BAD Governança Ambiental e Questoes Ambientais Emergentes

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S ALVAD OR • v. 2 9 • n. 2 • J U L . / D E Z .

2 0 1 9 ISSN 0103 8117

Colaboraram nesse número:

SECRETARIA DO
PLANEJAMENTO
Bahia anál. dados l Salvador l v. 29 l n. 2 l p. 1-308 l jul.-dez. 2019
Governo do Estado da Bahia
Rui Costa dos Santos
Secretaria do Planejamento
Walter Pinheiro
Superintendência de Estudos Econômicos
e Sociais da Bahia
Jorgete Oliveira Gomes da Costa
Diretoria de Informações Geoambientais
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Editoria-Geral
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Editoria Adjunta
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Nascimento, Pedro Marques de Santana, Rita Pimentel
Conselho Editorial
Ângela Borges, Ângela Franco, Ardemirio de Barros Silva, Asher
Kiperstok, Carlota Gottschall, Carmen Fontes de Souza Teixeira,
Cesar Vaz de Carvalho Junior, Edgard Porto, Edmundo Sá Barreto
Figueirôa, Eduardo L. G. Rios-Neto, Eduardo Pereira Nunes, Elsa
Sousa Kraychete, Inaiá Maria Moreira de Carvalho, José Geraldo dos
Reis Santos, José Ribeiro Soares Guimarães, Laumar Neves de Souza,
Lino Mosquera Navarro, Luiz Filgueiras, Luiz Mário Ribeiro Vieira,
Moema José de Carvalho Augusto, Mônica de Moura Pires, Nádia
Hage Fialho, Nadya Araújo Guimarães, Oswaldo Guerra, Renato
Leone Miranda Léda, Rita Pimentel, Tereza Lúcia Muricy de Abreu,
Vitor de Athayde Couto
Conselho Temático
Érika do Carmo Cerqueira
Coordenação Editorial
Rita Pimentel
Editoria de Arte e de Estilo
Ludmila Nagamatsu
Revisão de Linguagem
Calixto Sabatini (port.), Lucigleide Nery Nascimento (ing.)
Projeto Gráfico / Capa
Julio Vilela
Editoração A Bahia Análise & Dados é uma publicação semestral da
Nando Cordeiro Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da
Bahia (SEI), autarquia vinculada à Secretaria do Plane-
Coordenação de Biblioteca e Documentação jamento do Estado da Bahia. Todos os números podem
Eliana Marta Gomes da Silva Sousa ser visualizados no site da SEI (www.sei.ba.gov.br) no
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textos desta revista, desde que a fonte original seja cre-
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no Library of Congress, Ulrich’s International Periodicals
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Bahia Análise & Dados, v. 1 (1991- )


Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e
Sociais da Bahia, 2018.
v.29
n. 2
Semestral
ISSN 0103 8117

CDU 338 (813.8)

Av. Luiz Viana Filho, 4ª Avenida, 435, CAB


Salvador (BA) Cep: 41.745-002
Tel.: (71) 3115 4822 Fax: (71) 3116 1781
www.sei.ba.gov.br [email protected]
Sumário

Apresentação 5
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: 9
um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana
BRUNO EDUARDO R ANGEL

Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais 35


protegidas: uma alternativa aos aportes governamentais em Salvador (BA)
RIC ARDO AUGUSTO SOUZ A MACHADO
RUBÉN C AMILO LOIS GONZ ÁLES

Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a 55


gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano territorial
SANDR A LIMA DOS SANTOS
VIVIAN DE OLIVEIR A FERNANDES
Y V O N I L D E D A N TA S P I N T O M E D E I R O S

Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas 77


de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica
JAMILE LEITE BULHÕES
ANDRÉ LUIZ ANDR ADE SIMÕES

Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento 99


ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe
FERNANDO GENZ
VA NE S S A C A LIL B A RBOS A
JOÃO C ARLOS SANTOS DA ROCHA

Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento 127


básico: construindo orientações para a etapa de scoping
L U I Z E U G E N I O P E R E I R A VA L I Ñ A S C A R D O S O E S I LVA
SEVERINO SOARES AGR A FILHO

Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento 153


básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe – Salvador (BA)
CIBELE SOUSA COELHO
PAT R Í C I A C A M P O S B O R J A
MARIA ELISABETE PEREIR A DOS SANTOS

Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano- 175


ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil
PAT R Í C I A C A M P O S B O R J A
MARIA ELISABETE PEREIR A DOS SANTOS
LUIZ ROBERTO SANTOS MOR AES

Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise 195


comparativa com os indicadores nacionais propostos para
os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
SEVERINO SOARES AGR A FILHO
MÁRCIA MAR A DE OLIVEIR A MARINHO
R E J A N E D E A . S A N TA N A D O S S A N T O S

Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente 215


A LY N S O N D O S S A N T O S R O C H A

Participação social no licenciamento ambiental de obras de 237


utilidade pública em área de preservação permanente
R E N AT O S I LVA D A S I LVA
SEVERINO SOARES AGR A FILHO

Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar 261


da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais
D E I V D S O N B R I T O G AT T O
VA L É R I A G O N Ç A LV E S D A V I N H A
MARIA CECÍLIA JUNQUEIR A LUSTOSA

Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas 285


em hospital veterinário de universidade pública da Bahia
ADILIO CAMPOS PORTUGAL
LUIZ ROBERTO SANTOS MOR AES
Apresentação
Com o tema “Governança Ambiental e Questões Ambientais Emergentes”, colo-
ca-se à disposição do público mais um número da revista Bahia Análise & Dados,
com 13 artigos que tratam dos diferentes aspectos da governança ambiental e
de sua complexa inter-relação com o desenvolvimento sustentável. O tema en-
volve diretamente questões relacionadas à Agenda 2030 para o Desenvolvimen-
to Sustentável e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprova-
dos em setembro de 2015 pelas Nações Unidas e que representam o consenso
emergente na busca de um novo paradigma de desenvolvimento, bem como
de diferentes formas de governança. A pluralidade das pesquisas presente nos
artigos publicados registra a linha de pensamento dos autores e contempla re-
giões, técnicas e métodos diversificados na abordagem da temática proposta.

Nesse contexto, o trabalho sobre o uso de accountability na gestão hídrica em


comitês de bacias hidrográficas considera tal método convincente, embora ain-
da em processo de construção. Em outro artigo procurou-se avaliar a relação
entre a disponibilidade de recursos financeiros direcionados à gestão das áreas
naturais protegidas (ANP) de Salvador e o nível de resultados alcançados por
essas unidades, bem como a possibilidade de aplicação do mecanismo de im-
postos e sobretaxas como complemento ao financiamento público.

Um estudo sobre a sustentabilidade de cidades no que se refere à integração


entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano territorial discute
as bases teóricas e os planos jurídicos sobre enfoque integrado do planejamen-
to urbano, evidenciando a importância da relação entre as gestões das águas
e de uso do solo. Os elevados índices de perdas nos sistemas de distribuição
de água foram abordados no estudo da influência do escoamento transitório
nas perdas de água em zonas de abastecimento (ZA) do Sistema Integrado de
Abastecimento de Água (SIAA) de Salvador (BA).

Outro artigo analisa os instrumentos de licenciamento ambiental e de outorga


do direito de uso de recursos hídricos e as diretrizes de integração dos dois
instrumentos de gestão através de exemplos da esfera federal e estadual para
três configurações distintas. Em outro trabalho é apresentada a construção da
proposta de uma base de referência para a etapa de scoping da avaliação am-
biental estratégica (AAE) aplicada em programas de saneamento básico.

Já as desigualdades de acesso e da qualidade dos serviços de saneamento


básico nos bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe, em Salvador, são
consideradas numa perspectiva intraurbana, buscando compreender a perife-
rização das cidades no acesso aos serviços. Em outra vertente é apresentada
uma contribuição para o debate relativo aos impactos das agriculturas sobre o
meio ambiente, levando-se em consideração as recentes medidas de liberação
do uso de agrotóxicos pelo governo brasileiro. Numa vinculação com os ODS 6
e 11, o artigo sobre o direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental
contribui para o debate sobre os ODS e seu diálogo com os pressupostos do
direito à cidade.

Também é abordada a participação social no licenciamento ambiental (LA) de


obras de utilidade pública em área de preservação permanente (APP). Já a
análise comparativa dos indicadores nacionais para os Objetivos de Desenvol-
vimento Sustentável (ODS) revelou as distinções entre as proposições para o
Brasil, coordenadas pelo IPEA, e a proposta ISAU revisada, resultante da pes-
quisa de mestrado de Santos (2009), a partir do projeto formulado pela UFBA,
em parceria com a SEI, em 2006.

Outro estudo analisou as percepções dos trabalhadores do hospital veterinário


de uma universidade em relação ao manejo dos resíduos de serviços de saúde
(RSS). Por fim, são apresentadas algumas questões referentes ao uso de regras
e normas que impactam o processo de governança da Área de Proteção Am-
biental Costa dos Corais.

A coordenação editorial da revista aproveita a oportunidade para agradecer ao


professor Severino Agra, que atendeu prontamente ao nosso convite para par-
ticipar da publicação, estendido e aceito pelo colegiado e por pesquisadores do
Mestrado em Meio Ambiente, Águas e Saneamento (Maasa) da Escola Politéc-
nica da UFBA, além dos demais autores e pareceristas, que muito contribuíram
para o aperfeiçoamento da publicação.
RESUMO

A participação popular, a prestação de contas e a transparência são indispen-


sáveis a um modelo de gerenciamento da água que almeje ser capaz de con-
ciliar os usos múltiplos deste bem de forma democrática. Assim, o conceito de
accountability compactua com a administração dos recursos hídricos adotada
pelos comitês de bacia. Como objetivo, o presente trabalho busca investigar
de que forma as disciplinas e práticas de accountability são usadas na gestão
hídrica das regiões norte e noroeste fluminenses pelo Comitê da Bacia Hidro-
gráfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana (CBH BPSI) e contextualizar o
processo de inserção popular na administração pública regional. Para tanto,
desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica, um estudo, por meio do método
da “análise de conteúdo”, das atas de reuniões entre os anos de 2017 e 2018
– sendo que os períodos foram agrupados nas categorias “Ambiental”, “Finan-
ceiro”, “Organizacional”, “Sociopolítico” e “Accountability” – e a interpretação
de entrevistas semiestruturadas, que subsidiaram um estudo de caso sobre o
gerenciamento hídrico local, através de uma abordagem qualitativa, de natu-
reza aplicada, com objetivos descritivos e exploratórios. Dessa forma, foi pos-
sível concluir que, genericamente, a gestão do CBH BPSI, ainda que sofra com
baixa adesão social e interferências externas, usa conceitos de accountability
no gerenciamento hídrico local.
Palavras-chave: Gestão hídrica. Comitês de bacia. Accountability.

ABSTRACT

Popular participation, accountability and transparency are indispensable to a


water management model that crave to be able to reconcile multiple uses of
water in a democratic way; thus, the concept of accountability condone with
the management of water resources assumed by the Basin Committees. The
objective of this study is to investigate how the concepts and practices of
accountability are used in the water management of the north and northwest
regions of Rio de Janeiro by the Commite of Lower Paraíba do Sul and
Itabapoana and in a complementary way, contextualizes the popular insertion
process in regional public administration. For this, a bibliographical research,the
analysis, through the “content analysis” method, of the ATAS meetings
between the years 2017 and 2018, where the periods were grouped into the
“environmental,” “financial,” “organizational,” “sociopolitical, accountability
“ and semi-structured interviews were developed , which subsidized a case
study on local water management, through a qualitative approach, of applied
nature, with descriptive and exploratory objectives. It is possible to conclude
that the management of CBH BPSI, although suffering from low social adhesion
and external interferences, generically uses concepts of accountability in local
water management.
Keywords: Water management. Basin committees. Accountability.
Artigos

Accountability na gestão
hídrica em comitês de bacias
hidrográficas: um estudo
de caso no comitê do Baixo
Paraíba do Sul e Itabapoana
B R U N O E D UA R D O R A N G E L É INCONTESTÁVEL a necessidade de uma
Graduado em Engenharia Mecânica
pelo Institutos Superiores de Ensino do organização social que defina, orientada
CENSA (ISECENSA).
[email protected] por critérios técnicos e vontade popular, a
direção a se tomar doravante no que con-
cerne ao uso da água. O Brasil parece ter
estabelecido este norte quando assumiu
a negociação baseada no modelo francês
como orientação administrativa. Tal modelo
fundamenta-se, principalmente, na divisão
em bacias hidrográficas como unidades de
gerenciamento, cedendo a um órgão cole-
giado e democrático a gestão dos recursos
naturais – os comitês de bacia.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo


Paraíba do Sul e Itabapoana (CBH BPSI)
teve sua criação aprovada pelo Conselho
Estadual de Recursos Hídricos do Rio de
Janeiro em 3 de dezembro de 2008 e foi
legitimado pelo Decreto estadual nº 41.720,
com texto alterado pelo Decreto estadual nº
45.584/2016. Desde então, tem como obje-
tivo promover a gestão hídrica da

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
9
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

A discussão nona região hidrográfica fluminense, composta pelas bacias do Muriaé,


pública e do Pomba, do Pirapetinga, do Córrego do Novato e adjacentes, do Ja-
democrática caré, do Campelo, do Cacimbas, do Muritiba, do Coutinho, do Grussaí,
acerca dos do Iquipari, do Açu, do Pau Fincado, do Nicolau, do Preto, do Ururaí,
diversos do Pernambuca, do Imbé, do Córrego do Imbé, do Prata, do Macabu,
do São Miguel, do Arrozal, da Ribeira, do Carapebus, do Itabapoana,
usos da água
do Guaxindiba, do Buena, do Baixa do Arroz, do Guriri e por outras
é uma das
pequenas bacias do Baixo Paraíba do Sul, numa área aproximada de
competências
11.300 km2, representando 25,9% do território fluminense (ASSOCIA-
mais relevantes ÇÃO PRÓ-GESTÃO DAS ÁGUAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
dos comitês de PARAÍBA DO SUL; COMITÊ DE INTEGRAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁ-
bacia FICA DO RIO PARAÍBA DO SUL, 2014). As cidades inseridas nesse sis-
tema administrativo são Aperibé, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci,
Campos dos Goytacazes, Carapebus, Cardoso Moreira, Conceição de
Macabu, Italva, Itaperuna, Laje do Muriaé, Miracema, Natividade, Porci-
úncula, Quissamã, Santa Maria Madalena, Santo Antônio de Pádua, São
Fidélis, São Francisco do Itabapoana, São João da Barra, São José de
Ubá, Trajano de Moraes e Varre-Sai. Uma população de 922.580 habi-
tantes tem seus recursos hídricos geridos por esta comissão de águas.
Para se ter uma ideia da magnitude deste dado, três estados brasileiros
têm uma população menor: Acre (878.340 hab.), Amapá (840.623 hab.)
e Roraima (592.913 hab.) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2019).

A discussão pública e democrática acerca dos diversos usos da água é


uma das competências mais relevantes dos comitês de bacia. O estabe-
lecimento de normas coletivamente definidas – observados, obviamen-
te, critérios técnicos – é prerrogativa estatal assumida pelos parlamentos
das águas. A isso o direito chama “poder de Estado”, que consiste no ato
de definir o uso de um bem público. Aos órgãos gestores de recursos
hídricos cabe fazer com que essas regras sejam postas em prática, atra-
vés do seu “poder de regulação”, assumindo papel de controle no uso
de um bem público – a água (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2011a).

O estímulo à participação direta da sociedade nos assuntos públicos é


um preceito marcante nas últimas décadas. Como exemplos podem-
-se elencar a participação na elaboração dos orçamentos municipais
e a criação de conselhos de trânsito, de educação e de saúde, além
de grupos de debate das questões relativas ao meio ambiente (AGÊN-
CIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2011b). A inserção da participação popular
como um dos elementos norteadores na gestão pública assume uma
proposta de controle do papel regulador do Estado, seguindo a teoria
da democracia deliberativa, do alemão Jürgen Habermas, que defende
um regime democrático que absorva a participação civil no ordenamen-
Bahia anál. dados, to coletivo (LUCHMANN, 2002).
10 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
Bruno Eduardo Rangel Artigos

Relacionando esta dinâmica à temática proposta, pode ser tangível que A Lei 6.938/81,
os comitês de bacias hidrográficas assumam uma posição estratégica na que estabelece
entrada comunitária ante os processos decisórios, seguindo a tendência a Política
internacional das últimas décadas. Dessa forma, se harmonizariam com Nacional do
o conceito de accountability, oriundo das ciências políticas, mas que tem Meio Ambiente
sido aplicado em outras áreas do conhecimento, ultrapassando paradig- e constitui
mas meramente aplicáveis à administração pública.
o Sistema
Nacional do
Imputar ao homem, nos variados campos de ingerência, a responsabi-
Meio Ambiente
lidade que lhe é pertinente, respondendo por ações advindas das rela-
ções de poder, fortalecendo órgãos que promovam o desenvolvimento (Sisnama), veio
sustentável e criando mecanismos de controle e coibição, pode ser um consolidar
importante fator na busca por uma gestão efetivamente participativa e nacionalmente
sustentável (GODINHO, 2013). esse modelo
participativo de
Assumindo que os comitês detêm uma função central no gerenciamento gestão
hídrico brasileiro e que têm como prerrogativa o incentivo à inclusão
popular nesta administração, este artigo objetiva investigar como os
comitês de bacias hidrográficas (em especial o Comitê da Bacia Hidro-
gráfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana) podem ser instrumentos
práticos na aplicabilidade de conceitos de accountability no gerencia-
mento de recursos hídricos.

REVISÃO DE LITERATURA

Participação popular

A experimentação de uma inserção popular na administração pública


no Brasil se sucedeu de modo mais relevante a partir do final da década
de 1980, claramente uma influência do processo de redemocratização
do país. A inclusão por meio de processos decisórios participativos dos
diversos setores sociais, principalmente após a Constituinte, ganhou
ênfase e status de “alternativa gerencial eficiente”. Daí foram criados
diversos conselhos de políticas públicas, nas áreas de saúde, assistência
social e, mais recentemente, meio ambiente (AGÊNCIA NACIONAL DE
ÁGUAS, 2011b).

A Lei 6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente


e constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), veio con-
solidar nacionalmente esse modelo participativo de gestão ao criar e
adotar como órgão consultivo e deliberativo o Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama), composto por membros da sociedade civil
organizada e dos poderes executivos e legislativos (AGÊNCIA NACIO-
NAL DE ÁGUAS, 2011b). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
11
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

O termo Os comitês de bacias hidrográficas conservam como função legal a de-


accountabi- liberação sobre a gestão hídrica da região sob sua jurisdição, aplican-
lity tem difícil do suas resoluções aos casos concretos. Esse modelo de participação
tradução para o popular difere de outros previstos em diferentes políticas públicas, que
português, mas são apenas consultivos (COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA DO BAIXO
PARAÍBA DO SUL E ITABAPOANA, 2017).
os conceitos
que o englobam
Ainda assim, há de se dar destaque às competências deliberativas,
são utilizados,
propositivas e consultivas desses “parlamentos das águas”, excluindo-se
principalmente, sua aptidão intrínseca de adquirir direitos e contrair deveres, o que anula
pela adminis- sua personalidade jurídica. Assim, são criadas as agências de água ou
tração pública, de bacias, responsáveis pelo suporte técnico e executivo aos comitês,
assumindo exercendo a função de secretarias executivas, desde que garantida sua
status de viabilidade financeira, sem a qual critérios técnicos deixam de ser atingi-
dimensão dos, conforme preconiza o Capítulo IV da Lei de Águas (BRASIL, 1997).
central
Accountability

Segundo Rocha (2008), o termo accountability tem difícil tradução para


o português, mas os conceitos que o englobam são utilizados, princi-
palmente, pela administração pública, assumindo status de dimensão
central, prevista em diversas oportunidades, mesmo que de forma
implícita, na legislação brasileira.

Para White (2018), os gestores da iniciativa privada respondem às exi-


gências de mercado, enquanto os administradores de empresas públi-
cas devem atender aos anseios sociais, à legislação e aos valores co-
munitários e democráticos, subsidiários do conceito de accountability.

White (2018) conceitua ainda accountability como a obrigatoriedade de


quem possui o poder decisório de prestar contas ou ratificar a responsa-
bilização por suas decisões e condutas perante a comunidade, podendo
ser imputado, inclusive juridicamente, por seus atos e assumindo plena-
mente sua condição de servidor público (que presta serviço ao público,
funcionário da sociedade). Para este autor, accountability é um direito
social intrinsecamente ligado à noção de cidadania, ao tempo que é
uma obrigação dos agentes públicos. Daí surge a ideia de accountability
social, pela qual as organizações civis participam direta e indiretamente
de todas as ações em que possa incidir responsabilização.

Um dos pioneiros na discussão democrática sobre accountability, o ho-


landês Bovens (2005) estabeleceu níveis sob os quais o ator social res-
ponde à comunidade, a saber:

Bahia anál. dados, 1. O ator se vê obrigado a conceder as informações sobre sua con-
12 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019 duta, de maneira formal ou informal.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

2. A comunidade assume a posição de questionar o ator sobre a A estrutura


legitimidade da conduta adotada. normativa dos
comitês de
3. A comunidade julga o ato, dando-lhe outorga ou não. bacias hidro-
gráficas parece
Olsen (2016) traz como definição de accountability a responsabilização concordar com
de quem ocupa um cargo de prestar contas, observando preceitos le-
a ideia de aper-
gais, condicionada ao ator a imposição de ônus para a inobservância de
feiçoamento
quaisquer parâmetros, sendo exigência informar à sociedade sobre o
institucional
desempenho de suas funções. Logo, o conceito não se liga simplesmen-
te à responsabilidade ou à prestação de contas, mas também a controle, proposta pela
transparência e possibilidade de onerar ou bonificar agentes públicos concepção da
em concordância com seus atos. democracia
deliberativa,
Rocha (2008) também contribui com essas considerações quando afir- assentada no
ma que a efetividade do conceito se dá pela participação popular. propósito da
accountability
Love e Windsor (2018) oferecem a conceituação de duas categorias de
accountability. Para eles, a categoria vertical se faz representada princi-
palmente pelas eleições, mas também por reivindicações sociais, cober-
tura pelos meios de comunicação de assuntos que refletem o interesse
popular, sendo um mecanismo que ampara a manutenção do Estado
democrático de direito, estabelecendo uma relação entre níveis sociais
distintos. Já a horizontal representa as relações estatais de auditoria,
uma espécie de accountability social, defendida também por Malena,
Forster e Singh (2004) como o poder legal de supervisão e fiscalização
de contas e serviços entre entes estatais.

Dito isso, a estrutura normativa dos comitês de bacias hidrográficas pa-


rece concordar com a ideia de aperfeiçoamento institucional proposta
pela concepção da democracia deliberativa, assentada no propósito da
accountability.

Comitês de bacias hidrográficas

Para Pereira e outros (2018), os comitês possuem uma função políti-


ca e administrativa inegável. Sua composição colegiada garante maior
interação e transparência nas negociações que lhe dizem respeito, o
que acaba por atenuar tentativas de influência em prol de interesses
específicos. Trata-se de um ente sem personalidade jurídica, mas ainda
assim integrante da administração pública, subordinado aos respectivos
conselhos de recursos hídricos, quer sejam eles federais ou estaduais,
vinculados ao poder público.

Só no Rio Paraíba do Sul existem sete comitês em funcionamento atual- Bahia anál. dados,

mente, sendo um no estado de São Paulo (CBH Paraíba do Sul), dois


Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
13
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

O Comitê em Minas Gerais (Comitê dos Afluentes Mineiros do Pomba e Muriaé e


da Bacia Comitê dos Afluentes Mineiros do Preto e Paraibuna) e quatro no estado
Hidrográfica do Rio de Janeiro (CBH Dois Rios, CBH Piabanha, CBH do Médio Paraíba
do Baixo e CBH do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana), todos interligados pelo
Paraíba do Sul Comitê de Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Ceivap), que tem
na Agência da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Agevap) seu braço executivo
e Itabapoana
(COMITÊ DE INTEGRAÇÃO DA BACIA DO RIO PARAÍBA DO SUL, 2018).
(2017), com sede
em Campos
Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e
dos Goytaca-
Itapaboana
zes-RJ, é um
órgão colegiado, O Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana
integrante (2017), com sede em Campos dos Goytacazes-RJ, é um órgão cole-
do Sistema giado, integrante do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos
Estadual de Hídricos do Estado do Rio de Janeiro (Segrhi), com funções consulti-
Gerenciamento vas, deliberativas e normativas em nível regional, tendo como objetivo
de Recursos principal promover uma gestão descentralizada e participativa dos re-
Hídricos do cursos hídricos da Região Hidrográfica IX do estado do Rio de Janeiro,
Estado do Rio com área de abrangência identificada conforme o mapa abaixo.
de Janeiro
(Segrhi) Figura 1
Mapa da Região Hidrográfica IX

Fonte: Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana.


Disponível em: http://www.cbhbaixoparaiba.org.br/galeria.php?id=5

A comemoração dos dez anos de atividades do CBH BPSI, celebrados


Bahia anál. dados, em ação solene no dia 20 de março de 2019, exaltou diversos avan-
14 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019 ços desse colegiado e do próprio Sistema Nacional de Gerenciamento
Bruno Eduardo Rangel Artigos

de Recursos Hídricos, em um processo contínuo de amadurecimento. Esta pesquisa


Contudo, é irrefutável que existem muitas dissonâncias entre a elabora- utilizou uma
ção e a operacionalização, destacando-se condicionantes econômicas abordagem
e políticas, além da necessidade de um desencadeamento de métodos qualitativa,
capazes de organizar objetivamente os atores envolvidos no contexto enfocando
hídrico local (TOTTI, 2014). aspectos sociais
que não podem
Ainda de acordo com o CBH BPSI (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA
ser quantifi-
DO BAIXO PARAÍBA DO SUL E ITAPABOANA, 2017), o órgão é com-
cados, tendo
posto por uma diretoria de seis membros (sendo dois de cada repre-
sentação) e um plenário, órgão máximo deliberativo, que deve se reunir como centro a
ordinariamente quatro vezes por ano e extraordinariamente quando explicação de
convocado pelo diretório colegiado ou por requerimento de no mínimo uma dinâmica
dois terços do plenário. Integram esse plenário 30 membros titulares, social
que, a fim de garantir paridade representativa, são assim distribuídos:

• Dez representantes dos usuários, sendo um do setor de pesca


ou transporte hidroviário ou turismo ou lazer, dois do setor de
abastecimento ou saneamento dos municípios integrantes da ba-
cia, dois da indústria, comércio ou serviços, dois da agropecuária,
um do setor de petróleo e gás, um do setor de mineração e um
do setor de geração de energia, especificamente hidroelétrica,
segundo o regimento interno.

• Dez representantes da sociedade civil, sendo quatro de associa-


ções com interesse em recursos hídricos e/ou meio ambiente, três
de organizações técnicas de ensino e/ou pesquisa e três de asso-
ciações técnico-científicas de recursos hídricos.

• Dez representantes do poder público, sendo sete oriundos do


poder público municipal, dois do poder público estadual e um do
poder público federal.

MÉTODOS

De acordo com as considerações metodológicas de Gil (2008), no que


diz respeito à análise das entrevistas, esta pesquisa utilizou uma abor-
dagem qualitativa, enfocando aspectos sociais que não podem ser
quantificados, tendo como centro a explicação de uma dinâmica social.
Quanto à natureza, trata-se de uma pesquisa aplicada, uma vez que se
predispõe a analisar problemas específicos e de interesse local. Em re-
lação ao objetivo, o estudo é descritivo, por pretender relatar fatos de
uma realidade, e exploratório, explicitando um problema e construindo
hipóteses. Esses aspectos classificam esta pesquisa como um estudo Bahia anál. dados,

de caso, uma vez que o foco investigado é uma entidade claramente


Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
15
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

Deve-se deixar definida – o Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e


claro que, Itabapoana. A intenção foi examinar certa relação específica e contem-
a exemplo porânea, “[...] em que o pesquisador tem pouco ou nenhum controle
de qualquer sobre os eventos comportamentais [...]” (GIL, 2008), neste caso, o uso
outro método do conceito de accountability na gestão hídrica regional. O período de
coleta de dados abrangeu setembro de 2017 a março de 2018, com
de pesquisa,
uma perspectiva interpretativa. Deve-se deixar claro que, a exemplo de
este também
qualquer outro método de pesquisa, este também apresenta limitações,
apresenta
particularmente ligadas às generalizações, em que é determinante as-
limitações, sumir a ideia de que a função do pesquisador é teorizar e desenvolver a
particular- discussão e não pragmatizar. Outra restrição deste modelo exploratório
mente ligadas é atribuída à subjetividade do pesquisador, que deve ser mitigada pela
às generaliza- busca do rigor acadêmico e pelo confronto de fontes (YIN, 2015).
ções, em que é
determinante Quanto aos procedimentos, inicialmente foi necessária uma revisão bi-
assumir a ideia bliográfica, baseada em livros, artigos, anais de eventos e quaisquer
de que a função contribuições acadêmicas sobre o tema abordado. A partir daí foram
do pesquisador executadas entrevistas semiestruturadas com pessoas ligadas ao tema
é teorizar e discutido, numa abordagem pautada na participação popular. Preten-
desenvolver a deu-se, assim, delinear a conjuntura atual e discutir possíveis ações fa-
discussão e não cilitadoras à aplicabilidade do conceito de accountability, resultando em
um estudo de caso sobre o CBH BPSI.
pragmatizar
Já no que concerne à análise de conteúdo, esta pesquisa teve uma abor-
dagem qualiquantitativa, de natureza aplicada, com objetivo descritivo
e exploratório, enfocando as relações sociais em questão com métodos
interpretativos (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).

Sobre os procedimentos da segunda técnica de análise aplicada, foram


coletadas informações através das atas de reuniões dos anos de 2017
e 2018 (a quarta reunião plenária do ano de 2018 não teve seus dados
compilados, pois, ao tempo da intervenção metodológica proposta, a
ata ainda não havia sido aprovada), disponibilizadas no site do Comitê
da Região Hidrográfica IX. A metodologia usada para interpretação dos
dados foi a análise de conteúdo, empregada para estudar e compreen-
der textos partindo de um viés quantitativo. Dessa forma, é analisada
numericamente a frequência de ocorrência de determinados termos ou
construções em um escrito (FONSECA JUNIOR, 2006). Essa aborda-
gem se dividiu em três partes. A primeira foi destinada a identificar, após
várias leituras do texto, o assunto principal que cada período das atas
abordava. A segunda consistiu na tabulação e categorização desses
períodos em uma tabela no Microsoft Office Excel. Com isso foi possível
agrupar essas construções em cinco categorias: “Financeiro”, que reúne
períodos em que houve alguma discussão pecuniária; “Ambiental”, com
Bahia anál. dados, os períodos que se encontram em um contexto diretamente ligado a
16 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019 questões sobre o meio ambiente; “Sociopolítico”, com períodos deno-
Bruno Eduardo Rangel Artigos

tando a ideia do comitê como ser social participante, sugerindo atuação O plano de
do colegiado em assuntos políticos e comunitários gerais, com os re- questiona-
flexos de decisões externas sobre o comitê, excluindo-se os de caráter mentos não
notoriamente ambientais; ”Organizacional”, com orações que tratam seguiu um
mais especificamente do conteúdo administrativo do comitê ou que ordenamento
têm ligação com a política empregada, o planejamento e a execução de sistemático,
atividades corriqueiras dentro e fora dele; e “Accountability”, que abarca
mas provocava
frases que ressaltam a responsividade, a transparência, a participação
o participante a
popular e a responsabilidade ética que o comitê deve exercer perante
comentar temas
a sociedade. Tudo isso converge para a terceira e última etapa: a inter-
pretação dos dados levantados. como legislação
ambiental,
participação
RESULTADOS E DISCUSSÕES popular,
princípios de
As entrevistas accountability,
problemas na
O interesse dessas entrevistas está particularmente conexo à participa- gestão hídrica
ção da sociedade civil na gerência hídrica das bacias do Baixo Paraíba regional e
do Sul e do Rio Itabapoana, como suporte indispensável à implantação potenciais
dos conceitos de accountability nesse modelo de construção do Estado, medidas para o
desenhado aqui pela figura do comitê de bacia hidrográfica.
seu aprimora-
mento
A orientação na escolha dos participantes das entrevistas que consti-
tuíram a parte oral dessa dissertação se deu basicamente em membros
e ex-membros da sociedade civil que participam ou participaram do
processo de administração hídrica subsidiado pelos comitês nas regiões
norte e noroeste fluminenses. Entre os entrevistados estão a diretora da
ONG Ecoanzol, Luiza Salles, além de pesquisadores renomados do ce-
nário hídrico regional, como o professor e pesquisador Aristides Soffiati,
a representante da agência de bacia desse comitê, Thaís Nacif, membros
de sua diretoria executiva e o presidente desse colegiado, João Siqueira.

A técnica para coleta dos dados foi a entrevista semiestruturada. Mesmo


com foco em determinados assuntos, guiados por questões predefinidas,
não foi assumido um roteiro engessado, oferecendo alforria epistemoló-
gica ao depoente. Não foi estabelecido limite de tempo para os diálogos.

O plano de questionamentos não seguiu um ordenamento sistemático,


mas provocava o participante a comentar temas como legislação am-
biental, participação popular, princípios de accountability, problemas na
gestão hídrica regional e potenciais medidas para o seu aprimoramento.
A seguir, usando uma estrutura narrativa, serão descritas as concepções
dos entrevistados sobre a temática proposta, ainda que por vezes haja
uma mediação do autor para contrapor ou corroborar outro depoente Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
17
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

Ainda que tenha ou uma referência textual citada, havendo o cuidado de salvaguardar o
trazido novos ponto de vista do entrevistado.
conceitos, como
o de valoração Obviamente que toda análise discursiva carrega, além da subjetividade
da água, de do pesquisador, a construção de parcialidade do contribuinte enquanto
ser social moldado sob valores e crenças que lhe são peculiares.
finitude do bem
e de gestão
Eficiência ou eficácia da legislação ambiental brasileira
por bacia
hidrográfica, o As falas são indiscriminadamente análogas na alegação de que o arca-
regulamento bouço legal tenta cumprir sua função social. O presidente do comitê,
ambiental João Siqueira (informação verbal)1, descreve como “fantástica” a legisla-
deixa brechas ção ambiental brasileira, mas que, apesar de muito boa, já merece algu-
ao operador de mas revisões pontuais. Adepto da filosofia positivista de Auguste Comte,
direito ele compactua com a ideia de que a tecnologia e as demandas ambien-
tais são aspectos da dinâmica social que movem a sociedade, levando
a estática social, como as leis, para um novo degrau. Ou seja, a resposta
que a sociedade dá à interposição de um mecanismo legítimo deve ser
levada em consideração no aperfeiçoamento do código ambiental. Ain-
da que tenha trazido novos conceitos, como o de valoração da água,
de finitude do bem e de gestão por bacia hidrográfica, o regulamento
ambiental deixa brechas ao operador de direito. Exemplo citado nas
entrevistas é a possibilidade de substituição das agências de bacias por
entidades delegatárias, conforme previsto no Artigo 51 da Lei 9433/97. A
agência de bacia própria, na visão de João Siqueira (informação verbal)2,
diminuiria a burocracia na prestabilidade de serviços do comitê, o que,
em contrapartida, pode significar a perda de um instrumento regulador
de prestação de contas. Mesmo sendo entidades privadas sem fins lucra-
tivos, as delegatárias se debruçam sobre todas as determinações legais
inerentes a uma empresa pública, como obediência aos preceitos da Lei
nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e
contratos da administração pública (MELO, 2016).

Outro alvo de apreciação do presidente comitê é a cobrança instituída


pela Lei nº 5234, de 2008 (RIO DE JANEIRO, 2008), que destina 70%
dos recursos arrecadados pela cobrança do uso de água para ações de
saneamento. Este tópico já foi alvo de discussão nas reuniões plenárias do
comitê e foi assunto recorrente durante as entrevistas. O cenário hídrico
do norte e do noroeste do estado do Rio de Janeiro não imita a realidade
da metrópole fluminense, em que este é o principal problema que envolve
o gerenciamento de recursos hídricos. Proteção de nascentes, áreas de
recarga e gestão de canais são mais relevantes nessa porção do estado.

1 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo presidente do CBH BPSI, João Siqueira, em 18 de
abril de 2018.
Bahia anál. dados,
18 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
2 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo presidente do CBH BPSI, João Siqueira, em 18 de
abril de 2018.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

Luiza Salles (informação verbal)3 pontua que o comitê deveria atuar de A lei dá subsídio
forma mais categórica na Assembleia Legislativa fluminense no intento para uma
de reformular tais leis, orientando o legislador em suas decisões. gestão hídrica
de excelência,
Há de se frisar que a imposição quanto ao uso dos recursos obtidos fere mas a sociedade
o pressuposto pela Lei das Águas de que é prerrogativa do comitê de civil não é
bacia hidrográfica local definir como será investido o recurso oriundo
atuante, e
da cobrança na sua unidade de gerenciamento para atender às neces-
as menores
sidades locais.
frestas legais
Os moldes de repasse para comitês com rios federais (cortam mais de um atrapalham
estado) em sua unidade de gerenciamento são outro ponto de discussão a eficiência
entre os estudiosos do assunto. A lentidão no repasse das verbas, que perseguida
perambulam entre a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Comitê de
Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap), no caso
da Região IX, e a confusa distribuição desse fundo são listadas quando o
mérito legal é discutido. O professor Aristides Soffiati (informação ver-
bal)4 chama esse imbróglio de “fragmentação”, em que as predileções
paulistas e da cidade do Rio de Janeiro geralmente sobressaem ante as
demais, mesmo regionalmente, e as discussões estritamente voltadas ao
gerenciamento hídrico campista ganham maior atenção.

As regiões norte e noroeste do estado do Rio de Janeiro são privilegia-


das com um sistema hídrico complexo e, de certa forma, preservado.
Antecipar maiores danos e estabelecer normas locais para pesca espor-
tiva, uso para recreação, lazer e turismo dos cursos de água e outros
usos, como já está sendo feito em diferentes bacias, conforme compila
o artigo Legislação da Pesca, de Santana (2019), podem ajudar muito na
preservação e na arrecadação local.

Diante do manifesto, a fala de Luiza Salles (informação verbal)5 parece


resumir o quadro legal brasileiro e local: “Não considero bom, considero
eficaz”. A lei dá subsídio para uma gestão hídrica de excelência, mas a
sociedade civil não é atuante, e as menores frestas legais atrapalham a
eficiência perseguida.

Participação popular

Para Barbosa e Saracho (2018), a figura do Estado transcende desde o


Absolutismo, que teve como principais expoentes Maquiavel (O Prínci-

3 Entrevista concedida para esta pesquisa pela diretora da ONG Ecoanzol, Luiza Salles, em 14 de
maio de 2018.
4 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo professor e pesquisador Aristides Soffiati, em 3 de
junho de 2018.
Bahia anál. dados,
5 Entrevista concedida para esta pesquisa pela diretora da ONG Ecoanzol, Luiza Salles, em 14 de
maio de 2018.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
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Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

Hoje se pe, 1513) e Hobbes (Leviatã, 1651), chegando a um Estado liberal, fun-
apresenta damentado, basicamente na liberdade individual e na igualdade. Daí
como Estado passou para um Estado social, na busca de superar as limitações do
democrático liberalismo, de modo que as instituições públicas fossem capazes de
de direito, proporcionar justiça social e equidade aos cidadãos. Hoje se apresenta
como Estado democrático de direito, alcunha que fundamenta, inclusi-
alcunha que
ve, a Constituição deste país, em seu primeiro artigo, e que sinonimiza
fundamenta,
um governo popular.
inclusive, a
Constituição No decorrer deste estudo, parece ter ficado evidente que práticas de
deste país, em accountability só se tornam exequíveis quando apoiadas numa ampla
seu primeiro contribuição comunitária, concordando com a ideia de Rocha (2008) de
artigo, e que que “[...] a efetividade do conceito só se dá pela participação popular”.
sinonimiza Durante as entrevistas, os participantes foram questionados sobre a
um governo participação popular nesse complexo sistema de gerenciamento.
popular
Como síntese, as opiniões convergem na importância da inclusão social
na tomada de decisões e na baixa participação da coletividade. A socie-
dade ainda não reconhece o comitê como um espaço social, seguindo
o conceito de Jean-Claude Passeron, no livro O Raciocínio Sociológico
(PASSERON, 1995). O fator cultural foi apontado como uma das causas
desse cenário. Uma das representantes da sociedade civil no comitê,
Luiza Salles (informação verbal)6 observa que a cultura brasileira ainda é
de “particularizar ações”. Trocando em miúdos, os diversos atores envol-
vidos nessa discussão defendem apenas “suas bandeiras”, desprezando
uma atuação conjunta que busque uma “visão integrada, sistêmica e
realista” do assunto na região, que, diga-se de passagem, é muito com-
plexa e, por consequência, conflituosa.

Thaís Nacif, representante da Agevap (informação verbal)7, cita como


peculiaridade que a representatividade dos membros que compõem os
comitês não se dá de forma homogênea. Como exemplo, ela afirma que

[...] no Baixo (Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana), a parti-


cipação mais efetiva é do poder público municipal e dos usuários; no
Piabanha (Comitê Piabanha), é da sociedade civil; e no Médio (Comitê
de Bacia do Médio Paraíba do Sul), os usuários são mais participativos.

Isso acarreta uma gestão voltada para os interesses dos setores mais
participativos, restringindo a abrangência das ações do colegiado. Não
significa, porém, que a gestão se dará exclusivamente em concordância
com esses segmentos. Segundo o presidente João Siqueira (informação

6 Entrevista concedida para esta pesquisa pela diretora da ONG Ecoanzol, Luiza Salles, em 14 de
maio de 2018.
Bahia anál. dados,
20 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
7 Entrevista concedida para esta pesquisa pela representante da agência de bacia Thaís Nacif, em
16 de março de 2018.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

verbal)8 , o comitê se molda por uma busca exaustiva de consenso, e A Política


a plenária é absoluta em suas deliberações. “Basta estar presente, le- Nacional de
vantar o dedo [...]” que qualquer cidadão terá a faculdade de evitar ou Recursos
executar determinado ato. Hídricos é
condizente com
O professor Aristides Soffiati (informação verbal)9 é bem crítico em os conceitos de
relação ao modelo de inserção dos comitês, que classifica como “ex-
accountability,
cludente”. Ele aponta a exacerbada burocracia para fazer parte da ple-
mesmo que
nária e a primazia dos interesses de grandes proprietários rurais, de
implicitamente
empresas e do próprio poder público como principais obstáculos ao
acesso comunitário, que seria um contraponto à supremacia do poder
do capital.

Accountability no CBH BPSI

A Política Nacional de Recursos Hídricos é condizente com os conceitos


de accountability, mesmo que implicitamente. Quando fundamenta a
água como de domínio público, o legislador adota a ideia de que seu
uso deve responder às expectativas sociais em detrimento das condi-
ções de mercado, assumindo com isso status de direito social, uma das
premissas do conceito abordado (MALENA; FORSTER; SINGH, 2004).
Concomitantemente, ao dotar a água de valor econômico, assume a
obrigatoriedade de quem administra os recursos hídricos de respon-
sabilização pela sua gestão perante a comunidade, fazendo com que o
“servidor público” se veja compelido a dar transparência e publicidade
aos seus atos, condição que Bovens (2005) preceitua como sendo o
primeiro nível na caracterização da accountability. Isso sem falar na ne-
cessidade de um gerenciamento descentralizado e com cooperação po-
pular, facilitando a gestão local, que enfatizará as questões específicas
daquela região e propiciará a definição do que a administração pública
deve produzir ou prestar.

Nas entrevistas, a forma de fiscalização das ações da agência/comitê


foi alvo de questionamento. A funcionária da Agevap Thaís Nacif (in-
formação verbal)10 explicou que a empresa delegatária é privada, mas
realiza todo o trâmite baseada na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,
que institui normas para licitações e contratos da administração pública,
ou seja, age como órgão público. Efetivamente, isso significa que, em
obras maiores, são firmados contratos com a Caixa Econômica Federal,
e esta, por sua vez, fiscaliza as obras, para então liberar recursos que

8 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo presidente do CBH BPSI, João Siqueira, em 18 de
abril de 2018.
9 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo professor e pesquisador Aristides Soffiati, em 3 de
junho de 2018.
Bahia anál. dados,
10 Entrevista concedida para esta pesquisa pela representante da agência de bacia Thaís Nacif, em
16 de março de 2018.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
21
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

A “gestão subsidiam a continuidade dos serviços, majoritariamente de saneamen-


participativa to. Nas intervenções menores ou compras, o próprio comitê assume a
e com respon- função de órgão fiscalizador quando acompanha a execução dos ser-
sabilidade”, viços e aprova o recebimento de produtos, atestando conformidade
conforme define com o projeto. Todo esse processo caracteriza a responsabilização de
quem ocupa a função de prestar contas, observando as normas defi-
com maestria
nidas, premissa da accountability. Ainda discorrendo sobre o padrão
João Siqueira
de atuação dos comitês, por intermédio da agência de bacias, que se
(informação
compatibiliza com proposições de accountability, foram elencadas entre
verbal), não as atividades de controle auditorias, relatórios e sanções contratuais. As
se restringe primeiras são evidentes exemplos de accountability horizontal, segundo
à respon- conceituação de Malena, Forster e Singh (2004), já que se trata de um
sabilização poder legal de supervisão e fiscalização de serviços entre entidades que
estritamente desempenham alguma função estatal. Essas auditorias podem ser inter-
relacionada nas (Agevap) ou externas (ANA, Inea), e o próprio comitê pode propor
a serviços e e executar auditorias.
finanças
O presidente do comitê, João Siqueira (informação verbal)11, argumenta
sobre a vinculação da personalidade física dos diretores do colegiado às
ações do comitê, facilitando – o que Pinho e Sacramento (2009) men-
cionam como assentos de accountability – a possibilidade de onerar ou
bonificar agentes públicos em conformidade com seus atos, numa cor-
respondência ao conceito de desconsideração da personalidade jurídi-
ca, apesar de ser inquestionável que os comitês de bacias não dispõem
dessa prerrogativa, segundo exposto neste trabalho.

Transparência e publicidade do desempenho são também matérias de


accountability que estão intimamente vinculadas à organização dos
comitês, inclusive estipulando-se metas de divulgação das práticas do
colegiado, além do incentivo à participação popular. Essa praxe assegu-
ra que a comunidade assuma uma posição de questionamento e gover-
nança sobre as condutas adotadas, julgando-as e conferindo outorga.
O comitê usa principalmente as mídias sociais como canais de comuni-
cação (site e página no Facebook), além de palestras e participação em
eventos dentro e fora da academia. Ainda assim, tais ações são enxer-
gadas como insuficientes pelos entrevistados.

A “gestão participativa e com responsabilidade”, conforme define com


maestria João Siqueira (informação verbal)12, não se restringe à res-
ponsabilização estritamente relacionada a serviços e finanças. O uso
desordenado de espaços públicos deve ser ponto de questionamento
a órgãos que têm a capacidade de resposta e não o fazem. Luiza Salles

11 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo presidente do CBH BPSI, João Siqueira, em 18 de
abril de 2018.
Bahia anál. dados,
22 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
12 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo presidente do CBH BPSI, João Siqueira, em 18 de
abril de 2018.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

(informação verbal)13 cita a Lagoa de Cima como fatídico exemplo de Intervenções


ausência do Estado. Ela salienta o uso desordenado do espaço por co- políticas estão
merciantes e turistas e o despejo in natura de esgoto na lagoa, gerando intensamente
uma pegada ecológica preocupante, resultado da falta de uma atuação presentes na
incisiva do comitê no desempenho de funções fiscalizadoras e mobili- gestão hídrica,
zadoras que devem ser evocadas por esse colegiado. mas o poder
decisório,
Outras considerações
majoritaria-
mente, está
Algumas observações que não se encaixam nas alíneas acima, mas que
merecem atenção, são descritas neste tópico. Assim, pretende-se situar nas mãos do
o leitor, de maneira genérica, sobre o quadro da gestão hídrica local. povo, que,
infelizmente,
Cabe destaque o repúdio veemente dos entrevistados ao controle polí- parece ainda
tico da gestão hídrica. As pessoas ouvidas comungam do entendimento não saber usá-lo
de que o poder público baseia suas ações no retorno eleitoral, ao tempo
que a sociedade civil se apoia em resultados, o que converge para a
concepção de accountability. Tratar uma questão tão estratégica con-
siderando apenas arranjos políticos, suscetíveis a rupturas periódicas, é
um risco à segurança hídrica. Intervenções políticas estão intensamente
presentes na gestão hídrica, mas o poder decisório, majoritariamente,
está nas mãos do povo, que, infelizmente, parece ainda não saber usá-lo.
Quanto a isso é dito, metaforicamente, que o governo deu uma boa fer-
ramenta para a população (Lei nº 9.433/97), mas não ensinou a usá-la.

O correto uso dessa ferramenta pode se dar por intermédio da inclu-


são da educação ambiental, de forma transversal e multidisciplinar, na
didática curricular, enfatizando-a no ensino de crianças e moldando
novos atores sociais. De certo que é um trabalho de longo prazo e
quase utópico, se for considerada a realidade da educação no Brasil,
incapaz de instruir de forma eficiente até mesmo as disciplinas bási-
cas de ensino. Mas essa tarefa precisa ser iniciada e continuada, ao
preço de passarmos mais algumas décadas “enxugando gelo”. Priori-
zar crianças não significa afastar-se do trabalho com jovens e adultos.
Nesse sentido, é aconselhável uma comunicação científica continuada
em trabalhos técnicos sequenciais que subsidiem a gestão hídrica da
Região Hídrica IX.

Outro assunto comum durante os depoimentos é a dificuldade de ges-


tão da maior região hidrográfica do estado com uma das menores arre-
cadações, já que os rios desta região são predominantemente federais.
Soma-se a isso um sistema público ambiental defasado, com pouquís-
simos servidores, o que atrasa análises de solicitações de outorga para

Bahia anál. dados,


13 Entrevista concedida para esta pesquisa pela diretora da ONG Ecoanzol, Luiza Salles, em 14 de
maio de 2018.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
23
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

Contudo, o uso de corpos hídricos, acarretando uma deficiente administração hí-


algumas dessas drica. A situação pode ser exemplificada pela gestão dos mais de 1.400
situações km de canais da região norte fluminense (se dispostos linearmente, os
poderiam canais campistas chegariam a Maceió, a capital alagoana), extensão
ser ao menos maior do que a do leito do Paraíba do Sul, com 1.150 km. O que causa
espanto, considerando-se apenas a dimensão, ganha um caráter ainda
amenizadas se
mais superlativo quando se imagina a complexidade de uma região his-
disparidades
toricamente conflituosa.
na distribuição
de recursos Contudo, algumas dessas situações poderiam ser ao menos ameniza-
financeiros das se disparidades na distribuição de recursos financeiros oriundos da
oriundos da cobrança pelo uso da água fossem reparadas. É o caso da adequação
cobrança do repasse de 15%, a título de compensação, que o Comitê do Guandu
pelo uso da paga ao CBH BPSI, que, segundo Nota Técnica nº 30/2014/SAG-ANA,
água fossem deveria ser de 85% (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2014).
reparadas
Um assunto levantado por Luiza Salles, representante da ONG Ecoanzol,
que preenche cadeira titular na representatividade destinada à socieda-
de civil, ajuda a entender a fragmentação da vertente popular do comitê.
Segundo ela, dentro do mesmo segmento existem divisões que só serão
identificadas com um olhar mais aprofundado. Ela cita o exemplo da
pesca para contextualizar o enunciado. Para Luiza (informação verbal)14:

Os pescadores estão também divididos, existe uma liderança, geral-


mente mais politizada e normalmente com seu interesse particular [...]
existem os pescadores que não são liderança e ainda os pescadores
que não são pescadores [...] tem a carteira de pescadores e não operam
como pescadores e tem o percentual muito pequenininho do pescador
artesanal [...] que não entende nada, o letramento é baixo, se sente in-
capaz, tem medo de ser enganado [...] dentro desse balaio todo ainda
tem o pescador que deveria ser considerado industrial, mas não é [...].
Várias pescas.

Ainda como contraponto, Soffiati (informação verbal)15 classifica o de-


bate como superficial. Para ele, “[...] a discussão toda ela é uma discus-
são que não leva a nada [...]”, alertando para o imediatismo das ações.

A análise de conteúdo – as atas

A abordagem seguinte se dá através da dialética entre sociedade civil,


usuários e poder público, numa concepção social participativa, por meio

14 Entrevista concedida para esta pesquisa pela diretora da ONG Ecoanzol, Luiza Salles, em 14 de
maio de 2018.
Bahia anál. dados,
24 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
15 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo professor e pesquisador Aristides Soffiati, em 3 de
junho de 2018.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

das atas produzidas nas reuniões plenárias do comitê, que assume papel A série
mediador na implantação dessa política pública. “Ambiental”
apareceu em
A Figura 2 apresenta as categorias e a frequência relativa com que cada 53 oportuni-
uma das categorias aparece na entrevista analisada. dades, repre-
sentando pouco
Figura 2 mais de 15%
Categorias analisadas e suas respectivas frequências percentuais em relação ao total
da discussão
nos dois anos
Financeiro
27%
19% analisados
Ambiental
Sociopolitico
Organizacional
Accountability

15%

24% 14%

Fonte: elaboração própria.

A categoria que aparece com menor frequência nas atas 2017/2018 é


“Sociopolítica” (50 vezes, que corresponde a 14% do total), o que suge-
re a especificidade dos assuntos tratados pelo comitê. As citações de
passagens neste contexto, em geral, se referem a parcerias externas ou
articulação política. Um trecho da ata da 3ª Reunião Ordinária do Comi-
tê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana, datada de 25 de setembro de
2018, foi destacado a fim de legitimar tal afirmação: “Disse que, tendo
em vista o momento, seria melhor somar esforços no sentido de mobi-
lizar a aprovação do PL citado” (informação verbal)16.

A série “Ambiental” apareceu em 53 oportunidades, representando


pouco mais de 15% da discussão nos dois anos analisados. É relevante
ressaltar que todo debate orbita sobre essa temática, mesmo que taci-
tamente. Contudo, questões subsidiárias e técnicas têm sido mais dis-
cutidas durante as reuniões, fato que pode afastar o público em geral,
já que os assuntos abordados durante as plenárias e a linguagem usada
não atendem aos anseios da população, principalmente a parcela de
menor grau educacional. Na segunda reunião do comitê no ano de 2018,
realizada em 26 de junho, há um exemplo do que foi entendido pelo
autor como uma conotação explicitamente ambiental: “Moema expli-

Bahia anál. dados,


16 Declaração obtida na ata da 3ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em setembro de 2018.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
25
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

A atuação dos cou que hoje a projeção do cenário não indica grandes problemas com
comitês como quantidade de água. Disse que a questão mais sensível é a ausência de
órgão social, reservação” (informação verbal)17.
obviamente,
depende de A classe denominada “Financeiro” teve 66 ocorrências nos 347 perío-
dos totais, o que se traduz em 19% de frequência relativa, garantindo
recursos
destaque a este tópico durante as argumentações. A preocupação com
financeiros, daí
“recursos” – palavra recorrente nas oratórias – é inegável. Tal verbete
a relevância do
aparece 40 vezes nas atas dos dois anos – sem contabilizar vocábulos
assunto como “arrecadação”, “cobrança” ou “financeira”, que trazem a mesma
conotação para fins deste estudo –, sendo assim a palavra mais usual
durante as conferências e superando termos como “água” (23 vezes) ou
ambiente/ambiental (12 vezes).

A atuação dos comitês como órgão social, obviamente, depende de


recursos financeiros, daí a relevância do assunto, como tratado na se-
gunda reunião do ano de 2017, no dia 27 de julho: “Falou da importância
desses recursos financeiros para a manutenção do sistema de gerencia-
mento de Recursos Hídricos” (informação verbal)18 .

Durante as reuniões investigadas, muito se falou em relação ao tópico


“Organizacional”. Tal debate conservou 24% das questões discutidas.
É inquestionável a importância desse tema, mas o foro pode não ser
o mais oportuno. Questões institucionais podem ser tratadas interna-
mente, por meio de convenções extraordinárias. Tais contendas, em sua
maioria, não são de interesse popular e acabam delongando as ple-
nárias e distanciando o comitê de uma participação comunitária mais
efetiva. Obviamente que assuntos determinantes ao funcionamento dos
colegiados devem ser tratados em reuniões ordinárias, mas que tais
matérias não assumam o protagonismo observado nos anos anteriores.
Como exemplo, segue um trecho da primeira reunião ordinária que o
comitê realizou em 2017, no dia 18 de abril (informação verbal)19.

Zenilson Coutinho (ASFLUCAN) falou das Câmaras Técnicas (CT´s) do


Comitê, da necessidade de recomposição, de definição de coordenado-
res, pois estas são fundamentais para o funcionamento do Comitê. João
falou que constará na pauta da próxima reunião plenária a eleição de
coordenadores das CT’s.

17 Declaração obtida na ata da 2ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em junho de 2018.
18 Declaração obtida na ata da 2ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em julho de 2017.
Bahia anál. dados,
26 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
19 Declaração obtida na ata da 1ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em abril de 2017.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

O presidente do CBH BPSI, João Siqueira (informação verbal)20, sinteti- A ideia de


za este tópico ao afirmar, durante entrevista para este trabalho, que “a cidadania, que
gente tá gastando energia em montar ainda o sistema”. ainda não está
enraizada na
A categoria “Accountability” foi a mais recorrente durante as reuniões, sociedade, é um
respondendo por cerca de 27% da discussão da amostra. Apoiado na dos pilares para
interpretação que aponta como sinônimas argumentações pautadas na
a construção
participação popular – já que este trabalho entende que é impossível
desse novo
atingir-se modelos de accountability sem uma presença coletiva mas-
direito social
siva – e no uso latu de locuções que retratam princípios formadores
deste conceito, como responsividade, transparência, responsabilidade (accountability),
com ética e fiscalização, é possível afirmar, fundamentado na análise e a publicidade
quantitativa, que os comitês têm aplicado práticas de accountability na dos atos é
gestão hídrica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana. elemento
primordial
A prestação de contas, prática inserida no conceito estudado, está pre- nesse nexo
sente em várias passagens das atas. Para contextualizar, foi reproduzido
um segmento do que foi discutido na terceira reunião de 2018 do CBH
BPSI: “João Gomes (UENF) explicou que a ideia de falar da Sala de
Monitoramento na reunião de hoje se deu também com o objetivo de
prestar contas” (informação verbal)21.

Outro exemplo inequívoco de prestação de contas é verificado na ter-


ceira reunião de 2017: “Foi apresentada também a prestação de contas
do V ECOB” (informação verbal)22.

Inclusive, nessa mesma reunião, fica evidente o uso da accountability


horizontal, um tipo de fiscalização social que se dá através de fiscali-
zação: “Falou que os atos do Comitê obedecem diversas regras e são
acompanhadas por diversos outros órgãos” (informação verbal)23.

Na segunda reunião de 2018, a importância da participação popular


é discutida. A ideia de cidadania, que ainda não está enraizada na so-
ciedade, é um dos pilares para a construção desse novo direito social
(accountability), e a publicidade dos atos é elemento primordial nesse
nexo, assegurando, além de transparência na conduta dos servidores,
um maior envolvimento comunitário.

20 Entrevista concedida para esta pesquisa pelo presidente do CBH BPSI, João Siqueira, em 18 de
abril de 2018.
21 Declaração obtida na ata da 3ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em setembro de 2018.
22 Declaração obtida na ata da 3ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em setembro de 2017.
Bahia anál. dados,
23 Declaração obtida na ata da 3ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em setembro de 2017.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
27
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

O conceito de Carlos Ronald falou que é importante dar maior visibilidade às ações do
accountabi- Comitê, ao realizar reuniões em outras instituições como IFF, Prefeitura
lity envolve a de Campos e UFRRJ, possibilitando a diversificação dos participantes e

responsabili- difusão do conhecimento sobre recursos hídricos. (informação verbal)24.

zação de quem
Contudo, tal sensibilização socioambiental só é possível pelo despertar
ocupa o cargo
do sentimento de pertencimento e pela aproximação com essas ques-
em prestar
tões, incentivados por meio de ações de conscientização. O comitê tem
contas, sendo
se mostrado antenado com intervenções pedagógicas nesse sentido,
imputado a ele o conforme discorrido durante a primeira reunião de 2018: “Em seguida
ônus pela inob- colocou em votação a proposta de inclusão de pauta para apresentação
servância de de um projeto de educação ambiental com foco no monitoramento”
algum preceito, (informação verbal)25.
mas também
os créditos Esse contexto democrático indubitavelmente se faz alicerçado em in-
pelo bom teresses sociais. Pressões políticas e monetárias devem ser extirpadas
desempenho de desse modelo de gerenciamento. Ainda na primeira reunião de 2018,
seus atos isso é posto em debate: “Pediu que esses grupos priorizem decisões to-
madas com embasamento técnico, evitando influências políticas nessas
decisões” (informação verbal)26.

O conceito de accountability envolve a responsabilização de quem


ocupa o cargo em prestar contas, sendo imputado a ele o ônus pela
inobservância de algum preceito, mas também os créditos pelo bom
desempenho de seus atos. Durante a quarta reunião do ano de 2017,
foi realizada uma homenagem para os precursores desse novo modelo
de gestão hídrica. “Luiz Mário defendeu a realização da homenagem
aos responsáveis pela fundação deste Comitê no início da solenidade”
(informação verbal)27.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interpretação das entrevistas traz, de forma genérica, que o processo


decisório é transparente. Ainda que a participação popular não seja a
ideal e que intervenções políticas e econômicas tenham relevância na
discussão, toda a procedimentalização se pauta no regimento interno.
Nas poucas vezes em que a conduta predeterminada foi sobreposta,
houve clara aprovação do colegiado.

24 Declaração obtida na ata da 2ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em junho de 2018.
25 Declaração obtida na ata da 1ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em maio de 2018.
26 Declaração obtida na ata da 1ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em maio de 2018.
Bahia anál. dados,
28 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
27 Declaração obtida na ata da 4ª Reunião Ordinária do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana,
realizada em novembro de 2017.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

Sobre a ineficaz inclusão popular há de se expor a exigência do preen- Só o


chimento de um perfil específico para ambicionar um assento na ple- conhecimento
nária. De certo que tais requisitos não se estendem à participação nas será capaz
reuniões, nem comprometem a exposição de ideias, apenas privam o de despertar
participante de voto. Ainda assim, sustentado pelo raciocínio de Brasil a lógica de
(2013) no artigo “Teoria elitista clássica, democracia elitista e o papel pertencimento
das eleições: uma questão de definição dos termos”, é plausível afirmar
indispensável
que tal característica aproxima o CBH BPSI da teoria de democracia
a uma
elitista, afastando-o, obviamente, da democracia deliberativa, o que ra-
democracia
tifica o argumento defendido por Thomé (2018) em sua tese, em que
afirma a necessidade de expertise para envolver-se na discussão. participativa

O maior município do interior fluminense, Campos dos Goytacazes,


exerce uma influência genuína na administração hídrica local, certamen-
te por sua proeminência regional desde os tempos de vila. A participa-
ção, antes provida pela indústria sucroalcooleira, sobre o uso do solo
ainda é exercida pelos grandes produtores rurais. Essa predileção insti-
tui um favoritismo às questões campistas, como abertura e fechamento
de comportas, monitoramento de canais e nível do lençol da Lagoa Feia.
A inclinação a determinados assuntos não é exclusividade do CBH BPSI.
Se for considerada toda a Bacia do Rio Paraíba do Sul, as ações seguida-
mente tendem ao postulado pelo estado de São Paulo. Como exemplo
é possível citar a transposição do Paraíba do Sul, concluída em março
de 2018, para abastecer o Sistema Cantareira, obra contestada pelos
quatro comitês de bacia do Rio de Janeiro membros do Ceivap. Mesmo
assim, sem uma ampla discussão, pautada em decisões autocráticas, a
obra foi executada, reafirmando que a ingerência política e econômica
ainda é determinante na gestão dos recursos hídricos.

O avanço da gestão hídrica do norte e do noroeste fluminenses nos


últimos dez anos em que se dá a atuação do CBH BPSI é convincente.
Diretrizes normativas foram criadas e vêm sendo seguidas, ainda que
de forma vestibular, em função até do curto período desse modelo ge-
rencial após décadas de acefalia administrativa.

A ação impreterível é a implementação de programas que pretendam


dar maior visibilidade ao processo de gestão hídrica. Só o conhecimento
será capaz de despertar a lógica de pertencimento indispensável a uma
democracia participativa. A partir daí métodos que trarão resultados
em médio e longo prazo devem ser pensados, com ênfase em projetos
de educação ambiental enquanto matéria multidisciplinar e transversal,
que deve originar um empoderamento popular capaz de contrapor as
forças de mercado durante os embates no planejamento da administra-
ção hídrica local.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
29
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

Ainda que Ainda que este trabalho não tenha abordado todas as relações de go-
este trabalho vernança que existem na gestão hídrica regional, a contribuição epis-
não tenha temológica é relevante, e os hiatos identificados devem servir de base
abordado todas a estudos futuros. Por hora, é conclusivo que, mesmo estando em pro-
as relações de cesso incipiente de estruturação gerencial, o CBH BPSI é um eminente
representante da democracia participativa, capaz de organizar estraté-
governança
gias políticas e técnicas indispensáveis no debate público em que está
que existem na
inserido, fazendo uso de conceitos de accountability de forma factível.
gestão hídrica
regional, a Já os resultados obtidos por este trabalho por intermédio da análise do
contribuição conteúdo das atas também sugerem que o CBH BPSI aplica conceitos
epistemológica de accountability no seu modelo gerencial, evidenciados pela alta ocor-
é relevante, e os rência de matérias ligadas a este conteúdo durante a observação.
hiatos identi-
ficados devem No entanto, a discussão ainda não atingiu o nível de participação co-
servir de base a munitária esperado, quer seja pelo caráter formal das reuniões, quer
estudos futuros seja pela ausência do sentimento de empoderamento das parcelas mais
humildes envolvidas no debate. Com isso, setores historicamente he-
gemônicos envolvidos na dialética proposta reafirmam sua posição de
supremacia, principalmente os grandes produtores rurais campistas,
baseados numa legitimidade clientelista. Estes devem sim participar do
processo, mas ter seus propósitos efetivamente contrapostos por forças
populares. Tal conduta vagarosamente vem sendo combatida pela pre-
tensão de uma política participativa presumida pelo comitê.

O CBH BPSI vem se esforçando em dar publicidade aos atos que realiza
– árduo trabalho – numa região de quase 1 milhão de habitantes, mas o
desconhecimento sobre a atuação do comitê ainda é enorme.

A preocupação com recursos ocupa grande parte da pauta analisada.


Não são recursos vultosos, e a sua distribuição é no mínimo discutível, se
forem analisadas mais intrinsecamente as formas de divisão dos recursos
no estado do Rio de Janeiro, principalmente em bacias em que o rio prin-
cipal tem sua calha federal. Aqui é aberta uma discussão quanto à refor-
mulação das políticas públicas adotadas sobre a distribuição de recursos.

Assim, há de se assumir que os resultados convergem na tentativa de


aplicabilidade dos conceitos de accountablity na gestão hídrica do CBH
BPSI, um processo ainda em construção, a exemplo de todo o cenário
nacional, respondendo às peculiaridades locais e buscando notoriedade
diante da balburdia política e administrativa do país no que diz respeito
às questões ambientais. Os resultados compactuam ainda ao apontar
as mesmas falhas no processo gerencial. Como amostra é possível des-
tacar a imposição de expertise para compor o plenário, o que inibe o
Bahia anál. dados, fortalecimento de setores sociais capazes de refutar os interesses de
30 Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019 grupos preeminentes.
Bruno Eduardo Rangel Artigos

O CBH BPSI é uma instituição jovem. São apenas 10 anos gerenciando Muito se
os recursos hídricos do norte e do noroeste fluminenses após um longo conquistou,
período de acefalia administrativa. Muito se conquistou, mas ainda há mas ainda
um longo caminho até que seja atingido um modelo gerencial verdadei- há um longo
ramente participativo e democrático. caminho
até que seja
atingido
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gerencial
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Salvador, v. 29, n. 2,
p.8-33, jul.-dez. 2019
31
Accountability na gestão hídrica em comitês de bacias hidrográficas: um estudo de caso no comitê do Baixo Paraíba do Sul
Artigos e Itabapoana

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33
RESUMO

As áreas naturais protegidas (ANP) de Salvador apresentam considerável im-


portância biológica e socioeconômica, mas vêm sofrendo ao longo dos anos
com uma série de problemas decorrentes do processo de expansão urbana da
cidade e por conta dos baixos recursos provenientes dos órgãos ambientais.
Diante desse contexto, este artigo procurou avaliar a relação entre a dispo-
nibilidade de recursos financeiros direcionados à gestão das ANP e o nível
de resultados alcançados por essas unidades, bem como a possibilidade de
aplicação do mecanismo de impostos e sobretaxas como complemento ao
financiamento público. Foram consideradas as ANP continentais de proteção
in situ, avaliadas conforme a metodologia rapid assessment and prioritization
of protected areas management (RAPPAM) (avaliação rápida e priorização do
manejo de áreas protegidas), desenvolvida pela World Wide Fund for Natu-
re (WWF) e utilizada pelos principais órgãos ambientais brasileiros. Além de
apresentarem uma importante dimensão ecológica, as áreas naturais protegi-
das estão relacionadas ao lazer e ao bem-estar, promovendo em seus espaços
experiências nos campos da educação, ciência e cultura, apesar das dificulda-
des de financiamento.
Palavras-chave: Áreas naturais protegidas. Mecanismos de financiamento.
Ambiente urbano. Salvador.

ABSTRACT

The Natural Protected Areas (NPA) of Salvador have considerable biological


and socioeconomic importance, despite facing a series of problems over the
last years due to the urban expansion process of the city and the low resources
from the environmental agencies. Given this context, this article sought
to evaluate the relationship between the availability of financial resources
directed to the management of NPA and the level of results achieved by these
units, as well as the possibility of applying the tax and surcharge mechanism as
a complement to public funding. Only continental in situ protection NPA were
considered, assessed according to the Rapid Assessment and Prioritization of
Protected Areas Management (RAPPAM), methodology developed by WWF
(World Wide Fund for Nature) and used by the main brazilian environmental
agencies. Besides having an important ecological dimension, the Natural
Protected Areas are related to leisure and well-being, promoting in their spaces
experiences in the fields of education, science and culture, despite the financial
difficulties.
Keywords: Natural protected areas. Financing mechanisms. Urban environment.
Salvador.
Artigos

Mecanismo financeiro de
impostos e sobretaxas para
o custeio de áreas naturais
protegidas: uma alternativa
aos aportes governamentais
em Salvador (BA)
R I C A R D O AU G U S T O S O U Z A M A C H A D O AS MUDANÇAS ocorridas nos padrões de
Doutor em Geografia, pela Universidade
de Santiago de Compostela (USC) e ocupação e uso do solo e a consequente
mestre em Geografia, pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Professor do
fragmentação de habitat, processo no qual
Departamento de Filosofia e Ciências
a cobertura vegetal contínua é converti-
Humanas da Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS). da em ilhas de vegetação cercadas por
[email protected]

R U B É N C A M I LO LO I S G O N Z Á L E S
ambientes desflorestados, construídos ou
Doutor em Geografia pela Universidade modificados (DIDHAM, 2010; GARCIA et al.,
de Santiago de Compostela (USC).
Catedrático de Análise Geográfica 2013), têm sido responsáveis pela limitação
Regional do Departamento de Geografia
da Universidade de Santiago de das condições de vida e de reprodução de
Compostela (USC).
[email protected]
inúmeras espécies. Essas ocorrências con-
tribuem para o aumento das taxas de ex-
tinção e comprometem significativamente
uma série de serviços ecológicos ou ecos-
sistêmicos em nível local (DIAMOND, 1989),
como controle de enchentes, estabilização
do solo contra deslizamentos, manutenção
de microclimas e da qualidade do ar, além
da proteção dos rios e demais corpos hídri-
cos (MILLIKEN, 2018).

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
35
Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

No caso Considerando o importante papel que os serviços ecossistêmicos de-


específico sempenham para o planeta e as condições necessárias à sua realiza-
da cidade de ção, não se pode dissociá-los da presença das áreas naturais protegidas
Salvador, capital (ANP), que são a principal figura jurídica de salvaguarda do patrimônio
do estado da (capital) ambiental do planeta (LOPOUKHINE et al., 2012). Todavia, o
problema dos descontínuos florestais e a ausência de corredores de
Bahia e quarta
dispersão (corredores ecológicos) encarregados de conectar duas ou
maior cidade
mais ANP entre si ainda permanecem como uma questão mal resolvida
do Brasil, a
(BRITO, 2006), notadamente nas zonas urbanas e suburbanas (ADAMS;
quantidade de DOVE, 1989), demandando maiores esforços da administração pública
áreas naturais e da própria sociedade (LI; CHEN; HE, 2015).
protegidas
é bastante Apesar de sua comprovada importância, entre os anos de 1981 e 2012
expressiva foram realizadas 93 alterações de limites em ANP no Brasil, ocasionan-
do uma perda de proteção legal de 5,2 milhões de hectares, conforme
estudo realizado por Bernard, Penna e Araújo (2014), o que corres-
ponde a uma área maior que a da Costa Rica. Essas perdas ocorreram
em 16 estados da Federação e contemplaram tanto áreas rurais como
urbanas. Nesse mesmo artigo os autores estimaram que a manutenção
das ANP existentes teria a capacidade de prevenir a emissão de cer-
ca de 2,8 bilhões de toneladas de carbono, podendo ainda acomodar
aproximadamente 20 milhões de visitantes anuais, com potencial de
geração de receitas da ordem de R$ 2,2 bilhões (US$ 550 milhões) para
os cofres do país.

Historicamente, o Brasil investe poucos recursos em ANP. No ano de


2016, o governo federal reservou R$ 173,7 milhões para a gestão de
320 unidades sob sua responsabilidade (BRASIL, 2015). Segundo estu-
do apresentado por Medeiros e outros (2011), os gastos correntes esti-
mados para alcançar padrões mínimos de gestão efetiva seriam de R$
550 milhões anuais para o sistema federal e de R$ 350 milhões para
o conjunto dos sistemas estaduais. Além disso, seriam necessários R$
600 milhões para investimentos imediatos em infraestrutura e plane-
jamento no sistema federal e R$ 1,2 bilhão nos sistemas estaduais (um
total projetado em R$ 10,8 bilhões em dez anos), tomando como base
de cálculo sistemas consolidados da mesma ordem de grandeza do
brasileiro, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e México. Entretanto,
o montante disponibilizado vem sendo reduzido ano após ano, com R$
370 milhões em 2010, R$ 336 milhões em 2011 e R$ 211 milhões em 2013
(GODOY; LEUZINGER, 2015).

No caso específico da cidade de Salvador, capital do estado da Bahia e


quarta maior cidade do Brasil, a quantidade de áreas naturais protegi-
das é bastante expressiva, existindo atualmente oito unidades efetivas
Bahia anál. dados, (em real funcionamento) de proteção in situ localizadas ao longo de sua
36 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019 área continental (Quadro 1), recobrindo 6.872 hectares, o que repre-
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

senta 24,6% do seu território (sem considerar as ANP de proteção ex As ANP de


situ, marinhas e as ilhas). Essas unidades apresentam alta importância Salvador sofrem
biológica e exercem funções críticas de paisagem, possuindo também com uma série
um considerável valor social e econômico (MACHADO, 2018). de problemas
relacionados
Quadro 1 à supressão
Relação das ANP localizadas no município de Salvador – 2016
da vegetação
Área no
Tipo Nome da UC Jurisdição Lei de criação Ano município nativa,
(1) (ha)
canalização e
P. Integral Parque Metropolitano de Pituaçu Estadual D.E. nº 23.666 1973 392,0
aterro de rios
P. Integral Parque da Cidade Joventino Silva Municipal D.M. nº 4.522 1973 63,8
P. Integral Parque São Bartolomeu Municipal D.M. n° 4.756 1975 78,8 e córregos,
P. Integral Parque do Abaeté Municipal D.M. nº 5.969 1980 290,6 disposição
U. Sustentável APA Lagoas e Dunas do Abaeté Estadual D.E. nº 351 1987 1.241,6 in natura de
U. Sustentável APA Joanes-Ipitanga Estadual D.E. nº 7.596 1999 3.947,0
U. Sustentável APA Bacia do Cobre-São Bartolomeu Estadual D.E. nº 7.970 2001 1.170,6
efluentes
P. Integral Parque Municipal das Dunas Municipal D.M. n° 22.507 2011 270,0 e resíduos
Fonte: Inema/Diruc (2016). Elaborado pelos autores.
(1) Desconsiderando as sobreposições.
sólidos,
especulação
imobiliária e
Apesar de ocuparem uma área significativa, as ANP de Salvador sofrem intervenções
com uma série de problemas relacionados à supressão da vegetação
diversas para
nativa, canalização e aterro de rios e córregos, disposição in natura de
a expansão da
efluentes e resíduos sólidos, especulação imobiliária e intervenções di-
infraestrutura
versas para a expansão da infraestrutura urbana. Isso tem contribuído
para a falência dos sistemas naturais, a redução da qualidade ambiental
urbana
e a diminuição da qualidade de vida da população (MACHADO, 2018;
SANTOS, 2016).

Parte desses problemas tem relação direta com a insuficiência dos re-
cursos financeiros destinados à gestão das ANP, fato que repercute ne-
gativamente na composição quantitativa e qualitativa do corpo técnico
dessas unidades, assim como na estrutura operacional responsável por
garantir o cumprimento dos objetivos de conservação com a realização
dos serviços ecossistêmicos fundamentais para o estabelecimento de
melhores condições ambientais e de sustentabilidade do território (MA-
CHADO, 2018).

Nesse contexto, este artigo procurou avaliar a demanda de recursos


financeiros das ANP localizadas na cidade de Salvador em função de
sua importância biológica e socioeconômica, os valores atualmente re-
passados pelos órgãos responsáveis por sua gestão, assim como alter-
nativas para a geração de receitas (mecanismos de financiamento) que
possam contribuir para a melhoria da qualidade e para a realização dos
objetivos estabelecidos de conservação e preservação dos diferentes
sistemas ambientais contemplados por essas unidades. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
37
Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

No Brasil, PROCEDIMENTOS
utiliza-se o
termo “unidade No Brasil, utiliza-se o termo “unidade de conservação” (BRASIL, 2000)
de conservação” para designar os espaços protegidos por um regime especial de le-
(BRASIL, 2000) gislação que contemplam os elementos de fauna, flora e demais atri-
butos naturais. Trata-se de uma classificação ambígua, pois a própria
para designar
legislação divide as categorias de unidades de conservação em grupos
os espaços
de “preservação” e “conservação”, em função do uso indireto (sem ex-
protegidos por
tração de recursos) ou direto (com extração sustentável de recursos),
um regime respectivamente. Assim, pela lei, uma unidade de conservação pode ser
especial de de preservação (BRASIL, 2000), o que causa certa confusão inicial e
legislação que traz uma grande imprecisão ao termo.
contemplam
os elementos Em função disso, utilizou-se, ao longo deste texto, o termo área natu-
de fauna, ral protegida (ANP), inspirado na denominação usada pela União In-
flora e demais ternacional de Conservação da Natureza (EDMISTON et al., 2014), que
atributos adota a designação “área protegida”. A inserção da palavra “natural”
naturais nessa denominação teve por finalidade diferenciar o termo de outros
que se referem às áreas urbanas, relacionados ao patrimônio artístico e/
ou arquitetônico, aplicados com frequência no Brasil, além de facilitar o
entendimento por meio do significado explícito das palavras emprega-
das. Desse modo, torna-se mais coerente que as áreas naturais protegi-
das estejam divididas em dois grupos distintos – de conservação e de
preservação –, voltados ao amparo da biodiversidade.

Nesse contexto, foram consideradas apenas as ANP continentais de


proteção in situ, avaliadas conforme a metodologia rapid assessment
and prioritization of protected areas management (RAPPAM) (avaliação
rápida e priorização do manejo de áreas protegidas), desenvolvida pela
World Wide Fund for Nature (WWF) (ERVIN, 2003) e utilizada pelos
principais órgãos ambientais brasileiros com a finalidade de comparar,
sob vários aspectos relacionados à gestão, as diferentes áreas naturais
protegidas.

A metodologia original do RAPPAM considera a realização de cinco


etapas no processo de avaliação, sendo elas referenciadas aos seguintes
propósitos:

• Determinação do escopo da avaliação.


• Avaliação das informações existentes sobre as áreas naturais
protegidas.
• Aplicação do questionário para uma avaliação rápida.
• Análise dos dados.
• Identificação dos próximos passos e/ou recomendações.
Bahia anál. dados,
38 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

Diferentemente da metodologia original, a aplicação do questionário O escopo da


de avaliação rápida foi realizada individualmente para cada gestor de avaliação para
ANP e não em oficinas interativas com todos reunidos. Essa escolha este artigo
se deu em função da impossibilidade de ajustar uma agenda comum a consistiu
todos os participantes. Assim, ficou a cargo do entrevistador realizar as nos módulos
ponderações e considerações oportunas, com o objetivo de equilibrar “importância
o máximo possível o critério utilizado por cada entrevistado durante as
biológica”,
respostas. O escopo da avaliação para este artigo consistiu nos módu-
“importância
los “importância biológica”, “importância socioeconômica” e “recursos
socioeco-
financeiros” (ERVIN, 2003), abrangendo o período 2011-2021.
nômica” e
Para a estimativa dos recursos financeiros ideais a serem investidos nas “recursos
ANP, os gestores consideraram o montante imprescindível para a recu- financeiros”
peração de sistemas ambientais que se encontram atualmente degra- (ERVIN, 2003),
dados, investimentos em infraestrutura física, compra de equipamentos, abrangendo
manutenção, contratação de funcionários, desenvolvimento e apoio a o período
pesquisas científicas, além da realização de programas de inclusão so- 2011-2021
cial, cidadania e educação ambiental.

Essas estimativas levaram em consideração o tamanho das unidades, o


atual estado de conservação/preservação das ANP, a dinâmica social e
econômica das áreas de entorno, assim como os principais impactos e
ameaças, referindo-se a um primeiro ano de aporte (esse valor tende a
diminuir na medida em que os problemas sejam resolvidos).

Com relação ao cálculo e à estimativa de aplicação do mecanismo de


financiamento de impostos e sobretaxas, foram utilizados os dados de
embarques e desembarques internacionais por via aérea, provenientes
do Ministério do Turismo (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE TURISMO, 2017),
dados de desembarque por cruzeiros marítimos, da Companhia das Do-
cas do Estado da Bahia (Codeba) e da Superintendência de Fomento
ao Turismo do Estado da Bahia (Bahiatursa). Também da Bahiatursa e
da Secretaria de Turismo do Estado da Bahia (Setur) foram obtidos os
dados referentes à disponibilidade hoteleira e à taxa média de ocupação
dos anos de 2015 e 2016.

Os dados referentes à frota municipal de veículos automotores foram


obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, corresponden-
tes ao ano de 2016, sendo as estimativas de consumo de combustível
elaboradas considerando a quilometragem média de um veículo de
passeio no Brasil utilizada pelas principais seguradoras do mercado
nacional para o cálculo das apólices (15 mil km anuais). Esse mesmo
dado foi replicado para os outros veículos movidos a etanol ou gasoli-
na, como motocicletas e motonetas. Para os veículos movidos a diesel
(comerciais e utilitários) foi utilizado como parâmetro o consumo anual Bahia anál. dados,

de 48 mil km.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
39
Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

A importância Os argumentos para a escolha dos setores turístico e de postos de com-


biológica bustíveis foram baseados nos atrativos ecológicos e paisagísticos que
atribuída as ANP podem oferecer para a exploração sustentável por parte do
às ANP de trade turístico local (SOUZA et al., 2017) e pelo serviço ecossistêmico
Salvador de captura e armazenamento de gases de efeito estufa, especialmente
o dióxido de carbono, proveniente da queima de combustíveis fósseis,
(Gráfico 1) está
considerados uma externalidade negativa passível de mitigação (ME-
pautada espe-
LILLO et al., 2016).
cialmente na
proteção de
ecossistemas RESULTADOS E DISCUSSÕES
locais cuja
abrangência A importância biológica atribuída às ANP de Salvador (Gráfico 1)
tem diminuído está pautada especialmente na proteção de ecossistemas locais cuja
gradativa- abrangência tem diminuído gradativamente, além da realização de
mente, além da funções críticas de paisagem (BARBOSA; NASCIMENTO JÚNIOR,
realização de 2009). Esse conceito envolve a oferta de pontos de descanso para
funções críticas aves migratórias, habitat críticos para a alimentação de espécies sob
de paisagem ameaça, fontes de população para espécies-chave e áreas sazonais,
consideradas sítios relevantes para a reprodução e a sobrevivência de
diversas espécies.

Gráfico 1
Nível de importância biológica das ANP – Salvador – 2016

Pq São Bartolomeu

Parque da Cidade

Parque de Pituaçu

Parque do Abaeté

Parque das Dunas

APA Abaeté

APA Cobre

APA Joanes-Ipitanga

0 20 40 60 80 100
(Importância Biológica %)

Alto Médio Baixo

Fonte: Elaboração própria.

Por estarem localizadas no bioma da mata atlântica, as ANP res-


guardam o que sobrou dos ecossistemas de floresta ombrófila densa
(RÊGO; HOEFLICH, 2001), caracterizados por árvores de folhas largas,
sempre-verdes e de longa duração, bem como mecanismos adapta-
Bahia anál. dados, dos para resistir tanto a períodos de calor extremo quanto de muita
40 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019 umidade (CAMPANILI; SCHAFFER, 2010). Também abrigam ambientes
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

de restinga, um conjunto de comunidades vegetais fisionomicamente Elas


distintas, de influência marinha e fluviomarinha, distribuídas em mo- sobressaem
saico (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 1996), conforme por possuírem
visualizado na Figura 1. um alto valor
educacional
Em geral, as ANP são consideradas de alta importância social e econô- e científico,
mica, conforme visualizado no Gráfico 2. Elas sobressaem por possuírem
sendo
um alto valor educacional e científico, sendo utilizadas com frequência
utilizadas com
por escolas e universidades para o desenvolvimento de aulas de campo
frequência
e pesquisas. Possuem um elevado valor recreativo e características inu-
sitadas de importância estética e paisagística. por escolas e
universidades
para o desen-
Figura 1
A) Floresta ombrófila densa localizada no Parque São Bartolomeu. volvimento de
B) Restinga localizada no Parque das Dunas aulas de campo
e pesquisas

Fonte: Acervo dos autores (2017).

Gráfico 2
Nível de importância socioeconômica das ANP – Salvador – 2016

Pq São Bartolomeu

Parque da Cidade

Parque de Pituaçu

Parque do Abaeté

Parque das Dunas

APA Abaeté

APA Cobre

APA Joanes-Ipitanga

0 20 40 60 80 100
(Importância socio-econômica %)

Alto Médio Baixo

Fonte: Elaboração própria.

Entretanto, a carência de recursos financeiros para as despesas cor-


rentes (Gráfico 3) afeta dois terços das unidades analisadas, sendo os Bahia anál. dados,

valores alocados no período 2011-2016 considerados insuficientes pelos


Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
41
Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

Os parques gestores das ANP. Do mesmo modo, eles projetaram como inadequados
das Dunas, da os recursos previstos para o período 2016-2021. Os parques das Dunas,
Cidade e São da Cidade e São Bartolomeu são as unidades que dispõem de melhor
Bartolomeu são saúde financeira, considerando as despesas atuais. Apesar disso, os va-
as unidades lores investidos acabam sendo suficientes apenas para a manutenção
das atividades e das infraestruturas existentes, não contemplando novos
que dispõem de
investimentos considerados importantes.
melhor saúde
financeira,
Para os gestores das unidades em regime estatal, a falta de autonomia
considerando as financeira para aquisição de novas estruturas e equipamentos, reali-
despesas atuais zação de projetos e contratação de funcionários especializados acaba
sendo um fator determinante para o pouco sucesso das ANP. Essas
unidades não possuem orçamento próprio, sendo suas demandas su-
pridas pelo órgão da administração pública responsável por sua ges-
tão, o que, em geral, não garante o atendimento de todas as demandas.

Gráfico 3
Nível dos recursos financeiros das ANP – Salvador – 2016

Pq São Bartolomeu

Parque da Cidade

Parque de Pituaçu

Parque do Abaeté

Parque das Dunas

APA Abaeté

APA Cobre

APA Joanes-Ipitanga

0 20 40 60 80 100
(Recursos financeiros %)

Alto Médio Baixo

Fonte: Elaboração própria.

Tabela 1
Orçamento anual atual e ideal para a gestão das ANP – Salvador – 2016

ANP Orçamento atual (ano) Orçamento ideal (ano)


em reais
parque São Bartolomeu ND ND
Parque da Cidade ND ND
Parque de Pituaçu ND 12.000.000,00
Parque do Abaeté ND 12.000.000,00
Parque das Dunas 252.000 1.200.000,00
APA Abaeté ND 536.000,00
APA Cobre ND 1.800.000,00
APA Joanes-Ipitanga ND 2.500.000,00
Total ideal para o sistema (ano) 30.036.000
Bahia anál. dados,
42 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
Fonte: Elaboração própria.
Nota: ND = Não divulgado.
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

Na Tabela 1 encontram-se as projeções orçamentárias realizadas por Considerando


cada gestor, considerando os elementos adequados para uma admi- o período
nistração mais eficiente. 2014-2015,
mais da metade
Os baixos investimentos realizados refletiram de forma direta no baixo das ANP
índice dos resultados alcançados (Gráfico 4). Considerando o período apresentaram
2014-2015, mais da metade das ANP apresentaram baixos índices de
baixos índices
eficiência, demonstrando que, para o cumprimento dos objetivos de
de eficiência,
conservação estabelecidos, as unidades necessitam de aportes finan-
demonstrando
ceiros consistentes. Essa afirmação é ratificada pela alta correlação de
0,88 verificada entre o nível dos recursos financeiros e os resultados que, para o
alcançados, conforme se vê no Gráfico 5. cumprimento
dos objetivos
de conservação
Gráfico 4
Nível dos resultados alcançados pelas ANP – Salvador – 2016 estabelecidos,
as unidades
Pq São Bartolomeu
necessitam
Parque da Cidade
de aportes
Parque de Pituaçu
financeiros
Parque do Abaeté
consistentes
Parque das Dunas

APA Abaeté

APA Cobre

APA Joanes-Ipitanga

0 20 40 60 80 100
(Resultados %)

Alto Médio Baixo

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 5
Correlação entre o nível dos recursos financeiros e o nível dos resultados alcançados
pelas ANP de Salvador, conforme estabelecido no plano de gestão de cada unidade – 2016

100

80

60

40 y = 0,7691x + 15,016
R2 = 0,87732
20

0
0 20 40 60 80 100

Fonte: Elaboração própria.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
43
Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

O Parque das Os parques São Bartolomeu e da Cidade, geridos, respectivamente, pela


Dunas foi a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) e
unidade mais pela Prefeitura Municipal de Salvador, sofreram significativas reformas
bem avaliada em seus equipamentos e demais estruturas físicas, contando também
em todos com aportes relevantes em pessoal e segurança, realizados no período
de referência para esta avaliação, o que determinou resultados bastante
os quesitos
positivos, mas que precisam ser examinados em médio e longo prazo.
relacionados à
gestão
O Parque das Dunas foi a unidade mais bem avaliada em todos os que-
sitos relacionados à gestão. É também a única ANP a funcionar em um
modelo de concessão (transferência administrativa por prazo determi-
nado), sendo gerida pela organização não governamental Universidade
Livre das Dunas e Restingas de Salvador (Unidunas), uma organização
da sociedade civil de interesse público (OSCIP) criada com o intuito
de preservar o ecossistema de dunas, lagoas e restingas localizado na
APA Abaeté.

Examinando a composição desse indicador e considerando apenas os


resultados totalmente alcançados, pode-se verificar, no Quadro 2, que
três das oito ANP não apresentaram resultados efetivos no período
2014-2015 (parques de Pituaçu e Abaeté e APA Abaeté). A APA do Co-
bre logrou como resultado apenas a realização de ações educacionais
na comunidade, e a APA Joanes-Ipitanga teve seus esforços reconhe-
cidos na capacitação de recursos humanos e avaliação de funcionários
(tem apenas como funcionário dedicado a figura do próprio gestor), o
que é muito pouco em termos de preservação, conservação ambiental
e desenvolvimento.

Segue-se daí outra constatação importante: as ANP sob a responsa-


bilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, órgão do
governo estadual (ainda que isso não esteja completamente ajustado no
campo jurídico, mas ocorrendo no campo prático), obtiveram um nível
baixo ou muito baixo (inferior a 50% do intervalo de classe) de resulta-
dos. Isso indica, no mínimo, a necessidade de uma revisão do modelo de
gestão em curso e da forma como os recursos financeiros são alocados.

Em linhas gerais, existem atualmente cinco modalidades de financia-


mento para áreas naturais protegidas no Brasil (Quadro 3), sendo elas,
conforme Spergel (2002), Godoy e Leuzinger (2015), as seguintes:

• Alocações anuais do orçamento do governo.


• Taxas pagas por usuários, taxas ambientais destinadas aos par-
ques e à conservação da natureza.
• Concessões e impostos pagos por operadores de negócios que
Bahia anál. dados, atuam dentro dessas áreas, por meio de albergues para visitantes,
44 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019 lojas e operadores de turismo, entre outras atividades.
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

• Verbas e doações de indivíduos, corporações, fundações, ONGs No caso


e agências internacionais de doação, em geral com a criação de específico de
fundos especiais. Salvador, há
• Vendas diretas de produtos, bens e serviços produzidos ou certi- um potencial
ficados dentro das ANP. ainda não
explorado para
Dentre esses dispositivos, um dos mais importantes é a aplicação de
subsidiar o
impostos e sobretaxas, amplamente utilizada por muitos países como
financiamento
forma de aumentar os investimentos em conservação e preservação
de ações nas
ambiental (DIEFENDORF et al., 2012). Os recursos obtidos nessa mo-
dalidade são depositados em um fundo específico criado exclusiva- áreas naturais
mente para esse fim, e os usuários podem acompanhar, por meio de protegidas
demonstrativos regulares, os valores arrecadados e em que eles estão
sendo investidos (LOCKWOOD; WORBOYS; KOTHARI, 2006).

No caso específico de Salvador, há um potencial ainda não explorado


para subsidiar o financiamento de ações nas áreas naturais protegidas, o
que efetivamente poderia mudar o patamar dos resultados alcançados
em sua gestão. Como exemplo hipotético de aplicação desse instrumen-
to foram considerados os setores turísticos (transportes e hospedagens)
e de postos de combustíveis como potenciais geradores de receitas
para a consolidação de um sistema municipal de ANP.

Quadro 2
Resultados alcançados pelas ANP de Salvador no período 2014-2015
ANP
APA Joanes-
Bartolomeu

Ações coerentes com as ameaças, pressões,


APA Abaeté
Parque das

APA Cobre
Parque do
Parque da

Parque de

objetivos e plano de trabalho da ANP


Ipitanga
Pituaçu

Abaeté
Cidade
Pq São

Dunas

Prevenção, detecção de ameaças e


aplicação da lei   •     •      
Restauração do local e ações mitigatórias • •            
Manejo da vida silvestre ou de habitat •       •      
Divulgação e ações educacionais na
comunidade • •     •   •  
Controle de visitantes e turistas         •      
Desenvolvimento da infraestrutura • •     •      
Planejamento de manejo e elaboração de
inventários   •     •      
Monitoramento, supervisão e avaliação de
funcionários • •     •     •
Capacitação e desenvolvimento de
recursos humanos • •           •
Pesquisa e monitoramento de resultados •       •      
Bahia anál. dados,
Fonte: Elaboração própria. Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
45
Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

Essa cobrança Quadro 3


Exemplos de mecanismos de financiamento para ANP
poderia ser
Mecanismo financeiro Exemplo de aplicação
estendida aos
Impostos e sobretaxas de gás, petróleo, combustíveis, mineração, carvão
passageiros Impostos e
Sobretaxa de hotel
sobretaxas
que desem- Sobretaxa do porto/aeroporto para turistas
barcassem por Taxas de entrada da área protegida (incluindo passaportes do parque e taxas
de entrada direta)
via marítima Taxas legais compensatórias
provenientes Permissões, taxas e Bioprospecção

de cruzeiros licenças Licenças recreativas


Uso do logotipo por corporações
nacionais e Pagamentos por serviços ecossistêmicos (por exemplo, água, carbono)
internacionais Taxas de concessão
Fundos nacionais
Fundos multilaterais
Fundos
Fundos bilaterais
governamentais
Swaps de dívida por natureza
Fundos de crédito
Doações pessoais
Doações corporativas
Doações, voluntários Doações de drop-box (tanto no site como fora do site)
e compartilhamento Trabalho voluntário ou mediante contrapartidas (pesquisas científicas)
de custos Partilha de custos, incluindo a cogestão com ONGs e empresas
Sobretaxas voluntárias (contribuições voluntárias em estabelecimentos
comerciais)
Vendas diretas Venda de produtos, bens e serviços da área protegida
Fonte: Adaptado de Ervin e outros (2010).

No segmento turístico, os dados disponíveis para o setor aéreo regis-


traram um número total de embarques e desembarques internacionais
na ordem de 320.660 passageiros em 2016, de acordo com o Ministério
do Turismo (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE TURISMO, 2017). Caso fosse
atribuída a mesma contribuição de US$ 3,75 (equivalentes hoje a cerca
de R$ 15,00) adotada por Belize no ano de 1996 como sobretaxa para
custear os projetos de preservação e conservação das suas áreas natu-
rais protegidas, como destacado por Spergel (2002), Diefendorf e ou-
tros (2012), seria gerada uma receita extra de R$ 4.809.900,00 anuais.

Essa cobrança poderia ser estendida aos passageiros que desembarcas-


sem por via marítima provenientes de cruzeiros nacionais e internacionais,
estimados em 155 mil na temporada 2016/2017, conforme dados da Com-
panhia das Docas da Bahia (Codeba) e da Superintendência de Fomento
ao Turismo do Estado da Bahia (Bahiatursa), apurados em reportagem
realizada pelo portal G1 em 22 de novembro de 2016. Em termos de ar-
recadação, haveria o incremento de R$ 2.325.000,00 em novas receitas.

Seria ainda possível acrescentar a esses valores uma tarifa sobre hos-
pedagem, cobrada para cada hóspede por diária de hotel ou estabele-
Bahia anál. dados, cimento equivalente. Contando-se com uma rede de aproximadamente
46 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019 37.400 leitos (Bahiatursa, 2016), levando-se em consideração uma taxa
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

de ocupação média de 51% no mesmo período (SETUR, 2015) e se esti- Para o setor de
pulando o valor de R$ 1,00 (US$ 0,25) por leito/noite, seriam arrecada- combustíveis,
dos mais R$ 6.962.010,00 anuais. a aplicação
de uma taxa
Para o setor de combustíveis, a aplicação de uma taxa ambiental mínima ambiental
pode se configurar como um alerta para o consumo consciente (SIL- mínima pode
VA; SANTOS; ARAÚJO, 2012) e um estímulo ao uso de meios públicos
se configurar
de transporte mais sustentáveis (CARVALHO, 2016). Outras sobretaxas
como um alerta
também poderiam ser aplicadas por conta das externalidades (custo
para o consumo
suportado por alguém que não concorda com a atividade que causou
esse custo) geradas pelos transportes individuais e pelo uso de matrizes consciente
fósseis, como o petróleo, por exemplo (MACIEL, 2012). A diminuição
da qualidade do ar, a poluição sonora e o aumento das ilhas de calor
nos centros urbanos causadas pelo grande fluxo de veículos são ex-
ternalidades criadas pela adoção de meios privados de transporte que
interferem severamente na vida das pessoas e demandam grandes in-
vestimentos do poder público para a sua mitigação (GARTLAND, 2010).

No ano de 2016, Salvador contava com uma frota de 865.932 veículos


(IBGE, 2016), classificados em diferentes categorias segundo o porte
e o tipo de utilização. Esses veículos somados consumiram mais de 1,5
bilhão de litros de combustíveis (Tabela 2) e depositaram cerca de 3,5
milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, considerando como valor
de referência 2,085 kgCO2/litro, média baseada no cálculo de emissões
realizado por Ferraz, John e Bessa (2010). Considerando-se a sobreta-
xa mínima de um centavo de real por litro (US$ 0,0025), seria possível
projetar uma arrecadação anual de R$ 16.089.728,00.

Tabela 2
Consumo anual de combustíveis por tipo de veículo e estimativa de arrecadação por
meio de sobretaxa – 2016
Consumo Km Consumo Litros por Imposto
Tipo de veículo Quantidade médio média litros/ano tipo veículo por litro R$ ano
(km/l) ano em R$
Automóvel 573.138 10 15.000 1.500 859.707.000 0,01 8.597.070,00
Caminhão 18.041 6 48.000 8.727 157.448.727 0,01 1.574.487,00
Caminhão trator 2.803 3 48.000 19.200 53.817.600 0,01 538.176,00
Caminhonete 60.899 10 15.000 1.500 91.348.500 0,01 913.485,00
Camioneta 42.246 6 15.000 2.500 105.615.000 0,01 1.056.150,00
Micro-ônibus 4.375 5 48.000 9.600 42.000.000 0,01 420.000,00
Motocicleta 122.555 30 15.000 500 61.277.500 0,01 612.775,00
Motoneta 8.696 40 15.000 375 3.261.000 0,01 32.610,00
Ônibus 9.103 3 48.000 16.000 145.648.000 0,01 1.456.480,00
Utilitário 11.719 8 48.000 6.000 70.314.000 0,01 703.140,00
Outros (1) 12.357 10 15.000 1.500 18.535.500 0,01 185.355,00
Total
Litros/ Total
Total 865.932 - - Ano 1.608.972.827 R$/Ano 16.089.728,00
Fontes: IBGE (2016), Ferraz, John e Bessa (2010), Universidade Federal de Viçosa (2015), pesquisa de campo (2017). Bahia anál. dados,
Elaboração própria.
(1) Não especificado. Utilizadas as mesmas variáveis dos automóveis.
Salvador, v. 29, n. 2,
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Mecanismo financeiro de impostos e sobretaxas para o custeio de áreas naturais protegidas: uma alternativa aos aportes
Artigos governamentais em Salvador (BA)

No campo Considerando-se as receitas obtidas com impostos e sobretaxas oriun-


da ecologia, das do setor turístico e do mercado de postos de combustíveis, o
as ANP são, município obteria, unicamente com esse mecanismo financeiro, uma
comprova- arrecadação anual em torno dos R$ 30 milhões (cerca de US$ 7,5 mi-
damente, lhões em cotação atual), o que significaria um orçamento médio de
R$ 3.750.000,00 por ANP, havendo ainda espaço para a introdução
a principal
dos outros quatro mecanismos (permissões, taxas e licenças; fundos
estratégia
governamentais; doações, voluntários e compartilhamento de custos;
mundial de
vendas diretas). Contudo, apenas a aplicação do mecanismo de taxas
proteção da e impostos a esses dois segmentos econômicos seria suficiente para
biodiversidade atender ao orçamento anual previsto pelos gestores de seis das oito
e do reconheci- unidades avaliadas.
mento ético do
direito que as
demais espécies CONCLUSÃO
têm sobre o
planeta Existem atualmente sérios questionamentos sobre a capacidade de
adaptação das comunidades biológicas (incluindo a espécie humana)
ao ritmo de mudanças que o planeta eventualmente irá experimentar,
decorrentes da profunda alteração promovida pelas atividades antró-
picas nos sistemas ecológicos, e as consequentes repercussões sobre
o clima, que, por conta da escala de análise temporal e da insuficiência
de séries históricas de dados, podem estar sendo subestimadas (BAR-
TON, 2009; GIULIO; MARTINS; LEMOS, 2016; MILLAR; STEPHENSON;
STEPHENS, 2007; RIBEIRO; SANTOS, 2016).

No campo da ecologia, as ANP são, comprovadamente, a principal es-


tratégia mundial de proteção da biodiversidade e do reconhecimento
ético do direito que as demais espécies têm sobre o planeta. Garantir
uma maior diversidade de espécies e de produtividade significa manter
ecossistemas mais estáveis e sustentáveis, capazes de resistir às pertur-
bações ambientais, como períodos prolongados de seca ou mesmo de
mudanças climáticas (MILLER; SPOOLMAN, 2013).

Nos centros urbanos, além das funções ecológicas que desempenham,


as áreas naturais protegidas cumprem uma importante função social,
na medida em que atendem às necessidades relacionadas ao lazer e
ao bem-estar, do mesmo modo que ajudam a promover em seus es-
paços experiências nos campos da educação, ciência e cultura, como
no caso de Salvador.

Economicamente, entretanto, elas ainda carecem de maior conhecimen-


to prático (know-how) que as torne aptas a gerar receitas para a sua
própria manutenção e para a população residente dentro ou no entorno
Bahia anál. dados, de seus limites. No caso em estudo, as práticas atuais de administração
48 Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019 financeira são comprovadamente incapazes de propiciar o manejo efeti-
Ricardo Augusto Souza Machado, Rubén Camilo Lois Gonzáles Artigos

vo das ANP. Dentre as questões que mais impactam a gestão, a ausência Assim, são
de autonomia orçamentária e de uma contabilidade transparente por recomendadas
parte dos órgãos públicos é uma das mais importantes. mudanças
na estrutura
Assim, são recomendadas mudanças na estrutura organizacional do es- organizacional
tado e da prefeitura municipal para que as unidades passem a contar do estado e
com alguma autonomia administrativa e financeira, objetivando propi-
da prefeitura
ciar maior agilidade e capacidade de resposta com relação aos proble-
municipal
mas, demandas e ações vinculadas ao desenvolvimento de cada unida-
para que as
de e à atuação destas junto às comunidades locais e aos demais agentes
produtores do espaço urbano. unidades
passem a
O desenvolvimento de mecanismos financeiros, portanto, é de grande contar com
relevância para a capitalização de recursos e a viabilização de proje- alguma
tos, assim como para a formação de equipes técnicas especializadas autonomia
em cada unidade, em função de suas demandas imediatas e das ações administrativa
relacionadas ao planejamento nos diferentes horizontes temporais, e financeira
visando também à criação de uma cultura organizacional voltada para
os resultados.

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Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.34-53, jul.-dez. 2019
53
RESUMO

Fundamentada no paradigma da sustentabilidade, a Lei Federal n° 9.433, de


1997, estabelece a gestão das águas como elemento essencial ao planeja-
mento urbano, por meio da sua diretriz de ação referente à articulação en-
tre as gestões de recursos hídricos e do uso do solo. No Estatuto da Cidade,
orientado pela Lei Federal nº 10.257, de 2001, o plano diretor é o principal
instrumento de planejamento da política de desenvolvimento urbano e parte
integrante do processo de planejamento municipal. Promover a integração
entre a gestão das águas e os setores de planejamento urbano tem sido visto
como fundamental para garantir a sustentabilidade e a resiliência das cidades.
Assim, este trabalho objetivou discutir as bases teóricas e os planos jurídicos
sobre enfoque integrado do planejamento urbano, evidenciando a importân-
cia da relação entre as gestões das águas e de uso do solo para identificação
de um instrumento de planejamento e gerenciamento racional do território
em âmbito local. Como resultado, considera-se que o zoneamento ambiental
é uma ferramenta de organização do território com enfoque integrado e deve
ser elaborado pelas cidades através de seus planos diretores, sendo identifi-
cado como capaz de assegurar a qualidade ambiental e dos recursos hídricos.
Palavras-chave: Recursos hídricos. Planejamento urbano. Zoneamento ambiental.

ABSTRACT

Based on the sustainability paradigm, Federal Law No. 9,433 of 1997


establishes water management as an essential element for urban planning,
through its action guideline on the articulation of water resources management
with the management of water use. soil. In the City Statute, guided by Federal
Law No. 10,257 of 2001, the Master Plan is the main instrument for planning
urban development policy, and an integral part of the municipal planning
process. Promoting integration between water management and urban
planning sectors has been seen as key to ensuring the sustainability and
resilience of cities. Thus, this paper aimed to discuss the theoretical bases
and legal plans on an integrated approach to urban planning, highlighting
the importance of the relationship between water management and land
use in identifying a rational planning and management tool at the local
level. As a result, environmental zoning is a territorial organization tool to
be elaborated by cities through their Master Plans, identified as capable of
ensuring environmental and water resources quality, being characterized as
a tool for urban planning with focus integrated.
Keywords: Water resources. Urban planning. Environmental zoning.
Artigos

Sustentabilidade de cidades
no contexto da integração
entre a gestão de recursos
hídricos e o planejamento
urbano territorial
S A N D R A L I M A D O S S A N TO S A ÁGUA é um recurso vital, limitado, sujeito
Especialista em Geotecnologias, pela
Escola de Engenharia de Agrimensura a demandas conflitantes e exposto a múlti-
(EEA) e mestranda em Gestão e
Regulação de Recursos Hídricos, pela plas fontes de poluição. Sendo assim, a ges-
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
tão de recursos hídricos em regiões densa-
[email protected]

VIVIAN DE OLIVEIR A FERNANDES mente habitadas tem sido um dos principais


Doutora e mestre em Engenharia Civil, campos de desenvolvimento do enfoque
pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Professora do Mestrado integrado do planejamento urbano. Promo-
Profissional em Rede Nacional em Gestão
e Regulação de Recursos Hídricos da ver a integração entre a gestão de recursos
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[email protected] hídricos e os setores de planejamento urba-
Y V O N I L D E DA N TA S P I N TO M E D E I R O S no é essencial para garantir a sustentabilida-
Doutora em Hidrologia, pela Newcastle
de e a resiliência das cidades. Dessa forma,
University (NCL) e mestre em Hidráulica
e Saneamento, pela Universidade é necessária a aplicação dos aspectos legais
de São Paulo (USP). Professora do
Mestrado Profissional em Rede Nacional do sistema de gestão das águas nos pro-
em Gestão e Regulação de Recursos
Hídricos da Universidade Federal da cessos de planejamento urbanos, incluindo
Bahia (UFBA).
[email protected] a premissa da dimensão ambiental (BROM-
BAL; MORIGGI, 2017; SERRAO-NEUMANN
et al., 2017).

A Política Nacional de Recursos Hídricos


(PNRH), por meio da Lei Federal nº 9.433,
de 1997, estabelece diretrizes de ações para
sua implementação, dentre elas, a pro-
moção da articulação entre as gestões de
recursos hídricos e do uso do solo.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
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Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

O presente Essa normativa complementa que as cidades têm a competência de


artigo buscou possibilitar a integração das ações locais de uso do solo com as políticas
analisar a federal e estadual de recursos hídricos. O plano diretor de cidades é o
integração principal instrumento de planejamento da política de desenvolvimento
entre as gestões e de expansão urbana, conforme estabelecido na Lei Federal nº 10.257,
de 2001, referente à Política Nacional Urbana (PNU), com potencial de
das águas e de
aplicação dos objetivos e diretrizes no âmbito do sistema de gestão das
uso do solo no
águas (BRASIL, 1997, 2001).
planejamento
urbano de A gestão do uso do solo, ou seja, o planejamento urbano entendido de
cidades, forma racional e organizado, requer a integração de várias disciplinas,
evidenciando entre elas as relacionadas à dimensão hidrológica. O reconhecimento
a importância das variáveis hidrológicas e ambientais no sistema é essencial para re-
da articulação duzir os impactos da urbanização nos recursos hídricos e aumentar a
entre essas sustentabilidade dos sistemas urbanos. Neste aspecto, a integração da
políticas gestão das águas com o planejamento urbano tem levado à criação de
um novo campo organizacional, girando em torno da questão do de-
senvolvimento sustentável das áreas urbanas, com aspectos regulató-
rios e normativos distintos (RUFINO et al., 2009; SERRAO-NEUMANN
et al., 2017).

A identificação de instrumentos de planejamento e gerenciamento


mais satisfatórios e de mudanças necessárias na governança e nos ar-
ranjos institucionais conducentes à integração é a base para o alcance
de melhores resultados na redução dos problemas relacionados aos
impactos do desenvolvimento urbano sobre os recursos hídricos. Mo-
delos que consideraram as cidades e sua infraestrutura hídrica como
sistemas interligados constituem ferramentas integradas de planeja-
mento que permitem às partes interessadas testar possíveis estraté-
gias e medidas para planejar diante das incertezas do futuro. Tais ferra-
mentas devem ser usadas durante processos de planejamento urbano
e traduzidas em tomadas de decisão efetivas (AGUDELO-VERA et al.,
2011; RAUCH et al., 2017).

Neste panorama, o presente artigo buscou analisar a integração entre as


gestões das águas e de uso do solo no planejamento urbano de cidades,
evidenciando a importância da articulação entre essas políticas para a
identificação de um instrumento de planejamento e gerenciamento ra-
cional do território em âmbito local, destinado à proteção dos sistemas
hídricos e ao aumento da sustentabilidade dos sistemas urbanos. Para
tanto, utilizou-se o método de pesquisa documental descritiva, partindo
da análise documental das bases teóricas e dos planos jurídicos sobre o
enfoque integrado do planejamento urbano.

Bahia anál. dados,


56 Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

GESTÃO DAS ÁGUAS E DE USO DO SOLO NO Dentre os


PLANEJAMENTO URBANO principais
paradigmas
A Política Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional da Política
Urbana Nacional de
Recursos
No Brasil, a norma legal que institui a Política Nacional de Recursos Hí-
Hídricos
dricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
destinados
(SNGRH) – Lei Federal nº 9.433, de 1997 – estabelece entre suas diretrizes
ao alcance da
gerais de ação, dispostas em seu terceiro artigo, que a implementação
da Política Nacional de Recursos Hídricos deve promover a integração sustentabili-
entre as gestões de recursos hídricos e ambiental, bem como a articula- dade e da gestão
ção da gestão de recursos hídricos com a de uso do solo (BRASIL, 1997). integrada,
podem-se
O Capítulo VI da Política Nacional de Recursos Hídricos, também de- mencionar a
nominada Lei das Águas, dispõe que concerne aos poderes executivos conceituação da
estaduais e do Distrito Federal, na sua esfera de competência, promover água como um
a integração entre as gestões de recursos hídricos e ambiental, acres- recurso natural
cendo aos poderes executivos do Distrito Federal e dos municípios a limitado
competência precípua de possibilitar a integração das políticas locais
de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as
políticas federal e estaduais de recursos hídricos (BRASIL, 1997).

Fundamentados no paradigma da sustentabilidade, os Princípios de Du-


blin – marco importante sobre as águas, acordado na reunião prepara-
tória para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento, conhecida como Eco-92 – explicitam que a gestão
eficaz dos recursos hídricos requer um enfoque integrado, capaz de
oferecer oportunidades de preservação ao meio ambiente e a disponi-
bilização de seus benefícios de forma sustentável. O documento ressalta
ainda que a gestão pública deve avaliar suas capacidades de forma a
implementar a gestão integrada de recursos hídricos (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992).

Nesse aspecto, dentre os principais paradigmas da Política Nacional de


Recursos Hídricos destinados ao alcance da sustentabilidade e da ges-
tão integrada, podem-se mencionar a conceituação da água como um
recurso natural limitado, dotado de valor econômico; a gestão voltada
para proporcionar o uso múltiplo das águas; a bacia hidrográfica como
unidade territorial de planejamento; a disponibilidade de água em pa-
drões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racio-
nal e integrada dos recursos hídricos; e a combinação de instrumentos
técnicos (planos diretores), jurídicos (outorga), político-institucionais
(comitês) e econômico-financeiros (cobrança) (BRASIL, 1997).
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
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Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

Como gestão A integração1 entre a gestão de recursos hídricos e os setores de plane-


integrada jamento urbano tem sido vista como essencial para garantir a sustenta-
dos recursos bilidade e a resiliência das cidades. Como gestão integrada dos recursos
hídricos se hídricos se entende as políticas, planos, programas e atividades que le-
entende as vem em conta as inter-relações entre o crescente desenvolvimento eco-
nômico e a disponibilidade das águas. A integração entre as atividades
políticas,
setoriais que impactam os recursos hídricos (uso e ocupação do solo
planos,
nas cidades e seu crescimento, indústrias, aproveitamentos hidrelétri-
programas
cos, dentre outros) faz-se necessária mediante a coordenação das insti-
e atividades tuições governamentais e não governamentais que são responsáveis ou
que levem em que atuam na gestão territorial e dos recursos hídricos (PIZELLA, 2015;
conta as inter- RUFINO et al., 2009; ULIAN; CARTES; LIMA, 2017).
-relações entre
o crescente Nesse contexto, o planejamento urbano entendido de forma racional e
desenvol- organizada, em que a distribuição e a adaptação de espaço físico têm
vimento o objetivo de proporcionar e manter condições dignas de vida para
econômico e a todos os envolvidos, deve alicerçar-se na integração de várias discipli-
disponibilidade nas, entre elas as relacionadas aos recursos hídricos. O planejamento
das águas que considera as variáveis hidrológicas evita os problemas relaciona-
dos aos impactos do desenvolvimento urbano sobre esses recursos.
É necessário um planejamento integrado e dinâmico, a monitorização
e a aplicação dos aspectos legais nos processos urbanos, incluindo a
dimensão ambiental e dos recursos hídricos (RUFINO et al., 2009; SER-
RAO-NEUMANN et al., 2017).

A Política Nacional Urbana tem como fundamento a Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988, estabelecendo a política de
desenvolvimento urbano, que tem por objetivo ordenar o pleno desen-
volvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes. No âmbito das competências, a Constituição delega
aos municípios um papel importante na gestão pública, que inclui, den-
tre outros, o privilégio de legislar sobre assuntos de interesse local, bem
como promover o adequado ordenamento territorial (BRASIL, 1988).

Na Constituição do Brasil, os três entes da Federação (União, estados


e municípios) possuem atribuições legais e de fiscalização em caráter
complementar ou suplementar. Responsável pela política urbana de or-
denamento territorial que regulamenta os usos e ocupações do solo, o
município possui um importante papel na gestão sustentável de suas
águas, com autonomia para o estabelecimento das diretrizes ambien-
tais em sua esfera de competência (BRASIL, 1988). Nesse sentido, a

1 A integração ou gerenciamento integrado reconhece “processos não-lineares e conectividade


entre problemas” em um contexto gerencial. Desta forma, a gestão integrada de recursos
hídricos pode ser definida como abrangendo a “direção efetiva de cada aspecto de uma ação, de
Bahia anál. dados,
58 Salvador, v. 29, n. 2,
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modo que as necessidades e expectativas de todas as partes interessadas sejam equitativamente
satisfeitas pelo melhor uso de todos os recursos” (DICKIE et al., 2010, p. 23).
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

Constituição do Brasil eleva o município à condição de ente federativo, Dada a


a exemplo da União, dos estados e do Distrito Federal, constituindo necessidade de
esfera privilegiada para o entendimento das demandas dos cidadãos regulamentar
(CARNEIRO et al., 2010; PERES; SILVA, 2013). os objetivos
e incluir a
Dessa forma, dada a necessidade de regulamentar os objetivos e incluir temática
a temática ambiental na Política Nacional Urbana, surgiu o Estatuto da
ambiental
Cidade, orientado pela Lei Federal nº 10.257, de 2001. Trata-se do re-
na Política
gulamento legal que estabelece normas de ordem pública e interesse
Nacional
social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coleti-
vo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio Urbana, surgiu
ambiental. Dentre os principais paradigmas da política urbana estão: o Estatuto
da Cidade,
Garantia do direito a cidades sustentáveis; planejamento do desen- orientado pela
volvimento das cidades, de modo a evitar e corrigir as distorções do Lei Federal nº
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; 10.257, de 2001
ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e a
degradação ambiental; adoção de expansão urbana compatível com os
limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica sob a área de
influência do município; proteção, preservação e recuperação do meio
ambiente natural e construído. (BRASIL, 2001, art. 2).

Nesse contexto, um dos maiores desafios do planejamento urbano é


equilibrar o uso de recursos naturais com a necessidade de preservá-los.
A integração da gestão das águas como ferramenta de planejamento
urbano parece ser uma metodologia apropriada para um planejamento
adequado. Desse modo, a lei da Política Nacional Urbana estabelece
a responsabilidade municipal pelo equilíbrio ambiental e, por meio de
suas diretrizes gerais de ação, determina a promoção de um adequado
ordenamento territorial, a ser executado pelas cidades mediante plane-
jamento e controle do uso do solo urbano, para a salvaguarda do direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e preservado para as
presentes e futuras gerações.

As cidades têm o potencial de experimentar novos projetos para a sus-


tentabilidade. O conceito de cidade inteligente tem sido uma aborda-
gem eficaz para alcançar uma melhor gestão do planejamento urbano.
Nesse aspecto, a integração dos serviços municipais com outros subsis-
temas deve ser realizada por meio de ações-chave, incluindo o planeja-
mento racional das infraestruturas municipais e o estabelecimento e a
melhoria do mecanismo de ação prolongada, mediante o desempenho
efetivo da função gerencial da cidade. O próprio planejamento urbano
deve se tornar um novo aparato para a governança ambiental, devendo
as cidades atuar como unidades empreendedoras quase autônomas,
em que os governos locais e os principais interessados, com incentivos Bahia anál. dados,
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p.54-75, jul.-dez. 2019
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Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

O objetivo robustos, podem acoplar as ações ambientais à competitividade eco-


primordial, nômica (BROMBAL; MORIGGI, 2017; WU et al., 2018).
dentro do
conceito Do ponto de vista da gestão da água, as mais importantes competências
de cidades municipais são aquelas relacionadas à prestação de serviços públicos
baseados no planejamento do uso da terra e da água2. Dessa forma, os
sustentáveis,
municípios desempenham um papel duplo, ou seja, por um lado, são
é tornar
grandes usuários institucionais das águas e, por outro, são promotores,
os espaços
orientadores e administradores do desenvolvimento socioeconômico
urbanos lugares em nível local. Com isso, suas decisões afetam significativamente os
mais verdes e sistemas naturais e sociais e, por consequência, os usos das águas (JOU-
saudáveis para RAVLEV, 2003; SERRAO-NEUMANN et al., 2017).
seus habitantes,
com susten- O objetivo primordial, dentro do conceito de cidades sustentáveis, é
tabilidade e tornar os espaços urbanos lugares mais verdes e saudáveis para seus
viabilidade habitantes, com sustentabilidade e viabilidade econômica, estabilida-
econômica, de social e uso inteligente dos recursos, protegendo o meio ambiente
estabilidade natural. As cidades evoluem de maneira complexa, exibindo diversos
social e uso padrões, com aglomeração e intensa competição por espaço. Mais da
inteligente metade da população mundial vive em áreas urbanas, e essa fração
dos recursos, tende a aumentar para quase 60% até 2030 e 70% até 2050. Devido
à rápida urbanização e ao aumento dos padrões de vida, a susten-
protegendo o
tabilidade ambiental das cidades torna-se cada vez mais relevante,
meio ambiente
exigindo que a integração do gerenciamento de recursos naturais no
natural
planejamento urbano seja o fator-chave para o desenvolvimento ur-
bano em bases sustentáveis (AGUDELO-VERA et al., 2011; SERRAO-
-NEUMANN et al., 2017).

Como consequência, os planejadores precisam de ferramentas para


entender cidades e regiões como sistemas ambientais que são parte
de redes locais e regionais. Tais ferramentas devem ser usadas por
diferentes partes interessadas durante processos de planejamento ur-
bano e traduzidas em tomadas de decisão efetivas. É necessário, para
o efetivo cumprimento da legislação, um acompanhamento integrado
e dinâmico dos processos urbanos, incluindo a dimensão ambiental e,
dentro dela, a água como recurso natural (BROMBAL; MORIGGI, 2017;
RUFINO et al., 2009).

Sendo assim, é fundamental a integração das políticas de recursos hídri-


cos com as de uso e ocupação de solo, principalmente no que tange aos

2 Em muitos lugares, a gestão de recursos hídricos é realizada sem considerar a perspectiva inte-
grada. Por exemplo, é comum encontrar agências governamentais trabalhando separadamente
e independentemente para gerenciar o abastecimento e a distribuição de água, águas residuais
e águas pluviais. Além disso, as decisões e o planejamento do uso da terra com implicações para
Bahia anál. dados,
60 Salvador, v. 29, n. 2,
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a qualidade e disponibilidade da água frequentemente não são realizados em associação com o
planejamento e manejo de recursos hídricos (JOURAVLEV, 2003).
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

planejamentos comuns de instituições. Cada vez mais é preciso aumen- Na Política


tar a capacidade governativa, criando estímulos ou incentivos para que Nacional
os governos locais assumam maiores responsabilidades no processo Urbana, o
de implementação da política de gestão das águas. Nesse contexto, plano diretor
a atual gestão de recursos hídricos no Brasil surge com o princípio da é o principal
integração, além da descentralização e da participação, estruturando, instrumento de
orientando e modernizando a gestão dos recursos hídricos.
planejamento
da política
O plano diretor municipal e o plano de recursos hídricos
de desenvol-
A lei da Política Nacional Urbana apresenta, no seu Capítulo II, diversos vimento e
instrumentos, dentre os quais o planejamento municipal, em especial o de expansão
plano diretor, o disciplinamento do parcelamento, do uso e da ocupa- urbana
ção do solo e o zoneamento ambiental (BRASIL, 2001). São instrumen-
tos que devem ser utilizados na política de desenvolvimento urbano do
território, organizando-se em elementos importantes na competência
específica do município no âmbito do planejamento territorial e da pro-
teção do meio ambiente. Nesse sentido, a PNU viabiliza que o planeja-
mento municipal seja um processo com impactos positivos na qualidade
de vida, assegurando o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e a garantia do meio ambiente sustentável (BRASIL, 2001).

Na Política Nacional Urbana, o plano diretor é o principal instrumento de


planejamento da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Ele
é parte integrante do processo de planejamento municipal e estabelece
que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas nesta polí-
tica (BRASIL, 2001). O instrumento é obrigatório para cidades com mais
de 20 mil habitantes, regiões metropolitanas, e aglomerações urbanas
integrantes de áreas de especial interesse turístico, inseridas na área de
influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito regional ou nacional, e incluídas no cadastro nacio-
nal de municípios como áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos
de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou
hidrológicos correlatos (BRASIL, 2001).

No Capítulo III da Política Nacional Urbana, adicionalmente à delimita-


ção das áreas urbanas intrínsecas à atuação dos municípios, é descrito
o conteúdo mínimo do plano diretor para municípios incluídos no ca-
dastro nacional como áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos
de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou
hidrológicos correlatos. Nesses casos, o plano diretor deve conter:

Mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de processos


geológicos ou hidrológicos adversos; planejamento de ações visando a Bahia anál. dados,

realocação da população; planejamento de ações de intervenção pre-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
61
Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

A identifi- ventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre; medi-


cação dos das de drenagem urbana para mitigação de impactos; diretrizes para a
mecanismos de regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares e previ-

planejamento são de áreas para habitação de interesse social3 (BRASIL, 2012, art. 26).

mais adequados
Desse modo, o plano diretor é a ferramenta adequada à compatibili-
e das mudanças
zação do crescimento econômico com a garantia da equidade social
necessárias na
e da conservação ambiental. Os municípios possuem uma grande res-
governança e
ponsabilidade na proteção dos recursos hídricos. Assim, somente por
nos arranjos meio de sistemas de planejamento integrado é possível uma gestão
institucionais sustentável das águas que possibilite sua utilização em longo prazo. A
conducentes identificação dos mecanismos de planejamento mais adequados e das
à integração mudanças necessárias na governança e nos arranjos institucionais con-
é a base para ducentes à integração é a base para o alcance de resultados que visem
o alcance de à redução dos impactos da urbanização nos sistemas hidrológicos na
resultados cidade (municípios) e na região (bacia hidrográfica) (RAUCH et al., 2017;
VASCONCELOS; SILVA, 2013).

A Política Nacional Urbana reforça a possibilidade de construção de


uma gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos, que deve
necessariamente passar por uma articulação entre as diretrizes, os ob-
jetivos e as metas dos planos de recursos hídricos e dos planos regula-
dores do uso do solo. Um planejamento territorial deve agir de maneira
corretiva no processo de transformação territorial, conciliando as ex-
pectativas e os interesses do meio social com a capacidade de apoiar
o sistema natural. Assim, se estabelece o regime de uso e ocupação
do espaço baseado na capacidade de carga do território, orientando-o
para um desenvolvimento sustentável (CARVALHO, 2014; JOURAVLEV,
2003; PERES; SILVA, 2013).

Na Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), os planos de re-


cursos hídricos são também considerados planos diretores que visam
fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Re-
cursos Hídricos e a gestão das águas, sendo elaborados por bacia
hidrográfica, por estado e para o país. São formulados com uma vi-
são de longo prazo, com horizonte de planejamento entre dez e 20
anos – acompanhados de revisões periódicas –, compatível com o
período de implantação de seus programas e projetos. Esses planos
estabelecem metas e soluções negociadas entre os atores, de curto,
médio e longo prazo, para os problemas das bacias relacionados à
água (BRASIL, 1997).

3 Alterações da Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, que passou a vigorar acrescida dos Arts. 42-A
Bahia anál. dados,
62 Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
e 42-B, conteúdo estabelecido com o objetivo da ordenação e controle do uso do solo de forma
a evitar a exposição da população a riscos de desastres (BRASIL, 2001).
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

Na escala de competência, os planos de recursos hídricos são O plano de


elaborados em três níveis: federal, estadual e por bacia hidrográfica. recursos
No âmbito federal, o plano abrange todo o território nacional e contem hídricos é o
metas, diretrizes e programas de ações estratégicas gerais e nacionais. instrumento de
Na abrangência estadual, ou do Distrito Federal, o plano dá ênfase nos planejamento
sistemas estaduais de gerenciamento de recursos hídricos, contendo diretamente
as diretrizes ou propostas de ações estratégicas estaduais. E o plano
relacionado
de bacia hidrográfica, também denominado de agenda de recursos
às bacias
hídricos da bacia, é um documento programático, com perspectiva
hidrográficas e,
regional e, por vezes, local, que se caracteriza por incluir ações de
natureza executiva e operacional, contendo as diretrizes de usos dos dentre outras
recursos hídricos e as medidas correlatas (AGÊNCIA NACIONAL DE atribuições,
ÁGUAS, 2013). estabelece
diretrizes
No Artigo 7° da Política Nacional de Recursos Hídricos é descrito o con- para o uso e a
teúdo básico de um plano de recursos hídricos, que deve conter, dentre ocupação do
outras temáticas: território das
bacias
Diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; evolução de ativi-
dades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;
balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídri-
cos, com identificação de conflitos potenciais; metas de racionalização
de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos
hídricos disponíveis; medidas a serem tomadas, programas a serem de-
senvolvidos e projetos a serem implantados; propostas para a criação
de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos
hídricos. (BRASIL, 1997, art. 7).

O plano de recursos hídricos é o instrumento de planejamento


diretamente relacionado às bacias hidrográficas e, dentre outras atribui-
ções, estabelece diretrizes para o uso e a ocupação do território das ba-
cias. Nesse sentido, deve ir além do foco voltado para a área de recursos
hídricos e levar em conta a articulação com as demais políticas públicas
que interagem na busca da gestão integrada dos recursos hídricos. O
planejamento na gestão das águas deve ser um processo para definir
as melhores alternativas de utilização dos recursos hídricos e orientar a
tomada de decisão, consistindo na busca de soluções de compromisso,
principalmente com o objetivo de minimizar conflitos pelo uso da água,
sejam existentes ou potenciais (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2013;
CARVALHO, 2014).

O reconhecimento das conexões hidrológicas e ambientais dentro e fora


das áreas urbanas é essencial para aumentar a sustentabilidade dos
sistemas urbanos e promover a ocupação do solo de forma ordena-
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
63
Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

As bacias hidro- da. Modelos4 que consideraram as cidades e sua infraestrutura hídrica
gráficas são como sistemas interligados constituem ferramentas integradas de pla-
reconhecidas nejamento e apoio que permitem testar possíveis estratégias e medi-
como unidades das diante de incertezas futuras que impactam os recursos hídricos. É
territoriais para importante avaliar tendências de desenvolvimento para prever cenários
futuros, por meio de indicadores, ou seja, de metodologia de avaliação
a implemen-
do gerenciamento hídrico, utilizando-se esses dados como ferramenta
tação da Política
prática e capaz de transmitir as informações necessárias para a tomada
Nacional de
de decisão (AGUDELO-VERA et al., 2011; RAUCH et al., 2017; SERRAO-
Recursos -NEUMANN et al., 2017).
Hídricos
e atuação Nesse sentido, para atender a seus objetivos, o plano diretor municipal
do Sistema necessita de maior articulação com os planos de recursos hídricos. Des-
Nacional de sa forma é possível definir as aptidões de uma bacia hidrográfica e pro-
Gerenciamento mover um direcionamento da gestão territorial. Se considerar a variável
de Recursos ambiental no processo de controle do uso e ocupação do solo, o plano
Hídricos diretor municipal se constitui em uma importante ferramenta para o pla-
nejamento urbano em bases sustentáveis, pois incorpora à tradicional
função econômica da propriedade privada a dimensão socioambiental
e torna possível restringir a expansão urbana e a ocupação em áreas
impróprias decorrentes de fragilidades ambientais (CARNEIRO et al.,
2010; PERES; SILVA, 2010).

As bacias hidrográficas no âmbito do planejamento territorial

Conforme estabelecido nos fundamentos da Lei Federal nº 9.433, de


1997, as bacias hidrográficas são reconhecidas como unidades territo-
riais para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e
atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Elas foram instituídas como uma unidade geográfica para o planeja-
mento dos recursos hídricos e servem de elementos motivadores e in-
dutores da gestão descentralizada. Considerando o enfoque integrado,
a escolha da bacia hidrográfica como unidade territorial para nortear as
políticas de recursos hídricos pode ser considerada, em primeira análise,
a mais apropriada para a gestão das águas (CAMPOS; FRACALANZA,
2010; VASCONCELOS; SILVA, 2013).

A normativa do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia,


por meio da Diretiva Quadro da Água (DQA), de 2000, tem a seguinte
definição para bacias hidrográficas:

4 Modelos entendidos como mecanismos de planejamento que visam estabelecer diretrizes a


partir de ferramentas de avaliação eficazes, como estudos de cenários da paisagem, devem,
segundo NEUMANN et al., 2017, abordar as conexões ambientais e hidrológicas entre cidades e
Bahia anál. dados,
64 Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
suas regiões, considerar mudanças futuras e incertezas relativas aos recursos hídricos e ter toda
uma perspectiva da paisagem (RAUCH et al., 2017).
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

A área terrestre a partir da qual todas as águas fluem, através de uma O planejamento
sequência de ribeiros, rios e eventualmente lagos para o mar, desem- e o gerencia-
bocando numa única foz, estuário ou delta. Sendo a sub-bacia hidro- mento da bacia
gráfica, a área terrestre a partir da qual todas as águas fluem, através hidrográfica
de uma sequência de ribeiros, rios e eventualmente lagos para um de- seguem o
terminado ponto de um curso de água (geralmente um lago ou uma
uso eficiente
confluência de rios). (UNIÃO EUROPEIA, 2000, art. 2).
dos recursos
hídricos
A gestão de bacia hidrográfica consiste em coordenar a conservação,
disponíveis,
gerenciamento e desenvolvimento da água, terra e recursos relacio-
nados entre setores dentro de uma dada bacia hidrográfica, a fim de a fim de
maximizar os benefícios econômicos e sociais derivados dos recursos satisfazer as
hídricos de forma equitativa, preservando e, quando necessário, res- necessidades
taurando ecossistemas. O planejamento e o gerenciamento da bacia e restrições
hidrográfica seguem o uso eficiente dos recursos hídricos disponíveis, ambientais,
a fim de satisfazer as necessidades e restrições ambientais, econômicas econômicas e
e sociais. A necessidade de conservar e manejar os ecossistemas de sociais
água na escala da bacia é cada vez mais reconhecida (LIMA et al., 2016;
VISESCU; BEILICCI; BEILICCI, 2017).

Nesse contexto, é necessário expor a importância da escolha da bacia


hidrográfica como unidade de planejamento regional, constituindo-se
em uma unidade espacial de claro reconhecimento e caracterização, na
qual qualquer elemento do ambiente consegue interagir com a bacia,
por ser um sistema natural de delimitação geográfica em que os fenô-
menos e interações podem ser integrados de forma facilitada (LIMA et
al., 2016; AGUDELO-VERA et al., 2011).

Assim, faz-se necessária a compatibilização das informações sobre os


diversos recortes espaciais existentes. A adoção da bacia hidrográfica
como unidade geográfica é pertinente para atender aos objetivos da
gestão integrada por reconhecer as dimensões ecológicas, sociais, cul-
turais e políticas, na compreensão da complexidade dos processos am-
bientais. Alguns dos fundamentos propostos do sistema de gestão são
a delimitação e o reconhecimento do ambiente físico natural, a aplicabi-
lidade do conjunto de leis específicas compatíveis com a realidade local
e a análise integrada entre os aspectos naturais e antrópicos (VISESCU;
BEILICCI; BEILICCI, 2017; VASCONCELOS; SILVA, 2013).

Uma gestão bem-sucedida da bacia hidrográfica baseia-se nos seguin-


tes elementos: visão de longo prazo para a bacia hidrográfica, acordada
por todas as principais partes interessadas; integração de políticas, de-
cisões e custos entre os interesses setoriais; tomada de decisões estra-
tégicas na escala da bacia hidrográfica, que orienta as ações nos níveis
das sub-bacias ou locais; tempo efetivo, aproveitando-se as oportuni- Bahia anál. dados,

dades à medida que elas surgem enquanto se trabalha dentro de uma


Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
65
Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

Em síntese, estrutura estratégica; participação ativa de todas as partes interessadas


uma lei relevantes e planejamento e tomada de decisões transparentes; investi-
orgânica mento adequado por parte dos governos, do setor privado e de organi-
estabelece zações da sociedade civil em capacidade de planejamento e participa-
normas para ção em bacias hidrográficas; sólida fundação de conhecimento da bacia
hidrográfica e das forças naturais e socioeconômicas que a influenciam
regular a
(VISESCU; BEILICCI; BEILICCI, 2017; ULIAN; CARTES; LIMA, 2017).
política da
cidade, um
O município como unidade de planejamento local
importante
instrumento do Tanto a Constituição Federal quanto o Estatuto da Cidade delegaram
poder público aos municípios um papel importante na gestão pública, que inclui, den-
para a garantia tre outros aspectos, o privilégio de legislar sobre assuntos de interesse
das obrigações local, bem como promover o adequado ordenamento territorial, ou seja,
de interesse o município como uma unidade territorial local responsável por legislar
local em matéria de política urbana. Dessa forma, a Constituição do Brasil de
1988 deu força ao surgimento da autonomia municipal, forma de gover-
nança que apresenta algumas virtudes. A indução da descentralização
das políticas públicas introduz uma inovação importante, incluindo na
organização federativa brasileira o município autônomo como um dos
princípios e fundamentos da organização política do Brasil (CARNEIRO
et al., 2010; JOURAVLEV, 2003).

No âmbito de um município, a lei orgânica é a normativa maior, segundo


a Constituição, que fixa algumas exigências para a elaboração desta lei.
Em síntese, uma lei orgânica estabelece normas para regular a política
da cidade, um importante instrumento do poder público para a garan-
tia das obrigações de interesse local. Em seguida, há o plano diretor da
política de desenvolvimento e de expansão urbana, que trata especifica-
mente da função social da propriedade urbana. Ambos os instrumentos
compõem uma constituição municipal, sendo as leis mais importantes
dos municípios. Responsável por regulamentar os usos e ocupações do
solo, o município possui um importante papel na gestão sustentável do
meio ambiente, com autonomia para o estabelecimento das diretrizes
ambientais em sua esfera de competência (CAMPOS; FRACALANZA,
2010; VASCONCELOS; SILVA, 2013).

De acordo com a Política Nacional de Recursos Hídricos, o município tem


a competência precípua de possibilitar a integração das políticas locais de
uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políti-
cas federal e estaduais de recursos hídricos. Nesse aspecto, o Estatuto da
Cidade, instrumento legal que trata das questões relacionadas ao planeja-
mento e à gestão urbana e territorial em nível municipal, define o seguinte:

Bahia anál. dados, A ordenação e controle do uso do solo devem garantir não só os in-
66 Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019 teresses econômicos, mas também as necessidades coletivas, a insta-
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

lação de infraestrutura urbana, o controle da poluição, da degradação O planejamento


ambiental e da deterioração das áreas urbanas, conservação do meio urbano deve
ambiente natural e do patrimônio histórico, artístico, cultural, paisagísti- orientar-se por
co e arqueológico e garantir o desenvolvimento sustentável da cidade. instrumentos
(BRASIL, 2001, art. 2°, inciso VI). de gerencia-
mento que
Na gestão urbana, ao considerar que o desenvolvimento e o crescimen-
podem tornar
to das cidades devem preservar os recursos naturais essenciais à vida, o
o trabalho da
plano diretor pode contribuir efetivamente para a proteção dos recursos
administração
hídricos e complementar o plano de recursos hídricos em relação a obje-
tivos, diretrizes e instrumentos de gestão das águas. O planejamento ur- mais eficiente
bano deve orientar-se por instrumentos de gerenciamento que podem
tornar o trabalho da administração mais eficiente, ordenando o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantindo o bem-es-
tar de seus habitantes e a proteção dos recursos naturais (CARNEIRO
et al., 2010; PERES; SILVA, 2013).

O Quadro 1, a seguir, traz as principais características referentes à articu-


lação/integração entre as gestões de recursos hídricos e de uso do solo.

Quadro 1
Principais aspectos abordados na integração entre as gestões de recursos hídricos e de
uso do solo
Aspectos principais Gestão das águas Gestão de uso do solo
Esfera Federal: Lei nº 9.433, de 1997 Federal: Lei nº 10.257, de 2001
Denominada de Estatuto da
Cidade, tem por objetivo a
Denominada de Lei das Águas, tem por regulação do uso da propriedade
Objetivo objetivo a utilização racional e integrada urbana em prol do bem coletivo,
dos recursos hídricos, com vistas ao da segurança e do bem-estar
desenvolvimento sustentável. dos cidadãos, bem como do
equilíbrio ambiental.
Integração da gestão de recursos Garantia do direito a cidades
hídricos com a gestão ambiental. sustentáveis.
Articulação do planejamento de Ordenação e controle do uso do
Diretrizes de ação recursos hídricos com os planejamentos solo.
regionais, estaduais e nacional. Adoção de expansão urbana
Articulação da gestão de recursos compatível com os limites da
hídricos com a do uso do solo. sustentabilidade ambiental.
Instrumento técnico de Plano de recursos hídricos de âmbito Plano diretor municipal de
planejamento regional âmbito local
Unidade geográfica de Bacias hidrográficas, limites divisores Cidades, limites políticos
planejamento de águas administrativos
Fonte: Brasil (1997, 2001).

Mecanismo de planejamento conducente à integração

A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), por meio da Lei Federal


n° 6.938, de 1981, é a referência legal que define diretrizes e instrumentos
inovadores para a gestão ambiental. A PNMA foi criada com o objetivo Bahia anál. dados,

da preservação e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
67
Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

O zoneamento visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos


ambiental é interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida hu-
definido como mana. Ela estabelece como instrumento, dentre outros, o zoneamento
um instrumento ambiental, e prevê a necessidade de criação de espaços territoriais es-
de organização pecialmente protegidos pelo poder público federal, estadual e municipal.
do território
Instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, o zoneamento am-
que estabelece
biental, ou zoneamento ecológico econômico (ZEE), é regulamentado
medidas e
pelo Decreto Federal n° 4.297, de 2002, com o qual o poder público obje-
padrões de tiva propiciar o desenvolvimento sustentável a partir da compatibilização
proteção do desenvolvimento socioeconômico e da proteção ambiental. O zone-
ambiental amento ambiental é definido como um instrumento de organização do
território que estabelece medidas e padrões de proteção ambiental des-
tinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo
e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento susten-
tável e a melhoria das condições de vida da população (BRASIL, 2002).

De acordo com os critérios estabelecidos no referido decreto, o zone-


amento ecológico econômico pode gerar produtos e informações nas
seguintes escalas: nacional, de 1:5.000.000 e 1:1.000.000; macrorregio-
nais, de 1:1.000.000 ou maiores; estaduais ou de regiões, de 1:1.000.000
a 1:100.000; e locais, de 1:100.000 e maiores. Nas escalas locais, o zo-
neamento desempenha funções de indicativos operacionais de gestão
e ordenamento territorial, tais como planos diretores municipais, planos
de gestão ambiental e territorial locais e usos de áreas de preservação
permanente (Quadro 2). Dessa forma, o instrumento possui a prerroga-
tiva legal de aplicação em espaços urbanos (BRASIL, 2002; RUFFATO-
-FERREIRA, 2018).

Quadro 2
Funções do zoneamento ecológico econômico conforme a escala de representação
Abrangência Escala Objetivo/Função
Indicativos estratégicos de uso do território, definição de áreas
Nacional e para detalhamento do ZEE, utilização como referência para
Macrorregionais 1:5.000.000 e definição de prioridades em planejamento territorial e gestão
1:1.000.000 de ecossistemas.
Indicativos de gestão e ordenamento territorial estadual
Estaduais/Regiões 1:1.000.000 a ou regional, tal como definição dos percentuais para fins de
1:100.000 recomposição ou aumento de reserva legal.
Indicativos operacionais de gestão e ordenamento territorial,
tais como planos diretores municipais, planos de gestão
Locais
1:100.000 e ambiental e territorial locais, usos da área de preservação
maiores permanente.
Fonte: Brasil (2002).

Nessa perspectiva, o zoneamento ambiental é um dos principais ins-


Bahia anál. dados, trumentos para o ordenamento territorial, caracterizando-se por ser
68 Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019 uma ferramenta para o planejamento urbano com enfoque integra-
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

do, considerando que uma das finalidades precípuas deve ser a ela- O plano de
boração de uma normatização de uso do solo para a proteção dos recursos
recursos hídricos. Dessa forma, os órgãos municipais podem inserir hídricos a ser
o zoneamento ambiental nos seus sistemas de planejamento e organi- implementado
zar, de forma vinculada, as suas decisões quanto a planos, programas, nas bacias
projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos hidrográficas,
naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços
bem como o
ambientais dos ecossistemas.
zoneamento
ecológico
O plano de recursos hídricos a ser implementado nas bacias hidrográ-
ficas, bem como o zoneamento ecológico econômico (ZEE) em todo o econômico
território, enquadra-se como proposta de planejamento ambiental inte- (ZEE) em todo
grado. Ambos os instrumentos convergem para uma finalidade similar. o território,
Assim, deveriam manter interfaces e mecanismos institucionais de inte- enquadra-se
gração visando à eficiência na gestão pública. O PRH, centralizado na como
gestão da água, e o ZEE, no ordenamento territorial, podem se favore- proposta de
cer um do outro na gestão das bacias hidrográficas, evitando sobrepo- planejamento
sições, por ajustar a escala de análise, possibilitando um melhor e mais ambiental
completo planejamento integrado dos recursos hídricos do território integrado
(CARNEIRO, et al., 2010; CARVALHO, 2014).

Pode-se dizer que o ordenamento territorial é um instrumento de ges-


tão de bacias hidrográficas que visa orientar o processo de ocupação e
transformação do território de acordo com sua capacidade de carga ou
aptidão. Em termos de água, a organização territorial pode ser tradu-
zida em proteção de bacias hidrográficas. Essa possibilidade pode ser
materializada por meio de um zoneamento adequado, que incluiria a ex-
clusão e a regulação de certas atividades com o objetivo de harmonizar
o desenvolvimento socioeconômico local com a proteção dos recursos
hídricos e a mitigação do efeito de fenômenos naturais extremos. Nesse
sentido, o plano de recursos hídricos e o zoneamento ambiental podem
manter interfaces e mecanismos institucionais de integração, como o
plano diretor de cidades, para o aumento da eficiência na gestão pública
(JOURAVLEV, 2003; RUFFATO-FERREIRA, 2018).

É indispensável uma ferramenta de gerenciamento eficaz para essa


questão. Nesse aspecto, Fernandes e outros (2015) salientam que
os mapas constituem elementos importantes a serem considerados
no planejamento urbano, bem como na elaboração de um zonea-
mento ambiental de planos diretores de cidades. É necessária a pa-
dronização, com utilização de técnicas cartográficas no processo
de criação de mapas temáticos, que precisam ser bem elaborados,
considerando todos os elementos necessários para facilitar a leitura
da realidade, ajudando a visualizar as informações e a localizá-las no
espaço geográfico. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
69
Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

As diretrizes CONSIDERAÇÕES FINAIS


destacadas
na Política As diretrizes destacadas na Política Nacional de Recursos Hídricos ex-
Nacional de pressam a necessidade veemente de conexão clara com a Política Na-
Recursos cional Urbana, considerando também a Política Nacional de Meio Am-
biente, especialmente o zoneamento ambiental, elemento importante
Hídricos
na competência específica das cidades. Nesse panorama, podem-se
expressam a
estabelecer alguns princípios para a gestão sustentável no contexto da
necessidade
integração entre a gestão de recursos hídricos e a de uso do solo, que
veemente de se resumem da seguinte forma:
conexão clara
com a Política • A gestão integrada oferece oportunidades de preservação ao
Nacional meio ambiente e a disponibilização dos seus benefícios de forma
Urbana, sustentável.
considerando • O planejamento urbano, entendido de forma racional e orga-
também nizada, requer a integração de várias disciplinas, entre elas as
a Política relacionadas aos recursos hídricos.
Nacional de • Os municípios possuem a competência de possibilitar a inte-
Meio Ambiente, gração das políticas locais de uso e ocupação do solo e de
especialmente meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos
o zoneamento hídricos.
• Muitas das competências municipais têm uma forte ligação com
ambiental
as águas, como as relacionadas à prestação de serviços públicos
baseados no planejamento do uso da terra e da água.
• O plano diretor é o principal instrumento de planejamento da po-
lítica de desenvolvimento e de expansão urbana definida para os
municípios e pode complementar o plano de recursos hídricos e
incorporar a bacia hidrográfica como unidade geográfica para o
planejamento territorial.
• Diretrizes de planejamento urbano poderiam ser estabelecidas a
partir de cenários da paisagem como ferramenta de suporte para
tomada de decisão.
• O reconhecimento de conexões hidrológicas e ambientais das
áreas urbanas é essencial para reduzir os impactos da urbani-
zação nos recursos hídricos e aumentar a sustentabilidade dos
sistemas urbanos.
• O zoneamento ambiental é um instrumento de organização do
território que estabelece medidas e padrões de proteção ambien-
tal destinado a assegurar a qualidade ambiental dos recursos hí-
dricos e do solo.
• Os planejadores precisam de ferramentas para entender cidades
e regiões como sistemas ambientais. Tais ferramentas devem ser
usadas por partes interessadas durante processos de planeja-
mento urbano e traduzidas em tomadas de decisão efetivas.
Bahia anál. dados,
70 Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
Sandra Lima dos Santos, Vivian de Oliveira Fernandes, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Artigos

A Figura 1 traz um fluxograma elaborado com o propósito de apresentar a integração


um esquema metodológico do gerenciamento hídrico no planejamento entre a gestão
urbano de cidades. das águas
e o uso do
Figura 1 solo depende
Esquema do gerenciamento hídrico no planejamento urbano de cidades extensamente
de um plano
diretor bem
elaborado

Fonte: Elaboração própria.

Por consequência, a integração entre a gestão das águas e o uso do solo


depende extensamente de um plano diretor bem elaborado, mediado
por ferramenta/instrumento de ordenamento territorial capaz de trans-
mitir as informações necessárias para a tomada de decisão efetiva no
processo de planejamento urbano de cidades.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) (código de financiamen- Bahia anál. dados,

to 001); ao Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em


Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
71
Sustentabilidade de cidades no contexto da integração entre a gestão de recursos hídricos e o planejamento urbano
Artigos territorial

Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua) (Projeto Capes/


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Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.54-75, jul.-dez. 2019
75
RESUMO

Os elevados índices de perdas nos sistemas de distribuição de água são um


problema recorrente no Brasil e têm como causa múltiplos fatores. Uma fon-
te de esforços comumente dispensada em projetos de redes de distribuição
é a análise dos regimes transitórios. Este artigo tem o objetivo de estudar a
influência do escoamento transitório nas perdas de água em zonas de abas-
tecimento (ZA) do Sistema Integrado de Abastecimento de Água (SIAA) de
Salvador (BA). Para isso, as linhas-tronco de quatro ZA foram simuladas com o
software Allievi, sendo avaliados os regimes permanentes e transitórios, bem
como o uso de mecanismos de proteção contra transitórios. As análises em
regime permanente apontaram, para algumas ZA, pressões elevadas que po-
dem justificar seus altos índices de perdas, e as avaliações do regime transi-
tório, especialmente considerando um cenário de menor consumo, resultaram
em oscilações de pressão significativas. Os mecanismos de proteção foram
adequados para reduzir as oscilações de pressão. Os resultados permitiram
concluir que os transitórios hidráulicos devem ser considerados na elaboração
dos projetos porque podem estar contribuindo para os elevados índices de
perdas do SIAA, além de se inferir que existe um risco à saúde pública devido
à possibilidade de sujeitar a rede a pressões negativas.
Palavras-chave: Transitório hidráulico. Golpe de aríete. Perdas de água.

ABSTRACT

High water losses in distribution systems are a recurring problem in Brazil


and are caused by multiple factors. A common source of effort in distribution
network designs is the analysis of hydraulic transients. This article aims to
study the influence of water hammer on water losses in parts of the water
distribution network of Salvador (BA). For this, simulations were performed
with Allievi software and the permanent and unsteady flow regimes were
evaluated, as well as the use of transient protection devices. The steady-state
analyzes pointed to some parts of the network with high pressures that may
justify its high loss rates and the transient analyzes, especially considering a
scenario of lower consumption, resulted in significant pressure fluctuations.
The protection mechanisms were adequate to reduce pressure fluctuations. The
results allowed to conclude that the hydraulic transients may be contributing
to the high loss rates of the water distribution system, besides inferring a risk
to public health due to the possibility of subjecting the network to negative
pressures, and should be considered in the elaboration of the projects.
Keywords: Hydraulic transients. Unsteady flow. Water hammer.
Artigos

Impacto do escoamento
transitório nas perdas de água
em sistemas de distribuição
da cidade de Salvador
(BA): análise numérica
JAMILE LEITE BULHÕES OS EPISÓDIOS de seca que assolam o
Mestre em Meio Ambiente, Águas e
Saneamento, pela Universidade Federal Nordeste brasileiro são há muito tempo co-
da Bahia (UFBA) e especialista em
Direito Ambiental, pela Universidade nhecidos. Em 2017, a região completou seu
Federal do Paraná (UFPR).
sétimo ano seguido de estiagem, com um
[email protected]

A N D R É LU I Z A N D R A D E S I M Õ E S terço de seu território no grau mais elevado


Doutor e mestre em Engenharia Hidráulica de seca (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS,
e Saneamento, pela Universidade de
São Paulo (USP). Professor adjunto da 2018), fazendo com que mais da metade
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
e coordenador do Mestrado em Meio dos municípios nordestinos decretassem
Ambiente, Águas e Saneamento da Escola
Politécnica da UFBA. situação de emergência devido à seca ou
à estiagem ao menos uma vez naquele ano
(BRASIL, 2019). O Nordeste apresentou um
índice de perdas na distribuição (IPD) de
46,3% em 2017 (SISTEMA NACIONAL DE IN-
FORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO, 2019).
Esses números contraditórios também são
observados no Sistema Integrado de Abas-
tecimento de Água (SIAA) de Salvador, que,
entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014,
perdeu 50% da água que captou, enquan-
to os estudos hidrológicos dos mananciais
que atendem ao sistema vêm apontando
uma gradativa redução da vazão disponível
(BAHIA, 2015, 2016a). Os elevados índices

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
77
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Em um SAA, as de perdas na distribuição são uma realidade na grande maioria dos sis-
perdas podem temas de abastecimento de água (SAA) brasileiros, que possuem um
ocorrer em IPD médio de 38,3% (SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE
qualquer etapa SANEAMENTO, 2019).
do sistema,
Em um SAA, as perdas podem ocorrer em qualquer etapa do sistema,
mas a quase
mas a quase totalidade acontece na distribuição. Essas perdas de água
totalidade
podem ser divididas em aparentes, que dizem respeito ao volume de
acontece na
água consumido pelo usuário, mas, por algum motivo, não medido ou
distribuição contabilizado, e reais, também conhecidas como físicas, que se referem à
água disponibilizada para distribuição que não chega aos consumidores
(SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO, 2017).

O rateio no SAA pode variar muito entre cidades ou zonas de abasteci-


mento (ZA), de acordo com características topográficas, econômicas,
ocupacionais e sociais, mas, de modo geral, a maior parcela correspon-
de às perdas reais.

Entre as principais causas desse problema, no que tange à sua operação,


destaca-se a manutenção de pressões elevadas. Existe uma correlação
direta entre pressão e perda de água na distribuição. No entanto, falhas
podem ocorrer desde a etapa de planejamento e projeto, construção,
operação, manutenção e expansão. Entre os lapsos na etapa de projeto,
destaca-se a ausência do estudo do regime transitório de operação nos
procedimentos usuais de projeção de redes de distribuição no Brasil
(SILVA; CONEJO; GONÇALVES, 2003).

Transitório hidráulico em conduto forçado, ou golpe de aríete, é o nome


dado ao fenômeno de variação de pressão que se verifica no conduto
quando ocorre mudança na velocidade do líquido devido à ação ou
à alteração funcional de algum equipamento, como abertura e fecha-
mento de válvulas, parada e partida de bombas e turbinas, rompimen-
tos de tubulações, alterações nas vazões demandadas e utilização de
hidrantes. Trata-se do regime variável que se dá na transição entre dois
regimes permanentes, no qual acontecem deformações elásticas tanto
no líquido como na tubulação (CHAUDHRY, 2014).

As pressões elevadas oriundas dos transitórios hidráulicos podem dani-


ficar tubulações e válvulas, gerar fissuras nas paredes das tubulações,
romper conexões entre seções e provocar outras ocorrências que po-
dem resultar na perda real de água e em danos à infraestrutura existen-
te. Quando acontecem ondas de pressão inferiores à pressão do solo
no qual o tubo está assentado, ainda existe o risco de intrusão de água
subterrânea contaminada, através de juntas mal executadas ou trechos
Bahia anál. dados, danificados, e de entrada de gases que possibilitam a corrosão da tu-
78 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019 bulação (BOULOS et al., 2005).
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

As leis físicas básicas que originam as equações diferenciais do escoa- Frequente-


mento transitório são a equação de conservação de massa (Equação 1) mente, a análise
e a equação da quantidade de movimento linear (Equação 2) (WYLIE; dos transitórios
STREETER, 1979). hidráulicos
nos sistemas
, (1)
de distribuição
é mais
importante
do que a
, (2)
do sistema
operando
em que p = pressão, V = velocidade, t = tempo, x = espaço, a = celerida- em regime
de das ondas de pressão, r = massa específica da água, g = aceleração permanente
devido à gravidade, D = diâmetro interno do tubo, q = ângulo entre a
horizontal e o eixo do tubo. Essas equações podem ser transformadas
em quatro equações diferenciais ordinárias (EDO) pelo método das ca-
racterísticas, que está entre os esquemas numéricos mais empregados
para solução de problemas dessa natureza.

Frequentemente, a análise dos transitórios hidráulicos nos sistemas de


distribuição é mais importante do que a do sistema operando em regi-
me permanente, que costuma ser utilizada pelos projetistas como base
para o dimensionamento. A severidade das pressões provocadas pelos
transitórios deve ser determinada para que o sistema seja devidamente
dimensionado para essas sobrecargas (BOULOS et al., 2005).

Boulos e outros (2005) propõem soluções para quando a análise dos


transitórios em redes de distribuição apresentar oscilações de pressão
inaceitáveis. Em resumo, são três ações que devem ser realizadas, de
preferência, sequencialmente: 1. controlar a causa do evento transitório
modificando os procedimentos de manobra de válvulas e/ou reduzin-
do seu tempo de fechamento; 2. alterar o sistema, incluindo a troca do
material ou do traçado da tubulação; 3. incluir dispositivos de proteção
contra transitório hidráulico. Em sistemas de distribuição já implantados,
a segunda solução pode ser de difícil aplicação.

Embora existam muitas opções de equipamentos utilizados para pro-


teção contra transitórios hidráulicos, o estudo e dimensionamento do
sistema e a correta operação podem atenuar as variações de pressão
a níveis aceitáveis, sem que para isso sejam necessários equipamentos
específicos. Medidas de ação direta, assim denominadas por Thorley
(2004), são baseadas, fundamentalmente, na intervenção sobre as cau-
sas associadas à variação das condições de escoamento.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
79
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

É nesse cenário Entre as ações diretas para proteger o sistema contra transitório des-
de escassez taca-se o cálculo do tempo de abertura e fechamento de válvulas e
hídrica, elevado hidrantes, controle das partidas e desligamentos das bombas, dimen-
índice de perdas sionamento das tubulações, de forma a evitar elevadas velocidades, mu-
no sistema de danças nos traçados das tubulações etc. (AMOAH; ELBASHIR, 2007;
MENDES, 2011; THORLEY, 2004).
distribuição
e negligência
No entanto, se os transitórios não puderem ser prevenidos, dispositivos
no estudo
de proteção específicos podem ser necessários. Os mecanismos que
do regime envolvem a transferência de energia para o interior ou para o exterior
transitório de de um sistema elevatório integram a categoria dos métodos de ação
operação que indireta (AMOAH; ELBASHIR, 2007; THORLEY, 2004). Entre os meca-
esta pesquisa se nismos de proteção existentes podem-se elencar chaminé de equilíbrio,
justifica reservatório hidropneumático (RHO), tanque alimentador unidirecional
(TAU), válvula de alívio, válvulas antecipadoras de ondas, tubo atenua-
dor de celeridade, entre outros.

É nesse cenário de escassez hídrica, elevado índice de perdas no sis-


tema de distribuição e negligência no estudo do regime transitório de
operação que esta pesquisa se justifica, tendo o objetivo de analisar,
através de um trabalho de natureza numérica, a influência do escoamen-
to transitório nas perdas de água em quatro ZA do SIAA de Salvador e
a eficácia do uso de alguns dispositivos de proteção contra transitórios
hidráulicos.

METODOLOGIA

Áreas de estudo

A área selecionada para realização deste estudo está inteiramente inse-


rida no município de Salvador (BA) e corresponde a quatro ZA do SIAA
de Salvador, que é composto por 57 ZA e atende a uma população total
(residente e flutuante) de mais de 3 milhões de pessoas.

Tabela 1
Percentual de ANC, DMD e população das ZA 9, 23, 42, 60
2015
Zona Perdas ANC (%)
DMD (l/s) População
9 56,6% 136,78 39.740
23 59,9% 315,98 77.704
42 61,1% 187,77 34.755
60 52,6% 114,02 33.615
Bahia anál. dados, Fonte: Bahia (2015).
80 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

A Tabela 1 apresenta os percentuais de água não contabilizada (ANC) A ZA 9 é


das ZA para o período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014, a deman- atendida
da máxima diária (DMD) e a população (residente e flutuante) estimada diretamente
para 2015 pela Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) em sua rede de
(BAHIA, 2015, 2017) para as ZA estudadas. distribuição
por uma
Zona de Abastecimento 9
subadutora de
água tratada,
A ZA 9 é atendida diretamente em sua rede de distribuição por uma su-
denominada
badutora de água tratada, denominada R7-R15, que alimenta também,
diretamente na rede, outras zonas de abastecimento, além de reserva- R7-R15
tórios. Essa adutora possui aproximadamente 7,5 km de extensão e se
inicia em um reservatório apoiado com nível de água (NA) médio na
cota 85,8 m, conforme a Figura 1.

Figura 1
Croqui da subadutora de água tratada R7-R15

Bahia anál. dados,


Fonte: adaptado de Bahia (2016b, p. 59).
Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
81
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Nesta ZA foi A maioria dos nós da ZA 9 varia entre as cotas 20 m e 65 m, e a linha-


considerada -tronco avaliada possui tubos com diâmetros nominais (DN) que variam
uma rede entre 300 e 600 (BAHIA, 2017). A configuração da linha-tronco da ZA
secundária 9 está apresentada na Figura 2.
fictícia para
análise dos Figura 2
Zona de Abastecimento 9
transitórios nas
tubulações de
menor diâmetro

Fonte: adaptado de Bahia (2017).

Zona de Abastecimento 23

A ZA 23 é atendida por um reservatório elevado com NA médio na cota


105 m. A maioria dos nós avaliados da ZA 23 tem cotas entre 40 m e
75 m, e a linha-tronco estudada possui tubos com DN que variam entre
200 e 600 (BAHIA, 2017).

Nesta ZA foi considerada uma rede secundária fictícia para análise dos
transitórios nas tubulações de menor diâmetro. A rede secundária foi
traçada considerando os arruamentos e as cotas disponíveis no softwa-
re Google Earth Pro, tendo extensão de 2,2 km e cotas que variaram
entre 20 m e 75 m. A configuração da ZA 23 e a localização da rede
secundária fictícia podem ser observadas na Figura 3.

Bahia anál. dados,


82 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

Figura 3 A ZA 42 é
Zona de Abastecimento 23
abastecida por
uma derivação
na linha de
recalque que
conecta o Parque
de ETA da
Bolandeira ao
reservatório do
Setor R1

Fonte: adaptado de Bahia (2017).

Zona de Abastecimento 42

A ZA 42 é abastecida por uma derivação na linha de recalque que conecta


o Parque de ETA da Bolandeira ao reservatório do Setor R1 (BAHIA, 2017).
A maioria dos nós da ZA 42 varia entre as cotas 4 m e 20 m, e a linha-tron-
co avaliada é composta por tubos com DN que variam entre 250 e 400.
A configuração da linha-tronco da ZA 42 está apresentada na Figura 4.

Figura 4
Zona de Abastecimento 42

Bahia anál. dados,


Fonte: adaptado de Bahia (2017). Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
83
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Para avaliação Zona de Abastecimento 60


hidráulica
das redes de A ZA 60 é abastecida por um reservatório apoiado com NA médio na
distribuição das cota 107,5 m, e a maioria dos nós desta ZA variam entre as cotas 20 m e
ZA foi utilizado 80 m. Na linha-tronco avaliada existem tubos com DN que variam entre
150 e 600. A configuração da ZA 60 pode ser observada na Figura 5.
o software
Allievi, versão
2.2.0.0 Figura 5
Zona de Abastecimento 60

Fonte: adaptado de Bahia (2017).

Simulador hidráulico

Para avaliação hidráulica das redes de distribuição das ZA foi utilizado


o software Allievi, versão 2.2.0.0, que é um simulador de escoamentos
permanentes e transitórios em condutos forçados e livres, desenvolvido
pela Universidade de Valência e disponibilizado gratuitamente.

Segundo o manual do Allievi (UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VA-


LÊNCIA, 2010a), para análise dos sistemas de condutos forçados, o
software utiliza o método das características. Para avaliação do regi-
me transitório, o Allievi permite a consideração de diversas condições
de contorno e um número indefinido de nós, trechos, reservatórios,
Bahia anál. dados, estações de bombeamento e diversos dispositivos de proteção contra
84 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019 transitório hidráulico.
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

Simulação As simulações
foram
As simulações foram realizadas com os dados disponibilizados no Plano realizadas com
de Abastecimento de Água da Região Metropolitana de Salvador, Santo os dados dispo-
Amaro e Saubara (Parms), que consistem no traçado da linha-tronco da nibilizados no
rede de distribuição (definida como toda tubulação com diâmetro nomi- Plano de Abas-
nal (DN) igual ou superior a 200), suas extensões, material, rugosidade
tecimento de
e diâmetros, cotas dos nós avaliados e demanda máxima horária (DMH)
Água da Região
estimada para o ano de 2015 nos nós em que há consumo.
Metropolitana
Os tubos, segundo a SIHS (BAHIA, 2017), são de ferro fundido e muitos de Salvador,
foram implantados há algumas décadas. Seguindo o critério do Parms Santo Amaro e
de que se trata de tubos antigos, foi adotada a rugosidade absoluta (ε) Saubara
de 3 mm para toda a linha-tronco. Como não foram dadas maiores infor-
mações acerca dos tubos, considerou-se que são da classe k7. Também
não se obtiveram informações a respeito das localizações e caracterís-
ticas das válvulas de regulação e do conjunto elevatório que alimenta
a ZA 42. Por isso, foram feitas considerações embasadas no que seria
lógico e na prática dos projetistas.

A vazão adotada para os nós com consumo foi as DMH respectivas. Na


simulação, em cada nó representando um consumo, foi inserida a con-
dição de contorno denominada Lei de Vazão por Pressão.

Essa lei admite que existe um elemento no nó que causa perdas de


carga, e a vazão que flui dele tem relação com a pressão no nó e com a
perda de carga existente. O coeficiente de perda de carga foi constante
durante toda a simulação, sendo determinado considerando a vazão ini-
cial imposta pelo usuário do programa e a pressão no nó nas condições
de regime permanente (o programa calcula a perda de carga necessária
para que o nó, submetido à pressão do regime permanente, possua a
vazão determinada pelo usuário). Quando ocorre o regime não perma-
nente, a vazão que flui do nó varia conforme a oscilação de pressão,
dado o coeficiente de perda de carga estabelecido inicialmente. Nos
instantes em que a pressão no nó resulta negativa, a vazão também é
negativa, indicando que, nessas condições, entrará vazão no sistema.
Quando a pressão excede a pressão de regime permanente, a vazão que
flui do nó é superior à inicialmente estabelecida e está condicionada à
perda de carga singular calculada.

Ressalta-se que, tratando-se de redes de distribuição no Brasil, as ex-


tremidades das tubulações são, na sua maioria, tubos que alimentam
reservatórios residenciais pela cota superior. As oscilações positivas de
pressão de fato irão aumentar a vazão que flui aos reservatórios das
residências. Porém, quando ocorrem pressões negativas nesses pontos, Bahia anál. dados,

é possível que a vazão que retorna ao sistema seja de ar e não de água,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
85
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Em todas as ZA que, provavelmente, será novamente expulso quando ocorrer uma os-
foram avaliadas cilação positiva de pressão.
as pressões
estáticas e Destaca-se também que a capacidade de a saída das tubulações ligadas
as pressões aos reservatórios funcionarem de forma semelhante a uma válvula de
alívio só ocorre enquanto os reservatórios residenciais estão enchendo.
em regime
A partir do instante em que a boia fecha a saída de água para o reser-
permanente
vatório, esse efeito é interrompido. Tal fato motivou a análise do sistema
considerando uma vazão mínima, com a simulação de uma condição no-
turna de consumo de água e levando em conta que as vazões que fluem
dos nós são muito pequenas – 10% da DMH estabelecida inicialmente.

Em todas as ZA foram avaliadas as pressões estáticas e as pressões


em regime permanente, com o intuito de se obter os dados que possi-
velmente seriam utilizados em projeto, diagnósticos ou para ampliação
ou reforço das ZA. Na sequência foram provocados diferentes tipos
de perturbação nas ZA, com o objetivo de avaliar o regime transitório.
Essas perturbações estão explanadas no Quadro 1.

Quadro 1 – Simulações em regime transitório


Análise ZA Perturbação Consumo Observações
1 9 Fechamento de válvula DMH Fechamento de uma válvula borboleta logo a
jusante do reservatório de onde parte a adu-
tora, com fechamento uniforme em 20.
2 9 Fechamento de válvula 10% da DMH Idem Análise 1.
3 23 Rompimento de DMH Ruptura da tubulação que parte do reserva-
tubulação (dimensão tório que alimenta a ZA, a 350 m do reserva-
média) tório. A fissura do tubo tem dimensão média
e, em regime permanente, possibilitaria o
vazamento da vazão que corresponde a 20%
da vazão veiculada no trecho.
4 23 Rompimento de DMH Idem Análise 3, porém a fissura do tubo tem
tubulação (dimensão dimensão maior e, em regime permanente,
grande) possibilitaria o vazamento da vazão que cor-
responde a 50% da vazão veiculada no trecho.
5 23 Rompimento de 10% da DMH Idem Análise 4.
tubulação (dimensão
grande)
6 23 Abertura de válvula DMH Abertura uniforme de uma válvula borboleta
logo a jusante do reservatório que alimenta
o setor, com tempos de abertura de 10 e 20
segundos.
7 23 Abertura de válvula 10% da DMH Idem Análise 6.
8 23 Fechamento de válvula 10% da DMH Fechamento de uma válvula borboleta logo a
jusante do reservatório que alimenta o setor,
com fechamento uniforme em 20 segundos.
9 42 Interrupção do DMH Interrupção do funcionamento dos conjuntos
funcionamento da elevatórios (duas bombas da fabricante Flow-
bomba serve, modelo 12LN26) que alimentam o setor.
10 60 Fechamento de válvula DMH Fechamento de uma válvula borboleta logo
a jusante do reservatório, com fechamento
uniforme em 10 segundos.
11 60 Fechamento de válvula 10% da DMH Idem Análise 9.
Bahia anál. dados, Fonte: elaboração própria (2017).
86 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

Dispositivos de proteção A partir dos


volumes obtidos
Os mecanismos de proteção estudados foram a manobra de válvulas por meio desses
de regulação (tipo borboleta) e o uso de reservatório hidropneumático métodos, foram
(RHO) e de tanque alimentador unidirecional (TAU). Os dispositivos fo- simulados, no
ram simulados na ZA 9 e na ZA 23, conforme o Quadro 2. Para ambas Allievi, volumes
as redes foi considerado o cenário em que se estabeleceu um consumo
superiores e
mínimo de água (10% da DMH).
inferiores para
os dispositivos,
Quadro 2 até se obter
Simulações em regime transitório – Dispositivos de proteção
um volume
Análise ZA Dispositivos
proteção Consumo Resultado adequado para
12 09 Manobra 10% da Fechamento de uma válvula borboleta logo a jusante do
proteger o
de válvula DMH reservatório de onde parte a adutora, com fechamento sistema contra
uniforme em 20, 40 e 60 segundos, e fechamento controlado,
mais rápido até o fechamento de 70% da abertura da válvula e os transitórios
mais lento no terço final com duração total de 30 segundos.
hidráulicos
13 ZA RHO 10% da RHO vertical com membrana e volume de 30 m³ inserido 155
23 DMH m a jusante do reservatório que alimenta o setor.

14 09 TAU 10% da TAU, com 5,3 m³, na região de cota mais alta da ZA 9, onde
DMH foram observadas pressões negativas nas simulações sem
dispositivos de proteção.

Fonte: elaboração própria (2017).

Com exceção dos estudos de manobra de válvulas, o RHO e o TAU fo-


ram avaliados para a condição de fechamento uniforme em 20 segun-
dos de uma válvula de regulação situada após o reservatório de onde
parte a adutora, no caso da ZA 9, e depois do reservatório que alimenta
o setor, no caso da ZA 23.

Os ábacos e métodos para pré-dimensionamento dos RHO e dos


TAU são na quase totalidade, referentes a um tubo que alimenta um
reservatório de grande dimensão através de estações elevatórias
equipadas com válvulas de retenção que se fecham imediatamente
após a interrupção do fornecimento de energia ao motor do con-
junto motor-bomba. A literatura consultada não traz métodos para
dimensionamento de TAU e RHO instalados em redes com múltiplos
anéis e derivações.

Então, para a simulação, fez-se uma estimativa inicial para as dimensões


do RHO e do TAU através de métodos desenvolvidos para sistemas com
tubulações únicas e retilíneas. A partir dos volumes obtidos por meio
desses métodos, foram simulados, no Allievi, volumes superiores e in-
feriores para os dispositivos, até se obter um volume adequado para
proteger o sistema contra os transitórios hidráulicos. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
87
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

As pressões RESULTADOS E DISCUSSÃO


elevadas
em regime Regime permanente
permanente
refletem a No Quadro 3 estão os resultados da análise das pressões estáticas e
dinâmicas (regime permanente) nas ZA estudadas. Nota-se que apenas
necessidade
na ZA 23 observaram-se pressões estáticas e dinâmicas dentro da fai-
imediata de
xa recomendada pela NBR 12218/2017 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
reformular o
NORMAS TÉCNICAS, 2017). A ZA 60, ao mesmo tempo em que possui
abastecimento pressões estáticas elevadas em algumas áreas, não tem condições hi-
do sistema dráulicas de atender a toda a rede com a DMH.

Quadro 3
Regime permanente – Resumo dos resultados
ZA Estáticas Dinâmicas (dmh)
9 Pressões superiores a 50 mca em parte da Pressões superiores a 50 mca em parte da rede.
rede.
23 Pressões superiores a 10 mca e inferiores a Pressões superiores a 10 mca e inferiores a 50 mca.
50 mca.
42 - Pressões superiores a 10 mca e inferiores a 50 mca.
60 Pressões superiores a 50 mca em parte da Pressões superiores a 50 mca em parte da rede e
rede. inferiores a 10 mca em outra parte, havendo regiões
em que o abastecimento com a DMH não é possível.
Fonte: elaboração própria (2017).

Apesar de as pressões elevadas observadas em algumas regiões não


superarem a pressão de serviço admissível de tubos de ferro fundido,
elas aumentam os vazamentos em fissuras ou peças mal encaixadas.
Considerando ainda que parte da rede pode ser de plástico, essa situa-
ção é ainda mais preocupante porque em tubos desse material existe
uma correlação direta entre pressão e perdas de água.

As pressões elevadas em regime permanente refletem a necessidade


imediata de reformular o abastecimento do sistema. Esse problema está
elencado entre as causas principais para os elevados índices de perdas
em sistemas de distribuição de água.

Regime transitório

No Quadro 4 estão sintetizados os resultados das simulações do re-


gime transitório sem dispositivos de proteção. Nas figuras exibidas na
sequência são apresentadas as oscilações de pressão nos nós que apre-
sentaram resultados mais intensos ou que representam o comporta-
mento geral da ZA frente à perturbação imposta.

Bahia anál. dados,


88 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

Quadro 4 Nos cenários


Regime transitório – Resumo dos resultados
em que foi
Análise ZA Perturbação Consumo Resultado
considerado
1 9 Fechamento de DMH Ausência de oscilações de pressão importantes
válvula (Figura 6). um mínimo
2 9 Fechamento de 10% da DMH Oscilações de pressão de maior magnitude, consumo (10%
válvula inclusive pressões negativas (Figura 6).
3 23 Rompimento de DMH Ausência de oscilações de pressão importantes
da DMH),
tubulação (dimensão (Figura 7). representando
média)
4 23 Rompimento de DMH Ausência de oscilações de pressão importantes as demandas
tubulação (dimensão (Figura 7). noturnas, foram
grande)
5 23 Rompimento de 10% da DMH Oscilações de pressão de maior magnitude, sem observadas
tubulação (dimensão pressões negativas (Figura 8). as maiores
grande)
6 23 Abertura de válvula DMH Ausência de oscilações de pressão importantes oscilações,
(Figura 9). inclusive
7 23 Abertura de válvula 10% da DMH Oscilações de pressão de maior magnitude, sem
pressões negativas (Figura 10). pressões
8 23 Fechamento de 10% da DMH Oscilações de pressão de maior magnitude, negativas que
válvula inclusive pressões negativas (Figura 11).
9 42 Interrupção do DMH Oscilações de pressão de maior magnitude, representam
funcionamento da inclusive pressões negativas uma ameaça à
bomba (Figura 12).
10 60 Fechamento de DMH Ausência de oscilações de pressão importantes saúde pública
válvula (Figura 13).
11 60 Fechamento de 10% da DMH Oscilações de pressão de maior magnitude, sem
válvula pressões negativas (Figura 13).
Fonte: elaboração própria (2017).

Com exceção da simulação que considerou a interrupção do funcio-


namento do conjunto elevatório (Análise 9), as análises 1, 3, 4, 6 e 10,
realizadas com as demandas nos nós iguais às DMH, não resultaram
em oscilações de pressão significativas, como pode ser observado nas
figuras 6, 7, 9 e 13.

Quando o consumo na rede foi mais elevado, a capacidade dos nós


com saída para atmosfera (tubulações que alimentam os reservatórios
residenciais) de aliviar as pressões com o aumento da descarga da va-
zão, modelada com o uso da condição de contorno Lei de Vazão por
Pressão, foi suficiente para amortecer as ondas de pressão oriundas da
perturbação imposta.

Nos cenários em que foi considerado um mínimo consumo (10% da


DMH), representando as demandas noturnas, foram observadas as
maiores oscilações, inclusive pressões negativas que representam uma
ameaça à saúde pública.

O fechamento de válvulas na situação de menores demandas (aná-


lises 2, 8 e 11) submeteu a rede a oscilações importantes, inclusive
pressões negativas. Mesmo quando a válvula manobrada estava rela- Bahia anál. dados,

tivamente distante dos nós estudados, como no caso da Análise 2, ou


Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
89
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Quando o quando considerados nós da rede secundária, como na Análise 8, na


abasteci- condição de mínimo consumo, foram observadas pressões negativas
mento ocorre (figuras 6 e 11).
através de
bombeamento As análises 10 e 11, que correspondem ao fechamento de válvula na ZA
60 para os cenários de consumo máximo e mínimo, respectivamente,
direto na rede,
resultaram em oscilações de pressão distintas do observado nas simula-
a operação deve
ções de fechamento de válvula da ZA 9 para condições similares (análi-
ser ainda mais
ses 1 e 2). Isso aconteceu especialmente no que tange às mínimas pres-
cuidadosa sões obtidas, que, na ZA 60, ocorreram no cenário de máximo consumo.
Esses dados podem ser observados nas figuras 6 e 13.

Os resultados distintos reforçam que não deve haver generalização das


medidas a serem implementadas para proteção do sistema contra tran-
sitórios, já que as redes guardam peculiaridades que interagem entre si
durante o fenômeno, e é difícil prever seu comportamento frente a uma
perturbação.

A abertura de válvulas e o rompimento de maior magnitude da tubu-


lação no cenário de menor consumo (análises 5 e 7), apesar de não
ter resultado em pressões negativas ou superado a pressão nominal
dos tubos, podem resultar em desencaixe de conexões, vazamentos
e fadiga da tubulação por conta das variações maiores de pressão
(figuras 8 e 10).

Resultados mais intensos no cenário de demandas noturnas, quando o


consumo é reduzido, são justificados pela redução da capacidade de
aumento da vazão do sistema frente a uma onda de pressão positiva,
diminuindo também a possibilidade da rede de amortecer as pressões
transitórias.

Ressalta-se que a parada de bombas (Análise 9) levou a eventos tran-


sitórios significativos. Quando o abastecimento ocorre através de bom-
beamento direto na rede, a operação deve ser ainda mais cuidadosa. A
hipótese de queda de energia, com a interrupção simultânea das bom-
bas, ainda que considerando um cenário de maior consumo, submeteu o
sistema a pressões negativas importantes (Figura 12). O bombeamento
direto na rede, sem conversores de frequência, pode ainda, nas horas
de menor consumo, submeter os sistemas a pressões elevadas, que vão
contribuir também para os altos índices de perdas.

Dispositivos de proteção

No Quadro 5 estão sintetizados os resultados das simulações com uso


Bahia anál. dados, de mecanismos de proteção.
90 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

Quadro 5
Regime transitório – Dispositivos de proteção – Resumo dos resultados

Análise ZA Dispositivos de Consumo Resultado


proteção
12 09 Manobra de 10% da DMH Adequado para prevenção do surgimento de
válvula eventos transitórios de grandes proporções
oriundos de fechamento de válvula (Figura 14).
13 23 RHO 10% da DMH Adequado para proteção do sistema
(Figura 15).
14 09 TAU 10% da DMH Adequado para evitar pressões negativas
(Figura 16).
Fonte: elaboração própria (2017).

O controle do tempo de fechamento da válvula exerceu grande influên-


cia no comportamento do evento transitório. Para o fechamento uni-
forme, quanto mais lento, menos intensas as ondas de pressão. Porém,
o fechamento controlado da válvula, mais rápido nos primeiros dois
terços e mais acelerado no terço final, proporcionou um fechamento em
intervalo de tempo curto e não submeteu o sistema a pressões negati-
vas, conforme a Figura 14.

Cada modelo de válvula de regulação possui uma curva característica.


Para alguns deles, apenas depois que se evoluiu cerca de 70% na mano-
bra de fechamento é que se obtêm as maiores reduções de vazão. Por
isso, o fechamento deverá ser mais lento no terço final.

Como mecanismo direto para evitar a surgimento de oscilações de pres-


são mais significativas, a manobra controlada de válvulas foi adequada
e se destaca por requerer, basicamente, a modelagem do sistema para
determinação da melhor manobra e a capacitação dos operadores ou o
ajuste dos mecanismos automatizados de controle das válvulas.

A instalação do RHO na ZA 23, considerando a perturbação imposta ao


sistema, foi suficiente para atenuar as oscilações de pressão em toda a
zona, inclusive na rede secundária fictícia. As variações de pressão com
e sem o RHO podem ser observadas na Figura 15.

Porém, caso ocorra um fechamento rápido de válvula em um distrito


de medição e controle a jusante do RHO, por exemplo, o distrito não
estará protegido pelo dispositivo, e a ação do equipamento fica limitada
a situações específicas.

O TAU foi adequado para evitar que pressões negativas fossem obser-
vadas na rede. As sobrepressões máximas também foram reduzidas,
provavelmente devido ao efeito indireto da redução da depressão máxi-
ma. O comportamento das ondas de pressão, após o fechamento da vál-
vula no nó mais crítico com e sem TAU, pode ser observado na Figura 16. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
91
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Figura 6 Figura 7
Oscilação de pressão – Fechamento de Oscilação de pressão – Rompimento de
válvula – DMH e 10% da DMH – ZA 9 tubulação maior e menor magnitude –
DMH – ZA 23

Fonte: elaboração própria (2017).


Nota: simulação realizada no software Allievi Fonte: elaboração própria (2017).
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b). Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).

Figura 8 Figura 9
Oscilação de pressão – Rompimento de Oscilação de pressão – Abertura de
tubulação – 10% da DMH – ZA 23 válvula – DMH – ZA 23

Fonte: elaboração própria (2017).


Fonte: elaboração própria (2017).
Nota: simulação realizada no software Allievi
Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).

Figura 10 Figura 11
Oscilação de pressão – Abertura de válvula Oscilação de pressão – Fechamento
– 10% da DMH – ZA 23 de válvula – 10% da DMH – ZA 23 (rede
secundária)

Fonte: elaboração própria (2017).


Nota: simulação realizada no software Allievi Fonte: elaboração própria (2017).
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b). Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).

Bahia anál. dados,


92 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

Figura 12 Figura 13
Oscilação de pressão – Parada de bombas Oscilação de pressão – Fechamento de
– DMH – ZA 42 válvula – DMH e 10% da DMH – ZA 60

Fonte: elaboração própria (2017). Fonte: elaboração própria (2017).


Nota: simulação realizada no software Allievi Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b). (UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).

Figura 14 Figura 15
Oscilação de pressão – Fechamento Oscilação de pressão – Uso de RHO – ZA 23
de válvula com 20, 40 e 60 segundos e
controlada – ZA 9

Fonte: elaboração própria (2017).


Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).
Fonte: elaboração própria (2017).
Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).

Figura 16
Oscilação de pressão – Uso de TAU – ZA 09

Fonte: elaboração própria (2017).


Nota: simulação realizada no software Allievi
(UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA, 2010b).

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
93
Artigos Impacto do escoamento transitório nas perdas de água em sistemas de distribuição da cidade de Salvador (BA): análise numérica

Os mecanismos CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS


de proteção
contra Em relação aos resultados analisados, a avaliação em regime perma-
transitórios nente apontou algumas partes da rede com a ocorrência de pressões
simulados elevadas que podem justificar, em algumas ZA, os altos índices de per-
das reais de água.
no estudo
– manobra
Os estudos dos transitórios hidráulicos em zonas de abastecimento do
controlada de
SIAA de Salvador levaram a resultados distintos, a depender da condi-
válvulas, RHO ção de consumo admitida e da perturbação provocada no sistema. Com
e TAU – foram exceção do transitório provocado pela parada das bombas, as análises
adequados realizadas com as demandas máximas nos nós (DMH), incluindo as que
para atenuar consideraram o rompimento de tubulação de menor ou maior magnitu-
ou evitar de e abertura e fechamento de válvulas, não resultaram em oscilações
oscilações de de pressão significativas, e o sistema foi de um regime permanente para
pressão nas outro de forma lenta e gradual.
condições
impostas e Quando considerada uma condição de vazão mínima (10% da deman-
representam da máxima horária estimada para cada nó), simulando um cenário no-
mais um turno de consumo, as perturbações resultaram em pressões transitó-
recurso para rias de maior magnitude em comparação com o cenário com maior
demanda. Essa situação, por vezes, submeteu o sistema a pressões
combater
negativas que representam um grande risco à saúde pública devido à
variações de
possibilidade de contaminação da água. A manutenção de pressões
pressão nas
positivas é essencial para a não infiltração de poluentes e a garantia
redes de um abastecimento seguro.

De modo geral, as pressões negativas mostraram-se mais frequentes e


intensas do que as positivas, especialmente porque se considerou que
os tubos são de ferro fundido e toleram elevadas pressões. Contudo,
levando-se em conta que parte da rede pode ser de plástico, mais vul-
nerável a oscilações de pressão, e que as oscilações bruscas de pressão,
ainda que não excedam a pressão nominal das tubulações, podem levar
ao desencaixe dos tubos e ao vazamento entre conexões, as sobrepres-
sões devem ser consideradas.

Os mecanismos de proteção contra transitórios simulados no estudo –


manobra controlada de válvulas, RHO e TAU – foram adequados para
atenuar ou evitar oscilações de pressão nas condições impostas e repre-
sentam mais um recurso para combater variações de pressão nas redes.

Apesar de as avaliações em regime permanente apontarem pressões


elevadas em setores das ZA, o que justificaria, em parte, os índices de
perdas registrados, as análises dos regimes transitórios causados por
Bahia anál. dados, perturbações de diversas naturezas permitem inferir que as pressões
94 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019 observadas podem submeter o sistema a uma série de solicitações fí-
Jamile Leite Bulhões, André Luiz Andrade Simões Artigos

sicas. Essas situações poderão culminar em fadiga ou rompimento de


tubos, desencaixe de conexões e aumento de fissuras pré-existentes,
resultando em mais perdas reais de água, devendo, portanto, ser consi-
deradas nos projetos de redes de distribuição.

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UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA. Instituto Tecnológico del Agua.


Allievi: manual técnico. Versão 1.0.1. Valência: ITA, 2010a.

UNIVERSIDAD POLITÉCNICA DE VALÊNCIA. Instituto Tecnológico del Agua.


Allievi. Versão 2.2.0.0. Valência: ITA, 2010b.

WYLIE, E. B.; STREETER, V. L. Fluid transients. New York: McGraw-Hill, 1979. 562 p.

Bahia anál. dados,


96 Salvador, v. 29, n. 2,
p.76-97, jul.-dez. 2019
RESUMO

Os instrumentos de licenciamento ambiental e de outorga do direito de uso


de recursos hídricos fazem parte de políticas diferentes nos estados e no âm-
bito federal, embora já existam algumas diretrizes de integração. O presente
trabalho analisou a articulação desses dois instrumentos de gestão através
de exemplos da esfera federal e estadual para três configurações. No que
se refere aos procedimentos, a atualização pós-finalização do processo de
autorização foi definida como o ponto crítico da configuração das políticas
em entidades diferentes. No caso de ambas as políticas em uma entidade, o
problema foi a análise lenta e a ocorrência de geração de passivo de proces-
sos. Realizou-se o levantamento dos procedimentos adotados no estado de
Sergipe para a emissão de outorga e de licenciamento ambiental com o ob-
jetivo de estabelecer a estratégia e os critérios de integração. Os resultados
indicaram a manutenção das políticas setoriais em entidades separadas. Para
efetivação dos procedimentos de integração, optou-se por fazer a classifica-
ção do porte do empreendimento em função do uso dos recursos hídricos, o
que é necessário na etapa de autorização dos atos. Na fase pós-finalização da
autorização, os procedimentos seguem a lógica de o usuário/empreendedor
primeiro se dirigir ao órgão gestor de recursos hídricos e depois ao órgão
gestor do meio ambiente.
Palavras-chave: Instrumentos de gestão. Outorga. Licenciamento ambiental.
Integração.

ABSTRACT

The instruments for environmental licensing and water permit belong to


different national and state policies, but there are already some integration
guidelines. The integration situation of these two management instruments
in the country was analyzed through examples from the federal and state
levels for three existing configurations. For procedures, the post-completion
update of the authorization process has been defined as the critical point of
setting policies across different entities. In configuring both policies in an
unique entity the critical point is slow analysis and the generation of process
accumulation. In the state of Sergipe, the procedures for issuing the water
permit and environmental licensing were carried out in order to establish the
integration strategy and criteria. The results indicated the maintenance of
sectoral policies in separate entities. To carry out the integration procedures, it
was decided to classify the size of the enterprise according to the use of water
resources, necessary for the authorization phase. In the post-completion phase
of the authorization, the procedures follow the logic of the user / entrepreneur
first addressing the water resources agency and then the environment agency.
Keywords: Management instruments. Water permit. Environmental licensing.
Integration.
Artigos

Integração dos procedimentos


de outorga e licenciamento
ambiental: estudo de caso
do estado de Sergipe
FERNANDO GENZ OS INSTRUMENTOS de licenciamento am-
Pós-doutor em Mudanças Climáticas
e Recursos Hídricos e doutor em biental e de outorga do direito de uso de re-
Geologia, pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Consultor em Engenharia cursos hídricos compõem políticas estaduais
de Recursos Hídricos.
e na esfera federal que tiveram sua concep-
[email protected]

VA N E S S A C A L I L B A R B O S A ção e construção elaboradas em momentos


Especialista em Auditoria e Gestão diferentes, embora haja algumas diretrizes
Ambiental, pela Faculdade Católica de
Ciências Econômicas da Bahia (Facceba) e de integração. A junção da outorga com o
especialista em Educação Ambiental, pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA). licenciamento ambiental tem sido estimu-
Consultora em Licenciamento Ambiental.
[email protected] lada pelo Conselho Nacional de Recursos
J O Ã O C A R LO S S A N TO S DA R O C H A Hídricos (2006), através da Resolução nº 65,
Mestre em Geologia de Engenharia e Meio
de 7 de dezembro de 2006. Essa resolução
Ambiente, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista estabelece as diretrizes de articulação entre
em Gestão de Recursos Hídricos e Meio
Ambiente, pela Universidade Federal de os procedimentos de outorga de direito de
Sergipe (UFS). Geólogo da Secretaria de
Estado do Desenvolvimento Urbano e uso dos recursos hídricos e de licenciamento
Sustentabilidade (SEDURBS).
[email protected] ambiental. Trata-se de uma primeira etapa
de integração, em que são definidos os tem-
pos e os movimentos entre os atos emiti-
dos pelas autoridades outorgantes e pelos
órgãos ambientais licenciadores.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
99
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

A outorga e o Além das definições dos atos ambientais estabelecidas na Resolução


licenciamento CNRH n° 65/2006, deve ser considerado:
ambiental,
quando Art. 4° A manifestação prévia, requerida pelo empreendedor ou inte-

analisados de ressado, quando prevista nas normas estaduais, deve ser apresentada
ao órgão ambiental licenciador para a obtenção da Licença Prévia.
forma articulada,
contribuem para
Parágrafo único. Não havendo manifestação prévia ou ato correspon-
a integração
dente, a outorga de direito de uso de recursos hídricos deverá ser apre-
das gestões de sentada para a obtenção da Licença de Instalação.
recursos hídricos
e ambiental Art. 5° A outorga de direito de uso de recursos hídricos deve ser apre-
sentada ao órgão ambiental licenciador para a obtenção da Licença de
Operação.

Parágrafo único. Nos empreendimentos ou atividades em que os usos ou


interferências nos recursos hídricos sejam necessários para sua implan-
tação, a outorga de direito de uso de recursos hídricos deverá ser apre-
sentada ao órgão ambiental licenciador para obtenção da Licença de
Instalação. (CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).

Além disso, o Art. 6º da Resolução n° 65/2006 do CNRH estabelece que


os órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamen-
to de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Meio Ambiente devem
se articular de forma continuada, com vistas a compartilhar informações
e compatibilizar procedimentos de análise e decisão em suas esferas de
competência (CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).

A outorga e o licenciamento ambiental, quando analisados de forma arti-


culada, contribuem para a integração das gestões de recursos hídricos e
ambiental, bem como para a avaliação sinérgica de empreendimentos em
uma determinada região, auxiliando na superação dos limites da aplicação
pontual dos mecanismos de comando e controle. Esses instrumentos tam-
bém colaboram para o estabelecimento de indicadores de sustentabilida-
de, com base em uma avaliação da capacidade de suporte do território.

No estado de Sergipe a outorga de direito de uso dos recursos hídricos e


o licenciamento ambiental estão sob responsabilidade da Secretaria de
Estado do Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade (Sedurbs). O li-
cenciamento ambiental é analisado pela Administração Estadual do Meio
Ambiente (Adema), autarquia criada pela Lei nº 2.181, de 12 de outubro de
1978. Quanto à outorga, até dezembro de 2018, constava como atribuição
da Superintendência de Recursos Hídricos (SRH), ligada à extinta Secre-
taria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. Atualmente, as questões
Bahia anál. dados, relativas a recursos hídricos estão relacionadas à Sedurbs, no âmbito da
100 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 Superintendência Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente.
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

O objetivo principal deste trabalho foi definir a estratégia e os procedi- O objetivo


mentos necessários à integração da outorga de direito de uso dos recur- principal
sos hídricos e da emissão das licenças ambientais no estado de Sergipe. deste trabalho
foi definir a
estratégia e os
METODOLOGIA procedimentos
necessários
Inicialmente foram levantados os procedimentos adotados para a inte-
à integração
gração entre os dois instrumentos a partir de dados secundários, tanto
da outorga de
em nível federal como em outros estados, perfazendo um diagnóstico
da situação atual no Brasil. direito de uso
dos recursos
A escolha dos estados avaliados além de Sergipe considerou a possibili- hídricos e
dade de diferentes configurações: a) existência de entidades responsáveis da emissão
pelos instrumentos de controle em órgãos diferentes; b) ambos os instru- das licenças
mentos se encontram no mesmo órgão gestor; c) outro tipo de situação. ambientais
no estado de
Em relação aos procedimentos para integração dos instrumentos de Sergipe
outorga e de licenciamento no estado de Sergipe, além da identifica-
ção prévia a partir de pesquisa bibliográfica, também foram realizadas
reuniões com gestores e especialistas. Essas reuniões buscaram obter
amplo e detalhado entendimento a respeito dos procedimentos adota-
dos para a emissão de outorga e de licenciamento ambiental.

A etapa seguinte, finalizando o diagnóstico, consistiu na análise crítica dos


procedimentos existentes em nível federal, em Sergipe e em outros es-
tados, destacando as vantagens e os desafios relacionados à integração.

A fase final do trabalho abrangeu as proposições, definindo a estratégia


e os procedimentos para integração entre outorga de direito de uso de
recursos hídricos e licenciamento ambiental para o estado de Sergipe.

LEVANTAMENTO DOS PROCEDIMENTOS DE INTEGRAÇÃO


ENTRE OUTORGA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O levantamento da situação de outorga e de licenciamento ambiental


nos âmbitos federal e estaduais procurou destacar os procedimentos,
as peculiaridades e a forma como ocorre a integração.

Esfera federal

No âmbito federal, o licenciamento ambiental é de responsabilidade do


Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová-
veis (Ibama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, enquanto que a Bahia anál. dados,

outorga de direito de uso dos recursos hídricos está a cargo da Agência


Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
101
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

É importante Nacional de Águas (ANA), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento


ressaltar que o Regional. A seguir são descritas suas competências.
licenciamento
ambiental e Ibama
a autorização
O Ibama é uma autarquia federal, criada pela Lei Federal nº 7.735/89
para supressão
para integrar a gestão ambiental no país. Tem sede em Brasília/Distrito
de vegetação
Federal e conta com 26 superintendências regionais.
(ASV)
constituem um A Lei Complementar 140/11, aprovada pelo Decreto Federal 8.437/2015,
processo único define a tipologia de empreendimentos cujo licenciamento é de com-
e integrado no petência da União: rodovias, ferrovias e hidrovias federais; portos or-
Ibama ganizados com movimento igual ou superior a 450.000 TEU/ano ou a
15.000.000 t/ano; exploração e produção de petróleo e gás; e sistemas
de geração e transmissão de energia elétrica (BRASIL, 2011).

As licenças ambientais concedidas pelo instituto estão estabelecidas


no Decreto nº 99.274/90 e detalhadas na Resolução Conama nº 237/97,
sendo elas: licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de
operação (LO).

A unidade responsável por executar o licenciamento ambiental no Iba-


ma é a Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic). O Sistema de Li-
cenciamento Ambiental (Sislic) é usado para sistematizar todas as in-
formações acerca dos empreendimentos e atividades cujos processos
tramitam na diretoria, assim como disponibilizar esses documentos para
o público externo (BRASIL, 2016).

O procedimento para abertura de um processo de licenciamento am-


biental é feito de forma on-line, no portal do Ibama. Para licenciar ou
regularizar um empreendimento, o requerente deverá ingressar em
“Acesso Sistema/Serviços” a partir da inscrição da pessoa jurídica e do
respectivo responsável legal no Cadastro Técnico Federal (CTF) e, em
seguida, declarar a atividade exercida.

Os estudos ambientais são definidos a partir das informações disponibi-


lizadas no sistema. É obrigatório apresentar a certidão da prefeitura mu-
nicipal informando que o empreendimento está em conformidade com
a legislação municipal. Quando for o caso, será exigida a autorização
para supressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas
pelos órgãos competentes.

É importante ressaltar que o licenciamento ambiental e a autorização


para supressão de vegetação (ASV) constituem um processo único e
Bahia anál. dados, integrado no Ibama. A ASV deve ser requerida caso seja necessária à
102 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 supressão de vegetação ou intervenção em área de preservação per-
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

manente (APP). No caso de haver intervenção em recursos hídricos em Atualmente, o


quaisquer das fases do licenciamento ambiental, a solicitação para a tal Sistema Federal
deve ser formalizada junto à ANA ou, se for o caso, no órgão estadual de Regulação
competente, conforme estabelecido na Resolução CNRH nº 65/2006 de Usos (Regla)
(SOUZA, 2015). Para solicitar a licença de instalação, o requerente deve- se tornou a
rá obrigatoriamente apresentar a outorga de direito de uso de recursos ferramenta
hídricos emitida pela Agencia Nacional de Águas.
de solicitação
e de análise
Nos casos em que não compete ao Ibama promover o licenciamento
de outorga de
ambiental do empreendimento e em que ocorrer o arquivamento do
processo por esse motivo, o empreendedor deverá ser comunicado e direito de uso
orientado via ofício. de recursos
hídricos de
ANA domínio da
União
Criada pela Lei Federal nº 9.984/2000 com a finalidade de implementar
a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Agência Nacional de Águas
(ANA) é uma autarquia sob regime especial, com sede e foro no Distrito
Federal e autonomia administrativa e financeira. Cabe à ANA controlar e
avaliar os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos; outor-
gar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos
em corpos de água; e fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos
de água de domínio da União.

A Lei Federal nº 9.984/2000 estabelece três categorias de outorgas


de competência da ANA: a outorga preventiva ou prévia, a outorga
de direito de uso e a declaração de reserva de disponibilidade hídrica
(DRDH). A outorga de direito de uso de recursos hídricos será concedi-
da por um prazo limitado, com validade máxima de 35 anos, com direito
a renovação. Os pedidos de outorga poderão ser indeferidos, suspensos
ou revogados (BRASIL, 2000).

No procedimento interno, a ANA utiliza o Sistema Próton para registro


de notas técnicas, tramitações, distribuição de documentos e geração
de número de protocolo para acompanhamento de processos.

Atualmente, o Sistema Federal de Regulação de Usos (Regla) se tornou


a ferramenta de solicitação e de análise de outorga de direito de uso de
recursos hídricos de domínio da União. Com o Regla, o usuário externo
de recursos hídricos pode solicitar a regularização dos usos de recur-
sos hídricos; acompanhar a tramitação do seu processo de outorga;
verificar se foi notificado a apresentar informações complementares;
e administrar diversas solicitações de outorga simultaneamente. A for-
malização do pedido de outorga via Regla é digital, exceto para DRDH
e barramentos. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
103
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Como a outorga Como a outorga prévia e a de direito de uso de recursos hídricos são do-
prévia e a de cumentos anteriores à licença ambiental, podem ocorrer situações em
direito de uso que elas sejam emitidas e os pedidos de licença ambiental do mesmo
de recursos empreendimento sejam indeferidos. Nesses casos, a autoridade outor-
hídricos são gante competente deve ser informada pelo órgão ambiental licenciador
sobre a ocorrência para a adoção de providências cabíveis.
documentos
anteriores
Esfera estadual
à licença
ambiental, A integração entre outorga e licenciamento ambiental nos estados,
podem ocorrer segundo a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2007), relatando
situações em a situação levantada em 2004, ocorria na Bahia, Distrito Federal, Mi-
que elas sejam nas Gerais, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo
emitidas e e Tocantins. Destes estados, foram selecionados Minas Gerais, Paraná,
os pedidos São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia para análise. Foram caracterizadas as
de licença seguintes situações:
ambiental
do mesmo • As entidades responsáveis pelos instrumentos de controle estão
empreendi- em órgãos diferentes, algumas vezes vinculadas a uma mesma
mento sejam secretaria estadual (Paraná) e, em outros casos, a secretarias di-
indeferidos ferentes (São Paulo).
• Ambos os instrumentos se encontram no mesmo órgão gestor
(Bahia e Rio de Janeiro).
• Situação mista, quando os órgãos gestores responsáveis pelas
políticas estaduais de recursos hídricos e meio ambiente estão em
entidades separadas, porém os setores operacionais de outorga e
de licenciamento estão integrados fisicamente, em um nível mais
baixo da estrutura hierárquica da secretaria ligada ao meio am-
biente (Minas Gerais).

O Quadro 1 apresenta um resumo das entidades e da estrutura organi-


zacional nos estados.

Quadro 1
Entidades e estrutura organizacional nos estados
Estado Órgão Entidades Secretaria
Paraná Instituto Ambiental do Paraná (IAP) Separadas Única
Instituto de Águas do Paraná
São Paulo Cetesb Separadas Diferentes
DAEE
Minas Gerais Igam/Feam/IEF Mista Única
Bahia Instituo Estadual de Meio Ambiente e Única Única
Recursos Hídricos (Inema)
Rio de Janeiro Inea Única Única
Fonte: elaboração própria.
Bahia anál. dados,
104 Salvador, v. 29, n. 2,
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fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

Estado do Paraná No estado de


São Paulo, os
No estado do Paraná, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídri- instrumentos
cos abriga os órgãos responsáveis pela outorga de direito de uso dos de outorga e de
recursos hídricos (Instituto de Águas do Paraná) e pelo licenciamento licenciamento
ambiental (Instituto Ambiental do Paraná). Os procedimentos de inte- ambiental estão
gração estão estabelecidos (PARANÁ, 2004) dentro da rotina da ou-
sob respon-
torga e do licenciamento ambiental. Conforme preconiza a Resolução
sabilidade
CNRH n° 65 (CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006),
de entidades
a outorga é um pré-requisito para as etapas do licenciamento ambiental.
No entanto, segundo informações do Instituto de Águas do Paraná, não vinculadas a
há retroalimentação das informações entre as entidades. Por exemplo, dois órgãos
se um empreendimento obtém a outorga, mas não a licença ambiental,
ou desiste da implantação do empreendimento por outros motivos, o
Instituto Ambiental do Paraná não comunica ao Instituto das Águas,
para que ocorra a baixa da outorga no sistema de controle.

Estado de São Paulo

No estado de São Paulo, os instrumentos de outorga e de licenciamento


ambiental estão sob responsabilidade de entidades vinculadas a dois
órgãos: Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos (SSRH) e Secre-
taria de Meio Ambiente (SMA), respectivamente. Na estrutura da SSRH,
o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) responde pela
análise e emissão de outorga, enquanto que, na SMA, a Companhia Am-
biental do Estado de São Paulo (Cetesb) está encarregada da análise e
emissão de licenças ambientais.

A Resolução Conjunta SMA/SERHS nº 1 (SÃO PAULO, 2005) define as


dependências entre as etapas de licenciamento ambiental e os tipos de
outorga e vice-versa. No licenciamento ambiental, nas etapas de LP e LI,
é preciso apresentar a declaração sobre viabilidade de implantação de
empreendimento (DVI) nos casos de captação superficial e subterrânea
e lançamento de efluentes em corpo d’água. Já para a LO é solicitada
a outorga de direito de uso. Atualmente, o DAEE não exige a licença
ambiental como pré-requisito para a obtenção da outorga, havendo,
porém, algumas exceções. No entanto, a outorga continua sendo pré-
-requisito para as licenças ambientais na Cetesb. Além disso, os proce-
dimentos de retroalimentação das informações entre as entidades não
estão operacionais.

Estado da Bahia

No estado da Bahia, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídri-


cos (Inema), autarquia da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), é o Bahia anál. dados,

órgão executor da Política Estadual de Meio Ambiente e de Proteção à


Salvador, v. 29, n. 2,
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105
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Na criação do Biodiversidade e da Política Estadual de Recursos Hídricos. Criado em


Inema, o modelo 2011, o Inema surgiu a partir da junção de duas autarquias da Sema: Ins-
proposto para tituto do Meio Ambiente (IMA) e Instituto de Gestão das Águas e Clima
os instrumentos (Ingá), que eram responsáveis pela gestão ambiental e dos recursos hí-
de controle dricos, respectivamente. Essa fusão ocorreu com o objetivo de integrar
e fortalecer as políticas ambientais e de recursos hídricos no estado.
previa a
integração
Na criação do Inema, o modelo proposto para os instrumentos de con-
da outorga
trole previa a integração da outorga dentro do licenciamento ambiental,
dentro do fazendo parte das análises das diversas coordenações que compõem
licenciamento a Diretoria de Regulação. Os técnicos oriundos do órgão de recursos
ambiental hídricos foram alocados nas coordenações de licenciamento ambiental.
No entanto, devido à relativa complexidade e à falta de um sistema de
apoio à decisão de outorga que contemplasse o suporte às análises
espaciais e interdependentes dos usuários de rios, os despachos das
outorgas solicitadas se estagnaram e foram se acumulando. Em meados
de 2013 foi criado o Núcleo de Outorga (Nout), sendo retomadas as aná-
lises e autorizações. Desde aquela época, o Nout se mantém informal
na estrutura do Inema.

Com a implantação do Sistema Estadual de Informações Ambientais e


de Recursos Hídricos (Seia), a integração dos procedimentos de outorga
e de licenciamento ambiental ganhou agilidade e facilidade na criação
de processos, mas a morosidade na análise continua sendo um dos pon-
tos críticos do órgão ambiental. Esse fato se justifica pelo número insu-
ficiente de técnicos, pela ausência de um sistema de suporte à análise
de outorga com estrutura de banco de dados e pela grande quantidade
de processos protocolados diariamente. O aspecto positivo reside no
estabelecimento de um processo único e na emissão de portaria única
para os processos de empreendimentos com solicitação de outorga e
de licenciamento ambiental, vinculando a localização, as condicionantes
e os prazos de validade de ambos os instrumentos.

Estado do Rio de Janeiro

No estado do Rio de Janeiro, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea),


criado por meio da Lei nº 5.101 (RIO DE JANEIRO, 2007), foi efetiva-
mente instalado em 2009, resultado da união de três órgãos ambientais
vinculados à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA): a Fundação Esta-
dual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), a Superintendência Es-
tadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Com a criação do Inea, as gerências responsáveis pela análise dos proces-


sos de outorga e de licenciamento se integraram em uma mesma direto-
Bahia anál. dados, ria, o que se configura como uma articulação efetiva entre o licenciamen-
106 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 to e a regularização do uso da água dentro do estado do Rio de Janeiro.
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

Ao longo dos anos, a análise dos processos de outorga e licenciamento Em síntese,


ambiental tornou-se lentas. Dentre os fatores que contribuíram para a no estado do
morosidade da concessão destacam-se: falta da documentação solici- Rio de Janeiro,
tada, divergência dos dados informados, número reduzido de técnicos a integração
e falta de recursos de informatização (NUNES; RAMOS, 2010). da análise de
outorga e licen-
Atualmente, os requerimentos de outorga e licenciamento ambiental
ciamento está
são feitos por meio de um aplicativo de celular (Inea), sendo realizado
funcionando
o enquadramento do empreendimento ou atividade e a avaliação da
adequadamente
documentação. Caso haja insuficiência de dados ou inconsistências, o
usuário é solicitado a completar ou corrigir as informações em um prazo
estipulado, sob pena de arquivamento do requerimento.

O advento do aplicativo implicou a diminuição do número de proces-


sos paralisados por falta de documentação, porém ainda hoje existe
morosidade na análise dos processos, por redução da equipe técnica,
justificada pela crise política no estado.

No que se refere à integração dos processos, a depender da fase do em-


preendimento/atividade, a concessão da outorga é pré-requisito para a
licença, seguindo as disposições da Resolução CNRH n°65/2006 (CON-
SELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).

Em 2017, o Inea adotou o Regla da ANA para cadastrar o usuário de


recursos hídricos do estado. Vale ressaltar que o cadastro no Regla não
substitui a solicitação da outorga para a regularização do uso, que tem
sua tramitação em papel.

Em síntese, no estado do Rio de Janeiro, a integração da análise de ou-


torga e licenciamento está funcionando adequadamente. É importante
destacar a existência de dois setores no mesmo nível hierárquico na es-
trutura do Inea – gerências de Licenciamento Ambiental e de Recursos
Hídricos –, nos quais são analisados os processos.

Estado de Minas Gerais

No estado de Minas Gerais, a Política Estadual de Recursos Hídricos e a


Política Estadual do Meio Ambiente estão reunidas através do Sistema
Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), formado pela
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Semad), pelos conselhos estaduais de Política Ambiental (Copam) e de
Recursos Hídricos (CERH) e pelos órgãos vinculados – Fundação Esta-
dual do Meio Ambiente (Feam), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e
Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
107
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Do ponto de No que se refere ao processo de regularização ambiental, os órgãos vin-


vista teórico e culados exercem o papel de referência técnico-científica e jurídica, en-
institucional, o quanto que as atribuições operacionais são executadas pela Semad, por
sistema mineiro meio das superintendências regionais de Meio Ambiente (Supram). Desta
é amplo e tem maneira, o sistema foi concebido para facilitar os processos de licen-
ciamento e estimular o trabalho de acordo com as normas ambientais,
se empenhado
reunindo em um único endereço as entidades componentes do Sisema.
para
materializar a
O instrumento de outorga de direito de uso da água, no caso do estado
integração dos de Minas Gerais, tem suas regras estabelecidas pelo Igam, que é o órgão
instrumentos gestor de recursos hídricos (MINAS GERAIS, 1999). Os procedimentos ge-
de outorga e rais para obtenção de outorga de direito de uso de recursos hídricos foram
licenciamento estabelecidos pela Portaria Igam nº 49, de 1º de julho de 2010. Esses pro-
ambiental cedimentos seguem o que está posto na Resolução Semad n° 390/2005,
que estabelece as normas de integração com o licenciamento ambiental.

O licenciamento ambiental em Minas Gerais segue as etapas de LP, LI e


LO. Em 2018, houve acréscimo da licença ambiental simplificada (LAS)
(MINAS GERAIS, 2018). Além disso, foi reorientado o licenciamento con-
comitante iniciado com o Decreto n° 47.137/2017. Nessa nova fase de
mudanças, além do porte e do potencial poluidor, a definição das moda-
lidades de licenciamento passou a considerar critérios locacionais, con-
forme a Deliberação Normativa Copam n° 217 (MINAS GERAIS, 2017c).

Do ponto de vista teórico e institucional, o sistema mineiro é amplo e


tem se empenhado para materializar a integração dos instrumentos de
outorga e licenciamento ambiental. No entanto, o resultado, na prática,
tem sido um grande número de processos sem finalização. Diante dessa
situação, o governo de Minas Gerais criou forças-tarefa em 2015 e em
2017, com a finalidade de diagnosticar, analisar e propor alterações no
funcionamento do Sisema (MINAS GERAIS, 2015, 2017d).

Além dessas providências, foram realizados esforços para diminuir a


quantidade de processos analisados pelo Sisema, buscando que as pre-
feituras municipais participem do licenciamento ambiental (MINAS GE-
RAIS, 2016, 2017b). No entanto, no que se refere aos recursos hídricos,
o estado terá de continuar analisando os pedidos de outorga.

ANÁLISE COMPARATIVA DOS PROCEDIMENTOS DE


INTEGRAÇÃO ENTRE OUTORGA E LICENCIAMENTO
AMBIENTAL

Diante do universo de configurações das entidades responsáveis pelos ins-


Bahia anál. dados, trumentos de outorga e licenciamento ambiental descritos, apresenta-se a
108 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 seguir uma análise comparativa sobre os principais aspectos de interesse.
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

Considerando o contexto geral, a integração da outorga e do licencia- Destaca-se


mento ambiental passa primeiro por uma definição estratégica em nível que, na política
institucional quanto à locação das políticas setoriais respectivas em uma de meio
entidade ou em entidades separadas. As vantagens e desvantagens ambiente, o
dessas duas configurações são apresentadas no Quadro 2. licenciamento
ambiental tem
Destaca-se que, na política de meio ambiente, o licenciamento ambien-
um peso muito
tal tem um peso muito grande quando comparado à outorga na políti-
grande quando
ca de recursos hídricos, na qual outros instrumentos de gestão foram
comparado
concebidos, de forma a complementar o arranjo gerencial (cobrança,
monitoramento, enquadramento dos corpos hídricos, sistema de infor- à outorga
mações, fiscalização, planos de bacia hidrográfica, plano estadual). na política
de recursos
hídricos
Quadro 2
Políticas setoriais em uma ou duas entidades – Vantagens e desvantagens
Políticas setoriais Vantagens Desvantagens
Em entidade única Formação, tramitação e conclusão Predomínio dos aspectos da política de
(publicação) de processo unificadas. meio ambiente sobre aqueles de recursos
Atualização de alterações pós- hídricos.
finalização do processo facilitada. Demais instrumentos da política de
Formação de uma base única de recursos hídricos ficam dispersos, sem
informações. efetividade.
Dificuldade para enfrentar crises hídricas.
Morosidade para emissão de outorga.
Em entidades Ambas as políticas recebem a Formação, tramitação e conclusão
separadas mesma valoração e tendem a se (publicação) de processo separadas.
fortalecer. Bases de dados separadas.
A especialização melhora o Atualização de alterações pós-finalização do
desempenho na análise dos processo precisa ser bem definida dentro
processos. dos procedimentos de análise.
Na política de recursos hídricos, os
demais instrumentos tendem a ser
implantados, fortalecendo a gestão.
Fonte: elaboração própria.

As principais características dos procedimentos encontrados nas confi-


gurações federal e estaduais avaliadas são destacadas na síntese apre-
sentada no Quadro 3, considerando-se os seguintes fatores:

• Descentralização: refere-se à condição na qual a entidade respon-


sável pelo instrumento de controle tem escritórios regionais nos
quais a solicitação da autorização pode ser iniciada.
• Documentos para formação do processo: tipo de documento que
deve ser entregue: cópia de papel ou digital (imagem digital do
documento).
• Formação do processo: o processo de solicitação de outorga/
licenciamento ambiental é único ou formado em separado.
• Tramitação do processo: a tramitação do processo (abertura, dis-
tribuição e conclusão) é manual (despacho em papel) ou digital
(via sistema de informações). Bahia anál. dados,

• Sistemas de informações integrados: os sistemas de informações


Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
109
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Nos estados de outorga e de licenciamento ambiental, caso existam, são inte-


nos quais grados (sim) ou não.
as políticas • Publicação unificada: a publicação de portaria de outorga e de
setoriais estão licenciamento ambiental é única (sim) ou separada (não).
em entidades • Atualização pós-finalização do processo: situação na qual, uma
vez concluídos e deferidos os processos de outorga e de licen-
diferentes,
ciamento ambiental, no caso de alteração, suspensão ou cancela-
a formação
mento de um dos atos, ocorre comunicação entre os órgãos (ou
do processo
gerências/coordenações, no caso de entidade única) para atuali-
ocorre de forma zação dos dados. Em caso de indeferimento ou arquivamento da
independente solicitação de licença ambiental ou de não implantação, também
(separada) é necessária a comunicação ao responsável pelo gerenciamento
dos recursos hídricos, o qual deve atualizar o sistema de outorga.
Essa informação torna-se importante porque, caso não aconteça
a atualização, o sistema de outorga vai continuar a considerar
uma demanda de recursos hídricos que não se materializou.

Observando-se o Quadro 3, verifica-se que os sistemas que recebem


os documentos em meio digital têm a tramitação na forma digital (via
sistema de informações), enquanto que aqueles que formam o processo
com documentos em papel podem ter tramitação manual ou digital.

Nos estados nos quais as políticas setoriais estão em entidades diferen-


tes, a formação do processo ocorre de forma independente (separada).
Da mesma maneira acontece nos sistemas de informações que não são
integrados e com a publicação, que é em separado. Nos estados nos
quais as políticas estão na mesma entidade, a formação do processo
é única, a exemplo de Minas Gerais e Bahia, porém ocorre de forma
separada no Rio de Janeiro. Somente na Bahia os documentos para
formação do processo são em meio digital. Em Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Bahia, os sistemas de informação são integrados para outor-
ga e licenciamento, e ocorre a atualização pós-finalização do processo.
Além disso, a publicação das autorizações é unificada, com exceção do
Rio de Janeiro.

Todos esses fatores, sintetizados no Quadro 3, influenciam o desem-


penho e a eficiência da entidade responsável pela política setorial na
definição das autorizações. A descentralização é um fator importante
quando a dimensão estadual pode limitar o acesso à formalização da
solicitação da autorização. Esse fator é minimizado quando a formação
se baseia em documentos em formato digital, podendo ser feita de for-
ma remota, via internet. Nesse último caso, em geral, a tramitação do
processo também é digital, dando maior segurança e controle por parte
dos gestores públicos e visibilidade para o requerente. A publicação das
Bahia anál. dados, autorizações de outorga e licenciamento ambiental permite que o perío-
110 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 do de validade seja coerente para ambas, e que as eventuais alterações
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

de um empreendimento sejam registradas e consideradas em ambas as Diante dos


políticas setoriais. cenários
federal e
Quadro 3 estaduais
Características dos procedimentos encontrados nas configurações federal e estaduais analisados, no
avaliadas
que se refere

Documentos para
aos proce-
Descentralização

Atualização pós-
Tramitação do
Formação do
formação do

informações

autorização
Sistema de

Publicação
Entidades

integrado

unificada
processo

processo

processo
dimentos,
Estado

o ponto
crítico da
União Ibama Sim Papel Separado Digital/ Não Não Não configuração
Manual
das políticas
ANA Não Digital (1) Separado Digital Não Não Não
Paraná IAP Sim Digital Separado Digital Não Não Não em entidades
Instituto Sim Papel Separado Digital Não Não Não diferentes é
de Águas
São Paulo Cetesb Sim Digital Separado Digital Não Não Não
a atualização
DAEE Sim Digital Separado Digital Não Não Não pós-finalização
Minas Gerais Igam/ Sim Papel Único Digital Sim Sim Sim do processo de
Feam/IEF
Bahia Inema Não Digital Único Digital Sim Sim Sim autorização
Rio de Janeiro Inea Não Papel Separado Manual Sim Não Sim
Fonte: elaboração própria.
(1) Exceto para DRDH e barramento.

Diante dos cenários federal e estaduais analisados, no que se refere


aos procedimentos, o ponto crítico da configuração das políticas em
entidades diferentes é a atualização pós-finalização do processo de au-
torização. No caso de ambas as políticas em uma entidade, o problema
está na análise lenta e na consequente geração de passivo de processos.
No entanto, do ponto de vista estratégico para desenvolvimento da po-
lítica de recursos hídricos é muito importante considerar que os outros
instrumentos de gestão previstos necessitam ser implantados para que
a gestão se fortaleça e seja eficaz.

SITUAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE OUTORGA E


LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO ESTADO DE SERGIPE

No estado de Sergipe, os instrumentos de controle estão em entidades


distintas (Adema e órgão executor da política estadual de recursos hí-
dricos), ambas atualmente vinculadas à Sedurbs. Em outro momento,
essas entidades pertenceram a secretarias de estado diferentes. Assim,
do ponto de vista do arranjo institucional, Sergipe se assemelha à situa-
ção do Paraná, de São Paulo e do governo federal (Ibama e ANA).
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
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Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

No que se refere No levantamento de procedimentos realizados junto às instituições es-


à integração taduais, constatou-se que, na Adema, os processos são requeridos e
dos processos analisados por meio do sistema Siga e seguem o mesmo fluxo proces-
de outorga sual até a sua publicação. No órgão executor da política hídrica estadual
com os de não existe um sistema de apoio para formação e análise de processos,
que são formados, seguem a tramitação e são analisados em meio fí-
licenciamento
sico, sendo que os dados concedidos através dos atos são tabulados
ambiental,
e armazenados em planilhas eletrônicas. Em 2020 está previsto o iní-
os órgãos de
cio de funcionamento do Sistema de Outorga de Recursos Hídricos de
meio ambiente Sergipe (Sorhse), que possibilitará a formação, tramitação e conclusão
e de recursos de processo em meio digital, permitindo melhorar o desempenho insti-
hídricos tucional. Adicionalmente, o sistema computacional permitirá visualizar
trabalham as outorgas e as licenças ambientais em um ambiente do Sistema de
de forma Informações Geográficas (SIG), suprindo a necessidade da Adema de
independente espacializar e relacionar suas informações com as autorizações de re-
cursos hídricos emitidos.

No que se refere à integração dos processos de outorga com os de


licenciamento ambiental, os órgãos de meio ambiente e de recursos
hídricos trabalham de forma independente. No entanto, na formação do
processo de licenciamento, a Adema solicita que o usuário apresente a
outorga ou o protocolo de solicitação. Em algumas situações, a outorga
poderá sair como uma condicionante na portaria da licença ou autoriza-
ção. Do outro lado, no processo de requerimento, o licenciamento não
é pré-requisito para análise de nenhum tipo de outorga.

Como ocorre no Paraná, em São Paulo e em nível federal, as informações


declaradas pelo empreendedor por meio de estudos que dão suporte
para a análise das licenças e das outorgas deferidas ou indeferidas não
são cruzadas entre as entidades, sendo possível que contemplem ca-
racterísticas diferentes de uso da água. Além disso, não ocorre a atua-
lização pós- finalização de processo. Ambas as limitações são comuns
em configurações desse tipo.

A situação em que estão presentes entidades diferentes, como ocorre


em Sergipe, não é impeditiva para a integração, demandando, porém,
uma boa articulação, sendo que a elaboração do presente estudo já
representa um importante passo nessa direção. Embora existam van-
tagens associadas à situação de um único órgão, como a maior efe-
tividade do processo de retroalimentação de renovações, alterações,
suspensão e cancelamento, há um risco associado à maior valorização
de processos ambientais, como se observa na Bahia.

Compreendendo-se e comparando-se o processo de Sergipe com os


Bahia anál. dados, praticados por outros estados e pela União, verifica-se que, como os
112 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 setores (recursos hídricos e meio ambiente) têm suas políticas bem de-
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

finidas, mostra-se mais interessante que se busque a integração de pro- Inicialmente


cessos, e não a união em um único órgão. foi necessário
analisar os
vários aspectos
ESTRATÉGIAS E PROCEDIMENTOS PARA INTEGRAÇÃO técnicos da
DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE OUTORGA E outorga e do
LICENCIAMENTO AMBIENTAL EM SERGIPE
licenciamento
ambiental,
A integração dos processos administrativos de outorga e licenciamento
como a
ambiental foi desenvolvida com base nas seguintes definições:
tipologia dos
• O modelo institucional considera a configuração existente, com atos, o tipo de
as políticas setoriais de recursos hídricos e meio ambiente sob manancial,
responsabilidade de entidades diferentes, de forma a preservar e o prazo de
fortalecer a gestão dos recursos hídricos. validade e a
tipologia dos
As diversas etapas que envolvem a integração da outorga e Do licen- empreendi-
ciamento ambiental deverão seguir a Resolução do CNRH n°65/2005 e mentos
adaptações já implantadas em

• nível estadual, sendo que a outorga prévia é pré-requisito para a


licença prévia, e a outorga de direito é pré-requisito para a licença
de operação. Nos casos em que o uso do recurso hídrico é neces-
sário para a instalação do empreendimento, a outorga de direito
será pré-requisito para a licença de instalação.

• Os procedimentos de atualização pós-finalização de processo


têm caráter fundamental na integração.

Considerando essas três premissas, foi desenvolvido o fluxograma para


integração dos processos de outorga e licenciamento ambiental, junta-
mente com o mapeamento dos procedimentos técnicos.

Inicialmente foi necessário analisar os vários aspectos técnicos da ou-


torga e do licenciamento ambiental, como a tipologia dos atos, o tipo
de manancial, o prazo de validade e a tipologia dos empreendimentos.

Os tipos de atos de outorga e licenciamento ambiental passíveis de inte-


gração, bem como a correspondência entre eles, constam no Quadro 4.

O Quadro 4 também separa os atos quanto à fase do processo de ob-


tenção das licenças, a saber: a) solicitação de autorização e b) pós-fi-
nalização da autorização. Na fase de solicitação da autorização estão
as outorgas e licenças prévias, a outorga de direito de uso, de obra
hídrica e regularização de obra hídrica (barragem), as licenças de ins- Bahia anál. dados,

talação, operação, de instalação e operação, simplificada, única, única


Salvador, v. 29, n. 2,
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113
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Do ponto Quadro 4
Correspondência entre os tipos de atos de outorga e licenciamento ambiental
de vista da
Fase Atos de outorga Atos de licenciamento ambiental
integração
Solicitação de Outorga prévia Licença Prévia (LP)
de outorga e autorização Licença técnica
licenciamento Outorga de direito de uso Licença de Instalação (Li)
Outorga de obra hídrica Licença de Operação (LO)
ambiental, Regularização de obra hídrica Licença de Instalação e Operação (LIO)
o tipo de (barragem) Licença Simplificada (LS)
Licença Única (LU)
manancial Licença Única de Plantio (LUP)
Licença de Regularização de Operação (LRO)
quanto à Autorização Ambiental (AA)
ocorrência Regularização de Carcinicultura (RC)
Dispensa de outorga Dispensa de Licença Ambiental (DLA)
física Pós-autorização Alteração de outorga Alteração de Licenças (LP, LI, LO, LS, LIO, LU, LUP)
(superficial ou Transferência de titularidade Alteração de Licenças
subterrâneo) Renovação de outorga Renovação de Licenças (LP, LI, LO, LS, LIO, LU, LUP)
Suspensão de outorga Suspensão de Licença
não implica Extinção de outorga Cancelamento de Licença
interferência Fonte: elaboração própria.

nos procedi-
mentos de plantio, autorização ambiental, regularização de carcinicultura e as
dispensas de outorga e de licença ambiental. Na fase pós- finalização
da autorização se encontram os atos de alteração, inclusa a transferên-
cia de titularidade da outorga, a renovação, a suspensão, a extinção de
outorga e o cancelamento de licença ambiental.

A tipologia do manancial hídrico está relacionada às características de


ocorrência física – se superficial ou subterrâneo, e ao domínio – se fede-
ral ou estadual. As águas subterrâneas, segundo a Constituição Federal
de 1988, são de domínio estadual. As águas superficiais de mananciais
que nascem e se desenvolvem dentro do mesmo território estadual são
de domínio estadual. Se as águas de um rio percorrem o território de
mais de um estado, são de domínio federal.

Do ponto de vista da integração de outorga e licenciamento ambiental,


o tipo de manancial quanto à ocorrência física (superficial ou subterrâ-
neo) não implica interferência nos procedimentos.

O domínio do manancial (federal ou estadual) interfere na integração


dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental, uma vez que,
no que se refere à outorga, os de domínio federal estão sob responsabi-
lidade de autorização da Agência Nacional de Águas, enquanto que os
de domínio estadual são de competência da Sedurbs/Serhma. Em am-
bos os casos, o licenciamento ambiental fica a cargo da Adema, exceto
nas situações de impactos ambientais considerados significativos, de
âmbito regional ou nacional (envolvendo estados federados ou países
vizinhos), em que a atribuição será do órgão federal (Ibama), conforme
Bahia anál. dados, define a Lei nº 6938 (BRASIL, 1981).
114 Salvador, v. 29, n. 2,
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fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

A validade das autorizações para as outorgas varia de dois a 30 anos, Para análise da
conforme segue: integração dos
procedimentos
• Outorga de direito de uso: até 30 anos (SERGIPE, 1999) e até 10 de outorga e
anos (CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2014). licenciamento
• Outorga prévia: até cinco anos (SERGIPE, 1999) – na prática, dois
ambiental foi
anos (CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2001).
considerada,
• Renovação: não especificado – na prática, mesmo prazo da outorga.
inicialmente,
Para as licenças ambientais, os prazos são:
a tipologia
dos empreen-
• Em geral, até cinco anos. Na prática, estão sendo concedidos três dimentos/
anos. atividades
• Empreendimentos de abastecimento de água: cinco anos. definidos na
• Autorização ambiental (AA): até um ano, sem renovação. Lei n° 8.497
(SERGIPE, 2018)
Para análise da integração dos procedimentos de outorga e licencia-
mento ambiental foi considerada, inicialmente, a tipologia dos em-
preendimentos/atividades definidos na Lei n° 8.497 (SERGIPE, 2018).
Assim, existem 32 agrupamentos normativos relacionados às macroa-
tividades dos empreendimentos, sendo listadas 389 atividades, das
quais uma em cada agrupamento é do tipo “Outros”, de forma a acolher
o surgimento de novas atividades. A mesma lei estabelece a classifica-
ção ambiental por porte de empreendimento e define o porte segundo
o maior dos três parâmetros: a) área total construída; b) faturamento
bruto anual; c) número de funcionários. Quando houver coincidência
de dois parâmetros em uma mesma classificação, esta deverá ser con-
siderada (SERGIPE, 2018).

A definição de porte dos empreendimentos, segundo a classificação


geral da Lei n° 8.497 (SERGIPE, 2018), não necessariamente tem vínculo
com o uso de recursos hídricos. Uma atividade pode ter ou não o uso
de recursos hídricos e suprimento de água atendido pelo sistema de
abastecimento da concessionária de saneamento, independentemente
do porte.

No entanto, a Lei n° 8.497/2018 prevê o seguinte:

Devido a características ou natureza próprias, o porte de alguns empre-


endimentos, obras ou atividades é melhor caracterizado utilizando-se
parâmetros diferentes dos apresentados na Tabela 1 acima. Compete
à ADEMA defini-los, sempre que necessário, visando a preservação da
qualidade ambiental, integridade ecológica dos ecossistemas e susten-
tabilidade dos recursos naturais. (SERGIPE, 2018).
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
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115
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Desta maneira, Desta maneira, optou-se por incluir um parâmetro hidrológico para a
optou-se por definição de porte de empreendimento quanto à integração outorga/
incluir um licenciamento, em vez de se considerar a tipologia.
parâmetro
hidrológico No geral, o indicador pode ser a vazão de demanda de recursos hídricos
do empreendimento. Outros parâmetros podem ser adotados (Reso-
para a definição
lução Conerh 1/2001 e alterações da Resolução Conerh 20/2014). Por
de porte de
exemplo, o Agrupamento Normativo 31 – Obras Hídricas (SERGIPE, 2018,
empreendi-
Anexo I) tem parâmetros específicos que definem a dispensa de outorga,
mento quanto como é o caso de barragens. A classificação de porte de empreendimen-
à integração to quanto ao uso dos recursos hídricos na integração dos procedimentos
outorga/licen- de outorga e licenciamento ambiental é apresentada no Quadro 5.
ciamento,
em vez de se Destaca-se que, para fins de integração, os empreendimentos classifica-
considerar a dos como médios quanto ao uso dos recursos hídricos, a critério do re-
tipologia querente, podem ou não solicitar a outorga prévia. Ficam dispensados de
outorga os empreendimentos classificados como pequenos, sendo que
os considerados grandes obrigatoriamente deverão solicitar outorga pré-
via quando o licenciamento ambiental necessitar de licença prévia (LP).

Quadro 5
Classificação de porte de empreendimento quanto ao uso dos recursos hídricos
Vazão de Vazão de
Classificação captação/ Barragem Núcleos rurais Carcinicultura diluição
Derivação
Pequeno(1) Q ≤ 2,5m³/h V ≤ 0,05hm³ ou A ≤ ≤ 120 casas ou LS(2) e Q ≤ 2,5m³/h
3ha ou H < 7m ≤ 600 hab Q ≤ 2,5m³/h
Médio 2,5m³/h < Q ≤ V > 0,05hm³ a < 3hm³ 2,5m³/h < Q ≤ 2,5m³/h < Q ≤ 2,5m³/h < Q ≤
50m³/h ou H ≥ 7m a < 15m ou 50m³/h 50m³/h 50m³/h
A > 3ha a < 500ha
Grande Q > 50m³/h V ≥ 3hm³ ou H ≥ 15m Q > 50m³/h Q > 50m³/h Q > 50m³/h
ou A ≥ 500ha
Fonte: elaboração própria.
Legenda: Q = vazão; V = volume; A = área do reservatório; H = altura do barramento.
(1) limite para dispensa de outorga;
(2) captações de água por empreendimentos aquícolas enquadrados no licenciamento simplificado (LS), conforme
Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEMA nº 5/2012, de 30/4/2012, desde que utilizem água
salobra; captações de água por empreendimentos de carcinicultura enquadrados no licenciamento simplificado
(LS), conforme estabelece a Resolução CEMA n.º 50/2013, de 26/7/2013, desde que utilizem água salobra.

Integração na fase de solicitação de autorização

As diversas etapas que envolvem a integração da outorga e o do licen-


ciamento ambiental têm como base a Resolução do CNRH n° 65 (CON-
SELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2005).

Na fase de solicitação da autorização, de modo geral, a outorga prévia


é pré-requisito para a licença prévia (LP) e a outorga de direito de uso
dos recursos hídricos é pré-requisito para a licença de operação (LO).
Pode ocorrer que, nos casos em que o uso dos recursos hídricos seja
Bahia anál. dados, necessário para a instalação do empreendimento, a outorga de direito
116 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 seja pré-requisito para a licença de instalação (LI).
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

De modo geral, as etapas de licenciamento ambiental integrado com A integração


outorga para os empreendimentos no estado de Sergipe seguem o fluxo na fase pós-fi-
apresentado na Figura 1. nalização da
autorização
Figura 1 envolve os atos
Fluxo geral dos procedimentos para a integração de outorga e licenciamento ambiental na fase de de alteração,
solicitação da autorização
incluída a
transferência
de titularidade
Fonte: elaboração própria.
da outorga,
renovação,
suspensão,
No entanto, os tipos de licenciamento ambiental influenciam a sequên- extinção de
cia das atividades relativas aos procedimentos necessários à integração outorga e
na fase de autorização. Segundo os critérios utilizados pela Adema, al- cancelamento
gumas licenças ambientais necessitam de licença prévia, e outras, não, de licença
demandando fluxogramas específicos. Para o agrupamento de obras hí- ambiental
dricas também há um fluxograma próprio, como é o caso da carcinicul-
tura, uma atividade importante no estado de Sergipe. Em função do ob-
jetivo deste trabalho, os fluxogramas específicos não são apresentados.

Integração na fase pós-finalização da autorização

A integração na fase pós-finalização da autorização envolve os atos de


alteração, incluída a transferência de titularidade da outorga, renovação,
suspensão, extinção de outorga e cancelamento de licença ambiental.

Nesse caso, o usuário/empreendedor primeiro deve se dirigir ao órgão


gestor de recursos hídricos e depois ao do meio ambiente. Para cada ato,
existem procedimentos correspondentes, apresentados no Quadro 6.

Quadro 6
Atos e procedimentos para integração na fase pós-autorização
Ato Procedimento
Alteração O usuário primeiro solicita a alteração da outorga, incluída a transferência
de titularidade. Depois vai à Adema e pede a alteração da licença,
apresentando o documento da SRH.
Renovação Independentemente dos prazos, para renovar a outorga, a licença deverá
estar em vigor, e vice-versa nas renovações seguintes.
Suspensão, Extinção/ Caso 1: motivado pelo requerente
Cancelamento O usuário primeiro solicita a suspensão ou extinção (desistência) da
outorga. Depois vai à Adema e pede a suspensão ou o cancelamento da
licença, apresentando o documento da SRH.
Caso 2: motivado pelo órgão
SRH comunica Adema.
Adema, sempre que implicar o uso de recurso hídrico, comunica SRH.
Fonte: elaboração própria.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
117
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

Os Dos vários aspectos técnicos da outorga e do licenciamento ambiental


instrumentos analisados, o domínio do manancial (federal ou estadual) e o prazo de
de licen- validade podem ser considerados aplicáveis para outros estados. Em
ciamento relação à tipologia dos atos é possível encontrar variações. A classi-
ambiental e ficação de porte de empreendimento em função do uso dos recursos
hídricos na integração dos procedimentos é um critério também aplicá-
outorga do
vel a outros estados, mas as classes e as faixas de valores adotadas são
direito de uso
características de Sergipe, necessitando de adaptações para aplicação
de recursos
em outros estados.
hídricos
integram
políticas no CONCLUSÕES
âmbito nacional
e dos estados Os instrumentos de licenciamento ambiental e outorga do direito de uso
que tiveram de recursos hídricos integram políticas no âmbito nacional e dos esta-
sua concepção dos que tiveram sua concepção e construção em momentos diferentes,
e construção embora possuam algumas diretrizes de integração.
em momentos
diferentes, A integração da outorga de direito de uso dos recursos hídricos com o
embora licenciamento ambiental tem sido estimulada pelo Conselho Nacional
possuam de Recursos Hídricos (CNRH) através da Resolução nº 65, de 7 de de-
zembro de 2006.
algumas
diretrizes de
Os procedimentos adotados para a integração entre os dois instru-
integração
mentos a partir de dados secundários, tanto em nível federal como nos
estados, identificaram a possibilidade de diferentes configurações. Os
sistemas estaduais selecionados para a análise caracterizaram essas
configurações da seguinte forma: a) as entidades responsáveis pelos
instrumentos de controle estão em órgãos diferentes, às vezes vincula-
das a uma mesma secretaria estadual (Paraná), outras vezes, a secre-
tarias diferentes (São Paulo); b) ambos os instrumentos se encontram
no mesmo órgão gestor (Bahia e Rio de Janeiro); e c) situação mista,
quando os órgãos gestores responsáveis pelas políticas estaduais de
recursos hídricos e meio ambiente estão em entidades separadas, po-
rém a parte operacional da outorga e licenciamento está integrada fisi-
camente, em um nível mais baixo da estrutura hierárquica da secretaria
de meio ambiente (Minas Gerais).

Dentre os vários fatores que influenciam o desempenho e a eficiência


da entidade responsável pela política setorial na definição das autoriza-
ções, destaca-se a descentralização, nos casos em que a dimensão esta-
dual pode limitar o acesso à formalização da solicitação da autorização.
Esse fator é minimizado quando a formação se baseia em documentos
em formato digital, podendo ser feita de forma remota, via internet.
Bahia anál. dados, Nesse último caso, em geral, a tramitação do processo também é digital,
118 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 dando maior segurança e controle aos gestores públicos e visibilidade
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

ao requerente. A publicação unificada das autorizações de outorga e li- Aspectos


cenciamento ambiental permite que o período de validade seja coerente técnicos da
para ambas e que as eventuais alterações de um empreendimento sejam relação entre
registradas e consideradas em ambas as políticas setoriais, no caso de a outorga e o
entidade única. licenciamento
ambiental
Diante dos cenários federal e estaduais analisados, no que se refere aos
foram
procedimentos, o ponto crítico da configuração das políticas em entida-
analisados,
des diferentes é a atualização pós- finalização do processo de autoriza-
entre eles a
ção. No caso da configuração de ambas as políticas em uma entidade, o
problema é a análise lenta e a consequente geração de passivo de pro- tipologia dos
cessos. No entanto, do ponto de vista estratégico para desenvolvimento atos, o tipo de
da política de recursos hídricos é muito importante considerar que os manancial,
outros instrumentos de gestão previstos necessitam ser implantados o prazo de
para que a gestão se fortaleça e seja eficaz. validade e a
tipologia dos
No caso do estado de Sergipe, a integração dos processos administrati- empreendi-
vos de outorga e licenciamento ambiental foi desenvolvida consideran- mentos
do o seguinte: 1) as políticas setoriais de recursos hídricos e meio am-
biente ficam sob responsabilidade de entidades diferentes, de forma a
preservar e fortalecer a gestão dos recursos hídricos; 2) a outorga é pré-
-requisito para a licença ambiental; e 3) os procedimentos de atualiza-
ção pós-finalização de processo têm caráter fundamental na integração.

Aspectos técnicos da relação entre a outorga e o licenciamento ambien-


tal foram analisados, entre eles a tipologia dos atos, o tipo de manancial,
o prazo de validade e a tipologia dos empreendimentos. A tipologia dos
atos exige compatibilização, enquanto o tipo de manancial – se subter-
râneo ou superficial – não interfere nos procedimentos de integração.
O domínio do manancial (federal ou estadual) influencia a integração
dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental, exigindo a
definição da esfera – se federal ou estadual. No que se refere à validade
das autorizações, conclui-se que, independentemente dos prazos, para
renovar a outorga, a licença deverá estar em vigor, e vice-versa, nas
renovações seguintes.

A tipologia dos empreendimentos/atividades inicialmente foi conside-


rada na análise da integração dos procedimentos de outorga e licencia-
mento ambiental. No entanto, para o caso de Sergipe, observou-se que
a classificação de porte dos empreendimentos não necessariamente tem
vínculo com o uso de recursos hídricos. Mas a Lei Estadual n° 8.497/2018
prevê a possibilidade de estabelecer outros parâmetros mais adequa-
dos (SERGIPE, 2018). Desta maneira, optou-se por incluir um parâmetro
hidrológico para definição de porte de empreendimento quanto à in-
tegração outorga/licenciamento, em vez de considerar a tipologia dos Bahia anál. dados,

empreendimentos, a ser utilizada na fase de autorização dos atos.


Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
119
Artigos Integração dos procedimentos de outorga e licenciamento ambiental: estudo de caso do estado de Sergipe

É preciso Na integração da fase pós-finalização da autorização, os procedimentos


considerar seguem a lógica de que o usuário/empreendedor deve primeiro se diri-
que se trata de gir ao órgão gestor de recursos hídricos e depois ao do meio ambiente.
procedimentos
inovadores A integração dos procedimentos de outorga e de licenciamento am-
biental exige esforços de dois órgãos com diferentes níveis hierárquicos
para as gestões
e estruturas. É preciso considerar que se trata de procedimentos ino-
de recursos
vadores para as gestões de recursos hídricos e de meio ambiente em
hídricos e de
Sergipe, necessitando de engajamento, colaboração e persistência da
meio ambiente parte de ambos os órgãos.
em Sergipe,
necessitando de Ademais, objetivando garantir o bom andamento do fluxo dos processos,
engajamento, há uma urgente necessidade de ampliar o número de técnicos responsá-
colaboração e veis pela análise das outorgas solicitadas e pela fiscalização das emitidas.
persistência da
parte de ambos Além da adequação dos procedimentos administrativos abordados, os
os órgãos aspectos legais para a integração entre a outorga e o licenciamento
ambiental também precisam ser definidos, considerando as peculiari-
dades estaduais.

O processo de integração exige o aperfeiçoamento do formulário de


caracterização do empreendimento no órgão ambiental na fase de so-
licitação da autorização.

Já a etapa de autorização de uso de recursos hídricos e de meio am-


biente precisa evoluir a partir das experiências acumuladas após esse
passo inicial. Entre os avanços, recomenda-se a integração dos sistemas
de controle de outorga e de licenciamento ambiental.

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competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à
Bahia anál. dados, proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas for-
120 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 mas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938,
fernando Genz, Vanessa Calil Barbosa, João Carlos Santos da Rocha Artigos

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Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências. Diário Oficial
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122 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019 cer as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento am-
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Bahia anál. dados,


124 Salvador, v. 29, n. 2,
p.98-125, jul.-dez. 2019
RESUMO

A avaliação ambiental estratégica (AAE) tem sido uma alternativa para consi-
derar a questão ambiental no processo de desenvolvimento. O presente artigo
resulta da pesquisa sobre a aplicação de AAE em programas de saneamento
básico. O objetivo da pesquisa foi propor orientações para a etapa inicial de
definição do processo de AAE, denominada scoping, conforme literatura es-
pecializada. O scoping é o conjunto de atividades que orientam o conteúdo da
avaliação. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica sobre os modelos
de scoping – seguida de análise comparativa e sistematização para a proposi-
ção do conjunto de procedimentos para esta etapa – e estudo de casos múl-
tiplos de programas de saneamento básico para a identificação de questões
relevantes. Houve abordagem multidimensional que considerou os aspectos
biofísicos, econômicos, sociais, institucionais e estratégicos do ambiente. O
resultado final foi a construção da proposta de uma base de referência para
a etapa de scoping da AAE aplicada em programas de saneamento básico.
Palavras-chave: Avaliação ambiental estratégica. Programas de saneamento
básico. Scoping.

ABSTRACT

Strategic Environmental Assessment (SEA) has been used as a way to ensure


that environmental aspects are considered in development process. This
article is the result of research on the use of SEA in water supply, sanitation,
solid waste and urban drainage Programmes. The objective of the research
is to propose scoping guidance for SEA applied to these Programmes. The
assessment content is determined at scoping stage. Two methodological steps
were developed. The first step proposed a set of procedures for SEA scoping
stage, using literature review and comparative analysis. The second step
identified relevant issues for scoping content, the method used was the multiple
case study. The multidimensional approach considered biophysical, economic,
social, institutional and strategic environmental aspects. The final result is the
proposal of reference guidelines for the scoping stage of SEA applied to water
supply, sanitation, solid waste and urban drainage Programmes.
Keywords: Strategic environmental assessment. Water supply. Sanitation.
Urban drainage. Solid waste. Programme. Scoping.
Artigos

Avaliação ambiental
estratégica para programas
de saneamento básico:
construindo orientações
para a etapa de scoping
LU I Z E U G E N I O P E R E I R A VA L I Ñ A S O COMPROMISSO das nações com as dire-
C A R D O S O E S I LVA
Mestre em Meio Ambiente, Águas e
trizes da Agenda 21 e com os Objetivos do
Saneamento e graduado em Engenharia Milênio preconiza que as políticas públicas
Civil, pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Engenheiro civil da Caixa devem considerar a perspectiva da questão
Econômica Federal.
[email protected] ambiental no processo de desenvolvimento.
SE VERINO SOARES AGR A FILHO A Agenda 2030, plano de ação elaborado
Doutor em Economia e Meio Ambiente,
pela Universidade Estadual de Campinas pelas Nações Unidas (ONU, 2015), estabe-
(Unicamp) e mestre em Planejamento
Energético, pela Universidade Federal
leceu os 17 Objetivos de Desenvolvimento
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor-
Sustentável. Dentre eles, destacam-se os
associado do Departamento de
Engenharia Ambiental e do Mestrado em objetivos 6 e 11: água potável e saneamento,
Meio Ambiente, Águas e Saneamento
da Escola Politécnica da Universidade e cidades e comunidades sustentáveis.
Federal da Bahia (UFBA).
[email protected]
Nesse sentido, torna-se premente que se
disponha de instrumentos e procedimentos
que propiciem a inserção da sustentabilida-
de nos processos de decisão governamen-
tal. O uso da avaliação ambiental estratégica
(AAE) tem sido uma alternativa praticada
em diversos países para esse propósito,
constituindo um processo que pode ser apli-
cado na área do saneamento.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
127
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

O principal O marco regulatório do saneamento básico no Brasil foi recentemente


papel da AAE estabelecido mediante política federal e plano nacional. Conforme pre-
é identificar visto na política, os estados e municípios também devem elaborar seus
opções e planos de saneamento básico, os quais devem nortear a formulação de
alternativas programas e correspondentes projetos específicos. Nesse processo de-
cisório (política, planos, programas e projetos) cabe destacar a relevân-
que venham a
cia do nível de programas como instância estratégica e determinante
atender a todos
para a efetivação dos objetivos e das diretrizes estabelecidas nas políti-
os objetivos
cas e planos. Os programas têm importância fundamental no processo,
das políticas pois fornecem orientações prévias para as ações, estabelecendo a co-
públicas, mas nexão e a relação de consistência entre as decisões públicas (políticas
que sejam e planos) e a execução na base (projeto), promovendo a obtenção dos
as mais resultados esperados. A estruturação de programas constitui o passo
sustentáveis seguinte à formulação dos planos de saneamento básico.
possíveis,
fornecendo O encadeamento do processo é essencial para a garantia da aplicação
subsídio para a do planejamento. No entanto, observa-se que frequentemente os pro-
decisão jetos são elaborados de forma separada do planejamento prévio. Nesse
sentido, o que ocorre é que todo o seu planejamento é local, limitado
à abrangência do projeto, sendo visados com maior ênfase apenas os
objetivos pontuais. Os projetos deveriam ser elaborados de forma a
produzir os resultados esperados pelas políticas e planos. A etapa de
programas pode estabelecer a vinculação dos projetos com as diretri-
zes estabelecidas anteriormente. Projetos que são desvinculados de um
planejamento mais amplo, formulado previamente em instância estraté-
gica, têm capacidade limitada de resultados, reduzindo a possibilidade
de solução das questões ambientais e dificultando o desenvolvimento
mais sustentável.

A AAE é um instrumento que pode ser utilizado para auxiliar na inserção


da questão ambiental no planejamento dos programas no campo do sa-
neamento básico. A sua aplicação precede a execução das ações, atuan-
do nas instâncias estratégicas de decisão, com o estímulo da participa-
ção da sociedade no processo, promovendo soluções mais sustentáveis
a partir da ampla discussão política e fortalecendo a governança. Nesse
sentido, é uma ferramenta de caráter estratégico, ambiental e partici-
pativo, necessária e apropriada para o campo do saneamento básico.
Para tanto, sua aplicação envolve as etapas de scoping, de avaliação de
impactos das opções consideradas e de indicação das diretrizes e das
medidas institucionais e de gestão ambiental requerida.

O principal papel da AAE é identificar opções e alternativas que ve-


nham a atender a todos os objetivos das políticas públicas, mas que
sejam as mais sustentáveis possíveis, fornecendo subsídio para a de-
Bahia anál. dados, cisão. Na aplicação da AAE destaca-se a importância do scoping para
128 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 atingir tal finalidade.
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

Scoping é a etapa do processo da AAE que define orientações sobre o Garantir que
âmbito da avaliação pretendida, incluindo as informações de referência as questões
para a etapa seguinte de avaliação de impactos. O termo “scoping”, no ambientais
contexto da AAE, não apresenta correspondência semântica com a pa- sejam
lavra “escopo” em português. Por isso, mantém-se o uso do termo em levadas em
inglês, considerando que é a nomenclatura consagrada para denominar consideração
esta etapa na literatura especializada sobre o tema.
nos níveis
estratégicos
O scoping é a fase na qual as especificidades do campo em estudo são
de decisão,
consideradas, constituindo o passo em que são verificadas as possibili-
dades de interação entre as políticas públicas em planejamento e o am- incluindo as
biente, identificando oportunidades, ameaças e os impactos potenciais políticas, os
possíveis, positivos e negativos. planos e os
programas
O objetivo geral deste artigo é propor orientações para a elaboração
do scoping da AAE aplicada em programas de saneamento básico, me-
diante dois objetivos específicos: propor procedimentos para a etapa de
scoping e identificar questões relevantes para o conteúdo da avaliação.
O artigo está organizado em cinco seções, sendo a primeira a presente
introdução. Em seguida, a segunda seção apresenta o referencial sobre
a AAE e o scoping. A terceira seção expõe a metodologia e os resulta-
dos relacionados ao primeiro objetivo específico, enquanto que a quarta
é sobre a metodologia do segundo objetivo específico e os resultados
alcançados. A última seção é formada pelas conclusões obtidas.

AAE E SCOPING

O Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para


Cooperação Econômica e Desenvolvimento (ORGANIZATION FOR
ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT, 2006), em seu guia
de orientações para aplicação de AAE, define este instrumento como
um conjunto de abordagens analíticas e participativas que integram a
questão ambiental no processo de planejamento de políticas, planos e
programas. Segundo Sadler e outros (2011), a razão de existir da AAE,
amplamente declarada, é garantir que as questões ambientais sejam
levadas em consideração nos níveis estratégicos de decisão, incluindo
as políticas, os planos e os programas.

Há três aspectos importantes que estabelecem o caráter estratégico da


AAE: posiciona-se em instâncias estratégicas do processo de planeja-
mento e tomada de decisão, anteriores ao nível de projetos e à execução
das ações, influenciando as decisões; fornece mais subsídios à tomada
de decisão ao integrar as questões ambientais, a noção de sustenta-
bilidade, as oportunidades e os riscos; propõe um processo contínuo Bahia anál. dados,

inserido no planejamento, adaptado ao aspecto cíclico da tomada de


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
129
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

O instrumento decisão. Os três pontos ressaltam a finalidade principal do instrumento:


de AAE tem influenciar a tomada de decisão. A razão primária pela qual as decisões
sido aplicado devem ser influenciadas – e que define o propósito maior da AAE – é
de forma declarada por Therivel (2004, p. 7): “O objetivo final da AAE é ajudar a
sistemática proteger o ambiente e promover a sustentabilidade”. Partidário (2007)
enfatiza a necessidade da AAE de criar condições favoráveis para in-
em diversos
clusão das questões ambientais no planejamento, promovendo novas
países, gerando
formas de tomada de decisão.
resultados
positivos A diferença mais evidente entre a avaliação de impactos ambientais
(AIA) e a AAE ocorre em relação ao objeto da avaliação. A AIA é apli-
cada no âmbito de projetos, enquanto a AAE é utilizada no nível de
políticas, planos e programas. Segundo a Organization for Economic
Cooperation and Development (2006), a AIA é um bom instrumento
para avaliação dos riscos e das oportunidades para o ambiente em
propostas de projetos, melhorando os resultados obtidos. No entanto,
deixar a avaliação ambiental apenas para a fase de projeto limita as
oportunidades de identificar alternativas e opções estratégicas que
poderiam trazer resultados mais sustentáveis. O objetivo da AAE é
auxiliar o planejamento. Sanchez (2008, p. 17) afirma que “[...] não se
trata de submeter Planos e Programas à AAE, mas de usar a AAE para
formular e desenvolver esses Planos e Programas [...]”, ressaltando o
caráter de orientação em vez de fiscalização e de obrigação, como
ocorre na AIA.

A Organization for Economic Cooperation and Development (2006)


ressalta o aspecto complementar dos instrumentos, explicando que um
não substitui o outro e que não há sobreposições de atividades. Ao
contrário, a AAE tende a acelerar o processo da AIA, simplificando o
seu escopo e reduzindo custos. As propostas de projeto que decorrem
de políticas públicas submetidas à AAE são formuladas sob critérios
ambientais já estabelecidos, o que diminui a possibilidade de impactos
ambientais negativos.

O instrumento de AAE tem sido aplicado de forma sistemática em


diversos países, gerando resultados positivos. A quantidade de infor-
mações sobre a prática cresceu significativamente na última década,
devido ao aumento do seu uso e da realização de pesquisas sobre o
tema. A AAE vem sendo aplicada em políticas públicas de planejamen-
to territorial, desenvolvimento urbano, habitação, redução de pobreza,
transporte, energia, agricultura, indústria, educação, turismo, gestão
das águas, gerenciamento costeiro, conservação e biodiversidade,
qualidade do ar, gestão de resíduos e desenvolvimento sustentável,
entre outras.
Bahia anál. dados,
130 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

Scoping é a etapa que define os tópicos considerados importantes para Scoping é a


compor o conteúdo mínimo da avaliação a ser realizada no processo de etapa que define
AAE. A garantia da influência efetiva nas instâncias de decisão estraté- os tópicos
gicas depende de que sejam incluídas as questões relevantes e a base considerados
de referência necessária para a avaliação. importantes
para compor
A elaboração do scoping adequado pode fornecer subsídios significati-
o conteúdo
vos para o programa em avaliação. As questões relevantes observadas
mínimo da
orientam a verificação das alternativas e opções existentes, constituin-
avaliação a ser
do a essência da utilidade do instrumento. A escolha criteriosa entre as
alternativas e opções possibilita construir uma forma de atuação sus- realizada no
tentável para a política pública em planejamento. O scoping é, portanto, processo de
uma etapa-chave no processo. AAE

PROPOSIÇÃO DE PROCEDIMENTOS PARA A ETAPA DE


SCOPING

Metodologia

A apreciação dos modelos demonstra que a AAE pode ser considerada


um processo não linear de construção de conhecimento. O modelo de
espiral de conhecimento (NONAKA, TAKEUCHI,1997) foi utilizado como
analogia para compreensão. A geração de informações segue processo
cíclico, contínuo e cumulativo, como uma espiral. No início do processo,
o grau de conhecimento sobre os impactos é incipiente, crescendo a
cada ciclo analítico e se robustecendo no final do processo. Os modelos
pesquisados indicam que, no processo de AAE, são realizados ao menos
três ciclos analíticos. Cada ciclo agrega informações, e gradativamente
vão sendo respondidas as seguintes perguntas: Quais as possibilidades
de impacto? Quais as informações necessárias para avaliação? Qual a
previsão do tamanho dos impactos? Qual o tamanho real dos impactos
após a implementação da política pública?

A proposição de modelo de atividades para o scoping foi desenvolvida


mediante análise comparativa, baseada na revisão de literatura, procu-
rando compreender os ciclos analíticos de cada modelo, na etapa de
scoping e na AAE como um todo. Foram identificadas semelhanças en-
tre os modelos observados, em especial entre as atividades elencadas.
As informações obtidas sobre a etapa de scoping foram sistematizadas
no Quadro 1.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
131
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

Quadro 1
Comparação das atividades da etapa de scoping entre modelos/autores
Organization
for Economic
Atividades  Sadler (2001) Brasil (2002) Therivel Cooperation Fischer (2007) Partidário (2007) Herrera (2009)
(2004) and
Development
(2006)

Objetivos do Objetivos do Objetivos do Objetivos do Objetivos do Objetivos do Questões Objetivos do


programa programa programa programa programa programa estratégicas programa
Diretrizes para a Objetivos Propósitos da Identificar Identificar os Objetivos da Quadro de Objetivos
sustentabilidade ambientais AAE objetivos da objetivos da AAE referência ambientais
AAE AAE estratégico para gerais
sustentabilidade
Quadro de Identificar Quadro de Marco
referência relações com referência institucional
estratégico outras ações estratégico –
estratégicas ligações com
outras políticas
públicas
Baseline           Fatores  
(posição 1)* ambientais
Questões Identificar Identificar Fatores críticos Problemas
relevantes questões questões de decisão ambientais-
importantes chave
Indicadores e Informações Identificação Identificar Identificar Indicadores, Indicadores  
metas e indicadores de indicadores indicadores indicadores metas
e metas
Baseline (posição Baseline Caracterização Baseline Baseline Fatores
2)* das questões incidentes
ambientais e dinâmicas
relevantes ambientais
Alternativas e Identificar Identificação Alternativas Alternativas e Alternativas   Opções
opções e comparar de alternativas e opções opções e opções ambientais
alternativas estratégicas
Relatório de Relatório de Relatório de Relatório dos Marco e
scoping scoping scoping fatores críticos alcance da AAE
de decisão
Baseline (posição       Baseline – a     Análise e
3)* partir dos diagnóstico
objetivos e ambiental
indicadores do
scoping report
Fonte: Elaboração própria.
Nota: A atividade de baseline é considerada em três posições diferentes entre os autores.

Resultados

A comparação dos modelos indica que, embora as atividades da etapa


de scoping sejam similares, diferenças são percebidas, a exemplo da
inexistência e da ordem de algumas atividades.

A atividade de baseline (levantamento de informações do ambiente) foi


considerada em três posições diferentes entre os autores. Em alguns
modelos, o baseline ocorre antes da definição de indicadores e se refere
apenas ao levantamento de componentes do ambiente para subsidiar
Bahia anál. dados, a identificação de questões relevantes. Em outros, é realizado após a
132 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 definição de indicadores e se refere à coleta de dados para subsidiar a
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

avaliação de impactos. Observa-se que todos os modelos são válidos Os objetivos


e diferem apenas na metodologia de aplicação dos ciclos analíticos. envolvem a
Considerando-se o segundo objetivo específico, foi adotado o modelo melhoria das
de scoping com baseline voltado para o levantamento dos componentes condições
do ambiente. Desta forma, as possibilidades de impactos são mais bem ambientais e da
visualizadas, subsidiando a identificação das questões relevantes. saúde pública
mediante ações
A atividade específica de elaboração de quadro de referência estratégi-
de abasteci-
co é outra diferença: os modelos se diferenciam na necessidade ou não
mento de água,
de abordagem conjunta com outros itens.
sistemas de
Após a compreensão da etapa de scoping por meio do comparativo, esgotamento
observando-se os detalhes do processo proposto por cada autor, foi sanitário,
definido o modelo composto pelas atividades a seguir. manejo de
resíduos sólidos
Identificação dos objetivos do programa e manejo de
águas pluviais
Os objetivos do programa compõem a decisão estratégica que será
amadurecida com a avaliação da consistência e da pertinência dos ob-
jetivos que vêm definidos na sua proposta preliminar. No campo de
saneamento básico, os objetivos envolvem a melhoria das condições
ambientais e da saúde pública mediante ações de abastecimento de
água, sistemas de esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e
manejo de águas pluviais.

Definição de diretrizes para a sustentabilidade

A atividade compreende a especificação do referencial de sustentabi-


lidade para o programa, ou seja, os requisitos e condições esperadas
que representem o cenário desejável para o futuro. As diretrizes podem
envolver os princípios das políticas ambientais. As legislações sobre os
componentes do ambiente (fauna, flora, ar, solo, águas, entre outros)
também são elementos de referência. No caso do saneamento básico,
a consideração de assuntos relacionados às águas possui grande rele-
vância e inclui questões importantes, a exemplo da qualidade, da dispo-
nibilidade, do uso racional e da gestão. Outra possibilidade de diretriz
é a diminuição das demandas per capita ao longo do tempo. A redução
gradativa do uso da água e da geração de esgotos e de resíduos sólidos
promove o consumo responsável dos serviços públicos de saneamento
básico e pode viabilizar o estilo de vida sustentável.

Quadro referencial estratégico

O quadro referencial identifica as possibilidades de interação com ou-


tras políticas públicas. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
133
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

O ambiente No caso do saneamento básico, as interações com políticas de saúde,


deve ser gestão do território, zoneamento, gestão das águas e habitação são de
considerado grande importância.
com
abordagem Baseline
integrada
O modelo de scoping proposto considera o baseline composto pelos
e multidi-
componentes do ambiente para auxiliar a identificação das questões re-
mensional,
levantes. O ambiente deve ser considerado com abordagem integrada e
incluindo multidimensional, incluindo os aspectos biofísicos, sociais, econômicos
os aspectos e institucionais. Componentes típicos são exemplificados no Quadro 2.
biofísicos,
sociais,
econômicos e Quadro 2
Exemplos de componentes para o baseline
institucionais
Dimensão Componentes
Biofísica Água, ar, solo, fauna, flora, meio urbano, meio rural.
Social Comunidades, cultura, qualidade de vida, IDH, renda.
Econômica Emprego, cadeia produtiva, empresas, atividades econômicas existentes, potencialidades.
Institucional Esferas dos governos, órgãos, prestadores de serviço, academia.
Fonte: Elaboração própria.

Identificação das questões relevantes e estratégicas

A atividade consiste em observar os temas importantes a partir das


atividades anteriores. O scoping deve se restringir aos fatores críticos,
considerando que é mais apropriado avaliar os principais fatores do
que realizar apreciações demasiadamente abrangentes de questões de
pouca representação para as análises pretendidas. É necessária uma
visão pragmática em relação ao prazo, aos recursos e ao conhecimento
prévio das questões ambientais.

Os pontos relevantes são compostos por questão estratégica, nexo cau-


sal e efeito. Os efeitos representam os possíveis resultados no ambiente
decorrentes de impactos positivos e negativos. O nexo causal é a cadeia
de acontecimentos que contribui para o efeito no ambiente. Deve ser
identificada a estrutura de comportamentos que culmina no efeito. A
questão estratégica representa a causa primária que, por meio do nexo
causal, contribui para um efeito, sendo relacionada a decisões e com-
portamentos que podem ser escolhidos no início do nexo causal. As
questões estratégicas são medidas que podem ser tomadas nas instân-
cias de decisão. Os efeitos indesejáveis previstos na avaliação podem
ser evitados ou ter seus impactos reduzidos pela interrupção de suas
cadeias de causa e efeito. Devem ser observadas as lacunas estratégicas
que podem interferir nas cadeias, inclusive as ações que estimulem os
Bahia anál. dados, efeitos desejáveis. As questões estratégicas integram, posteriormente,
134 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

os objetivos do programa e as diretrizes de sustentabilidade. Desta for- A identificação


ma, a AAE fornece subsídios para tornar o programa mais sustentável. de questões
relevantes foi
A identificação de questões relevantes foi efetuada por meio de uma efetuada por
matriz para determinar as possibilidades de interações entre o progra- meio de uma
ma e suas inserções no ambiente. A constituição da matriz foi composta matriz para
com os objetivos e as ações do programa (colunas) identificadas na
determinar
primeira atividade da etapa de scoping e as características do ambiente
as possibi-
(linhas) obtidas na atividade de baseline. Além do baseline, são inclu-
lidades de
ídas linhas para o quadro referencial estratégico e as diretrizes para a
sustentabilidade. A cada célula da matriz são verificadas as possibili- interações entre
dades de interação entre os assuntos das linhas e colunas, observando o programa e
as oportunidades, ameaças e impactos possíveis, positivos e negativos, suas inserções
garantindo a inserção de todos os temas importantes para a avaliação. no ambiente
O Quadro 3 apresenta uma formatação hipotética da matriz de intera-
ção em programa de saneamento básico.

Quadro 3
Modelo de matriz de interação para programa de saneamento básico
Objetivos e ações do programa

Manejo de resíduos
Abastecimento de

Desenvolvimento
Manejo de águas
Esgotamento

institucional
sanitário

 
pluviais

sólidos
água

Baseline Dimensão Solo


biofísica Águas
Ar
Fauna/Flora
Ambiente construído
Dimensão social Comunidades
Dimensão Emprego
econômica Cadeia produtiva
Empresas
Dimensão Municípios e estados
institucional Prestadores
Academia
Quadro de referência Educação
estratégico Saúde
Habitação
Ordenamento do território
Áreas protegidas
Zoneamento
Diretrizes para a Racionalização do uso da água
sustentabilidade Gestão das águas
Educação ambiental
Pesquisa tecnológica
Mudanças climáticas
Bahia anál. dados,
Fonte: Elaboração própria.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
135
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

O conjunto A matriz não identifica as questões relevantes diretamente, mas os as-


de questões suntos relacionados. Estes são classificados em três grupos: efeitos po-
relevantes tenciais, causas para os efeitos e medidas potenciais. As questões rele-
(composto vantes são identificadas com a análise e o tratamento das informações
por questão dos grupos, sendo então distinguidos os componentes das questões
relevantes (efeitos relevantes, nexos causais e questões estratégicas).
estratégica,
nexo causal e
Os efeitos relevantes são os assuntos da matriz classificados no pri-
efeito) integra
meiro grupo. Cada nexo causal é identificado pela estrutura de acon-
o conteúdo do tecimentos por trás dos efeitos, observando-se os assuntos nos grupos
scoping da AAE de causas e de efeitos. São procuradas as prováveis causas primárias
para a estrutura de acontecimentos que culmina no efeito relevante no
ambiente. As questões estratégicas são causas relacionadas a decisões
e comportamentos que podem ser escolhidos no início do nexo causal.
Devem ser observadas as medidas que possam vir a melhorar os efeitos
no ambiente, inclusive as classificadas no terceiro grupo de assuntos.
As questões estratégicas representam ações e medidas que podem ser
tomadas nas instâncias estratégicas de decisão. Devem ser observadas
as lacunas estratégicas que interferem de forma positiva nas cadeias de
nexo causal, integrando posteriormente os objetivos do programa e as
diretrizes de sustentabilidade. O conjunto de questões relevantes (com-
posto por questão estratégica, nexo causal e efeito) integra o conteúdo
do scoping da AAE.

Definição de indicadores

Indicadores são parâmetros (propriedades medidas ou observadas) que


fornecem informações sobre determinado fenômeno. Devem ser esco-
lhidos para os seguintes elementos das atividades anteriores: objetivos
do programa, diretrizes de sustentabilidade, efeitos, nexos causais e
questões estratégicas. Diante da disponibilidade de indicadores na bi-
bliografia especializada, a pesquisa não incluiu a proposição de indica-
dores para o saneamento básico.

Identificação de possíveis opções e alternativas

As opções e alternativas não se restringem à forma das ações do pro-


grama (como fazer). Incluem também a decisão estratégica dos obje-
tivos (o que fazer), que é amadurecida pelo processo de AAE. Dessa
forma, a identificação de opções e alternativas constitui uma atividade
essencial para a instância de decisão. As questões relevantes servem de
parâmetro para a prospecção e para a escolha de opções e alternativas.
Essa prospecção consiste na identificação de ações e medidas estra-
tégicas possíveis para potencializar os efeitos desejáveis e dificultar os
Bahia anál. dados, indesejáveis. A escolha entre as opções e alternativas é balizada pela
136 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 avaliação dos impactos executada na etapa posterior ao scoping no
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

processo de AAE, utilizando como parâmetro os indicadores que repre- Foi adotada
sentem os efeitos e os nexos causais das questões relevantes. como modelo
a consideração
A verificação de opções e de alternativas deve seguir uma sequência de que uma
de prioridade. Em primeiro lugar, pode-se tentar reduzir as demandas questão
adotando-se, por exemplo, o uso racional da água, o aproveitamento da relevante é
água de chuva (reduzindo a drenagem), a redução de geração de esgo-
composta
tos sanitários e de resíduos sólidos, e a possibilidade de reuso de águas
por efeitos
e resíduos. Em seguida, devem ser listadas as alternativas tecnológicas
potenciais
possíveis para atender às demandas, inclusive as não tradicionais. As
opções e as alternativas técnicas para o atendimento das demandas de relevantes,
saneamento básico devem considerar a perspectiva integrada do siste- nexo causal
ma de saneamento, bem como a melhor tecnologia disponível. e questões
estratégicas
Relatório do scoping

Trata-se do registro das informações geradas para subsidiar a etapa


seguinte de avaliação dos impactos, bem como as posteriores. O rela-
tório do scoping pode funcionar como termo de referência, estabele-
cendo o conteúdo mínimo para a avaliação, de forma a garantir que as
questões relevantes sejam consideradas e que se conheçam as opções
e alternativas disponíveis e os indicadores necessários para subsidiar o
planejamento e a decisão.

IDENTIFICAÇÃO DE QUESTÕES RELEVANTES PARA O


SANEAMENTO

Metodologia

A identificação de questões relevantes, segundo o objetivo específico,


consiste em observar quais os temas importantes para a avaliação. Foi
adotada como modelo a consideração de que uma questão relevante é
composta por efeitos potenciais relevantes, nexo causal e questões es-
tratégicas. Os efeitos potenciais relevantes são os impactos ambientais
considerados significativos. O nexo causal é a cadeia de acontecimentos
por trás dos efeitos. As questões estratégicas são as causas relaciona-
das a decisões e comportamentos que podem ser escolhidos no início
do nexo causal. A ferramenta utilizada para a identificação foi a matriz
de interação entre o programa e o ambiente, cujo procedimento é des-
crito em 3.2.5.

A identificação de um conjunto de questões relevantes observadas em


programas de saneamento básico ocorridos no Brasil foi efetuada por
meio do estudo de casos múltiplos integrados, conforme definido por Bahia anál. dados,

Yin (2010). Cada programa de saneamento básico estudado é consi-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
137
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

Esta pesquisa derado um caso, e cada projeto observado é uma unidade integrada
combinou a de análise dentro de um programa. A análise dos dados de cada caso
generalização seguiu a lógica da replicação e da generalização analítica. Segundo Yin
analítica e (2010), a generalização analítica difere da generalização estatística, não
a lógica da utilizando os conceitos de amostragem, de representatividade ou de
aleatoriedade. Uma premissa prévia é utilizada como referência, à qual
replicação com
são comparados os resultados do estudo. Os casos são selecionados
a ferramenta
de forma a verificar a premissa adotada. Os resultados dos casos são,
de identificação
então, generalizados. Esta pesquisa combinou a generalização analítica
de questões e a lógica da replicação com a ferramenta de identificação de questões
relevantes relevantes – matriz de interação –, sendo estudados dois casos, confor-
– matriz de me a Figura 1. A Figura 2 ilustra a metodologia utilizada.
interação
Figura 1
Generalização analítica e lógica da replicação combinada com a ferramenta de
identificação de questões relevantes para o scoping para a AAE

Fonte: Elaboração própria.

O procedimento de construção da base de informações ocorreu confor-


me o Quadro 4. Foram coletados dados dos projetos e dos programas.
Os projetos observados foram escolhidos pelas características típicas
dos projetos do programa, compondo o estudo de caso do programa e
não apenas dos projetos. Os dados foram classificados após leitura hori-
Bahia anál. dados, zontal e exaustiva, definindo categorias empíricas, comparando-as com
138 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 as categorias analíticas, e efetuando a leitura transversal por categoria.
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

Foi elaborado o relatório de cada caso, por meio da reflexão do material A partir do
levantado, proporcionando a compreensão do ocorrido em cada pro- referencial
grama estudado. A identificação de questões relevantes foi efetuada teórico, foram
por meio da aplicação da matriz de interação, com o uso das informa- utilizadas a
ções geradas em cada caso. Houve a comparação dos resultados com generalização
as categorias de análise definidas, segundo a generalização analítica de analítica e
Yin (2010). As questões relevantes obtidas foram consideradas como de
a lógica da
referência para a aplicação da AAE.
replicação,
como meio de
A validação dos resultados do estudo de casos múltiplos integrados foi
realizada durante o seu transcurso, por meio da aplicação de três testes observar se
propostos por Yin (2010). O teste de validade do constructo foi feito para os resultados
garantir o uso das medidas operacionais corretas para conferir legitimi- obtidos
dade aos resultados. Foram utilizadas múltiplas fontes para verificar a confirmam
convergência dos resultados e elaborado o encadeamento de evidên- as premissas
cias. O teste da validade externa foi utilizado para verificar a possibilida- prévias
de da generalização dos resultados. A partir do referencial teórico, foram
utilizadas a generalização analítica e a lógica da replicação, como meio
de observar se os resultados obtidos confirmam as premissas prévias.
O teste de confiabilidade foi efetuado para garantir que a reprodução
dos procedimentos a partir da coleta apresente os mesmos resultados.

Figura 2
Metodologia para identificação de questões relevantes

Bahia anál. dados,


Fonte: Elaboração própria.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
139
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

No entanto, Quadro 4
Coleta de dados por categoria analítica
para a
Categoria analítica Atividades realizadas Instrumento Fonte
contribuição
Características do Coleta de informações Análise Normativos do programa
na formação programa dos programas documental
de uma base Coleta de informações Análise Projetos
dos projetos documental
de referência Características do Coleta de informações Análise Projetos
para a etapa ambiente do ambiente documental
Observação Locais de intervenção
de scoping de participante
aplicações Impactos Coleta de informações Análise Relatórios de desempenho do
biofísicos e resultados dos documental programa
futuras da AAE, programas
foi realizada Coleta de informações e Análise Relatórios do projeto (engenharia e
resultados do projeto documental social), licenciamento ambiental
a observação Observação Locais de intervenção
ex-post dos participante
Contexto Coleta de informações Análise Legislação local
resultados de institucional do contexto documental
experiências Participação social Coleta de informações Análise Relatórios sociais do projeto
da participação no documental
no saneamento projeto
básico Características Coleta de informações Análise Relatórios do projeto (engenharia e
dos serviços do projeto e do local documental social), licenciamento ambiental
Observação Locais de intervenção
participante
Fonte: Elaboração própria.

Resultados

A identificação das questões relevantes constitui atividade indispen-


sável no processo de AAE. A definição destas questões pode ser rea-
lizada a partir da avaliação ex-ante das possibilidades de impactos fu-
turos decorrentes da interação entre as ações previstas no programa
e o ambiente. No entanto, para a contribuição na formação de uma
base de referência para a etapa de scoping de aplicações futuras da
AAE, foi realizada a observação ex-post dos resultados de experiên-
cias no saneamento básico. A avaliação do passado colaborou para a
identificação de assuntos que podem compor questões relevantes para
a construção de um futuro melhor para o saneamento básico. Os resul-
tados dos dois casos de programas de saneamento básico estudados
são apresentados a seguir.

Questões relevantes identificadas no primeiro caso – Programa


Pró-Saneamento

O Pró-Saneamento foi um programa de financiamento, com recursos


do FGTS, a estados, municípios e concessionárias, vigente entre 1995 e
2005. O objetivo do programa era a melhoria da saúde e da qualidade
Bahia anál. dados, de vida da população. Entres as diretrizes definidas estavam previs-
140 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 tas a universalização do atendimento, a modernização dos prestadores
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

de serviços, com aumento da eficiência e da eficácia, e a execução de Consideran-


ações integradas de saneamento básico em áreas de baixa renda. Con- do-se que o
siderando-se que o programa foi aplicado em diversos locais no país, a programa
escolha dos projetos para o estudo de caso observou as características foi aplicado
típicas dos ambientes beneficiados pelo Pró-Saneamento: área de bai- em diversos
xa renda e carentes de serviços públicos de abastecimento de água e locais no país,
esgotamento sanitário. Conforme a generalização analítica descrita na
a escolha dos
metodologia, os projetos estudados são exemplos do que ocorreu no
projetos para
Programa Pró-Saneamento.
o estudo de
O estudo considerou dois projetos do Pró-Saneamento, utilizando-os caso observou
como unidades de análise para o caso. Considerando-se a ênfase do as caracterís-
programa nos serviços de abastecimento de água e esgoto, foi escolhi- ticas típicas
do um projeto de cada uma destas modalidades. A intenção foi enten- dos ambientes
der a lógica dos resultados do programa. Foram estudados os projetos beneficiados
de ampliação do sistema de abastecimento de água (SAA) de Teodoro pelo Pró-Sanea-
Sampaio e de adensamento do sistema de esgotamento sanitário (SES) mento
da Bacia Alto Camurujipe, em Salvador. Os projetos foram executados
pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A (Embasa). Ambos os
locais selecionados para análise possuíam significativa exclusão social,
com altos índices de pobreza, desemprego e desigualdade.

A intervenção no SAA de Teodoro Sampaio teve o objetivo de ampliar


a rede de distribuição de água para atender a toda a sede urbana e a
uma comunidade rural próxima. Foi utilizada a modalidade única de
abastecimento de água do programa, apesar da necessidade de outros
serviços públicos de saneamento básico, a exemplo do esgotamento
sanitário, e da disponibilidade da modalidade de saneamento integrado
no Programa Pró-Saneamento. O SAA de Teodoro Sampaio foi implan-
tado na sede municipal, sendo posteriormente ampliado pelo projeto
em estudo sem a execução de um SES, evidenciando uma visão não
integrada do saneamento básico. Até o momento da realização da pes-
quisa, não havia sido executado um sistema coletivo para o esgoto na
sede do município. O caso analisado é um exemplo do que ocorreu em
outros projetos de abastecimento de água no programa.

O projeto de adensamento do SES da Bacia Alto Camurujipe teve como


objetivo a construção de redes complementares e a execução de li-
gações intradomiciliares de esgoto sanitário ao sistema existente. Em
Salvador, quando foram executadas as redes coletoras do projeto em
estudo, já existia o abastecimento de água. A cronologia de sua execu-
ção apresentou uma lógica segmentada, implantando primeiro o abas-
tecimento de água e depois a rede coletora de esgotamento sanitário.
Essa postura de intervenção evidencia uma visão fragmentada do sa-
neamento básico, verificada no programa para os projetos analisados, Bahia anál. dados,

uma vez que não foi contemplada a integral necessidade do local. A


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
141
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

Ambos os intervenção se restringiu à prestação de serviços de água e esgoto, con-


projetos foram forme a política estimulada pelo governo federal por meio do programa.
executados em
áreas urbanas, Ambos os projetos foram executados em áreas urbanas, cujas águas
cujas águas superficiais estavam comprometidas devido ao lançamento de esgotos
sanitários. No caso de Teodoro Sampaio, foram verificados os rios pró-
superficiais
ximos à sede para captação da água, tendo sido descartados devido à
estavam
qualidade prejudicada pelos esgotos sanitários dos municípios a mon-
comprome-
tante. No caso de Salvador, há registros de que o Rio Camurujipe já foi
tidas devido um dos principais mananciais de água, mas a poluição por esgotos sani-
ao lançamento tários impediu o uso de suas águas. Podem-se observar dois momentos
de esgotos do processo de poluição das águas nas áreas urbanas, principalmente
sanitários em locais de baixa renda. No primeiro momento, quando o adensamento
populacional começa a ficar expressivo, é implantado o abastecimento
de água. No segundo, a área cresce, e aumenta a densidade populacio-
nal, concorrendo para a elevação de geração de esgotos sanitários. Há
fornecimento de água, mas não há destinação adequada dos esgotos
sanitários, que drenam para os vales e rios, comprometendo a sua qua-
lidade. Essa situação é agravada pelos seguintes fatores: o lançamento
de esgotos nos rios aumenta progressivamente antes da implantação de
SES apropriado, e o adensamento populacional desordenado, em alguns
casos, cria situações que dificultam a implantação do SES. E mesmo nos
casos em que a rede coletora de esgotamento sanitário chega a ser im-
plantada, frequentemente alguns trechos não são atendidos devido às
dificuldades técnicas de execução e de ligação ao sistema. Os ambien-
tes típicos que receberam intervenções do Pró-Saneamento situavam-se
entre os dois momentos observados no processo de urbanização de
áreas de baixa renda: primeiramente, a ausência de serviços públicos de
saneamento básico e, posteriormente, a poluição significativa por esgo-
tos domésticos pela existência de abastecimento de água e insuficiência
ou ausência de rede coletora de esgotamento sanitário. O projeto de
ampliação do SAA de Teodoro Sampaio está mais próximo do primeiro
momento, enquanto o adensamento do SES da Bacia Alto Camurujipe
representa o momento final do processo. A Bacia do Rio Camurujipe é
a mais populosa e com maior densidade demográfica de Salvador, com
elevados índices de poluição das águas superficiais.

A identificação das questões relevantes do caso estudado foi efetuada


por meio da matriz de interação apresentada no Quadro 5. Os assuntos
encontrados na matriz foram classificados como causas, efeitos e me-
didas potenciais, conforme exposto no Quadro 6. A partir dos efeitos
potenciais observados, foram pesquisadas as cadeias de causa, utilizan-
do as informações do relatório do caso e, em seguida, os fatores ou as
questões estratégicas identificadas como vinculadas a cada nexo causal.
Bahia anál. dados, A partir desse procedimento foram identificadas as questões relevantes
142 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 observadas no Programa Pró-Saneamento, elencadas no Quadro 7.
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

(Continua)
Quadro 5
Matriz de interação do caso do Programa Pró-Saneamento
Abastecimento de água Esgotamento sanitário
Baseline Dimensão Solo
biofísica Águas Poluição das águas pela implantação Poluição das águas, por não
de abastecimento de água sem conseguir ligar todas as pessoas
esgotamento sanitário do local ao sistema de esgoto, pela
existência de trechos críticos ou pela
não aceitação das pessoas
Ar
Fauna/Flora Comprometimento de ecossistemas Comprometimento de ecossistemas
aquáticos aquáticos
Amb. construído
Dimensão Comunidades Universalidade comprometida pela
social não ligação de todos
Equidade comprometida
Integralidade comprometida, pois Integralidade comprometida, pois
apenas o abastecimento de água foi apenas o esgotamento sanitário foi
realizado realizado
Segmentos vulneráveis não Segmentos vulneráveis não
identificados, pois não houve identificados, pois não houve
diagnóstico social diagnóstico social
Comunidades não envolvidas, pois Comunidades não envolvidas, pois
não houve trabalho social não houve trabalho social
Ausência de educação ambiental Ausência de educação ambiental
junto à implementação dos serviços junto à implementação dos serviços
Dimensão Emprego
econômica Cadeia prod.
Empresas
Dimensão Governos Indefinições dos papéis Indefinições dos papéis
institucional municipais (planejamento, regulação, (planejamento, regulação,
e estadual, prestação e fiscalização). Não prestação e fiscalização). Não
inclusive órgãos houve participação do município houve participação do município
no processo, que foi planejado no processo, que foi planejado
e executado pela prestadora de e executado pela prestadora de
serviços estadual. Não houve serviços estadual. Não houve
regulação e fiscalização. regulação e fiscalização.
Ausência de arcabouço legal Ausência de arcabouço legal
Ausência de intersetorialidade. Ausência de intersetorialidade.
Não há participação dos setores Não há participação dos setores
municipais e estaduais relacionados municipais e estaduais relacionados
Baixo desempenho do programa, Baixo desempenho do programa,
com baixa execução orçamentária com baixa execução orçamentária
Longo tempo para a execução dos Longo tempo para a execução dos
projetos projetos
Falta de estudo de alternativas, Falta de estudo de alternativas,
opções e cenários que previsse os opções e cenários que previsse os
resultados resultados
Prestadores Inexistência de um padrão de Inexistência de um padrão de
qualidade qualidade
Tecnologias não apropriadas,
tendência para a preferência do
uso de rede convencional, apesar
da previsão de rede condominial no
projeto
Academia
Quadro de referência estratégico Educação
Saúde Não houve integração entre as ações Não houve integração entre as ações
de saneamento básico com a área de saneamento básico com a área
de saúde de saúde

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
143
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

(Conclusão)
Quadro 5
Matriz de interação do caso do Programa Pró-Saneamento
Abastecimento de água Esgotamento sanitário
Quadro de referência estratégico Habitação Ausência de política de habitação Ausência de política de habitação
e de integração com a política do e de integração com a política do
saneamento básico, função da saneamento básico, função da
habitação comprometida habitação comprometida
Orden. território
Áreas protegidas
Zoneamento
Diretrizes para a sustentabilidade Racionalização Ocorrência de perdas de água
do uso da água Uso inadequado da água
Gestão das Ausência de integração com a Ausência de integração com a
águas gestão das águas para coibir os gestão das águas para coibir os
lançamentos de esgotos lançamentos de esgotos
Educ. ambiental Não houve ações de educação Não houve ações de educação
ambiental ambiental
Pesquisa tec.
Mud. climáticas
Fonte: Elaboração própria.

Quadro 6
Classificação dos assuntos identificados na matriz de interação do Pró-Saneamento
Causas Efeitos Medidas potenciais
• Uso inadequado da água. • Poluição das águas. • Diagnóstico social identificando
• Ocorrência de perdas de • Impactos na saúde pública. os segmentos mais vulneráveis.
água. • Disponibilidade de água • Mobilização social.
• Implantação de reduzida. • Educação ambiental.
abastecimento de água sem • Comprometimento de • Controle social.
esgotamento sanitário. ecossistemas aquáticos. • Intersetorialidade – integração
• Longo tempo para a execução das esferas e das instituições.
• Trechos críticos que
dos projetos. • Regulação e fiscalização dos
dificultam a ligação de esgoto.
• Baixo desempenho financeiro serviços prestados.
• Adoção de tecnologias de do programa (baixa execução • Arcabouço legal.
maior custo. orçamentária). • Estudo de alternativas.
• Universalização dos serviços • Disponibilidade de recursos • Definição de um padrão de
comprometida. reduzida. qualidade mínima.
• Equidade dos serviços • Gestão das águas.
comprometida.
• Integralidade dos serviços
comprometida.
Fonte: Elaboração própria.

(Continua)
Quadro 7
Questões relevantes identificadas no Programa Pró-Saneamento
Questão relevante 1 – Implantação de abastecimento de água sem solução de esgotamento sanitário
Efeitos potenciais Poluição das águas, impactos na saúde pública, disponibilidade de água reduzida e
relevantes comprometimento de ecossistemas aquáticos.
Nexo causal O aumento da quantidade de água fornecida ocasiona o acréscimo de geração
de esgotos sanitários, que, sem coleta adequada, proporcionam poluição do
ambiente. O fato de deixar para efetuar o sistema de esgotamento sanitário após
o de abastecimento de água traz o risco inerente do primeiro não chegar a ser
realizado, gerando focos de poluição. A urbanização posterior, o acesso difícil em
áreas adensadas e acidentadas e a cota abaixo da rede de parte das moradias
constituem dificuldades que geram trechos críticos, não integrados aos SES.
Questão Evidências da fragilidade de aplicação dos princípios de integralidade,
estratégica universalização e equidade das ações. Os projetos devem ser orientados pelos
programas para que sejam elaborados de forma integrada em relação aos
Bahia anál. dados, componentes do saneamento básico.
144 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

(Conclusão)

Quadro 7 As diretrizes
Questões relevantes identificadas no Programa Pró-Saneamento
do PPED são
Questão relevante 2 – Ineficiência na execução dos prazos dos projetos
voltadas para
Efeitos potenciais Longo tempo para a execução dos projetos, baixo desempenho financeiro do
relevantes programa (baixa execução orçamentária), disponibilidade dos recursos reduzida.
aumentar
Nexo causal O longo tempo de execução dos projetos impactou negativamente o desempenho o nível de
do programa. Os recursos alocados no programa não foram utilizados,
diminuindo a disponibilidade financeira para realização de saneamento básico.
segurança,
Questão Evidências indicam a fragilidade da capacidade institucional para gestão e otimizar
estratégica controles voltados à execução dos projetos.
o Sistema
Questão relevante 3 – Melhor tecnologia apropriada disponível
Nacional de
Efeitos potenciais Adoção de tecnologia de maior custo no caso observado, disponibilidade dos
relevantes recursos reduzida. Defesa Civil,
Nexo causal O caso estudado identificou que especificidades para a implantação das redes facilitar
condominiais previstas no projeto desestimularam o uso da técnica. Apesar da
rede condominial em áreas adensadas ser, geralmente, a opção mais vantajosa em
a rápida
relação a custos, é necessária maior participação popular por meio de trabalho mobilização
social adequado. No caso estudado, houve a preferência pela tecnologia de rede
tradicional, com maiores custos, diminuindo a disponibilidade de recursos para de recursos
uma maior abrangência do sistema de esgotamento sanitário.
em caso de
Questão Evidencia-se a necessidade de melhor adequação da tecnologia ao contexto
estratégica socioambiental, por meio da adoção de avaliação de opções e alternativas para os desastres e
níveis de projeto e de programa, de desenvolvimento institucional e de ações de
mobilização social e educação ambiental para uso de tecnologias apropriadas. realizar desen-
Questão relevante 4 – Ineficiência na gestão das águas volvimento
Efeitos potenciais Poluição das águas, disponibilidade de água reduzida. institucional e
relevantes capacitação
Nexo causal O caso observado identificou a não existência de abordagem nos projetos para o
uso racional da água, para o controle de perdas e da poluição das águas.
Questão Evidências de fragilidade no uso responsável da água. O princípio da participação
estratégica deve ser estimulado, com ações de mobilização e educação ambiental para o uso
racional da água e de desenvolvimento institucional para o controle de perdas e
para a gestão das águas.
Fonte: Elaboração própria.

Questões relevantes identificadas no segundo caso – Programa


Prevenção e Preparação para Emergências e Desastres (PPED)

O PPED é um programa do Ministério da Integração Nacional que re-


passa recursos do orçamento geral da União para ações relacionadas
à defesa civil. O seu objetivo é promover ações preventivas e de pre-
paração para reduzir a ocorrência de danos e prejuízos decorrentes de
desastres naturais. As ações do programa não são exclusivas do sa-
neamento básico. No entanto, muitas delas são de abastecimento de
água e de manejo de águas pluviais. As ações de macrodrenagem, por
exemplo, são voltadas para a prevenção de emergências decorrentes de
inundações. As diretrizes do PPED são voltadas para aumentar o nível
de segurança, otimizar o Sistema Nacional de Defesa Civil, facilitar a
rápida mobilização de recursos em caso de desastres e realizar desen-
volvimento institucional e capacitação.

Considerando-se a interface do programa com a área de saneamento Bahia anál. dados,

básico, foi escolhido um projeto de manejo de águas pluviais para aná-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
145
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

O projeto lise. Foram estudados os resultados do projeto de macrodrenagem da


escolhido é Bacia do Chame-Chame (Rio dos Seixos), que recebe esgotos sanitá-
um exemplo rios ao longo do seu percurso, situação comum entre os rios urbanos,
de manejo de tendo como agente promotor a Prefeitura Municipal de Salvador. O
águas pluviais projeto teve por finalidade o aumento da seção do canal preexistente
e da capacidade das estruturas de escoamento e microdrenagens para
em áreas
prevenir alagamentos em épocas de chuva intensa. Além do aumento
urbanizadas
da seção, foi realizada a cobertura do rio. Após o fechamento do Rio
realizado de
dos Seixos, a prefeitura realizou obras de urbanização e paisagismo
forma pontual sobre a cobertura, serviços que não fizeram parte dos recursos do
e fragmentada, Projeto PPED.
prática ainda
comum Apesar da existência de lançamentos de esgotos sanitários no canal, o
projeto ficou restrito à ação de drenagem, aumentando a capacidade de
vazão, ocorrendo apenas o desvio das águas poluídas em tempo seco,
com o objetivo de reduzir a poluição da praia. A atuação da Prefeitu-
ra Municipal de Salvador foi limitada à drenagem, sendo o desvio das
águas poluídas ligado ao SES Salvador, operado pela Embasa.

O projeto escolhido é um exemplo de manejo de águas pluviais em


áreas urbanizadas realizado de forma pontual e fragmentada, prática
ainda comum. Não houve o planejamento do sistema urbano municipal
de manejo de águas pluviais, sendo projetada solução voltada apenas
para o problema localizado de alagamento. Projetos pontuais de dre-
nagem semelhantes ocorrem em diversos programas de saneamento
básico. O ambiente típico são áreas urbanizadas que utilizam os rios
dos vales como canais para a macrodrenagem. O processo contínuo
de urbanização das cidades contribui para a impermeabilização do
solo e o consequente aumento das vazões nos sistemas de drenagem.
Frequentemente, tais sistemas não suportam as vazões elevadas em
épocas de chuvas intensas, proporcionando inundações. Outras so-
luções para a macrodrenagem além do uso dos rios como canais não
foram consideradas no projeto, como a regulação e a prática do uso
do solo apropriado, ou armazenamento temporário das águas pluviais,
entre outras alternativas eficazes. Os programas de saneamento bá-
sico devem considerar que os ambientes urbanos para os quais são
desenvolvidos projetos de drenagem podem ter situação semelhante
ao caso estudado.

A partir das informações analisadas no projeto, foram aplicados os pro-


cedimentos de forma semelhante ao primeiro caso, conforme os qua-
dros 8, 9 e 10, sendo identificadas as questões relevantes observadas
no Programa PPED.

Bahia anál. dados,


146 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

Quadro 8
Matriz de interação do caso do Programa PPED
Manejo de águas pluviais
Baseline Dimensão Solo
biofísica Águas Poluição das águas pela ausência de esgotamento
sanitário
Ar
Fauna/Flora Comprometimento de ecossistemas aquáticos pela
poluição e pelo aumento da vazão decorrente da
impermeabilização do canal
Desenvolvimento de animais indesejáveis, a
exemplo de ratos e mosquitos, decorrente do
ambiente fechado nos canais
Ambiente construído Possibilidade de transferência dos alagamentos
para outros locais como consequência hidráulica
Dimensão social Comunidades Ausência da participação pública e de controle
social
Dimensão Emprego
econômica Cadeia produtiva
Empresas
Dimensão Governos municipais Ausência de planejamento da componente manejo
institucional e estadual, inclusive de águas pluviais
órgãos Uso de tecnologia inadequada, ausência de estudo
de alternativas
Baixo desempenho do programa, com baixa
execução orçamentária
Longo tempo para a execução dos projetos
Prestadores
Academia
Quadro de referência Educação
estratégico Saúde
Habitação
Ordenam. território Possibilidade de controle da impermeabilização
urbana pelo controle do uso do solo
Áreas protegidas
Zoneamento
Diretrizes para a Racion. uso água
sustentabilidade Educ. ambiental
Pesq. tecnológica
Mud. climáticas
Fonte: Elaboração própria.

Quadro 9
Classificação dos assuntos identificados na matriz de interação do Programa PPED
Causas Efeitos Medidas potenciais
• Drenagem sem ações • Poluição das águas. •Mobilização social.
simultâneas de esgotamento • Aumento da vazão do canal. • Controle social.
sanitário. • Comprometimento de • Planejamento de sistema
• Impermeabilização do canal. ecossistemas aquáticos. municipal de manejo de águas
• Fechamento de canais, • Desenvolvimento de vetores pluviais.
criando ambiente não (ratos e mosquitos). • Estudo de alternativas.
• Transferência de alagamento • Controle da impermeabilização
ventilado, quente, úmido e sem
para outros locais. urbana pelo controle do uso do
presença de luz.
• Baixo desempenho financeiro solo.
• Longo tempo para a execução do programa (baixa execução
dos projetos. orçamentária).
Fonte: Elaboração própria.
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
147
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

O estudo de Quadro 10
Questões relevantes identificadas no Programa PPED
casos permitiu
Questão relevante 1 – Aumento da impermeabilização urbana
identificar
Efeitos potenciais Aumento da impermeabilização urbana, aumento da vazão dos sistemas de
questões relevantes drenagem, possibilidade de alagamentos, comprometimento dos ecossistemas
relevantes aquáticos.
Nexo causal A gradativa impermeabilização urbana diminui a infiltração das águas,
(constituídas aumentando a vazão nos rios, o que pode concorrer para alagamentos. Os
ecossistemas aquáticos são comprometidos.
de efeitos,
Questão estratégica Evidencia-se a necessidade de investimento em desenvolvimento institucional e
nexos causais em políticas públicas de uso do solo e de gestão territorial.
e questões Questão relevante 2 – Implantação de drenagem sem solução de esgotamento sanitário
estratégicas) Efeitos potenciais Poluição das águas, comprometimento dos sistemas aquáticos, redução da
relevantes disponibilidade de água para consumo.
para programas
Nexo causal Os rios existentes são integrados aos sistemas de drenagem urbanos. Os
de saneamento esgotos domésticos continuam sendo lançados nos rios, poluindo suas águas.
básico Questão estratégica Evidências da fragilidade do princípio de integralidade das ações de saneamento
básico. Os projetos devem ser elaborados de acordo com este princípio.
Questão relevante 3 – Impermeabilização de canais
Efeitos potenciais Aumento da vazão do canal, possibilidade de alagamentos, comprometimento
relevantes dos ecossistemas aquáticos.
Nexo causal A impermeabilização do canal como opção de projeto concorre para o aumento
de vazão, gerando alagamentos. Os ecossistemas aquáticos são comprometidos
pelo aumento de vazão.
Questão estratégica Evidencia-se a necessidade de desenvolvimento institucional e de adoção de
avaliação de opções e alternativas para os níveis de projeto e de programa.
Questão relevante 4 – Fechamento de canais
Efeitos potenciais Comprometimento de ecossistemas aquáticos e desenvolvimento de vetores.
relevantes
Nexo causal O ambiente não ventilado, quente, úmido e sem presença de luz nos canais
fechados propicia o desenvolvimento de animais indesejados. Os ecossistemas
aquáticos são comprometidos pelas condições adversas geradas pelo
fechamento do canal.
Questão estratégica Evidencia-se a necessidade de desenvolvimento institucional e de avaliação de
opções e alternativas para os níveis de projeto e de programa.
Fonte: Elaboração própria.

Conclusão sobre o estudo de casos múltiplos

O estudo de casos permitiu identificar questões relevantes (constituídas


de efeitos, nexos causais e questões estratégicas) para programas de
saneamento básico. As questões estratégicas (causas relacionadas a de-
cisões e comportamentos que podem ser escolhidos no início do nexo
causal das questões relevantes) listadas a seguir foram consideradas
importantes na estruturação dos programas:

• Os princípios de universalização, equidade e integralidade.


• O princípio da participação.
• A necessidade de os projetos serem orientados pelo programa.
• A necessidade de gestão e controle dos prazos.
Bahia anál. dados, • A adoção de avaliação de opções e alternativas para os níveis de
148 Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019 projeto e de programa.
Luiz Eugenio Pereira Valiñas Cardoso e Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

• A educação ambiental. A noção


• O uso da melhor tecnologia disponível adequada ao ambiente. de futuro
• A gestão das águas. desejável pode
• A gestão do território e do uso do solo. ser inserida
• O desenvolvimento institucional. nos programas
de saneamento
básico por meio
CONCLUSÕES
da atividade
de definição de
As questões relevantes identificadas e os procedimentos propostos
compõem o conjunto de orientações produzido para a elaboração da diretrizes de
etapa de scoping da AAE aplicada em programas de saneamento bási- sustentabili-
co. A pesquisa ressaltou a importância do planejamento em instâncias dade da AAE
estratégicas, em especial no nível de programas, fornecendo um con-
junto de informações para a sua estruturação.

Os resultados da pesquisa evidenciaram a possibilidade de contribui-


ção da aplicação do instrumento de AAE para a área de saneamen-
to básico. Foi caracterizada a necessidade da avaliação preliminar dos
programas, antes do nível de projetos, para a identificação de questões
estratégicas, como também a forte relação das questões estratégicas
com os princípios e diretrizes estabelecidas, ressaltando a importân-
cia de sua internalização e operacionalização. Entre outros aspectos
evidenciados, cabe destacar a importância da incorporação da visão
integrada das ações de saneamento e de suas implicações transversais
no ordenamento urbano, na qualidade ambiental, no uso de tecnologias
apropriadas, como também na disponibilidade de condições gerenciais
e institucionais para a execução das intervenções pretendidas.

A noção de futuro desejável pode ser inserida nos programas de sa-


neamento básico por meio da atividade de definição de diretrizes de
sustentabilidade da AAE, incluindo-se as questões ambientais no pla-
nejamento, a exemplo da questão da poluição da água, intensamente
associada aos serviços de saneamento básico.

Enquanto a aplicação prática da AAE representa uma avaliação ex-ante


das possibilidades de impactos futuros de políticas públicas, o estudo
de casos constituiu uma apreciação ex-post do ocorrido em programas
de saneamento básico. A avaliação do ocorrido em situações reais, por
meio do estudo de casos múltiplos, forneceu informações importantes
para a construção de programas futuros.

Apesar de algumas limitações inerentes ao prazo disponível da pesqui-


sa, particularmente em relação à abrangência, e dos poucos estudos de
caso considerados, os procedimentos adotados forneceram elementos Bahia anál. dados,

suficientes para a análise pretendida. Uma complementação útil para a


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
149
Artigos Avaliação ambiental estratégica para programas de saneamento básico: construindo orientações para a etapa de scoping

Espera-se que presente pesquisa seria a realização do estudo de novos casos, abor-
o conjunto de dando outros programas de saneamento (incluindo, se possível, ações
orientações de manejo de resíduos sólidos), de forma ampliar o conjunto de orien-
obtido tações para o conteúdo do scoping.
contribua para
A estruturação dos programas de saneamento básico a partir da apli-
a inovação
cação da AAE pode auxiliar na construção de uma forma sustentável
na área do
para a sociedade realizar a gestão consciente das águas, estabelecendo
saneamento
melhor relação com o ambiente do qual faz parte.
básico,
integrando Espera-se que o conjunto de orientações obtido contribua para a inova-
a gestão das ção na área do saneamento básico, integrando a gestão das águas e do
águas e do ambiente, proporcionando a redução da poluição das águas e melho-
ambiente rando as condições sociais da população por meio do ambiente saudá-
vel. Além disso, deseja-se que a pesquisa colabore para a ampliação do
uso do instrumento de AAE, devido ao seu potencial de proporcionar
decisões estratégicas mais sustentáveis em diversas áreas.

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Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.126-151, jul.-dez. 2019
151
RESUMO

Embora o saneamento básico seja reconhecido como uma ação promotora de


justiça socioambiental, os persistentes déficits dos serviços são o testemunho
de um modelo de desenvolvimento desigual. Entretanto, ainda não é possí-
vel analisar como essas desigualdades se reproduzem no espaço da cidade.
Assim, o presente trabalho busca avaliar as desigualdades de acesso e a qua-
lidade dos serviços de saneamento básico nos bairros da Bacia Hidrográfica
do Rio Camarajipe, em Salvador. Exploraram-se os conceitos de direito ao sa-
neamento básico e de desigualdades buscando compreender a influência do
processo de urbanização brasileiro e a periferização das cidades no acesso
aos serviços. A metodologia da investigação valeu-se dos procedimentos do
Projeto Qualidade do Ambiente Urbano, ao qual este estudo está vinculado,
envolvendo a coleta de dados primários por meio da aplicação de questio-
nário em domicílios amostrados em bairros do município. Os resultados in-
dicaram que existe um padrão de desigualdade de acesso aos serviços nos
bairros da bacia que se vincula a condições de renda, níveis de escolaridade
e condição étnico-racial. Pôde-se evidenciar, por um lado, a produção de um
espaço urbano ocupado por sujeitos de direito à cidade e, por outro, um espa-
ço apartado, no qual a população não tem o direito de usufruir de um serviço
elementar como o saneamento básico. Tal condição é fruto de um processo
de urbanização desigual, de baixos ingressos, sem moradia digna e serviços
públicos de qualidade.
Palavras-chave: Saneamento básico. Desigualdade. Bacia do Camarajipe. Salvador.

ABSTRACT

Although basic sanitation is recognized as an action promoting social and


environmental justice, the persistent deficits in services bear witness to an
uneven development model. However, it is not yet possible to analyze how
these inequalities reproduce in the city space. Thus, the present work aims to
evaluate the inequalities of access and the quality of basic sanitation services
in the Camarajipe river basin neighborhoods, in Salvador. The concepts of the
right to basic sanitation and inequalities were explored, seeking to understand
the influence of the Brazilian urbanization process and the periphery of
cities in access to services. Being the study linked to the Urban Environment
Quality Project, the research methodology used of the procedures of this
Project involving the collection of primary data by applying a questionnaire to
households sampled in neighborhoods of the municipality. The results indicated
that there is a pattern of unequal access to services in the neighborhoods of
the Basin that is linked to income conditions, education levels and racial and
ethical conditions. On the one hand, it was possible to highlight the production
of an urban space occupied by subjects entitled to the city and, on the other,
a separate space, where the population does not have the right to enjoy an
elementary service such as basic sanitation. This condition is the result of an
unequal urbanization process, low income, no decent housing and quality
public services.
Keywords: Basic sanitation. Inequality. Access. Quantity. Quality. Camarajipe.
Salvador.
Artigos

Desigualdades de acesso
e qualidade dos serviços
de saneamento básico da
bacia hidrográfica do rio
Camarajipe – Salvador (BA)
C I B E L E S O U S A CO E L H O EMBORA o saneamento básico seja reco-
Graduada em Engenharia Sanitária e
Ambiental, pela Universidade Federal da nhecido como uma ação de saúde pública,
Bahia (UFBA).
[email protected] de proteção ambiental e promotora de
PAT R Í C I A C A M P O S B O R J A justiça socioambiental, as persistentes ini-
Doutora e mestre em Arquitetura e
quidades são o testemunho de um modelo
Urbanismo e graduada em Engenharia
Sanitária e Ambiental, pela Universidade de desenvolvimento desigual e excludente.
Federal da Bahia (UFBA). Professora-
associada do Departamento de Em 2015, cerca de 29% da população mun-
Engenharia Ambiental e Mestrado em
Meio Ambiente, Águas e Saneamento da dial não tinha acesso à água potável, e 61%
UFBA. [email protected]
não contavam com esgotamento sanitário,
MARIA ELISABE TE PEREIR A DOS
S A N TO S sendo que 892 milhões de pessoas defeca-
Doutora em Ciências Sociais, pela vam a céu aberto (PROGRAMA DAS NA-
Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e mestre em Ciências Sociais, ÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMEN-
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[email protected] TO, 2019). Os excluídos do acesso a esses
serviços básicos vivem em assentamentos
precários das zonas urbanas e rurais da
América Latina e do Caribe, da África e do
sul da Ásia, afetando de forma diferenciada
as mulheres e crianças, os mais pobres e as
populações negras.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
153
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

No Brasil, A desigualdade de acesso tem recortes relacionados à classe social, ao


as políticas gênero e à condição étnico-racial. No Brasil, as políticas públicas têm
públicas têm reproduzido o padrão de exclusão, embora o marco legal do saneamen-
reproduzido to básico do país defina a universalização, a integralidade e a qualidade
o padrão de como princípios fundamentais para a prestação dos serviços.
exclusão,
Tal realidade tem fortes vínculos com o processo de industrialização
embora o
brasileiro, iniciado entre as décadas de 1930 e 1940, quando a produ-
marco legal do
ção das cidades passou a ocorrer sob fortes movimentos migratórios
saneamento campo-cidade. Esse contexto gerou alterações significativas não só no
básico do país modo de vida das populações, mas também no uso e na ocupação do
defina a univer- espaço, havendo uma intensa produção de moradias autoconstruídas,
salização, a em face da ausência de uma política governamental.
integralidade
e a qualidade Esse modelo capitalista de urbanização da periferia conduziu ao rápido
como princípios surgimento e crescimento das favelas, apartadas da cidade formal e
fundamentais desprovidas de infraestrutura e serviços urbanos, que marcam a cidade
para a dos excluídos, na qual vive parcela significativa da classe trabalhadora
prestação dos e dos pobres urbanos, com destaque para as mulheres negras e chefes
serviços. de família. Os processos de exclusão estão impregnados nos territórios,
nos quais se pode observar moradias precárias, esgotos a céu aberto,
resíduos sólidos descartados aleatoriamente, abastecimento de água
intermitente, córregos e rios contaminados, além de inundações fre-
quentes. As doenças transmitidas pela falta de saneamento básico são
recorrentes nessas áreas, como as arboviroses, helmintoses, leptospiro-
se e diarreias.

Dentre os serviços públicos, o saneamento básico tem sido o mais ne-


gligenciado, além de ser marcado pela desigualdade. Em 2017, do total
de 206.804.741 brasileiros, 16,5% ainda não tinham acesso à rede de
abastecimento de água, 47,6% não contavam com rede de coleta de
esgotos (SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMEN-
TO, 2019a) e 8,3% não dispunham de qualquer tipo de coleta domiciliar
de resíduos sólidos (SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE
SANEAMENTO, 2019b). Com relação à drenagem de águas pluviais,
apenas 16,2% das vias urbanas públicas brasileiras possuíam, naquele
ano, esse tipo de estrutura (SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES
SOBRE SANEAMENTO, 2019c).

As ações públicas de saneamento, sob forte pressão política e econômi-


ca, têm sido marcadas pela descontinuidade, pelos baixos investimentos
e pelas fragilidades institucionais e legais. Deve-se pontuar, no entanto,
o esforço do governo brasileiro no período de 2003 a 2014, quando o
país passou a contar com certa institucionalidade no campo da gestão
Bahia anál. dados, pública. Houve a retomada dos investimentos em padrões mais eleva-
154 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019 dos que os historicamente praticados, além da importante promulgação
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

da Lei Nacional de Saneamento Básico, em 2007, da Lei de Consórcios Este trabalho


Públicos e da Política Nacional de Resíduos Sólidos. visou avaliar
essas desi-
A partir desse marco legal, os princípios da universalização, da inte- gualdades e a
gralidade e da qualidade dos serviços passaram a ser os orientadores qualidade dos
da ação pública. Com isso, desde 2007, todo brasileiro tem direito de serviços de
acesso ao saneamento básico de qualidade e integral, devendo as mu-
saneamento
nicipalidades promover a formulação da política de saneamento básico,
básico no
o planejamento das ações, à regulação, a prestação e a fiscalização dos
município de
serviços e o controle social (BRASIL, 2007). Tais pressupostos dialogam
com os direitos sociais à moradia e à saúde, instituídos no Art. 6º da Salvador na
Constituição Federal, e com o direito à cidade sustentável, conforme perspectiva
definida no Estatuto da Cidade, de 2001 (BRASIL, 1988, 2001). intraurbana

Porém, com a quebra da institucionalidade, em 2016, associada à gra-


ve crise política e econômica, o Brasil passou a experimentar um re-
trocesso substantivo, agravado pela emenda constitucional do teto
dos gastos públicos por 20 anos, pelo desmonte da já insuficiente e
frágil capacidade de gestão e pela tentativa de alteração da Lei Na-
cional de Saneamento Básico com vistas a promover a privatização
dos serviços.

Esse cenário se reproduziu de forma diferenciada no território brasileiro,


em função de uma série de aspectos vinculados ao modelo de desen-
volvimento, aos grupos dirigentes e às relações de poder econômico e
político. No caso de Salvador, objeto de estudo do presente trabalho,
embora seja a terceira metrópole do país, as marcas da desigualdade
e da exclusão estão espalhadas pela cidade, erguida pelas mãos dos
trabalhadores e trabalhadoras.

Em 2017, do total de 2.953.986 habitantes da cidade, cerca de 11% não


tinham acesso à rede de abastecimento de água; 21%, à rede de coleta
de esgoto; e 3,3% não dispunham de qualquer tipo de coleta domici-
liar de resíduos sólidos (SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SO-
BRE SANEAMENTO, 2019d). Embora esses dados já demonstrem que
uma parte da população soteropolitana não conta com saneamento
básico, mesmo considerando os investimentos das duas últimas dé-
cadas, não se conhece a distribuição socioespacial das desigualdades
de acesso e da qualidade desse serviço, o que motivou a realização
deste estudo.

Portanto, este trabalho visou avaliar essas desigualdades e a qualidade


dos serviços de saneamento básico no município de Salvador na pers-
pectiva intraurbana. Mais especificamente, estudaram-se os bairros da
Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe, que abriga a maior parte da po- Bahia anál. dados,

pulação da cidade.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
155
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Salvador tem METODOLOGIA


uma área de
694 km2 e Caracterização da área de estudo
possui uma
população Salvador tem uma área de 694 km2 e possui uma população aproximada
de 2.857.329 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
aproximada
ESTATÍSTICA, 2019). A cidade abarca 12 bacias hidrográficas, incluindo
de 2.857.329
a do Rio Camarajipe, localizada na região central do município.
habitantes
(INSTITUTO Com uma área de aproximadamente 36 km2, a Bacia do Rio Camarajipe
BRASILEIRO DE abriga o maior número de pessoas em seu entorno, sendo por isso sele-
GEOGRAFIA E cionada como área de interesse para este estudo. Com suas nascentes
ESTATÍSTICA, próximas aos bairros de Pirajá, Marechal Rondon, Boa Vista de São Cae-
2019) tano, Calabetão e Mata Escura, o Camarajipe percorre aproximadamen-
te 14 km até sua foz, nas imediações dos bairros de Pero Vaz, IAPI, Caixa
d’Água, Pau Miúdo e Saramandaia (SANTOS et al., 2010).

O presente trabalho integra o Projeto Qualidade do Ambiente Urbano


de Salvador (QUALISalvador) (SANTOS et al., 2014), desenvolvido por
um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade do
Estado da Bahia (Uneb), tendo como órgãos financiadores a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) e a Empresa Baiana
de Águas e Saneamento (Embasa).

O objetivo do QUALISalvador é produzir e difundir conhecimento sobre


a realidade urbano-ambiental da cidade de Salvador, com foco em seus
bairros, de modo que seja possível construir um índice de qualidade ur-
bano-ambiental e analisar as condições do ambiente urbano a partir de
renda familiar, nível de escolaridade, etnia e sexo (SANTOS et al., 2014).

Seguindo a estratégia do projeto, a investigação envolveu a coleta de


dados primários em domicílios selecionados, segundo uma amostra
aleatória estratificada, nos 163 bairros da cidade. O questionário ela-
borado para a investigação é composto por 62 perguntas relacionadas
à qualidade do ambiente urbano e às dimensões analíticas do estudo,
envolvendo: clima urbano e condições físico-ambientais; inserção so-
cioprodutiva; saneamento básico; acesso a serviços públicos; condições
de habitabilidade; segurança alimentar e saúde; mobilidade urbana; se-
gurança púbica; cultura e cidadania; participação política; percepção e
satisfação em relação à qualidade do ambiente urbano. Para o presente
estudo, foram utilizadas as variáveis constantes no Quadro 1.

Em relação aos dados foram realizadas análises estatísticas, como ava-


Bahia anál. dados, liação exploratória, recategorização de variáveis, distribuição de frequ-
156 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019 ências e medidas de posição das variáveis, além de testes de correlação
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

Quadro 1
Variáveis utilizadas para a avaliação do acesso e da qualidade do saneamento básico Dos 42 bairros
em Salvador, a partir dos dados do QUALISalvador que compõem
Saneamento básico Variáveis a Bacia
Abastecimento de Abastecimento de água adequado (rede pública e poço com água tratada); Hidrográfica do
água fornecimento de água contínuo pela rede de distribuição; e percepção sobre
a qualidade da água, como límpida, sem odor/sabor e bom sabor Rio Camarajipe,
Esgotamento sanitário Esgotamento sanitário adequado (rede coletora de esgoto e fossa séptica) 38 integraram
Resíduos sólidos Frequência regular de recolhimento de resíduos sólidos por coleta porta a porta
o presente
Drenagem das águas Condições adequadas da rede de drenagem, situação de risco
pluviais estudo
Aspectos Variáveis
socioeconômicos
Escolaridade Nível superior
Cor/Etnia Responsável pelo domicílio não branco
Renda Renda familiar de até três salários mínimos
Fonte: Santos e outros (2018).

Tabela 1
Valor de ρ da correlação e interpretação
Valor de ρ (+ ou - ) Interpretação
0,00 a 0,19 Correlação bem fraca
0,20 a 0,39 Correlação fraca
0,40 a 0,69 Correlação moderada
0,70 a 0,89 Correlação forte
0,90 a 1,00 Correlação muito forte
Fonte: Shimakura (2009).

e construção de gráficos de dispersão. O estudo da correlação entre


variáveis considerou os aspectos exibidos na Tabela 1. As análises dos
dados foram realizadas no software livre R. Além disso, foram construí-
dos gráficos e tabelas de forma a expor os resultados das análises.

Serviços de saneamento básico em Salvador

Dos 42 bairros que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe,


38 integraram o presente estudo – Alto do Cabrito, Arraial do Retiro,
Baixa de Quintas, Barbalho, Boa Vista de São Caetano, Bom Juá, Brotas,
Caixa D´Água, Caminho das Árvores, Campinas de Pirajá, Capelinha,
Centro Histórico, Cidade Nova, Cosme de Farias, Costa Azul, Curuzu,
Fazenda Grande do Retiro, IAPI, Lapinha, Liberdade, Luiz Anselmo, Ma-
caúbas, Marechal Rondon, Mata Escura, Matatu, Pau Miúdo, Pernam-
bués, Pero Vaz, Retiro, Santa Mônica, Santo Agostinho, Santo Antônio,
São Caetano, São Gonçalo, Saramandaia, Saúde e Vila Laura. A pesquisa
relativa aos bairros de Calabetão, Resgate, Costa Azul e Stiep não foi
concluída em tempo hábil para a inclusão neste trabalho.

Abastecimento de água

O abastecimento de água da cidade de Salvador é realizado pelo Sis- Bahia anál. dados,

tema Integrado de Abastecimento de Água da RMS, operado pela Em-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
157
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Pode-se basa, dispondo, em 2017, de 493.116 ligações e 905.684 economias de


perceber que, água ativas, com 282.309,48 m3/mês de água produzida (SISTEMA NA-
na Bacia do Rio CIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO, 2019d).
Camarajipe,
o nível de A partir dos dados coletados pela pesquisa, com aplicação dos ques-
tionários, pode-se perceber que, na Bacia do Rio Camarajipe, o nível de
atendimento
atendimento com solução adequada para o abastecimento de água dos
com solução
domicílios é alto, sendo que o menor índice fica em 87,1%, com média de
adequada para o
abastecimento
Tabela 2
de água dos Descrição da variável “abastecimento de água” em domicílios de bairros da Bacia do
domicílios é alto Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N= 38
Abastecimento de água (percentual de domicílios Frequência de % % acumulado
com abastecimento adequado) bairro
< 87,1 1 2,6 2,6
87,1 - 96,23 3 7,9 10,5
96,23 - 98,08 6 15,8 26,3
98,08 – 99,08 10 26,3 52,6
> 99,08 18 47,4 100,0
Total 38 100,0
Média de proporção de domicílios 98,64
Desvio padrão 2,39
Valor mínimo 87,1
Valor máximo 100,0
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 1
Abastecimento de água adequado, em proporção de domicílios, de bairros da Bacia
Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019

Bahia anál. dados,


158 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

98,6% e chegando a 100%. Cerca de 79% dos domicílios apresentaram A frequência do


cobertura entre 96,2% e 99,1% (Tabela 2 e Figura 1). fornecimento
de água pela
Dos bairros pesquisados, Alto do Cabrito apresentou o menor percen- rede pública é
tual de acesso à rede pública de água, com cerca de 13% dos domicílios um indicador
utilizando outras fontes de abastecimento, a exemplo de poços esca- da qualidade
vados ou tubulares, fontes, lagoas ou rios. Dos 38 bairros pesquisa-
do serviço
dos, 47,4% possuía a totalidade dos domicílios com acesso a solução
prestado e da
adequada de abastecimento de água. Embora o índice de atendimento
vulnerabilidade
geral de abastecimento de água dos domicílios nos bairros da Bacia
Hidrográfica do Rio Camarajipe tenha sido de 98,6%, dez bairros apre- da população
sentaram porcentagem inferior à média geral. a doenças,
levando-se em
Ao se estudar a correlação estatística entre o abastecimento de água conta a possi-
adequado e as variáveis “escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar”, bilidade de
constata-se que há uma correlação praticamente nula para “escolarida- contaminação
de” e “etnia/raça” e baixa e negativa para “renda familiar” (proporção da água e a
de domicílios com o responsável com renda menor que três salários redução do
mínimos) (Tabela 3). A Figura 2 apresenta o gráfico de dispersão en- consumo
tre as variáveis “abastecimento de água adequado” e “renda familiar”.
Pode-se perceber que os bairros com a maior proporção de domicílios
com abastecimento de água adequado possuem menor percentual de
domicílios com renda familiar menor que três salários mínimos.

A frequência do fornecimento de água pela rede pública é um indicador


da qualidade do serviço prestado e da vulnerabilidade da população
a doenças, levando-se em conta a possibilidade de contaminação da
água e a redução do consumo. A partir dos dados coletados em 2019

Tabela 3 Figura 2
Correlação estatística entre o Gráfico de dispersão entre as variáveis
abastecimento de água adequado e as “abastecimento de água adequado” e
variáveis “escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar” – Bairros da Bacia do
“renda familiar” – Bairros da Bacia do Rio Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N=38
Camarajipe – Salvador – 2019 – N=38
Abastecimento
Variável de água
adequado
Escolaridade (proporção de
domicílios com responsável
com nível superior) 0,1025
Não brancos (proporção de
domicílios com responsável
não branco) -0,1390
Renda familiar (proporção de
domicílios com responsável Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e
com renda familiar < 3SM) -0,2495 outros (2018).
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros
(2018).
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
159
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Embora a nos bairros da Bacia do Camarajipe foi possível constatar que 84,6%
totalidade dos dos domicílios possuíam fornecimento de água contínuo. O menor ín-
domicílios dice observado foi 52,7%, em Marechal Rondon, e o maior, 98,2%, em
de Marechal Brotas. Cerca de 39,5% dos bairros tinham entre 67,5% e 88,9% de seus
Rondon tenha domicílios com fornecimento de água contínuo (Tabela 4 e Figura 3).
Embora a totalidade dos domicílios de Marechal Rondon tenha acesso à
acesso à rede
rede pública de abastecimento de água, o bairro é o mais afetado (50%
pública de
das residências) com irregularidades no serviço.
abastecimento
de água, o Tabela 4
bairro é o mais Descrição da variável “fornecimento de água contínuo” em domicílios dos bairros da
Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N= 38
afetado (50% das
Frequência do fornecimento de água (percentual Frequência de % % acumulado
residências) com de domicílios com abastecimento contínuo) bairros
irregularidades < 59,0 2 5,3 5,3
no serviço 59,00 - 67,47 3 7,9 13,2
67,47 - 88,89 15 39,5 52,6
88,89 - 91,43 9 23,7 76,3
> 91,43 9 23,7 100,0
Total 37 100,0
Média de proporção de domicílios 84,62
Desvio padrão 10,99
Valor mínimo 52,73
Valor máximo 98,23
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 3
Proporção de domicílios com fornecimento de água contínuo – Bairros da Bacia
Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019

Bahia anál. dados,


160 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019 Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

Ao se investigar a correlação estatística entre o fornecimento de água Assim, os


contínuo e a variável “etnia/raça”, observa-se uma correlação baixa e dados sugerem
negativa (Tabela 5). A variável “escolaridade” tem uma correlação posi- que a inter-
tiva e moderada, enquanto a variável “renda familiar” possui uma corre- mitência do
lação negativa e moderada. A Figura 4 apresenta o gráfico de dispersão fornecimento
entre as variáveis “fornecimento de água contínuo” e “renda familiar”, de água é pouco
podendo-se verificar que a maior proporção de domicílios com forne-
influenciada
cimento de água contínuo corresponde a uma menor percentagem de
pela
domicílios com renda familiar menor que três salários mínimos. Ao se
escolaridade
avaliar o p valor dessa correlação, constata-se que chega a 0,0013< p,
sendo uma diferença significativa do ponto de vista estatístico. e etnia/raça,
embora a renda
Assim, os dados sugerem que a intermitência do fornecimento de água familiar seja um
é pouco influenciada pela escolaridade e etnia/raça, embora a renda fator que afeta
familiar seja um fator que afeta a qualidade do serviço, sendo mais pe- a qualidade
nalizadas as pessoas de menor renda. do serviço,
sendo mais
Tabela 5 penalizadas
Correlação estatística entre o fornecimento de água contínuo e as variáveis
“escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio as pessoas de
Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38 menor renda
Variável Fornecimento de
água contínuo – freq.
Escolaridade (proporção de domicílios com responsável com nível superior) 0,3911
Não brancos (proporção de domicílios com responsável não branco) -0,2551
Renda familiar (proporção de domicílios com responsável com renda
familiar < 3SM) -0,5041
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 4
Gráfico de dispersão entre as variáveis “frequência do fornecimento de água” e “escolaridade”, “etnia/raça” e
“renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Dentre os entrevistados residentes em domicílios com acesso à rede


pública de abastecimento de água, 68,5% consideraram a água límpida,
sem cheiro/odor e com gosto bom. Entre os bairros pesquisados, Sara-
mandaia e São Gonçalo apresentaram os menores índices quanto à sa-
tisfação com a qualidade da água, correspondendo, respectivamente, a
46,7% e 42,3% dos entrevistados nos domicílios investigados. Em cerca Bahia anál. dados,

de 53% dos bairros estudados, entre 42,1% e 69,5% dos entrevistados


Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
161
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

avaliaram a qualidade da água como boa, indicando uma percepção não


favorável quanto à qualidade da água fornecida pela Embasa em bairros
da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe (Tabela 6 e Figura 5).

Tabela 6
Descrição da variável “percepção sobre a qualidade da água” fornecida pela Embasa em
domicílios dos bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N= 38
Qualidade da água fornecida pela Embasa (percentual Frequência de % % acumulado
de domicílios com qualidade da água boa) bairros
< 46,74 2 5,26 5,26
46,74 - 69,52 18 47,37 52,63
69,52 - 80,73 17 44,74 97,37
80,73 - 85,71 1 2,63 100,00
Total 38 100,0
Média de proporção de domicílios 68,54
Desvio padrão 9,16
Valor mínimo 42,31
Valor máximo 85,71
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 5
Proporção de entrevistados com percepção sobre a qualidade da água fornecida pela
Embasa como límpida, sem cheiro/odor e gosto bom – Bairros da Bacia Hidrográfica do
Rio Camarajipe – Salvador – 2019

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Ao se investigar a correlação estatística entre as variáveis “percepção


sobre a qualidade da água” e “etnia/raça”, verifica-se uma correlação
Bahia anál. dados, praticamente nula. A variável “escolaridade” apresentou uma correla-
162 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019 ção baixa e positiva em relação a tal percepção. Se considerada “renda
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

familiar”, a correlação foi moderada. No entanto, o valor da probabi- O serviço de


lidade p = 0,0119 >0,005 indica que a relação não é estatisticamente esgotamento
significativa, e, portanto, a renda também não influencia a percepção sanitário de
dos moradores entrevistados (Tabela 7). Salvador é de
responsabili-
Tabela 7 dade da Embasa.
Correlação estatística entre a percepção sobre a qualidade da água e as variáveis
“escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio
A cidade conta
Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38 com o Sistema
Variável Percepção sobre a Integrado de
qualidade da água
Esgotamento
Escolaridade (proporção de domicílios com responsável com nível superior) 0,2720
Não brancos (proporção de domicílios com responsável não branco) -0,1098
Sanitário, que
Renda familiar (proporção de domicílios com responsável com renda teve seu início
familiar < 3SM) -0,4041
de implantação
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).
nos primeiros
anos da década
Esgotamento sanitário de 1970

O serviço de esgotamento sanitário de Salvador é de responsabilidade


da Embasa. A cidade conta com o Sistema Integrado de Esgotamento
Sanitário, que teve seu início de implantação nos primeiros anos da dé-
cada de 1970. Na época foram instaladas redes coletoras e intercepto-
res, que serviram às bacias de esgotamento sanitário da Pituba, Barra
e Lucaia, a estação de condicionamento prévio e o emissário terrestre/
submarino localizado no Rio Vermelho.

Entre 1995 e 2004, esse sistema foi ampliado significativamente, com in-
vestimentos do Programa Bahia Azul, a um custo de US$ 175,32 milhões
(BORJA, 2014). Entre 2007 e 2014, Salvador recebeu novos investimen-
tos, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento, para a am-
pliação do sistema de esgotamento sanitário. Assim, em 2017, segundo o
SNIS, a rede coletora de esgoto chegou a 79% da população (SISTEMA
NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO, 2019d).

A destinação adequada dos esgotos contribui para a prevenção de doenças


e para o controle ambiental. Assim, considera-se que um sistema de esgo-
tamento sanitário ou o uso de fossas sépticas são soluções adequadas para
o destino dos esgotos domésticos. Apesar da sua importância, esse serviço
ainda não está disponível para uma parcela da população de Salvador.

No caso dos bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe, cerca de


88% dos domicílios dispunham de uma solução adequada para o des-
tino dos esgotos sanitários. Apenas o bairro do Caminho das Árvores
apresentou 100% das residências com acesso à rede coletora de esgotos
adequada (Tabela 8 e Figura 6). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
163
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Nos demais bairros da bacia, os esgotos eram destinados a uma rede


coletora em condições precárias, a fossas sépticas deficientes, a canais
de drenagem ou despejados no próprio terreno. Do total de bairros,
26,3% tinham entre 77% e 85% dos domicílios com solução apropriada
para o destino dos esgotos sanitários.

Tabela 8
Descrição da variável “esgotamento sanitário adequado” em domicílios dos bairros da
Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N= 38
Esgotamento sanitário adequado (percentual de domicílios com Frequência % %
acesso a redes coletoras ou fossas sépticas em bom estado) de bairros acumulado
< 76,92 2 5,3 5,3
76,92 - 85,34 8 21,1 26,3
85,34 - 92,04 18 47,4 73,7
92,04 - 95,37 9 23,7 97,4
95,37 – 100,00 1 2,6 100,0
Total 38 100,0
Média de proporção de domicílios 87,94
Desvio padrão 6,10
Valor mínimo 67,74
Valor máximo 100,00
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 6
Proporção de domicílios com esgotamento sanitário adequado – Bairros da Bacia
Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Bahia anál. dados,


164 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

Ao se verificar a correlação estatística entre as variáveis “esgotamento Portanto,


sanitário” e “escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar”, constataram- existe uma
-se correlações moderadas. A variável “escolaridade” apresentou uma desigualdade de
correlação positiva, e “etnia/raça” e “renda familiar”, negativa (Tabe- acesso à solução
la 9). O valor da probabilidade para as três variáveis socioeconômicas adequada
apresentou p < 0,005, indicando que a relação dessas variáveis com de esgoto
“esgotamento sanitário adequado” é estatisticamente significativa. Por-
doméstico nos
tanto, existe uma desigualdade de acesso à solução adequada de es-
bairros da Bacia
goto doméstico nos bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe,
Hidrográfica do
considerando-se escolaridade, renda e etnia/raça.
Rio Camarajipe,
A Figura 7 apresenta os gráficos de dispersão, evidenciando as associa- considerando-se
ções entre as variáveis. escolaridade,
renda e etnia/
Tabela 9 raça
Correlação estatística entre as variáveis “esgotamento sanitário adequado” e
“escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio
Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38
Esgotamento Probabilidade
Variável sanitário p
adequado
Escolaridade (proporção de domicílios com responsável com nível
superior) 0,4745 0,0026
Não brancos (proporção de domicílios com responsável não branco) -0,4807 0,0023
Renda familiar (proporção de domicílios com responsável com renda
familiar < 3SM) -0,5148 0,0009
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 7
Gráfico de dispersão entre as variáveis “esgotamento sanitário” e “escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar”
– Bairros da Bacia do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Resíduos sólidos

A limpeza pública de Salvador está cargo da Limpurb. No entanto, a pre-


feitura municipal adotou um modelo de prestação de serviços via em-
presas privadas. Com isso, após processo de licitação, conforme referi-
do no Item 3.2, foram contratados os consórcios Salvador Saneamento
Ambiental e EcoSal, sendo o primeiro composto pelas empresas Revita
Engenharia S/A e Cavo Serviços e Saneamentos S/A, e o segundo, pelas
empresas Jotagê Engenharia Ltda, Torre Empreendimentos Rural e Cons- Bahia anál. dados,

trução, Naturalle Tratamento de Resíduos Ltda e MM Consultoria Cons-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
165
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Na Bacia truções e Serviços Ltda. Essas empresas fazem coleta, varrição, serviços
Hidrográfica do especiais, limpeza de praias e demais serviços correlatos. Assim, todos os
Rio Camarajipe, serviços de manejo de resíduos sólidos e de limpeza pública de Salvador
nenhum bairro são prestados por empresas privadas e fiscalizados pela Limpurb.
dispõe de 100%
A coleta dos resíduos sólidos e a sua frequência são determinantes na
de coleta de
avaliação da qualidade da prestação do serviço. Na Bacia Hidrográfica
resíduos sólidos
do Rio Camarajipe, nenhum bairro dispõe de 100% de coleta de resíduos
domésticos
sólidos domésticos. Em cerca de 39,5% dos bairros, a proporção de domi-
cílios com coleta adequada varia de 3,33% a 52,8% (Tabela 10 e Figura 8).

Tabela 10
Descrição da variável “coleta de resíduos domésticos” porta a porta de forma regular em
domicílios dos bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N= 38

Coleta de resíduos domésticos porta a porta de forma regular Frequência % %


de bairros acumulado
< 25,25 4 10,53 10,53
25,26 - 51,67 15 39,47 50,00
51,68 - 84,26 16 42,11 92,11
84,27 – 92,78 3 7,89 100,00
Média de proporção de domicílios 52,57
Desvio padrão 23,14
Valor mínimo 3,33
Valor máximo 92,8
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 8
Coleta de resíduos sólidos adequada – Bairros da Bacia do Rio Camarajipe – Salvador – 2019

Bahia anál. dados,


166 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019 Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

Analisando-se a correlação estatística entre as variáveis “coleta de resíduos Existe uma


sólidos adequados” e “escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar”, cons- desigualdade de
tata-se que há correlação fraca com a variável “escolaridade” e moderada acesso à coleta de
negativa com as outras duas (Tabela 11). O valor da probabilidade da asso- resíduos sólidos
ciação das três variáveis socioeconômicas com a variável “coleta de resíduos adequada nos
sólidos adequados” é p=0,000<0,005, sendo estatisticamente significativa. bairros da Bacia
Portanto, existe uma desigualdade de acesso à coleta de resíduos sólidos
Hidrográfica do
adequada nos bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe conside-
Rio Camarajipe
rando-se escolaridade, renda e etnia/raça. As figuras 9 e 10 apresentam os
considerando-
gráficos de dispersão, evidenciando as associações entre as variáveis.
-se escolaridade,
Tabela 11 renda e etnia/raça
Correlação estatística entre as variáveis “coleta de resíduos sólidos adequada” e
“escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio
Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38
Coleta de
Variável resíduos Probabilidade
sólidos p
adequada
Escolaridade (proporção de domicílios com responsável com nível
superior) 0,3230 0,0001
Não brancos (proporção de domicílios com responsável não branco) -0,4055 0,0000
Renda familiar (proporção de domicílios com responsável com renda
familiar < 3SM) -0,4236 0,0000
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 9
Gráfico de dispersão entre as variáveis “coleta de resíduos domésticos” porta a porta
de forma regular e “escolaridade” e “etnia/raça” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio
Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38

escolaridade não - brancos

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Figura 10
Gráfico de dispersão entre as variáveis “coleta de resíduos domésticos” porta a porta
de forma regular e “renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe –
Salvador – 2019 – N = 38

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
167
RF < 3 SM

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).


Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Embora o Rio Drenagem urbana


Camarajipe
tenha sido De acordo com estudo realizado pelo Instituto de Meio Ambiente e Re-
até o final do cursos Hídricos, os principais corpos d’água de Salvador estavam degra-
século XIX, um dados em 2014. Mais de 76% dos pontos analisados tiveram a qualidade
da água classificada como “ruim” ou “péssima” (INSTITUTO DO MEIO
importante
AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS, 2015).
manancial de
abastecimento
Embora o Rio Camarajipe tenha sido até o final do século XIX, um im-
de Salvador, portante manancial de abastecimento de Salvador, hoje suas águas
hoje suas águas transportam resíduos sólidos e esgotos domésticos responsáveis por
transportam sua intensa degradação. Na altura do Shopping da Bahia está instala-
resíduos sólidos da, no leito do rio, uma estação de tempo seco que desvia as águas do
e esgotos Camarajipe para o interior do interceptor do sistema de esgotamento
domésticos sanitário da cidade (SANTOS et al., 2010).
responsáveis
por sua intensa Com relação à drenagem urbana e ao manejo de águas pluviais na bacia,
degradação apenas 58% dos domicílios investigados pelo Projeto QUALISalvador
(SANTOS et al., 2018) dispunham de logradouro com rede de drenagem
em aparente bom estado de conservação (galeria, poço de visita, bocas
de lobo e grelhas). Em 76% dos domicílios, o entrevistado declarou que
não houve situação de risco, como alagamentos, enchentes ou desliza-
mentos de terra, nos últimos dois anos.

Em 50,0% dos bairros da Bacia do Rio Camarajipe, entre 29,5% e 59,1%


dos domicílios estão situados em logradouros com drenagem adequada
(Tabela 12 e Figura 11). Os bairros identificados com as menores propor-
ções de logradouros nessa condição foram Fazenda Grande do Retiro
(33,33%), Jardim Santo Inácio (35,78%), Mata Escura (29,47%) e Retiro
(32,26%), e com as maiores percentagens foram Barbalho (81,9%), Ca-
minho das Árvores (79,17%) e Saúde (78,35%).

Tabela 12
Descrição da variável “drenagem das águas pluviais adequada” em domicílios dos
bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N= 38

Drenagem das águas pluviais adequada Frequência de % % acumulado


bairros
< 35,78 4 10,53 10,53
35,79 - 59,11 15 39,47 50,00
50,12 - 77,78 16 42,11 92,11
77,79 - 81,90 3 7,89 100,00
Média de proporção de domicílios 56,96
Desvio padrão 15,14
Valor mínimo 29,47
Valor máximo 81,9
Bahia anál. dados, Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).
168 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

O estudo da correlação estatística entre as variáveis “drenagem das O valor da


águas pluviais adequada” e “escolaridade” e “renda familiar” e “etnia/ probabilidade
raça” indica que uma correlação fraca com a variável “etnia/raça” e mo- da associação
derada negativa com “escolaridade” e “renda familiar” (Tabela 13). O va- das três
lor da probabilidade da associação das três variáveis socioeconômicas variáveis socio-
com a variável “drenagem das águas pluviais adequada” é p=0,000< econômicas
0,005, sendo estatisticamente significativa. Portanto, existe uma desi-
com a variável
gualdade de acesso à coleta de resíduos sólidos adequada nos bairros
“drenagem das
da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe, considerando-se escolaridade,
águas pluviais
renda e etnia/raça. A Figura 12 apresenta os gráficos de dispersão, evi-
denciando as associações entre as variáveis. adequada” é
p=0,000<0,005,
Figura 11 sendo estatisti-
Condições adequadas da rede de drenagem – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio camente signifi-
Camarajipe – Salvador – 2019
cativa

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

Tabela 13
Correlação estatística entre as variáveis “drenagem das águas pluviais adequada” e
“escolaridade”, “etnia/raça” e “renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio
Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38
Drenagem das Probabilidade
Variável águas pluviais p
adequada
Escolaridade (proporção de domicílios com responsável com nível
superior) 0,4965 0,0000
Não brancos (proporção de domicílios com responsável não branco) -0,3864 0,0000
Renda familiar (proporção de domicílios com responsável com
Bahia anál. dados,
renda familiar < 3SM)
Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).
-0,4605 0,0000 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
169
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
Artigos Salvador (BA)

Figura 12
Gráfico de dispersão entre as variáveis “drenagem das águas pluviais adequada” e “escolaridade”, “etnia/raça” e
“renda familiar” – Bairros da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe – Salvador – 2019 – N = 38

Fonte: elaboração própria, a partir de Santos e outros (2018).

CONCLUSÃO

O processo de urbanização das cidades brasileiras se desenvolveu com


forte produção de uma cidade informal, situada nas periferias marcadas
por carências diversas, com destaque para o saneamento básico, con-
dição que produziu espaços insalubres, que vêm expondo a população
a uma série de enfermidades. Esse contexto é fruto de um modelo de
desenvolvimento desigual, que gerou cidades com condições de mo-
radia e serviços públicos precários. Por outro lado, as fragilidades das
políticas públicas e a falta de investimentos continuados, alinhadas às
necessidades crescentes das populações, vêm contribuindo para o qua-
dro grave de déficit dos serviços de saneamento básico.

A luta política e as consequentes conquistas, como a aprovação da Lei


Nacional de Saneamento Básico (BRASIL, 2007), a criação do Ministério
das Cidades, em 2003, e a retomada dos investimentos, especialmente
entre 2007 e 2014, por meio do Programa de Aceleração do Crescimen-
to, permitiram que algumas cidades pudessem avançar na cobertura da
população com serviços de saneamento básico. No caso de Salvador,
a Embasa promoveu investimentos significativos em abastecimento de
água e esgotamento sanitário, produzindo a melhoria dos indicadores
de cobertura dos serviços.

Entretanto, os resultados obtidos neste trabalho indicam o não cumpri-


mento do preconizado pela lei nacional, haja vista o déficit de atendi-
mento da população dos bairros da Bacia do Camarajipe em relação ao
saneamento básico. Observou-se que as populações mais pobres, de
baixa escolaridade e com predominância de não brancos são as mais afe-
tadas com os menores índices de atendimento e de qualidade do serviço.
Isso permite demonstrar a vulnerabilidade em que se encontram essas
populações, já que a desigualdade no acesso aos serviços de saneamen-
Bahia anál. dados, to as expõe a condições insalubres, que representam uma violação aos
170 Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019 direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário definidos pela ONU.
Cibele Sousa Coelho, Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos Artigos

Assim, conforme discutido ao longo deste trabalho, esta situação de Assim, para
acesso deficitário ao saneamento básico é inconstitucional, uma vez que alcançar esses
viola a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia, à saúde e ao e os demais
meio ambiente. Não há, portanto, respeito aos direitos fundamentais Objetivos
desses indivíduos, o que indubitavelmente interfere na qualidade de do Desen-
vida, na saúde e na produtividade. volvimento
Sustentável
O enfrentamento das desigualdades ainda se constitui em um grande
estabelecidos
desafio no século XXI, mas se deve destacar certo progresso no reco-
pela ONU
nhecimento desse problema. Em 2015, por exemplo, foi criada a Agenda
2030, pela ONU, com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentá- (ORGANIZAÇÃO
vel. Dentre eles, destacam-se o Objetivo 10, que propõe a redução das DAS NAÇÕES
desigualdades dentro dos países e entre eles, e o Objetivo 6, que visa UNIDAS, 2015),
assegurar a disponibilidade de água e saneamento para todos. as políticas
públicas de
Assim, para alcançar esses e os demais Objetivos do Desenvolvimen- saneamento
to Sustentável estabelecidos pela ONU (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES básico em
UNIDAS, 2015), as políticas públicas de saneamento básico em Salvador Salvador devem
devem somar esforços e focalizar seus investimentos para assistir essas somar esforços
populações. Destaca-se, ainda, o dever do poder público de garantir e focalizar
qualidade de vida à população, e o empenho na progressiva universa- seus investi-
lização do acesso aos serviços de saneamento básico com qualidade,
mentos para
objetivo preconizado pela Política Nacional de Saneamento Básico.
assistir essas
populações
Por fim, cita-se a limitação deste estudo ao não abranger todos os bairros
da Bacia Hidrográfica do Rio Camarajipe devido ao andamento do traba-
lho de campo e ao registro das informações em tempo compatível com
o desenvolvimento do estudo. Ressalta-se, portanto, a necessidade de
mapear as desigualdades de acesso ao serviço de saneamento básico em
todo o município, e no estado, a fim de preencher as lacunas que impe-
dem o alcance da universalização almejada, para a definição de políticas,
programas e ações para a superação do cenário de déficit dos serviços.

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Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
171
Desigualdades de acesso e qualidade dos serviços de saneamento básico da bacia hidrográfica do rio Camarajipe –
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de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 jan. 2007.

BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de con-


cessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da
Constituição Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
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nóstico de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, 2017. Brasília: MDR,
2019b. Disponível em: http://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-aguas-pluviais/
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Disponível em: http://www.snis.gov.br/diagnostico-residuos-solidos/diagnosti-
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histórica. Brasília: MDR, 2019d. Disponível em: http://app4.cidades.gov.br/se-
rieHistorica/. Acesso em: 21 mai. 2019.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.152-173, jul.-dez. 2019
173
RESUMO

Nas últimas décadas, puderam-se observar as repercussões do modelo de de-


senvolvimento vinculado ao capitalismo avançado, com a ampliação das injus-
tiças sociais no mundo (PIKETTY, 2014) e a degradação do meio ambiente em
níveis preocupantes, colocando em risco a saúde das populações e a própria
vida no planeta. As repercussões desse modelo vêm sendo evidenciadas nos
relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
que têm destacado a influência das atividades humanas no sistema climático,
com aumento da temperatura e alterações preocupantes no ciclo da água. O
nível de desigualdade social, destacado pela ONU, é evidenciado pela exis-
tência de cerca de um terço da população mundial vivendo em assentamen-
tos precários, sem acesso a serviços públicos e em situação de insalubridade
ambiental. Promover cidades justas e sustentáveis tem se tornado um grande
desafio para os países. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável tratam
das cidades nos ODS 11 e 6, que preveem tornar as cidades e os assentamen-
tos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, e também que seja
assegurada a disponibilidade e gestão sustentável da água e esgotamento sa-
nitário para todas e todos até 2030. Assim, o presente artigo visa contribuir no
debate sobre os ODS e seu diálogo com os pressupostos do direito à cidade,
por meio de uma revisão crítica da literatura sobre o tema. Pôde-se constatar
que os objetivos 11 e 6 dialogam com o ideário do Estatuto das Cidades – Lei
no. 10.257/2001 –, que, ao definir o objetivo da política urbana de ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade ur-
bana, estabelece como uma de suas diretrizes gerais a garantia do direito a
cidades sustentáveis. O estudo mostrou-se relevante dada a necessidade de
cumprimento pelas cidades brasileiras dos ODS aqui discutidos e por expor os
fatores que têm influenciado o alcance do direito à cidade sustentável no país.
Palavras-chave: ODS. Direito à cidade. Sustentável.

ABSTRACT

In recent decades, it has been possible to observe the repercussions of the


development model linked to advanced capitalism, with the widening of social
injustices in the world (PIKETTY, 2014), and the degradation of the environment
to worrying levels, putting at risk not only health populations and life on the planet
itself. The repercussions of this model have been highlighted in the reports of the
Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), which have highlighted the
influence of human activities on the climate system, with rising temperatures
and disturbing changes in the water cycle. The level of social inequality is
highlighted by the UN, which is evidenced by the existence of about one third of
the world’s population living in precarious settlements, without access to public
services and in situations of environmental unhealthiness. Promoting fair and
sustainable cities has become a major challenge for countries. The Sustainable
Development Goals address cities in SDG 11 and 6 which aim to make cities and
human settlements inclusive, safe, resilient and sustainable, as well as ensuring
the availability and sustainable management of water and sanitation for all and
all by 2030. Thus, this article aims to contribute to the debate on the SDGs and
their dialogue with the assumptions of the right to the city, through a critical
review of the literature on the subject. It can be seen that Goals 11 and 6 dialogue
with the ideals of the City Statute, Law no. 10.257 / 2001, which in defining the
objective of urban policy of ordering the full development of the social functions
of the city and urban property, establishes as one of its general guidelines the
guarantee of the right to sustainable cities. The study was relevant given the need
for compliance by Brazilian cities with the SDGs discussed here, and the factors
that have influenced the scope of the right to sustainable city in the country.
Keywords: SDG. Right to the city. Sustainable.
Artigos

Direito à cidade sustentável


e à qualidade urbano-
ambiental: um estudo em
Salvador, Bahia, Brasil
PAT R Í C I A C A M P O S B O R J A NOS DOIS últimos séculos, a humanida-
Doutora e mestre em Arquitetura e
Urbanismo e graduada em Engenharia de experimentou mudanças significativas
Sanitária e Ambiental, pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Professora- na estrutura da sociedade e logrou êxitos
associada do Departamento de
nos processos de acumulação de riqueza,
Engenharia Ambiental e Mestrado em Meio
Ambiente, Águas e Saneamento da UFBA. contando com amplo suporte dos avanços
[email protected]

MARIA ELISABE TE PEREIR A DOS


tecnológicos, das atividades de corporações
SANTOS cada vez mais oligopolizadas e das ações
Doutora em Ciências Sociais, pela
Universidade Estadual de Campinas
dos Estados-Nação via políticas públicas.
(Unicamp) e mestre em Ciências Sociais,
Como produto desse processo observaram-
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[email protected] -se importantes alterações nos estilos de
LU I Z R O B E R T O S A N TO S M O R A E S
vida – sustentados em altos padrões de
Doutor em Saúde Ambiental, pela
University of London (UL) e mestre consumo e descarte por parte de uma
em Engenharia Sanitária, pela Delft
University of Technology (TU Delft). pequena parcela da população –, desigual-
Professor titular aposentado de
Saneamento e participante especial dades sociais e a degradação do patrimônio
voluntário do Mestrado em Meio
Ambiente, Águas e Saneamento da
ambiental. As populações mais vulnerabi-
Escola Politécnica, do Programa de lizadas vivem na América do Sul, na África
Pós-graduação em Saúde, Ambiente e
Trabalho da Faculdade de Medicina da e na Ásia, embora os efeitos negativos do
Bahia e da Residência Profissional em
Arquitetura, Urbanismo e Engenharia modelo de desenvolvimento já possam ser
da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). observados nos países centrais.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
175
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

A degradação A ciência, a tecnologia e a produção de riqueza não foram capazes de


do meio gerar uma sociedade mais justa prometida pela modernidade. Assim,
ambiente ainda existem populações que adoecem e morrem por enfermidades
atingiu níveis que poderiam ser evitadas por meios conhecidos e com ações de baixa
preocupantes, complexidade, como o abastecimento de água e o destino adequado
dos dejetos. Tem-se registrado o avanço de morbidades típicas de so-
colocando em
ciedades avançadas, como o câncer, a infertilidade e doenças cardíacas,
risco não só
cuja incidência vem sendo relacionada a substâncias tóxicas presentes
a saúde das
no ambiente. A Organização Pan-Americana da Saúde, em seu Relatório
populações, sobre a Saúde nas Américas, aponta para a ampliação das desigualdades
mas também a sociais não só no campo da saúde como também quanto à exposição
vida no planeta aos riscos ambientais. A entidade estimou que 24% da carga mundial de
morbidade e 23% de todas as mortes na região das Américas podem ter
relação com fatores do ambiente (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA
DA SAÚDE, 2007; PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION, 2012).

Nas últimas décadas, as injustiças sociais foram ampliadas, inclusive


nos Estados Unidos e na Europa (PIKETTY, 2014), e a degradação do
meio ambiente atingiu níveis preocupantes, colocando em risco não só
a saúde das populações, mas também a vida no planeta. As repercus-
sões do modelo de desenvolvimento nos processos de degradação da
qualidade ambiental vêm sendo evidenciadas nos relatórios do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No relatório de
2013, o painel destacou a clara influência das atividades humanas no
sistema climático, sendo evidentes as preocupações com o aumento
dos gases do efeito estufa e da temperatura (INTERGOVERNMENTAL
PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2019). Também se faz um alerta sobre
as alterações globais do ciclo da água, que afetarão os sistemas de
abastecimento de água. Avaliam-se inúmeros impactos decorrentes do
aumento da temperatura nos sistemas naturais e na saúde humana. As
inundações, as secas e a escassez de água potável e de alimentos são
algumas das implicações do aumento da temperatura global, as quais
irão afetar principalmente os mais pobres, ampliando as injustiças so-
ciais e ambientais.

Ao lado do alto padrão de consumo de mercadorias rapidamente des-


cartáveis, convive-se com populações que não têm suas necessidades
básicas atendidas, como, por exemplo, o acesso à água. Embora em
2010 a Organização das Nações Unidas (ONU) tenha declarado a água
potável e o destino adequado dos esgotos sanitários como um direto
humano essencial, ainda persiste a exclusão de extensas camadas da
população do acesso a esses serviços tão essenciais à vida. Cerca de
884 milhões de pessoas no mundo ainda não dispõem de fontes seguras
de água potável, e 2,5 bilhões não contam com soluções para os esgotos
Bahia anál. dados, sanitários (WORLD HEALTH ORGANIZATION; UNITED NATIONS CHIL-
176 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019 DREN’S FUND, 2017).
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

No que se refere às cidades, em 2013, o Programa das Nações Unidas A Nova Agenda
para Assentamentos Humanos revelou que um dos maiores desafios a Urbana prevê
serem enfrentados nas próximas décadas refere-se à garantia do acesso uma mudança
à moradia e ao saneamento básico, diante do rápido crescimento das de paradigma
populações urbanas e da consequente necessidade de acesso à terra no campo
e aos serviços urbanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017). disciplinar
Segundo esse programa, cerca de um terço da população mundial vive
da chamada
em assentamentos precários, sem acesso a serviços públicos e em si-
“ciência das
tuação de insalubridade ambiental.
cidades”
Visando ao enfrentamento da problemática urbano-ambiental, a Ter-
ceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento
Urbano Sustentável (Habitat III) propôs a Nova Agenda Urbana, basea-
da no reconhecimento da relação entre boa urbanização e desenvol-
vimento, buscando o alcance progressivo do direito à habitação, sem
discriminações, com acesso universal e equitativo à água potável e ao
esgotamento sanitário seguros e economicamente acessíveis. A Nova
Agenda Urbana prevê uma mudança de paradigma no campo discipli-
nar da chamada “ciência das cidades”, com foco em cinco estratégias
principais: políticas nacionais urbanas; legislação e regulação urbanas;
planejamento e desenho urbano; economia local e finança municipal; e
implantação local (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017).

A Nova Agenda Urbana é tributária dos Objetivos do Desenvolvimento


Sustentável. Em 2015, sob fortes receios quanto às possibilidades de
construção de consensos, as Nações Unidas definiram 17 objetivos e
169 metas para o desenvolvimento sustentável, a serem atendidos até
2030, considerando o equilíbrio entre as dimensões econômica, social e
ambiental. A Agenda 2030 visa erradicar a pobreza e a fome e universa-
lizar a prosperidade econômica, o desenvolvimento social e a proteção
ambiental (UNITED NATIONS, 2015).

No que se refere às cidades, os ODS 11 e 6 merecem destaque. O ODS 11


prevê tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, segu-
ros, resilientes e sustentáveis, por meio do atingimento de dez metas,
e o ODS 6 propõe assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da
água e esgotamento sanitário para todas e todos até 2030, por meio de
oito metas (UNITED NATIONS, 2015).

O Objetivo 11 das cidades e comunidades sustentáveis dialoga com o


ideário do Estatuto das Cidades – Lei no. 10.257/2001 –, que, ao definir
o objetivo da política urbana de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, estabelece como
uma de suas diretrizes gerais a garantia do direito a cidades sustentáveis
(BRASIL, 2001). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
177
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

No âmbito a Diversas estratégias vêm sendo adotadas para o enfrentamento da pro-


ONU, busca-se blemática urbano-ambiental, de forma a buscar garantir o acesso uni-
o atingimento versal e equitativo aos serviços públicos e a melhoria das condições de
das metas dos vida. No âmbito a ONU, busca-se o atingimento das metas dos ODS,
ODS, que se que se constitui em uma pactuação para responder a demandas de
movimentos sociais e também de organismos internacionais ligados ao
constitui em
capital. Essas estratégias vêm sendo formuladas não só pela ONU como
uma pactuação
também por Estados-Nação, corporações ligadas ao mercado, pela co-
para responder
munidade técnico-científica, além dos movimentos sociais urbanos que
a demandas de reivindicam o direito à cidade, à terra urbana e aos serviços públicos.
movimentos São planos, programas, ações e metas que vêm sendo pactuados com
sociais e vistas a alterar o quadro atual de desigualdade socioambiental, produzi-
também de do pelo modo de produção capitalista, e as relações sociais subjacentes
organismos geradoras de exclusão e iniquidades. Objetiva-se ainda focar a amplia-
internacio- ção da problemática ambiental, a exemplo das mudanças climáticas,
nais ligados ao da perda da biodiversidade e da alteração do ciclo biogeoquímico do
capital nitrogênio, estes últimos aspectos referentes às fronteiras planetárias
(ROCKSTRÖM, 2009).

Para avaliar os avanços ou recuos desses esforços, um conjunto de


instituições internacionais e nacionais e de investigadores têm apos-
tado na construção de sistemas de indicadores que permitam verifi-
car o desempenho das políticas públicas e dos planos, programas e
ações, e, mais recentemente, o cumprimento das metas dos ODS e da
Agenda 2030.

Visando contribuir no debate sobre os ODS e seu diálogo com os


pressupostos do direito à cidade, o presente trabalho pretende reali-
zar uma reflexão teórico-conceitual sobre o tema. O estudo mostra-
-se relevante dada a necessidade de se avaliar a qualidade urbano-
-ambiental das cidades brasileiras e também o alcance do direito à
cidade sustentável.

METODOLOGIA

A metodologia do presente artigo, mais voltado para um debate teóri-


co-conceitual, envolveu uma revisão de literatura sobre a temática em
questão, ou seja, qualidade ambiental urbana, cidade sustentável e Ob-
jetivos do Desenvolvimento Sustentável e Agenda 2030, com destaque
para os objetivos 11 e 6, respectivamente, das cidades e comunidades
sustentáveis e da disponibilidade e gestão sustentável da água e esgo-
tamento sanitário.

Bahia anál. dados, A opção metodológica aqui adotada envolveu a tentativa de incorporar
178 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019 o conhecimento gerado no âmbito da pesquisa acadêmica aos proces-
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

sos de construção da cidade e de práticas cujo foco seja o aprofunda- A relação entre
mento do exercício do direito à cidade. Assim, foram feitas pesquisas sociedade,
de títulos nos sites dos periódicos da Capes e do Habitat, da ONU e economia e
do PNUD, sendo que estes últimos foram importantes para analisar os ambiente tem
documentos oficiais sobre os ODS e a Nova Agenda Urbana. Também sido marcada
fez-se uso da legislação brasileira sobre o direito à cidade. pela complexa
associação
Do ponto de vista epistemológico, as opções consideram a assunção do
entre pobreza
caráter histórico de todo e qualquer conhecimento produzido, conforme
urbana e
as condições econômicas, sociais e político-institucionais de produção.
Acredita-se que a realidade sempre se revela de forma parcial e frag- estratificação
mentada, o que não significa a impossibilidade da sua interpretação. de acesso
Nesse caso particular, considera-se a triangulação de métodos qualita- aos serviços
tivo e quantitativo. O exercício da triangulação não tem como objetivo de consumo
exatamente a validação recíproca de cada método ou instrumento de coletivo e
pesquisa (ainda que possa secundariamente servir a esse propósito), pelo caráter
mas a complementaridade entre as distintas formas de percepção e predatório
manifestação do objeto de estudo. Também se faz uma articulação das dos projetos
dimensões urbana e ambiental, tradicionalmente circunscritas em cam- de desenvolvi-
pos teóricos distintos. mento, tanto
em relação ao
trabalho como
QUALIDADE AMBIENTAL URBANA E O DIREITO À CIDADE
ao ambiente
SUSTENTÁVEL: ALGUMAS ANOTAÇÕES

Qualidade ambiental urbana: o conceito à luz da teoria crítica

A qualidade do ambiente intraurbano das cidades brasileiras, particular-


mente das capitais, apresenta grandes disparidades sociais e ambien-
tais. Apesar de alguns exemplos de experiência de gestão urbano-am-
biental, no atual contexto do capitalismo avançado, tem-se assistido,
na escala do município, à subordinação das formas de apropriação da
natureza e do trabalho às funções vitais do capital, com consequências
danosas à qualidade urbano-ambiental (MÉSZÁROS, 2002). Embora
essa seja a realidade das cidades da periferia capitalista, as condições
de produção e reprodução desse sistema reúnem tanto as determina-
ções mais gerais do modo de produção e reprodução do capital como
também as peculiaridades locais e regionais.

A relação entre sociedade, economia e ambiente tem sido marca-


da pela complexa associação entre pobreza urbana e estratificação
de acesso aos serviços de consumo coletivo e pelo caráter predató-
rio dos projetos de desenvolvimento, tanto em relação ao trabalho
como ao ambiente. Assim, o conceito de sociometabolismo do capi-
tal, cunhado por Mészáros (2002, 2009), mostra-se apropriado ao Bahia anál. dados,

estudo da qualidade urbano-ambiental de Salvador, pois remete às


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
179
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

A economia condições gerais de produção e reprodução social no atual contex-


ambiental, to de flexibilização produtiva do capital e, de forma complementar,
de inspiração às noções de qualidade urbano-ambiental, saúde pública, inserção
neoclássica, produtiva, colocando as condições particulares de produção e re-
em seus mais produção da cidade nos contextos do capitalismo periférico, como
no caso de Salvador.
distintos
matizes
O conceito de sociometabolismo do capital situa o presente debate no
teóricos,
âmbito das teorias críticas que buscam qualificar a relação entre capi-
concebe a tal, trabalho, Estado e natureza no contexto de flexibilização produtiva
cidade a partir – que subordina o trabalho, o Estado e a natureza à lógica do capital –,
da metáfora de divisão internacional do trabalho – que recria a condição de centro
cidade-empresa e periferia – e de constituição de uma economia urbana rentista – que
e a natureza adquire aspectos predatórios em um contexto de captura privada do
como um fator Estado por interesses especulativos.
de produção
O sociometabolismo é tributário da noção de metabolismo. A despeito
das dificuldades epistemológicas do uso de conceitos originários das
ciências biológicas para a compreensão de processos sociais, a noção
de metabolismo se constitui em uma tentativa de explicitar analitica-
mente os complexos vínculos entre capital, trabalho e Estado no atual
estágio do capitalismo. Segundo Mészáros (2002), para a compreensão
da atual formação social, deve-se considerar a radicalização da separa-
ção entre produção e necessidade, que se traduz no aumento da capaci-
dade de produção, no aprofundamento da financeirização da economia,
como também na transformação, precarização e destruição do trabalho
e da natureza.

A adoção de uma perspectiva teórica critica implica, do ponto de vista


dos processos de produção da cidade, estabelecer limites à mercantili-
zação da terra, do trabalho e dos bens ambientais, bem como combater
a estratificação dos serviços de consumo coletivo – particularmente a
saúde pública e o saneamento ambiental – e o aprofundamento dos
processos de periferização da cidade. Teoricamente, isso significa criar
um contraponto com a abordagem neoclássica, que, inspirada em uma
razão prática utilitária, afirma o pressuposto de que a racionalidade eco-
nômica e a livre concorrência são mecanismos capazes de assegurar a
utilização ótima e a alocação eficiente dos recursos ambientais, como
também o acesso aos serviços de infraestrutura e de consumo coletivo,
especialmente a saúde coletiva. A economia ambiental, de inspiração
neoclássica, em seus mais distintos matizes teóricos, concebe a cidade
a partir da metáfora cidade-empresa e a natureza como um fator de
produção. A cidade, segundo a noção da sustentabilidade, seria, então,
capaz de se inserir de forma competitiva no atual contexto de globali-
Bahia anál. dados, zação, promovendo a produtividade no uso racional dos recursos am-
180 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019 bientais e reforçando suas vantagens comparativas (ACSERALD, 2001).
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

Em contrapartida, as abordagens inspiradas nas noções de universali- A qualidade


zação e de equidade consideram que a relação entre cidade e natureza do ambiente
pressupõe a reconstrução do conceito de democracia. Assim, essa tem urbano também
como um dos seus pressupostos a transformação das atuais condições incorpora a
de produção e reprodução sociometabólica do capital e, consequen- discussão sobre
temente, a inclusão produtiva, superação da precarização do trabalho, um conjunto
mudança das condições de saúde e distribuição de renda, equaciona-
de condições
mento do risco e da vulnerabilidade e proteção do patrimônio ambiental
materiais,
e histórico-cultural.
sociais e
Assim, como afirma Luengo (1998, p. 12), entende-se por qualidade psicológicas que
ambiental maximizam o
bem-estar do
[...] las condiciones óptimas que rigen el comportamiento del espa- homem nas
cio habitable en términos de confort asociados a lo ecológico, bio- cidades
lógico, económico-productivo, socio-cultural, tipológico, tecnológico
y estético en sus dimensiones espaciales. De esta manera, la calidad
ambiental urbana es por extensión, producto de la interacción de
estas variables para la conformación de un hábitat saludable, confor-
table y capaz de satisfacer los requerimentos básicos de sustentabi-
lidad de la vida humana individual y en interacción social dentro del
medio urbano.

A qualidade urbano-ambiental envolve uma forma particular de produ-


ção e reprodução sociometabólica do capital, assim como concepções
e práticas no campo da promoção da saúde pública. Isso exige a incor-
poração de questões relacionadas a fatores de risco urbano-ambiental,
como exposição a agentes químicos e biológicos, situações que interfe-
rem no estado psíquico do indivíduo, a exemplo da violência, aspectos
negativos do desenvolvimento social e econômico e inserção produtiva,
além de vetores de propagação de doenças pela degradação do clima
(MINAYO, 2002).

A qualidade do ambiente urbano também incorpora a discussão sobre


um conjunto de condições materiais, sociais e psicológicas que maximi-
zam o bem-estar do homem nas cidades, como moradia, infraestrutu-
ra, conforto ambiental, dentre outras, que, por sua vez, dependem dos
recursos naturais, como clima e morfologia urbana, e da capacidade do
homem de melhorar o que a natureza oferece.

Corroborando Borja e Moraes (2001), considera-se que a avaliação da


qualidade do ambiente urbano deve se reportar às dimensões objetivas
e subjetivas, ou seja, à articulação entre as dimensões propriamente
urbanas e ambientais dos processos de constituição da realidade so-
cial. Para esses autores, o ambiente urbano é um espaço socialmente Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
181
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

O conceito construído, e sua percepção varia ao longo do tempo e do espaço em


de qualidade função da inserção social.
do ambiente
urbano aqui é Enfim, a qualidade está impregnada de subjetividade, da qual os nú-
definido como meros, per se, não conseguem dar conta, sendo necessário, portanto,
incorporar abordagens interdisciplinares e integradas, segundo as con-
as propriedades
cepções objetivas e subjetivas da realidade.
do ambiente
natural e socio-
O conceito de qualidade do ambiente urbano aqui é definido como as
cultural que são propriedades do ambiente natural e sociocultural que são determinan-
determinantes tes da qualidade de vida do cidadão. Portanto, o projeto volta-se para
da qualidade de o ambiente natural e socialmente construído, concebido como resul-
vida do cidadão tado de condições históricas de apropriação da natureza na cidade,
das relações entre classes e segmentos sociais (quaisquer que sejam
as formas de organização e estruturação da sociedade) e do mode-
lo de desenvolvimento em curso. Em determinadas circunstâncias, o
conceito de qualidade do ambiente urbano situa-se na fronteira entre
as concepções de qualidade do ambiente e de vida, confundindo o
que se poderia qualificar como propriedades (naturais e sociais) do
ambiente e, de uma perspectiva propriamente ontológica, da vida per
se (Figura 1).

As dimensões, os componentes e os subcomponentes estruturantes da


qualidade do ambiente urbano são mostrados no Quadro 1.

Figura 1
Conceito de qualidade do ambiente urbano

Condições físico-ambientais e socioculturais

Conjunto de propriedades físico-ambientais e sociocul-


turais fruto da interação entre os homens e destes com
a natureza (mediada pelo trabalho), constitutivas do
espaço urbano, com repercussão (positiva ou negativa) Dimensão
Dimensão
na qualidade vida. A qualidade do ambiente se expres- subjetiva
objetiva
sa de forma objetiva (relativa às condições de elemen-
tos da natureza como também à estrutura socioeco-
nômica, à infraestrutura e a serviços públicos urbanos )
e subjetiva (referente à percepção e à ação cidadã),
compondo um quadro amplo do que pode ser definido
como qualidade do ambiente urbano.

Fonte: Santos et al. (2013).

Bahia anál. dados,


182 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

Quadro 1 Para o autor,


Dimensões, componentes e subcomponentes estruturantes da qualidade do ambiente
urbano esse direito
Dimensão Componente Subcomponente
não envolve
I - Físico- ambiental Clima Condições higrotérmicas/Umidade do ar/ a liberdade
Pluviometria individual de
Som Ruído
Ar Poluição do ar
acesso a serviços
Vegetação Cobertura vegetal urbanos, como
Corpos d’água Rios urbanos, lagos, fontes idealizado pelos
II - Socioeconômica Inserção produtiva Renda
Desigualdade
liberais, mas sim
Relação de trabalho a capacidade da
Habitabilidade Tipologia construtiva coletividade, de
Densidade
todos, de mudar,
Segurança alimentar e nutricional Insegurança alimentar e nutricional
III - Serviço e Saúde Mortalidade, morbidade e acesso a serviço de criar cidades
infraestrutura de saúde que satisfaçam
Educação Escolarização
Mobilidade Circulação
as necessidades
Segurança pública Ocorrência, percepção e efetivo humanas
Saneamento básico Abastecimento de água, esgotamento
sanitário
Manejo e drenagem de águas pluviais
Manejo de resíduos sólidos
Equipamentos e serviços urbanos Acesso a equipamentos e serviços
Risco urbano-ambiental Exposição a situação de risco
IV- Cultura e Lazer/Cultura Acesso a equipamentos e serviços
cidadania Participação política Acesso à informação política/Filiação a
organização política
V - Bem-estar Percepção urbano-ambiental Opinião sobre ambiente urbano
Satisfação/Felicidade Opinião sobre significado da moradia
Fonte: Santos e outros (2013).

Breve discussão sobre o direito à cidade

O conceito do direito à cidade foi cunhado pelo filósofo Henri Lefebvre,


para o qual a cidade é um espaço de apropriação no qual prevalece o
valor de uso sobre o valor de troca. Assim, na perspectiva do autor, os
pressupostos do direito à cidade se contrapõem ao capitalismo e ao
liberalismo. Para Lefebvre, a lógica do capitalismo transforma a cidade
em produto-mercadoria, em valor de troca, sendo que ela deveria pro-
porcionar o encontro, a criação e a participação na produção do espaço
urbano, elevando-a ao valor de uso (LEFEBVRE, 2001).

Para Harvey (2003, 2009a), o direito à cidade é um direito comum de


transformação, que depende do poder da coletividade para remodelar os
processos de urbanização. Para o autor, esse direito não envolve a liber-
dade individual de acesso a serviços urbanos, como idealizado pelos libe-
rais, mas sim a capacidade da coletividade, de todos, de mudar, de criar
cidades que satisfaçam as necessidades humanas. O autor entende que a Bahia anál. dados,

luta pelo direito à cidade é a luta contra o capital (HARVEY, 2009b, 2012).
Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
183
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

Nos Objetivos Na Carta Mundial pelo Direito à Cidade (2005), fruto de uma construção
do Desen- de movimentos sociais e profissionais e de pesquisadores, o direito à
volvimento cidade é definido como
Sustentável,
a noção de o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustenta-
bilidade, democracia, equidade e justiça social [...] interdependente a
direito à cidade
todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebi-
está prevista
dos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos,
de forma
econômicos, sociais, culturais e ambientais.
explícita nos
objetivos 11 e 6. Para Alomar (2017), nas negociações da Nova Agenda Urbana, a ONU
O ODS 11 prevê tem buscado uma posição que transita entre o neoliberalismo e as rei-
“[...] tornar as vindicações sociais relacionadas com o direito à cidade – sem enfrentar
cidades e os a estrutura social hierárquica no capitalismo, marcada pela concentra-
assentamentos ção de riqueza e reprodução de desigualdades –, pelas quais a popula-
humanos ção demanda um espaço urbano que atenda às suas necessidades, livre
inclusivos, da dominação do Estado e da empresa.
seguros,
resilientes e A Organização das Nações Unidas vem utilizando o conceito de cidade
sustentáveis sustentável. No Habitat III, objetivou-se criar uma cidade resiliente e
[...]” (UNITED sustentável, com empregos decentes e estímulo à atividade econômi-
ca (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017). Espera-se que as
NATIONS,
nações garantam terra urbanizada, habitação, energia, segurança, ali-
2015, p. 24)
mentação, destinação adequada dos resíduos, mobilidade sustentável,
serviços de saúde e planejamento familiar, educação, cultura e tecno-
logias de informação e comunicação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, 2017). Todos esses elementos compõem o direito à cidade e
são fundamentais para a promoção da qualidade de vida e da justiça
socioambiental, devendo ser promovidos por políticas públicas demo-
craticamente definidas, com a participação dos diversos sujeitos sociais,
especialmente os mais vulnerabilizados.

Nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a noção de direito à ci-


dade está prevista de forma explícita nos objetivos 11 e 6. O ODS 11 prevê
“[...] tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis [...]” (UNITED NATIONS, 2015, p. 24), por meio
do cumprimento, até 2030, de dez metas, a saber:

11.1 Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada


e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas.

11.2 Até 2030, proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros,


acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a
segurança rodoviária por meio da expansão dos transportes públicos,
Bahia anál. dados, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de
184 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019 vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos.
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

11.3 Até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as ca-


pacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos
participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países.

11.4  Fortalecer esforços para proteger e salvaguardar o patrimônio


cultural e natural do mundo.

11.5 Até 2030, reduzir significativamente o número de mortes e o número


de pessoas afetadas por catástrofes e substancialmente diminuir as
perdas econômicas diretas causadas por elas em relação ao produto
interno bruto global, incluindo os desastres relacionados à água, com o
foco em proteger os pobres e as pessoas em situação de vulnerabilidade.

11.6  Até 2030, reduzir o impacto ambiental negativo per capita das
cidades, inclusive prestando especial atenção à qualidade do ar, gestão
de resíduos municipais e outros.

11.7  Até 2030, proporcionar o acesso universal a espaços públicos


seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as
mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência.

11.a  Apoiar relações econômicas, sociais e ambientais positivas entre


áreas urbanas, periurbanas e rurais, reforçando o planejamento nacio-
nal e regional de desenvolvimento.

11.b  Até 2020, aumentar substancialmente o número de cidades e


assentamentos humanos adotando e implementando políticas e
planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos, mitigação
e adaptação às mudanças climáticas, a resiliência a desastres; e
desenvolver e implementar, de acordo com o Marco de Sendai para a
Redução do Risco de Desastres 2015-2030, o gerenciamento holístico
do risco de desastres em todos os níveis.

11.c Apoiar os países menos desenvolvidos, inclusive por meio de assis-


tência técnica e financeira, para construções sustentáveis e resilientes,
utilizando materiais locais. (UNITED NATIONS, 2015, p. 24-25).

Já o Objetivo 6 prevê assegurar a disponibilidade e gestão sustentável


da água e esgotamento sanitário para todas e todos até 2030, por meio
de oito metas:

6.1 Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo a água potável e


segura para todos.

6.2 Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e Bahia anál. dados,

equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
185
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

O Objetivo 11 especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e da-


das cidades e queles em situação de vulnerabilidade.
comunidades
sustentáveis 6.3 Até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eli-

dialoga com minando despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e


materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residu-
o ideário do
ais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutili-
Estatuto das
zação segura globalmente.
Cidades – Lei no.
10.257/2001 6.4 Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência do uso da água
em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o abasteci-
mento de água doce para enfrentar a escassez de água, e reduzir subs-
tancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água.

6.5 Até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos


em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça, conforme
apropriado.

6.6 Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água,


incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos.

6.a Até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capaci-


tação para os países em desenvolvimento em atividades e programas
relacionados à água e saneamento, incluindo a coleta de água, a des-
salinização, a eficiência no uso da água, o tratamento de efluentes, a
reciclagem e as tecnologias de reuso.

6.b Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para


melhorar a gestão da água e do saneamento. (UNITED NATIONS, 2015,
p. 20-21).

O Objetivo 11 das cidades e comunidades sustentáveis dialoga com o


ideário do Estatuto das Cidades – Lei no. 10.257/2001 –, que, ao definir
o objetivo da política urbana de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, estabelece como
uma de suas diretrizes gerais a garantia do direito a cidades sustentá-
veis, entendido como “[...] o direito à terra urbana, à moradia, ao sane-
amento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”
(BRASIL, 2001). O estatuto avança em outros pontos importantes do
direito à cidade, tais como:

• gestão democrática na formulação, execução e acompanhamento


de planos, programas e projetos;
Bahia anál. dados, • planejamento do desenvolvimento das cidades de modo a evitar e
186 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019 corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

sobre o meio ambiente; Organismos


• oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e servi- internacionais
ços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e e a comunidade
às características locais; científica têm
• ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a utilização empreendido
inadequada dos imóveis urbanos; a proximidade de usos incompatí-
esforços para
veis ou inconvenientes; uso e parcelamento do solo inadequados em
estruturar um
relação à infraestrutura urbana; a instalação de empreendimentos ou
sistema de
atividades que possam gerar tráfego sem infraestrutura corresponden-
te; a retenção especulativa de imóvel urbano; a deterioração das áreas
indicadores
urbanizadas; a poluição e a degradação ambiental; a exposição da po-
e dados
pulação a riscos de desastres. estatísticos
• adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e para avaliar
de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade os avanços
ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de políticas,
de influência; programas,
• justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo planos e ações
de urbanização;
• adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e fi-
nanceira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento ur-
bano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar
geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
• recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha re-
sultado a valorização de imóveis urbanos;
• proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;
• regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por popu-
lação de baixa renda;
• estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações
urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tec-
nológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a econo-
mia de recursos naturais. (BRASIL, 2001).

Indicadores para a avaliação da qualidade urbano-ambiental

Organismos internacionais e a comunidade científica têm empreendido


esforços para estruturar um sistema de indicadores e dados estatísticos
para avaliar os avanços de políticas, programas, planos e ações. Desde
a década de 1960 tem se buscado construir um marco conceitual e me-
todológico para sistemas de indicadores, porém foi na década de 1970
que se observou a ampliação das iniciativas para “medir” a realidade,
no rastro da reestruturação da economia global e do impulso para um
período desenvolvimentista na América Latina (BORJA, 2004). Institui-
ções internacionais como a Organização Econômica de Cooperação e Bahia anál. dados,

Desenvolvimento (OCDE), a United Nations Research Institute for Social


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
187
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

Apesar do Development (UNRISD), a Comissão Econômica para a América Latina


interesse (CEPAL), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Programa das Na-
crescente por ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização Mundial
essa temática, da Saúde (OMS) vêm realizando diversas iniciativas para avaliar o nível
o marco de desenvolvimento dos países, as políticas implementadas, assim como
a qualidade ambiental e de vida da população. Nas últimas décadas, o
conceitual e
interesse por sistemas de indicadores se ampliou, certamente devido ao
metodológico
acirramento da crise econômica e ambiental, que tem gerado exclusão
da construção
social e aumento das desigualdades.
de sistemas
de indicadores Apesar do interesse crescente por essa temática, o marco conceitual
ainda está por e metodológico da construção de sistemas de indicadores ainda está
ser construído por ser construído, não só em face da complexidade associada como
também pelas dificuldades de compor um sistema que tenha condições
de promover comparações entre as diversas realidades dos Estados-
-Nação. A ONU e a OMS vêm ampliando seus esforços no sentido de
estimular a concepção de sistemas de indicadores baseados em marco
conceitual de referência e com metodologia consistente.

O ONU, por meio dos ODS e diante da necessidade de acompanhamen-


to da Agenda 2030, estabeleceu um quadro de indicadores globais,
aprovado em 2017, por meio da Resolução A/RES/71/313 (UNITED NA-
TIONS, 2017).

No Brasil, desde a década de 1990, diversas iniciativas vêm sendo realiza-


das no sentido de estruturar sistemas de informação capazes de avaliar a
implementação das políticas públicas por meio de indicadores. Destaque
deve ser dado às ações do Ministério da Saúde, através da Secretaria de
Vigilância em Saúde e do Departamento de Informática do Sistema Único
de Saúde (Datasus), que, por meio de um sistema de informação, reúne
dados demográficos, de mortalidade e morbidade no Brasil, segundo mu-
nicípios, estados, regiões, dentre outras categorias, desde 1991. No campo
do saneamento básico se dispõe do Sistema de Informação sobre Sa-
neamento, que tem permitido acompanhar os avanços ou retrocessos do
acesso aos serviços e, principalmente, a sua qualidade. Também se devem
destacar os esforços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por
meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada a cada
ano, e da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, que periodicamen-
te faz um levantamento de informações sobre a estrutura, a dinâmica, o
funcionamento das instituições públicas municipais e suas políticas.

No que se refere aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Brasil,


por meio da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, vem atuando no sentido de adequar as metas e indicado-
Bahia anál. dados, res de forma a acompanhar o desempenho do país frente às metas dos
188 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019 ODS. Em 2018, essa comissão delegou ao Instituto de Pesquisa Econô-
Patrícia Campos Borja, Maria Elisabete Pereira dos Santos, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

mica Aplicada (IPEA) a atribuição de elaborar a Agenda 2030 – Metas A Agenda


Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, objetivando 2030 – Brasil
apresentar uma proposta de adequação da Agenda 2030 à realidade propõe o ajuste
brasileira e buscando apoiar a formulação de políticas públicas e pro- de diversos
gramas nacionais de desenvolvimento compatíveis com os ODS (SILVA; indicadores da
PELIANO; CHAVES, 2018). Com isso, a Agenda 2030 – Brasil propõe o agenda global
ajuste de diversos indicadores da agenda global, tendo como princípios:

• Aderência às metas globais, com o intuito de não reduzir o seu al-


cance e a sua magnitude.
• Objetividade, por meio do dimensionamento quantitativo, quando
as informações disponíveis o permitirem.
• Respeito aos compromissos, nacionais e internacionais, anterior-
mente assumidos pelo governo brasileiro.
• Coerência com os planos nacionais aprovados pelo Congresso Na-
cional (PPA e outros).
• Observância às desigualdades regionais.
• Observância às desigualdades de gênero, raça, etnia, geração, condi-
ções econômicas, entre outras. (SILVA; PELIANO; CHAVES, 2018, p. 19).

A definição de sistema de indicadores/índices passa por uma opção


paradigmática, implicando um compromisso de mudanças urbanas e
estando, portanto, além da simples necessidade de produção de dados.
Um índice é um parâmetro que pode contribuir para a interpretação da
realidade, fundamentar escolhas, a construção de mecanismos de con-
trole e a definição de metas e de políticas (BORJA; MORAES, 2003). As-
sim, é uma medida dotada de significado social substantivo, usada para
substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato,
de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para
formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente
referido, informando algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre
mudanças que aí estão se processando (JANNUZZI, 2001).

Vários são os modelos de produção de indicadores e índices. Essa dis-


tinção depende, por exemplo, da natureza do ente indicado. Eles podem
ser qualificados como insumo, ou input indicators, quando se referem
à disponibilidade de recursos alocados em determinado programa e
cujo objetivo é modificar alguma dimensão da vida social (por exemplo,
número de leitos hospitalares/mil habitantes); como produto, ou outco-
me, quando referidos aos processos sociais ou às múltiplas dimensões
da realidade social (a exemplo de fatores como esperança de vida ao
nascer, nível de pobreza); ou podem ainda ser qualificados como pro-
cesso, fluxo, ou throughput indicators, quando são considerados como
intermediários aos elementos anteriormente citados, fruto da alocação
de determinados recursos (indicador insumo) com o objetivo de me- Bahia anál. dados,

lhorar o bem-estar (por exemplo, referências ao número de consultas


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
189
Artigos Direito à cidade sustentável e à qualidade urbano-ambiental: um estudo em Salvador, Bahia, Brasil

O estudo pediátricas/mês, merenda escolar distribuída) (JANNUZZI, 2001). Em


mostrou-se síntese, os indicadores e índices constituem-se em ferramentas que au-
relevante por xiliam a compreensão de aspectos do real e, nesse sentido, permitem
evidenciar a a construção do conhecimento, bem como são elementos à disposição
necessidade de da gestão pública e da sociedade para auxiliá-las na tomada de decisão.
cumprimento,
O indicador é, então, a expressão de determinados aspectos da reali-
pelas cidades
dade (recortados pelo investigador ou gestor público) intimamente as-
brasileiras,
sociados a determinados pontos de vista e à interpretação da realidade
dos ODS aqui social (KAYANO; CALDAS, 2002). A opção pelo tipo de indicador a ser
discutidos, e produzido pressupõe a escolha de um marco teórico envolvendo a ado-
por expor os ção de um conjunto de conceitos estruturantes e de um sistema de pon-
fatores que têm deração, isto é, a valoração dos conceitos e variáveis deles decorrentes.
influenciado
o alcance do
direito à cidade CONCLUSÃO
sustentável no
país Pôde-se constatar que os objetivos 11 e 6 dialogam com o ideário do
Estatuto das Cidades – Lei no. 10.257/2001 –, que, ao definir o objetivo
da política urbana de ordenar o pleno desenvolvimento das funções so-
ciais da cidade e da propriedade urbana, estabelece como uma de suas
diretrizes gerais a garantia do direito a cidades sustentáveis. O estudo
mostrou-se relevante por evidenciar a necessidade de cumprimento, pe-
las cidades brasileiras, dos ODS aqui discutidos, e por expor os fatores
que têm influenciado o alcance do direito à cidade sustentável no país.

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Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-193, jul.-dez. 2019
193
RESUMO

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) preconizados pela Orga-


nização das Nações Unidas (ONU) estabelecem diversos indicadores de pro-
gresso para o acompanhamento dos 17 temas priorizados, entre os quais se
destaca o Objetivo 11, relativo às cidades e comunidades sustentáveis, visando
“tornar as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentá-
veis”. Este artigo, baseado em análise documental, tem o propósito de con-
tribuir com a discussão em curso apresentando uma análise comparativa dos
indicadores nacionais elaborados pela Comissão Nacional para os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), sob a coordenação do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), e dos indicadores de sustentabilida-
de ambiental urbana (ISAU) resultantes da pesquisa de mestrado de Santos
(2009). Trata-se de uma proposta elaborada pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA), em parceria com a Superintendência de Estudos Econômicos
e Sociais da Bahia (SEI), visando identificar a aderência ou a convergência
possível para um mesmo propósito. O artigo conclui que, embora haja conver-
gência entre as propostas, constata-se a existência de algumas lacunas, sendo
necessário aprimoramento para atender às metas dos ODS.
Palavras-chave: Indicadores de sustentabilidade. Cidades sustentáveis. Obje-
tivos de Desenvolvimento Sustentável.

ABSTRACT

The Sustainable Development Goals (SDGs) advocated by the United Nations


(UN) establishes several progress indicators to follow up on the 17 prioritized
themes, among which we highlight Goal 11 on Sustainable Cities and Communities,
aiming at “making cities and their communities inclusive, safe, resilient and
sustainable”. This paper, based on document analysis, is intended to contribute
to the ongoing discussion by presenting a comparative analysis of national
indicators prepared by the National Commission for Sustainable Development
Goals (CNODS), under the coordination of the Institute for Applied Economic
Research (IPEA), and the indicators of urban environmental sustainability
(ISAU) resulting from the Santos master’s research (2009), based on the
proposal prepared by the Federal University of Bahia (UFBA) in partnership
with the Bahia Superintendent of Economic and Social Studies (SEI), aiming to
identify the possible adhesion or convergence for the same purpose. The article
concludes that although there is convergence between the proposals there are
some gaps that need to be improved to meet the SDG goals.
Keywords: Sustainability indicators. Sustainable cities. Sustainable Development
Goals.
Artigos

Indicadores de sustentabilidade
ambiental urbana: uma
análise comparativa com
os indicadores nacionais
propostos para os Objetivos
de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
SE VERINO SOARES AGR A FILHO A ONU, empenhada na promoção do desen-
Doutor em Economia e Meio Ambiente,
pela Universidade Estadual de Campinas volvimento sustentável desde a promulga-
(Unicamp) e mestre em Planejamento
Energético, pela Universidade Federal ção da Agenda 21, em 1992, tem conduzido
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor-
diversas iniciativas e medidas, tendo como
associado do Departamento de
Engenharia Ambiental e do Mestrado em marco mais recente as diretrizes emanadas
Meio Ambiente, Águas e Saneamento
da Escola Politécnica da Universidade da Conferência Rio+20, em 2012, e o Acordo
Federal da Bahia (UFBA).
[email protected] de Paris, em 2015, que culminaram na Agen-
MÁRCIA MAR A DE OLIVEIR A MARINHO da 2030 para o desenvolvimento sustentá-
Doutora em Ciências Ambientais, pela
Universidade de East Anglia (UEA) e vel, propondo um conjunto de 17 Objetivos
mestre em Recursos Ambientais, pela
Universidade de Salford. Professora
de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
titular aposentada do Departamento Entre os distintos temas dos 17 objetivos e
de Engenharia Ambiental e professora
permanente do Mestrado em Meio as 169 metas consideradas, a questão da ur-
Ambiente, Águas e Saneamento da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). banização é abordada na perspectiva de se
[email protected]
promover uma cidade resiliente e sustentá-
R E J A N E D E A . S A N TA N A D O S S A N TO S
Mestre em Engenharia Ambiental Urbana e vel, conforme o Objetivo 11: “Tornar cidades
doutoranda em Engenharia Industrial, pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
e assentamentos humanos inclusivos, segu-
[email protected]
ros, resilientes e sustentáveis”. Este objetivo
visa priorizar as ações de enfrentamento das
questões urbanas, uma vez que, conforme
ressalta o texto da ONU, embora as cidades
e áreas metropolitanas contribuam com

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
195
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

As evidências cerca de 60% do PIB global, a “[...] rápida urbanização está resultando
da realidade em cerca de 70% das emissões globais de carbono e mais de 60% do
urbana no Brasil uso de recursos [...]”, bem como em “[...] um número crescente de mo-
revelam que as radores de favelas, infraestrutura e serviços inadequados e sobrecarre-
condições do gados (como coleta de lixo e sistemas de água e saneamento, estradas
e transporte), agravando a poluição do ar e a expansão urbana não
ambiente das
planejada” (UNITED NATIONS, 2019, tradução nossa).
cidades estão
muito aquém
Para uma adequação das metas globais à realidade brasileira, a Co-
dos requisitos missão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
de uma susten- (CNODS), sob a coordenação do Instituto de Pesquisa Econômica
tabilidade ou de Aplicada (IPEA), elaborou uma proposta de metas nacionais dos ODS
um progresso (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2018). Esse artigo
nessa direção pretende apresentar uma contribuição para a discussão em curso so-
bre os indicadores propostos para as metas preconizadas no Objetivo
11, adotando como procedimento e referencial analítico a perspectiva
conceitual de uma cidade sustentável e resiliente e seu alinhamento e
aderência aos indicadores de sustentabilidade ambiental urbana resul-
tantes da pesquisa de mestrado de Santos (2009), a partir da propos-
ta formulada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria
com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
(SEI). Baseia-se, portanto, em revisão bibliográfica e documental, com
análise crítica comparativa.

UMA CIDADE SUSTENTÁVEL

O ambiente urbano como lócus e cenário importante dos processos


de mudanças sociais torna as cidades atrativas para as populações
na expectativa de prover suas necessidades e melhoria da qualidade
de vida (ALBERT; SOLERA; TSETSI, 1994). Desse modo, as cidades
constituem-se em uma concentração de população e de consumo de
recursos, o que gera impactos nos ciclos naturais biogeoquímicos, ao
remover o estoque natural da terra que os produz, dificultando a sua
reciclagem. Assim, o ambiente urbano, como defende Yunén (1992),
emerge como resultado do processo de interações interferindo nos
fatores ecológicos, econômicos, políticos, históricos e culturais das ci-
dades. Na busca da função social das cidades, impõe-se, portanto, a
condução de formas apropriadas de uso e ocupação que promovam as
condições necessárias para se lograr um ambiente urbano socialmen-
te justo, politicamente democrático e ecologicamente sustentável, ou
seja, a cidade sustentável.

Entretanto, as evidências da realidade urbana no Brasil revelam que as


Bahia anál. dados, condições do ambiente das cidades estão muito aquém dos requisitos
196 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019 de uma sustentabilidade ou de um progresso nessa direção. As infor-
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

mações disponíveis mostram que, para satisfazer as demandas sociais, Emerge a


as cidades requerem cerca de 75% dos recursos do planeta (NAÇÕES necessidade
UNIDAS, 2018). A vida urbana está submetida a diversas precariedades: de se buscar
dificuldades de acesso a terra urbanizada, déficit de moradias adequa- indicadores
das, de cobertura dos serviços de saneamento ambiental e de trans- que permitam
porte público, de qualidade ambiental, desemprego e precariedade de orientar e
emprego, violência /precariedade urbana e marginalização social etc.
avaliar as
políticas
Refletindo essa percepção sobre a realidade dos meios urbanos, a po-
públicas
lítica urbana nacional preconiza a garantia do direito a cidades susten-
táveis, que adotem padrões de produção e consumo de bens e serviços destinadas
e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade a oferecer às
socioambiental e econômica (BRASIL, 2001). Diante dessas diretrizes cidades uma
emerge a necessidade de se buscar indicadores que permitam orientar trajetória na
e avaliar as políticas públicas destinadas a oferecer às cidades uma tra- direção da
jetória na direção da sustentabilidade. sustentabilidade

Na busca da promoção da sustentabilidade nas cidades, diversas orga-


nizações (ONU, OCDE, Banco Mundial, nações e municipalidades) têm
desenvolvido programas abordando caminhos para se projetar ou rede-
senhar as cidades. Rees e Wackernagel (1996), autores do conceito de
pegada ecológica, acreditam que a sustentabilidade plena das cidades
não pode ser alcançada, mas consideram que as cidades são a chave
para a sustentabilidade global. Seguindo essa linha de raciocínio e ob-
servando que as cidades, hoje, são dependentes do campo como nunca
ocorreu na história da humanidade, os autores alegam que um requisito
para se atingir a sustentabilidade urbana é garantir o uso sustentável
do campo. Por outro lado, lembrando que as cidades se constituem em
“problemas e oportunidades”, eles apontam suas vantagens para a sus-
tentabilidade global e enumeram as estratégias para a sustentabilidade
das próprias cidades (REES; WACKERNAGEL, 1996).

Para se adotar uma perspectiva mais apropriada para a sustentabili-


dade do ambiente urbano, uma abordagem conceitual que ganha no-
vos adeptos é a que entende as cidades como ecossistemas dinâmicos
e complexos, configurando um metabolismo circular (YUNÉN, 1992).
Nessa abordagem, um caminho para a sustentabilidade das cidades
será conceber um sistema de gestão e tecnologias que permita a sua
integração a um processo natural, proposto por Newman (1999), de
“metabolismo estendido”. Esse conceito incorpora a noção mais ampla
de sustentabilidade, dando ênfase ao papel da cidade de prover os seus
cidadãos com as melhores condições de vida (livability) dentro do ecos-
sistema local, regional e global.

Da mesma maneira de um animal, as cidades possuem um metabolismo Bahia anál. dados,

que requer nutrientes, energia, materiais, água para prover subsistên-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
197
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

A construção de cia e moradia aos seus cidadãos, assim como produzir bens e serviços
um sistema de para o seu desenvolvimento e absorver resíduos e emissões (KENNEDY;
indicadores com CUDDIHYEENGEL-YAN, 2007 apud EUROPEAN COMISSION, 2018).
séries históricas
possibilita não A produtividade de uma cidade depende de cidadãos saudáveis e fe-
lizes, que necessitam de acesso adequado à educação, à saúde, à se-
só o diagnóstico
gurança, à alimentação, à água, aos transportes, ao ar puro e à eletri-
da situação
cidade. Desta forma, as cidades devem possuir sistemas eficientes de
como também
eliminação de resíduos, espaços verdes, edifícios ecoeficientes, trans-
a sua trajetória, portes públicos e atrair empreendedores que utilizem recursos locais
servindo para os mercados regionais. O comportamento e o estilo de vida dos
como suporte moradores desempenham um papel fundamental, assim como ações
à tomada de para a redução do consumo de recursos naturais e dos impactos am-
decisão bientais negativos (EUROPEAN COMISSION, 2018).

INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL URBANA

Segundo Romero e outros (2005), os indicadores são estatísticas que,


medidas ao longo do tempo e mesuradas em determinado espaço, for-
necem informações sobre as tendências e comportamentos dos fenô-
menos abordados. Nessa perspectiva, a construção de um sistema de
indicadores com séries históricas possibilita não só o diagnóstico da si-
tuação como também a sua trajetória, servindo como suporte à tomada
de decisão e, em alguns casos, como forma de avaliação de impacto de
ações implementadas ou de resultados de políticas (ARRECHETE, 2001).

O desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade ambiental ini-


ciou-se no final da década 1980 no Canadá e em alguns países da Europa.
Mas foi somente a partir da CNUMAD-92, em decorrência da aprovação
da Agenda 21, que houve um grande impulso para o desenvolvimento de
indicadores ambientais para subsidiar a tomada de decisões.

Para a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia


(2006), um indicador de sustentabilidade ambiental pode ser entendido
como a representação de um conjunto de dados, informações e conhe-
cimentos acerca de determinado fenômeno urbano/ambiental capaz de
expressar e comunicar, de maneira simples e objetiva, as características
essenciais (ocorrência, magnitude e evolução, entre outros aspectos) e
o significado (efeitos e a importância socioambiental associada) desse
fenômeno aos tomadores de decisão e à sociedade em geral.

Porém, segundo Meadows (1998), para informar sobre a sustentabilidade


ambiental, não são necessários apenas indicadores, mas também siste-
Bahia anál. dados, mas de informações coerentes e adequados, dos quais os indicadores
198 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019 possam ser derivados. Nesse sentido, a Agenda 21, no Capítulo 40, reitera
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

o papel da informação no processo de implantação da sustentabilidade O estado da


e na elaboração de indicadores (SANTOS, 2009). Parte-se do princípio Bahia, por
de que todos são usuários e provedores de informação, considerada em meio da SEI,
sentindo amplo, incluindo dados, experiências e conhecimentos. Ade- em parceria
mais, o acesso à informação constitui um dos elementos-chave do con- com a UFBA,
ceito de parceria entre os diferentes atores sociais (BRASIL, [1997?]). desenvolveu
uma proposta
A partir da relevância do tema e do reconhecimento da importância
de indicadores
dos indicadores de sustentabilidade no auxílio dos processos decisórios
de sustentabili-
governamentais, o estado da Bahia, por meio da SEI, em parceria com
a UFBA, desenvolveu uma proposta de indicadores de sustentabilidade dade ambiental
ambiental urbana (ISAU). urbana (ISAU)

A partir de princípios e critérios socioambientais identificados como


fundamentais para uma cidade sustentável, foram construídos e sele-
cionados 121 ISAU. Os indicadores propostos foram agregados em fun-
ção das disponibilidades e possibilidades atuais de aplicação. Nesse
sentido, foram identificados 33 indicadores básicos prioritários (IB1),
passíveis de serem gerados a partir dos dados já disponíveis nas insti-
tuições públicas; 58 indicadores prioritários (IB2), que necessitariam de
geração de novos dados pelas instituições do estado; e 30 indicadores
específicos (IE), relevantes para o aprofundamento dos IB e, portanto,
que implicam a necessidade de se desenvolverem estratégias para sua
implementação em médio prazo (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS
ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2006).

Para Santos (2009), a proposta ISAU possui uma ampla abordagem,


com princípios e critérios adotados na sua concepção, como: a equi-
dade na distribuição dos bens econômicos e ecológicos; a adoção de
padrões de consumo e produção sustentável; a integração política entre
os diferentes setores do governo; a melhor distribuição territorial dos
assentamentos humanos e das atividades econômicas, evitando-se as
grandes concentrações; a prudência na apropriação dos recursos am-
bientais; a ética no desenvolvimento; a democracia; e a participação
social. Porém, a referida proposta não considerou alguns atributos in-
trínsecos à realidade urbana, como violência e cultura.

Observou-se também que alguns dos indicadores dessa proposta res-


tringiram aspectos da sustentabilidade ambiental, como: percentual da
população interligada à rede de abastecimento de água/ano; percen-
tual da população interligada à rede de esgotamento sanitário/ano; e
investimentos em sistemas de drenagem urbana/ano. Os dois primeiros
indicadores limitam as soluções sanitárias ambientais a uma tecnologia,
desprezando outras soluções. O terceiro indicador é restrito a investi-
mentos em remediação e não em prevenção da ocorrência de cheias Bahia anál. dados,

e inundações. É importante salientar que a demanda por investimen-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
199
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Essa proposta tos em drenagem urbana pode indicar que aspectos como proteção de
revisada é áreas de preservação permanente e controle do uso e ocupação do solo
constituída de não estão sendo observados, ou seja, uma configuração de um quadro
128 indicadores, de insustentabilidade ambiental (SANTOS, 2009).
dos quais 42
Os indicadores supracitados foram revistos, sendo propostos outros em
foram identi-
substituição, a saber: percentual da população atendida com abasteci-
ficados como
mento de água; percentual da população atendida com solução sanitá-
indicadores
ria ambiental para as excretas e os efluentes sanitários; e investimentos
básicos no manejo de águas pluviais e drenagem urbana. Já outros indicadores
prioritários tiveram sua nomenclatura atualizada, como: incidência de doenças vei-
(IB1), que são culação hídrica/ano (N/ano); e incidência de doenças de veiculação hí-
os passíveis de drica/distrito sanitário (N/d), sendo substituídos por: taxa de incidência
serem gerados a de doenças relacionadas ao contato com água contaminada/ano (N/
partir dos dados ano); e taxa de incidência de doenças relacionadas ao contato com água
já disponíveis contaminada/distrito sanitário (N/d).
em sistemas
de informações Cabe ainda destacar que, durante as consultas aos sistemas de informa-
de instituições ções de instituições públicas, foi verificada por Santos (2009) a possibi-
públicas lidade de aplicação de mais três indicadores da proposta ISAU que não
estavam classificados como IB1: percentual de materiais reciclados do to-
tal de lixo produzido (IB2); quilômetros viajados em transporte público/
habitante (IE); e percentual de áreas utilizadas na cidade para agricultura/
ano (IE). Com a inserção de sete indicadores, a proposta ficou denomina-
da como ISAU revisada (Quadro I). Essa proposta revisada é constituída
de 128 indicadores, dos quais 42 foram identificados como indicadores bá-
sicos prioritários (IB1), que são os passíveis de serem gerados a partir dos
dados já disponíveis em sistemas de informações de instituições públicas.

(Continua)
Quadro 1
Proposta ISAU revisada
Critério A: Sustentabilidade com equidade

Indicadores Tipo

IB1
1. Número de amostras em que os padrões de potabilidade da água foram
descumpridos/total de amostras/ano (N/total N/ano) E
2. Taxa de incidência de doenças relacionadas ao contato com água contaminada/ano
(N/ano) I
3. Percentual da população atendida com abastecimento de água (%) E
4. Percentual da população com consumo de água acima da média/habitante (%) E
5. Investimentos em sistemas de abastecimento de água/ano (R$/ano) R
6. Percentual da população atendida com solução sanitária ambiental para as excretas e
os efluentes sanitários (%) E
7. Volume de esgoto coletado/ano (m³/ano) R
8. Volume de esgoto tratado/ano (m³/ano) R
9. Investimentos em sistemas de esgotamento sanitário/ano (R$) R
Bahia anál. dados,
200 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
10. Percentual da população atendida pelo sistema público de coleta de lixo/ano (%) E
11. Volume de resíduos sólidos coletados/ano (m³/ano) R
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

(Continua)
Quadro 1
Proposta ISAU revisada
Critério A: Sustentabilidade com equidade

Indicadores Tipo
12. Investimentos na gestão dos resíduos sólidos urbanos/ano (R$) R
13. Número de ocorrências de alagamentos, desabamentos e deslizamentos/bairro/ano
(N/b/ano) E, I
14. Investimentos no manejo de águas pluviais e drenagem urbana/ano (R$) R
15. Número de habitações em áreas de riscos/bairro (N/b) E,I
16. Área de ocupação urbana/área total do município (ha/ha) E, I
17. Investimento público no município em habitação popular/ano (R$) R
18. Índice do nível de saúde (a*) (INS/ano) E
19. Índice do nível de educação (a*) (INE/ano) E
20. Índice do nível de renda dos chefes de família (a*) (IRMCH/ano) E
21. Percentual da população em habitações subnormais (%) E, I
22. Acidentes de trânsito/ano (N/ano) I
23. Homicídio total e de jovens/ano (N/ano) I
24. Despesas por função – ciência e tecnologia – municipal (R$) R
25. Despesas por função – desportes – municipal (R$) R
26. Despesas por função – educação e cultura – municipal (R$) R
27. Despesas por função – essencial à justiça e ao direito da cidadania – municipal (R$) R
IB2
1. Número de amostras em que os padrões de potabilidade da água foram
descumpridos/amostras/bairro (N/n/b) E
2. Número de vezes em que o abastecimento de água foi interrompido/ano (N/a) E
3. Percentual da população com acesso a água potável/bairro (%/b) E
4. Percentual da população com acesso a água potável/faixa de consumo (%/m³) E
5. Percentual da população atendida com esgotamento sanitário/bairro (%/b) E
6. Percentual de domicílios interligados à rede de esgotamento sanitário/bairro (%/b) E
7. Percentual de domicílios com outras soluções de esgotamento sanitário/bairro (%/b) E
8. Volume de esgoto coletado/bairro (m³/b) E
9. Volume de esgoto tratado/bairro (m³/b) E
10. Áreas verdes/bairro (ha/b) E
11. Volume de esgotos não tratados lançados nos corpos receptores/ano (m³/a) P
12. Percentual da população com acesso a coleta de lixo/bairro (%/b) E
13. Volume de resíduos sólidos coletados/bairro (m³/b) E
14. Nº. de reclamações relacionadas a ruído/bairro (N/b) R
15. Percentual da área urbana com sistema de drenagem (%) E
16. Área disponível de espaços públicos/bairro (ha/b) E
17. Percentual da área urbana da cidade com habitações subnormais (%) E,I
18. INS/bairro (a*/b) E
19. INE/bairro (a*/b) E
20. IRMCH/bairro (a*/b) E
21. Taxa de incidência de doenças relacionadas ao contato com água contaminada/
distrito sanitário I
22. Taxa de incidência de doenças respiratórias I
IE
1. IQA dos rios urbanos (a*) E
2. Volume de resíduos sólidos dispostos na rede pluvial/ano (m³/a) E,I
3. Volume de resíduos sólidos dispostos na rede pluvial/bairro (m³/a) E,I
4. Volume de resíduos líquidos lançados na rede pluvial/ano (m³/a) P
5. Volume de resíduos líquidos lançados na rede pluvial/bairro (m³/b) P Bahia anál. dados,
6. Volume de águas pluviais lançadas na rede de esgoto/bairro (m³/b) P
Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
201
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

(Continua)
Quadro 1
Proposta ISAU revisada
Critério A: Sustentabilidade com equidade

Indicadores Tipo
7. Volume de águas pluviais lançadas na rede de esgoto/ano (m³/a) P
8. Percentual da população com acesso a habitação adequada/bairro (%) E,I
9. Km de trechos de tráfego obstruídos ou engarrafados (km) E,I
10. Km de vias pavimentadas/bairro (km) E,I
11. Área de ocupação urbana/bairro (ha/b) E,I
12. Temperatura média/bairro (ºC/b) E
13. Índice de ruídos/vias de tráfego (a*/n) I
14. Taxa de incidência de doenças relacionadas ao controle inadequado dos resíduos
sólidos/ano (N/a) I
15. Percentual de ocorrência de descumprimento do padrão de qualidade do ar/ano (%) E
16. Percentual de ocorrência de descumprimento do padrão de qualidade do material
particulado/ano (%) E

Critério B: Adoção de padrões de consumo e produção sustentável

Indicadores Tipo

IB1
1. Volume de lixo gerado/hab./ano (m³/hab) P
2. Extensão de ciclovias/ano (km/a) E
3. Frota de veículos na cidade/ano (N/a) P
4. Número de habitantes utilizando transporte público/ano (N/a) E
5. Investimentos em transportes públicos/ano (R$/a) R
6. Consumo de energia elétrica/ano (kwh/a) P
7. Percentual de perdas de água na rede de distribuição/ano (%) E
8. Número de hidrômetros unidomiciliares existentes/total de domicílios (N/N) E
9. ISB/ano (*a) I
10. Percentual de materiais reciclados do total de lixo do total produzido (%) E, R
11. Percentual de áreas utilizadas na cidade para agricultura (%) E, P
12. Evolução da frota de ônibus (N/ano) R
IB2
1. Taxa de crescimento populacional/bairro (%) P
2. Quantidade per capita de geração de lixo/bairro (kg/hab) P,E
3. Reaproveitamento de entulho na cidade (a*) E,R
4. Investimentos em sistemas de mobilidade do pedestre (R$) R
5. Número de habitantes utilizando transporte particular/ano (N/a) E,R
6. Consumo de combustível/transporte particular (l/n) P
7. Consumo de combustível/transporte público (l/n) P
8. Consumo de combustível per capita na cidade (l) E, P
9. Consumo de energia elétrica/bairro (kwh/b) P
10. Consumo de energia elétrica no setor de serviço/bairro (kwh/b) P
11. Consumo de água no setor de serviço/bairro (m³/b) P
12. Consumo de água/bairro (m³/b) P
13. Consumo de água/faixa de consumo (m³) P
14. Consumo de energia renovável em relação à energia consumida (kwh) P
15. Investimentos em recuperação de áreas degradadas (patrimônio histórico etc.) (R$) R
16. Investimentos em lazer/bairro (R$) R
17. Percentual de lâmpadas de baixo consumo de energia/total de lâmpadas na
iluminação pública (%/N) E, R
Bahia anál. dados, 18. Consumo de água potável/habitante/bairro (m³/N/b) E, P
202 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019 19. ISB/bairro (a*/b) E, R
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

(Conclusão)
Quadro 1
Proposta ISAU revisada
Critério B: Adoção de padrões de consumo e produção sustentável

Indicadores Tipo

IE
1. Percentual de redução de material de embalagem no lixo coletado (%) E,R
2. Km viajados em transporte público/habitante (km) E,P
3. Km viajados em veículos particular/habitante (km) E,P
4. Média de passageiros transportados no transporte público em horários de pico (N) E,R
5. Percentual água de reuso/total de água distribuída (%/N) E,R
6. Percentual de água de chuva usada/total de água consumida (%/N) E,R
7. Percentual de água de chuva usada/total de água consumida/setor (industrial,
comercial e residencial) (%/N/s) E,R
8. Número de leis obrigando a captação de águas de chuvas nos condomínios e
residências (N) R
9. Número de leis obrigando os condomínios a ter medidas de desperdício de água (N) R
10. Número de leis obrigando os condomínios a ter medidas de separação de lixo
reciclável (N) R
11. Consumo de produtos agrícolas produzidos no município/ano (ton/a) E,P

Critério C: Gestão integrada, participativa com corresponsabilidade

Indicadores Tipo

IB1
1. Número de infrações ambientais aplicadas nas empresas/ano (N/a) R
2. Número de sites que disponibilizam de informações ambientais/ano (N/a) R
3. Número de normas ambientais deliberadas para atividades urbanas/ano (N/a) R
IB2
1. Número de colegiados interinstitucionais/ano (N/a) E,R
2. Número de colegiados intersetoriais/ano (N/a) E,R
3. Número de infrações no trânsito/total da frota/ano (N/N/a) R
4. Número de eventos de condução da Agenda 21 local/ano (N/a) R
5. Número de organizações da sociedade civil/total população (N/hab) R
6. Número de organizações da sociedade civil/bairro/ano (N/b/a) R
7. Número de colegiados com participação pública/total (N/N) R
8. Número de eventos oficiais sobre a questão ambiental urbana/ano (N/a) R
9. Número de profissionais atuando em empresas na questão ambiental urbana/ano (N/a) R
10. Número de programas ambientais intersetoriais (N) R
11. Número de eventos/reuniões do conselho municipal de meio ambiente/ano (N/n/a) R
12. Número de normas ambientais deliberadas/ano (N/a) R
13. Número de deliberações do conselho municipal do meio ambiente/ano (N/a) R
14. Investimentos municipais em programas ambientais/ano (R$/a) R
15. Número de reclamações/bairro/ano (N/b/a) E,R
16. Número de organizações da sociedade civil atuando na questão ambiental (N) R
IE
1. Número de profissionais atuando em instituições públicas municipais na questão
ambiental urbana/ano (N/a) R
2. Número de empresas atuando na questão ambiental urbana/ano (N/a) R
Fonte: Santos (2009).
Nota: *adimensional; N: número (quantidade); P: Pressão; E: Estado; I: Impacto; R: Resposta.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
203
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Os indicadores ANÁLISE COMPARATIVA


globais
propostos foram A proposta de acompanhamento da Agenda 2030 da Organização das
adequados Nações Unidas relativa ao Objetivo 11 – cidades e comunidades sustentá-
pela Comissão veis – abrange dez indicadores globais para as correspondentes metas
previstas, conforme relacionados no Quadro 2 a seguir (INSTITUTO DE
Nacional para
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2018).
os Objetivos
de Desen-
Os indicadores globais propostos foram adequados pela Comissão Na-
volvimento cional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sob coorde-
Sustentável, sob nação do IPEA. Para a análise comparativa procedida foram resumidas
coordenação do no Quadro 2 as propostas elaboradas pela referida comissão para o
IPEA Brasil para as correspondentes metas e indicadores globais e os in-
dicadores de sustentabilidade urbana (ISAU revisada) resultantes da
pesquisa de mestrado de Santos (2009), a partir da proposta formulada
pela UFBA, em parceria com a SEI. Os resultados sugerem as seguintes
observações e considerações:

a. Existe uma significativa convergência entre os indicadores propos-


tos, observando-se que, para algumas metas, ocorre uma maior
abrangência e/ou detalhamento pela proposta ISAU revisada.
b. Nas propostas de indicadores BR se observa uma predominância
de indicadores de estado (situação ou constatação de condições
existentes) e eventualmente de resposta (relativos a ações pro-
movidas pelo poder público). Nos indicadores ISAU, as propostas
abrangem indicadores de estado, de impacto e de pressão.
c. Os indicadores BR apresentados são mais agregados que os da
proposta ISAU revisada, impossibilitando observar metas relati-
vas à questão de equidade intraurbana, por exemplo.
d. Alguns indicadores BR apresentados não possuem aderência ou
relação direta com as metas preconizadas. A proposta ISAU revi-
sada, embora também apresente relações indiretas, tem indica-
dores complementares que propiciam subsídios de maior aderên-
cia às metas pretendidas.
e. Alguns indicadores BR, bem como os da proposta ISAU revisada,
foram insuficientes para atender aos propósitos das metas pre-
tendidas, como também incipientes para as questões das mudan-
ças climáticas.
f. A abordagem de algumas metas abrangentes na proposta BR,
juntamente com outras específicas, dificultou a proposição de in-
dicadores mais adequados aos propósitos pretendidos pela meta.

Bahia anál. dados,


204 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

(Continua)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Meta 11.1 (ONU) Indicador global
Até 2030, garantir Percentual da população urbana morando em favelas, assentamentos informais ou habitações
o acesso de todos a inadequadas (Tier I).
habitação segura,
adequada e a preço
acessível, e a serviços
básicos e urbanizar as
favelas.
Meta 11.1 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, garantir 1: proporção da população Critério A – Sustentabilidade com equidade
o acesso de todos urbana vivendo em domicílios IB1
a moradia digna, inadequados Número de ocorrências de alagamentos, desabamentos e
adequada e a preço 1.1: proporção da população deslizamentos/bairro/ano
acessível, a serviços urbana vivendo em domicílios Número de habitações em áreas de riscos/bairro Investimento
público no município em habitação popular/ano
básicos e urbanizar com ônus excessivo de aluguel
Índice do nível de saúde (INS/ano)
os assentamentos no orçamento familiar
Percentual da população em habitações subnormais
precários de acordo com 1.2: proporção da população IB2
as metas assumidas urbana vivendo em domicílios Percentual da área urbana da cidade com habitações subnormais
no Plano Nacional precários INS/bairro
de Habitação, com 1.3: proporção da população Taxa de incidência de doenças relacionadas ao contato com água
especial atenção para urbana vivendo em contaminada/distrito sanitário
grupos em situação de aglomerados subnormais IE
vulnerabilidade. Percentual da população com acesso a habitação adequada/bairro
Análise: Nos indicadores BR predominam indicadores de estado e não há indicadores relacionados a serviços (saneamento e
saúde, por exemplo). Os indicadores ISAU caracterizam-se por serem mais abrangentes e com significativo grau de aderência
à proposta de indicadores BR.
Meta 11.2 (ONU) Indicador global
Até 2030, proporcionar 11.2.1 Percentual da população que tem acesso conveniente a transporte público, por sexo, idade e
o acesso a sistemas de pessoas com deficiência (Tier II).
transporte seguros,
acessíveis, sustentáveis
e a preço acessível para
todos, melhorando a
segurança rodoviária
por meio da expansão
dos transportes
públicos, com especial
atenção para as
necessidades das
pessoas em situação
de vulnerabilidade,
mulheres, crianças,
pessoas com deficiência
e idosos.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
205
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

(Continua)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Meta 11.2 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, melhorar a 2.1: proporção da população Critério A – Sustentabilidade com equidade
segurança viária e o vivendo num raio de 1 km IE
acesso à cidade por de terminais e estações de Km de trechos de tráfego obstruídos ou engarrafados
meio de sistemas de transporte de média e alta Km de vias pavimentadas/bairro
mobilidade urbana mais capacidade Critério B – Adoção de padrões de consumo e produção
sustentável
sustentáveis, inclusivos, 2.2: proporção de
IB1
eficientes e justos, deslocamentos casa-trabalho
Extensão de ciclovias/ano
priorizando o transporte realizados a pé ou de bicicleta Número de habitantes utilizando transporte público/ano
público de massa e o em áreas urbanas Investimentos em transportes públicos/ano
transporte ativo, com 2.3: proporção do orçamento IB2
especial atenção para familiar comprometido com Investimentos em sistemas de mobilidade do pedestre
as necessidades das transporte público nas áreas IE
pessoas em situação de urbanas Km viajados em transporte público/habitante
vulnerabilidade, como Média de passageiros transportados no transporte público em
aquelas com deficiência horários de pico
e com mobilidade
reduzida, mulheres,
crianças e pessoas
idosas.
Análise: Verifica-se uma aderência significativa entre as propostas, com destaque para transporte público e ciclovias.
Meta 11.3 (ONU) Indicador global
Até 2030, aumentar a 11.3.1 Razão da taxa de consumo de terra com a taxa de crescimento populacional (Tier II).
urbanização inclusiva 11.3.2 Percentual de cidades com uma estrutura de participação direta da sociedade civil no
e sustentável e as planejamento e gestão urbana que operam de forma regular e democrática (Tier III).
capacidades para o
planejamento e gestão
de assentamentos
humanos participativos,
integrados e
sustentáveis, em todos
os países.
Meta 11.3 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, aumentar a 3.1: percentual de municípios Critério A – Sustentabilidade com equidade
urbanização inclusiva e com plano diretor participativo IB1
sustentável, aprimorar 3.2: percentual de municípios Investimentos em sistemas de abastecimento de água/ano
as capacidades para o com conselhos municipais e Percentual da população interligada a rede de esgoto
planejamento, para o fóruns municipais setoriais – Percentual da população atendida pelo sistema público de coleta de
lixo/ano
controle social e para Brasil e UFs
Investimentos na gestão de resíduos sólidos urbanos/ano
a gestão participativa,
Investimentos em sistema de drenagem urbana/ano
integrada e sustentável Investimento público no município em habitação popular/ano
dos assentamentos IB2
humanos, em todas as Percentual da população interligada a rede de esgoto/bairro
unidades da Federação. Percentual de domicílios interligados a rede de esgoto/bairro
Percentual de domicílios com outras soluções de esgotamento
sanitário/bairro
Volume de esgoto coletado/bairro
Volume de esgoto tratado/bairro
Percentual da população com acesso a coleta de lixo/bairro
Volume de resíduos sólidos coletados/bairro
Percentual da área urbana com sistema de drenagem
Áreas verdes/bairro
Área disponível de espaços públicos/bairro
IE
Percentual da população com acesso a habitação adequada/bairro
Km de vias pavimentadas/bairro
Critério B – Adoção de padrões de consumo e produção
sustentável
IB1

Bahia anál. dados,


206 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

(Continua)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Extensão de ciclovias/ano
Número de habitantes utilizando transporte público/ano
Investimentos em transportes públicos/ano
IB2
Percentual de materiais reciclados do total de lixo produzido
Reaproveitamento de entulho na cidade
Investimentos em sistemas de mobilidade do pedestre
Consumo de energia renovável em relação à energia consumida
Investimentos em recuperação de áreas degradadas (patrimônio
histórico etc.)
Investimentos em lazer/bairro
Critério C – Gestão integrada, participativa com
corresponsabilidade
IB2
Número de colegiados interinstitucionais/ano
Número de colegiados intersetoriais/ano
Número de colegiados com participação pública/total
Número de eventos oficiais sobre a questão ambiental urbana/ano
Análise: O foco dos indicadores BR foi a gestão participativa e integrada, enquanto os indicadores ISAU incluem indicadores
mais apropriados para a urbanização inclusiva e sustentável (saneamento, áreas verdes e habitação popular, por exemplo).
Meta 11.4 (ONU) Indicador global
Fortalecer esforços para 11.4.1 Despesas totais (públicas e privadas) per capita gastas na preservação, proteção e
proteger e salvaguardar conservação de todo o patrimônio cultural e natural, por tipo de patrimônio (cultural, natural,
o patrimônio cultural e misto e de designação do Centro do Patrimônio Mundial), nível de governo (nacional, regional e
natural do mundo. local/municipal), tipo de despesa (despesas de manutenção/investimento) e tipo de financiamento
privado (doações em espécie, setor privado sem fins lucrativos e patrocínio) (Tier III).
11.4.1a Despesas totais públicas per capita gastas na preservação, proteção e conservação de todo
o patrimônio (Tier III).
11.4.1b Despesas totais públicas per capita gastas na preservação, proteção e conservação de todo
o patrimônio natural (Tier III).
11.4.1c Despesas totais públicas per capita gastas na preservação, proteção e conservação de todo
o patrimônio misto e de designação do Centro do Patrimônio Mundial (Tier III).
Meta 11.4 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Fortalecer as iniciativas 4.1: percentual de municípios Critério B – Adoção de padrões de consumo e produção
para proteger e com conselho municipal de sustentável
salvaguardar o cultura e patrimônio histórico. IB2
patrimônio natural Investimentos em recuperação de áreas degradadas (patrimônio
e cultural do Brasil, histórico etc.)
Investimentos em lazer/bairro
incluindo seu
Critério C – Gestão integrada, participativa com
patrimônio material e
corresponsabilidade
imaterial. IB1
Número de infrações ambientais aplicadas nas empresas/ano
Número de sites que disponibilizam informações ambientais/ano
IB2
Número de colegiados interinstitucionais/ano
Número de colegiados intersetoriais/ano
Número de colegiados com participação pública/total
Número de eventos oficiais sobre a questão ambiental urbana/ano
Investimentos municipais em programas ambientais/ano
IE
Número de empresas atuando na questão ambiental urbana/ano
Análise: Observa-se que o indicador BR é de estado e resposta. O ISAU também apresenta indicadores de estado e de
resposta, porém com maior nível de detalhes (disponibilização de informações e medidas normativas, por exemplo).

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
207
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

(Continua)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Meta 11.5 (ONU) Indicador global
Até 2030, reduzir 5.1 Número de mortes, pessoas desaparecidas e diretamente afetadas por desastres, por 100.000
significativamente o pessoas (Tier I).
número de mortes e 5.2 Perda econômica direta em relação ao produto interno bruto global, danos à infraestrutura
o número de pessoas crítica e perturbação de serviços básicos atribuídos a desastres (Tier II).
afetadas por catástrofes
e substancialmente
diminuir as perdas
econômicas diretas
causadas por elas em
relação ao produto
interno bruto global,
incluindo os desastres
relacionados à água,
com o foco em proteger
os pobres e as pessoas
em situação de
vulnerabilidade.
Meta 11.5 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, reduzir 5.1: proporção da população Critério A – Sustentabilidade com equidade
significativamente o brasileira residente em áreas IB1
número de mortes e de risco – Brasil e UFs Número de ocorrências de alagamentos, desabamentos e
o número de pessoas 5.2: número de óbitos deslizamentos/bairro/ano
afetadas por desastres atribuídos a desastres Número de habitações em áreas de riscos/bairro
Percentual da população em habitações subnormais
naturais de origem
hidrometeorológica
e climatológica,
bem como diminuir
substancialmente o
número de pessoas
residentes em áreas
de risco e as perdas
econômicas diretas
causadas por esses
desastres em relação
ao produto interno
bruto, com especial
atenção na proteção
de pessoas de baixa
renda e em situação de
vulnerabilidade.
Análise: Observa-se similaridade entre as propostas, exceto o indicador 5.2 (nº de óbitos), que consta nos indicadores BR. O
ISAU possui indicadores mais detalhados.
Meta 11.6 (ONU) Indicador global
Até 2030, reduzir o 11.6.1 Percentual de resíduos sólidos urbanos regularmente coletados e com descarga final
impacto ambiental adequada sobre o total de resíduos sólidos urbanos gerados, por cidades (Tier II).
negativo per capita 11.6.2 Níveis médios anuais de material particulado (PM2.5 e PM 10) em cidades (população
das cidades, inclusive ponderada) (Tier I).
prestando especial
atenção a qualidade do
ar, gestão de resíduos
municipais e outros.

Bahia anál. dados,


208 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

(Continua)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Meta 11.6 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, reduzir o 6.1: resíduos sólidos urbanos Critério A – Sustentabilidade com equidade
impacto ambiental produzidos, coletados e IB1
negativo per capita das coletados com destinação Percentual da população atendida pelo sistema público de coleta de
cidades, melhorando os adequada (t/dia) lixo/ano
índices de qualidade do 6.2: percentual de municípios Volume de resíduos sólidos coletados/ano
Investimentos na gestão dos resíduos sólidos urbanos/ano
ar e a gestão de resíduos com planos municipais de
IB2
sólidos e garantir gestão integrada de resíduos
Percentual da população com acesso a coleta de lixo/bairro
que todas as cidades sólidos Nº. de reclamações relacionadas a ruído/bairro
com mais de 500 mil IE
habitantes tenham Volume de resíduos sólidos dispostos na rede pluvial/ano
implementado sistemas Volume de resíduos sólidos dispostos na rede pluvial/bairro
de monitoramento de Taxa de incidência de doenças relacionadas ao controle inadequado
qualidade do ar e planos dos resíduos sólidos/ano
de gerenciamento de Percentual de ocorrência de descumprimento do padrão de qualidade
resíduos sólidos. do ar/ano
Percentual de ocorrência de descumprimento do padrão de qualidade
do material particulado/ano
Critério B – Adoção de padrões de consumo e produção
sustentável
IB1
Volume de lixo gerado/hab./ano
IB2
Percentual de materiais reciclados do total de lixo do total produzido
Reaproveitamento de entulho na cidade
IE
Percentual de redução de material de embalagem no lixo coletado
Análise: Os indicadores BR não incluem indicadores relacionados à qualidade do ar. A proposta ISAU é mais detalhada,
embora apresente lacunas referentes à minimização de resíduos.
Meta 11.7 (ONU) Indicador global
Até 2030, proporcionar 11.7.1 Espaços livres urbanizados e área urbanizada
o acesso universal
a espaços públicos
seguros, inclusivos,
acessíveis e verdes,
particularmente para
as mulheres e crianças,
pessoas idosas e
pessoas com deficiência.
Meta 11.7 (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, proporcionar 7.1: percentual da população Critério A – Sustentabilidade com equidade
o acesso universal urbana residente em IB2
a espaços públicos domicílios cujo entorno possui Áreas verdes/bairro
seguros, inclusivos, calçadas com rampas de Área disponível de espaços públicos/bairro
acessíveis e verdes, acesso Critério B – Adoção de padrões de consumo e produção
sustentável
em particular para as 7.2: percentual de pessoas
IB1
mulheres, crianças e residentes em domicílios cujo
Extensão de ciclovias/ano
adolescentes, pessoas entorno possui arborização IB2
idosas e pessoas com Investimentos em sistemas de mobilidade do pedestre
deficiência e demais Investimentos em lazer/bairro
grupos em situação de
vulnerabilidade.
Análise: Os indicadores BR abordam questões relacionadas à acessibilidade da mobilidade. Na realidade brasileira, caberia
incluir indicadores de segurança pública em ambas as propostas.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
209
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

(Continua)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Meta 11.a (ONU) Indicador global
Apoiar relações 11.a.1 Percentual da população que vive em cidades que implementam planos de desenvolvimento
econômicas, sociais e urbano e regional que integram projeções populacionais e necessidades de recursos, por tamanho
ambientais positivas da cidade (Tier III).
entre áreas urbanas,
periurbanas e
rurais, reforçando
o planejamento
nacional e regional de
desenvolvimento.
Meta 11.a (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Apoiar a integração 11.b.2: percentual de Critério A – Sustentabilidade com equidade
econômica, social e municípios com ações IB1
ambiental em áreas e/ou instrumentos de Número de ocorrências de alagamentos, desabamentos e
metropolitanas e gerenciamento de riscos deslizamentos/bairro/ano
entre áreas urbanas, Número de habitações em áreas de risco/bairro
Investimento público no município em habitação popular/ano
periurbanas, rurais
INS/ano
e cidades gêmeas,
Percentual de população em habitações subnormais
considerando territórios IB2
de povos e comunidades Percentual da área urbana com habitações subnormais
tradicionais, por INS/bairro
meio da cooperação IE
interfederativa, Percentual da população com acesso a habitação adequada/bairro
reforçando o Área de ocupação urbana/bairro
planejamento nacional, Critério B – Adoção de padrões de consumo e produção
regional e local de sustentável
desenvolvimento. IB1
Número de habitantes utilizando transporte público/ano
Número de hidrômetros unidomiciliares existentes/total de domicílios
IB2
Percentual de materiais reciclados do total de lixo produzido
Investimentos em recuperação de áreas degradadas (patrimônio
histórico etc.)
ISB/bairro
IE
Percentual de áreas utilizadas na cidade para agricultura
Existência de leis obrigando os condomínios a ter medidas de
separação de lixo reciclável
Critério C – Gestão integrada, participativa com
corresponsabilidade
IB1
Número de sites que disponibilizam informações ambientais/ano
Número de normas ambientais deliberadas para atividades urbanas/
ano
IB2
Número de colegiados interinstitucionais/ano
Número de colegiados com participação pública/total
Número de programas ambientais intersetoriais
Investimentos municipais em programas ambientais/ano
Número de organizações da sociedade civil atuando na questão
ambiental
Análise: O indicador BR não apresenta uma relação direta com a meta. Os indicadores ISAU, embora também sejam
indiretos, propiciam aderências mais adequadas à meta proposta.

Bahia anál. dados,


210 Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
Severino Soares Agra Filho, Márcia Mara de Oliveira Marinho, Rejane de A. Santana dos Santos Artigos

(Conclusão)
Quadro 2
Metas previstas e respectivos indicadores ODS
Meta 11.b (ONU) Indicador global
Até 2020, aumentar 11.b.1 Número de países que adotam e implementam estratégias nacionais de redução de risco de
substancialmente o desastres em linha com o Marco de Sendai para a Redução de Risco de Desastres 2015-2030.
número de cidades 11 b.2 Proporção de governos locais que adotam e implementam estratégias locais de redução de
e assentamentos risco de desastres em linha com as estratégias nacionais de redução de risco de desastres.
humanos adotando
e implementando
políticas e planos
integrados para a
inclusão, a eficiência dos
recursos, mitigação e
adaptação às mudanças
climáticas, a resiliência a
desastres e desenvolver
e implementar, de
acordo com o Marco
de Sendai para a
Redução do Risco de
Desastres 2015-2030, o
gerenciamento holístico
do risco de desastres
em todos os níveis.
Meta 11.b (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Até 2030, aumentar b.1: percentual de municípios Critério A – Sustentabilidade com equidade
significativamente o com ações e/ou instrumentos IB1
número de cidades que de gerenciamento de riscos Número de ocorrências de alagamentos, desabamentos e
possuem políticas e 11.b.2: percentual de deslizamentos/bairro/ano
planos desenvolvidos municípios com plano Número de habitações em áreas de risco/bairro
e implementados para municipal de redução de riscos
mitigação, adaptação e
resiliência a mudanças
climáticas e gestão
integrada de riscos de
desastres de acordo
com o Marco de Sendai.
Análise: Em ambas as iniciativas os indicadores são insuficientes para atender ao propósito da meta (mitigação, adaptação e
resiliência a mudanças climáticas).
Meta 11.c (ONU) Indicador global
Apoiar os países menos 11.c.1 Proporção do apoio financeiro aos países menos desenvolvidos destinado à construção e à
desenvolvidos, inclusive modernização de edifícios sustentáveis, resistentes e eficientes em termos de recursos, utilizando
por meio de assistência materiais locais.
técnica e financeira,
para construções
sustentáveis e
resilientes, utilizando
materiais locais.
Meta 11.c (Brasil) Indicadores BR ISAU revisada
Apoiar os países menos 11.c 1 Número de projetos de Critério C – Gestão integrada, participativa com
desenvolvidos, inclusive construção e modernização corresponsabilidade
por meio de assistência de edifícios sustentáveis em IB2
técnica e financeira, países em desenvolvimento Investimentos municipais em programas ambientais/ ano
para construções que receberam assistência
sustentáveis e robustas, técnica ou financeira do
priorizando recursos governo federal brasileiro.
locais.
Análise: Em ambas as iniciativas os indicadores são insuficientes para atender ao propósito da meta.
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2018) e United Nations (2019). Elaboração própria.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
211
Indicadores de sustentabilidade ambiental urbana: uma análise comparativa com os indicadores nacionais propostos para
Artigos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

As convergên- CONCLUSÕES
cias observadas
na proposta A análise comparativa apresentada revelou as distinções entre as pro-
ISAU revisada postas para o Brasil, coordenadas pelo IPEA, e a proposta ISAU revisa-
sugerem a sua da, resultante da pesquisa de mestrado de Santos (2009), a partir da
proposta formulada pela UFBA, em parceria com a SEI, em 2006. As
pertinência, e
diferenças identificadas naturalmente refletem as distintas concepções
que diversos
e perspectivas adotadas. As convergências observadas na proposta
indicadores
ISAU revisada sugerem a sua pertinência, e que diversos indicadores
poderiam ser poderiam ser considerados para o aprimoramento e acompanhamento
considerados do progresso das metas dos ODS.
para o apri-
moramento Por outro lado, diante das comparações procedidas, ressalta-se a exis-
e acompa- tência de lacunas nas iniciativas analisadas para atender aos propósitos
nhamento do das metas ODS para a realidade brasileira, tais como a segurança de-
progresso das sejável nos espaços públicos, a questão das mudanças climáticas, dos
metas dos OD gases de efeito estufa, a desigualdade intraurbana, entre outras. Caberia
enfatizar também a necessidade de adoção de indicadores de pressão,
sobretudo nas relações e interações urbanas que trazem implicações
na sua resiliência. Outra recomendação seria proceder à aplicação das
propostas de indicadores visando à sua validação e, desta forma, ado-
tando um processo de aprimoramento contínuo.

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Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.174-213, jul.-dez. 2019
213
RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar uma contribuição para o debate relativo


aos impactos das agriculturas sobre o meio ambiente levando-se em consi-
deração as recentes medidas de liberação do uso de agrotóxicos pelo gover-
no brasileiro – alguns com severas restrições ou banidos na União Europeia
– e a publicação do relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change
(IPCC), no segundo semestre de 2019. Considerando-se as diversas formas
produtivas e os diferentes graus de especialização técnica e qualificação dos
agricultores, tem-se grande amplitude de consequências e alternativas, esta-
belecendo-se variadas agendas de pesquisa que podem determinar a (re)con-
ciliação entre a produção agrícola e o meio ambiente. Não se vislumbra uma
mudança profunda nas formas de cultivo no campo nas próximas décadas.
O modelo tradicional (especialização agrícola, uso intensivo de máquinas e
agroquímicos) deve ainda perdurar, sobretudo pelas perspectivas de aumen-
to da população mundial e, consequentemente, da demanda por alimentos.
Nesse cenário, no entanto, existe espaço para alternativas ou formas mais ra-
cionais de produção, como a agricultura de precisão. Porém, as ocorrências
no Brasil e o relatório do IPCC sugerem a constante renovação e urgência do
debate. A heterogeneidade das atividades, dos agentes e dos interesses en-
volvidos garante a permanência da questão.
Palavras-chave: Agriculturas. Meio ambiente. IPCC. Agroquímicos. Agricultu-
ras alternativas.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to the debate on the impacts of agriculture on the
environment by taking into account the recent measures to release pesticides
use by the Brazilian government - some with severe restrictions or banned in
the European Union - and the publication of the IPCC report in the second half
of 2019. Considering the various forms of production and the different degrees
of technical specialization and qualification of farmers, there is a wide range of
consequences and proposed alternatives establishing various research agendas
that can determine the (re) conciliation between agricultural production and the
environment. No profound change can be seen in the forms of cultivation in the
field in the coming decades. The traditional model (agricultural specialization,
intensive use of machinery and agrochemicals) must still continue, especially
due to the prospects of increasing world population and, consequently, the
demand for food. In this scenario, however, there is room for alternative or
more rational forms of production, such as Precision Agriculture. However, the
events in Brazil and the IPCC report suggest the constant renewal and urgency
of the debate. The heterogeneity of the activities, agents and interests involved
guarantee the permanence of the issue.
Keywords: Agriculture. Environment. IPCC. Agrochemicals. Alternative agriculture.
Artigos

Agriculturas e meio ambiente:


uma questão permanente
A LY N S O N D O S S A N TO S R O C H A ESTE ARTIGO tem por objetivo contribuir
Doutor em Geografia e mestre em
Economia, pela Universidade Federal com a discussão dos impactos das agricul-
da Bahia (UFBA). Professor adjunto da
Faculdade de Economia da UFBA. turas sobre o meio ambiente a partir da libe-
[email protected]
ração do uso de agrotóxicos pelo governo
brasileiro – alguns com severas restrições ou
banidos na União Europeia – e da publica-
ção do relatório Intergovernmental Panel on
Climate Change (IPCC), no segundo semes-
tre de 2019. A produção de alimentos no
campo é uma atividade econômica bastante
propícia a esse debate. Considerando-se as
formas produtivas e os graus de especializa-
ção técnica e qualificação dos agricultores,
tem-se variadas consequências e alternati-
vas, estabelecendo-se agendas de pesquisa
que podem determinar a (re)conciliação en-
tre a produção agrícola e o meio ambiente.

Afirma-se que esse é um debate em cons-


tante evolução. Em finais do século XX e
início do XXI foram retomados estudos das
chamadas agriculturas alternativas (orgâ-
nica, biodinâmica, biológica, permacultura,
agricultura natural e agroecologia), desen-
volvidos ainda nos anos 1920, em vários pa-
íses, por estudiosos já preocupados com as
consequências de práticas agrícolas degra-
dantes dos recursos naturais e por agriculto-
res, agentes-chave nesse processo.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
215
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

Tais alternativas, ditas de base ecológica, contrapõem-se ao modelo


tradicional, assentado no receituário da Revolução Verde – especiali-
zação produtiva, agroquímicos e maquinário intensivo. Esse método
produtivista, embora responsável, indubitavelmente, pela ampliação
da oferta de alimentos no planeta, também gera efeitos negativos e
acentua a busca por outras formas de produção ou a retomada de an-
tigas práticas, agora sob novos parâmetros técnicos e/ou tecnológicos.
Privilegia-se a produção concentrada em aspectos como segurança e
soberania alimentar das populações, autonomia e redução de riscos dos
agricultores e, evidentemente, preservação dos recursos naturais e da
biodiversidade. Diferentes agriculturas, diferentes vieses de análise (so-
cial, econômico e ambiental), diferentes agendas de pesquisa.

Este artigo é composto por quatro seções, sendo a primeira destinada a


esta introdução. A quarta e última seção é destinada às considerações
finais. Na segunda seção apresentam-se os dois acontecimentos que
realimentaram as análises dos efeitos das agriculturas sobre o meio am-
biente. A liberação do uso de agrotóxicos no Brasil em ritmo acelerado
em 2019 chama a atenção para a legislação brasileira bastante permis-
siva quanto a princípios ativos banidos em outros países e quanto aos
limites de resíduos permitidos em alimentos e na água potável. No caso
do glifosato, contestado herbicida utilizado, sobretudo, em lavouras de
soja, o limite no país é 5 mil vezes superior ao permitido na União Eu-
ropeia. Outros agroquímicos, banidos há décadas em solos europeus,
continuam a ser utilizados no Brasil. Os impactos no meio ambiente e
no homem se traduzem em contaminação do solo e de recursos hídri-
cos, mortandade de abelhas responsáveis pela polinização de lavouras,
cânceres, doenças neurológicas, mutações genéticas etc.

A publicação do relatório do IPCC reafirma essas consequências, inse-


ridas em um contexto de elevação das temperaturas do planeta e de
consumo dos recursos naturais – particularmente a água – de forma
exacerbada pela atividade agrícola (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON
CLIMATE CHANGE, 2019). O documento recomenda a alteração das for-
mas de produção de alimentos no campo, precedida por uma alteração
na dieta da população mundial. Essa mudança deve reduzir a demanda
por proteínas de origem animal, que pressiona a produção de grãos (ra-
ções), levando à intensificação das lavouras e das criações, ao aumento
do uso de agroquímicos e ao maior consumo de água. Note-se que a
intensificação produtivista, em resposta ao crescimento das demandas,
frequentemente leva à improdutividade de terras antes férteis. A solu-
ção tradicional, não raro, recomenda o incremento do uso de insumos
industriais, agudizando os resultados.

Bahia anál. dados, Na terceira seção são apresentadas alternativas de produção redutoras
216 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019 dos impactos negativos sobre os recursos naturais. Tem-se a agricul-
Alynson dos Santos Rocha Artigos

tura de precisão (AP), conjunto de práticas, técnicas e tecnologias que


permite o uso mais racional dos insumos, reduzindo desperdícios. A
AP pode ser de alta ou baixa tecnologia, de acordo com a capacidade
de investimento do agricultor. Resultados positivos são observados em
ambos os casos. Em seguida abordam-se as agriculturas alternativas
– formas de produção reconhecidamente menos degradantes ambien-
talmente – e seus objetivos, que mesclam aspectos sociais, econômicos
e ambientais, confirmando a transdisciplinaridade das agendas. A im-
portância das instituições de assistência técnica e extensão rural (ATER)
na disseminação das informações é resgatada, em uma conjuntura de
redução dessas ações pelo Estado, abrindo espaço a outras instituições
da sociedade civil.

Não se vislumbra uma mudança profunda nas formas de produção de


alimentos no campo nas próximas décadas. O modelo tradicional deve
ainda perdurar, sobretudo pelas perspectivas de aumento da população
mundial e, consequentemente, da demanda por alimentos. Nesse cená-
rio, no entanto, existe espaço para as agriculturas alternativas. Porém,
as ocorrências no Brasil e o relatório do IPCC sugerem a constante re-
novação e urgência do debate. A heterogeneidade das atividades, dos
agentes e dos interesses envolvidos garante a permanência da questão.

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO CAMPO: RISCOS,


SEGURANÇA ALIMENTAR E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

Dois acontecimentos entre junho e agosto de 2019 realimentaram o de-


bate sobre as interferências da(s) agricultura(s) enquanto atividade eco-
nômico-produtiva com diversos graus de especialização e, portanto, de
impactos no meio ambiente brasileiro: a liberação para uso no país, pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de 42 tipos
de agroquímicos – alguns dos quais proibidos ou com altas restrições de
uso em diversos países europeus – e a publicação, no mês de agosto, do
relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)
(INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2019), reafir-
mando a mudança de padrões de consumo e de produção de alimentos
em prol da preservação ambiental. Independentemente das correntes
partidário-ideológicas dominantes do cenário político brasileiro no pe-
ríodo supracitado, os dois acontecimentos chamam a atenção sobre a
importância desse debate, cujos desdobramentos estão intrinsecamen-
te ligados não apenas a questões econômicas (incremento da produ-
tividade e atuação de empresas de agroquímicos, por exemplo) – mas
também a aspectos sociais e culturais.

A liberação de um conjunto de agroquímicos pelo MAPA reafirma o Bahia anál. dados,

Brasil como um dos principais mercados mundiais de agrotóxicos e pro-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
217
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

dutos correlacionados para combate de pragas, ervas daninhas e outros


patógenos que causam prejuízos e reduzem a produtividade de lavouras
e criações. Segundo o MAPA (BRASIL, 2019) e a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (2019), em 2018 foram concedidos para comerciali-
zação e utilização no país 450 registros de agrotóxicos, maior número
desde 2005. A expectativa é que esse recorde seja superado ainda em
2019, devido ao ritmo de liberações verificado no primeiro semestre
do ano (GALVANI, 2019). As justificativas do MAPA para a autorização
concentram-se na necessidade de aumento da produtividade agrícola,
redução dos custos de produção e efetividade no combate às pragas.
Tais fatores, combinados, gerariam maior eficiência técnica e econômica
dos produtores, permitindo menor preço final dos alimentos aos con-
sumidores. São argumentos que ecoam em instituições representativas
dos fabricantes dos agroquímicos, dentre as quais o Sindicato Nacional
da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (2019, p. 4), que afirma:

Na agricultura, os defensivos agrícolas – também conhecidos como


agroquímicos, agrotóxicos, pesticidas, praguicidas ou produtos fitos-
sanitários – são substâncias químicas ou biológicas que estão entre
as tecnologias usadas nas lavouras. Eles existem para proteger as la-
vouras do ataque e da proliferação de fungos, bactérias, ácaros, vírus,
parasitas, plantas daninhas, nematoides e insetos considerados pragas
ou causadoras de doenças, garantindo alimento saudável à mesa da
população.

Entretanto, as críticas ao governo brasileiro apontam para os efeitos


tanto no meio ambiente físico quanto no homem – aplicadores de agro-
tóxicos e consumidores dos produtos com resíduos nocivos à saúde.
No vasto conhecimento sobre os efeitos dos agroquímicos nos solos,
recursos hídricos e biodiversidade em geral, destacam-se dados e in-
formações cruciais. Nas compilações apresentadas nos quadros 1 e 2,
nota-se a permissividade da legislação brasileira quanto à utilização de
determinados agrotóxicos já proibidos na União Europeia (UE).

No caso específico da soja, dos 150 tipos de agrotóxicos permitidos para


as lavouras brasileiras, 35 já estão banidos na UE, alguns deles há mais
de uma década. Dos agrotóxicos utilizados em ambas as regiões, perce-
be-se a discrepância nos limites máximos de resíduos (LMR) aceitáveis
desses produtos em alimentos e na água potável no Brasil. Destaque
para o glifosato1, herbicida largamente utilizado em lavouras de soja no
Brasil e no mundo (BOMBARDI, 2017).

1 Em julho de 2019, a Áustria se tornou o primeiro país do bloco europeu a proibir totalmente a
utilização do glifosato nas lavouras de soja. Embora contrariando a maioria da UE, os austríacos
alegam precaução em relação aos efeitos cancerígenos e mutagênicos do agroquímico para a
Bahia anál. dados,
218 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
proibição. O parlamento alemão planeja medida semelhante, visando à proteção da biodiversi-
dade (GERMANY..., 2019).
Alynson dos Santos Rocha Artigos

Quadro 1
Alguns agrotóxicos utilizados no Brasil e proibidos na UE
Substância Ano de Utilização Danos à saúde
Função proibição na UE
Acefato 2003 Amendoim, batata, brócolis, Cancerígeno; ataca sistemas
Inseticida couve, feijão, melão, repolho e soja nervoso e reprodutivo
Carbofurano 2007 Amendoim, arroz, banana, batata, Ataca sistema endócrino
Inseticida café, cenoura, feijão, milho,
repolho, tomate e trigo
Lactofem 2007 Soja Cancerígeno
Herbicida
Paraquate 2009 Arroz, beterraba, batata, cacau, Doença de Parkinson;
Herbicida café, couve, feijão, milho, soja, fibrose pulmonar irreversível
trigo e frutas
Parationa 2003 Alho, arroz, batata, cebola, feijão, Cancerígeno; pode provocar
metílica milho, soja e trigo mutações genéticas; ataca o
sistema endócrino
Fonte: Adaptado de Bombardi (2017).

Quadro 2
Limites máximos de resíduos (LMR) de agrotóxicos – Brasil x UE
Quantas vezes o
Alimento (mg/kg) Agrotóxico Limite UE Limite BR limite brasileiro
Função é superior ao
europeu
Soja 2,4 D
Herbicida 0,05 1,00 2
Cana-de-açúcar Atrazina
Herbicida 0,05 0,25 5
Alface Malationa
Inseticida 0,5 8,00 16
Citrus Acefato
Inseticida 0,01 0,20 20
Soja Glifosato
Herbicida 0,05 10,00 200
Feijão Malationa
Inseticida 0,02 8,00 400
Água Acefato Sem limite
(μg/l) micrograma Inseticida 0,1 estabelecido ????
por litro Carbofurano
Inseticida 0,1 7 70
Clorpirifós
Inseticida 0,1 30 300
Diuron
Herbicida 0,1 90 900
Tebuconazol
Fungicida 0,1 180 1.800
Glifosato
Herbicida 0,1 500 5.000
Fonte: Adaptado de Bombardi (2017).

Com base nessas informações, intensificam-se as discussões a respeito


do real alcance dos efeitos sobre o homem das contaminações de ali-
mentos e água potável por agrotóxicos – considerando-se o alarmante
limite de glifosato na água permitido pela legislação brasileira, 5 mil
vezes maior do que na UE. Subnotificação do contingente de conta-
minados (particularmente no meio rural), falhas no recolhimento e na Bahia anál. dados,

divulgação dos dados pelos órgãos governamentais e consequências


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
219
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

não completamente conhecidas dos contaminantes sobre crianças,


fetos humanos (e de animais) em gestação, mulheres em idade fértil,
adolescentes etc. são agendas de pesquisa que mostram a urgência da
questão ambiental, que, invariavelmente, impacta também o viés eco-
nômico da atividade agrícola.

Recentes constatações de que aplicações de agroquímicos são respon-


sáveis pela eliminação de abelhas diretamente ligadas à polinização e,
portanto, à continuidade das lavouras alertam para o encarecimento e
a restrição da própria atividade produtiva. Questiona-se, assim, a po-
tencial insegurança alimentar consequente (a polinização feita pelas
abelhas é essencial à produção de frutas, por exemplo), cujos desdo-
bramentos alcançam múltiplas dimensões (social, política, econômica,
ambiental, biológica, agronômica, geográfica etc.).

Mesmo em baixos níveis de concentração, os agrotóxicos podem resul-


tar em efeitos letais, sendo crescente o registro de morte de enxames
[de abelhas] após pulverização aérea em áreas de monocultivos de
soja, cana-de-açúcar, laranja, algodão, dentre outros. (GUSSONI; RIBEI-
RO, 2017, p. 6).

Pode-se afirmar que essa situação não encontra sinais de mudança nas
próximas décadas. Isso porque a demanda por alimentos deve continuar
a aumentar, em reposta ao crescimento da população mundial. A Orga-
nização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
(FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS,
2019) projeta a população mundial em 9 bilhões de pessoas no ano de
2050. A demanda por alimentos, por conseguinte, sofrerá incremento
de aproximadamente 40%, ampliando-se das 2,55 bilhões de toneladas
em 2017 para 3,20 bilhões de toneladas em 2050. Pressiona-se, dessa
forma, a produção com dois caminhos possíveis: a intensificação das
áreas já produtoras e/ou a abertura de novas fronteiras agrícolas. O Bra-
sil se destaca por apresentar grandes extensões ainda não ocupadas
com a atividade agrícola que podem ser convertidas para tal (FOOD
AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2019).

Note-se que, em quaisquer das alternativas, vislumbra-se o aumento


da utilização de agroquímicos2, especialmente em países com governos
mais favoráveis à liberação desses produtos, traduzindo-se em legisla-
ções mais permissivas, como no caso brasileiro em 2019. O cenário é,

2 As lavouras de soja, cana-de-açúcar, milho e algodão concentraram aproximadamente 81% dos


agrotóxicos comercializados no Brasil em 2017. Herbicidas, fungicidas e inseticidas respondem
por 90% dos agrotóxicos utilizados no país (SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DE
PRODUTOS PARA DEFESA VEGETAL, 2019). Apenas para o Brasil, projeta-se produção superior
a 300 milhões de toneladas de grãos em 2030, elevando a demanda e a comercialização de
Bahia anál. dados,
220 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
agroquímicos e realimentando o debate sobre os efeitos desses produtos no meio ambiente
(SOCIEDADE NACIONAL DE AGRICULTURA, 2019).
Alynson dos Santos Rocha Artigos

portanto, de continuidade e aprofundamento do debate dos impactos


das agriculturas sobre o meio ambiente.

Alterar padrões de consumo de alimentos pelas sociedades e, conse-


quentemente, as formas de produção de alimentos no campo como res-
posta às preocupações ambientais é uma das principais recomendações
do relatório do IPCC (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE
CHANGE, 2019). O documento da organização vinculada ao Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, em inglês, ou PNU-
MA, em português) e da Organização Meteorológica Mundial (WMO ou
OMM, respectivamente) trata, em seu Capítulo 5 (Food Security), de
questões relacionadas à segurança alimentar, dentre as quais os efeitos
da utilização em larga escala de agroquímicos. Inicialmente, são confir-
mados os danos causados pelos processos e práticas produtivas impul-
sionados com a chamada Revolução Verde.

While the Green Revolution technologies substantially increased the


yield of few crops and allowed countries to reduce hunger, they also re-
sulted in inappropriate and excessive use of agrochemicals, inefficient
water use, loss of beneficial biodiversity, water and soil pollution and
significantly reduced crop and varietal diversity. With farming systems
moving away from subsistence-based to commercial farming, farmers
are also reluctant to grow these local crops because of low return, poor
market value and lack of knowledge about their nutritional environ-
mental value. (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE,
2019, p. 5-49).

O documento alerta para os impactos na dinâmica climática global do


aumento da demanda por alimentos e da necessidade de ampliação
da produção, caso sejam mantidas as técnicas de produção intensiva
observadas com a Revolução Verde. Emissões de gases que provocam
o efeito estufa, desmatamento acelerado, conversão de terras em áreas
de produção intensiva e uso indiscriminado das reservas de água doce
mundiais reafirmam as críticas do IPCC em seu relatório. A constatação
de que as técnicas utilizadas na agricultura e pecuária provocam os im-
pactos ambientais citados, os quais transformarão terras agricultáveis
em áreas impróprias para a produção de alimentos e/ou desertificadas,
torna o alerta do IPCC ainda mais preocupante (INTERGOVERNMEN-
TAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2019).

O sistema alimentar responde por cerca de 30% de todas as emissões


de gases de efeito estufa (GEE) e 80% do desmatamento global. A
humanidade ocupa cada vez mais espaço no mundo, com as áreas ecú-
menas deslocando e minguando as áreas anecúmenas […]. A agricul-
tura e a pecuária ocupam cada vez mais espaço no mundo [utilizando Bahia anál. dados,

cerca de 70% da água doce global] e ao acelerar o aquecimento global


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
221
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

afeta as florestas virgens, as áreas de savana e contribui para o aumen-


to do degelo e a elevação do nível dos oceanos. (ALVES, 2019).

A conexão entre os efeitos ambientais das atividades agrícolas e ques-


tões de segurança alimentar é imediata. A oscilação abrupta das tem-
peraturas mundiais – frequentemente para cima – é apontada como
fator que altera características agronômicas de lavouras e criações, não
raro afetando produção e produtividade. Estima-se que, em lavouras de
trigo, arroz, milho e soja, o aumento da temperatura do planeta em 1º C
implica a redução entre 3% e 7% da produção dessas lavouras. Períodos
prolongados de estiagem reduzem as chamadas produções de sequeiro
– aquelas que acompanham o calendário das chuvas – ou exigem maior
disponibilidade hídrica em áreas irrigadas (INTERGOVERNMENTAL PA-
NEL ON CLIMATE CHANGE, 2019).

Por outro lado, precipitações em grandes volumes, mais intensas e con-


centradas espacialmente, além de deslocamentos repentinos e violen-
tos de massas de ar (ventos, tornados, furacões, tufões etc.), podem
igualmente gerar quebras de safras e/ou perdas de rebanhos em todas
as agriculturas. Eventos como erosões, deslizamentos de solos, assorea-
mentos de rios e alagamentos em áreas agrícolas tendem a ter maior
frequência e menor possibilidade de recondução produtiva das áreas
afetadas, pela redução das suas resiliências. Esse conjunto de aspectos
repercute em escassez e elevação de preços dos alimentos e, no limite,
em estagnação socioeconômica, insegurança alimentar e/ou fome, além
de desencadear movimentos migratórios por todo o planeta (ALVES,
2019; INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2019).

O debate entre produção de alimentos, segurança alimentar e do ho-


mem e preservação dos recursos naturais não parecer ter solução próxi-
ma, única e/ou pacífica, visto que a população do planeta e a demanda
por alimentos continuarão crescendo nas próximas décadas. Ademais,
uma possível solução envolveria a participação de múltiplos agentes,
com diversos interesses e estratégias sociopolíticas, econômico-comer-
ciais, ambientais, ideológicas etc. Tudo isso, evidentemente, precedido
por alterações na maneira como os seres humanos lidam com os alimen-
tos. Parte-se desse ponto para uma tentativa de (re)conciliação entre as
agendas da produção de alimentos e do meio ambiente, como analisado
na próxima seção.

CAMINHOS E AGENDAS PARA A (RE)CONCILIAÇÃO ENTRE


AGRICULTURAS E MEIO AMBIENTE

Bahia anál. dados, Na determinação desses caminhos e agendas, conforme proposto no


222 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019 título desta seção, é preciso reafirmar que: a) práticas agrícolas globais
Alynson dos Santos Rocha Artigos

ainda dominantes na primeira década do século XXI provocam danos


ambientais; b) os danos ambientais continuadamente convertem áreas
produtivas em improdutivas, multiplicando e aprofundando observa-
ções de insegurança alimentar e fome; c) são necessárias alterações nos
padrões de consumo humano que incentivem mudanças nas práticas
produtivas em direção ao uso mais racional dos recursos naturais e de
agroquímicos, agrotóxicos em particular; e d) tais alterações são urgen-
temente demandadas em virtude do aumento da população mundial e
da necessidade de produção de alimentos.

Considerando-se diferenças agronômicas, itinerários técnicos e tecno-


lógicos, qualificação de mão de obra, capacidade de investimentos, su-
porte e assistência aos agricultores (pública e/ou privada) que caracte-
rizam as diversas agriculturas no Brasil e no mundo, é possível apontar
uma série de práticas redutoras dos impactos ambientais das atividades
agrícolas. Essas práticas incluem: i) generalização da chamada agricul-
tura de precisão; ii) adoção em larga escala das agriculturas de base
ecológica; e iii) ampliação da assistência técnica e extensão rural, par-
ticularmente a pequenos agricultores de base familiar. Percebe-se que
a natureza transdisciplinar da questão exige a participação de diversos
agentes estatais e da sociedade civil.

Evidentemente, todas as alternativas devem ser precedidas pela mu-


dança do padrão de consumo alimentar da população. Preconiza-se,
por exemplo, a redução da demanda por proteína animal (ou sua subs-
tituição por proteínas de origem vegetal), que, invariavelmente, significa
ampliação de lavouras graníferas – conversão de terras, desmatamen-
tos, desflorestamentos, eliminação de biodiversidades, contaminações
hídricas e de solos etc. – para a fabricação das rações. Some-se a isso
a intensificação nas dietas de alimentos locais e diversificados – ge-
ralmente pouco valorizados ou negligenciados, mas com elevado po-
tencial nutricional –, tornando gradualmente desnecessárias grandes
monoculturas comerciais e conferindo aos sistemas de produção maior
resiliência quanto a intemperismos e ataques de agentes biológicos.
Consequentemente, tem-se menor uso de agrotóxicos. São recomen-
dações presentes no relatório do IPCC.

Diversification of many components of the food system is a key element


for increasing performance and efficiency that may translate into increa-
sed resilience and reduced risks (integrated land management systems,
agrobiodiversity, indigenous and local knowledge, local food systems,
dietary diversity, the sustainable use of indigenous fruits, neglected and
underutilised crops as a food source). (INTERGOVERNMENTAL PANEL
ON CLIMATE CHANGE, 2019, p. 5-48).
Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
223
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

Figura 1
Ciclo da agricultura de precisão (AP)

Fonte: Machado (2014).

Por agricultura de precisão (AP) entende-se o conjunto de práticas pro-


dutivas com ferramentas modernas de tecnologia da informação para
identificar peculiaridades e/ou variabilidades interferentes na produtivi-
dade que podem ocorrer em um mesmo espaço (lavoura, por exemplo).
Identificadas essas variabilidades, trabalha-se no provimento de insumos
(sementes, fertilizantes, agroquímicos e água) em quantidades e nos tem-
pos adaptados a cada espaço específico. Ou seja, parte-se da premissa
de que as lavouras estão assentadas em solos não uniformes e, portanto,
com parcelas física, química e biologicamente distintas. A abordagem
dessas parcelas, não raro contíguas, deve se dar de forma diferenciada,
refletindo essas observações (MATTOSO; GARCIA, 2006; MOLIN, 2017).

Esses não são argumentos exatamente novos aos agricultores em geral,


diga-se. Entretanto, a crescente disponibilidade de tecnologias, como
sensoriamento remoto e sistema de informações geográficas e de po-
sicionamento global (GPS), a partir do final do século XX permitiu seg-
mentar, diferenciar e otimizar o manejo agrícola. É o retorno, sob bases
mais tecnológicas, de práticas antigas3 – particularmente em pequenas e
médias unidades –, usadas antes de a intensificação do uso de máquinas

3 Machado (2014, p. 27) afirma que “[…] mesmo antes da revolução industrial e do processo de
mecanização da agricultura, os agricultores já eram capazes de reconhecer a variabilidade
espacial de certas características físico-químicas e biológicas das áreas cultivadas, ou seja, eram
capazes de relacionar uma informação importante ao manejo da lavoura a um ponto ou zona
Bahia anál. dados,
224 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
específica”. Isso reforça a observação de que a AP não é algo completamente novo. A inovação
é caracterizada pelo aparato tecnológico à disposição dos agricultores.
Alynson dos Santos Rocha Artigos

e equipamentos “homogeneizar” as abordagens das áreas produtivas


pela média dos indicadores, desconsiderando suas diferenças. O cha-
mado ciclo de operação da AP (Figura 1) envolve três etapas básicas:
coleta de dados, interpretação desses dados e aplicação dos insumos
de forma diferenciada.

Segundo Costa e Guilhoto (2013), a AP tem como principal benefício a


utilização mais eficiente de insumos agrícolas. Consequentemente, es-
pera-se a redução dos custos desses insumos, o aumento da produtivi-
dade e a diminuição da carga de poluentes no meio ambiente, especial-
mente nos solos e na água. Os autores compilam uma série de estudos
para mostrar as vantagens da AP quanto à redução das contaminações
do meio ambiente. Em alguns casos, essa redução pode alcançar 92%,
observando-se o uso mais racional de pesticidas em lavouras de citros;
54%, considerando-se a utilização de herbicidas nos cultivos de trigo,
milho, beterraba e cevada; entre 47% e 80%, observando-se a aplicação
de herbicidas em lavouras de cereais; e reduções superiores a 20% no
uso da água de irrigação em lavouras de milho e pastagens.

Otimiza-se o uso de fertilizantes à base de nitrogênio, cuja lixiviação


de parcelas não absorvidas pelas plantas contamina o meio ambiente.
Entende-se, portanto, que as técnicas de AP empregadas pelos agri-
cultores possibilitam menor quantidade de agroquímicos aplicados em
lavouras e criações. Por conseguinte, diminui-se o desperdício, inva-
riavelmente conectado à degradação dos recursos naturais e biológi-
cos das áreas produtivas e proximidades (COSTA; GUILHOTO, 2013).
A produção de alimentos com menos agroquímicos está na base das
recomendações do relatório IPCC a todos os agentes das cadeias pro-
dutivas, visando à melhoria da segurança alimentar da população.

Apesar de a AP moderna apresentar um conjunto aparentemente incon-


testável de vantagens às atividades agrícolas de médio e grande porte e
amenizar suas relações, por vezes conflituosas, com o meio ambiente, é
fato que os custos dessas técnicas para o agricultor ainda se constituem
em fator impeditivo à sua adoção generalizada, especialmente no Brasil.
Molin (2017) e Molin, Amaral e Colaço (2015) listam custos com moni-
tores de produtividade, aparelhos de GPS, imagens de satélite, mapea-
mentos dinâmicos das áreas passíveis de intervenção, sensores diversos
para melhor acompanhamento em todas as fases da produção, entre
outros. Somem-se os gastos com interpretações e análises dos dados e
informações produzidas por todo o aparato tecnológico e aqueles com-
postos por assistência técnica, manutenção de equipamentos e ações
específicas em cada espaço georreferenciado. A decisão de adoção ou
não da AP, salientam os autores, passa pela análise dos custos, riscos e
benefícios (econômicos e ambientais). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
225
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

E os pequenos agricultores? Ficaria esse grupo importante segregado


por sua característica geral de baixo volume de investimento na ativida-
de produtiva, comparando-se com a agricultura patronal/empresarial?
Não, porém a solução, nesse caso, passa pela intensificação de práticas
locais e pela retomada de conhecimentos e técnicas muitas vezes es-
quecidos ou subutilizados, em virtude da massificação de tecnologias
contemporâneas. Ou seja, trata-se de AP que preza pela observação
agronômica das lavouras e criações, enfatizando as experiências dos
próprios agricultores – muitas transmitidas por gerações –, com baixa
participação de ferramentas eletrônicas, satélites, redes de comunica-
ção ou computadores. Identificação presencial das variabilidades es-
paciais das áreas de produção, soluções domésticas simples e baratas
(inclusive com relação aos insumos) e procedimentos por vezes manuais
completam as observações da AP de baixa tecnologia.

The principle of precision agriculture can be applied equally to low capi-


tal-input farming, in the form of low-tech precision agriculture [...]. The
principle is the same but instead of adopting capital-heavy equipment
(such as sensor technology connected to the ‘Internet of things’, or lar-
ge machinery and expensive inputs), farmers use knowledge and expe-
rience and innovative approaches often re-purposed, such as a bottle
cap as a fertilizer measure for each plant, applied by hand […]. This type
of precision agriculture is particularly relevant to small-scale farming
in the global South, where capital investment is major limiting factor.
(INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2019, p. 5-99).

Pequena produção, pouco demandante de insumos, é a característica


mais geral das agriculturas pelo mundo. As formas de produção fami-
liares, como salienta Sabourin (1999), são majoritárias, particularmente
nos países em desenvolvimento, e têm papel fundamental na produ-
ção de alimentos, composição da dieta das populações e ocupação de
mão de obra no campo. Essas afirmações, aparentemente consensuais
entre pesquisadores debruçados sobre a temática, contribuem para a
desconstrução do que Dal Soglio (2016) nomeia de “mito da produ-
tividade”. Segundo o autor, é preciso retomar o reconhecimento das
heterogeneidades das agriculturas, incorporando a noção de que dife-
rentes padrões agrícolas, menos degradantes ambientalmente (de base
ecológica), podem responder ao aumento da demanda por alimentos.

Não há, nesse cenário, exacerbada modernização tecnológica da agri-


cultura em prol da produtividade – bastante identificada com a Revolu-
ção Verde. Dessa forma, a superação do “mito da produtividade” reforça
agriculturas localmente adaptadas, reconhecendo os limites ecológicos
específicos de cada área e fortalecendo sistemas de produção locais/
Bahia anál. dados, regionais. Além da segurança alimentar, esse viés de análise envolve a
226 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019 soberania alimentar (redução ou eliminação da dependência de alimen-
Alynson dos Santos Rocha Artigos

tos produzidos em outros espaços) e aspectos de gestão dos recursos


naturais e organização dos agricultores, muitos ainda em condições pre-
cárias de vida, marginalizados e desarticulados socioeconomicamente
(DAL SOGLIO, 2016; SABOURIN, 1999).

Note-se que o argumento recorrente da baixa produtividade de mode-


los agrícolas de base ecológica (Quadro 3) é contraposto aos baixos
investimentos e interesses de centros de pesquisa e fomento destinados
a essas alternativas produtivas, quando comparados aos recursos des-
tinados à agricultura tradicional em larga escala, produtivista, mecani-
zada e intensiva em agroquímicos. Nos países em que a agricultura é
tecnologicamente avançada, com produtores qualificados e importante
infraestrutura produtiva, as agriculturas ecológicas possuem potencial
produtivo bastante próximo ao do modelo tradicional. Eventuais per-
das de produtividades seriam compensadas por mudanças positivas nas
dietas das populações, redução dos custos com desperdícios de alimen-
tos e insumos e pelo retorno da diversificação integrada dos sistemas
de produção agrícola, preservando biodiversidades e gradualmente se
descolando da orientação geral à produção de commodities (DAL SO-
GLIO, 2016; MAZOYER; ROUDART, 2010).

Nas regiões de menor desenvolvimento agrícola, o aumento da produ-


tividade das formas alternativas de agricultura poderia ser alcançado
com a intensificação de programas de inclusão de agricultores nos cir-
cuitos locais/regionais de comercialização e distribuição de alimentos (a
exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos brasileiro) (DAL SO-
GLIO, 2016). Conjuntamente ao reforço da diversificação dos sistemas
de produção e de técnicas e tecnologias locais, a incorporação de con-
tingentes de agricultores, particularmente familiares, geraria mais ocu-
pações no campo, (re)conectando e (re)estreitando as ligações entre as
agendas de pesquisa ambiental, econômica e social dessas agriculturas
(Figura 2). É importante frisar que estudos de agriculturas alternativas
são datados dos anos 1920. Na segunda década do século XXI, essas
discussões ganharam mais espaço em virtude dos impactos ambientais
causados pela agricultura tradicional. São retornos, em diferentes bases
técnicas, de conhecimentos e abordagens antigas, semelhantemente ao
observado para a AP de baixas tecnologias.

Independentemente do modelo alternativo a ser implantado, parece ha-


ver consenso da necessária e fundamental participação de instituições
de assistência técnica e extensão rural (ATER) na compilação, divulga-
ção e acompanhamento dos conhecimentos e práticas adotados. Tal
observação ganha importância particularmente em relação aos agricul-
tores com baixa capacidade de investimento, em regiões fragilizadas e/
ou marginalizadas economicamente. Médios e grandes agricultores po- Bahia anál. dados,

dem incorporar mais rapidamente a temática ambiental como forma de


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
227
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

Figura 2
Objetivos das agriculturas alternativas

Fonte: Adaptado de Altieri e Nicholls (2007).

manter os rendimentos com a atividade, conservando recursos naturais


e postergando as limitações pela decrescente fertilidade dos solos. O
acesso a incentivos creditícios públicos e subsidiados possibilita a esses
agricultores mais ações em prol do meio ambiente (SABOURIN, 1999).

(Continua)
Quadro 3
Modelos de agriculturas alternativas de base ecológica
Modelo Estudos, conceitos e práticas
Agricultura orgânica Criada pelo inglês Albert Howard em 1920 e desenvolvida nos EUA, a
partir de 1948, com J. I. Rodale, é a mais antiga e tradicional corrente da
agricultura ecológica. Baseia-se na compostagem de matéria orgânica,
com a utilização de microrganismos eficientes para processamento
mais rápido do composto; na adubação exclusivamente orgânica, com
reciclagem de nutrientes no solo; e na rotação de culturas.
Agricultura biodinâmica É baseada na antroposofia de Rudolf Steiner, da Alemanha da década
de 1920. As principais características são a compostagem e a utilização
de ‘preparados’ homeopáticos ou biodinâmicos, utilizados para
fortalecimento da planta. Os animais são integrados na lavoura para
aproveitamento de alimentos: aquilo que o animal tira da propriedade
volta para a terra. Este modelo de agricultura acredita na importância de
conhecer a influência dos astros sobre todas as coisas que acontecem na
superfície terrestre.
Agricultura biológica Foi criada pelo suíço Hans Peter Muller, na década de 1930, e colocada
em prática na França. Com forte cunho socioeconômico e político,
preocupa-se com questões relacionadas à autonomia do agricultor e
à comercialização direta. Nesse modelo, a agricultura tem como base
principal as ciências biológicas – sendo definida como um sistema que
tenta manter o equilíbrio ambiental. A manutenção da fertilidade do solo
e o controle de pragas e doenças são feitos pelo uso de processos e ciclos
naturais, otimizando o uso de energia e recursos.
Permacultura Foi desenvolvida pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren. Baseia-
se num modo de vida natural, integrado à natureza das comunidades. As
principais características são os sistemas de cultivo agro-silvo-pastoris e os
extratos múltiplos de culturas. Utiliza a compostagem, ciclos fechados de
nutrientes, integração de animais aos sistemas, paisagismo e arquitetura
– tudo de maneira integrada. A comunidade deve ser autossustentável e
autossuficiente, produzindo seus alimentos, implementos e serviços sem
a necessidade de capital. Os três pilares da permacultura são: cuidar da
terra, cuidar das pessoas e repartir os excedentes. A comercialização é feita
através da troca de produtos e serviços.
Bahia anál. dados,
228 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
Alynson dos Santos Rocha Artigos

(Conclusão)
Quadro 3
Modelos de agriculturas alternativas de base ecológica
Modelo Estudos, conceitos e práticas
Agricultura natural Com origem no Japão, a principal divulgadora desta corrente de trabalho
ecológico é a Mokiti Okada Association (MOA). É um método de agricultura
que propõe um cultivo natural, no qual existe harmonia do meio ambiente
com a alimentação, a saúde do homem e também com a espiritualidade.
Consiste em cultivar os vegetais da maneira mais natural possível,
rejeitando tudo o que desrespeite o ‘comportamento’ natural do solo e
do crescimento vegetal. Ou seja, não há utilização de agrotóxicos e nem
mesmo de adubos de origem animal, como o esterco – pois todos esses
elementos, segundo essa diretriz, retiram o verdadeiro e natural sabor dos
alimentos e também prejudicam a saúde do homem.
Agroecologia Miguel Altieri, nos Estados Unidos da década de 1980, procurou reunir
todas as correntes, propondo uma metodologia com uma visão holística,
abrangendo as demais alternativas numa base de pesquisa científica. É
uma ciência que fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e
tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos
recursos naturais. Parte-se do pressuposto de que tais sistemas sejam
culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis,
proporcionando, assim, um agroecossistema sustentável.
Fonte: Adaptado de Kirinus (2016).

A (re)conciliação dos caminhos e agendas entre agriculturas e meio


ambiente demanda a mediação das instituições de ATER, traduzidas nos
trabalhos de técnicos em diversas e diferenciadas áreas produtivas. No
Brasil, essa questão apresenta maior complexidade pela extensão geo-
gráfica do país e pela frequente deficiência (orçamentária, de pessoal,
de equipamentos etc.) de instituições em conduzir e manter programas
duradouros de atendimento aos agricultores. Dessa forma, o vácuo do
Estado em ações de ATER – parcialmente coberto por organizações
não governamentais e/ou outras representações da sociedade civil –
é apontado como fator decisivo para a conversão de agricultores de
sistemas outrora integrados – menos impactantes ao meio ambiente
e diversificados – a produções especializadas e dependentes de agro-
químicos (SABOURIN, 1999). O agricultor é inserido nessa dinâmica de
forma passiva diante de oligopólios tanto a montante quanto a jusante
das produções primárias e que comandam os principais fornecedores
de insumos, máquinas e equipamentos, processadoras de matérias-pri-
mas e circuitos logísticos.

Não raro, a falta de ações estruturadas de ATER repercute em práticas


degradantes ao meio ambiente conduzidas por pequenos agricultores
familiar, inclusive (queimadas sem controle, desmatamentos indiscrimi-
nados, aplicação de agrotóxicos sem os devidos cuidados, descarte de
resíduos de formas inadequada, entre outras). A disseminação da infor-
mação que resulte em ganhos de produtividade e proteção aos recursos
naturais deve incluir sua formatação adequada a um público com dife-
rentes graus de qualificação, instrução e organização. Nesse sentido, o
trabalho dos extensionistas ganha importância, pois, frequentemente,
eles são a única fonte de informação técnica acessível dos agricultores. Bahia anál. dados,

Assim, quanto menor o grau de organização e de articulação desses


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
229
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

agricultores, menores serão as chances de a informação chegar a um


número maior de pessoas. Compromete-se, pela falta de informação, a
amplitude das ações potencialmente redutoras de impactos ambientais
de lavouras e criações (ASSAD; ALMEIDA, 2004; SABOURIN, 1999).

Assad e Almeida (2004) complementam essa análise mencionando os


obstáculos enfrentados quando se observam a produção, o tratamento
e as condições de difusão do conhecimento agronômico, afetando a
generalização das agriculturas alternativas.

Do ponto de vista das tecnologias de base para uma agricultura sus-


tentável, constatam-se frequentemente dois tipos de obstáculos. O
primeiro diz respeito às tecnologias propriamente ditas, que, embora
por vezes conhecidas e testadas com base científica, não são devida-
mente inseridas nos sistemas produtivos, seja por falta de difusão tec-
nológica apropriada, seja por desarticulação entre pesquisa e extensão
rural com segmentos produtivos que poderiam se beneficiar dessas
tecnologias. Outro obstáculo diz respeito à dificuldade, mais ou menos
generalizada, de aprofundamento do conhecimento sobre os sistemas
agrícolas ou da falta de clareza a respeito de suas dinâmicas. (ASSAD;
ALMEIDA, 2004, p. 11).

Os obstáculos mencionados e as assimetrias entre agricultores podem


gerar três segmentações analíticas envolvendo agricultura e meio am-
biente: a) institucionalização das agriculturas alternativas de base eco-
lógica como próprias do pequeno agricultor, mais propensas a regiões
carentes de recursos financeiros, vinculando conhecimentos e práticas
ambientalmente positivas às pequenas produções, de subsistência do
agricultor e de sua família, ou, no limite, a mercados locais; b) ecologi-
zação da agricultura moderna em larga escala: generalização de prá-
ticas menos agressivas ao meio ambiente (incorporando um ou mais
receituários das agriculturas alternativas); e c) consequência do item
anterior, o reconhecimento e a legitimação das agriculturas ecológicas
e sua adoção generalizada, contrapondo-se aos modelos agrícolas tra-
dicionais (ASSAD; ALMEIDA, 2004).

Percebe-se que a heterogeneidade das agriculturas (e de agricultores)


possibilita diversas alternativas produtivas, cuja adoção dependerá dos
limites ecológicos em cada área, da capacidade de investimento dos
agentes envolvidos, da organização e articulação dos agricultores e,
sobretudo, da disponibilidade de informações e acompanhamento pe-
las instituições de ATER, públicas e/ou privadas. As agendas analíticas
e de pesquisa são distintas, variando em complexidade e orientadas
por diversos interesses (empresas, Estado e sociedade civil). Os alertas
Bahia anál. dados, emitidos pelo IPCC, no entanto, conduzem ao entendimento de reto-
230 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019 mada das agriculturas menos como atividade estritamente econômica,
Alynson dos Santos Rocha Artigos

tecnológica, especializada e geradora de lucros, e mais como fornece-


doras de alimentos seguros, com autonomia e inclusão de produtores e
preservação dos recursos naturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reafirma-se aqui o caráter permanente da questão entre agriculturas e


meio ambiente. Inúmeros trabalhos ao longo dos séculos XX e XXI elen-
cam e analisam os efeitos de agriculturas mais ou menos tecnificadas,
com maior ou menor qualificação dos agricultores, das tecnologias e
dos recursos ecológicos, em um esforço de abarcar diferentes agendas
para a questão – não apenas a ambiental e econômica, talvez as mais
evidentes, mas a social, de inclusão e organização dos agricultores em
todo esse processo. Neste trabalho parte-se de dois acontecimentos
que, em 2019, realimentaram a discussão. A liberação acelerada do uso
de agrotóxicos no país, mesmo aqueles com restrições e/ou banimentos
na União Europeia, chama a atenção para as contribuições da permis-
siva legislação brasileira na degradação e contaminação dos recursos
naturais. Ressurgem agroquímicos e as consequências do uso intensivo
sobre o agricultor, a biodiversidade, os solos e os recursos hídricos. Es-
sas consequências são geralmente conhecidas, e a movimentação da
sociedade civil e dos governos é pela gradual restrição total do uso de
alguns agrotóxicos, caso do glifosato. O segmento produtor de agroquí-
micos alega que agrotóxicos são essenciais à manutenção das lavouras
e criações, possibilitando a oferta de alimentos baratos.

As perspectivas de crescimento da população e da demanda por ali-


mentos conferem durabilidade ao modelo tradicional de agricultura, ba-
seado na Revolução Verde. Espera-se a continuidade da utilização de
agroquímicos e, consequentemente, das observações dos efeitos dano-
sos ao meio ambiente. Essas constatações estão presentes no relatório
do IPCC (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2019),
bem como a defesa de mudanças nas dietas das populações, diminuin-
do a demanda por proteínas animais, que, em virtude das rações ne-
cessárias nas criações, estimulam a produção em larga escala de grãos,
invariavelmente apelando-se ao modelo tradicional de agricultura. A AP
e suas práticas conseguem manter ou mesmo ampliar a produção agrí-
cola, com redução de custos pelo uso mais eficiente de insumos e me-
nos pressão sobre os recursos naturais. Os custos para implementação
de tal modelo (aparato tecnológico, de análise de dados, manutenção
e assistência técnica) podem ser impeditivos à sua generalização. A so-
lução, especialmente para pequenos agricultores, com menos recursos,
é resgatar conhecimentos locais e formas de integração dos sistemas
de produção. São ações simples, domésticas, de baixo custo e eficazes, Bahia anál. dados,

reunidas sob o conceito de AP de baixa tecnologia.


Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
231
Artigos Agriculturas e meio ambiente: uma questão permanente

As agriculturas alternativas de base ecológica contribuem ao fornecer


alimentos seguros, além de promover um retorno de práticas que pro-
movem a autonomia dos agricultores diante dos grandes oligopólios
que dominam diversos segmentos da produção agrícola. A baixa pro-
dutividade alegada em relação a essas formas alternativas pode ser
revertida caso sejam destinados volumes de recursos e mobilização de
instituições de ensino e pesquisa públicas e privadas, como se observa
para o modelo tradicional. Ressalte-se que tanto a AP quanto as agri-
culturas alternativas não são exatamente novidades. De certa forma, a
AP é praticada desde antes da Revolução Industrial, e os estudos das
agriculturas orgânica, biodinâmica e natural, por exemplo, datam das
décadas entre 1920 e 1940. O suporte tecnológico mais acessível, a ten-
tativa de generalizar essas alternativas produtivas – como contraponto
econômico e ambiental ao modelo tradicional consolidado – e sua cres-
cente defesa por diversas instituições constituem algo relativamente
novo nessa questão.

A participação de instituições de ATER nesse processo é fundamental,


especialmente para pequenos agricultores familiares. Médios e gran-
des produtores conseguem acessar informações e recursos mais rapi-
damente e promovem algumas ações em prol do meio ambiente, até
como forma de manutenção dos seus rendimentos com a atividade. As
dificuldades enfrentadas localizam-se na redução das ações de ATER
pelo Estado em várias regiões do país, resultado da falta de recursos
financeiros, materiais e de pessoal. Muitos desses espaços não atendi-
dos pelo Estado são ocupados por ONGs e/ou outras instituições da
sociedade civil organizada.

É importante frisar que os caminhos e as agendas da questão entre


agriculturas e meio ambiente são amplos e diversos, consequência da
própria heterogeneidade das agriculturas, dos agentes e dos interes-
ses envolvidos. Retomar a atividade como produtora de alimentos,
atendendo aos preceitos de segurança/soberania alimentar e preser-
vando os recursos naturais, parece ser o desejo de diversas instituições
e da própria população. No entanto, coloca-se que as agriculturas al-
ternativas não têm (ainda) a capacidade de substituir completamente
o modelo tradicional produtivista agrícola. Essa constatação é sufi-
ciente para tornar o debate entre as agriculturas e o meio ambiente
uma questão permanente.

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Bahia anál. dados,


234 Salvador, v. 29, n. 2,
p.214-235, jul.-dez. 2019
RESUMO

Um dos pilares do Estado democrático de direito é a participação social nas


decisões públicas, como nas questões que envolvem o meio ambiente, por
meio do licenciamento ambiental (LA). O licenciamento tem como função
primordial regular as atividades potencialmente impactantes. No conjunto de
normas regulamentadas para sua operacionalização foram estabelecidas con-
dições de excepcionalidade para intervenções classificadas como de utilidade
pública, incluindo a possibilidade de suprimir a vegetação de locais protegi-
dos, como as áreas de preservação permanente (APP). Entretanto, ocorrem
alguns desvirtuamentos no uso dessa flexibilização. Diante disso, torna-se re-
levante discutir a participação social no licenciamento de obras de utilidade
pública que apresentem intervenções em áreas de preservação permanente.
Com esse propósito, o procedimento metodológico adotado neste trabalho
envolveu a análise de processos de licenciamento ambiental, utilizando pes-
quisa documental, bibliográfica e entrevista semiestruturada com os agentes
gestores do órgão ambiental. Os resultados obtidos permitiram identificar fra-
gilidades e deficiências quanto à participação popular no LA em APP, desta-
cando-se, entre outras, as dificuldades de acesso aos documentos referentes
aos processos e os problemas existentes nas audiências públicas relativas ao
licenciamento ambiental.
Palavras-chave: Participação popular. Flexibilização. Áreas protegidas.

ABSTRACT

One of the pillars of the democratic rule of law is social participation in public
decisions, such as issues involving the environment through environmental
licensing (EL). Licensing has the primary function of regulating potentially
impacting activities. In the set of rules regulated for its operation, exceptional
conditions were established for interventions classified as of public utility,
including the possibility of suppressing the vegetation of protected areas, such
as the permanent preservation area (PPA). However, some distortions in the
use of flexibility occur, being a real problem. Given this, it becomes relevant to
discuss about social participation in the licensing of public works that present
the areas of permanent preservation. In this purpose, the methodological
procedure adopted involved an analysis of EL processes, documental,
bibliographic research and semistructured interviews with the management
agents. The results allow us to identify weaknesses and deficiencies in relation
to popular participation in EL in PPA, highlighting among others as difficulties
in accessing documents related to processes and the problems existing in
public hearings related to environmental licensing.
Keywords: Popular participation. Flexibility. Protected areas.
Artigos

Participação social no
licenciamento ambiental
de obras de utilidade
pública em área de
preservação permanente
R E N ATO S I LVA DA S I LVA OS PRINCÍPIOS e diretrizes da política
Mestre em Meio Ambiente, Águas e
Saneamento, pela Universidade Federal ambiental brasileira foram fortalecidos com
da Bahia (UFBA) e especialista em AIA e
Recuperação de Áreas Degradadas, pela a Constituição de 1988, que dedicou um ca-
Universidade Salvador (Unifacs).
pítulo ao meio ambiente e passou a deter-
[email protected]

SE VERINO SOARES AGR A FILHO minar a obrigatoriedade de dar publicidade


Doutor em Economia e Meio Ambiente, às intervenções causadas por uma referida
pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e mestre em Planejamento atividade (BRASIL, 1988). Dessa forma, foi
Energético, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor-
possível propiciar meios para a participação
associado do Departamento de
pública nas questões ambientais, envol-
Engenharia Ambiental e do Mestrado em
Meio Ambiente, Águas e Saneamento da vendo discussões quanto à viabilidade do
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[email protected] empreendimento no processo de licencia-
mento ambiental.

O licenciamento ambiental (LA), como um


dos instrumentos da Política Nacional do
Meio Ambiente, tem como função primordial
regular as atividades potencialmente impac-
tantes. As principais diretrizes do licencia-
mento brasileiro estão expressas na Lei nº
6.938/81 e na Resolução Conama nº 237/97,
determinando a avaliação prévia com cará-
ter preventivo nas diferentes fases que com-
põem projetos potencialmente poluidores

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
237
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

ou degradadores do meio ambiente (BRASIL, 2012; CONSELHO NA-


CIONAL DO MEIO AMBIENTE, 1997). Para Agra Filho (2014), o LA deve
ser criterioso, para salvaguardar regiões de grande valor ecológico, exi-
gindo, na apreciação do processo, uma análise da compatibilidade da
proposta em relação às restrições ambientais e, sobretudo, a sua con-
tribuição para a sustentabilidade do processo de desenvolvimento da
região, para que, mesmo com a flexibilização, os impactos negativos ao
meio ambiente possam ser minimizados.

No conjunto de normas regulamentadas para sua operacionalização


foram estabelecidas condições de excepcionalidade para diversas ati-
vidades passíveis de serem licenciadas. Por visarem ao benefício coleti-
vo, essas atividades são classificadas como de utilidade pública, sendo
permitidas intervenções em locais protegidos, como as áreas de preser-
vação permanente (APP).

No Brasil, as APP compõem o grupo das áreas protegidas e sofrem com


diversos conflitos e contradições quanto à sua proteção. São numerosos
os trabalhos que estudam o uso e a ocupação inadequados do solo des-
sas áreas, como os de Campos e Matias (2010), Corvalán e Garcia (2011),
Lelis e outros (2015), Mendes e outros (2015), Nardini (2009), Nardini e
outros (2012), Nascimento e outros (2005) e Vestena e Thomaz (2006).

As bases legais que regem os procedimentos de excepcionalidade e


flexibilização das obras de utilidade pública em APP são a Resolução
Conama 369/2006 e o Código Florestal, Lei nº 12.651/2012 (BRASIL,
2012; CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2006). Esses do-
cumentos legais especificam as intervenções de utilidade pública como
casos excepcionais, como as obras destinadas aos serviços públicos de
transporte, saneamento e energia, entre outras, e os critérios a serem
observados na apreciação do LA. Entretanto, ocorrem alguns desvir-
tuamentos no uso da flexibilização, sendo uma problemática real, como
destacado por Borges (2007), ao considerar que o interesse público
tem sido objeto de manipulações e utilizado como disfarce para a to-
mada de decisão com interesses particulares.

Diante dessa flexibilização e das implicações resultantes do desvirtua-


mento das normas legais, torna-se relevante analisar o papel exercido
pela sociedade durante o processo para possível obtenção da licença.
Conforme enfatiza Faria e Silva (2017), a participação pública nas toma-
das de decisões incluem vários objetivos, como atender às necessidades
de diversas culturas, utilizar o conhecimento e incorporar valores locais,
legitimar e democratizar os processos de tomada de decisão, comparti-
lhar o aprendizado social, orientar o público, construir confiança, reduzir
Bahia anál. dados, custos de atrasos e diminuir conflitos.
238 Salvador, v. 29, n. 2,
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Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

O objetivo deste trabalho é trazer uma discussão sobre a participação


social nas tomadas de decisão de obras de utilidade pública que
apresentem intervenções em áreas de preservação permanente, que
podem causar riscos em diversos locais que também podem ser classifi-
cados como de utilidade pública devido à sua importância. Desse modo,
a presente exposição está dividida nas seguintes partes: apresentação
teórica sobre participação social e meio ambiente, área de preservação
permanente e utilidade pública; descrição metodológica da pesquisa de
campo; resultados e discussões; considerações finais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A discussão dos resultados e as reflexões desenvolvidas na pesquisa


consideraram como fundamentação teórica as bases conceituais abran-
gendo as definições e significados de participação social, área de pre-
servação permanente, bem como dos conceitos relativos a utilidade
pública e seus conflitos.

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MEIO AMBIENTE

Inúmeras definições podem ser encontradas para participação social na


literatura. A expressão apresenta toda essa diversidade de conceitos de-
vido à dinâmica das relações entre o Estado e a sociedade, que variam
ao longo do tempo (COSTA; BURSZTYN; NASCIMENTO, 2009). Por-
tanto, esse termo é considerado amplo, e recorrentemente é evocado.

Participação vem da palavra parte (DÍAZ BORDENAVE, 1994), que sig-


nifica o ato de participar, que, por sua vez, está relacionado a fazer bem,
comunicar, dar parte de, ter ou tomar parte (ROCHA; PERES, 1995).
Provém do vocábulo latino participatione, que é o ato ou o efeito de
participar (MICHAELIS, 1998).

Díaz Bordenave (1994) expressa que a participação é, sobretudo, uma


necessidade fundamental do ser humano, o caminho natural para as
pessoas exprimirem sua tendência inata de realizar, fazer coisas e se
afirmar. A sua prática envolve a interação com outros seres humanos,
a autoexpressão e o desenvolvimento do pensamento reflexivo (DÍAZ
BORDENAVE, 1994).

A participação está no centro das discussões sobre democracia. Em seu


trabalho, Rossi (2002, p. 19) cita Canotilho (1992) para expressar que
“[...] democratizar a democracia através da participação significa, em
termos gerais, intensificar a optimização das participações dos homens Bahia anál. dados,

no processo de decisão”. Isso significa ter uma democracia que se fun-


Salvador, v. 29, n. 2,
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239
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

damenta também na participação dos cidadãos de maneira mais ativa


nas decisões políticas.

Desse modo, percebe-se que a Constituição Federal, logo em seu pre-


âmbulo, expõe a importância de um projeto social ao invocar como va-
lores primordiais o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberda-
de, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como vetores de uma sociedade que se projeta como fraterna (BRASIL,
1988). A Constituição instituiu uma ordem jurídica que pretende permitir
o controle das atividades do Estado e a participação dos cidadãos no
exercício do poder político por diferentes canais.

No Brasil, podem ser destacados alguns mecanismos criados para a


participação social, como os presentes nas experiências de orçamento
participativo e os conselhos gestores de políticas públicas, principal-
mente nas áreas de saúde, educação, assistência social, cultura e meio
ambiente (COSTA; BURSZTYN; NASCIMENTO, 2009).

A integração entre Estado, sociedade e meio ambiente pode acarretar a


proteção dos recursos naturais e da biodiversidade, sendo um fator im-
portante na busca pela sustentabilidade econômica em harmonia com a
natureza. Essa integração remete ao Artigo 225 da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), que impõe ao poder público e à coletividade o dever
de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras
gerações. É a participação social tendo o seu espaço para a eficácia
da gestão ambiental local e nacional, viabilizando a manifestação e a
consideração dos interesses público e privado em torno da questão am-
biental (SOUZA; NOVICKI, 2011) e reconhecendo a obrigação de todos
os cidadãos na busca por um meio ambiente equilibrado.

Esse processo de participação pública nas decisões envolvendo meio


ambiente é reflexos de movimentos e tratados internacionais que passa-
ram a discutir cada vez mais as questões ambientais. Diante disso, tendo
como inspiração os direcionamentos criados internacionalmente, Mirra
(1989 apud ASSUNÇÃO; SILVA, 2015) enumera quatro mecanismos bá-
sicos de participação popular na proteção do meio ambiente constante
no direito ambiental brasileiro.

Primeiro pode ser citada a participação comunitária nos procedimentos


legislativos: iniciativa popular na apresentação de projetos de leis com-
plementares ou ordinárias (federais, estaduais ou municipais) por um
determinado número de cidadãos, bem como a realização de referendo
sobre uma lei relacionada com o meio ambiente, previsto nos termos do
Art. 14, incisos II e III; do Art. 29, Inciso XI; e do Art. 61, § 2º da Consti-
Bahia anál. dados, tuição (BRASIL, 1988).
240 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

Um segundo mecanismo é a participação em órgãos colegiados dota-


dos de poderes normativos, com representantes da comunidade em
conselhos e órgãos de defesa do meio ambiente.

O terceiro a ser mencionado é a participação popular na formulação


e execução de políticas ambientais, por intermédio da discussão de
estudos de impacto ambiental em audiências públicas e nas hipóteses
de realização de plebiscitos.

Por último, a participação direta por meio do Poder Judiciário, com


a utilização de instrumentos processuais que permitem a obtenção
da prestação jurisdicional na área ambiental,  assegurando à cida-
dania a defesa judicial do meio ambiente através da ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, da ação civil pública, da
ação popular constitucional, do mandado de segurança coletivo e do
mandado de injunção.

Diante do exposto, fica claro que existem diferentes tipos de conceitos e


várias discussões no campo da teoria da ciência política acerca de par-
ticipação popular, Estado democrático, princípio participativo e outros
temas correlacionados. Este trabalho buscou abordar o assunto sem o
esgotamento do tema, uma vez que se dedica a discutir a participação
social, no sentido de manifestação do indivíduo, e as oportunidades ou
espaços para essa manifestação no campo do licenciamento ambiental
de obras de utilidade pública.

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

As crescentes intervenções nos ecossistemas naturais ocasionam perda


e alteração da biodiversidade e representam graves ameaças para o
bem-estar do ser humano. A biodiversidade exerce funções relevantes
em diversos processos essenciais para a manutenção dos ecossistemas,
desempenhando papel na estabilização do clima e na regulação e pro-
teção das bacias fluviais e do solo, entre outros aspectos. Por essas e
outras funções, a perda da diversidade biológica é considerada um dos
maiores problemas mundiais (PERES; VERCILLO; DIAS, 2011).

Para proteger a biodiversidade dos fatores antrópicos que influenciam


negativamente as suas funções ecossistêmicas, grande parte do mundo
tem utilizado como um dos principais instrumentos o estabelecimento
de áreas protegidas (BENSUSAN, 2006). No Brasil, entre os espaços
protegidos, figuram as áreas de preservação permanente (APP), ins-
tituídas pelo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) e
por outras normas legais. Estão expressas na referida lei a definição e Bahia anál. dados,

os locais considerados APP: faixas marginais de qualquer curso d’água


Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
241
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da


calha do leito regular; as encostas ou partes destas com declividade su-
perior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; as restingas,
como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; e os mangue-
zais, em toda a sua extensão.

A fragilidade das APP é uma realidade do país e, embora existam as


determinações legais, esses locais enfrentam diversos obstáculos para
sua proteção efetiva. A ocupação inadequada em direção a essas áreas
está entre os diversos impactos sociais e ambientais identificados nos
cenários urbanos (BILAC; ALVES, 2014). Nascimento e outros (2005) e
Vestena e Thomaz (2006), ao mapearem as APP de duas diferentes ba-
cias, identificaram usos que não condizem com as normas reguladoras
de tais áreas. Por outro lado, uma fragilidade abordada por Alarcon, Bel-
trame e Karam (2010) diz respeito à linearidade e à rigidez das normas
que regem as APP, não levando em conta as diferenças geográficas do
país, por exemplo.

Mesmo com a evolução de uma consciência ecológica no Brasil, o Có-


digo Florestal de 2012 foi produto de uma reformulação motivada pela
ineficiência na aplicação do Código Florestal de 1965, atendendo a
interesses sociais, econômicos e políticos imediatistas, formulado por
segmentos minoritários com discurso da proteção ao pequeno agricul-
tor, além de garantia da “segurança alimentar” (AZEVEDO; OLIVEIRA,
2014; FEARNSIDE, 2010; PEREIRA; BOTELHO; FERREIRA, 2015; RORIZ;
FEARNSIDE, 2015; VIEIRA; BECKER, 2010).

Dentre as mudanças promovidas pela revisão do Código Florestal es-


tão as referentes às APP, destacando-se o aumento de possibilidades
de casos a serem tratados como de utilidade pública para se tornarem
passíveis de intervenções. Também houve alteração na demarcação da
faixa de APP às margens do curso d’água natural, passando a ser con-
siderado o leito regular em vez do leito maior, como era anteriormente
(BRASIL, 2012). Isso reduz a extensão da área protegida às margens dos
cursos hídricos, tornando-as vulneráveis à ocupação humana, conforme
Pereira, Botelho e Ferreira, (2015). Essas lacunas na lei facilitam diversas
ações humanas, colocando em risco o objetivo das APP.

O licenciamento ambiental em áreas protegidas, especificamente a apli-


cação nos casos que envolvam intervenção em APP, é regido por nor-
mas legais específicas, que estabelecem as restrições das intervenções,
visando promover o seu papel preventivo e ganhando mais importân-
cia por se tratar de áreas sensíveis. Assim, o licenciamento tem por
objetivo promover a sustentabilidade do desenvolvimento (RAMIRES,
Bahia anál. dados, 2015), condição que o torna um instrumento estratégico para a garantia
242 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019 da qualidade ambiental. Autores como Gurgel Junior (2014), Granziera
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

(2007) e Antunes (2007) corroboram essa visão afirmando que, me-


diante o LA, as autoridades públicas podem adotar medidas para evitar
e/ou atenuar danos ambientais, sendo mais uma forma de combater as
crescentes intervenções negativas nos ecossistemas naturais.

UTILIDADE PÚBLICA

A denominação de utilidade pública, como esclarece Cintra (2005),


aplica-se às intervenções de caráter impessoal e de interesse coletivo.
Assim, segundo o referido autor, citando Sodré (1955), essa classifica-
ção comporta certa subjetividade, tornando-a um conceito flexível e
amplo, variando conforme o lugar, a época e o ordenamento jurídico
que a considere.

Fadul (2005) ratifica que esse conceito muda com o tempo, podendo
sofrer alterações no curso da história ou, no mínimo, adquirir nuances
diversificadas e novas características. A concepção de utilidade pública
evoluiu através dos séculos, resultante do desejo comum de obter ser-
viços úteis e factíveis (SARACEVIC, 1974). Esses serviços estão ligados
às seguintes áreas gerais: fornecimento de energia, de água, de servi-
ços relativos ao meio ambiente (higiene, conservação etc.), transporte
de pessoas e objetos, e comunicação. Buccini e outros (2015) citam o
conceito de utilidade pública trabalhado pelo Banco Mundial em 2004
e afirmam que os serviços assim chamados envolvem atividades eco-
nômicas de “interesse público” e abrangem os aspectos mencionados
anteriormente. O interesse público pode ser considerado como o que
beneficia uma população, uma comunidade, sem distinções de qualquer
tipo, ainda que, para isso, interesses de alguns indivíduos sejam relativi-
zados (ANDRADE, 2015).

Os serviços de utilidade pública e as intervenções que podem causar


ao meio ambiente foram regulados no Brasil pela Resolução Conama
nº 369/2006, pela Lei nº 11.428/2006 e pelo novo Código Florestal
(Lei nº 12.651/2012). Nessas normas foram determinadas as possíveis
intervenções consideradas de utilidade pública em regiões de APP e na
mata atlântica, como também as diretrizes relativas aos procedimentos
que devem observados para o enquadramento nessa excepcionalida-
de (BRASIL, 2006, 2012; CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE,
2006). Anteriormente à vigência do novo Código Florestal e da Resolu-
ção Conama nº 369/2006, quando os critérios e procedimentos relativos
aos casos de intervenção em APP eram regidos pela Lei nº 4.771/1965,
as intervenções excepcionais se restringiam às atividades de seguran-
ça nacional e proteção sanitária e às obras essenciais de infraestrutura
destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
243
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

A resolução do Conama supracitada dispõe sobre os casos excepcio-


nais de utilidade pública, que possibilitam a intervenção ou supressão
de vegetação em área de preservação permanente. Assim, essa norma
define os casos em que o órgão ambiental competente pode autorizar
a intervenção ou supressão de vegetação em APP para a implantação
de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública, além de
situações de interesse social e de baixo impacto. (CONSELHO NACIO-
NAL DO MEIO AMBIENTE, 2006).

A Resolução Conama nº 369/2006 aumentou o conteúdo das exceções


contidas no Código Florestal de 1965. Passaram a serem tratadas como
de utilidade pública situações que antes não eram assim qualificadas, a
exemplo da atividade de mineração e da implantação das instalações
necessárias à captação e à condução de água e de efluentes tratados
para projetos privados de aquicultura, com vistas a viabilizar atividades
econômicas como a carcinicultura, já bastante desenvolvidas no país em
áreas de manguezais. A intenção da excepcionalidade é admitir a utiliza-
ção de APP em determinados casos, pressupondo que há um interesse
coletivo em relativizar a proteção ambiental de uma área em benefício
do desenvolvimento socioeconômico, ou que tais intervenções, devido a
seu baixo poder de degradação, não resultariam em comprometimento
das funções ecossistêmicas existentes (AZEVEDO, 2013).

Assim como a resolução do Conama, a Lei nº 12.651/2012 alterou


substancialmente o tratamento até então dispensado aos casos de
utilidade pública no que se refere aos procedimentos e condicionantes
sobre essa específica e excepcional forma de utilização de APP. Entre
outras mudanças, a lei prevê como de utilidade pública obras de in-
fraestrutura destinadas ao sistema viário, inclusive aquele necessário
aos parcelamentos de solos urbanos aprovados pelos municípios, e às
instalações necessárias à realização de competições esportivas esta-
duais, nacionais ou internacionais (BRASIL, 2012). Diante dessas altera-
ções, obras, planos e atividades enquadradas como de utilidade pública
poderão obter autorização do órgão ambiental para intervenção ou su-
pressão de vegetação em APP, mediante LA, limitando-se interferências
em áreas de valor ecológico e considerando os objetivos do desenvol-
vimento sustentável (DS).

Entretanto, o propósito de aliar as intervenções de utilidade púbica aos


objetivos do DS pode perder o sentido quando o público passa a ser
ameaçado pelo privado. Essa preocupação é destacada por Borges
(2007), ao considerar que o interesse público tem sido objeto de mani-
pulações e manejado por certas administrações públicas como verda-
deiro escudo para suas tomadas de decisões. Andrade (2015) diz que a
Bahia anál. dados, afirmação de interesse público acaba, por diversas vezes, servindo de
244 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019 disfarce para que uma minoria que detém o poder da tomada de de-
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

cisão encubra interesses particulares e possa agir, pretensamente, em


nome de uma coletividade. Assim sendo, a abordagem mais razoável
seria que a aplicação do conceito de utilidade pública fosse considera-
da com ênfase excepcional no aspecto social da sustentabilidade, sem,
contudo, comprometer a dimensão ecológica. A inclusão pelo novo Có-
digo Florestal de instalações de competições esportivas entre os casos
de utilidade pública é um exemplo de risco de desvirtuamento por parte
dos governantes que compromete a supremacia do interesse público.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A pesquisa desenvolvida se constituiu em um estudo qualitativo e ex-


ploratório que utilizou um conjunto de procedimentos e técnicas en-
volvendo o levantamento de dados a partir da pesquisa documental e
bibliográfica, além de entrevistas semiestruturadas aplicadas em agen-
tes gestores. Assim, foram consideradas as informações disponíveis em
processos de licenciamento ambiental existentes nos órgãos competen-
tes referentes a obras de utilidade pública na área em estudo – região
do litoral norte da Bahia.

A referida área compreende sete municípios: Lauro de Freitas, Camaça-


ri, Mata de São João, Entre Rios, Esplanada, Conde e Jandaíra. A região
é conhecida pelos ecossistemas variados, como dunas, lagos, recifes
de corais, mangues, brejos e praias, em aproximadamente 200 km de
litoral (SILVA et al., 2012). Essa diversidade de ecossistemas sofre com
a aceleração do processo de ocupação, que vem alterando progressi-
vamente as características ambientais do território (BAHIA, 2005). A
riqueza ecológica e a facilidade de acesso tornaram a região um impor-
tante polo turístico. Nesse contexto, foram instituídas diversas áreas de
proteção ambiental (APA), como forma de ordenamento ecológico-e-
conômico dessa porção litorânea.

Como categorias de análise foram considerados critérios e procedi-


mentos adotados pelo órgão ambiental e o atendimento ou observân-
cia das normas ambientais existentes. Nesse último caso, foi procedi-
da uma análise contemplando aspectos importantes, como as bases
legais utilizadas, como se deu o atendimento aos critérios expressos
nas normas vigentes pelo órgão ambiental, o posicionamento do órgão
ambiental presente nos pareceres, além da aplicação das bases legais.
Tudo isso levando em conta a participação social no processo para
licenciar as obras.

A pesquisa documental foi desenvolvida mediante a análise de docu-


mentos oficiais, expedidos após o ano de 2000, tais como as licenças Bahia anál. dados,

ambientais emitidas pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídri-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
245
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

cos (Inema), além das normas legais de referência. O recorte cronoló-


gico foi realizado por considerar que, a partir do ano 2000, quando
a região se tornou um polo turístico, surgiram empreendimentos que
levaram à intensificação da ocupação da área, gerando a necessidade
de infraestrutura para a população.

A entrevista foi realizada a partir de questões semiestruturadas e foram


ouvidos representantes do órgão gestor das áreas de proteção ambien-
tal e do órgão licenciador. O questionário foi aprovado pelo Comitê de
Ética da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (Certi-
ficado de Apresentação para Apreciação Ética 66077217.0.0000.5531).

Para a seleção dos casos de licenciamento ambiental analisados fo-


ram considerados os seguintes critérios: a) localização dos projetos na
região de estudo; b) enquadramento em caso de serviço de utilidade
pública com intervenção em área de preservação permanente; c) ano
da licença ambiental, a partir do ano 2000; d) tipo de licenciamento,
preferencialmente licenças prévias, de implantação e simplificadas; e)
processos de licenciamento ambiental com informações essenciais; e f)
projetos concluídos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos procedimentos e critérios descritos, 12 processos foram


selecionados e analisados para a obtenção dos resultados a seguir
apresentados. Desses casos, três pertenciam a obras de infraestrutura
destinadas aos serviços de fornecimento de água e saneamento, oito
tratavam de obras de serviços de energia, e um caso era referente a
duplicação de rodovia.

Os empreendimentos estudados causaram intervenções relacionadas


à supressão da vegetação para a abertura de vias de acesso, faixas de
manutenção e para a implantação das estruturas fundamentais para
as obras de energia, saneamento e duplicação de rodovia. Os projetos
resultaram em intervenção em APP, de modo negativo, em dunas, faixas
marginais de rios, riachos e brejos.

Inicialmente, é importante destacar que os processos selecionados fo-


ram analisados quanto à aplicação das normas legais. A comprovação
de inexistência de alternativas locacionais se configura como uma das
principais exigências, pois a APP tem prioridade e somente deve sofrer
intervenção se não houver outra opção. Essa condição foi reforçada
pelo entrevistado do órgão gestor das unidades de conservação (UC),
Bahia anál. dados, que relata que as alternativas locacionais devem constituir a primeira
246 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019 etapa. Só após a comprovação de que não existe outro local para a
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

implantação do projeto é que o empreendimento poderá passar pelos


demais critérios para ser licenciado.

Essa exigência, no entanto, não foi comprovada. Apenas quatro proces-


sos apresentaram alternativas locacionais para os empreendimentos,
sendo que três tinham deficiências na sua formulação. Essa situação
corrobora o exposto pelo entrevistado do órgão licenciador, que ressal-
tou tratar-se de um problema a ser solucionado, devendo os projetos ter
melhor elaboração. Segundo ele, a maioria dos projetos não descreve
essas alternativas. Assim, as empresas devem ser notificadas e cobradas
para que seja comprovada a inexistência de alternativas e a necessidade
de implantação naquele local. Todavia, apesar de o órgão demonstrar
preocupação com esse aspecto, não foram observadas notificações aos
projetos que não atenderam ao critério.

Com esse cenário, a opinião popular se torna ainda mais importante,


para que se evitem os desvirtuamentos das leis que regem as obras de
utilidade pública. Dos resultados encontrados, a participação das co-
munidades direta e indiretamente afetadas no processo de tomada de
decisão foi pouca relatada. Um único caso teve questionamentos feitos
pela comunidade e esclarecimentos prestados aos presentes na reunião.
Além desse, outro processo distribuiu um programa de comunicação
social que serviria para estreitar o contato com a comunidade, mas o
resultado disso não foi apresentado.

Algumas das categorias de APP que sofreram com a implantação de


projetos em seus limites tiveram grandes perdas de valores ecológicos
e culturais, como, por exemplo, no tocante a manifestações de religiões
afro-brasileiras, que apresentam intensas ligações com a natureza, cul-
tuando deuses que são transfigurações dos mares, rios, terra, ar, floresta
etc. (SILVA, 2009). Portanto, o elemento natural compõe parte intrínse-
ca e fundamental nas práticas religiosas (SILVA, 2009). Intervenções em
dunas, como em um dos casos identificados no trabalho, ocorreram sem
a preocupação de consultar a comunidade que realiza essas práticas.

Interferir em áreas naturais que apresentam potencial para serem lo-


cais de culto sem consultar a população significa negligenciar uma ga-
rantia expressa na Constituição. Em seu Artigo 5, a lei maior do país
traz que “[...] é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988).

Essa pouca participação pode ser explicada pela dimensão dos proje-
tos. Os considerados de pequeno porte, classes 1 e 2, são processos em
que não há a obrigatoriedade da participação social na decisão. Já nos Bahia anál. dados,

projetos de médio porte, classes 3, 4 e 5, são exigidas reuniões públi-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
247
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

cas, e os empreendimentos passíveis de estudo de impacto ambiental


(EIA) ou relatório de impacto ambiental (Rima) devem passar por au-
diências públicas. A participação social em obras de utilidade pública
deveria ocorrer independentemente desse enquadramento geral para
o licenciamento ambiental, diminuindo, assim, o distanciamento entre a
tomada de decisão e os reais anseios da sociedade.

O representante do órgão gestor de UC, em entrevista, considerou ne-


cessária a participação social em qualquer processo de LA de obras de
utilidade pública, seja criticando, seja sugerindo modificações na fase
de elaboração do projeto, ou denunciando qualquer irregularidade ob-
servada, reduzindo a influência dos interesses privados.

Desse modo, a pouca participação social na tomada de decisão, des-


crita acima, pode se configurar em prejuízo para as comunidades. Um
dos pilares do Estado democrático de direito é justamente a atuação
da população nas decisões públicas, trazendo a discussão ao âmbito
dos interessados de maneira geral. A participação popular não pode
ser vista como nociva ou indesejável, sob o risco de continuar haven-
do um distanciamento das decisões governamentais em obras com o
cunho de utilidade pública, levando à implantação de projetos danosos
à preservação de áreas com valor ecológico e social.

A realidade relacionada à participação popular também é descrita por


Almeida, Beltrame e Karam (2018) quando relatam que de 79 empreen-
dimentos licenciados entre 2009 e 2015, apenas 14 tiveram audiência
pública. No estudo é possível perceber que apenas 33% dos projetos
de infraestrutura considerados de utilidade pública tiveram a presença
popular no processo de licenciamento ambiental.

Diante disso, tenta-se entender o que leva um processo de licencia-


mento ambiental que envolve tantos fatores e diferentes segmentos da
sociedade a ter baixa participação pública, colocando em risco áreas
de grande valor ecológico e social. Algumas fragilidades estão ligadas
à contaminação do processo por interesses particulares, o que enfra-
quece e distancia a população. Outra deficiência descrita diz respeito
aos procedimentos utilizados que geram canais para comunicação entre
sociedade, empreendedores e órgão ambiental.

Analisando-se estudos que abordam a participação popular no licen-


ciamento de obras de utilidade pública, observam-se críticas quanto à
forma como se dá a viabilidade de obras relacionadas à infraestrutura.
No caso apresentado por Stori, Abessa e Nordi (2013), a liberação do
projeto foi regida por forças econômicas e políticas, com interesses in-
Bahia anál. dados, dividuais acima do posicionamento institucional e do interesse coletivo.
248 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019 Afirmação semelhante é encontrada no estudo de Piagentini, Benassi e
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

Penteado (2014) mostrando que os órgãos licenciadores são responsá-


veis pela tomada de decisão sobre a viabilidade de um empreendimen-
to, e que os interesses políticos se sobrepõem aos demais.

A população, obviamente, só pode tomar ciência se puder acessar o


que consta nos processos. Isso é possível a partir do princípio da publi-
cidade, que serve para assegurar a participação democrática no licen-
ciamento ambiental, disponibilizando à população as informações e os
meios para que os interessados tenham conhecimento e possam se po-
sicionar (JOHN; ODORISSI, 2012). Ribeiro e Pinheiro (2011) destacam a
importância da publicidade para que a participação popular seja efetiva,
e John e Odorissi (2012) consideram um princípio de suma importância
para a gestão do meio ambiente.

John e Odorissi (2012) citam Barros (2008) para alertar que a falta de
publicidade pelo órgão ambiental competente produz vício procedi-
mental que contamina a licença que vier posteriormente a ser expedi-
da. Além de prejudicar uma análise prévia, a publicidade inadequada
no processo de licenciamento ambiental pode comprometer todas as
etapas. A dificuldade de conseguir a ata de uma audiência pública e os
demais documentos de um processo foi citada no trabalho de John e
Odorissi (2012). Em alguns casos, foi necessário o encaminhamento de
um ofício do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ao Ibama solici-
tando acesso aos documentos. Essa situação caracteriza um obstáculo
a ser superado pela população, sendo que esses documentos deveriam
ser de fácil alcance.

Caso semelhante aconteceu no presente estudo. A dificuldade para ob-


tenção dos documentos ocorreu tanto na liberação quanto no acesso
por meio do sistema eletrônico de informações (SEI) do próprio órgão
ambiental. O pedido de autorização para análise do material só tramitou
mais rapidamente com a apresentação de um ofício da Universidade
Federal da Bahia. É importante registrar que, após essa etapa, houve
todo o apoio e disponibilidade dos profissionais envolvidos.

No Portal SEI, inicialmente é preciso fazer uma solicitação de cadastro.


Em seguida, devem-se entregar alguns documentos pessoais na unida-
de para a qual se requisitou o cadastramento. O procedimento pode ser
considerado muito burocrático quando se considera que o acesso aos
processos é um direito de qualquer cidadão.

Um modo de se fazer a publicidade do empreendimento no licencia-


mento é através do relatório de impacto ambiental, que se origina do
estudo de impacto ambiental. Esses estudos se aplicam para determina-
dos empreendimentos e possibilitam a participação da comunidade em Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
249
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

uma audiência pública, que ocorre, em geral, na fase da licença prévia,


etapa inicial do processo.

A audiência pública, considerada mais um canal de participação popular


no licenciamento ambiental, é alvo de diversas críticas. O procedimento,
que se propõe a democratizar as tomadas de decisão, parece ser ape-
nas pro forma (QUEIROZ; MILLER, 2018). Queiroz e Miller (2018, p. 284)
consideram que “[...] através desse expediente, do subterfúgio da oitiva
formal das sugestões dos indivíduos afetados, teoricamente, se legitima
a participação popular e se concede a licença ambiental embora essa
não contenha, obrigatoriamente, a vez e a voz dos sujeitos”.

Almeida, Gonçalves e Farias (2018) expõem um caso analisado em


seu trabalho que reafirma o supracitado, além de apresentarem outras
referências que fortalecem o resultado encontrado. Dentre as afirma-
ções estão as de que, na audiência pública, a sociedade não tem po-
der decisório, mas somente consultivo (TAMBELLINI, 2012), além de
a participação da população, muitas vezes, se limitar a uma consulta
pontual, realizada apenas como parte de uma obrigação legal (PAR-
TIDÁRIO; SHEATE, 2013). Além disso, são raríssimos os casos em que
a atuação pública consegue realmente intervir na tomada de decisão
final, tendo, portanto, uma função meramente consultiva ou informa-
tiva (ALMEIDA, 2013).

De modo geral, esse canal, tratado como oportunidade para a socie-


dade participar do licenciamento de diferentes tipos de empreendi-
mento, inclusive para as obras de utilidade pública, apresenta diversas
fragilidades. Na maioria dos casos, a população entra no processo no
momento da audiência pública, que só ocorre após a finalização do
EIA/Rima, comprometendo a possibilidade de discussão ainda na fase
de elaboração projeto. Assunção, Bursztyn e Abreu (2010) apontam
essas mesmas limitações e citam Pierre, Delisle e Revéret (2003), que
entendem que a participação da sociedade deve ocorrer em diferentes
etapas do licenciamento ambiental, desde a fase de planejamento até a
de fiscalização/vigilância.

Não se pode desconsiderar nessa discussão um fator elencado por Jaco-


bi (2003), que se refere à apatia e ao desinteresse da população quanto
à participação, resultado da descrença nos políticos e do descrédito das
instituições, além da reduzida consciência de cidadania. Desse modo,
é preciso fortalecer o sentimento de pertencimento que leve a popu-
lação a dialogar e se posicionar. Quando são analisadas as fragilidades
do procedimento de licenciamento, percebem-se o distanciamento e a
incipiente participação social no processo. Essa condição cria uma rea-
Bahia anál. dados, lidade de vulnerabilidade às APP e aos benefícios socioambientais que
250 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019 essas áreas propiciam. Fazendo-se uma análise mais pontual e direcio-
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

nada para o litoral norte do estado da Bahia, percebe-se que o cenário


não é nada animador, e a região está sujeita a perdas ainda maiores por
falta de proteção, já que nem as normas legais vêm sendo aplicadas.

Milaré (2007, p. 183 apud GUIMARÃES JUNIOR, 2011) afirma também


que a participação popular na gestão ambiental ainda se encontra em
processo de evolução. Somente na década de 1980 se iniciou a abertura
dos espaços para que as comunidades possam se expressar e reivindi-
car em defesa do meio ambiente (GUIMARÃES JUNIOR, 2011). Assim, o
sistema que estabelece os meios participativos necessita de constantes
ajustes para se adequar e passar a atrair o interesse social e a busca
pelas aspirações que visem à união do coletivo e à defesa ambiental.

Torna-se importante que os principais entraves institucionais, normati-


vos e operacionais tenham uma maior atenção dos setores envolvidos,
e que o processo passe por melhorias em relação aos procedimentos
dos instrumentos e meios que tornam o licenciamento democrático. Os
obstáculos apresentados não esgotam o conjunto de adversidades en-
frentadas no processo de licenciamento, mas, com base na análise reali-
zada no presente trabalho, foi possível identificar os principais aspectos
que necessitam passar por reformulações.

Assim, considera-se fundamental que se encontrem meios de realmente


envolver a população afetada e os interessados, a fim de que esses ato-
res possam trazer contribuições para o processo, em vez de a participa-
ção se restringir às audiências públicas, nas quais eles apenas recebem
informações sobre o empreendimento (ALMEIDA, 2013). Stori, Abessa
e Nordi (2013) alertam para que os futuros projetos sejam discutidos de
forma adequada, igualitária e que seja levado em conta o valor dos bens
e serviços dos ecossistemas, incluindo toda a diversidade de usos nes-
ses territórios. Cabe um desmembramento mais detalhado dos entraves
observados e que fragilizam a participação social no licenciamento am-
biental de obras de utilidade pública em área de preservação perma-
nente, para que esses problemas possam ser submetidos à apreciação
do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa apresentados no presente artigo permiti-


ram fazer uma avaliação de pontos relevantes para a democratização
do licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de
preservação permanente. Foram percebidas fragilidades e deficiências
no processo de licenciamento, constatando-se uma prática sistemática
com procedimentos desfavoráveis aos propósitos das normas vigentes Bahia anál. dados,

e da participação social.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019
251
Artigos Participação social no licenciamento ambiental de obras de utilidade pública em área de preservação permanente

Procedimento preventivo que autoriza ou não e acompanha a implan-


tação e a operação de atividades que utilizam recursos naturais ou que
sejam poluidoras, o licenciamento ambiental tem meios que permitem a
participação popular nas tomadas de decisão. Alguns desses meios fo-
ram tratados neste trabalho e estão ligados à publicidade, às formas de
acesso às informações dos processos e às audiências públicas. Apesar
de serem importantes para a aproximação social e o controle ambiental,
esses canais demonstraram ter fragilidades.

Não se pode ignorar a participação popular durante o processo de licen-


ciamento. É necessário promover canais e estratégias que possibilitem a
presença da população em diferentes etapas do LA, assegurando, por
exemplo, a efetividade do princípio da prevenção e precaução, bem
como os reais anseios da comunidade. Isso é parte importante do re-
lacionamento do empreendimento com a comunidade do seu entorno. 

O modelo existente hoje pode ser considerado inadequado, uma vez


que a participação da comunidade ocorre apenas de maneira passagei-
ra e tardia no processo decisório. Em vez de se constituírem em espaço
para a participação popular, as audiências públicas, no contexto estuda-
do, têm papel meramente protocolar, necessitando de aperfeiçoamen-
to. A forma como esse mecanismo vem sendo aplicado não representa
garantia alguma de que os participantes serão ouvidos e poderão con-
tribuir nas decisões.

Este trabalho representa uma ampliação do conhecimento sobre o as-


sunto abordado e abre a possibilidade de alertar para a necessidade
de aperfeiçoamento das ferramentas de participação pública nos pro-
cessos de licenciamento ambiental. É preciso buscar instrumentos que
considerem os diversos tipos de público envolvido e a particularidade
de cada projeto e de sua região para fortalecer a democracia. Deve-se
garantir o mínimo de suporte para que os afetados pelas intervenções
e os interessados possam se manifestar, para que o interesse do capital
não continue prevalecendo sobre os direitos sociais e individuais.

Contudo, mesmo com as fragilidades observadas, é importante reco-


nhecer a importância dos critérios estabelecidos na apreciação dos
processos de licenciamento ambiental para nortear o equacionamento
da sustentabilidade socioambiental dos empreendimentos. Para tanto,
torna-se imprescindível o aprimoramento dos procedimentos para a le-
gítima inclusão social, visando promover a efetividade dos objetivos
primordiais de se lograr os princípios do desenvolvimento sustentável,
compatibilizando as dimensões sociais, ecológicas e econômicas.

Bahia anál. dados, Cabe salientar que se consideram importante e necessário que existam
252 Salvador, v. 29, n. 2,
p.236-259, jul.-dez. 2019 na legislação normas para regulamentar os casos excepcionais, como os
Renato Silva da Silva, Severino Soares Agra Filho Artigos

referentes às obras de efetiva utilidade pública. Assim, o questionamen-


to que resulta da análise procedida é em relação ao distanciamento da
participação social nos processos de licenciamento ambiental e à razão
pela qual um dito benefício social é considerado superior ao ambiental.
Dessa forma, colocam-se em risco diversos serviços sociais e ecossistê-
micos que também podem ser classificados como de utilidade pública
devido à sua importância. A perda desses serviços pode resultar em
prejuízos futuros em proporções maiores do que os benefícios sociais
imediatistas e que poderiam ser gerados de outra forma.

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RESUMO

As instituições ganham importância nos esforços para solução de problemas


ambientais. Através dessa perspectiva, a governança ambiental é compreen-
dida como o estabelecimento, a reafirmação ou a mudança das regras, normas
ou estratégias compartilhadas para resolver os conflitos que cercam o uso dos
recursos naturais. Consideradas uma inovação brasileira, as áreas de proteção
ambiental (APA) são unidades de conservação de uso sustentável que visam
disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais, constituindo-se em um excelente lócus para a compreensão
da abordagem institucional da governança ambiental. Este estudo objetiva
apresentar algumas questões que envolvem o uso de regras e normas que
impactam o processo de governança da Área de Proteção Ambiental Costa
dos Corais, criada pelo governo federal em 1997. Foram feitas duas pesqui-
sas: exploratória e descritiva. Na primeira, utilizaram-se os procedimentos de
análise bibliográfica e documental. Na segunda foi realizada uma observação
qualitativa (participante observador) em reuniões feitas pelo ICMBio Costa
dos Corais e pelo Conselho da APA Costa dos Corais (Conapac), além de uma
entrevista. Os estudos de casos apresentados no artigo ilustram a influência
das instituições no processo de governança da referida APA, que muitas vezes
produz efeitos por um longo período de tempo e passa despercebida ou não
é direcionada pelos gestores dessa unidade.
Palavras-chave: Instituições. Governança ambiental. Área de proteção am-
biental. Costa dos Corais.

ABSTRACT

Institutions gain importance in efforts to solve environmental problems.


From this this perspective, environmental governance is understood as the
establishment, reaffirmation, or change of shared rules, norms, or strategies
to resolve conflicts surrounding the use of natural resources. Considered
a Brazilian innovation, the Environmental Protection Areas, APAs, in Brazil
are sustainable use conservation units that aim to discipline the occupation
process and ensure the sustainable use of natural resources, constituting an
excellent locus for understanding the institutional approach. of environmental
governance. This study aims to present some issues that involve the use of
rules and standards that impact the governance process of The Coral Coast
Environmental Protection Area, created by the federal government in 1997.
Two researches were conducted: exploratory and descriptive. In the first, the
bibliographic and documentary analysis procedures were used. In the second,
a qualitative observation (observer participant) was held at meetings hels by in
the second research technique a qualitative observation (observer participant)
was held in meetings held by ICMBio Costa dos Corais and APA Costa dos
Corais Council (Conapac), as well as an interview. The case studies presented in
the influence of the institutions in the governance process of the referred APA,
which often produces effects over a long period of time and goes unnoticed or
is not directed by the managers of these units.
Keywords: Institutions. Environmental governance. Environmental protection
areas. Coral Coast.
Artigos

Instituições e governança
ambiental: uma discussão
preliminar da Área de Proteção
Ambiental Costa dos Corais
D E I V D S O N B R I TO G AT TO NAS CIÊNCIAS sociais, as instituições são
Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente, pela Universidade Federal tratadas como conjuntos de direitos, regras
de Alagoas (UFAL) e doutorando
em Políticas Públicas, Estratégias e e procedimentos para tomada de decisões
Desenvolvimento, pela Universidade
que fazem surgir práticas sociais, atribuindo
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

VA L É R I A G O N Ç A LV E S DA V I N H A papéis aos agentes dessas práticas e guian-


Doutora em Ciências Sociais em do as interações entre os ocupantes desses
Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, pela Universidade Federal papéis. Nessa perspectiva, as instituições
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e mestre
em História, pela Universidade Federal ganham importância nos esforços para
Fluminense (UFF). Professora-associada
do Instituto de Economia da Universidade solução de problemas ambientais, como
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
também configuram e impactam esses pro-
M A R I A C E C Í L I A J U N Q U E I R A LU S TO S A
blemas (YOUNG, 2003). Para Young (2003),
Mestre e doutora em Economia
da Indústria e da Tecnologia, pela A Tragédia dos Comuns, de Hardin (1968), é
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Professora e pesquisadora justamente uma história sobre direitos e re-
do Mestrado em Economia Aplicada
e do curso de graduação em Ciências gras inapropriadas que governam a ação de
Econômicas da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da usuários de recursos renováveis que foram
Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
esgotados. O autor ainda salienta a necessi-
dade de distinção entre instituições e orga-
nizações, sendo as primeiras, como citado,
tratadas como conjuntos de direitos, regras
e procedimentos de tomada de decisão,
e as segundas, entidades construídas que
possuem pessoal, escritórios, equipamentos,
recursos financeiros e personalidade legal.
Nas palavras de North (1990), “[...] as insti-
tuições estão para as “regras do jogo”, assim

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
261
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

como as organizações estão para os “jogadores””. Essa distinção é im-


portante porque nem sempre o estabelecimento de organizações é uma
condição para a criação e operação de instituições eficientes, já que
existem exemplos de sociedades em menor escala que desenvolveram
arranjos sofisticados para governar a apropriação e uso de recursos
naturais sem a presença de um governo (YOUNG, 2003).

Desse modo, em sua perspectiva institucional, a governança ambiental


é compreendida como o estabelecimento, a reafirmação ou a mudança
das instituições para resolver os conflitos que cercam o uso dos re-
cursos naturais. Assim, as distinções entre “governança” e “governo”
nas questões ambientais perdem sentido, uma vez que muitas soluções
utilizadas nos conflitos ambientais não envolvem o Estado, enquanto
em outras o papel do Estado é fundamental (PAAVOLA, 2007). Cas-
tro, Hogenboom e Baud (2015) veem a governança ambiental como
um processo integrado a um contexto histórico, social e ambiental, for-
mado pelas lutas políticas nas quais os atributos ambientais e sociais
e os acordos institucionais são essenciais para compreender como a
governança ambiental se configura em uma região. “As mudanças nos
contextos social, institucional e ambiental reformulam continuamente o
conjunto de oportunidades e limitações para diferentes atores, provo-
cando novas interações sociais e adaptações institucionais” (CASTRO;
HOGENBOOM; BAUD, 2015, p. 24).

Assim, essa agenda de pesquisa lida com as dimensões institucionais


da mudança ambiental, ou seja, procura compreender como as insti-
tuições humanas e o modo de organização das atividades socioeco-
nômicas afetam as questões ambientais (mudança climática, perda da
biodiversidade, por exemplo). Neste sentido, os arranjos institucionais
ganham relevância no processo de governança das referidas questões
ambientais, e as percepções derivadas podem ser extremamente úteis
aos formuladores de políticas de conservação dos recursos naturais e
promoção da sustentabilidade (DIETZ; OSTROM; STERN, 2003; OS-
TROM, 1990, 2011; PAAVOLA; GOULDSON; KLUVÁNKOVÁ-ORAVSKÁ,
2009; YOUNG, 2003).

Diante disso, as áreas protegidas instituem uma nova dinâmica de pro-


teção territorial, uma vez que utilizam instrumentos legais ou outros
modos de organização para alcançar a conservação de longo prazo
dos recursos naturais em uma região. No Brasil, o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC) – Lei nº 9.985/2000 – utiliza o termo
unidade de conservação (UC) para definir uma área protegida.

[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas


Bahia anál. dados, jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente ins-
262 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019 tituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam ga-


rantias adequadas de proteção. (INSTITUTO CHICO MENDES DE CON-
SERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2009, p. 7).

A Lei nº 9.985/2000 instituiu o conjunto de regras que estabelece os


critérios e as normas para criação, implantação e gestão das unidades
de conservação, ou seja, é a principal instituição normativa para con-
servação da biodiversidade no país. A lei divide as UCs em dois grandes
grupos: unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável. O
primeiro grupo é composto por UC que visam preservar a natureza, com
uso apenas indireto de seus recursos naturais. O segundo é composto
pelas UC que buscam compatibilizar a conservação da natureza com o
uso sustentável dos recursos naturais inseridos em seu espaço geográ-
fico. Dentre as categorias integrantes deste grupo, as áreas de proteção
ambiental (APA) constituem um excelente lócus para a compreensão
da abordagem institucional da governança ambiental. De acordo com o
Artigo 15 da lei do SNUC, as APA são classificadas como áreas extensas,
com um certo grau de ocupação humana, dotadas de atributos abió-
ticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para
a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Elas são
criadas para proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de
ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
Essas características tornam as regras e seus arranjos relevantes no pro-
cesso de tomada de decisões nessa categoria de UC (ICMBIO, 2009).

De acordo com o CNUC (BRASIL, 2019), até setembro de 2019, o país


possuía 74 APA no ambiente marinho costeiro. Dentre essas, uma APA
federal localizada na zona costeira, entre os estados de Alagoas e Per-
nambuco, vem chamando a atenção por seu recorte territorial (14 mu-
nicípios); pelo conjunto de entes federados com competência para inte-
ragir na sua governança (17); pelo engajamento de atores da sociedade
civil e do setor privado; e por seus resultados em termos de conservação
da biodiversidade.

A APA Costa dos Corais foi criada para proteção do maior conjunto de
recifes coralígenos do país e para manter a integridade do habitat do
peixe-boi marinho. No entanto, com o crescimento do turismo, a região
tem experimentado um processo de expansão imobiliária que, se não
for disciplinado, poderá trazer prejuízos ambientais e agravar alguns
problemas sociais, como a favelização. Dessa forma, entende-se que, à
medida que alguns resultados são obtidos em termos de conservação
ambiental, vários drivers com potencial de modificação desse sistema
socioecológico enxergam em sua biodiversidade o principal elemento
a ser explorado para o crescimento da renda pelos mais diversos agen-
tes econômicos. Para lidar com essas questões, Paavola, Gouldson e Bahia anál. dados,

Kluvánková-Oravská (2009) argumentam a necessidade de identifica-


Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
263
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

ção da ampla variedade de estruturas e instituições que impactam, nem


sempre de maneira intencional, a administração de áreas protegidas.
Essa concepção de governança ambiental busca compreender a influ-
ência de vários fatores que conspiram para moldar o comportamento
dos atores envolvidos, definindo, assim, os resultados ambientais.

Tomando como base a literatura sobre instituições e governança am-


biental, este artigo tem como objetivo apresentar algumas questões
institucionais identificadas a partir da técnica de estudo de caso. Para
isso, foram feitas duas pesquisas: exploratória e descritiva. Na primei-
ra, foram utilizados os procedimentos de análise bibliográfica (artigos
científicos e livros sobre a temática) e documental (portarias e instru-
ções normativas do ICMBio Costa dos Corais e atas das reuniões do
Conselho Consultivo da Costa dos Corais (Conapac)). Na segunda téc-
nica de pesquisa foi realizada uma observação qualitativa (participante
observador) das reuniões setoriais de revisão do plano de manejo da
APA Costa dos Corais e das reuniões ordinárias do Conapac. De forma
adicional, foi feita uma entrevista com um empresário do setor de hos-
pedagem da Costa dos Corais com o intuito de captar possíveis arranjos
institucionais locais.

Além dessa introdução, o artigo subdivide-se em cinco partes: a próxi-


ma seção apresenta uma breve revisão da literatura sobre instituições e
governança ambiental; na terceira seção é feita uma caracterização da
APA Costa dos Corais com foco em seus quatro subespaços geográ-
ficos; na seção seguinte são apresentados e analisados quatro casos
identificados após a observação qualitativa das reuniões e realização
de entrevista. Esses casos podem revelar arranjos de análise que con-
tribuem para a compreensão da influência das instituições no processo
de governança de áreas protegidas. Por último, apresentam-se as con-
siderações finais.

INSTITUIÇÕES E GOVERNANÇA AMBIENTAL

De acordo com Polanyi (1944), os sistemas econômicos sempre foram


integrados historicamente através das normas interpessoais, da cultu-
ra e da ecologia de cada sociedade, mas o postulado da economia de
mercado autorregulável se afasta dessa premissa, fazendo com que as
pessoas e a sociedade sirvam às necessidades do mercado. No entanto,
para o autor, o movimento liberal econômico, apoiado pela classe ca-
pitalista, tendo como método o laissez-faire e o livre comércio, geraria
como resposta um movimento de apelo à proteção social. O objetivo
desse movimento seria de preservação da integridade física humana e
Bahia anál. dados, de conservação da natureza, no sentido de conter os excessos do merca-
264 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019 do. Nessa perspectiva, o Estado ganharia destaque ao atuar para equi-
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

librar as demandas desseentais.mbiental mercado autorregulável sobre


as pessoas e a natureza e as exigências dos contramovimentos gera-
dos pela sociedade, com o intuito de proteger as commodities fictícias1
de seu impacto. Dessa forma, o processo político é considerado como
peça fundamental para que a ação do Estado, simbolizada pela figura
de um pêndulo, possa se movimentar em ambas as direções, ora aten-
dendo aos interesses das classes produtivas, ora intervindo em benefí-
cio da proteção social e conservação ambiental.

Para Mann (1992), a autonomia do Estado à qual Polanyi (1944) se refere


teria como fonte seus dois poderes intrínsecos: o poder despótico e o
poder infraestrutural, dados pela capacidade peculiar do Estado de or-
ganização “territorialmente centralizada” (MANN, 1984, p. 109). Apesar
de reconhecer a variedade de conceitos que envolvem o termo “Esta-
do”, Mann (1992) acredita que todas as correntes teóricas falharam, uma
vez que atribuiu um aspecto reducionista ao conceito, concentrando-se
no que o Estado se assemelha (institucionalmente) ou no que faz (suas
funções). Para ele, o que deve predominar é uma visão mista, proposta
inicialmente por Weber, na qual o Estado comporta quatro elementos
principais:

1. Um conjunto diferenciado de instituições e recursos humanos,


incorporando;
2. Centralidade, no sentido de que as relações políticas partem de um
centro para cobrir;
3. Uma área territorialmente demarcada, sobre a qual exerce;
4. Um monopólio de autoridade de criação de regras obrigatórias, apoia-
da sob o monopólio dos meios da violência física. (MANN, 1992, p. 112).

Segundo o autor, essa definição contém um elemento institucional pre-


valecente – “os Estados podem ser reconhecidos pela locação central
de suas instituições diferenciadas” –, com um elemento funcional es-
sencial – “monopólio da criação de regras obrigatórias” (MANN, 1992).
Essas considerações são importantes, já que o papel do Estado vem
ganhando outros contornos a partir da atuação de novos atores na exe-
cução das políticas públicas, por exemplo. Em relação a esse papel do
Estado, Weale (2009) considera que, mesmo em um contexto de mu-
danças nos processos políticos – que levaram a uma desconcentração

1 Polanyi (1944) argumenta que os três principais fatores de produção percebidos pela teoria
neoclássica (terra, trabalho e dinheiro) não são commodities genuínas. A terra nada mais é que
um conceito de subdivisão da natureza; o trabalho, uma forma de atividade humana; e o dinheiro,
uma criação do Estado. Com base nesse raciocínio, Brechin e Fenner (2017) argumentam que,
caso houvesse uma situação de total livre mercado, essas três “mercadorias” não poderiam
sobreviver. A exploração sem mecanismos regulatórios levaria à sua completa exaustão. Para
esses autores, a “terra” é um conceito utilizado para definir a natureza e o meio ambiente, que
foram “commodificados” sob a lógica do livre mercado. Segundo essa linha de raciocínio, essa
Bahia anál. dados,
subjugação às demandas do mercado provocaria a fragmentação e a sobre-exploração de todos
os recursos naturais, o que terminaria ameaçando o sistema ecológico terrestre.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
265
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

da autoridade e a um aumento da complexidade no fazer e executar


decisões –, entender os governos não se tornou menos importante, pois
os Estados reúnem as condições vitais para a governança da biodiver-
sidade e para a implementação da sustentabilidade, por exemplo. No
entanto, ao afirmar que o Estado continua sendo importante para a
proteção ambiental, Weale (2009, p. 62) não nega a ascensão da ideia
de governança, mas diz que, em algumas ocasiões, “[...] a autoridade
única e distintiva do Estado é uma condição vital na conquista da pro-
teção ambiental”. Em resumo, o Estado possui as condições essenciais
para atuar na regulação ambiental. As instituições adquirem relevância
nesse processo, pois promovem estabilidade ao ambiente político, mas
também carregam em si a possibilidade de mudança influenciada pelo
contexto político e institucional.

Nessa perspectiva, é importante compreender como a ascensão de ou-


tros atores na implementação das políticas públicas vem reconfiguran-
do a ação estatal. Esse processo se traduz através da concepção da go-
vernança, que, no caso da proteção da biodiversidade, se revela como
conceito indispensável. Em relação à governança ambiental, Lemos e
Agrawal (2006, p. 298) utilizam o termo para se referir ao “[...] conjun-
to de processos regulatórios, mecanismos e organizações que através
de atores políticos influenciam as ações e resultados ambientais”. Para
eles, o termo “governança” não é sinônimo de governo, pois, além de
incluir as ações do Estado, engloba a atuação de outros atores, como
comunidades, setor privado e organizações da sociedade civil. Em sua
concepção ambiental, a governança se materializa na forma de acordos
internacionais, legislações e políticas nacionais, estruturas locais de to-
mada de decisão, instituições transnacionais e ONGs ambientais. Com
raciocínio similar, Liverman (2004) acredita que a governança expres-
sa a possibilidade de atores como consumidores, corporações e ONGs
exercerem poder e autoridade sobre as políticas e decisões ambientais,
sem precisarem focar apenas em instituições tradicionais de governo,
como parlamentos, burocracias e leis, além dos movimentos de privati-
zação e ativismo social.

Ostrom (1990) já reconhecia que um dos grandes desafios a serem


enfrentados pela humanidade é encontrar os meios para limitar o uso
dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, garantir a viabilidade econô-
mica em longo prazo. A autora reconhece que nem o Estado, e muito
menos o mercado, tem obtido sucesso em habilitar os indivíduos no
uso produtivo dos sistemas de recursos naturais. Ela critica os funda-
mentos das análises políticas do uso dos recursos comuns, como as que
enxergam no “Leviatã” ou na privatização o único “caminho” para reso-
lução da maioria dos problemas ambientais. Entretanto, Ostrom (1990)
Bahia anál. dados, acredita que não existe uma resposta única para um dado problema,
266 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019 pois, para ela, soluções institucionais não são impostas facilmente, uma
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

vez que “acertar instituições” é um processo difícil, demanda tempo e


tem grande potencial de provocar conflitos. Além disso, as instituições
raramente são puramente públicas ou privadas, sendo que muitas que
lidam com recursos de uso comum são “mistas” (quase privadas ou
quase públicas). Diante disso, a solução alternativa para lidar com o uso
comum estaria no estabelecimento de mecanismos que os indivíduos
poderiam utilizar em dilemas comuns. Com isso, os detalhes institu-
cionais ganhariam importância, e a possibilidade ou não de equilíbrio
dependeria das estruturas particulares das instituições. Assim, para
Ostrom (1990), os arranjos institucionais podem ser entendidos como
“jogos”, nos quais uma dada sequência de movimentos pode mudar o
padrão dos resultados alcançados, uma vez que um conjunto de regras
usado em um determinado ecossistema pode gerar consequências di-
ferentes em outro ambiente.

Dietz, Ostrom e Stern (2003) também reconhecem a importância dos


arranjos institucionais desenvolvidos localmente e coordenados por
comunidades para a conservação de recursos naturais. Segundo eles,
esses arranjos são justamente o modo como os indivíduos se organizam
para extrair os recursos ambientais e devolver seus resíduos gerados
ao próprio meio ambiente. Sendo assim, para que a governança desses
recursos possa ocorrer de maneira efetiva, as instituições devem indu-
zir compliance (cumprimento das regras), permitir a adaptação (prepa-
radas para a mudança), estar aninhadas, ou seja, presentes em vários
níveis (governo, mercado, sociedade civil) e demonstrar variedade ins-
titucional (emprego de uma variedade de regras de decisão).

Por último, para Young (2003), as instituições desempenham um papel


nas causas e nos enfretamentos dos problemas ambientais, uma vez que
as externalidades teriam como origem sistemas regulatórios ineficazes
e, em alguns casos, ineficientes. Vatn e Vedeld (2012) também acredi-
tam que, para melhorar a governança dos recursos ambientais, se faz
necessário o redesenho de instituições, já que um alto grau de ajuste
entre o ambiente institucional e o sistema biofísico refletiria uma estru-
tura de governança robusta, que resiste a influências externas, choques
e perturbações. Paavola (2007) reafirma o pensamento desses auto-
res, ressaltando que a governança ambiental é mais bem compreendida
através do estabelecimento, da reafirmação ou da mudança das insti-
tuições destinadas a resolver conflitos no uso dos recursos ambientais,
sendo “conflito” entendido como choque de interesses entre stakehol-
ders. Para Paavola (2007), existe certa confusão na utilização da abor-
dagem institucional para o conceito de governança, pois a literatura,
em geral, faz uma diferenciação entre governança e governo, uma vez
que o primeiro conceito é caracterizado pela falta de poder coercitivo
do Estado. No entanto, segundo Paavola (2007), essa diferenciação é Bahia anál. dados,

tênue, pois, de qualquer forma, os governos fazem governança, e, às


Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
267
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

vezes, a governança ambiental não envolve o Estado, o que não quer


dizer que o governo esteja ausente. Para ele, um exemplo disso ocorre
quando usuários de recursos naturais se governam através de institui-
ções consuetudinárias2, um autogoverno.

Em resumo, mesmo quando os usuários de recursos naturais se autogo-


vernam, eles terminam exercendo funções governamentais, como legis-
lação e administração. Dessa forma, o governo estaria implícito através
desse “autogoverno”. Assim, de acordo com essas abordagens teóricas,
pode existir governo sem governança, mas não existe governança sem
governo. As instituições não são puramente públicas ou privadas, e,
além disso, muitos arranjos institucionais para conservação de bens co-
muns são desenvolvidos e coordenados por comunidades. Portanto, é
necessário que essas comunidades induzam o cumprimento das regras,
adaptem-se a mudanças, estejam inseridas entre o trinômio Estado-
-mercado-sociedade e se valham de vários instrumentos institucionais.

CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA SOCIOECOLÓGICO DA ÁREA


DE PROTEÇÃO AMBIENTAL COSTA DOS CORAIS

A Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (APACC) foi criada pelo
governo federal através do Decreto S/N em 23 de outubro de 1997, com
cinco objetivos:

1. Garantir a conservação dos recifes coralígenos e de arenito, com


sua fauna e flora;
2. Manter a integridade do habitat e preservar a população do Peixe-
-boi marinho (Trichechus manatus);
3. Proteger os manguezais em toda a sua extensão, situados ao longo
das desembocaduras dos rios, com sua fauna e flora;
4. Ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, e demais ativida-
des econômicas compatíveis com a conservação ambiental; e
5. Incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da
diversidade cultural regional. (BRASIL, 1997).

Com a instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação


da Natureza (SNUC) – Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 –, a APACC
passou a integrar o grupo de unidades de conservação de uso susten-
tável. A referida lei define área de proteção ambiental como uma área
normalmente extensa,

[...] com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abió-


ticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a
Bahia anál. dados,
268 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019 2 Adquiridas pela prática, pelos costumes ou por comportamentos sociais.
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como


objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o pro-
cesso de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos
naturais. (BRASIL, 2011).

Além disso, as APA se caracterizam por se constituírem de terras públi-


cas e privadas e disporem de um conselho gestor presidido pelo órgão
responsável pela administração da unidade, com representação de ór-
gãos públicos, organizações da sociedade civil e da população local de
abrangência da área.

Breve caracterização do espaço geográfico

A APACC tem 413.563 hectares de área e aproximadamente 120 km de


praias e mangues, iniciando-se na margem direita da foz do Rio Formo-
so, no Oceano Atlântico, na Praia de Carneiros, município de Tamandaré
(Pernambuco), indo até a foz do Rio Meirim, no município de Maceió
(Alagoas) (Figura 1) (BRASIL, 1997).

Figura 1
Mapa de localização da APA Costa dos Corais entre os estados de Alagoas e
Pernambuco

Fonte: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (2013). Elaboração própria.

A unidade de conservação engloba 14 municípios, sendo dez em Ala-


goas e quatro em Pernambuco. Os municípios pernambucanos que in-
tegram a APACC são Rio Formoso, Tamandaré, Barreiros e São José
da Coroa Grande. Já os de Alagoas são Maragogi, Japaratinga, Porto Bahia anál. dados,

Calvo, Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres, Passo de Camaragibe,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
269
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

São Luís do Quitunde, Barra de Santo Antônio, Paripueira e o norte do


município de Maceió, mais precisamente os bairros de Ipioca e Pescaria.
Diante da extensão do território da UC, que apresenta características
distintas em relação à conservação dos ecossistemas e às dinâmicas
socioeconômicas, optou-se por utilizar a divisão adotada pelos círculos
de apoio à pesca artesanal na Costa dos Corais apresentada pelo ICM-
Bio Costa dos Corais.

• Área 1 – Costa dos Corais pernambucana: abrange os municípios


pernambucanos da UC – Rio Formoso, Tamandaré, Barreiros e São
José da Coroa Grande. Abriga a sede do ICMBio Costa dos Corais,
em Tamandaré, localizada no Centro de Pesquisa e Conservação
da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene). O centro foi
criado em 1983, desenvolvendo, desde então, atividades de edu-
cação, pesquisa, monitoramento e manejo da área marinha. Além
disso, em 1997, a instituição apresentou um trabalho no workshop
Recifes de Coral Brasileiros: Pesquisa, Manejo Integrado e Con-
servação, em parceria com o Departamento de Oceanografia da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), cujos resultados
fomentaram a criação da APACC no mesmo ano. Além da sede
do ICMBio Costa dos Corais, a região abriga a Reserva Biológica
de Saltinho desde 1983, em Tamandaré. Em 2018, a reserva foi
integrada ao ICMBio Costa dos Corais para otimizar os trabalhos
de gestão e conservação ambiental das UCs administradas pelo
instituto federal. Após a inclusão, foi instituído o novo arranjo ins-
titucional Núcleo de Gestão Integrada – ICMBio Costa dos Corais.

• Área 2 – Capital da Costa dos Corais: Maragogi e Japaratinga, em


Alagoas. O Rio Persinunga marca a divisão territorial dos estados
de Alagoas (município de Maragogi) e Pernambuco (município de
São José da Coroa Grande). A principal característica dessa região
são as imensas piscinas naturais de Maragogi, chamadas de galés.
A presença desse recurso natural transformou Maragogi no princi-
pal polo turístico da APACC. Apesar da forte presença do setor pri-
mário no município – cerca de 43% do PIB em 2015, segundo o Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018) –, os passeios às
piscinas naturais vêm transformando a dinâmica socioeconômica
da região, que recebeu o título de “Caribe brasileiro” de uma ope-
radora de turismo com página na web exclusiva sobre o destino.

• Área 3 – Rota ecológica: Porto de Pedras, São Miguel dos Mi-


lagres e Passo de Camaragibe, em Alagoas. Região conhecida
como “rota ecológica” (Figura 10) pelo setor do turismo, devido
às praias paradisíacas com características rurais. Esse ar bucólico
Bahia anál. dados, deve-se em grande parte à relativa dificuldade do trajeto pela
270 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019 Rodovia AL-101, que torna o acesso ao interior e a estados vizi-
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

nhos mais longo do que em outras rodovias de Alagoas, além


de ser necessário utilizar barca para atravessar o Rio Manguaba,
que divide os municípios de Porto de Pedras e Japaratinga. Outra
característica é a forte presença da agricultura na composição
do produto interno bruto desses três municípios, representando
cerca de 35%, em 2015, e o baixo contingente populacional – cer-
ca de 30 mil habitantes nos três municípios, em 2017 (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018);

• Área 4 – Sul da APACC: Barra de Santo Antônio, Paripueira e bair-


ros de Ipioca e Pescaria (litoral norte de Maceió). A última área
é o sul da UC, que adentra a Região Metropolitana de Maceió.
Trata-se de uma área de veraneio (Paripueira e Barra de Santo
Antônio), dada a proximidade com a capital, aspecto ainda pre-
sente, mas que vem perdendo força nesses municípios em função
da expansão imobiliária da parte sul da região metropolitana –
municípios de Marechal Deodoro e Barra de São Miguel –, pro-
porcionada pela duplicação da Rodovia AL-101 no trecho sul. No
entanto, uma aceleração da expansão imobiliária vem ocorrendo
nos bairros de Ipioca e Pescaria, no norte de Maceió. Esse movi-
mento teve início com a desativação do lixão da capital, no bairro
de Cruz das Almas (2010), a construção de um shopping voltado à
classe alta (2013) e, mais recentemente, a realização das obras de
duplicação do trecho norte da AL-101, elemento de infraestrutura
fundamental para a expansão, que vem tornando esses bairros
atraentes para a construção civil.

Na próxima seção são discutidas algumas questões relacionadas aos ar-


ranjos institucionais e à governança ambiental desse espaço territorial,
tendo como base de apoio as abordagens teóricas apresentadas.

INSTITUIÇÕES E GOVERNANÇA NA APA COSTA DOS CORAIS:


IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DOS CASOS

Este trabalho utilizou a técnica de pesquisa qualitativa denominada es-


tudo de caso. Para Almeida (2016), ao adotar essa técnica, supõe-se que
o pesquisador pretende estudar um fenômeno complexo de maneira
intensa e sob diversos ângulos. Dessa forma, estruturas analíticas pode-
rão ser reveladas, possibilitando a sua utilização em casos semelhantes.
Yin (2001) destaca algumas características importantes da estratégia
do estudo de caso para pesquisadores sociais, tais como exploração
de situações da vida real, descrição do contexto de uma determinada
investigação e possibilidade de explicação de variáveis causais de fenô-
menos específicos que não permitam experimentos. Neste caso, foram Bahia anál. dados,

realizadas as seguintes investigações:


Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
271
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

1. Pesquisa bibliográfica.

2. Pesquisa documental.

3. Pesquisa de campo de observação.

4. Levantamento (entrevista).

O pesquisador participou como ouvinte de duas reuniões setoriais de


revisão do plano de manejo realizadas pelo ICMBio Costa dos Corais
em Maceió. A primeira ocorreu no dia 6 de março de 2018, com repre-
sentantes do setor turístico e moradores dos bairros de Ipioca e Pes-
caria, no espaço cultural da Associação Atlética do Banco do Brasil
(AABB), em Pescaria. A segunda, no dia 7 de março de 2018, envolveu
representantes do setor imobiliário, da indústria hoteleira e produtores
agrícolas da APA Costa dos Corais, no Maceió Mar Hotel, no bairro de
Ponta Verde. O pesquisador esteve presente também como ouvinte na
25ª Reunião Ordinária do Conapac, que aconteceu no dia 15 de março
de 2018, na sede do conselho, no Centro Nacional de Pesquisa e Conser-
vação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), na cidade de
Tamandaré-PE, e na 28ª Reunião Ordinária do Conapac, realizada no dia
14 de março de 2019, no Hotel Albacora, em Japaratinga-AL. Em 18 de
fevereiro de 2019, foi realizada uma entrevista com o empresário José
Nilo Bulgarelli, proprietário da primeira pousada construída no municí-
pio de São Miguel dos Milagres – Pousada do Toque.

Caso A: competência administrativa do licenciamento


ambiental

Na reunião com o setor turístico e moradores dos bairros de Ipioca e


Pescaria (Maceió), identificou-se um problema de interação entre o Ins-
tituto de Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e o ICMBio Costa dos Corais.
O receptivo Hibicus Beach Club recebeu do órgão ambiental estadual
licença para construção de uma barreira de contenção de avanço do
mar, feita com troncos de coqueiros, sem consultar o ICMBio Costa dos
Corais, que determinou sua derrubada.

De acordo com o proprietário (informação verbal)3, presente na reunião,


sem essa barreira de contenção, a atividade do receptivo ficaria inviável,
tendo como consequência o desemprego de 140 funcionários. Outro
ponto levantando na reunião, por um empresário do bairro de Ipioca (in-
formação verbal)4, foi a deficiência de fiscalização do ICMBio Costa dos

3 Informação fornecida pelo proprietário do receptivo Hibicus Beach Club na reunião com o setor
turístico e moradores dos bairros de Ipioca e Pescaria, em 6 de março de 2018.
Bahia anál. dados,
272 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
4 Informação fornecida por um empresário do bairro de Ipioca na reunião com o setor turístico e
moradores dos bairros de Ipioca e Pescaria, em 6 de março de 2018.
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

Corais, destacando que a abrangência territorial da UC é muito grande


em relação ao efetivo de fiscais do instituto.

Na segunda reunião setorial, realizada com representantes do setor imo-


biliário, da indústria hoteleira e com produtores agrícolas, surgiu uma
questão relacionada ao arranjo institucional do licenciamento na região,
pois a atuação do ICMBio restringe-se aos limites territoriais da APA,
enquanto que, na área continental, o licenciamento é de competência do
órgão ambiental estadual e/ou municipal. Para a maioria dos presentes,
os problemas enfrentados pela UC são gerados no território e interfe-
rem diretamente na zona costeira e no mar, como a falta de saneamento
básico e de respeito ao limite da faixa litorânea por novos empreendi-
mentos. Na realidade, esse “conflito” está relacionado à distribuição de
competências para licenciamento ambiental no Brasil (Figura 2).

Figura 2
Esquema de representação da competência para licenciamento ambiental nos
municípios da APA Costa dos Corais

• Licenciamento para atividades


nos limites da APACC.

• Licenciamento para
atividades nos limites da
APACC.
• Licenciamento para
atividades fora da APACC,
mas que produzem efeitos
diretos na UC.

• Licenciamento para atividades de


APA Costa possível impacto no âmbito local.
• Até o momento, somente Maceió
dos Corais e Maragogi receberam autorização
do IMA para emitir licenças
ambientais nos limites da UC.

Fonte: elaboração própria a partir de imagens do ICMBio Costa dos Corais e do IMA em suas páginas na web (2019).

O Caso A demonstra uma possível falha de interação institucional en-


tre os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental e seus rebati-
mentos no processo de governança da área protegida. Nesse caso, as
questões levantadas apontam para a necessidade de adaptação desse
arranjo institucional para lidar com as respectivas falhas de interação, Bahia anál. dados,

que podem até mesmo estar aninhadas em outros níveis além do Esta-
Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
273
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

do, como mercado e sociedade civil. O desafio encontra-se em interna-


lizar os objetivos da APA no modus operandi dos agentes econômicos
e sociais, ou seja, induzir o cumprimento das regras para a conservação
da biodiversidade local.

Caso B: saneamento básico nos limites da UC

Ainda na reunião com o setor turístico e moradores dos bairros de Ipio-


ca e Pescaria (Maceió) foi discutido o desenvolvimento de um projeto
de saneamento básico para a região, pois, dada a ausência do poder
público, esse serviço vem sendo tratado como um custo necessário pe-
los empresários locais, ou seja, a internalização do custo de proteção
ambiental: o princípio do poluidor-pagador. Também foi abordado o
processo de ocupação ilegal das grotas nesses bairros. De acordo com
um empresário presente (informação verbal)5, essas áreas são conside-
radas como de preservação ambiental. De fato, o Plano Diretor de Ma-
ceió – Lei 5.486/2005, Art. 27 (MACEIÓ, 2005) – considera as encostas
com declividade igual e superior a 45 graus como áreas de preservação
permanente, podendo ser passíveis de reassentamento para garantir
a segurança à vida ou a preservação ambiental. Esses assentamentos
precários fazem parte da zona especial de interesse social (ZEIS), sendo
menos onerosos do que os praticados no setor privado e desprovidos
de serviços públicos, como saneamento básico (MACEIÓ, 2005). O es-
goto gerado nessas residências é lançado nos córregos e vai direto para
o mar, sendo essa a principal preocupação dos empresários e morado-
res da faixa litorânea presentes na reunião.

Ainda de acordo com o empresário que se manifestou (informação


verbal)6, esse movimento em torno do saneamento básico pretende
evitar os “erros” cometidos em outros bairros de Maceió, para que a
expansão imobiliária em Ipioca e Pescaria, aquecida em função do turis-
mo, não seja prejudicada. Ele destacou a importância de a Associação
Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH/AL) possuir assento no Conse-
lho Municipal de Meio Ambiente (Condema) da capital alagoana. Essas
questões provavelmente seriam abordadas nas reuniões ordinárias do
conselho. É necessário ressaltar que a associação tem representante no
Condema, enquanto que o ICMBio Costa dos Corais não participa desse
conselho. Uma solicitação nesse sentido já foi feita pelo instituto à pre-
feitura de Maceió, que, até o momento da reunião, não havia respondido.

A problemática do saneamento básico também esteve presente nas pri-


meiras reuniões ordinárias do Conapac nos anos de 2018 e 2019 (25ª e

5 Informação fornecida por um empresário na reunião com o setor turístico e moradores dos
bairros de Ipioca e Pescaria, em 6 de março de 2018.
Bahia anál. dados,
274 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
6 Informação fornecida por um empresário na reunião com o setor turístico e moradores dos
bairros de Ipioca e Pescaria, em 6 de março de 2018.
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

28ª reuniões). Foi apontada por alguns conselheiros uma diferença entre
os serviços prestados pela Companhia de Abastecimento e Saneamento
de Alagoas (Casal) e pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto7 (SAAE),
do município de Maragogi. Segundo o prefeito de Maragogi (informação
verbal)8 , o serviço municipal seria mais efetivo do que o prestado pela
empresa pública estadual. Em alguns povoados – São Bento e Peroba –,
o saneamento funciona melhor do que nas regiões atendidas pela Casal,
nas quais o esgoto está sendo despejado diretamente na rede pluvial.

Em relação aos problemas relacionados ao saneamento básico nos mu-


nicípios inseridos nos limites da APA Costa dos Corais, a literatura sobre
instituições e governo dos comuns aponta para o papel que as institui-
ções desempenham nas causas e nos enfretamentos dos problemas
ambientais, já que as externalidades teriam como origem sistemas regu-
latórios ineficazes e/ou ineficientes. No país, a agenda do saneamento
básico é norteada pela Lei nº 11.445/2007, que ainda não conseguiu ser
implementada em sua totalidade na região da UC. Apesar de sua im-
portância para o planejamento das ações de infraestrutura e divisão de
responsabilidades entre os entes da Federação, essa instituição vem so-
frendo alterações para criar um ambiente de regulação que possa atrair
o setor privado para auxiliar os gestores na implementação da política.

Caso C: zoneamento das piscinas naturais

Na segunda reunião setorial, realizada com o setor imobiliário, a indús-


tria hoteleira e produtores agrícolas, a gestão do ICMBio Costa dos
Corais apresentou algumas questões relacionadas às piscinas naturais.
Entre elas, a proposta – bem recebida pelas operadoras de turismo – de
um voucher único para visitação, com bilheterias em cada município
inserido na APACC, tendo Maragogi como município-piloto. O setor tu-
rístico expôs alguns pontos, como o desejo de ampliação do número
de piscinas naturais, com foco na preservação ambiental, em função do
aumento do número de turistas (ABIH/AL), e revisão da proibição de
embarcações marítimas de grande porte na região da UC (Associação
Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)). De acordo com o repre-
sentante da associação (informação verbal)9, essa proibição prejudica
o turismo na região, pois o público de alto poder aquisitivo demanda
vários serviços náuticos.

7 O Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Maragogi-AL é uma autarquia criada através da Lei
Municipal 285/99, de 14 de dezembro de 1999, tendo a função de captar, tratar, operar e distri-
buir água tratada em toda a área urbana, sendo também responsável pela coleta do esgoto
gerado. Fonte: http://saaemaragogi.com.br/index.php/quem-somos
8 Informação fornecida pelo prefeito de Maragogi na reunião com o setor turístico e moradores
dos bairros de Ipioca e Pescaria, em 15 de março de 2018.
Bahia anál. dados,
9 Informação fornecida pelo representante da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, na
segunda reunião setorial, em 7 de março de 2018.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
275
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

Ainda em relação ao acesso às piscinas naturais da APA Costa dos


Corais, o zoneamento (áreas de visitação e fechadas para manuten-
ção da biodiversidade) e a exploração econômica do recurso natural
foram tópicos abordados nas primeiras reuniões do Conapac em 2018
e 2019. Nessa última reunião, foi discutida a questão do zoneamento
da piscina da Barretinha, em Maragogi-AL, classificada como zona de
preservação da vida marinha (ZPVM). Na primeira reunião do Cona-
pac, em 2018, relataram-se irregularidades no uso da piscina. O proble-
ma evoluiu de tal modo que o município de Maragogi contratou uma
consultoria para analisar a possibilidade de autonomia de gestão das
piscinas naturais, através da criação de uma unidade de conservação
marinha municipal. Numa espécie de “Brexit” da APA Costa dos Corais,
a gestão municipal cogitou não se submeter às regras definidas pelo
gestor e pelo conselho da UC.

A possível saída do município da APA Costa dos Corais estaria relacio-


nada às crescentes demandas da população local, que vem deixando
a pesca para trabalhar nas atividades ligadas à visitação das piscinas
naturais. A solução encontrada pelo ICMBio para pôr fim ao impasse foi
a liberação de uma área da piscina da Barretinha para embarcações de
pequeno porte. Com a medida, o instituto pretendeu evitar a criação
de uma unidade de conservação municipal, o que poderia provocar um
efeito “manada” nos outros municípios.

De forma similar, a reivindicação de agentes econômicos para explora-


ção das piscinas naturais esbarra nas regras criadas para preservação
da vida marinha – que preveem um número máximo de visitantes diá-
rios –, estabelecidas pelo ICMBio através da Portaria nº 145, de 24 de
dezembro de 2014. As lanchas, por exemplo, podem transportar até seis
passageiros por viagem.

Na 25ª Reunião do Conapac, a Associação das Embarcações de Lanchas


de Maragogi apresentou uma solicitação de aumento para dez passa-
geiros. De acordo com o representante da associação, os catamarãs
ficam com a maior parte do “bolo” – 54 passageiros por embarcação – e
poderiam ceder quatro vagas aos lancheiros, para que eles pudessem
aumentar a receita da atividade e garantir a continuidade do serviço.

O representante dos proprietários de catamarãs, com assento no Co-


napac, informou que a cessão de passageiros também prejudicaria a
atividade, devido a seus altos custos. Como a associação dos lancheiros
não tem representante no conselho, resolveu procurar apoio político na
Câmara dos Deputados para que sua pauta fosse atendida pelo Cona-
pac e pelo ICMBio.
Bahia anál. dados,
276 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

O que se pode inferir sobre esses casos é que um dado arranjo insti-
tucional produz determinados resultados em relação ao cumprimento
de regras de proteção ambiental, e a interação entre níveis de governo,
como no caso do “Brexit” de Maragogi, pode estimular atores políticos a
buscarem alternativas para terem seus objetivos atendidos. Nessa pers-
pectiva, é importante que esses atores atentem que, no processo de
governança dos recursos ambientais, o redesenho de instituições pre-
cisa ser constante, “[...] já que um alto grau de ajuste entre o ambiente
institucional e o sistema biofísico refletiria uma estrutura de governan-
ça robusta que resiste à influência externa, choques e perturbações”
(VATN; VEDELD, 2012).

Caso D: autogoverno

Na entrevista realizada com José Nilo Bulgarelli, proprietário da primei-


ra pousada instalada no município de São Miguel dos Milagres, algumas
questões foram suscitadas para a compreensão da governança ambiental
na região da UC. Segundo o empresário (informação verbal)10, o peixe-boi
marinho é o principal responsável pela conservação ambiental da região,
por conta do Projeto Peixe-Boi, desenvolvido pelo ICMBio, que estabele-
ceu a rota ecológica para recolonização na área de ocorrência do mamí-
fero. Mas, de acordo com José Nilo, o ICMBio não dá conta de tudo o que
ocorre na UC, e a região paga o “preço do progresso” pela falta de políti-
cas públicas que limitem a construção de estabelecimentos, por exemplo.

O empresário participou da elaboração do Plano Diretor de São Miguel


dos Milagres e reconhece a efetividade do instrumento em relação à deli-
mitação de construções à beira mar (70 metros da praia). No entanto, para
ele, a prefeitura precisa agir para impedir construções que não respeitem
esse limite, pois é mais difícil demoli-las após a sua edificação, devido às
pressões dos interessados, que envolvem posição social, cargo público
etc., levando a prefeitura a ceder e emitir os alvarás de funcionamento.

O entrevistado destacou também que os novos condomínios seguem


regras mais rígidas, como a exigência de tratamento de esgoto, e que
isso seria fruto do plano diretor e da ação do Ministério Público do Es-
tado de Alagoas. Para o empresário, o principal problema está nos pe-
quenos loteamentos, já que o município só conta com sistema de abas-
tecimento de água, embora, segundo ele, ainda não haja registro de
lançamento de esgoto no mar.

Por fim, cabe destacar a atuação de José Nilo na região. Ele foi um dos
fundadores da Associação Milagrense de Turismo Sustentável (Amitus)

Bahia anál. dados,


10 Entrevista concedida pelo proprietário da Pousada do Toque, José Nilo Bulgarelli, em 18 de feve-
reiro de 2019.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
277
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

e ajudou a criar projetos socioambientais na rota ecológica. O empre-


sário também doou o terreno para a construção do Centro Integrado
de Segurança Pública (CISP) da rota ecológica, dando apoio à política
pública do governo de Alagoas de integração das polícias civil, militar e
ambiental. Segundo ele, a presença das polícias já surtiu efeito durante
as festas de réveillon de 2019, com a realização de blitze, apreensão
de veículos irregulares etc. O empresário informou ainda que irá doar
outra parte do mesmo terreno para a construção da nova sede do Ins-
tituto Yandê, organização não governamental que desenvolve projetos
de educação ambiental na rota ecológica.

A atuação desses atores não estatais no processo de governança am-


biental da rota ecológica permite compreender empiricamente que as
instituições não são puramente públicas ou privadas, pois muitos arran-
jos institucionais para conservação de bens comuns podem ser desen-
volvidos e coordenados por comunidades e outros agentes.

Em resumo, os quatro casos ilustram como as instituições criadas para


resolver os conflitos em torno do uso dos recursos naturais adquirem
relevância na governança de áreas protegidas. No Caso A – competên-
cia administrativa do licenciamento ambiental –, a interação institucional
entre os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental produz di-
versos rebatimentos na forma como os recursos naturais são utilizados
pelo mercado e pela sociedade civil. O caso demonstra que a divisão
de competência entre os órgãos responsáveis pelo licenciamento não
elimina a geração de conflitos na gestão de recursos naturais.

O caso B – saneamento básico nos limites da UC – aponta as dificulda-


des enfrentadas pela agenda do saneamento básico no país. Mesmo
com vários instrumentos de planejamento e ordenamento territorial –
plano diretor, plano nacional de saneamento –, os gestores municipais
enfrentam problemas no atendimento da demanda crescente por sane-
amento básico na região da Costa dos Corais.

O Caso C – zoneamento das piscinas naturais – evidencia que, para


induzir compliance (cumprimento das regras), é preciso estar prepara-
do para adequações. Nesse caso, o ICMBio Costa dos Corais precisou
adaptar a regra do zoneamento de uma piscina natural para que não
houvesse comprometimento do trabalho desenvolvido no zoneamento
das demais piscinas naturais da UC.

O Caso D demonstra a importância do engajamento de atores não esta-


tais nas políticas de conservação ambiental e como eles podem contri-
buir para a construção de arranjos institucionais que estejam aninhados
Bahia anál. dados, com o mercado e a sociedade civil.
278 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
Deivdson Brito Gatto, Valéria Gonçalves da Vinha, Maria Cecília Junqueira Lustosa Artigos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A área de proteção ambiental (APA) é considerada uma inovação insti-


tucional encontrada apenas no Brasil. Como essa categoria de unidade
de conservação visa disciplinar o processo de ocupação e assegurar
a sustentabilidade do uso dos recursos naturais, constitui-se em um
excelente lócus para a compreensão da abordagem institucional da
governança ambiental. A APA Costa dos Corais foi criada para a pro-
teção do maior conjunto de recifes coralígenos do país e para manter
a integridade do habitat do peixe-boi marinho. No entanto, a região
tem experimentado um processo de expansão imobiliária, impulsionado
pelo crescimento do turismo, que, se não for disciplinado, poderá trazer
prejuízos ambientais e agravar alguns problemas sociais.

Nessa perspectiva, a forma como os indivíduos se organizam para ex-


trair os recursos ambientais e devolver os resíduos gerados ao próprio
meio ambiente ganha relevância. Para que a governança desses recur-
sos possa ocorrer de maneira efetiva, as instituições precisam induzir o
cumprimento das regras, estar preparadas para a mudança e se fazer
presentes em vários níveis (governo, mercado, sociedade civil).

Os estudos de casos apresentados neste artigo buscam ilustrar a in-


fluência das instituições no processo de governança em uma dada uni-
dade de conservação, que muitas vezes produz efeitos por um longo
período de tempo e passa despercebida ou não consegue ser direcio-
nada pelos gestores dessas unidades. Contudo, é importante salientar
que as condições ideais para a governança de UCs são cada vez mais
raras, já que muitos problemas ambientais são de larga escala e envol-
vem influências externas, como as mudanças climáticas e a poluição
transnacional, por exemplo.

Mesmo com esses desafios, concorda-se que a concepção de gover-


nança eficaz para uma área protegida deve ter como premissa a “co-
evolução”, já que conceber formas de conservação ambiental envolve
tomar decisões sob incerteza, complexidade, restrições ambientais e,
principalmente, valores e interesses humanos em conflito. E são esses
conflitos que terminam favorecendo que as pessoas criem maneiras de
escapar às regras. Para evitar esse movimento, a governança dos co-
muns exige que as regras evoluam.

Diante disso, acredita-se que um possível caminho para a resolução


dos conflitos ilustrados pelos quatros casos envolve a necessidade de
articulação entre instrumentos de gestão – plano diretor, plano de ma-
nejo, planos de desenvolvimento etc. –, como também de integração
interinstitucional dos órgãos responsáveis pelo licenciamento ambien- Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
279
Artigos Instituições e governança ambiental: uma discussão preliminar da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais

tal, e, acima de tudo, envolvimento dos atores não estatais, que devem
cumprir as regras de proteção ambiental na área protegida.

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Bahia anál. dados,


282 Salvador, v. 29, n. 2,
p.260-283, jul.-dez. 2019
RESUMO

Os resíduos de serviços de saúde (RSS) requerem atenção especial no con-


texto do trabalho, adquirindo grande relevância no âmbito de um hospital
veterinário devido à possibilidade de maior geração desse tipo de material.
Quando mal gerenciados, esses resíduos podem provocar danos à saúde e ao
ambiente. Diante da importância do fator subjetivo para um adequado manejo
dos RSS, este estudo analisou as percepções dos trabalhadores do hospital
veterinário de uma universidade em relação a essa questão. Uma pesquisa
qualitativa exploratória foi realizada com trabalhadores do hospital veteri-
nário de uma universidade pública. Utilizou-se o grupo focal como técnica
de coleta de dados, por sua capacidade interativa e problematizadora, que
possibilitou inserir os participantes da pesquisa no contexto das discussões,
contribuindo para se repensar sobre concepções, práticas, atitudes e políticas
públicas. A pesquisa foi desenvolvida por meio de discussões realizadas em
dois grupos: um composto por nove trabalhadores estatutários da carreira
de técnico administrativo em educação e outro com oito trabalhadores ter-
ceirizados. Os dados foram analisados pelo método de análise de conteúdo
a partir da definição de categorias. Os resultados evidenciaram as diversas
percepções dos trabalhadores sobre o manejo de resíduos, riscos à saúde,
impactos ao ambiente e fatores que influenciam a adequação. Revelaram-se
diferentes percepções inerentes às condições e às relações de trabalho, fican-
do evidente a necessidade de melhorar a estrutura da instituição pesquisada,
instituir programas de capacitação e aprimorar as condições de trabalho para
possibilitar a participação de todos os trabalhadores em um processo adequa-
do de manejo de RSS.
Palavras-chave: Resíduos de serviços de saúde. Manejo. Trabalhadores. Hos-
pital veterinário. Pesquisa qualitativa.

ABSTRACT

Healthcare Waste (SSR) require special attention in the context of the work,
acquiring this great relevance in a veterinary hospital due to the possibility
of greater generation of this type of material. These residues, when poorly
managed, may cause damage to health and the environment. Considering the
importance of the subjective factor for an adequate management of SSR, this
study analyzed the perceptions of the workers of a university veterinary hospital
regarding this issue. An e exploratory qualitative research was conducted with
workers from a veterinary hospital of a public university. The focus group was
used as a data collection techinique, due to its interactive and problematic
capacity, which made its possible to insert the research participants in the
context of the discussions, helping to rethink conception, practices, attitudes
and public policies. The research was developed through discussions in two
groups: one composed of nine statutory workers in the career of administrative
technician in education and the other composed of eight outsourced workers.
The data were analyzed by the content analysis method from the definition
of categories. The results evidenced the diverse perceptions of the workers
on waste management; health risks; impacts to the environment; and factors
that influence adequacy. Different perceptions inherent to working conditions
and relationships were revealed, evidencing the need to improve the structure
of the researched institution, institute training programs and improve working
conditions to enable the participation of all workers in an adequate management
process SSR feed.
Keywords: Health services waste. Management. Workers. Veterinary hospital.
Qualitative research.
Artigos

Manejo dos resíduos de serviços


de saúde: riscos e problemas
em hospital veterinário de
universidade pública da Bahia
ADILIO C AMPOS PORTUGAL Os resíduos de serviços de saúde (RSS) são
Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho
e especialista em Especialização em resultantes de atividades de atenção à saú-
Microbiologia, pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Farmacêutico de humana e animal, reconhecidos por sua
bioquímico da Fundação de Hematologia
periculosidade e consequências associadas
e Hemoterapia da Bahia.
[email protected] ao manejo inadequado, apesar de represen-
LU I Z R O B E R T O S A N TO S M O R A E S
tarem uma pequena parcela dos resíduos
Doutor em Saúde Ambiental, pela
University of London (UL) e mestre sólidos gerados. Mosquera e outros (2014)
em Engenharia Sanitária, pela Delft
University of Technology (TU Delft). ressaltam que a parcela perigosa é pequena,
Professor titular aposentado de
Saneamento e participante especial mas todos os profissionais envolvidos em
voluntário do Mestrado em Meio
Ambiente, Águas e Saneamento da
manejo devem saber realizar adequadamen-
Escola Politécnica, do Programa de te sua segregação.
Pós-graduação em Saúde, Ambiente e
Trabalho da Faculdade de Medicina da
Bahia e da Residência Profissional em A geração maior de resíduos relaciona-se
Arquitetura, Urbanismo e Engenharia
da Faculdade de Arquitetura da a práticas, hábitos e processos de trabalho
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[email protected] (NAIME; SARTOR; GARCIA, 2004). Isso
pode ser observado na área de saúde, espe-
cialmente em hospitais, que se caracterizam
como potenciais geradores pela necessi-
dade de trabalhar com produtos descar-
táveis para otimizar as rotinas e minimizar
os riscos de infecções, tornando relevantes
as ações adequadas e o envolvimento dos
profissionais.

Bahia anál. dados,


Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
285
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

A preocupação com os RSS evidenciou-se a partir dos anos 1980, prin-


cipalmente com as descobertas dos vírus das hepatites B e C e do HIV
e sua relação com riscos para a saúde de pacientes, trabalhadores e
população em geral. No entanto, não se observou essa preocupação
com RSS gerados em estabelecimentos veterinários, onde as diversas
espécies animais podem apresentar patologias como raiva, brucelose,
leptospirose, zoonoses que podem afetar o ser humano.

Em estudo, Hedge, Kulkarni e Ajantha (2007) consideraram que a trans-


missão de doenças a partir de RSS ainda não é muito publicada, mas
os regulamentos devem ser respeitados. Enquanto na área de saúde
humana observam-se muitos estudos sobre RSS, ainda são necessárias
mais pesquisas sobre o tema no setor de medicina veterinária, no qual
os riscos e as consequências do trato inadequado carecem de maior
divulgação.

O manejo correto dos RSS nos estabelecimentos de saúde é importante


para a proteção de trabalhadores, pacientes e a população como um
todo, e para prevenção e controle de infecções hospitalares (HEGDE;
KULKARNI; AJANTHA, 2007). Isso pode ser garantido com padroniza-
ção de rotinas, normas de segurança e participação dos trabalhadores.

O gerenciamento de RSS pode ser influenciado por insuficiência de co-


nhecimentos e habilidades, investimentos e falta de envolvimento dos
profissionais, sendo que as consequências são de ordem técnica, legal,
social e econômica.

O Brasil dispõe de diversas normas e evoluiu em termos de legislação


de resíduos sólidos com a promulgação da Lei no 12.305/2010, que ins-
tituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), incluindo os RSS,
que já tinham legislação própria, principalmente por meio da Resolução
RDC no 306/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
e da Resolução no 358/2005, do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(Conama). A implementação dessas medidas, contudo, ainda enfrenta
dificuldades (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2004;
BRASIL, 2010; CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE, 2005).

Takayanagui (1993) considera que o comprometimento em determinada


questão é responsável por influenciar seus resultados. Antes de uma
mudança de comportamento de um trabalhador, a reflexão sobre a im-
portância dessa mudança é fundamental. Isto corrobora o estudo de
Joshi e outros (2015) no qual os trabalhadores com consciência sobre
RSS apresentavam críticas ao processo de gerenciamento e mesmo nas
diversas posições hierárquicas entenderam a importância da segrega-
Bahia anál. dados, ção na fonte.
286 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

Diante disso, é importante conhecer e analisar o fator percepção, de-


finido por Lamb, Hair e McDaniel (2012) como o processo pelo qual se
selecionam, se organizam e se interpretam estímulos, traduzindo-os em
uma imagem significativa e coerente. Percepção pode ser entendida
como tomada de consciência a respeito de uma circunstância relacio-
nada a algum fenômeno vivido (MUCELIN; BELLINI, 2008). Estudo de
Reis e outros (2013) em estabelecimentos veterinários concluiu que os
participantes associaram a falta de motivação para realizar o adequado
gerenciamento de RSS ao custo e à ausência de fiscalização, mantendo
práticas inadequadas, mesmo conscientes dos riscos.

Alguns estudos realizados em hospitais veterinários reforçam a impor-


tância do tema. Pilger e Schenato (2008) observaram que os RSS não
eram segregados na fonte e havia mistura de resíduos comuns com ou-
tros infectantes, o que promovia riscos, impossibilitava a reciclagem e
aumentava os custos. Roeder-Ferrari, Andriguetto Filho e Ferrari (2008)
também constataram o problema de segregação e de aumento de cus-
tos e verificaram falta de conhecimento dos manipuladores no processo.

Diante da necessidade de mais estudos sobre o tema, da importância


de conhecimento sobre o manejo de RSS em estabelecimentos veteri-
nários, da relevância do fator subjetividade e de empenho, interesse e
consciência, este estudo analisou as percepções dos trabalhadores do
hospital veterinário de uma universidade pública sobre o manejo de
RSS, contribuindo, assim, para uma possível mudança da realidade local.

MÉTODOS

O presente estudo é uma pesquisa qualitativa exploratória realizada


com trabalhadores do Hospital Universitário de Medicina Veterinária da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em Cruz das Almas (BA)
(PORTUGAL, 2018).

A pesquisa qualitativa tem sido, inúmeras vezes, utilizada para descre-


ver uma situação social circunscrita (pesquisa descritiva) ou para ex-
plorar determinadas questões (pesquisas exploratórias) [...] pesquisa
qualitativa de natureza exploratória possibilita familiarizar-se com as
pessoas e suas preocupações. (POUPART et al., 2008, p. 130).

Procurando desenvolver uma coleta de dados institucionais, a pesquisa


qualitativa foi escolhida porque apresenta relevância e produtividade
em estudos de ambientes institucionais, como os estabelecimentos de
serviços (POUPART et al., 2008).
Bahia anál. dados,
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Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

A coleta de dados se deu por meio de grupo focal, pois, como afir-
mam Backes e outros (2011), esta técnica tem capacidade interativa e
problematizadora e insere os participantes no contexto das discussões,
contribuindo para que se repensem práticas, concepções, atitudes e
políticas públicas.

Local de estudo

O estudo foi realizado no Hospital Universitário de Medicina Veterinária


(HUMV), em Cruz das Almas (BA). Conforme dados fornecidos pelo
IBGE, a referida cidade, onde se localiza a sede administrativa da Uni-
versidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), possui população
estimada de 64.552 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRA-
FIA E ESTATÍSTICA, 2016).

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia é uma autarquia cria-


da pela Lei nº 11.151, de 29 de julho de 2005, por desmembramento da
Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia. A instituição
tem sede e foro na cidade de Cruz das Almas, com unidades instala-
das nos municípios de Amargosa, Cachoeira, Feira de Santana, Santo
Amaro e Santo Antônio de Jesus, possuindo autonomia administra-
tiva, patrimonial, financeira e didático-pedagógica (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RECÔNCAVO BAIANO, 2015). “A UFRB é constituída
em um modelo multicampi que tem como objetivo principal explorar
o potencial socioambiental de cada espaço do Recôncavo, bem como
servir de polo integrador” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCA-
VO BAIANO, 2015).

O Hospital Universitário de Medicina Veterinária, inaugurado em 2014,


atua nas áreas de clínica médica, cirúrgica e de diagnóstico, visando ga-
rantir a saúde e o bem-estar de diversas espécies de animais. O hospital
funciona com atividades práticas dos cursos de Medicina Veterinária,
Zootecnia, Biologia e Agronomia (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RE-
CÔNCAVO BAIANO, 2014).

A referida unidade foi escolhida devido à sua importância na produção


de conhecimento, possibilitando gerar pensamento crítico, organizar e
articular os saberes, desenvolver projetos de pesquisa, formar cidadãos,
profissionais e oferecer atendimento clínico, cirúrgico e laboratorial a
animais de grande e pequeno porte, contando com a colaboração de
uma equipe multidisciplinar. Além disso, o tema de resíduos de serviços
de saúde (RSS) é novo e apresenta grande relevância, em especial em
unidades de saúde com atendimento veterinário, visto que já existem
legislações a respeito (PORTUGAL, 2018).
Bahia anál. dados,
288 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

População de estudo

A população de referência foi constituída por trabalhadores do HUMV.


O grupo focal foi composto a partir de alguns critérios, como proposto
por Gatti (2005): homogeneidade dos participantes, mas com diversi-
dade suficiente de opiniões, e pertencimento à mesma área de trabalho,
facilitando a comunicação intragrupo.

Para abordar questões com maior profundidade e interação grupal,


Gatti (2005) considera que a composição do grupo focal não pode ser
grande nem excessivamente pequena, devendo ter, preferencialmente,
de seis a 12 pessoas. Assim, neste estudo, os convidados que aceitaram
participar foram divididos em dois grupos, com oito e nove participan-
tes, respectivamente.

• Grupo 1 – Trabalhadores terceirizados.

• Grupo 2 – Trabalhadores estatutários da carreira de técnico ad-


ministrativo em educação (PORTUGAL, 2018).

Critérios de seleção dos participantes

Foram selecionados para o estudo trabalhadores com mais de seis me-


ses de atuação no hospital, que lidam com geração e/ou manipulação
de RSS. Não foram incluídos os trabalhadores com menos de seis meses
no hospital, que atuam em área exclusivamente administrativa ou que
não aceitaram participar do estudo.

Etapas de desenvolvimento da pesquisa

O estudo ocorreu em cinco momentos, subdivididos em revisão de bi-


bliográfica, aproximação com o campo de estudo, análise documental,
pesquisa de campo/grupo focal e análise de dados (PORTUGAL, 2018).

Em um primeiro momento foi feita a revisão bibliográfica, por meio de


pesquisa em periódicos técnico-científicos, análise das publicações se-
lecionadas, revisão de legislações, manuais, relatórios de pesquisas, li-
vros e guias.

Em um segundo momento ocorreu o contato do pesquisador com o


campo de estudo, que permitiu conhecer quantidades e tipos de resí-
duos gerados, bem como a dimensão dos possíveis impactos gerados
pelos RSS. Esta etapa aconteceu a partir da apresentação do projeto
à direção do HUMV e do contato com o responsável pelo gerencia-
mento de RSS. Bahia anál. dados,
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p.284-307, jul.-dez. 2019
289
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

O terceiro momento foi constituído pela análise documental. Foram pes-


quisados documentos que revelam dados sobre a unidade e possíveis
ações relacionadas ao manejo de RSS e à proteção do ambiente e do
trabalhador. Assim, foram construídas novas ideias a partir do conhe-
cimento e da análise do PGRSS da instituição e de seu regimento. “Os
documentos constituem uma fonte permanente e poderosa que serve
de base para diferentes estudos e de onde podem ser retiradas evi-
dências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador”
(NUNES, 2016, p. 81).

No quarto momento realizou-se a pesquisa de campo, na qual os par-


ticipantes foram selecionados por suas características comuns que os
qualificaram para a discussão da questão objeto do estudo. O grupo
focal foi utilizado como técnica de coleta de dados, conforme Gatti
(2005), sendo um bom instrumento para investigações em ciências so-
ciais e humanas, mas que deve ser usado com critérios e conforme os
objetivos da pesquisa.

O trabalho com grupos focais permite compreender processos de cons-


trução da realidade por determinados grupos sociais, compreender
práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos
e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimen-
to das representações e percepções, crenças, hábitos, valores, restri-
ções, preconceitos, linguagens e simbologias prevalentes no trato de
uma dada questão por pessoas que partilham alguns traços comum,
relevantes para o estudo do problema visado. (GATTI, 2005, p. 11).

A pesquisa com grupos focais, segundo Gatti (2005), tem por objetivo
captar, a partir das trocas realizadas no grupo, conceitos, sentimentos,
atitudes, crenças, experiências e reações. Nesta pesquisa, foi usado um
roteiro com cerca de dez perguntas pré-selecionadas, para a coleta de
informações dos participantes.

Esse momento, conforme Gatti (2005), propiciou a exposição de ideias


e perspectivas, permitindo elaborar respostas mais completas e possi-
bilitando a verificação da lógica ou as representações que conduzem à
resposta. Essa fase foi realizada em duas etapas (uma para cada grupo),
cada uma com tempo médio de 60 minutos. As perguntas do pesquisa-
dor/moderador, as respostas e os comentários dos participantes foram
gravados.

Para desenvolver a análise de dados, quinto momento da pesquisa, uti-


lizou-se o material coletado nos levantamentos documentais, as obser-
vações de rotinas e processos de trabalho e os conteúdos transcritos
Bahia anál. dados, dos grupos focais (PORTUGAL, 2018).
290 Salvador, v. 29, n. 2,
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Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

A organização da análise se deu inicialmente a partir da pré-análise, que


correspondeu a um conjunto de buscas iniciais de instituições e de pri-
meiros contatos com os materiais. O objetivo foi sistematizar as informa-
ções incorporadas quando da constituição de um esquema preciso para
o desenvolvimento das operações sucessivas, com vistas à elaboração
de um plano de análise (FRANCO, 2007).

A análise do conteúdo é considerada como um conjunto de técnicas de


análise de comunicação que faz uso de procedimentos sistemáticos e
objetivos do conteúdo das mensagens. Esse processo tem a intenção de
fazer inferência de conhecimentos relativos às condições de produção
e de recepção das mensagens (FRANCO, 2007).

Trata-se de um “[...] procedimento de pesquisa que se situa em um deli-


neamento mais amplo da teoria da comunicação e tem como ponto de
partida a mensagem” (FRANCO, 2007, p. 23). Conforme Franco (2007),
a mensagem é o passo inicial da análise de conteúdo, seja oral, escrita,
gestual ou documental. Para ter valor, uma informação deve estar vin-
culada às características e atribuições do emissor. Ao se utilizar o enfo-
que pelo qual, a partir da mensagem, indaga-se “quem” e “por que” de
determinado conteúdo, trabalha-se com o ponto de vista do produtor.

Assim, tem-se uma relevância garantida por três pressupostos básicos.


O primeiro considera que toda mensagem falada, escrita ou sensorial
contém muitas informações sobre o autor, visto que revela concep-
ções de mundo, interesses de classe, traços psicológicos e expectativas
(FRANCO, 2007).

O segundo pressuposto é que o produtor faz uma seleção de materiais


de forma não arbitrária. Assim, o autor seleciona o que considera mais
importante e interpreta conforme suas referências. O terceiro é que a
concepção da realidade do expositor é filtrada conforme o seu discurso
e desencadeia importantes implicações para o autor (FRANCO, 2007).

Reafirma-se a importância da descrição dos dados presentes no estu-


do. Assim, conforme Minayo (1994), essa etapa consistiu em descrever
com clareza os dados encontrados. Procurou-se estabelecer articula-
ções entre os dados e os referenciais usados, respondendo às questões
da pesquisa com base nos seus objetivos.

Portanto, nessa etapa existem três finalidades, com base em Minayo


(1994, p. 69): “Estabelecer uma compreensão dos dados coletados,
confirmar ou não os pressupostos da pesquisa/ou responder às ques-
tões formuladas, e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado,
articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte”. Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
291
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

As entrevistas foram transcritas, e os dados coletados foram registrados


em arquivo de Word, em computador, a partir da elaboração de qua-
dros. Em seguida, foram analisados de modo a permitir uma correlação
entre os dados e os pressupostos do estudo. Essa fase compreendeu as
etapas pré-analítica, de descrição analítica e de interpretação referen-
cial. A análise foi realizada considerando as seguintes categorias:

• percepções sobre definição, classificação e geração de RSS;


• percepções sobre manejo de RSS e o processo de trabalho;
• percepções sobre impactos ambientais;
• percepções sobre riscos à saúde;
• percepções sobre os fatores que influenciam o manejo (PORTU-
GAL, 2018).

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada e autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da


Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, confor-
me Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de
Saúde (2012), CAAE: 93158618.9.0000.5577. Os participantes receberam
informações sobre o estudo, contemplando a justificativa, os objetivos e
os procedimentos que foram utilizados na pesquisa, com o detalhamento
dos métodos, esclarecimentos sobre riscos, minimização destes e benefí-
cios, garantia de sigilo e liberdade para deixar de participar do estudo a
qualquer momento. Concordando em participar, assinaram e receberam
uma cópia do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Antes da
realização do grupo focal, os participantes foram orientados sobre o sigilo,
assinando e recebendo uma cópia do termo de compromisso.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Descrição e gerenciamento dos RSS

O estudo foi realizado no Hospital Universitário de Medicina Veterinária


(HUMV), fundado em 4 de abril de 2014. O estabelecimento funciona
de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h. O atendimen-
to é disponibilizado para a comunidade interna, externa e instituições
conveniadas.

O HUMV possui área construída de 3.442 m2, com os seguintes setores:

• clínica médica de animais de companhia (quatro consultórios);


• clínica cirúrgica de animais de companhia (três salas de cirurgia);
Bahia anál. dados, • laboratórios de parasitologia, diagnóstico clínico, doenças infec-
292 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019 ciosas e patologia;
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

• diagnóstico por imagem (sala de ultrassom e sala de raio X);


• clínica médica de animais de produção;
• clínica cirúrgica de animais de produção;
• administração (sala da diretoria, sala do gestor e sala de atendi-
mento ao público).

Compõem o grupo de funcionários do HUMV trabalhadores estatutá-


rios do quadro de técnicos administrativos em educação e trabalha-
dores terceirizados. O grupo de trabalhadores estatutários inclui seis
médicos veterinários, quatro técnicos em agropecuária, quatro técnicos
em laboratório, dois técnicos em radiologia, dois técnicos de anatomia
e necropsia, um técnico de enfermagem, um assistente social, quatro
assistentes de administração, um tecnólogo em gestão pública e dois
técnicos em instrumentação cirúrgica. O grupo de trabalhadores tercei-
rizados é composto por oito trabalhadores de limpeza e conservação,
dois tratadores de animais e um lavador de roupas.

O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde


(PGRSS) do HUMV foi elaborado em 2016 (UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RECÔNCAVO BAIANO, 2016) e apresenta informações gerais da
instituição e responsabilidades; caracteriza e identifica os tipos de RSS;
determina normas de acondicionamento, coleta e transporte internos,
armazenamento externo e tratamento e destino final dos resíduos; e
estabelece o fluxo do manejo interno dos RSS. Embora o PGRSS defina
a coleta e o transporte de resíduos, os contratos com empresas espe-
cializadas foram encerrados, e a coleta está sendo feita pela empresa
que presta serviço aos estabelecimentos de saúde do município de Cruz
das Almas. O plano ainda destaca a saúde e a segurança ocupacional e
programas de capacitação.

Percepção sobre impactos ambientais1

Os conteúdos das falas dos participantes terceirizados (TER) e servi-


dores (EST) referentes às questões formuladas no grupo focal sobre os
impactos ambientais dos resíduos dos serviços de saúde corroboram a
sua importância. O participante TER 6 demonstrou preocupação com o
destino dos RSS coletados no hospital e com o ambiente, tendo dúvida
sobre a responsabilidade. “Esse lixo hospitalar aqui, alguém sabe para
onde ele vai? O destino final dele? Ninguém sabe, o carro vem aqui e
pega e daí? Quem é o responsável?” (TER 6).

O questionamento é reflexo de uma conscientização sobre os possíveis


impactos dos RSS para o ambiente. A coleta dos resíduos do hospital

Bahia anál. dados,


1 Informações verbais concedidas em entrevista pelos participantes terceirizados (TER) e servi-
dores (EST) em 201X.
Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
293
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

não significa que o problema foi resolvido nem que não há mais riscos,
sendo que a responsabilidade do gerador permanece.

A disposição final dos resíduos após o tratamento minimiza os riscos ao


ambiente. Portanto, o processo de tratamento ou descaracterização dos
RSS, se não controlado, pode trazer riscos adicionais. Os resíduos quí-
micos, como produtos farmacêuticos e genotóxicos, são destruídos por
desinfecção química ou combustão. No processo de incineração desses
resíduos são gerados compostos químicos e partículas que podem afe-
tar o meio ambiente (MOSQUERA et al., 2014). Então, a preocupação
do trabalhador com o que ocorre após a coleta na instituição mostra-se
pertinente, bem como as responsabilidades depois da saída. O gerador
de RSS é o responsável desde a geração até a disposição final, tendo
que responder por uma eventual poluição provocada no tratamento.

Revelou-se a preocupação com o armazenamento inadequado do for-


mol e o risco de explosão. O participante TER 3 considerou que o lugar
não era adequado, pois apresentava excesso de calor. O formol é um
produto químico utilizado em larga escala no hospital, por se tratar de
uma substância com finalidade de conservação de amostras biológicas
e peças anatômicas. Muitas vezes essas amostras são de animais de
grande porte, como bovinos e equinos, o que demanda uma grande
quantidade de formol. Esse produto tem impacto no ambiente, princi-
palmente pela possibilidade de poluição do ar, com seu odor irritante.

A situação precisa ser analisada, visto que o produto tem característi-


cas específicas para seu armazenamento. Existe risco de explosão com
exposição a temperaturas elevadas e também ameaça ambiental por
derramamento. A avaliação do setor de segurança do trabalho da ins-
tituição deve ser realizada para soluções necessárias e orientação aos
trabalhadores quanto ao problema relatado.

Permaneceu a inquietação dos trabalhadores em relação aos resíduos


gerados, especialmente na necropsia, e descartados na fossa. Indaga-
dos sobre os riscos para o meio ambiente, os participantes revelaram
que o odor gerado da fossa é o principal incômodo, o que permite cons-
tatar um impacto dos RSS no ambiente.

“O cheiro é tão forte que às vezes fica com aquela sensação de tontura,
tipo, a gente vai sozinho e se desmaiar e cair dentro, quem vai? E para
sair dali, é complicado” (TER 3).

A fossa é um fator que promove transtornos aos trabalhadores tercei-


rizados, pois estes fazem a disposição dos resíduos no local. O risco
Bahia anál. dados, de acidentes e a tontura são consequências relacionadas ao impacto
294 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019 ambiental dos resíduos dispostos ali. Os trabalhadores se concentraram
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

nos problemas que mais os afligem – a necropsia e a fossa –, apesar de


outros impactos ambientais existentes.

A respeito da fossa onde joga as carcaças, quem é que joga a cal? Eu


e o colega jogamos, tem um tampão e o fedor que está lá ninguém
aguenta. Já aconteceu de abrir a fossa as pessoas perguntam que dia-
cho de fedor é esse? Aí a gente abre o saco, pega uma pá de cal e joga.
É um fedor insuportável. (EST 6, informação verbal).

Os participantes expressaram que a poluição ambiental era uma conse-


quência do manejo inadequado de RSS, relatando possíveis impactos
ao solo, ao ar e à água e riscos à fauna e à flora locais. EST 2 associou
o problema ao acondicionamento e ao descarte inadequados; EST 1, ao
armazenamento; e EST 5, ao manejo e ao descarte. Eles aprofundaram
suas percepções com detalhes de quadros de poluição possíveis. EST
7, EST 8 e EST 9 mencionaram a possibilidade de contaminação de cor-
pos d’água e lençóis freáticos. EST 5 acrescentou a contaminação pelo
resíduo químico incorretamente manejado, direcionado e descartado,
e a produção de gases que podem provocar poluição atmosférica e do
solo. O participante EST 1 relacionou a poluição com prejuízos à ativi-
dade, pois os produtos químicos e biológicos, principalmente, podem
contaminar o ambiente de trabalho a partir de secreções, excreções e
outros fluidos disseminados por práticas inadequadas de manejo e/ou
de técnicas mal executadas.

A contaminação pelo resíduo químico mal manejado, mal direcionado


e descartado, ele como já falaram pode, contaminar o ambiente, solo,
inclusive pode produzir gases. E aí disseminar, as pessoas podem respi-
rar isso no ambiente aí fora aquilo que é biológico e infectante que não
foi descontaminado para descarte, disseminar doenças muito graves
como doenças infecciosas, tuberculose, entre outras. E aí, pode afetar
não só o meio ambiente como as pessoas que estão naquele lugar. (EST
5, informação verbal).

Os trabalhadores tiveram a percepção de que o impacto ambiental re-


lacionado ao manejo inadequado gera consequências ao homem e aos
animais. Sabendo especialmente que o hospital veterinário está situado
em uma área com característica rural, cercada por vegetações, o parti-
cipante EST 9 ressaltou o caráter cíclico do processo. Um RSS manejado
de forma inadequada pode contribuir para um desequilíbrio ambiental,
pois contaminará o ambiente, a vegetação e os animais que dela se ali-
mentam, podendo retornar ao homem.

O principal que eu vejo é a contaminação do lençol freático, e isso de-


corre vai coletar aquela água contaminada e tem todos os ciclos, desse Bahia anál. dados,

ciclo de contaminação, tanto da questão da água como a questão do


Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
295
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

pasto que está tendo esse ciclo do animal estar se alimentando, a ques-
tão da plantação então tudo esses resíduos estão em contado com o
meio ambiente e que está retornando para nós humanos. (EST 9, infor-
mação verbal).

A complexidade do gerenciamento de RSS deve-se aos seus perigos in-


trínsecos. Faz-se necessário adotar medidas de precaução e prevenção
em todas as etapas do manejo, especialmente na segregação, coleta e
armazenamento. Sawalen, Selic e Herbell (2009) consideram grave a
mistura de resíduos, tendo descrito o problema em relação aos restos
domiciliares e hospitalares. Esse procedimento pode levar à mistura de
substâncias caracterizadas como perigosas (grupos A, B, C e E) com as
não perigosas (grupo D), com descarte no meio ambiente sem qualquer
tratamento, levando à contaminação do ar, da água e do solo e gerando
danos à fauna e à flora locais.

Outra possibilidade de desequilíbrio ambiental refere-se aos resíduos


comuns, especialmente os orgânicos, que, quando dispostos de forma
inadequada, transformam-se em poluentes potenciais para o ar, a água
e o solo, além de propiciar condições para o desenvolvimento de pa-
tógenos e viabilizar a proliferação de vetores (MORESCHI et al., 2014).

É importante a busca de alternativas para a incineração de RSS, e isso


passa pela minimização de resíduos, um problema crítico, especialmen-
te em países em desenvolvimento. O princípio do poluidor-pagador,
presente na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), impõe que
o gerador de resíduo arque com os custos pelos danos ambientais por
ele provocados (BRASIL, 2010). Aliado aos princípios da prevenção e da
precaução, isso possibilita criar a consciência da responsabilidade por
uma prática sustentável.

Percepção sobre riscos à saúde2

Os trabalhadores relacionaram os riscos à saúde em suas rotinas com


manipulação de RSS à falta de EPIs e de treinamento, às práticas inade-
quadas, à comunicação ineficiente e ao desconhecimento.

O participante TER 5 evidenciou os riscos de infecções por bactérias e


de outros tipos de doenças. Ele enfatizou, mais uma vez, o incômodo
com o setor de necropsia, no qual é periciada a maioria dos animais
infectados, afirmando que não é vacinado e se mostrando preocupado
com a situação dos trabalhadores. Ele narrou o caso de um cavalo com
raiva atendido no hospital. O participante TER 7 ressaltou que há riscos

Bahia anál. dados,


296 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
2 Informações verbais concedidas em entrevista pelos participantes terceirizados (TER) e servi-
dores (EST) em 201X.
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

em todo o hospital, desde a entrada até setores como laboratórios e


centro cirúrgico, associando esses riscos a patologias em caninos, como
micoses e raiva, e ao manejo de RSS.

O participante TER 6 mostrou que, no trabalho em hospital veterinário,


existe uma maior diversidade de atividades em relação a um hospital para
assistência humana. TER 6 é responsável pela higienização, coleta, trans-
porte e armazenamento de RSS, revelando preocupação com as consequ-
ências para sua saúde no que diz respeito à relação entre RSS e trabalho.

No canil mesmo, eu faço a limpeza, pego as fezes dos cachorros. É ca-


chorro com doença que não sei o que é, com tuberculose, cachorro que
está com a doença de raiva. Aí faço a limpeza, e depois eu pego o lixo.
Isso aí vai prejudicar a minha saúde. E só usar quando estiver usando
os EPIs adequados, como luva, máscara adequada. No futuro, a minha
saúde vai embora. (TER 6, informação verbal).

Ele informou que, na limpeza dos canis, entra em contato com fezes de
animais, preocupando-se com a frequência de patologias como tuber-
culose e raiva e os riscos acentuados pelo não uso de EPIs adequados,
o que pode se refletir em sua saúde no futuro. Há completa pertinência
em sua fala, apesar de ele não se lembrar de problemas relacionados ao
contato com pelos, secreções e fluidos de animais.

Os participantes também revelaram a possibilidade de contaminação,


infecção e adoecimento pelo trato de RSS devido às diversas patologias
envolvidas e à falta de cobertura vacinal. Os riscos são intrínsecos à ati-
vidade hospitalar e exacerbados com a manipulação dos RSS.

É pegar uma bactéria, intoxicação, esse tipo de coisas assim, bastante


aqui no Hospital. Você pode pegar qualquer tipo de doença aqui,
bactéria infecciosa, bactéria do câncer. Aqui na necropsia em que
passa a maioria de animais infectados aqui. Teve um cavalo infectado
com raiva e a maioria aqui, nem eu que tenho mais contato, ninguém é
vacinado. Eu nem sei se as pessoas receberam a vacina adequadamente.
E o pessoal aqui como é que fica? Tem que ver a situação do pessoal.
(TER 5, informação verbal).

A gente já corre risco ao entrar lá na frente, a gente já corre risco, aqui a


gente tudo corre risco laboratório, Centro Cirúrgico, no caso dos alunos
consultórios, é porque é cachorro com lepra, cachorro com micose. Isso
tudo tem risco para a nossa saúde, tipo os animais com raiva que che-
gam aí, a gente tem contato, querendo ao não direta ou indiretamente
a gente tem contato com ele porque a gente põe a mão no lixo tudo
isso a gente corre risco. Se falou em hospital tá correndo risco, o ar tá Bahia anál. dados,

correndo risco. (TER 7, informação verbal).


Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
297
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

O participante TER 4 criticou a ineficiência da comunicação entre os


trabalhadores do centro cirúrgico e dos consultórios pela falta de orien-
tação sobre o tipo de procedimento a ser realizado, seja de limpeza,
descontaminação ou desinfecção. Ele relatou que os trabalhadores do
setor deveriam tirar “o grosso” antes de o pessoal da limpeza chegar.
TER 8 afirmou que, algumas vezes, os trabalhadores tiram “o grosso” no
centro cirúrgico, mas ele encontra as coisas fora de ordem após cirur-
gias, acrescentando ainda a falta de treinamento para realizar a limpeza
como fazem os trabalhadores do setor.

TER 1 relatou o caso de um cachorro com doença contagiosa em local


de trabalho e fez uma relação dos riscos à saúde. Ele contradisse TER
8 ao afirmar que houve treinamento, mas que os trabalhadores não se-
guem os procedimentos. Citou palestra ocorrida sobre como manejar e
usar equipamentos, mas disse que nem todos cumpriam as normas. Ele
também criticou a prática comum de manter as luvas ao circular pelos
setores e abrir portas.

Porque a gente já prestou muita atenção, eu mesmo presto atenção,


tem que estar sempre de luva, a gente vem sempre de luva pegando
nas portas, como é que você pega nessa maçaneta com a luva que você
estava manejando ali as coisas? Depois você vem com a sua mãozinha
limpa que estava com a luva e vai lá e pega. Aí só naquela forma ali
você já contaminou, você estava com luva protegida, depois você vai e
tira e que outro vem com a luva suja e pegou, ali você pega, aí você já
contaminou. (TER1, informação verbal).

As práticas inadequadas no ambiente de trabalho promovem riscos


para a coletividade, como quando trabalhadores, por comodidade ou
vício, não retiram as luvas durante ou entre procedimentos, o que pode
contaminar as superfícies que manuseiam.

O participante TER 2 demonstrou desinteresse em suas falas, afirman-


do não conhecer os perigos, apesar de estar ciente de que eles exis-
tem no ambiente de trabalho. Esse comportamento pode ser propulsor
de riscos e significar prejuízo ao processo de trabalho e à saúde do
trabalhador. Isso pode ser decorrente de alguma insatisfação, descon-
tentamento com a atividade ou outro motivo particular, o que revela
a necessidade de um acompanhamento individual para diagnosticar e
ajudar o trabalhador.

Como percebido pelos trabalhadores integrantes deste estudo, Reis et


al. (2013) concluíram em seu trabalho que os participantes reconheciam
ameaças relacionadas com os resíduos, relatando perigos à saúde pú-
Bahia anál. dados, blica e ao meio ambiente, riscos de acidentes com perfurocortantes e
298 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019 relativos à saúde ocupacional, nessa ordem de importância.
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

Os participantes que compuseram o grupo dos estatutários identifica-


ram riscos biológicos, químicos, físicos, ergonômicos e de acidentes.
Durante o manejo, ao transportar os resíduos, possíveis derramamentos
relacionam-se a ameaças tanto químicas quanto biológicas.

Os riscos biológicos aos quais estão sujeitos esses trabalhadores provêm


do contato com amostras de sangue, de fezes, de urina e de outros fluidos
durante o atendimento clínico e cirúrgico e na realização de exames de la-
boratório e de imagem, além do manuseio de vidros, agulhas e outros ma-
teriais perfurocortantes contaminados. “Transmissão de doenças, a gente
tem muita leptospirose aqui, se for descartado também de qualquer jeito.
Os meninos aqui têm pegado muitos casos de tuberculose, brucelose, teve
suspeita de raiva, não sei se confirmou de um equino” (EST 8).

Se não tiver um destino correto pode voltar com doenças zoonóticas,


como brucelose, tuberculose, devido a essas secreções que não está
tendo um destino adequado. Como a gente tem contato com o animal,
tem várias doenças, como exemplo mormo, você está em contato com
uma doença respiratória do animal, então a agente está em contato
com um animal que possivelmente ele é um ser biológico, então pode
estar tendo essa doença e a gente vir a ter contato com um animal com
algum tipo de zoonose e ser transmitido principalmente para o veteri-
nário que está tendo contato com o animal. (EST 9, informação verbal).

A ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias depende das condi-


ções em que o trabalho é executado e da exposição ocupacional, que
favorece a transmissão. No caso dos trabalhadores da saúde acontece a
exposição direta ao paciente e às secreções e fluidos biológicos. Muitas
dessas doenças são originalmente zoonoses, e entre os grupos expostos
estão os trabalhadores da agricultura e da saúde que lidam com animais
(BRASIL, 2001).

A lista de doenças infecciosas e parasitárias relacionadas ao trabalho,


de acordo com a Portaria/MS n.º 1.339/1999, inclui as patologias citadas
por EST 8 e EST 9, como brucelose, leptospirose e tuberculose, e ainda
carbúnculo, leishmaniose e tétano. Entretanto, são consideradas zoono-
ses – doenças que os animais podem transmitir ao homem – a brucelose,
a leptospirose, o carbúnculo e a leishmaniose (BRASIL, 2001).

Os trabalhadores enriqueceram as falas ao citarem ameaças como quei-


maduras das vias aéreas superiores e da córnea, e problemas como falta
de ar e parada cardiorrespiratória, como consequência do contato com
alguns produtos químicos. Também foram relacionadas lesões físicas
e amputações pelo uso de determinados equipamentos cortantes, in-
fecções por fungos e bactérias e contaminações por parasitas, além de Bahia anál. dados,

radiação ionizante, abarcando os riscos químicos, de acidentes e físicos.


Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
299
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

Os problemas que podem causar, os biológicos são infecção, todo tipo


de doença, já que a gente trabalha com secreções, amostras de tecido,
sangue, qualquer material biológico de animais, a gente faz análise, en-
tão, qualquer risco de qualquer tipo de doença que o animal venha a
ter, pode ter contaminação, pode ter infecção; fora isso, material quími-
co respirando no próprio ambiente laboratorial do Hospital faz com que
a gente tenha um contato, os produtos químicos exalam, a gente sabe
que a gente está respirando aquilo, fora na manipulação, então, vários
problemas respiratórios, queimaduras por causa de ácido, erros na ma-
nipulação podem causar grandes problemas, e outros riscos de corte,
de queimadura, inclusive explosão pode acontecer quando manipulam
autoclave, por exemplo. (EST 5).

Os participantes entenderam, em sua maioria, que o trabalho no hos-


pital está sujeito a riscos. Segundo Enwere e Diwe (2014) os perigos
relacionados aos RSS referem-se à possibilidade de lesões por agulhas,
transmissão de infecções, reutilização de alguns tipos de resíduos, po-
luição ou degradação ambiental.

Os RSS mal gerenciados podem, em determinadas circunstâncias, cau-


sar doenças em profissionais de saúde e outros indivíduos (OROEI et al.,
2014). Essas ameaças variam de intensidade a depender da atividade
laboral e não estão distribuídas de forma padronizada. O risco físico
da radiação é atribuído aos profissionais da radiologia, mas existe a
possibilidade de atingir outros trabalhadores e o público do hospital se
algumas condições de proteção não estiverem em conformidade, como
paredes baritadas para evitar fuga de radiação, dosímetros e protetores
de tireoide, além de chumbo para salvaguardar os trabalhadores, con-
forme legislação específica.

Os riscos relacionados aos resíduos podem ser minimizados com medidas


educativas, normas bem definidas de rotinas e processos de trabalho, uso
de equipamentos de proteção individual e coletiva e supervisão contínua.

Fatores que influenciam o manejo – Papel da instituição e


barreiras3

Os trabalhadores se expressaram sobre o papel da instituição para um


adequado manejo de RSS e demonstraram a necessidade e a importân-
cia dos treinamentos específicos sobre esse tema.

Acho que poderia ter um treinamento adequado para entrar aqui no Hos-
pital. Eu não sei vocês, mas eu não tive, assim, treinamento, uma pessoa

Bahia anál. dados,


300 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
3 Informações verbais concedidas em entrevista pelos participantes terceirizados (TER) e servi-
dores (EST) em 201X.
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

que viesse para poder chegar e falar sobre isso, [...], esta parte de treina-
mento é importante. Não sei se alguém teve esse treinamento. (TER 3).

Sawalen, Selic e Herbell (2009) observaram que 85% dos participan-


tes não tiveram qualquer treinamento em manejo de RSS, incluindo
gestores e pessoal da limpeza, o que representa um grave problema e
demanda uma estratégia para proteger os trabalhadores. A falta de co-
nhecimento e capacitação traz riscos para os trabalhadores que mani-
pulam resíduos (ROEDER-FERRARI; ANDRIGUETTO FILHO; FERRARI,
2008). Isso foi corroborado em estudo de Mosquera e outros (2014),
que constataram a importância do treinamento para um adequado ge-
renciamento de RSS.

A não participação de todos os trabalhadores pode estar relacionada


à ausência de programas específicos de educação continuada, além de
mudanças mais constantes no quadro profissional, em virtude da ter-
ceirização, e da não liberação de trabalhadores por causa das rotinas
específicas dentro do hospital. “Teve um treinamento de biossegurança,
mas não foi, teve a moça que veio fazer um treinamento, mas não foi
completo” (TER 7).

Os participantes do grupo dos terceirizados avaliaram que a instituição


não fornece de forma igualitária as condições para todos os trabalhado-
res, sendo que alguns afirmaram que não têm EPIs suficientes, diferen-
temente de outros. “Mas no centro cirúrgico tem a roupa adequada, eles
dão a roupa adequada, mas só que falta treinamento. E a gente que não já
trabalha no centro, nem tem. A gente só tem essa farda mesmo” (TER 4).

O participante fez uma crítica à atuação da instituição afirmando que


alguns trabalhadores, mesmo expostos a riscos, não foram vacinados, o
que contraria a RDC no 306 da Anvisa (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGI-
LÂNCIA SANITÁRIA, 2004). A vacinação deve ser exigida no momento
da lotação do trabalhador, antes do início das atividades, pois no hos-
pital veterinário existe risco de exposição e contaminação. A prevenção
pode ser feita com vacinas contra tétano e raiva, mas a prática é dificul-
tada especialmente para os trabalhadores terceirizados, mais sujeitos
a mudanças de setores e à rotatividade, o que compromete o controle
pela unidade.

Como teve um dia mesmo, que teve na necropsia teve um cavalo com
raiva e ninguém era vacinado, só quem era vacinado eram os mais an-
tigos. E quando a gente entrou a gente não tomou vacina, depois que
esse cavalo veio fazer necropsia, que a gente lavou, é que todo mundo
se responsabilizou para a gente tomar a vacina. Falta muita coisa ainda
para melhorar. (TER 4). Bahia anál. dados,
Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
301
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

Os trabalhadores estatutários se expressaram com cautela, justificando


que alguns problemas relacionados ao manejo de RSS se devem ao fato
de se tratar de uma instituição nova, visto que o hospital foi inaugurado
em 2014. Outros participantes opinaram que o problema pode estar na
burocracia, por se tratar de uma instituição pública.

[...] ainda está em construção, a Universidade ainda é nova, e muitas coi-


sas ainda não estão seguindo o regulamento, mas está na tentativa de
seguir, [...] não tem esse acúmulo local desses resíduos, mas a destinação
ainda não está completamente seguindo o regulamento. (EST 5).

O fato de a instituição ser nova e pública não é justificativa aceitável. A


inauguração ocorreu em 2014, mas a concepção se deu há mais tempo.
As legislações sobre o tema não são recentes, e a exigência de PGRSS
para iniciar as atividades é uma regra desde a publicação da Resolução
RDC Anvisa no 33/2003.

Outro aspecto de interesse em relação aos RSS são as barreiras para um


gerenciamento adequado. Também foi revelada preocupação quanto
aos recursos humanos e materiais, à falta de orientação e fiscalização
e à ausência de profissional para acompanhar os serviços e avaliar o
trabalho dos terceirizados, que revelaram dúvidas no tocante às rotinas
de trabalho.

Os terceirizados relataram insatisfação e indignação por não poderem


se expressar sobre o problema. A principal queixa diz respeito à relação
de trabalho, à terceirização, que aflige e intimida os trabalhadores, e à
carência de outras oportunidades na região. “Porque às vezes a gente
fica até meio com medo, meio com medo de falar, para não ter que ser
marcado, vai ser isso vai ser aquilo. Na verdade, tem que ter uma fisca-
lização adequada” (TER 7). “[...], que a pessoa fica com medo realmente
de falar, mas a gente tem que falar, porque se a gente não falar não vai
ter uma solução” (TER 1).

A precarização do trabalho, que faz com que o trabalhador tenha medo


de se expressar, de dar sua opinião, e o receio de perseguição, que afli-
ge a parte frágil na relação, são questões percebidas na narrativa dos
trabalhadores, o que influencia a identidade, a satisfação e o bem-estar
no trabalho.

Os participantes do grupo dos estatutários relacionaram as dificulda-


des no gerenciamento de RSS a algumas barreiras, como a burocracia
no serviço público, especialmente relacionada à Lei no 8.666 (BRASIL,
1993), que dispõe sobre as normas para licitações e contratos na admi-
Bahia anál. dados, nistração pública. Entretanto, a justificativa de que os processos demo-
302 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019 ram devido à legislação não cabe, visto que o órgão público é obrigado
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

a fazer o que determina a lei. O problema pode ser resolvido com pla-
nejamento e organização. Os entraves devido à burocracia sempre exis-
tirão, mas não podem influenciar o gerenciamento de RSS a ponto de
serem considerados uma das principais barreiras para sua adequação.

O grupo deu atenção à questão da competência profissional, qualifica-


ção específica no assunto, treinamento das equipes, estrutura e recur-
sos financeiros.

[...] percebo alguns entraves na legislação Lei no 8.666, que bota alguns
entraves para se adquirir alguns equipamentos e termina dificultando.
Acho que deveria existir também uma empresa especializada terceiri-
zada, talvez para dirigir essa questão dos resíduos aqui no hospital e
um técnico ou especialista no assunto. (EST 1).

Faltam profissionais que sejam capacitados [...] porque se tem a legis-


lação, mas se percebe que as pessoas não têm muito conhecimento de
como trabalhar isso [...] falta de conhecimento e de capacitação dos
gestores dos executores conduzir as coisas da forma certa. (EST 2).

Os profissionais que realizam atividades com risco de gerar impacto


ao ambiente devem ter competência (MOSQUERA et al., 2014). O ge-
renciamento de RSS de um hospital requer pessoal qualificado para a
parte técnica e administrativa. Precisa haver planejamento, previsão de
materiais, programação de treinamentos, cumprimento de legislação e
gestão de pessoas. Um fator limitante para o gerenciamento de RSS é
o desconhecimento de muitos gestores sobre os aspectos legais e os
impactos do manejo inadequado.

Assim como neste estudo, Oroei e outros (2014) também identificaram


como um problema no gerenciamento de RSS a segregação inadequa-
da, tendo como possível causa a incapacidade gerencial. O estudo de
Reis e outros (2013) observou como causa do manejo inapropriado dos
RSS a ausência de fiscalização, sendo que os custos de coleta foram
responsáveis pela falta de motivação quanto ao gerenciamento.

Faz-se necessário que as lideranças e autoridades tenham a visão do


gerenciamento de RSS como um todo, para minimizar a geração, reduzir
custos, prevenir agravos, atentando para a capacitação das equipes e
promovendo treinamento dos profissionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo analisou as percepções dos trabalhadores do hospital vete- Bahia anál. dados,

rinário de uma universidade quanto aos manejos dos resíduos. A partir


Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019
303
Artigos Manejo dos resíduos de serviços de saúde: riscos e problemas em hospital veterinário de universidade pública da Bahia

da análise dos resultados dos grupos focais foram definidas as seguintes


categorias: percepções sobre impactos ambientais; percepções sobre
riscos à saúde; e fatores que influenciam o manejo, com as subcatego-
rias papel da instituição e barreiras.

Em relação às percepções sobre os riscos ao ambiente, conclui-se que


ambas as categorias têm consciência dos impactos provocados pelo
manejo inadequado dos resíduos. Foram descritos como danos possí-
veis a poluição do solo, do ar e da água e riscos à fauna e à flora locais,
evidenciados desde as etapas de acondicionamento até o tratamento e
disposição final dos RSS.

Diante das percepções sobre os riscos à saúde, os trabalhadores tercei-


rizados revelaram seus medos e angústias no contato com os RSS em
suas rotinas de trabalho. Eles demonstraram preocupação com adoeci-
mento e infecções por bactérias e enumeraram problemas como carên-
cia de conhecimento, falta de vacinação, insuficiência ou inadequação
de EPIs, ausência de treinamento e desconhecimento sobre as patolo-
gias dos animais. Os participantes do grupo de estatutários elucidaram
os diversos perigos – biológicos, físicos, químicos, ergonômicos e de
acidentes – envolvidos no processo de trabalho, ressaltando os riscos
de zoonoses pelo contato direto com os animais e fluidos biológicos.

No tocante às percepções sobre os fatores que podem influenciar o


manejo dos RSS, quanto ao papel da instituição, os trabalhadores tercei-
rizados criticaram ausência ou insuficiência de treinamentos, carência
de programas de educação sobre o tema, desigualdade na distribuição
de equipamentos de proteção individual (EPIs) e falta de vacinação. Os
trabalhadores estatutários consideraram que o fato de se tratar de uma
instituição nova causa problemas, mas disseram que está havendo uma
adequação. Em relação às barreiras, os terceirizados citaram a carência
de recursos, a ausência de fiscalização e a relação de trabalho, enquanto
os estatutários relacionaram dificuldades por conta da burocracia no
serviço público e da falta de qualificação profissional.

Nesse contexto, é fundamental que a instituição elabore um programa de


capacitação em RSS e biossegurança e planeje eventos para que todos
os trabalhadores possam participar da formação de forma igualitária.

É necessário que a instituição se aproprie do tema, atente e se adapte


aos princípios da PNRS e de legislações sobre RSS, atualize e imple-
mente o PGRSS, capacite os gestores e demais trabalhadores sobre
legislação e gerenciamento de RSS, execute diagnóstico do problema,
realize ações de planejamento para mensurar a necessidade de EPIs e
Bahia anál. dados, difunda informações sobre riscos, zoonoses e prevenção de agravos e
304 Salvador, v. 29, n. 2,
p.284-307, jul.-dez. 2019 manejo dos RSS nos setores de trabalho.
Adilio Campos Portugal, Luiz Roberto Santos Moraes Artigos

Para essa implementação é imprescindível que ações propostas para


as equipes de trabalho envolvam todos os trabalhadores, independen-
temente do vínculo empregatício, e que todos tenham condições de
trabalho e estejam motivados e conscientes da importância do tema e
da participação do trabalhador.

São necessários mais estudos sobre esse assunto para permitir maior
produção de conhecimento. O método qualitativo mostrou-se impor-
tante para este trabalho, pois, apesar da relevância dos estudos quan-
titativos, a subjetividade tem grande peso na eficiência do processo de
trabalho com RSS.

REFERÊNCIAS
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Colaboraram nesse número:

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