YUNES - O Livro As Midias e As Problematizacoes
YUNES - O Livro As Midias e As Problematizacoes
YUNES - O Livro As Midias e As Problematizacoes
O LIVRO E AS MÍDIAS: PROBLEMATIZAÇÕES
Eliana Yunes*
Abstr act
Considering mass communications’s, high levels of illiteracy, function illiterate, expensive cost in books, what should we think?
This new holders push indivisibles to read or put them apart even more? The recorders are dying, will the reading disappear?
These new concepts, local knowledges and regional iniciatives (or projects), cab they change the production and receptions’s
profile? They may force to reflect methodologies and strategies but hardly they can contribute to lecture disappearance, at least
we have got to learn again with the new concepts.
Key-wor ds: Lecture; Technologies; Mass communications’s; School; Politcs Lecture’s.
Eis o tempo de muitas palavras, muitas linguagens, muitos suportes, muitas discussões e pouca compreensão, pouco
discernimento, pouco entendimento.
Os homens reuniram um formidável acervo de conhecimento, de informações, de referências, mas perderam as experiências, no
dizer de Walter Benjamim1 em O narrador, as vivências se tornam virtuais e não apenas para uma minoria, por conta da TV e da
Internet, e as convivências se esgarçam, em função da falta de tempo, engolido pelo trabalho.
O projeto da modernidade, feito de máquinas e tecnologias, com promessas de tempo de lazer e convívio se mostrou falacioso,
como bem denunciou Hanna Arendt2, em A condição humana.
Contudo, toda a realidade humana está contida nas linguagens, as múltiplas que constituímos, desde os gestos nos rituais
primevos até as imagens, das cavernas ao cinema. Como lembrou Roland Barthes3 em certo momento, tudo isto, no entanto, se
traduz em palavras, este sistema privilegiado, comum e democrático, até que chegássemos à escrita. Esta, que nos permitiu guardar
certas memórias, foi rasurando outras e muitas, que a história das mentalidades contemporânea – chama atenção Jacques Le Goff4
– vem fazendo o esforço de resgatar como palimpsestos.
A escrita pretendeu democratizar o conhecimento e o poder (a mesma coisa, segundo o Gênesis), com a disseminação massiva
das informações através do livro, em substituição aos rolos e aos códices, e em escala industrial poderia, segundo os sonhos
iluministas, alcançar a universalização do saber, daquele que a ideologia dominante considerava adequado e verdadeiro, quer
pela moral, quer pela ciência.
Este não é o espaço para recapitular a história do livro na América Latina (já o fizemos em um arti go entregue ao Cerlalc em
l9945, mas não é possível esquecer que o cerceamento das populações à educação e à sua autonomia cultural tem sido, em grande
parte, provocado pela pobreza da circulação do livro, antes mesmo do confronto com os suportes da mídia de imagem e – agora,
nas classes mais favorecidas –, do impacto da Internet. O acervo disponível se amplia, mas sem o juízo crítico, formado
obrigatória e precedentemente pela condição de leitor, torna-se uma babel intransponível.
Como “os limites do mundo são os limites da linguagem”, na formulação perspicaz de Wittgenstein6 (que revolucionou a
filosofia da linguagem com seu enfoque empírico), a condição de falante, dois mil anos depois da invenção alfabética, está
condicionada a estruturas da sintaxe-semântica da escrita, que devora os incompetentes que a escola tem gerado, impedindo-os,
paradoxalmente, de entrar no mercado de trabalho de modo produtivo, de forma criativa, gerando bens e recursos.
Ao contrário, a maioria que egressa da escolaridade mínima que obtém, sem o livro e a leitura (o manual de textos e gramática
é quase sempre um livro eunuco) vai servir como trabalhador braçal, que só assina o nome, não entende instruções e dá prejuízos
aos donos do capital que, aliás, apenas com isto se comovem. Mas nem assim aprendem que só o investimento em recursos
humanos – leia-se formação de leitores – pode garantir um processo continuado de riquezas sociais e qualidade de vida, para o
crescimento de um mercado consumidor independente.
Encarcerado nas bibliotecas, garantido em compras colossais pelo Estado mas longe dos possíveis leitores, o livro enfeita
prateleiras, enobrece empresas editoriais, enriquece grandes centros culturais, faz média política em mãos de governantes
populistas e praticamente iletrados, mas não chega ao aconchego, ao regaço do leitor, não lhe deleita a alma, não lhe rasga
horizontes, não cria repertórios de vida. Por quê? A cadeia de (ir)responsabi lidades é longa, da família faminta e carente que
constitui o contingente populacional da América Latina e Caribe, aos interesses que manipulam programas de socorro a bancos
em detrimento das gentes; os que preferem gastar com mísseis e bombas a fazê-lo que com filosofia, física e poesia, isto é, com
educação, do que depende a ciência e a cultura.
Nesta rede estamos implicados, os professores que ensinam por ensinar, os editores que publicam por vender, os políticos que
abrem escolas para dar visibilizadade a seu nome em placas, mas menosprezam o homem vivo que diante deles, anônimo que seja,
é quem poderia, pelo percentual demográfico assustador, tornar o mundo menos violento, menos trágico, se soubesse eleger seus
dirigentes. “O eleitor precisa antes ser leitor”, temos repetido em vão, mesmo para países de escolaridade universal mas acrítica,
xenófoba e nacionalista, acima ou abaixo do Equador.
A cultura é feita de memória e transformação e, portanto, se insere na dimensão do tempo e espaço que nos constituem como
seres históricos que lidam com a historicidade dos saberes e do conhecimento que, por isso mesmo, nunca são iguais, pois se re-
situam a cada reapropriação feita pelo leitor na história viva da sua contemporaneidade, onde se imbricam heranças locais e
diferenciadas com tesouros culturais permanentes da experiência humana.
Algumas destas “matérias” são de natureza técnica – potes, pontes, monumentos –, mas há também as simbólicas que, se não
podem erguer muralhas contra a passagem do tempo e a ruína das formas exteriores, investem nas realizações, digamos espirituais,
cujo feito maior não é o de nos reinserir na dimensão dos deuses e heróis, mas de nos resgatar temporariamente, transitoriamente,
do tempo e lugar marcados, para o não-lugar, onde utopicamente seria possível acender o desejo próprio, “a memória de si
mesmo”, que uma amnésia progres siva, trazida pelo mercado e pela mídia, aliena, transformando a (inter)subjetivi dade em
subjetivação. Bastam quinze minutos de fama para criar a ilusão do presente perene, e jogar-nos no paraíso circular do
consumo/produção em que nos tornamos meros objetos.
No caso das artes e da palavra literária, oral ou escrita, o inacabamento, a incerteza, longe de ser fragilidades, são a abertura
para a inserção do outro, com amplas liberdades. O conhecimento científico, à luz da física quântica, nos anuncia complexidades
semelhantes que exigem reflexão crítica, ou dizendo de outro modo, um pensar que nos tire do isolamento e das certezas e nos
recoloque no meio dos homens e da diversidade. Como fazê-lo diante da indústria cultural que emudece – porque não dá tempo à
resposta – nem favorece a “polifonia” que suscita o diálogo e demanda o outro? Dos males da globalização desponta a
uniformização das mentalidades que a ganância da produção universalizada ignora, a banalização pelo fácil, a trivialidade do
óbvio. Os livros não escapam desta busca do sucesso rápido e da venda em bloco. Barthes7 alertava que “ler é ser movido a
levantar os olhos do texto”, enquanto os “media” impedem-nos de desviá-los para qualquer lado como se os tivéssemos fixos.
Nascido com a modernidade, ajudando-a a nascer com a invenção da imprensa por Gutemberg, alavancando a classe burguesa
ao poder, o livro como produto submeteu-se às regras da revolução industrial e, logo, tecnológica, que agora o traz à condição de
objeto descartável como tudo o mais que, com o avanço técnico, parece ameaçado pela substituição.
Depositário do saber que, cumulativamente, nos séculos XVIII e XIX, gerou as enciclopédias e expandiu as bibliotecas por
conta da necessidade de educar as massas com a escolarização, o livro, nos países periféricos como os nossos, não completou a
formação necessária do público leitor para o uso conseqüente e livre das máquinas e sistemas eletrônicos. É que, aí, a quantidade
de informação disponível exige capacidade de escolha, orientação de busca, ordenação pessoal dos dados, ainda que
aparentemente se esteja acompanhado de um exército de informantes. Ainda que falemos apenas do Ocidente, a situação não é
homogênea. Só os verdadeiramente iniciados como leitores andarão pelos labirintos destas bibliotecas virtuais com algum
conforto e independência, dada a fragmentação que as constitui, como reflexo mesmo da pluralidade pós-moderna.
Nunca na História a leitura foi tão valorizada socialmente e o sistema escolar em todos os níveis expandiu-se tanto;
paradoxalmente, as estatísticas apontam para um número cada vez menor de leitores efetivos, enquanto o pú blico das feiras de
livros aumenta, tomando-as como eventos, como espetáculos, cuja transitoriedade contrasta com a matéria que carregam estes
suportes. As editoras, no entanto, sobrevivem, não apenas nos gigantescos conglomerados que se formam, mas sobretudo na
política de produção e vendas que privilegia o livro didático, informação freqüentemente diluída e pasteurizada para
alfabetizados funcio nais, sem dimensão subjetiva e crítica e sem poder aquisitivo para se dar ao luxo de produzir/consumir
cultura.
Se os livros contribuíram para o processo de descolonização e independência, além da formação da cidadania, e, portanto,
serviram ao processo histórico, é desconcertante que se leia pouco, mesmo em sociedades avançadas contemporâneas. Além das
restrições de caráter econômico – aprendemos a ter com o livro uma relação amorosa e às vezes fetichista, como se possuí-lo entre
as mãos fosse uma experiência quase sagrada, herdada das origens mesmas das “Escrituras” –, a passividade diante do texto
impregnou e imobilizou a vivência dos leitores a partir da escola, onde a decifração do sentido tinha precedência absoluta sobre a
interação texto-leitor. O sentimento de incompetência diante das letras foi alijando o leitor do livro e, por conseqüência, da
biblioteca.
Por um lado, pode-se apontar para o fracasso do sistema escolar, de natureza superficial e excludente, mas o problema está
radicado justamente no tipo de material escrito que a escola consome, na experiência redutora que têm os estudantes com a
linguagem, no estreitamento do contato com os discursos artísticos, apesar da insistente denúncia “barthesiana” de que, na
iminência do desaparecimento das disciplinas, a literatura deveria ser a sobrevivente preferencial (in Aula). Curiosamente, no
momento em que o cinema, a TV, o teatro recorrem com maior intensidade às fontes literárias, os organismos decisórios sobre
programas e currículos do sistema educacional dispensam o ensino da literatura e das artes na formação básica da cidadania. Não
admira, pois, que a capacidade de reflexão, a percepção crítica e a auto-estima que o domínio do discurso revela, venham se
deteriorando irremediavelmente, assustando, no mínimo, o mercado editorial.
Esta ligação entre livro e literatura não demanda muitas explicações, assim como os rolos estão associados às escrituras
religiosas. A arte de se deixar envolver pelo escrito, exercitar o pensamento e excitar o imaginário veio dos mitos para os contos e
para os romances, desbordando, segundo o próprio Einstein, em sua autobiografia, para a ciência investigativa. No entanto, esta
dimensão crucial da formação de leitores tem sido relegada por editores e Estado, associados na distribuição massiva dos livros
didáticos, com o que dão por resolvida sua cota de obrigação social.
Claro que ler demanda tempo, treinamento, intimidade, absolutamente cabíveis na dimensão da sala de aula se as opções para
a educação fossem outras, da arquitetura às metodologias. Ler se aprende lendo e “lendo juntos”, como o amor pelas histórias
nasce de ouvi-las narrar –, se desde a mais tenra idade, por vozes amadas. Em outras palavras, toda a metodologia de convívio
com a palavra escrita, sobre o papel, os muros ou na tela de um computador, ao menos a princípio, deve ser uma experiência
partilhada. À dificuldade de ler um texto com va zios e abertura de novos horizontes de mundo (Wolfgang Iser8) que demandam
do leitor agilizar suas memórias e acervos pessoais, criar verdadeiramente um efeito pela recepção, corresponde o êxito dos best-
sellers e livros de auto-ajuda com receituário que o mantém passivo, segundo o modelo da TV ou do letramento segundo o livro
didático.
A ênfase na formação do gosto pelas narrativas teria efeitos impactantes sobre o aprendizado de um modo geral e abriria
caminhos para uma qualificação profissional capaz de elevar o padrão médio econômico e sociocultural de grande parte da
população. A desvalorização progressiva da palavra pela invasão das imagens – que, aliás, precederam a escrita alfabética e
implicitamente referiam uma certa narratividade por trás dos traços e dos símbolos –, o desterro do debate de idéias e o medo do
aparelhamento dos sujeitos para a argumentação e tomada de decisão política têm obstruído também a circulação do livro de
criação e ensaios. Nota-se, contudo, como as biografias e os relatos “voyeuristas” do real ressurgem com força na mídia televisiva,
eletrônica e impressa. Tudo rápido, perecível, quando não paralisante do próprio viver, pensar e sentir.
Sem leitores formados, portanto, os próprios e-books não irão muito longe. Ainda que estejamos falando de uma geração
crescida com os dedos no teclado, com coordenação motora complicada diante de um lápis ou uma caneta, e enorme familiaridade
com “janelas e programas de redes”, o avanço excepcional do recurso do hipertexto será de pouca valia na hora da composição
textual. Como estamos falando de uma minoria que hoje tem acesso a este tipo de equipamento caro, inclusive para manutenção e
atualização em sistemas integrados, há tempo suficiente para uma mudança radical de estratégia, articulável entre governo,
empresas de livro e sociedade para reverter o quadro, que só traz a crise do livro porque traz, antes, a crise da leitura.
Não há realmente por que temer um confronto letal entre o livro e a mídia eletrônica, se o caso anterior da fotografia não
dizimou as artes plásticas, o cinema não morreu com a televisão, nem matou o teatro, a música vem ganhando novos suportes e o
mercado adaptando-se para a defesa da propriedade intelectual e do direito autoral. O problema que persiste é o da exclusão
interessada do grande potencial de leitores, do comodismo da venda em bloco de obras menos exigentes, a alienação crítica que
inviabiliza o leitor para invia bilizar o cidadão autônomo com capacidade de escolha e compra. Entende-se o perigo das mentes
abertas, não se entende o choro pela falta de leitores que eleva ainda mais o preço do livro, e a opção por uma (de)formação
educativa que dilacera o tecido social pela irresponsabilidade tanto de ricos como de deserdados, por conta da opção preferencial
pela exclusão e pela violência.
Em nossas sociedades, o livro está irremediavelmente atrelado à escola, ainda, já que as estreitas políticas de leitura postas em
prática desconhecem que o letramento é cultural, deve ser praticado enquanto recepção e interação em todo espaço social – lemos
museus (e seus catálogos), filmes (e suas críticas), cidades (e suas administrações), passando necessariamente por jornais, revistas,
anúncios, etc. que não dispensam a escrita e a leitura. Para os que já lêem, as possibilidades se alargam e o livro impresso ainda vai
pontificar longamente, de forma talvez ainda mais elitista e sofisticada, se não se fizer nada decisivo em direção oposta.
A planetarização do iletrismo via Internet é mais uma conseqüência da massificação que esteriliza a curiosidade intelectual
sobre o mundo e sobre si mesmo, provocada pela pouca familiaridade com a leitura como exercício de pensamento, como prática
hermenêutica, como ação comunicativa, se tomamos de empréstimo as reflexões de Habermas9. Nada romântico e individualista,
como nos primórdios da modernidade burguesa; antes, com toda a clareza, reconhecer que a intersubjetividade é gerada por
contaminações em comunidades interpretativas (cf. Stanley Fish10), berçários dos sentidos; mas saber que as diferenças nascem
dos repertórios de vida que podem ser similares, mas não se repetem. O livro dificilmente poderá em nossos dias gerar identidades
coletivas, como o fez com as nações que se faziam independentes há 200 anos, mas a diversificação e maior facilidade para
produtores independentes ajudarão à formação de identidades múltiplas e complexas, o que vale dizer singulares (cf. Felix
Guatarri11).
Há que se considerar que na sociedade da informação, irreversível, a leitura alcança dimensões cada vez maiores em suas
possibilidades, pois jovens que não lêem notícias habitualmente, fazem-no “on-line” com naturalidade, por conta da paginação e
da forma sucinta. Lerão livros inteiros ou capítulos sem imprimi-los? Só o tempo dirá como eles lidarão com os novos recursos da
tecnologia para ler. Imaginemos as mudanças do rolo para o codex e daí para o livro em papel impresso. Os leitores formados ou
em formação efetiva no século 21, deleitam-se com as 700 páginas de O Senhor dos Anéis ou com os roteiros de Arquivo X
enquanto assistem ao filme ou aos episódios na TV. A qualidade da escrita continua sendo uma atração à parte, assim como os
temas que lhes são muito próximos afetivamente ou muito enigmáticos, longinquamente. Entre estes jovens a poesia, pelos
caminhos da música popular, vem recobrando seu espaço.
O problema reside pois, nos leitores potenciais não-formados, desassistidos. Para estes, a Internet poderia, de fato, se constituir
numa alternativa para leituras breves, que não demandassem pagamentos, como mostra do que pode ser a experiência de ler.
Atrações tipo chat ou interativos, com textos fascinantes, de dificuldades e extensão progressivas, poderiam inclusive suscitar
neles o gosto por formar suas próprias antolo gias. No Brasil, as séries literárias têm público cativo, mesmo entre os muito jovens,
como foi o caso recente do romance Os Maias, do autor português Eça de Queiroz. Em sites voltados para a formação do leitor
deveriam aparecer dados sobre livros, com resumos cativantes, bibliografia conexa, para seus estudos. Editoras, bibliotecas,
fundações e livreiros, de acordo, pode riam prover isto.
Vê-se claramente que os recursos gastos com publicidade para vender aos mesmos 2% de leitores no país poderiam ser mais
bem investidos em outro tipo de publicidade massiva, com celebridades da mídia exibindo sua condição de leitores, com
atividades públicas permanentes e regulares de leitura em círculos nos parques, museus, ante-salas de cinema, apoio a projetos de
qualificação de contadores de histórias (olho vivo! Não se trata de um retorno à oralidade!) para a formação de novos leitores,
presença e debate com autores nas escolas de ensino médio, enfim, tudo aquilo que, já provado como eficaz, não tem
continuidade por razões de mesquinharias políticas ou mesmo superficialidade e ganância dos que deve riam ser os maiores
interessados na formação de uma sociedade leitora. O investimento cíclico, periódico e assistemático, por ausência efetiva (ou
talvez, mesmo, ignorância do que seja) de políticas para a formação de leitores, com as peculiaridades próprias de cada segmento
social, destrói rápido o que se consegue lentamente.
Pensar o destino do livro no mundo globalizante não remete às novas tecnologias de circulação como questão primeira, mas às
sociedades onde ele e a leitura se inserem, perseguindo uma coerência entre os meios e os fins que pleiteamos alcançar. Numa
sociedade fragmentada desde a família, o movimento de coesão pela leitura partilhada pode gerar – no bar do complexo de
cinemas, após os filmes, por exemplo – o gosto pelas linguagens e pelas narrativas, pela troca de idéias e pelo espírito atento. Sem
formar leitores não se venderão senão os mesmos livros inócuos para escolares, ou parcos títulos para mínimos compradores. O
barateamento virá com o e-book? Por outro lado, quais os cuidados com a qualidade na produção eletrônica de materiais de
leitura? Separar o lixo do reciclável, separar a informação fidedigna da manipulação da opinião pública, demandam já leitores
formados entre uma escola pública de qualidade e uma sociedade que privilegie a cultura frente ao consumo.
O mais imprescindível – que os sujeitos leiam em qualquer suporte, inclusive no papel que resiste há milênios, no impresso de
meio milênio – depende de vontade política, descortino empresarial, alianças e parcerias institucionais, mobilização dos media e
interesse efetivo da sociedade em ações assistidas e continuadas em favor da leitura. Todos lucrarão, cada qual a seu tempo. A
exclusão não é um prejuízo imediato de ordem econômica, mas permanente de ordem social. Quando vamos entender isto?
Alfabetizar não basta; distribuir livros não basta; criar biblio tecas não basta; eventos não bastam. Ou os editores mais lúcidos,
como cidadãos, oferecem resistência a estes velhos mecanismos ou a situação do mercado irá de mal a pior.
“As palavras estão muito ditas e o mundo muito pensado”, diria nossa poeta maior Cecília Meireles. Por que não lemos o que
escrevemos? Ou mudamos o contexto cultural ou só ampliaremos as queixas, mesmo com novas e promissoras tecnologias. Não
criemos ilusões sobre o poder mágico da informatização. A necessidade de reflexão depende do ato de ler, é isso que cria leitores
críticos, pensadores, criadores, novos autores. É uma espécie de pré-requisito para se circular nas infovias. Cada leitor saberá tirar
proveito das formas combinadas de acesso à cultura pela palavra escrita.
Gostaria de ter escrito isto:
Os livros na estante já não tem tanta importância
Do muito que li, do pouco que sei, nada me resta
A não ser a vontade de encontrar.
O motivo eu já nem sei.
Nem que seja só para estar do seu lado
Só para ler no seu rosto
Uma mensagem de amor.
Herbert Viana.
Notas:
BEJANMIM, Walter. O nar r ador. São Paulo: Brasiliense, 1999.
ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1999.
BARTHES, Roland. Aula . São Paulo: Cultrix, 2000.
LE GOFF, Jacques. Hist ória e memória, 4. ed. Campinas : Unicamp, 1996.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. In: Os Pensador es. São Paulo : Nova Cultural, 1999.
BARTHES, Roland. O R um or da língua . Lisboa: Edições 70, 1984.
ISER, Wolfgang. El act o de leer. Madrid : Taurus, 1987.
HABERMAS, Jurgen. C onsciência mor al de agir comunicativo. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1983.
cf. FISH, Stanley. Is ther e a text in this class? Havard : Havard University Press, 1994.
cf. GUATARRI, Felix. M icr opolítica : cartografias do desejo. Petrópolis : Vozes, 1986.
POLÍTICAS e leitura e o Mercosul. In: EL LIBRO en Amércia Latina y el Caribe. Colombia:
Cerlalc/Unesco, 1994. Nº 77-78 ???