Brazilian Guitar Music Identidade e Est PDF
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INTRODUÇÃO
A expressão “violão brasileiro” carrega em si, ao mesmo tempo, uma certa redun-
dância e reducionismo. Por um lado, “violão” é um substantivo usado apenas no Brasil para
designar o instrumento que, na virada do século XIX era conhecido, em virtualmente todo o
resto do mundo ocidental, como guitarra. Portanto, de certa forma a própria palavra “vio-
lão” já remete a uma imagem brasileira, o que dispensaria o adjetivo “brasileiro” ao falar de
violão. Contudo, em se admitindo que a guitarra, ou o violão, é, nas palavras de Sérgio e
Odair Assad na apresentação de seu disco “O clássico violão popular brasileiro”, “o motor da
nossa evolução musical” e que este instrumento “ganhou cores e nuances diferentes por
onde andou”1 cabe perguntar: violão brasileiro ou violões brasileiros?
Esse questionamento surgiu durante meu mestrado na Universidade do Sul da Cali-
fórnia, nos EUA. No período entre agosto de 2012 e agosto de 2014 mantive o habito de
sempre incluir compositores brasileiros em meus programas de estudo. Qual não foi a mi-
nha surpresa ao perceber uma surpresa ainda maior de colegas e professores ao ouvir al-
gumas das peças. Não era apenas um contato com o novo, era uma evidente quebra de ex-
pectativa ao ouvirem fazeres musicais que não dialogavam com ou que retrabalhavam tra-
ços considerados características da música brasileira. Era a surpresa com a diversidade em
um dos estados mais diversos da América do Norte.
Esse fato fez com que eu passasse a observar que tipo de repertório brasileiro estava
sendo mais difundido no meio violonístico. Discos com títulos como “Brazil!”, “Brazilian
Guitar Music”, “Samba!” geralmente acompanhados de cores vivas ou imagens que remeti-
am a lugares exóticos, vinham preenchidos de obras ligadas a uma brasilidade tradicional.
Uma brasilidade da síncope, de forma que se fez importante questionar como esse evidente
estereótipo se estabeleceu.
A maioria das pesquisas sobre o repertório violonístico brasileiro corroboram, de
certa forma, essa narrativa de uma brasilidade unificada. Entretanto, em uma análise mais
atenta fica evidente que o repertório brasileiro para violão é repleto de nuances, diversida-
de, de gêneros que dialogam com novas tribos urbanas, que não se preocupam com a narra-
tiva do “nacional” ou que, mesmo tendo uma formulação mais regionalista, evidenciam for-
mas novas de articular o que eu chamei de “brasilidade da síncope”.
Sabendo que a música é uma parte da identidade cultural de um país se fez necessá-
rio pesquisar, entender o conceito de identidade. Para isso os escritos de Stuart Hall e Zyg-
munt Bauman foram de extremo valor para entender como identidade é uma forma de re-
presentação mutável e construída. Outro conceito que foi de grande utilidade foi o de este-
reótipo, que, tal como entendido por Homi Bhabha, depende da ideia de repetição e de imu-
tabilidade para se estabelecer.
Acreditando que a articulação desse processo se dá por meio dos intérpretes e seus
registros, durante muitos anos subordinados a uma lógica de mercado através das gravado-
ras, este trabalho se propõe a apontar como a lógica do mercado se apropriou da ideia de
brasilidade para criar um produto ancorado nas expectativas do público médio.
De maneira que este trabalho contará com dois capítulos. O primeiro procura, inici-
almente, expor e articular os conceitos de identidade e estereótipo a partir da lógica do
mercado cultural que impõe a previsibilidade como ponto atrativo para a difusão de bens. A
partir disso, procurou-se apresentar como a constante presença de poucos compositores e
gêneros de música brasileira em registros fonográficos favoreceu a criação de uma expecta-
tiva estereotipada do que é a produção brasileira para violão.
O segundo capítulo é composto por seis análises de peças escritas por compositores-
violonistas nascidos a partir de 1950. Foram escolhidos compositores que tenham reconhe-
cimento no meio violonístico nacional e/ou internacional, a saber: Sérgio Assad, Antônio
Madureira, Marco Pereira, Roberto Victório, Jorge Morel e Roland Dyens. O objetivo é de-
monstrar em que ponto esses compositores dialogam com a narrativa de brasilidade, sendo
que a inclusão de compositores estrangeiros serve para ilustrar como essa brasilidade é
apreendida por um músico que não seja nativo no país.
Acredito que existe uma diversidade musical no país que está sendo ofuscada pela
ainda dominante ideia de uma brasilidade unificada. A música de um país que sofreu tantas
transformações nos últimos anos e que, cada vez mais, se insere em um contexto global, de-
ve ser analisada sob o prisma de perspectivas atuais como a da diversidade e não por gran-
des narrativas que, com o passar dos anos, se tornam mais distantes da realidade.
14
CAPÍTULO 1
(des)Construindo o “Clássico Violão Popular Brasileiro”
1.1 Ponteando
Se não se pode dizer que o século XX concentrou o maior número de mudanças nas
relações socioculturais ou tecnológicas, podemos dizer que foi nesse século que as mudan-
ças se sucederam de forma mais rápida e tiveram impacto mais imediato e difuso na vida
das pessoas. Dentro desse contexto de mudanças, dois eventos são de particular interesse
para as reflexões desta pesquisa: o advento dos movimentos modernistas na primeira me-
tade do século XX e o avanço do desenvolvimento tecnológico.
Os movimentos modernistas tiveram grande importância dentro do desenvolvimen-
to das artes e das relações sociais. Buscando romper com as tradições e o academicismo vi-
gentes e, ao mesmo tempo, tratando de entender e de retratar as rápidas transformações
em que viviam, artistas e intelectuais se articularam em diversos movimentos diferentes,
muitas vezes de conteúdo francamente contraditório, mas sempre se mantendo coerentes à
ideia de avanço e modernização social e estética. De acordo com a historiadora Monica Pi-
menta Velloso, os
artistas e intelectuais sentiam-se particularmente mobilizados a participar da cons-
trução da nova sociedade. Acreditava-se que caberia às artes realizar uma dupla ta-
refa: a destruição e a criação, inspirando-se na intensidade do momento. (VELLOSO,
2010, p. 18-19).
A “intensidade do momento” a que se refere Velloso diz respeito tanto às tensões
provenientes da Primeira Guerra Mundial, quanto à dificuldade que os protagonistas e co-
adjuvantes desses movimentos sentiam ao lidar com a nova sociedade industrial. Velloso
ainda apontará para a importância dos movimentos modernistas no sentido em que estes
15
Em adição a essas influências, Cardoso demonstrou como Guinga também se vale da música
popular brasileira citando exemplos como Pixinguinha, Dilermando Reis e João Pernambu-
co.
Duas abordagens sobre a música de Guinga são de especial interesse no trabalho de
Cardoso. A primeira trata de averiguar o posicionamento da obra de Guinga no que diz res-
peito à questão do “nacional em música”. Mesmo sem desenvolver ou expor teorias especí-
ficas sobre identidade nacional, o autor do estudo é bem-sucedido ao apontar como Guinga
“revela-se um legítimo representante” da escola do violão brasileiro6. Cardoso também dei-
xa clara a preocupação do compositor em reconhecer a importância da tradição da música
brasileira e utilizá-la como inspiração, modernizando e recriando essa mesma tradição.
Um aspecto interessante da percepção de Guinga sobre a música brasileira é aponta-
do por Cardoso:
“Guinga identifica uma parte da música feita no Brasil com a ‘música brasileira’, rea-
lizando não apenas a defesa da música nacional, mas também de qual música feita
no país é legítima e digna de ser colocada no posto de ‘a’ música nacional. Em sua
interpretação de ‘tradição da música brasileira’, exclui as vertentes musicais feitas
no Brasil que não lhe interessam, citando somente a parte que lhe parece adequado
defender. Não se trata, portanto, de um comprometimento com a música unicamen-
te por ser produzida no Brasil: trate-se de um envolvimento com um tipo específico
de música brasileira, na qual Guinga identifica uma qualidade diferencial, e a coloca
por isto no lugar de ‘a’ tradição da música brasileira”. (CARDOSO, 2006, p. 51-52).
A outra abordagem de interesse aparece sobre o debate da categorização estilística
da obra de Guinga entre os universos da música “erudita” ou da música “popular”. Cardoso
constata que “uma característica própria aos violonistas compositores é a aproximação que
realizam entre a música erudita e popular”7. O pesquisador se vale das definições de Bour-
dieu de “campo de produção da indústria cultural“ e “campo de produção da cultura erudi-
ta”, que são distintos tanto na forma de produção quanto no público a quem se destinam.
Enquanto o primeiro tende a seguir as regras de mercado para determinar a aprovação dos
seus produtos, destinados a um público amplo, o último costuma estabelecer a suas pró-
prias regras de produção de bens culturais, destinados a um público de também produto-
A pesquisa de Francischini também foi de grande importância para este estudo pois
aponta na mesma direção de reconhecer a importância da diferença na constituição da iden-
tidade nacional e, assim como a pesquisa de Pereira, por corroborar o pressuposto de que o
diálogo com outros fazeres musicais é um traço comum da música brasileira.
As outras três pesquisas que serão brevemente expostas se diferem das anteriores
por não tratarem da questão da identidade nacional. No entanto, elas analisam composito-
res que estarão presentes neste trabalho, o que as torna obviamente pertinentes por com-
partilharem, além dos compositores, do mesmo recorte temporal. Um dos compositores que
analisarei neste trabalho, e que foi foco da pesquisa de Oliveira (2009)13, é Sérgio Assad. A
partir da análise da suíte Aquarelle, primeira obra de Sérgio Assad para violão solo, Oliveira
trata de caracterizar a linguagem instrumental do compositor. Assumindo que se trata de
um compositor com práticas híbridas, Oliveira tenta também localizar os compositores e
vertentes musicais que tiveram importância dentro da construção da linguagem composici-
onal de Assad. Enfocarei alguns desses aspectos no segundo capítulo, quando analisarei a
obra Jobiniana Nº3, também composta por Assad.
Devo ressaltar que concordo com Oliveira ao classificar Assad como um compositor
com práticas e estética híbridas, entretanto, devo ressaltar que não compartilho do conceito
de hibridismo tal como ele o entende, ou seja, “a adoção por compositores de orientação
erudita de materiais rítmico-melódico (sic) e estilístico oriundos da música popular sob a
ótica composicional da música culta”14. Esta definição, ainda que não afete ou invalide o re-
sultado da pesquisa de Oliveira, pode criar um entendimento equivocado sobre o conceito,
como parece ter sido o caso do próprio Oliveira ao apontar “o surgimento do hibridismo do
violão clássico com a música popular no final do século XX”15 e depois concluir que o hibri-
dismo é uma prática comum na tradição do violão brasileiro. Oliveira deixa transparecer
uma relação hierárquica entre a música de concerto e a música popular, onde a primeira
teria um papel ativo na exploração da segunda, relegando a música popular a um papel pas-
sivo e alienado em relação à música de concerto.
13 “Sérgio Assad: sua linguagem estético-musical através da análise Aquarelle para violão solo” (2009).
14 OLIVEIRA, 2009, p. 12.
15 OLIVEIRA, 2009, p. 16.
22
Marco Pereira é outro compositor que foi foco de dois trabalhos acadêmicos, LEMOS
(2011) e THOMAZ (2014) e que terá músicas analisadas neste documento. De maneira se-
melhante à de Oliveira, Lemos parte de uma peça de Pereira, a música Samba Urbano, para
então chegar às conclusões sobre suas influências e sobre as linguagens musical e instru-
mental do compositor. Para tanto, o pesquisar utiliza a separação das características “tradi-
cionais” e “não tradicionais” do gênero Chôro.
Lemos, em sua dissertação de mestrado16, encontra as influências tradicionais na es-
truturação rítmica da música analisada e na forma como Marco Pereira utiliza algumas das
convenções tradicionais do samba e do chôro. Como influências não tradicionais encontrou
o uso de idiomatismos “como a suspensão do campo harmônico a partir do uso (...) do para-
lelismo” 17oriundos, de acordo com Lemos, das influências das obras de Villa-Lobos e Leo
Brouwer. Outra influência estrutural da música de concerto seria o “equilibro das vozes em
momentos polifônicos”18. Lemos também nota a influência do Jazz, especialmente dos gê-
neros “Cool Jazz” e Be-Bop por meio do uso de “acordes por quartas, escalas alteradas, de
tons inteiros e o uso extensivo de acordes alterados”19.
O pesquisador ainda conclui dizendo que Marco Pereira apresenta características
que se “enquadram no processo histórico do violão popular brasileiro que se iniciou no co-
meço20 do século XX”21. Embora ainda incorra na separação entre “popular” e “erudito”, no-
ta-se que Lemos concorda que o processo de mescla de estilos faz parte da produção brasi-
leira para violão.
Em outra direção, a pesquisa de Thomaz22 (2014) tenta construir um perfil do estilo
composicional de Marco Pereira buscando elementos unificadores em uma amostragem
mais abrangente de composições do violonista-compositor em questão. Partindo, também,
da constatação das práticas híbridas de Marco Pereira, embasadas pelas definições de Peter
16 “O estilo composicional de Marco Pereira presenta na obra Samba Urbano. Uma abordagem a partir de suas
Pernambuco, Américo Jacomino, Dilermando Reis e Garôto que estão localizados temporalmente no início do
século XX.
21 LEMOS, 2012, p. 55.
22 “A linguagem musical e violonística de Marco Pereira: um simbiose criativa de diferentes vertentes”.
23
Burke e Acácio Piedade, Thomaz empreende uma análise do arranjo da música My Funny
Valetine, chegando à conclusão de que este “é uma amostra do diálogo entre as tradições da
música popular e da música erudita na geração de um produto artístico novo, de difícil en-
quadramento”23.
Em seguida, o pesquisador empreende uma análise da linguagem de Marco Pereira
se atendo basicamente na fusão de dois aspectos. O primeiro é a assimilação (ou tradução)
de ritmos tradicionais da música brasileira para o violão e, em seguida, a linguagem harmô-
nica de Marco Pereira, apontando que ele utiliza vários voicings recorrentes da tradição do
Jazz norte-americano. Tenho a apontar que o trabalho de Thomaz, nesse sentido, foi alta-
mente detalhado e bem-sucedido. Entretanto, parece ter faltado evidenciar com mais ênfase
os aspectos da música de concerto na obra de Pereira, tal como feito por Lemos.
Pode-se concluir que, se por um lado, esta revisão bibliográfica revelou que desde o
começo do século XX existe, na produção brasileira para violão, uma tendência a absorver
influências de diversas culturas e, também, uma certa liberdade, entre os compositores, de
transitarem entre o que eram consideradas as práticas e os materiais musicais oriundos da
música de concerto e os da música popular - principalmente como apontado na pesquisa de
Pereira (2007). Por outro lado, essas pesquisas apontaram que essa produção esteve, e ain-
da está em alguns casos, submetida ao crivo das categorizações sociais, que não levavam em
consideração o conteúdo musical propriamente dito, mas, sim, as distinções sociais basea-
das em narrativas que legitimavam o repertório enquanto nacional ou estrangeiro; ou en-
quanto “popular” ou “erudito”. O risco que se corre ao analisar um repertório contemporâ-
neo com auxílio de ferramentas, ou sob a ótica de uma visão de mundo cada vez mais dis-
tante, é o de perpetuar vícios contidos nesses próprios discursos. Não se trata de separar e
categorizar os materiais e autores a partir de um conceito prévio e, sim, de evidenciar a
forma como eles trabalham e como isso dialoga com o contexto sócio-cultural brasileiro
contemporâneo. O risco que se corre aqui é o de não alcançar uma completa fusão entre a
ferramenta e objeto, mas é o caminho que optei para esta pesquisa
Por meio da pesquisa de Pereira, foi possível constatar a importância de uma abor-
dagem mais panorâmica do repertório e não apenas focada em um compositor. Esse tipo de
abordagem pode apontar para novas formas de expor a relação entre o repertório brasilei-
ro e o contexto sócio-histórico no qual ele se insere, evitando que generalizações ancoradas
em casos específicos sejam realizadas. É nesse sentido que tentarei compreender a produ-
ção brasileira atual em relação ao contexto sócio-histórico brasileiro. Outra contribuição
que busco oferecer é expor o conceito de estereótipo como uma das formas de representa-
ção simbólica a partir da visão do outro. Mais adiante neste capítulo esse conceito será de-
senvolvido.
1.3 Interlúdio: Identidade e estereótipo
Minha hipótese neste trabalho parte da constatação empírica de que existe uma ex-
pectativa específica baseada em estereótipos, no que diz respeito ao conteúdo musical, do
público e dos músicos estrangeiros quando se fala em música brasileira. Acredito que a
maior penetrabilidade social de gêneros como Chôro, Samba e Bossa-Nova alinhada com
um tardio desenvolvimento do repertório violonístico que contemplasse outros gêneros
(sejam de música brasileira, ou de correntes mais universalistas como a vanguarda) ajuda-
ram a enfatizar um fazer musical que se relaciona mais com a construção da narrativa de
identidade Nacional do início do século XX, do que com o atual cenário sociocultural brasi-
leiro, mais diverso, urbano e cosmopolita.
Quero dividir o restante deste capítulo em três momentos. O primeiro será o de ex-
posição dos conceitos que usarei no restante deste trabalho e como eles se relacionam. O
segundo momento será uma breve exposição histórica do desenvolvimento do repertório
violonístico brasileiro. Por fim, gostaria de analisar como o repertório composto nos últi-
mos 30 anos foi absorvido pelo meio do violão de concerto.
1.3.1 Conceituando: Estereótipo
Neste trabalho usarei o conceito de estereótipo de acordo com o definido por Homi
Bhabha no seu livro “O Local da Cultura” (2013). Para Bhabha o estereótipo é “uma forma
de conhecimento e identificação que vacila entre o que está sempre ‘no lugar’, já conhecido,
25
e algo que deve ser ansiosamente repetido”24. Para Bhabha, um estudioso das relações pós-
coloniais, estereótipo deve ser analisado sob a ótica do fetiche Freudiano, por ambos serem
“a recusa da diferença”25 como mecanismo de poder. Não vou entrar em detalhes sobre a
visão de Bhabha na relação de poder dos sujeitos coloniais. Vou aqui extrapolar o conceito e
aplicá-lo na relação da Identidade com o campo da indústria cultural, considerando que a
última se utiliza de culturas e identidades para criar produtos com aceitação e penetrabili-
dade no mercado. Mas antes concluo sobre o estereótipo na visão de Homi Bhabha
O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação. É uma
simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao negar o jogo
da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema para
a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.
(BHABHA, 2013, p. 130).
É dizer, portanto, que o estereótipo é uma forma de representação que não permite
ao seu objeto a possibilidade da autodeterminação por meio da oposição com aquele que
Bhabha chama de “Outro” - um sujeito externo. Mas antes é uma representação que permite
apenas ao agente externo determinar a identidade do sujeito-objeto. Em termos mais sim-
ples: é uma determinação exercida de fora para dentro. Mas como o estereótipo pode ser
um produto da relação identidade nacional-Indústria Cultural? Para isso caberia, primeiro
definir o conceito de identidade nacional.
1.3.2 Conceituando: Identidade
Stuart Hall divide os sujeitos e suas identidades em três tipos, sendo um deles a
“identidade do sujeito sociológico”26. Esse termo estabelece a ideia de que um indivíduo não
é autodeterminado, mas sim um resultado da interação de seu “centro essencial” com o
meio social em que vive. A identidade, então,
nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” -
entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós mes-
De forma que se cria uma simplificação daquilo que é real, objetivando o lucro. Esta
simplificação permite a confirmação daquilo que as pessoas já acreditam ser o real. Como o
já citado Puterman afirma,
Os produtos culturais constituem sempre um meio de comunicação, na medida em
que serão consumidos por uma coletividade e, portanto, interpretados por esta
(como a palavra é também interpretada para poder funcionar), não fogem à regra,
e, também, têm função tanto de aproximação quanto de distanciamento. (Puterman,
1994: 40)
1.3.4 Desenvolvimento: processo de transformação de identidade em estereótipo
É possível, então, de forma pertinente, gerar uma relação entre indústria cultural e
identidade nacional semelhante àquela relação existente entre colono e colonizado. Levan-
do em conta que tanto para a indústria cultural, quanto para o colono, o importante é esta-
belecer uma forma de tirar proveito de determinadas características do colonizado ou de
determinada identidade (nacional), neste caso resultando na geração de um estereótipo.
Então, do ponto de vista mercadológico, é natural que haja o estabelecimento de estereóti-
pos dentro da elaboração de rótulos para que se crie o aspecto de fixidez e previsibilidade
com o objetivo de se atingir o sucesso comercial.
O interessante é notar que, no caso da música brasileira para violão solista, esse es-
tereótipo acabou criando uma situação em que se encontra por um lado a repetição e con-
gelamento de um determinado tipo de linguagem – que, não obstante a sua importância no
desenvolvimento da música brasileira, não corresponde totalmente às práticas vigentes na
produção atual. Por outro lado, se dá uma legitimação dos gêneros brasileiros por meio da
criação de produtos que estariam ligados à uma tradição da “música erudita”.
Portanto, acredito que seja possível apontar que, mesmo não estando ciente, o intér-
prete ao apresentar uma obra ao vivo, ou mesmo ao registrá-la em áudio, participa da cons-
trução de significados e de narrativas sociais. De tal maneira que as escolhas de repertório
dos intérpretes são capazes de reforçar narrativas, inclusive as de identidade nacional, es-
tas já moldadas sob a pressão do estereótipo, especialmente quando o próprio produto fi-
nal, no caso do registro sonoro, se coloca como algo representativo de determinada cultura.
29
2008.
34 JUNG, 2008, p. 18.
31
por isso, é comum encontrar em diversos tipos de sociedade, de tempos históricos distintos,
símbolos semelhantes ou equivalentes. Já os símbolos culturais, que interessam a esta pes-
quisa, são aqueles que servem a um propósito narrativo e que foram elaboradas a ponto de
serem aceitas em sociedades civilizadas.35
Os símbolos culturais são mencionados por Hall ao dizer que
As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas tam-
bém de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo
de construir sentidos que influencia e organiza tanto as nossas ações quanto a con-
cepção que temos de nos mesmos. (HALL, 2015, p. 31).
Podemos concluir então que o símbolo é um meio para trazer o discurso da forma-
ção e legitimidade da nação a um plano decifrável para as comunidades e sociedades mo-
dernas. Ele serve para explicar, engajar e unificar as pessoas por meio de ideais comparti-
lhados. Essa ideia é ecoada por nomes importantes como o violonista Fábio Zanon. Ele afir-
ma que “como o café e o futebol, o violão está indissociavelmente ligado a uma visão sócio-
cultural do Brasil, e nossa identidade musical é impensável sem a sua presença”36. A insti-
gante afirmativa de Zanon atribui ao violão uma função simbólica de comunicar (represen-
tar) o que é “ser brasileiro”. Em termos práticos, o violão seria o instrumento que natural-
mente se enquadra nos fazeres musicais brasileiros. Mas como podemos identificar isso no
violão e na música escrita para o instrumento?
O violão, neste caso, funciona como uma espécie de mediador entre a “Nação” (ou a
música nacional) e o povo. Sua imagem lembrará os gêneros musicais que ele veicula. Estes
gêneros, por sua vez, são manifestações que expressam as características do que é chamado
de brasilidade. Em termos mais precisamente musicais, a narrativa da brasilidade, caracte-
rizada pela miscigenação (mestiçagem) do povo brasileiro, teve como símbolos gêneros
brasileiros que uniam de padrões rítmicos de origem africana ou afro-brasileira com os pa-
drões melódico-harmônicos europeus - como Samba, Chôro, Baião. Entretanto, constatar
isso é também constatar a relegação ao segundo plano das influências indígenas dentro da
35 Ibid: p. 117.
36 ZANON, 2006.
32
37 In: TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: um tema em debate. 3ª Ed. São Paulo: Editora 34, 1997.
33
Estes podem ser considerados alguns dos fundadores do “clássico violão popular
brasileiro”38, que reflete muito bem o fazer musical no Brasil até meados dos anos 60 do sé-
culo XX.
1.4.2 Violão como símbolo de brasilidade: A brasilidade dos compositores do
Nacional-Modernismo
Mário de Andrade atuou como espécie de guia estético dos compositores eruditos e
se preocupou muito mais com o estudo da música que hoje chamaríamos de folclórica do
que com a valorização da música popular urbana. Ele tinha como objetivo claro criar uma
“música artística” que fosse reflexo da identidade do povo brasileiro. De forma que ele
acreditava que o dever dos compositores era apreender esse imaginário musical comparti-
lhado. Barbeitas sintetiza da seguinte forma o pensamento Andradiano
Mário de Andrade inclui no Ensaio (sobre a música brasileira) um esboço de projeto
estético de nacionalização da música artística (erudita) que evoluiria em três fases,
partindo exatamente da utilização ostensiva de ritmos e melodias folclóri-
cas/populares (tese nacional), passando pelo amadurecimento composicional dessa
utilização (sentimento nacional) até chegar ao ponto em que tanto os materiais
quanto a técnica de composição refletissem naturalmente, sem necessidade de
afirmação voluntariosa, a brasilidade (inconsciência nacional). (BARBEITAS, 2007:
p. 134)
É importante, entretanto, dar atenção a duas coisas: a música popular que deveria
seguir de guia e modelo para Mário de Andrade é a música folclórica, aquela vinda de um
Brasil que não estivesse sofrendo com as influências estrangeiras da época. Notam-se, por-
tanto, dois movimentos de distinção no discurso andradiano: o primeiro que revela uma
diferença entre popular/folclórico e a música “artística”; e o segundo relativo a autenticida-
de da música popular urbana enquanto genuinamente brasileira, uma vez que estaria sujei-
ta às influências dos modismos estrangeiros.
Contudo, é interessante notar que a única peça brasileira publicada que se alinhava,
ou ao menos dialogava, com os ideais no nacional-modernismo de Andrade era o Chôros
Nº1, de Heitor Villa-Lobos. Como evidenciado pelo pesquisador Humberto Amorim esta “foi
38 Termo utilizado pelo famoso Duo Assad para dar nome ao seu cd comemorativo de 50 anos de carreira e
que incluía peças de todos os compositores citados, como forma de tributo a essa tradição.
34
41 Texto original: “Axiologically speaking, cultural relations are no longer vertical but horizontal: no culture
can demand or be entitled to subservience, humility or submission on the part of any other simply on the ac-
count of its own assumed superiority or ‘progressiveness’”.
42 DUDEQUE, 1994, p. 103.
36
Esta é uma lista extremamente curta e resumida de nomes que estão atuantes no
mundo violonísitco como compositores. Escolhi mencionar estes pois é exatamente neles
que este trabalho estará focado. São compositores que, de uma certa forma, ainda estão lo-
calizados - tanto geográfica como simbolicamente - em uma grande narrativa construída e
legitimada pelas regiões mais desenvolvidas do país. É sem dúvida um recorte limitado,
ainda assim rico o suficiente para servir de ilustração à minha premissa.
No segundo capítulo tratarei da análise de obras de seis compositores para evidenci-
ar como a brasilidade tem sido articulada no repertório brasileiro mais recente. Quero ago-
ra seguir para a terceira e última parte deste capítulo, onde vou tratar da receptividade do
repertório brasileiro para violão nos campos da editoração de partituras e de registros fo-
nográficos.
1.6 A “Industria do Violão” e a confirmação do estereótipo
Nesta parte do trabalho me proponho a analisar como os intérpretes e os meios
mercadológicos absorveram o repertório brasileiro para violão. Por “meios mercadológi-
cos” entendo todos aqueles produtos e materiais que ajudem na difusão da música, sejam
eles CD’s/DVD’s, partituras, métodos ou mesmo livros. Para ilustrar essa minha premissa,
quero exibir alguns dados retirados do catálogo de uma das maiores difusoras da música
para violão clássico no exterior, neste caso escolhi a Guitar Solo Publications (GSP), com ba-
se nos Estados Unidos44.
A GSP é um selo de publicação de partituras, métodos e CD’s e seu dono-fundador,
Dean Kamei, recebeu no ano de 2014 o “Industry leadership award” concedido pela Guitar
Foundation of America (GFA), uma das maiores instituições dedicadas ao violão da atualida-
de45. Localizada na cidade de San Francisco, Califórnia e tendo publicado pela primeira vez
44 Há atualmente iniciativas como o site Acervo Digital do Violão Brasileiro, uma iniciativa que produziu até
agora três concursos de composição para violão, contanto com um amplo apoio de nomes importantes do ins-
trumento como Sérgio Assad, Marco Pereira e Fábio Zanon, tendo produzido como produto, até agora, três
CD’s e dois álbuns de partituras dos quais falarei mais adiante neste trabalho. Recentemente, também, inciou-
se a Guitarcoop, uma cooperativa de violonistas brasileiros e estrangeiros que lançou seis CD’s até o momento
e têm produzido conteúdo disponível em seu canal na rede social youtube.com.
45 Eu mesmo estive presente na convenção internacional do GFA e na cerimônia de premiação Entretanto, ele
em 1985, a GSP conta, hoje, com 265 títulos em seu catálogo de partituras, que vão de ar-
ranjos à composições originais para o violão46. Consultando esse catálogo online, constatei
que a GSP lista 216 títulos entre partituras e métodos, dos quais 76 são de autoria de com-
positores brasileiros47, em termos percentuais equivale a 29,8%, ou seja, quase um terço
das publicações é de compositores brasileiros. Dos 43 CD’s lançados pela GSP, doze (27,9%)
são dedicados majoritariamente ou completamente à música brasileira. O site ainda fornece
uma lista dos 64 artistas que publicaram partituras ou lançaram CD’s pelo selo, dos quais
18 são brasileiros (28,1%).
A partir dessas listas, podemos extrair qual é a demanda que a GSP está suprindo. Ao
ver os nomes dos artistas, onde estão incluídos três autores de obras que serão analisadas
neste trabalho, vemos que todos eles estão fortemente ligados a uma linha de fazer musical
que confirma a narrativa da “tradição inventada” brasileira. Nomes importantes e emble-
máticos dentro da história do violão no Brasil como Garoto, Dilermando Reis e Baden Po-
well, e nomes igualmente importantes, porém mais atuais como Antônio Madureira, Marco
Pereira, Paulo Bellinati e Sérgio Assad. Todos esses artistas ajudam a reforçar a imagem por
trás do rótulo de “violão brasileiro” e o fato de uma das maiores produtoras de meios para
violão dos Estados Unidos focar quase 30% de seus lançamentos nesse tipo de produtos nos
aponta qual é o interesse de uma boa parcela do público ouvinte e profissional de violão.
A construção de um repertório se dá por meio da articulação dos interesses de várias
partes, notadamente intérpretes (contando aqui amadores, performers e estudantes), públi-
co e indústria (caracterizada como aquela que articulação entre publicação de partituras e
gravações de CD’s). Não cabe ao escopo deste trabalho determinar por quais mecanismos
ou quais e como são as relações que se estabelecem dentro desse sistema. Dito isso, me
proponho nesta parte a analisar como a música brasileira para violão está representada
dentro da indústria nas suas duas formas: 1) nas partituras publicadas: quais composito-
res? Quais editoras? Quais gêneros? E, em seguida 2). Quais obras estão sendo mais grava-
das? Quais gêneros? O objetivo final é tentar entender como foi a receptividade das partitu-
ras publicadas.
por Sávio ser de origem uruguaia e ter tido sua formação musical fora do Brasil.
39
1.6.1 As partituras publicadas
A listagem das partituras obedeceu aos seguintes princípios: apenas obras para vio-
lão solista; listadas apenas editoras que tenham seu catálogo online e atualizado; a sua es-
pecificidade, ou seja, editoras dedicadas exclusivamente ou majoritariamente ao repertório
violonístico e, finalmente, a representatividade da editora dentro do repertório. De forma
que algumas faltas serão sentidas: os acervos das editoras brasileiras como Irmãos Vitale e
a Ricordi Brasileira que, notadamente, são importantes na construção do repertório violo-
nístico brasileiro. Entretanto, pela própria dificuldade de acesso, em outros países, às parti-
turas que são lançadas no Brasil - muitas delas fora de catálogo e difíceis de acessar até
mesmo dentro do país – optei por não incluí-las nesta listagem, acreditando, também, que
isso não acarretou em perda significativa para os fins desta pesquisa. Abaixo estão as listas
das editoras GSP e Max Eschig, as demais podem ser encontradas no Apêndice 1. As listas de
discos podem ser encontradas no Apêndice 2.
GSP
COMPOSITOR TÍTULO EDITOR/TRANSCRITOR
35. Waldemar Henrique Five Songs from the Amazons Isaías Sávio
62. Baden Powell The Works of Baden Powell Vol. 1 Edmar Fenício
63. Dilermando Reis The Works of Dilermando Reis Vol. 1 Ivan Paschoito
64. Dilermando Reis The Works of Dilermando Reis Vol. 2 Ivan Paschoito
43
MAX ESCHIG
AUTOR TÍTULO EDITOR/TRANSCRITOR
13. José Antônio de Almeida Prado Livre pour Six Cordes Turíbio Santos
1.6.2 Análise dos dados
A partir das listas elaboradas foi possível chegar a algumas conclusões. A primeira é
o razoável interesse das editoras estrangeiras em publicar música brasileira, temos aqui
representadas editoras sediadas na Alemanha (Chanterelle Verlag e Tonos), Estados Unidos
(GSP, Orphée, Melbay e Columbia), Canadá (D’Oz), Itália (Bérben) e França (Max Eshig).
A segunda conclusão é que se trata de amostragem diversificada tanto em estilos,
quanto em épocas. Temos nacionalistas do início do século XX (como Villa-Lobos e Migno-
45
ne), os tocautores48 da lista de Márcia Taborda aparecem publicados (como João Pernambu-
co, Garôto e Laurindo Almeida), também aparecem nomes ligados à música de concerto e de
uma linha mais eclética (como Edino Krieger, Ricardo Tacuchian e Alexandre Eisenberg) e
diversos tocautores contemporâneos (como Marco Pereira, Sérgio Assad e Paulo Bellinati).
Em menor grau, mas ainda digno de comentário, é a prática da transcrição, variando entre
grandes nomes da Bossa-Nova (como Jobim), modinhas imperiais, canções folclóricas e
nomes importantes da música instrumental, com um destaque ao interesse pela obra de Er-
nesto Nazareth. Focando na lista de Márcia Taborda encontramos 7 nomes (Laurindo Al-
meida, Luíz Bonfá, João Pernambuco, Garôto, Dilermando Reis, Baden Powell e Paulinho
Nogueira) dos 26 listados.
Nota-se que duas editoras se destacam na quantidade de partituras publicadas. A
primeira, com bastante vantagem, é a americana GSP com 65 títulos divididos entre 17 au-
tores diferentes (existe mais uma coleção com diversos autores). Já a francesa Max Eschig
publicou 29 títulos divididos contando com 13 autores diferentes. O foco das publicações de
música brasileira das duas editoras é bastante diferente. Enquanto a primeira serve como
divulgadora, principalmente, de obras de tocautores, por outro lado, a Max Eschig publica
obras de “compositores de ofício”, ou seja, aqueles que não necessariamente interpretam as
suas músicas. Como a Max Eschig é uma editora mais antiga e ligada a uma tradição da mú-
sica de concerto europeia, isso não é nenhuma surpresa.
Outro fato interessante é a presença constante de Turíbio Santos como editor na Max
Eschig. Nesta função, Santos realizou um trabalho muito importante de divulgação de novas
obras brasileiras. Já na GSP podemos ver outros nomes importantes do violão brasileiro
como Carlos Barbosa-Lima, Marco Pereira e Paulo Bellinati. Estes trabalhando principal-
mente como compositores e o primeiro como transcritor e editor de obras.
48 Termo utilizado por Stanley Fernandes (2014) para designar os compositores que aliam as suas composi-
ções à própria prática instrumental. Um termo mais independente é tocautoria que descreve “atividades artís-
ticas onde ainda persistem as noções independentes de composição e performance.”.(FERNANDES, 2014, p.
108)
46
1.6.3 Os álbuns
À medida que buscava elaborar uma forma de analisar como a música brasileira es-
tava representada na discografia violonística pós-1950 me deparei com um problema: a re-
lativa escassez de discos dedicados exclusivamente ao repertório brasileiro. Ainda assim,
encontrei uma discografia, equivalente em quantidade, de música latino-americana onde a
música brasileira se encontrava presente. Para adequar a pesquisa à realidade da produção
fonográfica resolvi separar os discos em duas categorias: 1) aqueles que indicam conter
músicas de conteúdo étnico/regional latino (incluindo América Latina e países ibéricos, es-
pecialmente a Espanha) e que contenham música brasileira; 2) discos dedicados exclusiva-
mente à música brasileira. Dessa forma, pude manter os critérios para incluir o maior nú-
mero de discos possível a fim de ter uma amostragem mais ampla e mais próxima o possível
da realidade. Os critérios para que os discos fossem incluídos na lista foram:
1) Indicar, no título, uma possível identidade étnica/nacional: títulos como “Latin
American Guitar Music”, “Brazilian Festival” e correlatos;
2) Relevância e alcance da gravação: prestígio das gravadoras, por exemplo, um disco
lançado pela Decca, Deutsche Grammophonne ou Naxos possui um grande alcance comerci-
al, com distribuidoras de CDs físicos e discos digitais.
3) Relevância e alcance do intérprete: isto pode dizer da relevância do intérprete tanto
dentro do nicho do violão de concerto brasileiro, quanto do violão clássico mais amplo. Daí
a presença de nomes como Pepe Romero, Turíbio Santos, Sharon Isbin, Marco Pereira e
Paulo Bellinati.
4) O fácil e confiável acesso e disponibilidade, para fins de conferência de dados, em si-
tes dos artistas, das gravadoras ou em plataformas digitais onde o artista tenha que autori-
zar a disponibilização do álbum (i.e. Spotify).
Discos e artistas que se encaixaram em, ao menos, 3 dos 4 critérios foram incluídos.
Isso não quer dizer que esta lista tenha alguma intenção de ser completa, contendo todos
os discos onde haja música brasileira para violão, e sim de ser uma lista representativa, de
maneira que acredito que os resultados são bastante confiáveis.
47
1.6.4 Discos de Música Latino-Americana
O primeiro registro encontrado de disco de música latino-americana com a presença
de música brasileira foi de 1969, com o disco de Turíbio Santos “Classiques d’Amerique Lati-
ne”, lançado pelo selo Erato, hoje parte da Warner Company. No total foram listados 15 dis-
cos, todos lançados no exterior e nota-se um aumento considerável no lançamento de dis-
cos com essa temática a partir da década de 1990. Não cabe a este trabalho responder ou
apontar os motivos de tal fato, mas é um dado a ser considerado e tecerei algumas conside-
rações à respeito no final deste capítulo.
Dentre os compositores brasileiros, aquele que apareceu mais vezes nas gravações
foi Heitor Villa-Lobos, figurando em 10 discos, seguido de João Pernambuco, em 3, e de uma
série de compositores que aparecem em dois discos (Tom Jobim, Dilermando Reis e Isaias
Sávio). A obra mais gravada é, por ampla vantagem, o Chôros Nº1, de Heitor Villa-Lobos. Cu-
rioso é o fato de a segunda obra de caráter brasileiro mais gravada é o Chôro da Saudade, do
paraguaio Agustín Barrios, com 4 gravações. Em seguida, Sons de Carrilhões, de João Per-
nambuco e a Danza Brasilera, do argentino Jorge Morel, com três gravações.
Esse amplo domínio de Heitor Villa-Lobos nas gravações solistas certamente pode
ser explicado por diversos fatores: por conta do tempo em que a obra esteve publicada, co-
mo apontado anteriormente, desde meados da década de 1920; as execuções em concertos
por Regino Sanz de la Maza; e as gravações de figuras importantes como Julian Bream e a
sua relação íntima com Andrés Segovia, ambos figuras importantes do violão clássico mun-
dial que certamente influenciaram também. É digno de nota como a Bossa-Nova, mesmo
estando intimamente ligada ao violão e sendo considerada um forte produto cultural ligado
ao Brasil figurou pouco nas gravações. Ainda é interessante notar que há uma peça de cará-
ter brasileiro, composta por estrangeiro, que figura entre uma das mais gravadas, alcançan-
do o mesmo número de gravações de Sons de Carrilhões: a Danza Brasileira, do argentino
Jorge Morel. Esta peça chega a ser representante isolada de música brasileira no disco “La-
tin American Guitar Festival”, do violonista Gerald Garcia. Essa Danza Brasilera é uma das
peças que serão analisadas no próximo capítulo.
48
la-Lobos e Radamés Gnattali. Poucos são os compositores gravados que dialogam com os
gêneros de vanguarda.
Apenas três discos trazem compositores com tendências mais universalistas: Musi-
que Bresilenne, de Turíbio Santos, Música Nova do Brasil, de Sérgio Assad e Nova Música
Brasileira, de Mário da Silva. Os dois últimos foram lançados de forma independente de
grandes gravadoras e o primeiro foi o único dentro de uma grande gravadora que abriu es-
paço para música de vanguarda ou sem uma estética nacional. Com o acréscimo de que o
mais recente deles foi lançado em 1997, e os outros dois há mais de 30 anos. Dentre os
compositores que estão nesses discos, o único que recebeu mais de uma gravação foi Edino
Krieger, com a peça Ritmata, que figura nos álbuns de Turíbio Santos e Mário da Silva.
O disco de Mário da Silva, aliás, é o único dos 18 listados que demonstra alguma in-
tenção de contextualizar a produção brasileira para violão solista de uma maneira mais
ampla, onde apareçam compositores ligados a diferentes tendências e de diferentes perío-
dos históricos. Isso pode ser um indicativo tanto das preferências musicais de cada intér-
prete, como da concepção dos álbuns, quanto de pressão comercial das gravadoras, quando
houver a possibilidade de pressão nesse sentido.
1.6.6 Cruzamento de dados
Nas listas de autores publicados temos 40 nomes de autores publicados nos EUA e
na Europa. Desses 40, 15 não ganharam nenhuma gravação. Ao mesmo tempo, foi possível
contar 36 autores que não estavam na lista de partituras publicadas apresentada neste tra-
balho, sendo que apenas um deles recebeu gravações tanto da lista de discos de música lati-
no-americana, quanto da lista de discos com música brasileira, que é o compositor Armando
Neves. A música Beatriz de Chico Buarque de Hollanda e Edu Lobo, autores que também
não aparecem nas listas de partituras publicadas, recebeu duas gravações em álbuns dedi-
cados à música brasileira.
Com relação às músicas publicadas, se por um lado vários compositores foram gra-
vados, não se pode dizer o mesmo com relação às músicas. Algumas músicas obtiveram, na-
turalmente, maior sucesso que outras, como é o exemplo de Sons de Carrilhões e do Chôros
Nº 1. Essas duas peças são exemplos pertinentes do tipo de repertório que é mais usual-
50
mente associado ao “Brazilian Guitar Music”. Sâo dois choros compostos no início do Século
XX, com as características que mencionei anteriormente (harmonias triadicas, uso da sínco-
pe característica). Obras compostas em estilo brasileiro, como no caso de “Danza Brasilera”
(que será analisada no segundo capítulo), são um exemplo contundente de como essas ca-
racterísticas são, de fato, absorvidas e reforçadas por artistas tanto na hora de compor,
quanto na hora de montar seus repertórios.
Por outro lado, é possível se sentir otimista quanto à variedade e quantidade de par-
tituras disponíveis par serem exploradas.
1.6.7 Conclusões
Lembrando que restringimos nossa análise às listas elaboradas, o fato de um compo-
sitor não haver figurado entre os listados não significa que nunca recebeu uma gravação e,
sim, que ele não ficou entre discos que fazem referência a uma identidade nacional. Por
exemplo, Antônio Madureira teve obras gravadas por Cristina Azuma em um álbum que
agrupou músicas com outras temáticas. Muitos dos tocautores que não apareceram aqui
gravaram suas obras, como, por exemplo, Maurício Marques e Paulinho Nogueira.
Focando-me agora nas conclusões, é possível constatar que o trabalho de gravar está
intimamente ligado àquele de compor ou editar/arranjar peças. A maioria das obras edita-
das ou compostas por Turíbio Santos, foram gravadas por ele. Como já mencionei anterior-
mente, Marco Pereira e Paulo Bellinati são os maiores responsáveis pelo registro de suas
músicas em fonograma.
Há, nas gravações, uma diversidade ainda maior do que aquela que consta nas listas
de partituras publicadas. O que aponta para o interesse dos intérpretes por músicas novas
ou diversas daquelas “legitimadas” pela indústria violonística. Também encontramos, ainda,
um constante uso de transcrições. Grande parte dos álbuns possuem arranjos de canções
folclóricas ou do cancioneiro da MPB.
Em comparação com a lista elaborada por Márcia Taborda, é possível afirmar que,
dos compositores listados, apenas João Pernambuco, Garôto e, até certo ponto, Dilermando
Reis e Luiz Bonfá tiveram maior penetrabilidade no repertório violonístico. É seguro afir-
mar que esses compositores, ao lado de Villa-Lobos, formam grande parte da imagem sono-
51
ra ligada ao que chamamos de “violão brasileiro”. Sem sombra de dúvida, são músicos im-
portantíssimos na história da música no Brasil, entretanto, é possível observar uma certa
distância em arriscar outros compositores, mesmo que estes sigam também uma linha esté-
tica semelhante.
Os motivos para isso podem ser inúmeros e vão desde problemas com o pagamento
de direitos autorais, falta de conhecimento do próprio repertório e, inclusive, pode vir de
pressões de gravadoras. Entretanto, o problema maior que quero apontar é que o foco limi-
tador jogado sobre o repertório afeta não apenas fazeres musicais vanguardistas ou univer-
salistas, mas também a própria percepção da capacidade criativa e diversificada da música
brasileira atual. Essa diversidade estilística não é apontada apenas pela quantidade de
compositores; é corroborada, também, pela rica história do debate cultural no Brasil desde
a virada do século XX até hoje.
A música brasileira é repleta de sutilezas rítmicas ou de referências extramusicais
que, para os ouvidos estrangeiros, podem não estar claras. Ainda mais, a técnica e a própria
estrutura harmônica, melódica e textural das obras para violão mudou bastante em relação
àquela de João Pernambuco, Garôto ou mesmo Villa-Lobos. É nesse sentido que, ao ofuscar
as nuances presentes na música tradicional brasileira e ao enfatizar a continuidade e a uni-
dade em detrimento das mudanças e da diversidade em prol de uma prática que se iniciou
há cem anos, que a indústria tem representado a produção violonística brasileira de forma
estereotipada. No próximo capítulo tratarei de apontar essas diferenças e diversidades den-
tro de um repertório selecionado e mais recente temporalmente.
52
CAPÍTULO 2
(des)Construindo as identidades brasileiras
No capítulo anterior evidenciei como a maioria das peças que aparecem associadas a
uma imagem de “violão brasileiro” foram compostas na primeira metade do século XX. Por-
tanto, essa música reflete as práticas e convenções diferentes daquelas que são praticadas
no Brasil mais de cem anos depois. Mas quais seriam essas práticas?
Evidentemente elas são inúmeras e, de fato, foge ao alcance deste trabalho listá-las
em sua totalidade. Decidi, por questões práticas, focar-me em análises de músicas de seis
compositores, sendo quatro brasileiros e dois estrangeiros. A escolha desses compositores
se baseou principalmente na legitimação que esses músicos possuem dentro do cenário vio-
lonístico brasileiro e internacional. São eles: Antônio Madureira, Marco Pereira, Roberto
Victório, Sérgio Assad e os estrangeiros Roland Dyens e Jorge Morel. Farei uma breve apre-
sentação de cada um deles antes das análises de suas respectivas peças. Gostaria, agora, de
justificar a inclusão de dois compositores estrangeiros, bem como a representatividade esti-
lística de cada um dos compositores brasileiros. Para tal, tratarei a seguir do conceito de
musicalidade.
De acordo com Piedade, musicalidade é “uma memória musical-cultural comparti-
lhada constituída por um conjunto profundamente imbricado de elementos musicais e sig-
nificações associadas”49. Piedade sustenta que a musicalidade é uma característica que é de-
senvolvida e transferida dentro de sociedades que têm símbolos cultivados pelos seus
membros, e que é aprendida por meio do contato direto com e por meio da prática dessa
musicalidade. Músicos como João Pernambuco, Canhoto, Garôto e Dilermando Reis seriam
exemplos dessa comunhão de significações e elementos musicais e, de certa forma, se tor-
naram parte fundamental da “memória musical-cultural” ligada ao violão brasileiro. Aliando
isso ao contexto brasileiro do início do século XX, onde a busca de identidade era um guia
forte, é compreensível que se considere que estes músicos tenham construído a imagem
que temos hoje de “violão brasileiro”. Suas práticas eram simplesmente reflexo do meio em
que estavam inseridos e da prática corrente da época. Eles seriam os verdadeiros fundado-
res do “clássico violão popular brasileiro”50 que reflete muito bem o fazer musical no Brasil
até meados dos anos 1960. Entretanto, me parece incompleto analisar, ou até mesmo exal-
tar, “o violão brasileiro” hoje através do viés de um tempo, que se não está tão distante, já é
completamente diferente do de hoje, um mundo muito mais globalizado.
Em um mundo onde as identidades se tornam cada vez mais pulverizadas e múlti-
plas, é possível afirmar que as musicalidades existentes dentro de um país serão tão múlti-
plas quanto as diferentes identidades que estão ali contidas. Isso não quer dizer que não
exista uma tradição estabelecida dentro de um país como o Brasil, apenas abre a possibili-
dade para diferentes articulações e representações dessa tradição.
A partir do conceito exposto por Piedade e da premissa de que a “brasilidade” é ape-
nas mais uma identidade disponível em um país diverso, torna-se possível explicar como
compositores estrangeiros se interessam e trabalham as características brasileiras em sua
música. De forma que se torna interessante colocar dois compositores estrangeiros dentro
deste trabalho para entender quais características da música brasileira eles trabalham e
como as trabalham.
As análises terão como ponto de partida as próprias obras. Estabelecer um método
rígido de análise para obras de estilos, estéticas e gêneros tão distintos iria colidir com a
própria intenção deste trabalho. Como o próprio Acácio Piedade expõe no artigo “O uso da
linguagem na análise musical”:
O texto analítico, como qualquer outro texto, está sempre dentro de um mundo de
linguagem habitado pelo seu autor e outras vozes externas ou agentes, e portanto
os vocabulários que habitam este texto refletem historicidades, subjetividades e ne-
xos socioculturais particulares. (Piedade, 2015: p. 199)
Como o objetivo deste trabalho é evidenciar as diferentes formas de musicalidade
dos autores estudados, torna-se pertinente partir do material musical primário e não de
uma metodologia analítica que submete o material ao crivo do seu próprio rigor.
50 Termo utilizado pelo famoso Duo Assad para dar nome ao seu CD comemorativo de 50 anos de carreira e
que incluía peças de todos os compositores citados, como forma de tributo a essa tradição.
54
cantadores como os romances e os desafios, por exemplo. Em adição a isso estaria a pesqui-
sa de melodias e formas musicais típicas que serviriam não apenas como base para arran-
jos, mas como material a ser absorvido nas composições próprias do grupo, assemelhando-
se um pouco aos ideais Andradianos.
Por outro lado, como aponta Beavers (2006), Roland Dyens pode ser considerado
um compositor pós-moderno. Isso porque Dyens “embaça a divisão entre grande arte e pe-
quena arte, escolhendo obras que ele aprecia de acordo com a situação. Ele passa de um
estilo musical a outro de acordo com sua vontade”51. Beavers explica que essa versatilidade
de Dyens como compositor e intérprete advém tanto da sua formação como músico clássico
no conservatório de Paris, como dos experimentos e aprendizados que ele realizou fora dos
estudos do conservatório. De acordo com o próprio compositor “à medida que eu escutava
algo que me agradava, eu incorporava aquilo naturalmente nas minhas composições”52.
Assim como Beavers, David Tanembaum (2003) inclui Roland Dyens em um grupo
de violonistas-compositores que têm obtido enorme aceitação no meio violonístico interna-
cional, continuando a tradição de compositores como Sor, Giuliani, Tárrega e Barrios e, ao
mesmo tempo, dissolvendo cada vez mais as fronteiras entre a música de concerto e a mú-
sica popular, ou seja, é uma geração com alto grau de práticas híbridas, livres de ideologias
dicotômicas ou defensores de uma determinada linha estética. Esses compositores estão
muito mais preocupados em decantar seus interesses musicais e expô-los através de sua
música para violão, do que, necessariamente defender bandeiras ideológicas. Não que esse
tipo de prática não tenha espaço, mas a riqueza e diversidade cultural que cabem dentro de
um instrumento como o violão acabou sendo o maior atrativo para esses artistas.
Com tudo isso em mente, não surpreende que o francês Roland Dyens tenha compos-
to diversas obras em caráter brasileiro e escrito diversos arranjos para obras de composito-
res brasileiros como Baden Powell, Tom Jobim e Pixinguinha. Dyens nasceu em 1955 e veio
a falecer durante a elaboração deste trabalho, em novembro de 2016, devido a problemas
de saúde, sendo, então, o único compositor a ter sua obra analisada que não está vivo.
51 Texto original: “He blurs the distinction between High Art and Low Art, choosing Works he likes on a case-
by-case basis. He slides in and out of various musical styles at will”. (BEAVERS, 2006, p. 20, tradução minha).
52 DYENS apud BEAVERS, 2006, p. 20.
56
Uma característica interessante de se notar é a quantidade de indicações interpreta-
tivas contidas nesse trecho. Esse tipo de escrita é muito característico de Roland Dyens não
apenas em composições próprias, como nos seus arranjos e, no caso deste movimento de
Saudades, busca alcançar contrastes de cores, ataques e agógica como forma de realçar o
caráter de improvisação do movimento (por mais contraditório que isso possa parecer).
O que chamei de “exotismo” fica por conta do uso da sonoridade dos modos mixolí-
dio e, principalmente, lídio. Esses modos estão construídos sobre a nota Ré, como pode ser
observado na figura 2 o que explica a utilização da sexta corda do violão afinada um tom
abaixo, desta forma aproveitando uma maior ressonância e um maior número de cordas
soltas com a finalis do modo.
59
As três peças de Antônio Madureira também usam um caráter francamente modal,
como é característico da música do sertão nordestino. Ponteado e Romançário utilizam a
típica alternância entre os modos Ré Lídio e Ré Mixolídio, com uma especial ênfase na quar-
ta aumentada (sol#), enquanto Maracatu está em Mi Mixolídio.
Rituel funciona como uma forma de prelúdio que introduz o segundo movimento,
Danse. Este movimento apresenta o padrão rítmico do tresillo, típico do baião, executado
nos bordões, deixando claro a qual dança (ou gênero) o título desta parte alude. Esse tipo de
textura é também usado por Antônio Madureira em Ponteado.
Figura 3: Scordatura do violão com a sexta corda afinada em Ré e realização do ritmo do baião nos bordões
Mais uma vez pode-se observar como esta scordatura favorece o caráter modal das
peças, uma vez que é possível criar um padrão rítmico que se baseia apenas na finalis e cofi-
nalis (fundamental e quinto grau da escala) usando apenas as cordas soltas, deixando os
dedos da mão esquerda livres para executarem as melodias e as harmonias.
Madureira trabalha essa textura na segunda parte de Ponteado preenchendo a col-
cheia do segundo tempo com o colorido da harmonia.
60
Figura 4: Textura com o ostinato de tresillo e acordes construídos com sobreposições de terças, quintas e sex-
tas. Compassos 28-33 de Ponteado, de Antônio Madureira
A construção harmônica deste trecho é, na verdade, uma sobreposição de intervalos
de quintas, terças e/ou sextas, ainda reminiscentes das conduções melódicas tradicionais
da viola-caipira. Mais adiante, na figura 10, pode-se observar que Dyens utiliza essa textura
como um acompanhamento em ostinato, deixando que o colorido harmônico seja sugerido
pela harmonia.
Cabe falar um pouco da estruturação da melodia em Danse, em comparação com as
melodias compostas por Madureira. O aspecto melódico é fundamental nas obras de Madu-
reira, uma vez que elas remetem diretamente às sonoridades do sertão nordestino. A estru-
turação básica das melodias de Madureira é feita por meio dos graus conjuntos e, majorita-
riamente, pelos intervalos melódicos das terças maiores e menores. Esses intervalos são
intercalados ora por ornamentos, ora por notas de passagem, como podemos observar nes-
te trecho de Romançário:
Figura 5: Notas de passagem nos compassos 1-3 de Romançário, de Antônio Madureira
Também podemos encontrar esse tipo de preenchimento por meio de antecipações
em Ponteado.
61
Elaborei uma versão com as notas que formam o esqueleto melódico em destaque
para que essa estrutura em terças fique mais clara.
Figura 7: Estrutura melódica em terças nos compassos 3-5 de Ponteado, de Antônio Madureira
Chamo a atenção para a textura exposta nos exemplos 4 e 5. Existe um pedal em rit-
mo de colcheias que remete à uma textura típica da viola-caipira. Compare o exemplo abai-
xo da música Sussa, de autoria do violeiro Seu Minervino54 com o exemplo das Figuras 4 e 5.
Figura 8: Textura com pedal na viola-caipira. Introdução da peça Sussa, do violeiro Seu Minervino
Uma forma interessante de ornamentar esses intervalos de terça aparece em Ponte-
ado. No exemplo a seguir, é possível notar a melodia construída com um artifício que, de
acordo com Nóbrega (2000), o próprio compositor denominou como “nota rebatida”.
Vemos que esse artifício consiste em preencher o intervalo de terça com uma espé-
cie de “nota guia” que ora se torna passagem, ora se torna apojatura, agrupando o resultado
em ligaduras de duas notas. Este é um efeito que pode ser observado em outras músicas de
Madureira presentes nos discos do Quinteto Armorial, como Toré do disco “Do Romance ao
Galope Nordestino” de 197455. Texturalmente as peças de Madureira são muito simples,
consistindo basicamente de melodia e de pedais. Desta forma, não há uma condução har-
mônica que seja de particular importância, as harmonias surgem mais como resultantes de
encadeamentos melódicos em bloco ou do uso de cordas soltas. Analisarei mais adiante es-
tes aspectos, na parte onde falarei especificamente das obras de Madureira.
Já na peça de Roland Dyens encontramos uma relação mais integrada entre melodia
e harmonia. Quanto ao aspecto melódico, é proveitoso comparar a construção melódica do
segundo movimento “Danse”, de Saudades Nº 3, com aquela das obras de Madureira. Dyens
também utiliza bastante os movimentos melódicos por salto de terças. No entanto, nota-se
que há uma maior quantidade de progressão de arpejos.
Figura 10: Perfil melódico dos compassos 5-8 de Saudades Nº 3: II. Danse, de Roland Dyens
O fato desse trecho ser construído claramente por arpejos também afeta diretamen-
te a digitação da mão esquerda. Enquanto em Ponteado, todo o trecho é digitado usando
apenas a primeira corda do violão, Dyens utiliza posições fixas de arpejos com cada uma das
notas sendo distribuída entre as três primeiras cordas do violão. Também se nota que
Dyens acaba usando uma tessitura mais extensa que Madureira, além das frases serem mais
longas. Esse detalhe é importante pois aponta para os diferentes pontos de partida de cada
compositor. Enquanto Madureira, para criar o caráter “circular” dos modos, remete a tessi-
turas mais curtas, muito comum em melodias folclóricas ou regionais, Dyens se vale de uma
tessitura mais ampla, se aproveitando do braço do instrumento. Isso pode ser observado na
seguinte comparação entre os compassos 33-37 de Saudades e os compassos 11-14 de Ma-
racatu.
64
Figura 12: Compassos 11-15 de Maracatu, de Antônio Madureira
Nota-se que a peça de Madureira é composta por pequenos fragmentos rítmico me-
lódicos que podem ser agrupados em duas frases de dois compassos. Em adição a isso, há
sempre uma nota que predomina em cada uma dessas semi-frases, construindo uma condu-
ção descendente de quatro notas base (ré-si-fá#-mi) dentro de uma tessitura de 9ª maior. Já
a passagem composta por Dyens, mesmo formada por pequenas semi-frases também, pos-
65
sui um perfil mais sinuoso que se inicia no agudo (fá#-sol#), atinge o ponto mais grave no
Ré bordão e retorna ao Ré da quarta corda do violão com uma tessitura de 11ª aumentada.
Observa-se que, neste trecho, Dyens também tentou evocar a sonoridade dos ritmos
do maracatu. É possível encontrar semelhanças na textura em dois estratos: um mais estáti-
co ritmicamente; outro com uma alta incidência de síncopes, além da evidente diferença da
melodia composta por Madureira estar na voz aguda e a de Dyens, no baixo. Outro ponto
interessante de notar aqui é o uso da técnica dos ligados sem a necessidade do ataque da
mão direita em ambos os casos. O efeito final desta técnica, devido à região do instrumento
em que elas ocorrem, é bem distinto. Enquanto em Madureira encontramos um som mais
percussivo e “arranhado”, talvez evocando algum instrumento como um berimbau, em Sau-
dades temos um som mais cheio e a aveludado, quase aludindo a um contrabaixo tocado em
pizzicato, uma possível evocação a uma sonoridade mais jazzística.
Para encerrar esta análise, a última parte de Saudades Nº3, intitulada Fête et Final,
ou Festa e Final, explora ainda mais essa característica da colagem, da mistura e do ecletis-
mo musical de Roland Dyens. Assim como no primeiro movimento, Dyens explora as carac-
terísticas das escalas mixolídia e lídia, só que desta vez ele varia entre gêneros da música
brasileira, como o Baião e o Samba, e estrangeiros, como o Rock.
Ele abre esta parte com um Riff, uma célula ritmo-melódica, muito característica no
Rock, em conjunto com power-chords, que são acordes formados apenas por quartas ou
quintas.
Figura 13: Riff característico do Rock com o uso da quarta aumentada no compasso 51 de Saudades Nº 3: III.
Fête et Final, de Roland Dyens
Em seguida ele vai se utilizar de uma pequena ponte com a função de estabelecer
uma quebra rítmica, onde ele vai alternar entre diferentes compassos, até apresentar uma
sequência harmônica com o ritmo de samba. Harmonicamente é interessante notar que
66
Dyens utiliza acordes com a quarta aumentada acrescida desde o compasso 51, como apon-
tado na Figura 12. Dyens utiliza esse procedimento em todos os gêneros referenciados, ser-
vindo-se de idiomatismos como as cordas soltas.
Figura 14: Acordes com a quarta aumentada adicionada em Saudades Nº 3: Fête et Final, de Roland Dyens
Tendo em vista o que foi exposto, quero tornar claro o motivo de iniciar estas análi-
ses com uma comparação entre dois compositores tão diferentes. No meu modo de ver,
Dyens e Madureira representam dois polos opostos de visão de Brasil. Antônio Madureira
compôs suas peças na tentativa de evocar as origens do povo brasileiro desde sua formação,
como diz a ideologia Armorial. Ele tenta encontrar a unidade que torna a brasilidade algo
comum em todos os brasileiros, ainda que partindo de uma visão regional. Por outro lado,
Dyens é, como já disse, um cosmopolita. Ele não se limita a compor a partir de sua naciona-
lidade francesa, muito menos tem pudor de se apropriar de outras identidades para cons-
truir sua música. Nesse sentido, Dyens coloca a questão da brasilidade não apenas como
uma questão relativa ao Brasil, mas, sim, como mais uma das possíveis identidades diversas
disponíveis e passíveis de serem articuladas e trabalhadas.
2. 2 Traduzindo outras bossas: o violão caleidoscópico de Marco Pereira
Com numerosa produção artística no meio da música popular, Marco Pereira se es-
tabeleceu atualmente como instrumentista e arranjador, mantendo, também, outras ativi-
dades paralelas tão prolíficas quanto: a docência e a composição. Nesta pequena introdução,
me ocuparei de fatos que estão mais diretamente ligados à atividade como compositor e
instrumentista de Pereira. Para uma biografia mais detalhada da carreira do tocautor, re-
comendo a leitura da dissertação de Rafael Thomaz (2012).
67
O mais interessante a ser notado nesta última fala de Pereira é a descrição de suas
composições e arranjos como densos. Em música, densidade é um termo geralmente utiliza-
do para se referir à quantidade de planos dentro de uma determinada música, geralmente
ligada mais à música orquestral, devido ao número de recursos disponíveis, desde a varie-
dade de timbres até o número de instrumentistas. Ao falar das características do “violão or-
questral”, Pereira referencia a capacidade inerente do instrumento de criar um grande nú-
mero de nuances texturais e timbrísticas, como veremos mais adiante. No entanto, cabe es-
sa distinção dada ao violão clássico em relação ao violão popular (seja Brasileiro ou de
qualquer outro) já que parece haver uma predileção por texturas mais homofônicas e que
privilegiam linhas e harmonias em detrimento do jogo de planos.
Ainda faltaria explicar como foi aberto o caminho de Pereira em direção a uma ativi-
dade mais ampla como intérprete e compositor. Dentro da já citada entrevista com Zanon,
Pereira prossegue:
Morando em Paris, eu tive um contato muito próximo com o pessoal do Jazz, os mú-
sicos de Jazz que moravam em Paris. Isso mexeu muito com a minha cabeça. Duas
coisas que me faziam pensar, por exemplo, o violão clássico, na época, sofria muito
preconceito. Eu mesmo percebi que, em um determinado momento, eu estava que-
rendo negar essa faceta popular do violão. Parecia que eu estava tentando queren-
do provar que o violão era um instrumento nobre como os outros também. O jazz
abriu pra mim uma nova perspectiva. Perspectiva criativa, em primeiro lugar, e, de-
pois, a possibilidade de tocar com outras pessoas de uma maneira mais livre. A coi-
sa da improvisação. Isso tudo me chamou muito a atenção, fiquei certo que eu não
queria mais seguir a carreira de violonista clássico.58
Complementar a essa declaração, existe outra onde Pereira revela que foi devido ao
seu retorno ao Brasil, quando fundou o curso de violão da Universidade de Brasília, que de-
cidiu que “não queria abrir mão de nada que havia conquistado” – fazendo referência à sua
relação inicial com a música brasileira, com sua formação de músico clássico e sua perspec-
tiva mais “livre” advinda do Jazz. E como essa música híbrida de Marco Pereira relaciona e
manifesta esses elementos?
Dois conceitos são de grande ajuda para responder à essa questão no caso da música
de Marco Pereira: tradução cultural e apropriação, citados por Peter Burke em seu livro Cul-
tural Hibridity (2009). De acordo com Burke, a tradução cultural ganhou força no meio da
58 Ibid.
69
Antropologia durante os anos 50 e 60 e foi cunhado para explicar como antropólogos atri-
buíam termos chaves para palavras faladas por povos que se comunicavam em um idioma
diferente do dos antropólogos. Este conceito, ainda segundo Burke, já extrapolou as frontei-
ras onde teve origem e já inclui “os pensamentos e ações de todos”. O próprio autor aponta
o uso desse conceito para analisar músicas ao dizer:
“In the history of art or music, it may be illuminating to think in similar terms. For
example, a recent study of the alla turca style of music, a music style inspired by the
music of the Ottoman Empire, has decribed it as ‘a set of principles of translation as
much (or more than) a set of imitative devices’. This insight is probably applicable
to other genres and illustrates with particular clarity the value of the term as a
more subtle alternative to simple ideas of imitation.” (BURKE, 2009: 58)
Já a apropriação59 é definida de outra forma por Burke: entre várias explicações, co-
mo a forma de captar, por uma determinada cultura, aquilo que é de maior interesse para
uma determinada prática sem ter que, necessariamente, absorver todas as características.
Burke ainda cita o Movimento Antropofágico como uma forma de manifestar a apropriação
tipicamente latino-americana e, mais especificamente, brasileira.
Passarei às análises onde mostrarei como, com uma combinação de apropriação e
tradução, Marco Pereira conseguiu criar obras singulares com um reconhecível caráter bra-
sileiro. Veremos como esses procedimentos podem acontecer por meio de harmonias, tex-
turas, melodias e até mesmo na escrita das obras.
2.2.1 Toada
Em Toada, é possível observar o uso de apropriações musicais por parte de Pereira
Esta peça pertence à suíte “Perequetés” e é uma das obras mais recentes de Marco Pereira.
Nesta obra em particular, Pereira se aprofunda nas práticas de ressignificação e apropria-
ção, ao mesmo tempo em que dialoga com a tradição da música clássica ocidental e com as
ideias do nacional-modernismo de Mário de Andrade.
59 Cabe aqui ressaltar que não trato do conceito de apropriação cultural, significando uma forma de anulação
de uma cultura subjugada por uma cultura dominante, como tratado nos estudos culturais pós-colonialistas.
Falo da apropriação de características que um indivíduo utilizará para formar seu fazer musical.
70
sucessão de danças bem peculiares e de origens diversas, mostrando que Pereira não estava
preocupado em seguir os moldes das suítes barrocas, que intercalam um movimento lento
com outro movimento mais movido.
No entanto, Toada parece ter um papel que remete à função dos prelúdios nas suítes
barrocas. Em seu livro “Ritmos Brasileiros”, Marco Pereira explica que toada é praticada em
diversas partes do país e que adquire diferentes significados em cada uma delas, não tendo,
portanto, uma característica que lhe seja recorrente. Mas faz a ressalva de que é comum na
MPB o uso de toadas lentas usadas para “canções de caráter nostálgico e melancólico”61. De
fato, os exemplos que Mário de Andrade fornece em seu ensaio de 1917 atestam que a toa-
da pode adquirir ritmos, perfis melódicos e afetos diversos. Ainda assim, Andrade nos diz
que é comum nas toadas a forma binária sem repetição62.
Toada de Marco Pereira tem um andamento lento e um fluxo contínuo de semicol-
cheias ao longo da peça. Ao analisar os primeiros quatro compassos da música, pode-se
constatar que o padrão dos arpejos é reminiscente do Prelúdio em Dó Maior BWV 846 do
primeiro livro do Cravo Bem-Temperado de Johann Sebastian Bach, como observamos nas
figuras 15 e 16 abaixo.
Figura 15: Quatro primeiros compassos do Prelúdio em Dó Maior, BWV 846, de J.S. Bach
E como este padrão foi traduzido para a escrita violonística na peça Toada:
Se a comparação não for clara o suficiente, um recurso do qual lancei mão para res-
saltar essa relação, foi organizar as notas e a textura em dois sistemas, de maneira similar à
de Bach63:
Figura 17: Quatro primeiros compassos de Toada separados em dois sistemas
Escrevendo desta forma, a função harmônica de cada uma das notas se torna mais
perceptível – evidenciando o encadeamento i-IV-VII-i. Esse procedimento ajuda a explicar
melhor a separação das vozes e também como pode ajudar a analisar e escolher de forma
crítica o dedilhado para essa passagem. No compasso 4, Pereira utiliza uma digitação de
mão esquerda que coloca o si e o ré# na segunda corda. O resultado é que, ao se colocar o
63 Note que, mesmo estando em duas claves diferentes, mantive as regras da escrita para violão, ou seja, as
dedo 2 sob o ré# o si deixa automaticamente de soar. Abaixo, sugiro uma solução simples e
que não acarreta uma perda de fluência na passagem.
Figura 18: Digitação do quarto compasso de Toada
Mais uma vez o compositor paulista dialoga com uma tradição, desta vez se apropri-
ando de uma ideia harmônica e formal para construir a sua própria suíte de caráter nacio-
nal. Assim como veremos em Flor das Águas, Pereira não usa uma referência literal, ele a
transforma e adapta de acordo com o contexto. Neste caso, o violonista remete ao “caráter
nostálgico e melancólico” das toadas do cancioneiro da MPB que ele mesmo citou. Para al-
cançar tal efeito, a primeira transformação foi alterar o modo da tonalidade de Dó Maior
para Mi menor, uma tonalidade mais fechada. Essa mudança também possibilitou que Pe-
reira utilizasse um recurso idiomático que dará maior sustentação à estrutura harmônica e
melódica da peça: as cordas soltas do violão.
Pereira se utiliza das cordas soltas para criar harmonias mais modernas, mas tam-
bém para criar alguns pedais. Nos mesmos quatro primeiros compassos, percebe-se como a
nota si (segunda corda solta do violão) faz parte de todos os padrões de arpejos e aos pou-
cos vai se deslocando ritmicamente, com isso assumindo diferentes funções dentro do con-
texto harmônico.
Outro recurso utilizado é o da “polifonia virtual”. Pereira utiliza de pequenos trechos
de perfil melódico contrastante como células descendentes intercaladas com outras ascen-
dentes, ou melodias que se separam por conta do registro da tessitura (um recurso muito
comum nas obras de Bach e que é apontado, por exemplo, por Frank Koonce em seu livro de
transcrições para violão das obras para alaúde de Johann Sebastian). Abaixo, podemos
comparar, por exemplo, na Sarabande da Suite BWV 997, para alaúde e que possui uma tex-
tura muito similar à de Toada:
74
Figura 19: Exemplo da escrita da polifonia virtual e seu resultado sonoro na Sarabande BWV 997 de J.S. Bach
Fonte: Koonce, 2002
Toada possui diversas passagens onde pode ser encontrado esse tipo de textura. A
título de exemplo, escolhi os compassos 7 e 8 a seguir:
Figura 20: Polifonia virtual nos compassos 7 e 8 de Toada
Neste caso específico, tirei proveito da divisão criada nos primeiros quatro compas-
sos que indicaram uma textura a três vozes para guiar minha interpretação. A voz mais gra-
ve já está devidamente escrita e destacada com as hastes viradas para baixo. Para separar
as vozes do contralto e do soprano me guiei pelo princípio da similaridade na condução. As-
sim, o soprano seguiu um perfil de graus conjuntos, enquanto o contralto quase sempre está
em graus disjuntos (terças). Podemos observar o resultado sonoro ideal da polifonia abai-
xo:
75
A digitação sugerida pelo compositor também funciona bem neste caso. A exceção a
ser feita é a parte destacada em vermelho no compasso 8, onde o ré# do contralto acabará
sendo silenciado pelo fá bequadro do soprano por estarem digitados na quarta corda. Infe-
lizmente, para este caso, uma tentativa de digitar o ré# na sexta casa da quinta corda impli-
caria em maior dificuldade técnica, com uma grande extensão dos dedos 1 e 4 da mão es-
querda, que pode afetar a fluência da passagem.
Outro recurso, muito similar ao da polifonia virtual, é a melodia misturada com o
acompanhamento. Por meio deste recurso é possível criar uma textura ambígua, que pode
tanto sugerir uma melodia em arpejo, quanto uma textura de melodia acompanhada, com a
nota mais aguda do arpejo se destacando como melodia. Este é um recurso natural do vio-
lão e está presente em vários exemplos da literatura desde o repertório clássico com Sor e
Aguado até peças contemporâneas.
Figura 22: Textura de melodia acompanhada nos compassos 13 ao 16
76
Para finalizar, é possível identificar em Toada duas seções bem delimitadas, como
apontado por Mário de Andrade, de dezesseis compassos cada. Onde a primeira está na tô-
nica Mi menor e termina com uma modulação para sua tonalidade relativa, Sol Maior. Tam-
bém é possível encontrar ao longo da peça diversas alusões às “baixarias” dos violões dos
choros e das serestas, mesmo com a presença constante de uma nota mais grave, o que aca-
ba por reforçar essa sugestão polifônica na textura da obra.
Estes aspectos intrínsecos à obra Toada, dizem não apenas da música, mas das práti-
cas e interesses de Marco Pereira. A obra não é apenas um pastiche ou estilização de um gê-
77
nero brasileiro. A identidade ou apelo nacional da peça é também confirmado pelo diálogo
simbólico e musical que a peça estabelece com a tradição do violão clássico e do violão bra-
sileiro. As escolhas do caráter e andamento da peça, que evocaram esse ar saudoso da toa-
da, foram ressaltadas ao serem colocadas em contraponto com as referências externas à pe-
ça. A partir da percepção da importância das obras de Bach para a construção base da obra,
podemos confrontar nossa percepção para as diferenças de caráter e contexto que tornam
esta peça tão brasileira quanto qualquer toada de origem folclórica.
2.2.2 Flor das Águas
O próprio Marco Pereira classifica Flor das Águas no encarte do seu disco Original
(2003) como “uma valsa brasileira em um tempo; uma valsa rápida que marca apenas o
primeiro dos três tempos que a compõem. Foi escrita em 1989 e foi inspirada em uma peça
de Agustin Barrios”64. Ainda neste pequeno texto, Pereira diz ter composto a peça “princi-
palmente sem um “desenvolvimento racional”.
Aqui cabem algumas considerações sobre o termo “valsa brasileira” que Pereira uti-
liza como gênero de sua obra. A valsa, mesmo sendo um gênero de origem francamente eu-
ropeia, se popularizou notavelmente no Brasil. Em sua pesquisa “Circularidade Cultural e
Nacionalismo nas ’12 Valsas para violão’ de Francisco Mignone”, de 1995, Barbeitas (1995)
traça, além de um panorama histórico sobre as origens europeias da valsa, um histórico da
valsa no Brasil. Nesse histórico, explica como os chorões e seresteiros incorporaram a valsa
às suas práticas no início do Século XX, moldando o que mais tarde viria a ser a valsa brasi-
leira.
É de especial interesse a relação cíclica que encontramos entre Barrios e Marco Pe-
reira. Como vimos no capítulo anterior, Agustín Barrios teve um impacto profundo dentro
do cenário musical e violonístico brasileiro. Barrios viajou por diversas cidades brasileiras,
teve contato com músicos brasileiros e chegou a escrever peças em estilo brasileiro. Ao
mesmo tempo, por conta da popularidade alcançada pelo paraguaio durante as turnês em-
64 Texto original: “This is a Brazilian waltz in one tempo; a quick waltz that pulses only on the first of the three
beats which comprise it. It was written in 1989 and was inspired by a piece by Agustin Barrios”. (PEREIRA,
2003, tradução minha).
78
preendidas no Brasil, sua obra alcançou grande popularidade entre os violonistas deste pa-
ís. Interessante notar que Isaías Sávio já havia editado algumas obras de Barrios no Brasil e
o violonista Geraldo Ribeiro já havia gravado um disco com obras de Barrios antes do lan-
çamento do famoso disco de John Williams nos anos 70. Desta forma, podemos dizer que as
obras de Barrios também ajudaram a formar parte do repertório de idiomatismos de parte
dos violonistas brasileiros, como Marco Pereira, que foi aluno de Sávio. E isso se reflete em
Flor das Águas, como o próprio compositor da valsa deixou claro em seu depoimento.
A obra de Barrios que Pereira usou de “matéria prima” foi a Valsa Op.8, nº 3. Esta é
uma valsa ao estilo de Chopin, na tonalidade de ré menor, com um material melódico carac-
terístico que se repete no decorrer da primeira parte dessa valsa. Marco Pereira se apropria
dessa célula melódica explicitamente para construir as duas seções de Flor da Águas. Outras
similaridades emergem em outras partes, mas a intencionalidade delas não posso afirmar
com segurança. Entretanto, é interessante notar que, de forma consciente ou inconsciente,
Marco Pereira conseguiu extrair de uma seção da música de Barrios, material de base para a
sua própria música.
Figura 24: Tema da Valsa Op. 8, Nº3 (compasso 10) de Agustín Barrios
Expus apenas os compassos acima para mostrar como Marco Pereira trabalha, no
começo de sua obra, não apenas a bordadura, mas todo o gesto que Barrios constrói tam-
bém na sua valsa, num ato claro de apropriação.
79
Figura 25: Versão do mesmo tema nos primeiros compassos de Flor das Águas
Nessa apropriação, Marco Pereira trabalhará três nuances interessantes que diferem
das características da valsa de Barrios, demonstrando o ato de apropriação como descrito
por Burke, onde o compositor retirou o material que lhe interessava e o adaptou à sua prá-
tica específica.
O material de interesse foi, evidentemente, o perfil melódico e a estrutura fraseoló-
gica. Tanto Barrios quanto Pereira iniciam a melodia no quinto grau da escala (a nota lá, em
Barrios e a nota mi em Pereira) e se utilizam da bordadura superior para criar um caráter
obsessivo de repetição. Essa repetição conduz a uma escala descendente que se inicia no
quinto compasso, onde podemos observar uma pequena influência jazzística que diferencia
uma escala da outra. Enquanto a escala de Barrios é mais tradicional no tratamento métrico,
Marco Pereira utiliza um deslocamento a partir da segunda colcheia do compasso seis. Esse
deslocamento, realizado por meio de ligados descendentes, acentua o contratempo e realça
o intervalo de segunda menor entre cada nota agrupada.
A harmonia exerce um duplo papel nesta apropriação. Se, por um lado, ela delineia a
construção fraseológica, por outro, é na construção harmônica que se dá a maior diferença
entre Barrios e Pereira nesta passagem. Constata-se uma forte influência do Jazz, com uma
harmonia carregada de notas adicionais e que foge ao simples encadeamento triádico tradi-
cional da valsa brasileira. Rafael Thomaz (2011) enfocou o trabalho harmônico feito em
Flor da Águas, e demonstrou como Pereira se utiliza do acréscimo de sétimas, nonas e dé-
cimas terceiras em voicings típicos do Jazz. Aqui, entretanto, me cabe expor as diferenças
80
nesse trato harmônico em comparação com Barrios, evidenciando, mais uma vez, e confir-
mando a influência Jazzística nesta obra.
Figura 26: Encadeamento dos compassos 10-17 da Valsa Op. 8, Nº3
Ambos os trechos se conduzem a uma frase que se inicia no segundo grau das tona-
lidades correspondentes. A harmonia de Barrios neste trecho é totalmente diatônica, se uti-
lizando apenas dos acordes básicos característicos do modo menor (i, V e ii). Já o encadea-
mento harmônico de Flor das Águas é mais cromático e visita regiões distantes da tonalida-
de original. Notamos que o segundo acorde do encadeamento é um G#7 13 que é, na verda-
de, uma dominante do C#m presente na tonalidade. Em seguida, ele apresenta um G7 que
não é um acorde diatônico, pois funciona como um SubV para o acorde de F#7 que é a do-
minante do segundo grau (Bm).
Figura 27: Encadeamento harmônico dos compassos 1-8 de Flor das Águas
Esse encadeamento harmônico é construído de forma idiomática por Marco Pereira
a partir da condução cromática dos baixos, que se inicia na tônica lá (quinta corda solta do
violão) e se encerra no mi (quarta corda do violão). No entanto, essa condução melódica dos
baixos é parcialmente ofuscada justamente por esse deslocamento no registro do baixo en-
tre os bordões do violão. O que acontece nessa passagem se repete em várias partes da mú-
sica, a melodia passa a ocupar a tessitura do baixo e, eventualmente o inverso também
acontece.
81
Figura 28: Baixos que se integra à melodia compassos 9-15 de Flor das Águas
Na continuação da peça, onde são apresentadas as “baixarias” reminiscentes do cho-
ro, também apontadas por Thomaz65 se observa que o baixo que se inicia no final do com-
passo 12 acaba se resolvendo como melodia no compasso 15. Isto é algo comum em peças
de violonistas populares, onde o grau de idiomatismo é extremamente alto. Podemos ob-
servar isso em peças de João Pernambuco como Sons de Carrilhões.
Figura 29: Melodia que se integra aos baixos compassos 29-31 de Sons de Carrilhões, de João Pernambuco
São em trechos como estes que a afirmação de Marco Pereira sobre a densidade de
suas obras se faz clara. Enquanto as obras de compositores como João Pernambuco, Diler-
mando Reis e Canhoto, ligados exclusivamente às práticas da música popular, apresentam
um grau de idiomatismo que acaba se sobrepondo à clareza textural, as obras de Pereira
caracterizam-se por uma maior clareza desse parâmetro. Entretanto, justamente por ser
uma prática idiomática do violão, é muito natural que Pereira lance mão desse mecanismo
técnico-musical para jogar com esse tipo de ambiguidade inerente ao instrumento.
Por meio das análises destas duas peças, foi possível identificar como Marco Pereira
dialoga com diversas tradições e identidades, sejam elas a do violão brasileiro, a do violão
jazzista ou a do violão de concerto. Vimos também como a formação como instrumentista
clássico tem um papel preponderante na construção das mesmas e não se restringe apenas
às suas práticas de performance ao vivo, uma vez que os materiais de algumas obras são
diretamente derivados de obras de autores da música de concerto. Ao mesmo tempo ele
trabalha em um universo que dialoga com a tradição musical brasileira estabelecida, atra-
vés de gêneros e formas populares.
2.3 Rock e Vanguarda em Ankh de Roberto Victório
Roberto Victório é, sem dúvidas, um exemplo à parte neste trabalho. Não só é ativo e
profícuo como compositor, como também atua como intérprete e divulgador de suas obras,
além de agitador cultural promovendo a música de vanguarda em Cuiabá e como professor
e acadêmico dentro da UFMT. De maneira tal que é muito difícil separar essas diversas
identidades que caracterizam Roberto Victório dentro do cenário musical brasileiro. Ainda
que a maior parte de sua atuação como performer seja dedicada à regência ou ao violonce-
lo, Roberto Victório é também violonista, tendo estudado com Jodacil Damasceno no Rio de
Janeiro, tendo pleno domínio e conhecimento dos caminhos do instrumento, o que faz com
que sua vasta obra para violão seja extremamente bem escrita e idiomática no instrumento.
Dentro do contexto deste trabalho, Victório é uma espécie de representante (ou her-
deiro) das Vanguardas Modernas iniciadas com Koellreutter. Sua música está escrita em
uma linguagem muito diferente de todas as outras que analisei anteriormente. Sem dúvidas,
busca sempre alongar e ampliar os limites da linguagem musical. Entretanto, a própria obra
de Roberto Victório que analisarei, pode ser enquadrada em uma perspectiva diferente, ar-
risco a dizer, verdadeiramente pós-moderna. De forma que Ankh não é uma música com
uma linguagem atrelada unicamente aos ideais da música de vanguarda ou experimental.
Ela faz uso dos elementos que são oriundos de um gênero que é raramente ligado à identi-
dade musical brasileira: o Rock.
Nas palavras de Paulo de Tarso Salles:
83
66 NASCIMENTO, 2005.
67 NASCIMENTO, 2005, p. 56.
84
Popular Americana. De fato, essa sensação de Nascimento é corroborada pelos fatos históri-
cos e sociais da música no Brasil.
Entretanto, esse predomínio, especialmente da canção popular brasileira, não deixou
de excluir outros gêneros de música feitos no Brasil. Idelber Avelar aponta para a posição
periférica – poderíamos dizer menor – na qual o Rock, mais especificamente o Heavy Metal,
se encontrava na sociedade brasileira “esmagado estética e moralmente pela direita e cultu-
ral e politicamente pela esquerda, o Heavy Metal sempre foi intensamente interpelado por
demandas conflitantes de advindas de vários lados”68.
No artigo citado, Avelar traça um histórico da banda mineira Sepultura e de todos os
valores simbólicos que ela teve que enfrentar dentro dos debates culturais brasileiros até
conseguir se firmar como uma banda brasileira. Em direção concordante com a de Nasci-
mento, Avelar diz que o escopo de ritmos e gêneros considerados brasileiros ia desde gêne-
ros tradicionais como Samba e Chôro, passando por ritmos como Maracatu e chegando ao
BRock de bandas como os Titãs e Legião Urbana e juntos compunham o rótulo da MPB. En-
tretanto, ouvintes e músicos de Heavy Metal que não se identificavam com nenhum dos ou-
tros ficavam excluídos da narrativa da MPB. Para Avelar, o
Sepultura denunciou o conceito (de MPB) em sua totalidade. Ao simplesmente ne-
gar o rótulo, eles, na prática, expuseram a sua (do rótulo) falsa universalidade, sua
dependência em uma exclusão prévia, sua confiança em uma abjeção instituída
(Avelar, 2003: 342)
Interessante notar, contudo, que no Brasil acontece um dos maiores festivais de
Rock do mundo, o Rock in Rio (iniciado, curiosamente, em 1985 período que Avelar chama
de “revolução do Heavy Metal"). Portanto, de uma maneira diferente, o Rock mais pesado
também foi colocado em um lugar de música menor, necessitando sempre combater e se le-
gitimar, como fez o Sepultura. Dessa maneira se a música de Vanguarda não tem espaço pe-
lo isolamento em relação ao público, o Rock não tinha o endossamento intelectual brasilei-
ro.
Ankh é uma música cheia de simbolismos, a começar pelo nome. Ankh é um antigo
símbolo egípcio geralmente relacionado com a vitalidade e com a vida após a morte. Esse
símbolo foi usado por várias bandas de Rock, principalmente nos anos 70. Ainda que Ankh
não seja uma música que contemple a totalidade das características que o gênero Rock con-
templa, como as distorções das guitarras e o peso da bateria, podemos dizer que esta ho-
menagem que Victório presta ao Rock, no mínimo, trata de refletir vários dos aspectos sim-
bólicos tanto nas suas descrições de caráter como nos efeitos sonoros indicados.
Em sua dissertação de mestrado, ANDRADA (2013) traça um perfil simbólico do He-
avy Metal a partir de depoimentos de dois jovens admiradores do gênero. Em um certo pon-
to, Andrada aponta o significado extramusical do gênero, onde a pesquisadora afirma que
“o heavy metal transgride a música e se torna um modo de vida no qual se procura viver ao
máximo de um modo que sugere liberdade, coragem e quebras de limites – sejam eles pes-
soais ou da sociedade de uma forma geral.”69
Outro elemento importante dentro do Heavy Metal apontado por Andrada é o power
chord (acorde construído por sobreposição da fundamental, quinta justa e oitava). Este tipo
de acorde “é a base do metal, ao mesmo tempo que também se configura como uma metáfo-
ra para o mesmo, pois tal técnica traz consigo a articulação do poder, fator esse, importante
e crucial na experiência do Heavy Metal”.70
Portanto o Heavy Metal, como o Rock de maneira mais geral, é um gênero que sim-
boliza a liberdade e o empoderamento daqueles que se sentem marginalizados em relação
ao statu quo, e o power chord é o material musical que simboliza esse ideal compartilhado.
Levando em conta que esse acorde é extremamente idiomático na guitarra elétrica – e no
violão, que compartilha da mesma afinação – a sua utilização e obras para violão solo é ape-
nas uma questão de adaptação.
A peça está dividida em duas sessões contrastantes, mais em termos de caráter do
que de material, uma vez que este é retirado de uma pequena frase de 5 compassos que
aparece no meio da segunda parte. De acordo com o próprio Victório, esse material é remi-
niscente da audição de uma trilha sonora composta por Jimmy Page, guitarrista da banda
Led Zeppelin, através do rádio. O material é o seguinte:
86
Figura 30: Riff fazendo alusão a obra de Jimmy Page, sistemas 24-26
O início do material aparece em vermelho. Como podemos notar é uma pequena par-
te composta principalmente por power-chords e um pedal na sexta corda do instrumento.
Este riff fornece três tipos de intervalos que serão usados na construção das texturas e
harmonias ao longo da peça: as oitavas, quintas e quartas que formam os powerchords; o
intervalo de semitom e sua inversão, a 7ª maior, derivado do motivo destacado em verde; a
repetição de um mesmo acorde, como destacado em azul; e, finalmente, a oposição entre a
subdivisão ternária e binária como pode ser observado em todo o trecho.
A primeira seção ocupa as três primeiras páginas (ou 17 primeiros sistemas) e se
caracteriza pelo uso constante de uma métrica livre. Ainda que exista uma pequena subse-
ção onde a métrica é escrita, a disposição dos materiais me faz acreditar em uma seção úni-
ca. Nesta primeira parte, já podemos observar a presença de praticamente todos os materi-
ais derivados da paráfrase que Victório fez de Jimmy Page.
87
Utilizarei o primeiro sistema para ilustrar algumas formas com as quais Victório uti-
liza esses elementos:
Figura 31: 1º sistema de Ankh
Inicialmente, em azul, já se nota o intervalo de semitom entre Lá e Láb. A nota Lá
continuará por parte do primeiro sistema como pedal. O segundo quadro, em vermelho,
contém dois elementos: o intervalo de oitava e a repetição da mesma altura. Já no quadro
verde, observamos a construção de um pedal em quartas com os bordões abertos do violão
(Mi, Lá, Ré) e um intervalo de semitom em intervalo harmônico de quartas paralelas
(Dó#/Fá# - Ré/Sol). O quadro em amarelo contém uma construção harmônica que deriva
da sobreposição dos intervalos de quarta justa e de 7ª maior (inversão da segunda menor).
Figura 32: Acorde baseado nos intervalos de 4ª Justa e 7ª Maior
Como se pode observar, o acorde é construído a partir do baixo Fá, contendo uma 4ª
justa (Fá-Sib) e uma 7ª maior (Fá-Mi), explicando a geração do intervalo harmônico do trí-
tono entre Sib-Mi pela sobreposição desses dois intervalos a partir do Fá. Finalmente, o
quadro em roxo apresenta a construção de uma acorde quartal. O interessante deste gesto,
88
é que a nota mais grave, o Mi da sexta corda, seria a próxima 4ª justa após o Si agudo do úl-
timo acorde, formando uma inversão de um acorde quartal.
Dentro da primeira parte, a oposição entre a pulsação ternária e binária é articulada
e desenvolvida de diversas maneiras diferentes. Como por exemplo nos sistemas 10 e 11.
Percebe-se que aqui, apesar da métrica escrita, a ideia geral de pulso é menos importante
do que a oposição entre o 3 e o 2, por vezes com diferentes valores rítmicos (como três fu-
sas seguidas de duas colcheias, ou duas colcheias seguidas de quiálteras de três). No exem-
plo abaixo, os quadros vermelhos representam os grupos de 3 e os quadros verdes os gru-
pos de 2.
Figura 33: Oposição entre 2 e 3 nos sistemas 10-11
Em seguida, nos sistemas 12 e 13, além dessa oposição observamos uma textura que
evoca o pontilhismo textural das obras dodecafônicas de Anton Webern.
89
O próximo exemplo demonstra a ideia pontilhista elaborada em três sistemas. Per-
cebe-se como os três planos têm motivos sonoros bem marcantes e distintos entre si.
Figura 35: Escrita do trecho anterior expandida em três planos
A segunda seção se inicia no sistema 18. O material utilizado é praticamente o mes-
mo daquele usado na primeira parte. Entretanto, cabe tecer algumas considerações com
respeito à construção textural desta parte. É interessante notar como Victório realiza uma
sobreposição de estratos sonoros em diversas passagens desta seção, Por exemplo, no pró-
prio sistema 18.
90
Figura 36: Riff que inicia a segunda seção de Ankh (sistema 18)
Esta passagem pode ser desmembrada em três estratos sonoros que, embora inde-
pendentes se articulam para criar a oposição entre a pulsação ternária e binária. Dois des-
ses planos são pedais, um mais grave (com um pedal no bordão Mi), outro com pedal no in-
tervalo harmônico de 4ª justa entre Ré e Sol. A outra parte se move em quartas paralelas
caminhando entre os dois pedais. O exemplo abaixo ilustra essa separação dos planos sono-
ros. Embora independentes, esses planos se articulam para criar a oposição entre a pulsa-
ção ternária e binária.
Figura 37: Separação dos planos do Riff do sistema 18 de Ankh
Poderia se fazer uma exaustiva análise de todas as formas com as quais Victório arti-
culou os elementos matriz desta peça. Há, por exemplo, várias outras formas mais livres da
oposição ternária e binária, outras construções de texturas interessantes e diversas inver-
sões de acordes de quarta que criam harmonias interessantes. Entretanto, gostaria de vol-
tar a falar do significado simbólico que podemos extrair desta peça.
Nesse sentido, Anhk estabelece um diálogo entre dois estilos musicais que foram co-
locados, de maneiras distintas, à margem nos debates sobre arte brasileira. Ao mesmo tem-
91
po, a união desses dois gêneros de música menor, em Anhk, parece devolver à música con-
temporânea de vanguarda o poder de comunicação e de compartilhamento de ambientes
com o público.
2.4 “Isso é Bossa-Nova?”: Jobiniana Nº3 de Sérgio Assad
Sérgio Assad é um dos nomes mais importantes do violão brasileiro das últimas dé-
cadas. Além de manter uma intensa atividade no duo que mantem com seu irmão, Odair,
também é compositor, arranjador e foi durante vários anos professor do Conservatório de
San Francisco, nos EUA. Como intérprete, principalmente em duo, foi muito associado à mú-
sica brasileira por suas performances de arranjos de compositores como Egberto Gismonti,
Heitor Villa-Lobos, Hermeto Paschoal e, também, por sua relação próxima com a obra de
Radamés Gnattali. Também é responsável, como visto no capítulo anterior, por ter organi-
zado uma coleção na editora francesa Henry Lemoine, onde, além de suas peças, publicou
composições de Marco Pereira, Maurício Marques e Nonato Luiz. As peças mais recentes de
Sérgio Assad estão sendo publicadas pela editora canadense Dobermann Yppan.
O número de suas publicações para violão solo chega a contar 13 títulos. Apenas a
Aquarelle e uma das peças que integra a suíte Summer Garden (Farewell) foram gravadas
em discos que têm a música brasileira como temática e que estão listados neste trabalho.
Outras obras para violão solo de Assad receberam gravações em outros registros, entre os
quais se destaca o do violonista Aliéksey Vianna, lançado em 2005 pelo selo GSP, onde fo-
ram registradas as peças de Sérgio Assad que haviam sido publicadas até então – além de
Aquarelle, Three Greek Letters, Sonata, 3 Divertimentos, Fantasia Carioca e Jobinana Nº3.
É difícil apontar precisamente um motivo para o aparente sucesso de Aquarelle em
detrimento das outras peças. Thiago Oliveira, em sua pesquisa de mestrado defendida em
2009, apontou algumas características que podem ajudar a entender essa preferência. Entre
elas, o fato de Aquarelle conter uma forte influência da rítmica brasileira e o de ser a primei-
ra obra para violão solo composta por Sérgio Assad me parecem preponderantes, uma vez
que os desafios técnicos de Aquarelle e Jobiniana Nº3 as peças se equivalem. Sem dúvidas,
Jobiniana Nº3 guarda várias outras semelhanças com Aquarelle em termos de material usa-
92
do. A maneira de articular esse material, entretanto, pode não corresponder às expectativas
que o título desta peça sugere.
Jobiniana Nº3 faz parte de uma série de peças em homenagem ao compositor Antô-
nio Carlos Jobim. Sérgio Assad escreve no encarte do cd de Aliéksey Vianna que esta música
é um “desenvolvimento de sua (de Jobim) famosa canção Desafinado”71. Considero que este
é apenas o ponto de partida da peça, como será demonstrado. É possível encontrar influên-
cias do compositor cubano Leo Brouwer e da música impressionista francesa (que Jobim
dizia também ter estudado muito, como pode ser constatado em uma entrevista do próprio
ao programa Roda Viva da TV Cultura, em 199372).
A canção Desafinado é uma das pedras de toque do movimento bossanovista e
exemplo exaustivamente usado da sofisticação melódico-harmônica do gênero e da capaci-
dade metalinguística das letras oriundas da parceria entre Tom Jobim e Newton Mendonça.
O violão teve um papel muito importante na Bossa-Nova. O musicólogo Brasil Rocha Brito,
em artigo contido no livro O Balanço da Bossa, organizado por Augusto de Campos, descre-
ve assim o papel do violão na Bossa-Nova:
4. Interpretação ao violão ou congênere. No populário brasileiro, como em alguns
outros, veio a surgir com o tempo uma estilística dos instrumentos dessa família,
por obra de instrumentistas de escola. Entretanto, de modo geral, nos últimos 30
anos, tais instrumentos foram relegados a um segundo plano. A BN (Bossa-Nova)
revalorizou-os. Isso se deve, principalmente, a João Gilberto, que surgiu em 1958
em nosso cenário musical, cantando e tocando violão, conseguindo no instrumento
efeitos nunca antes conseguidos no jazz ou qualquer outra música regional, quer
em nosso populário. A introdução do uso de acordes compactos, de elevada tensão
harmônica, a marcação dos beats em defasamento etc., se devem a ele e fizeram es-
cola. (Brito in Campos, 1960: 34)
Interessante notar no discurso de Brito uma observação sobre a “revalorização do
violão e outros instrumentos dessa família” por meio da atuação de João Gilberto no movi-
mento bossanovista. Como exposto no primeiro capítulo, na primeira metade do século XX o
violão era tido como um instrumento ligado à malandragem e às classes mais baixas da so-
ciedade. Se pelo lado cultural, isso lhe garantiu a associação a uma ampla gama de gêneros
da música brasileira – e como consequência o status de símbolo de brasilidade – do ponto
71 VIANNA, 2005.
72 Entrevista realizada em 20 de Dez. 1993. Disponível em
93
de vista da estratificação social, isso lhe valeu uma conotação negativa que o relegou à mar-
ginalidade.
É um lugar comum dentro do meio violonístico, mais especificamente do “violão
clássico”, acreditar que a reivindicação da legitimidade do instrumento se deu pelos esfor-
ços apenas de violonistas como Andrés Segóvia, Narciso Yepes e Julian Bream. Entretanto, o
comentário de Brito aponta para uma direção que também pode ter colaborado: um gênero
musical oriundo da classe média carioca contribuiu para o reerguimento do status social do
instrumento.
2.4.1 Jobiniana Nº3
Gostaria, no caso desta peça de Sérgio Assad, propor que a análise se baseie na se-
guinte afirmação de Santuza Cambraia Naves sobre a linguagem de Tom Jobim. A pesquisa-
dora afirma que “Tom sempre se colocou entre o mínimo e o máximo, entre o moderno e o
modernista, por vezes mobilizando as duas modalidades normalmente vistas como exclu-
dentes numa mesma obra”73. Gostaria de explorar a oposição entre “mínimo” e “máximo” e
da caracterização de Tom Jobim como um artista ao mesmo tempo “moderno” e “modernis-
ta”.
Para Naves, Tom Jobim atuava como um artista “’moderno’ pronto para criar o no-
vo”74 ao mesmo tempo em que se alinhava com artistas do Nacional Modernismo Brasileiro,
como Villa-Lobos, ao ter uma atitude renovadora e também demonstrando enorme respeito
pela tradição que havia sido herdada75. Já a ideia de “mínimo” e “máximo” à qual se refere
Naves diz respeito à nova concepção sonora que a Bossa-Nova trouxe em sua interpretação.
Uma ideia mais concreta e objetiva da oposição entre “mínimo” e “máximo” é exposta por
Naves em outro texto ao explicar:
A forma orquestral que passou a prevalecer na execução da música popular a partir
do final dos anos 30, instituída principalmente por Radamés Gnattali e Pixinguinha
como base para seus arranjos espetaculares - como é o caso de “Aquarela do Brasil”
- e caracterizada pelo uso de um grande conjunto de instrumentos é substituída
por uma formação camerística de violão, piano percussão e baixo. E da mesma for-
ma que a percussão é discreta, sem nenhum apelo ostentatório e suavizada pelo
emprego da vassourinha, o uso da voz também se coloca de outra maneira, substi-
tuindo o modelo virtuosístico da tradição operística pelo procedimento de dialogar
com o instrumento musical. (Naves, 2010: p. 26-27)
Portanto, para Naves, o conceito de “mínimo” e “máximo” está ligado à instrumenta-
ção e à maneira de interpretar a música da Bossa-Nova, mas não só. A pesquisadora tam-
bém aponta para o uso econômico de materiais para construir as melodias de algumas can-
ções de Jobim como “Garota de Ipanema” e “Corcovado” (Naves, 2011), que não desenvol-
vem muito a melodia e possuem uma tessitura relativamente pequena.
Mais especificamente sobre “Desafinado”, Naves escreve que esta canção
Permite, pelo menos, dois tipos de leitura: para um ouvido menos atento a inova-
ções musicais, trata-se de uma canção sentimental, embora se lide com a temática
amorosa de maneira cool, irônica e sofisticada; para alguém acostumado às experi-
mentações jazzísticas, letra e música, em franca interação, remetem a experimentos
vanguardistas que violam os padrões convencionais da recepção musical. Por
exemplo, no momento exato em que se pronuncia a sílaba tônica da palavra “desa-
finado”, surge no plano da música um acorde imprevisto, sendo a nota seguinte um
semitom abaixo do que seria de se esperar (uma blue note para empregar a termi-
nologia jazzística). Assim, toda a passagem representa uma transgressão aos pa-
drões harmônicos da música popular convencional. (Naves, 2001: p. 14)
Acredito que, na canção, a passagem à qual Naves se refere, na verdade, encontra-se
na primeira frase da versão gravada por João Gilberto e que se encontra reproduzida no
exemplo abaixo. Nota-se que a nota esperada, como apontado por Santuza Cambraia Naves,
é o Ré, enquanto a que o ouvinte recebe é o Dó# que, adicionado à harmonia, forma um
acorde de G7 (#11).
95
Figura 38: Duas primeiras frases de Desafinado, de Tom Jobim
De maneira similar à que Roberto Victório trabalha em Ankh, Sérgio Assad também
retira o material musical de um pequeno trecho de outra música. No caso, se trata do trecho
acima apresentado e que foi comentado por Naves. A diferença está em que Sérgio Assad
não se limitará a utilizar elemento apenas deste trecho, ou mesmo apenas de Desafinado,
fazendo referências a outras obras ao longo da peça.
Sérgio Assad, contudo, não molda sua peça como uma espécie de “pastiche” ou em
homenagem explícita à Tom Jobim ou à Bossa-Nova. O que o compositor faz, na verdade,
deriva não apenas dos materiais, mas das possibilidades que eles geram. Como exemplo,
gostaria de falar um pouco da linguagem melódico-harmônica na qual Assad trabalha e que
está ligada às possibilidades do acorde de tipologia X7(#11). Este tipo de acorde permite a
utilização de diversas escalas. No contexto de Desafinado, esse acorde está funcionando co-
mo uma dominante secundária (V/V), com a 11ª aumentada sendo originada da escala de
96
Sol Lídio. Outra possibilidade de escalas é aquela das chamadas escalas simétricas, entre
elas a escala hexatônica (ou de tons inteiros) e as escalas octatônicas (ou, como conhecidas
no meio da música popular “Dom-Dim” e “Dim-Dom”). Com base nessas opções, Assad cons-
trói, por exemplo, a primeira parte de Jobiniana.
Figura 39: Escalas Lídia e octatônicas construídas a partir da nota Mi
No seguinte trecho, é possível encontrar todas essas escalas. Percebe-se também que
há uma polarização que coloca a nota Mi como centro tonal. Entretanto, Assad não define se
estamos tratando de um centro tonal (ou modal) maior ou menor. Enquanto no quadro
vermelho ele utiliza tanto o Sol natural quanto o Sol#, nos próximos dois compassos ele uti-
lizará apenas um ou outro, criando essa sensação de indefinição.
Figura 40: Utilização das escalas lídica e octatônicas nos compassos 8-15, de Jobiniana Nº 3
97
Essa indecisão (ou instabilidade) tonal é, por vezes, intercalada com trechos clara-
mente tonais.
Quase todos os acordes nessa parte fazem parte da tonalidade de Mi Maior. É inte-
ressante notar como Assad utiliza diversas cordas soltas para adicionar dissonâncias e sus-
penções a alguns acordes. Chama a atenção que esses voicings dos acordes acabam criando
uma sonoridade diferente daquela geralmente presente em músicas da Bossa-Nova que
costumam ter uma condução em “fôrmas”.
A segunda parte, no compasso 88 com um ostinato harmônico, faz uma sutil referên-
cia à introdução da música “Águas de Março”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Essa in-
trodução é tão emblemática que o guitarrista e violonista Nelson Faria a incluiu no seu livro
sobre ritmos brasileiros ao violão.
Figura 42: Introdução de Águas de Março, transcrita por Nelson Faria
98
Em Jobiniana Nº3 esse padrão foi levemente alterado. Vejamos abaixo:
Figura 43: Compassos 88-100 de Jobiniana Nº 3
Essa transição abre caminho para a troca do uso das escalas octatônicas pela sonori-
dade da escala de tons inteiros. Como é possível observar no seguinte trecho, a construção
desta parte se dá a partir de inversões do acorde de G7 e G7(#11).
Figura 44: Seção baseada no acorde de G7(#11), compassos 94-111, de Jobiniana Nº 3
O segundo acorde é justamente o mesmo tipo de acorde destacado no segundo com-
passo de Desafinado. Tendo como base esse acorde, a partir do compasso 104 inicia-se uma
frase que se baseia na escala de tons inteiros e é apoiado nessa sonoridade que Assad conti-
nua a condução da peça para o final.
99
Danza Brasilera, requer-se um treinamento clássico”76. Grande parte das obras de Morel
são baseadas em ritmos e gêneros de música popular, ainda assim no livro “The Magnificent
Guitar of Jorge Morel: a Life in Music” (2007) Morel mostra uma atitude um tanto hostil no
que se refere a fazeres musicais de massa. O compositor comenta o desinteresse que tem
com relação a gêneros urbanos como Rap e Rock. Não quero estender este segmento sobre
as opiniões pessoais de Jorge Morel. Entretanto, quero, sim, apontar algumas influências
que fizeram parte da formação musical do compositor.
Fica claro no mesmo livro que a grande parte de sua formação musical foi informada
e preenchida pelo Jazz norte americano. Como Tinhorão apontou, músicos como Frank Si-
natra e Chet Atkins lançaram discos de Bossa-Nova e esses são alguns dos músicos que Mo-
rel retrata com grande orgulho ter encontrado. Não é extravagante supor que Morel tenha
absorvido grande parte de seu conhecimento sobre música brasileira de discos que regis-
travam apenas aquelas músicas que tiveram maior destaque dentro do cenário americano.
2.5.1 Danza Brasilera
É um desafio perigoso querer apontar elementos estereotípicos em uma composi-
ção. Analiso, à luz do conceito de estereótipo, uma de suas obras mais famosas e gravadas, a
Danza Brasilera. A música em questão é incluída em diversos discos com temática latino-
americana, incluindo aí o já apresentado disco Aire Latino, do violonista escocês David Rus-
sell, que venceu o Grammy latino de melhor disco de música clássica em 2004.
É uma peça muito bem concebida para o instrumento, que se utiliza de diversos idi-
omatismos como campanellas, paralelismos e cordas soltas para criar um efeito interessan-
te e exótico. Esse efeito exótico é alcançado por meio da estilização e apropriação de algu-
mas características do Samba. Entretanto, não posso deixar de fazer uma crítica a aspectos
muito restritos e óbvios com que Morel se utiliza do gênero. O compositor se utiliza de célu-
las que são repetidas tantas vezes e com tão poucas variações e interações que acaba tor-
nando possível traçar um paralelo entre o conceito de estereótipo exposto no primeiro capí-
tulo e a forma com que os materiais musicais são articulados nesta música. Isto não é um
76 “Anybody who has an ear must understand that to play ‘Misionera’ or ‘Danza Brasilera’ requires classical
Esse material sincopado – característico de diversos gêneros de música brasileira
como Samba, Maxixe, Chôro e Bossa-Nova – é apresentado acima em três diferentes varia-
ções. A primeira é aplicada sobre uma harmonia diatônica, dentro da tonalidade de lá me-
nor.
Figura 46: Progressão harmônica dos compassos 4-12 de Danza Brasilera
As duas frases são bem semelhantes, com a primeira terminando numa pequena po-
larização da relativa maior. Por outro lado, se nota o extenso uso de acordes de sétima e a
102
O que temos acima é o resultado final. Nota-se um certo estatismo na melodia, cons-
truída basicamente com notas repetidas e arpejos sobre a harmonia. A condução do baixo
também é relativamente básica, com poucas inversões e privilegiando, principalmente, a
condução por quintas.
Além de pequenas variações rítmicas, o principal mecanismo de variedade que Mo-
rel utiliza é a textura. Existe uma evidente intenção de evocar uma textura de Big Band. Po-
demos notar isso com as harmonias paralelas que acompanham a melodia nos primeiros
compassos, mas também em alguns procedimentos utilizados no trato da textura. Por
exemplo, a partir do compasso 53:
103
Nota-se neste trecho como Morel diminui o ritmo das mudanças harmônicas para
criar uma sensação de menor movimento. Ele alia isso à rarefação da densidade textural ao
arpejar os acordes. Perceba no exemplo abaixo como é possível dividir essa passagem em
três diferentes estratos:
Figura 49: Expansão em três sistemas da textura de big-band dos compassos 53-56 de Danza Brasilera
Este exemplo é apenas uma das formas com as quais Morel cria contrastes na peça
sem, necessariamente, se utilizar de modulações harmônicas ou outros tipos de contrastes,
sejam rítmicos ou mesmo melódicos.
Um problema que pode ser apontado na peça de Jorge Morel é a repetição constante
da célula rítmica apresentada na figura 45. Como se pode observar, é uma célula que é reti-
rada da “batida” de João Gilberto. Praticamente a peça inteira baseia-se neste material, com
pouquíssimas variações. Levando em conta o teor diatônico da harmonia e a estruturação
104
melódica, arrisco dizer que Morel, nesta peça, optou muito mais pelo exotismo das síncopes
brasileiras se encaixando na definição de estereótipo que lancei mão no capítulo anterior.
Evidentemente que se trata de uma peça de compositor estrangeiro que prestou
uma homenagem ao Brasil e, esta análise, não busca servir de crítica sobre a validade da
mesma. Esse julgamento quem dá são os intérpretes em conjunto com o público, e a quanti-
dade de gravações e o sucesso que Danza Brasilera alcançou com ambos são provas de sua
importância no meio violonístico.
Para concluir esta análise, percebe-se que Jorge Morel utiliza um motivo rítmico e
explora as possibilidades de construção textural com alguns coloridos harmônicos que não
se distanciam tanto da tonalidade original. Também vimos que ele utiliza extensões de
acordes ou funções harmônicas que criam uma sensação estática ou rarefeita, que é com-
pensada pelo movimento rítmico. Ou seja, há uma sobrecarga da função estrutural que o
ritmo e textura desempenham nesta música, deixando de lado outros elementos típicos da
música brasileira como as modulações para tons vizinhos, que conferem um contraste às
diferentes sessões das músicas; o uso de contrapontos nos baixos; ou mesmo a construção e
variação de melodias.
Em comparação com a música de Sérgio Assad anteriormente analisada, pode-se di-
zer que guardam semelhanças. Entretanto, o estatismo em Jobiniana se reflete no uso cons-
tante de pedais rítmico-melódicos e em uma condução melódico harmônica expandida, pelo
uso de escalas simétricas. Já Morel, em um contexto tonal, se atém a um uso muito básico e
repetitivo de funções harmônicas destoando do uso no Samba mais tradicional ou na Bossa-
Nova.
105
CONCLUSÃO
Seria natural, ao fim de um trabalho como este, cair na armadilha de apontar simila-
ridades e distinções entre as peças a fim de criar uma nova narrativa de brasilidade. Não
obstante, as palavras do poeta Ferreira Gullar em seu texto “Caráter nacional da arte” apon-
tam para uma forma de escapar dessa armadilha.
Em que consiste o caráter nacional da arte? É muito difícil defini-lo abstratamente.
De qualquer modo, deve-se levar em conta que não existe uma arte nacional a que
se chegará fatalmente, cedo ou tarde, a partir de determinadas premissas que se
possam definir hoje; algo assim como uma entidade ideal a ser concretizada. Não.
Creio, pelo contrário, que, qualquer que seja o caráter que venha a ter no futuro a
arte brasileira, será antes o produto da imaginação criadora dos artistas, de sua ca-
pacidade de formular em termos de expressão individual a vasta e indeterminada
experiência que constitui nossa cultura plástica e pictórica. (Gullar, 2006: p. 83)
Evidentemente que o caso da música brasileira para violão não é diferente. Também
é possível pensar a intervenção de Gullar não em termos do futuro, mas, sim, do tempo pre-
sente. As características do repertório violonístico nacional são aquelas que se ouvem cada
vez que uma corda de um violão é pinçada. De forma que seria inoportuno neste trabalho
criar categorias a respeito do “repertório brasileiro” partindo de um recorte tão pequeno e
específico. Isto posto, ainda é possível, sim, repensar o papel do intérprete como um ativo
criador e difusor de sentidos e símbolos.
Se por um lado ficou evidente que o estereótipo de música brasileira foi gerado a
partir de uma articulação entre intérpretes, gravadoras e casas de publicação, por outro
podemos colocar esse fato em perspectiva e reorientar expectativas. Durante boa parte do
século XX, ter uma obra gravada ou publicada era algo que não estava ao alcance de todos.
Com isso, realizar um ou outro se tornava, quase que automaticamente, não apenas uma
maneira de divulgar uma música, mas, também, uma maneira de legitimar, de endossar de-
terminadas narrativas e distinções sociais. Sem embargo, o contexto atual difere muito da-
quele que se tinha até o final dos anos 2000.
A capacidade de realizar registros sonoros “caseiros” e com uma excelente qualidade
aumentou na mesma medida em que a capacidade de divulgação e distribuição desse mate-
rial também se abriu para intérpretes e compositores através das mídias digitais. Platafor-
106
mas de streaming tornam mais fácil a difusão global de uma gravação e intérpretes não pre-
cisam mais se sujeitar a restrições e exigências contratuais de gravadoras e distribuidoras –
que, no caso do violão, sempre se restringiram a pouquíssimos. Como já citado, Marco Pe-
reira é exemplo disso. Por meio de seu site ele vende suas obras e, além disso, seus álbuns
estão, quase todos, disponíveis em plataformas de streaming como o Spotify. Há ainda o
exemplo do também já citado Concurso Novas, que não faz restrição ou distinção entre
obras “populares”, “eruditas”, “de vanguarda” ou “regionalistas”.
Não se trata de ignorar o já consolidado cânone da música brasileira. Essa seria uma
tarefa que as próprias obras analisadas aqui refutariam. O que esses objetos de estudo cor-
roboram é a ideia de que, mesmo prestando tributo e respeito à tradição musical brasileira
é possível pensar e trabalhar essa herança de diversas formas diferentes. Ainda que estran-
geiro, Roland Dyens realizou isso com particular sucesso e procurei apontar por meio da
comparação com Madureira de se apresentarem essas diferenças de poéticas e estéticas.
Um paralelo parecido poderia ser traçado com Jobiniana Nº 3 e as peças de Marco Pereira
que partilham uma influência do nicho da Música Popular Brasileira – tanto das canções,
quanto do instrumental. Por fim, a obra de Roberto Victório permite expandir a percepção.
Assim sendo, cabe a nós, intérpretes, sermos sensíveis e perspicazes na maneira de
encararmos a construção dos repertórios e nossas interpretações. Não se trata mais de ele-
var o violão a um certo status de reconhecimento, ou de demonstrar perícias técnicas fasci-
nantes. Nobres que sejam essas metas, o público – e o contexto – pedem hoje por mensa-
gens de diversidades e por opções de abordagens.
Deixo aqui, por fim, alguns questionamentos para futuras pesquisas: como são os
repertórios brasileiros de regiões tão esquecidas nos trabalhos acadêmicos, – uma falha
desta pesquisa também, infelizmente – como o Norte ou o Centro-Oeste do país? Que outras
formas de identidade se articulam? E como elas se relacionam com a narrativa da brasilida-
de? Com certeza não conseguiria responder a estas perguntas todas no espaço desta pes-
quisa, mas são caminhos que precisam ser trilhados para melhor entender esse mosaico di-
verso que é a cultura brasileira uma vez que “o todo imaginado é de fato mais irreal do que
a soma das partes”77.
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Discog - Discografia de Oscar Cáceres
https://www.discogs.com/artist/1141219-Oscar-Cáceres (acesso em: 15 jun. 2017)
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Discog - Discografia de Turíbio Santos
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Discos do Brasil - Base de dados da discografia brasileira
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zembro de 2016 e abril de 2017)
113
ger
21. Baden Powell Songbook. Vol. 2 Ivo Cordeiro/Bernard
Stahl
22. Baden Powell Songbook. Vol. 3 Fábio Shiro Monteiro
23. José Antônio de Sonate Nº 1 Dagoberto Linhares
Almeida Prado
24. José Antônio de Poesilúdio Dagoberto Linhares
Almeida Prado
25. Nicanor Teixeira
Valsinhas, Preludios e Es- [S.I.]
tudos
26. Heitor Villa-Lobos Chôros Nº1 Sóphocles Pappas
27. Vários (Anônimos) Ten Brazilian Folk Tunes Isaías Sávio/Carlos Barbo-
sa-Lima
116
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
9 1 0
Artista/Título/Ano da gravação
Oscar Cáceres - Tresors D’Amerique Latine (Erato, 1977)
Obras com caráter brasileiro:
Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1, Valsa-Chôro,
Chôrinho
Agustín Barrios: Chôro da Saudade
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
17 1 1
117
Artista/Título/Ano da gravação
Angel Romero - A Touch of Romance (Telarc, 1989)
Obras com caráter brasileiro:
Agustín Barrios: Chôro da Saudade
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 0 1
Artista/Título/Ano da gravação
Gerald Garcia - Latin American Guitar Festival (Naxos, 1990)
Obras com caráter brasileiro:
Jorge Morel: Danza Brasilera
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 0 1
Artista/Título/Ano da gravação
Pepe Romero - La Paloma: Spain and Latin America Favorites (Phillips,1991)
Obras com caráter brasileiro:
Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1
João Pernambuco: Sons de Carrilhões
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 2 0
118
Artista/Título/Ano da gravação
Sharon Isbin - Road to the Sun: Latin Romances for Guitar (Virgin, 1992)
Obras com caráter brasileiro:
Tom Jobim Caminho do Sol
Heitor Villa-Lobos Melodia Sentimental; Estudo
Nº8
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
14 2 0
Artista/Título/Ano da gravação
Eduardo Fernandez - La Danza!: Guitar Music from Latin America (Decca, 1996)
Obras com caráter brasileiro:
Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1, Suite Popular Bra-
sileira
Oscar Lorenzo Fernandez: Velha Modinha
Agustín Barrios: Chôro da Saudade
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
26 2 1
Artista/Título/Ano da gravação
Sharon Isbin - Journey to the Amazon (Teldec, 1997)
Obras com caráter brasileiro:
Laurindo Almeida: História do Luar
Thiago de Mello A Hug for Pixinguinha; Cantos do
Chefe Nº2: Uirapuru do Amazonas; Lago de Ja-
nauacá; Cantos do Chefe Nº1: A chamada dos Ven-
tos; Chôro Alegre; Cavaleiro sem Armadura
Isaías Sávio: Batucada
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
119
17 2 1
Artista/Título/Ano da gravação
Manuel Barrueco - Cantos y Danzas (EMI, 1997)
Obras com caráter brasileiro:
Heitor Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras Nº5: I.
Ária
Radamés Gnattali: Dansa Brasileira
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
18 2 0
Artista/Título/Ano da gravação
Ricardo Cobo - Latin American Guitar Music (Naxos, 2003)
Obras com caráter brasileiro:
Dilermando Reis: Se Ela Perguntar; Promessa
Marco Pereira: Marta
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
16 2 0
Artista/Título/Ano da gravação
David Russell - Aire Latino (Telarc, 2004)
120
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 2 3
Artista/Título/Ano da gravação
David Russell - Sonidos Latinos (Telarc, 2009)
Obras com caráter brasileiro:
Agustín Barrios: Maxixe
Hector Ayala: Chôro
Armando Neves: Chôro Nº2, Valsa Nº3
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
23 1 2
Artista/Título/Ano da gravação
Pablo Sainz Villegas - Americano (Harmonia Mundi, 2015)
Obras com caráter brasileiro:
Heitor Villa-Lobos: Prelúdios Nº1 e Nº3
João Pernambuco: Sons de Carrilhões
Luíz Bonfá: Passeio no Rio
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
18 3 0
121
Artista/Título/Ano da gravação
Milos Karadaglic - Latino (Deutsche Grammophone, 2012)
Obras com caráter brasileiro:
Jorge Morel: Danza Brasilera
Heitor Villa-Lobos: Mazurka-Chôro, Prelúdio Nº1
Isaías Sávio: Batucada
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
16 2 1
Artista/Título/Ano da gravação
Milos Karadaglic - Canción (Deutsche Grammophone, 2013)
Obras com caráter brasileiro:
Jorge Ben: Mas que Nada
Antônio Carlos Jobim: Garota de Ipanema
Heitor Villa-Lobos: Estudo Nº11, Estudo Nº12, Ba-
chianas Nº5: I. Ária
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 3 0
122
Repertório:
• Heitor Villa-Lobos: 5 Prelúdios
• Ernesto Nazareth: Batuque, Floraux
• Henrique Alves de Mesquita: Batuque Ca-
racterístico
• Dilermando Reis: Tempo de Criança
• Vários: Pout-pourri de 4 Canções Folclóri-
cas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 4 (+1 Anônimo) 0
Artista/Título/Ano da gravação
Sérgio Assad - Música Nova do Brasil (Funarte, 1981)
Repertório:
• Lina Pires de Campos: Prelúdio e Tocattina
• Márcio Côrtes: Verdades
• Nestor de Hollanca Cavalcanti: Suíte Qua-
drada
• Pedro Cameron: Repentes
• Almaral Vieira: Divagações Poéticas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
20 5 0
Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Danses du Brésil (Erato. 1985)
Repertório:
• Luís Gonzaga: Pout-pourri (Asa Branca, Ju-
azeiro, Baião, Assum Preto)
• Radamés Gnattali: Brasiliana Nº13
• Turíbio Santos: Prelúdio Nº3, Prelúdio Nº4
• Heitor Villa-Lobos: Valsa-Chôro, Prelúdio
Nº3, Prelúdio Nº4
• Marlos Nobre: 1º Ciclo Nordestino
• Ernesto Nazareth: Escovado, Tenebroso
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 6 0
124
Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - O Violão brasileiro de Turíbio Santos (Columbia, 1989/1993)
Repertório:
• Pixinguinha/Benedito Lacerda: Um a Zero
• Garôto: Jorge do Fusa, Chôro Triste Nº2,
Lamentos do Morro
• Turíbio Santos: Valsa Pagu
• Radamés Gnattali: Pequena Suíte, Brasilia-
na Nª13
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões, Gra-
úna, Dengoso, Jongo (Interrogando)
• Luiz Gonzaga: Pout Pourri (Asa Branca, Ju-
azeiro e Baião)
• Levino Ferreira: Último Dia
• Senô: Duda no Frevo
• Nelson Ferreira: Gostosão
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
19 9 0
Artista/Título/Ano da gravação
Gerald Garcia - Brazilian Portrait (Naxos, 1989)
Repertório:
• Luíz Bonfá: Manhã de Carnaval, Passeio no
Rio
• Tom Jobim: Wave, Garota de Ipanema,
Samba do Avião
• Isaias Sávio: Serões, Batucada, Sonha Iaiá
• João Pernambuco: Senho de Magia, Pó de
Mico
• Heitor Villa-Lobos: 5 Prelúdios, Chôros Nª1
• Laurindo Almeida: Braziliance
• Baden Powell: Retrato Brasileiro, Deve ser
Amor, Canto de Ossanha
• Celso Machado: Xaranga do Vovô
• Anônimo: 3 Canções Folclóricas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
23 8 (+1 Anônimo) 0
Artista/Título/Ano da gravação
Paulo Bellinati - Guitares du Brésil (GHA, 1990)
125
Repertório
• Paulo Bellinati: Pulo do Gato, Cabra Cega, A
Furiosa, Um Amor de Valsa, Lun-Duo, Valsa
Brilhante, Modinha, Lenço Atrás, Jongo,
Baião de Gude
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 1 0
Artista/Título/Ano da gravação
Paulo Bellinati: Serenata: Choros & Waltzes of Brasil (GSP, 1993)
Repertório:
• Paulo Bellinati: Chôro Sereno, Um Amor de
Valsa, Chôro Sapeca, Valsa Brilhante, Cadên-
cia, Contatos
• Baden Powell: Chôro para Metrônomo
• Tom Jobim: Luiza, Garôto (Chôro)
• Laurindo Almeida: Serenata
• Armando Neves: Bem Rebolado (Chôro
Nº8)
• Dilermando Reis: Se ela Perguntar, Noite
de Lua
• Radamés Gnattali: Chôro, Valsa
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
14 7 0
Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Fantasia Brasileira (Visom, 1994)
Repertório
• Turíbio Santos: Suite Teatro do Maranhão
• Guinga: Sete Estrela, Sinuoso, Igreja da Pe-
nha, Nítido Obscuro, Vô Alfredo
• L.M. Gottschalk: Fantasia sobre o Hino Na-
cional Brasileiro, Op. 69
• Heitor Villa-Lobos: Suíte Popular Brasileira
• Agustín Barrios: La Catedral
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
17 3 2
126
Artista/Título/Ano da gravação
Marco Pereira - Elegia: Virtuoso Guitar Music from Brazil (Channel, 1995)
Repertório:
• Marco Pereira: Samba Urbano, Flor das
Águas, Ladeira de São Roque, Elegia, Bate-
Coxa, Fantasia sobre “Mulher Rendeira”
• Canhoto: Imagem, Com Mais de Mil
• Pixinguinha: Carinhoso
• Dilermando Reis: Se Ela Perguntar
• Garôto: Desvairada, Jorge do Fusa
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 6 0
Artista/Título/Ano da gravação
Mário da Silva - Nova Música Brasileira (Ind., 1997)
Repertório:
• Garôto: Lamentos do Morro, Jorge do Fusa
• Waltel Branco: Argamassa, Ninho de Cobra
• José Eduardo Gramani: Pinho
• Radamés Gnattali: Dança Brasileira
• Edino Krieger: Ritmata
• Jaime Zenamon: The Black Widow
• Guilherme Campos: Desenvolvimento 5
• Octávio Camargo: Desafignado
• Norton Dudeque: Peça para violão
• Chico Mello: Dança
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
12 9 1
Artista/Título/Ano da gravação
Graham Anthony Devine - Manhã de Carnaval: Guitar Music From Brazil (Naxos.
2004)
127
Repertório:
• Marco Pereira: Num Pagode em Planaltina,
Plainte, Pixaim, O Chôro de Juliana
• Luíz Bonfá: Manhã de Carnaval
• Heitor Villa-Lobos: Melodia Sentimental
• Ronaldo Miranda: Appassionata
• Sérgio Assad: Aquarelle
• João Pernambuco: Graúna, Pó de Mico,
Sons de Carrilhões
• Tom Jobim: Garora de Ipanema, Luiza
• Egberto Gismonti: Água e Vinho
• Raphael Rabello: Sete Cordas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
17 9 0
Artista/Título/Ano da gravação
Marco Pereira - Valsas Brasileiras (Garbolights/GSP, 2000)
Repertório:
• Marco Pereira: Marta, Plainte
• Canhoto: Manhãs de Sol
• Garôto: Desvairada
• Ernesto Nazareth: Eponina
• Chico Buarque/Edu Lobo: Beatriz
• Tom Jobim: Luíza
• Tom Jobim/Chico Buarque: Eu te Amo
• Guinga: Carta de Pedra (Igreja da Penha)
• Hélio Delmiro: Emotiva Nº1
Leandro Braga: Valsa Negra
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 10 0
Artista/Título/Ano da gravação
João Kouyoumdjian - Sufboard: Solo Guitar Works from Brazil (Pomegranate,
2013)
128
Repertório:
• Tom Jobim: Surfboard, Garoto (Chôro)
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões
• Heitor Villa-Lobos: Prelúdio Nº5, Estudo
Nº8, Chôros Nº1
• Marco Pereira: Bate-Coxa
• Garôto: Jorge do Fusa, Gente Humilde
• Chico Buarque/Edu Lobo: Beatriz
• Raimundo Penaforte: Prelúdio, Zurraço
• Richard Calderoni: Balaio
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 8 0
Artista/Título/Ano da gravação
Flávio Apro - The Brazilian Guitar (Brilliant Classics, 2014)
Repertório:
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões
• Alberto Nepomuceno: Suíte Antiga - Ária
• Ernesto Nazareth: Odeon
• Garôto: Desvairada, Esperança
• Paulo Bellinati: Modinha
• Rafael Altro: Homenagem
• Leo Brouwer: Sonata del Caminante
• Luis Barbieri: A Santa Ceia segundo Athay-
de
• Egberto Gismonti: Dança das Cabeças
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 8 1
Artista/Título/Ano da gravação
Flávio Apro - O Violão Brasileiro (Delira Music, 2014)
Repertório:
• Ary Barroso: Aquarela do Brasil
• Alvino Argollo: Garoto (Chôro Nº3)
• Sérgio Assad: Aquarelle
• Canhoto: Abismo de Rosas
• Radamés Gnattali: Tocata em Ritmo de
Samba Nº1
• Ulisses Rocha/Sylvano Michelino: Rua
Harmonia
• Marco Pereira: Num pagode em Planaltina
• Paulo Bellinati: Jongo
• Antonio Ribeiro: Toada
129