã... É que... Será que você não quer
ir ao cinema comigo amanhã?
Mônica: E precisa perguntar, seu bobo?

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Como esta parceria começou...

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Alguns anos atrás...


Mauricio: Oi, Thalita! Estou com uma ideia
para um projeto com você. Vamos conversar?
Thalita: Comigo, Mauricio? Nossa, seria uma
honra! Sou muito sua fã!

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Copyright do texto © 2013 by Thalita Rebouças


Todos os direitos reservados.

ROCCO JOVENS LEITORES


GERENTE EDITORIAL
Ana Martins Bergin

SUBEDITOR
Pedro Afonso Vasquez

EDITORES ASSISTENTES
Larissa Helena
Luiz Roberto Jannarelli
Manon Bourgeade
Viviane Maurey

PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Liliane Rodrigues

REVISÃO
Alessandra Volkert
Penha Dutra

ASSISTENTES

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Gilvan Brito
Silvânia Rangel

ROCCO DIGITAL
COORDENAÇÃO DIGITAL
Lúcia Reis

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO DIGITAL


Joana De Conti

Direitos desta edição reservados à


EDITORA ROCCO LTDA.
Av. Presidente Wilson, 231 – 8º andar
20030-021 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 3525-2000 – Fax: (21) 3525-2001
[email protected] / www.rocco.com.br

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Copyright das ilustrações © 2013 by Mauricio de Sousa


- APL e Mauricio de Sousa Editora Ltda.
Todos os direitos reservados.

MAURICIO DE SOUSA PRODUÇÕES


PRESIDENTE
Mauricio de Sousa

DIRETORIA
Alice Keico Takeda,
Mauro Takeda e Sousa,
Mônica S. e Sousa,
Yara Maura Silva

DIREÇÃO DE ARTE
Alice Keico Takeda

GERENTE EDITORIAL E MULTIMíDIA


Rodrigo Paiva

EDITOR
Sidney Gusman

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

ASSISTENTE EDITORIAL
Lielson Zeni

LAYOUT
Robson Barreto de Lacerda

EDITOR DE ARTE
Mauro Souza

COORDENAÇÃO DE ARTE
Irene Dellega, Nilza Faustino

ASSISTENTE DE DEPARTAMENTO EDITORIAL


Anne Moreira

ILUSTRAÇÃO
Marcelo Conquista, Zazo Aguiar

DESIGNER GRÁFICO
Mariangela Saraiva Ferradás

REVISÃO
Ivana Mello

SUPERVISÃO GERAL
Mauricio de Sousa

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

R. do Curtume, 745 – Bloco F – Lapa


São Paulo – SP - CEP 05065-900
Tel.: (11) 3613-5000

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

CIP-Brasil. Catalogação na publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

R242e
Rebouças, Thalita, 1974-
Ela disse, ele disse: o namoro [recurso eletrônico]
/ Thalita Rebouças ; ilustração Maurício de Sousa.
- 1. ed. - Rio de Janeiro : Rocco Digital, 2013.
recurso digital : il.

ISBN 978-85-8122-274-5 (recurso eletrônico)

1. Adolescência - Ficção. 2. Literatura


infantojuvenil brasileira. 3. Livros eletrônicos. I.
Sousa, Maurício de, 1935-. II. Título.
13-03604 CDD: 028.5
CDU: 087.5

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Sobre os autores

Foto: Carlos Luz

Thalita Rebouças é carioca de 1974. Jornalista de


formação, acabou optando por abandonar as
redações para se dedicar à literatura. E deu certo.
Hoje sua vitoriosa carreira ultrapassa fronteiras.
Dos seus 14 títulos, Tudo por um pop star, Fala
sério, mãe!, Fala sério, professor!, Fala sério,
amor!, Fala sério, amiga!, Fala sério, pai! e Fala
sério, filha! são publicados em Portugal pela
Editorial Presença. Em 2014, sua obra ganha os
países da América Latina pela V&R Editoras. Em
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

janeiro de 2013, o musical Tudo por um pop star


estreou com imenso sucesso no Rio de Janeiro e
partiu em turnê pelo Brasil. E, em breve, Thalita
também estreará nas telas – os direitos de Uma fada
veio me visitar, Ela disse, Ele disse e Tudo por um
namorado foram vendidos para o cinema. A
escritora, que tem fã-clubes espalhados por todo o
país, vendeu mais de 1,3 milhão de livros e tem
mais de 280 mil seguidores no Twitter, onde
mantém contato diário com seus leitores. Suas
participações em feiras literárias pelo país
costumam arrastar multidões de adolescentes.
Visite o site da autora: www.thalita.net.

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Foto: Lailson dos Santos

Mauricio de Sousa nasceu em 27 de outubro de


1935, numa família de poetas e contadores de
estórias em Santa Isabel, no interior de São Paulo.
Ainda criança, mudou-se para Mogi das Cruzes,
onde descobriu sua paixão pelo desenho e começou
a criar os primeiros personagens. Com dezenove
anos, foi para São Paulo tentar trabalhar como
ilustrador na Folha da Manhã (hoje Folha de S.
Paulo). Conseguiu apenas uma vaga de repórter
policial. Em 1959, publicou sua primeira tira diária,
com as aventuras do garoto Franjinha e do seu
cãozinho Bidu. As tiras de Mauricio de Sousa
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

espalharam- se por jornais de todo o país, levando-


o a montar um estúdio que hoje dá vida a mais de
duzentos personagens. Em 1970, lançou a revista
Mônica e, em 1971, recebeu o mais importante
prêmio do mundo dos quadrinhos, o troféu Yellow
Kid, em Lucca, na Itália. Seguindo o sucesso de
Mônica, outros personagens também ganharam
suas próprias revistas, que já passaram pelas
editoras Abril e Globo e atualmente estão na
Panini. Dos quadrinhos, eles foram para o teatro, o
cinema, a televisão, a internet, parques temáticos e
até para exposições de arte.

PERIGOSAS ACHERON

Você também pode gostar