Porantim-411 Dez2018
Porantim-411 Dez2018
Porantim-411 Dez2018
Ano XL • N 0 411
Brasília-DF • Dezembro 2018
Milícias atacam
Entre dezembro e janeiro, ao menos seis terras indígenas passaram a
Governo Bolsonaro e os
desafios aos povos indígenas
Páginas 2, 3, 4, 5 e 6
sofrer invasões sistemáticas. Apesar de não ser um fato novo, as ações Mato Grosso do Sul: 1.351
Foto: Tommaso Protti/Greenpeace
criminosas, com uma lógica de milícias, se intensificaram com o começo hectares por político e apenas 1
do governo Bolsonaro. Povos indígenas organizam a resistência hectare por Guarani Kaiowá
Páginas 8 e 9 Páginas 13 e 14
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Dezembro 2018
os povos indígenas
No alto de um pé de goiaba, Jesus
salvou a ministra da Mulher, Família
e Direitos Humanos, Damares Alves,
do suicídio. Ela tinha apenas 10 anos.
Secretariado Nacional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Ao insinuar que as demarcações de terras indígenas Durante o relato, ocorrido em um
poderiam dar origem a novos países dentro do Brasil, o
J
culto evangélico, a ministra ressalta
air Bolsonaro, presidente eleito no último pleito, insiste presidente eleito ignora o histórico de luta dos povos ori- que não queria que Jesus se machu-
em equiparar os povos a animais em zoológicos, o que ginários em defesa das fronteiras do nosso país ao longo da casse caindo do pé de goiaba. Com
é, por si só, inaceitável. Ao fazer isso, o presidente eleito história. Demonstra ainda profunda ignorância quanto ao Jesus ileso e ela salva, Damares gosta
sinaliza que os povos podem ser caçados e expulsos por teor da nossa Carta Magna que elenca as terras indígenas de apanhar goiabas nas árvores que
aqueles que têm interesse na exploração dos territórios como Bens do Estado brasileiro (Artigo 20), registrados plantou no terreno de sua ONG, em
indígenas e que pensam como ele. como patrimônio da União nos Cartórios de Imóveis locais Brasília, a Atini. Jesus não mais apa-
O presidente eleito retoma o discurso integracionista, e na Secretaria de Patrimônio da União, de acordo com receu, mas ela decidiu impo-lo aos
marca dos governos ditatoriais das décadas de 1960 a o Decreto 1775/96, que regulamenta os procedimentos povos indígenas.
1980. A ideologia do integracionismo deu margem para administrativos correspondentes.
ações de agentes estatais e privados que resultaram no Além de extremamente desrespeitosas para com os povos, Chefe da Atini será
assassinato de ao menos 08 mil indígenas no período as declarações do presidente eleito dão guarida ideológica também da Funai
citado, como atesta o Relatório da Comissão Nacional para a inoperância do Estado em efetivar o direito dos povos
da Verdade. esbulhados historicamente de suas terras, bem como, para A Instituição e Movimento Atini -
Ao afirmar que as demarcações de terras indígenas no Voz Pela Vida se apresenta como uma
ações ilegais e criminosas de invasão, loteamento, venda e
Brasil teriam origem em pressões externas, o presidente organização voltada para conscienti-
tomada ilegal de lotes, desmatamento e estabelecimento
zar a sociedade sobre o infanticídio
eleito falta com a verdade. O fato é que a Constituição de unidades de produção no interior de terras indígenas já
indígena. O tema controverso não é
Brasileira de 1988, que em seu Artigo 231 reconhece a regularizadas, que caracterizam a mais nova fase de esbulho
comprovado por dados, sendo que
legitimidade e o direito dos povos indígenas à sua orga- possessório em curso no Brasil contra os povos. indigenistas e servidores da Funai,
nização social, aos seus usos, costumes, crenças, tradi- Por fim, é inequívoco que as palavras do presidente eleito que atuam com povos mais isolados
ções e às suas terras originárias; é a mesma Lei Maior de servem de incentivo e referendam as ações que atentam e propensos à prática, afirmam que os
nosso país que obriga o Estado brasileiro a promover a contra a vida dos Povos Indígenas no Brasil, antagônicas, casos são cada vez mais raros, quase
demarcação, a proteção e fazer respeitar todos os seus portanto, ao dever do Estado de efetivar as demarcações, inexistentes. Damares usa a ONG para
bens nelas existentes. a proteção dos territórios e da vida destes povos. fazer proselitismo e catequização de
Além disso, o presidente eleito tem a obrigação de Diante de tantas agressões, o Conselho Indigenista indígenas, uma forma de chegar às
saber, também, que o direito dos povos às suas terras é Missionário (Cimi) manifesta irrestrita solidariedade aos aldeias mais longínquas e impor o seu
reconhecido oficialmente desde o Alvará Régio de 1º de 305 povos indígenas brasileiros e reafirma o compromisso Deus a quem já possui um. Evangélica
abril de 1680, ainda durante o Período Imperial, bem como, histórico e inquebrantável de estar junto com os mesmos neopetencostal, será a chefe da Funai,
desde 1934, em todas as Constituições brasileiras. na defesa de suas vidas e seus projetos de futuro. que estará anexada ao seu ministério
a partir de 2019.
APOIADORES
Missionário (Cimi), organismo Renato Santana – RP 57074/SP Renato Santana, Tiago Miotto, [email protected]
vinculado à Conferência Nacional dos [email protected] Guilherme Cavalli e Michelle Calazans
Bispos do Brasil (CNBB). ADMINISTRAÇÃO: Setor de Diversões Sul (SDS)
CONSELHO de REDAÇÃO Marline Dassoler Buzatto Ed. Venâncio III, Salas 309 a 314
www.cimi.org.br Dom Roque Paloschi Antônio C. Queiroz, Benedito CEP: 70.393-902 – Brasília-DF
PRESIDENTE SELEÇÃO DE FOTOS:
Prezia, Egon D. Heck, Nello 55 61 2106-1650
Na língua da nação indígena Aida Cruz
Sateré-Mawé, PORANTIM Emília Altini Ruffaldi, Paulo Guimarães,
Paulo Suess, Marcy Picanço, EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:
significa remo, arma, VICE-PRESIDENTE Licurgo S. Botelho 61 99962-3924 É permitida a reprodução das
memória. Saulo Feitosa, Roberto Liebgot,
matérias e artigos, desde que citada
Cleber César Buzatto Elizabeth Amarante Rondon e IMPRESSÃO:
SECRETÁRIO EXECUTIVO a fonte. As matérias assinadas são de
Lúcia Helena Rangel Gráfica e Editora Qualyta 61 3012-9700
responsabilidade de seus autores.
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O governo Bolsonaro:
Conjuntura
antecedentes,
significados e
preocupações
Por Roberto Antonio Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul
Dezembro 2018
Dezembro 2018
A
Foto: Rafael Carvalho/Governo de Transição
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) intuito de desvincular a Funai do Ministério da Justiça,
entregou, no dia 6 de dezembro, no Centro Cul- ventilando a possibilidade do órgão indigenista estatal
tural Banco do Brasil (CCBB), sede do governo seguir para o Ministério da Agricultura ou Presidência
de transição, em Brasília, uma carta ao presidente eleito, da República.
Jair Bolsonaro. No documento, a organização indígena “Por isso é que não admitimos ser tratados como seres
cobra do próximo ocupante do Palácio do Planalto inferiores, como tem ressoado em declarações de Vossa
respeito e garantias aos direitos fundamentais dos povos Excelência. Somos apenas diferentes, sendo obrigação
e comunidades, além de estabelecer 11 prioridades a do governo federal segundo a Constituição, respeitar
serem tratadas junto ao novo governo. Praticamente nossa “organização social, costumes, línguas, crenças e
todas as demandas envolvem a manutenção de políti- tradições” (artigo 231 da Constituição). Repudiamos,
cas públicas e a efetivação de direitos constitucionais. portanto, o seu pejorativo e reduzido entendimento
Horas mais tarde à entrega da carta, o futuro ministro de nos considerar animais em zoológicos”, diz trecho
da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou que a Fundação A pastora evangélica Damares Alves será a ministra da Mulher, da carta endereçada ao presidente eleito.
Nacional do Índio (Funai) será alocada no recém criado Família e Direitos Humanos Abaixo, a carta da Apib na íntegra:
Ministério das Mulheres, família e Direitos Humanos. A Foto: Michelle Calazans/Cimi
chefe da pasta será a pastora evangélica Damara Alves,
assessora no gabinete do senador Magno Malta (PR/ES),
portanto quem comandará o órgão indigenista do Estado.
Damara nunca trabalhou com a questão indígena,
tema apenas tratado superficialmente pela assessora
no que tange a temática do infanticídio indígena, onde
os evangélicos buscam criminalizar o que chamam de
‘prática’, mesmo sem possuir registros oficiais ou quais-
quer indicadores de que ocorrem em escala endêmica.
O que preocupa ainda mais o movimento indígena é
a postura racista e desrespeitosa de Bolsonaro, mesmo
após ter atingido o objetivo de chegar ao Palácio do
Planalto. Durante a campanha eleitoral e depois de
vencer o pleito, Bolsonaro e integrantes de sua equipe
atacaram de forma racista os povos indígenas, com-
parando-os a animais de zoológico. No Mato Grosso
do Sul, estado com agudo passivo demarcatório e de
violências condenadas pelas Nações Unidas, o presidente
eleito afirmou que não demarcaria nenhum centímetro
de terra tradicional.
Esta semana, novamente, a questão indígena demons-
trou que enfrentará retrocessos durante o próximo
governo. Antes da decisão de levar a Funai ao Ministério
da Mulher, Família e Direitos Humanos, futuros minis-
tros de Bolsonaro iniciaram um jogo de empurra no As lideranças Marcos Xukuru e Kretã Kaingang falam à imprensa sobre o conteúdo da carta entregue ao presidente eleito, Jair Bolsonaro
O que preocupa ainda mais o movimento indígena é a postura racista e desrespeitosa de Bolsonaro,
mesmo após ter atingido o objetivo de chegar ao Palácio do Planalto
Dezembro 2018
A Apib estabeleceu 11 prioridades a serem tratadas junto ao novo governo. Praticamente todas as demandas
Política Indigenista
Um intenso ritual foi conduzido pela mobilização indígena às portas da sede do governo de transição. Apib promete mais mobilizações
CARTA DA APIB AO PRESIDENTE ELEITO DO BRASIL, SENHOR JAIR BOLSONARO (continuação da pág. 5)
Pela garantia dos direitos fundamentais dos nossos povos e comunidades
Por sinal, esse direito territorial é reconhecido oficialmente sos povos e territórios tradicionais, os mais preservados 3. Realização urgente de operações para a retirada de
desde o Alvará Régio de 1º de abril de 1680, ainda durante ambientalmente do País. invasores de terras indígenas já demarcadas e a efetiva
o Período Imperial, e reiterado em todas as Constituições O Brasil é país mais rico do mundo em florestas tropi- proteção das mesmas;
brasileiras, desde 1934. cais, recursos hídricos, biodiversidade, solos férteis e outros 4. Demarcação e proteção de todas as terras indígenas,
Observe-se que o reconhecimento do direito funda- bens. A preservação do meio ambiente proporcionada com especial atenção às terras dos povos isolados e de
mental e originário dos povos indígenas às suas terras pelos povos indígenas consiste em direito fundamental de recente contato;
tradicionais se deu, segundo a própria Assembleia Nacional toda a sociedade brasileira (artigo 225 da Constituição), 5. Dotação orçamentária, com recursos públicos, para
Constituinte, porque, “quanto à terra, reconhecendo-se o que só é possível graças à relação harmônica que os a implementação da PNGATI e outros programas sociais
que para os índios ela significa a própria vida, estipulou-se nossos povos mantém milenarmente com a Mãe Natureza. voltados a garantir a soberania alimentar, a sustentabilidade
que eles têm o direito à sua posse permanente, e pro- É justamente essa preservação que permite a garantia econômica e o bem viver dos nossos povos e comunidades;
curou-se garantir a sua demarcação definitiva.”[1] Afinal, da sadia qualidade de vida da população brasileira e o 6. Garantia da continuidade do atendimento básico à
como sempre pontuou o Supremo Tribunal Federal: próprio desenvolvimento do Brasil, uma vez que todas saúde dos nossos povos por meio da Secretaria Especial
“Não há índio sem terra. A relação com o solo é marca as atividades econômicas dependem da manutenção dos de Saúde Indígena (SESAI), considerando o controle social
característica da essência indígena, pois tudo o que ele serviços ambientais prestados gratuitamente pelas flo- efetivo e autônomo por parte dos nossos povos;
é, é na terra e com a terra. Daí a importância do solo restas, incluindo a manutenção de nosso regime hídrico. 7. Efetivação da política de educação escolar indígena
para a garantia dos seus direitos, todos ligados de uma Como tem alertado a comunidade científica brasileira e diferenciada e com qualidade, assegurando a implemen-
maneira ou de outra à terra. É o que se extrai do corpo internacional, “a remoção das fl orestas, ameaçando as tação das 25 propostas da segunda conferência nacional
do art. 231 da Constituição. (…) Por isso, de nada adianta chuvas e o clima, não derrotaria somente a competitiva e dos territórios etnoeducacionais;
reconhecer-lhes os direitos sem assegurar-lhes as terras, agricultura; falta (ou excesso) de água afeta a produção 8. Incidir junto aos poderes judiciário e legislativo na
identificando-as e demarcando-as.”[2] Aliás, essa é a razão de energia, as indústrias, o abastecimento das populações manutenção dos nossos direitos assegurados pela Cons-
pela qual a Constituição afirma, no § 4.º do artigo 231, e a vida nas cidades.”[3] tituição Federal;
que “as terras de que trata este artigo são inalienáveis e Por isso é que não admitimos ser tratados como seres 9. Fim da violência, da criminalização e discriminação
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. inferiores, como tem ressoado em declarações de Vossa contra os nossos povos e lideranças, assegurando a punição
A afirmação de que os nossos povos podem constituir Excelência. Somos apenas diferentes, sendo obrigação do dos responsáveis por essas práticas, a reparação dos danos
“novos países no futuro”, demonstra franco desconhecimento governo federal segundo a Constituição, respeitar nossa causados inclusive por agentes do Estado e comprometi-
da legislação correlata, uma vez que a própria Constituição “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” mento das instancias de governo (Ministério de Direitos
estabelece no Artigo 20 que as terras indígenas são da (artigo 231 da Constituição). Repudiamos, portanto, o seu Humanos, Ministério da Justiça, Defensoria Pública) na
União. Ademais, para a sua informação, em país nenhum pejorativo e reduzido entendimento de nos considerar proteção das nossas vidas;
da América Latina, mesmo onde a população indígena é animais em zoológicos. O modelo de desenvolvimento que 10. Aplicabilidade dos tratados internacionais assi-
maioria, há qualquer povo que cogite constituir um outro defendemos e implementamos em nossas terras também é nados pelo Brasil, de modo especial a Convenção 169 da
país. A prova é a maturidade com que lideranças indígenas diferente do que Vossa Excelência apregoa, pois buscamos Organização Internacional do Trabalho (OIT) incorporada
do mundo inteiro acordaram com os Estados que integram fortalecer a sustentabilidade e a gestão ambiental de nos- ao arcabouço jurídico do país e que estabelece o direito
a ONU, incluindo o Brasil, os artigos da Declaração sobre sos territórios. Rechaçamos qualquer tipo de exploração dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada
os Direitos dos Povos Indígenas, inclusive seu artigo 46, predatória dos bens naturais e reivindicamos que nossos sobre quaisquer medidas administrativas ou legislativas
que afirma: “Nada do disposto na presente Declaração saberes e conceitos de bem viver fossem respeitados. que os afetem.
será interpretado no sentido de conferir a um Estado, Ao invés de agredir e difamar os nossos povos, Vossa 11. Cumprimento das recomendações da Relatoria
povo, grupo ou pessoa de qualquer direito de participar de Excelência tem a obrigação, por imposição constitucional, Especial da ONU para os povos Indígenas e das recomen-
uma atividade ou de realizar um ato contrário à Carta das de executar políticas públicas que façam jus ao patamar dações da ONU enviadas ao Brasil por ocasião da Revisão
Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar de democracia alcançado pelo Brasil, assegurando o cum- Periódica Universal (RPU), todas voltadas a evitar retrocessos
ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar primento integral e irrestrito da Constituição Federal e e a garantir a defesa e promoção dos direitos dos povos
ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Para indígenas do Brasil.
ou a unidade política dos Estados.” isso, na linha dos mandamentos constitucionais e legais Sendo o que tínhamos a comunicar, aguardamos resposta.
Por se tratar de direito fundamental previsto pela aplicáveis ao governo federal, pugnamos pelo atendimento Atenciosamente
Constituição Federal e sendo as terras indígenas bens da das seguintes propostas e reivindicações dos nossos povos: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
União, dar cumprimento à sua demarcação e proteção 1. Manter a Funai vinculada ao Ministério da Justiça,
jamais poderia ser considerado nocivo ou ameaçador ao e fortalecida, isto é, com a dotação orçamentária neces- [1] Relatório da Assembleia Nacional Constituinte VII – Comissão da
Brasil. Pelo contrário, o que atenta contra a soberania sária para o cumprimento de sua missão institucional de Ordem Social – VII Subcomissão de negros, populações indígenas,
nacional, a democracia e os interesses do povo brasileiro promover os direitos dos nossos povos, principalmente no pessoas deficientes e minorias – Relatório – volume 196. (destacamos)
[2] Supremo Tribunal Federal. Pleno. Petição n.º 3.388/ED/RR. Voto-Vista
é justamente descumprir direitos e deveres fundamentais relacionado à demarcação e proteção das terras indígenas. proferido pelo Ministro Menezes Direito. DJ 25.09.2009.
explícitos na Carta da República e impor um modelo de 2. Revogação do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral [3] NOBRE, Antônio Donato. “O Futuro Climático da Amazônia.” Ob.
desenvolvimento de impactos irreversíveis sobre os nos- da União (AGU). cit., p. 31.
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Pronunciamento
do representante
do Cimi, Paulo de
Tarso Lugon
11ª Sessão do
Fórum sobre
Assuntos
Minoritários,
do Conselho de
Direitos Humanos
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O ano de 2019 inicia com uma intensificação das se sentiram representadas. No momento, a gente está
denúncias de invasão a terras indígenas no Brasil. praticamente desamparado”, avalia Puré Uru-Eu-Wau-Wau.
Ao menos cinco terras demarcadas registraram Para o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto,
roubo de madeira, derrubada de floresta para pastagens e, as primeiras medidas do governo Bolsonaro serviram de
ainda mais grave, a abertura de picadas e estabelecimento incentivo a este tipo de ação. O desmembramento da Conforme o MPF, as aldeias da Terra Indígena Karipuna correm o risco de
de lotes para ocupação ilegal dos territórios tradicionais. Funai, a transferência das demarcações de terras indígenas
As Terras Indígenas (TIs) Arara, no Pará, e Arariboia, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2019, uma expedição feita pelos indígenas encontrou
no Maranhão, registraram no primeiro mês do ano a dominado por ruralistas, e o enfraquecimento do Ministério novas invasões e o surgimento de picadas para o esta-
invasão de madeireiros e a de grileiros que vêm tentando do Meio Ambiente foram determinados já no primeiro belecimento de lotes, com estacas dividindo as áreas.
se estabelecer no interior das áreas demarcadas. Os dia de expediente do novo governo, por meio da Medida Para José Cleanton Ribeiro, membro da equipe de
povos Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna, ambos em Rondônia, Provisória (MP) 870. Altamira do Cimi regional Norte 2, o Ibama e a PF não
identificaram novas investidas de grileiros, que já abrem “Está em curso no Brasil uma nova fase de esbulho identificaram o desmatamento porque não é possível
picadas e, no caso Karipuna, vem se estabelecendo dentro possessório contra terras indígenas, realizada por grupos ver o corte raso e direcionado da madeira apenas por
da terra indígena. econômicos de forma ilegal e criminosa. Eles são incenti- sobrevoos.
A posse do governo de Jair Bolsonaro e a eleição de vados e acobertados pela política indigenista do governo “Não aparecem mais as derrubadas, como acontecia
políticos conservadores alinhados com o agronegócio no Bolsonaro. Os discursos contra os direitos constitucionais antes. Eles levam serrarias portáteis e cortam apenas as
nível local também gerou repercussão no entorno das TIs indígenas feitos desde a campanha, agora, se refletem em árvores mais valiosas, sem abrir clareiras. Depois retiram
Marãiwatsédé, em Mato Grosso, e Awá, no Maranhão. seus atos administrativos”, avalia Buzatto. a madeira já serrada, usando estradas que também ficam
Indígenas, o Ministério Público Federal (MPF) e a Fun- por baixo das copas das árvores”, explica.
dação Nacional do Índio (Funai) denunciaram ameaças
TI Arara: roubo de madeira Segundo o missionário, diariamente os indígenas
de reinvasão de posseiros a ambas as terras, articuladas e abertura de lotes identificam novas picadas, e os pontos mais sensíveis são
por políticos e fazendeiros. Na primeira semana do ano, teve grande repercussão nas proximidades da rodovia Transamazônica, que corta
No caso da TI Awá, a Funai também notificou a invasão a denúncia de roubo ilegal de madeira e abertura de a TI Arara – onde o Ibama identificou estacas, marcando
de madeireiros e fazendeiros, que têm derrubado as matas picadas para o estabelecimento de lotes na TI Arara, uma tentativa de ocupação ilegal.
da terra indígena para a criação de gado, aproveitando-se feita pelos indígenas do povo Arara e confirmada pela “O cacique disse que, no ano passado, o pessoal tirava
da falta de recursos do órgão indigenista para fazer a própria Fundação Nacional do Índio (Funai). Temendo madeira de madrugada. Agora, com o novo governo, até
fiscalização constante da área. confronto, os indígenas exigiram ações de fiscalização e cinco horas da tarde se vê caminhão saindo carregado”,
Em pelo menos quatro destas terras indígenas, a retirada dos invasores, pedido referendado pelo Ministério afirma Ribeiro.
devastação causada por invasores e os riscos que eles Público Federal (MPF).
representam são ainda mais graves em função da pre- Após sobrevoo, entretanto, agentes do Instituto Brasi-
Em Rondônia, loteamento,
sença de grupos indígenas isolados. É o caso das TIs leiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis invasões e ameaças
Awá, Arariboia e Uru-Eu-Wau-Wau, onde a existência (Ibama) e da Polícia Federal (PF) afirmaram ter encontrado No estado de Rondônia, ao menos duas terras indíge-
destes grupos é reconhecida pela Funai, e da TI Karipuna, apenas “focos pontuais” de desmatamento, sem invasão nas, dos povos Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna, registraram
onde os indígenas já afirmaram terem avistado isolados e derrubadas “de grandes proporções”. a presença de invasores no início de 2019. Ambas são
circulando pelo território. As afirmações são contestadas pelos indígenas, que terras em que os indígenas vêm denunciando a crescente
O observatório De Olho nos Ruralistas também incluiu, vêm denunciando a presença constante de invasores na pressão de grileiros, que buscam estabelecer lotes e ocupar
entre as investidas contra terras indígenas registradas no TI e a retirada de grandes volumes de madeira ilegal. Em ilegalmente o território.
início de 2019, a invasão de garimpeiros à TI Yanomami, Foto: Mário Vilela/Funai
em Roraima. Além das invasões a terras demarcadas, um
ataque a tiros contra os Guarani Mbya da retomada Ponta
do Arado, em Porto Alegre (RS), marcou o mês de janeiro.
O aumento das invasões a terras demarcadas vem
sendo verificado nos últimos anos, após os cortes nos
recursos dos órgãos responsáveis por fiscalizar as terras
indígenas e unidades de conservação, durante o governo
Temer. Em 2017, o Cimi registrou 96 casos de invasão,
exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos
às terras indígenas no Brasil – um aumento de 62% em
relação ao ano anterior, quando 59 casos foram registrados.
Alguns dos casos registrados nas últimas semanas
referem-se a terras indígenas cujos povos têm denun-
ciado de forma recorrente as invasões e conflitos com
madeireiros ou fazendeiros.
Lideranças desses territórios, porém, afirmam que as
ameaças estão aumentando e que os invasores estão se
sentindo “representados” por Jair Bolsonaro, que desde
a campanha eleitoral vinha se pronunciando contra as
demarcações e os direitos indígenas. Desmatamento registrado na TI Awa em 2014, ano em que a Funai retirou os ocupantes ilegais da área
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Crianças brincam num dos rios próximos ao tekoha Guyraroka. Contando 99 anos, seu Tito ainda trabalha nos pequenos
Ao lado da pequena faixa de mato, a imensidão de milho e cana voltam a dominar a paisagem roçados comunitários do Guyraroka
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Foto: Cimi/Tefé
Por Lígia Kloster Apel, para o Cimi e Cáritas de Tefé (AM)