Ba e D-Vol 28-n 1-2018

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BA&D

SALVADOR • v.28 • n.1 • JAN./JUN. 2018 ISSN 0103 8117

BAHIA ANÁLISE & DADOS


Educação e Desenvolvimento
Bahia anál. dados l Salvador l v.28 l n.1 l p. 1-218 l jan./jun. 2018
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Web Developer Sociais da Bahia, 2018.
v.28
Ingrid Souza Pinheiro
n. 1
Semestral
Editoração ISSN 0103 8117
Autor Visual / Perivaldo Barreto
CDU 338 (813.8)
Capa
Julio Vilela

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Impressão
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Sumário

Apresentação 05 Estudo da influência da Universidade 157


Federal Rural de Pernambuco, em
Desenvolvimento, bem viver e educação 07 Garanhuns, no desenvolvimento
não formal: práticas integrativas e social da população jovem do
trocas de saberes na comunidade agreste meridional do estado
Amazonas, em Salvador (BA) MARIA DO CARMO DE ALBUQUERQUE BR AGA

ANA MARIA FERREIR A MENEZES


M A R I A D E F AT I M A H A N A Q U E C A M P O S A virtualidade da luta por educação 185
K ARINA MIZUKI DIA S DOS SANTOS do campo e os limites para efetivação
das conquistas legais: um estudo
Planos municipais de educação no 27 sobre o extremo sul da Bahia
Território de Identidade Extremo M A R I A N A LVA R O D R I G U E S D E A R A Ú J O B O G O
Sul (TIES): contribuições ao
desenvolvimento territorial Definições dos papéis organizacionais 201
CECILI A M A RI A MOUR ÃO C A RVA LHO de uma universidade pública estadual:
AV EL A R LUIZ B A S TOS MU T IM a qualidade acadêmica e a relevância
social dos cursos de graduação da Uneb
Processos formativos do professor 49 nos territórios de identidade da Bahia
do ensino médio e sua contribuição O D Í L I O D A S I LVA S A N T O S
para o sucesso escolar dos alunos
F R A N C I S CO F L ÁV I O A LV E S F E L I P E

Capital humano, instituições 69


e convergência de renda nos
municípios baianos: uma abordagem
de regressões quantílicas para
o período de 2000 a 2010
INGRID DE JESUS DUARTE
C ARLOS EDUARDO IWAI DRUMOND

O acesso à informação e a 93
difusão do conhecimento no
fortalecimento da política de
educação profissional da Bahia
JOSÉ FR ANCISCO BARRE T TO NE TO
ANA MARIA FERREIR A MENEZES

Educação e cooperativismo: 111


trilhando o caminho da autonomia
através da educação popular
L U A N D A N A I A D E O L I V E I R A D A S I LVA
TA Í S D O S S A N T O S F I G U E I R E D O

Programa Bolsa Família: 129


limites e possibilidades no
enfrentamento da pobreza e
promoção do acesso à educação
LUIS C ARLOS SANTOS OLIVEIR A
Apresentação

A educação é um tema que nunca deixa de ser relevante na sociedade. Seja para pensar
os seus rumos futuros, seja para compreender sua trajetória passada, ou mesmo para
analisar com clareza o presente, a educação é um elemento-chave e que deve ser
sempre fruto de reflexões.

De um modo mais concreto, para a compreensão da formação social e cultural de


um município ou de uma região, diversos aspectos são relevantes, e a educação não
está ausente desse conjunto. Seu efeito isolado e até mesmo a sua interação com
outros elementos têm ampla capacidade de influenciar os rumos do desenvolvimento,
de tal modo que isso não pode ser negligenciado. Embora seja difícil a promoção
de uma transformação social apenas por meio da educação, é inquestionável o seu
papel relevante na vida do indivíduo, sendo fundamental para a formação do homem
enquanto cidadão que age e transforma o ambiente em que vive, contribuindo para
criar as mudanças necessárias que tragam melhorias no bem-estar social. Nessa
perspectiva, incontestavelmente, a educação não somente amplia as possibilidades
de inserção dos indivíduos no sistema produtivo, mas contribui para sua formação
social e política, permitindo a aquisição de habilidades que os capacitam ao exercício
da cidadania.

Nesse sentido, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI),


ciente da importância do tema, constatou a necessidade de compreensão da educação
no seu sentido mais amplo. Diante disso, pensou-se numa publicação que abordasse
as possíveis relações entre o desenvolvimento regional, a pobreza e a educação, não
se restringindo apenas a seu caráter formal, mas focando também os seus aspectos
relacionados com a formação do ser social que interage e transforma o meio sociocultural
em que vive. Com esse olhar, considera-se a educação em diversos âmbitos, ou seja,
aquela que se desenvolve nas escolas e universidades, mas também nos processos
educacionais que ocorrem no âmbito familiar, na convivência humana, nas relações
de trabalho, nos movimentos sociais, assim como os que acontecem pela ação das
organizações da sociedade civil e das manifestações culturais.

Agradecemos a todos os autores que contribuíram para a composição dessa edição e,


consequentemente, para a expansão desse debate, que é não apenas necessário, mas
também urgente na contemporaneidade baiana e brasileira.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.-5, jan.-jun. 2018
5
Resumo

Partindo de uma perspectiva de desenvolvimento inclusivo, este trabalho vol-


ta-se para a análise do desenvolvimento, bem viver e educação da comuni-
dade Amazonas, em Salvador-BA. A metodologia adotada pautou-se numa
pesquisa participante, com a qual se buscou apreender as práticas integra-
tivas e as trocas de saberes da comunidade estudada, proporcionadas pela
educação não formal e pela vitalidade comunitária. Dessa forma, desenvol-
veu-se, inicialmente, uma noção de desenvolvimento inclusivo e bem viver.
Posteriormente, analisaram-se a educação não formal e a vitalidade comuni-
tária como possibilidades de trocas de saberes. Em seguida, passou-se à aná-
lise das práticas integrativas e das trocas de saberes a partir de indicadores
da vitalidade comunitária e das atividades de geração de renda na comunida-
de. Por fim, concluiu-se com os principais argumentos desenvolvidos.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Bem viver. Educação não formal. Vitalida-
de comunitária. Comunidade Amazonas.

Abstract

Starting from an inclusive development perspective, the objective of this work


is to analyze the development, well-being and education of the Amazonas
community in Salvador, Bahia. The methodology was based on a participatory
research, which sought to learn about the integrative practices and
knowledge exchange of the Amazonas community in Salvador (BA), which
can be provided by non-formal education and community vitality. In this way,
a notion of inclusive and well-living development was initially developed; later,
non-formal education and community vitality were analyzed as possibilities
for the exchange of knowledge; the analysis of integrative practices and
exchanges of knowledge, based on indicators of community vitality and
income-generating activities in the Amazonas community in Salvador (BA);
Finally, it was concluded with the main arguments developed.
Keywords: Development. Well live. Non-formal education. Community vitality.
Community of Amazonas.
Artigos

Desenvolvimento, bem
viver e educação não formal:
práticas integrativas e trocas
de saberes na comunidade
Amazonas, em Salvador (BA)1
ANA MARIA FERREIR A MENEZES A NOÇÃO de desenvolvimento vem
Doutora em Administração Pública e mestre em
Economia pela Universidade Federal da Bahia sendo questionada na medida em que se
(UFBA). Professora plena da Universidade do
Estado da Bahia (Uneb) e professora permanente
volta mais para as questões econômicas,
do Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar
como, por exemplo, o crescimento do
em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da UFBA e
da Uneb. [email protected] Produto Interno Bruto (PIB), sem levar
M A R I A D E F AT I M A H A N A Q U E C A M P O S
em consideração outros determinantes,
Doutora em História da Arte pela Universidade
do Porto (U.Porto) e mestre em História da Arte como os relacionados por Sen (2000,
pela Universidade de São Paulo (USP). Professora
titular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) p. 25): liberdades políticas, facilidades
e professora permanente do Doutorado
Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão econômicas, oportunidades sociais,
do Conhecimento (DMMDC) da Universidade
garantias de transparência, e segurança
Federal da Bahia (UFBA) e da Uneb.
[email protected] protetora. Estes determinantes, ainda
K A R I N A M I Z U K I D I A S D O S S A N TO S
de acordo com Sen (2000, p. 17),
Doutora em Difusão do Conhecimento pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestre são essenciais para a “expansão das
em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora- liberdades desfrutadas pelos membros da
assistente da Universidade do Estado da Bahia
(Uneb). [email protected] sociedade”. Essas liberdades possibilitam
um desenvolvimento inclusivo, que
promove direitos e oportunidades, que
levam à ampliação da qualidade de
vida e do bem viver, através de práticas
integrativas que se consubstanciam na
vitalidade comunitária.1

1 Artigo elaborado a partir dos resultados da pesquisa inti-


tulada Vitalidade Comunitária: um Estudo Sobre a Comu-
nidade Amazonas em Salvador-Ba.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.6-24, jan.-jun. 2018
7
Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

Não basta que Nesse contexto, salienta-se o objetivo do trabalho, que se volta para
haja crescimen- a análise do desenvolvimento, bem viver e educação da comunidade
to da econo- Amazonas, em Salvador-BA. Nessa perspectiva de análise, a valoriza-
mia medido ção do indivíduo e de suas potencialidades passa necessariamente pela
pelo seu PIB. cooperação, associação e solidariedade, que se constituem em noções
que compõem as ações sociais e/ou práticas integrativas. As práticas
É necessário
integrativas podem ser entendidas como ações participativas entre su-
que se busque
jeitos com diferentes saberes e que possibilitam a geração e ampliação
entender de-
da vitalidade comunitária.
senvolvimento
na perspectiva Assim, partiu-se de uma metodologia pautada numa pesquisa parti-
inclusiva, um cipante, com a qual se buscou apreender as práticas integrativas e as
processo no trocas de saberes da comunidade Amazonas, em Salvador-BA, que po-
qual se leva em dem ser proporcionadas pela educação não formal e pela vitalidade
consideração comunitária. Dessa forma, desenvolveu-se, inicialmente, uma noção de
a justiça social desenvolvimento inclusivo e bem viver. Posteriormente, foram analisa-
e o equilíbrio das a educação não formal e a vitalidade comunitária como possibilida-
ecológico des de trocas de saberes. Em seguida, passou-se à análise das práticas
integrativas e das trocas de saberes, a partir de indicadores da vitalida-
de comunitária e das atividades de geração de renda na comunidade
Amazonas, em Salvador-BA. Por fim, concluiu-se com os principais ar-
gumentos desenvolvidos.

DESENVOLVIMENTO E BEM VIVER

Para falar em desenvolvimento é necessário que se saliente que os di-


versos modelos implementados não têm sido satisfatórios para pro-
porcionar a inclusão de toda a sociedade e intensificar o seu bem es-
tar. Pode-se constatar este fato através da observação de que alguns
grupos vêm sendo sistematicamente excluídos de uma participação
plena na sociedade e do usufruto dos benefícios do desenvolvimento.
Entre esses grupos podem-se citar os indígenas, os afrodescendentes,
as mulheres, os idosos, as pessoas com deficiência e com outras carac-
terísticas ou necessidades específicas, tais como as minorias étnicas,
religiosas, sexuais e sociais em geral, os chamados grupos em situação
de vulnerabilidade.

Essa situação leva à compreensão de que esses modelos não se cons-


tituíram em processos de desenvolvimento, pois não basta que haja
crescimento da economia medido pelo seu PIB. É necessário que se bus-
que entender desenvolvimento na perspectiva inclusiva, um processo
no qual se leva em consideração a justiça social e o equilíbrio ecológico.
Nesse contexto, a questão econômica é um pressuposto de fundamen-
Bahia anál. dados, tal importância, mas não é suficiente para que se atinja a condição de
8 salvador, v. 28, n. 1,
p.6-24, jan.-jun. 2018 desenvolvimento inclusivo.
Ana Maria Ferreira Menezes, Maria de Fatima Hanaque Campos, Karina Mizuki Dias dos Santos Artigos

O crescimento engendra o desenvolvimento desde que seus frutos pro- O bem viver é
longuem a vida e melhorem o nível de bem-estar social das populações uma concepção
desfavorecidas. Contudo, não basta fazer com que o crescimento eleve que surge da
os padrões de saúde e educação da coletividade, também é impres- necessidade
cindível que isso aconteça sem que sejam comprometidos os recursos de se entender
naturais das sociedades contemporâneas, o que inviabilizaria o desen-
as sociedades
volvimento das gerações futuras. (MENEZES; CAMPOS, 2013, p. 47).
historicamente
marginalizadas
Para que esse desenvolvimento ocorra é necessário que se associem
em uma mesma abordagem as questões econômicas, sociais e políti-
cas. Esta é a perspectiva trazida por Sen (2000) quando coloca que o
desenvolvimento tem que ser considerado como um determinante para
a liberdade.

Essa abordagem nos permite ainda reconhecer o papel dos valores so-
ciais e costumes prevalecentes, que podem influenciar as liberdades
que as pessoas desfrutam e que elas estão certas ao prezar. Normas
comuns podem influenciar características sociais como a igualdade
entre os sexos, a natureza dos cuidados dispensados aos filhos, o ta-
manho da família e os padrões de fecundidade, o tratamento do meio
ambiente e muitas outras. Os valores prevalecentes e os costumes so-
ciais também respondem pela presença ou ausência de corrupção e
pelo papel da confiança nas relações econômicas, sociais ou políticas.
O exercício da liberdade é mediado por valores que, porém, por sua
vez, são influenciados por discussões públicas e interações sociais,
que são, elas próprias, influenciadas pelas liberdades de participação.
(SEN, 2000, p. 23-24).

Levando em consideração as abordagens de Sen, pode-se chegar a


uma percepção de bem viver. Assim, o  bem viver  é uma concepção
que surge da necessidade de se entender as sociedades historicamente
marginalizadas, projetando-se como base para a busca de alternativas
conceituais, bem como para a obtenção de respostas concretas para os
problemas que os modelos de desenvolvimento atuais não conseguem
resolver. Gudynas e Acosta (2012) afirmam:

Se está observando una renovación de la crítica al desarrollo, donde


uno de sus componentes proviene de las preocupaciones ambientales.
Pero esta nueva reflexión ofrece la particularidad de ir hasta las raíces
culturales de las concepciones de desarrollo, y una vez allí, entiende
que las alternativas se encuentran más allá de esas ideas. Son, por lo
tanto, críticas al desarrollo donde se termina abandonando la idea
convencional de “desarrollo”.

Assim, Gudynas e Acosta (2012) revisitam alguns aspectos da atual Bahia anál. dados,
construção das ideias de bem viver como crítica ao desenvolvimento
Salvador, v. 28, n.1,
p.6-24, jan.-jun. 2018
9
Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

O desenvolvi- convencional. Para estes autores, as concepções de bem viver se pau-


mento local diz tam nos conhecimentos e saberes próprios de povos indígenas, particu-
respeito à capa- larmente os do Equador e da Bolívia. A partir daí, os autores avançam
cidade efetiva na ideia do bem viver como uma plataforma política para a construção
de participação de alternativas ao desenvolvimento e colocam:
da cidadania,
El Buen Vivir recupera la idea de una buena vida, del bienestar en un
no que se pode
sentido más amplio, trascendiendo las limitaciones del consumo mate-
chamar de
rial, y recuperando los aspectos afectivos y espirituales. Esta dimensión
governo local, se expresa en subrayar la “plenitud de la vida” […], y en la austeridad y
e aparece como el rechazo de vivir “mejor” a costa de otros […]. También se incorporan
forma demo- algunas ideas clásicas, tales como asegurar que las “libertades, opor-
crática e repre- tunidades, capacidades y potencialidades reales de los individuos se
sentativa amplíen y florezcan” […]. (GUDYNAS; ACOSTA, 2012).

Na perspectiva de um desenvolvimento que trabalhe com os elementos


da própria comunidade, pressupõe-se que a análise dos problemas exa-
minados “[...] deva ocorrer dentro do espaço construído a partir da ação
e interação entre os indivíduos em si e entre os indivíduos e o ambiente
onde estes estão inseridos” (VASCONCELLOS SOBRINHO; VASCON-
CELLOS, 2016, p. 19).

Estes autores explicam que isso ocorre por que cada local tem “[...] uma
lógica e identidade própria formada a partir de suas relações sociais,
econômicas, políticas e institucionais” (VASCONCELLOS SOBRINHO;
VASCONCELLOS, 2016, p. 19). E todas estas relações são, de uma forma
ou de outra, abordadas pela vitalidade comunitária. No Brasil, o desta-
que em relação ao local, quando se fala de desenvolvimento, ocorreu
por três motivos: enfraquecimento do termo “planejamento territorial”,
que não correspondeu às expectativas da sociedade; descentralização
das políticas, que passaram a ser locais; e aumento dos movimentos
locais de pressão sobre o governo (VASCONCELLOS SOBRINHO; VAS-
CONCELLOS, 2016, p. 19).

“Desenvolvimento local é uma noção polissêmica, e necessariamente


comporta tantas quantas sejam as dimensões em que se exerce a cida-
dania; qualquer tentativa, pois, de transformá-la em modelos paradig-
máticos está fadada ao fracasso” (OLIVEIRA, 2001, p. 13). Sendo assim,
o desenvolvimento local caminha junto com a cidadania. Segundo o
mesmo autor, cidadania pode ser definida como um “estado de espíri-
to”. Ela deve nortear a tentativa de mensurar os processos e estoques
de bem-estar e de qualidade. Refere-se ao indivíduo autônomo, crítico
e reflexivo. O desenvolvimento local diz respeito à capacidade efetiva
de participação da cidadania, no que se pode chamar de governo lo-
Bahia anál. dados, cal, e aparece como forma democrática e representativa. No entanto,
10 salvador, v. 28, n. 1,
p.6-24, jan.-jun. 2018 o desenvolvimento local tende a substituir a cidadania e a ser utilizado
Ana Maria Ferreira Menezes, Maria de Fatima Hanaque Campos, Karina Mizuki Dias dos Santos Artigos

como sinônimo de cooperação, negociação, de completa convergência Diferentemente


de interesses, de apaziguamento do conflito (OLIVEIRA, 2001). do crescimento
econômico, que
O desenvolvimento local poderia corresponder, em âmbitos mais res- está pautado na
tritos e circunscritos, à noção de desenvolvimento humano da ONU, renda, o de-
ou seja, à satisfação de um conjunto de requisitos de bem-estar e qua- senvolvimento
lidade de vida (OLIVEIRA, 2001). Assim como a vitalidade comunitá-
humano tem
ria do índice Felicidade Interna Bruta (FIB) visa à felicidade a partir
como principal
de uma maior qualidade de vida e bem-estar da população, como se
elemento o ser
verá mais adiante.
humano
Se, por um lado, a globalização e a equidade social parecem caminhar
em sentidos opostos, o “novo” conceito de desenvolvimento reclama o
desenvolvimento dos recursos humanos baseado em “educação e qua-
lidade de vida da população” (BUARQUE, 2004). Esse novo conceito é
construído a partir do pensamento dialético, que possibilita a anulação
de uma série de “pares antinômicos” (PICHON-RIVIÈRE, 1998, p. XII), já
que a capacitação dos recursos humanos é essencial para a competiti-
vidade das nações (BUARQUE, 2004).

Diferentemente do crescimento econômico, que está pautado na renda,


o desenvolvimento humano tem como principal elemento o ser humano.
Sendo assim, objetiva possibilitar que as pessoas possam tomar deci-
sões buscando atender suas vontades e desejos, com base em suas
capacidades e oportunidades, independentemente da área de interesse.

Para isso, é preciso que elas tenham atendidas questões básicas de vida,
como as sociais, políticas e culturais – que vão além das necessidades
econômicas –, assim como a vitalidade comunitária. De forma assertiva,
Max-Neef (2012, p. 28) resume essa questão dizendo que “[...] o melhor
processo de desenvolvimento será aquele que permitir o aperfeiçoa-
mento na qualidade de vida das pessoas”.

Da mesma maneira, a vitalidade comunitária do FIB visa ao atendimen-


to das necessidades humanas básicas, como educação e saúde, que
vão além das questões políticas e culturais, em busca de uma melhor
qualidade de vida. Nesta perspectiva, essa vitalidade comunitária se
apoia no desenvolvimento local, que se diferencia do desenvolvimento
“tradicional” por utilizar metodologias participativas e de concertação
social em que se mobilizam recursos da sociedade civil e do mercado
para atuar com o Estado.

A vitalidade comunitária do FIB não se limita ao presente, mas projeta


o futuro quando defende que todos querem família, amigos, trabalho,
renda, educação, cultura, além de saúde (física, psicológica, espiritual), Bahia anál. dados,
capacidade de utilizar o tempo da melhor forma possível, boas relações
Salvador, v. 28, n.1,
p.6-24, jan.-jun. 2018
11
Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

Articulada com com a natureza, com o governo e com a comunidade, independente-


a educação mente de idade, gênero, classe social, nível de escolaridade e profissão.
cidadã, a educa- Diante desse cenário, emaranhado por uma complexa rede de desejos,
ção não formal vontades, interesses e necessidades, como falar em futuro sem falar em
volta-se para desenvolvimento?
a formação de
Partindo dessa linha de pensamento, segue uma análise da educação
cidadãos livres,
não formal e da vitalidade comunitária como possibilidades de trocas
emancipados,
de saberes.
portadores
de um leque
diversificado de EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E VITALIDADE COMUNITÁRIA
direitos, assim COMO POSSIBILIDADES DE TROCAS DE SABERES
como de deve-
res para com Na perspectiva das trocas de saberes, a educação não formal tem um
o(s) outro(s) papel de suma importância, pois promove processos de compartilha-
mento de experiências em espaços comunitários. Assim, segundo Gohn
(2014), a educação não formal é aquela que se aprende “no mundo da
vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, princi-
palmente em espaços e ações coletivas cotidianas. Articulada com a
educação cidadã, a educação não formal volta-se para a formação de
cidadãos livres, emancipados, portadores de um leque diversificado de
direitos, assim como de deveres para com o(s) outro(s).

Quando se fala em educação, logo se pensa em escolas, mas esse não


é o único espaço no qual se produzem saberes e conhecimentos e nem
a única opção para uma formação holística do indivíduo. Se nas escolas
trabalha-se basicamente com a educação formal, em casa, o processo
de socialização do indivíduo se ampara na educação informal, enquanto
que a educação não formal é construída nas ações coletivas, princi-
palmente nos movimentos sociais, cuja intenção é formar cidadãos do
mundo, no mundo (GOHN, 2005).

A educação não formal traz uma concepção nova da relação escola-


-comunidade e amplia o espectro dos sujeitos em ação, pressupondo
um trabalho conjunto entre pais, professores, gestores e funcionários,
representantes de associações e organizações de bairros e entorno das
escolas (GOHN, 2011), o que possibilita o estabelecimento de uma rela-
ção de troca de saberes.

Essa relação de troca de saberes, conhecimentos e experiências entre


os sujeitos permite que o aprendizado se amplie a partir de saberes
tácitos e explícitos correlacionados para promover ações coletivas efi-
cazes. Essa construção de conhecimento ocorre de dentro para fora, ou
Bahia anál. dados, seja, das demandas, necessidades, interesses e vocações dos sujeitos
12 salvador, v. 28, n. 1,
p.6-24, jan.-jun. 2018 partícipes na busca de soluções para os problemas enfrentados no seu
Ana Maria Ferreira Menezes, Maria de Fatima Hanaque Campos, Karina Mizuki Dias dos Santos Artigos

cotidiano. Ninguém melhor do que eles próprios [os sujeitos], que con- Ninguém me-
vivem com cada uma dessas situações diariamente, para identificar as lhor do que eles
prioridades, bem como propor alternativas viáveis a partir dos recursos próprios [os
existentes, ampliando as possibilidade de bem viver. sujeitos], que
convivem com
Partindo da responsabilidade social da Universidade do Estado da Bahia cada uma des-
(Uneb), que fica localizada em um bairro popular e que demanda desta
sas situações
instituição ações de pesquisa e extensão que possam contribuir para a
diariamente,
mudança de um cenário de fragilidade social, foram elaborados alguns
para identificar
projetos de pesquisa e extensão com caráter multidisciplinar e interde-
partamental, a exemplo de “Turismo de base comunitária na região do as prioridades
Cabula e entorno: processo de incubação de operadora de receptivos
populares especializada em roteiros turísticos alternativos”; e “Vitalida-
de comunitária: um estudo sobre a comunidade Amazonas, em Salva-
dor-BA”, que se pautam em uma metodologia de pesquisa participante.
Em função disso, utiliza-se a concepção de educação não formal como
possibilidade de troca de saberes através de, principalmente, atividades
de interação social entre professores, estudantes de graduação e de
escolas públicas e a comunidade.

No caso específico do projeto “Vitalidade comunitária: um estudo sobre


a comunidade Amazonas, em Salvador-BA”, pode-se identificar a pre-
sença de todos esses sujeitos participando de experiências de práticas
interativas, que resultaram em trocas de saberes e estreitamento de
seus laços de solidariedade.

A ideia de vitalidade comunitária faz parte do contexto da concepção


de Felicidade Interna Bruta (FIB), que se entrelaça com o conceito de
bem viver. Como afirma Andrews (2011, p. 27), depois que as necessida-
des humanas básicas são atendidas, “mais riqueza não gera mais felici-
dade”, ou seja, “mais não é melhor”, já que, “acima da linha de pobreza,
a capacidade de o dinheiro gerar mais felicidade é marginal”. Sendo
assim, Andrews (2011, p. 28) conclui que, atendidas as necessidades
básicas, “[...] as políticas públicas terão de focar não no crescimento
econômico ou no Produto Interno Bruto, e sim no aumento da satisfação
com a vida – a Felicidade Interna Bruta”.

A concepção de FIB envolve nove dimensões, a saber: 1) bem-estar


psicológico e espiritual, que mede o nível de satisfação com a vida
em vários aspectos; 2) saúde, representada pelo estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças
ou enfermidades; 3) uso do tempo da forma mais equilibrada possível
para melhorar a qualidade de vida das pessoas e o seu bem viver; 4)
educação, que contribui para a construção do conhecimento, dos valo-
res, estimula a criatividade, desenvolve as competências, fortalece o ca- Bahia anál. dados,
pital humano e aguça a sensibilidade cívica dos cidadãos; 5) diversidade
Salvador, v. 28, n.1,
p.6-24, jan.-jun. 2018
13
Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

A vitalidade cultural e resiliência, que avaliam a participação, bem como a frequência


comunitária se dos sujeitos nos eventos culturais; 6) governança, que mede a percep-
fortalece com ção do cidadão em relação às ações do governo, principalmente na
valores como prestação de serviços públicos; 7) vitalidade comunitária, que examina
cooperação, se as relações entre os membros da comunidade são fortes ou fracas,
utilizando os seguintes indicadores: laços de confiança, de cooperação,
reciprocidade e
de reciprocidade, de solidariedade, e sentimento de pertencimento e de
solidariedade
segurança; 8) diversidade ecológica e resiliência avaliam a qualidade da
água, do ar e do solo, bem como o acesso a áreas verdes, métodos de
eliminação de resíduos, além da diversidade das espécies de plantas e
animais; e 9) padrão de vida, que mensura os bens materiais (URA et
al., 2010). Essas dimensões contribuem sobremaneira com o bem viver
das comunidades.

No entanto, para efeito do presente trabalho, será utilizada somente a


dimensão referente à vitalidade comunitária, que, como já apontado aci-
ma, examina se as relações entre os membros da comunidade são fortes
ou fracas. Para tanto, utiliza os seguintes indicadores: laços de confian-
ça, de cooperação, de reciprocidade, de solidariedade e sentimento de
pertencimento e de segurança, seja nos relacionamentos familiares ou
entre os amigos, além dos trabalhos voluntários, da prática de doação
e da participação de grupos ou associações. Isso porque a vitalidade
comunitária se fortalece com valores como cooperação, reciprocidade
e solidariedade (ARRUDA, 2009).

A confiança fortalece os laços, alimentando as relações comunitárias


“fortes”, que demandam o apoio do poder público para se sustentar.
Essas relações, por sua vez, promovem o associativismo e a construção
das redes de solidariedade, que se nutrem do voluntariado, da recipro-
cidade e da cooperação. Já o pertencimento denota o sentimento de
pertença, que, apoiado na participação, gera, em última instância, uma
sensação de segurança, fruto do se sentir parte da comunidade.

Confiar significa acreditar no outro e constituir uma relação de inter-


dependência, como uma via de mão dupla (SILVA, 2012). Em última
instância, confiança implica entregar ao outro o controle dos próprios
bens, o que demanda a superação da aversão ao risco. Entretanto, se
ocorre traição, é gerado um reforço negativo contrário à confiança
(DURSTON, 2001). Sendo propulsora da cooperação, a confiança é res-
ponsável pela intensificação das relações horizontais entre os pares, em
detrimento das verticais entre classes diferentes (MENEZES; CAMPOS;
SOUSA, 2012).

O bem-estar de uma população, mais do que ser fruto do desenvolvi-


Bahia anál. dados, mento, depende do seu nível de confiança, que se entende como ca-
14 salvador, v. 28, n. 1,
p.6-24, jan.-jun. 2018 racterística cultural, sendo, assim, um capital social. Nessa perspectiva,
Ana Maria Ferreira Menezes, Maria de Fatima Hanaque Campos, Karina Mizuki Dias dos Santos Artigos

conclui-se que a economia de um país também é resultante do seu ca- É a partir da


pital social, que está respaldado pelo compartilhamento das normas e reciprocida-
valores locais, desde que os interesses individuais estejam subordinados de que vão se
aos do coletivo. construindo as
teias de rela-
A reciprocidade indica que, se existe algo do lado de uma das par- cionamentos, já
tes, existe do outro também, seja bom ou ruim. Portanto, é a partir
que ela é a base
da reciprocidade que vão se construindo as teias de relacionamen-
das relações e
tos, já que ela é a base das relações e instituições do capital social
instituições do
(DURSTON, 2003).
capital social
Cooperar significa operar junto com o outro. Assim, a cooperação de-
pende da colaboração de outra pessoa, grupo ou instituição. Por isso,
entende-se que a cooperação emerge junto com a confiança e os vín-
culos de reciprocidade, como resultado da interação das estratégias
individuais (DURSTON, 2003), mas que podem se tornar coletivas.

Tendo essas concepções como referência, passa-se à análise das prá-


ticas integrativas e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em
Salvador-BA, a partir dos indicadores de vitalidade comunitária e gera-
ção de renda.

PRÁTICAS INTEGRATIVAS E TROCAS DE SABERES:


VITALIDADE COMUNITÁRIA E GERAÇÃO DE RENDA NA
COMUNIDADE AMAZONAS, EM SALVADOR-BA

A origem da comunidade Amazonas, assim como de grande parte do


Cabula, faz referência a uma fazenda de laranjas (ARAÚJO, 2015). A
comunidade hoje denominada Amazonas, ou Rua Amazonas de Baixo,
como consta na escritura, já foi chamada de É o Tchan e também de
Timbalada. Esses nomes surgiram em virtude de que, quando os mora-
dores voltavam dos shows desses grupos musicais, pediam ao motoris-
ta do ônibus para parar no ponto, chamando a comunidade por esses
nomes, em momentos diferentes. Entretanto, os moradores mais anti-
gos e mais velhos não gostam dessas denominações, pois são vulgos
policiais, já que a polícia se referia ao local dessa forma, sempre com
sentido pejorativo.

A mudança de nome para Amazonas, segundo alguns moradores, de-


corre do fato de a comunidade ter, no seu entorno, uma reserva florestal
muito parecida com a mata amazônica. No entanto, alguns dizem que
a alteração foi uma forma de atenuar o preconceito e o estigma que
advêm do seu nome de origem, assim como para apagar seu status
de “favela”. Dessa forma, mudou-se o nome de Rua Timbalada para Bahia anál. dados,
Rua Amazonas.
Salvador, v. 28, n.1,
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Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

A equipe do Sua localização é no bairro do Cabula, entre a BR-324 e a Av. Luís Viana
projeto vitali- Filho (Av. Paralela). A comunidade está assim delimitada: acima está
dade comuni- a Rua Silveira Martins, onde também se localiza a Uneb; à direita, o
tária iniciou as Colégio Governador Roberto Santos; à esquerda, a Lagoa da Pedreira
atividades na (Lagoa do Paraíso); e abaixo, o 19º Batalhão de Caçadores (19º BC).
comunidade
Na área existem diversas instituições religiosas, como centro espírita,
Amazonas em
igrejas batista e católica, Universal, Assembleia de Deus e terreiros,
2015, através de
como o de mãe Angélica, que abriga a Associação de Moradores da
contatos com Vila Amazonas (Amovila). Nessa associação os correios entregam as
lideranças correspondências de mais de 120 famílias, não só em função da ameaça
de violência nas ruas internas, como também porque muitas casas não
possuem CEP. Além dessa, existe a Associação de Moradores da Ama-
zonas de Baixo (AMAB), devidamente registrada.

Entretanto, não há espaços públicos para lazer, cultura e entretenimen-


to, principalmente para as crianças. A Associação Cultural e Recreativa
da Rua Amazonas de Baixo (Ascramb), criada em 2010 com o objetivo
de promover a cultura e a recreação, nunca desenvolveu e nem desen-
volve atualmente projetos com este fim.

A equipe do projeto vitalidade comunitária iniciou as atividades na co-


munidade Amazonas em 2015, através de contatos com lideranças. Des-
sa forma, soube-se que três alunos da Escola Municipal Governador
Roberto Santos, também moradores da comunidade, faziam levanta-
mento da memória da localidade, orientados pelos seus professores.
Esses professores foram procurados no intuito de conhecer os projetos
desenvolvidos por esses alunos. A partir desse contato, foram apresen-
tadas também as gestoras da escola, que foram muito solícitas e estive-
ram sempre presentes a partir de então. Conhecendo-se os três jovens
pesquisadores e seus respectivos projetos, percebeu-se a importância
daqueles trabalhos para a comunidade.

Esses contatos com lideranças, moradores, professores e alunos foram


se dando de forma proativa, visando ao conhecimento da realidade lo-
cal e das demandas da comunidade. Nesse sentido, o projeto utilizou
indicadores relacionados com a vitalidade comunitária, responsável por
atividades que possibilitam o fortalecimento das práticas interativas. Es-
tas se constituem em ações participativas entre sujeitos com diferentes
saberes, que possibilitam a ampliação da vitalidade comunitária e do
bem viver. O desenvolvimento dessas atividades, no período de 2013
a 2016, construiu práticas associativas de trocas de saberes em con-
textos de educação não formal que resultaram em compartilhamento
de experiências. A seguir, observa-se como isso ocorreu, a partir dos
Bahia anál. dados, indicadores citados.
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Ana Maria Ferreira Menezes, Maria de Fatima Hanaque Campos, Karina Mizuki Dias dos Santos Artigos

Laços de confiança A confiança é,


portanto, um
Confiança pressupõe reciprocidade e motiva a colaboração. Esses dois dos elementos-
elementos se alinham ao conceito de confiança trabalhado nesta pes- -base da vita-
quisa para definição dessa categoria. Entretanto, o entendimento do lidade comu-
que significa confiança para os entrevistados da comunidade Amazonas nitária, mas
traz outros elementos: além de conhecer os sujeitos, conhecer também
sua existência
as suas atitudes e realizações, seja na rua, nas empresas ou nas organi-
depende dire-
zações religiosas. Houve quem falasse da dificuldade que se tem hoje
tamente das
de confiar em alguém, mas esta não foi a opinião da maioria, fazendo
acreditar que a confiança, pautada na reciprocidade, propulsora da co- relações desen-
laboração, fortalece a vitalidade comunitária, elemento basilar do de- volvidas entre
senvolvimento local. os sujeitos que
a praticam
A falta de comunicação, assim como a falsidade, também foi apontada
como um dos motivos de quem não confia em nenhum de seus vizinhos.
Além desses, os sujeitos que disseram não confiar em nenhum de seus
vizinhos citaram a fofoca e a traição como justificativas para a falta de
segurança e, assim, de confiança.

Diante do que foi pesquisado, entende-se que o nível de confiança entre


os moradores da comunidade tem relações coesas. E como confiança
é uma das bases da vitalidade comunitária, “conclui-se” que essa cate-
goria de análise a fortalece e, assim, favorece o desenvolvimento da co-
munidade Amazonas. A confiança é, portanto, um dos elementos-base
da vitalidade comunitária, mas sua existência depende diretamente das
relações desenvolvidas entre os sujeitos que a praticam. Diante desse
desafio, pois trabalhar com relações humanas é sempre um desafio,
analisaram-se essas relações na comunidade Amazonas.

Os laços de confiança também tiveram que ser estabelecidos entre a co-


munidade e a equipe do projeto de pesquisa. Assim, depois do contato
com um casal de líderes da comunidade, foram marcadas reuniões para
se conhecer a localidade. Aos poucos, um líder ia chamando o outro, e o
ciclo das lideranças ia se expandindo, ao mesmo tempo em que os laços
de confiança iam se tornando cada vez mais fortes.

Esses vínculos foram fundamentais nas relações de troca e permitiram


a construção de um canal de comunicação que pudesse fornecer as
informações sobre o dia a dia da comunidade. Isso possibilitou que se
conhecesse o então diretor da Associação de Moradores da Amazo-
nas de Baixo (AMAB), atual presidente. Ele contou um pouco da his-
tória da associação e confessou o seu interesse em assumir a entida-
de, já que, segundo ele, o então presidente não estava trabalhando em
prol da comunidade. Bahia anál. dados,
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Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

Apesar de Da mesma forma, foi feito contato com a presidente da Associação de


alguns afir- Moradores da Vila Amazonas (Amovila), que narrou as atividades de-
marem que o senvolvidas pela entidade, incluindo o abrigo a mulheres violentadas,
sentimento de sejam da própria comunidade ou de fora. Em 2016, ela carregou a tocha
reciprocidade olímpica na cidade de Salvador e enviou um vídeo desse momento, de-
monstrando laços de confiança.
na comunidade
está fragiliza-
Reciprocidade
do, há quem,
[...] apresente Apesar de alguns afirmarem que o sentimento de reciprocidade na co-
exemplos por munidade está fragilizado, há quem, além de citar moradores como
meio de atitu- referência, apresente exemplos por meio de atitudes, seja por ajuda
des material ou por apoio emocional. Independentemente da forma, a troca
serve de alimento para a vitalidade comunitária, que, assim fortalecida,
pode ser a base para o desenvolvimento da comunidade Amazonas.

A localidade pertence ao Cabula, mas está carente de serviços públi-


cos. Suas ruas estreitas, seja pelo crescimento desordenado, seja pela
ocupação inadequada, inclusive devido a empreendimentos privados,
demandam alargamento. Isso geraria qualidade de vida para a popula-
ção e possibilitaria, por exemplo, a entrada de um micro-ônibus até a
parte de baixo, onde fica o campo e a lagoa.

Esses espaços, citados nesta pesquisa como “áreas de lazer”, já pos-


suem projetos de revitalização e poderiam estar sendo aproveitados
pelos moradores, já que não existem espaços para lazer e entretenimen-
to apropriados, de acordo com a opinião da maioria dos questionados
nesta investigação. Esse dado/informação parece influenciar o pouco
tempo dedicado ao lazer pela comunidade, conforme verificado.

A Lagoa da Pedreira já teve água limpa e servia tanto para o banho


como para a pesca. No lugar onde atualmente existe o “campo”, po-
deria haver uma praça para lazer, turismo e geração de renda, com
feiras de artigos produzidos pela própria comunidade. Isso certamente
fortaleceria a vitalidade comunitária e propiciaria o desenvolvimento
da localidade.

Um exemplo de reciprocidade desenvolvido por alguns líderes na co-


munidade pauta-se no recolhimento de notas fiscais, prática que está
sendo efetivada também com a participação da equipe do projeto vi-
talidade comunitária. A coleta das notas é feita por meio de uma cai-
xinha na Igreja católica. Posteriormente, essas notas, organizadas de
25 em 25, em envelopes com mil, são enviadas para pastoral de Curi-
tiba. Como contrapartida, a comunidade recebe material didático,
Bahia anál. dados, além de brindes.
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Ana Maria Ferreira Menezes, Maria de Fatima Hanaque Campos, Karina Mizuki Dias dos Santos Artigos

Solidariedade Esse senti-


mento [per-
Os pesquisados apresentaram um conhecimento do que seria solida- tencimento] é
riedade muito próximo do conceito utilizado nesta pesquisa. Eles afir- percebido na
maram que a solidariedade não se limita à doação de dinheiro, roupas, comunidade
alimentos, bens materiais, orientações ou conselhos, mas se estende ao principalmente
trabalho voluntário, exercendo uma atividade em função da profissão
por meio do
ou por meio da criação de redes de solidariedade, junto a instituições
resgate da sua
religiosas, grupos voluntários ou individualmente.
memória
Um líder local é conhecido pela ação denominada Projeto do Dia das
Crianças. Ele coleta e distribui presentes para as crianças da comuni-
dade no dia 12 de outubro. A equipe do projeto vitalidade comunitá-
ria planeja a sua participação nesse projeto. Outra atividade está re-
lacionada com a solicitação do vice-presidente da AMAB para apoio
a algumas famílias desamparadas, o que levou, em 2016, à arrecada-
ção de alimentos não perecíveis para compor cestas básicas doadas
a essas famílias.

Sentimento de pertencimento

A categoria de análise pertencimento apoiou-se nas seguintes unidades


de sentido: nome da comunidade, morador de cima ou de baixo, tempo
de moradia e nível do sentimento de pertença. Esta categoria foi de-
finida em função do entendimento, baseado no referencial teórico, de
que o sentimento de pertença fortalece a vitalidade comunitária. Esse
sentimento [pertencimento] é percebido na comunidade principalmente
por meio do resgate da sua memória. Um dos exemplos desse resgate
está na resignificação do nome da comunidade.

Apesar de a comunidade ser denominada de Rua Amazonas de Baixo,


como consta na escritura – e também como respondeu a maioria dos
entrevistados quando questionados sobre o nome da comunidade –,
o sentimento de pertencimento dos moradores está relacionado com
as diferenças entre a Rua Amazonas de cima e a Rua Amazonas de
baixo, pois, à medida que se desce para a rua de baixo, até se alcan-
çar o “Pistão”, que faz fronteira com a Mata do Cascão, do 19º BC, as
condições das moradias vão piorando. Ainda com relação às diferen-
ças entre a Amazonas de cima e a de baixo, percebe-se que, ao mes-
mo tempo em que algumas opiniões parecem consolidar o sentimento
de pertença, ao defender a unidade da comunidade, outras sugerem
exatamente o contrário.

Outro aspecto relevante nessa comparação é o comércio local, quase


totalmente concentrado na rua de cima. Isso alimenta um sentimento de Bahia anál. dados,
exclusão dos moradores da rua de baixo em relação aos da rua de cima
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Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

[Há] a neces- que vai além das transformações da rua principal, com construções de
sidade de se condôminos habitacionais, escolas, centros comerciais, além do desma-
investir em tamento de uma grande parte da mata local (OLIVEIRA, 2014).
cursos de
empreendedo- Existe um projeto para transformar o antigo “campo de futebol” em uma
praça, que poderia ser um espaço de lazer e entretenimento para todos
rismo, o que
os moradores da comunidade, com um parque esportivo e uma creche.
possibilitaria
Outro projeto, já em andamento, é o de revitalização da Lagoa da Pe-
agregar valor
dreira, que não é mais utilizada para banho e para pesca e poderá servir
aos produtos também para geração de renda. Esse projeto é fruto de uma parceria
e propiciar a com a Bahia Pesca e a associação de pescadores.
identificação de
oportunidades, Além das atividades de geração de renda, a AMAB vem realizando cur-
transformando sos técnicos de contabilidade e de auxiliar de enfermagem. Destaca-se
os negócios o papel da secretária e esposa do presidente da entidade, que vem
atuando como instrutora das oficinas de artesanato promovidas pela
associação. Além das aulas de artesanato, ela também produz bol-
sas, camisetas, chaveiros e objetos de decoração para casa, vendidos
pelo Centro Público de Economia Solidária (Cesol), no qual ela tam-
bém atua como integrante do Grupo Coletivo Arte e Cultura do Cabula
(Cultarte), da Uneb.

Essa situação demonstra [Há] a necessidade de se investir em cursos


de empreendedorismo, o que possibilitaria agregar valor aos produtos e
propiciar a identificação de oportunidades, transformando os negócios.
Outros cursos de formação profissional que poderiam preencher essas
lacunas seriam os de associativismo e de economia solidária. Com isso,
seria possível a autogestão dos negócios na fabricação e comercializa-
ção dos produtos, viabilizando o planejamento, a execução e o controle
de toda a cadeia produtiva.

Um dos méritos da produção dessas artesãs é a reutilização de materiais


para artesanato. Elas acreditam que “lixo é rico” e transformam o lixo
(garrafas pet, papéis, panos, bobinas, CDs) em luxo. Inclusive, a secre-
tária da AMAB é chamada pelo marido de sucateira, pois consegue ver
arte em tudo, seja em fundo de gaveta ou em um caixote que encontra
no lixo.

Os meses de janeiro e fevereiro são bem produtivos em função das


encomendas de turbantes, broches e colares para o bloco Filhos de
Gandhi, que desfila no Carnaval. Ela aprendeu a fazer esses adereços no
Projeto Mundo Afro – Janela para o Mundo, no qual também aprendeu
a confeccionar turbantes usados pelas mulheres do bloco Ilê Aiyê, que
podem custar até R$ 300,00. Por isso, sempre incentiva as pessoas a
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participarem dos cursos oferecidos pelo Sesc, que são gratuitos e, em São necessá-
alguns casos, ainda oferecem transporte e alimentação. rias parcerias
para compra
Outra época importante é o fim de ano, quando as aprendizes de ar- de materiais e
tesãs confeccionam enfeites, objetos de decoração e guirlandas para equipamentos,
o Natal, além de artigos para presente. No encerramento da oficina, pois apenas
apresentaram seus trabalhos.
as oficinas de
artesanato e de
Percebe-se que, à medida que as pessoas vão aprendendo, começam a
percussão se
fabricar e vender seus produtos, gerando trabalho e renda. As peças de
artesanato (arranjos para cabelo, bolsas jeans, agendas, porta-retratos, mantiveram
tapetes de fuxicos, mandalas de CDs, porta-sabonetes, sachês, pesos
para portas) também são vendidas nos eventos da comunidade.

A possibilidade de trabalhar em casa, na hora em que for possível, é


muito conveniente porque permite que as aprendizes de artesãs cuidem
de seus filhos e de suas casas. Em função das atividades domésticas,
entre outras, a secretária da AMAB, por exemplo, faz suas peças de
artesanato de madrugada, o que afeta o sono e inviabiliza o lazer. Mas
ela diz que gosta muito do que faz, e, com isso, essas tarefas acabam se
transformando em atividades de lazer.

No entanto, são necessárias parcerias para compra de materiais e


equipamentos, pois apenas as oficinas de artesanato e de percussão
se mantiveram, apesar da demanda da comunidade. Percebe-se que
as crianças e os adolescentes são muito mais interessados nas ofi-
cinas do que os adultos, seja pela resistência criada pelas histórias
de vida, seja por experiências negativas, seja pela espontaneidade
dos mais novos.

Como a associação não tem uma infraestrutura adequada para viabilizar


as oficinas, principalmente as que demandam espaço e estrutura espe-
cífica para os cursos, e os moradores não contribuem para a entidade,
as mudanças acabam sendo muito lentas. A ideia, por exemplo, de fa-
zer camisas para cada um dos grupos das oficinas ainda não pôde ser
concretizada. O espaço onde ocorre a oficina de artesanato é o mesmo
onde ficava o bazar de roupas, sapatos e bijuterias resultantes de doa-
ções e cuja renda é utilizada para melhorias na associação.

Essas práticas integrativas e trocas de saberes, particularmente as


relacionadas com a possibilidade de gerar renda, contribuem sobre-
maneira para o fortalecimento da vitalidade comunitária, o que im-
pacta positivamente o desenvolvimento inclusivo e o bem viver da
comunidade.
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Desenvolvimento, bem viver e educação não formal: práticas integrativas
Artigos e trocas de saberes na comunidade Amazonas, em Salvador-BA

Percebe-se a CONSIDERAÇÕES FINAIS


força dos laços
de confiança A partir de uma concepção de desenvolvimento inclusivo, bem viver,
construídos educação não formal e vitalidade comunitária, desenvolveram-se as ati-
com essa comu- vidades do projeto Vitalidade comunitária: um estudo sobre a comuni-
dade Amazonas, em Salvador-BA, que, utilizando os indicadores laços
nidade, a reci-
de confiança, reciprocidade, solidariedade e sentimento de pertenci-
procidade e o
mento, pôde salientar as trocas de saberes e seus reflexos na comuni-
sentimento de
dade Amazonas, em Salvador -BA.
pertencimento
A participação do grupo do projeto vem se dando através da relação
com lideranças, moradores, professores e alunos de escolas públi-
cas, de forma a contribuir com a troca de saberes que possam for-
talecer as práticas integrativas e contribuir com a geração de renda,
que se constitui em dimensão necessária para que o desenvolvimen-
to inclusivo e o bem viver ocorram. Salienta-se, no entanto, que a di-
mensão de geração de renda é necessária, mas não é suficiente para
que se possa atingir de forma plena o desenvolvimento inclusivo e o
bem viver.

Assim, percebe-se a força dos laços de confiança construídos com


essa comunidade, a reciprocidade e o sentimento de pertencimento,
bem como a oportunidade para criação de uma rede de solidarieda-
de. Isso poderia contribuir para o fortalecimento da vitalidade comuni-
tária da Amazonas, que tanto tem oferecido de experiências, saberes
e conhecimentos.

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Bahia anál. dados, Recebido em 21 de maio de 2018 e


24 salvador, v. 28, n. 1,
p.6-24, jan.-jun. 2018 aprovado em 17 de junho de 2018.
Resumo

O presente artigo apresenta um panorama geral dos planos municipais de


educação vigentes nos 13 municípios que compõem o território de identidade
Extremo Sul, na Bahia, analisando a territorialidade desses planos e sua
relação com o desenvolvimento da região, os aspectos que convergem e os
que divergem em relação à sua estrutura. A partir de pesquisa bibliográfica
e documental de cunho qualitativo e exploratório, o trabalho discute as
políticas em educação no Brasil e a política de desenvolvimento territorial
na Bahia e caracteriza o território de identidade Extremo Sul (TIES), com o
aporte de Saviani, Biesta, Dallabrida, Sachs, Bruno, Demo, Dowbor, Mutim,
dentre outros. A análise dos planos municipais de educação dos 13 municípios
que compõem o TIES no aspecto legal e estrutural evidencia que, embora
tenham se esforçado para o cumprimento do prazo legal para aprovação,
existem algumas fragilidades em relação à perspectiva do desenvolvimento
territorial.
Palavras-chave: Planos municipais de educação. Território de identidade
Extremo Sul. Desenvolvimento territorial.

Abstract

This article presents an overview of the Municipal Education Plans in force in


the thirteen municipalities that make up the Extreme South Identity Territory
of Bahia, analyzing the territoriality of these plans and their relation with
the development of the territory, the aspects that converge and those that
diverge in relation to their structure. Based on qualitative and exploratory
bibliographical and documentary research, it discusses policies in education
in Brazil, the territorial development policy in Bahia and characterizes the
Territory of Southern Extreme Identity (TIES), with the contribution of Saviani,
Biesta, Dallabrida, Sachs, Bruno, Demo, Dowbor, Mutim, among others. The
analysis of the Municipal Plans of Education of the thirteen municipalities that
make up the TIES in the legal and structural aspects is carried out, evidencing
that although they have tried to comply with the legal deadline for approval,
there are some weaknesses regarding the territorial development perspective.
Keywords: Municipal education plans. Territory of identity Extreme South of
Bahia. Territorial development.
Artigos

Planos municipais de educação


no Território de Identidade
Extremo Sul (TIES): contribuições
ao desenvolvimento territorial
C E C I L I A M A R I A M O U R Ã O C A R VA L H O AS POLÍTICAS educacionais brasileiras,
Especialista em Gestão Pública
Municipal e mestranda em Educação e nas últimas décadas, têm despontado como
Contemporaneidade pela Universidade
do Estado da Bahia (UNEB). Membro
campo de pesquisa com ampla produção científica.
do Grupo de Pesquisa Educação Esse campo toca diretamente nos direitos e na
Ambiental, Políticas Públicas e
Gestão Social dos Territórios (Gepet), garantia dos cidadãos por parte do Estado.
professora auxiliar da Uneb, pedagoga
na Rede Municipal de Educação de Daí sua relevância inconteste para o
Mucuri (BA). [email protected]
desenvolvimento social dos territórios.
AV E L A R LU I Z B A S TO S M U T I M
Doutor e mestre em Educação pela
Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Coordenador do Grupo A educação é mencionada como primeiro direito
de Pesquisa Educação Ambiental,
Políticas Públicas e Gestão Social dos social na Constituição federal de 1988, em seu
Territórios (Gepet) e professor adjunto
da Universidade do Estado da Bahia Artigo 6º. É importante situar o direito à educação
(Uneb). [email protected]
na primeira posição, pois ele amplia o acesso e
é pré-requisito do exercício dos demais direitos.
Dessa forma, “[...] mais do que uma exigência
contemporânea ligada aos processos produtivos e de
inserção profissional, responde a valores da cidadania
social e política” (CURY, 2002, p. 245).

A discussão sobre os planos municipais de educação


como instrumentos da gestão municipal da educação
e suas possíveis contribuições ao desenvolvimento
do território é oportuna na medida em que se tem
um instrumento legal – o Plano Nacional de Educação
(PNE), Lei 13005/2014 – que se torna central para a
gestão da política educacional brasileira e para pensar
a educação em suas possibilidades de contribuição
para o desenvolvimento social dos territórios.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
27
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

As políticas No contexto desse trabalho, propõe-se analisar os planos municipais de


públicas edu- educação do Território de Identidade Extremo Sul (TIES) e suas con-
cacionais são tribuições ao desenvolvimento territorial. Por si só, isso já constitui um
emanadas do desafio, já que essa relação é pouco explorada na literatura. No entanto,
Estado, mas trata-se de uma relação necessária, uma vez que os territórios de iden-
tidade reúnem características humanas, sociais, culturais e econômicas
não são fruto
específicas, que produzem os sujeitos que ali vivem e, ao mesmo tempo,
de iniciativas
são produzidas por eles. Nesse processo, a educação se configura como
exclusivas de
elemento indispensável para o desenvolvimento territorial e a qualidade
governantes, de vida dos sujeitos.
envolvendo
também forças A partir de pesquisa bibliográfica e documental de cunho qualitativo e
sociais – indiví- exploratório, este trabalho apresenta o panorama dos planos municipais
duos, grupos e de educação dos municípios que compõem o TIES a partir da discussão
instituições mais ampla sobre as políticas em educação no Brasil e as contribuições
ao desenvolvimento social do território.

O artigo se estrutura em três tópicos, sendo o primeiro a explicitação


da política educacional no Brasil e os planos de educação; o segundo
traz as relações entre educação e desenvolvimento territorial; e o
terceiro trata da política de desenvolvimento territorial na Bahia, do
TIES e dos planos municipais de educação. As considerações finais
apresentam as conclusões da pesquisa e as possibilidades de ampliação
da investigação.

POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA E


PLANOS DE EDUCAÇÃO

É indispensável, antes de discutir a política educacional brasileira, con-


siderar o contexto sociopolítico e econômico no qual essa política foi
implementada, analisando seus significados históricos. As políticas pú-
blicas educacionais são emanadas do Estado, mas não são fruto de
iniciativas exclusivas de governantes, envolvendo também forças sociais
– indivíduos, grupos e instituições.

Biesta (2012) discute a educação atual no contexto de erosão do Esta-


do de bem-estar e da escalada das políticas neoliberais, de forma que
a responsabilidade se transfere do provedor para o consumidor, e a
educação passa de um direito a um dever. O autor aponta a urgência de
se reconectar com a questão das finalidades na educação e diferenciar
como ela pode contribuir para a qualificação, socialização e subjetiva-
ção dos sujeitos.

Bahia anál. dados, O mesmo autor, ao discutir a educação na contemporaneidade, situa-a


28 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018 na “era da mensuração”, uma vez que os debates “[...] são dominadas
Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

pela mensuração e por comparações de resultados educacionais e que “[...] os avanços


essas mensurações parecem orientar grande parte da política educa- em números
cional e, por esse meio, também grande parte da prática educacio- estatísticos
nal”. Ele alerta que “[...] se não formos explícitos sobre nossas visões não garantem
acerca dos objetivos e fins da educação – se não atacarmos as per- a eficiência da
guntas quanto ao que constitui uma boa educação – corremos o ris- educação na-
co de as estatísticas e os rankings tomarem essas decisões por nós”
cional como um
(BIESTA, 2012, p. 822-823).
todo”
Na mesma perspectiva, Freitas (2012, p. 171) discute que “[...] os avan-
ços em números estatísticos não garantem a eficiência da educação
nacional como um todo”. Isso porque a sociedade contemporânea é
mais complexa, e as estatísticas frias não atendem a essa complexidade.

Como a política educacional deriva de determinada política pública, é


importante compreender como se elaboram as políticas públicas, con-
siderando que o Estado, nas sociedades capitalistas, está organizado
para atender aos capital, colocando os interesses privados acima da
coletividade. Deve-se entender também que a política econômica é an-
tissocial, e as políticas sociais, dentre elas a educação, são “paliativos”
aos efeitos antissociais da economia (SAVIANI, 2008, p. 4), e que lutas
e pressões também produzem políticas públicas que atendem aos inte-
resses de grupos e classes.

Analisando-se a atual conjuntura brasileira pós-golpe parlamentar e as


contradições desse momento histórico, que abarca um projeto político
de Estado mínimo que fragiliza o regime democrático, podem-se situar
as medidas antidemocráticas no contexto de um governo ilegítimo que
se dobra aos ditames do capital e tergiversa acerca de temas tão caros
aos cidadãos brasileiros, como democracia, direitos e desenvolvimento
social. Dentre as recentes reformas que atacam diretamente as políticas
educacionais brasileiras está a do Ensino Médio e a da Base Nacional
Comum Curricular. Compreender os mecanismos que afetam as polí-
ticas públicas ajuda a pensar o papel do Estado e da sociedade civil
organizada para interferir nessa agenda.

A Emenda Constitucional 95/2016, que limita por 20 anos os gastos pú-


blicos, retrata a implementação de reformas no Estado com reflexos di-
retos na educação. Essas reformas foram efetuadas “[...] sob a égide da
redução de custos traduzida na busca da eficiência sem novos investimen-
tos” (SAVIANI, 2008, p. 196). Saviani, ao analisar a história dos planos de
educação, considera que, a partir de 1990, a “racionalidade financeira” é
o caminho para realização de uma política educacional cujo condutor é
“[...] o ajuste aos desígnios da globalização através da redução dos gastos
públicos e diminuição do tamanho do Estado, visando a tornar o país atra- Bahia anál. dados,
ente ao fluxo do capital financeiro internacional” (SAVIANI, 2008, p. 197).
Salvador, v. 28, n.1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
29
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

Verifica-se que, Nunes, Mutim e Novaes (2017, p. 43) expõem que hoje não se pode falar
no contexto que não existem políticas e planos para a educação. A questão central,
capitalista, a que constitui um desafio, é a “[...] falta de efetividade de tais políticas e
política edu- planos, ou seja, como materializar as intenções, princípios, ações e me-
cacional está tas de maneira a melhorar as condições gerais dos sistemas de ensino”.
realmente
Novaes (2014, p. 53) considera que política educacional consiste em
subordinada às
“[...] um processo destinado a estabelecer um conjunto de ações que
imposições da
visam atender à diversidade de demandas da sociedade no que con-
política econô- cerne particularmente à educação”. Essas ações têm a finalidade de
mica atender às necessidades apresentadas pelas escolas, redes e sistemas
de educação, materializadas por meio da formulação e implementação
de programas oficiais.

Sobre a relação entre educação e desenvolvimento, Nunes, Mutim e


Novaes (2017) questionam a visão de linearidade dessa relação e
partem da ideia de subordinação da educação e do desenvolvimento
às determinações do contexto político, econômico e social. Verifica-
se que, no contexto capitalista, a política educacional está realmente
subordinada às imposições da política econômica. Saviani (2008, p. 4)
pondera que “[...] a política social acaba sendo considerada invariável
e reiteradamente um paliativo aos efeitos anti-sociais da economia,
padecendo das mesmas limitações e carências que aqueles efeitos
provocam na sociedade como um todo”. Ele observa que, na conjuntura
atual, tudo passa pelo crivo mercadológico, o que gera dificuldades para
romper com o círculo vicioso da pobreza. O autor propõe a estratégia
de resistência ativa à política educacional vigente, o que demanda a
apresentação de propostas alternativas e a luta para concretizá-las.
Nesse sentido, tem-se um quadro bastante complexo, que exige uma
atuação cada vez mais comprometida com a educação pública como
direito inalienável do cidadão.

Saviani (2008) aponta que a principal medida de política educacional


decorrente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
é o Plano Nacional de Educação (PNE). Ele menciona duas caracterís-
ticas do PNE para justificar sua posição. A primeira é o caráter global,
que abrange todos os aspectos da organização da educação nacional,
e a segunda, o caráter operacional, pois o PNE prevê ações estratégi-
cas para atingir metas em prazos determinados. Dessa forma, “[...] o
PNE torna-se, efetivamente, uma referência privilegiada para avaliar a
política educacional aferindo o que o governo está considerando, de
fato, prioritário, para além dos discursos enaltecedores da educação”
(SAVIANI, 2008, p. 4).

Bahia anál. dados, O PNE é um instrumento de planejamento da gestão da educação que


30 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018 orienta a execução e o aprimoramento de políticas públicas do setor.
Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

Como recurso de política educacional, [o PNE] objetiva atender às neces- Como recur-
sidades educacionais da população, com a utilização dos meios para re- so de política
alizar o valor social da educação. Saviani (2010, p. 389) afirma que o PNE educacional,
é “[...] o instrumento que visa introduzir racionalidade na prática educa- [o PNE] objeti-
tiva como condição para superar o espontaneísmo e as improvisações, va atender às
que são o oposto da educação sistematizada e de sua organização na necessidades
forma de sistema”.
educacionais da
população
O PNE atual – Lei nº 13005, aprovada em 25 de junho de 2014, com vi-
gência até 2024 – é o segundo depois da LDBEN de 1996. O primeiro
PNE constituído em forma de lei foi o 10172/2001, aprovado no governo
Fernando Henrique Cardoso, com sérias restrições à sua execução, haja
vista o veto presidencial à estratégia de elevação de gastos públicos em
relação ao PIB aplicados em educação. Sendo assim, o plano se tornou
uma carta de intenções e não cumpriu as metas estabelecidas.

A Emenda Constitucional nº 59/2009 mudou a condição do PNE de


disposição transitória da LDBEN para uma exigência constitucional com
periodicidade decenal. De acordo com Nunes, Mutim e Novais (2017), a
referida emenda foi um marco fundamental para consolidação do PNE.
Como instrumento de planejamento, o PNE estabelece o caminho a per-
correr para melhoria da educação, com a instituição de uma política de
Estado por uma década. Dessa forma, rompe com as descontinuidades
provocadas pelas trocas de governos.

O processo de formulação do PNE em vigor teve participação de di-


versos segmentos e foi precedido de conferências realizadas em todo
país, sob coordenação do Ministério da Educação. O Fórum Nacional de
Educação (FNE) desempenhou papel importante como espaço de inter-
locução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, tendo sido criado
em decorrência de deliberação da Conferência Nacional de Educação
(Conae 2010).

O PNE 13005/2014 estabelece dez diretrizes para a educação no país,


que vão desde a erradicação do analfabetismo à valorização dos pro-
fissionais da educação. São 20 metas, subdivididas em estruturantes,
para a garantia do direito à educação com qualidade; as que visam à
superação das desigualdades e à valorização da diversidade; as relativas
à qualidade e à ampliação do acesso à educação superior e à pós-gra-
duação; de valorização dos profissionais da educação; de efetivação da
gestão democrática; e de ampliação de investimentos.

O grande desafio é a execução do plano com vistas ao cumprimento das


20 metas, a partir de suas 254 estratégias. Na análise de Nunes, Mutim
e Novaes (2017, p. 45), com as mudanças promovidas como consequ- Bahia anál. dados,
ência de um golpe parlamentar “[...] houve recrudescimento das forças
Salvador, v. 28, n.1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
31
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

A educação tem contrárias aos avanços previstos nas metas do PNE estabelecidas de-
papel decisivo mocraticamente. O momento político é incerto e as metas estabelecidas
na construção correm um sério risco de tornarem-se letras mortas”.
de um país
mais justo, A avaliação de planos de educação passa a ser entendida não apenas
como instrumento articulado à correção dos seus rumos pelos gover-
sustentável e
nos, útil aos processos de regulação das políticas públicas, mas como
democrático
forma política voltada à prestação de contas dos governos à sociedade,
com vistas ao conhecimento de seu desempenho, resultados, impactos
e efeitos. (SOUZA, 2014, p. 142).

De fato, passados quase quatro anos, as projeções não são animadoras,


tendo em vista o congelamento dos gastos imposto pela Emenda Cons-
titucional nº 95/2016, além de toda instabilidade política provocada pela
mudança da composição do Fórum Nacional de Educação, que fragiliza
a legitimidade da próxima Conferência Nacional de Educação (Conae
2018). De acordo com Lázaro (2017, p. 28), “[...] os sinais indicam que o
quarto PNE pode vir a ter o mesmo destino que seus antecessores: um
conjunto de medidas a favor do direito à Educação que o poder público
despreza e a sociedade ignora”. Na acepção de Lázaro (2017), a educa-
ção tem papel decisivo na construção de um país mais justo, sustentável
e democrático. Dessa forma, “[...] retomar o debate republicano pela ins-
tituição do SNE pode ser uma das últimas chances de mudar o destino
do PNE e com ele, o da Educação brasileira”.

O PNE 13005/2014 estabeleceu um ano para que estados e municí-


pios elaborem seus planos correspondentes. O novo Plano Estadual de
Educação da Bahia (PEE-BA) foi aprovado em 11 de maio de 2016, com
vigência 2016-2026 (Lei estadual nº 13559/2016). Para a elaboração do
PPE-BA, a Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC) instituiu,
em 2012, o Fórum Estadual de Educação da Bahia (FEE-BA), que co-
ordenou esse processo, a partir de julho de 2014, por meio de uma
comissão especial criada para desenvolver esta ação. O plano estadual,
em consonância com o nacional, tem 20 metas, monitoradas pela SEC,
FEE-BA, Conselho Estadual de Educação e Comissão de Educação da
Assembleia Legislativa.

Para que esses planos sejam de fato instrumentos de planejamento da


educação deve haver uma articulação com as demais políticas educa-
cionais que contribuem para o desenvolvimento dos sujeitos e do ter-
ritório. Mesmo diante das limitações impostas pela política restritiva de
gastos públicos, vale a consideração de Saviani (2008, p. 231) de que
“[...] devemos caminhar na direção de uma outra política educacional
que responda de frente aos desafios educacionais da sociedade brasi-
Bahia anál. dados, leira na conjuntura atual”.
32 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL É pertinente


situar a discus-
É pertinente situar a discussão acerca do planejamento da educação na são acerca do
perspectiva do desenvolvimento do território e de seus sujeitos, supe- planejamento
rando a lógica mercadológica que atrela o desenvolvimento apenas ao da educação na
crescimento econômico.
perspectiva do
desenvolvimento
Souza e Mutim (2012, p. 188) consideram que a educação tem um pa-
do território e
pel determinante na elaboração de estratégias de desenvolvimento “[...]
principalmente [...] quando se considera o território como lócus da cons-
de seus sujeitos,
trução e reconstrução dos grupos sociais”. superando a ló-
gica mercadoló-
Nesse contexto, convém elucidar o conceito de território, compreenden- gica que atrela o
do-o além do espaço geográfico e das delimitações político-administra- desenvolvimento
tivas. Dallabrida (2007, p. 9) entende território como apenas ao cres-
cimento econô-
[...] uma fração do espaço historicamente construída através das inter- mico
-relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam
neste âmbito espacial, apropriada a partir de relações de poder sus-
tentadas em motivações políticas, sociais, ambientais, econômicas,
culturais ou religiosas, emanadas do Estado, de grupos sociais ou cor-
porativos, instituições ou indivíduos.

Tal concepção, à medida que extrapola a dimensão física do território,


estabelece uma noção de interligação de diversos elementos que cons-
tituem esse espaço e que não podem ficar à margem quando se discute
o desenvolvimento territorial. De acordo com Souza e Mutim (2012),
a utilização da abordagem territorial permite abarcar a especificidade
espacial da relação educação e desenvolvimento. Os autores explicam
que, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento repercute as implica-
ções da “[...] materialização e organização dos processos produtivos nos
diferentes espaços sociais [...]”, os projetos educacionais podem “[...]
reforçar as estratégias territoriais do capital se reproduzir, ou construir
alternativas, possibilidades, revelar a contradição inerente ao processo”
(SOUZA; MUTIM, 2012, p. 175).

Na dinâmica empreendida pelos diversos atores em prol do desenvolvi-


mento de um território, há que se ter a devida lucidez em relação às finali-
dades dos projetos gestados e apresentados nesse espaço, já que a defesa
do desenvolvimento territorial se dá no sentido de compreendê-lo como

[...] um processo de mudança estrutural empreendido por uma socie-


dade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos
capitais e recursos (materiais e imateriais) existentes no local, com vis-
tas à dinamização econômica e à melhoria da qualidade de vida de sua Bahia anál. dados,
população. (DALLABRIDA, 2007, p. 10).
Salvador, v. 28, n.1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
33
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

O referente ter- A dinâmica territorial do desenvolvimento, na acepção de Dallabrida


ritorial preser- (2007), abarca as dimensões local, regional, econômica, social, humana,
va o princípio sustentável. Por isso, o termo desenvolvimento territorial dispensa o uso
da igualdade das demais designações.
entre os alunos,
A dinâmica territorial do desenvolvimento refere-se ao conjunto de ações
uma vez que
relacionadas ao processo de desenvolvimento, empreendidas por atores/
torna externas
agentes, organizações/instituições de uma sociedade identificada histórica
as razões do
e territorialmente. O seu uso sustenta-se na hipótese de que o desenvolvi-
fracasso esco- mento tem uma relação direta com a dinâmica (social, econômica, ambien-
lar tal, cultural e política) dos diferentes territórios. (DALLABRIDA, 2007, p. 6).

As concepções de desenvolvimento expostas atendem às perspecti-


vas perseguidas por esse trabalho à medida que compreendem que as
políticas públicas, especialmente as educacionais, devem contemplar a
melhoria da qualidade de vida das populações, o que engloba a intera-
ção de atores sociais, políticos e econômicos que atuam nessa “fração
do espaço historicamente construída” que é o território.

Ayed (2015, p. 45), ao discutir a educação escolar e o território a partir


do contexto francês, aponta a complexidade das relações entre educa-
ção e território, pois o objeto abordado é “[...] um local de conflitos, atra-
vessado pela questão social e pelas contradições que carrega”. Charlot
(1994 apud AYED, 2015, p. 32) diz que o referente territorial preserva
o princípio da igualdade entre os alunos, uma vez que torna externas
as razões do fracasso escolar, atribuindo-as às injustiças geográficas e
desigualdades de contexto, como a pobreza, a degradação da infraes-
trutura e a insuficiência de equipamentos públicos.

Os progressos esperados da territorialização das políticas educativas


são numerosos: melhor adaptação e melhor visibilidade das ofertas de
formação, considerando as necessidades locais, maior articulação entre
os diferentes segmentos do sistema, maior eficiência nos recursos alo-
cados. (AYED, 2015, p. 33).

O autor explica que a utilização do território não se limita ao espaço


administrativo da educação nacional, mas é também um objeto mobi-
lizado pelos novos atores da ação educativa, que são os outros minis-
térios, as coletividades locais ou o campo associativo. Aplicando essa
lógica aos municípios brasileiros, esses atores seriam as diferentes se-
cretarias, como a de saúde, assistência social, cultura, esporte e ou-
tras, explorando o conceito de intersetorialidade1. De acordo com Ayed

1
Intersetorialidade nas políticas públicas é compreendida como a integração de diversos setores
para a consecução das ações públicas. Ao mesmo tempo em que mantém as especificidades de
Bahia anál. dados,
34 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
cada área, vai além de cada setor, buscando a superação de práticas fragmentadas através da
articulação maior entre diversos saberes para alcançar os objetivos e resultados.
Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

(2015, p. 34), a noção da educação como “missão partilhada” pode nas- “[...] a educa-
cer daí, gerando o desenvolvimento da “[...] descentralização educati- ção não deve
va, que atribui um maior papel às coletividades locais no que se refere servir apenas
à educação”. como trampo-
lim para uma
Acerca da educação e desenvolvimento local, Dowbor (2007, p. 15) indi- pessoa escapar
ca o mesmo horizonte, afirmando que “[...] a educação não deve servir
da sua região:
apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve
deve dar-lhe os
dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la”. Ele
conhecimentos
complementa dizendo que
necessários
[...] a coerência sistêmica de numerosas iniciativas de uma cidade, de para ajudar a
um território, depende fortemente de uma cidadania informada. [...] transformá-la”
Assim, a democratização do conhecimento do território, das suas di-
nâmicas mais variadas, é uma condição central do desenvolvimento.
(DOWBOR, 2007, p. 17).

Desse forma, Dowbor (2007, p. 24) atribui ao Conselho Municipal de


Educação (CME), órgão que reúne pessoas que conhecem o município,
o bairro e os problemas mais amplos do desenvolvimento local, além
da rede escolar da região, a responsabilidade de tornar-se “[...] o nú-
cleo irradiador da construção do enriquecimento científico mais amplo
do local e da região”. Trata-se de uma tarefa que vai além das funções
normativas e consultivas do CME e é um desafio à desburocratização
desses espaços.

Além da relação entre educação e desenvolvimento no território, é


preciso ter uma visão macro das políticas educacionais e de como
elas são desenhadas na sociedade capitalista, para que não se perca
de vista os fins da educação e do desenvolvimento do território. Ao
discutir a educação e o desenvolvimento econômico no Brasil, Bruno
(2011, p. 552) fala da importância de compreender essa relação, situ-
ando-a no processo de reprodução da classe trabalhadora e do ca-
pital. Ela afirma que “[...] a globalização da economia levou à trans-
nacionalização não só dos processos econômicos, mas das estruturas
de poder do capitalismo”. Assim, a classe trabalhadora passou a ser
pensada supranacionalmente.

Isso significa que a educação deixou de ser uma questão nacional e


passou a ser pensada, planejada e regulada por centros de poder que
vão muito além dos Estados Nacionais. A regulação da educação pas-
sou a envolver múltiplos agentes: além de agências multilaterais, as-
sociações empresariais, organizações transnacionais, também ONGs
locais e internacionais, em geral, verdadeiros braços sociais das empre-
sas. (BRUNO, 2011, p. 553). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
35
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

A educação, A educação, no contexto capitalista, é reestruturada, sendo que “[...] a


no contexto pedagogia das competências é a forma contemporânea de subordinar
capitalista, é a aprendizagem às novas necessidades do capital”. Assim, o controle
reestruturada, sobre os processos formativos é interesse maior dos capitalistas, vi-
sendo que “[...] a sando à qualificação para o mercado de trabalho “[...] dentro de cer-
tos padrões exigidos pela organização do trabalho e pela tecnologia
pedagogia das
utilizada, o que envolve conhecimento e disciplina” (BRUNO, 2011,
competências é
p. 553, 557).
a forma con-
temporânea de Conclui a autora que a relação linear entre educação e desenvolvimento
subordinar a econômico fica comprometida e, para ser compreendida, deve ser con-
aprendizagem siderada em sua dimensão política, “[...] tanto na sua forma de controle
às novas ne- do capital sobre a reprodução da força de trabalho global, quanto na
cessidades do forma das resistências e lutas dos estudantes e professores a esse con-
capital” trole e as formas por ele assumidas” (BRUNO, 2011, p. 562).

O conceito de desenvolvimento assumido neste trabalho é multidimen-


sional e não se encerra no aspecto econômico. Sachs (2009, p. 60),
mesmo apontando a multidimensionalidade e a complexidade do con-
ceito de desenvolvimento, reconceitualiza-o como processo histórico
de apropriação efetiva pelos povos “[...] de todos os direitos humanos,
políticos, sociais, econômicos e culturais, incluindo-se aí o direito co-
letivo ao meio ambiente”. O desenvolvimento se distingue de cresci-
mento econômico, visto que os objetivos do desenvolvimento ultrapas-
sam a mera multiplicação da riqueza material. “O crescimento é uma
condição necessária, mas de forma alguma suficiente para se alcançar
a meta de uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos”
(SACHS, 2008, p. 13).

Sachs (2008) também defende que a educação é essencial para o de-


senvolvimento, na medida em que coopera para o despertar cultural, a
compreensão dos direitos humanos, a conscientização. Porém, não é
panaceia. É condição necessária, mas não suficiente, e deve estar junto
com as políticas de desenvolvimento.

Demo (1999) afirma que, na atualidade, a ligação entre educação e de-


senvolvimento se encontra renovada pela sociedade do conhecimen-
to, mas dentro de uma visão neoliberal. Ele admite que “[...] a educa-
ção ainda é o fator mais estratégico do desenvolvimento. Para além
de reduções positivistas neoliberais e institucionais, de um lado, e, de
outro, aquém das promessas setorialistas de ‘transformação social’”
(DEMO, 1999, p. 15).

O autor afirma que a preocupação da educação com a inserção no


Bahia anál. dados, mercado de trabalho não pode menosprezar o aprendizado da luta
36 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018 contra o predomínio do mercado na vida das pessoas. “Sem sujeitos
Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

humanamente competentes, não teremos projeto próprio de desen- A educação e


volvimento.[...] Cidadania continua sendo o fator central do desenvol- os processos
vimento, tendo na educação um de seus móveis mais substanciais” educativos são
(DEMO, 1999, p. 82). de fundamental
importância
Mutim (2007) se refere a desenvolvimento social, humano e sustentável, para a trans-
associado à plena participação de indivíduos e coletividades na gestão
formação de
do desenvolvimento local/territorial. Também advoga que a educação e
mentalidades,
os processos educativos são de fundamental importância para a trans-
permitindo o
formação de mentalidades, permitindo o exercício pleno da cidadania
na construção coletiva do desenvolvimento local sustentável. O autor exercício pleno
entende que a educação da cidadania
na construção
[...] pode ser utilizada como meio estratégico de desenvolvimento social coletiva do de-
e instrumento da Gestão para o Desenvolvimento Local Sustentável. Ou senvolvimento
seja, deve-se analisar a educação como vetor de desenvolvimento, visto local sustentá-
que a sociedade contemporânea se estrutura em função da educação, vel
do conhecimento e das tecnologias. (MUTIM, 2007, p. 115).

Saviani (2008, p. 322) afirma que “[...] se quisermos, de fato, promover


o desenvolvimento do Brasil, obviamente, a partir de suas bases
econômicas, é preciso definir o fator estratégico a partir do qual todas
as energias da nação serão mobilizadas”. Ele completa dizendo que,
se vivemos na sociedade do conhecimento, sem a educação formal,
essa sociedade não avança no sentido de combate à exclusão social. A
educação deve ser esse fator estratégico de desenvolvimento do país,
criando o “círculo virtuoso do desenvolvimento”.

A seguir, aborda-se a política de desenvolvimento territorial do estado


da Bahia e o TIES. Em seguida, serão explorados alguns aspectos
dos planos de educação dos municípios que compõem o território na
perspectiva das implicações para o seu desenvolvimento.

O TERRITÓRIO DE IDENTIDADE EXTREMO SUL E OS PLANOS


MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO

No Brasil e na Bahia, muitos indicadores apontam as disparidades ter-


ritoriais das políticas educacionais. Daí a necessidade de uma politica
territorial cujos pilares sejam a redução das desigualdades regionais e o
desenvolvimento do território. Nessa perspectiva, discute-se a política
de desenvolvimento territorial na Bahia, que, a partir de 2007, dividiu o
espaço do estado em territórios de identidade (TI), de forma que, atu-
almente, os 417 municípios baianos estão agrupados em 27 territórios.
Assim, território de identidade é conceituado como Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.26-46, jan.-jun. 2018
37
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

[...] a unidade de planejamento de políticas públicas do Estado da


Bahia, constituído por agrupamentos identitários municipais, geral-
mente contíguos, formado de acordo com critérios sociais, culturais,
econômicos e geográficos, reconhecido pela sua população como
o espaço historicamente construído ao qual pertencem, com iden-
tidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial.
(BAHIA, 2014).

O TIES é composto por 13 municípios: Alcobaça, Caravelas, Ibirapuã, Ita-


maraju, Itanhém, Jucuruçu, Lajedão, Medeiros Neto, Mucuri, Nova Viçosa,
Prado, Teixeira de Freitas e Vereda. Ocupa uma área de 18.514,33 km2, cujos
limites são: ao norte, o território de identidade Costa do Descobrimento; ao
sul, o estado do Espírito Santo; a oeste, o estado de Minas Gerais; e a leste, o
Oceano Atlântico.

Figura 1
Território de Identidade Extremo Sul

Fonte: Brasil (2018a).

O TIES abriga uma população de 464.163 habitantes (INSTITU-


TO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017b). A maio-
ria da população reside em área urbana (76,7%), sendo que o grau
de urbanização é superior ao do estado, que era de 72,1% em 2010
(SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA
BAHIA, 2015). O documento Perfil dos Territórios de Identidade da
Bahia descreve:

Bahia anál. dados,


38 salvador, v. 28, n. 1,
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Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

Mesmo estando geograficamente afastado da capital do estado, bem Além do alto


como de outros centros dinâmicos baianos, o TI Extremo Sul tem apre- poder poluidor,
sentado um desempenho econômico considerável frente a outros ter- a produção de
ritórios. A produção agrícola de cana-de-açúcar e café e a atividade celulose preo-
industrial de papel e celulose têm conferido dinamismo diferenciado a cupa do ponto
essa região. Entretanto, o maior impulsionador à rotação da atividade
de vista am-
econômica no TI é a BR-101. Inaugurada no final dos anos 1960, a rodo-
biental e social
via federal que liga o Nordeste do país à Região Sul, margeando o litoral
brasileiro, trouxe vitalidade à região, possibilitando o seu desenvolvi-
mento. (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
DA BAHIA, 2015).

A base da economia é a agropecuária e a produção de celulose. O turis-


mo também ocupa lugar de destaque. Conforme relatado no PTDRSS,
no estado da Bahia, o Extremo Sul figura na segunda posição em relação
à atratividade para investimentos, e nele está concentrada a produção
de celulose do estado. No entanto, “[...] o sistema silvicultor integrado
do Extremo Sul tem se revelado competitivo economicamente, apesar
de excludente do ponto de vista social” (BAHIA, 2016, p. 9). Além do
alto poder poluidor, a produção de celulose preocupa do ponto de vista
ambiental e social. A monocultura do eucalipto provoca desemprego ao
substituir a produção agrícola e pecuária. Grande contingente da popu-
lação rural migra para os centros urbanos, sem recursos para a própria
subsistência, com reflexos diretos no aumento da violência.

De acordo com o Atlas da Violência (CERQUEIRA et al., 2017), dentre


as dez cidades mais violentas do país com mais de 100 mil habitantes,
Teixeira de Freitas figura em sétimo lugar. Os dados, apesar de ques-
tionados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia em relação à
metodologia da pesquisa, apontam para uma realidade que enseja aten-
ção dos governos na implantação de políticas públicas que ataquem
diretamente o problema.

Teixeira de Freitas é o município mais populoso e de maior destaque do


TIES, com população estimada em 2017 em 161.690 pessoas (INSTITU-
TO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017a), ocupando a
décima posição no estado da Bahia em termos populacionais. Tal des-
taque é “[...] devido ao favorecimento logístico propiciado pela BR-101,
à equidistância entre as demais sedes e ao dinamismo do setor de co-
mércio e serviços. Os outros municípios têm papel preponderante no
setor industrial e na agropecuária” (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS
ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2015). No quadro abaixo consta a
população de cada município, sendo que quatro deles possuem menos
de dez mil habitantes.
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Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

Tabela 1
Dados populacionais dos municípios do Território de Identidade Extremo Sul – Bahia
Município População (em pessoas)

Alcobaça 23.376
Caravelas 22.740
Ibirapuã 8.852
Itamaraju 67.356
Itanhém 20.501
Jucuruçu 9.924
Lajedão 4.068
Medeiros Neto 23.586
Mucuri 42.072
Nova Viçosa 44.052
Prado 29.326
Teixeira de Freitas 161.690
Vereda 6.620
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017b). Elaborada pela autora.

A distância da capital do estado e a proximidade com Minas Gerais e


Espírito Santo conferem a esse território características peculiares no
que diz respeito à cultura, bem distinta da do sertão e da capital baiana.
Outros aspectos merecem destaque em relação ao TIES. No entanto,
nos limites deste trabalho, os dados mencionados são suficientes para
situar a discussão sobre os planos municipais de educação e o desen-
volvimento do território.

O debate acerca de políticas públicas, desenvolvimento e território co-


loca enormes desafios analíticos, teóricos e políticos para compreensão
das estratégias adotadas para redução das desigualdades econômicas,
educacionais e outras. No caso da educação, os planos municipais são
fundamentais para contemplar as demandas do território, em consonân-
cia com o PNE e o PEE.

Para elaboração ou adequação dos planos estaduais, distrital e munici-


pais de educação, em consonância com o texto nacional, o MEC atuou
em conjunto com o Conselho Nacional de Secretários de Educação
(Consed) e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educa-
ção (Undime), criando uma rede de assistência técnica que orientou as
comissões coordenadoras locais em todo o país. Dessa forma, todos os
municípios do TIES têm seus PMEs aprovados, conforme se observa no
quadro abaixo.

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Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

Tabela 2
Planos de educação dos municípios do Território de Identidade Extremo Sul – Bahia
Município Lei no Data de aprovação

Alcobaça 756 23/6/2015


Caravelas 410 23/6/2015
Ibirapuã 436 29/9/2015
Itamaraju 912 22/6/2015
Itanhém 160 26/6/2015
Jucuruçu 356 22/6/2015
Lajedão 454 18/4/2016
Medeiros Neto 419 7/7/2015
Mucuri 704 24/6/2015
Nova Viçosa 404 22/6/2015
Prado 392 16/6/2015
Teixeira de Freitas 892 19/6/2015
Vereda 220 22/6/2015
Fonte: Brasil (2018b). Elaborada pela autora.

Pode-se observar que, dos 13 municípios que compõem o TIES, dez


aprovaram seus planos municipais dentro do prazo estabelecido pelo
PNE 13005/2014, dois, em meses subsequentes de 2015, e apenas Laje-
dão aprovou em abril de 2016.

A corrida para cumprimento do prazo estabelecido pela lei federal pode


ter comprometido a qualidade da participação e da produção do docu-
mento final dos planos municipais. A maioria, porém, registra a partici-
pação de vários atores na elaboração dos PMEs, compondo os grupos
colaborativos e as comissões representativas.

Acerca da estrutura predominante, os PMEs dos municípios do TIES ge-


ralmente exibem o texto da lei para depois apresentarem o plano, divi-
dido em duas grandes seções: a primeira expõe a análise situacional do
município e da educação, ou seja, descreve o município em seus vários
aspectos – geográficos, históricos, culturais e outros –, além de trazer
o diagnóstico da educação municipal; a segunda seção apresenta as
diretrizes, metas e estratégias do PME e discute seu acompanhamento
e avaliação.

Tal estrutura não corresponde à do Plano Nacional de Educação


13005/2014 nem à do Plano Estadual de Educação 13.559 (BAHIA,
2016), que traz o texto da lei aprovando o plano e mencionando no
Artigo 3º as metas e estratégias que constam no anexo único da lei. No
caso dos PMEs dos municípios do TIES, o anexo não é nomeado como
tal e, além das metas e estratégias, consta o diagnóstico. Tal estrutura
remete à do PNE anterior, Lei 10172/2001, que traz em seu texto, para
cada etapa ou modalidade de ensino, o diagnóstico, as diretrizes, os
objetivos e as metas.
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Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

Avalia-se como Avalia-se como extremamente importante figurar a análise situacional


extremamente do município e da educação, uma vez que a maioria dos municípios não
importante fi- possuía plano de educação ou, quando possuía, ele estava com dados
gurar a análise defasados, questionáveis ou simplesmente não os apresentava. No en-
situacional do tanto, seria muito importante manter a estrutura do plano nacional e do
estadual, pois a não menção de que as metas e estratégias são anexas
município e da
à lei que aprova o plano, do ponto de vista legal, pode implicar a não
educação
obrigatoriedade do seu cumprimento.

Tal estrutura, por figurar em todos os planos municipais do TIES, prova-


velmente foi proveniente da orientação da rede de assistência técnica
instituída pelo MEC/SASE, em parceria com a Secretaria da Educação
da Bahia, Consed e Undime, para elaboração dos planos.

Quanto às diretrizes, metas e estratégias, os PMEs de 12 municípios do


TIES têm um alinhamento ao PNE e ao PEE vigentes, apresentando dez
diretrizes e 20 metas, com as estratégias correspondentes, todas muito
relevantes para o desenvolvimento do território. A exceção, quanto ao
padrão estrutural, é o PME do município de Prado, que reúne as me-
tas e estratégias em 12 grupos: Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Ensino Médio, Educação Especial, Política de Alfabetização, Qualidade
da Educação Básica, EJA, Educação do Campo, Educação Indígena,
Educação Profissional de Nível Médio, Educação Superior, Valorização
dos Profissionais da Educação, Gestão Democrática do Ensino Público
e Recursos Financeiros para a Educação no Município. É uma estru-
tura bem divergente daquela do PNE e do PEE e, muitas vezes, con-
funde estratégia com meta e meta com estratégia. Tal PME apresen-
ta 122 metas – em vez de 20 –, descritas de forma não sequenciada,
e inúmeras estratégias.

Como o ponto de partida para a construção dos PMEs foi o diagnóstico


da realidade do município e da educação municipal, buscou-se analisar
se, no texto do PME, o município está devidamente situado no TIES,
compondo com os demais um todo com características, potencialida-
des e fragilidades comuns. Tal análise permite visualizar se o PME está
sendo considerado como instrumento do planejamento do desenvolvi-
mento territorial que vai além do município. Devido ao PME de Itamaraju
ter sido publicado parcialmente, não está incluso na análise em pauta.

A pesquisa com a busca dos termos “território de identidade” e “desen-


volvimento territorial” localizou apenas no PME de Teixeira de Freitas
a menção do plano como instrumento de planejamento do desenvolvi-
mento territorial, situando o município no território de identidade Extre-
mo Sul. Tendo em conta a política de desenvolvimento territorial vigente
Bahia anál. dados, durante a construção dos PMEs, a não menção dos termos no texto dos
42 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018 planos revela alheamento à política.
Cecilia Maria Mourão Carvalho, Avelar Luiz Bastos Mutim Artigos

A identificação dos termos “Extremo Sul” e “desenvolvimento regional” Ainda há um


revelou outro cenário. Em relação à localização do município na região caminho a
do Extremo Sul baiano, apenas dois municípios não o fizeram. No to- percorrer para
cante ao termo “desenvolvimento regional”, foi citado em três planos. viabilizar a
A educação como fator estratégico do desenvolvimento é ignorada em política de de-
grande parte dos planos. senvolvimento
territorial
CONCLUSÃO

Esse trabalho se propôs a discutir os planos municipais de educação


como instrumentos da gestão municipal da educação e suas possíveis
contribuições ao desenvolvimento do território. A análise da territoria-
lidade e desenvolvimento nos planos municipais de educação dos mu-
nicípios que compõem o TIES revela a ausência desses conceitos nos
textos dos planos. Entende-se que, por contemplar as demandas das
populações locais, os planos não poderiam ficar circunscritos às ações
dos governos municipais, pois, apesar das fronteiras territoriais que li-
mitam a atuação do gestor municipal, a dinâmica de vida dos cidadãos,
na maioria das vezes, não fica reduzida a estas demarcações.

Com os PMEs em vigor, embora sem lucidez na relação com a territo-


rialidade e o desenvolvimento social do território, a tarefa constituída é
seu monitoramento e avaliação, pois o alcance das metas, inevitalmen-
te, vai reverberar no desenvolvimento do território. No caso do TIES,
os municípios que o compõem têm a possibilidade de unir forças para,
colaborativamente, fortalecer a implementação de estratégias por meio
de parcerias que contemplem ações e programas realizados por um
conjunto de municípios do território.

Essa perspectiva do trabalho em rede, a partir de arranjos educacionais


ou outra estratégia, sugere futuras pesquisas que explorem a exequi-
bilidade dessas dinâmicas, através da troca de experiências e solução
conjunta de dificuldades, para o desenvolvimento social do território.

A partir dos PMEs analisados, conclui-se que ainda há um caminho a


percorrer para viabilizar a política de desenvolvimento territorial, com a
inquestionável contribuição da educação e a consequente redução das
desigualdades e melhoria da qualidade de vida da população.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
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43
Artigos Planos municipais de educação no território de identidade extremo sul: contribuições ao desenvolvimento territorial

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Bahia anál. dados, Recebido em 21 de maio de 2018 e


46 salvador, v. 28, n. 1,
p.26-46, jan.-jun. 2018 aprovado em 28 de julho de 2018.
Resumo

O presente trabalho objetiva analisar os processos formativos do professor


do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos, e está
relacionado a uma investigação realizada no Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGED/UESB), em Vitória da Conquista-Bahia. Para o enfrenta-
mento metodológico do presente estudo, foi utilizado um instrumento de pro-
dução de informações, denominado de “conversas maiêutico-provocativas”,
buscando como base inicial a segunda parte do método socrático, chamada
de maiêutica (FELIPE, 2017). Nesse estudo foi possível compreender que a
garantia de um itinerário formativo de qualidade e que favoreça o sucesso
dos alunos envolve muitos aspectos complexos e complementares do pro-
cesso de escolarização, dentre eles, a formação docente. Compreende-se a
formação inicial como pré-requisito para o ingresso na carreira e a formação
continuada como processo que ocorre ao longo da carreira e da vida. Apesar
de ser visto por muitos apenas como um estágio de aperfeiçoamento para o
exame vestibular, o ensino médio tem como objetivo maior a formação geral
do aluno e sua preparação para o trabalho e para a cidadania. Constata-se
que o tema voltado para a formação do professor do ensino médio apresen-
ta pouquíssimas produções acadêmicas, fato que aponta para uma ausên-
cia. Isso foi observado também no campo de pesquisa, durante as conversas
maiêutico-provocativas estabelecidas com docentes, uma vez que a forma-
ção ofertada pelo estado não se dá no nível esperado, e, na trajetória de for-
mação dos professores, tem prevalecido a busca individual pela qualificação.
Palavras-chave: Processos formativos. Sucesso escolar. Ensino médio.

Abstract

The present work aims to analyze the formative processes of the teacher
of High School and its contribution to the school success of the students.
It is linked to an investigation carried out in the Post-Graduation Program
in Education (PPGED/UESB) - Vitória da Conquista - Bahia. For the
methodological confrontation of the present study, we used an instrument of
information production, which we call “maieutic-provocative conversations”,
seeking as an initial basis the second part of the Socratic Method, called
Maieutic (FELIPE, 2017). In this study, it was possible to understand that the
guarantee of a formative itinerary of quality and that favors the success of the
students involves many complex and complementary aspects of the schooling
process, among them, the teacher training. We understand initial training as
a prerequisite for career entry and continuing education as a process that
occurs throughout one’s career and life. Despite being seen by many as just an
improvement stage for college entrance examination, high school education
has as its main goal the general education of the student and his preparation
for work and citizenship. We found that the theme focused on the formation
of the high school teacher presents very few academic productions, a fact that
points to an absence. This absence was also observed in the field of research
during the maieutic-provocative conversations that were established with
the teachers, since the training offered by the State has not occurred at the
expected level and that in the trajectory of teacher training has prevailed an
individual search by qualification.
Keywords: Formative processes. School success. High school.
Artigos

Processos formativos do
professor do ensino médio
e sua contribuição para o
sucesso escolar dos alunos
F R A N C I S CO F L ÁV I O A LV E S F E L I P E O PROCESSO de formação de professores
Mestre em Educação pela Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) se insere numa perspectiva que assegura
e doutorando em Educação pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro
a educação como direito, afirma a escola
(UFRJ). Docente da Universidade do pública como espaço desse direito, considera
Estado da Bahia (Uneb) – Caetité.
[email protected] o educador e o educando como sujeitos
centrais do processo pedagógico e almeja a
efetivação de uma educação de qualidade
social. Concebe-se a formação docente como
um mecanismo importante no que tange à
permanência dos estudantes na escola com
dignidade, pois eles projetam uma trajetória
escolar mais significativa quando percebem e
reconhecem que estão aprendendo e que os
seus direitos estão sendo respeitados.

Este estudo tem como questão central


a preocupação em torno dos processos
formativos do professor do ensino médio e
sua contribuição para o sucesso escolar dos
alunos. Toma-se a noção de formação como
um ato contínuo desencadeado na formação
inicial e que se prolonga por todo o período
de exercício docente, através da formação
continuada. Entende-se que a formação
inicial articula-se com a formação
continuada, num movimento que envolve
todas as licenciaturas.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.48-66, jan.-jun. 2018
49
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

O conhecimen- No presente trabalho, compreende-se a formação inicial como


to novo é gesta- pré-requisito para o ingresso na carreira, e a formação continuada como
do sempre num processo que ocorre ao longo da carreira e da vida, principalmente arti-
processo de culada ao contexto de atuação profissional, num movimento de conhe-
interação com o cimento dos diversos fatores que interferem na docência.
conhecimento
Do ponto de vista da organização metodológica, este estudo tem
instituído
duas referências fundantes. Primeiramente, pauta-se na epistemologia
qualitativa, na perspectiva proposta por González Rey (2015), para quem
o processo de construção da informação representa o momento mais
difícil na realização da pesquisa qualitativa. Depois, também fundamenta
esta pesquisa um dispositivo da epistemologia qualitativa elaborado
por Nunes (2011) e denominado de “conversas interativo-provocativas”.
A partir dessas duas referências, articula-se para enfrentamento
metodológico do presente estudo a realização de instrumento de
produção de informações, o qual denominamos de “conversas
maiêutico-provocativas”, buscando como base inicial a segunda parte
do método socrático, denominada de maiêutica.

Em outras palavras, tomando como referência teórico-metodológica a


epistemologia qualitativa de González Rey e as conversas interativo-
provocativas de Nunes, desenvolveu-se a pesquisa. Utilizou-se um
instrumento investigativo pelo qual se buscou produzir dados e
informações acerca do objeto de estudo, ou seja, o processo de
formação do professor do ensino médio e o sucesso escolar do aluno.

O referido instrumento de pesquisa denomina-se conversas maiêutico-


provocativas. Ressalta-se que o conhecimento novo é gestado sempre
num processo de interação com o conhecimento instituído. Sabe-se que,
em pesquisa acadêmico-científica, o saber novo gera-se em comunhão
como saber “velho”.

Baseado na maiêutica socrática, o instrumento delineado para


esta pesquisa pretendeu ajudar o pesquisador e os participantes a
desentranhar o que têm no espírito, distinguindo-se se o que a nossa
alma venha a parir é uma quimera ou uma realidade. É dessa forma que
se pensa ser possível perscrutar o processo de formação do professor do
ensino médio e a sua contribuição para o sucesso escolar do aluno, que
constitui o cerne da investigação acadêmico-científica que se realiza.

As “conversas maiêutico-provocativas”, portanto, tomam os pressupostos


desenvolvidos por Gonzalez Rey (2015) e retomados por Nunes (2011)
de que as informações resultantes do processo de pesquisa (ou seus
achados) são fruto de elementos centrais: a provocação para que a
Bahia anál. dados, informação se produza e a interação entre pesquisador e pesquisado
50 salvador, v. 28, n. 1,
p.48-66, jan.-jun. 2018 como propulsora dessa provocação. Nesse sentido, nas conversas
Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

maiêutico-provocativas, como instrumento do presente estudo, foi A formação


utilizado um roteiro de questões que, tal como na maiêutica socrática, inicial é deseja-
provocou os participantes a construírem as informações empíricas aqui da como pré-
apresentadas e analisadas. -requisito para
o ingresso na
carreira
A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES

A garantia de um itinerário formativo de qualidade e que favoreça o


sucesso dos alunos envolve muitos aspectos complexos e complemen-
tares do processo de escolarização, dentre eles, a formação docente.
Essa perspectiva é corroborada na apresentação da Revista da Faeeba
(2003), ao afirmar que o tema formação do educador engloba uma
ampla variedade de aspectos. Em seu estudo, Tezani (2003) considera
que o sucesso escolar encontra, na formação de professores, um dos ca-
minhos possíveis na construção de uma educação escolar de qualidade.

A Constituição federal de 1988 estabeleceu um conjunto de princípios


no Capítulo da Educação, destacando-se a gratuidade no ensino pú-
blico em todos os níveis, a gestão democrática da escola pública, a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na educação uni-
versitária, a autonomia das universidades e a formação de professores,
entre outros (BRASIL, 1988).

Na concepção de Dourado (2013), a formação inicial é desejada como


pré-requisito para o ingresso na carreira, e a formação continuada é
vista como estratégia para a melhoria permanente da qualidade da edu-
cação, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática edu-
cacional e a busca do aperfeiçoamento técnico, ético e político, que não
se restringe a esta prática.

Vista dessa forma, a formação continuada insere-se como uma das es-
tratégias para a valorização profissional, devendo contar com o apoio
técnico e financeiro do MEC e ser assumida pelas respectivas secretarias
de Educação e implementada pelas instituições de ensino superior.

A educação continuada pode contribuir pedagogicamente para o de-


senvolvimento pessoal e profissional dos educadores, produzindo mu-
danças no seu fazer pedagógico. A ideia de formação permanente não
é recente. De acordo com Gadotti (1992, p. 56), “[...] seria preciso re-
montar a 600 anos a.C., mais exatamente a Lao-Tsé, para quem todo
estudo é interminável.”

Para Sampaio (2002, p. 23), “[...] apesar de sujeitos do cotidiano esco-


lar – alvo e sede das reformas educacionais – os professores continuam Bahia anál. dados,
apenas sendo objetos delas, quando não réus, quando a eles é atribuído
Salvador, v. 28, n.1,
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51
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

A educação o fracasso das medidas reformadoras”. Esse processo de culpabilização


deve privilegiar e marginalização do professor pelo fracasso escolar é reforçado não
o ser humano, a apenas pelos governos, mas também pela academia.
sua valorização,
a sua grande Nesse sentido, o reconhecimento e o respeito pela “voz do professor” é
pressuposto indiscutível em qualquer tentativa de transformar a escola
capacidade de
(GIROUX, 1997 apud SAMPAIO, 2002, p. 21). Mais do que isso, é con-
pensar, criar e
dição sine qua non para que essa transformação ocorra, pois o “fazer
recriar o co-
pedagógico” só pode ser alterado se o professor não negar o seu papel
nhecimento e proceder a uma releitura dos fundamentos e do saber que dialogam
com a sua prática.

A educação deve privilegiar o ser humano, a sua valorização, a sua gran-


de capacidade de pensar, criar e recriar o conhecimento como forma de
se fortalecer contra a exclusão social e a diminuição da pessoa humana.
Diante disso, Souza (2003) enfatiza que é necessário que os professo-
res em processo de formação e no exercício profissional tenham uma
formação teórica sólida e que sejam capazes de entender o cotidiano
da escola e da sala de aula.

Nesta perspectiva, quando a qualidade da intervenção do educador não


se altera, o esforço de formação não foi útil, a não ser como elemento
indicativo de que o processo de formação precisa ser repensado, uma
vez que “[...] o objetivo da formação é melhorar a qualidade da inter-
venção do educador, não apenas o seu discurso” (BARRETO; BARRE-
TO, 2005). A ação formativa é importante, pois, na visão de Gadotti e
Romão (2005), é através dos saberes adquiridos nas relações histori-
camente determinadas que o educador constitui a sua identidade e os
referenciais que apoiam o seu fazer educativo.

No percurso de constituição da identidade e de referenciais que ali-


cerçam a fazer educativo, a formação permanente dos professores se
caracteriza como o momento fundamental de reflexão sobre a prática,
pois é pensando criticamente que se pode melhorar a próxima práti-
ca (FREIRE, 1996b, p. 39). O autor referenciado insiste também que o
“pensar certo”, condizente com uma prática docente crítica, envolve um
“movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.

O ato de formação do educador implica criar condições para que o


sujeito se prepare filosófica e cientificamente e de forma efetiva para
o tipo de ação que vai exercer. Além disso, o educador nunca estará
definitivamente “pronto”, formado, uma vez que a sua preparação, a
sua maturação se faz no dia a dia, através da meditação teórica sobre
a prática, sendo que a sua constante atualização ocorre pela reflexão
Bahia anál. dados, sobre os dados da prática, afirma Luckesi (2010, p. 28-29).
52 salvador, v. 28, n. 1,
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Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

Entende-se que é através do ato de ensino que o professor se defronta O trabalho


com as verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, concretos que pre- docente car-
cisa superar, e nessa situação ele aprende. Nesse sentido, Pinto (2005) rega consigo
afirma que a condição para o constante aperfeiçoamento do educador algumas neces-
não é somente a sensibilidade aos estímulos intelectuais, mas, sobre- sidades básicas
tudo, a consciência de sua natureza inconclusa como sabedor. Gadotti e permanentes,
(2001b), confirmando a ideia anterior, compreende que o caminho que o
sendo que uma
professor escolheu para aprender foi ensinar, sem renunciar ao risco de
delas é a forma-
apontar um caminho. É por tudo isso que Arroyo (2004) é enfático ao
ção continuada
afirmar que o trabalho docente carrega consigo algumas necessidades
básicas e permanentes, sendo que uma delas é a formação continuada e/ou permanente
e/ou permanente.

O destaque da formação docente no debate político-pedagógico é


também confirmado por Macedo (2003), entendendo que a identidade
profissional de uma categoria é definida, entre outros fatores, pela exis-
tência de formação inicial e continuada específica.

Acredita-se, assim como Weisz (2003), que o professor, na atualidade,


deve ser capaz de criar ou adaptar boas situações de aprendizagem,
adequadas a alunos nas situações e níveis formativos reais em que eles
se encontram. Os percursos de aprendizagem precisam ser conhecidos
pelo docente, posto que a função precípua do ensino não é a mera
transmissão do saber, mas uma cultura que possibilite uma melhor com-
preensão da nossa condição, ajudando-nos a viver, além de favorecer
um modo de pensar aberto e livre (MORIN, 2010).

No trabalho desenvolvido por Santos e Terrazan (2007), as discussões


sobre o processo de formação de professores focam tanto a necessi-
dade de mudanças nos cursos de formação inicial, que devem buscar
uma maior aproximação entre a formação teórica e a prática, como a
necessidade de os sistemas de ensino oportunizarem aos professores,
já em exercício da profissão, a continuidade da sua formação, vinculada
aos espaços de trabalho. Nessa linha de pensamento, Santos (2003)
aponta que as iniciativas de aprimoramento docente quase sempre par-
tem do pressuposto de que boa parte dos professores necessita superar
lacunas em sua formação, tanto do ponto de vista conceitual como do
metodológico. Por isso se investe na estruturação de atividades que
enfatizam um determinado referencial teórico ou mesmo a mistura de
diferentes correntes teóricas.

A formação de professores pensada a partir da ótica da diferença pode


ser compreendida sob a máxima grega: “Converte-te no que tu és”
(FELDENS; BORGES; 2010). “Converter-se no que se é, é buscar expan-
dir as singularidades e as diferenças que produzem a vida docente. Sig- Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
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53
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

Aprender não nifica vencer-se, superar-se, ‘ir além de si’, subir sob sua própria cabeça”
significa re- (FELDENS; BORGES; 2010, p. 2). Para que se consiga se constituir como
petir, tornar- um professor, tem-se que ir além das formações didáticas e teóricas. É
-se discípulo preciso caçar-se a si mesmo.
do outro, mas
Tome-se aqui, ao menos parcialmente, as contribuições da filosofia da
encontrar sua
diferença tal como proposta por Feldens e Borges (2010), que convida
própria forma
a privilegiar a mobilidade do que acontece no dia a dia como constan-
depois da expe-
tes aprendizes. Segundo essa visão, assim como na vida, a diferença
riência obtida e vem inquietar, instigar a misturar com o desconhecido, com o não sa-
vivenciada bido, com o não vivido ainda, para que, assim, se possa produzir algo
novo, singular, nossa diferença, “acima de nossas próprias cabeças”.
Coadunando-se com essa visão, Hardt (2006) afirma que aprender não
significa repetir, tornar-se discípulo do outro, mas encontrar sua própria
forma depois da experiência obtida e vivenciada.

Continuando a reflexão acerca da formação de professores, remete-se


aos trabalhos de Nunes e Monteiro (2006) e Duarte (2012). Aqui se tem a
afirmação de que há uma diversidade de termos usados como sinônimo
de formação continuada, como treinamento, capacitação, reciclagem,
cujo significado expressa diferentes práticas formativas. Em seu estudo,
Nunes e Monteiro (2006) partem da ideia de desenvolvimento profis-
sional e chegam ao conceito de desenvolvimento docente, considerado
mais amplo do que o anterior, por se referir a um processo na trajetória
do professor que integra elementos pessoais, profissionais e sociais na
sua constituição como profissional autônomo, reflexivo, crítico e cola-
borador. Em consonância com essas autoras, optou-se pela expressão
formação continuada, porque mantém a ideia de permanência, amplitu-
de e se insere como elemento de desenvolvimento profissional.

A preocupação com a formação e o desenvolvimento contínuo de


professores tem sido cada vez mais intensa. Para atuar nas socieda-
des contemporâneas, que vêm passando por imensas transformações
econômicas, sociais, políticas, culturais, têm sido cada vez maiores as
exigências de qualificação. Aguiar (2006) explica que, nesse contex-
to, as demandas para com o professor se multiplicam. É possível ob-
servar que há uma necessidade de aprofundamento dos conhecimen-
tos para que o professor desenvolva seu papel social, uma vez que o
contexto social cobra desse profissional competência técnica, política
e teórica.

É perceptível que o professor só terá condições de contribuir para as


mudanças sociais se for capaz de integrar na sua formação e na sua
prática os determinantes sociopolíticos e técnicos que caracterizam a
Bahia anál. dados, sua atividade profissional.
54 salvador, v. 28, n. 1,
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Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

Tem-se a compreensão de que um professor motivado, com uma for- Deve-se pensar
mação sólida, com condições de trabalho adequadas e envolvido em a escola como
um processo de formação contínua que lhe forneça elementos para a um ambiente
constante melhoria de sua prática, é o elemento mais importante para a educativo, no
educação de qualidade. Concordando com Aguiar (2009), deve-se pen- qual trabalhar
sar a escola como um ambiente educativo, no qual trabalhar e formar e formar não
não sejam atividades isoladas, mas articuladas e inovadoras.
sejam ativida-
des isoladas
A partir desse entendimento, a formação dos profissionais da educa-
ção, em especial a formação dos professores, tem lugar de destaque,
uma vez que em seus ombros recai parte da responsabilidade pelo su-
cesso ou fracasso escolar. Mas, infelizmente, esse destaque não vem
acompanhado do justo reconhecimento do papel que desempenham
nos processos de ensino-aprendizagem, como demonstram as precárias
condições em que se realiza a sua prática profissional em boa parte do
território nacional.

O ensino médio

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9394/1996 (LD-


BEN), promulgada no dia 20 de dezembro de 1996, no Título V, que
trata dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino, e no Capítulo
I, da Composição dos Níveis Escolares, estabelece em seu Art. 21 que a
educação básica é formada pela educação infantil, ensino fundamental
e ensino médio (BRASIL, 1996).

De acordo com o Capítulo II da citada lei, a educação básica tem por


finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores.

A LDBEN, no Art. 26, define que os currículos do ensino fundamental e


médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diver-
sificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e da clientela.

Na Seção IV, o ensino médio é definido como a etapa final da educação


básica, com duração mínima de três anos, tendo como finalidade:

I. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiri-


dos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.48-66, jan.-jun. 2018
55
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

O ensino médio II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,


ainda está em para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar
fase de expan- com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoa-
são no país mento posteriores;

III. o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo


a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e
do pensamento crítico;

IV. a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos pro-


cessos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino
de cada disciplina. (BRASIL, 1996).

O ensino médio ainda está em fase de expansão no país. A LDBEN pre-


via que, progressivamente, esse nível passasse a ser obrigatório, como
acontece com o ensino fundamental. Hoje, através da Emenda Constitu-
cional n° 59, de 11 de novembro de 2009, a educação básica passou a ser
obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive
sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na ida-
de própria. Esse nível de ensino é de prioridade dos estados, segundo
determina a LDBEN.

Apesar de ser visto por muitos apenas como um estágio de aperfei-


çoamento para o exame vestibular, o ensino médio tem como objetivo
maior a formação geral do aluno e sua preparação para o trabalho e
para a cidadania. Nesse sentido, ele pode ser ofertado em associação
com o ensino técnico, por meio de cursos que capacitem para o exercí-
cio de uma profissão específica, na educação profissional.

Uma característica marcante do sistema educacional brasileiro é a du-


alidade estrutural que, embora sofra metamorfoses, permanece inalte-
rada na história da educação brasileira e tem como ponto de origem a
própria cisão de classe existente na sociedade. Melo (2006) afirma que
a superação dessa dualidade estrutural é a utopia que ainda alimenta
muitos educadores. Analisando-se a história do ensino médio e a edu-
cação profissional no país, pode-se identificar a presença de avanços e
recuos em vários momentos.

O estudo de Guimarães (2005) destaca que, por um lado, apresentava-se


uma concepção pedagógica conservadora que propunha para o ensino
médio uma escolarização clássica. Já para o ensino técnico, esta corren-
te propunha a preparação vocacional para o trabalho, de forma instru-
mental e no ambiente do trabalho. Do outro lado, havia uma concepção
pedagógica vinculada a uma perspectiva dialética gramsciana, que de-
Bahia anál. dados, fendia prioritariamente a formação política das classes trabalhadoras,
56 salvador, v. 28, n. 1,
p.48-66, jan.-jun. 2018 insistindo numa educação que surgisse com a organização popular, com
Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

os projetos educativos dos cidadãos. Segundo Costa (2011), o ensino Faz-se ne-
médio no Brasil foi implantado com o intuito de preparar as elites para o cessária uma
ensino superior. Apresentando uma natureza propedêutica e uma oferta reflexão sobre
limitada, perdurou até 1930, quando se instala no país a necessidade a formação do
de impulsionar o desenvolvimento nacional e, com ela, a escolarização professor que
atrelada à profissionalização. atua neste nível
de ensino [ensi-
Marchand (2007), ao analisar a afirmação do direito ao ensino médio na
no médio]
legislação brasileira, desde o período imperial à atualidade, afirma que,
até a elaboração da Constituição de 1988, a legislação nacional omitiu a
afirmação desse direito ou ofereceu débeis garantias para tal afirmação,
delimitando sua elitização.

Nas investigações de Giovinazzo Jr. (2015), vê-se que as indefinições,


as ambiguidades, as incertezas e todos os outros termos empregados
para definir ou caracterizar o ensino médio possuem poucas chances de
serem solucionados. Isso porque se vislumbra mais o que deve aconte-
cer após a conclusão da etapa final da educação básica (continuidade
dos estudos no ensino superior ou entrada qualificada no mercado de
trabalho) do que aquilo que pode ocorrer no período de três ou quatro
anos que os jovens (entre 14-15 e 17-18 anos) passam na escola.

Este mesmo autor considera que ainda predomina no ensino médio a


ênfase na chamada formação intelectual, mesmo quando o objetivo é
capacitar tecnicamente os alunos, como é o caso da educação profissio-
nal. Analisando-se a reforma do ensino médio nos anos 1990, ressalta-se
que ela não mexeu com os mecanismos de seleção social do sistema de
ensino, que continua reproduzindo a separação entre dois grupos de
escola: aquelas para os pobres e aquelas para as classes médias.

Após esse breve retrospecto acerca do ensino médio, faz-se necessária


uma reflexão sobre a formação do professor que atua neste nível de
ensino [ensino médio]. Apesar do amplo debate que vem se desen-
volvendo nos últimos 20 anos sobre a formação de professores para o
ensino médio no Brasil, esta questão continua longe de ser enfrentada
adequadamente.

Entre as muitas divergências, há alguns aspectos sobre os quais existe


consenso: a escassez de professores, notadamente em algumas áreas
e regiões, a insuficiência e a inadequação das políticas e das propostas
para esta formação e seus severos impactos sobre a qualidade de ensi-
no (KUENZER, 2011). Segundo o autor já referenciado, alguns estudos
vêm apontando dificuldades em relação à formação de professores de
ensino médio de educação geral. O problema se agrava com a propo-
sição de Lei nº 11.741/2008, da modalidade que integra ensino médio e Bahia anál. dados,
educação profissional.
Salvador, v. 28, n.1,
p.48-66, jan.-jun. 2018
57
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

Acirram-se as A preocupação do referido trabalho se volta para a problemática da


discussões em determinação de necessidades formativas de professores que atuam no
torno da forma- ensino médio, considerando os novos projetos pedagógicos, que têm
ção e do nível como referência os parâmetros curriculares nacionais (PCN) para esse
de titulação nível de escolaridade.
desejado para
A partir do estudo dessas necessidades, podem ser pensados processos
o professor da
de formação continuada na perspectiva do desenvolvimento profissio-
escola básica
nal dos(as) professores(as), segundo as novas referências que norteiam
esse processo.

Castro (2007), ao fazer uma análise dos relatórios do Sistema de Ava-


liação da Educação Básica (SAEB), aponta para o baixo rendimento dos
alunos e denuncia o estado crítico do ensino fundamental brasileiro,
no qual grande número de alunos abandona a escola sem chegar a ser
alfabetizado ou avança nas séries da educação básica sem apresentar
o desempenho cognitivo esperado. Assim sendo, acirram-se as discus-
sões em torno da formação e do nível de titulação desejado para o
professor da escola básica.

No diz respeito aos processos formativos do professor do ensino mé-


dio, as informações construídas apontam para uma ausência. No mo-
mento em que se demandou um levantamento do tipo estado da arte,
constatou-se que o tema da formação do professor do ensino médio
apresentava pouquíssimas produções acadêmicas, fato que surpreen-
deu e, de certa forma, trouxe um nível de dificuldade no sentido de
melhor conceituar essa temática. Essa ausência foi constatada também
no campo de pesquisa, durante as conversas maiêutico-provocativas
estabelecidas com as docentes que aderiram à pesquisa.

Processos formativos e sua relação com o sucesso


ou fracasso escolar

Um quarto bloco de questões foi colocado em apreciação durante as


conversas maiêutico-provocativas realizadas com cinco docentes que,
por um sistema de adesão, resolveram colaborar com a presente pes-
quisa, que versa sobre o processo de formação do professor do ensino
médio e o sucesso escolar do aluno. Essas questões incidiram o seu
foco de reflexão em torno dos processos formativos e sua relação com
o sucesso ou fracasso escolar.1

1 As informações foram produzidas através das conversas maiêutico-provocativas realizadas


numa unidade escolar da rede estadual de educação da Bahia pertencente ao Núcleo Regional
Bahia anál. dados,
58 salvador, v. 28, n. 1,
p.48-66, jan.-jun. 2018
de Educação (NRE) 6 – Caetité, que abrange as escolas do território de identidade Sertão Produ-
tivo, no mês de setembro de 2016.
Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

De que forma os processos formativos contribuem para a sua atuação “O processo


frente ao sucesso ou fracasso escolar? Essa foi a indagação inicial para formativo do
que se continuasse a conversação. A professora Louise, de forma deci- professor é o
dida, afirmou: “O processo formativo do professor é o elemento primor- elemento pri-
dial para uma escola bem-sucedida. Afinal de contas, é o professor que mordial para
conduz, que faz a mediação” (informação verbal). uma escola bem-
-sucedida [...]”
Segundo ela, é preciso se interessar sempre pela aprendizagem do
aluno, preocupar-se sobre como fazer uma escola mais atrativa para o
aluno. Certamente, questões como essas podem ser pensadas nos mo-
mentos de formação docente. Levando-se em consideração o aporte
teórico de Charlot (2013), tem-se a clareza de que “não há formação
sem atividade intelectual”, sendo que a formação é a transmissão de um
patrimônio cultural e intelectual. Afinal de contas, humanizar-se é apren-
der pela atividade intelectual e receber um patrimônio cultural. Como
assegura a professora Rosa, “[...] a formação é crucial, é fundamental. A
ausência de qualificação e formação, ou uma formação inadequada, sig-
nifica a gota d’água para o fracasso escolar total” (informação verbal).

Diante do reconhecimento da importância do processo formativo, ela


disse que a formação ofertada pelo estado não foi no nível esperado e
que, na sua trajetória, tem prevalecido uma busca individual pela quali-
ficação. A professora Sarah não fez o curso de magistério, mas cursou
licenciatura em matemática. Ela afirma que, “[...] ao iniciar a atividade
docente, tinha conhecimento, mas não tinha didática e que, no processo
de tornar-se professora, a formação é importante” (informação verbal).

Ao começar a atuar em sala de aula, ela observava os colegas mais


experientes, procurava imitar os bons professores que teve na época
de graduação. Era preciso correr atrás, observar bastante os demais
professores, fazer muitas leituras, pesquisas que a ajudassem no ofí-
cio de professora. Ela pensa que é necessário inovar, buscar novos co-
nhecimentos para compartilhar com o aluno. Lembrou também que as
suas aulas de estágio na graduação foram significativas, pois traziam
situações reais que o graduando deveria solucionar. Na concepção da
professora Catarina, “[...] o processo formativo do professor e o sucesso
na escolarização são inseparáveis, à medida que melhora a atuação do-
cente, a sua didática, a sua metodologia e ajuda com mecanismos que
envolvam o aluno” (informação verbal).

Ela entende que na trajetória, no dia a dia do professor, existe pouco


tempo para que o docente se envolva com o estudo e a formação, uma
vez que o saber teórico é inseparável da prática educativa. Segundo
Catarina, “[...] a formação em serviço no ensino médio é muito pobre,
insuficiente e deixa muito a desejar” (informação verbal). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.48-66, jan.-jun. 2018
59
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

O curso de li- Mas como ela também atua no ensino fundamental, tem oportunidade
cenciatura não de participar de momentos formativos bastante significativos, que, de
vai fazer o pro- alguma forma, contribuem com o seu fazer pedagógico no ensino médio.
fessor aprender
os conteúdos Em sua compreensão, o estado tem proporcionado muito pouco em
termos de formação. Existem poucas vagas em cursos de mestrado e,
curriculares
além disso, quando o docente do ensino médio consegue ser aprovado
que vai ensinar
em algum programa, enfrenta muitas dificuldades para ser liberado da
sua atividade docente, ainda que, neste momento, esteja sendo opor-
tunizado o programa de formação continuada denominado Pacto pelo
Ensino Médio.

A professora Hannah também considera fundamental a formação do


professor, seja a inicial, seja a continuada. Ela é categórica ao afirmar
que o curso de licenciatura não vai fazer o professor aprender os con-
teúdos curriculares que vai ensinar. Na sua visão, “[...] a fundamentação
teórica contribui muito, e é no processo de formação, na licenciatura
que se consegue chegar num certo nível de fundamentação teórica”
(informação verbal).

Neste caso, a licenciatura pode suprir as carências de fundamentação


teórica do professor em formação. Outro aspecto por ela salientado
refere-se à preocupação em contextualizar, dar significado aos conteú-
dos, que ela considera relevante e que se aprende durante a licenciatura.
A professora Sarah segue dizendo que, “[...] nos cursos de licenciatura,
a gente reflete muito sobre esses aspectos” (informação verbal). Por
fim, reafirma que o conteúdo vai sendo sedimentado com a prática, no
caminho que se vai trilhando para ir, aos poucos, tornando-se professor.

Como sustenta a professora Louise, o seu processo de formação traduz-se


numa busca pessoal. Ela lembra que, quando a escola dispunha de re-
cursos, eram organizados cursos e palestras, e considera importante
uma formação que consiga unir teoria e prática, que propicie ao profes-
sor aprender a fazer fazendo, na prática. Ela alerta também que, se não
houver aceitação da formação, não adianta, e que muitos docentes re-
clamam de um processo formativo que continua muito teórico. E afirma
ainda que o professor quer aprender e quer coisas novas. Segundo essa
professora, a formação continuada muitas vezes apenas retoma temas
ou estudos que já foram tratados durante a formação inicial. Houve um
período em que a Secretaria da Educação do Estado da Bahia ofereceu
para os docentes do ensino médio uma formação para trabalhar com
o Programa de Enriquecimento Intelectual (PEI), que, segundo a pro-
fessora Hannah, contribuiu muito para a sua prática, embora tenha afir-
mado que preferia continuar ministrando as aulas de geografia. Como
Bahia anál. dados, assegura a professora, “[...] o PEI proporcionava que nós mudássemos a
60 salvador, v. 28, n. 1,
p.48-66, jan.-jun. 2018 nossa postura, tanto no plano pessoal, como profissional” (informação
Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

verbal). Ela mencionou a sua participação no Progestão, que foi uma Em vez de acu-
iniciativa de formação mais voltada para a gestão escolar, e também mular o saber,
citou o Programa Gestão da Aprendizagem (Gestar), que foi concebido é mais impor-
para o docente do ensino fundamental, mas que era franqueado para tante dispor
professores do ensino médio. de uma apti-
dão geral para
Pensando na questão específica do ensino médio, a docente Louise
colocar e tratar
aponta para uma formação no início do ano letivo, que consiga unir
os problemas
teoria e prática, como forma de fortalecer a atuação docente desde o
e princípios
começo das atividades letivas. Ela defende a implementação de uma
formação que prepare o docente para a era digital, que contribua com organizadores
um trabalho voltado para as tecnologias da informação e comunicação. que permitam
Ela também advoga uma formação que auxilie o professor a fazer dife- ligar os sabe-
rente, que ensine o professor a mudar. Ela pensa num processo formati- res, dando-lhes
vo que se possa aplicar, que favoreça a intervenção, sem desconsiderar sentido
o papel, a importância do saber teórico.

A professora Rosa, por sua vez, prega uma formação que contemple
aspectos mais voltados para o campo das humanidades, ou seja, que
possibilite ao aluno aprender a se posicionar, opinar, decidir, se colocar
como sujeito. Morin (2010, p. 17) ajuda nessa reflexão:

A cultura humanística é uma cultura genérica, que, pela via da filosofia,


do ensaio, do romance, alimenta a inteligência geral, enfrenta as gran-
des interrogações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e favore-
ce a integração pessoal dos conhecimentos.

Segundo a professora Rosa, o professor de hoje já está lidando melhor


com as tecnologias da informação e comunicação, com as mídias, novas
tecnologias. Nesse sentido, a formação docente pode prescindir desse
aspecto e inserir outras temáticas, outras questões, como a politização
do aluno, no sentido de que ele aprenda a se posicionar, formar a sua
própria opinião, fazer uma análise própria, juntar os dados para formar
a sua opinião, transformar a informação em conhecimento e, mais ainda,
posicionar-se frente à informação, não se pautando apenas por análises
alheias. Recorre-se novamente a Morin (2010) quando ele afirma que,
em vez de acumular o saber, é mais importante dispor de uma aptidão
geral para colocar e tratar os problemas e princípios organizadores que
permitam ligar os saberes, dando-lhes sentido.

Foi apontado pela professora Sarah que, numa formação direcionada


para o ensino médio de forma específica, devem prevalecer os aspec-
tos mais voltados para a psicologia do aluno desse nível de ensino. Ela
defende que essa formação oriente o trabalho interdisciplinar, uma
vez que existe uma tentativa de atuação nesse sentido, mas que não Bahia anál. dados,
logra êxito.
Salvador, v. 28, n.1,
p.48-66, jan.-jun. 2018
61
Artigos Processos formativos do professor do ensino médio e sua contribuição para o sucesso escolar dos alunos

O debate sobre De acordo com Crusoé (2009, p. 36), “[...] nesses termos, enquanto a
a interdisci- disciplinaridade se caracteriza pelo alto grau de especialização num
plinaridade determinado campo de estudo, a interdisciplinaridade propõe o dia-
não é novo, e logo fecundo entre os diversos campos do conhecimento”. Crusoé se-
a tentativa de gue dizendo que o debate sobre a interdisciplinaridade não é novo, e a
tentativa de implementá-la nas escolas de ensino fundamental e médio
implementá-la
teve início na década de 1970, através da legislação brasileira de ensino.
nas escolas de
ensino funda-
A docente Catarina, participante da pesquisa, pondera que é preciso
mental e médio compreender bem as bases de um trabalho docente interdisciplinar,
teve início na na teoria e na prática. A professora também entende que é necessá-
década de 1970 ria uma formação que contemple o ensino médio como etapa final da
educação básica, envolvendo questões curriculares, interdisciplinari-
dade, avaliação, aspectos metodológicos específicos de cada compo-
nente curricular, visto que, às vezes, sabe-se o conteúdo e não se sabe
como ensiná-lo.

Essa preocupação em relação à formação mais voltada para o ensino


médio também é compartilhada pela professora Hannah, ao afirmar que
“[...] estamos a passos lentos no que diz respeito a um trabalho educati-
vo de caráter interdisciplinar. Isso porque é muito complicado o diálogo
entre as áreas, as disciplinas, o trabalho conjunto” (informação verbal).

Ela deixa claro que se refere à prática interdisciplinar não porque


seja um discurso bonito ou que esteja na moda, mas porque se trata
de algo realmente necessário, que precisa de fato ser vivenciado na
prática docente.

A partir do estabelecimento de blocos de discussão voltados para a fina-


lidade social da escolarização, as condições de trabalho do professor e
a atuação didática, a concepção de um trabalho escolar bem-sucedido,
os processos formativos e o sucesso escolar, buscou-se refletir e ana-
lisar a temática geral deste capítulo, que apresenta como centralidade
o debate em torno do sucesso na escolarização, a relação com o saber
e a formação escolar. Os blocos de discussão se interligam, de forma
que as informações, as falas das docentes participantes da pesquisa e o
aporte teórico formam uma totalidade que oferece pistas importantes
na tentativa de compreender o processo de formação do professor do
ensino médio e o sucesso escolar do aluno.

CONCLUSÃO

No que diz respeito aos processos formativos do professor do ensino


Bahia anál. dados, médio, as informações construídas apontam para uma ausência. No
62 salvador, v. 28, n. 1,
p.48-66, jan.-jun. 2018 momento em que foi demandada a realização de um levantamento do
Francisco Flávio Alves Felipe Artigos

tipo estado da arte, constatou-se que o tema da formação do professor O processo


do ensino médio apresentava pouquíssimas produções acadêmicas, formativo do
fato que surpreendeu e, de certa forma, trouxe um nível de dificuldade no professor é
sentido de melhor conceituar essa temática. Essa ausência foi constatada o elemento
também no campo de pesquisa, durante as conversas maiêutico- primordial para
provocativas estabelecidas com docentes que aderiram à pesquisa. uma escola
bem-sucedida,
De acordo com as docentes, o processo formativo do professor é o
uma vez que é
elemento primordial para uma escola bem-sucedida, uma vez que é o
o professor que
professor que conduz, que faz a mediação entre os alunos e o saber. A
formação é crucial, é fundamental. A ausência de qualificação, de um conduz, que
processo de formação, ou uma formação inadequada, significa a gota faz a mediação
d’água para o fracasso escolar total. Há um grande reconhecimento entre os alunos
da importância do processo formativo por parte das docentes, mas a e o saber
formação ofertada pelo estado não tem ocorrido no nível esperado e,
na trajetória de formação dos professores, tem prevalecido uma busca
individual pela qualificação.

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Bahia anál. dados, Recebido em 16 de maio de 2018 e


66 salvador, v. 28, n. 1,
p.48-66, jan.-jun. 2018 aprovado em 19 de julho de 2018.
Resumo

Uma vez que o capital humano e as instituições têm se mostrado importantes


determinantes do crescimento econômico e do processo de convergência de
renda para outras regiões, tanto na literatura teórica quanto na empírica, este
trabalho tem como intuito testar a relação entre crescimento econômico, capital
humano e instituições para os municípios baianos no período 2000-2010. Em
uma primeira estimação, o modelo de crescimento foi testado utilizando-se
o método de mínimos quadrados ordinários (MQO), com diferentes
especificações e variáveis de controle. No modelo MQO, os resultados não
puderam validar a existência de relação entre capital humano e crescimento
econômico para os municípios do estado no período. Em uma segunda etapa
do exercício econométrico, o modelo de crescimento foi reestimado usando-se
regressões quantílicas, na tentativa de controlar eventuais heterogeneidades
da amostra. No modelo estimado com regressões quantílicas encontrou-se
evidência da relação positiva, estatisticamente significante, entre crescimento
econômico e escolaridade nos municípios dos quantis mais baixos de renda.
Assim, os resultados do trabalho, além de representarem uma contribuição
nova na literatura de crescimento econômico regional, também indicam um
desenho de políticas públicas educacionais mais localizadas, considerando-se
as evidências de relação mais forte entre capital humano e crescimento
naqueles municípios com renda per capita menor.
Palavras-chave: Crescimento econômico. Teoria do capital humano. Institui-
ções. Regressões quantílicas.

Abstract

As indicated by the literature, theoretical and empirical, human capital


and institutions play an important role in economic growth process. This
monograph aims to test the relationship between economic growth, human
capital and institutions for the Bahia municipalities in 2000-2010 periods. For
this purpose, an Ordinary Least Squares (OLS) model was estimated. The OLS
model outcomes cannot validate the existence of a relation between human
capital and economic growth for the Bahia municipalities in the period. For
other hand, using quantile regressions, to control for eventual heterogeneities
in the sample analyzed, there is evidence of a positive relationship between
economic growth and average years of schooling for the poorest municipalities.
Thus, the evidence found in the work, besides representing a new contribution
in the literature of regional economic growth, also indicate in the direction
of the design of more localized public educational policies, since there is
evidence of a stronger relation between human capital and growth In those
municipalities whose per capita income is lower.
Keywords: Economic growth. Human capital theory. Institutions. Quantum
regressions.
Artigos

Capital humano, instituições


e convergência de renda nos
municípios baianos: uma
abordagem de regressões
quantílicas para o período
de 2000 a 2010
I N G R I D D E J E S U S D UA R T E COMPREENDER O PROCESSO de crescimento
Graduada em Ciências Econômicas
pela Universidade Estadual de Santa e desenvolvimento dos países e também das
Cruz (UESC). [email protected]
regiões tem feito parte da agenda de pesquisa dos
C A R LO S E D UA R D O I WA I D R U M O N D
economistas desde os primórdios da profissão. É a
Doutor e mestre em Desenvolvimento
Econômico pela Universidade Federal partir do trabalho de Solow (1956), contudo, que a
do Paraná (UFPR). Professor adjunto
do Departamento de Economia e do análise empírica encontrou um framework padrão para
Mestrado em Economia Regional e
Políticas Públicas da Universidade testar a relação entre crescimento e diversas variáveis.
Estadual de Santa Cruz (UESC).
[email protected]

Em particular, fruto originalmente dos trabalhos de


Mincer (1958), Schultz (1964) e Becker (1964), a
literatura econômica passou a dar atenção à educação
como motriz do desenvolvimento econômico através
de incrementos, no que passou a ser classificado
como capital humano.

Mais recentemente, a partir do final dos anos 1980,


com os trabalhos de Lucas Jr. (1988), Romer (1990) e
Mankiw, Romer e Weil (1992), uma extensa literatura
passou a testar os modelos de crescimento incluindo
educação e capital humano como parte das explicações
para o crescimento econômico e para a convergência/
divergência de renda entre países e/ou regiões.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
69
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

Encontra-se Outro aspecto cada vez mais presente na literatura de crescimento eco-
evidência de nômico (tratado de diferentes maneiras) é a variável institucional, como
relação positiva pode ser visto em Aron (2000). Basicamente, a ideia por trás da litera-
entre cresci- tura institucionalista relacionada à teoria do crescimento econômico é
mento econô- que “regras do jogo” que criam os incentivos corretos podem gerar mais
mico e esco- inovação e acumulação de capital físico e humano, enquanto instituições
ruins podem ocasionar desincentivo para que as pessoas empreendam e
laridade para
acumulem tanto tecnologia quanto capital físico e humano.
os municípios
mais pobres
Várias são as evidências empíricas de que o capital humano e as insti-
tuições importam para o crescimento, tanto para dados cross-country
como para dados regionais. No Brasil, muitos trabalhos têm sido cons-
truídos para testar o modelo de crescimento neoclássico para dados mu-
nicipais, sobretudo usando o capital humano como variável de controle.
São exemplos de trabalhos dessa natureza Nakabashi e Felipe (2007),
Pereira (2004), Firme e Simão (2011, 2014), Barreto e Almeida (2008),
Teixeira e Silva (2008), Santana e Barreto (2016) e, mais recentemente,
Días e outros (2017).

No intuito de contribuir com essa literatura, o presente trabalho apresen-


ta o seguinte problema de pesquisa: qual a relação entre capital humano,
instituições e crescimento econômico no âmbito dos municípios baianos
no período entre 2000 e 2010?

Boa parte da literatura empírica recente, ligada à teoria do crescimento,


tem-se concentrado em estender o modelo de Solow incorporando as
contribuições do capital humano e das instituições para o crescimento
e a convergência de renda. No que diz respeito ao estado da Bahia,
aparentemente, existe uma lacuna na literatura no sentido de estudar
a relação entre crescimento, capital humano e instituições usando uma
metodologia que corrige fontes de viés para outsiders ou a metodologia
de regressões quantílicas. No modelo de mínimos quadrados ordinários
(MQO), embora se encontre evidência de que as instituições (medidas
por um índice de qualidade institucional) tenham impacto positivo e es-
tatisticamente significante sobre o crescimento econômico na amostra
populacional, para o capital humano/escolaridade, não há evidência de
relação positiva e significante de efeitos sobre o crescimento econômico.
Ao longo do trabalho, argumenta-se que o resultado obtido por MQO
pode estar relacionado com a heterogeneidade da amostra, de modo
que um modelo de regressões quantílicas foi usado para testar essa
hipótese.

Utilizando-se as regressões quantílicas, encontra-se evidência de rela-


ção positiva entre crescimento econômico e escolaridade para os mu-
Bahia anál. dados, nicípios mais pobres. Os resultados do trabalho, além de representarem
70 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 uma contribuição nova na literatura de crescimento econômico regional,
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

também indicam um desenho de políticas públicas educacionais mais O capital


localizadas, considerando-se as evidências de relação mais forte entre humano e as
capital humano e crescimento naqueles municípios com renda per ca- instituições são
pita menor. importantes
determinantes
Seguindo o sugerido pela literatura empírica, tanto cross-country quan- do crescimento
to para dados municipais de outras regiões, a hipótese neste trabalho é
econômico e
que o capital humano e as instituições são importantes determinantes
do processo de
do crescimento econômico e do processo de convergência de renda nos
convergência
municípios da Bahia.
de renda nos
municípios da
CAPITAL HUMANO E CRESCIMENTO ECONÔMICO Bahia

A partir dos trabalhos de Mincer (1958), Schultz (1964) e Becker (1964),


a noção de capital humano como diferenças nas habilidades da força
de trabalho especialmente oriundas da educação tornou-se parte do
vocabulário dos economistas.

Como apontam Viana e Lima (2010, p. 143), a educação, além de au-


mentar os rendimentos produtivos dos indivíduos na cadeia econômica,
também proporciona equidade e justiça social, dando-lhes iguais opor-
tunidades para a inserção no mercado de trabalho.

A teoria do capital humano surge por volta da década de 1960, como


resultado da “[...] preocupação de alguns economistas em descobrir os
custos e os rendimentos relativos às capacidades e às técnicas que se
tomam como fatores responsáveis pelo crescimento econômico [...]”
(PEREIRA, 1999, p. 29-30) e a “[...] correlação entre o investimento para
a formação das pessoas (trabalhadores) e a distribuição de renda pes-
soal” (VIANA; LIMA, 2010, p. 139).

Durante algum tempo, o progresso econômico tinha a sua análise vol-


tada, elementarmente, à mensuração de bens econômicos tangíveis ou
de valor financeiro, verificados em estruturas físicas. O conceito de ca-
pital era restrito aos patrimônios que apresentavam suas vantagens em
taxas de liquidez ou depreciação. Schultz (1973), ao valorar a educação
tratando-a como bem, exprime a limitação do tratamento dado à forma
de investimento e à análise do retorno proporcionado pelo aumento da
renda nacional.

Para Pereira (1999, p. 34), “[...] a distinção entre capital humano e não
humano é real e analiticamente fundamental”. Enquanto os estudos
clássicos tratavam o capital de forma homogênea, a autora aponta para
a abordagem heterogênea na qual os teóricos do capital humano se Bahia anál. dados,
baseiam. Assim, o capital abrange muitas formas em sua composição,
Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
71
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

Capital hu- que contribuem para o progresso econômico de diferentes regiões. Pe-
mano pode reira (1999, p. 40) ressalta que “[...] capital humano é o valor atual de
ser entendido investimentos passados nas habilidades das pessoas, não o valor das
como o nível de próprias pessoas”.
habilidade que
De maneira geral, capital humano pode ser entendido como o nível de
um indivíduo
habilidade que um indivíduo possui – no sentido de produzir bens ou
possui – no
serviços. Essas habilidades tendem a ser maiores quanto maior for o
sentido de pro-
nível de escolaridade; a quantidade de tempo gasta em treinamento
duzir bens ou profissional; a capacidade cognitiva; ou a exposição a boas condições
serviços de saúde. Schultz (1973) liga ao seu conceito o modelo de rendimento
em função da escolaridade elaborado pioneiramente por Mincer, a partir
da reaquisição do conceito de Adam Smith.

Para Becker (1993 apud VIANA; LIMA, 2010, p. 139), “[...] o conjunto
de capacidades produtivas que uma pessoa pode adquirir, devido à
acumulação de conhecimentos gerais ou específicos, pode ser utiliza-
do na produção de riqueza”. Assim, os rendimentos pessoais estariam
associados a quanto cada pessoa investiria em capital humano, o que
leva à existência de um trade-off que explica o aumento de produtivi-
dade, lucros, crescimento e desenvolvimento das economias em longo
prazo. Este trade-off é a causa pela qual as pessoas abandonam as
escolas, considerando-se que um indivíduo necessita de retornos finan-
ceiros, em curto prazo, para a sua sobrevivência básica. As necessidades
humanas, quando não bem atendidas, geram influência na ‘‘escolha’’
dos indivíduos, que precisam optar entre continuar a estudar ou partir
para o mercado de trabalho imediatamente. No entanto, Becker (1962
apud PEREIRA; LOPES, 2014) pressupõe que os indivíduos agem de
forma prospectiva quando investem em educação, capacitação profis-
sional, nutrição e cuidados médicos (sic) – formas de investir em capital
humano.

Mincer (1958), Becker (1964) e Schultz (1964) seguem a mesma linha


de pensamento, mas é com as obras de Schultz que a teoria do capi-
tal humano ganha visibilidade. Schultz (1964 apud PEREIRA; LOPES,
2014) “[...] defende que a inclusão da acumulação de capital humano
é um elemento essencial no processo e compreensão do crescimento
econômico, no longo prazo, fornecendo base teórica para os modelos
de crescimento endógeno”.

Os modelos clássicos de crescimento consideravam como principais fa-


tores produtivos:

a) as alterações na força de trabalho e mudanças no estoque de capital


Bahia anál. dados, [que] eram tratadas a partir do levantamento do número de operários,
72 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 das estruturas físicas, dos equipamentos e dos inventários de merca-
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

dorias, quando de fato o que é relevante para se determinar o cresci- Numa eco-
mento econômico são os acréscimos ao estoque de capital já existente, nomia com
ou seja, suas variações marginais; b) a adoção do pressuposto de tec- crescimento
nologia constante para determinar o índice de crescimento de uma equilibrado,
economia que está em processo de modernização; c) o conceito de o produto e a
tecnologia era restrito aos bens de capital, excluindo a terra e o homem
renda per capi-
e concentrando-se em estruturas e equipamentos, ou seja, adotavam
ta cresceriam
a ideia de mutação técnica, que é tratada como se fosse um processo
independente-
exógeno. (PEREIRA, 1999, p. 30-31).
mente da taxa
Tais fatores se tornaram obsoletos para explicar o progresso econômi- de poupança
co. Autores como Schultz (1973) requisitaram a observação marginal
da produtividade que poderia ser alavancada através de melhorias e
planejamento.

O autor supracitado levanta, em sua teoria, questões sociais que cau-


sam diferença na renda dos indivíduos. Aspectos como a discriminação
de cor, gênero e idade; socialização familiar ou nível de escolaridade
e incentivo dos pais; habilidades hereditárias; nível de desemprego e
dimensão das cidades; além do nível individual de escolaridade e da
modernização do mercado, que devem sempre ser levados em consi-
deração em análises detalhadas.

Para tanto, como forma de investir no capital humano, em dimensão


macroeconômica, o setor educacional se apresenta como alternativa
para minimizar disparidades regionais e promover, como externalidade
positiva, a criação de oportunidades que levariam à diminuição da po-
breza/aumento da renda e, logo, à redução das desigualdades sociais,
o que promoveria o desenvolvimento socioeconômico nas regiões.

Os modelos neoclássicos de crescimento econômico buscam explicar as


diferenças nos níveis de renda entre economias e as razões pelas quais
alguns países são ricos e outros pobres.

Para Solow (1956), alguns países são ricos porque têm altas taxas de
investimento em capital físico, despendem uma parcela considerável de
tempo acumulando habilidades, possuem baixas taxas de crescimen-
to populacional e altos níveis de tecnologia. Pressupõe-se, assim, que,
numa economia com crescimento equilibrado, o produto e a renda per
capita cresceriam independentemente da taxa de poupança, que só
afeta o nível da renda per capita no estado estacionário (GOMES; ES-
PERIDIÃO, 2016, p. 119).

Nesse sentido, para Gomes e Esperidião (2016, p. 119), um país, ao pou-


par mais ou gastar mais com educação, alcançaria um nível mais alto de Bahia anál. dados,
produto por trabalhador no estado estacionário.
Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
73
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

A partir do No modelo de Solow (1956) com capital humano, o produto (Y) de uma
final da década economia é obtido por uma combinação de capital físico (K) e trabalho
de 1980, houve qualificado (H), de acordo com uma função Cobb-Douglas em retornos
uma renovação constantes , onde A representa a tecnologia aumentadora de trabalho
no interesse que cresce a uma taxa exógena (g).
sobre o capital
A partir do final da década de 1980, houve uma renovação no interesse
humano
sobre o capital humano, especialmente na tentativa de construção de
modelos de crescimento endógeno, como é o caso dos trabalhos de
Lucas Jr. (1988) e de Romer (1990).

Usando o trabalho original de Solow (1956) como ponto de partida,


Mankiw, Romer e Weil (1992) ampliaram o modelo de Solow, reconhe-
cendo que a mão de obra de diferentes economias tem diferentes níveis
de instrução e qualificação. Entretanto, ao contrário do que ocorre no
modelo de Lucas Jr. (1988), os autores adotam uma função de acumula-
ção de capital humano similar à função de acumulação de capital físico,
de modo a ser possível construir um modelo de crescimento aumentado
pelo capital humano sem a necessidade de se modelar retornos cres-
centes na função de produção. Parte importante da literatura empírica
adota uma forma de teste empírico similar à encontrada em Mankiw,
Romer e Weil (1992).

Atrelados aos modelos de crescimento exógenos estão os conceitos


de convergência de renda. Entende-se por convergência de renda uma
tendência natural – no contexto de crescimento equilibrado – dos países
e/ou regiões que iguala, em determinado ponto no tempo, as rendas das
economias ricas e pobres, ao alcançarem os seus estados estacionários,
podendo se apresentar de três maneiras distintas: convergência absolu-
ta, convergência condicional e clubes de convergência.

A concepção dos modelos de crescimento exógeno defendia a existên-


cia de convergência condicional entre as economias. Assim, a economia
convergiria para o seu steady-state, dado que a velocidade da conver-
gência seria proporcional à distância em que a economia se encontra em
relação ao seu estado estacionário. Nesse sentido, ao se considerarem
duas economias com os mesmo parâmetros de taxa de poupança, cres-
cimento demográfico e depreciação, e também o mesmo estado esta-
cionário, tenderia a crescer, mais rapidamente a economia mais distante
do seu estado estacionário comum. (GOMES; ESPERIDIÃO, 2016, p. 123).

Pode-se dizer, assim, que, como a convergência se dá em longo prazo,


ela pode ser estudada em economias que, no presente, tenham alcança-
do o mesmo parâmetro estrutural no âmbito institucional, educacional
Bahia anál. dados, etc., independentemente de divergências no contexto histórico que as
74 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 levaram até ali.
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

A INFLUÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES NO Em um am-


DESEMPENHO ECONÔMICO biente de
insegurança
As instituições são os pilares nos quais as sociedades estão construídas. sobre o futuro
É certo que, quando fortes e bem delineadas, servem como alavanca e os custos de
para o desenvolvimento de qualquer região. Ao longo da história, as transações,
instituições sofrem influências, se adaptam ao tempo e se tornam mais
instituições são
eficientes à medida que, gradualmente, vão sendo implementadas (JO-
desenvolvidas
NES; VOLLRATH, 2015).
para amenizar
Os teóricos da economia institucional definem instituições como regras a incerteza dos
ou normas formais e informais que regem as relações sociais, políticas e investimentos
econômicas. Para North, por exemplo, a ideia de instituição vai além de produtivos
direitos de propriedade e regras formais vistas nas leis, constituições e
organizações. Ela incorpora fatores culturais, modelos mentais, crenças
compartilhadas e sua evolução (LOPES, 2013, p. 623).

Variáveis que representam as instituições foram incrementadas aos mo-


delos de crescimento por volta da década de 1990, quando pesquisado-
res estavam interessados em medidas sociopolíticas que influenciavam
o intercâmbio econômico. Foi a partir daí que variáveis como estabi-
lidade política, instituições políticas, características sociais – como a
duração de regimes políticos –, capital social e medidas de qualidade
institucional ganharam relevância (ARON, 2000, p. 100).

Acemoglu e Robinson (2013), baseados em uma vasta literatura em-


pírica, afirmam que as instituições são a causa mais profunda da pre-
sença ou não de acumulação de capital físico, humano e de tecnologia.
Existiriam, essencialmente, dois tipos de instituições políticas e econô-
micas: as inclusivas e as extrativistas. As instituições econômicas que
disseminam a riqueza na sociedade e tendem a defender a pluralidade
e centralização política seriam as inclusivas. Do outro lado, estariam as
instituições extrativistas, que tenderiam a manter a riqueza concentra-
da nas mãos de uma elite, acumulando o poder em um pequeno grupo
(CARVALHO, 2015, p. 220). Parafraseando Acemoglu e Robinson (2013),
seria, portanto, as políticas institucionais as definidoras do sucesso ou
fracasso das nações.

Influenciando as interações, as instituições são também restrições,


seja no que tange às organizações políticas, econômicas, sociais e
educativas, seja em relação aos custos de produção e de transações,
que, por vezes, são elevados porque a economia opera em um nível
muito baixo de especialização. Além disso, em um ambiente de
insegurança sobre o futuro e os custos de transações, instituições são
desenvolvidas para amenizar a incerteza dos investimentos produtivos Bahia anál. dados,
(LOPES, 2013, p. 623).
Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
75
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

Instituições Jones e Vollrath (2015) afirmam que as políticas públicas e as institui-


fracas não se ções cumprem um importante papel na delimitação dos custos para a
sustentam e implementação de novos investimentos, tornando-se um fator decisivo
podem oca- no processo de crescimento econômico sustentado. Para eles, um país
sionar crises atrai investimentos quando as instituições são estáveis, as leis favore-
cem a produção e a economia é aberta e competitiva. Regulamentações
políticas que
muito burocráticas e restritivas, tributação abusiva, alto índice de ati-
mais tarde in-
vidades ilegais, tais como roubo, corrupção, pagamento de “proteção”
fluenciam, além
ou propina, além de lobbies de pressão sobre o governo em favor de
da produção, a interesses especiais ou pessoais, são determinantes nos custos, princi-
poupança e o palmente em países menos desenvolvidos, que desestimulam a abertura
investimento, de novas empresas e o empreendedorismo.
seja na educa-
ção e na saúde Segundo Aron (2000, p. 114), quanto mais eficientes são as instituições,
mais produtiva é a sociedade. Entretanto, é difícil medir as restrições
informais, que, por vezes, têm caráter subjetivo. São medidas sociais
e institucionais que vão além das observações factuais e dos dados
econômicos. Contudo, para o autor, medidas de qualidade institucional
indicam a efetividade das normas institucionais já implementadas e po-
dem ser usadas como variável de controle em trabalhos empíricos. Além
dessas medidas, outros fatores, como estabilidade política, eficácia do
governo, qualidade das regulamentações, implementação do Estado de
direito e controle da corrupção, são índices apresentados por Jones e
Vollrath (2015).

As regiões podem crescer de modo diferente, mesmo se obtiverem os


mesmos níveis de capital físico, capital humano e tecnologia, tendo em
vista a qualidade institucional. As políticas governamentais e as insti-
tuições constituem aquilo que Jones e Vollrath (2015) chamam de in-
fraestrutura social. Uma boa infraestrutura social incentiva empresas a
fazerem investimento doméstico em um país e/ou região, em capital
físico, transferência de tecnologia e acumulação de qualificações por
parte dos indivíduos.

Um problema relacionado aos testes empíricos que estudam a relação


entre crescimento econômico e instituições é que essa é uma variável
com forte endogeneidade com o produto e a renda, sendo difícil filtrar
corretamente o sinal de causalidade. Aron (2000, p. 100) sugere que
esse problema seja minimizado utilizando-se de dados defasados, isto é,
dados de qualidade institucional medidos no início do período em que
a pesquisa se concentra.

Por fim, instituições fracas não se sustentam e podem ocasionar crises


políticas que mais tarde influenciam, além da produção, a poupança
Bahia anál. dados, e o investimento, seja na educação e na saúde, que atingem o capital
76 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 humano, seja em investimentos vindos de parcerias internacionais. A
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

fragilidade institucional afeta as relações de trabalho, a constituição, as Existe uma


leis jurídicas e a democracia. relação tênue
entre as variá-
veis educação
ESTUDOS EMPÍRICOS PARA O BRASIL e crescimento
econômico para
Existem inúmeros trabalhos no Brasil que testam o modelo de Solow
os estados e o
para o país, tanto no âmbito nacional quanto no estadual, usando inú-
Brasil como
meras estratégias e variáveis de controle.
um todo
Nakabashi e Felipe (2007), estudando os municípios paranaenses, en-
contraram evidências de que o capital humano é uma variável impor-
tante na explicação do diferencial no nível de crescimento do PIB por
trabalhador, observado através do estado estacionário e da taxa de
crescimento do PIB por trabalhador. Os autores identificaram uma ele-
vação média de 5% a 7% no nível de renda por ano a mais de estudo.
Eles ressaltam o potencial de melhoria educacional dos municípios do
estado do Paraná, devido à reduzida média de anos de estudo da po-
pulação paranaense.

Firme e Simão (2011) mostraram, através das técnicas de análise explo-


ratória de dados espaciais (AEDE), que, levando-se em consideração
as variáveis adotadas para os municípios do estado de Minas Gerais no
período de 1991 a 2000, o modelo proposto por Mankiw, Romer e Weill
(1992) – incorporando a variável representativa do capital humano –
apresentou-se superior ao modelo clássico de Solow (1956) em vários
testes. Os autores encontraram evidência de que o capital humano teve
o maior coeficiente dentre as variáveis analisadas. Antes, Firme e Simão
(2014) fizeram a análise do crescimento econômico dos municípios de
Minas Gerais via modelo MRW (MANKIW; ROMER; WEILL, 1992), com
capital humano, condições de saúde e fatores espaciais, e identificaram
uma relação de complementaridade entre essas variáveis, de modo que
o investimento em capital humano surtiria maior efeito nas regiões onde
o estoque de capital físico é maior.

Outros trabalhos, como o de Barreto e Almeida (2008), para o estado


do Ceará, demonstraram relação positiva entre capital humano e cres-
cimento. Por outro lado, Teixeira e Silva (2008) testaram um modelo
com capital humano para os municípios de São Paulo, para o perío-
do 1980-2000, e não observaram impacto do capital humano sobre o
crescimento.

Pereira (2004), em seu trabalho para o caso brasileiro de 1970 a 2001,


concluiu que existe uma relação tênue entre as variáveis educação e
crescimento econômico para os estados e o Brasil como um todo. Isso Bahia anál. dados,
devido aos mais diversos fatores, como qualidade dos dados, período
Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
77
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

Entre 2003 e analisado, tamanho da amostra, diferentes medidas de capital humano


2013, houve e as diferenças de modelagem das variáveis. Ele ressaltou, seguindo as
uma redução ideias apresentadas por Wolf (2002), referentes à relação entre educa-
do poder de ção, capital humano e crescimento econômico, que ambas as variáveis
explicação da necessitam de políticas econômicas e sociais para que possam, com o
passar do tempo, influenciar fortemente a atividade econômica e social
educação sobre
dos indivíduos.
os salários em
todos os quan-
Recentemente, Días e outros (2017) construíram um modelo multilevel
tis, para as re- que considera o capital humano nas variáveis de controle para testar
giões do Brasil convergência de renda para os municípios do Brasil. Dentre outras coi-
sas, perceberam que o impacto do capital humano no processo de con-
vergência não é independente da distribuição espacial dos municípios.

Há também uma literatura preocupada em filtrar viés de heterogeneida-


de via regressões quantílicas ou outros métodos similares.

Dalcin, Annegues e Assis (2015) utilizaram o modelo teórico de Mincer


(1974), no qual o logaritmo do salário depende dos anos de estudo. Apli-
caram um método de variáveis instrumentais específico para regressão
por quantis, elaborado por Chernozhukov e Hansen (2006, 2008, 2013),
e os resultados mostraram que, entre 2003 e 2013, houve uma redução
do poder de explicação da educação sobre os salários em todos os
quantis, para as regiões do Brasil, embora algumas regiões mostrassem
mais rendimentos que outras.

Catela e Gonçalves (2009) mediram a dinâmica de convergência de


renda para 134 países, no período de 1970 a 2003, analisando a distribui-
ção de renda através do modelo de misturas finitas. Eles questionavam
as análises que tratam os dados de renda de forma homogênea para
inferir convergência, defendendo que a inferência de convergência em
clubes é a maneira mais adequada. Os autores se basearam na teoria
de twin-pearks, que parte da ideia de multimodalidade da distribuição,
mas também considera a divergência dentro da própria distribuição.
Eles concluíram que, no cenário mundial, houve alterações na configu-
ração dos grupos durante os 30 anos estudados, tratando-se de uma
mudança macroinstitucional que viria a modificar a economia política
internacional, fortalecendo um status quo predominante.

Oliveira, Jacinto e Grolli (2006) mostraram resultados de convergência


absoluta na maioria dos quantis, porém, com taxas diferentes ao longo
da distribuição espacial. Eles trouxeram o papel do capital humano no
crescimento econômico das cidades gaúchas no período de 1970 a 2001,
concluindo que os municípios que mais cresceram foram aqueles que
Bahia anál. dados, possuíam a maior escolaridade média em 1970, resultado encontrado em
78 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 todos os quantis. Os autores utilizaram também o potencial de mercado
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

como proxy para captar a capacidade de cada município. O potencial O potencial de


de mercado leva em consideração o custo de transporte como influen- mercado leva
ciador decisivo para a escolha da localização das empresas. Entretanto, em conside-
numa discussão mais ampla, e levando em consideração os sistemas di- ração o custo
gitais contemporâneos, a grande quantidade e o alcance de informações de transporte
disseminadas a todo instante nas redes – nas quais o mercado tende a se como influen-
atualizar, adequando-se às mudanças na velocidade das inovações tec-
ciador decisivo
nológicas –, surge a necessidade de considerar o capital humano como
para a escolha
atrativo à implementação de novas empresas, além da averiguação ape-
da localização
nas de uma demanda potencial, haja vista a renda local e de seus vizinhos.
das empresas
Gomes e Esperidião (2016), usando a teoria de convergência condicio-
nal, mediram o capital humano em três níveis: 1) taxa de analfabetismo;
2) taxa de matrícula do ensino médio; e 3) anos de estudo. Dentre as três
proxies utilizadas, a variável de anos de estudo foi a que melhor explicou
o processo de convergência condicional para as regiões brasileiras no
período 1995-2009. As autoras (GOMES; ESPERIDIÃO, 2016, p. 139) tes-
taram os três níveis separadamente e, em se tratando da Região Nordes-
te, segundo elas, “[...] a introdução da variável [anos de estudo] gerou um
aumento da velocidade de convergência sugerindo uma influência posi-
tiva da educação na determinação da taxa de crescimento dessa região’’.
Os resultados, neste trabalho, deram-se via dados de painel dinâmico.

No que tange à influência das instituições, Santana e Barreto (2016)


verificaram os diferenciais no comportamento do índice de qualidade
institucional (IQIM) nos anos 2000 e 2010, para os municípios brasileiros
onde a qualidade institucional exerceu efeito positivo sobre o desempe-
nho econômico em nível agregado. No arcabouço teórico, eles mostram
como os diferenciais de nível de capital humano e físico são também
capazes de explicar a relação entre as variáveis históricas, geográficas e
institucionais na diferenciação do produto per capita estadual. Os auto-
res também apontam fatores como planejamento institucional, que afeta
diretamente o desempenho econômico, e ressaltam a importância das
instituições educacionais e dos desníveis de qualidade institucional, que
influenciam a tendência espacial das desigualdades do Brasil. Eles suge-
rem que a proximidade de municípios com níveis de qualidade muito dife-
rentes gera efeitos negativos no desempenho econômico em curto prazo.

METODOLOGIA E BASE DE DADOS

Este é um trabalho econométrico baseado em dois procedimentos de


estimação. O primeiro exercício foi construído usando estimações de
mínimos quadrados ordinários (MQO), sendo, em seguida, repetido o
exercício econométrico usando estimações por regressões quantílicas Bahia anál. dados,
(RQ). Em ambos os casos, o intuito foi testar a hipótese de convergência
Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
79
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

usando dados cross-section dos municípios da Bahia para o crescimento


entre 2000-2010. O modelo econométrico é baseado em uma regressão
do mesmo tipo encontrada em Barro e Sala-I-Martin (1992), como segue:

(1)

Sendo o logaritmo natural da taxa de crescimento da renda


per capita; lnYt–1 o logaritmo natural da renda per capita em t-1; lnXt–1 e o
logaritmo natural das variáveis de controle, que, neste trabalho, além
do estoque de capital físico inicial, incluem também o capital humano e
as instituições. Tanto no modelo MQO quanto no modelo de regressões
quantílicas, os resultados da equação (1), conhecidos como resultados
de convergência condicional, foram comparados com os resultados de
convergência absoluta, dados pela expressão seguinte:

(2)

Dadas as expressões (1) e (2), é possível também calcular a velocidade


de convergência e o tempo de meia-vida. O conceito de velocidade de
convergência diz respeito à taxa de aproximação para o estado esta-
cionário (longo prazo teórico do modelo). O conceito de meia-vida, por
outro lado, é mais intuitivo e diz respeito ao tempo necessário para a
diferença de produto per capita na amostra cair pela metade. Chaman-
do a velocidade de convergência de λ, ela pode ser calculada com a
seguinte aproximação:

(3)

Sendo que o tempo de meia-vida pode ser calculado usando outra apro-
ximação logarítmica:

(4)

Sabe-se que, na análise de uma amostra qualquer, os quantis podem


apresentar estatísticas diferentes, como médias ou medianas, por exem-
plo. Em geral, essas diferenças são fruto da heterogeneidade da amostra,
o que pode gerar viés no contexto de regressões cross-section. Como
apontam Cameron e Trivedi (2005), no contexto de regressões também
pode ser de interesse considerar os quantis da amostra. Além disso, o
método de regressão quantílica é mais robusto ao capturar efeitos das
Bahia anál. dados, variáveis independentes em indivíduos outliers da amostra. Essa pode
80 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 ser uma abordagem particularmente útil no caso do capital humano,
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

uma vez que os impactos do capital humano sobre o desenvolvimento


podem ser sentidos de maneira diferente para municípios mais pobres
e mais ricos. Levando em conta que os municípios baianos (assim como
os brasileiros) são bastante heterogêneos, tanto na dimensão da renda
quanto na dimensão educacional, essa metodologia pode ser uma boa
forma de superar vieses oriundos da heterogeneidade.

Para tanto, foram utilizados dados da renda per capita dos municípios
para os anos 2000 e 2010, encontrados online na plataforma do Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO; INSTITU-
TO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2016). Como proxy para
acumulação de capital físico, usou-se a série Capital Residencial Urbano,
disponibilizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Para capital humano, utilizaram-se duas medidas: os anos de escolari-
dade, encontrados no Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, e a
série Capital Humano Municipal, disponibilizada pelo IPEA. Por último, o
índice de qualidade institucional municipal (IQIM), disponibilizado pelo
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Todas as vari-
áveis de controle são do ano 2000, como indica o modelo da Equação 1.

Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BRASIL,


2015), a composição do IQIM é dada como se mostra no Quadro 1.

Quadro 1
Indicador de qualidade institucional municipal
Variáveis %

Existência de conselhos 4,00


Conselhos instalados 4,00
Grau de participação
Conselhos paritários 7,16
(33,3%)
Conselhos deliberativos 7,17
Conselhos que administram fundos 11,00
Existência de consórcios 11,11
Capacidade financeira
Receita corrente x dívida 11,11
(33,3%)
Poupança real per capita 11,11
Existência de cadastro imobiliário 8,33
Capacidade gerencial Cobrança de IPTU 8,33
(33,3%) Instrumentos de gestão 8,33
Instrumentos de planejamento 8,33
Fonte: Brasil (2015).

Quanto à escolha do período de análise do presente estudo, justifica-se


pela disponibilidade de informações, considerando que os dados foram
extraídos com base nos censos demográficos de 2000 e 20101, com
abrangência para os 417 municípios do estado da Bahia.

Bahia anál. dados,


1 Os dados dos censos não foram utilizados diretamente, mas pelas plataformas do Atlas e do
IPEA, que disponibilizam os dados tratados.
Salvador, v. 28, n.1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
81
Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

Ressalta-se que todos os resultados foram encontrados a partir da uti-


lização do software econométrico Gretl. Os modelos rodados conside-
raram 414 municípios das 417 observações. Foram retiradas três obser-
vações, por não estarem disponíveis nos bancos de dados públicos. As
três observações fazem referência a três municípios. São eles: Barrocas,
fundado em março de 2000, que não possuía ainda o valor do IQIM
para o mesmo ano; Barro Preto, emancipado no ano 2000, teve de ser
excluído da amostra porque os dados para capital residencial urbano
e capital humano (variável do IPEA) não estavam disponíveis para tal
ano; Luís Eduardo Magalhães, também fundado em março de 2000, não
dispunha do índice de capital residencial urbano e nem do IQIM para o
ano 2000.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Inicialmente, estimou-se um modelo com estimativas de mínimos qua-


drados ordinários (MQO) robusto da seguinte forma:

(2)

Sendo a renda per capita do município; K o estoque de capital físico; e


H o estoque de capital humano (medido pelo IPEA para os municípios).

Adotando a variável Y como dependente, representada por ,


identifica-se que os sinais dos betas (coeficientes) para as variáveis são
os esperados. Entretanto, a variável de capital humano não se mostra
significativa.

Para que o modelo MQO torne-se melhor ajustado, são feitas alterações
na variável que representa o capital humano, utilizando-se a expectati-
va dos anos de escolaridade como proxy para medir o nível de capital
humano, e se acrescenta a qualidade institucional dos municípios, na
forma seguinte:

(3)

A partir do MQO robusto, mede-se, então, a velocidade de convergência


das rendas. A velocidade de convergência condicional demonstra-se
maior que a de convergência absoluta, apresentando resultados de
4,77% e 3,28%, respectivamente. Para tais velocidades, o tempo ne-
cessário para que a diferença de renda per capita caia pela metade
Bahia anál. dados, é de, aproximadamente, 14,5 anos, no primeiro caso, e 21,1 anos, no
82 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018 segundo caso.
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

Heterogeneidade e regressões quantílicas

O estado da Bahia apresenta heterogeneidade no que diz repeito aos ní-


veis de renda, mas, principalmente, em relação aos níveis de escolaridade
dos indivíduos e à qualidade institucional. Na figura abaixo, apresenta-se
a distribuição espacial da escolaridade média, por município, no ano
2000, e do índice de qualidade institucional, por município, no mesmo ano.

Figura 1
Distribuição espacial do nível de capital humano (anos de escolaridade) e do índice de
qualidade institucional municipal (IQIM), respectivamente da esquerda para a direita —
Municípios baianos — 2000

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados e utilização do ArcGIS.

A demonstração de como alguns municípios baianos se diferenciam dos


outros, no que tange ao número de anos de escolaridade e também à
qualidade de suas instituições, traz à vista a existência de heterogenei-
dade entre os municípios, vista através da discrepância nas tonalidades
das cores no mapa.

A análise dos dados demonstrou que Ichu é o município baiano que


apresenta o mais alto grau de escolaridade média – 11,09 anos de es-
tudos por pessoa. É o único a se distanciar da moda da amostra. Por
outro lado, o município com menor perspectiva é Mirante, com cerca
de 3,33 anos de estudo por pessoa. Em maior número, os municípios
encontram-se no intervalo entre 5 e 7,5 anos de escolaridade. No que
tange à qualidade institucional dos municípios, Pedrão foi o que apre-
sentou o mais baixo nível, com IQIM de 1,52. Do outro lado, São José do
Acuípe exibiu o mais alto índice (4,06) para o estado da Bahia.

A partir dessas considerações, os modelos anteriores foram refeitos


utilizando-se a abordagem de regressão quantílica. Como resultado, a
renda inicial tem o sinal esperado para todos os quantis e é significativa
em todos eles. No caso do capital físico, apenas nos três quantis mais
baixos parece haver efeito do capital físico no crescimento. Já o capital
humano, usando a variável medida pelo IPEA, não é significativo em ne-
nhum caso, confirmando o caso MQO robusto. A qualidade institucional Bahia anál. dados,
aparece significativa em seis dos nove quantis.
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Capital humano, instituições e convergência de renda nos municípios baianos:
Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

A educação No segundo modelo quantílico, a renda inicial tem o sinal esperado, indi-
posta como cando convergência condicional de renda para todos os quantis, e é sig-
capital huma- nificativa em todos eles, a 5%. No caso do capital físico, o sinal é positivo,
no, além de ser como esperado, para todos os quantis, e se mostra significativo, a 5%, ex-
a melhor pos- ceto no quantil mais alto. A escolaridade média tem sinal positivo quase
na totalidade de quantis, mas o quantil mais alto apresenta sinal negativo.
sibilidade de
Quanto ao nível de significância, os quatro quantis mais baixos se demons-
ascensão social,
tram significativos, a 5 %. Já no caso do IQIM, a variável tem sinal positivo
é importante
e é significativa, a 5 %, no primeiro, quarto, sexto, sétimo e oitavo quantil.
propulsora de
crescimento Nesse modelo, há evidência de que a escolaridade, embora não apareça
para os muni- significativa no agregado (modelo MQO), impacta positivamente o cres-
cípios mais po- cimento econômico nos municípios mais pobres, especialmente aqueles
bres da Bahia nos primeiros quantis. Esse resultado mostra-se aderente à noção de
que o prêmio salarial é mais alto em sociedades com baixo nível de capi-
tal humano. Em particular, isso implica um grande espaço para políticas
públicas focalizadas na educação nos municípios mais pobres do estado.

Em todos os quantis, a velocidade de convergência condicional mostra-


-se maior que a de convergência absoluta, apresentando resultados que
variam de 6,21% (maior velocidade, exibida no quantil que representa os
20% com menor renda) a 3,35% (menor velocidade, verificada no quantil
que representa os 80% com menor renda. Para tais velocidades, o tempo
necessário para que a diferença de renda per capita caia pela metade é de,
aproximadamente, 11,1 anos, no primeiro caso, e 20,6 anos, no segundo caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro de uma ordem social competitiva capitalista, na qual a geração e


a acumulação de capital puramente econômico por muito tempo guia-
ram os interesses dos mais diversos setores da sociedade (que viam no
crescimento da renda, sem levar em conta a sua concentração e distri-
buição, a melhor chance para o desenvolvimento econômico, que viria
como consequência), a educação posta como capital humano, além de
ser a melhor possibilidade de ascensão social, é importante propulsora
de crescimento para os municípios mais pobres da Bahia.

Neste trabalho, buscou-se testar a relação entre crescimento econômi-


co, capital humano e instituições para os municípios baianos, no período
2000-2010. A partir de uma regressão de convergência, foram especifica-
dos modelos, levando-se em conta a renda inicial e um grupo de variáveis
de controle, composto pelo capital físico, capital humano e instituições.

Bahia anál. dados, Foram estimados modelos distintos, com MQO e com regressões quan-
84 salvador, v. 28, n. 1,
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foi a medida de capital humano municipal desenvolvida pelo IPEA; no Para os mu-
segundo modelo, os anos médios de escolaridade. Em ambos os casos, nicípios mais
para o modelo MQO, capital humano e escolaridade, apesar do sinal pobres, o
positivo (como esperado), não foram significativos. capital huma-
no, medido
Foram refeitos os dois modelos com regressões quantílicas. No primeiro pela educação,
modelo quantílico, a renda inicial tem o sinal esperado para todos os
tem potencial
quantis e é significativa em todos eles, a 5%. O capital físico apresenta
de influenciar
sinal esperado, mas só é significativo a 5% nos três primeiros quantis. O
positivamente
capital humano, usando a variável medida pelo IPEA, não é significativo
em nenhum caso, confirmando o caso MQO robusto. A qualidade insti- o crescimento
tucional aparece significativa em seis casos, a 5%.

No segundo modelo quantílico, a renda inicial tem o sinal esperado para


todos os quantis e é significativa em todos eles, a 5%. No caso do capital
físico, o sinal é positivo, como esperado, para todos os quantis, e signi-
ficativo, a 5%, em todos eles, exceto no quantil mais alto (0,9). A escola-
ridade média tem sinal positivo para todos os quantis, exceto no quantil
mais alto (0,9), e se torna significativa para os primeiros quatro quantis,
a 5%. Já no caso do IQIM, a variável tem sinal positivo e é significativa,
a 5 %, no primeiro, quarto, sexto, sétimo e oitavo quantil.

Sabe-se que dados estatísticos nem sempre capturam a realidade com


fidedignidade. Eles são, na verdade, uma aproximação necessária para
a realidade. Tanto os fatores definidores do capital humano quanto das
instituições são complexos e dispensam análises levianas quanto à sua
efetividade na promoção do desenvolvimento e do bem-estar das socie-
dades. Entretanto, existe uma necessidade pujante de políticas bem deli-
neadas, eficazes, para a diminuição de problemas oriundos da má distri-
buição de renda. Para que isso possa acontecer, são necessárias pesquisas
que possam sustentar as discussões teorizadas e debatidas outrora.

É natural que um país com a dimensão do Brasil possua crescimento


desigual entre as suas regiões, estados e municípios. Para melhor entender
as necessidades de cada um (a) e conseguir alavancar ou investir nas
variáveis de maior influência, fazem-se necessários não apenas estudos dos
seus indicadores socioeconômicos, mas também o cruzamento de variáveis.

Os resultados do trabalho, apesar de deverem ser vistos com cuidado,


mostram que, para os municípios mais pobres, o capital humano, medido
pela educação, tem potencial de influenciar positivamente o crescimento,
melhorando a taxa de convergência para níveis de renda mais altos. Avanços
na pesquisa são bem-vindos, tanto no que diz respeito ao refinamento do
modelo empírico quanto à produção de base de dados mais acurados. De
toda forma, o presente trabalho pode servir de ponto de partida para o Bahia anál. dados,
debate acadêmico e para a formulação de políticas públicas localizadas.
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Artigos uma abordagem de regressões quantílicas para o período de 2000 a 2010

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Bahia anál. dados, Recebido em 20 de abril de 2018 e
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p.68-90, jan.-jun. 2018 aprovado em 17 de julho de 2018.
Ingrid de Jesus Duarte, Carlos Eduardo Iwai Drumond Artigos

APÊNDICE
APÊNDICE A
Resultado das regressões do primeiro modelo quantílico rodado, utilizando a variável
capital humano do IPEA
Quantis Coeficientes Erro Padrão Razão – t

0,100 1,98149 0,221874 8,93070


0,200 2,14717 0,226172 9,49353
0,300 1,85520 0,177863 10,4305
0,400 2,02866 0,243369 8,33574
Const 0,500 2,15846 0,283907 7,60269
0,600 1,85431 0,203841 9,09687
0,700 1,75588 0,194828 9,01249
0,800 1,69834 0,179747 9,44850
0,900 1,96850 0,293815 6,69979
0,100 -0,448940 0,0311458 -14,4141
0,200 -0,462662 0,0317491 -14,5724
0,300 -0,420957 0,0249677 -16,8600
0,400 -0,413326 0,0341633 -12,0985
l_Y2000 0,500 -0,409824 0,0398537 -10,2832
0,600 -0,342852 0,0286144 -11,9818
0,700 -0,314708 0,0273492 -11,5070
0,800 -0,285026 0,0252322 -11,2961
0,900 -0,301254 0,0412446 -7,30408
0,100 0,0770882 0,0207340 3,71796
0,200 0,0595430 0,0211356 2,81719
0,300 0,0374838 0,0166212 2,25519
0,400 0,0390384 0,0227427 1,71652
l_K2000 0,500 0,0347654 0,0265309 1,31037
0,600 0,0289060 0,0190488 1,51747
0,700 0,0285137 0,0182065 1,56612
0,800 0,00754347 0,0167972 0,449091
0,900 0,00764740 0,0274568 0,278525
0,100 -0,0275737 0,0267183 -1,03202
0,200 -0,00584945 0,0272358 -0,214771
0,300 0,0190470 0,0214184 0,889283
0,400 0,00224630 0,0293068 0,0766477
l_H2000 0,500 -0,00298948 0,0341883 -0,0874416
0,600 0,00341587 0,0245467 0,139158
0,700 0,000412839 0,0234614 0,0175965
0,800 0,0176988 0,0216453 0,817675
0,900 0,00746699 0,0353814 0,211042
0,100 0,215692 0,0495810 4,35030
0,200 0,0799267 0,0505413 1,58141
0,300 0,103603 0,0397460 2,60664
0,400 0,122753 0,0543844 2,25714
l_IQIM2000 0,500 0,127706 0,0634431 2,01293
0,600 0,107127 0,0455512 2,35179
0,700 0,132155 0,0435371 3,03546
0,800 0,0682860 0,0401670 1,70005
0,900 0,0683276 0,0656572 1,04067

Bahia anál. dados,


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APÊNDICE B
Resultado das regressões do segundo modelo quantílico rodado, utilizando a escolarida-
de como medida de capital humano
Quantis Coeficientes Erro Padrão Razão – t

0,100 1,67532 0,167626 9,99439


0,200 1,85408 0,153875 12,0492
0,300 2,00876 0,117507 17,0948
0,400 1,91853 0,121394 15,8042
Const 0,500 2,11859 0,182431 11,6131
0,600 1,81461 0,125179 14,4961
0,700 1,76520 0,125892 14,0215
0,800 1,79900 0,0811121 22,1791
0,900 2,04094 0,143992 14,1740
0,100 -0,479360 0,0410085 -11,6893
0,200 -0,480765 0,0376445 -12,7712
0,300 -0,451868 0,0287473 -15,7186
0,400 -0,432023 0,0296982 -14,5417
l_Y2000 0,500 -0,415956 0,0446304 -9,32002
0,600 -0,361043 0,0306242 -11,7895
0,700 -0,320782 0,0307986 -10,4155
0,800 -0,298336 0,0198435 -15,0345
0,900 -0,283945 0,0352266 -8,06053
0,100 0,0554874 0,0104006 5,33504
0,200 0,0580298 0,00954737 6,07809
0,300 0,0444587 0,00729087 6,09786
0,400 0,0409697 0,00753204 5,43938
l_K2000 0,500 0,0352475 0,0113191 3,11398
0,600 0,0357773 0,00776689 4,60638
0,700 0,0297834 0,00781112 3,81294
0,800 0,0201273 0,00503269 3,99931
0,900 0,0131111 0,00893415 1,46753
0,100 0,181718 0,0721391 2,51900
0,200 0,164817 0,0662213 2,48888
0,300 0,109600 0,0505701 2,16729
0,400 0,119396 0,0522428 2,28540
l_ESC2000 0,500 0,0240602 0,0785104 0,306458
0,600 0,0562213 0,0538718 1,04361
0,700 0,00951966 0,0541785 0,175709
0,800 0,0317425 0,0349072 0,909340
0,900 -0,0765330 0,0619680 -1,23504
0,100 0,196886 0,0594240 3,31323
0,200 0,0911705 0,0545493 1,67134
0,300 0,717897 0,0416567 1,72337
0,400 0,104130 0,0430346 2,41969
l_IQIM2000 0,500 0,111035 0,0646724 1,71689
0,600 0,106083 0,0443765 2,39052
0,700 0,128314 0,0446292 2,87512
0,800 0,0734660 0,0287545 2,55494
0,900 0,0913325 0,0510457 1,78923

Bahia anál. dados,


90 salvador, v. 28, n. 1,
p.68-90, jan.-jun. 2018
RESUMO

Este artigo tem por objetivo compreender como o acesso à informação e a


difusão do conhecimento contribuem para o fortalecimento da política de
educação profissional da rede estadual de ensino da Bahia, na perspectiva do
desenvolvimento regional. A garantia do acesso à informação tem sido objeto
de discussão em muitos países, em especial na América Latina, proporcionan-
do a difusão do conhecimento e contribuindo para o fortalecimento do pro-
cesso de implementação de políticas públicas educacionais. Estudar essas
contribuições na política de educação profissional é o objeto de investigação
deste trabalho. Para tanto, a partir de levantamento bibliográfico, apresen-
tam-se, inicialmente, os principais conceitos que envolvem a garantia do
acesso à informação e a difusão do conhecimento nos espaços públicos. Em
seguida, procura-se caracterizar a política baiana de educação profissional e
a sua relação com o desenvolvimento territorial. A partir de levantamento no
Sistema de Ouvidoria e Gestão Pública, da Ouvidoria-Geral do Estado, são
tecidas considerações sobre as possíveis consequências do acesso à infor-
mação para o fortalecimento da política de educação profissional. Espera-se
que o presente trabalho possa, a partir das reflexões e inferências sobre a
temática em questão, proporcionar aos gestores educacionais um referencial
para o aprimoramento de suas práticas e se tornar constructo para novas
experiências de pesquisa. Conclui-se que a garantia de acesso às informações
públicas contribui para o fortalecimento da política de educação profissional
e para o desenvolvimento territorial do estado.
Palavras-Chave: Acesso à informação. Difusão do conhecimento. Educação
profissional. Desenvolvimento territorial.

ABSTRACT

This article aims to understand how access to information and the diffusion
of knowledge contributes to the strengthening of the Professional Education
policy of the state education system of Bahia in the perspective of regional
development. The guarantee of access to information has been the subject of
discussion in most countries and especially in Latin America, providing a strong
diffusion of knowledge and contributing to the strengthening of the process of
implementation of educational public policies. Studying these contributions
in the Professional Education policy is the object of investigation of this work.
To do so, based on a bibliographical survey, it presents the main concepts that
involve the guarantee of access to information and the diffusion of knowledge
in public spaces, and then seeks to characterize Bahian Professional
Education policy and its relationship with the territorial development, and
then, from a survey in the Ombudsman and Public Management System of
the General Ombudsman’s Office, make considerations about the possible
contributions of access to information in Bahia to strengthen the Professional
Education policy. It is hoped that the present work can, from the reflections
and inferences on the subject in question, provide educational managers with
a framework for the improvement of their practices and become constructs
for new research experiences. It is concluded that the guarantee of access
to public information contributes to the strengthening of the Professional
Education policy, contributing to the territorial development of the state.
Keywords: Access to information. Diffusion of knowledge. Professional
education. Territorial development.
Artigos

O acesso à informação e a
difusão do conhecimento no
fortalecimento da política de
educação profissional da Bahia1
J O S É F R A N C I S CO B A R R E T TO N E TO NAS ÚLTIMAS décadas, o direito de acesso à
Mestre em Políticas Públicas, Gestão
do Conhecimento e Desenvolvimento informação pública tem sido muito debatido
Regional pela Universidade do Estado
da Bahia (Uneb) e doutorando em
nos países ao redor do mundo e, na América
Difusão do Conhecimento pela Latina, tem ocupado os legisladores na elabo-
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Assessor especial/ouvidor da Secretaria ração de leis que garantam esse direito. O as-
da Educação do Estado da Bahia.
[email protected] sunto tem sido destaque também nas agendas
ANA MARIA FERREIR A MENEZES dos organismos internacionais e da sociedade
Doutora em Administração Pública e
mestre em Economia pela Universidade civil que defendem os direitos humanos e vêm
Federal da Bahia (UFBA). Professora
plena da Universidade do Estado da
debatendo e monitorando a implementação da
Bahia (Uneb) e professora permanente
garantia desse direito. 1

do Doutorado Multi-Institucional
e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento (DMMDC) da UFBA e da
Uneb. [email protected]
A obrigatoriedade de os agentes públicos pres-
tarem as informações produzidas pela gestão
pública, ou sob custódia do Estado, sobre as
políticas públicas, programas e ações de gover-
no tem favorecido uma maior difusão do co-
nhecimento. Isso proporciona um acompanha-
mento mais efetivo das ações e contribui para a
ampliação do exercício da cidadania, a partici-
pação e o controle social das políticas públicas.

1 O presente trabalho é fruto da pesquisa de doutoramento


em andamento apresentada ao Programa de Doutorado
Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhe-
cimento (DMMDC), sob a orientação da Prof. Dra. Ana Maria
Ferreira Menezes, ligado às seguintes instituições: Universidade
Federal da Bahia (UFBA), Laboratório Nacional de Compu-
tação Científica (LNCC/MCT), Universidade Estadual de Feira
de Santana (UEFS), Universidade do Estado da Bahia (Uneb),
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia
(IFBA) e FIEB/Senai/Cimatec.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
93
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

O conhecimen- Com o advento da chamada revolução tecnológica e das transforma-


to tem sido o ções no mundo do trabalho, o conhecimento tem sido o principal fator
principal fator gerador de riquezas, substituindo paradigmas focados em padrões de
gerador de produção tradicional, como terra, capital e trabalho. Vive-se a chamada
riquezas, subs- era da informação e do conhecimento. Nesse contexto, as organiza-
ções privadas e públicas têm buscado revisar seus modelos de ges-
tituindo para-
tão, adequando-se às novas práticas gerenciais que possibilitam sua
digmas focados
sobrevivência em um cenário cada vez mais competitivo. Dessa forma,
em padrões de
buscam superar os modelos de gestão tradicionais e burocráticos para
produção tra- adotar padrões emergentes fundamentados nos processos de gestão e
dicional, como compartilhamento do conhecimento, que promovam a inclusão social e
terra, capital e a redução das desigualdades. A difusão do conhecimento, nesse con-
trabalho texto, tem sido de suma importância para as organizações, sobretudo
na administração pública, no enfrentamento de mudanças constantes
e incertezas.

Desse modo, a expansão da política de educação profissional assumida


pelos governos progressistas, em especial o governo baiano, a partir
de 2008, visa proporcionar aos jovens, trabalhadores e trabalhadoras
e estudantes egressos da escola pública a elevação da escolaridade e
a inserção cidadã no mundo do trabalho, em consonância com as de-
mandas sociais e diretrizes de desenvolvimento estabelecidas no plano
plurianual (PPA) do estado.

Nesta perspectiva, o presente artigo tem por objetivo compreender


como o acesso à informação e a difusão do conhecimento contribuem
para o fortalecimento da política de educação profissional da rede es-
tadual de ensino da Bahia, na perspectiva do desenvolvimento regional.

Para tanto, a partir de um levantamento bibliográfico para identificar


as obras que irão fundamentar a presente investigação e que servirão
como guia para a compreensão das problemáticas para o alcance dos
objetivos elencados, foi feito um estudo dos principais conceitos que en-
volvem a garantia do acesso à informação e a difusão do conhecimento
nos espaços públicos. Em seguida, procura-se caracterizar a política de
educação profissional da rede estadual de ensino e a sua relação com
o desenvolvimento territorial. Em um terceiro momento, são tecidas
considerações sobre as possíveis contribuições do acesso à informação
na Bahia para o fortalecimento da política de educação profissional, a
partir dos mecanismos utilizados pelos gestores da política e levanta-
mento no Sistema de Ouvidoria e Gestão Pública, da Ouvidoria-Geral
do Estado. Por fim, apresentam-se as considerações finais, com alguns
resultados, visto que a presente pesquisa está em andamento.

Bahia anál. dados, Espera-se que este estudo possa contribuir com os gestores educa-
94 salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018 cionais no aprimoramento de suas práticas e com os demandantes da
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

política de educação profissional, no sentido de ampliar o uso do acesso O advento


à informação e da difusão do conhecimento para um melhor acompa- das inovações
nhamento e controle social dessa política e para o enfrentamento das tecnológicas
rápidas mudanças que afetam as organizações e o mundo do trabalho e da internet
no cenário atual. tem possibili-
tado a gestão
A GARANTIA DO ACESSO À INFORMAÇÃO NA PERSPECTIVA
e a difusão das
DA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
informações e
o seu compar-
Na virada para o século XXI, a discussão em torno do direito ao acesso à
informação pública cresceu em diversos países ao redor do mundo. No tilhamento em
continente americano, a elaboração de leis que garantam esse direito tempo real [...]
tem sido a preocupação dos legisladores e governos, bem como está favorecendo o
presente nas agendas dos organismos internacionais e da sociedade empoderamen-
civil, que vêm debatendo e monitorando a sua implementação. to dos cidadãos.

Tal iniciativa tem contribuído para a obrigatoriedade de os agentes pú-


blicos prestarem as informações produzidas pela gestão pública ou sob
custódia do Estado, proporcionando o fortalecimento da democracia
participativa e do exercício da cidadania. Isso tem favorecido uma maior
difusão do conhecimento, permitindo um acompanhamento mais efe-
tivo das políticas públicas, e contribuído para o desenvolvimento dos
territórios. Segundo Dowbor (2004, p. 2), “[...] a informação adequada,
e bem distribuída, constitui simultaneamente um instrumento de cida-
dania e de racionalidade do desenvolvimento social”.

Além disso, o advento das inovações tecnológicas e da internet tem


possibilitado a gestão e a difusão das informações e o seu compartilha-
mento em tempo real, garantindo o seu acesso a um número cada vez
maior de pessoas e favorecendo o empoderamento dos cidadãos.

Segundo Lanza (2016), da Relatoria Especial para a Liberdade de Ex-


pressão, órgão ligado à Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH/OEA), merecem destaque duas inovações tecnológicas que con-
tribuíram para o fortalecimento do instituto do direito ao acesso à infor-
mação pública: a copiadora, em 1964, e a internet, em 1989.

Tendo como ponto de partida a legislação sueca de 1766, a primeira


sobre liberdade de pensamento e acesso à informação pública, muito
se discute sobre o acesso à informação como direito fundamental hu-
mano e mecanismo de garantia de outros direitos, um instituto que tem
crescido ao longo do tempo.

No entanto, segundo Villanueva (2006, p. 5), alguns países normati-


zaram essa temática em forma de decretos ou regulamentos apenas Bahia anál. dados,
para parecerem politicamente corretos, não garantindo o pleno acesso
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
95
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

Em uma so- à informação e a efetividade da norma. Ou seja, não há a preocupação


ciedade de- de sistematizar as informações para garantir acesso de modo integrado,
mocrática é proporcionando o fortalecimento da cidadania.
imprescindível
o conheci- Vale ressaltar como marcos importantes de fortalecimento desse ins-
tituto a Declaração Universal dos Diretos Humanos, datada de 1948,
mento das
que, em seu Artigo 19, estabelece que toda pessoa tem o direito de
informações
“[...] procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer
produzidas e/
meios e independentemente de fronteiras”; a Declaração Americana
ou custodiadas dos Direitos e Deveres do Homem, também datada de 1948, aprovada
pelo Estado na IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, que
para a realiza- também cria a Organização dos Estados Americanos (OEA); a Con-
ção efetiva da venção Americana dos Direitos Humanos, também chamada de Pac-
cidadania e da to de San José da Costa Rica, que entrou em vigor em 1978 e que,
participação em seu Artigo 13, estabelece que toda pessoa tem “[...] a liberdade de
dos cidadãos na buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem
gestão das polí- consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma
ticas públicas impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”
(LANZA, 2016).

No Brasil, o direito de acesso à informação está previsto na Constitui-


ção federal de 1988, em seu Artigo 5º, que preceitua o direito de todos
receberem dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, sob pena de responsabilidade, ressal-
vadas aquelas cujo sigilo seja indispensável à segurança da sociedade e
do Estado (BRASIL, 2016, p. 10-11). No entanto, este dispositivo constitu-
cional só foi regulamentado por meio da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à
Informação (LAI)), de 18 de novembro de 2011, que entrou em vigor em
16 de maio de 2012, após três anos de debates no Congresso Nacional
(BRASIL, 2011).

Na Bahia, esse dispositivo foi regulamentado pela Lei nº 12.618, de 28 de


dezembro de 2012. Apesar da ausência de uma norma específica que
defina os procedimentos e diretrizes de sua implementação, o acesso à
informação foi efetivado com a entrada em vigor a lei federal, destacan-
do-se como antecedente a criação do Transparência Bahia, em 2007,
portal que permite ao cidadão fazer o acompanhamento das contas
públicas do estado (BAHIA, 2013).

O acesso à informação pública se constitui numa ferramenta funda-


mental para o exercício de outros direitos humanos. Em uma socie-
dade democrática é imprescindível o conhecimento das informações
produzidas e/ou custodiadas pelo Estado para a realização efetiva da
cidadania e da participação dos cidadãos na gestão das políticas públi-
Bahia anál. dados, cas. Como afirma a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão
96 salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018 (CIDH/OEA),
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

[...] el acceso a la información es una herramienta que se ajusta per- A difusão do


fectamente a lo que se espera de los miembros de una sociedad de- conhecimento
mocrática. En sus manos, la información pública sirve para proteger deve ser social-
derechos y prevenir abusos de parte del Estado. Es una herramien- mente con-
ta que da poder a la sociedad civil y es útil para luchar contra males textualizada
como la corrupción y el secretismo, que tanto daño hacen a la cali-
numa perspec-
dad de la democracia en nuestros países. (ORGANIZACIÓN DE ESTA-
tiva inclusiva
DOS AMERICANOS; COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS
e plural, capaz
HUMANOS, 2012, p. x).
de promover a
Desse modo, nota-se a relevância do direito de acesso às informações emancipação
públicas como ferramenta de fortalecimento da difusão do conheci- humana e a
mento, na perspectiva de garantir para os cidadãos outros direitos tomada de deci-
fundamentais, como a educação, bem como proporcionar o acompa- sões no pro-
nhamento das políticas públicas, visando à tomada de decisões que cesso de acom-
favoreçam o desenvolvimento regional. panhamento
das políticas
Entende-se aqui como difusão do conhecimento não a mera transmissão públicas educa-
de informações, mas os processos de disseminação, espalhamento e di- cionais
vulgação das informações produzidas e sistematizadas a partir de um
determinado propósito, finalidade e direcionamento gerador de uma
ação. Esses processos envolvem a transmissão e a assimilação de con-
ceitos, dados ou informações sobre o mundo existencial ou a respeito
das ações humanas. Galeffi (2011, p. 30) afirma:

A Difusão do Conhecimento pode ser descrita como a disponibilização


pragmática de um processo produtivo sistematizado tendo em vista a
operação de apropriação da parte de todos os que possam acessar o
que está sendo difundido como conhecimento do fazer e do saber fazer,
ou do conhecer e do saber conhecer próprios de um determinado setor
das atividades humanas. A difusão, assim, responde ao imperativo do
conhecimento implicado com o desenvolvimento humano sustentável.

Assim, a difusão do conhecimento deve ser compreendida como o


processo capaz de tornar o conhecimento uma ferramenta útil para as
transformações na sociedade. O compartilhamento do conhecimento
tem sido a base da inovação e da produção de novos conhecimentos
necessários ao desenvolvimento sustentável do ser humano. A difusão
do conhecimento deve ser socialmente contextualizada numa perspec-
tiva inclusiva e plural, capaz de promover a emancipação humana e
a tomada de decisões no processo de acompanhamento das políticas
públicas educacionais.

Para Ribeiro, Menezes e Campos (2016, p. 160), a difusão do conheci-


mento envolve os processos de disseminação quando se trata do com- Bahia anál. dados,
partilhamento de informações científicas entre especialistas, cientistas
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
97
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

A política edu- e pesquisadores, a partir de uma linguagem especializada e de divulga-


cacional baiana ção, e quando se refere à popularização das informações, por meio de
tem como base uma linguagem acessível ao público em geral.
o desenvolvi-
mento socio- A divulgação é essencial para o desenvolvimento, tendo em vista que
favorece a circulação de ideias e informações sobre o processo de for-
econômico e
mulação e implementação das políticas públicas, dinamizada pela rela-
ambiental nos
ção entre a produção de saber e a sua socialização. Isso contribui para
territórios de
o acompanhamento das políticas, em específico a de educação profis-
identidade e sional, e fomenta a geração de novos saberes.
cadeias produ-
tivas
A POLÍTICA BAIANA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

A política de educação profissional, implementada no estado da Bahia


a partir de 2008, por meio do Plano de Educação Profissional da Bahia,
é direcionada aos jovens, trabalhadores e trabalhadoras e estudantes
egressos da escola pública, com a finalidade de promover a elevação da
escolaridade e inserção cidadã no mundo do trabalho. Vale salientar que
as políticas de educação profissional são formuladas em consonância
com as diretrizes de desenvolvimento para o estado, estabelecidas no
plano plurianual (PPA), envolvendo escuta social, chamado de PPA
participativo.

A política educacional baiana tem como base o desenvolvimento so-


cioeconômico e ambiental nos territórios de identidade e cadeias pro-
dutivas. Os cursos oferecidos, tanto os de formação técnica quanto os
de qualificação profissional, ofertados pela rede estadual, têm preocu-
pação com as demandas socioeconômicas e ambientais dos territórios,
favorecendo aos estudantes maiores possibilidades de inserção cidadã
no mundo do trabalho nas suas próprias regiões.

Além disso, a concepção de educação profissional defendida pela rede


estadual tem como referência a formação do homem em todas as suas
dimensões. Dessa forma, propõe a superação da dicotomia entre forma-
ção geral (propedêutica) para um determinado segmento da sociedade
e educação profissional (técnica) para preparar mão de obra para o
mercado. Frigotto, Ciavatta e Ramos (2009, p. 4) afirmam:

Esta dualidade e a articulação da educação básica com a formação


profissional se efetivam, em diferentes sociedades, de forma diversa,
dependendo dos seus processos históricos e das relações de força en-
tre grupos, classes e frações de classe internamente e na sua posição
Bahia anál. dados, nas relações internacionais.
98 salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

Nesse sentido, afirma também Pereira (2012, p. 354) que a educação Os centros
profissional deve superar dicotomias entre campos de saberes e reco- territoriais
nhecer a importância do conhecimento que contemple a pluralidade e são voltados
os processos sociais em sua complexidade. para atender as
vocações do de-
Outra característica da política de educação profissional da rede es- senvolvimento
tadual da Bahia é a integração entre o ensino médio e o profissional,
socioeconômico
articulando formação científica, sócio-histórica e tecnológica. Assim,
e ambiental dos
almeja-se a superação de um ensino voltado para o desenvolvimento
territórios de
de habilidades e competências requeridas pelo mercado na direção de
uma escola que possibilite a síntese entre teoria e prática e proporcione identidade
a valorização de saberes plurais socialmente referenciados.

Para responder a essas demandas foi criada, no âmbito da Secretaria


da Educação, em 2007, a Superintendência de Educação Profissional
(Suprof), transformada, em 2016, em Superintendência de Educação
Profissional e Tecnológica (Suprot), com a finalidade de formular e im-
plementar projetos e ações de educação profissional. Por meio do De-
creto nº 11.355/2008, foram instituídos, a partir de unidades escolares
já existentes, os centros estaduais e os centros territoriais de educação
profissional, “[...] visando o desenvolvimento social, econômico e am-
biental, a interação da Educação Profissional com o mundo do traba-
lho e o incentivo à inovação e desenvolvimento científico-tecnológico”
(BAHIA, 2008).

Os centros estaduais são temáticos e têm por objetivo formar jovens e


trabalhadores para atender as demandas geradas pelo setor produtivo
da Bahia. Os centros territoriais são voltados para atender as vocações
do desenvolvimento socioeconômico e ambiental dos territórios de
identidade, ofertando cursos dentro dos eixos tecnológicos.

A rede estadual está presente, atualmente, em 220 municípios, nos 27


territórios de identidade, sendo composta de 41 centros territoriais e
38 centros estaduais de educação profissional, além de 34 anexos e
88 unidades de ensino médio que também ofertam essa modalidade
de ensino.

Observa-se no Gráfico 1 que a educação profissional da rede estadual


de ensino da Bahia teve uma grande expansão, saindo de 16.945 estu-
dantes em 2007 para 98.392 alunos em 2018. A rede estadual oferece
87 diferentes cursos técnicos, em 11 eixos tecnológicos, 141 cursos de
curta duração, por meio do Pronatec, além dos cursos do Programa
Projovem Urbano/Campo e Saberes da Terra. Em 2018, a política de
educação profissional passou por uma reestruturação curricular, visan-
do atender os objetivos estratégicos do programa de governo Educar Bahia anál. dados,
para Transformar (BAHIA, 2018b).
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
99
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

Gráfico 1
Evolução da matrícula da educação profissional da rede estadual de ensino — Bahia —
2007-2018

98.392
1000

8000 75.214
69.353
66.681 67.083 67.155 67.222

57.567
6000

44.975

4000
32.452

23.078
2000 16.945

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: Bahia (2018b). Elaborado pelos autores.

A expansão da educação profissional da Bahia, além de ser umas das


prioridades do atual governo, pretende atender ao desafio posto no
Plano Nacional de Educação. Em sua Meta 10, o plano propõe oferecer
25% das matrículas de jovens e adultos de forma integrada à educação
profissional e, na Meta 11, preceitua a duplicação das matriculas de nível
médio nessa modalidade no segmento público (BRASIL, 2014, p. 69-71).

Assim estruturada e implementada, a expansão da educação profissio-


nal e tecnológica do estado deverá contribuir com o desenvolvimento
socioeconômico e ambiental nos territórios.

É comum a redução da ideia de desenvolvimento ao aspecto econômi-


co, confundindo-o com crescimento ou modernização tecnológica. É
certo afirmar que o conceito de desenvolvimento inspira-se nas socie-
dades ocidentais, ditas mais avançadas industrialmente e em recursos
tecnológicos, que buscam elaborar modelos para o resto do mundo,
principalmente para os países mais pobres.

Essa concepção propõe um modelo único de desenvolvimento para todos


os povos, ignorando os diferentes contextos e as diversidades culturais.
Assim, não enxerga a distinção entre modernização e desenvolvimento,
que deveriam ser compreendidos como processo para se chegar à moder-
nidade e como política de transformação da sociedade, respectivamente.

Bahia anál. dados, Souza (1997, p. 15) ressalta a impropriedade de se reduzir a ideia de
100 salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018 desenvolvimento a plano econômico, crescimento e modernização. Ele
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

afirma que um crescimento a reboque de um progresso técnico pode, É mister uma


na verdade, gerar situações de exclusão, e a modernização tecnológica democracia
pode ter sua importância relativizada a partir de seus efeitos no mun- que, mais do
do do trabalho ou no ambiente natural. Segundo Souza (2007), “[...] o que represen-
desenvolvimento estritamente econômico só pode ser, na melhor das tativa, seja
hipóteses, um meio, e jamais um fim, não sendo razoável, por conseguin- participativa,
te, ‘economicizar’ o desenvolvimento em geral”.
na qual as
decisões do que
Uma proposta alternativa de desenvolvimento deverá está voltada para
é melhor para
a qualidade geral da vida humana e a expansão das liberdades reais,
contemplando os aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e a comunidade
ambientais. Nessa perspectiva, Sen (2000, p. 52-53) diz que é preciso sejam tomadas
“[...] ver o desenvolvimento como um processo de expansão das liberda- por aqueles que
des reais que as pessoas desfrutam. [...] O processo de desenvolvimen- vivenciam a
to, quando julgado pela ampliação da liberdade humana, precisa incluir problemática
a eliminação da privação dessa pessoa”. de perto

Isso implica uma nova concepção de sociedade, uma inversão do atual


papel do Estado, uma intensa participação da sociedade civil e uma
valorização dos atores locais. O desenvolvimento não está reduzido ao
aspecto econômico, ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e
da industrialização.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento assumido como fim vai se orien-


tar pelas demandas locais e regionais, como espaços organizados e
dirigidos por um grupo social, que, pelas suas especificidades, oferece
resistência às imposições da sociedade capitalista. O que não significa o
isolamento do global, mas a busca da integração com o mundo a partir
do local, ou seja, “pensar globalmente e agir localmente”.

Isso supõe um salto qualitativo na prática cidadã e implica que os atores


locais estejam organizados e mobilizados na defesa de seus interesses e
desejos. Sendo assim, é mister uma democracia que, mais do que repre-
sentativa, seja participativa, na qual as decisões do que é melhor para a
comunidade sejam tomadas por aqueles que vivenciam a problemática
de perto, na qual os processos decisórios aconteçam de “baixo para cima”.

Destarte, é necessário que a política e o Estado não estejam submetidos


ao aspecto econômico e aos ditames do mercado. Ao Estado, portanto,
cabe articular o planejamento territorial a partir das decisões locais, fa-
cilitar o financiamento, proporcionar o acesso às novas tecnologias, às
informações e às condições de integração entre os diversos territórios
entre si e o global.

É no território que se organizam as instituições públicas e privadas, que Bahia anál. dados,
devem estabelecer parcerias e redes para a concretização de uma nova
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
101
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

A educação alternativa de vida mais justa, sustentada ecologicamente e centrada


deve proporcio- nas pessoas que vivem em um ambiente concreto. O território, nesse
nar os conheci- contexto, deve se constituir numa instituição de apoio às iniciativas no
mentos neces- plano local, pois detém melhor as informações e está perto de produ-
sários para essa tores e consumidores finais.
transformação
Nessa perspectiva, a economia não pode ser pensada do ponto de vis-
[econômica e
ta da acumulação de lucros e capital, mas pautada pelas necessidades
social]
humanas e pela equidade, respeitando a diversidade cultural e a biodi-
versidade natural e valorizando a identidade de cada território, na busca
da qualidade de vida sustentável.

Para tanto, são necessárias a rearticulação dos espaços locais e a re-


definição da cidadania numa visão democrática e mais horizontal. Daí
a centralidade da educação profissional no processo formativo para a
implementação do desenvolvimento baseado na sustentabilidade.

Para Dowbor (2004, p. 16), a ideia de que o desenvolvimento se faz com


os indivíduos sendo donos, coletivamente, do processo de transformação
econômica e social remete à questão de que a educação deve proporcio-
nar os conhecimentos necessários para essa transformação [econômica
e social]. Seguindo essa linha de raciocínio, Dowbor (2004, p. 16) afirma:

A ideia de educação para o desenvolvimento local está diretamente


vinculada a esta compreensão, e à necessidade de se formar pessoas
que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes
de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas.

A expansão educacional associada à qualidade do ensino também con-


tribui para a sustentabilidade do desenvolvimento, na medida em que
favorece o crescimento econômico e proporciona maior igualdade e
mobilidade social. Como afirma Barros, Henriques e Mendonça (2002, p.
1), “[...] a expansão educacional é essencial para fomentar o crescimento
econômico e reduzir a desigualdade e a pobreza”.

No momento em que os atores locais começam a estudar e conhecer a


sua própria realidade de modo científico e organizado, indo além do que
já é vivenciado, passam também a buscar soluções adequadas a essa
realidade sem agredir seus valores, sua identidade e o ambiente natural
em que vivem. Nesse sentido, Dowbor (2004, p. 18) enfatiza:

A educação não pode se limitar a constituir para cada aluno um tipo de


estoque básico de conhecimentos. As pessoas que convivem num ter-
ritório têm de passar a conhecer os problemas comuns, as alternativas,
Bahia anál. dados, os potenciais. A escola passa a ser uma articuladora entre as necessi-
102 salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018 dades do desenvolvimento local, e os conhecimentos correspondentes.
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

Sendo assim, o conhecimento profundo e sistematizado do território, A informação


de seus valores culturais, de sua identidade, de seus aspectos históricos socialmente
e de seus potenciais econômicos é condição primordial do desenvolvi- organizada so-
mento numa visão sustentável. bre as necessi-
dades práticas
A escola também tem o papel de organizar e disseminar a informação, permite a ação
elemento essencial da democracia participativa. A informação social-
informada do
mente organizada sobre as necessidades práticas permite a ação infor-
cidadão e das
mada do cidadão e das instituições, bem como os elementos necessá-
instituições,
rios para os processos de tomadas de decisão.
bem como os
A escola, quando comprometida com a comunidade na qual está loca- elementos ne-
lizada, é um espaço apropriado para o debate sobre o seu entorno e as cessários para
políticas públicas a serem implementadas, como também local para a os processos
discussão sobre a própria cidadania e a prática das liberdades. de tomadas de
decisão
Assim sendo, a escola deve estar articulada com outras instituições da
comunidade, visando à troca de informações e à ação coletiva em torno
do desenvolvimento da localidade e objetivando o debate sobre seu
próprio projeto político-pedagógico, que deve ter vinculações fortes
com as demais práticas sociais. No entanto, deve-se ter cautela para
não se deslocar a escola do seu foco principal, que é a aprendizagem e
a formação integral do cidadão. Ao cumprir sua função social, a escola
pode contribuir para formar homens livres, críticos e participativos.

Desse modo, implementar políticas públicas educacionais implica levar


em consideração a visão da sustentabilidade para um desenvolvimento
local. Isso quer dizer que as políticas de educação profissional devem
estar articuladas com os interesses do território e devem ser formula-
das e implementadas de “baixo pra cima”, com ampla participação dos
atores locais.

O ACESSO À INFORMAÇÃO NA BAHIA E O FORTALECIMENTO


DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

No estado da Bahia, para garantir o direito de acesso às informações


públicas, o governo sancionou a Lei 12.618/2012, de 28 de dezembro
de 2012, estabelecendo os princípios, diretrizes e procedimentos que
concretizam o acesso aos registros administrativos e às informações
sobre atos, políticas e programas de governo, em consonância com as
normas gerais estabelecidas pela Lei Federal nº 12.527, de 18 de novem-
bro de 2011 (Lei de Acesso à Informação (LAI)). Merece destaque, como
antecedente da referida lei, a criação do Transparência Bahia, em 2007,
portal que permite ao cidadão fazer o acompanhamento das contas Bahia anál. dados,
públicas do estado.
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
103
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

Essa lei regula- Essa lei regulamenta e normatiza a transparência ativa [Lei 12.618/2012],
menta e norma- que consiste na obrigação de os órgãos e entidades públicas promo-
tiza a transpa- verem, independentemente de requerimentos, a divulgação em local
rência ativa [Lei de fácil acesso ou em sítios oficiais da rede mundial de computadores,
12.618/2012] no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo
ou geral por eles produzidas ou custodiadas, sobre a implementação,
acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos
órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos.
Regulamenta ainda a transparência passiva, que consiste no atendimen-
to de requerimentos formais de pedidos de informações públicas.

No âmbito do estado, o pedido de acesso à informação deve ser feito


mediante requerimento identificado, por meio da Ouvidoria-Geral do
Estado ou das ouvidorias especializadas de cada órgão ou entidade,
especificando o órgão de que se deseja a informação requerida.

No tocante à Secretaria da Educação, as informações sobre a imple-


mentação de programas e projetos são atualizadas constantemente no
Portal da Educação2, garantindo a transparência ativa sobre as ações do
órgão. No caso da política de educação profissional, existe uma página
específica do portal3 que apresenta os princípios, diretrizes e caracte-
rísticas dessa política.

A página da educação profissional destaca ainda as características da


rede, os centros territoriais e estaduais e as unidades compartilhadas,
as formas de acesso aos cursos, as orientações pedagógicas no tocante
às diretrizes curriculares, planos de cursos e ementas dos componentes
curriculares, bem como as formas de controle e participação social.

No que se refere ao controle e à participação social, destaca-se o Fó-


rum de Educação da Bahia, com caráter consultivo, criado em 2006 e
reativado em 2009, e os conselhos dos centros territoriais de educação
profissional, que têm por finalidade promover o acesso às informações,
a difusão do conhecimento e a participação da comunidade territorial
no processo de implementação dos cursos e no fortalecimento do pro-
jeto político-pedagógico desenvolvido, estruturados com composição
paritária dos segmentos da comunidade escolar e do território. Mere-
cem destaque ainda os seminários territoriais de educação profissional,
que objetivam discutir com a comunidade escolar, movimentos sociais,
gestores públicos, representantes de agricultores familiares, integran-
tes do setor produtivo e representantes do mundo do trabalho a oferta
de cursos de educação profissional e tecnológica nos 27 territórios de
identidade da Bahia.

Bahia anál. dados, Link para acesso ao Portal da Secretaria da Educação do Estado: <http://www.educacao.ba.gov.br/>.
104
2
salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018 3 Link para acesso à página da educação profissional: <http://escolas.educacao.ba.gov.br/apresentacaoep>.
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

No que se refere à transparência passiva, a garantia de acesso à in-


formação na Secretaria da Educação é coordenada pela Ouvidoria
da Educação, que recebe os pedidos de acesso, faz o devido trata-
mento e responde aos cidadãos por meio do Sistema de Ouvidora e
Gestão Pública (TAG). No Gráfico 2, observa-se a série histórica, entre
2012 e 2017, dos pedidos de informação referentes aos serviços, pro-
gramas e projetos da Secretaria da Educação, entre eles a política de
educação profissional.

Gráfico 2
Pedidos de informação — Secretaria da Educação — Bahia — 2012-2017

2.500

2.064
2.000
1.738
1.512
1.500 1.379

1.042 991
1.000

500

0
2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: Bahia (2018a)-Sistema de Ouvidoria e Gestão Pública. Elaborado pelos autores.

Com esses mecanismos e ferramentas, a Secretaria da Educação do


Estado da Bahia garante o acesso às informações públicas sobre as
suas políticas e ações. Desse modo, proporciona a difusão do conhe-
cimento, a divulgação para a sociedade de suas ações, programas
e projetos, dentre eles os voltados para a formação profissional dos
jovens baianos.

Com a garantia de acesso à informação e a difusão de conhecimen-


to proporcionada pela ampliação do compartilhamento de informa-
ções, associadas à crescente demanda dos movimentos sociais pela
participação nas políticas e decisões de governo, contribui-se para o
fortalecimento e a consolidação da política de educação profissional
da Bahia.

Vale ressaltar que, apesar desses mecanismos de acesso à informação e


difusão do conhecimento, ainda é incipiente a busca e compartilhamen-
to dessas informações. Nesse sentido, se coloca como grande desafio
para as políticas públicas a ampliação de acesso do cidadão ao proces-
so de formulação e implementação dessas políticas. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
105
Artigos O acesso à informação e a difusão do conhecimento no fortalecimento da política de educação profissional da Bahia

Cabe ao Estado CONSIDERAÇÕES FINAIS


proporcionar
os meios que Este artigo procurou compreender a contribuição do acesso à informa-
permitam a ção e da difusão do conhecimento para o fortalecimento da política de
plena satisfação educação profissional da rede estadual de ensino da Bahia, na perspec-
tiva do desenvolvimento regional. O estudo trouxe alguns conceitos bá-
do direito de
sicos que envolvem o direito de acesso e a difusão do conhecimento, a
acesso à infor-
caracterização da política de educação profissional e a relação entre os
mação, em um
mecanismos de compartilhamento de informações dessa política com
curto espaço de
o sua ampliação e fortalecimento no estado.
tempo
Nota-se que a garantia do direito de acesso à informação pública é uma
ferramenta proporcionadora de outros direitos fundamentais do ho-
mem, defendida pelos principais organismos internacionais no mundo e,
em particular, no continente americano. É um instituto de fortalecimento
da participação e do controle social das políticas públicas governamen-
tais e de inserção cidadã no processo de formulação e implementação
de políticas educacionais. Assim, proporciona maior difusão do conhe-
cimento sobre os saberes e as práticas que envolvem a política pública.

Dessa forma, cabe ao Estado proporcionar os meios que permitam a


plena satisfação do direito de acesso à informação, em um curto espa-
ço de tempo. Esse acesso pode se dar ainda por meio da transparência
ativa. O Estado também deve desenvolver políticas e práticas de con-
servação, gestão e difusão das informações custodiadas ou produzidas
por seus agentes públicos.

A análise dos dados demonstrou que os cidadãos ainda não conhecem


em plenitude esse direito, visto que o universo demandante da política
de educação profissional é bem maior do que o número de pedidos de
acesso registrados pela ouvidoria, e a maioria das demandas de aces-
so está restrita à população de Salvador. Assim, o desafio é o desen-
volvimento de uma política de divulgação da LAI, que não pode ficar
restrita ao âmbito do Estado, mas deve ser assumida pela sociedade
civil organizada.

De todo modo, pode-se dizer que, com os mecanismos e ferramentas


utilizados pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia – a exemplo
dos fóruns, conselhos, seminários territoriais, transparência ativa por
meio da internet e atendimento dos pedidos de acesso –, tem sido ga-
rantido, ainda que de forma elementar, o acesso às informações pú-
blicas sobre as suas políticas e ações. Desse modo, proporciona-se a
difusão do conhecimento, isto é, a divulgação para a sociedade de suas
ações, programas e projetos, dentre eles os voltados para a formação
Bahia anál. dados, profissional dos jovens baianos. Isso tem contribuído para a ampliação e
106 salvador, v. 28, n. 1,
p.92-109, jan.-jun. 2018 o fortalecimento da política de educação profissional na rede estadual.
José Francisco Barretto Neto, Ana Maria Ferreira Menezes Artigos

Por fim, destaca-se que muito ainda precisa ser feito para a plena garan-
tia do direito de acesso à informação e difusão do conhecimento sobre
as ações de governo e as políticas educacionais, em particular, a de edu-
cação profissional. Considera-se que a formação integral do sujeito e a
sua inserção no mundo do trabalho de forma autônoma e que garanta o
desenvolvimento para a liberdade requerem que o cidadão esteja bem
informado e empoderado para a participação e o controle social. As-
sim, não é pretensão dos autores esgotar essa discussão, que continua
aberta para outras contribuições e novas interpretações que venham a
contribuir para uma melhor compreensão da temática em tela.

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37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de
dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos
da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>.
Acesso em: 6 maio 2018. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
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Acesso em: 6 maio 2018.

Recebido em 21 de maio de 2018 e Bahia anál. dados,


aprovado em 28 de julho de 2018.
Salvador, v. 28, n.1,
p.92-109, jan.-jun. 2018
109
Resumo

O presente artigo tem por objetivo abordar alguns aspectos da educação e


seus efeitos em organizações e empreendimentos coletivos, tendo por base
a pesquisa bibliográfica e os resultados de pesquisas empíricas realizadas. A
partir da discussão conceitual acerca da pobreza, pretende-se mostrar como
o trabalho cooperativo amparado no princípio da autonomia e emancipação
dos sujeitos envolvidos contribui para o processo de desenvolvimento
humano, social, econômico e cultural da sociedade. Realizando uma
leitura do desenvolvimento como algo além do crescimento econômico e
compreendendo a educação popular como mecanismo de emancipação no
fortalecimento do trabalho autogestionário, o presente artigo discute ainda
a relevância de pensar o trabalho como princípio educativo e o resgate desta
concepção no processo de superação da pobreza através do fortalecimento
das cooperativas populares.
Palavras-chave: Emancipação. Educação. Pobreza.

Abstract

The present article aims to weave some aspects of Education and its effects on
organizations and collective enterprises, based on the bibliographical research
and the results of empirical researches. From the conceptual discussion about
poverty, it is intended to show how cooperative work based on the principle
of autonomy and emancipation of the individuals involved contributes to the
process of human, social, economic and cultural development of society. Taking
a reading of development beyond purely economic growth and understanding
Popular Education as a mechanism of emancipation in the strengthening of
self-managed work, this article also discusses the relevance of thinking about
work as an educational principle and the rescue of this conception in the
process of overcoming through the strengthening of popular cooperatives.
Keywords: Emancipation. Education. Poverty.
Artigos

Educação e cooperativismo:
trilhando o caminho
da autonomia através
da educação popular
LUA N DA N A I A D E O L I V E I R A DA S I LVA NÃO HÁ uma definição estática e unívoca
Mestre e graduada em Ciências Sociais
pela Universidade Federal da Bahia acerca do que é a pobreza ou sua redução
(UFBA). Professora substituta da
Universidade Estadual do Sudoeste da
à obtenção ou não de certos valores
Bahia (UESB). [email protected] econômicos. Para tanto, grande parte
TA Í S D O S S A N TO S F I G U E I R E D O
da literatura acadêmica que debate esta
Graduanda em Pedagogia
pela Universidade Estadual do questão a compreende como um problema
Sudoeste da Bahia (UESB).
[email protected] multifacetado e complexo (IVO, 2006;
MAURIEL, 2010; AZEVEDO; BURLANDY,
2010; GREEN, 2009). Dessa forma, a
discussão acerca da pobreza, seus fatores,
consequências e ressoar do tratamento ou
não desta questão são fundamentais para se
pensar o êxito, a partir da garantia dos direitos
universais, da vida humana e social em sua
integralidade, de modo que todos tenham
direito à dignidade e a viver outras dimensões
da vida social de forma satisfatória.

Tratar deste tema permite algumas


pré-noções, entre as quais a relação direta
entre superação da pobreza como suficiência
de renda econômica e restrição da pobreza
às populações paupérrimas sem acesso à
moradia, ao trabalho e à educação. Isso faz
com que essas ideias sejam reconstruídas à luz
do cerne que a problemática carrega.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
111
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

A maneira Dessa forma, outros grupos, que antes não se viam como partícipes de
como a pobreza uma dinâmica estrutural cujos alicerces encontram-se na forma como o
tem sido tra- Estado conduz sua política econômica, as distribuições das suas rendas
tada, tanto no e o sistema político e social subjacente, podem compreender a rele-
campo cientí- vância das suas ações como sujeitos de transformação social. Sendo
fico quanto no assim, trata-se de uma questão que deverá ser analisada não somente
em termos quantitativos, no tocante à variação dos níveis de renda,
âmbito da vida
mas em outros aspectos que impulsionam e reforçam a pobreza es-
comum, aponta
trutural existente no Brasil e os seus males. A maneira como a pobreza
para a descon-
tem sido tratada, tanto no campo científico quanto no âmbito da vida
textualização comum, aponta para a descontextualização e desistoricização, o que se
e desistori- configura um entrave para a realização de análises sobre o fenômeno
cização (MAURIEL, 2010; AZEVEDO; BURLANDY, 2010).

Não se pode pensar a pobreza como um conceito explicativo em si mes-


mo, desconsiderando o lócus de sua produção e reprodução: o mercado
de trabalho. Qualquer análise que se faça acerca do conceito de pobre-
za deverá levar em conta o mundo do trabalho em suas transformações,
limites e potencialidades (BORGES; KRAYCHETE, 2007). Uma definição
relevante para a condução da discussão aqui apresentada, pontuada
por Sen (2000 apud GREEN, 2009, p. 25)1, afirma que a pobreza “[...]
deve ser encarada como falta de liberdade de diversos tipos para que
se usufruam condições de vida minimamente satisfatórias”. A liberda-
de torna-se então um conceito fundamental para se pensar a pobreza,
tendo em vista o exercício do direito de escolha. Isso ocorre quando,
por exemplo, faltam ao sujeito pobre não só recursos financeiros, mas
uma boa escola, saúde, lazer, entre outras coisas. Suas escolhas ficam
limitadas àquilo a que ele tem ou não tem acesso. Portanto, o sujeito
tem sua liberdade limitada, uma vez que só tem acesso àquilo que está
previamente determinado.

Ao se pensar a pobreza, algumas formas, interpretações e conceitua-


ções auxiliam na amplitude da discussão. Aqui são enumeradas algumas
correntes consideradas relevantes e atuais na discussão, entre as quais
duas se destacam:

a) a pobreza como insuficiência de renda.

Um dos expoentes da corrente que trata a pobreza como condição de


insuficiência de renda é Atkinson (1989). Ao que consta, mesmo consi-
derando a pobreza no aspecto financeiro, como insuficiência de renda,

1 Amartya Sen, economista e Prêmio Nobel de Economia, é um autor de suma importância para
os debates teóricos acerca da pobreza. Pensando a partir da teoria da escolha social de Adam
Bahia anál. dados, Smith e teoria da justiça social de John Rawls, Amartya Sen desenvolveu, ao longo da sua traje-
112 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
tória acadêmica e pessoal, mecanismos para superação da pobreza e da fome. Tendo prefaciado
a obra de Ducan Green, suas ideias perpassam todo o trabalho deste autor.
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

Aktinson reformulou suas bases teóricas. No texto La Pobreza, ele ex- Entender a
plicita duas vertentes de pensamento: uma que concede centralidade pobreza tão
ao acesso dos pobres a itens mínimos, pautada no consumo; e outra somente como
intitulada de conquista de direitos, focada no aspecto da cidadania. insuficiência
Desse modo, ele expressa: “Ingreso es preferido en el enfoque de de renda traz
los derechos, pero si su usa el punto de vista del nivel de vida se implicações sé-
debe ver inclinado por el consumo” (ATKINSON, 1989, p. 3). O autor
rias, pois exis-
está interessado na discussão sobre as linhas e demarcações de po-
tem países em
breza. Desta abordagem emergem os conceitos de pobreza absoluta e
que a pobreza
pobreza relativa, baseados em aspectos quantitativos que diferenciam
os “tipos” de pobreza. Em geral, o seu uso é justificado, conforme ex- é um fenômeno
plicitado por Rocha (2003 apud AZEVEDO; BURLANDY, 2010, p. 202): presente, mes-
mo que os indi-
Mesmo com todas estas implicações, dois fatores justificam a motiva- víduos tenham
ção pela abordagem de linhas de pobreza e indigência: primeiro, é que alcançado um
somente as medidas escalares permitem a ordenação de situações so- nível de renda
ciais alternativas; segundo, existe uma estreita correlação entre o nível razoável
de renda e os indicadores de bem-estar físico, uma vez que o acesso
a bens e serviços se dá no mercado através dos recursos monetários.

Entender a pobreza tão somente como insuficiência de renda traz im-


plicações sérias, pois existem países em que a pobreza é um fenôme-
no presente, mesmo que os indivíduos tenham alcançado um nível de
renda razoável, que os afasta da indigência e da pobreza extrema. O
mínimo é garantido, mas outras necessidades afloram, e o indivíduo
não se satisfaz apenas com a sobrevivência, mirando outros horizontes,
como lazer, cultura, entre outros aspectos primordiais à vida humana e
ao desenvolvimento psicossocial do sujeito.

Quanto mais rico é um país e melhor é a distribuída de sua riqueza, mais


comum é a abordagem da pobreza como insuficiência de renda, pois
o atendimento às necessidades de sobrevivência é superado, e outras
demandas tornam-se relevantes. É o caso, por exemplo, dos países nór-
dicos, nos quais os índices de desigualdade social são baixos quando
comparados a outros países, e seus habitantes têm suas necessidades
básicas relativamente supridas.

No entanto, os autores destacam o valor do conceito de pobreza ab-


soluta para um país como o Brasil, com elevada concentração de ren-
da, e cuja produção econômica está ainda centrada em commodities,
com um processo de urbanização e industrialização desordenado e com
grande contingente populacional, onde prevalecem números absolutos
de pobreza concentrados em regiões como Norte e Nordeste (ROCHA,
2003 apud AZEVEDO; BURLANDY, 2010). Esse estudo aponta para a
focalização da região Norte-Nordeste em números absolutos de pobre- Bahia anál. dados,
za. Sendo assim, torna-se fundamental focar o desenvolvimento local e
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
113
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

A educação regional para a suplantação da pobreza e extrema pobreza na habilita-


exerce um pa- ção dos sujeitos para os processos de superação e autonomia.
pel fundamen-
tal ao construir b) Pobreza e teoria das capacitações
as ferramentas
A segunda abordagem, denominada como a das capacitações, crê que
e dispor os me-
a pobreza é um estado de privação decorrente da insuficiência de renda
canismos ne-
e atendê-la apenas neste aspecto não abarca outras realizações huma-
cessários para
nas fundamentais. As carências básicas ultrapassam o aspecto financei-
que os sujeitos ro, tendo em vista que os seres humanos são diversos e múltiplos em
comecem a tri- suas necessidades. Essa multiplicidade é estudada por Sen (2000 apud
lhar seu trajeto GREEN, 2009), cujas variações são divididas em quatro pontos prin-
emancipatório cipais: a) a idade do indivíduo, b) questões epidemiológicas, c) papéis
sociais e d) papéis sexuais. Grosso modo, esses indicadores separados
e conjugados demonstram o quanto as necessidades variam conforme
a idade do indivíduo, o local em que ele habita, os papéis que ele exerce
na sociedade e o papel sexual que ele toma para si.

Pensar a pobreza a partir desta perspectiva permite compreendê-la


através do âmbito coletivo, organização da produção e acumulação ca-
pitalista, deixando de ser uma questão de oportunidade e capacitação
individuais. Denominada por Vianna (2008 apud MAURIEL, 2010, p. 175)
de “perspectiva liberal revisitada”, esta concepção teórica da centrali-
dade da oportunidade, com foco no sucesso ou insucesso do indivíduo
ao aproveitar uma oportunidade no mercado de trabalho, enxerga a
problemática da pobreza em sua relação com o Estado capitalista e o
mundo do trabalho. Mauriel (2010, p. 174-175) afirma que “[...] as leituras
instrumentais da pobreza despolitizam a questão social e a própria ação
política”. Essa perspectiva carrega em si uma implicação relacionada à
despolitização da ação política, visto que a organização para o trabalho
demanda uma reestruturação política dos sujeitos presentes e partíci-
pes desta ação.

Ainda como desdobramento da segunda abordagem tratada, há uma


dimensão que relaciona a pobreza à desigualdade econômica e de ca-
pacidades, que correspondem às potencialidades que os indivíduos po-
dem desenvolver. Para a Amartya Sen, a pobreza tem duas dimensões:
a de renda e a de capacidades. Nesse sentido, os desenvolvimentos de
potencialidades e de renda são consequências, visto que o indivíduo
precisa elevar as suas capacidades ou potencialidades para garantir sua
renda. Ao mesmo tempo, alcançar o desenvolvimento humano seria eli-
minar privações, elevando as capacidades. O autor prevê que o elemen-
to condicionante para redução da pobreza e efetividade das políticas
é o empoderamento dos sujeitos. Logo, a educação exerce um papel
Bahia anál. dados, fundamental ao construir as ferramentas e dispor os mecanismos neces-
114 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018 sários para que os sujeitos comecem a trilhar seu trajeto emancipatório.
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

As ideias de Amartya Sem são basilares para a teoria do desenvolvi- É importante


mento humano propagada por organismos econômicos multilaterais e pensar a edu-
internacionais, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvol- cação popular
vimento (PNUD) e o Banco Mundial (SEN, 2001, 2000 apud MAURIEL, como mecanis-
2010, p. 175). Para Borges e Kraychete (2007), essa perspectiva pode ser mo dentro do
vista como “a nova abordagem da pobreza”, sendo que o Banco Mundial cooperativismo
salienta a necessidade de oferecer amplos serviços sociais – como edu-
popular para
cação, saúde e planejamento familiar –, bem como mobilizar as pessoas
fomentar o de-
em suas capacidades, criando possibilidades de garantir a renda por
senvolvimento
meio de treinamentos educacionais e oportunidades de qualificação.
Ou seja, a educação torna-se meio para não só garantir a renda, mas de potenciali-
também mobilizar as capacidades dos indivíduos. dades inatas
aos sujeitos
Um dos aspectos levantados por Green (2009) é o de que tanto o Fun-
do Monetário Internacional (FMI) quanto o Banco Mundial são organis-
mos favoráveis à flexibilização das relações de trabalho. Portanto, ao
mesmo tempo em que a noção de superação da pobreza é desenvol-
vida por esses órgãos, observa-se, em paralelo, a ideia de flexibiliza-
ção das relações de trabalho. Isso tem trazido consequências danosas
ao bem-estar do indivíduo, já que, ao mesmo tempo em que pontu-
am a importância da superação da pobreza, fortalecem um elemento
de precarização como a flexibilização das relações trabalhistas (AN-
TUNES, 2015). O Programa Nacional de Desenvolvimento Humano das
Nações Unidas aponta que, além de ser importante superar a pobreza
em termos de nível de renda, nos países latino-americanos em espe-
cial, os indivíduos deveriam participar de processos que dizem respeito
a si mesmos.

Diminuir e erradicar a pobreza torna-se indispensável para elevar as


capacidades e os conhecimentos da população, requisito sine qua non
para superar o subdesenvolvimento latino-americano[...] se alcança a
equidade quando cada pessoa tem acesso a recursos adequados às
suas necessidades. Também é necessário aceitar que a verdadeira igual-
dade de oportunidades só é alcançada mediante o trato desigual aos
desiguais, significando que a política compensa as desvantagens das
pessoas, por exemplo, fornecendo alimentação escolar às crianças po-
bres. (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMEN-
TO, 1992, p. 158-159 apud BORGES; KRAYCHETE, 2007, p. 236).

Compreender o conceito de pobreza a partir das elaborações de Amar-


tya Sen é passar da mera eliminação de privação para o desenvolvimen-
to de capacidades que propiciem a liberdade de escolha, atendendo às
condições básicas de sobrevivência para o claro exercício da cidadania.
Por isso, é importante pensar a educação popular como mecanismo
dentro do cooperativismo popular para fomentar o desenvolvimento de Bahia anál. dados,
potencialidades inatas aos sujeitos, que precisam ser conjugadas com o
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
115
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

O trabalho processo produtivo do trabalho. É preciso perceber que o trabalho é prin-


domiciliar era cípio educativo, como evidenciam Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta,
realizado ma- Demerval Saviani e tantos outros autores, que entendem a importância
joritariamente da educação como instrumento político emancipatório e de transforma-
ou quase exclu- ção social. A educação popular, como pensada por Paulo Freire, é válida
quando propicia a capacitação das pessoas para o exercício da cidadania.
sivamente por
mulheres
Cooperativismo popular: concepções e história

Pensar a história do cooperativismo é pensar a construção coletiva de


trabalhadores e trabalhadoras por melhores condições de trabalho, a
partir do caos instalado com o crescimento desenfreado após a revo-
lução industrial. Nesse ponto, cabe salientar, de modo breve, a história
e os dilemas enfrentados por essa organização social que preconiza
valores opostos aos colocados pelo sistema capitalista. Diante da ne-
cessidade de tecer um histórico acerca do cooperativismo, é importan-
te compreender que o trabalho domiciliar, bem como as revoltas dos
trabalhadores e trabalhadoras após a falência de algumas fábricas e a
retomada dessas fábricas como espaço de produção coletiva, foram de
grande relevância para construir os pressupostos valorativos que orien-
taram a ação cooperativa.

O trabalho domiciliar era realizado majoritariamente ou quase


exclusivamente por mulheres. Forjadas a partir da divisão sexual do
trabalho, as atividades desenvolvidas no interior do espaço doméstico
estavam atreladas principalmente ao corte-costura. A emergência da
economia doméstica nos séculos XVI e XVII aponta para o aspecto
embrionário do trabalho no espaço privado, que estava conjugado
com o espaço de desenvolvimento da produção (MARX, 2008). Em
meados do século XIX, na Inglaterra, o trabalho doméstico era relizado
na casa dos “patrões”, das próprias mulheres e em casebres (escolas
de rendas) em que essas trabalhadoras reuniam-se, com seus filhos
menores, para produzir de modo eficiente. Com a expansão do sistema
fabril e a introdução de maquinaria, o processo produtivo do trabalho
domiciliar se modificou. Entretanto, a exploração e a formação do
exército industrial de reserva tornavam-se cada vez mais intensas, de
modo que a concorrência estabelecida em função da consolidação do
sistema fabril precarizou ainda mais o trabalho domiciliar. No século XX
até meados da década de 1980, o trabalho domiciliar tornou-se cada
vez mais precarizado (ABREU; SORJ, 1993).

A organização do trabalho domiciliar, bem como a revolução dos ope-


rários do século XIX na tomada de fábricas falidas – levadas pelo pro-
cesso de desenvolvimento econômico, aperfeiçoamento da maquinaria
Bahia anál. dados, e mudança do modelo de produção –, lançou as bases para o desenvol-
116 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018 vimento do cooperativismo.
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

Cooperativismo no Brasil Cooperativas


foram orga-
No Brasil, as cooperativas de trabalho adquirem visibilidade nos anos nizadas por
1980 a partir dos movimentos de recuperação de fábricas falidas em empresas e/
diversas regiões e do surgimento de cooperativas envolvendo profis- ou sindicatos
sionais liberais e desempregados de empresas públicas em processo
para atender
de enxugamento e, posteriormente, de privatização, motoristas de táxi,
à produção e/
médicos, professores etc. (LIMA, 2007, p. 75).
ou a políticas
de atração de
O processo de organização do modelo cooperativo começou no Bra-
sil com o movimento de recuperação de fábricas falidas, tendo como investimentos
exemplo a fábrica de fogões Wallig, no Rio Grande do Sul. Após a sua industriais
falência, os desempregados organizaram-se, criando duas cooperativas e geração de
de trabalho. Houve também o caso da tecelagem Mandacaru, em João renda
Pessoa, em que o estado assumiu a recuperação da empresa e formou
uma cooperativa. Esse processo de recuperação falimentar das fábricas
foi confrontado com uma série de problemas, tais como desinteresse
dos cooperados e criação de hierarquias e outros gargalos que impos-
sibilitaram o sucesso da empreitada (LIMA, 2004). Outras cooperativas
foram organizadas por empresas e/ou sindicatos para atender à produ-
ção e/ou a políticas de atração de investimentos industriais e geração
de renda. Este foi o caso de indústrias de calçados e confecções em
vários estados do Nordeste brasileiro (LIMA, 2007, p. 76).

Devido à quantidade de empresas recuperadas nesse período foi-se


costurando a necessidade de uma organização de cunho maior, capaz
de agregar esses trabalhadores. Foi criada então, em 1994, a Associação
Nacional dos Trabalhadores em Empresas e Autogestão e Participação
Acionária (Anteag), cujo objetivo era reunir os trabalhadores e trabalha-
doras que participavam de processos de recuperação de fábricas falidas
e fomentar a criação de cooperativas.

A Federação Democrática dos Sapateiros do Rio Grande do Sul, filiada


à CUT , com o fechamento sistemático de fábrica no pólo calçadista do
Vale dos Sinos a partir de 1995-1996, passou a apoiar a formação de
cooperativas de produção e trabalho , por meio do aval a linhas de cré-
ditos destinadas à compra de máquinas , à formação profissional, à as-
sessoria e à formação de parcerias com empresas. (LIMA, 2004, p. 53).

Diante disso, em 1999, nesta entidade começou a se discutir a criação


de uma agência de desenvolvimento solidário, voltada ao apoio e à as-
sessoria a cooperativas e empresas recuperadas. Não era exclusivida-
de da CUT o trabalho com cooperativas. Em meados e fins da década
de 1990, emergiram diversas entidades de natureza pública e privada
trabalhando com apoio, fomento e assessoria para o cooperativismo, a Bahia anál. dados,
exemplo da União Socialista (Unisol), entidade nascida do sindicalismo
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
117
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

Nessas ondas químico do ABC paulista; das incubadoras tecnológicas de cooperativas


turbulentas populares(ITCPs), vindas das universidades públicas e privadas do país; da
do mercado, é Rede Cáritas, entidade ligada à Igreja católica, entre outras organizações.
possível man-
ter o cooperati- Esses são os principais marcos históricos do cooperativismo no Brasil.
vismo popular Chama a atenção o fato de que o cooperativismo correspondeu, em sua
gênese, à necessidade de reconsiderar as dificuldades produzidas pela
resguardado
opressão capitalista. A proposta do cooperativismo é dual porque foi
em seus princí-
instaurada como demanda de órgãos internacionais e de interesse do
pios?
Estado brasileiro no combate à exclusão social e ao desemprego, mas,
na prática, as experiências provinham de iniciativa dos trabalhadores
contra o desemprego, contando ou não com o apoio de diversas orga-
nizações públicas e/ou privadas.

Princípios do cooperativismo popular

Os princípios que sustentam a proposta cooperativista suscitam im-


passes e divergências que vão desde a ordem organizacional à lógica
do mercado. Uma das muitas questões evocadas pela literatura cientí-
fica a respeito do cooperativismo é a essência desse modelo. Ou seja,
partindo-se do ponto de vista de que a realidade fatídica aponta que
existe um modelo de sociedade – o capitalismo – voltado para o consu-
mo, a competição e o individualismo, qual é o lugar do cooperativismo
popular? Nessas ondas turbulentas do mercado, é possível manter o
cooperativismo popular resguardado em seus princípios? Até que ponto
pode ser considerado uma proposta revolucionária ou apenas um palia-
tivo frente às desigualdades?

Tendo como referência Conforth e Thomas (1990), destacam que, na


cultura individualista e materialista do capitalismo , o apelo do traba-
lho em cooperativas , com o pressuposto da adesão voluntária e com
objetivos sociais e solidários , é muito baixo [...]Para Quijano (2002),
as regras que regem as cooperativas são as do mercado e do salário, e
o caráter de reciprocidade ou solidariedade operaria externamente às
relações de trabalho, a partir da decisão consciente de seus membros.
(LIMA, 2004, p. 54, 58).

Os autores acima citados atentam para o fato de que o princípio da ade-


são voluntária – pelo qual qualquer indivíduo que queira ingressar em
uma cooperativa popular, a despeito da sua natureza, tem essa oportu-
nidade, desde que concorde com os princípios e regras ali estabelecidos
– pode operar de modo que as regras de cooperação, reciprocidade e
solidariedade se efetivem externamente às relações de trabalho, a par-
tir da decisão consciente dos seus associados. Mas como isso poderia
Bahia anál. dados, ocorrer? Quais são os mecanismos e ferramentas que propiciam o “des-
118 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018 pertar” desses sujeitos para a tomada de consciência?
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

A cultura capitalista em geral opera no sentido oposto aos objetivos so- A cultura
lidários e sociais do cooperativismo popular. Para Quijano, como as co- capitalista em
operativas precisam produzir, um dos grandes entraves é que são sub- geral opera no
metidas ao mercado competitivo e especializado, enquanto que seus sentido oposto
princípios orbitam em direção oposta. É importante pontuar os limites aos objetivos
da ação cooperativa dentro do contexto socioeconômico globalizador solidários e
e capitalista, visto que a transformação propiciada por esse modelo de
sociais do co-
produção, organização e comercialização do trabalho impacta a vida
operativismo
dos sujeitos envolvidos. Um dos impasses do cooperativismo conside-
popular
rados pela literatura científica é a insegurança dos direitos sociais (o
trabalho cooperativo não é regido pelas mesmas leis do trabalho for-
mal, e, portanto, benefícios como abono salarial, aviso prévio e seguro
desemprego são negados), o que é observado como grande desvan-
tagem frente ao mercado, ocasionando a rotatividade dos cooperados
(as), dificuldades de organização coletiva, disciplina e organização dos
horários (LIMA, 2004; SILVA, 2007).

O caráter voluntário da adesão às cooperativas fica comprometido em


contextos de crise econômica, nos quais as possibilidades de ocupação
são reduzidas. Fica a questão se é uma alternativa à exploração capita-
lista, ou à falta dessa mesma exploração. (LIMA, 2004, p. 58).

Ou seja, o princípio da adesão livre e voluntária é ferido quando, em mo-


mentos de crise, é necessário restringir a quantidade de pessoas que pos-
sam se associar à cooperativa, tendo em vista a falta de trabalho dispo-
nível. Afora a utilização das organizações cooperativas como meio para
terceirização do trabalho formal, contrapondo os princípios de partici-
pação, solidariedade, distribuição equitativa dos ganhos, dentre outros.

Considerando que a adequação do mercado é condição de sobrevi-


vência das cooperativas, fica a questão das possibilidades efetivas de
construção de novas solidariedades sociais em empreendimentos que,
mesmo sendo autogestionários, necessitam atender as exigências de
baixos custos e competitividade como forma de sobrevivência. (LIMA,
2007, p. 69).

Essa ambiguidade das cooperativas populares manifesta-se da seguinte


forma: por um lado, ao ter que concorrer em um mercado capitalista
feroz, cujas exigências por eficiência, quantidade e qualidade pesam no
exercício do trabalho, seja ele qual for; por outro, a cooperativa é utili-
zada como instrumento de empresas para agravar a precariedade do
trabalho, como fica evidenciado em Lima (2007) e Silva (2007). E, além
disso, há de se considerar a pergunta realizada por Lima (2007): “Como
construir solidariedades sociais em cooperativas/empreendimentos au-
togestionários?” E desdobra-se a questão: Como construir essas solida- Bahia anál. dados,
riedades sociais em organizações que estão inteiramente inseridas em
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
119
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

No caso da coo- um mercado cuja lógica subjacente é completamente oposta? Antes


perativa, são os de responder a essas questões, bases do trabalho aqui empreendido, é
cooperados que necessário compreender o caráter central da autogestão como princípio
se reúnem para norteador da vida humana.
tomar decisões
e definir seus Autogestão(nomia)?
rumos, exerci-
Uma das principais diferenciações da empresa capitalista para a empre-
tando a auto-
sa solidária, proposta por Singer (2002), é a autogestão como forma de
gestão organização da produção, como princípio do cooperativismo popular. A
autogestão se define como modelo de gestão baseado na organização
autônoma dos trabalhadores e trabalhadoras, mas, concretamente, a
autogestão se aplica tanto na vida orgânica da cooperativa quanto para
subsidiar as ações dos trabalhadores. Esse modelo, como princípio de
organização, não está restrito à cooperativa, mas se estende a outras
instituições e empreendimentos que se situam no âmbito da economia
solidária, nos quais as decisões são coletivas, tomadas com todos os
seus associados, e a informação é partilhada de forma horizontal, a fim
de que todos tomem posse da organização e fortaleçam o sentimento
de pertencimento. No caso da cooperativa, são os cooperados que se
reúnem para tomar decisões e definir seus rumos, exercitando a auto-
gestão, bem como criando instrumentos e mecanismos para que todos
possam saber das atividades da cooperativa, conferindo poder a todos
de forma democrática para questionar e contribuir na gestão da coope-
rativa. Nesse sentido, a concepção de autogestão ultrapassa as frontei-
ras organizacionais e se torna um conceito político, que pode direcionar
as ações dos sujeitos, conforme Lechat e Barcelos (2008, p. 97).

O termo autogestão significa literalmente administrar, gerir a si mesmo,


do grego autos (si mesmo) e do latimgest–o, (gerir), mas é utilizado
para designar grupos que se organizam sem uma chefia. O princípio da
autogestão parte então do pressuposto filosófico e político de que os
homens são capazes de se organizarem sem dirigentes.

Trata-se de uma concepção ampla, que não se fecha no princípio de


auto-organização, mas também está inserida na busca por formas igua-
litárias de organização social. Há vínculo estreito entre os pensamentos
socialista e anarquista e a autogestão:

A concepção autogestionária era herdeira de Owen, Fourier e outros


socialistas utópicos do século XIX, que imaginavam a passagem para
o socialismo mediante a construção e comunidades livres e igualitárias
[...] Owen exerceu real liderança política na Inglaterra [...] Ele ajudou a
formar cooperativas e lhes atribuiu uma missão revolucionaria, qual seja
Bahia anál. dados, a de organizar operários grevistas para tomar o mercado dos capitalis-
120 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018 tas. (SINGER, 2002, p. 40).
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

O estudo realizado por Silva (2007) revelou que existem as cooperativas O trabalho no
falsas, que não aplicam os princípios genuínos do cooperativismo e não cooperativis-
formam os seus associados para a cultura da autogestão, mas que, em mo popular,
tese, acentuam as hierarquias, mandos e desmandos de uns poucos e seguindo os
relegam a estes a tarefa de tocar a organização, tal como uma empresa princípios de
capitalista convencional. E existem as cooperativas que preservam e democracia,
conservam o esforço contínuo de formação de seus associados para a
gestão coletiva
autogestão, que deve estar combinada a uma cultura do associativismo,
e solidariedade,
do trabalho coletivo e democrático.
impulsiona a
Assim, a autogestão como proposta necessita estar articulada a uma
formação de
perspectiva política mobilizadora. [...] Entretanto, o crescimento de sujeitos eman-
empresas cooperativas e a construção de uma cultura de trabalho as- cipados
sociado podem constituir opção de trabalho mais satisfatória, em que
pese sua inserção num mercado competitivo, como acontece em países
europeus, por exemplo. (LIMA, 2007, p. 80).

Em suma, a ideia da autogestão é complexa e abrangente, mas tam-


bém está ligada à autonomia do empreendimento/cooperativa e dos
seus associados, que podem ser geridos sem a necessidade de rígi-
das hierarquias e chefias, abrindo espaço para o exercício democrá-
tico. Isso, de certa forma, suscita certo tipo de vulnerabilidade da
organização, no sentido da instabilidade e de conflitos que possam
surgir como fruto de todo processo de ruptura, como verificaram
Silva (2007) e Lima (2004). A falta de hierarquia e mando promo-
ve a autonomia do sujeito para pensar e propor ações para a orga-
nização, mas, ao mesmo tempo, o coloca em uma zona de confor-
to em que as decisões são consensuais, o que pode condicioná-lo a
não participar.

Cooperativismo popular: entre educação popular


e cidadania

No que tange à importância do trabalho cooperativo popular e à con-


secução da cidadania, nota-se que, entendendo a cidadania como diá-
logo entre Estado e sociedade civil no exercício dos direitos e deveres
(Vieira, 2001), é possível compreender que o trabalho no cooperati-
vismo popular, seguindo os princípios de democracia, gestão coletiva
e solidariedade, impulsiona a formação de sujeitos emancipados. To-
mando-se o trabalho como princípio educativo, compreende-se que, a
partir da organização do trabalho, a educação se faz presente, uma vez
que o processo de aprendizagem está imbricado na prática, no fazer.
Resgatando o trabalho como princípio educativo, tem-se a visão de
Gaudêncio Frigotto:
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
121
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

A educação É dentro desta perspectiva que Marx sinaliza a dimensão educativa


popular é vol- do trabalho, mesmo quando o trabalho se dá sob a negatividade
tada para criar das relações de classe existentes no capitalismo. A própria forma de

os alicerces da trabalho capitalista não é natural, mas produzida pelos seres humanos.

autonomia e A luta histórica é para superá-la. (FRIGOTTO; CIAVATA; RAMOS, 2005,


p. 20-21).
emancipação
dos sujeitos
Dessa forma, é possível compreender o trabalho cooperativo popular
envolvidos em
como a organização e concepção do trabalho que, sob o jugo das re-
seu processo lações exploratórias e predatórias capitalistas, assume a tentativa de
libertador superar esse sistema, ainda que as ações ocorram de forma regional
e local. Assegura, assim, além de uma ruptura com a lógica do merca-
do no sentido da formação do sujeito, a educação para superação da
pobreza e fortalecimento local. Desse modo, concebe-se que as arti-
culações entre o potencial de superação da pobreza através das orga-
nizações coletivas autogestionárias, que propiciam a obtenção de ren-
da e a existência do trabalho como princípio educativo, coadunam-se
com um princípio educador diferente do contemplado na “educação
bancária/capitalista”.

Para Freire (2005), a educação bancária é a representação da educação


no capital e para o capital. É uma educação que preconiza a compe-
titividade em uma relação hierárquica entre educadores e educandos,
estes últimos vistos como depósitos de conteúdo, cujas realidades são
externas ao ambiente educativo no qual estão inseridos. Ainda segun-
do Freire (2005), a educação é transformadora, visto que os proces-
sos educativos acontecem mediatizados pela experiência prática vivida
pelos sujeitos. A educação popular é voltada para criar os alicerces da
autonomia e emancipação dos sujeitos envolvidos em seu processo li-
bertador, além de fomentar a superação da pobreza, compreendida
pela necessidade de conceder aos sujeitos possibilidades de escolha.
E essas possibilidades de escolha só poderão existir se estes mesmos
sujeitos compreenderem a realidade que os cerca e os processos em
que estão inseridos, aliando tanto o conhecimento técnico fundamental
quanto a experiência vivida.

Ressoar de uma experiência

Uma pesquisa realizada no ano de 2013 analisou o trabalho no coope-


rativismo popular a partir das trajetórias das mulheres da Cooperativa
Múltiplas Fontes de Engomadeira, em Salvador, na Bahia. Os objetivos
foram: a) compreender de que forma a autonomia das mulheres se de-
senrola no seio do cooperativismo popular da economia solidária; e b)
observar se existem diferenças quanto à autonomia no trabalho hierár-
Bahia anál. dados, quico e no trabalho coletivo e recuperar a experiência dessa cooperativa
122 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018 levando em consideração as suas singularidades. Foi possível perceber
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

os resultados de processos formativos que preconizam outras formas e O processo de


vivências de experiências do trabalho. A partir das falas das entrevista- emancipação é
das e dos dados coletados foi possível identificar que, além de propiciar construído sob
a superação da extrema pobreza neste grupo, o trabalho autogestioná- o jugo dos prin-
rio possibilitou a emancipação dessas mulheres a partir dos avanços, cípios econômi-
desafios e problemas engendrados pela cooperativa. cos solidários
As cooperadas apontaram a falta de vontade e a pouca compreensão
quanto à importância de participação em arenas públicas para confron-
to de direitos e deveres. Entretanto, é preciso considerar que o processo
de percepção e enfrentamento por parte de um grupo é lento, e se deve
reconhecer que o sujeito emancipado se desenvolve, mesmo que em um
processo de organização e trabalho para geração de renda, ao mesmo
tempo em que propõe um amplo debate com o Estado ativo, visão cor-
roborada por Ivo (2008). O processo de emancipação é construído sob
o jugo dos princípios econômicos solidários, que propiciam a autonomia
das mulheres, tanto em termos de rendimento quanto no âmbito social.
Dessa forma, nas questões acerca da importância do processo formati-
vo e educativo, as respostas foram as seguintes2:

[...] mas dentro da cooperativa a gente tem liberdade, a gente tem e


expressa. A gente tem autonomia, de falar de opinar, de ver se aquela
é realmente aquela palavra que tá falando, se é certa se é errada e isso
pra gente é importante , pelo menos pra mim é importante. [...] como
uma cooperativa a gente pode ir além da imaginação, passa a ter garra
e capacidade, entendeu? (Cooperada E).

Então a gente tomou curso, mas a experiência do dia a dia, né, o co-
tidiano da cooperativa, no dia a dia a gente experimenta trabalhando
com outras cooperativas, fazendo evento junto, a gente vai se capaci-
tando e vai criando alguma coisa, às vezes dá certo, entendeu? Tem que
criar alguma coisa, decidir inventar todo [...] [referindo-se aos atores
que contribuíram com processo formativo] [...] a ITCP, a Uneb deu o
curso, a gente, até desse pessoal todo que deu curso a gente e apoiou
a gente naquele tempo, a ITCP é que continua. (Cooperada A).

O processo formativo e educativo desenvolve-se em diversas dimen-


sões. Na fala da Cooperada E é possível notar que autonomia, liber-
dade de escolha e decisão são imprescindíveis para o tipo de auto-
nomia que se desenrola, que pode ganhar os contornos ditados pelo
próprio grupo, se assim ele quiser. Já na fala da Cooperada A aparece
a vinculação entre a formação através de cursos e a necessidade de
se aliar a prática, a experiência cotidiana como mola propulsora para

Bahia anál. dados,


2 Ressalta-se que, seguindo os procedimentos de preservação da identidade dos entrevistados
para cumprimento ético da pesquisa, definiu-se cada entrevistada por letras: A, D e E.
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
123
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

A necessidade a inventividade e o desenvolvimento do grupo. Aparece também a im-


da educação portância da instituição que promove a formação e o acompanhamen-
formal é perce- to do grupo, nesse caso, a incubadora da Uneb, que se responsabiliza
bida observan- por solidificar os princípios do grupo no lócus da economia solidária,
do-se as princi- atendendo às suas diversas necessidades, em um processo contínuo de
troca de conhecimentos.
pais carências
de saberes
Das três entrevistadas, apenas uma possuía nível superior em anda-
especializados
mento, e das seis associadas, duas estavam cursando nível supe-
dentro da coo- rior. Ou seja, a necessidade da educação formal é percebida obser-
perativa vando-se as principais carências de saberes especializados dentro
da cooperativa.

É outra discussão que agente trava até dentro do grupo, aqui mesmo
na Coofe, até o grupo perceber que cada um precisa voltar pra escola,
que a gente tá com um negócio, que o negócio vem desenvolvendo,
precisa que cada um tenha interesse de voltar pra escola pra melhorar
o negocio, né. A gente sempre conversa assim, ah... o empreendimento
de alimentação precisa de nutricionista, precisa de contador, precisa
de administração, precisa de advogado, precisa de psicólogo, precisa
de tudo, então até essa maturidade chegar nos empreendimentos é
difícil. (Cooperada D).

Outros conhecimentos são desenvolvidos no trabalho cooperativo pela


possibilidade de rotatividade das funções, mas há a necessidade de que
algumas habilidades sejam aprimoradas, em um processo de constru-
ção da emancipação e da autonomia traduzido em participações em es-
paços políticos e públicos, em que as falas e o conhecimento vivenciado
pelas cooperadas no dia a dia da organização são de suma importân-
cia. O desenvolvimento humano é um processo contínuo e ininterrupto,
que interage de maneiras diferentes no ambiente, de acordo com cada
fase da vida. Entender esse desenvolvimento permite lançar um novo
olhar sobre as questões e/ou ações individuais que se apresentam no
ambiente social.

No caso tratado acima vê-se o processo apresentado por Vygotsky


(1984 apud OLIVEIRA, 2011):

[...] a construção do pensamento e da subjetividade é um processo cul-


tural, e não uma formação natural e universal da espécie humana. Ela se
dá graças ao uso de signos e ao emprego de instrumentos elaborados
através da história humana em um contexto social determinado.

Já que o mundo fornece os significados, nós, através da subjetivida-


Bahia anál. dados, de, contribuímos para a construção da identidade histórico-cultural
124 salvador, v. 28, n. 1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
Luanda Naiade Oliveira da Silva, Taís dos Santos Figueiredo Artigos

da sociedade em que estamos inseridos, neste caso, o grupo social A percepção


em que se está inserido – a cooperativa de produção. Se o processo das entrevis-
de construção do pensamento é cultural, a percepção das coopera- tadas sobre
das acerca da educação formal será desenvolvida, caso os processos o trabalho
formativos permaneçam. cooperativo
é importante
O relato da Cooperada A sobre seu escasso conhecimento escolar e sua
instrumento
habilidade em realizar cálculos matemáticos sem o domínio completo
de mudança
do código matemático formal suscita uma variante importante no que
de concepção
tange à autonomia do sujeito: a descoberta de saberes até então ultra-
jados pelos trabalhos convencionais. no sentido da
emancipação
Eu vou dizer a você, não tenho estudo, não estudei, estudei muito pou- dos sujeitos
co, fui nascida e criada na roça, não entendo nada de computador, eu
não sei nada de experiência em contabilidade. Mas eu faço conta na
minha mente, eu passo o troco sem calculadora, qualquer dinheiro que
você me dê pra passar o troco eu não uso calculadora pra somar pra
tirar quanto, não, na minha mente eu vou lá e tiro x valor, coloco x va-
lor. Eu não sei mexer com calculadora, não sei mexer em computador
[...], já mexi mas larguei, mas a minha mente, a minha visão e a minha
mente [...] o que eu tenho na minha mente, uma pessoa que estudou,
que se formou, talvez não tenha nem essa capacidade de distribuir a
mente como eu distribuo assim em um minuto, entendeu? O pouco
que eu aprendi nessa serralheria, nesses trabalhos, nas viagens, não
tenho formação de contabilidade, mas eu entendo alguma coisa um
pouquinho. (Cooperada A).

A percepção das entrevistadas sobre o trabalho cooperativo é impor-


tante instrumento de mudança de concepção no sentido da emanci-
pação dos sujeitos, propiciando, por meio do trabalho coletivo, a apro-
priação de um processo formativo e educativo e minando de forma
paulatina a lacuna entre o conhecimento formal e o conhecimento do
“chão da vida”. Através das falas selecionadas é possível perceber que
o trabalho é costurado, com todas as suas fragilidades e deficiências,
para que o sujeito ali envolvido conquiste a sua autonomia, mesmo em
atividades que necessitem de qualificação e sejam consideradas pre-
cárias na teia complexa da desvalorização do trabalho realizado por
grupos produtivos, cooperativas, associações etc. Considera-se que há
muito a se realizar e pesquisar acerca da realidade de espaços formati-
vos não escolares, em que a educação popular engajada e autonôma de
Paulo Freire está presente em um contexto de superação dos modelos
de produção vigentes, fazendo o trabalho coletivo e autogestionário,
que reforça e recria a autonomia dos sujeitos envolvidos, tornar-se cada
vez mais desafiador.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
125
Artigos Educação e cooperativismo: trilhando o caminho da autonomia através da educação popular

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Recebido em 21 de maio de 2018 e Bahia anál. dados,


aprovado em 17 de junho de 2018.
Salvador, v. 28, n.1,
p.110-127, jan.-jun. 2018
127
Resumo

O presente artigo analisa historicamente a pobreza, seus conceitos e sua


relação com o surgimento dos programas de renda mínima e destes com
a educação. Apresenta-se um panorama dos programas de renda mínima,
com ênfase no surgimento do Programa Bolsa Família (PBF). Com o aporte
metodológico da pesquisa qualitativa e por meio da análise de conteúdo, o
estudo utilizou como instrumentos de coleta de dados fontes documentais,
como a legislação referente ao PBF e avaliações realizadas pelo MEC/Inep
do desempenho escolar de estudantes da rede pública de ensino brasileira
(municipal, estadual e federal) nos exames realizados entre os anos de 2005
e 2011. Sob uma perspectiva crítica da análise de políticas sociais, em especial
as focalizadas – entre as quais se insere o PBF –, o quadro teórico, associado
às fontes consultadas, permite inferir que a vinculação da educação como
condicionalidade do PBF insere-se no contexto das políticas neoliberais,
tendo por influência na área educacional a vinculação da educação como
preparação para o trabalho e qualificação de mão de obra, como meio de
ativação para o mercado de trabalho. Os dados coletados das avaliações do
MEC/Inep, por sua vez, revelaram que a escola analisada encontra-se longe
de atingir os índices educacionais mínimos exigidos pelo órgão avaliador.
Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Educação. Pobreza. Programas de
renda mínima.

Abstract

The present article analyzes historically the poverty, its concepts and its
relation with the emergence of the programs of minimum income and these
with the education. We present an overview of the minimum income programs,
with emphasis on the emergence of the Bolsa Família Program (PBF). With
the methodological contribution of the qualitative research and through the
content analysis, the research used as documentary sources data sources as
legislation referring to the PBF and evaluations carried out by the INEP / MEC
of the school performance of students of the Brazilian public school system
(municipal, state and federal levels) in the evaluations carried out between
2005 and 2011. From a critical perspective of the analysis of our social policies,
in particular the focused policies, among which the BPM is inserted, the
theoretical framework, associated to the sources consulted , allows us to infer
that, contrary to the social guarantees announced by the 1988 Constitution,
the linkage of education as conditionality of the PBF is part of the neoliberal
policies that have become a reality in our country in the 90s of the last century,
with strong influences in the educational area the linking of education as
preparation for work and qualification as a means of activation for the labor
market. The data collected from the INEP / MEC evaluations showed that the
school analyzed is far from reaching the minimum educational levels required
by the evaluating Body.
Keywords: Bolsa Família Program. Education. Poverty. Minimum income
programs.
Artigos

Programa Bolsa Família:


limites e possibilidades no
enfrentamento da pobreza e
promoção do acesso à educação
LU I S C A R LO S S A N TO S O L I V E I R A O PRESENTE artigo tem por objetivo
Mestre em Educação e especialista em
Educação e Pluralidade Sócio Cultural analisar a relação entre o Programa Bolsa
pela Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS). [email protected]
Família e a pobreza. Considerando ser um dos
principais objetivos do programa promover
o acesso à rede de serviços públicos, em
especial de saúde, educação e assistência
social, o estudo examinou o desempenho
de uma unidade escolar da rede estadual de
Feira de Santana-BA, por meio de indicadores
de desempenho divulgados no portal do
MEC, a fim de verificar em que medida esse
acesso tem contribuído para a melhora dos
índices educacionais. Por meio de pesquisa
documental, procurou-se, através do resgate
histórico do Programa Bolsa Família, identificar
sua relação com a pobreza, a concepção de
pobreza que referencia o programa, bem como
sua vinculação à educação. Nesse movimento,
documentos impressos e digitais (a exemplo
de leis e decretos federais, como da criação e
regulamentação do Programa Bolsa Família)
forneceram dados referentes às características
do Programa Bolsa Família, sua concepção
como programa social, os critérios de inclusão/
exclusão e as condicionalidades. Além disso,
foram consideradas avaliações realizadas pelo
Ministério da Educação por meio do Inep.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
129
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

O pobre é vul- CONCEPÇÕES DE POBREZA E A SUA


garmente con- PRODUÇÃO/REPRODUÇÃO
cebido como
aquele tomado Atualmente, os efeitos da pobreza encontram-se disseminados em di-
pela preguiça, versos espaços. Convive-se com seus resultados diariamente, e eles são
constantemente explicitados nas diversas mídias. Por vezes, sua presen-
pelo comodis-
ça é tão constante que chega a ser vista por alguns como algo natural,
mo ou depen-
sem saída ou solução. Outras vezes, o pobre é vulgarmente concebido
dente de pro-
como aquele tomado pela preguiça, pelo comodismo ou dependente de
gramas sociais programas sociais promovidos pelo governo, sendo, por conseguinte,
promovidos estigmatizado. Entretanto, [..] a pobreza, longe de ser algo natural, tem
pelo governo origem e filiação.

Assumindo a desigualdade social como construção social e, portanto,


que remonta a períodos e contextos datados, para efeitos deste tra-
balho, localiza-se o fenômeno da pobreza a partir da emergência do
modo de produção capitalista. Este marco torna-se significativo por
se tratar de um período com mudanças profundas nas relações sociais
e, sobretudo, no trabalho, posto que o trabalhador passou da condi-
ção de conhecedor de todo o processo de produção para o de força
de trabalho alienada, obrigando-se a vendê-la em troca de sua ma-
nutenção e sobrevivência. Agregado a isto, foi sob o capitalismo que
a pobreza se constituiu como uma questão político-social. Lavinas
(2002, p. 25) afirma:

A pobreza institui-se como questão social, tanto na Europa quanto na


América Latina, apesar de evidente defasagem no tempo, concomi-
tantemente ao surgimento das grandes cidades, quando as condições
precárias das populações recém-chegadas do campo inspiravam preo-
cupação e receio, suscitando intervenções do setor público em prol da
instituição de uma nova ordem social. Ela institui-se, portanto, ao de-
mandar meios para uma regulação eficaz. A moderna sociedade capi-
talista em gestação necessitava imperiosamente integrar o proletariado
e forjar a classe trabalhadora.

Ressalte-se que a integração do proletariado à sociedade, como visto


acima, não se daria ao acaso, mas dentro do movimento de ajustamento
da mão de obra ociosa à organização da nova sociedade em formação.
Como registra Marx (1996), para que se promovesse a estabilidade da
ordem social em ascensão, aqueles que demonstrassem comportamen-
tos desviantes eram severamente punidos. Assim, muitos camponeses
não absorvidos pelas vagas das manufaturas, praticando então a men-
dicância, passaram a ser regulados, inclusive, por leis.

Bahia anál. dados, Os expulsos pela dissolução dos séquitos feudais e pela intermitente e
130 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 violenta expropriação da base fundiária, esse proletariado livre como
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

os pássaros não podia ser absorvido pela manufatura nascente com a O pobre, longe
mesma velocidade com que foi posto no mundo. Por outro lado, os que de ter reconhe-
foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vida não cida sua situa-
conseguiam enquadrar-se de maneira igualmente súbita na disciplina ção de vítima
da nova condição. Eles se converteram em massas de esmoleiros, assal- do processo, foi
tantes, vagabundos, em parte por predisposição e na maioria dos casos
encarado como
por força das circunstâncias. (MARX, 1996, p. 356).
parte respon-
sável por sua
Entretanto, por trás da punição dos que praticavam a “vagabundagem”,
condição
supostamente de forma voluntária, como demonstrou Marx, existia a
intenção de favorecer a manutenção do exército de mão de obra in-
dispensável à reprodução do capital, em franco movimento de consti-
tuição. A partir do século XVI, verifica-se então na Europa a formação
de exército de reserva para compor uma das características do siste-
ma produtivo que começa a ganhar corpo: a produção da pobreza em
massa, oriunda do processo de apropriação da riqueza pela burguesia
em ascensão. Como o mercado de trabalho não absorvia as grandes
levas de desempregados, e mesmo os que eram absorvidos estavam
em condições precárias, a pobreza passou a fazer parte da dinâmica so-
cial em níveis cada vez maiores. O pobre, longe de ter reconhecida sua
situação de vítima do processo, foi encarado como parte responsável
por sua condição.

No momento em que uma determinada classe social se apoderou das


riquezas e dos meios de produção, e outra não possuía nada mais além
de sua força de trabalho, a pobreza até então conhecida por alguns,
tornou-se de massa. E mais, os pobres que se multiplicavam não eram
considerados vítimas e merecedores de proteção de vida, mas, ao con-
trário, culpados pela sua condição. (PEREIRA, 2006, p. 240).

Na mesma direção de Pereira (2006), Codes (2008, p. 7) assinala que,


inicialmente, “[...] a preocupação com a pobreza encontrava-se refletida
na tônica daquelas leis que consistiam em organizar a ‘caça aos vaga-
bundos’ e em obrigar ao trabalho todos aqueles considerados sãos de
corpo e capazes de realizar atividades laborais”. É neste contexto que
se verifica uma das primeiras – senão a primeira – iniciativas governa-
mentais voltadas à redução dos impactos da pobreza na sociedade,
as chamadas poor laws, ou lei dos pobres, as quais ocorreram entre
1531 e 1601 na Inglaterra como recurso político de proteção elemen-
tar à força de trabalho. Tal lei em nada alterava a situação de pobre-
za em que se encontrava a maioria da população não possuidora dos
meios de produção.

A partir das políticas desenvolvidas pela lei dos pobres, a pobreza pas-
sou a figurar como objeto das primeiras tentativas de se compreender Bahia anál. dados,
suas causas e de se mensurar sua dimensão, aparecendo também nos
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
131
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

As políticas de discursos literários e nas primeiras enquetes sociais. Concebia-se a po-


ajuste social breza então a partir da ideia de necessidades mínimas, cunhada na no-
no tocante à ção de subsistência. As políticas de ajuste social no tocante à pobreza
pobreza pau- pautavam-se na concepção de que aos pobres bastava o suficiente à
tavam-se na manutenção de suas necessidades básicas, ou seja, satisfação das ne-
concepção de cessidades alimentícias mínimas para a sobrevivência.
que aos pobres
Por sua vez, a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra forneceu o
bastava o sufi-
campo de gestação de todo o aparato necessário à exploração de gran-
ciente à manu-
des levas de trabalhadores que nada mais detinham para sua sobrevi-
tenção de suas vência além da força de trabalho. Na medida em que crescia a acumula-
necessidades ção de capital, verificava-se igualmente aumento em sua concentração
básicas e centralização. O fosso entre aqueles que mais tinham e os que pouco
ou nada possuíam aumentava vertiginosamente, expressando uma das
contradições do modo de produção que emergia.

É uma das características mais melancólicas da situação social do país,


diz Gladstone, que com um decréscimo na capacidade de consumo do
povo e um acréscimo nas privações e na miséria da classe trabalhadora,
há ao mesmo tempo acumulação constante de riqueza nas classes altas
e crescimento constante de capital. (MARX, 1996, p. 280).

O relato de Marx, a partir da situação descrita por Gladstone, ministro


da Câmara dos Comuns, em 13 de fevereiro de 1843, dá uma ideia dos
níveis de privações a que estava sujeita a população trabalhadora in-
glesa, bem como das contradições inerentes à acumulação capitalista.
Se de um lado restava aos trabalhadores as privações na manutenção
de suas vidas, por outro, às classes altas cabia a acumulação de capital
à base da exploração da força de trabalho daqueles.

Os dados referentes à Inglaterra no século XVIII e, principalmente, no


século XIX retratam bem a vida dos trabalhadores não só das cidades,
mas também do campo. Muitos trabalhadores, dadas as baixas remune-
rações e a elevação das dificuldades de sobrevivência, experimentavam
uma situação de indigência, em diversos aspectos da vida cotidiana.
Nesse sentido, algumas passagens da condição em que se encontravam
os pobres na Inglaterra são ilustradas por Marx a partir de um relatório
apresentado pelo Dr. Simon, funcionário médico do Privy Council1.

Muito antes de a insuficiência alimentar ter passado a gravitar no plano


da higiene, muito antes de o fisiólogo pensar em contar os grãos de ni-
trogênio e carbono, entre os quais oscila a vida e a morte por inanição,
a economia doméstica já terá sido despojada de todo conforto mate-

Bahia anál. dados,


132 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
1 Conselho Secreto, órgão especial junto ao rei da Inglaterra, constituído por ministros e outros
dignitários burocráticos e religiosos. O Conselho Secreto foi criado no século XIII.
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

rial. O vestuário e o aquecimento ter-se-ão tornados ainda mais escas- Longe de


sos do que a comida. (SIMON, 1863 apud MARX, 1996, p. 285-286). representar
fatos isolados,
O quadro relatado acima dá pistas da situação de indigência de boa a situação de
parte da classe trabalhadora de então, que vai da própria incapacidade precariedade
de manutenção alimentar a problemas sanitários que causaram a morte sofrida pelos
de muitos trabalhados, com a proliferação de doenças infectoconta-
trabalhadores
giosas. Quando o trabalhador não consegue satisfazer a fome, diver-
constituiu-se
sos outros aspectos de sua vida, como vestuário, utensílios domésticos
em fruto do
e, muitas vezes, a própria moradia, já terão sido retirados dele. Longe
de representar fatos isolados, a situação de precariedade sofrida pelos
processo de
trabalhadores constituiu-se em fruto do processo de acumulação de acumulação de
capital, com violenta intensificação da produção de relações humanas capital
desiguais, em que os não proprietários são subalternizados. Extensas
jornadas e precariedade nas condições de trabalho, redução do tempo
dedicado à família e péssima situação de moradia e alimentação com-
punham um cenário em que continuar a viver passou a representar o
anseio de muitos dos que estavam em situação de indigência.

O panorama acima não dizia respeito apenas à Inglaterra, mas retrata-


va também outras regiões da Europa. Nesse sentido, compreende-se
que é a partir dos desajustes sociais provocados pela nova organização
social promovida pela expansão capitalista que a temática da pobreza
ganha contornos específicos, que desafiam a pensar o passado e o pre-
sente em face das relações sistêmicas entre a produção da pobreza e a
acumulação capitalista. A saída de grandes levas de trabalhadores do
campo rumo às cidades em busca de meios de sobrevivência promoveu
na Europa novos arranjos sociais que levaram os estados a buscarem
soluções para o restabelecimento e a manutenção da ordem social.

Se no passado as poor laws tiveram o seu papel de assegurar o míni-


mo para a sobrevivência dos pobres, e, no século XIX, as condições
sub-humanas descritas por Marx (1996) continuaram em evidência,
as realidades político-sociais registradas acima não passaram incó-
lumes pelo tempo. Expressão disso pode ser notada ao final da Pri-
meira Guerra Mundial (1914-1918), com o Tratado de Versalhes, que
consagrou alguns direitos trabalhistas e previdenciários, bem como
no período pós-Segunda Guerra (1939-1945), quando os países do ca-
pitalismo central passaram a ampliar os sistemas de proteção social
aos indivíduos em ocasiões em que perdessem suas fontes de renda
(FALEIROS, 1986, p. 19).

Esse sistema de seguridade social garante serviços e benefícios do Es-


tado ao cidadão, desde o seu nascimento até a sua morte, a partir de
contribuições específicas em lei. [...] É chamado por uns Welfare State Bahia anál. dados,
ou Estado de Bem Estar e, por outros, Estado de Providência ou Estado
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
133
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

Embora o Es- Assistencial, pelo qual o Estado garante ao cidadão a oportunidade de


tado de bem- acesso gratuito a certos serviços e a prestação de benefícios mínimos
-estar tenha para todos. (FALEIROS, 1986, p. 20).

promovido a
garantia de Nesse cenário, o Estado se apresenta como regulador do mercado, e,
para que possibilite à população o bem-estar, deve manter os meca-
direitos sociais,
nismos do mercado de trabalho e as relações capitalistas de produção.
não alterou
Entretanto, “[...] essa regulamentação estatal não é fruto de uma evolu-
o quadro de
ção do humanismo, mas das próprias contradições e conflitos de uma
pobreza nos pa- sociedade que produz incessantes riscos para a vida das pessoas e o
íses de capita- esgotamento da força de trabalho” (FALEIROS, 1986, p. 26).
lismo central
nem nos perifé- Longe de se constituir em um Estado voltado à classe proletária, tal
ricos regulação tem fundamento em ideais liberais progressistas visando à
manutenção do processo global de acumulação da riqueza capitalista,
fazendo frente às crises econômicas e ameaças sociais. Busca-se, dessa
forma, assegurar o lucro dos capitalistas, que, historicamente, tendem
a baixar pela forte disputa entre eles e pelo confronto do capital com o
trabalho. Entretanto, apesar das limitações de um Estado providencial
no capitalismo, as garantias advindas daí são fruto da luta entre as duas
classes em disputa a partir do processo de industrialização europeu:
burguesia e proletariado. Quanto a isso, Pereira (2006) afirma que esta
nova forma de regulação não mais se pauta na repressão e punição, mas
na cidadania. Assim, o welfare State europeu 2 , “[...] apesar de manter
a classe trabalhadora na mesma situação desigual, ofereceu proteção
social e segurança no trabalho” (PEREIRA, 2006, p. 241).

Apesar dos ganhos advindos desse processo, a ideia de manuten-


ção do pleno emprego não se sustentou diante das próprias contra-
dições do sistema capitalista, visto que o desemprego é inerente ao
próprio processo de acumulação. Na medida em que gera extenso
exército de reserva, o sistema provoca redução dos salários. Embora
o Estado de bem-estar tenha promovido a garantia de direitos sociais,
não alterou o quadro de pobreza nos países de capitalismo central
nem nos periféricos.

À medida que a pobreza se expande, seu entendimento também vai ga-


nhando novos contornos. Na década de 1960 do século XX, verifica-se,
dentre as conceituações, a das necessidades insatisfeitas, referindo-se
à existência de um padrão mínimo de condição de vida. Neste entendi-
mento, “[...] vivem na pobreza absoluta ou na indigência todos aqueles
cujo padrão de consumo situa-se abaixo do mínimo vital em razão do
seu déficit de renda” (LAVINAS, 2002, p. 35). Percebe-se então a ren-

Bahia anál. dados,


134 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
2 Lembrando Pereira (2012), não existe e nunca existiu um padrão unívoco de Estado de bem‑estar
nos países capitalistas centrais. Por isso a expressão welfare State europeu.
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

da como parâmetro de conceituação do limite entre o ser e o não ser Já na década de


pobre. “Está diretamente associada à ideia de sobrevivência física, à 1970, no debate
satisfação de mínimos sociais à reprodução da vida com um mínimo de europeu, surge
dignidade humana” (PEREIRA, 2006, p. 233). a concepção
de pobreza
Já na década de 1970, no debate europeu, surge a concepção de pobre- relativa
za relativa, a qual passa a figurar como medida para identificar a posição
social do pobre conforme o padrão médio de consumo da população
como um todo.

É pobre, relativamente ao conjunto da população, quem se situa


abaixo desse padrão médio de consumo, não só do ponto de vista do
seu déficit de renda, mas também do não acesso a bens e serviços.
Passa-se de uma abordagem centrada exclusivamente na renda para
um enfoque mais amplo, o da falta de recursos. O hiato ou diferencial
que separa o pobre desse padrão mediano expressa a intensidade da
pobreza. (LAVINAS, 2002, p. 36).

A renda deixa então de ser caracterizada como único elemento de defi-


nição do pobre para incluir o que se chama de recursos. Isso caracteriza
não apenas a renda auferida pelo indivíduo ou grupo de indivíduos, mas
também a capacidade de acesso a determinados bens e serviços. Pouco
tempo depois, em 1976, pobres passam a ser entendidos pela Comuni-
dade Econômica Europeia (CEE) como todos os indivíduos e famílias
cujos recursos, de tão escassos, os excluem dos modos de vida, hábitos
e atividades normais do Estado onde vivem (LAVINAS, 2002, p. 36). De
acordo com Pereira (2006), essa concepção diz respeito à satisfação de
necessidades em relação ao modo de vida de determinada sociedade,
tendo vinculação com a relação entre pobreza e distribuição das rique-
zas socialmente produzidas.

Os conceitos de pobreza, que, até a década de 1970, ganhavam os


contornos até aqui apresentados, a partir do esgotamento do Estado
de bem-estar europeu, em meados dessa mesma década, sofreram os
efeitos das orientações pautadas no Estado mínimo e na negação dos
direitos sociais. Passou a prevalecer então o princípio do workfare sobre
o welfare e da substituição das políticas universais pelas focalizadas; da
redução dos gastos sociais; da primazia da lógica do mercado sobre
as necessidades sociais e do mérito empreendedor dos indivíduos em
detrimento dos direitos (PEREIRA, 2006; PEREIRA, 2012). Tal passagem
insere-se nas transformações do cenário econômico advindas da crise
enfrentada pelo capitalismo.

Com efeito, em meados dos anos 1970, ao findar o ciclo expansivo da


economia internacional, iniciado no segundo pós‑guerra, todo o mun- Bahia anál. dados,
do capitalista conheceu uma nova crise, que se revelou estrutural e se
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
135
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

O Estado pro- prolonga até os dias de hoje, crise esta causada por desequilíbrios entre
vedor, garanti- acumulação e consumo e pela transformação do excedente produzido
dor de direitos pela economia real em capital financeiro. (PEREIRA, 2012, p. 731).

sociais, cede
lugar ao Estado As políticas sociais (e, neste movimento, as formas de conceber a po-
breza e, por assim dizer, o pobre) também passam a ser fomentadas
que deposita no
visando atender as demandas inerentes às transformações pelas quais
indivíduo a res-
vem passando o capitalismo. Assim, ao pobre é imposta a autorrespon-
ponsabilidade
sabilização por seu fracasso, o que demanda deles “[...] autossatisfaze-
pelos seus atos rem suas necessidades sociais; ou, então, a darem algo em troca pelos
auxílios públicos recebidos, como se fossem eternos devedores, e não
credores, de vultosas dívidas sociais” (PEREIRA, 2012, p. 738).

O Estado provedor, garantidor de direitos sociais, cede lugar ao Estado


que deposita no indivíduo a responsabilidade pelos seus atos, pautando-se
na concepção de que o alcance do bem-estar depende de quanto o in-
divíduo se dedicou para alcançá-lo, sendo operada a mesma lógica em
caso de fracasso, insucesso e, assim, de pobreza, miséria ou indigência.

Em verdade, o predomínio contemporâneo da ética da autorrespon-


sabilização no contexto mundial da política social mostra que está ha-
vendo um contínuo e crescente esvaziamento do padrão capitalista de
Estado social de direito em favor do padrão capitalista de Estado neo-
liberal meritocrático, laborista, ou do que a literatura especializada vem
chamando de transição do Welfare State para o Workfare State. É o
que, com outras palavras, LöicWacquant (2007) vem falando da subs-
tituição do Estado Social pelo Estado Penal, principalmente quando se
refere aos Estados Unidos, por sinal o país precursor da ideologia do
work fare (bem‑estar em troca de trabalho, não importa qual) em subs-
tituição ao welfare (bem‑estar incondicional, como direito). (PEREIRA,
2012, p. 738).

O workfare State acima referido assenta-se nas correntes de pensamen-


to que remontam a concepções patológicas de explicação das causas
da pobreza. Centradas no indivíduo, essas correntes pregam que cabe
às políticas sociais a correção de possíveis comportamentos desviantes,
seja por meio da “[...] cobrança de contrapartidas dos beneficiários da
assistência social pública, para livrá‑los da dependência desta, seja na
ativação imperiosa desses beneficiários para a sua inserção no merca-
do de trabalho com vista a sua autossustentação” (PEREIRA, 2012, p.
747). De acordo com esta autora, os últimos governos brasileiros vêm
demonstrando sua adesão a esse tipo de política, e, nesse contexto, o
Programa Bolsa Família se apresenta como uma de suas maiores ex-
pressões. Resta salientar que, em oposição às explicações que situam
Bahia anál. dados, a pobreza como consequência de inadaptações dos indivíduos, ou de
136 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 prováveis desvios, entende-se que esta é um fenômeno intensificado
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

pela emergência e reconfiguração do capitalismo. Nesse sentido, com- Resultante de


preende-se que a pobreza, como produto social, forças sociais,
portanto, a
[...] é o resultado de complexas forças sociais, como as ações de clas- pobreza não se
ses e de instituições que interagem dentro de uma particular ordem apresenta como
social e econômica, e que vão, ao longo do tempo, criando e recriando
um fenômeno
as circunstâncias em que vive a população e os pobres em particular.
natural. Tam-
(ALVES, 2010, p. 30-31).
pouco se expli-
ca por concei-
Resultante de forças sociais, portanto, a pobreza não se apresenta como
um fenômeno natural. Tampouco se explica por conceitos anacrônicos, tos anacrônicos
mas antes remete aos processos de produção das relações sociais em
cada tempo e contexto de sua materialização e suas diferentes formas
de expressão. Em que medida o alinhamento do Estado ao capital pos-
sibilita que políticas sociais focalizadas reduzam a pobreza e, principal-
mente, as desigualdades sociais é uma questão que se coloca na linha
que divisa e une as escolhas políticas e suas relações com as políticas
públicas empreendidas.

RENDA MÍNIMA COMO POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL:


CONCEPÇÕES E AÇÕES A PARTIR DA DÉCADA DE 1990

De acordo com Silva, Yazbek e Giovanni (2012, p. 16),

[...] a ideia de Programas de Transferência de Renda passa a integrar a


agenda pública brasileira a partir de 1991, quando é apresentado e apro-
vado no Senado Federal o Projeto de Lei de autoria do senador petista
Eduardo Suplicy, propondo a instituição do Programa de Garantia de
Renda Mínima – PGRM, destinado a todos os brasileiros residentes no
país, maiores de 25 anos de idade que auferissem uma renda que cor-
responda, a cerca de três salários mínimos.

Embora os atuais programas de transferência de renda tenham origem


na década de 1990, os processos iniciais de constituição de um sistema
de proteção no Brasil remetem às décadas de 1930 e 1940, quando
ocorre a aceleração do processo de desenvolvimento econômico e in-
dustrial no país. Verifica-se também nesse momento um reordenamento
do papel do Estado, que passa a assumir, mais extensivamente, a regu-
lação ou provisão direta da educação, saúde, previdência, dentre outros
aspectos (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p. 25). Em que pesem as
relações entre Estado e mercado, identifica-se ali a existência de uma
solidariedade social, em que o Estado assume o papel de promotor
da comunidade de interesses e de responsável pelo bem-estar social.
Ainda se verifica uma concepção de cidadania forjada na obtenção de Bahia anál. dados,
benefícios sociais vistos como “concessão”. Esse conceito será questio-
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
137
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

Apesar das con- nado no processo de redemocratização e abertura política, culminando


quistas em ter- em uma “ampliação da concepção de cidadania” (SILVA; YAZBEK; GIO-
mos de direitos VANNI, 2012, p. 26).
sociais na pri-
meira metade Apesar das conquistas em termos de direitos sociais na primeira metade
do século XX, quando era responsabilidade do Estado garantir ao cida-
do século XX [..]
dão a oportunidade de acesso gratuito a certos serviços e a prestação
as transforma-
de benefícios mínimos para todos (FALEIROS, 1986), as transformações
ções ocorridas
ocorridas nas últimas décadas do século passado – especialmente as
nas últimas que inseriram o Brasil no contexto das políticas neoliberais, a partir da
décadas do ideia de ajuste econômico – provocaram um retrocesso na vida dos tra-
século passado balhadores. Nesse contexto, percebe-se o Estado brasileiro orientando
[...] provocaram sua atuação nos parâmetros do projeto neoliberal.
um retrocesso
na vida dos tra- Se, a partir da década de 1930, o Estado assume o papel de promotor
balhadores de serviços sociais, no final do século XX, verifica-se uma inversão.

Em última análise, nos anos 1990, assistiu-se a um verdadeiro desmonte


do Sistema Brasileiro de Proteção Social que parecia apontar, a partir
dos anos 1980, em direção à universalização dos direitos sociais bási-
cos, evidenciando retrocessos nas ofertas de serviços, mesmo nas áre-
as sociais básicas. Nesse contexto, o movimento rumo à universalização
dos direitos sociais cede lugar ao que passou a ser considerado como
um movimento de focalização, todavia longe de significar uma discrimi-
nação positiva em direção aos seguimentos mais pobres da população
brasileira. (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p. 29).

As aspirações advindas do welfare State não mais davam conta das


questões sociais postas diante do agravamento das contradições ine-
rentes às relações entre Estado e capitalismo. Os programas sociais,
como não são imunes às relações econômicas, passam então a sofrer
modificações. Nesse contexto, os programas de transferência de renda
surgiram como possibilidade para o enfrentamento do desemprego e
da pobreza.

No Brasil, precisamente na década de 1980, a ampliação dos debates


acerca dos programas de transferência de renda tinha grande relação
com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e com o enfrenta-
mento do desemprego. As transformações tecnológicas influenciaram
sobremaneira as formas de organização do trabalho, colocando em si-
tuação de fragilidade grandes massas de trabalhadores, especialmente
nos países de economia em desenvolvimento. As tensões advindas des-
ses movimentos, como em outros contextos, trouxeram para a ordem do
dia o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento desse cenário,
Bahia anál. dados, inclusive no plano social.
138 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

No debate sobre as experiências de transferência de renda no Brasil, Nas origens


Silva, Yazbek e Giovanni (2012) identificam a possibilidade de existência das primeiras
de pelo menos duas orientações. propostas de
programas de
a) Transferência de renda enquanto programas compensatórios e resi- renda mínima
duais cujos fundamentos são os pressupostos liberais/neoliberais, man-
no Brasil colo-
tenedores dos interesses do mercado, orientados pelo entendimento
cava-se como
de que o desemprego e a exclusão social são inevitáveis. Têm como
bandeira o
objetivos garantir a autonomia do indivíduo como consumidor, atenuar
os efeitos mais perversos da pobreza e da desigualdade social, sem
enfrentamento
considerar o crescimento do desemprego e a distribuição de renda,
e a extinção da
tendo como orientação a focalização na extrema pobreza, para que pobreza
não ocorra desestímulo ao trabalho. O impacto é, necessariamente, a
reprodução de uma classe de pobres, com garantia de sobrevivência
no limiar de uma determinada Linha de Pobreza; b) Transferência de
Renda enquanto programas de redistribuição de renda, orientados pelo
critério da cidadania universal, tendo como fundamentos pressupostos
redistributivos. Nesse caso, o objetivo é alcançar a autonomia do cida-
dão e a orientação é a focalização positiva capaz de incluir todos que
necessitam do benefício ou os cidadãos em geral, visando à garantia de
uma vida para todos. O impacto desejado é a inclusão social. (SILVA;
YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p. 42).

As duas orientações destacadas acima são importantes para se enten-


der o Programa Bolsa Família – maior programa de transferência de
renda do Brasil em termos de alcance –, pois partem de diferentes pro-
jetos de sociedade. Nas origens das primeiras propostas de programas
de renda mínima no Brasil colocava-se como bandeira o enfrentamento
e a extinção da pobreza, como a de Antônio Maria da Silveira3, em 1975
(SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012).

No contexto dessas políticas, a primeira proposta de amplitude nacio-


nal, de autoria do senador Eduardo Suplicy, que defendia um programa
de renda mínima, foi aprovada pelo Senado Federal, mas substituída
pela proposta do deputado Nelson Marchezan (PSDB-RS), também
aprovada no Senado (Lei nº 9533/1997). O projeto de lei aprovado pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal e sancionado pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso era fruto do próprio projeto do-
minante de sociedade em curso no Brasil. A proposta de Marchezan não
deixava claro se estava do lado progressista ou liberal.

3 De acordo com Silva, Yazbek e Giovanni (2012, p. 97), em 1975, Antônio Maria da Silveira publicou
na Revista Brasileira de Economia o artigo “Redistribuição de Renda”, no qual argumentava que
a economia brasileira, conforme estruturada, não atendia às necessidades de sobrevivência de
todos, mesmo os que se encontravam inseridos no mercado de trabalho, não se verificando uma
relação adequada entre crescimento econômico e bem-estar. Defendia então que uma efetiva
Bahia anál. dados,
extinção da pobreza exigia uma intervenção governamental, apresentando uma proposta funda-
mentada no imposto de renda negativo.
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
139
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

A própria A própria concepção de pobreza desses programas demarcava o pro-


concepção de jeto de sociedade a que estavam servindo, visto que entendia que a su-
pobreza des- peração da pobreza seria alcançada por meio da estabilidade da moeda
ses programas e do crescimento da economia. Esse alinhamento das políticas sociais à
demarcava política econômica constitui um dos problemas apontados por Figuei-
redo e Figueiredo (1986, p. 119), já que essa relação, para ser legitimada,
o projeto de
exige retornos econômicos.
sociedade a que
estavam ser-
Assim como a primeira proposta nacional sancionada pelo presidente
vindo Fernando Henrique Cardoso, as experiências municipais de políticas de
transferência de renda (PTR) tiveram sua orientação ideológica influen-
ciada por pressupostos neoliberais. Embora os diversos programas mu-
nicipais apontem pontos de divergências, alguns elementos serviram de
justificativa para sua aprovação e posterior implementação. É o caso da
focalização na extrema pobreza (característico da primeira orientação
dos programas de transferência de renda indicada acima) e da exigência
de contrapartidas, dentre elas a obrigatoriedade de manter crianças na
escola. Isso ocorria no Programa Bolsa Familiar para a Educação e no
Programa Poupança Escola, do governo de Brasília, além do próprio
programa sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em
1998, denominado Programa Nacional de Renda Mínima Vinculada à
Educação, conhecido como Bolsa Escola.

PROGRAMA BOLSA ESCOLA E PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

No ano de 2001, em substituição ao programa de garantia de renda


mínima para toda criança na escola (PGRM) (orientado para apoio a
iniciativas dos municípios que apresentassem renda familiar per capita
inferior às respectivas médias estaduais), o presidente Fernando Henri-
que Cardoso sancionou a Lei 10.219/2001 (BRASIL, 2001b), regulamen-
tada pelo Decreto nº 3.823/2001 (BRASIL, 2001a), com a denominação
de Programa Nacional de Renda Mínima Vinculada à Educação, o Bolsa
Escola. Essa lei fazia parte do processo de combate à pobreza por meio
da transferência de renda às populações que se encontravam na faixa da
extrema pobreza. O Artigo 1º do Decreto 3.823 (BRASIL, 2001a) deixa
claro a focalização do programa nas famílias consideradas em extrema
pobreza, estabelecendo o limite de R$ 90,00 como valor máximo de
renda familiar per capita para fins de participação.

Os procedimentos de execução do Programa Bolsa Escola encontra-


vam-se no âmbito do Ministério da Educação. Apesar da articulação
com outros órgãos (como a Caixa Econômica Federal), a implemen-
tação do programa estava circunscrita ao ministério, demarcando em
Bahia anál. dados, primeiro plano a vinculação da transferência de valores monetários às
140 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 ações socioeducativas.
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

Para receber as transferências monetárias, as famílias deveriam manter A educação en-


as crianças na escola, com frequência mínima de 85% do calendário tendida como
letivo para os estudantes do ensino fundamental. Em vista das elevadas instrumento
taxas de evasão escolar no Brasil, o Programa Bolsa Escola tinha os de equaliza-
seguintes objetivos: ção social, de
correção de
Possibilitar o acesso e a permanência de crianças pertencentes a cama-
distorções
das sociais tradicionalmente excluídas na escola; integrar as famílias ao
sociais, enco-
processo educacional dos seus filhos; reduzir os custos decorrentes da
evasão e repetência escolar; contribuir para o combate ao trabalho in-
bre a estrutura
fantil; evitar a permanência de crianças na rua e contato com situações
complexa e
de risco pessoal e social; elevar a qualidade de vida de famílias de níveis contraditória
de renda menores; recuperar a dignidade e autoestima das camadas da sociedade
excluídas da população, despertando a esperança no futuro dos filhos,
o que significa a ‘inclusão social pela via da educação’. (SILVA; YAZBEK;
GIOVANNI, 2012, p. 120).

Além dos objetivos acima, os idealizadores do programa almejavam os


seguintes impactos: “Universalização do ensino fundamental; redução
da evasão e repetência escolar; ampliação do horizonte econômico, cul-
tural e social da população que se encontra abaixo da linha de pobre-
za; desenvolvimento da cidadania e dinamização das economias locais”
(SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p. 120).

Examinando os objetivos, bem como os impactos pretendidos, depre-


ende-se que, embora o PBE tivesse como pano de fundo a transferên-
cia dos recursos monetários às famílias, ao pretender a inclusão social
pela via da educação, o programa se depara com um antigo paradoxo
envolvendo os debates educacionais desde o início do século XX. Ou
seja, o programa voltava a reiterar as interpretações que atribuíam à
educação o poder de transformar a realidade brasileira, sem, contu-
do, problematizar a própria ordem social e as relações de poder em
jogo. Tal concepção funda-se na chamada educação compensatória,
segundo a qual a função básica da educação é a equalização social.
Nessa compreensão, “[...] para que a escola cumpra sua função equa-
lizadora é necessário compensar as deficiências cuja persistência aca-
ba sistematicamente por neutralizar a eficácia da ação pedagógica”
(SAVIANI, 1999, p. 43).

Retomando os objetivos do PBE acima elencados, pode-se verificar que


se atribui à educação o papel de correção de problemas que não fazem
parte de sua competência e distorcem o seu fim. Nesse sentido, a edu-
cação entendida como instrumento de equalização social, de correção
de distorções sociais, encobre a estrutura complexa e contraditória da
sociedade e contribui para a reprodução da concepção dessa sociedade Bahia anál. dados,
na qual está inserida.
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
141
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

O estabele- Essa interpretação minimalista emerge mais uma vez à medida que o
cimento de PBE exige a frequência dos beneficiários à escola sem o desenvolvimen-
objetivos como to paralelo de ações que promovam alterações na própria estrutura das
o acesso à escolas. Mais ainda, difundiu-se a ideia de que aquela era uma estratégia
educação e à eficiente de combate à pobreza e de promoção da universalização da
educação.
saúde denota
a tentativa do
Embora o Bolsa Escola tenha inaugurado um processo de estratégias no
governo de cor-
combate à pobreza em âmbito nacional, não prosperou, sendo substi-
rigir distorções tuído, já nos anos iniciais do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
historicamente Silva, pelo Programa Bolsa Família (PBF). Considerado um dos princi-
produzidas pais instrumentos dos últimos governos no combate à fome e à miséria
no país no Brasil, o PBF teve sua origem no Bolsa Escola. O Programa Bolsa
Família unificou os procedimentos de gestão e execução das ações de
transferência de renda do governo federal, especialmente as do Progra-
ma Bolsa Escola, Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Progra-
ma Nacional de Renda Mínima Vinculada à Saúde (Bolsa Alimentação),
Programa Auxílio-Gás e Cadastramento Único do Governo Federal. Os
programas, que, até então, eram executados isoladamente foram uni-
ficados, incorporando gradativamente os beneficiários dos programas
remanescentes.

De acordo com a Lei 10.836/2004, dentre os principais objetivos do


Programa Bolsa Família, destacam-se:

• Promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de


saúde, educação e assistência social.

• Combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional.

• Estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em


situação de pobreza e extrema pobreza.

• Combater a pobreza. (BRASIL, 2004b).

Como se pode depreender dos objetivos acima, o PBF visa ao acesso


a serviços sociais básicos, como saúde e educação, além do combate à
fome, à pobreza e à extrema pobreza. O estabelecimento de objetivos
como o acesso à educação e à saúde denota a tentativa do governo de
corrigir distorções historicamente produzidas no país. Por outro lado,
coloca-se novamente a questão da qualidade dos serviços prestados
não apenas aos beneficiários, mas à população brasileira como um todo.
O combate à fome e à pobreza constitui campo de debates em diversos
trabalhos (LAZANI, 2011; SILVA, 2008; BICHIR, 2010), principalmente
Bahia anál. dados, no tocante à capacidade de o valor repassado prover as necessidades
142 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 alimentares de seus beneficiários.
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

Dentre os tipos de benefícios ofertados, verifica-se que a maior parte Dentre os tipos
dos recursos é destinada às famílias com crianças e adolescentes. Em- de benefícios
bora essas famílias sejam privilegiadas, também podem ser beneficia- ofertados,
das as que, mesmo não possuindo crianças, encontrem-se em situação verifica-se que
de vulnerabilidade social. a maior parte
dos recursos
Para a concessão e manutenção do beneficio, as famílias precisam aten-
é destinada às
der algumas exigências, a exemplo do cumprimento das condicionali-
famílias com
dades concernentes à frequência escolar estabelecida no percentual
crianças e ado-
de 75% e 85%. Embora o Artigo 3º da Lei 10.836 (BRASIL, 2004b) te-
nha por exigência frequência escolar mínima de 85%, isso diz respeito
lescentes
apenas aos estudantes de 6 a 15 anos de idade, enquanto a frequência
mensal mínima de 75% é devida aos estudantes de 16 a 17 anos.

De acordo com o Decreto nº 5.209/2004 (BRASIL, 2004a), que regu-


lamenta o PBF, as condicionalidades previstas representam as contra-
partidas que devem ser cumpridas pelas famílias para a manutenção
dos benefícios. Segundo o decreto, essas exigências visam estimular
as famílias a exercer o direito de acesso às políticas públicas, promover
a melhoria das condições de vida da população, além de identificar as
vulnerabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias
beneficiárias aos serviços públicos a que têm direito (BRASIL, 2004a).
Para que as contrapartidas sejam cumpridas, o mesmo decreto incumbe
as diversas esferas do governo de oferecer serviços públicos de saúde,
educação e assistência social.

Diante dos objetivos do PBF, passou-se então a analisar, especificamen-


te, os indicadores de desempenho de uma escola pública localizada no
município de Feira de Santana, situando-a nos resultados obtidos na
média estadual e nacional nas avaliações realizadas entre os anos de
2005 e 2011.

FEIRA DE SANTANA: SEU CONTEXTO NO CENÁRIO DA


POBREZA E DA EDUCAÇÃO

Após dar relevo aos aspectos conceituais e normativos que orientam o


PBF, será acentuada a relação entre esses aspectos e os dados empíri-
cos coletados nas avaliações realizadas pelo MEC. Inicialmente, situam-
-se o município de Feira de Santana e a unidade escolar analisada, cujo
nome fictício adotado para o presente trabalho é Caminho das Letras.

Feira de Santana, segunda maior cidade do estado da Bahia, está lo-


calizada a aproximadamente 108 km da capital do estado. De acordo
com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012a), o Bahia anál. dados,
município tem população estimada em 627.477 habitantes. Considerado
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
143
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

No ano de o maior entroncamento rodoviário do Norte/Nordeste, o município, pela


2010, 9,10% das sua localização privilegiada, recebeu de Rui Barbosa, em uma visita à
crianças do cidade em 1919, o título de Princesa do Sertão.
município [Fei-
ra de Santana] De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (PRO-
GRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO; FUNDA-
eram extrema-
ÇÃO JOÃO PINHEIRO; INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLI-
mente pobres,
CADA, 2013), a renda média em Feira de Santana passou de R$ 317,02,
e 39,42% da
em 1991, para R$ 662,24, em 2010. Da mesma forma, o estudo indica
população redução da extrema pobreza4 entre 1991 e o ano 2000, passando de
encontrava-se 21,51% da população para 5,38%. Entretanto, o Índice de Gini5, nas duas
vulnerável à décadas avaliadas, sofreu pouca redução, passando de 0,61, em 1991,
pobreza para 0,60, no ano 2000, o que demarca a presença das desigualdades
no município dentro do contexto brasileiro. Assim, o aumento na renda
média no município entre 1991 e 2010 deve ser percebido dentro na ló-
gica de concentração de renda existente no Brasil.

Com relação à vulnerabilidade social, no ano de 2010, 9,10% das crianças


do município [Feira de Santana] eram extremamente pobres, e 39,42%
da população encontrava-se vulnerável à pobreza6. Vale notar que os
índices analisados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvol-
vimento (PNUD) (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESEN-
VOLVIMENTO; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO; INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA, 2013) no que diz respeito à vulnerabilidade
social levam em consideração, além de aspectos relacionados à renda,
a saúde e a educação dos indivíduos e famílias pesquisadas.

Quanto aos dados educacionais, o município de Feira de Santana


possuía, no ano 2000, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) de 0,460, saltando para 0,712 em 2010, acima da média estadual
(0,660) e abaixo da média nacional (0,727) (PROGRAMA DAS NAÇÕES
UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO;
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2013). Lembra-se
que, para o cálculo do IDH, são utilizados três indicadores sociais: renda,
longevidade e educação. Analisando-se separadamente, o IDHM no ano
de 2010, para esses indicadores, foi de 0,710; 0,820 e 0,619, respectiva-
mente. Em todas as amostras realizadas pelo PNUD, o índice educacio-
nal do município esteve abaixo dos demais.

4 Considerando-se a renda per capita inferior a R$ 70,00 em agosto de 2010.


5 O Índice de Gini consiste em um instrumento usado para medir o grau de concentração de renda,
apontando a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente,
vai de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação de total igualdade, ou seja, todos têm a mesma
renda, e 1 significa completa desigualdade de renda, ou seja, se uma só pessoa detém toda a
renda do lugar.
6 Considerando-se os indivíduos com renda familiar per capita de R$ 255,00 mensais em agosto
Bahia anál. dados,
144 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
de 2010 (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO; FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO; INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2013).
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

Outros dados sobre o índice educacional chamam a atenção. No ano de


2010, 46,67% dos jovens de 15 a 17 anos possuíam o ensino fundamental
completo, e 34,99% dos jovens de 18 a 20 anos tinham ensino médio
completo, o que revela aspectos da distorção idade/série do sistema
educacional. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (2012b), o município possuía, em 2012, 706 estabelecimentos
de ensino, distribuídos de acordo com o quadro abaixo.

Quadro 1
Estabelecimentos de ensino, por dependência administrativa e etapa da educação
básica7 — Feira de Santana — 2012
Pré-escola Ensino fundamental Ensino médio Total

Municipal 141 175 0


Estadual 03 71 49
Federal 0 0 01
Privada 118 128 20
Total 262 374 70 706
Fonte: Elaborado pelo autor da pesquisa a partir de dados extraídos do IBGE (2012b).

Ainda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(2012b), no ano de 2012, Feira de Santana teve um volume expressivo de
matrículas nos estabelecimentos oficiais de ensino, chegando à marca
de 118.357 matrículas, distribuídas de acordo com o quadro abaixo.

Quadro 2
Matrículas por dependência administrativa — Feira de Santana — 2012
Pré-escola Ensino fundamental Ensino médio Total

Municipal 7.342 32.089 0


Estadual 195 31.445 17.896
Federal 0 0 151
Privada 6.513 19.668 3.058
Total 14.050 83.202 21.105 118.357
Fonte: Elaborado pelo autor da pesquisa a partir de dados extraídos do IBGE (2012b).

Como se pode verificar nos quadros acima, o município de Feira de


Santana apresentou, no ano de 2012, número expressivo tanto do quan-
titativo de estabelecimentos de ensino quanto de matrículas.

Indicadores educacionais de uma unidade escolar do município


de Feira de Santana: interfaces com o cenário municipal

A unidade de ensino Caminho das Letras faz parte da rede estadual de


ensino da Bahia e se localiza em um bairro periférico do município de
Feira de Santana-BA. Possui público estudantil composto, em sua maio-
ria, por estudantes de famílias pobres de bairros como Campo Limpo,
Novo Horizonte, George Américo, Conjunto Renascer, dentre outros. No

7 A nomeação das etapas da educação básica (pré-escola, ensino fundamental e ensino médio) foi
utilizada pelo autor com base na caracterização do IBGE, que é a origem dos dados coletados.
Bahia anál. dados,
Como se pode notar, essa divisão não abrange toda a educação infantil, posto que não informa
dados sobre a creche (0 a 3 anos), mas apenas para a pré-escola (4 a 5 anos).
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
145
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

ano de 2012, a unidade escolar contava com 282 estudantes benefici-


ários do PBF, aproximadamente 43% do total de matriculados naquele
ano. Entre os anos de 2006 e 2012, verifica-se um aumento expressivo
no número de estudantes matriculados na unidade escolar.

Tabela 1
Quantitativo de matrículas — 2006-2012
Ano Nº de alunos

2006 570
2007 630
2008 651
2009 630
2010 610
2011 640
2012 657
2013 780
Fonte: Tabela elaborada pelo autor a partir de dados coletados na unidade escolar Caminho das Letras.

Os dados acima apontam para um aumento considerável no quantita-


tivo de alunos matriculados no intervalo de 2006 a 2008, saltando de
570 matrículas para 651, com queda nos dois anos seguintes. A partir
de 2011, verifica-se um novo aumento no número de matrículas, tendo
o ano de 2013 atingido o maior volume da série apresentada, com 780
alunos matriculados8 . Esse crescimento apresenta um quadro inverso
ao verificado na rede pública9 brasileira entre os anos de 2006 e 2012,
conforme dados do Censo Escolar da Educação Básica 2012.

Tabela 2
Número de matrículas na educação básica por dependência administrativa
Ano Total rede pública Federal Estadual Municipal Rede privada

2006 48.595.844 177.121 23.175.567 25.243.156 7.346.203


2007 46.643.406 185.095 21.927.300 24.531.011 6.385.522
2008 46.131.825 197.532 21.433.441 24.500.852 7.101.043
2009 45.270.710 217.738 20.737.663 24.315.309 7.309.742
2010 43.989.507 235.108 20.031.988 23.722.411 7.560.382
2011 43.053.942 257.052 19.483.910 23.312.980 7.918.677
2012 42.222.831 276.436 18.721.916 23.224.479 8.322.219
Fonte: Elaborado pelo autor da pesquisa a partir de dados extraído dos MEC/Inep10.
Note-se que as matrículas nas redes estaduais e municipais decresceram entre 2006 e 2012, enquanto que,
nas redes federal e privada, elas cresceram. A unidade escolar em que foram coletados os dados, por sua vez,
seguiu a tendência da rede pública federal, apresentando queda entre os anos de 2008 e 2010 e retomando o
crescimento no ano seguinte, chegando ao maior número de matrículas em 2013, com 780 registros.

8 Embora o marco da pesquisa limite-se ao ano de 2012, diante da existência de dados relativos
à matrícula no ano de 2013, este foi utilizado como forma de perceber o crescimento do número
de estudantes naquela unidade.
Bahia anál. dados, Considerando-se as dependências administrativas da rede federal, estadual e municipal.
146
9
salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 10 Dados disponíveis no site do Inep <http://portal.inep.gov.br/resumos-tecnicos>.
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

Quanto aos indicadores de desempenho, de acordo com o Instituto Na-


cional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018b), nas
avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
nos anos de 2007, 2009 e 2011, a rede pública de ensino do município
de Feira de Santana11, no que concerne aos anos finais do ensino funda-
mental, obteve os resultados mostrados na tabela abaixo.

Tabela 3
IDEB – Feira de Santana (anos finais do ensino fundamental)
IDEB observado Metas projetadas
Município 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

F. de Santana 2.7 2.8 2.8 3.0 2.8 2.9 3.2 3.6 3.9 4.2 4.5 4.8
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018b).

A análise dos dados acima permite inferir que, entre os anos de 2005
e 2011, o desempenho da rede pública de ensino no município, embo-
ra fosse crescente, à exceção do ano de 2007, não alcançou o índice
projetado pelo MEC. Vale ressaltar que o IDEB foi criado em 2007 pelo
Ministério da Educação e varia em uma escala de 0 a 10. O índice é cal-
culado com base em dados referentes à aprovação escolar, obtidos no
Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep (SAEB
e Prova Brasil), em que são avaliados conhecimentos nas área de língua
portuguesa e matemática.

Por sua vez, o resultado do IDEB na rede pública de ensino (estadual,


municipal e federal) no estado da Bahia apresentou, no mesmo período,
desempenho melhor do que o da rede pública de ensino do município
de Feira de Santana. O resultado obtido não apenas foi maior na compa-
ração com Feira de Santana como também ultrapassou as metas proje-
tadas para os anos 2007, 2009 e 2011, como se verifica na tabela abaixo.

Tabela 4
IDEB – Bahia (anos finais do ensino fundamental)
IDEB observado Metas projetadas
Estado 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019

Bahia 2.6 2.8 2.9 3.1 2.6 2.8 3.0 3.4 3.8 4.1 4.3
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018b).

Da mesma forma que na rede pública de ensino do estado (estadual,


municipal e federal) da Bahia, as médias observadas nas avaliações em
nível nacional foram superiores à meta projetada para o período. Entre-
tanto, a comparação da rede pública (estadual e municipal) com a rede
privada aponta para um fosso tanto nos resultados quanto nas metas
projetadas. Note-se que a meta projetada para a rede privada em 2007
foi superior à projetada para a rede pública de ensino em 2021.

Bahia anál. dados,


11 Entenda-se aqui como rede pública de ensino as dependências administrativas da rede federal,
rede estadual e rede municipal.
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
147
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

Tabela 5
IDEB – Brasil (anos finais do ensino fundamental)
IDEB observado Metas
2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2021

Total 3.5 3.8 4.0 4.1 3.5 3.7 3.9 4.4 5.5
Dependência administrativa
Pública 3.2 3.5 3.7 3.9 3.3 3.4 3.7 4.1 5.2
Estadual 3.3 3.6 3.8 3.9 3.3 3.5 3.8 4.2 5.3
Municipal 3.1 3.4 3.6 3.8 3.1 3.3 3.5 3.9 5.1
Privada 5.8 5.8 5.9 6.0 5.8 6.0 6.2 6.5 7.3
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018b).

Os resultados apurados na unidade escolar Caminho das Letras, por sua


vez, não refletem as médias dos desempenhos nem em nível nacional, nem
estadual. Embora as metas projetadas fossem superiores às do estado
da Bahia, a unidade escolar apresentou, nos anos de 2007, 2009 e 2011,
uma oscilação no desempenho, não conseguindo manter regularidade.

No primeiro ano da avaliação do IDEB (2007), a meta projetada (3,0


pontos) não foi atingida, ficando aquém do que se esperava (2,6). Em
2009, a meta observada (3,2 pontos) foi exatamente a projetada, ocor-
rendo nova oscilação na avaliação de 2011, quando o resultado observa-
do (2,3 pontos) foi inferior não apenas ao projetado (3,6 pontos), como
também ao resultado de 2007.

Tabela 6
IDEB - Unidade escolar Caminho das Letras (anos finais do ensino fundamental)
Metas projetadas
Escola
2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

Unidade escolar 3.0 2.6 3.2 2.3 3.0 3.2 3.6 4.0 4.5 4.7 5.0 5.2
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018b).

A análise do desempenho do IDEB da unidade escolar Caminho das


Letras assinala uma inconstância nos resultados das avaliações dos es-
tudantes naquele período, demandando uma investigação mais apurada
dos fatores que a motivaram, o que foge aos limites do presente traba-
lho. Entretanto, os mesmos resultados revelam que a unidade escolar
não vem alcançando sequer os indicadores mínimos esperados pelos
órgãos avaliadores, os quais, além de avaliar, devem também implemen-
tar políticas de correção de distorções.

Em relação ao PBF, a unidade escolar Caminho das Letras contou, em


2012, com 282 estudantes beneficiários, ou seja, quase 43% do total de
alunos matriculados naquele ano. O acompanhamento do programa na
escola está sob a responsabilidade de uma servidora, a qual cuida das
informações sobre o cumprimento das condicionalidades e do seu envio
à coordenação municipal do PBF. De acordo com a direção da escola,
Bahia anál. dados, a servidora realiza reuniões com os funcionários responsáveis pelas in-
148 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 formações referentes ao cumprimento da condicionalidade educação.
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

Entretanto, tais reuniões tratam apenas do aperfeiçoamento dos servi- Além de carac-
dores responsáveis pela coleta e envio dos dados de frequência escolar terizar-se no
dos estudantes beneficiários. seio das políti-
cas focalizadas,
As limitações da unidade escolar frente ao acompanhamento do desem- o PBF assenta-
penho dos estudantes beneficiários denotam fragilidades em termos -se na exigência
de alcance de resultados que ultrapassem a frequência escolar dos es-
de contrapar-
tudantes. Assim, a análise dos resultados em avaliações do Inep leva a
tidas nas áreas
inferir que a unidade não vem alcançando as metas projetadas, o que
de educação,
demanda a realização de estudos que problematizem os limites das
políticas públicas de cunho compensatório pautadas no cumprimento saúde e assis-
de condicionalidades, cuja garantia encontra-se asseverada no texto da tência social
Constituição federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pereira (2006) considera que o conceito de pobreza é político, prescriti-


vo e moral, exigindo posicionamento diante do estado de desigualdade
presente na sociedade. Nesse sentido, considera-se que, apesar dos
efeitos imediatos na vida das famílias beneficiárias do Programa Bolsa
Família, que impactam, mesmo que minimamente, suas vidas no alívio
da fome e provimento de produtos de primeira necessidade, o processo
de negação de direitos sociais em curso leva a pensar tais programas
para além de seu caráter imediatista.

Assim, percebe-se que o conceito de pobreza adotado para a opera-


cionalização do PBF estabelece relação com a lógica neoliberal, que
ganhou força nas políticas sociais a partir da década de 1990. Por meio
da interferência mínima do Estado, essa lógica vem fomentando a ne-
gação dos direitos sociais; a prevalência do princípio do workfare sobre
o welfare; a substituição das políticas universais pelas focalizadas; a
redução dos gastos sociais; e a primazia da lógica do mercado sobre
as necessidades sociais e do mérito empreendedor dos indivíduos em
detrimento dos direitos (PEREIRA, 2006; PEREIRA, 2012).

Tais características revelam-se presentes na operacionalização do Pro-


grama Bolsa Família, que, como visto, se constitui atualmente como a
política focalizada de maior expressão no país. Como se apreendeu nos
documentos oficiais de criação e regulamentação do programa, além
de caracterizar-se no seio das políticas focalizadas, o PBF assenta-se
na exigência de contrapartidas nas áreas de educação, saúde e assis-
tência social. No que concerne à educação, essa exigência desvirtua um
dos direitos garantidos constitucionalmente, cuja oferta e acesso são
de responsabilidade do Estado, cabendo a este a sua garantia indiscri- Bahia anál. dados,
minadamente. Isto é, independentemente do acesso ao benefício, já é
Salvador, v. 28, n.1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
149
Artigos Programa Bolsa Família: limites e possibilidades no enfrentamento da pobreza e promoção do acesso à educação

As característi- obrigatória a frequência à escola. Com isso, a condicionalidade se ma-


cas que demar- terializa mais como uma pseudocondição que denuncia as contradições
cam o estado do Estado na proteção e garantia dos preceitos constitucionais.
de precarização
das escolas A vinculação de programas sociais de transferência de renda à educação
insere-se, assim, no movimento contemporâneo da ética da autorrespon-
públicas são
sabilização no contexto mundial da política social em favor do padrão ca-
perceptíveis
pitalista de Estado neoliberal meritocrático. Como afirma Pereira (2012),
no cotidiano
da transição do welfare State para o workfare State. O debate moral de-
brasileiro sencadeado pelo discurso neoliberal deposita nos indivíduos a responsa-
bilização pelos resultados de suas vidas, medidos, na maioria das vezes,
pela posição que ocupam face ao acúmulo de renda. Tal característica
revela-se presente no PBF ao se exigir dos seus beneficiários contrapar-
tidas como a frequência escolar e a participação dos pais em cursos ofe-
recidos para inserção em postos de trabalho, em sua maioria, precários.

Visando ir além dos dados acerca do cumprimento da frequência esco-


lar, a presente pesquisa buscou analisar o desempenho de estudantes
de uma unidade escolar de um bairro periférico do município de Feira
de Santana com um número expressivo de estudantes beneficiários do
PBF. A análise dos dados coletados dos indicadores educacionais rea-
lizados pelo MEC/Inep revelou que os estudantes da unidade Caminho
das Letras encontram-se longe de atingir os requisitos mínimos exigidos
pelo órgão avaliador no que concerne a conhecimentos de língua portu-
guesa e matemática, o que acena para o fato de que muito precisa ser
feito para se ir além do cumprimento da frequência à escola. O recorte
temporal analisado mostrou que a escola não manteve regularidade em
termos de alcance da média esperada nas avaliações realizadas entre os
anos 2005 e 2011. Assim, a exigência da frequência escolar dos sujeitos
destinatários do PBF não se fez acompanhar de melhoras substanti-
vas na educação ofertada às classes pobres no Brasil. As característi-
cas que demarcam o estado de precarização das escolas públicas são
perceptíveis no cotidiano brasileiro, seja em conversas informais com
estudantes, em matérias jornalísticas ou até mesmo na simples visita a
unidades escolares.

Contudo, apesar do desvirtuamento da configuração PBF/educação,


como uma das características contraditórias no modo de produção em
vigor, a ampliação do acesso e da permanência de estudantes das ca-
madas pobres na escola (mesmo que obrigada por meio da exigência da
frequência escolar mínima) pode sinalizar para mecanismos que contri-
buam para que o processo de transformação social por meio do acesso
ao conhecimento historicamente produzido – e, assim, da realidade so-
cial – alcance um número maior de indivíduos.
Bahia anál. dados,
150 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018
Luis Carlos Santos Oliveira Artigos

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Bahia anál. dados, Recebido em 21 de maio de 2018 e


154 salvador, v. 28, n. 1,
p.128-154, jan.-jun. 2018 aprovado em 17 de junho de 2018.
Resumo

Este artigo objetiva realizar breve estudo sobre a influência da Universidade


Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns, no desenvolvimento social da
população jovem do agreste meridional do estado. Sua relevância centra-se em
verificar se a proposta de interiorização da universidade tem contribuído para
o desenvolvimento socioespacial, considerando potencialidades regionais, já
que o fenômeno da evasão escolar, que afeta a educação superior desde 1995,
está presente nas discussões internas da unidade acadêmica de Garanhuns
(UAG). Assim, foram analisadas políticas públicas de apoio à educação no
país, entre 2003 e 2010, quando foi lançada a política de expansão do ensino
superior, além de casos de sucesso, tendo como referência trabalhos de
autores como Santos (2008), Araújo (2014) e Pinto e Buffa (2006). Por fim,
conclui-se que os dados indicam avanços na UFRPE, mas ainda há muito a ser
feito para que a unidade contribua para o desenvolvimento regional.
Palavras-chaves: Espaço urbano. Desenvolvimento regional. Universidades.
Políticas públicas. Educação.

Abstract

This article aims at making a quick exam on the influence of the Universidade
Federal Rural de Pernambuco in Garanhuns/PE-Brazil in the social development
of the teenagers in Semi-Arid Region of the State of Pernambuco. Its
relevance lies on checking whether the proposition to move the University to
the countryside has positively contributed to the social-spatial development
of the region considering its potentials once the phenomenon of school
dropout rates has been affecting college education since 1995 and is present
in the internal debates of the Academic Unit of Garanhuns (UAG). Thus, public
policies of support to education in the country were examined for the period of
2003 and 2010 when the expansion policy of college education was launched
as well as other cases of success. Works of authors such as Santos (2008),
Araújo (2014) and Pinto e Buffa (2006) were used as reference. Finally, the
data collected indicate advancements by UFRPE although it is still far from
achieving a steady contribution to regional development.
Keywords: Urban space. Regional development. Universities. Public policies.
Education.
Artigos

Estudo da influência da
Universidade Federal Rural de
Pernambuco, em Garanhuns,
no desenvolvimento social da
população jovem do agreste
meridional do estado
MARIA DO CARMO DE
ALBUQUERQUE BR AG A
ESTE TRABALHO realiza um breve estudo
Mestre em Geografia e doutora sobre a influência da Universidade Federal
em Desenvolvimento Urbano
pela Universidade Federal de Rural de Pernambuco (UFRPE), em
Pernambuco (UFPE). Professora
adjunta da Universidade Federal Garanhuns, no desenvolvimento da população
Rural de Pernambuco (UFRPE).
[email protected]
jovem da região do agreste meridional do
estado, considerando o papel exercido pela
universidade em contraponto ao que consta na
justificativa para sua inserção no
contexto regional e local.

A relevância deste estudo centra-se na neces-


sidade de se verificar se a interiorização da
universidade tem contribuído para o desenvol-
vimento socioespacial, considerando as poten-
cialidades regionais, oferecendo oportunidade
para as pessoas se qualificarem, especialmente
os jovens, e poderem permanecer em suas
regiões de origem.

Com esse entendimento, estudou-se de


forma mais detalhada a unidade acadêmica
de Garanhuns (UAG). Considerando aspectos
importantes, como o suporte de políticas

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
157
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

“[...] a PNDR públicas em educação superior no município, que é polo do agres-


tem o duplo te meridional em Pernambuco, foram focalizados os seguintes pon-
propósito de tos: (1) a política de expansão do ensino superior do governo federal
reduzir as (2003-2010), resultando na implantação de uma unidade da Univer-
desigualdades sidade Federal Rural de Pernambuco, em 2005; e (2) a proposta de
interiorização das universidades, do Governo do Estado de Pernam-
regionais e de
buco, que teve início no espaço urbano local a partir de 1967, com a
ativar os poten-
Fundação de Ensino Superior de Pernambuco (FESP), hoje Universi-
ciais de desen-
dade de Pernambuco (SANTOS et al., 2010; SOUZA FILHO, 2009;
volvimento das WANDERLEY, 1986). Ambas as experiências, somadas à implanta-
regiões brasi- ção, em 1976, da Faculdade de Ciências da Administração de Ga-
leiras [...]” ranhuns, em nível municipal, constituem o objeto de estudo desta
proposta de pesquisa.

Com base nas diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento Regio-


nal (PNDR) (2003-2010) (BRASIL, 2005), o governo federal implantou,
em 2005, a primeira extensão universitária vinculada à Universidade
Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns, oferecendo os cursos de
graduação em Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia e Pedagogia.
Preocupada com o fenômeno da evasão na educação superior, tema de
discussão desde 1995, uma equipe de professores e técnicos da unidade
acadêmica de Garanhuns (UAG) iniciou uma pesquisa, em 2009, para
verificar as taxas e os fatores da evasão relativos aos cursos em funcio-
namento, apesar da inserção, neste mesmo ano, de três novos cursos:
Engenharia de Alimentos, Ciências da Computação e Letras. O trabalho
abrangeu o período de 2005/2 a 2008/2, de modo a compreender os
motivos que levaram os estudantes a abandonar o curso pretendido,
com vistas a propor ou adequar políticas públicas que possibilitassem
a diminuição da evasão na unidade.

A pesquisa foi realizada em duas etapas, sendo a primeira a busca de


dados relativos ao nível de evasão, e a segunda, com a aplicação de
questionários a um número amostral de alunos, relacionando-se com as
razões da evasão, em termos quantitativos. O trabalho foi apresentado
no ano de 2010 e apontou resultados importantes. Tais resultados, jun-
tamente com a afirmação de que “[...] a PNDR tem o duplo propósito
de reduzir as desigualdades regionais e de ativar os potenciais de de-
senvolvimento das regiões brasileiras [...]” (BRASIL, 2003 apud SOUZA
FILHO, 2009, p. 20), induziram a refletir acerca dos fatores que influen-
ciaram a evasão. É nesse sentido que questões como as que se seguem
se encaixam perfeitamente. Que influência tem exercido a Universidade
Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns, em sua área de abran-
gência? (questão central) Sua proposta de atuação é compatível com as
potencialidades regionais? Há equilíbrio entre oferta e demanda pelos
Bahia anál. dados, cursos de graduação disponíveis?
158 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

Com base nessas colocações, este trabalho divide-se em quatro par- O sistema
tes, além da introdução e das considerações finais. A primeira oferece prevalente nas
um breve resumo sobre o ensino, no Brasil. A segunda explana sobre instituições de
as políticas públicas de apoio à educação no país. A terceira traz uma ensino superior
breve exposição sobre a Universidade Federal Rural de Pernambuco, no Brasil era o
evidenciando o caso da unidade acadêmica de Garanhuns. A quarta europeu
oferece como conclusão uma visão em termos da realidade, assim como
dos desafios para o campus avançado em Garanhuns.

A UNIVERSIDADE ENQUANTO MEIO DE DESENVOLVIMENTO


SOCIAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA

No Brasil, a implantação de unidades de ensino superior não ocorreu de


forma diferenciada da verificada no velho mundo, já que o país era uma
colônia portuguesa, e o privilégio do aprendizado era exclusividade da
elite dominante. Em 1808, graças à expansão do domínio napoleônico
na Europa, a família real portuguesa chegou ao Brasil, trazendo consigo
não apenas a ideia de implantação de escolas de ensino superior, mas
deflagrando o processo de abertura do país para o comércio com as
nações amigas, a cultura, as artes etc.

O sistema prevalente nas instituições de ensino superior no Brasil era


o europeu. Contudo, durante o regime militar, em função de pressões,
estabeleceu-se a primeira grande reforma, surgindo o caráter de univer-
sidade, cujo modelo traduzia-se em um misto do norte-americano com
o germânico, no entendimento de Santos (2008).

O autor explica que o modelo europeu tratava de disseminar conhe-


cimento, preparando a sociedade para assumir as novas funções pro-
fissionais que surgiam em decorrência do dinamismo socioeconômico
do feudalismo, passando pelo Renascimento, até alcançar os tempos
modernos. A grande mudança ocorreu com o modelo criado por Hum-
boldt, na Alemanha, que introduzia a pesquisa científica como ponto
fundamental para sustentação e renovação do conhecimento produzi-
do. Esse modelo foi abraçado e otimizado posteriormente pela América
do Norte, com base nas propostas de Flexner, sendo adotado pelas
grandes universidades americanas e de algumas outras nações.

Dessa forma, ao serem implantadas as universidades no Brasil, na dé-


cada de 1960, a ideia era disseminar o conhecimento, fazendo com que
a população jovem e menos favorecida financeiramente pudesse ter a
oportunidade de acesso a essas instituições (SANTOS, 2008). O autor
explica que, aos poucos, esse objetivo foi se tornando nulo e se degra-
dando, especialmente durante a fase de democratização do país, quan- Bahia anál. dados,
do as universidades passaram por um longo período de inércia.
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
159
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

Avaliando Atualmente, o problema se concentra no “[...] atendimento específico a


ações de inte- populações do campo e indígena, em relação a acesso, permanência,
riorização do conclusão e formação de profissionais para atuação junto a estas popu-
ensino supe- lações [...]” (ARAÚJO, 2014, p. 06-07), especialmente para as minorias
rior, ressalta-se que “[...] não apresentam condições materiais para permanecer no en-
sino superior”. Esse é, em grande parte, o desafio a ser enfrentado pela
o número de
UFRPE, em Garanhuns.
universidades
implantadas,
Observa-se, portanto, dos anos 1990 aos dias atuais, uma multiplicidade
mas se observa de programas e ações voltados para o acesso de estudantes ao ensino
que a maioria superior, sendo que há algumas iniciativas direcionadas à permanência
ainda se con- dos estudantes. No entanto, elas são insuficientes em relação às neces-
centra nas regi- sidades da grande maioria dos estudantes, especialmente aqueles que a
ões mais ricas legislação aponta como os beneficiários principais, ou seja, os advindos
do país de escolas do ensino básico público, as minorias qualitativas e os de
baixa renda.

Avaliando ações de interiorização do ensino superior, ressalta-se o nú-


mero de universidades implantadas, mas se observa que a maioria ainda
se concentra nas regiões mais ricas do país, onde há uma maior oferta
de infraestrutura viária, de transporte e de outras facilidades para a po-
pulação. Situação inversa encontra-se no Nordeste do país e mais ainda
no Norte. Nestas regiões, destaca-se a questão da mobilidade dos estu-
dantes como dificuldade para a permanência no ensino superior, o que
denota a importância de um estudo prévio de localização para implan-
tação de instituições de ensino superior em regiões interioranas do país
e uma melhor atenção ao conteúdo da proposta física a ser implantada.

No que concerne à forma de ocupação das instituições no espaço ur-


bano, Pinto e Buffa (2006, p. 5737) colocam que o ensino superior bra-
sileiro foi marcado pelo crescimento de escolas isoladas e que “[...] nos
dez anos que antecederam o golpe militar de 1964, a organização uni-
versitária tornou-se predominante [...] no que diz respeito à organização
espacial, a cidade universitária ou campus universitário”.

Neves e outros (2012, p. 9) concordam com a colocação de Pinto e Bu-


ffa (2006), acrescentando que “[...] a solução adotada pelos órgãos de
planejamento universitário para superar essa fragmentação originária
tem sido a concentração das unidades acadêmicas em um único lócus,
mas situado em locais distantes dos centros das cidades”.

Dessa forma, verifica-se que mudanças ocorreram ao longo dos anos,


mas vêm causando debates acerca da forma como essas instituições
são implantadas, visto que muitas não têm alcançado os objetivos para
Bahia anál. dados, os quais foram criadas, mesmo com o apoio das políticas públicas de
160 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 apoio à educação.
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À EDUCAÇÃO COMO A história do


FORMA DE CONSOLIDAÇÃO DAS UNIVERSIDADES NO ensino superior
CONTEXTO BRASILEIRO no Brasil tem
mostrado uma
As políticas públicas de incentivo ao ensino superior no Brasil tiveram tendência de se
início, de forma tímida, nos anos 1950 e só a partir dos anos 1990 se elaborar polí-
acentuaram como estratégia de desenvolvimento. Dados (FERREIRA,
ticas públicas
2010) apontam que, em 1990, havia 1,5 milhão de estudantes em univer-
descoladas do
sidades. Desde então, segundo o Censo Escolar da Educação Superior
contexto da
de 2008, esse número atingiu 5,8 milhões de estudantes, em 2.252 es-
tabelecimentos de graduação espalhados por todo o país. realidade local
e/ou regional
Infelizmente, pelo menos metade dessas instituições se concentra no em que as uni-
Sudeste brasileiro, região mais desenvolvida do país. Apenas no PPA de versidades são
2008-2011 é que surge a menção ao processo de interiorização das uni- criadas
versidades como forma de universalizar o conhecimento e diminuir as di-
ferenças sociais, dando oportunidade aos estudantes de classes menos
favorecidas. No PPA de 2004-2007 já figurava a expansão das universi-
dades, e no PPA 2011-2015, a preocupação com o acesso, a permanência
dos estudantes do ensino de graduação e a contenção da evasão escolar.

Entre as edições dos PPA, outros planos foram instituídos como forma
de melhorar a educação no país. O Plano Nacional de Educação (PNE),
criado em 2001, lançou o Programa de Desenvolvimento da Educação
(PDE) para operacionalizar seus objetivos, implantando programas
como o Prouni, o FIES e o Reuni.

Independentemente disso, a história do ensino superior no Brasil tem


mostrado uma tendência de se elaborar políticas públicas descoladas
do contexto da realidade local e/ou regional em que as universidades
são criadas.

A implantação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional pos-


sibilitou o rebatimento do planejamento no território de políticas públi-
cas para o ensino superior com a implantação de novos campi, embora
não tenham sido seguidas suas orientações, como no caso da UFRPE,
em Garanhuns. Em formato de cartilha produzida pelo Ministério da
Integração Nacional, em 2008, a PNDR é um instrumento criado com a
finalidade de “[...] orientar todas as ações que os órgãos governamen-
tais devem seguir, a fim de proporcionar desenvolvimento, bem-estar e
prosperidade para toda sociedade”. Enquanto política pública, reconhe-
ce que “[...] problemas como grandes distâncias, dificuldade de acesso,
pobreza do solo, incerteza de chuvas e baixa escolaridade são alguns
exemplos de dificuldades que insistiram em caracterizar o país como
um dos mais desiguais do mundo” (BRASIL, 2003, p. 15). O documento Bahia anál. dados,
revela ainda que “[...] o contraste litoral versus interior é reforçado por
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
161
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

O Programa de um contraste norte/sul bem marcado, em que se ressaltam diferenças


Apoio a Planos regionais marcantes e desfavoráveis ao Norte e ao Nordeste, tanto no
de Reestrutura- que tange ao nível de educação quanto ao grau de urbanização” (BRA-
ção e Expansão SIL, 2003, p. 11).
das Universi-
Instituído pelo Decreto presidencial nº 6.096/2007, o Programa de
dades Federais
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Fede-
(Reuni) surgiu
rais (Reuni) surgiu como uma das 40 ações programadas pelo PDE. O
como uma
objetivo era possibilitar a expansão, o acesso e a garantia das condições
das 40 ações de permanência de estudantes no ensino superior, além de melhorar
programadas a qualidade do ensino de graduação, prevendo contratação de novos
pelo PDE [..] docentes e implantação de novos cursos.
observa-se o
surgimento de A estratégia de ação incluía a aplicação de investimentos para as uni-
uma nova etapa versidades que aderissem ao programa, tendo como metas globais a
na história da serem cumpridas ao longo de cinco anos a elevação gradual da taxa de
educação supe- conclusão média dos cursos de graduação presenciais para o patamar
rior brasileira: de 90%, e o alcance da relação de 18 alunos para cada professor. O
a inversão da programa estabelecia que, para tais metas serem alcançadas, as uni-
expansão da versidades deveriam: (1) reduzir as taxas de evasão; (2) ocupar as vagas
ociosas; e (3) aumentar o número de vagas ofertadas, principalmente
iniciativa priva-
no turno noturno.
da para o poder
público
Em função do cenário apresentado no diagnóstico do PDE (BRASIL,
2007) e do lançamento de programas como o Reuni, o resultado foi a
construção de 14 novas universidades públicas, além da expansão de
novos campi para as existentes. Desde então, observa-se o surgimento
de uma nova etapa na história da educação superior brasileira: a inver-
são da expansão da iniciativa privada para o poder público. A iniciativa
privada, grande responsável pela ampliação da educação superior no
Brasil antes do lançamento do programa, retraiu-se diante das perspec-
tivas de propagação do ensino superior público, por conta dos progra-
mas de incentivo do governo federal. Mesmo assim, com outros pro-
gramas paralelos ao Reuni, a expansão da educação superior brasileira
tem ocorrido em todas as esferas – pública federal, privada, a distância
e tecnológica –, por meio do financiamento público.

A UFRPE logo aderiu ao Reuni, iniciando sua ampliação com a UAG e a


criação de novos cursos, além de unidades acadêmicas como a de Serra
Talhada e, mais recentemente, a do Cabo de Santo Agostinho. Comenta-
-se sobre um possível Programa de Expansão, Excelência e Internacio-
nalização das Universidades Federais (Reuni II), mas ainda restam en-
traves a serem resolvidos no primeiro programa, especialmente no que
se refere à decisão de localização de novos campi em regiões interiora-
Bahia anál. dados, nas, cujo objetivo é viabilizar o papel das universidades como elo entre
162 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 a sociedade, o poder público e o desenvolvimento (BRASIL, [2006]).
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

A necessidade de aumento do percentual de jovens entre 18 e 24 anos Com o objetivo


matriculados no ensino superior e as dificuldades de alunos carentes de melhorar
concorrerem às vagas oferecidas pelas IES públicas, em decorrência do o acesso às
fraco nível do ensino médio, motivaram a criação do Exame Nacional do universidades
Ensino Médio (ENEM) em 1998. O objetivo era avaliar o desempenho dos públicas, o
estudantes, como forma de melhorar a qualidade do ensino. Aos poucos, governo fede-
foram introduzidas mudanças no sistema, fazendo com que funcionasse
ral instituiu o
também como meio de acesso ao ensino superior. No início, poucas
Sistema de Se-
universidades aderiram à proposta, mas atualmente a maioria está inse-
leção Unificada
rida, sendo que o sistema é aperfeiçoado a cada ano (BRASIL, [2006]).
(Sisu), por meio
Com o objetivo de melhorar o acesso às universidades públicas, o go- da Portaria
verno federal instituiu o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), por meio Normativa
da Portaria Normativa nº 21/2012. Trata-se de um sistema informatizado, nº 21/2012
gerenciado pelo Ministério da Educação, destinado a selecionar can-
didatos a vagas em cursos de graduação disponíveis nas IES públicas,
segundo o ranqueamento de notas em relação ao número de vagas e
às opções de curso e de IES feitas pelos candidatos.

Além do ENEM e do Sisu, o governo federal lançou mais dois sistemas


para apoiar o aumento do número de estudantes matriculados no en-
sino superior e sua permanência até a conclusão do curso: o Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos
(Prouni). Ambos se destinam a candidatos que se inscreveram no ensino
superior privado e não têm condições de pagar as mensalidades. O Fies
é um programa que apoia o estudante matriculado em instituições de
ensino superior privadas com financiamento dos custos do curso. En-
tre as regras principais do programa figuram: (1) a IES na qual o aluno
solicitante se matriculou deve estar inscrita no programa; (2) o curso
de graduação no qual o aluno se matriculou deve ter avaliação positiva
pelo MEC.

Até 1998, os estudantes que não tivessem condições financeiras de as-


sumir cursos em IES privadas ou aqueles que, mesmo matriculados em
IES públicas, não tivessem condições de adquirir material didático ou se
sustentar dispunham de apoio financeiro do governo federal por meio
do Programa de Crédito Educativo (PCE/Creduc). Mas foram verificados
problemas no sistema, fundamentalmente na dinâmica de juros para
financiamento, que terminaram por inviabilizar o programa, que acabou
substituído pelo Fies.

A partir de 2010, o Prouni restringiu o financiamento a 50% do valor das


mensalidades do curso escolhido pelo estudante. Nesse mesmo ano, o
Fies passou a funcionar em outro formato, sendo operado pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), contando com ju- Bahia anál. dados,
ros mais baixos.
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
163
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

Garanhuns O Prouni, criado em 2004, concede bolsa de estudo integral e parcial


é um dos 185 para alunos matriculados em curso de graduação de IES privada. O pro-
municípios grama tem algumas regras para os alunos solicitantes: (1) ser brasileiro;
do estado de (2) não possuir diploma de nível superior; (3) ter realizado as provas
Pernambuco do ENEM; (4) ter atingido pelo menos 450 pontos e não ter zerado a
redação no ENEM. É possível se candidatar a uma bolsa integral, desde
[...] que tem
que o estudante não possua renda familiar bruta maior que um salário
sua economia
mínimo e meio por pessoa. Para a bolsa parcial (50%), o candidato não
baseada na
pode ter renda familiar bruta acima de três salários mínimos por pessoa.
agropecuária,
compondo a Tanto o Fies como o Prouni funcionam como opção para os alunos que
bacia leiteira do não conseguiram vaga em IES pública, podendo ser aproveitados em
estado IES privadas, desde que atendam aos requisitos exigidos. Outra opor-
tunidade se dá pelo Sistema de Seleção Unificada da Educação Profis-
sional e Tecnológica (Sisutec). Trata-se de um sistema informatizado,
também gerenciado pelo Ministério da Educação, destinado a oferecer
vagas disponibilizadas pelas instituições públicas e privadas de ensino
superior e de educação profissional e tecnológica, em cursos técnicos,
na forma subsequente para candidatos participantes do ENEM.

Como se observa, as ações do governo federal para elevar o índice


de alunos matriculados no ensino superior são variadas e, em termos
quantitativos, têm contribuído, embora não o suficiente, para atingir o
percentual desejado. A discussão que se coloca é em torno do nível que
os candidatos matriculados apresentam para obter nível superior.

A INTERIORIZAÇÃO E A INFLUÊNCIA DA UNIVERSIDADE


FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO: O CASO DA UNIDADE
ACADÊMICA DE GARANHUNS

Em 1955, a Universidade Rural de Pernambuco tornou-se parte do siste-


ma federal de ensino superior, sob a denominação de Universidade Fe-
deral Rural de Pernambuco, através do Decreto federal nº 60.731/1967.
A partir de então, passou a gozar das vantagens do sistema federal, bus-
cando maior abrangência e qualidade do ensino. Nesse sentido, lançou
mão do Reuni e inaugurou, em 2005, sua primeira extensão universitá-
ria, em Garanhuns (UAG), trabalhando para sua ampliação, por meio da
interiorização da estrutura física e de ações que pretendem contribuir
para o desenvolvimento social, econômico e territorial das regiões afas-
tadas da capital.

Garanhuns é um dos 185 municípios do estado de Pernambuco, com


136.949 habitantes, sendo o mais importante entre os 26 da região, que
Bahia anál. dados, tem sua economia baseada na agropecuária, compondo a bacia leiteira
164 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 do estado. Por conta disso, abriga algumas indústrias alimentícias, espe-
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

cialmente em Garanhuns, Bom Conselho e Venturosa. Mas a polarização Apesar dos


de Garanhuns também se deve a um forte e variado comércio, além do esforços de
setor de serviços e do turismo de lazer, cultural e religioso (AGÊNCIA ES- gestores e das
TADUAL DE PLANEJAMENTO E PESQUISAS DE PERNAMBUCO, 2015). políticas públi-
cas dirigidas
A UAG iniciou suas atividades oferecendo cursos de graduação em ao aumento
Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia e Licenciatura Normal Su-
do número de
perior. A escolha do município para a implantação da unidade se jus-
alunos matri-
tificou por várias razões, entre elas: (1) ser polo da região do agreste
culados nas IES
meridional do estado; (2) ter tradição em educação por contar com uma
rede de colégios privados tradicionais, católicos e evangélicos; (3) con-
públicas, ainda
tar, entre outras, com duas tradicionais instituições de ensino superior, persiste um
uma estadual, a Universidade de Pernambuco (UPE), e outra municipal, grau elevado
a Autarquia de Ensino Superior de Garanhuns (Aesga). Para viabilizar a de evasão na
unidade, o governo do estado cedeu uma área situada às margens da instituição
BR-424, na periferia de Garanhuns.

O crescimento da instituição implicou a inclusão de três novos cursos


em 2009, através do Reuni: Engenharia de Alimentos, Ciência da Com-
putação e Letras, o que levou à ampliação do quadro de docentes e da
infraestrutura física disponível, embora tanto a escolha inicial quanto a
mais recente dos cursos oferecidos pela instituição tenha sido feita sem
qualquer fundamento em dados de pesquisa.

De acordo com o Relatório de Atividades da UFRPE 2015 (UNIVERSI-


DADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, 2016), apesar dos esforços
de gestores e das políticas públicas dirigidas ao aumento do número de
alunos matriculados nas IES públicas, ainda persiste um grau elevado
de evasão na instituição.

Assim, verifica-se que o número de alunos dos cursos de graduação da


UAG cresceu pouco de um semestre para o outro, observando-se ligeira
queda no curso de Agronomia. Contudo, cabe analisar a situação de to-
dos os cursos oferecidos durante o ano, para saber que nível de evasão
ainda persiste na unidade. Além disso, analisa-se também a ocorrência
do problema por gênero, considerando o número de desligamentos,
desvinculações, desistências, entre outros. Para isso, são observados
como exemplo os semestres 2015.1 e 2015.2, mensalmente, com dados
disponíveis no mencionado relatório. Em termos de desistências, o curso
de Engenharia de Alimentos evidencia-se com 21 alunos, seguido por
Zootecnia, com 13, e Letras, com oito. Quanto ao gênero, há predomínio
de homens sobre mulheres nos cursos de Agronomia e Ciência da Com-
putação, o primeiro com média de 62%, e o segundo com 90%. Situação
inversa verifica-se nos cursos de Engenharia de Alimentos, Pedagogia
e Letras, o primeiro com média de 60% de mulheres, o segundo, 87%, e Bahia anál. dados,
o terceiro, 58%. Nos demais cursos, há um equilíbrio.
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p.156-182, jan.-jun. 2018
165
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

Em relação às matriculas, observa-se um leve aumento em todos os


cursos, de um semestre para o outro, mas isso se deve ao esforço dos
técnicos em contatar candidatos em fila de espera do Sisu. Muitos des-
ses candidatos comparecem e se matriculam, mas grande parte tranca
o semestre, desiste, abandona ou solicita desligamento. São diversas as
situações, mas desistência e desligamento, por exemplo, são fundamen-
tais para avaliação do nível de evasão.

Os quadros 1 e 2 apresentam resultados totais para a UAG, evidenciando


a evasão e, em menor grau, o número de formandos em relação ao de
ingressantes nos cursos.

Quadro 1
Situação total geral dos discentes na UAG — 2015.1
Total geral – Unidade Acadêmica de Garanhuns
fev. 2015 mar. 2015 abr. 2015 maio 2015 jun. 2015 jul. 2015
Situação acadêmica Total
M F M F M F M F M F M F

Desistência 9 8 12 8 30 26 30 25 30 25 30 25 55
Desligamento 0 0 1 1 4 4 6 2 6 2 7 5 12
Formado 2 3 4 6 29 59 29 59 29 59 31 59 90
Integralizado 17 45 23 47 23 47 23 47 23 47 52 65 117
Intercâmbio 0 0 5 5 6 5 6 5 7 5 7 5 12
Matriculado 41 44 780 801 781 797 780 798 780 796 750 777 1527
Trancamento 4 1 21 23 27 29 27 29 27 31 27 31 58
Matrícula vínculo 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Total geral 73 101 846 891 900 967 1067 1091 1067 1091 1068 1091 2159
Fonte: Universidade Federal Rural de Pernambuco (2016).

Quadro 2
Situação total geral dos discentes na UAG — 2015.2
Total geral – Unidade Acadêmica de Garanhuns
ago. 2015 set. 2015 out. 2015 nov. 2015 dez. 2015 jan. 2016
Situação acadêmica Total
M F M F M F M F M F M F

Desistência 5 1 7 3 7 3 7 3 7 3 0 0 10
Desligamento 0 0 10 9 8 8 7 8 7 8 0 0 15
Formado 36 41 36 41 36 41 36 41 36 41 0 0 77
Intercâmbio 5 0 5 0 6 0 6 0 6 0 0 0 6
Matrícula vínculo 0 1 93 82 87 82 87 80 87 80 0 0 167
Matriculado 783 818 777 816 781 816 782 817 782 817 0 0 1599
Trancamento 25 15 33 19 36 21 36 22 36 22 0 0 58
Integralizado 9 23 9 23 9 23 9 23 9 23 0 0 32
Total geral 863 899 970 993 970 994 970 994 970 994 0 0 1964
Fonte: Universidade Federal Rural de Pernambuco (2016).

Bahia anál. dados,


166 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

Em 2015, observa-se, no primeiro semestre, 55 desistências, enquan- A meta de


to que, no segundo, foram 10. Quanto aos desligamentos, no primeiro aumento do
semestre, chegaram a 12 e, no segundo, 15 alunos. A meta de aumento número de
do número de matrículas, a princípio, vem sendo alcançada, mas pode matrículas, a
ficar difícil de ser atingida no futuro levando-se em conta a percep- princípio, vem
ção dos alunos. Eles argumentam (1) interesse em outros cursos que sendo alcança-
ofereçam maior oportunidade no mercado de trabalho; (2) necessi-
da, mas pode
dade de trabalhar em função do nível de renda familiar e da falta de
ficar difícil de
apoio financeiro e/ou de estrutura da instituição; (3) sistema vigente
ser atingida no
na universidade – seriado em lugar de crédito –, mantendo um núme-
ro alto de alunos retidos ao longo do curso, especialmente nos dois futuro
primeiros semestres.

Observando-se os formandos em 2015, verificou-se 90 alunos no primei-


ro semestre e 77 no segundo. Esse número pode ser considerado baixo,
já que a unidade dispõe de sete cursos, com uma média de 280 ingres-
santes, o que significa dizer que apenas 32,14% chegam ao fim do curso.
Essa situação verifica-se em todos os cursos, especialmente em Enge-
nharia de Alimentos e Bacharelado em Ciência da Computação. Ressal-
ta-se que este último não teve nenhum formando no semestre 2015.2.

Na análise, ainda se observam alunos em estágio supervisionado ob-


rigatório e não obrigatório. No primeiro caso, a situação é crítica para
Ciência da Computação e Engenharia de Alimentos, pois o número de
alunos em estágio é baixo em relação ao total da turma. No segundo,
verifica-se que o nível de preocupação em ingressar cedo na vida profis-
sional ainda é baixo, mas isso sugere outros aspectos importantes: (1)
alguns alunos preferem se dedicar mais aos estudos antes de ingressar
no mercado de trabalho, ainda que como estagiário; (2) outros afir-
mam não estagiar pela inexistência de vagas na região, especialmente
para alunos dos cursos de Engenharia de Alimentos e de Ciência da
Computacão (no primeiro caso, é difícil encontrar vaga em uma das
poucas indústrias da região, e só é oferecido estágio supervisionado
obrigatório; no segundo, o problema é a falta de empresas do setor na
região); (3) muitos desses alunos terminam se encaixando em atividades
que não se relacionam com sua área de interesse.

Outros aspectos também influenciam a permanência dos alunos na


universidade e na sua consolidação na região. Um deles é a oferta de
oportunidades e apoio da instituição aos alunos. Segundo o Relatório
de Atividades da UFRPE (UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PER-
NAMBUCO, 2016, p. 35), a instituição visa “[...] à formação profissional
crítica e reflexiva dos alunos de graduação, bem como o incentivo ao
interesse dos estudantes pela vida acadêmica” [...], oferecendo-lhes
vários programas de apoio. Por se tratar de uma região de grande ca- Bahia anál. dados,
rência social, o apoio financeiro é fundamental para a permanência do
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
167
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

Os diversos aluno no curso. São oportunidades em formato de bolsas de estudos,


tipos de as- oriundas das seguintes fontes: (1) Programa de Apoio ao Discente; (2)
sistência ao Programa de Apoio ao Ingressante; (3) Programa de Apoio à Gestante;
estudante em (4) Programa de Auxílio Residência Universitária; e (5) Programa Volta
universidades ao Lar. O Programa de Apoio ao Discente oferece três tipos de bolsa
de incentivo ao aluno carente para que ele possa se manter estudando:
federais são
apoio acadêmico; auxílio alimentação; e auxílio transporte.
fundamentais
para que os alu-
Somam-se a esses outros incentivos por meio de seleção interna: (1)
nos oriundos de monitoria; (2) Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
regiões caren- (PIBID); (3) Bolsa de Incentivo Acadêmico (BIA); (4) Programa de Edu-
tes possam cação Tutorial (PET); (5) Programa Institucional de Bolsas de Incentivo
permanecer na à Pesquisa (Pibic); e (6) Projeto Bolsas de Extensão (Bext).
IFES até o final
do curso Como se observa, os diversos tipos de assistência ao estudante em uni-
versidades federais são fundamentais para que os alunos oriundos de
regiões carentes possam permanecer na IFES até o final do curso. Além
disso, as universidades têm avançado no sentido de proporcionar outros
tipos de assistência e de apoio ao aluno, visando a seu futuro profissio-
nal, como mobilidade acadêmica e programas de graduação interna-
cional (PEC-G), entre outros. Mobilidade acadêmica é a ajuda ao aluno
para cursar disciplinas ou mesmo realizar parte de seu curso em outras
universidades conveniadas, em outros estados do país. De acordo com
o Relatório de Atividades da UFRPE 2015 (UNIVERSIDADE FEDERAL
RURAL DE PERNAMBUCO, 2016, p. 37), o apoio “[...] tem como objetivo
possibilitar aos discentes de graduação cursar, por até três períodos,
componentes curriculares em outra IFES no mesmo curso ao qual está
vinculado na instituição de origem”.

Programas de graduação internacional permitem que alunos de outros


países, preferencialmente em estágio de desenvolvimento, possam cur-
sar disciplinas ou parte de seu curso superior nas universidades brasi-
leiras conveniadas. O Relatório de Atividades da UFRPE 2015 (UNIVER-
SIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, 2016, p. 41) refere-se a
esse programa como tendo por “[...] objetivo formar e qualificar estu-
dantes estrangeiros por meio de oferta de vagas gratuitas em cursos
de graduação em IES brasileiras”. No caso da mobilidade acadêmica, é
importante ressaltar que esse tipo de apoio é fundamental para a troca
de conhecimento entre os países e para o bom desempenho dos alunos,
tanto dos países de origem, quanto dos receptores. Em relação a esse
programa, só estão disponíveis os dados referentes à sede da UFRPE.

De acordo com o Relatório de Atividades da UFRPE 2015 (UNIVER-


SIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, 2016), a Assessoria de
Bahia anál. dados, Cooperação Internacional (ACI) apresentou dados de sua gestão entre
168 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 2013 e 2014, demonstrando um bom desempenho. Entre 2011 e 2014, a
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

mobilidade de estudantes da UFRPE teve aumento de 400%, e os estu- A infraestru-


dantes contemplados usufruíram de programas como o Ciências Sem tura disponível
Fronteiras, abrindo-lhes novas perspectivas. No entanto, no documento, também é um
a assessoria esclarece que, em razão da situação de crise financeira no aspecto im-
país, o programa cancelou algumas bolsas, diminuindo as oportunida- portante para
des para alunos, que, entretanto, foram contemplados por outros pro- apoiar a perma-
gramas, resultando em 44 estudantes em intercâmbio.
nência do aluno
até o final do
Entende-se que é importante também oferecer apoio aos egressos. Es-
curso
tes já concluíram o curso e estão aptos a entrar no mercado de trabalho
ou ainda prosseguir na universidade enquanto discente de pós-gradu-
ação. Apoiar egressos é algo que está diretamente ligado às parcerias
que a universidade pode e deve realizar com os mais diversos setores.
É a partir, por exemplo, de um estágio supervisionado obrigatório que
a relação de confiança entre a universidade e o mercado de trabalho
se estabelece, pois o discente pode traduzir na prática o conhecimento
que adquiriu na universidade, disseminando a qualidade do ensino.

A dificuldade em obter estágios supervisionados obrigatórios é grande


e muito se deve à escassez de parcerias entre a universidade e os seto-
res público e privado. Como exemplo, aponta-se o curso de Engenharia
de Alimentos, cujos discentes têm enfrentado dificuldades em obter va-
gas em empresas da região, obrigando-os a buscar essas oportunidades
em outras partes do estado.

Sobre apoio acadêmico, em 2007, teve início a oferta de cursos de


pós-graduação, inicialmente na modalidade lato sensu, com o Curso
de Especialização em Educação e Desenvolvimento Sustentável, e, em
2015, em Botânica.

Em 2010, após cinco anos de implantação, a UAG lançou três cursos de


pós-graduação stricto sensu, na modalidade de mestrado acadêmico –
Ciência Animal e Pastagens; Produção Agrícola Sustentável; e Sanidade
e Reprodução de Ruminantes. Em 2013, a oferta foi ampliada em função
da demanda local, com os cursos de mestrado profissional em Física, em
2013, e, em dezembro do mesmo ano, o mestrado profissional em Letras.

A infraestrutura disponível também é um aspecto importante para


apoiar a permanência do aluno até o final do curso. Nesse sentido, é re-
levante destacar que, no início, a unidade funcionava com uma estrutura
simples, sendo um prédio para salas de aula, um para a administração,
um para laboratórios e um para salas de docentes e coordenações de
cursos. No prédio em que funcionava a administração também ficava
a biblioteca e um pequeno auditório, além de setores administrativos
como Tecnologia da Informação (TI) e apoio pedagógico. No prédio de Bahia anál. dados,
salas de aula funcionava também, de forma improvisada, uma copia-
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
169
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

É preciso estar dora e apoio acadêmico. O acesso principal e os internos da unidade


atento à re- ainda não eram pavimentados, dificultando a circulação de pessoas e
alidade para de veículos. A inexistência de um restaurante universitário propiciou
reconhecer e a ocupação de uma das estruturas do antigo terreno pertencente ao
saber enfrentar governo de estado por uma lanchonete. Esta e os demais setores que
estavam em locais improvisados permaneceram assim por alguns anos,
os desafios que
até que, em 2011, a situação começou a mudar com a construção de
dela advêm
mais dois blocos, sendo um para salas de aula e outro para acomodar
a administração, que deixou seu espaço para ser ocupado por salas de
aula da pós-graduação, permanecendo a biblioteca em local provisó-
rio. Foi construída também a caixa de distribuição de água aos blocos,
dois galpões para acomodar o almoxarifado e a oficina dos veículos da
unidade. Além disso, foi demolida a cantina improvisada e construída a
principal, na qual são oferecidos lanches e refeições, mas que não tem
atendido aos alunos e professores, em função de preços e da oferta de
opções. Os acessos externos e internos foram asfaltados, e as vagas de
estacionamento, demarcadas, com faixa de pedestres. As obras do hos-
pital veterinário também foram concluídas. Algumas áreas verdes foram
recuperadas, contemplando um paisagismo que incorpora a vegetação
da região, colocação de bancos e de lixeiras de coleta seletiva ao longo
dos passeios e em alguns espaços abertos, como forma de estimular o
convívio entre os estudantes.

Em conclusão, a UAG tem avançado especialmente em relação à infra-


estrutura. Contudo, ao se analisar os dados, pode-se dizer que ainda
falta uma melhor organização e melhorias em sua estrutura, focando
aspectos que influenciam o alcance de seus objetivos, como construção
de restaurante universitário, melhoria e ampliação da casa do estudante,
atualização das grades curriculares, regularização dos cursos em rela-
ção ao MEC, mudança do sistema curricular, oferta de novos cursos que
melhor atendam às potencialidades da região e aos anseios dos jovens,
entre outros. Em suma, é preciso estar atento à realidade para reconhe-
cer e saber enfrentar os desafios que dela advêm.

A REALIDADE E OS DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS PELA


UNIDADE ACADÊMICA EM GARANHUNS (UAG)

Em função do que foi visto, é possível vislumbrar grandes desafios a se-


rem vencidos pela universidade. Apesar dos problemas identificados, é
propósito oferecer sugestões à realidade em Garanhuns, de forma que,
efetivamente, contribuam para o desenvolvimento da região. Para tanto,
alguns aspectos merecem considerações acerca da instituição: (1) siste-
ma de gestão utilizado; (2) modelo territorial adotado para implantação;
Bahia anál. dados, (3) situação dos cursos ofertados em função das potencialidades locais
170 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 e regionais; e (4) parcerias públicas e/ou com a iniciativa privada.
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

O sistema de gestão adotado pela universidade incluiu, recentemente, O planejamento


o planejamento estratégico. Contudo, a inexperiência, o peso da es- na universida-
trutura administrativa e alguns aspectos burocráticos tornam inócua a de ainda cami-
maioria das decisões e ações teoricamente planejadas. O planejamento nha a passos
na universidade ainda caminha a passos lentos, deixando a desejar em lentos, deixan-
relação a seu principal elemento – a participação da comunidade nas do a desejar
decisões –, especialmente quando suas unidades acadêmicas não têm
em relação a
autonomia em suas ações.
seu principal
elemento
A situação da instituição tem se evidenciado no que diz respeito à eva-
são. Esta motivou, em 2008, uma equipe de professores e alunos a
realizar um trabalho de extensão denominado Evasão na Unidade Aca-
dêmica de Garanhuns: um estudo sobre as taxas e fatores de evasão dos
cursos de graduação no período de 2005 a 2008. O objetivo foi enten-
der quais os motivos principais que contribuíam para essa ocorrência.
A pesquisa foi dividida em duas partes: (1) levantamento das taxas de
evasão na UAG; e (2) identificação das causas da evasão (quantitativo).
Os resultados apresentados em relação ao perfil dos estudantes eva-
didos apontam ser jovens entre 22 e 26 anos, do sexo feminino, estado
civil solteiro, fora do mercado de trabalho.

A equipe identificou ainda os fatores que influenciaram a evasão sob


três aspectos: (1) individuais; (2) internos à instituição; (3) externos à
instituição. Entre os individuais estão a não identificação com o curso
– apesar de o estudante ter feito uma escolha consciente e conhecer
as atribuições específicas da profissão –, as dificuldades de leitura e
assimilação dos conteúdos, e a reprovação. Os aspectos internos à ins-
tituição são a rigidez na estrutura da matriz curricular no que diz res-
peito aos pré-requisitos, a desconsideração por parte do corpo docen-
te dos diferentes ritmos de aprendizagem dos discentes, e a estrutura
física e de apoio inadequada às necessidades dos estudantes (trans-
porte, casa dos estudantes, bolsas de apoio, restaurante universitário).
Em relação aos aspectos externos figura a pouca oportunidade de
trabalho na região.

Apresentado em 2010, o trabalho apontou resultados importantes. Em


relação aos fatores individuais, 66% responderam não ter se identifica-
do com o curso, apesar de uma escolha consciente. A estes, somaram-
-se 10% que disseram não ter se identificado com o perfil profissio-
nal do curso oferecido. Quanto aos fatores internos à instituição, 36%
identificaram a rigidez na matriz curricular, conjuntamente com 69%
que apontaram a falta de estrutura física e de apoio aos estudantes,
como transporte, casa dos estudantes, bolsas de apoio e restauran-
te universitário. Em relação aos fatores externos à instituição, 28,57%
indicaram a inexistência de oportunidade no mercado de trabalho Bahia anál. dados,
na região.
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
171
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

A situação foi reanalisada pela autora deste trabalho, tomando como


referência os boletins da Comissão Própria de Avaliação (CPA), aplica-
dos na UAG e publicados em relatório de 2015. No contexto do relatório
apresentado, as questões avaliadas se referiam a: (1) plano de ensino; (2)
processos e critérios de avaliação da aprendizagem; (3) práticas de en-
sino; e (4) relações interpessoais. Para viabilizar a análise, optou-se por
selecionar a apresentação de respostas dadas por três dos sete cursos
oferecidos pela UAG. A escolha dos cursos se deu pela maior participa-
ção na pesquisa; média de participação coincidente com a média total
da UAG; e menor participação na pesquisa, visando representar as três
faixas particulares de respostas – a maior, a menor e a média (Gráfico 1).

Assim, foram analisadas as respostas relativas aos cursos Engenharia de


Alimentos (EA), Bacharelado em Ciência da Computação (BCC) e Zoo-
tecnia. Com relação aos planos de ensino, verificou-se que as respostas
se concentravam na compatibilidade entre a carga horária das discipli-
nas e as necessidades do curso. A análise dos resultados indicou dúvida
se os discentes entendem realmente a importância da questão. Quanto
ao acompanhamento dos planos de ensino pelos alunos, verificou-se
que estes não dão a devida importância ao que está sendo ensinado
pelo docente ou ainda não entendem a importância da sequência do
conteúdo a ser ministrado.

Gráfico 1
Participação dos estudantes dos cursos nos questionários aplicados pela UFRPE/CPA — 2015

Engenharia de Alimentos 33,03%

Licenciatura em Letras 38,89%

Medica Veterinária 39,33%

Licenciatura em Pedagogia 42,03%

Bacharelado em Ciência da Computação 43,56%

Percentual de Participação Total (UAG) 43,72%

Agronomia 55,56%

Zootecnia 59,21%

0,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00%

Fonte: Boletim UFRPE/CPA (2015).

Quanto aos processos e critérios de avaliação da aprendizagem, houve


uma variação maior nas respostas sobre trabalhos em grupo, trabalhos
individuais e provas práticas. Pelas respostas obtidas, observa-se que,
apesar de a prova prática ser uma das melhores formas de avaliação,
não tem ocorrido com frequência, levando à suspeita de insuficiência de
Bahia anál. dados, material/equipamento para sua realização, já que existem queixas entre
172 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 os docentes sobre esse aspecto.
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

Sobre processos e critérios de avaliação, salientam-se os pontos que A análise das


indagam se o nível de exigência nas avaliações é coerente com o conte- respostas
údo ministrado e se os docentes devolvem em tempo hábil as avaliações aponta haver
corrigidas. No primeiro caso, verifica-se positividade nas respostas, ou cordialidade,
seja, a afirmação de que o nível é sempre coerente. No segundo caso, disponibilidade
as respostas indicam que os professores muitas vezes devolvem as cor- e interesse dos
reções em tempo hábil.
docentes no
atendimento
Em termos de práticas de ensino, segundo as respostas dos discen-
aos alunos do
tes, são utilizadas unicamente aulas expositivas, muitas vezes de cara-
ter teórico. Observa-se, assim, uma predominância da teoria expositiva curso
sobre a prática. Em termos de dinâmica, afirmam que, muitas vezes,
os docentes utilizam aulas expositivas, seminários e práticas com par-
ticipação dos alunos. Quanto ao fato de a orientação dos docentes nas
práticas desenvolvidas atender às necessidades acadêmicas, há uma
indefinição entre os discentes, o que denota falta de entendimento
quanto ao que seja orientação. Quando perguntados sobre ocorrên-
cia de mediaçào por parte dos docentes nas práticas, criando momen-
tos de integração, responderam ocorrer algumas vezes. Quanto ao uso
de materiais que atendem às necessidades com qualidade, as respos-
tas indicaram a preferência dos discentes pelos slides apresentados
em aula.

Quanto aos monitores contribuirem para o aprendizado, não se observa


predominância nas respostas, o que pode estar diretamente ligado ao
perfil do monitor da disciplina. Tanto em relação ao domínio do con-
teúdo pelos docentes quanto à apresentação do conteúdo de forma
clara, a maioria das respostas indica que os discentes acreditam haver
domínio e clareza pelo docente.

Por fim, quanto às respostas referentes às relações interpessoais, des-


tacam-se questões relativas a cordialidade, disponibilidade, interesse e
compreensão dos docentes para com os alunos, boa articulação entre
equipe pedagógica e coordenador, facilitação, acesso e participação
dos discentes na resolução dos assuntos ligados ao curso. A análise
das respostas aponta haver cordialidade, disponibilidade e interesse
dos docentes no atendimento aos alunos do curso, especialmente no
que se refere ao apoio dos professores aos alunos fora do horário de
aula. Quando perguntados sobre a articulação da equipe pedagógica
e do coordenador e sobre a interação entre discentes, docentes e tu-
tores ao longo do curso, a maioria afirmou que essa interação ocor-
re muitas vezes, especialmente entre discentes, docentes e tutores.
No que se refere a facilitação, acesso e participação dos discentes
na resolução dos assuntos do curso, há consenso em que isso ocorre
sempre, particularmente com relação ao coordenador do curso estar Bahia anál. dados,
aberto ao diálogo.
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
173
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

Os problemas Em conclusão, o resultado das análises das respostas dadas permite


encontrados dizer que, em geral, os professores atendem às necessidades básicas
representam a dos alunos, muitas vezes fora do horário da aula, e, em sua maioria, de-
realidade em monstram interesse e compreensão no desempenho e aprendizado an-
que se encon- tes, durante e depois das avaliações. O que chama a atenção na análise
é que os três cursos selecionados, de acordo com os critérios adotados
tram as univer-
na pesquisa, apresentam problemas com a evasão escolar e precisam
sidades públi-
de novos estímulos para se consolidar. Isso significa dizer que os mo-
cas brasileiras,
tivos da evasão não se encontram na forma como o curso é oferecido
com diferentes aos alunos, nem no relacionamento entre estes e os docentes ou entre
variações estes e a coordenação e a administração. O que se evidencia são as
deficiências, tanto de infraestrutura de apoio da universidade, quanto
pelas carências sociais dos alunos. Outros obstáculos aparecem na falta
de compatibilização entre a oferta de cursos e as potencialidades eco-
nômicas e culturais da região.

Os problemas encontrados representam a realidade em que se encon-


tram as universidades públicas brasileiras, com diferentes variações. É
por meio dessa realidade que se vislumbram os desafios a serem en-
frentados, e, propositivamente, são lançadas algumas diretrizes para se
reduzirem esses entraves com um certo grau de sucesso.

Muitos dos desafios advêm de observações de docentes, técnicos, dis-


centes ou de funcionários públicos que realizam o árduo ofício da fis-
calização, da auditoria, entre outras funções. O objetivo é encontrar
meios que levem a universidade à sua consolidação local, cumprindo
seu papel de forma mais eficiente, clara e integrada com os demais
órgãos públicos, instituições e empresas. Busca-se minimizar a evasão
por meio do estímulo à permanência dos discentes na universidade, seja
financeiramente, através de apoio, seja pela participação nos processos
de melhoria dos cursos ofertados e dos que serão oferecidos no futuro.

Assim, considerando a dura realidade encontrada no sistema de gestão


da instituição, no modelo territorial de implantação da universidade, na
situação dos cursos em função das potencialidades regionais, e nas par-
cerias entre a universidade e os setores públicos e/ou privados, algumas
reflexões se fazem necessárias.

Sistema de gestão adotado pela instituição

Vista sob diferentes aspectos, a URPE incorporava um modelo de ad-


ministração centralizadora, a partir da sede em Recife. Esse modelo,
embora ainda prevaleça, já tomou novos rumos com a adoção do plane-
jamento estratégico. Esse método teve início na gestão atual, a patir de
Bahia anál. dados, 2012, embora ainda esteja andando a passos lentos, dada a inexperiên-
174 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 cia e a burocracia que persistem na instituição. Não há como avançar
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

se não se adotar a descentralização como meio de desenvolvimento da A forma de


universidade. inserção ter-
ritorial das
Com o planejamento estratégico, foram traçados objetivos, com a par- universidades
ticipação da comunidade no processo, ainda que de forma incipiente. brasileiras se
Ressalta-se a necessidade de atualização do estatuto da universidade, deu de modo
além da manutenção de um equilíbrio financeiro, já que a UFRPE é de-
diferente ao
pendente de verbas federais. Assim, depreende-se a importância vital
longo do tempo
dos princípios da autonomia e da liberdade acadêmica como forma de
se obter uma boa governança.

Entre as decisões de gestão, exprimem-se os incentivos, os apoios fi-


nanceiros disponíveis para auxiliar a permanência dos estudantes na
instituição. Como visto, percebeu-se a existência de diferentes tipos
de apoio ao acesso e à permanência de estudantes em IFES, mas que
não são suficientes para resolver os problemas regionais, especial-
mente os relacionados às regiões interioranas do Norte e do Nordeste,
em função das carências de diversas ordens. Nesse sentido, aos estu-
dantes dessas regiões deve ser dada maior atenção, para que as difi-
culdades sejam superadas, e os objetivos de políticas como a PNDR
possam ser alcançados, minimizando as diferenças e engrenando
o desenvolvimento.

Assim, algumas diretrizes são sugeridas: (1) buscar a promoção da li-


berdade acadêmica e a autonomia institucional como princípios bási-
cos, especialmente em suas unidades acadêmicas; (2) adotar o pla-
nejamento e a gestão estratégica, em consonância com os requisitos
legais, como meio de enfrentamento dos desafios que se apresentam;
(3) considerar as potencialidades locais e regionais como base para
decisões de implantação de novas unidades acadêmicas e novos cur-
sos; e (4) promover um efetivo e abrangente incentivo aos alunos das
regiões interioranas, minimizando verdadeiramente o fenômeno da
evasão escolar.

Modelo territorial adotado para implantação


da universidade

Embora o modelo territorial adotado seja uma decisão de gestão, esse


aspecto influencia diretamente a maneira como a instituição desenvolve
suas atividades e interage interna e externamente. Como visto, a for-
ma de inserção territorial das universidades brasileiras se deu de modo
diferente ao longo do tempo, mas em nenhum momento chegou a se
configurar como campus ou cidade universitária. Campus é o conceito
que mais se aproxima da realidade brasileira, apresentando deficiências
que vão desde a fragilidade dos serviços ofertados até a moradia insu- Bahia anál. dados,
ficiente para alunos e inexistente para docentes.
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
175
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

A parceria en- A falta de um modelo não contribui positivamente para uma gestão
tre os governos que tenha como base um plano estratégico que contemple ações inte-
deve resultar gradas. Isso implica ações sequenciais semelhantes, no dizer de Pinto
na oferta da e Buffa (2006), em “um círculo vicioso” que se inicia com processo de
infraestrutura desapropriação ou doação de área normalmente distante do centro ur-
bano, cujo valor de mercado é baixo.
necessária para
a instituição
Em Garanhuns, o processo seguiu esses passos, pois a área para im-
atender aos
plantação da unidade pertencia ao governo do estado e foi cedida, sob
seus objetivos condições específicas, por 40 anos. De fato, a área localiza-se distante
do centro urbano, ressentindo-se de comércio e serviços complemen-
tares necessários ao desenvolvimento das atividades acadêmicas. Além
disso, é carente de transporte, água, energia, restaurante universitário,
biblioteca, salas de aula, laboratórios, entre outros aspectos.

Observa-se que o planejamento para a inserção da UAG pecou em mui-


tos aspectos, a começar pela falta de uma maior participação dos três
níveis de poder envolvidos para que o empreendimento alcançasse o
sucesso pretendido. Em outras palavras, coube ao governo do estado a
cessão da área; à prefeitura, a implantação de uma linha de ônibus e de
iluminação urbana básica; e ao governo federal, o projeto arquitetônico
e as obras iniciais. Essa falta de participação contribuiu sobremaneira
para um fraco protagonismo da UAG no desenvolvimento da região,
especialmente no aspecto socioeconômico, por meio da população jo-
vem da região. A parceria entre os governos deve resultar na oferta da
infraestrutura necessária para a instituição atender aos seus objetivos,
sendo fundamental para influir cada vez mais no desenvolvimento da
região, em sintonia com as potencialidades locais.

Dessa forma, é importante a adoção de diretrizes para a consecução do


sucesso da instituição: (1) adotar a parceria entre os níveis de governo
como forma de planejar as melhorias necessárias a uma atuação ade-
quada da instituição, visando à sua integração com o espaço urbano; (2)
dar continuidade à construção da estrutura física restante para o com-
pleto e efetivo funcionamento da UAG; e (3) promover a participação
da comunidade acadêmica, especialmente os jovens, como estratégia
de ação, considerando as características ambientais e culturais locais.

Situação dos cursos ofertados pela instituição

A implantação de unidades acadêmicas é resultado de decisões de ges-


tão, e, no bojo da decisão, encontra-se a seleção dos cursos a serem
ofertados. Isso implica a necessidade de considerar não apenas pes-
quisas de mercado, mas fundamentalmente as potencialidades, os as-
Bahia anál. dados, pectos ambientais e culturais locais. Esses aspectos poderão contribuir
176 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 para o atendimento da demanda local e regional – o mercado mínimo,
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

como conceituou Christaller (1933 apud WANDERLEY, 1986; SOUZA Os cursos


FILHO, 2009) – que justifique a implantação da unidade. Dessa forma, oferecidos ini-
minimiza-se o fenômeno da evasão. cialmente pela
UAG se relacio-
No processo de implantação da unidade de Garanhuns, a definição dos navam com a
cursos ocorreu sem base em qualquer tipo de pesquisa que contem- base da econo-
plasse aspectos econômicos, ambientais e culturais locais e regionais.
mia da região
A questão regional é fundamental visto que, além de Garanhuns ser
município polo, a UAG foi implantada objetivando a atração de estu-
dantes das demais regiões, alguns de origem humilde, e grande parte
advinda do campo.

Os cursos oferecidos inicialmente pela UAG se relacionavam com a base


da economia da região, a agropecuária, que tem como produtos prin-
cipais o leite, o queijo e a manteiga. Ao longo dos anos, Garanhuns se
tornou também um centro de turismo, desenvolvendo-se também em
arte e cultura. O reflexo disso nos cursos ofertados deveria ser ime-
diato. Mas ocorreu exatamente o contrário. Quatro anos após o início
de suas atividades, a UAG implantou três novos cursos: Engenharia de
Alimentos, Bacharelado em Ciência da Computação e Letras. A esco-
lha desses cursos, segundo relato de docentes da unidade que fizeram
parte do processo, se deu a partir das observações de grupos de pro-
fessores, que submeteram suas ideias em reuniões, mesmo com pro-
postas de cursos de Música, Matemática, Educação Física, Química e
Física. Como se verifica, dos cursos sugeridos, apenas o de Música se
encaixa no perfil municipal e regional. Na ocasião, o nível de evasão já
se apresentava alto.

Na definição de novos cursos segundo as potencialidades locais e re-


gionais, sugere-se considerar os resultados do programa de governo
do estado denominado Todos por Pernambuco. Este se compõe de se-
minários regionais em que são obtidos diagnósticos situacionais nas
12 regiões de desenvolvimento do estado. Em cada uma, promove-se
um espaço para debates entre a sociedade civil organizada e o po-
der público. Os resultados, como expõe a Secretaria de Planejamen-
to e Gestão de Pernambuco (Seplag) em seu site, são fundamentais,
pois “[...] influenciam diretamente a construção do Plano Plurianual
– lei que consolida o plano de ação que o governo realizará nos três
anos seguintes”.

Essa estratégia de planejamento e ação do governo do estado iniciou-se


em 2007 e deveria ter servido como base para a definição dos novos
cursos na UAG. O curso de Engenharia de Alimentos demanda a existên-
cia de laboratórios, de indústrias alimentícias, entre outros aspectos, o
que não ocorre nem no município nem na região do agreste meridional. Bahia anál. dados,
Há poucas indústrias do setor de alimentos que poderiam possibilitar
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
177
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

Outros dois não apenas o estágio obrigatório para os estudantes, mas também a
aspectos que absorção dos profissionais formados semestralmente na universidade.
influenciam a O curso de Bacharelado em Ciência da Computação também sofre com
condição dos a falta de empresas que aceitem alunos para estágio supervisionado
cursos dispo- obrigatório e façam contratações futuras de profissionais. Contudo,
é importante ressaltar que os demais cursos, mesmo sendo relativos à
níveis na UAG
área rural, também enfrentam problemas de empregabilidade para os
são a evasão e o
futuros profissionais. Essas questões reforçam a necessidade de se tra-
sistema curri-
balhar com o planejamento estratégico e com parcerias entre os níveis
cular adotado de poder, bem como com a iniciativa privada, com base nas potenciali-
dades locais e regionais.

Outros dois aspectos que influenciam a condição dos cursos disponí-


veis na UAG são a evasão e o sistema curricular adotado. Quanto ao
primeiro, verifica-se que o nível de renda familiar da maioria dos alunos
nas regiões interioranas do Norte e Nordeste é baixo, exigindo que eles
trabalhem para complementá-la. Com a existência de políticas públicas
de incentivo à permanência desses alunos na universidade, a evasão
pode ser minimizada. Mas esses incentivos, por si só, não são suficientes
para reverter o quadro.

Com relação ao segundo aspecto, o sistema seriado adotado termina


por prejudicar o progresso dos alunos no curso, especialmente no ciclo
básico. Além disso, a forma como as disciplinas interagem nos cursos,
e estes entre si, termina também por impactar o progresso dos alunos,
por falta de interdisciplinaridade.

Por fim, é importante considerar algumas diretrizes para a consecu-


ção do sucesso da instituição a partir da definição de novos cursos:
(1) implantar o sistema de créditos como forma de tornar as discipli-
nas mais acessíveis aos alunos, bem como o progresso deles; (2) pro-
mover a interdisciplinaridade, a integração entre as disciplinas do cur-
so, como forma de facilitar o aprendizado; (3) adotar parcerias com
os governos locais e dos municípios da região, no sentido de estim-
ular a instalação de novas indústrias que possibilitem a participação
de discentes enquanto estagiários e que demandem profissionais
formados pela universidade; e (4) estimular a parceria com os gov-
ernos locais e estadual, no sentido de alavancar o desenvolvimento
socioeconomicoespacial da região, buscando novas oportunidades
profissionais.

Parcerias públicas e/ou com a iniciativa privada

Os aspectos que consolidam uma universidade na região são as par-


Bahia anál. dados, cerias que ela pode e deve fazer com os demais setores da sociedade.
178 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 Claro está, portanto, que se trata de um acordo que duas ou mais par-
Maria do Carmo de Albuquerque Braga Artigos

tes estabelecem entre si, com o objetivo de atingir interesses comuns. Os aspectos
Os sujeitos desse acordo podem ser públicos ou privados, individuais que conso-
ou coletivos, e a finalidade principal é a realização de intervenções vol- lidam uma
tadas ao desenvolvimento econômico e/ou social de um determinado universidade
grupo ou território. na região são as
parcerias que
A dura realidade encontrada em Garanhuns indica que a UFRPE tem-
ela pode e deve
-se esforçado, mas ainda carece de maior investimento nesse setor. As
fazer com os
parcerias existentes são do tipo público, em sua maioria, em que outras
demais setores
IES realizam acordos entre si, visando facilitar a mobilidade estudantil,
o intercâmbio e a troca de conhecimentos. da sociedade [..]
verifica-se que,
Dessa forma, verifica-se que, mesmo sendo maioria, as parcerias públi- mesmo sendo
cas devem ser mais estimuladas, especialmente aquelas com o poder maioria, as par-
local, já que este tem muito a oferecer em termos de áreas estratégicas cerias públicas
para a expansão e a infraestrutura necessárias para o bom funciona- devem ser mais
mento da universidade e para a prática profissional dos alunos. Nesse estimuladas,
sentido, observa-se que, em Garanhuns, mesmo esse tipo de parceria especialmente
ainda é muito incipiente, haja vista a dificuldade dos alunos em se colo- aquelas com o
car em estágios obrigatórios, por exemplo. Expressam-se ainda como poder local
fundamentais as parcerias público-privadas (PPP), que são acordos en-
tre os setores público e privado para a realização de serviços ou obras
de interesse tanto do governo quanto da sociedade.

Na parceria público-privada, a relevância se evidencia pelo fato de se


configurar como uma solução na escassez de recursos públicos para
investimento em infraestrutura, auxiliando também na melhoria da qua-
lidade e da eficiência dos serviços prestados à sociedade.  Assim, in-
dependentemente do tipo de parceria a ser feita, a UFRPE não pode
prescindir de fazer uso desse tipo de acordo.

Enfim, entendida a necessidade de estimular as parcerias e com o obje-


tivo de consolidar a universidade na região, para cumprir seu papel de
elo entre a sociedade, o poder público e o desenvolvimento da região,
algumas diretrizes são oferecidas: (1) realizar revisão legal, em conjun-
to com os demais níveis de poder, quanto às parcerias com os setores
público e privado, visando tornar mais eficiente e célere a alocação de
recursos financeiros obtidos, além da necessária execução das infraes-
truturas restantes das unidades acadêmicas; (2) adotar parcerias com
o setor público e/ou privado como forma de viabilizar a infraestrutu-
ra necessária para o bom funcionamento da UAG; (3) trabalhar par-
cerias com o setor privado, apoiando a implantação e manutenção de
laboratórios relativos à prática profissional dos alunos; e (4) estimu-
lar a parceria com os governos locais e estadual para alavancar o de-
senvolvimento da região, buscando investimentos coerentes com as Bahia anál. dados,
potencialidades locais.
Salvador, v. 28, n.1,
p.156-182, jan.-jun. 2018
179
Estudo da influência da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns,
Artigos no desenvolvimento social da população jovem do agreste meridional do estado

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, os dados obtidos ao longo do trabalho, assim como as


reflexões acerca deles, apontam para avanços na Universidade Fede-
ral Rural de Pernambuco, mas muito ainda há o que se fazer para que
a unidade venha a cumprir o seu papel de elo entre a sociedade, o
governo e o desenvolvimento regional. Os caminhos conduzem para a
minimização do fenômeno da evasão, que tanto tem afetado o desen-
volvimento socioeconômico da região agreste meridional do estado,
especialmente da população jovem, lançando mão minimamente das
potencialidades locais e regionais, além da realização de parcerias com
entidades públicas e/ou privadas. O primeiro passo foi dado recente-
mente, visto que foi lançada a oportunidade de a unidade acadêmica
de Garanhuns iniciar o processo de emancipação, tornando-se a Uni-
versidade Federal do Agreste de Pernambuco, através da Lei federal
13.651 (BRASIL, 2018).

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181
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SOUZA FILHO, I. C. A inserção de uma Instituição de Ensino Superior


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WANDERLEY, V. M. Ensino superior no interior de Pernambuco: uma


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de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 1986.

Bahia anál. dados, Recebido em 8 de maio de 2018 e


182 salvador, v. 28, n. 1,
p.156-182, jan.-jun. 2018 aprovado em 23 de julho de 2018.
Resumo

Esta pesquisa objetivou mapear as políticas públicas de educação do campo


implementadas no período pós-publicação das Diretrizes Operacionais das
Escolas do Campo (Res. nº 1, de 3 de abril de 2002/CNE/MEC) na região do
extremo sul da Bahia. O estudo investigou as lutas dos movimentos sociais do
campo por educação e os limites encontrados na consolidação das políticas
de educação do campo. Constituíram referência teórica da pesquisa autores
como Koling e Molina (1999, 2004), Frigotto (2010), Vendramini (2007) e
documentos do MEC (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002, 2008)
e (BRASIL, 2010). Os resultados indicam que os níveis educacionais nos
municípios pesquisados são baixos (atendendo prioritariamente as séries
iniciais do ensino fundamental), as propostas pedagógicas e curriculares não
foram alteradas, os níveis educacionais não foram ampliados, e escolas foram
fechadas na última década. O direito está assegurado, mas é preciso que a
luta continue para sua concretização.
Palavras–chave: Políticas públicas. Educação do campo. Movimentos sociais.

Abstract

This research aimed to map the public education policies that was implemented
after the publication of the Diretrizes Operacionais das Escolas do Campo
(Res. Nº 01, of April 03, 2002 / CNE / MEC) in the extreme south region of
Bahia. We investigated the struggles of rural social movements for education
and the limits found in the consolidation of rural education policies. It was the
theoretical reference of the research, authors such as: Koling and Molina (2004,
1999), Frigotto (2010), Vendramini (2007) and MEC Documents (CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002, 2008) and (BRASIL, 2010). The results
indicate that the educational levels in the cities are very low (especially in the
initial grades of elementary school); pedagogical and curricular proposals have
not been changed, educational levels have not been expanded and schools
have been closed in the last decade. The right is assured, but it is necessary
that the mobilization continues for the implementation.
Keywords: Public polices. Rural education. Social movements.
Artigos

A virtualidade da luta por


educação do campo e os
limites para efetivação das
conquistas legais: um estudo
sobre o extremo sul da Bahia
M A R I A N A LVA R O D R I G U E S PROPÕE-SE NESTE artigo trazer algumas
D E A R AÚ J O B O G O
reflexões acerca da educação do campo
Doutora em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e mestre em enquanto movimento e proposta em construção a
Ciências e Práticas Educativas pela
Universidade de Franca (Unifran). partir das lutas dos movimentos sociais do campo
Professora titular da Universidade
do Estado da Bahia (Uneb), docente e sua importância para o desenvolvimento.
colaboradora do Mestrado Profissional
em Educação do Campo da
Parte-se do contexto sócio-histórico
Universidade Federal do Recôncavo em que emergem estas lutas por se
da Bahia (UFRB) e do Programa de
Pós-graduação em Desenvolvimento compreender que está eivado de contradições.
Territorial da América Latina da
Universidade Estadual Paulista (Unesp). Estas, por sua vez, produzem a ausência de
uma vida digna para os trabalhadores, que,
organizados em coletividades, buscam, na luta
social, pressionar o Estado brasileiro para que
tenham seus diretos atendidos.

No que toca aos índices educacionais


brasileiros sobre a educação no campo,
tomados como referência os dados do Censo
Escolar do MEC/Inep, observa-se que existiam
no meio rural, em 2002, 107.432 escolas. Em
2009, o número de escolas no campo caiu
para 83.036 (INSTITUTO NACIONAL DE
ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS
ANÍSIO TEIXEIRA, 2002, 2009), o que significa
o fechamento de 24.396 estabelecimentos de
ensino. Destas, 22.179 são escolas municipais.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
185
A virtualidade da luta por educação do campo e os limites para efetivação das conquistas legais:
Artigos um estudo sobre o extremo sul da Bahia

A história Somente na Região Nordeste, foram fechadas mais de 14 mil escolas,


da educação mais da metade do total de estabelecimentos desativados. Observa-se,
brasileira tem portanto, a íntima relação entre os índices de analfabetismo e a dificul-
sido o registro dade de acesso à escola. Com essa política, o número de matrículas no
de uma dívida meio rural, nos referidos anos, reduziu-se de 7.916.365 para 6.680.375.
Praticamente 1.235.990 crianças ficaram sem escola ou foram obrigadas
histórica para
a estudar na cidade.
com as classes
populares, em
Ainda de acordo com dados do Censo Escolar do Inep de 2007, 92% dos
especial as do estudantes do campo não tinham acesso à internet; 90% não contavam
meio rural com laboratórios de informática; 75% não dispunham de bibliotecas;
98% não acessavam laboratórios de ciências; 23% não dispunham de
energia elétrica; 87% não tinham acesso a sanitários ou água encanada
(INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS
ANÍSIO TEIXEIRA, 2018). Em síntese, percebe se que há no meio rural
brasileiro persistência de elevado contingente de analfabetos, reforçan-
do desigualdades; nível de escolaridade dos jovens e adultos baixo e
desigual; níveis insuficientes e desiguais de acesso, permanência e con-
clusão da educação básica; extrema precariedade na infraestrutura da
oferta de educação básica; e formação insuficiente dos educadores.

Para Fernandes (1989), existe uma relação direta entre a miséria e o


baixo nível cultural, de escolarização e de formação das camadas popu-
lares. Ou seja, há uma relação de interdependência estabelecida entre
indicadores econômicos e educacionais, como os dois lados de uma
mesma moeda.

OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO E


A LUTA POR EDUCAÇÃO

Como descrito nos dados anteriormente evidenciados, a história da


educação brasileira tem sido o registro de uma dívida histórica para
com as classes populares, em especial as do meio rural. Dados oficiais
constatam déficits quantitativos e qualitativos nessa área. A população
do campo não teve acesso à educação escolar por quase cinco sécu-
los de história, e, quando esta chegou, tratava-se de uma educação
precarizada.

Segundo Calazans (1993), as políticas de educação para as populações


rurais têm início somente a partir da década de 30 do século XX. A au-
tora cita alguns projetos educacionais escolares e não escolares exten-
sionistas, dirigidos pela política externa norte-americana, preparando os
agricultores para integração ao modelo de desenvolvimento rural. Tais
Bahia anál. dados, programas de extensão rural, desenvolvidos no período pós-guerra, se
186 salvador, v. 28, n. 1,
p.184-199, jan.-jun. 2018 davam através de atividades educativas não escolares e tinham como
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo Artigos

meta transformar o homem do campo em um farmer1 norte-americano, A educação do


através de programa educativo de base. O objetivo principal expresso campo como
nos documentos seria o combate à carência, à subnutrição, às doenças, articulação dos
à ignorância e a outros fatores negativos que envergonhavam o país. movimentos
Desse modo, expressava-se a visão do camponês como um ser pobre sociais e da
e carente, que deveria ser assistido e protegido, materializado na figura sociedade civil
do Jeca Tatu (personagem de Monteiro Lobato).
organizada
teve seu nas-
A partir do exposto, pode-se afirmar que os objetivos que nortearam as
cimento oficial
parcas políticas oficiais de educação para as populações camponesas
se originavam nas concepções das elites, como bem pontuou o Con- em 1998
selho Nacional de Educação (2002a). Este era o propósito das políti-
cas de educação rural implementadas no Brasil até a década de 1990.
Contrariamente a esse modelo se levantaram os movimentos sociais do
campo no final da década de 1990. Ou seja, os expropriados do campo
se afirmavam como sujeitos e delimitavam uma proposta de educação.

A educação do campo como articulação dos movimentos sociais e da


sociedade civil organizada teve seu nascimento oficial em 19982, com a
realização da Primeira Conferência por uma Educação Básica do Cam-
po, promovida pelas seguintes instituições: Movimento dos Trabalhado-
res Rurais Sem Terra (MST); Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB); Universidade de Brasília (UnB); Organização das Nações Uni-
das para a Educação (UNESCO) e Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef).

A realização da Primeira Conferência por uma Educação Básica3 do


Campo (1998) teve como objetivo central recolocar o rural e a educação
que a ele se vincula na agenda política do país, com a convicção de que
era possível e necessário pensar e implementar um projeto de desen-
volvimento para o Brasil que incluísse milhões de pessoas que vivem no
e do campo, compreendendo que a educação constitui uma mediação
para esta estratégia. Para Fernandes e Molina (2004), os sujeitos sociais
do campo estavam demarcando ali um território que representa não
apenas o espaço geográfico, mas o poder das teorias nos processos de
transformação da realidade, introduzindo um novo conceito.

Na Primeira Conferência por uma Educação do Campo, os movimentos


de lutas sociais do campo delimitaram que estavam assumindo uma

1 Uma espécie de fazendeiro ao modelo norte-americano.


2 Registra-se que o marco antecedente a esta conferencia foi o I Encontro Nacional de Educadores
e Educadoras da Reforma Agrária, realizado pelo MST em 1997.
3 No início, a conferência definiu a luta por uma educação básica do campo. Posteriormente, foi
suprimida a ideia de apenas educação básica, e a articulação entendeu que isso seria limitado e
Bahia anál. dados,
que os povos do campo teriam direito à educação desde a infância até o nível superior. Assim,
passou-se a adotar a expressão por uma educação do campo, suprimindo-se o termo básica.
Salvador, v. 28, n.1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
187
A virtualidade da luta por educação do campo e os limites para efetivação das conquistas legais:
Artigos um estudo sobre o extremo sul da Bahia

Só tem sentido educação do campo, o que diferenciava este conceito do de educação


a educação do rural. Para os organizadores da conferência, a decisão de utilizar a ex-
campo se esta pressão campo, e não meio rural, se deu com o objetivo de incluir uma
estiver sendo reflexão do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos
implementada que hoje tentam garantir a sobrevivência desse trabalho. Acrescenta-se
ainda uma preocupação especial com o resgate histórico e político do
junto com um
conceito de camponês4.
projeto popular
de desenvolvi-
Diante do exposto, pode-se afirmar que a educação do campo surgiu
mento do cam- das necessidades vivenciadas pelos movimentos sociais do campo, que,
po e de socieda- nas suas trajetórias, vêm demarcando um conceito de sociedade, de-
de que se quer senvolvimento rural, educação e campo, diferentemente da concepção
construir hegemônica que concebe o meio rural como atrasado, desertificado,
apenas como produtor de mercadorias para atender aos ditames eco-
nômicos do capital. Assim sendo, a característica central da educação
do campo defendida pelos movimentos sociais é o fato de ter surgida
nas lutas sociais pela terra, pelos direitos sociais dos trabalhadores, en-
tre eles o direito à educação, rompendo com o terreno das barganhas e
dos favorecimentos políticos. Dessa forma, só tem sentido a educação
do campo se esta estiver sendo implementada junto com um projeto
popular de desenvolvimento do campo e de sociedade que se quer
construir, ou seja, é preciso que os movimentos se interroguem cotidia-
namente sobre essas questões.

Como resultado da luta dos movimentos sociais pelo reconhecimento


dos direitos dos camponeses, algumas conquistas podem ser enumera-
das: instituição de marcos legais5 e programas educacionais destinados
aos sujeitos do campo, entre eles o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera), o Programa Saberes da Terra, e o Programa
de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo).

4 O homem do campo tem recebido no Brasil inúmeras denominações: no centro-sul é chamado


de caipira; no Nordeste é curumba, tabaréu, sertanejo, capiau e lavrador; no Norte é sitiano,
seringueiro; no Sul é colono, caboclo. Há ainda outras derivações, como caiçara, chapadeiro,
catrumano, roceiro, agregado, meeiro, parceiro, parceleiro e, mais recentemente, sem-terra e
assentado. Segundo o texto-base da conferência, esses termos, por vezes, são tanto valorativos
quanto depreciativos. São expressões carregadas de sentidos pejorativos que classificam esses
sujeitos como atrasados, preguiçosos, ingênuos e incapazes. Ao mesmo tempo, os definem como
matutos, reflexivos, prudentes, desconfiados e espertos. Essas palavras denominam os homens
e mulheres e suas famílias que vivem e trabalham na terra. São os trabalhadores do campo. Seus
significados jamais são confundidos com outros personagens do campo, fazendeiros, latifun-
diários, seringalistas, senhores de engenho, coronéis, estancieiros. Ou seja, as palavras deixam
claras as diferentes classes sociais do campo (CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO
BÁSICA NO CAMPO, 1998, p. 9).
5 Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo: Resolução CNE/CEB n°
1/2002 e Resolução CNE/CEB n° 2/2008. Parecer CNE/CEB n° 1/2006 que reconhece os dias
letivos da alternância. Resolução CNE/CEB n° 4/2010 que reconhece a educação do campo
como modalidade específica e define a identidade da escola do campo. Decreto n° 7.352, de 4
de novembro de 2010, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação do Campo e sobre o
Bahia anál. dados,
188 salvador, v. 28, n. 1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Lei 12960 /2014, que altera a Lei
de Diretrizes e Bases 9394/ 96 e dispõe sobre o processo de fechamento de escolas no campo.
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo Artigos

A partir da pressão dos movimentos sociais do campo, o Estado brasi- A partir da


leiro, através do Ministério da Educação, instituiu, pela Resolução nº 1, pressão dos
de 3 de abril de 2002 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002b), movimentos
as diretrizes operacionais para as escolas do campo. Em abril de 2008, sociais do
o referido ministério publicou a Resolução de nº 2 2008, do CNE/CEB, campo, o Es-
e em 2010 foi publicado o Decreto presidencial de nº 7352/10, apre- tado brasileiro
sentando indicativos sobre a implantação das diretrizes operacionais
[...] instituiu [...]
nas escolas do campo. As diretrizes rompem com o silêncio das polí-
as diretrizes
ticas públicas de educação para as escolas do campo. Passada mais
operacionais
de uma década da instituição dessas diretrizes, buscou-se investigar
em que medida alguns municípios da região do extremo sul da Bahia para as escolas
efetivaram tal política. Partindo dessas indagações/reflexões sobre a do campo
educação do campo na região do extremo sul da Bahia foi realizada, no
período de 2011 a 2013, uma pesquisa6 cujos resultados serão relatados
na sequência.

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NA REGIÃO


DO EXTREMO SUL DA BAHIA

O levantamento dos dados em campo foi realizado por dois anos con-
secutivos e contou com duas bolsistas de Iniciação Científica durante
todo o período (2011-2013). Os municípios pesquisados foram os que
integram o território de identidade Extremo Sul: Alcobaça, Prado, Ita-
maraju, Teixeira de Freitas, Nova Viçosa, Mucuri, Caravelas, Ibirapuã,
Itanhém, Medeiros Neto, Lajedão, Vereda e Jucuruçu.

O documento de referência para a pesquisa foi Diretrizes Operacionais


das Escolas do Campo, além de outros dois instrumentos legais publi-
cados pelo governo federal – a Resolução do MEC nº 2, de 28 de abril
de 2008 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2008) e o Decreto
nº 7352, da presidência da República, publicado em novembro de 2010
(BRASIL, 2010). Procedeu-se ao levantamento de dados nos municípios
e se fez o confronto com o que assegura a legislação em vigor. Assim, as
categorias de análise foram retiradas dos referidos documentos.

Perfil das escolas do campo nos municípios pesquisados

No primeiro momento, buscou-se traçar um pequeno perfil das esco-


las do campo nos municípios pesquisados. Para tanto, verificou-se a
quantidade de escolas existentes no campo, sua localização, número de
estudantes e níveis de atendimento.

Bahia anál. dados,


6 Esta pesquisa contou com o auxílio de duas bolsistas de Iniciação Científica da Fapesb/CNPq
durante todo o período.
Salvador, v. 28, n.1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
189
A virtualidade da luta por educação do campo e os limites para efetivação das conquistas legais:
Artigos um estudo sobre o extremo sul da Bahia

Os dados coletados em 13 municípios do território de identidade Extre-


mo Sul, lócus da pesquisa, revelam a existência de 2317 escolas no cam-
po. O município com o maior número de escolas no campo foi Itamaraju,
com 53 estabelecimentos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (CENSO DEMOGRÁFICO 2010) apontam que, nos municípios
pesquisados, o percentual da população que reside na zona urbana vem
crescendo de forma significativa, como mostra a tabela a seguir.

Tabela 1
Percentual da população que reside na zona urbana
Pop. residente na zona Pop. residente na zona Qdte. de escolas na
Município Total população
urbana rural zona rural

Alcobaça 11.112 10.207 21.309 28


Caravelas 11.317 10.120 21.437 06
Itamaraju 50.176 13.179 63.355 53
Prado 15.454 12.158 27.612 30
Mucuri 27.484 8.559 36.043 18
Nova Viçosa 33.518 5.019 38.537 11
Jucuruçu 2.292 7.668 9.960 33
Lajedão 2.076 1.657 3.733 6
Itanhém 14.204 5.995 20.199 13
Medeiros Neto 17.057 4.484 21.541 11
Vereda 1.379 5.423 6.802 6
Ibirapuã 4.534 3.426 7.960 05
Teixeira de Freitas 129.412 9.079 138.491 12
Fonte: IBGE-Censo Demográfico 2010. Pesquisa realizada pela autora nos municípios citados.

Por outro lado, chamam a atenção os municípios de Jucuruçu e Vereda,


em que os dados do IBGE (CENSO AGROPECUÁRIO, 1998, 2006) indi-
cam que as populações rurais são, em números absolutos, maiores que
as da zona urbana. Quando a pesquisa foi realizada, não se investigou a
quantidade de escolas no meio urbano, mas, se estes municípios segui-
rem a tendência nacional, é possível inferir que existe uma quantidade
maior de escolas no meio urbano, mesmo com uma população menor
do que a do meio rural. Isso indica que a zona rural não tem sido alvo
de investimentos em políticas educacionais.

Outro dado interessante refere-se ao município de Teixeira de Freitas,


onde 9.079 pessoas residem no campo (7% da população total), sendo
que existem apenas 12 escolas, resultando em 755 moradores por esco-
la. Dessa forma, pode-se afirmar que os gestores do município não têm
considerado esses “resíduos” da população, e que não há prioridade
para implantação de escolas no campo.

7 Estes dados referem-se ao ano de 2013, quando foi concluída a pesquisa. Entretanto, eles variam
Bahia anál. dados,
190 salvador, v. 28, n. 1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
muito, visto que algumas escolas foram fechadas, e outras foram abertas, nos municípios onde
os movimentos sociais do campo fazem acampamentos e pressionam as prefeituras.
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo Artigos

Quantidade de estudantes Os dados


indicam que
Os dados indicam que a quantidade de alunos das escolas rurais, com- a quantidade
parada com a do meio urbano, é bastante reduzida. São 4.919 alunos, de alunos das
distribuídos em 231 escolas do campo. Isso resulta em cerca de 22 alu- escolas rurais,
nos por escola, indicando estabelecimentos pequenos, com pouco nú- comparada com
mero de estudantes. Pesquisa realizada por Araujo8 sobre o fechamento
a do meio urba-
de escolas na região mostra que uma das razões mais declaradas pelos
no, é bastante
gestores para a desativação das unidades de ensino é o número redu-
reduzida
zido de alunos. Isso contradiz o Artigo 14 das diretrizes operacionais
das escolas do campo (2002), que assegura a existência da escola in-
dependentemente da quantidade de estudantes, ou seja, observando a
densidade demográfica.

Níveis de atendimento

O Art. 1º da Resolução nº 2/2008 caracteriza a educação do campo no


interior da educação básica e a quem se destina.

A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas


de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação
Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e
destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas
formas de produção da vida – agricultores familiares, extrativistas, pes-
cadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma
Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros. (CONSELHO NACIO-
NAL DE EDUCAÇÃO, 2008).

De acordo a resolução, a educação do campo não se resume à oferta


das séries iniciais do ensino fundamental, como comumente se vê nos
municípios.

Os dados da pesquisa indicam que os níveis de ensino ofertados nos


estabelecimentos públicos de educação situados no campo variam da
educação infantil ao ensino fundamental, sendo que o ensino médio e o
profissionalizante aparecem em menor proporção. O ensino fundamen-
tal tem atendimento em 64% dos estabelecimentos pesquisados; 32%
das escolas ofertam educação infantil; 3% oferecem ensino médio; e 1%,
educação profissional.

Quanto ao ensino profissionalizante, garantido nos três dispositivos le-


gais – Art. 3º da Resolução nº 1, de 3 de abril de 2002; Art. 1º da Resolu-

8 Pesquisa realizada em 2011, como atividade da disciplina Educação do Campo, ministrada no


Bahia anál. dados,
curso de Pedagogia, contou com os estudantes da turma, que, no período de um semestre,
fizeram o levantamento de dados em todos os municípios que compõem o território Extremo Sul.
Salvador, v. 28, n.1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
191
A virtualidade da luta por educação do campo e os limites para efetivação das conquistas legais:
Artigos um estudo sobre o extremo sul da Bahia

Acredita-se que ção nº 2, de 28 de abril de 2008; e Art. 4º - III do Decreto nº 7.352, de 4


a coordenação de novembro de 2010 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002b,
pedagógica tem 2008; BRASIL, 2010) –, constatou-se que apenas 1% das instituições de
função essen- ensino ofereciam esse nível de ensino, comprovando que, embora o
cial no que tan- acesso à escola seja assegurado em todos os municípios pesquisados,
isso não se dá em todos os níveis. Observa-se um percentual significati-
ge à formação
vo de escolas de ensino fundamental, seguindo uma tendência nacional
continuada dos
de oferecer as séries iniciais no campo. Entretanto, no ensino médio, o
professores
percentual de atendimento é reduzido significativamente, permanecen-
do um rigoroso funil.

Ações dos municípios para implantação das diretrizes


da educação básica do campo

Como enfatizado anteriormente, as diretrizes operacionais da educa-


ção básica do campo (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002b)
asseveram a necessidade de definição da identidade da escola do cam-
po. Para tanto, recomendam aos entes federados uma série de medi-
das a serem tomadas no âmbito dos estados e municípios. Com base
nessas recomendações, também presentes na Resolução nº 2/2008
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2008), buscou-se identifi-
car, junto aos gestores dos municípios, as ações realizadas pelas res-
pectivas instituições públicas para se adequarem às exigências das
referidas diretrizes.

Coordenação pedagógica

Tendo em vista a relevância de uma coordenação pedagógica apropria-


da à organização dos grupos educacionais do campo, perguntou-se se
foi criada uma coordenação de educação do campo no município. Os
dados apontaram que 46% dos municípios pesquisados não instaura-
ram coordenação pedagógica para atender especificamente às escolas
do campo. O mesmo percentual dos entrevistados respondeu positiva-
mente a essa questão, e 8% não responderam, o que leva à hipótese de
que, nesses casos, a coordenação não foi criada.

Acredita-se que a coordenação pedagógica tem função essencial no


que tange à formação continuada dos professores, auxiliando-os a re-
fletir sobre a própria atuação em sala de aula. Na nova configuração da
educação do campo, o coordenador pedagógico pode contribuir sobre-
maneira para que o docente seja desafiado. Os currículos das universi-
dades, antes da década de 1990, não discutiam a temática do campo e
seus desafios gerais. Assim, os educadores têm chegado às escolas com
inúmeros questionamentos, a respeito dos quais se torna imprescindível
Bahia anál. dados, o apoio de um coordenador e do coletivo da escola.
192 salvador, v. 28, n. 1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo Artigos

Alteração das propostas pedagógicas As propostas


e mudanças nos currículos pedagógicas
das escolas do
A questão da alteração das propostas pedagógicas e das mudanças campo devam
curriculares para as escola do campo não é algo novo na legislação ser construídas
educacional brasileira. Os Arts. 23, 26 e 28 da Lei nº 9.394, de 1996, as- respeitando as
seguram essa prerrogativa. Ainda, o Art. 5º da Resolução nº 1 (CONSE-
diferenças e a
LHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002b) recomenda que as propostas
diversidade do
pedagógicas das escolas do campo devam ser construídas respeitando
campo em seus
as diferenças e a diversidade do campo em seus aspectos sociais, po-
líticos, econômicos, de gênero, geração e etnia. Os dados da pesquisa aspectos so-
indicaram que 43% dos municípios avaliados alteraram as propostas, e ciais, políticos,
43% realizaram mudanças nos currículos das escolas do campo. econômicos, de
gênero, geração
Na pesquisa, não houve oportunidade de averiguar mais profunda- e etnia
mente o teor das mudanças curriculares, para saber se estão coerentes
com o que se encontra assegurado nas diretrizes operacionais. Assim,
em 43% dos municípios, os gestores afirmaram que houve mudanças
nos currículos das escolas do campo, mas não indicaram que tipo de
alteração foi realizada.

Construção de novas escolas nos municípios pesquisados

Os índices brasileiros sobre a educação no campo, tomando-se como


referência os dados do Censo Escolar do MEC/Inep, indicam que exis-
tiam no meio rural, em 2002, 107.432 escolas. Em 2009, o número de
escolas no campo caiu para 83.036, o que significa o fechamento de
24.396 estabelecimentos de ensino (INSTITUTO NACIONAL DE ESTU-
DOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2002, 2009),
sendo que 22.179 eram escolas municipais. Isso representou, nas re-
giões Sul e Centro-Oeste, uma redução de mais de 39% do total de
estabelecimentos de ensino no meio rural; na Região Nordeste, 22,5%;
no Sudeste, 20%; e no Norte, 14,4%. Somente na Região Nordeste fo-
ram fechadas mais de 14 mil escolas, mais da metade do total de esta-
belecimentos desativados. Dados do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018) mostram que, em 2014,
foram fechadas 4.084 escolas no campo. Dentre as regiões mais afeta-
das, Norte e Nordeste lideram o ranking. Só em 2014 foram 872 escolas
fechadas no estado da Bahia. O Maranhão aparece no segundo lugar,
com 407 desativações, seguido pelo Piauí, com 377. Ao mesmo tempo,
esses estados exibem os maiores índices de analfabetismo no campo.
Portanto, observa-se a íntima relação entre os índices de analfabetismo
e a dificuldade de acesso à escola, sendo que a política pública deve-
ria promover a ampliação do acesso e dos recursos para a permanên-
cia das crianças e adolescentes na escola. Constatou-se também que Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
193
A virtualidade da luta por educação do campo e os limites para efetivação das conquistas legais:
Artigos um estudo sobre o extremo sul da Bahia

A luta dos foram construídas 18 novas escolas nos municípios pesquisados, con-
movimentos trastando com o fechamento de 163 estabelecimentos, seguindo uma
sociais deman- tendência nacional.
dou do governo
políticas de Formação dos professores do campo
formação de
Os artigos 12, 13 da Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação
professores do
(2002b) asseguram a necessidade da formação de educadores para atu-
campo
ar nas escolas do campo. O Art. 67 da LDB 9394/96 orienta os sistemas
de ensino a desenvolverem políticas de formação inicial e continuada
para habilitar todos os professores leigos e promover o aperfeiçoamen-
to do docentes. A formação de professores para atuar na especificidade
da educação do campo também é reafirmada na Resolução nº 2 (CON-
SELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2008) e no Decreto presidencial nº
7.352, de novembro de 2010. O Art. 5º § 2º do referido decreto assegura
que a formação de professores poderá ser feita concomitantemente à
atuação profissional, de acordo com metodologias adequadas, inclusive
a pedagogia da alternância, e sem prejuízo de outras que atendam às
especificidades da educação do campo, e por meio de atividades de
ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 2010).

Ainda conforme a Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008 (Art. 5º §


2º), a admissão e a formação inicial e continuada dos professores e do
pessoal de magistério de apoio ao trabalho docente deverão considerar
sempre a formação pedagógica apropriada à educação do campo e às
oportunidades de atualização e aperfeiçoamento com os profissionais
comprometidos com suas especificidades.

Os dados da pesquisa indicaram que 71% dos municípios avaliados ofe-


recem algum tipo de formação continuada aos professores das escolas
do campo, e 29% não têm nenhuma atividade desse tipo.

A questão da formação inicial e continuada tem sido um desafio a ser


superado tanto por parte dos gestores públicos quanto das institui-
ções de ensino superior que realizam formação de professores. Dados
do MEC/Inep mostram que cerca de 35% dos professores das escolas
rurais dão aulas sem a formação adequada. Isso significa um contin-
gente de 118.736 profissionais sem a preparação própria para a atuação
na função. Além da formação inicial e da continuada, a atualização é
outro desafio, visto que, nas universidades, as demandas da educação
do campo estão longe de fazer parte do debate dos currículos de for-
mação de professores. Desse modo, a luta dos movimentos sociais de-
mandou do governo políticas de formação de professores do campo,
que foram asseguradas na legislação, mas cuja implementação ainda
Bahia anál. dados, constitui um desafio.
194 salvador, v. 28, n. 1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo Artigos

Gestão escolar Pensar a educa-


ção do campo
Os dados da pesquisa também revelaram que a participação das co- no meio rural
munidades rurais na gestão das escolas do campo ocorre nas reuniões brasileiro é
de pais e mestres, no processo eleitoral para a escolha da direção dos elaborar es-
estabelecimentos e nos festejos das escolas. Essas formas de partici- tratégias que
pação não têm sido suficientes para atender o que está estabelecido
ajudem a rea-
nas diretrizes, em seus artigos 10 e 11, que tratam da gestão escolar. Os
firmar identi-
referidos artigos asseguram a participação da família, da comunidade
dades
dos professores e dos movimentos sociais na elaboração do projeto
político pedagógico.

Uso dos produtos da agricultura familiar na merenda escolar

Pensar a educação do campo no meio rural brasileiro é elaborar


estratégias que ajudem a reafirmar identidades. A pesquisa Inep/
Pronera/FIPE/USP realizada em 2004 nas escolas do campo constatou
que 24% dos estabelecimentos pesquisados não ofertavam, na época,
merenda escolar, e entre as que ofereciam a merenda, 65% serviam
produtos industrializados. Esses dados mostram que a merenda
escolar tem sido utilizada como instrumento de desenraizamento do
camponês do seu meio e como definidor de paladares de crianças
camponesas.

O Art. 8º do Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, em


cumprimento ao Art. 12 da Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009, indica
que os entes federados garantirão alimentação escolar dos alunos de
acordo com os hábitos alimentares do contexto socioeconômico e
cultural tradicional predominante em que a escola está inserida (BRASIL,
2009, 2010). Assim, buscou-se verificar se os municípios compram
produtos da agricultura familiar para a merenda escolar das escolas
do campo.

Os dados indicaram que 43% das escolas dos municípios pesquisados


utilizavam produtos da agricultura familiar na merenda, e 57% não faziam
uso desse tipo de produto. Os coordenadores da educação do campo
nos municípios pesquisados que não adotavam produtos da agricultura
familiar afirmaram que os estudantes não gostavam de consumir
esses produtos, o que dificultava a implantação dessa ação. Assim,
pode-se refletir que são muitos anos consumindo produtos industrializados,
com todas as influências dos meios de comunicação de massa apelando
ao consumo, sem se referir aos produtos nativos. Nessa perspectiva,
pode-se inferir que as empresas processadoras de alimentos estão
ditando paladares.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
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195
A virtualidade da luta por educação do campo e os limites para efetivação das conquistas legais:
Artigos um estudo sobre o extremo sul da Bahia

Não há pro- CONSIDERAÇÕES FINAIS


moção social
sem educação Buscou-se, ao longo desta pesquisa, investigar a aplicação das políticas
de qualidade, públicas nas escolas do campo nos municípios do território de identida-
tanto no cam- de Extremo Sul, na Bahia. Os dados da pesquisa revelaram que existem
demandas a serem superadas no que se refere a condições de constru-
po quanto na
ção de novas escolas, formação dos educadores, alteração de currículo,
cidade
descentralização da gestão e em relação à merenda escolar, que segue
os ditames urbanos, sem a utilização de alimentos da agricultura fami-
liar, dificultando o desenvolvimento das comunidades camponesas.

Elevar o nível de ensino da escola pública do campo é investir no de-


senvolvimento do país, visando superar as desigualdades entre campo
e cidade. A precarização das escolas tanto do campo quanto da cidade
acentua as diferenças educacionais entre os trabalhadores camponeses
e os que exploram a mão de obra, contribuindo para aumentar a con-
centração de renda. Não há promoção social sem educação de qualida-
de, tanto no campo quanto na cidade.

No tocante ao desenvolvimento econômico, a falta de investimento na


educação escolar das futuras gerações pode afetar a formação de re-
cursos humanos e comprometer a relação dos camponeses com a terra
e o meio ambiente, e dificultar uma produção de qualidade. É importan-
te salientar que a foice e o machado como instrumentos de trabalho do
campo não são mais suficientes para os trabalhadores desenvolverem
sua atividade laboral. A baixa escolarização dos camponeses interfere
na apropriação e no uso de tecnologias mais avançadas.

Em síntese, apesar de assegurados os direitos dos povos do campo


nas legislações citadas, pesquisas realizadas indicam que tais direitos
não têm se traduzido em efetivação de políticas públicas para as popu-
lações campesinas. Um dos caminhos para atingir o desenvolvimento
educacional, social e econômica no campo é propiciar o acesso à edu-
cação escolar aos camponeses, assistindo melhor à escola do campo.
Os marcos legais constituem possibilidades de investimento no ensino,
nos professores, na gestão, nos currículos, na organização do trabalho
pedagógico, na merenda escolar etc.

Considerando que a educação tem um papel relevante na determinação


da qualidade de vida das populações rurais, não apenas no momento
presente, mas também em uma perspectiva de futuro, é imprescindí-
vel que o Estado brasileiro implemente políticas públicas de educação
escolar, independentemente do território onde as populações estejam
situadas, pois sem o acesso das populações camponesas à educação
Bahia anál. dados, o desenvolvimento humano, social e ambiental ficará comprometido.
196 salvador, v. 28, n. 1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo Artigos

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Recebido em 20 de maio de 2018 e Bahia anál. dados,


aprovado em 26 de julho de 2018.
Salvador, v. 28, n.1,
p.184-199, jan.-jun. 2018
199
Resumo

A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) tem por tradição acadêmica a


formação de professores em grande parte dos territórios de identidade do
estado, contribuindo decisivamente para o avanço da educação na Bahia,
principalmente nas localidades historicamente excluídas do ensino superior.
O presente artigo analisa o modelo organizacional da Uneb, a  capilaridade
de sua estrutura e a abrangência dos cursos de licenciatura nos diversos
territórios de identidade da Bahia. Para compor o corpus da pesquisa, foram
escolhidos os cursos de licenciatura, e, na prática das análises, adotou-se
o método de pesquisa aplicada. O objetivo geral deste artigo é apresentar
o modelo de gestão da Uneb e as consequentes implicações na eficácia
da organização universitária, enquanto que o foco específico é explorar o
modelo de adoção e transferência de papéis nas organizações e analisar a
eficiência de instâncias organizacionais de uma instituição pública de ensino
superior. Os principais teóricos que fundamentaram o estudo e auxiliaram no
processo de entendimento da pesquisa foram Charlot (2000), Chaui (2003)
e Santos (2004). Os resultados deste trabalho permitem entender de forma
mais abrangente a questão situacional dos cursos de licenciatura da Uneb e
o papel da gestão perante o desenvolvimento do território de identidade no
qual cada curso está inserido.
Palavras-chave: Identidade. Licenciatura. Organizacional. Território.

Abstract

The University of the State of Bahia (UNEB) has by academic tradition


the training of teachers in most of the territories identity of State, and has
contributed decisively to the advancement of education in Bahia, especially
in historically excluded places of higher education. This article analyzes the
organizational model of UNEB, the capillarity of its structure and scope of
licenciature courses in the different territories of identity of Bahia. To compose
the corpus of the research, the licenciature courses of UNEB were chosen.
In the practice of the analyzes, the applied research method was adopted.
The general objective of this article is to present the management model of
the UNEB and consequent implications on the effectiveness of the university
organization. Specifics are to explore new possibilities to rethink the adoption
and transfer of roles model in organizations and to analyze the efficiency of
organizational instances of a Public Institution of Higher Education. The main
theorists who supported the study were: Charlot (2000), Chaui (2003) and
Santos (2004). The results of this work allow a broader understanding of the
situational issue of UNEB´s licenciature courses and the role of management
in the development of the identity territory in which each licenciature course
has been inserted.
Keywords: Identity. Licenciature. Organizational. Territory.
Artigos

Definições dos papéis


organizacionais de uma
universidade pública estadual:
a qualidade acadêmica
e a relevância social dos
cursos de graduação da
Uneb nos territórios de
identidade da Bahia
O D Í L I O DA S I LVA S A N TO S A UNIVERSIDADE do Estado da Bahia (Uneb) é
Mestre em Gestão e Tecnologias
Aplicadas à Educação pela uma instituição que tem como principal função
Universidade do Estado da Bahia
(Uneb) e especialista em Educação
disseminar e alavancar o conhecimento na socie-
Profissional, Científica e Tecnológica dade, a fim de contribuir para seu desenvolvimen-
pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA). to. Para isso, é preciso investir na formação de
Analista Universitário e membro
do grupo de pesquisa Educação, profissionais que, por meio da excelência em seus
Universidade e Região (Edureg) da
Uneb. [email protected] cursos de extensão, graduação e pós-graduação,
sejam qualificados. Em relação à gestão adminis-
trativa, existe a necessidade de capacitar e desen-
volver periodicamente o corpo docente e técnico,
principalmente no que diz respeito ao gerencia-
mento, alicerce fundamental para o aprimoramen-
to de sua organização. Nesse sentido, o aspecto
central da sociedade no século XXI é a caracteri-
zação do conhecimento como o ativo de produção
mais importante, diante de outros mais tradicio-
nais, como mão de obra, capital e tecnologia, sen-
do este também o grande diferencial competitivo
das empresas e dos países (ZABOT; SILVA, 2002).

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 28, n.1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
201
Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

As questões Os componentes principais da gestão administrativa da Universidade do


a respeito do Estado da Bahia são revelados por autores gerenciais e atos adminis-
papel orga- trativos e de normas acadêmicas, que seguem os sistemas de crenças
nizacional da e valores, e pelas interações entre os membros da comunidade univer-
Universidade sitária (discentes, docentes e técnicos administrativos) nas atividades
executadas e no funcionamento da organização da Uneb. Assim, os pa-
do Estado da
péis organizacionais definem e norteiam o funcionamento da universi-
Bahia merecem
dade – uma vez que sua atribuição se dá a partir dos cargos e funções
atenção diante
–, o que os torna elementos indispensáveis, com subsídios integradores,
da situação de compartilhados por todos os membros da gestão universitária, e com
sua autonomia, base também no entendimento das atribuições elencadas de acordo
principalmente com as normas legais da própria universidade, a exemplo do seu próprio
nos aspectos regimento e estatuto.
relacionados à
sua estrutura Quanto aos tipos, as universidades no Brasil se caracterizam por se-
de poder inter- rem públicas ou privadas. Dentro dessa perspectiva, as universidades
no estaduais na Bahia são uma categoria de instituição pública e gozam
de características peculiares se comparadas aos outros tipos de orga-
nização. O Artigo 207 da Constituição federal de 1988 define que “[...]
as universidades gozam de autonomia didática e científica, administra-
tiva e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988).

As universidades estaduais na Bahia são regidas por diversas leis regu-


ladoras de seu funcionamento. Essas leis definem procedimentos desde
financiamentos e a forma de realizar compras, até as políticas de gestão
de pessoas. Apesar de a Uneb ser um órgão do estado, definido como
uma autarquia, o estudo das organizações surge para ampliar os pró-
prios conceitos de organização, uma vez que esses sistemas são aber-
tos, e as funções dependem de sua estrutura. Para Chiavenato e Sapiro
(2004), o sistema apresenta características próprias e exclusivas e é
um conjunto de elementos interligados para formar um todo integrado.

Assim sendo, as questões a respeito do papel organizacional da Univer-


sidade do Estado da Bahia merecem atenção diante da situação de sua
autonomia, principalmente nos aspectos relacionados à sua estrutura de
poder interno e à sua relação com o Governo do Estado da Bahia. Em
relação à autonomia, devem ser levados em consideração os aspectos
políticos e ideológicos, em face do patamar de desenvolvimento em que
se encontra a Uneb e da necessidade de aprimoramento dos cursos de
graduação, que ter nível de excelência não apenas durante o processo
de regulação, mas desde a implantação.

Segundo Bitencourt (2001), o reflexo das mudanças no ambiente orga-


Bahia anál. dados, nizacional demonstra que há uma crescente valorização das pessoas.
202 salvador, v. 28, n. 1,
p.200-217, jan.-jun. 2018 Isso pode ser atribuído às alterações com que se deparam as organiza-
Odílio da Silva Santos Artigos

ções e à necessidade de respostas mais rápidas em questões mais com- A questão


plexas, a exemplo das formas de organização do trabalho e da mudança universitária
de postura das próprias pessoas. envolve um tra-
tamento multi-
A questão universitária envolve um tratamento multidisciplinar e, no disciplinar e, no
caso da Uneb, requer uma abordagem multicampi. Essa característica caso da Uneb,
tem forte impacto no papel gerencial e leva em consideração os aspec-
requer uma
tos locacionais dos territórios de identidade em que se encontram os
abordagem
27 campi da Uneb. Cada campus tem sua especificidade e pode extrair
os aspectos organizacionais e administrativos sensibilizados no meio
multicampi
acadêmico.

Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é apresentar o modelo de


gestão da Uneb e suas consequentes implicações para a eficácia da
organização universitária. Os objetivos específicos são explorar o mo-
delo de adoção e transferência de papéis nas organizações e analisar
a eficiência de instâncias organizacionais de uma instituição pública de
ensino superior.

PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

Na busca por solução de problemas específicos que envolvem verdades


e interesse institucional a respeito da gestão organizacional da Uneb, o
presente artigo reflete sobre o desempenho dos cursos de graduação
da instituição dentro dos territórios de identidade da Bahia.

Para compor o corpus da pesquisa, foram escolhidos os cursos de li-


cenciatura da Uneb. Na prática das análises, adotou-se o método de
pesquisa aplicada, que tem como motivação a necessidade de produzir
conhecimento para aplicação de seus resultados, visando à solução por
hora imediata do problema encontrado na realidade. Appolinário (2004,
p. 152) salienta que pesquisas aplicadas têm o objetivo de “[...] resolver
problemas ou necessidades concretas e imediatas”. Já Chizzotti (2005,
p. 11) afirma:

A pesquisa investiga o mundo em que o homem vive e o próprio ho-


mem. Para esta atividade, o investigador recorre à observação e à refle-
xão que faz sobre os problemas que enfrenta, e à experiência passada
e atual dos homens na solução destes problemas, a fim de munir-se dos
instrumentos mais adequados à sua ação e intervir no seu mundo para
construí-lo adequado à sua vida.

De acordo com Barros e Lehfeld (2000, p. 78), a pesquisa aplicada tem


como motivação a necessidade de produzir conhecimento para apli- Bahia anál. dados,
cação de seus resultados, com o objetivo de “[...] contribuir para fins
Salvador, v. 28, n.1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
203
Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

A universidade práticos, visando à solução mais ou menos imediata do problema en-


é uma insti- contrado na realidade”.
tuição social e,
como tal, expri- Para Chauí (2003), a universidade é uma instituição social e, como tal,
me de maneira exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamen-
to da sociedade como um todo. Nesse sentido, este trabalho fez uma
determinada
reflexão sobre a importância dos cursos de licenciatura da Uneb em
a estrutura e o
oferta contínua nos territórios de identidade da Bahia. Com isso, este
modo de fun-
estudo não serve apenas para gerar um novo conhecimento, ampliando
cionamento da o que já está disponível, mas também poderá ser aplicado na prática,
sociedade como intervindo no mundo real da Uneb.
um todo
A função da pesquisa, por mais abstrata que possa parecer, é a interpre-
tação do que se vive e, consequentemente, volta-se para o conhecimen-
to, para a prática social (SANTOS, 2004). Para Chaui (2003), a pesquisa
é um survey de problemas, dificuldades e obstáculos para a realização
de um objetivo e um cálculo de meios para soluções parciais e locais
para problemas e obstáculos locais.

Dessa forma, por meio das estruturas do pensamento e do contexto


social, aprimora-se o processo de construção e reconstrução das ações
utilizadas nos cursos de graduação (licenciatura) regulamentados pelo
Conselho Estadual de Educação da Bahia. Entende-se que o enfrenta-
mento consequente requer uma política global que conduza a univer-
sidade e possibilite o desenvolvimento social dentro dos territórios de
identidade em que atua.

De acordo com Cury (2002, p. 197),

[...] por políticas focalizadoras, com especial atenção ao ensino a fim de


selecionar e destinar os recursos para metas e objetivos considerados
urgentes e necessários. Tais políticas vieram justificadas por um senti-
do, por vezes satisfatório, do princípio da equidade como se este fosse
substituto da igualdade.

A avaliação dos cursos de graduação das universidades estaduais no


estado da Bahia é realizada pelo Conselho Estadual de Educação da
Bahia, conforme a Lei estadual nº 7308, que “[...] reorganiza o Con-
selho Estadual de Educação e dá outras providências” (BAHIA, 1998).
Trata-se de uma etapa do processo de ensino cujo objetivo é garantir
a qualidade dos cursos, evidenciar posturas e escolhas metodológicas,
bem como verificar o resultado dos objetivos educacionais. Nesse con-
texto, para que os cursos de licenciatura da Uneb tenham uma efetiva
abrangência dentro dos territórios de identidade da Bahia e na socie-
Bahia anál. dados, dade como um todo, deve-se agir pensando principalmente no papel
204 salvador, v. 28, n. 1,
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Odílio da Silva Santos Artigos

que os currículos dos cursos têm para a comunidade acadêmica. Para Muito se tem
Gadotti (1979), os currículos dos cursos devem priorizar uma educação avançado na
multicultural. Assim, concepção de
que é preciso
[...] uma educação para a compreensão mútua, contra a exclusão por considerar que
motivos de raça, sexo, cultura ou outras formas de discriminação e, para
os fenômenos
isso, o educador deve conhecer bem o próprio meio do educando, pois
humanos e so-
somente conhecendo a realidade desses universitários é que haverá
ciais nem sem-
uma educação de qualidade. (GADOTTI, 1979, p. 72).
pre podem ser
Posto isso, aplica-se a afirmação de Hoffmann (1993, p. 69) de que é quantificados
preciso, coletivamente, “[...] considerar as relações concretas que se
travam entre os elementos da ação educativa [...]” como um processo.
Já Charlot (2000), em relação à problemática, faz ressalvas

[...] sobre a eficácia dos docentes, sobre o serviço público, sobre a


igualdade das “chances”, sobre os recursos que o país deve investir em
seu sistema educativo, sobre a “crise”, sobre os modos de vida e o tra-
balho na sociedade de amanhã, sobre as formas de cidadania. (CHAR-
LOT, 2000, p. 14).

Sendo assim, o planejamento no âmbito educacional é indispensável.

O ato de planejar é a atividade intencional pela qual se projetam fins e


se estabelecem meios para atingi-los. Por isso, não é neutro, mas ideo-
logicamente comprometido. É a previsão inteligente de todas as etapas
do trabalho [...]. (LUCKESI, 2003, p. 105).

Entende-se, portanto, que a metodologia é categórica para desenvol-


ver um bom trabalho. Ela possibilita criar e exteriorizar a necessidade
de aprimorar o objeto de estudo, por meio de particularidade e deta-
lhamento naquilo que se deseja pesquisar. No entanto, muito se tem
avançado na concepção de que é preciso considerar que os fenômenos
humanos e sociais nem sempre podem ser quantificados, pois, como
afirma Minayo (2002, p. 22), trata-se de um “[...] universo de significa-
dos, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que correspon-
dem a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenô-
menos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

DEFINIÇÃO DE PAPÉIS ORGANIZACIONAIS NA UNEB

A Universidade do Estado da Bahia, na qualidade de entidade autárqui-


ca, tem na definição dos papéis organizacionais alguns setores de sua
administração central, como a Reitoria. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 28, n.1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
205
Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

O reitor tem A Reitoria, órgão executivo da administração superior da Universida-


também o im- de, responsável pelo planejamento, coordenação, supervisão, acompa-
portante papel nhamento, avaliação e controle da Universidade, é exercida pelo Reitor,

de [...] de buscar tendo o Vice-Reitor como seu substituto. § 1º O Reitor e o Vice-Reitor

garantias para serão nomeados pelo Governador do Estado para mandato de qua-
tro anos, permitida uma recondução. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
que o governo
BAHIA, 2012).
dê à universi-
dade condições
Levando em consideração o ordenamento funcional da Uneb, destaca-
adequadas para -se que o reitor tem também as seguintes funções: representar a uni-
seu funciona- versidade; convocar e presidir o conselho universitário, que é a instância
mento máxima de decisão dentro da universidade; planejar as atividades da
universidade; elaborar a proposta orçamentária; indicar e coordenar o
trabalho dos pró-reitores,  bem como de secretarias e outros órgãos
auxiliares à administração da universidade.

No caso das instituições estaduais de ensino superior, o reitor tem


também o importante papel de representar a universidade perante a
Secretaria estadual de Educação – órgão governamental que elabora
as políticas de educação no estado da Bahia – e de buscar garantias
para que o governo dê à universidade condições adequadas para seu
funcionamento.

Fazendo parte da administração central da universidade, a Reitoria, de


acordo com o Regimento Geral da Uneb, é composta pelos seguintes
órgãos:

• Gabinete do Reitor:
O Gabinete do Reitor é órgão da estrutura da Reitoria, responsá-
vel pela articulação interna e externa das ações do Reitor da Uni-
versidade, assessorando-o e executando as atribuições inerentes
ao seu regular funcionamento. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA, 2012).

• Vice-Reitoria:
A Vice-Reitoria é órgão de cogestão universitária integrante da
estrutura da Reitoria, com atribuições delegadas pelo Reitor, ob-
servadas as disposições estatutárias. Substituir o Reitor nas suas
faltas, impedimentos e vacância, na forma do Estatuto e deste
Regimento; assessorar diretamente o Reitor em todos os assun-
tos relacionados com a Administração Universitária, inclusive em
articulação com os órgãos da Administração Superior e Setorial;
e exercer competências delegadas pelo Reitor. (UNIVERSIDADE
DO ESTADO DA BAHIA, 2012).
Bahia anál. dados,
206 salvador, v. 28, n. 1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
Odílio da Silva Santos Artigos

Ainda seguindo o Regimento da Uneb, destacam-se a Assessoria Espe- “O território se


cial (Assesp), instância da reitoria responsável pela assistência ao reitor forma a par-
para o alcance da finalidade institucional; a Procuradoria Jurídica (Pro- tir do espaço,
jur), órgão da administração superior da universidade responsável pela é o resultado
representação judicial e extrajudicial, prestação de assessoramento e de uma ação
assistência jurídica à instituição; e a Unidade de Desenvolvimento Or- conduzida por
ganizacional (UDO), o órgão da administração superior da universida-
um ator sintag-
de responsável pelo planejamento, assessoramento, acompanhamento,
mático [...] em
execução e avaliação das ações relacionadas ao desenvolvimento e or-
qualquer nível”
ganização institucional. A Ouvidoria da Uneb é um órgão integrado à
reitoria da instituição, na acepção administrativa, e à Ouvidoria-Geral do
Estado, nas demais acepções técnicas. Esse órgão tem a incumbência
de receber denúncias, críticas, sugestões dos usuários e demais cida-
dãos, encaminhando-as ao dirigente máximo da autarquia e aos órgãos
competentes, para análise e adoção de medidas cabíveis, se for o caso,
bem como prestar esclarecimentos quando acionada (UNIVERSIDADE
DO ESTADO DA BAHIA, 2012).

Em outra esfera estão as pró-reitorias, órgãos administrativos encar-


regados de temas específicos, dirigidos pelos pró-reitores. Cabe à
Reitoria, por meio dos conselhos superiores da universidade, criar ou
extinguir as pró-reitorias. A Uneb dispõe de pró-reitorias acadêmicas –
Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Prograd); Pró-Reitoria de Pesqui-
sa e Ensino de Pós-Graduação (PPG); Pró-Reitoria de Extensão (Proex);
Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Praes); e Pró-Reitoria de Ações
Afirmativas (Proaf) – e pró-reitorias técnicas – Pró-Reitoria de Planeja-
mento (Proplan); Pró-Reitoria de Administração (Proad); Pró-Reitoria
de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (PGDP); e Pró-Reitoria de
Infraestrutura (Proinfra).

A RELEVÂNCIA SOCIAL DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA


UNEB NOS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE DA BAHIA

Um dos autores pioneiros na abordagem do território foi Raffestin


(1993). Merece destaque na sua obra a concepção do caráter político
do território, bem como a sua compreensão sobre o conceito de espaço
geográfico como substrato, palco pré-existente ao território.

Nas palavras do autor,

[...] é essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território.


O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa)
em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstra- Bahia anál. dados,
tamente [...] o ator “territorializa” o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
Salvador, v. 28, n.1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
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Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

Ao se incorpo- Dentro da concepção enfatizada pelo autor, o território é tratado prin-


rar a dimen- cipalmente com ênfase político-administrativa, isto é, como o território
são territorial nacional, espaço físico onde se localiza uma nação; um espaço onde se
como parte da delimita uma ordem jurídica e política; um espaço medido e marcado
estratégia de pela projeção do trabalho humano, com suas linhas, limites e fronteiras.
desenvolvimen-
Segundo o mesmo autor, ao se apropriar de um espaço, concre-
to, busca-se
ta ou abstratamente, o ator o territorializa. Nesse sentido, entende o
ativar um mo-
território como
delo de gestão
social capaz de [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informa-
se adequar à ção, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. [...]
situação espe- o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produ-
cífica de cada ção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as rela-
território ções que envolve, se inscreve num campo de poder [...]. (RAFFESTIN,
1993, p. 144).

Na análise de Raffestin (1993), a construção do território revela relações


marcadas pelo poder. Assim, faz-se necessário enfatizar uma categoria
essencial para a compreensão do território, que é o poder exercido por
pessoas ou grupos.

Partindo dessas concepções, existe uma diversidade de definições so-


bre “território” e “identidade”, constituindo uma relevante base teórica
para pensar o desenvolvimento. Os territórios de identidade do estado
da Bahia são considerados um espaço geográfico delimitado por regras
político-administrativas, representando um espaço de vida. Esses terri-
tórios baianos são lugares de convivência a partir de dos quais é possí-
vel pensar, inovar, planejar e executar ações para melhorar as condições
de vida de seus cidadãos. Ao se incorporar a dimensão territorial como
parte da estratégia de desenvolvimento, busca-se ativar um modelo de
gestão social capaz de se adequar à situação específica de cada terri-
tório, de modo a responder, com efetividade, aos desafios encontrados
em meio à diversidade do estado.

A Uneb, com sua característica multicampi, está presente, com suas


ações, em grande parte dos territórios de identidade da Bahia. O efeito
de sua missão reflete-se nos 417 municípios do estado de forma direta
ou indireta, a exemplo dos seus projetos de pesquisa, ensino e exten-
são, desenvolvidos em seus 24 campi. Além das 24 cidades que sediam
departamentos da Uneb, conta-se também com cursos de graduação
e pós-graduação a distância e cursos do Programa Nacional de Edu-
cação na Reforma Agrária (Pronera), da Licenciatura Intercultural em
Educação Escolar Indígena (Liceei) e do Plano Nacional de Formação
Bahia anál. dados, dos Professores da Educação Básica (Parfor).
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Odílio da Silva Santos Artigos

De acordo com a Coleção Política e Gestão Cultural, o estado da Bahia


possui 27 territórios de identidade em sua configuração atual.

Irecê, Velho Chico, Chapada Diamantina, Sisal, Litoral Sul, Baixo Sul,
Extremo Sul, Médio Sudoeste da Bahia, Vale do Jiquiriçá, Sertão do
São Francisco, Bacia do Rio Grande, Bacia do Paramirim, Sertão Pro-
dutivo, Piemonte do Paraguaçu, Bacia do Jacuípe, Piemonte da Dia-
mantina, Semiárido Nordeste, Litoral Norte e Agreste Baiano, Portal
do Sertão, Vitória da Conquista, Recôncavo, Médio Rio de Contas, Ba-
cia do Rio Corrente, Itaparica (BA/PE), Piemonte Norte do Itapicuru,
Metropolitano de Salvador e Costa do Descobrimento. (PARAFÁN;
OLIVEIRA, 2013).

A Uneb está presente em 19 desses territórios, conforme mostra o


quadro a seguir.

Quadro 1
Os campi da Uneb nos territórios de identidade — Bahia
Território de identidade Campus Cidade

I Salvador
Metropolitano de Salvador
XIX Camaçari
Litoral Norte e Agreste Baiano II Alagoinhas
Sertão do São Francisco III Juazeiro
Piemonte da Chapada IV Jacobina
Recôncavo V Santo Antônio de Jesus
VI Caetité
XII Guanambi
Sertão Produtivo
XX Brumado
Piemonte Norte do Itapicuru VII Senhor do Bonfim
Itaparica VIII Paulo Afonso
Bacia do Rio Grande IX Barreiras
Extremo Sul X Teixeira de Freitas
XI Serrinha
Sisal
XIV Conceição do Coité
Piemonte do Paraguaçu XIII Itaberaba
Baixo Sul XV Valença
XVI Irecê
Irecê
XXIV Xique-Xique
Velho Chico XVII Bom Jesus da Lapa
Costa do Descobrimento XVIII Eunápolis
Médio Rio de Contas XXI Ipiaú
Semiárido Nordeste XXII Euclides da Cunha
Chapada Diamantina XXIII Seabra
Fonte: Parafán e Oliveira (2013). Elaborado pelo próprio autor com base na Coleção Política e Gestão Cultural da
Bahia.

O mapa Uneb multicampi nos territórios de identidade da Bahia


possibilita a visualização da distribuição e da área de ocupação da
universidade.
Bahia anál. dados,
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Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

Figura 1
O papel da Uneb multicampi nos territórios de identidade — Bahia
Uneb enquan-
to agente é
regionalizar
a educação na
tentativa de
compreender
os processos de
sua implemen-
tação, estrutu-
ração e funcio-
namento

Fonte: Uneb/Ascom/Núcleo de Design 2015.

Os diversos campi da Uneb localizados nos territórios de identidade da


Bahia trazem um caráter global e particular pelas determinações acerca
da sua apropriação nos municípios que sediam os departamentos desta
universidade estadual. Nesse sentido, deve-se pensar sobre a região a
partir da regionalização pautada nos territórios de identidade. Há um
exercício de visualização e reflexão dos estudos regionais, de modo a
estabelecer conexões entre os processos de integralização. Assim sen-
do, o papel da Uneb enquanto agente é regionalizar a educação na
tentativa de compreender os processos de sua implementação, estru-
turação e funcionamento.

A Uneb atualmente possui 11 cursos de licenciatura, com 72 ofertas


espalhadas em todos os territórios de identidade da Bahia. Os cursos de
licenciatura são Filosofia, Letras, Química, Pedagogia, Ciências Sociais,
História, Educação Física, Ciências Biológicas, Matemática, Geografia
Bahia anál. dados, e Física.
210 salvador, v. 28, n. 1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
Odílio da Silva Santos Artigos

A distribuição desses cursos nos territórios de identidade da Bahia se O Piemonte


dá da seguinte forma: da Diamanti-
na apresenta
No território de identidade Metropolitano de Salvador tem-se Filosofia, elevadas taxas
Letras, Química, Pedagogia, Ciências Sociais, História e Física. Neste ter- de urbanização
ritório está localizado o Campus I da Uneb, em Salvador. Na economia e se sobressai
do território, destaca-se o setor de serviços e comércio. Merecem men-
nos setores de
ção também as atividades industriais e o turismo, este especialmente
serviços e de
na faixa litorânea.
extração mineral
No Litoral Norte e Agreste Baiano, onde está localizado o Campus II
da Uneb, há a oferta dos cursos de Letras, Pedagogia, História, Educa-
ção Física, Ciências Biológicas e Matemática. Na economia do território,
destacam-se a agropecuária, a extração petrolífera, as indústrias ali-
mentícias (bebidas), calçadistas e de plásticos, e o turismo.

O Sertão do São Francisco dispõe do curso de Pedagogia ofertado pelo


Campus III, na cidade de Juazeiro. O território está localizado no extre-
mo norte da Bahia, e cerca de 36% da sua população vive na zonal rural.
Os setores de destaque são serviços, indústria e agropecuária.

No Piemonte da Chapada tem-se, no Campus IV, na cidade de Jacobina,


os cursos de Letras, História, Educação Física e Geografia. O território
de identidade está inserido na macrorregião do semiárido e é banhado
pela Bacia do Rio Itapicuru. O clima predominante na região é o semiá-
rido, e o bioma é do tipo caatinga. O Piemonte da Diamantina apresenta
elevadas taxas de urbanização e se sobressai nos setores de serviços e
de extração mineral.

No Recôncavo, no Campus V da Uneb, em Santo Antônio de Jesus,


há os cursos de Letras, História e Geografia. O território destaca-se na
atividade agrícola canavieira, de fumo, frutas, inhame, aipim e amen-
doim. Merece menção também a atividade petrolífera, especialmente
pela presença da Refinaria Landulfo Alves.

O Sertão Produtivo conta com os campi VI (Caetité), XII (Guanambi) e


XX (Brumado), nos quais são oferecidos os cursos de Letras, Pedagogia,
Educação Física, História, Ciências Biológicas, Matemática e Geografia.
A população urbana do território representa cerca de 80% do total.
Em relação às atividades econômicas, tem-se a administração públi-
ca, o comércio varejista e a mineração como destaques. O território
possui grande potencial para a produção de energia eólica e para o
setor agropecuário.

Piemonte Norte do Itapicuru, no Campus VII (Senhor do Bonfim), oferta Bahia anál. dados,
os cursos de Pedagogia, Ciências Biológicas e Matemática. O território
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p.200-217, jan.-jun. 2018
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Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

Os arranjos tem como principais arranjos produtivos rurais a caprinocultura, a ovi-


produtivos nocultura e o cultivo de sisal. Apresenta atividades de mineração e é
rurais do ter- contemplado pela BR-407 e pela via férrea RFFSA.
ritório mais
expressivos são No território Itaparica, o Campus VIII, em Paulo Afonso, oferece os cur-
sos de Pedagogia, Ciências Biológicas e Matemática. O setor industrial
gado bovino,
é o mais importante na região. O território conta com o aeroporto de
cacau, café,
Paulo Afonso, e as rodovias mais importantes são a BR-116, a BR-110 e
cana-de-açúcar,
a BA-210.
mamão, mara-
cujá e silvicul- Na Bacia do Rio Grande, onde está localizado o Campus IX, em Barrei-
tura ras, há a oferta de Letras, Pedagogia, Ciências Biológicas e Matemática.
O território é composto por 14 municípios. Os arranjos produtivos rurais
mais significativos são o algodão, a avicultura integrada, a bovinocultu-
ra, a caprinocultura/ovinocultura, a cafeicultura, a sojicultura e os culti-
vos de milho e mamona.

No Extremo Sul, na cidade de Teixeira de Freitas, o Campus X da Uneb


tem os cursos de Letras, Pedagogia, Ciências Biológicas e Matemática.
Os arranjos produtivos rurais do território mais expressivos são gado
bovino, cacau, café, cana-de-açúcar, mamão, maracujá e silvicultura.

O território do Sisal conta com dois campi da Uneb – o XI, na cidade de


Serrinha, e o XIV, em Conceição do Coité –, que disponibilizam os cursos
de Letras, Pedagogia, História e Geografia. O território está localizado
no semiárido, uma região com baixa incidência de chuvas. É cortado
pela BR-116 e pela linha férrea RFSA, que faz o percurso Alagoinhas-
-Juazeiro. Na economia, destacam-se a agricultura, o extrativismo de
subsistência, a pecuária e a mineração.

No Piemonte do Paraguaçu está localizado o Campus XIII, em Itaberaba,


com os cursos de Letras, Pedagogia e História. O território está inserido
na macrorregião do semiárido, onde predomina a caatinga, com carac-
terísticas de clima semiárido, tendo como principal bacia hidrográfica
a do Rio Paraguaçu. Sua matriz econômica está pautada na exploração
dos recursos naturais, com extração mineral, agropecuária e o setor de
serviços. Possui importantes eixos integradores, como a BR-242.

O território Baixo Sul conta com o Campus XV, na cidade de Valença,


que tem o curso de Pedagogia. Os arranjos produtivos rurais que mais
se destacam no território são o dendê, o cacau, a borracha, a mandioca
e o gado bovino.

Irecê denomina a cidade e o território de identidade onde está locali-


Bahia anál. dados, zado o Campus XVI, que oferece os cursos de Letras e Pedagogia. O
212 salvador, v. 28, n. 1,
p.200-217, jan.-jun. 2018 território está dentro da zona semiárida, com vegetação tipicamente
Odílio da Silva Santos Artigos

da caatinga. Aproximadamente 40% da população do território vive e O território


desenvolve suas atividades laborais na área rural. insere-se no
bioma caatinga,
No território Velho Chico, na cidade de Bom Jesus da Lapa, existe o caracterizando-
curso de Pedagogia, no Campus XVII. A população do território é pre- -se pelo clima
dominantemente rural. As principais rodovias (BA-161 e BA-160) estão semiárido
localizadas às margens da hidrovia do Rio São Francisco (RSF). Além
disso, a região é cortada por três importantes trechos rodoviários fede-
rais: a BR-242, a BR-349 e a BR-030.

A cidade de Eunápolis, localizada no território de identidade Costa do


Descobrimento, é sede do Campus XVIII da Uneb, que oferece os cur-
sos de Letras e História. Os arranjos produtivos rurais de destaque no
território são o gado bovino, a heveicultura, a silvicultura e o cultivo de
mamão. Esta é uma das regiões do mundo mais atrativas para implan-
tação de florestas visando à produção da celulose.

No território Médio Rio de Contas, a cidade de Ipiaú sedia o Campus XXI,


que oferece o curso de Letras. A economia do território está baseada na
caprinocultura/ovinocultura e nos cultivos de café e mandioca.

No Semiárido Nordeste está localizado o Campus XXII, na cidade de


Euclides da Cunha, com o curso de Letras. O território insere-se no bio-
ma caatinga, caracterizando-se pelo clima semiárido. Conta com três
bacias hidrográficas – os rios Vaza-Barris, Itapicuru e Real – e é cortado
pelas rodovias BR-110, BR-116 e BR-235. Na economia, merece destaque
a agropecuária.

Por fim, o território Chapada Diamantina sedia o Campus XXIII, na ci-


dade de Seabra, com os cursos de Letras e Pedagogia. O território está
inserido na macrorregião do semiárido, sob domínio da caatinga, e sua
matriz econômica está pautada, basicamente, na exploração dos recur-
sos naturais, com extração mineral, turismo e agropecuária. Conta com
infraestrutura viária considerável, com presença de importantes eixos
integradores, como a BR-242 e o aeroporto de Lençóis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo tem o objetivo de discutir o modelo de gestão da Uni-


versidade do Estado da Bahia, sua interação com a cultura organizacio-
nal e consequentes implicações para a eficácia da organização nos terri-
tórios de identidade da Bahia. Conceituaram-se a cultura organizacional
e a importância dos cursos de licenciatura nos territórios. Os principais
aspectos do modelo de gestão da Uneb relacionam-se diretamente com Bahia anál. dados,
a cultura organizacional e impactam o seu desempenho. Nesse sentido,
Salvador, v. 28, n.1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
213
Definições dos papéis organizacionais de uma universidade pública estadual: a qualidade acadêmica
Artigos e a relevância social dos cursos de graduação da Uneb nos territórios de identidade da Bahia

O fato de as de- é relevante o delineamento do modelo de gestão e sua interação com


cisões políticas a cultura organizacional.
serem tomadas
e instituídas A evolução do pensamento geracional na busca por um melhor enten-
por meio de dimento analítico das organizações enveredou por diversos caminhos e
obteve – como ainda obtém – contribuições das mais variadas discipli-
legislações
nas. Tais conhecimentos possibilitaram avanços nos estudos organiza-
permite que
cionais. Podem-se lembrar conceitos como os de sistema, motivação,
se desvelem
poder e cultura, que muito têm influenciado as teorias administrativas.
dificuldades, “Poucas vezes ciências das organizações e linguística se encontraram
necessidades, no campo científico” (OLIVEIRA, 2001, p. 1).
e que se criem
espaços para Sobre a eficiência de instâncias organizacionais de uma instituição pú-
impulsionar a blica de ensino superior, é preciso considerar como são vivenciadas hoje
reflexão as consequências da ideia perversa de expansão e democratização do
ensino superior. Como a instituição pública é, em geral, mais complexa
que a empresa privada de ensino, por ter de atender a expectativas mais
amplas de atuação, o modelo econômico-pragmático da gestão uni-
versitária nos territórios de identidade da Bahia não pode se restringir
à gestão econômica, estendendo-se à totalidade das atividades, que
passam a se subordinar, em larga medida, às injunções gestionárias.

A análise dos pareceres do Conselho Estadual de Educação sobre a


importância dos cursos de licenciatura da Uneb nos territórios de iden-
tidade da Bahia oportunizou formular uma visão externa desse órgão
avaliador dos cursos de graduação. Além disso, esses documentos ser-
viram para cotejar os dados obtidos por meio dos questionários com a
visão institucional. As consultas a esses documentos foram feitas com
a intenção de explicitar as perspectivas conceituais que justificaram os
modelos formativos das universidades estaduais, especificamente da
Universidade do Estado da Bahia.

De acordo com Aranha (2000), a transformação de práticas sociais,


dentre elas a educacional, não se efetiva por decretos. Porém, o fato
de as decisões políticas serem tomadas e instituídas por meio de le-
gislações permite que se desvelem dificuldades, necessidades, e que
se criem espaços para impulsionar a reflexão, o debate, o estudo
e a pesquisa, na busca por soluções criativas e pela promoção das
mudanças desejadas.

O estudo desenvolvido por Meksenas (1992) sobre o fluxo de trabalho


e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação,
avaliação e supervisão da educação superior nos sistemas educação
apontou, por sua vez, que é necessário elaborar um sistema respon-
Bahia anál. dados, sável por manter as informações do cadastro da instituição e de seus
214 salvador, v. 28, n. 1,
p.200-217, jan.-jun. 2018 cursos, em virtude de produzir uma proposta de instrumento específico
Odílio da Silva Santos Artigos

que possa auxiliar no processo de avaliação dos cursos de licenciaturas


da Uneb.

Por fim, essa epistemologia permitiu esclarecer imprecisões em relação


à qualidade dos cursos de licenciatura da Uneb nos territórios de iden-
tidade da Bahia e à relevância social desses cursos para o desenvolvi-
mento socioeducacional do estado.

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Recebido em 21 de maio de 2018 e Bahia anál. dados,


aprovado em 26 de julho de 2018.
Salvador, v. 28, n.1,
p.200-217, jan.-jun. 2018
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

A revista Bahia Análise & Dados, editada pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI),
órgão vinculado à Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (Seplan), aceita colaborações originais, em
português, inglês e espanhol, de artigos sobre os temas definidos nos editais publicados no site da SEI, bem como
resenhas de livros inéditos que se enquadrem no tema correspondente.
Os artigos e resenhas são submetidos à apreciação do conselho editorial, instância que decide sobre a publicação.
A editoria da SEI e a coordenação editorial da edição reservam-se o direito de sugerir ou modificar títulos, formatar
tabelas e ilustrações, dentre outras intervenções, a fim de atender ao padrão editorial e ortográfico adotado pela ins-
tituição, constante no Manual de Redação e Estilo da SEI, disponível no site www.sei.ba.gov.br, menu “Publicações”.
Os artigos ou resenhas que não estiverem de acordo com as normas não serão apreciados.
O autor terá direito a um exemplar do periódico em que seu artigo for publicado.

PADRÃO PARA ENVIO DE ARTIGOS OU RESENHAS


• Artigos e resenhas devem ser enviados, preferencialmente, através do site da revista, opção “Submissão”, ou
pelo e-mail definido no edital, para a coordenação editorial daquele número.
• Devem ser apresentados em editor de texto de maior difusão (Word), formatados com entrelinhas de 1,5,
margem esquerda de 3 cm, direita e inferior de 2 cm, superior de 3 cm, fonte Times New Roman, tamanho 12.
• Devem ser assinados, preferencialmente, por, no máximo, três autores.
• É permitido apenas um artigo por autor, exceto no caso de participação como coautor.
• O autor deve incluir, em nota de rodapé, sua identificação, com nome completo, titulação acadêmica, nome
da(s) instituição(ões) a que está vinculado, e-mail, telefone e endereço para correspondência.
• Os artigos devem conter, no mínimo, 15 páginas e, no máximo, 25, e as resenhas, no máximo, três páginas.
• Devem vir acompanhados de resumo e abstract contendo de 100 a 250 palavras, ressaltando o objetivo, a
metodologia, os principais resultados e a conclusão. Palavras-chave e keywords devem figurar abaixo, sepa-
radas por ponto e finalizadas também com ponto.
• Apresentar padronização de título, de forma a ficar claro o que é título e subtítulo. O título deve se constituir
de palavra, expressão ou frase que designe o assunto ou conteúdo do texto. O subtítulo, apresentado em
seguida ao título e dele separado por dois pontos, visa esclarecê-lo ou complementá-lo.
• As tabelas e demais ilustrações (desenhos, esquemas, figuras, fluxogramas, fotos, gráficos, mapas etc.) de-
vem estar numeradas consecutivamente, com algarismos arábicos, na ordem em que forem citadas no texto,
com os títulos, legendas e fontes completas, e localizadas o mais próximo possível do trecho a que se referem.
• Tabelas e gráficos devem ser enviados em programa de planilhas de maior difusão (Excel). Fotografias e ilus-
trações escaneadas devem apresentar resolução de 300 dpi (CMYK), com cor real e salvas na extensão TIFF.
• As citações de até três linhas devem estar entre aspas, na sequência do texto. As citações com mais de três
linhas devem constar em parágrafo próprio, com recuo da margem de 4 cm, fonte 10, espaço simples, sem
aspas e identificadas pelo sistema autor-data (NBR 10520 da ABNT).
• Quando da inclusão de depoimentos dos sujeitos, apresentá-los em parágrafo distinto do texto, entre aspas,
com letra e espaçamento igual ao do texto e recuo esquerdo, de todas as linhas, igual ao do parágrafo.
• As notas de rodapé devem ser explicativas ou complementares, curtas, numeradas em ordem sequencial, no
corpo do texto e na mesma página em que forem citadas.
• As referências devem ser completas e precisas, segundo as Normas Brasileiras para Referências Bibliográ-
ficas – NBR 6023 da ABNT.

Todos os números da Bahia Análise & Dados podem ser visualizados no site da SEI (www.sei.ba.gov.br) no menu
“Publicações”.

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