Brazilian Guitar Music Identidade e Est PDF

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UNIVERSIDADE

FEDERAL DE MINAS GERAIS


ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA





MARCO ERNESTO TERUEL CASTELLON





"BRAZILIAN GUITAR MUSIC":
IDENTIDADE E ESTEREÓTIPO NO REPERTÓRIO BRASILEIRO PARA VIOLÃO SOLO










Belo Horizonte
2017
MARCO ERNESTO TERUEL CASTELLON






"BRAZILIAN GUITAR MUSIC":
IDENTIDADE E ESTEREÓTIPO NO REPERTÓRIO BRASILEIRO PARA VIOLÃO SOLO






Dissertação apresentada à banca examinadora como re-
quisito parcial à obtenção do título de Mestre em Música

Linha de pesquisa: Performance Musical

Orientador: Prof. Dr. Flávio Terrigno Barbeitas







Belo Horizonte
2017

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente ao meu orientador Prof. Flavio Barbeitas. Não
apenas pelo apoio incondicional, mas pela paciência e compreensão além do imaginado com
as minhas limitações e contextos.
Aos amigos que me acompanharam como colegas de curso - Lucas Telles, Luísa Mi-
tre, Anderson Reis e, em especial, à Hevelyn Costa - pelas parcerias, conversas, desabafos e
por me salvar em momentos de apuro. Aos amigos Dudu Barretto e Fernanda Zanon pelo
apoio na vida pessoal e profissional.
Ao Zé, Regina, Giordano e Vanda, pela amizade de uma vida inteira e que levarei para
sempre a cada novo passo.
À Bethânia, companheira de risos, choros (e leituras de textos) que não me deixou
sozinho ou desamparado.
À prof.ª Edite Rocha, pela oportunidade de trabalho e crescimento na elaboração da
disciplina à distância “História da Música no Brasil” e à Prof.ª Ana Cláudia Assis pelos valio-
sos comentários e palavras de incentivo após a qualificação.
Aos contribuintes brasileiros (que merecem muito mais retorno e consideração de
nossa parte enquanto pesquisadores e profissionais) e à CAPES, pelo suporte financeiro es-
sencial para realizar este trabalho.
E, finalmente, aos meus familiares (Rodolfo, Cecília, Antonia, Satish, Vicko e Vinnie),
pessoas que habitam minha mente e coração e que são parte fundamental da razão de viver
e de seguir em frente.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivos debater a relação entre identidade nacional e este-
reótipo dentro do repertório brasileiro para violão e mostrar a grande diversidade de esti-
los e gêneros que são difundidos através desse repertório. Para isso, me foquei no repertó-
rio composto por tocautores violonistas nascidos a partir de 1950. Proponho a partir da
constatação de que o violão, por estar associado a determinados gêneros da música brasi-
leira e, portanto, elevado a símbolo de brasilidade, que a expressão “Brazilian Guitar Music”
acabou se tornando um rótulo usado para designar fazeres musicais ligados apenas à narra-
tiva hegemônica da tradição brasileira. Tal fato cria uma distorção e acaba por relegar ou-
tras formas de abordar o violão a nichos específicos e cria uma visão rasa e enviesada do
que é a produção para violão hoje. Através de uma abordagem interdisciplinar, buscando
auxílio em conceitos da história e da sociologia, este trabalho se propõe construir uma nova
forma de perceber o repertório contemporâneo brasileiro.

Palavras-chave: Violão contemporâneo brasileiro. Música brasileira contemporânea. Músi-
ca e globalização. Estereótipo. Identidade nacional.


ABSTRACT

The purpose of this document is to discuss the interactions between national identi-
ty and stereotype within the Brazilian classical guitar (“Violão”) repertoire and display the
variety of styles and genres that are performed in the instrument. To do so I focused on the
works of performer-composers born after 1950. Departing from the assumption that the
“Violão” was transformed into a symbol of brazilianness for being strongly associated to
specific genres of Brazilian music, and the result of this strong association was that the label
“Brazilian guitar” was bound to imply a determinate type of music that is dominant in Brazil
and is related to the “invention” of Brazilian tradition. This fact creates a distortion that
leads other types of music to the margin of the debates of Brazilian music and finally gives a
distorted and biased view of what the musical production for solo guitar in Brazil. With an
interdisciplinary approach enlisting historical and sociological concepts, the present work
aims to point new and more pertinent options to understand the Brazilian contemporary
repertoire.

Key-words: Brazilian contemporary guitar. Brazilian contemporary music. Music and glob-
alization. Stereotype. National identity.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 : Partituras de compositores brasileiros da GSP ................................................................... 39
Quadro 2 : Partituras de compositores brasileiros da Max Eschig .................................................... 43


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Três primeiros sistemas de Saudades Nº 3: I. Rituel, de Roland Dyens ....................... 58
Figura 2: Escala dos modos Ré Lídio e Ré Mixolídio ................................................................................ 59
Figura 3: Scordatura do violão com a sexta corda afinada em Ré e realização do ritmo do
baião nos bordões ................................................................................................................................................... 59
Figura 4: Textura com o ostinato de tresillo e acordes construídos com sobreposições de
terças, quintas e sextas. Compassos 28-33 de Ponteado, de Antônio Madureira ........................ 60
Figura 5: Notas de passagem nos compassos 1-3 de Romançário, de Antônio Madureira ..... 60
Figura 6: Antecipações na melodia dos compassos 3-5 de Ponteado, de Antônio Madureira
......................................................................................................................................................................................... 61
Figura 7: Estrutura melódica em terças nos compassos 3-5 de Ponteado, de Antônio Madu-
reira ............................................................................................................................................................................... 61
Figura 8: Textura com pedal na viola-caipira. Introdução da peça Sussa, do violeiro Seu Mi-
nervino ......................................................................................................................................................................... 61
Figura 9: Nota rebatida nos compassos 7-8 de Ponteado, de Antônio Madureira ...................... 62
Figura 10: Perfil melódico dos compassos 5-8 de Saudades Nº 3: II. Danse, de Roland Dyens
......................................................................................................................................................................................... 63
Figura 11: Compassos 33-37 de Saudades Nº 3: II. Danse, de Roland Dyens ................................ 64
Figura 12: Compassos 11-15 de Maracatu, de Antônio Madureira ................................................... 64
Figura 13: Riff característico do Rock com o uso da quarta aumentada no compasso 51 de
Saudades Nº 3: III. Fête et Final, de Roland Dyens .................................................................................... 65
Figura 14: Acordes com a quarta aumentada adicionada em Saudades Nº 3: Fête et Final, de
Roland Dyens ............................................................................................................................................................ 66
Figura 15: Quatro primeiros compassos do Prelúdio em Dó Maior, BWV 846, de J.S. Bach .... 71
Figura 16: Quatro primeiros compassos de Toada, de Marco Pereira ............................................. 72
Figura 17: Quatro primeiros compassos de Toada separados em dois sistemas ....................... 72
Figura 18: Digitação do quarto compasso de Toada ................................................................................ 73
Figura 19: Exemplo da escrita da polifonia virtual e seu resultado sonoro na Sarabande
BWV 997 de J.S. Bach .............................................................................................................................................. 74
Figura 20: Polifonia virtual nos compassos 7 e 8 de Toada .................................................................. 74
Figura 21: Resultante da polifonia virtual dos compassos 7 e 8 ........................................................ 75
Figura 22: Textura de melodia acompanhada nos compassos 13 ao 16 ......................................... 75
Figura 23: Separação dos planos dos compassos 13-16 ........................................................................ 76
Figura 24: Tema da Valsa Op. 8, Nº3 (compasso 10) de Agustín Barrios ....................................... 78
Figura 25: Versão do mesmo tema nos primeiros compassos de Flor das Águas ....................... 79
Figura 26: Encadeamento dos compassos 10-17 da Valsa Op. 8, Nº3 .............................................. 80
Figura 27: Encadeamento harmônico dos compassos 1-8 de Flor das Águas .............................. 80
Figura 28: Baixos que se integra à melodia compassos 9-15 de Flor das Águas ......................... 81
Figura 29: Melodia que se integra aos baixos compassos 29-31 de Sons de Carrilhões, de João
Pernambuco .............................................................................................................................................................. 81
Figura 30: Riff fazendo alusão a obra de Jimmy Page, sistemas 24-26 ............................................ 86
Figura 31: 1º sistema de Ankh ........................................................................................................................... 87
Figura 32: Acorde baseado nos intervalos de 4ª Justa e 7ª Maior ..................................................... 87
Figura 33: Oposição entre 2 e 3 nos sistemas 10-11 ............................................................................... 88
Figura 34: Textura pontilhista escrita nos sistemas 12-13, de Ankh ................................................ 89
Figura 35: Escrita do trecho anterior expandida em três planos ....................................................... 89
Figura 36: Riff que inicia a segunda seção de Ankh (sistema 18) ...................................................... 90
Figura 37: Separação dos planos do Riff do sistema 18 de Ankh ....................................................... 90
Figura 38: Duas primeiras frases de Desafinado, de Tom Jobim ........................................................ 95
Figura 39: Escalas Lídia e octatônicas construídas a partir da nota Mi .......................................... 96
Figura 40: Utilização das escalas lídica e octatônicas nos compassos 8-15, de Jobiniana Nº 3
......................................................................................................................................................................................... 96
Figura 41: Trecho Tonal nos compassos 30-33 de Jobiniana Nº 3 .................................................... 97
Figura 42: Introdução de Águas de Março, transcrita por Nelson Faria ......................................... 97
Figura 43: Compassos 88-100 de Jobiniana Nº 3 ...................................................................................... 98
Figura 44: Seção baseada no acorde de G7(#11), compassos 94-111, de Jobiniana Nº 3 ....... 98
Figura 45: Célula rítmica do Samba usada por Jorge Morel em Danza Brasilera ..................... 101
Figura 46: Progressão harmônica dos compassos 4-12 de Danza Brasilera .............................. 101
Figura 47: Construção final dos compassos 5-12 de Danza Brasilera .......................................... 102
Figura 48: Variação feita nos compassos 53-60 de Danza Brasilera ............................................. 103
Figura 49: Expansão em três sistemas da textura de big-band dos compassos 53-56 de Dan-
za Brasilera ............................................................................................................................................................. 103

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 - (des)Construindo o “Clássico Violão Popular Brasileiro” .......................... 14
1.1 Ponteando............................................................................................................................14
1.2 Tema e variações: Violão e Identidade Nacional na produção acadêmica .....................16
1.3 Interlúdio: Identidade e estereótipo ..................................................................................24
1.3.1 Conceituando: Estereótipo ..........................................................................................24
1.3.2 Conceituando: Identidade ...........................................................................................25
1.3.3 Criando produtos: A Indústria cultural .......................................................................27
1.3.4 Desenvolvimento: processo de transformação de identidade em estereótipo ......28
1.4 Um cantinho, um violão: identidade Nacional/Brasilidade no repertório brasileiro pa-
ra violão I (1900-1960) ............................................................................................................30
1.4.1 Violão como símbolo de brasilidade: a brasilidade dos compositores violonistas 30
1.4.2 Violão como símbolo de brasilidade: A brasilidade dos compositores do Nacional-
Modernismo ..........................................................................................................................33
1.5 “Um cantinho, quantos violões?”: Identidade Nacional/Brasilidade no repertório bra-
sileiro para violão II (1961-) ....................................................................................................35
1.6 A “Industria do Violão” e a confirmação do estereótipo ..................................................37
1.6.1 As partituras publicadas .............................................................................................39
1.6.2 Análise dos dados ........................................................................................................44
1.6.3 Os álbuns ......................................................................................................................46
1.6.4 Discos de Música Latino-Americana ..........................................................................47
1.6.5 Discos de Música Brasileira ........................................................................................48
1.6.6 Cruzamento de dados ..................................................................................................49
1.6.7 Conclusões ....................................................................................................................50
CAPÍTULO 2 - (des)Construindo as identidades brasileiras ................................................. 52
2. 1 “Como se toca o baião?”: diferentes representações nordestinas na música de Antônio
Madureira e Roland Dyens .......................................................................................................54
2.1.1 Saudades Nº3 e Ponteado ............................................................................................57
2. 2 Traduzindo outras bossas: o violão caleidoscópico de Marco Pereira ..........................66
2.2.1 Toada ............................................................................................................................69
2.2.2 Flor das Águas ..............................................................................................................77
2.3 Rock e Vanguarda em Ankh de Roberto Victório .............................................................82
2.3.1 Ankh ..............................................................................................................................83
2.4 “Isso é Bossa-Nova?”: Jobiniana Nº3 de Sérgio Assad ......................................................91
2.4.1 Jobiniana Nº3 ................................................................................................................93
2.5 “Samba de outra terra”: Elementos do Samba em Danza Brasilera, de Jorge Morel .....99
2.5.1 Danza Brasilera ..........................................................................................................100
CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 105
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 107
APÊNDICE 1 - Listas de partituras .............................................................................................. 113
APÊNDICE 2 - Lista de CDs de Música Latina com compositores brasileiros ............... 116
APÊNDICE 3 - CDs dedicados exclusivamente à Música Brasileira .................................. 122


12

INTRODUÇÃO

A expressão “violão brasileiro” carrega em si, ao mesmo tempo, uma certa redun-
dância e reducionismo. Por um lado, “violão” é um substantivo usado apenas no Brasil para
designar o instrumento que, na virada do século XIX era conhecido, em virtualmente todo o
resto do mundo ocidental, como guitarra. Portanto, de certa forma a própria palavra “vio-
lão” já remete a uma imagem brasileira, o que dispensaria o adjetivo “brasileiro” ao falar de
violão. Contudo, em se admitindo que a guitarra, ou o violão, é, nas palavras de Sérgio e
Odair Assad na apresentação de seu disco “O clássico violão popular brasileiro”, “o motor da
nossa evolução musical” e que este instrumento “ganhou cores e nuances diferentes por
onde andou”1 cabe perguntar: violão brasileiro ou violões brasileiros?
Esse questionamento surgiu durante meu mestrado na Universidade do Sul da Cali-
fórnia, nos EUA. No período entre agosto de 2012 e agosto de 2014 mantive o habito de
sempre incluir compositores brasileiros em meus programas de estudo. Qual não foi a mi-
nha surpresa ao perceber uma surpresa ainda maior de colegas e professores ao ouvir al-
gumas das peças. Não era apenas um contato com o novo, era uma evidente quebra de ex-
pectativa ao ouvirem fazeres musicais que não dialogavam com ou que retrabalhavam tra-
ços considerados características da música brasileira. Era a surpresa com a diversidade em
um dos estados mais diversos da América do Norte.
Esse fato fez com que eu passasse a observar que tipo de repertório brasileiro estava
sendo mais difundido no meio violonístico. Discos com títulos como “Brazil!”, “Brazilian
Guitar Music”, “Samba!” geralmente acompanhados de cores vivas ou imagens que remeti-
am a lugares exóticos, vinham preenchidos de obras ligadas a uma brasilidade tradicional.
Uma brasilidade da síncope, de forma que se fez importante questionar como esse evidente
estereótipo se estabeleceu.
A maioria das pesquisas sobre o repertório violonístico brasileiro corroboram, de
certa forma, essa narrativa de uma brasilidade unificada. Entretanto, em uma análise mais
atenta fica evidente que o repertório brasileiro para violão é repleto de nuances, diversida-
de, de gêneros que dialogam com novas tribos urbanas, que não se preocupam com a narra-

1 ASSAD e ASSAD, 2015.


13

tiva do “nacional” ou que, mesmo tendo uma formulação mais regionalista, evidenciam for-
mas novas de articular o que eu chamei de “brasilidade da síncope”.
Sabendo que a música é uma parte da identidade cultural de um país se fez necessá-
rio pesquisar, entender o conceito de identidade. Para isso os escritos de Stuart Hall e Zyg-
munt Bauman foram de extremo valor para entender como identidade é uma forma de re-
presentação mutável e construída. Outro conceito que foi de grande utilidade foi o de este-
reótipo, que, tal como entendido por Homi Bhabha, depende da ideia de repetição e de imu-
tabilidade para se estabelecer.
Acreditando que a articulação desse processo se dá por meio dos intérpretes e seus
registros, durante muitos anos subordinados a uma lógica de mercado através das gravado-
ras, este trabalho se propõe a apontar como a lógica do mercado se apropriou da ideia de
brasilidade para criar um produto ancorado nas expectativas do público médio.
De maneira que este trabalho contará com dois capítulos. O primeiro procura, inici-
almente, expor e articular os conceitos de identidade e estereótipo a partir da lógica do
mercado cultural que impõe a previsibilidade como ponto atrativo para a difusão de bens. A
partir disso, procurou-se apresentar como a constante presença de poucos compositores e
gêneros de música brasileira em registros fonográficos favoreceu a criação de uma expecta-
tiva estereotipada do que é a produção brasileira para violão.
O segundo capítulo é composto por seis análises de peças escritas por compositores-
violonistas nascidos a partir de 1950. Foram escolhidos compositores que tenham reconhe-
cimento no meio violonístico nacional e/ou internacional, a saber: Sérgio Assad, Antônio
Madureira, Marco Pereira, Roberto Victório, Jorge Morel e Roland Dyens. O objetivo é de-
monstrar em que ponto esses compositores dialogam com a narrativa de brasilidade, sendo
que a inclusão de compositores estrangeiros serve para ilustrar como essa brasilidade é
apreendida por um músico que não seja nativo no país.
Acredito que existe uma diversidade musical no país que está sendo ofuscada pela
ainda dominante ideia de uma brasilidade unificada. A música de um país que sofreu tantas
transformações nos últimos anos e que, cada vez mais, se insere em um contexto global, de-
ve ser analisada sob o prisma de perspectivas atuais como a da diversidade e não por gran-
des narrativas que, com o passar dos anos, se tornam mais distantes da realidade.
14

CAPÍTULO 1
(des)Construindo o “Clássico Violão Popular Brasileiro”

1.1 Ponteando

Se não se pode dizer que o século XX concentrou o maior número de mudanças nas
relações socioculturais ou tecnológicas, podemos dizer que foi nesse século que as mudan-
ças se sucederam de forma mais rápida e tiveram impacto mais imediato e difuso na vida
das pessoas. Dentro desse contexto de mudanças, dois eventos são de particular interesse
para as reflexões desta pesquisa: o advento dos movimentos modernistas na primeira me-
tade do século XX e o avanço do desenvolvimento tecnológico.
Os movimentos modernistas tiveram grande importância dentro do desenvolvimen-
to das artes e das relações sociais. Buscando romper com as tradições e o academicismo vi-
gentes e, ao mesmo tempo, tratando de entender e de retratar as rápidas transformações
em que viviam, artistas e intelectuais se articularam em diversos movimentos diferentes,
muitas vezes de conteúdo francamente contraditório, mas sempre se mantendo coerentes à
ideia de avanço e modernização social e estética. De acordo com a historiadora Monica Pi-
menta Velloso, os

artistas e intelectuais sentiam-se particularmente mobilizados a participar da cons-
trução da nova sociedade. Acreditava-se que caberia às artes realizar uma dupla ta-
refa: a destruição e a criação, inspirando-se na intensidade do momento. (VELLOSO,
2010, p. 18-19).

A “intensidade do momento” a que se refere Velloso diz respeito tanto às tensões
provenientes da Primeira Guerra Mundial, quanto à dificuldade que os protagonistas e co-
adjuvantes desses movimentos sentiam ao lidar com a nova sociedade industrial. Velloso
ainda apontará para a importância dos movimentos modernistas no sentido em que estes
15

transformam de “maneira indelével a consciência e percepção do mundo; consequentemen-


te, a própria percepção da cultura”2.
Outro agente nessa transformação das percepções de mundo e da cultura foi o avan-
ço tecnológico. Em especial, o advento do rádio e dos aparelhos de gravação e seus reprodu-
tores (gramofone). Paulo Puterman vai expor em Indústria Cultural: A agonia de um concei-
to3 que o desenvolvimento tecnológico “influencia a cultura que se produz, alterando radi-
calmente as condições de acesso a ela”4. Mas quais são essas condições de acesso?
Como o próprio Puterman expõe no livro, essas condições de acesso estão ligadas a
fatores socioeconômicos e geográficos. Ou seja, determinados bens culturais puderam ser
mais difundidos a um público que não teria meios de acesso a eles por conta das grandes
distâncias. Ao mesmo tempo esses bens se transformam em produtos que só poderão ser
acessados por meio do poder econômico, dificultando o acesso a pessoas que não dispõem
de dinheiro para adquirir esses bens. A música será diretamente afetada, uma vez que, co-
mo evento que acontece em um determinado lugar em determinado tempo, a possibilidade
de ser transmitida para um local a quilômetros de distância ou ainda a capacidade de ser
gravada e transportada aonde quer que se vá e em que se encontre um reprodutor é uma
verdadeira revolução. Mas o mais importante é que, além de modificar a relação com a mú-
sica, o avanço da tecnologia criou novos produtos de consumo que tinham o poder simbóli-
co de legitimar socialmente determinados gêneros musicais.
Ao criar novos produtos, ao passar a fabricá-los em larga escala e ofertar seus dife-
rentes “tipos” para diferentes públicos e nichos, a indústria também cria a necessidade de
inventar rótulos para qualificar esses produtos. E o rótulo necessita conter uma caracterís-
tica que o identifique e o torne diferenciado perante outros. Quais as consequências disso?
É possível que esse tipo de funcionamento tenha um impacto na percepção simbólica da
cultura de um povo ou nação?

2 VELLOSO, 2010, p. 20.


3 1994.
4 Ibid, p. 52.
16

1.2 Tema e variações: Violão e Identidade Nacional na produção acadêmica



O intuito desta revisão não é ser completa. Ela busca, muito mais, expor e ajudar a
entender as formas como o repertório brasileiro é retratado pelos intérpretes-
pesquisadores. Também não é objetivo fazer uma revisão detalhista desta literatura, mas,
sim, clarificar quais aspectos estão sendo pesquisados.
Tive acesso a um total de 36 trabalhos acadêmicos de pós-graduação escritos entre
1990 e 2015, ano de começo desta pesquisa (importante destacar que grande parte desses
trabalhos está disponível em bibliotecas digitais e no site “Acervo Digital do Violão Brasilei-
ro). Desse total, 30 tinham como foco apenas um compositor. Entre esses compositores
pesquisados por meus colegas, os mais recorrentes foram Francisco Mignone, Radamés
Gnattali, Marco Pereira e Garôto. Entretanto, nota-se um predomínio de pesquisas focadas
em compositores nascidos anteriormente ou a temas anteriores a 1950. Também em linhas
gerais, foi comum detectar nesses trabalhos uma necessidade de incluir uma abordagem
biográfica, em muitos casos para suprir a carência de uma produção acadêmica mais siste-
matizada sobre alguns compositores.
Para fins de revisão bibliográfica, focarei minha atenção em 6 trabalhos específicos.
Três deles por tratarem, com mais profundidade teórica, sobre o tema da identidade nacio-
nal e os outros três por terem tratado de compositores nascidos após 1950 - que também é
o recorte temporal deste trabalho. Os três primeiros a serem comentados serão os de CAR-
DOSO (2006), PEREIRA (2007), FRANCISCHINI (2012). E os demais são os de OLIVEIRA
(2009), LEMOS (2012) e THOMAZ (2014).
O trabalho de Cardoso5 se foca na música do compositor e violonista carioca Guinga.
A sua pesquisa trata de 3 questões básicas: a principal é buscar entender a forma com que o
músico estrutura a sua linguagem composicional no violão, buscando para isso desvendar
as diversas influências musicais que compõem a linguagem de Guinga. Nesse sentido, Car-
doso constatou que o violonista estabelece um diálogo com a música de concerto brasileira
através das influências da obra violonística de Villa-Lobos, ao mesmo tempo que também
dialoga com as obras do universo do violão clássico do compositor cubano Leo Brouwer.

5 “Um violonista-compositor brasileiro: Guinga, a presença do idiomatismo em sua música” (2006).


17

Em adição a essas influências, Cardoso demonstrou como Guinga também se vale da música
popular brasileira citando exemplos como Pixinguinha, Dilermando Reis e João Pernambu-
co.
Duas abordagens sobre a música de Guinga são de especial interesse no trabalho de
Cardoso. A primeira trata de averiguar o posicionamento da obra de Guinga no que diz res-
peito à questão do “nacional em música”. Mesmo sem desenvolver ou expor teorias especí-
ficas sobre identidade nacional, o autor do estudo é bem-sucedido ao apontar como Guinga
“revela-se um legítimo representante” da escola do violão brasileiro6. Cardoso também dei-
xa clara a preocupação do compositor em reconhecer a importância da tradição da música
brasileira e utilizá-la como inspiração, modernizando e recriando essa mesma tradição.
Um aspecto interessante da percepção de Guinga sobre a música brasileira é aponta-
do por Cardoso:

“Guinga identifica uma parte da música feita no Brasil com a ‘música brasileira’, rea-
lizando não apenas a defesa da música nacional, mas também de qual música feita
no país é legítima e digna de ser colocada no posto de ‘a’ música nacional. Em sua
interpretação de ‘tradição da música brasileira’, exclui as vertentes musicais feitas
no Brasil que não lhe interessam, citando somente a parte que lhe parece adequado
defender. Não se trata, portanto, de um comprometimento com a música unicamen-
te por ser produzida no Brasil: trate-se de um envolvimento com um tipo específico
de música brasileira, na qual Guinga identifica uma qualidade diferencial, e a coloca
por isto no lugar de ‘a’ tradição da música brasileira”. (CARDOSO, 2006, p. 51-52).

A outra abordagem de interesse aparece sobre o debate da categorização estilística
da obra de Guinga entre os universos da música “erudita” ou da música “popular”. Cardoso
constata que “uma característica própria aos violonistas compositores é a aproximação que
realizam entre a música erudita e popular”7. O pesquisador se vale das definições de Bour-
dieu de “campo de produção da indústria cultural“ e “campo de produção da cultura erudi-
ta”, que são distintos tanto na forma de produção quanto no público a quem se destinam.
Enquanto o primeiro tende a seguir as regras de mercado para determinar a aprovação dos
seus produtos, destinados a um público amplo, o último costuma estabelecer a suas pró-
prias regras de produção de bens culturais, destinados a um público de também produto-

6 CARDOSO, 2006, p. 47.


7 CARDOSO, 2006, p. 60.
18

res8. Atestando a impossibilidade de alinhar Guinga completamente a qualquer um destes


campos, Cardoso utiliza outra categorização de Bourdieu, a de “prática em vias de consa-
gração”. Na verdade, Cardoso diz que tanto o campo da “música popular brasileira” quanto
o violão poderiam ser considerados dentro desse conceito, já que ambos buscam atingir o
reconhecimento das camadas mais intelectualizadas da sociedade. Esta análise é de especial
ajuda, pois oferece uma ferramenta interessante para analisar a receptividade de um de-
terminado repertório.
A pesquisa de Pereira9, por sua vez, teve como foco não um compositor, no que ela se
diferencia da maioria das demais, mas um recorte temporal e geográfico específico: o Rio de
Janeiro entre as décadas de 1900 e 1930. O objetivo do trabalho foi dar um novo enfoque à
produção violonística da época, tentando demonstrar a variedade de intérpretes, composi-
tores e estilos presentes durante esse período.
Pereira traça um perfil da historiografia acerca de temas como identidade nacional e
cultura brasileira, enfocando principalmente na questão da dicotomia entre “popular” e
“erudito”. Pereira aponta que existe uma tendência a uma historiográfica a estabelecer uma
narrativa cronológica sobre a música brasileira e que, nas pesquisas sobre o violão solista,
existe uma tendência a menosprezar aqueles compositores das primeiras décadas do século
XX como “incipientes” ou menos relevantes. Pereira aponta para o aspecto simbólico que o
violão adquiriu dentro da construção da identidade nacional, separando essa construção em
dois momentos. O primeiro, ainda no século XIX, quando predominavam “as teorias raciais,
(...), o violão fez parte dos atributos sociais negativos associados à preguiça, baderna e atra-
so da sociedade brasileira”10. Depois o violão seria elevado a símbolo nacional, por meio das
reelaborações das teorias raciais do século XIX, sob influência, principalmente de Gilberto
Freyre.
Essas observações servem para analisar a legitimação social de alguns compositores
sob o enfoque da dicotomia entre o Popular e Erudito. Pereira, entretanto, apresenta uma
abordagem inovadora, ao afirmar que

8 BOURDIEU apud CARDOSO, 2006, p. 61.


9 “O violão na sociedade carioca (1900-1930): técnicas, estéticas e ideologias” (2007).
10 PEREIRA, 2007, p. 113.
19

as categorias de erudito e popular, para o violão no Brasil, são bastante imprecisas,


porque o instrumento, além de ter transitado e de transitar entre diversos grupos
sociais, tem utilizado um caráter híbrido, que funde estilos e técnicas. Pode-se dizer
que o aspecto híbrido do violão também pode ser observado na maioria dos ins-
trumentos musicais, porque os mesmos circulam entre diversos grupos sociais.
Dessa maneira, caberia dizer que as categorias de erudito e popular são ideológicas
e a nomeação e distinção de uma ou de outra faz parte dos discursos e disputas en-
tre os grupos de uma sociedade, não havendo instrumento que esteja isolado ou uti-
lizado apenas por um único grupo social. (PEREIRA, 2007, p. 48).

Esta conclusão atingida por Pereira é de grande relevância para esta pesquisa pois
aponta que a fraqueza da categorização em “erudito” ou “popular” na música brasileira tem
suas origens já nos começos do século XX, o que me leva a concluir que este fenômeno ape-
nas ganhou mais força e amplitude nos últimos anos, sendo que o novo, então, não é o fato e
sim a sua forma.
Por meio de análises auditivas, embasadas em teorias da fenomenologia musical, Pe-
reira buscou traçar as semelhanças e diferenças estéticas e técnicas entre a música de João
Pernambuco e de outros quatro compositores atuantes no Rio de Janeiro no período em fo-
co. Buscando explicar o motivo de vários compositores da época não serem conhecidos, a
pesquisadora chegou à conclusão que

o repertório não foi explorado porque não teve a sorte de ser transcrito na época ou
posteriormente, e de não receber o aval dos violonistas atuais para serem executa-
dos no repertório de concerto, como foi o caso de João Pernambuco e Levino da
Conceição. (PEREIRA, 2007, p. 111).

Pereira conclui sua pesquisa reafirmando que o ambiente musical da época era di-
nâmico, onde havia o diálogo entre tradições culturais diferentes e a criação de novas tradi-
ções, o que é uma semelhança com as práticas atuais do violão. Também aponta para como
a construção da dicotomia entre as categorias de erudito e popular foi erguida a fim de es-
tabelecer valores e distinções sociais ancoradas em demandas da época, o que é refletido
em como o discurso acerca do violão brasileiro é estruturado hoje.
O foco da pesquisa de Francischini (2012)11 é a obra do violonista e compositor Lau-
rindo Almeida. No caso, o pesquisador busca relacionar a questão da narrativa da identida-
de nacional com a notória marginalização do nome de Laurindo Almeida na construção his-

11 “Laurindo Almeida: música brasileira, identidade e globalização” (2012).


20

toriográfica da música brasileira. Nessa pesquisa é traçado um perfil artístico-musical de


Laurindo Almeida, tratando de expor a diversa gama de atuações profissionais que este
exerceu enquanto viveu nos EUA.
Por meio de uma análise da produção discográfica de Laurindo, Francischini expõe a
multifacetada carreira do violonista que, além de instrumentista, atuou como compositor
para cinema e em gêneros variados como Jazz, Música Brasileira e a música de concerto. Ar-
gumentando que

com a Indústria Cultural norte-americana em pleno processo de crescimento, ace-
nando-lhe e algumas direções, a adoção contingencial de uma postura “eclética
(frontalmente oposto à estética da pureza, exigida pela vertente nacionalista brasi-
leira) como parâmetro estético-musical garantiu a Laurindo maior inserção no
competitivo cenário musical norte-americano. (FRANCICHINI, 2012, p. 12).

Essa multifacetada atuação profissional de Laurindo, mesmo que contingencial, teria
lhe valido o esquecimento nas páginas da história da música brasileira por conta de seu
afastamento das tradições musicais do país. Esse fato é analisado sobre a ótica da relação
identidade-diferença concluindo que

as identidades que se constituem hegemônicas se estabelecem pela diferença, ou
seja, pela marginalização da outra, ou das outras identidades. A saber: o nacional se
estabelece pela marginalização do internacional; o tradicional pela marginalização
do moderno; o erudito pela marginalização do popular; e assim por diante. (FRAN-
CISCHINI, 2012, p. 24).

O pesquisador, finalmente, argumenta que Laurindo Almeida se insere em um con-
texto de mundialização, cujo resultado sobre as identidades é a fragmentação. Longe de
considerar um efeito nocivo dentro do que ele chama de “perfil identitário musical” de Lau-
rindo Almeida, o autor argumenta que essa multiplicidade de características identitárias
foram os motivos para o sucesso de Almeida no exterior. Mais ainda, ele conclui que “co-
habitando com outras identificações (latina, norte-americana e outras), a brasileira acabou
por figurar como uma das ‘posições de sujeito’ de Laurindo Almeida, com um relativo poder
mercadológico”. 12

12 FRANCISCHINI, 2012, p. 158.


21

A pesquisa de Francischini também foi de grande importância para este estudo pois
aponta na mesma direção de reconhecer a importância da diferença na constituição da iden-
tidade nacional e, assim como a pesquisa de Pereira, por corroborar o pressuposto de que o
diálogo com outros fazeres musicais é um traço comum da música brasileira.
As outras três pesquisas que serão brevemente expostas se diferem das anteriores
por não tratarem da questão da identidade nacional. No entanto, elas analisam composito-
res que estarão presentes neste trabalho, o que as torna obviamente pertinentes por com-
partilharem, além dos compositores, do mesmo recorte temporal. Um dos compositores que
analisarei neste trabalho, e que foi foco da pesquisa de Oliveira (2009)13, é Sérgio Assad. A
partir da análise da suíte Aquarelle, primeira obra de Sérgio Assad para violão solo, Oliveira
trata de caracterizar a linguagem instrumental do compositor. Assumindo que se trata de
um compositor com práticas híbridas, Oliveira tenta também localizar os compositores e
vertentes musicais que tiveram importância dentro da construção da linguagem composici-
onal de Assad. Enfocarei alguns desses aspectos no segundo capítulo, quando analisarei a
obra Jobiniana Nº3, também composta por Assad.
Devo ressaltar que concordo com Oliveira ao classificar Assad como um compositor
com práticas e estética híbridas, entretanto, devo ressaltar que não compartilho do conceito
de hibridismo tal como ele o entende, ou seja, “a adoção por compositores de orientação
erudita de materiais rítmico-melódico (sic) e estilístico oriundos da música popular sob a
ótica composicional da música culta”14. Esta definição, ainda que não afete ou invalide o re-
sultado da pesquisa de Oliveira, pode criar um entendimento equivocado sobre o conceito,
como parece ter sido o caso do próprio Oliveira ao apontar “o surgimento do hibridismo do
violão clássico com a música popular no final do século XX”15 e depois concluir que o hibri-
dismo é uma prática comum na tradição do violão brasileiro. Oliveira deixa transparecer
uma relação hierárquica entre a música de concerto e a música popular, onde a primeira
teria um papel ativo na exploração da segunda, relegando a música popular a um papel pas-
sivo e alienado em relação à música de concerto.

13 “Sérgio Assad: sua linguagem estético-musical através da análise Aquarelle para violão solo” (2009).
14 OLIVEIRA, 2009, p. 12.
15 OLIVEIRA, 2009, p. 16.
22

Marco Pereira é outro compositor que foi foco de dois trabalhos acadêmicos, LEMOS
(2011) e THOMAZ (2014) e que terá músicas analisadas neste documento. De maneira se-
melhante à de Oliveira, Lemos parte de uma peça de Pereira, a música Samba Urbano, para
então chegar às conclusões sobre suas influências e sobre as linguagens musical e instru-
mental do compositor. Para tanto, o pesquisar utiliza a separação das características “tradi-
cionais” e “não tradicionais” do gênero Chôro.
Lemos, em sua dissertação de mestrado16, encontra as influências tradicionais na es-
truturação rítmica da música analisada e na forma como Marco Pereira utiliza algumas das
convenções tradicionais do samba e do chôro. Como influências não tradicionais encontrou
o uso de idiomatismos “como a suspensão do campo harmônico a partir do uso (...) do para-
lelismo” 17oriundos, de acordo com Lemos, das influências das obras de Villa-Lobos e Leo
Brouwer. Outra influência estrutural da música de concerto seria o “equilibro das vozes em
momentos polifônicos”18. Lemos também nota a influência do Jazz, especialmente dos gê-
neros “Cool Jazz” e Be-Bop por meio do uso de “acordes por quartas, escalas alteradas, de
tons inteiros e o uso extensivo de acordes alterados”19.
O pesquisador ainda conclui dizendo que Marco Pereira apresenta características
que se “enquadram no processo histórico do violão popular brasileiro que se iniciou no co-
meço20 do século XX”21. Embora ainda incorra na separação entre “popular” e “erudito”, no-
ta-se que Lemos concorda que o processo de mescla de estilos faz parte da produção brasi-
leira para violão.
Em outra direção, a pesquisa de Thomaz22 (2014) tenta construir um perfil do estilo
composicional de Marco Pereira buscando elementos unificadores em uma amostragem
mais abrangente de composições do violonista-compositor em questão. Partindo, também,
da constatação das práticas híbridas de Marco Pereira, embasadas pelas definições de Peter

16 “O estilo composicional de Marco Pereira presenta na obra Samba Urbano. Uma abordagem a partir de suas

principais influências: a Música Brasileira, o jazz e a música erudita”.


17 LEMOS, 2012, p. 54
18 LEMOS, 2012, p. 54.
19 Ibid.
20 Lemos, na verdade, escreve “final do século XX”, entretanto segue seu argumento citando nomes como João

Pernambuco, Américo Jacomino, Dilermando Reis e Garôto que estão localizados temporalmente no início do
século XX.
21 LEMOS, 2012, p. 55.
22 “A linguagem musical e violonística de Marco Pereira: um simbiose criativa de diferentes vertentes”.
23

Burke e Acácio Piedade, Thomaz empreende uma análise do arranjo da música My Funny
Valetine, chegando à conclusão de que este “é uma amostra do diálogo entre as tradições da
música popular e da música erudita na geração de um produto artístico novo, de difícil en-
quadramento”23.
Em seguida, o pesquisador empreende uma análise da linguagem de Marco Pereira
se atendo basicamente na fusão de dois aspectos. O primeiro é a assimilação (ou tradução)
de ritmos tradicionais da música brasileira para o violão e, em seguida, a linguagem harmô-
nica de Marco Pereira, apontando que ele utiliza vários voicings recorrentes da tradição do
Jazz norte-americano. Tenho a apontar que o trabalho de Thomaz, nesse sentido, foi alta-
mente detalhado e bem-sucedido. Entretanto, parece ter faltado evidenciar com mais ênfase
os aspectos da música de concerto na obra de Pereira, tal como feito por Lemos.
Pode-se concluir que, se por um lado, esta revisão bibliográfica revelou que desde o
começo do século XX existe, na produção brasileira para violão, uma tendência a absorver
influências de diversas culturas e, também, uma certa liberdade, entre os compositores, de
transitarem entre o que eram consideradas as práticas e os materiais musicais oriundos da
música de concerto e os da música popular - principalmente como apontado na pesquisa de
Pereira (2007). Por outro lado, essas pesquisas apontaram que essa produção esteve, e ain-
da está em alguns casos, submetida ao crivo das categorizações sociais, que não levavam em
consideração o conteúdo musical propriamente dito, mas, sim, as distinções sociais basea-
das em narrativas que legitimavam o repertório enquanto nacional ou estrangeiro; ou en-
quanto “popular” ou “erudito”. O risco que se corre ao analisar um repertório contemporâ-
neo com auxílio de ferramentas, ou sob a ótica de uma visão de mundo cada vez mais dis-
tante, é o de perpetuar vícios contidos nesses próprios discursos. Não se trata de separar e
categorizar os materiais e autores a partir de um conceito prévio e, sim, de evidenciar a
forma como eles trabalham e como isso dialoga com o contexto sócio-cultural brasileiro
contemporâneo. O risco que se corre aqui é o de não alcançar uma completa fusão entre a
ferramenta e objeto, mas é o caminho que optei para esta pesquisa
Por meio da pesquisa de Pereira, foi possível constatar a importância de uma abor-
dagem mais panorâmica do repertório e não apenas focada em um compositor. Esse tipo de

23 THOMAZ, 2014, p. 41.


24

abordagem pode apontar para novas formas de expor a relação entre o repertório brasilei-
ro e o contexto sócio-histórico no qual ele se insere, evitando que generalizações ancoradas
em casos específicos sejam realizadas. É nesse sentido que tentarei compreender a produ-
ção brasileira atual em relação ao contexto sócio-histórico brasileiro. Outra contribuição
que busco oferecer é expor o conceito de estereótipo como uma das formas de representa-
ção simbólica a partir da visão do outro. Mais adiante neste capítulo esse conceito será de-
senvolvido.

1.3 Interlúdio: Identidade e estereótipo

Minha hipótese neste trabalho parte da constatação empírica de que existe uma ex-
pectativa específica baseada em estereótipos, no que diz respeito ao conteúdo musical, do
público e dos músicos estrangeiros quando se fala em música brasileira. Acredito que a
maior penetrabilidade social de gêneros como Chôro, Samba e Bossa-Nova alinhada com
um tardio desenvolvimento do repertório violonístico que contemplasse outros gêneros
(sejam de música brasileira, ou de correntes mais universalistas como a vanguarda) ajuda-
ram a enfatizar um fazer musical que se relaciona mais com a construção da narrativa de
identidade Nacional do início do século XX, do que com o atual cenário sociocultural brasi-
leiro, mais diverso, urbano e cosmopolita.
Quero dividir o restante deste capítulo em três momentos. O primeiro será o de ex-
posição dos conceitos que usarei no restante deste trabalho e como eles se relacionam. O
segundo momento será uma breve exposição histórica do desenvolvimento do repertório
violonístico brasileiro. Por fim, gostaria de analisar como o repertório composto nos últi-
mos 30 anos foi absorvido pelo meio do violão de concerto.

1.3.1 Conceituando: Estereótipo

Neste trabalho usarei o conceito de estereótipo de acordo com o definido por Homi
Bhabha no seu livro “O Local da Cultura” (2013). Para Bhabha o estereótipo é “uma forma
de conhecimento e identificação que vacila entre o que está sempre ‘no lugar’, já conhecido,
25

e algo que deve ser ansiosamente repetido”24. Para Bhabha, um estudioso das relações pós-
coloniais, estereótipo deve ser analisado sob a ótica do fetiche Freudiano, por ambos serem
“a recusa da diferença”25 como mecanismo de poder. Não vou entrar em detalhes sobre a
visão de Bhabha na relação de poder dos sujeitos coloniais. Vou aqui extrapolar o conceito e
aplicá-lo na relação da Identidade com o campo da indústria cultural, considerando que a
última se utiliza de culturas e identidades para criar produtos com aceitação e penetrabili-
dade no mercado. Mas antes concluo sobre o estereótipo na visão de Homi Bhabha

O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação. É uma
simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao negar o jogo
da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema para
a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.
(BHABHA, 2013, p. 130).

É dizer, portanto, que o estereótipo é uma forma de representação que não permite
ao seu objeto a possibilidade da autodeterminação por meio da oposição com aquele que
Bhabha chama de “Outro” - um sujeito externo. Mas antes é uma representação que permite
apenas ao agente externo determinar a identidade do sujeito-objeto. Em termos mais sim-
ples: é uma determinação exercida de fora para dentro. Mas como o estereótipo pode ser
um produto da relação identidade nacional-Indústria Cultural? Para isso caberia, primeiro
definir o conceito de identidade nacional.

1.3.2 Conceituando: Identidade

Stuart Hall divide os sujeitos e suas identidades em três tipos, sendo um deles a
“identidade do sujeito sociológico”26. Esse termo estabelece a ideia de que um indivíduo não
é autodeterminado, mas sim um resultado da interação de seu “centro essencial” com o
meio social em que vive. A identidade, então,

nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” -
entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós mes-

24 BHABHA, 2013, p. 117.


25 BHABHA, 2013, p. 129.
26 HALL, 2015, p. 11.
26

mos” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus


significados e valores, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os
lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então,
costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabi-
liza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos
reciprocamente mais unificados e predizíveis. (HALL, 2015, p. 11).

Essa é uma forma chave para entender a relação que se estabelece entre indivíduo e
Nação. O mesmo Hall vai dizer que a própria Nação é um produtor de sentidos, um “sistema
de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos legais de uma nação; elas
participam da ideia de nação, tal como representada em sua cultura nacional”27.
A narrativa de uma identidade nacional impõe, automaticamente, a criação de uma
alteridade, uma demarcação quase imediata entre aquilo que é nacional e aquilo que não o
é. Nas palavras de Bauman

a identidade nacional, permita-me acrescentar, nunca foi como as outras identida-
des. Diferentemente delas, que não exigiam adesão inequívoca e fidelidade exclusi-
va, a identidade nacional não reconhecia competidores, muito menos opositores.
[...] a identidade nacional objetivava o direito monopolista de traçar a fronteira en-
tre “nós” e “eles”. (BAUMAN, 2005, p. 28).

Uma diferença a se notar entre identidade nacional e o estereótipo é a direção das
relações. Enquanto a identidade busca se definir através do reconhecimento interno daqui-
lo que “sou” em relação ao que “não sou”, o estereótipo, como afirma Bhabha, é a afirmação
daquilo que o outro é (ou imagino, ou me convém que seja).
De tal maneira que a geração de estereótipo de uma cultura nacional se aproveita da
ideia de unificação e da fidelidade exigida pela ideia de identidade nacional. Entretanto, co-
mo apontado por Bauman, a identidade nacional trata de uma narrativa que serviu às aspi-
rações políticas do Estado-Nação moderno e não de uma característica nata entre os indiví-
duos de uma nação.
De acordo com Bauman, atualmente a noção de identidade é diferente; ela

é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de uma esforço,
“um objetivo”; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou
escolher entre as alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais
- mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária

27 HALL, 2015, p. 30.


27

e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tende a ser, suprimida e labori-


osamente oculta. (BAUMAN, 2005, p. 22).

Portanto Bauman encara a identidade como uma construção que se faz a partir de
um dado da realidade e não o caminho inverso - construir uma realidade a partir de uma
imagem idealizada. Um dos traços da chamada Pós-Modernidade – nos termos de Bauman,
Modernidade Líquida – é a crescente evidência da incompletude da identidade, ou seja, o fa-
to de que “a fragilidade e a condição eternamente provisória da identidade não podem mais
ser ocultadas28.

1.3.3 Criando produtos: A Indústria cultural

Rodrigo Duarte dedica uma parte de seu livro “Teoria Crítica da Indústria Cultural” a
explicar a teoria de Adorno e Horkheimer. Sobre o funcionamento dessa indústria, Duarte
explica que

Ao contrário dos outros dois modelos mencionados - o da arte culta “autônoma” e o
da arte “leve”, popular, que possuem, em diferente medida e com diferentes graus
de elaboração, a espontaneidade das expressões de anseios e sentimentos das soci-
edades em que surgem -, a indústria cultural é antes de tudo, um negócio que tem
seu sucesso condicionado a empréstimos e fusões da cultura, da arte e da distração,
subordinando-se totalmente às já mencionadas finalidades de lucro e de obtenção
de conformidade ao status quo. (Duarte, 2003, p. 59)

Duarte ainda expõe, no segundo capítulo de seu livro, como os produtos da Indústria
Cultural precisam refletir uma preferência ou expectativa de seu público alvo. E é neste
ponto que o diálogo entre as identidades e a criação de produtos tende a gerar estereótipos.
Ao devolver um produto que corresponde a uma preferência ou expectativa do público, a
indústria incorre no mesmo fetiche da repetição que caracteriza o estereótipo. “Para de-
monstrar a divindade do real, a indústria cultural limita-se a repeti-lo cinicamente. Uma
prova fotológica como essa, não é rigorosa, mas é avassaladora"29.

28 HALL, 2015, p. 30.


29 DUARTE, 2003, p. 63.
28

De forma que se cria uma simplificação daquilo que é real, objetivando o lucro. Esta
simplificação permite a confirmação daquilo que as pessoas já acreditam ser o real. Como o
já citado Puterman afirma,


Os produtos culturais constituem sempre um meio de comunicação, na medida em
que serão consumidos por uma coletividade e, portanto, interpretados por esta
(como a palavra é também interpretada para poder funcionar), não fogem à regra,
e, também, têm função tanto de aproximação quanto de distanciamento. (Puterman,
1994: 40)

1.3.4 Desenvolvimento: processo de transformação de identidade em estereótipo

É possível, então, de forma pertinente, gerar uma relação entre indústria cultural e
identidade nacional semelhante àquela relação existente entre colono e colonizado. Levan-
do em conta que tanto para a indústria cultural, quanto para o colono, o importante é esta-
belecer uma forma de tirar proveito de determinadas características do colonizado ou de
determinada identidade (nacional), neste caso resultando na geração de um estereótipo.
Então, do ponto de vista mercadológico, é natural que haja o estabelecimento de estereóti-
pos dentro da elaboração de rótulos para que se crie o aspecto de fixidez e previsibilidade
com o objetivo de se atingir o sucesso comercial.
O interessante é notar que, no caso da música brasileira para violão solista, esse es-
tereótipo acabou criando uma situação em que se encontra por um lado a repetição e con-
gelamento de um determinado tipo de linguagem – que, não obstante a sua importância no
desenvolvimento da música brasileira, não corresponde totalmente às práticas vigentes na
produção atual. Por outro lado, se dá uma legitimação dos gêneros brasileiros por meio da
criação de produtos que estariam ligados à uma tradição da “música erudita”.
Portanto, acredito que seja possível apontar que, mesmo não estando ciente, o intér-
prete ao apresentar uma obra ao vivo, ou mesmo ao registrá-la em áudio, participa da cons-
trução de significados e de narrativas sociais. De tal maneira que as escolhas de repertório
dos intérpretes são capazes de reforçar narrativas, inclusive as de identidade nacional, es-
tas já moldadas sob a pressão do estereótipo, especialmente quando o próprio produto fi-
nal, no caso do registro sonoro, se coloca como algo representativo de determinada cultura.
29

Partindo desses pressupostos, eu atribuí à expressão “Brazilian Guitar Music” um


sentido particular. Não como um rótulo que se refere à produção brasileira para violão
propriamente dita, mas como uma ponte que conecta intérpretes e publico por meio de
uma noção compartilhada, fixa e idealizada daquilo que imaginam ser a música brasileira.
Em muitos casos, como poderá ser visto mais adiante, essa noção diz respeito à música
composta, principalmente, na primeira metade do século XX na região sudeste do Brasil
(especialmente no Rio de Janeiro), ou músicas que dialoguem com esse contexto específico.
Musicalmente falando, é um repertório que contém traços específicos de síncope
(como a famigerada “síncope característica”), uma harmonia triádica diatônica e gêneros
como o Samba e, principalmente, o Chôro. Excluindo músicas e compositores que não cor-
respondam a essas especificidades.
Optei por manter a expressão em inglês para manter a ideia de uma relação estabe-
lecida a partir de um observador externo - mesmo que se possa dizer que ela é comparti-
lhada por certa parte do publico e de intérpretes brasileiros. Com isso também é possível
evidenciar a ideia de fixidez e imutabilidade rígida que é imposta através de um produto
que simplifica a diversidade atual da produção brasileira. Essa diversidade é fruto do de-
senvolvimento social e cultural do país nos últimos 50 anos e negar essa diversidade e de-
senvolvimento, a meu ver, é uma abordagem mais conservadora e segura em prol de um
produto que ressoa com os preconceitos e expectativas do público.
Entender a identidade do indivíduo como algo em perpétua transformação e enten-
der o papel do indivíduo como parte da produção de sentido da nação nos leva a supor que
a noção de brasilidade, enquanto narrativa geradora de identificação, também é algo em
perpétua transformação. Portanto, se, ao lado dessa argumentação, ainda formos seguir as
premissas de Mário de Andrade que, em 1928, assinalou que “o critério atual de Música
Brasileira deve ser não filosófico, mas social; deve ser um critério de combate” e que “o cri-
tério de música brasileira pra atualidade deve de existir em relação à atualidade”30, pode-
mos nos questionar: qual o critério atual, em 2017, da música brasileira? Qual é a realidade
social que a música que foi registrada por intérpretes retrata ou está inserida?

30 ANDRADE, 2006, p. 15.


30

1.4 Um cantinho, um violão: identidade Nacional/Brasilidade no repertório


brasileiro para violão I (1900-1960)

1.4.1 Violão como símbolo de brasilidade: a brasilidade dos compositores violonistas

Estudos como os de Taborda (2011) e Bartoloni (2015) traçam um histórico da im-
portância e do papel do violão nas sociedades carioca e paulista, respectivamente, na pri-
meira metade do século XX. Taborda encontrou uma síntese do papel do instrumento em
um documento produzido por Alexandre Gonçalves Pinto31, que divide essas funções entre:
1) o violão como acompanhador das modinhas e lundus; 2) acompanhador em conjuntos de
música instrumental; 3) o violão como solista em obras compostas ou transcritas para ele.
Enquanto ao meio social, Taborda ressalta que “o violão esteve presente na sociedade brasi-
leira, tanto nos círculos de elite, quanto nas manifestações das camadas populares”.32 Assim
sendo, era natural que um instrumento como o violão fosse colocado junto à cultura mestiça
e os novos gêneros musicais como símbolo de brasilidade.
O conceito de símbolo é o primeiro conceito tratado pelo psicólogo Carl Jung no en-
saio “Chegando ao inconsciente”33, que trata de estabelecer com clareza conceitos que ele
desenvolveu para a análise dos sonhos de seus pacientes por meio da psicanálise. Entretan-
to, é um estudo pertinente, uma vez que Jung extrapola os limites da psicologia para tratar
de conceitos com implicações sociais. Para Jung, símbolo é o “termo, o nome ou mesmo uma
imagem que nos pode ser familiar na vida cotidiana, embora possua conotações especiais
além de seu significado evidente e manifesto”34. Jung aponta para a dimensão ampla e ine-
xata do símbolo dentro do inconsciente e de seu papel importante para a construção da
compreensão humana do mundo. Uma vez que o intelecto do ser humano não consegue
compreender tudo ao seu redor, ele emprega a linguagem simbólica para atingir alguma
compreensão e dar significado ao seu entorno.
Ainda sobre os símbolos, Jung irá identificar dois tipos de símbolos, os naturais e os
culturais. Os símbolos naturais dizem respeito a imagens formadas no inconsciente e que,

31 TABORDA, 2011, p. 117.


32 TABORDA, 2011, p. 168.
33 In: “O homem e seus símbolos”. Concepção e organização de Carl Jung. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro,

2008.
34 JUNG, 2008, p. 18.
31

por isso, é comum encontrar em diversos tipos de sociedade, de tempos históricos distintos,
símbolos semelhantes ou equivalentes. Já os símbolos culturais, que interessam a esta pes-
quisa, são aqueles que servem a um propósito narrativo e que foram elaboradas a ponto de
serem aceitas em sociedades civilizadas.35
Os símbolos culturais são mencionados por Hall ao dizer que

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas tam-
bém de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo
de construir sentidos que influencia e organiza tanto as nossas ações quanto a con-
cepção que temos de nos mesmos. (HALL, 2015, p. 31).

Podemos concluir então que o símbolo é um meio para trazer o discurso da forma-
ção e legitimidade da nação a um plano decifrável para as comunidades e sociedades mo-
dernas. Ele serve para explicar, engajar e unificar as pessoas por meio de ideais comparti-
lhados. Essa ideia é ecoada por nomes importantes como o violonista Fábio Zanon. Ele afir-
ma que “como o café e o futebol, o violão está indissociavelmente ligado a uma visão sócio-
cultural do Brasil, e nossa identidade musical é impensável sem a sua presença”36. A insti-
gante afirmativa de Zanon atribui ao violão uma função simbólica de comunicar (represen-
tar) o que é “ser brasileiro”. Em termos práticos, o violão seria o instrumento que natural-
mente se enquadra nos fazeres musicais brasileiros. Mas como podemos identificar isso no
violão e na música escrita para o instrumento?
O violão, neste caso, funciona como uma espécie de mediador entre a “Nação” (ou a
música nacional) e o povo. Sua imagem lembrará os gêneros musicais que ele veicula. Estes
gêneros, por sua vez, são manifestações que expressam as características do que é chamado
de brasilidade. Em termos mais precisamente musicais, a narrativa da brasilidade, caracte-
rizada pela miscigenação (mestiçagem) do povo brasileiro, teve como símbolos gêneros
brasileiros que uniam de padrões rítmicos de origem africana ou afro-brasileira com os pa-
drões melódico-harmônicos europeus - como Samba, Chôro, Baião. Entretanto, constatar
isso é também constatar a relegação ao segundo plano das influências indígenas dentro da

35 Ibid: p. 117.
36 ZANON, 2006.
32

formação do povo brasileiro, tornando a própria narrativa da unidade da mestiçagem um


tanto falha ou estereotipada.
Nomes como João Pernambuco, Canhoto, Garôto, e Dilermando Reis são tidos por
muitos como os fundadores de uma tradição ligada ao violão. . Acredito que, contextualizar
cada um dos violonistas mencionados relacionando-os através de suas músicas com aquilo
que estava em voga na época possa ajudar a entender a trajetória e contexto no qual o repe-
tório brasileiro se desenvolveu nesse período.
Canhoto, o mais velho dos compositores citados, é autor de diversos tangos em esti-
lo argentino e, também, de várias valsas de caráter seresteiro, bem como de diversos estilos
americanos, como Fox-trot e Rag-time. João Pernambuco já pertence a uma geração ligada
ao descobrimento da música popular urbana e regional nordestina, tendo composto diver-
sos chôros e tendo integrado o Grupo de Caxangá ao lado de Catullo da Paixão Cearense. Ga-
rôto é tido como um dos precursores da Bossa-Nova, tendo integrado o Bando da Lua e
acompanhado Carmen Miranda em viagens aos EUA na década de 40. Também dos anos 40
é seu samba-exaltação “Lamentos do Morro”, uma de suas composições mais conhecidas.
Dilermando Reis compôs diversas Valsas e Chôros. Inclusive, chegou a ser professor de vio-
lão do presidente Juscelino Kubitschek já nos anos 50. Mas também foi um dos primeiros a
compor um baião para violão, “Calanguinho”, que, mesmo não apresentando algumas cara-
terísticas estilizadas do baião de Luiz Gonzaga, foi influenciado pelo enorme sucesso que o
gênero fazia no país à época.
Um outro nome que não mencionei anteriormente por não ser um solista de violão:
João Gilberto. Ele é reconhecido pela sutileza de suas interpretações, refletida principal-
mente em sua maneira de cantar e de se acompanhar ao violão. No canto, Gilberto se nota-
bilizou por usar uma dinâmica mais baixa na voz, de forma contrária ao que faziam os can-
tores da época, muitas vezes com vozes imitando um canto operístico. No acompanhamen-
to, Gilberto ficou conhecido pelo “desencontro” entre a levada do violão e o canto. Outros
nomes ligados à bossa-nova, mas que tiveram maior atividade com solistas, lembrados por
Tinhorão no artigo “Os Pais da Bossa-Nova”37 são Luiz Bonfá, Laurindo Almeida e Baden
Powell.

37 In: TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: um tema em debate. 3ª Ed. São Paulo: Editora 34, 1997.
33

Estes podem ser considerados alguns dos fundadores do “clássico violão popular
brasileiro”38, que reflete muito bem o fazer musical no Brasil até meados dos anos 60 do sé-
culo XX.

1.4.2 Violão como símbolo de brasilidade: A brasilidade dos compositores do
Nacional-Modernismo

Mário de Andrade atuou como espécie de guia estético dos compositores eruditos e
se preocupou muito mais com o estudo da música que hoje chamaríamos de folclórica do
que com a valorização da música popular urbana. Ele tinha como objetivo claro criar uma
“música artística” que fosse reflexo da identidade do povo brasileiro. De forma que ele
acreditava que o dever dos compositores era apreender esse imaginário musical comparti-
lhado. Barbeitas sintetiza da seguinte forma o pensamento Andradiano

Mário de Andrade inclui no Ensaio (sobre a música brasileira) um esboço de projeto
estético de nacionalização da música artística (erudita) que evoluiria em três fases,
partindo exatamente da utilização ostensiva de ritmos e melodias folclóri-
cas/populares (tese nacional), passando pelo amadurecimento composicional dessa
utilização (sentimento nacional) até chegar ao ponto em que tanto os materiais
quanto a técnica de composição refletissem naturalmente, sem necessidade de
afirmação voluntariosa, a brasilidade (inconsciência nacional). (BARBEITAS, 2007:
p. 134)

É importante, entretanto, dar atenção a duas coisas: a música popular que deveria
seguir de guia e modelo para Mário de Andrade é a música folclórica, aquela vinda de um
Brasil que não estivesse sofrendo com as influências estrangeiras da época. Notam-se, por-
tanto, dois movimentos de distinção no discurso andradiano: o primeiro que revela uma
diferença entre popular/folclórico e a música “artística”; e o segundo relativo a autenticida-
de da música popular urbana enquanto genuinamente brasileira, uma vez que estaria sujei-
ta às influências dos modismos estrangeiros.
Contudo, é interessante notar que a única peça brasileira publicada que se alinhava,
ou ao menos dialogava, com os ideais no nacional-modernismo de Andrade era o Chôros
Nº1, de Heitor Villa-Lobos. Como evidenciado pelo pesquisador Humberto Amorim esta “foi

38 Termo utilizado pelo famoso Duo Assad para dar nome ao seu cd comemorativo de 50 anos de carreira e

que incluía peças de todos os compositores citados, como forma de tributo a essa tradição.
34

também a primeira peça do compositor, para o instrumento, a ser publicada”39, Villa-Lobos,


nessa época, já havia composto a Valsa Concerto Nº2 e, ao menos, algumas peças da sua Suí-
te Popular Brasileira40. Ainda de acordo com Amorim, as primeiras publicações do Chôros
Nº1 se deram entre a década de 1920 e 1930, período em que o pesquisador também afirma
terem sido compostos os 12 Estudo para violão.
Mesmo com toda a popularidade do violão dentro da música popular brasileira, a a
próxima peça para violão de compositor nacionalista só viria a ser publicada em 1951. Tra-
ta-se do Ponteio, de Camargo Guarnieri, composta na década em 1944. Há ainda a Suíte, de
César Guerra-Peixe, obra que mescla traços nacionalistas com a técnica dodecafônica, com-
posta em 1946 e que não foi publicada comercialmente até hoje. Nesse período, Villa-Lobos
já havia composto todo o corpo de sua obra para violão solista, completado pelos cinco pre-
lúdios da década de 1940.
Portanto, concluímos que o repertório brasileiro para violão da primeira metade do
século XX era formado basicamente pelas músicas dos compositores-violonistas que com-
punham choros, maxixes, valsas entre outros gêneros de música urbana, e pela obra de Vil-
la-Lobos - ele mesmo, um violonista. Essa situação se altera a partir da década de 50 e, so-
bretudo, a partir da década de 60. Desse assunto me ocuparei mais adiante; por agora gos-
taria de desvendar quem são esses compositores violonistas que compuseram o corpo do
repertório violonístico entre 1900 e 1950.
O distanciamento em relação ao violão dos compositores modernistas pode ser ex-
plicado por uma conjunção de fatores, entre eles a relativa escassez de violonistas brasilei-
ros que estivessem mais profundamente envolvidos com a música de concerto na primeira
metade do século XX; o estigma social que acompanhava a imagem do violão, não apenas
enquanto instrumento de menor importância, mas também ligado às classes mais baixas da
sociedade e à boemia, e o próprio desconhecimento, por parte dos compositores, da técnica
de escrita para violão.

39 AMORIM, 2009, p. 95.


40 AMORIM, 2009, p. 95.
35

1.5 “Um cantinho, quantos violões?”: Identidade Nacional/Brasilidade no reper-


tório brasileiro para violão II (1961-)

A partir dos anos 60, pode-se constatar uma ampliação do repertório violonístico
dentro do meio da música de concerto. Lado a lado com essa mudança de atitude dos com-
positores, há também um movimento dos intérpretes de resgate do repertório de composi-
tores-violonistas da primeira metade do século XX por meio da edição de partituras e, já nos
anos 80, um aparecimento de uma nova geração de compositores-violonistas.
Uma característica importante deste repertório é a grande variedade de estilos, esté-
ticas e gêneros que ele oferece ao intérprete. Nesse sentido, o repertório brasileiro para vio-
lão se inseriu em um cenário diferente, de um mundo muito mais globalizado. O sociólogo
Zygmunt Bauman descreve o novo cenário das culturais globalizadas

Axiologicamente falando, as relações culturais não são mais verticais, mas horizon-
tais: nenhuma cultura pode exigir subserviência, humildade ou submissão às outras
simplesmente em nome da sua presumida superioridade ou progressis-
mo.”(BAUMAN, 2011, p. 37, tradução minha).41

Outro efeito, notado pelo próprio Bauman, é a flexibilização dos interesses e a aber-
tura para a individualidade, agora as pessoas não precisam se identificar apenas com um
tipo de ideologia ou gosto específico, ou mesmo linha estética. Nesse sentido, os intérpretes
brasileiros exerceram um papel importante.
É possível dizer que o aumento de interesse dos compositores pelo violão se deu a
partir de duas figuras importantes: Turíbio Santos e Carlos Barbosa-Lima. Sobre o segundo,
Norton Dudeque escreve que é “um dos mais conceituados violonistas, tanto em concertos,
como na edição, transcrição e comissão de novas obras para o instrumento”42. A Barbosa-
Lima são dedicadas obras de Francisco Mignone, Carlos Alberto Pinto Fonseca e Theodoro
Nogueira, por exemplo. Todos compositores ligados a uma estética nacionalista. Barbosa-
Lima também é responsável pela divulgação da obra de Isaías Sávio de quem foi aluno.

41 Texto original: “Axiologically speaking, cultural relations are no longer vertical but horizontal: no culture

can demand or be entitled to subservience, humility or submission on the part of any other simply on the ac-
count of its own assumed superiority or ‘progressiveness’”.
42 DUDEQUE, 1994, p. 103.
36

Para Márcia Taborda, que busca ressaltar a importância da sociedade carioca na


formação da identidade nacional, é com o estabelecimento da carreira de Turíbio Santos
que “o violão brasileiro se faz presente no ambiente internacional”43. De fato, Santos de-
sempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do violão brasileiro. Foi o primeiro
a gravar os 12 Estudos de Villa-Lobos, ainda nos anos 60, e, dentro da editora francesa Max
Eschig, elaborou a Collection Turíbio Santos, que contava com obras de diversos composito-
res brasileiros de linguagens e vertentes musicais diferentes como Edino Krieger, Cláudio
Santoro, Francisco Mignone, Ricardo Tacuchian, Marlos Nobre, Almeida Prado e Radamés
Gnattali. Falarei um pouco mais sobre essa coleção no segundo capítulo. Cabe ainda ressal-
tar o papel de Turíbio Santos ao resgatar, nos anos 70, a obra de João Pernambuco (ibid:
139).
Nota-se que Turíbio Santos e Barbosa-Lima ajudaram a dilatar a variedade estilística
da produção brasileira para violão. Não apenas obras dos compositores nacionalistas foram
incluídas, mas, também, compositores de vanguarda- movimento que pouco contribuiu com
repertório violonístico na primeira metade do século. O resgate de obras da tradição do vio-
lão popular também é importante.
Já nos anos 80 aparecem novos compositores violonistas como Marco Pereira, Paulo
Bellinati (que é também responsável por elaborar uma nova edição das obras de Garôto) e
Sérgio Assad. A música desses compositores se caracteriza não apenas pela abordagem idi-
omática e particular do instrumento, mas também por um diálogo aberto da música brasi-
leira com diversas outras tradições como Jazz e a música de concerto, fruto de suas forma-
ções musicais e da relação que estes compositores cultivaram com o violão e com a música.
Ainda nos anos 80 surgem compositores-violonistas ligados a outros tipos de ten-
dências. Em 1982 o compositor e violonista Antônio Madureira, uma das mentes criativas
do Quinteto Armorial, lança seu primeiro CD solo, contendo peças de sua autoria, trazendo
um discurso nacionalista influenciado pela ideologia Armorial de Ariano Suassuna. Surgem,
um pouco mais tarde, violonistas ligados à música de vanguarda como os casos de Arthur
Kampela e Roberto Victório.

43 TABORDA, 2011, p. 109.


37

Esta é uma lista extremamente curta e resumida de nomes que estão atuantes no
mundo violonísitco como compositores. Escolhi mencionar estes pois é exatamente neles
que este trabalho estará focado. São compositores que, de uma certa forma, ainda estão lo-
calizados - tanto geográfica como simbolicamente - em uma grande narrativa construída e
legitimada pelas regiões mais desenvolvidas do país. É sem dúvida um recorte limitado,
ainda assim rico o suficiente para servir de ilustração à minha premissa.
No segundo capítulo tratarei da análise de obras de seis compositores para evidenci-
ar como a brasilidade tem sido articulada no repertório brasileiro mais recente. Quero ago-
ra seguir para a terceira e última parte deste capítulo, onde vou tratar da receptividade do
repertório brasileiro para violão nos campos da editoração de partituras e de registros fo-
nográficos.

1.6 A “Industria do Violão” e a confirmação do estereótipo

Nesta parte do trabalho me proponho a analisar como os intérpretes e os meios
mercadológicos absorveram o repertório brasileiro para violão. Por “meios mercadológi-
cos” entendo todos aqueles produtos e materiais que ajudem na difusão da música, sejam
eles CD’s/DVD’s, partituras, métodos ou mesmo livros. Para ilustrar essa minha premissa,
quero exibir alguns dados retirados do catálogo de uma das maiores difusoras da música
para violão clássico no exterior, neste caso escolhi a Guitar Solo Publications (GSP), com ba-
se nos Estados Unidos44.
A GSP é um selo de publicação de partituras, métodos e CD’s e seu dono-fundador,
Dean Kamei, recebeu no ano de 2014 o “Industry leadership award” concedido pela Guitar
Foundation of America (GFA), uma das maiores instituições dedicadas ao violão da atualida-
de45. Localizada na cidade de San Francisco, Califórnia e tendo publicado pela primeira vez

44 Há atualmente iniciativas como o site Acervo Digital do Violão Brasileiro, uma iniciativa que produziu até

agora três concursos de composição para violão, contanto com um amplo apoio de nomes importantes do ins-
trumento como Sérgio Assad, Marco Pereira e Fábio Zanon, tendo produzido como produto, até agora, três
CD’s e dois álbuns de partituras dos quais falarei mais adiante neste trabalho. Recentemente, também, inciou-
se a Guitarcoop, uma cooperativa de violonistas brasileiros e estrangeiros que lançou seis CD’s até o momento
e têm produzido conteúdo disponível em seu canal na rede social youtube.com.
45 Eu mesmo estive presente na convenção internacional do GFA e na cerimônia de premiação Entretanto, ele

pode ser verificado no seguinte link:


38

em 1985, a GSP conta, hoje, com 265 títulos em seu catálogo de partituras, que vão de ar-
ranjos à composições originais para o violão46. Consultando esse catálogo online, constatei
que a GSP lista 216 títulos entre partituras e métodos, dos quais 76 são de autoria de com-
positores brasileiros47, em termos percentuais equivale a 29,8%, ou seja, quase um terço
das publicações é de compositores brasileiros. Dos 43 CD’s lançados pela GSP, doze (27,9%)
são dedicados majoritariamente ou completamente à música brasileira. O site ainda fornece
uma lista dos 64 artistas que publicaram partituras ou lançaram CD’s pelo selo, dos quais
18 são brasileiros (28,1%).
A partir dessas listas, podemos extrair qual é a demanda que a GSP está suprindo. Ao
ver os nomes dos artistas, onde estão incluídos três autores de obras que serão analisadas
neste trabalho, vemos que todos eles estão fortemente ligados a uma linha de fazer musical
que confirma a narrativa da “tradição inventada” brasileira. Nomes importantes e emble-
máticos dentro da história do violão no Brasil como Garoto, Dilermando Reis e Baden Po-
well, e nomes igualmente importantes, porém mais atuais como Antônio Madureira, Marco
Pereira, Paulo Bellinati e Sérgio Assad. Todos esses artistas ajudam a reforçar a imagem por
trás do rótulo de “violão brasileiro” e o fato de uma das maiores produtoras de meios para
violão dos Estados Unidos focar quase 30% de seus lançamentos nesse tipo de produtos nos
aponta qual é o interesse de uma boa parcela do público ouvinte e profissional de violão.
A construção de um repertório se dá por meio da articulação dos interesses de várias
partes, notadamente intérpretes (contando aqui amadores, performers e estudantes), públi-
co e indústria (caracterizada como aquela que articulação entre publicação de partituras e
gravações de CD’s). Não cabe ao escopo deste trabalho determinar por quais mecanismos
ou quais e como são as relações que se estabelecem dentro desse sistema. Dito isso, me
proponho nesta parte a analisar como a música brasileira para violão está representada
dentro da indústria nas suas duas formas: 1) nas partituras publicadas: quais composito-
res? Quais editoras? Quais gêneros? E, em seguida 2). Quais obras estão sendo mais grava-
das? Quais gêneros? O objetivo final é tentar entender como foi a receptividade das partitu-
ras publicadas.

https://guitarfoundation.site-ym.com/?HoFDKamei. Acesso em: 28 ago. 2016.


47 Há ainda três publicações de autoria de Isaías Sávio (incluindo as Cenas Brasileiras), as quais não considerei

por Sávio ser de origem uruguaia e ter tido sua formação musical fora do Brasil.
39


1.6.1 As partituras publicadas

A listagem das partituras obedeceu aos seguintes princípios: apenas obras para vio-
lão solista; listadas apenas editoras que tenham seu catálogo online e atualizado; a sua es-
pecificidade, ou seja, editoras dedicadas exclusivamente ou majoritariamente ao repertório
violonístico e, finalmente, a representatividade da editora dentro do repertório. De forma
que algumas faltas serão sentidas: os acervos das editoras brasileiras como Irmãos Vitale e
a Ricordi Brasileira que, notadamente, são importantes na construção do repertório violo-
nístico brasileiro. Entretanto, pela própria dificuldade de acesso, em outros países, às parti-
turas que são lançadas no Brasil - muitas delas fora de catálogo e difíceis de acessar até
mesmo dentro do país – optei por não incluí-las nesta listagem, acreditando, também, que
isso não acarretou em perda significativa para os fins desta pesquisa. Abaixo estão as listas
das editoras GSP e Max Eschig, as demais podem ser encontradas no Apêndice 1. As listas de
discos podem ser encontradas no Apêndice 2.

Quadro 1: Partituras de compositores brasileiros da GSP

GSP


COMPOSITOR TÍTULO EDITOR/TRANSCRITOR

1. Laurindo Almeida The Guitar Works of Laurindo Almeida Vol. 1 Autor

2. Laurindo Almeida The Guitar Works of Laurindo Almeida Vol. 3 Autor

3. Laurindo Almeida The Guitar Works of Laurindo Almeida Vol. 3 Autor

4. Sérgio Assad 3 Divetimentos Autor

5. Paulo Bellinati Pulo do Gato Autor

6. Paulo Bellinati Aristocrática Autor

7. Paulo Bellinati Dama da Noite Autor


40

8. Paulo Bellinati Tom e Prelúdio Autor

9. Paulo Bellinati Seresteira Paulista Autor

10. Paulo Bellinati Primorosa Autor

11. Paulo Bellinati Alvoroço Autor

12. Paulo Bellinati Rosto Colado Autor

13. Paulo Bellinati Fole Nordestino Autor

14. Paulo Bellinati Embaixador Autor

15. Paulo Bellinati Emboscada Autor

16. Paulo Bellinati Sai do Chão Autor

17. Paulo Bellinati 3 Estudos Litorâneos Autor

18. Paulo Bellinati Jongo Autor

19. Paulo Bellinati Suíte Contatos Autor

20. Paulo Bellinati Valsa Brilhante Autor

21. Paulo Bellinati Modinha Autor

22. Paulo Bellinati Choro Sapeca Autor

23. Paulo Bellinati Choro Sereno Autor

24. Luíz Bonfá 4 Pieces Carlos Barbosa-Lima

25. Catullo 11 Immortal Songs Carlos Barbosa-Lima

26. Edmar Fenício Suíte de Homenagem Autor

27. Edmar Fenício Frevo Autor


41

28. Edmar Fenício Message to Jobim Autor

29. Edmar Fenício 4 Romantic Waltzes Autor

30. Edmar Fenício Velho Tema Autor

31. Edmar Fenício São Sebastião do Rio de Janeiro Autor

32. Edmar Fenício Baiãozinho Autor

33. Garôto The Guitar Works of Garôto Vol. 1 Paulo Bellinati

34. Garôto The Guitar Works of Garôto Vol. 2 Paulo Bellinati

35. Waldemar Henrique Five Songs from the Amazons Isaías Sávio

36. Antônio Carlos Jobim 9 Pieces Carlos Barbosa Lima

37. Antônio Madureira Ponteado Autor

38. Antônio Madureira Maracatu Autor

39. Antônio Madureira Romançário Autor

40. Antônio Madureira Rugendas Autor

41. Antônio Madureira Cecília Autor

42. Antônio Madureira Valsa de Fim de Tarde Autor

43. Thiago de Mello Samba Chorado Carlos Barbosa-Lima

44. Francisco Mignone 7 Valsas de Esquina Carlos Barbosa-Lima

45. Paulinho Nogueira 9 Pieces Carlos Barbosa-Lima

46. Marco Pereira Bate-Coxa Autor

47. Marco Pereira Flor das Águas Autor


42

48. Marco Pereira Plainte Autor

49. Marco Pereira Marta Autor

50. Marco Pereira Tio Boros Autor

51. Marco Pereira Tempo de Futebol Autor

52. Marco Pereira Num Pagode em Planaltina Autor

53. Marco Pereira Amigo Léo Autor

54. Marco Pereira Seu Tonico na Ladeira Autor

55. Marco Pereira Estrela da Manhã Autor

56. Marco Pereira Sambadalu Autor

57. Marco Pereira Nostálgicas 1-5 Autor

58. Marco Pereira Elegia Autor

59. Marco Pereira Chama-me! Autor

60. Pixinguinha Music of the Brazilian Master Roland Dyens

61. Pixinguinha 8 Solo Pieces Carlos Barbosa-Lima

62. Baden Powell The Works of Baden Powell Vol. 1 Edmar Fenício

63. Dilermando Reis The Works of Dilermando Reis Vol. 1 Ivan Paschoito

64. Dilermando Reis The Works of Dilermando Reis Vol. 2 Ivan Paschoito

66. Vários 12 Modinhas Carlos Barbosa-Lima


43

Quadro 2: Partituras de compositores brasileiros da Max Eschig


MAX ESCHIG


AUTOR TÍTULO EDITOR/TRANSCRITOR

1. Marcelo Camargo Fernandes Sonatina [S.I.]

2. Egberto Gismonti Central Guitar Autor

3. Egberto Gismonti Variations Autor

4. Radamés Gnattali Petite Suite Turíbio Santos

5. Radamés Gnattali Brasiliana Nº13 Turíbio Santos

6. Edino Krieger Ritmata Turíbio Santos

7. Francisco Mignone Lenda Sertaneja Turíbio Santos

8. Marlos Nobre Momentos Nº1 Turíbio Santos

9. Marlos Nobre Momentos Nº2 Turíbio Santos

10. Marlos Nobre Momentos Nº3 Turíbio Santos

11. Marlos Nobre Momentos Nº4 Turíbio Santos

12. Marlos Nobre Prólogo e Toccata, Op. 65 Marcelo Kayath

13. José Antônio de Almeida Prado Livre pour Six Cordes Turíbio Santos

14. Cláudio Santoro Dois Prelúdios Turíbio Santos

15. Turíbio Santos Prelúdio Nº1 Turíbio Santos

16. Turíbio Santos Prelúdio Nº2 Turíbio Santos


44

17. Turíbio Santos Prelúdio Nº3 Turíbio Santos

18. Turíbio Santos Prelúdio Nº4 Turíbio Santos

19. Turíbio Santos Prelúdio Nº5 Turíbio Santos

20. Turíbio Santos Prelúdio Nº6 Turíbio Santos

21. Ricardo Tacuchian Lúdica Nº1 Turíbio Santos

22. Nicanor Teixeira Trois Cariocas Autor

23. Heitor Villa-Lobos Chôros Nº1 1ª Ed.:Autor


2ª Ed.:Frederic Zigante

24. Heitor Villa-Lobos 5 Preludes 1ª Ed.:Autor


2ª Ed.:Frederic Zigante

25. Heitor Villa-Lobos 12 Etudes 1ª Ed.:Autor


2ª Ed.:Frederic Zigante

26. Heitor Villa-Lobos Suite Populaire Bresilienne 1ª Ed.:Autor


2ª Ed.:Frederic Zigante

27. Vários (Anônimos) Chansons Bresiliennes, Vol. 1 Turíbio Santos

28. Vários (Anônimos) Chansons Bresiliennes, Vol. 2 Turíbio Santos

29. Vários (Anônimos) Chansons Bresiliennes, Vol. 3 Turíbio Santos




1.6.2 Análise dos dados


A partir das listas elaboradas foi possível chegar a algumas conclusões. A primeira é
o razoável interesse das editoras estrangeiras em publicar música brasileira, temos aqui
representadas editoras sediadas na Alemanha (Chanterelle Verlag e Tonos), Estados Unidos
(GSP, Orphée, Melbay e Columbia), Canadá (D’Oz), Itália (Bérben) e França (Max Eshig).
A segunda conclusão é que se trata de amostragem diversificada tanto em estilos,
quanto em épocas. Temos nacionalistas do início do século XX (como Villa-Lobos e Migno-
45

ne), os tocautores48 da lista de Márcia Taborda aparecem publicados (como João Pernambu-
co, Garôto e Laurindo Almeida), também aparecem nomes ligados à música de concerto e de
uma linha mais eclética (como Edino Krieger, Ricardo Tacuchian e Alexandre Eisenberg) e
diversos tocautores contemporâneos (como Marco Pereira, Sérgio Assad e Paulo Bellinati).
Em menor grau, mas ainda digno de comentário, é a prática da transcrição, variando entre
grandes nomes da Bossa-Nova (como Jobim), modinhas imperiais, canções folclóricas e
nomes importantes da música instrumental, com um destaque ao interesse pela obra de Er-
nesto Nazareth. Focando na lista de Márcia Taborda encontramos 7 nomes (Laurindo Al-
meida, Luíz Bonfá, João Pernambuco, Garôto, Dilermando Reis, Baden Powell e Paulinho
Nogueira) dos 26 listados.
Nota-se que duas editoras se destacam na quantidade de partituras publicadas. A
primeira, com bastante vantagem, é a americana GSP com 65 títulos divididos entre 17 au-
tores diferentes (existe mais uma coleção com diversos autores). Já a francesa Max Eschig
publicou 29 títulos divididos contando com 13 autores diferentes. O foco das publicações de
música brasileira das duas editoras é bastante diferente. Enquanto a primeira serve como
divulgadora, principalmente, de obras de tocautores, por outro lado, a Max Eschig publica
obras de “compositores de ofício”, ou seja, aqueles que não necessariamente interpretam as
suas músicas. Como a Max Eschig é uma editora mais antiga e ligada a uma tradição da mú-
sica de concerto europeia, isso não é nenhuma surpresa.
Outro fato interessante é a presença constante de Turíbio Santos como editor na Max
Eschig. Nesta função, Santos realizou um trabalho muito importante de divulgação de novas
obras brasileiras. Já na GSP podemos ver outros nomes importantes do violão brasileiro
como Carlos Barbosa-Lima, Marco Pereira e Paulo Bellinati. Estes trabalhando principal-
mente como compositores e o primeiro como transcritor e editor de obras.

48 Termo utilizado por Stanley Fernandes (2014) para designar os compositores que aliam as suas composi-

ções à própria prática instrumental. Um termo mais independente é tocautoria que descreve “atividades artís-
ticas onde ainda persistem as noções independentes de composição e performance.”.(FERNANDES, 2014, p.
108)
46

1.6.3 Os álbuns

À medida que buscava elaborar uma forma de analisar como a música brasileira es-
tava representada na discografia violonística pós-1950 me deparei com um problema: a re-
lativa escassez de discos dedicados exclusivamente ao repertório brasileiro. Ainda assim,
encontrei uma discografia, equivalente em quantidade, de música latino-americana onde a
música brasileira se encontrava presente. Para adequar a pesquisa à realidade da produção
fonográfica resolvi separar os discos em duas categorias: 1) aqueles que indicam conter
músicas de conteúdo étnico/regional latino (incluindo América Latina e países ibéricos, es-
pecialmente a Espanha) e que contenham música brasileira; 2) discos dedicados exclusiva-
mente à música brasileira. Dessa forma, pude manter os critérios para incluir o maior nú-
mero de discos possível a fim de ter uma amostragem mais ampla e mais próxima o possível
da realidade. Os critérios para que os discos fossem incluídos na lista foram:

1) Indicar, no título, uma possível identidade étnica/nacional: títulos como “Latin
American Guitar Music”, “Brazilian Festival” e correlatos;
2) Relevância e alcance da gravação: prestígio das gravadoras, por exemplo, um disco
lançado pela Decca, Deutsche Grammophonne ou Naxos possui um grande alcance comerci-
al, com distribuidoras de CDs físicos e discos digitais.
3) Relevância e alcance do intérprete: isto pode dizer da relevância do intérprete tanto
dentro do nicho do violão de concerto brasileiro, quanto do violão clássico mais amplo. Daí
a presença de nomes como Pepe Romero, Turíbio Santos, Sharon Isbin, Marco Pereira e
Paulo Bellinati.
4) O fácil e confiável acesso e disponibilidade, para fins de conferência de dados, em si-
tes dos artistas, das gravadoras ou em plataformas digitais onde o artista tenha que autori-
zar a disponibilização do álbum (i.e. Spotify).

Discos e artistas que se encaixaram em, ao menos, 3 dos 4 critérios foram incluídos.
Isso não quer dizer que esta lista tenha alguma intenção de ser completa, contendo todos
os discos onde haja música brasileira para violão, e sim de ser uma lista representativa, de
maneira que acredito que os resultados são bastante confiáveis.
47


1.6.4 Discos de Música Latino-Americana

O primeiro registro encontrado de disco de música latino-americana com a presença
de música brasileira foi de 1969, com o disco de Turíbio Santos “Classiques d’Amerique Lati-
ne”, lançado pelo selo Erato, hoje parte da Warner Company. No total foram listados 15 dis-
cos, todos lançados no exterior e nota-se um aumento considerável no lançamento de dis-
cos com essa temática a partir da década de 1990. Não cabe a este trabalho responder ou
apontar os motivos de tal fato, mas é um dado a ser considerado e tecerei algumas conside-
rações à respeito no final deste capítulo.
Dentre os compositores brasileiros, aquele que apareceu mais vezes nas gravações
foi Heitor Villa-Lobos, figurando em 10 discos, seguido de João Pernambuco, em 3, e de uma
série de compositores que aparecem em dois discos (Tom Jobim, Dilermando Reis e Isaias
Sávio). A obra mais gravada é, por ampla vantagem, o Chôros Nº1, de Heitor Villa-Lobos. Cu-
rioso é o fato de a segunda obra de caráter brasileiro mais gravada é o Chôro da Saudade, do
paraguaio Agustín Barrios, com 4 gravações. Em seguida, Sons de Carrilhões, de João Per-
nambuco e a Danza Brasilera, do argentino Jorge Morel, com três gravações.
Esse amplo domínio de Heitor Villa-Lobos nas gravações solistas certamente pode
ser explicado por diversos fatores: por conta do tempo em que a obra esteve publicada, co-
mo apontado anteriormente, desde meados da década de 1920; as execuções em concertos
por Regino Sanz de la Maza; e as gravações de figuras importantes como Julian Bream e a
sua relação íntima com Andrés Segovia, ambos figuras importantes do violão clássico mun-
dial que certamente influenciaram também. É digno de nota como a Bossa-Nova, mesmo
estando intimamente ligada ao violão e sendo considerada um forte produto cultural ligado
ao Brasil figurou pouco nas gravações. Ainda é interessante notar que há uma peça de cará-
ter brasileiro, composta por estrangeiro, que figura entre uma das mais gravadas, alcançan-
do o mesmo número de gravações de Sons de Carrilhões: a Danza Brasileira, do argentino
Jorge Morel. Esta peça chega a ser representante isolada de música brasileira no disco “La-
tin American Guitar Festival”, do violonista Gerald Garcia. Essa Danza Brasilera é uma das
peças que serão analisadas no próximo capítulo.
48

Também se observa a ausência de qualquer outro compositor de outras tendências


que não Nacional-Modernista (na verdade, Lorenzo Fernandez é o único compositor deste
grupo, além de Villa-Lobos, a ser incluído em algum álbum) ou Popular/Crossover. Não há
nenhum compositor de vanguarda ou que tenha, ao menos, se relacionado com os movi-
mentos vanguardistas no Brasil. Mais ainda, apenas um compositor nascido após 1950 é
incluído nas gravações de intérpretes estrangeiros: Marco Pereira e sua valsa Marta, no ál-
bum de Ricardo Cobo, gravado pelo selo Naxos.

1.6.5 Discos de Música Brasileira

A quantidade de discos que contém apenas música brasileira é muito próxima da
quantidade de discos com música Latina. São 18, sendo que o primeiro também foi regis-
trado por Turíbio Santos, pelo mesmo selo Erato. Vale mencionar, inclusive, que Turíbio
Santos é o intérprete que gravou mais discos com música brasileira presente na listagem,
são 5 no total. Turíbio Santos que, deve-se reforçar, exerce um triplo papel na construção do
repertório brasileiro: como intérprete, editor e compositor.
Esse traço, inclusive, é algo que aparece com frequência nesta listagem, a existência
constante de violonistas-compositores. Além de Turíbio Santos, vemos Marco Pereira e Pau-
lo Bellinati que gravaram obras próprias e tiveram obras gravadas por outros violonistas na
lista e, mesmo que não tenha figurado na lista interpretando suas próprias obras, Sérgio As-
sad também aparece como intérprete e compositor. De certa forma, esse é um traço mar-
cante da música brasileira para violão solista e que parece se confirmar ao longo do tempo.
Nesta lista não há um domínio tão grande da música de Villa-Lobos. Na verdade, o
compositor que figura na maior quantidade discos é João Pernambuco, em 9 dos discos, se-
guido, então, de Villa-Lobos e, também, de Garôto, ambos aparecendo em 8 discos. Em se-
guida aparecem Tom Jobim e Marco Pereira, em 6 discos. Ainda que haja o domínio de um
compositor apenas, é importante salientar que grande parte do repertório é, de fato, com-
posto por três núcleos principais: arranjos de sucessos do cancioneiro popular brasileiro;
por obras de compositores-violonistas da primeira metade do século XX, mais ligados à tra-
dição do violão popular solista; e a poucos compositores nacionalistas, principalmente Vil-
49

la-Lobos e Radamés Gnattali. Poucos são os compositores gravados que dialogam com os
gêneros de vanguarda.
Apenas três discos trazem compositores com tendências mais universalistas: Musi-
que Bresilenne, de Turíbio Santos, Música Nova do Brasil, de Sérgio Assad e Nova Música
Brasileira, de Mário da Silva. Os dois últimos foram lançados de forma independente de
grandes gravadoras e o primeiro foi o único dentro de uma grande gravadora que abriu es-
paço para música de vanguarda ou sem uma estética nacional. Com o acréscimo de que o
mais recente deles foi lançado em 1997, e os outros dois há mais de 30 anos. Dentre os
compositores que estão nesses discos, o único que recebeu mais de uma gravação foi Edino
Krieger, com a peça Ritmata, que figura nos álbuns de Turíbio Santos e Mário da Silva.
O disco de Mário da Silva, aliás, é o único dos 18 listados que demonstra alguma in-
tenção de contextualizar a produção brasileira para violão solista de uma maneira mais
ampla, onde apareçam compositores ligados a diferentes tendências e de diferentes perío-
dos históricos. Isso pode ser um indicativo tanto das preferências musicais de cada intér-
prete, como da concepção dos álbuns, quanto de pressão comercial das gravadoras, quando
houver a possibilidade de pressão nesse sentido.

1.6.6 Cruzamento de dados

Nas listas de autores publicados temos 40 nomes de autores publicados nos EUA e
na Europa. Desses 40, 15 não ganharam nenhuma gravação. Ao mesmo tempo, foi possível
contar 36 autores que não estavam na lista de partituras publicadas apresentada neste tra-
balho, sendo que apenas um deles recebeu gravações tanto da lista de discos de música lati-
no-americana, quanto da lista de discos com música brasileira, que é o compositor Armando
Neves. A música Beatriz de Chico Buarque de Hollanda e Edu Lobo, autores que também
não aparecem nas listas de partituras publicadas, recebeu duas gravações em álbuns dedi-
cados à música brasileira.
Com relação às músicas publicadas, se por um lado vários compositores foram gra-
vados, não se pode dizer o mesmo com relação às músicas. Algumas músicas obtiveram, na-
turalmente, maior sucesso que outras, como é o exemplo de Sons de Carrilhões e do Chôros
Nº 1. Essas duas peças são exemplos pertinentes do tipo de repertório que é mais usual-
50

mente associado ao “Brazilian Guitar Music”. Sâo dois choros compostos no início do Século
XX, com as características que mencionei anteriormente (harmonias triadicas, uso da sínco-
pe característica). Obras compostas em estilo brasileiro, como no caso de “Danza Brasilera”
(que será analisada no segundo capítulo), são um exemplo contundente de como essas ca-
racterísticas são, de fato, absorvidas e reforçadas por artistas tanto na hora de compor,
quanto na hora de montar seus repertórios.
Por outro lado, é possível se sentir otimista quanto à variedade e quantidade de par-
tituras disponíveis par serem exploradas.

1.6.7 Conclusões

Lembrando que restringimos nossa análise às listas elaboradas, o fato de um compo-
sitor não haver figurado entre os listados não significa que nunca recebeu uma gravação e,
sim, que ele não ficou entre discos que fazem referência a uma identidade nacional. Por
exemplo, Antônio Madureira teve obras gravadas por Cristina Azuma em um álbum que
agrupou músicas com outras temáticas. Muitos dos tocautores que não apareceram aqui
gravaram suas obras, como, por exemplo, Maurício Marques e Paulinho Nogueira.
Focando-me agora nas conclusões, é possível constatar que o trabalho de gravar está
intimamente ligado àquele de compor ou editar/arranjar peças. A maioria das obras edita-
das ou compostas por Turíbio Santos, foram gravadas por ele. Como já mencionei anterior-
mente, Marco Pereira e Paulo Bellinati são os maiores responsáveis pelo registro de suas
músicas em fonograma.
Há, nas gravações, uma diversidade ainda maior do que aquela que consta nas listas
de partituras publicadas. O que aponta para o interesse dos intérpretes por músicas novas
ou diversas daquelas “legitimadas” pela indústria violonística. Também encontramos, ainda,
um constante uso de transcrições. Grande parte dos álbuns possuem arranjos de canções
folclóricas ou do cancioneiro da MPB.
Em comparação com a lista elaborada por Márcia Taborda, é possível afirmar que,
dos compositores listados, apenas João Pernambuco, Garôto e, até certo ponto, Dilermando
Reis e Luiz Bonfá tiveram maior penetrabilidade no repertório violonístico. É seguro afir-
mar que esses compositores, ao lado de Villa-Lobos, formam grande parte da imagem sono-
51

ra ligada ao que chamamos de “violão brasileiro”. Sem sombra de dúvida, são músicos im-
portantíssimos na história da música no Brasil, entretanto, é possível observar uma certa
distância em arriscar outros compositores, mesmo que estes sigam também uma linha esté-
tica semelhante.
Os motivos para isso podem ser inúmeros e vão desde problemas com o pagamento
de direitos autorais, falta de conhecimento do próprio repertório e, inclusive, pode vir de
pressões de gravadoras. Entretanto, o problema maior que quero apontar é que o foco limi-
tador jogado sobre o repertório afeta não apenas fazeres musicais vanguardistas ou univer-
salistas, mas também a própria percepção da capacidade criativa e diversificada da música
brasileira atual. Essa diversidade estilística não é apontada apenas pela quantidade de
compositores; é corroborada, também, pela rica história do debate cultural no Brasil desde
a virada do século XX até hoje.
A música brasileira é repleta de sutilezas rítmicas ou de referências extramusicais
que, para os ouvidos estrangeiros, podem não estar claras. Ainda mais, a técnica e a própria
estrutura harmônica, melódica e textural das obras para violão mudou bastante em relação
àquela de João Pernambuco, Garôto ou mesmo Villa-Lobos. É nesse sentido que, ao ofuscar
as nuances presentes na música tradicional brasileira e ao enfatizar a continuidade e a uni-
dade em detrimento das mudanças e da diversidade em prol de uma prática que se iniciou
há cem anos, que a indústria tem representado a produção violonística brasileira de forma
estereotipada. No próximo capítulo tratarei de apontar essas diferenças e diversidades den-
tro de um repertório selecionado e mais recente temporalmente.

52

CAPÍTULO 2
(des)Construindo as identidades brasileiras


No capítulo anterior evidenciei como a maioria das peças que aparecem associadas a
uma imagem de “violão brasileiro” foram compostas na primeira metade do século XX. Por-
tanto, essa música reflete as práticas e convenções diferentes daquelas que são praticadas
no Brasil mais de cem anos depois. Mas quais seriam essas práticas?
Evidentemente elas são inúmeras e, de fato, foge ao alcance deste trabalho listá-las
em sua totalidade. Decidi, por questões práticas, focar-me em análises de músicas de seis
compositores, sendo quatro brasileiros e dois estrangeiros. A escolha desses compositores
se baseou principalmente na legitimação que esses músicos possuem dentro do cenário vio-
lonístico brasileiro e internacional. São eles: Antônio Madureira, Marco Pereira, Roberto
Victório, Sérgio Assad e os estrangeiros Roland Dyens e Jorge Morel. Farei uma breve apre-
sentação de cada um deles antes das análises de suas respectivas peças. Gostaria, agora, de
justificar a inclusão de dois compositores estrangeiros, bem como a representatividade esti-
lística de cada um dos compositores brasileiros. Para tal, tratarei a seguir do conceito de
musicalidade.
De acordo com Piedade, musicalidade é “uma memória musical-cultural comparti-
lhada constituída por um conjunto profundamente imbricado de elementos musicais e sig-
nificações associadas”49. Piedade sustenta que a musicalidade é uma característica que é de-
senvolvida e transferida dentro de sociedades que têm símbolos cultivados pelos seus
membros, e que é aprendida por meio do contato direto com e por meio da prática dessa
musicalidade. Músicos como João Pernambuco, Canhoto, Garôto e Dilermando Reis seriam
exemplos dessa comunhão de significações e elementos musicais e, de certa forma, se tor-
naram parte fundamental da “memória musical-cultural” ligada ao violão brasileiro. Aliando
isso ao contexto brasileiro do início do século XX, onde a busca de identidade era um guia
forte, é compreensível que se considere que estes músicos tenham construído a imagem
que temos hoje de “violão brasileiro”. Suas práticas eram simplesmente reflexo do meio em

49 PIEDADE, 2011, p. 104.


53

que estavam inseridos e da prática corrente da época. Eles seriam os verdadeiros fundado-
res do “clássico violão popular brasileiro”50 que reflete muito bem o fazer musical no Brasil
até meados dos anos 1960. Entretanto, me parece incompleto analisar, ou até mesmo exal-
tar, “o violão brasileiro” hoje através do viés de um tempo, que se não está tão distante, já é
completamente diferente do de hoje, um mundo muito mais globalizado.
Em um mundo onde as identidades se tornam cada vez mais pulverizadas e múlti-
plas, é possível afirmar que as musicalidades existentes dentro de um país serão tão múlti-
plas quanto as diferentes identidades que estão ali contidas. Isso não quer dizer que não
exista uma tradição estabelecida dentro de um país como o Brasil, apenas abre a possibili-
dade para diferentes articulações e representações dessa tradição.
A partir do conceito exposto por Piedade e da premissa de que a “brasilidade” é ape-
nas mais uma identidade disponível em um país diverso, torna-se possível explicar como
compositores estrangeiros se interessam e trabalham as características brasileiras em sua
música. De forma que se torna interessante colocar dois compositores estrangeiros dentro
deste trabalho para entender quais características da música brasileira eles trabalham e
como as trabalham.
As análises terão como ponto de partida as próprias obras. Estabelecer um método
rígido de análise para obras de estilos, estéticas e gêneros tão distintos iria colidir com a
própria intenção deste trabalho. Como o próprio Acácio Piedade expõe no artigo “O uso da
linguagem na análise musical”:
O texto analítico, como qualquer outro texto, está sempre dentro de um mundo de
linguagem habitado pelo seu autor e outras vozes externas ou agentes, e portanto
os vocabulários que habitam este texto refletem historicidades, subjetividades e ne-
xos socioculturais particulares. (Piedade, 2015: p. 199)

Como o objetivo deste trabalho é evidenciar as diferentes formas de musicalidade
dos autores estudados, torna-se pertinente partir do material musical primário e não de
uma metodologia analítica que submete o material ao crivo do seu próprio rigor.

50 Termo utilizado pelo famoso Duo Assad para dar nome ao seu CD comemorativo de 50 anos de carreira e

que incluía peças de todos os compositores citados, como forma de tributo a essa tradição.
54

2. 1 “Como se toca o baião?”: diferentes representações nordestinas na música


de Antônio Madureira e Roland Dyens

Se, na música brasileira, a primeira metade do século XX foi marcada por uma busca
de como refletir a identidade nacional e a imagem do povo por meio dos sons, na segunda
metade do mesmo século podemos dizer que esta identidade foi, de certa forma, sedimen-
tada. Ainda assim, alguns pensadores e artistas continuaram buscando e construindo uma
narrativa da cultura brasileira, como foi o caso de Ariano Suassuna, que fundou o movimen-
to Armorial e convidou Antônio Madureira para ser uma das figuras encarregadas de criar a
música armorial. Ao mesmo tempo, vemos como músicos estrangeiros incorporaram ele-
mentos da música brasileira ao seu fazer musical, como é o caso do francês Roland Dyens.
O compositor e violonista potiguar Antônio José Madureira foi a figura central e
principal compositor do Quinteto Armorial, idealizado por Ariano Suassuna. Além dos qua-
tro discos com o quinteto Armorial, também lançou dois discos solo, interpretando músicas
de sua autoria ao violão. Das obras nesses discos, seis foram publicadas pela Guitar Solo, de
San Francisco nos EUA.
Ventura (2007) ao falar sobre as partituras das músicas do Quinteto Armorial, cha-
ma a atenção para a pouca quantidade dessas obras que estão, de fato, escritas. Ele aponta
dois motivos para isto: o primeiro é perda de parte do acervo por conta de uma enchente
em Pernambuco; o segundo é que os próprios músicos não teriam feito novas transcrições
das músicas para se manterem fiéis à ideologia da Música e do Movimento Armorial, que
preconizava se aproximar das raízes nordestinas e comunicar a arte por meio das perfor-
mances. Deste modo, podemos concluir que, apesar de ensaios e da formação dos músicos,
não existia uma tentativa de cristalizar os arranjos e que cada performance teria uma ver-
são diferente de cada obra.
O Movimento Armorial, como o próprio Ventura descreve, almejava trazer um novo
paradigma nacional da arte por meio do que Ariano Suassuna considerava a forma de cultu-
ra mais pura no Brasil: a cultura popular do Nordeste. Desta forma, ele visava a uma arte
erudita que estivesse totalmente ancorada nas práticas e formas de manifestações da cultu-
ra popular. Na música, isso se daria por meio do uso de instrumentos típicos (viola-caipira,
rabeca, pífanos e marimbau), resgatando assim a sonoridade típica nordestina das artes dos
55

cantadores como os romances e os desafios, por exemplo. Em adição a isso estaria a pesqui-
sa de melodias e formas musicais típicas que serviriam não apenas como base para arran-
jos, mas como material a ser absorvido nas composições próprias do grupo, assemelhando-
se um pouco aos ideais Andradianos.
Por outro lado, como aponta Beavers (2006), Roland Dyens pode ser considerado
um compositor pós-moderno. Isso porque Dyens “embaça a divisão entre grande arte e pe-
quena arte, escolhendo obras que ele aprecia de acordo com a situação. Ele passa de um
estilo musical a outro de acordo com sua vontade”51. Beavers explica que essa versatilidade
de Dyens como compositor e intérprete advém tanto da sua formação como músico clássico
no conservatório de Paris, como dos experimentos e aprendizados que ele realizou fora dos
estudos do conservatório. De acordo com o próprio compositor “à medida que eu escutava
algo que me agradava, eu incorporava aquilo naturalmente nas minhas composições”52.
Assim como Beavers, David Tanembaum (2003) inclui Roland Dyens em um grupo
de violonistas-compositores que têm obtido enorme aceitação no meio violonístico interna-
cional, continuando a tradição de compositores como Sor, Giuliani, Tárrega e Barrios e, ao
mesmo tempo, dissolvendo cada vez mais as fronteiras entre a música de concerto e a mú-
sica popular, ou seja, é uma geração com alto grau de práticas híbridas, livres de ideologias
dicotômicas ou defensores de uma determinada linha estética. Esses compositores estão
muito mais preocupados em decantar seus interesses musicais e expô-los através de sua
música para violão, do que, necessariamente defender bandeiras ideológicas. Não que esse
tipo de prática não tenha espaço, mas a riqueza e diversidade cultural que cabem dentro de
um instrumento como o violão acabou sendo o maior atrativo para esses artistas.
Com tudo isso em mente, não surpreende que o francês Roland Dyens tenha compos-
to diversas obras em caráter brasileiro e escrito diversos arranjos para obras de composito-
res brasileiros como Baden Powell, Tom Jobim e Pixinguinha. Dyens nasceu em 1955 e veio
a falecer durante a elaboração deste trabalho, em novembro de 2016, devido a problemas
de saúde, sendo, então, o único compositor a ter sua obra analisada que não está vivo.

51 Texto original: “He blurs the distinction between High Art and Low Art, choosing Works he likes on a case-

by-case basis. He slides in and out of various musical styles at will”. (BEAVERS, 2006, p. 20, tradução minha).
52 DYENS apud BEAVERS, 2006, p. 20.
56

Portanto, observa-se, além das óbvias diferenças estéticas e ideológicas, também um


interessante ponto de convergência entre a musicalidade idealizada pelo armorial Antônio
Madureira e aquela do pós-modernista Roland Dyens: a relação direta entre a música e a
performance. Neste segmento, utilizarei três peças de Antônio Madureira, Ponteado, Ro-
mançário e Maracatu com maior ênfase na primeira, e uma de Dyens, Saudades Nº3, para
evidenciar as diferenças nas práticas interpretativas e na forma de articular os elementos
da música brasileira, especificamente a música do Nordeste do Brasil, em suas composições.
Enquanto Madureira e a música armorial buscam estabelecer uma relação simbiótica
entre espaço e som - criando assim a “paisagem sonora” do nordeste profundo, como relata
Ventura -, Saudades Nº 3, de Roland Dyens é uma forma de homenagem que o compositor
“presta ao Brasil de seus vinte anos”53, referência ao tempo em que visitou e viveu no Brasil.
Na folha de rosto que antecede a partitura consta um subtítulo para a obra “lembrança do
Senhor do Bonfim da Bahia”, o que, junto com evocativo título de Saudades, nos remete a
algo que o compositor tenha carregado consigo desde a Bahia e que faz com que se recorde
sempre daquele lugar com um ar saudoso. Claro, uma lembrança só pode representar uma
pequena parte do todo visitado por Dyens.
Estas informações, que variam entre o trabalho musicológico e a percepção subjeti-
va, são de grande importância para entender a construção destas músicas, bem como para
estabelecer critérios criativos e críticos para uma abordagem interpretativa.
Esta será uma análise com o intuito de comparar como os dois compositores explo-
ram tópicas nordestinas dentro de suas obras e também observar suas implicações instru-
mentais. Para isso separarei as análises em dois momentos: primeiramente analisarei Sau-
dades Nº3, lançando mão de comparações com as peças de Madureira onde for pertinente;
em seguida farei considerações específicas às peças de Antônio Madureira. Desta forma,
poderei levantar características musicais comuns a cada uma das peças e poderei me dedi-
car com mais detalhes às músicas de Madureira que possuem menos indicações interpreta-
tivas que a de Roland Dyens.

53 DYENS, 2005, p. IV.


57

2.1.1 Saudades Nº3 e Ponteado



As peças de Antônio Madureira diferem em muito das de Roland Dyens tanto na
quantidade de desafios técnicos, quanto na quantidade de informação escrita na partitura.
Essas diferenças, no entanto, não devem ser usadas de justificativa para um tratamento dis-
plicente na abordagem interpretativas destas músicas.
Como já mencionado, grande parte da música de Madureira está ligada ao movimen-
to Armorial, que buscava, mais do que uma música nacionalista, construir uma simbiose
simbólica entre som e espaço - ou “Paisagem sonora” como diz Ventura. Desta forma, ao nos
depararmos com as obras publicadas de Antônio Madureira podemos concluir que os sím-
bolos contidos na partitura são apenas uma pequena parte da informação necessária para
entender e executar a obra, e que o restante pode ser encontrado na ideologia e estéticas
Armoriais. Mas do que elas tratam em termos culturais e como isso se reflete na música?
Dyens compôs uma série de três Saudades em homenagem à música brasileira que
culmina com esta Saudades Nº 3, a mais longa e contrastante das três peças. Dessas músicas,
a primeira e a terceira fazem alusão direta ao baião, enquanto a segunda, dedicada à Ar-
minda-Villa-Lobos, traz a indicação “chorinho” no topo da página. Saudades Nº3 é uma peça
dividida em três movimentos que devem ser tocados sem pausa. Os movimentos são: I. Ri-
tuel; II. Danse e III. Fête.
Rituel, ou Ritual, é um movimento que está escrito em uma página e tem a função de
criar uma atmosfera que mescla “exotismo” e improvisação. O caráter improvisatório desta
seção é alcançado por meio da escrita sem métrica estabelecida e pelo uso constante de ace-
lerandos e fermatas ao longo do movimento. Uma abundância destes recursos pode ser ob-
servada nos quatro primeiros sistemas das peças.
58

Figura 1: Três primeiros sistemas de Saudades Nº 3: I. Rituel, de Roland Dyens



Uma característica interessante de se notar é a quantidade de indicações interpreta-
tivas contidas nesse trecho. Esse tipo de escrita é muito característico de Roland Dyens não
apenas em composições próprias, como nos seus arranjos e, no caso deste movimento de
Saudades, busca alcançar contrastes de cores, ataques e agógica como forma de realçar o
caráter de improvisação do movimento (por mais contraditório que isso possa parecer).
O que chamei de “exotismo” fica por conta do uso da sonoridade dos modos mixolí-
dio e, principalmente, lídio. Esses modos estão construídos sobre a nota Ré, como pode ser
observado na figura 2 o que explica a utilização da sexta corda do violão afinada um tom
abaixo, desta forma aproveitando uma maior ressonância e um maior número de cordas
soltas com a finalis do modo.

59

Figura 2: Escala dos modos Ré Lídio e Ré Mixolídio



As três peças de Antônio Madureira também usam um caráter francamente modal,
como é característico da música do sertão nordestino. Ponteado e Romançário utilizam a
típica alternância entre os modos Ré Lídio e Ré Mixolídio, com uma especial ênfase na quar-
ta aumentada (sol#), enquanto Maracatu está em Mi Mixolídio.
Rituel funciona como uma forma de prelúdio que introduz o segundo movimento,
Danse. Este movimento apresenta o padrão rítmico do tresillo, típico do baião, executado
nos bordões, deixando claro a qual dança (ou gênero) o título desta parte alude. Esse tipo de
textura é também usado por Antônio Madureira em Ponteado.

Figura 3: Scordatura do violão com a sexta corda afinada em Ré e realização do ritmo do baião nos bordões



Mais uma vez pode-se observar como esta scordatura favorece o caráter modal das
peças, uma vez que é possível criar um padrão rítmico que se baseia apenas na finalis e cofi-
nalis (fundamental e quinto grau da escala) usando apenas as cordas soltas, deixando os
dedos da mão esquerda livres para executarem as melodias e as harmonias.
Madureira trabalha essa textura na segunda parte de Ponteado preenchendo a col-
cheia do segundo tempo com o colorido da harmonia.
60

Figura 4: Textura com o ostinato de tresillo e acordes construídos com sobreposições de terças, quintas e sex-
tas. Compassos 28-33 de Ponteado, de Antônio Madureira



A construção harmônica deste trecho é, na verdade, uma sobreposição de intervalos
de quintas, terças e/ou sextas, ainda reminiscentes das conduções melódicas tradicionais
da viola-caipira. Mais adiante, na figura 10, pode-se observar que Dyens utiliza essa textura
como um acompanhamento em ostinato, deixando que o colorido harmônico seja sugerido
pela harmonia.
Cabe falar um pouco da estruturação da melodia em Danse, em comparação com as
melodias compostas por Madureira. O aspecto melódico é fundamental nas obras de Madu-
reira, uma vez que elas remetem diretamente às sonoridades do sertão nordestino. A estru-
turação básica das melodias de Madureira é feita por meio dos graus conjuntos e, majorita-
riamente, pelos intervalos melódicos das terças maiores e menores. Esses intervalos são
intercalados ora por ornamentos, ora por notas de passagem, como podemos observar nes-
te trecho de Romançário:

Figura 5: Notas de passagem nos compassos 1-3 de Romançário, de Antônio Madureira



Também podemos encontrar esse tipo de preenchimento por meio de antecipações
em Ponteado.

61

Figura 6: Antecipações na melodia dos compassos 3-5 de Ponteado, de Antônio Madureira



Elaborei uma versão com as notas que formam o esqueleto melódico em destaque
para que essa estrutura em terças fique mais clara.

Figura 7: Estrutura melódica em terças nos compassos 3-5 de Ponteado, de Antônio Madureira


Chamo a atenção para a textura exposta nos exemplos 4 e 5. Existe um pedal em rit-
mo de colcheias que remete à uma textura típica da viola-caipira. Compare o exemplo abai-
xo da música Sussa, de autoria do violeiro Seu Minervino54 com o exemplo das Figuras 4 e 5.

Figura 8: Textura com pedal na viola-caipira. Introdução da peça Sussa, do violeiro Seu Minervino



Uma forma interessante de ornamentar esses intervalos de terça aparece em Ponte-
ado. No exemplo a seguir, é possível notar a melodia construída com um artifício que, de
acordo com Nóbrega (2000), o próprio compositor denominou como “nota rebatida”.

54 In: de SOUZA, 2005, p. 71.


62

Figura 9: Nota rebatida nos compassos 7-8 de Ponteado, de Antônio Madureira



Vemos que esse artifício consiste em preencher o intervalo de terça com uma espé-
cie de “nota guia” que ora se torna passagem, ora se torna apojatura, agrupando o resultado
em ligaduras de duas notas. Este é um efeito que pode ser observado em outras músicas de
Madureira presentes nos discos do Quinteto Armorial, como Toré do disco “Do Romance ao
Galope Nordestino” de 197455. Texturalmente as peças de Madureira são muito simples,
consistindo basicamente de melodia e de pedais. Desta forma, não há uma condução har-
mônica que seja de particular importância, as harmonias surgem mais como resultantes de
encadeamentos melódicos em bloco ou do uso de cordas soltas. Analisarei mais adiante es-
tes aspectos, na parte onde falarei especificamente das obras de Madureira.
Já na peça de Roland Dyens encontramos uma relação mais integrada entre melodia
e harmonia. Quanto ao aspecto melódico, é proveitoso comparar a construção melódica do
segundo movimento “Danse”, de Saudades Nº 3, com aquela das obras de Madureira. Dyens
também utiliza bastante os movimentos melódicos por salto de terças. No entanto, nota-se
que há uma maior quantidade de progressão de arpejos.

55 Este exemplo também é usado por Nóbrega.


63

Figura 10: Perfil melódico dos compassos 5-8 de Saudades Nº 3: II. Danse, de Roland Dyens



O fato desse trecho ser construído claramente por arpejos também afeta diretamen-
te a digitação da mão esquerda. Enquanto em Ponteado, todo o trecho é digitado usando
apenas a primeira corda do violão, Dyens utiliza posições fixas de arpejos com cada uma das
notas sendo distribuída entre as três primeiras cordas do violão. Também se nota que
Dyens acaba usando uma tessitura mais extensa que Madureira, além das frases serem mais
longas. Esse detalhe é importante pois aponta para os diferentes pontos de partida de cada
compositor. Enquanto Madureira, para criar o caráter “circular” dos modos, remete a tessi-
turas mais curtas, muito comum em melodias folclóricas ou regionais, Dyens se vale de uma
tessitura mais ampla, se aproveitando do braço do instrumento. Isso pode ser observado na
seguinte comparação entre os compassos 33-37 de Saudades e os compassos 11-14 de Ma-
racatu.

64

Figura 11: Compassos 33-37 de Saudades Nº 3: II. Danse, de Roland Dyens




Figura 12: Compassos 11-15 de Maracatu, de Antônio Madureira



Nota-se que a peça de Madureira é composta por pequenos fragmentos rítmico me-
lódicos que podem ser agrupados em duas frases de dois compassos. Em adição a isso, há
sempre uma nota que predomina em cada uma dessas semi-frases, construindo uma condu-
ção descendente de quatro notas base (ré-si-fá#-mi) dentro de uma tessitura de 9ª maior. Já
a passagem composta por Dyens, mesmo formada por pequenas semi-frases também, pos-
65

sui um perfil mais sinuoso que se inicia no agudo (fá#-sol#), atinge o ponto mais grave no
Ré bordão e retorna ao Ré da quarta corda do violão com uma tessitura de 11ª aumentada.
Observa-se que, neste trecho, Dyens também tentou evocar a sonoridade dos ritmos
do maracatu. É possível encontrar semelhanças na textura em dois estratos: um mais estáti-
co ritmicamente; outro com uma alta incidência de síncopes, além da evidente diferença da
melodia composta por Madureira estar na voz aguda e a de Dyens, no baixo. Outro ponto
interessante de notar aqui é o uso da técnica dos ligados sem a necessidade do ataque da
mão direita em ambos os casos. O efeito final desta técnica, devido à região do instrumento
em que elas ocorrem, é bem distinto. Enquanto em Madureira encontramos um som mais
percussivo e “arranhado”, talvez evocando algum instrumento como um berimbau, em Sau-
dades temos um som mais cheio e a aveludado, quase aludindo a um contrabaixo tocado em
pizzicato, uma possível evocação a uma sonoridade mais jazzística.
Para encerrar esta análise, a última parte de Saudades Nº3, intitulada Fête et Final,
ou Festa e Final, explora ainda mais essa característica da colagem, da mistura e do ecletis-
mo musical de Roland Dyens. Assim como no primeiro movimento, Dyens explora as carac-
terísticas das escalas mixolídia e lídia, só que desta vez ele varia entre gêneros da música
brasileira, como o Baião e o Samba, e estrangeiros, como o Rock.
Ele abre esta parte com um Riff, uma célula ritmo-melódica, muito característica no
Rock, em conjunto com power-chords, que são acordes formados apenas por quartas ou
quintas.

Figura 13: Riff característico do Rock com o uso da quarta aumentada no compasso 51 de Saudades Nº 3: III.
Fête et Final, de Roland Dyens



Em seguida ele vai se utilizar de uma pequena ponte com a função de estabelecer
uma quebra rítmica, onde ele vai alternar entre diferentes compassos, até apresentar uma
sequência harmônica com o ritmo de samba. Harmonicamente é interessante notar que
66

Dyens utiliza acordes com a quarta aumentada acrescida desde o compasso 51, como apon-
tado na Figura 12. Dyens utiliza esse procedimento em todos os gêneros referenciados, ser-
vindo-se de idiomatismos como as cordas soltas.

Figura 14: Acordes com a quarta aumentada adicionada em Saudades Nº 3: Fête et Final, de Roland Dyens



Tendo em vista o que foi exposto, quero tornar claro o motivo de iniciar estas análi-
ses com uma comparação entre dois compositores tão diferentes. No meu modo de ver,
Dyens e Madureira representam dois polos opostos de visão de Brasil. Antônio Madureira
compôs suas peças na tentativa de evocar as origens do povo brasileiro desde sua formação,
como diz a ideologia Armorial. Ele tenta encontrar a unidade que torna a brasilidade algo
comum em todos os brasileiros, ainda que partindo de uma visão regional. Por outro lado,
Dyens é, como já disse, um cosmopolita. Ele não se limita a compor a partir de sua naciona-
lidade francesa, muito menos tem pudor de se apropriar de outras identidades para cons-
truir sua música. Nesse sentido, Dyens coloca a questão da brasilidade não apenas como
uma questão relativa ao Brasil, mas, sim, como mais uma das possíveis identidades diversas
disponíveis e passíveis de serem articuladas e trabalhadas.


2. 2 Traduzindo outras bossas: o violão caleidoscópico de Marco Pereira

Com numerosa produção artística no meio da música popular, Marco Pereira se es-
tabeleceu atualmente como instrumentista e arranjador, mantendo, também, outras ativi-
dades paralelas tão prolíficas quanto: a docência e a composição. Nesta pequena introdução,
me ocuparei de fatos que estão mais diretamente ligados à atividade como compositor e
instrumentista de Pereira. Para uma biografia mais detalhada da carreira do tocautor, re-
comendo a leitura da dissertação de Rafael Thomaz (2012).
67

A atividade profissional de Marco Pereira se dá, como já mencionado, dentro dos


meios da MPB e da MPBI, ou Brazilian Jazz. Entretanto, não se deve confundir a atividade
profissional dele com uma “necessidade” de rotular a sua obra. Como tratarei de demons-
trar adiante, a música de Marco Pereira é repleta de conteúdo musical e simbólico que per-
mite que se aborde estas obras como verdadeiras “obras de concerto”. Esse é o tipo de re-
sultado de uma atividade híbrida, onde o produto produzido por alguém com múltiplas ati-
vidades ou interesses acaba cedendo espaço para diferentes abordagens.
Entretanto, encerrar a atividade de Marco Pereira apenas no âmbito da música po-
pular não é correto. Ao contrário do que Swanson (2004) afirma, o trânsito de Marco Perei-
ra pelo gênero da música clássica ou erudita é comprovado de várias maneiras. Os cargos
que ocupou e que ocupa, respectivamente, como professor na UnB e na UFRJ – o primeiro a
convite de ninguém menos que Cláudio Santoro –, além de sua constante aparição em even-
tos consagrados ao meio específico do violão clássico (como a convenção nacional da Guitar
Foundation of America em 2009 e na série paulista “Movimento Violão”) comprovam essa
atividade multifacetada de Pereira.
O próprio Marco Pereira falou, em entrevista à Fábio Zanon, sobre a origem de suas
atividades como compositor e arranjador:

Eu sempre fiz... todas as coisas que eu fiz, eu fazia pela necessidade de ter alguma
coisa pra tocar daquele jeito. É engraçado: às vezes eu queria um determinado tipo
de música e não tinha. Então aí eu, se não tinha alguma coisa que eu pudesse arran-
jar, né? Porque eu gosto muito de fazer arranjo pra violão, adaptar canções e temas
variados, mas quando não tinha aí eu acabava fazendo.56

Na mesma entrevista, Pereira também fala da concepção sonora da sua música para
violão e de sua origem:

Eu tenho uma formação muito sólida no violão, dentro da escola do violão clássico.
Onde você busca obstinadamente o acabamento, busca a finalização. Todos os meus
arranjos e as composições têm um conteúdo muito grande da coisa do violão clássi-
co mesmo, desse violão orquestral, denso. Às vezes você fica meio busy pra tocar es-
sas notas todas.57

56 Marco Pereira em entrevista a Fábio Zanon na Rádio Cultura.


57 Ibid.
68

O mais interessante a ser notado nesta última fala de Pereira é a descrição de suas
composições e arranjos como densos. Em música, densidade é um termo geralmente utiliza-
do para se referir à quantidade de planos dentro de uma determinada música, geralmente
ligada mais à música orquestral, devido ao número de recursos disponíveis, desde a varie-
dade de timbres até o número de instrumentistas. Ao falar das características do “violão or-
questral”, Pereira referencia a capacidade inerente do instrumento de criar um grande nú-
mero de nuances texturais e timbrísticas, como veremos mais adiante. No entanto, cabe es-
sa distinção dada ao violão clássico em relação ao violão popular (seja Brasileiro ou de
qualquer outro) já que parece haver uma predileção por texturas mais homofônicas e que
privilegiam linhas e harmonias em detrimento do jogo de planos.
Ainda faltaria explicar como foi aberto o caminho de Pereira em direção a uma ativi-
dade mais ampla como intérprete e compositor. Dentro da já citada entrevista com Zanon,
Pereira prossegue:

Morando em Paris, eu tive um contato muito próximo com o pessoal do Jazz, os mú-
sicos de Jazz que moravam em Paris. Isso mexeu muito com a minha cabeça. Duas
coisas que me faziam pensar, por exemplo, o violão clássico, na época, sofria muito
preconceito. Eu mesmo percebi que, em um determinado momento, eu estava que-
rendo negar essa faceta popular do violão. Parecia que eu estava tentando queren-
do provar que o violão era um instrumento nobre como os outros também. O jazz
abriu pra mim uma nova perspectiva. Perspectiva criativa, em primeiro lugar, e, de-
pois, a possibilidade de tocar com outras pessoas de uma maneira mais livre. A coi-
sa da improvisação. Isso tudo me chamou muito a atenção, fiquei certo que eu não
queria mais seguir a carreira de violonista clássico.58

Complementar a essa declaração, existe outra onde Pereira revela que foi devido ao
seu retorno ao Brasil, quando fundou o curso de violão da Universidade de Brasília, que de-
cidiu que “não queria abrir mão de nada que havia conquistado” – fazendo referência à sua
relação inicial com a música brasileira, com sua formação de músico clássico e sua perspec-
tiva mais “livre” advinda do Jazz. E como essa música híbrida de Marco Pereira relaciona e
manifesta esses elementos?
Dois conceitos são de grande ajuda para responder à essa questão no caso da música
de Marco Pereira: tradução cultural e apropriação, citados por Peter Burke em seu livro Cul-
tural Hibridity (2009). De acordo com Burke, a tradução cultural ganhou força no meio da

58 Ibid.
69

Antropologia durante os anos 50 e 60 e foi cunhado para explicar como antropólogos atri-
buíam termos chaves para palavras faladas por povos que se comunicavam em um idioma
diferente do dos antropólogos. Este conceito, ainda segundo Burke, já extrapolou as frontei-
ras onde teve origem e já inclui “os pensamentos e ações de todos”. O próprio autor aponta
o uso desse conceito para analisar músicas ao dizer:

“In the history of art or music, it may be illuminating to think in similar terms. For
example, a recent study of the alla turca style of music, a music style inspired by the
music of the Ottoman Empire, has decribed it as ‘a set of principles of translation as
much (or more than) a set of imitative devices’. This insight is probably applicable
to other genres and illustrates with particular clarity the value of the term as a
more subtle alternative to simple ideas of imitation.” (BURKE, 2009: 58)

Já a apropriação59 é definida de outra forma por Burke: entre várias explicações, co-
mo a forma de captar, por uma determinada cultura, aquilo que é de maior interesse para
uma determinada prática sem ter que, necessariamente, absorver todas as características.
Burke ainda cita o Movimento Antropofágico como uma forma de manifestar a apropriação
tipicamente latino-americana e, mais especificamente, brasileira.
Passarei às análises onde mostrarei como, com uma combinação de apropriação e
tradução, Marco Pereira conseguiu criar obras singulares com um reconhecível caráter bra-
sileiro. Veremos como esses procedimentos podem acontecer por meio de harmonias, tex-
turas, melodias e até mesmo na escrita das obras.

2.2.1 Toada

Em Toada, é possível observar o uso de apropriações musicais por parte de Pereira
Esta peça pertence à suíte “Perequetés” e é uma das obras mais recentes de Marco Pereira.
Nesta obra em particular, Pereira se aprofunda nas práticas de ressignificação e apropria-
ção, ao mesmo tempo em que dialoga com a tradição da música clássica ocidental e com as
ideias do nacional-modernismo de Mário de Andrade.

59 Cabe aqui ressaltar que não trato do conceito de apropriação cultural, significando uma forma de anulação

de uma cultura subjugada por uma cultura dominante, como tratado nos estudos culturais pós-colonialistas.
Falo da apropriação de características que um indivíduo utilizará para formar seu fazer musical.
70

Em Ensaio sobre a música brasileira, ao tratar da forma, Mário de Andrade afirma


que a “forma Suíte, série de danças, não é patrimônio de povo nenhum” e que é uma forma
presente dentro das tradições das rodas infantis, dos maracatus nordestinos, reisados e fes-
tas sulinas60. Isso, aliado ao número de danças características brasileiras, seria o motivo da
forma suíte se encaixar bem dentro do ideal de música nacional do poeta modernista. Con-
tudo, Andrade faz a crítica aos compositores por não terem a criatividade de nomear de
forma mais original suas suítes, algo que fosse além de “Suite Brasileira” e fizesse uma refe-
rência mais específica à cultura brasileira, usando Maracatu, ou Fandango para nomear suas
suítes. Ele sugere que os compositores inventassem os nomes de suas suítes “como a ‘1922’
de Hindemith ou a ‘lt Wien’ de Castelnuovo-Tedesco.” (Ibid). Andrade vai além e chega a
sugerir uma estrutura para as suítes de compositores brasileiros:

“Imagine-se por exemplo uma suíte:
1-Ponteio (prelúdio em qualquer métrica ou movimento);
2-Cateretê (binário rápido);
3-Coco(binário lento), (polifonia coral), substitutivo da sarabanda;
4-Moda ou Modinha (em ternário ou quaternário), substitutivo da Aria
antiga;
5-Cururú (pra utilização de motivo ameríndio), (pode-se imaginar uma
dança africana para empregar motivo afro-brasileiro), (sem movimento
predeterminado);
6-Dobrado (ou Samba ou Maxixe), (binário rápido ou imponente final).”
(ANDRADE, 2006: 57)

Tendo em vista as orientações e sugestões de Mário de Andrade, a Suite “Perequetés”
de Marco Pereira se encaixa perfeitamente dentro dos padrões do nacional modernismo, a
considerar que a estrutura da suíte deste compositor é um pouco diferente. A suíte é com-
posta por quatro movimentos onde o primeiro movimento é a Toada, que irei analisar mais
adiante; o segundo é um Maxixe, dança que representa o espaço urbano brasileiro com uma
forte vertente rítmica; o terceiro é uma Chula, neste caso se referindo à dança que se pratica
no recôncavo baiano; o quarto e último movimento é uma virtuosística Valsa. Com a exce-
ção do Maxixe, as outras formas não aparecem nas sugestões de Mário de Andrade, mesmo
que não seja absurdo pensar que ele estaria de acordo em usar outras danças tradicionais
brasileiras além das sugeridas por ele. Também é interessante notar que se trata de uma

60 ANDRADE, 2006, p. 53.


71

sucessão de danças bem peculiares e de origens diversas, mostrando que Pereira não estava
preocupado em seguir os moldes das suítes barrocas, que intercalam um movimento lento
com outro movimento mais movido.
No entanto, Toada parece ter um papel que remete à função dos prelúdios nas suítes
barrocas. Em seu livro “Ritmos Brasileiros”, Marco Pereira explica que toada é praticada em
diversas partes do país e que adquire diferentes significados em cada uma delas, não tendo,
portanto, uma característica que lhe seja recorrente. Mas faz a ressalva de que é comum na
MPB o uso de toadas lentas usadas para “canções de caráter nostálgico e melancólico”61. De
fato, os exemplos que Mário de Andrade fornece em seu ensaio de 1917 atestam que a toa-
da pode adquirir ritmos, perfis melódicos e afetos diversos. Ainda assim, Andrade nos diz
que é comum nas toadas a forma binária sem repetição62.
Toada de Marco Pereira tem um andamento lento e um fluxo contínuo de semicol-
cheias ao longo da peça. Ao analisar os primeiros quatro compassos da música, pode-se
constatar que o padrão dos arpejos é reminiscente do Prelúdio em Dó Maior BWV 846 do
primeiro livro do Cravo Bem-Temperado de Johann Sebastian Bach, como observamos nas
figuras 15 e 16 abaixo.

Figura 15: Quatro primeiros compassos do Prelúdio em Dó Maior, BWV 846, de J.S. Bach



E como este padrão foi traduzido para a escrita violonística na peça Toada:

61 PEREIRA, 2007, p. 50.


62 ANDRADE, 2006, p. 49.
72

Figura 16: Quatro primeiros compassos de Toada, de Marco Pereira


Se a comparação não for clara o suficiente, um recurso do qual lancei mão para res-
saltar essa relação, foi organizar as notas e a textura em dois sistemas, de maneira similar à
de Bach63:

Figura 17: Quatro primeiros compassos de Toada separados em dois sistemas


Escrevendo desta forma, a função harmônica de cada uma das notas se torna mais
perceptível – evidenciando o encadeamento i-IV-VII-i. Esse procedimento ajuda a explicar
melhor a separação das vozes e também como pode ajudar a analisar e escolher de forma
crítica o dedilhado para essa passagem. No compasso 4, Pereira utiliza uma digitação de
mão esquerda que coloca o si e o ré# na segunda corda. O resultado é que, ao se colocar o

63 Note que, mesmo estando em duas claves diferentes, mantive as regras da escrita para violão, ou seja, as

notas soam uma oitava abaixo do indicado na partitura.


73

dedo 2 sob o ré# o si deixa automaticamente de soar. Abaixo, sugiro uma solução simples e
que não acarreta uma perda de fluência na passagem.

Figura 18: Digitação do quarto compasso de Toada



Mais uma vez o compositor paulista dialoga com uma tradição, desta vez se apropri-
ando de uma ideia harmônica e formal para construir a sua própria suíte de caráter nacio-
nal. Assim como veremos em Flor das Águas, Pereira não usa uma referência literal, ele a
transforma e adapta de acordo com o contexto. Neste caso, o violonista remete ao “caráter
nostálgico e melancólico” das toadas do cancioneiro da MPB que ele mesmo citou. Para al-
cançar tal efeito, a primeira transformação foi alterar o modo da tonalidade de Dó Maior
para Mi menor, uma tonalidade mais fechada. Essa mudança também possibilitou que Pe-
reira utilizasse um recurso idiomático que dará maior sustentação à estrutura harmônica e
melódica da peça: as cordas soltas do violão.
Pereira se utiliza das cordas soltas para criar harmonias mais modernas, mas tam-
bém para criar alguns pedais. Nos mesmos quatro primeiros compassos, percebe-se como a
nota si (segunda corda solta do violão) faz parte de todos os padrões de arpejos e aos pou-
cos vai se deslocando ritmicamente, com isso assumindo diferentes funções dentro do con-
texto harmônico.
Outro recurso utilizado é o da “polifonia virtual”. Pereira utiliza de pequenos trechos
de perfil melódico contrastante como células descendentes intercaladas com outras ascen-
dentes, ou melodias que se separam por conta do registro da tessitura (um recurso muito
comum nas obras de Bach e que é apontado, por exemplo, por Frank Koonce em seu livro de
transcrições para violão das obras para alaúde de Johann Sebastian). Abaixo, podemos
comparar, por exemplo, na Sarabande da Suite BWV 997, para alaúde e que possui uma tex-
tura muito similar à de Toada:

74

Figura 19: Exemplo da escrita da polifonia virtual e seu resultado sonoro na Sarabande BWV 997 de J.S. Bach


Fonte: Koonce, 2002

Toada possui diversas passagens onde pode ser encontrado esse tipo de textura. A
título de exemplo, escolhi os compassos 7 e 8 a seguir:

Figura 20: Polifonia virtual nos compassos 7 e 8 de Toada



Neste caso específico, tirei proveito da divisão criada nos primeiros quatro compas-
sos que indicaram uma textura a três vozes para guiar minha interpretação. A voz mais gra-
ve já está devidamente escrita e destacada com as hastes viradas para baixo. Para separar
as vozes do contralto e do soprano me guiei pelo princípio da similaridade na condução. As-
sim, o soprano seguiu um perfil de graus conjuntos, enquanto o contralto quase sempre está
em graus disjuntos (terças). Podemos observar o resultado sonoro ideal da polifonia abai-
xo:

75

Figura 21: Resultante da polifonia virtual dos compassos 7 e 8


A digitação sugerida pelo compositor também funciona bem neste caso. A exceção a
ser feita é a parte destacada em vermelho no compasso 8, onde o ré# do contralto acabará
sendo silenciado pelo fá bequadro do soprano por estarem digitados na quarta corda. Infe-
lizmente, para este caso, uma tentativa de digitar o ré# na sexta casa da quinta corda impli-
caria em maior dificuldade técnica, com uma grande extensão dos dedos 1 e 4 da mão es-
querda, que pode afetar a fluência da passagem.
Outro recurso, muito similar ao da polifonia virtual, é a melodia misturada com o
acompanhamento. Por meio deste recurso é possível criar uma textura ambígua, que pode
tanto sugerir uma melodia em arpejo, quanto uma textura de melodia acompanhada, com a
nota mais aguda do arpejo se destacando como melodia. Este é um recurso natural do vio-
lão e está presente em vários exemplos da literatura desde o repertório clássico com Sor e
Aguado até peças contemporâneas.

Figura 22: Textura de melodia acompanhada nos compassos 13 ao 16




76

Neste trecho, a dificuldade foi encontrar a separação entre o acompanhamento e a


melodia, principalmente nos compassos 13 e 15. No compasso 13, o que torna difícil é a
proximidade da tessitura. É possível encarar o mi bemol do quarto tempo como melodia.
Contudo, considerando que o primeiro mi no compasso 13 é resultado da condução melódi-
ca do compasso 12 e a repetição das notas si e dó em um período muito curto de tempo, op-
tei por separar estas duas notas como acompanhamento e aplicar a mesma lógica para a se-
gunda metade do compasso. Essa abordagem se confirma ao observarmos os dois primeiros
tempos do compasso 14. No compasso 15, quase que intuitivamente a primeira e última
semicolcheia de cada tempo unem-se para formar uma melodia que alterna entre notas me-
lódicas como passagens, apojatura e bordaduras. A realização em partitura seria assim:

Figura 23: Separação dos planos dos compassos 13-16



Para finalizar, é possível identificar em Toada duas seções bem delimitadas, como
apontado por Mário de Andrade, de dezesseis compassos cada. Onde a primeira está na tô-
nica Mi menor e termina com uma modulação para sua tonalidade relativa, Sol Maior. Tam-
bém é possível encontrar ao longo da peça diversas alusões às “baixarias” dos violões dos
choros e das serestas, mesmo com a presença constante de uma nota mais grave, o que aca-
ba por reforçar essa sugestão polifônica na textura da obra.
Estes aspectos intrínsecos à obra Toada, dizem não apenas da música, mas das práti-
cas e interesses de Marco Pereira. A obra não é apenas um pastiche ou estilização de um gê-
77

nero brasileiro. A identidade ou apelo nacional da peça é também confirmado pelo diálogo
simbólico e musical que a peça estabelece com a tradição do violão clássico e do violão bra-
sileiro. As escolhas do caráter e andamento da peça, que evocaram esse ar saudoso da toa-
da, foram ressaltadas ao serem colocadas em contraponto com as referências externas à pe-
ça. A partir da percepção da importância das obras de Bach para a construção base da obra,
podemos confrontar nossa percepção para as diferenças de caráter e contexto que tornam
esta peça tão brasileira quanto qualquer toada de origem folclórica.

2.2.2 Flor das Águas

O próprio Marco Pereira classifica Flor das Águas no encarte do seu disco Original
(2003) como “uma valsa brasileira em um tempo; uma valsa rápida que marca apenas o
primeiro dos três tempos que a compõem. Foi escrita em 1989 e foi inspirada em uma peça
de Agustin Barrios”64. Ainda neste pequeno texto, Pereira diz ter composto a peça “princi-
palmente sem um “desenvolvimento racional”.
Aqui cabem algumas considerações sobre o termo “valsa brasileira” que Pereira uti-
liza como gênero de sua obra. A valsa, mesmo sendo um gênero de origem francamente eu-
ropeia, se popularizou notavelmente no Brasil. Em sua pesquisa “Circularidade Cultural e
Nacionalismo nas ’12 Valsas para violão’ de Francisco Mignone”, de 1995, Barbeitas (1995)
traça, além de um panorama histórico sobre as origens europeias da valsa, um histórico da
valsa no Brasil. Nesse histórico, explica como os chorões e seresteiros incorporaram a valsa
às suas práticas no início do Século XX, moldando o que mais tarde viria a ser a valsa brasi-
leira.
É de especial interesse a relação cíclica que encontramos entre Barrios e Marco Pe-
reira. Como vimos no capítulo anterior, Agustín Barrios teve um impacto profundo dentro
do cenário musical e violonístico brasileiro. Barrios viajou por diversas cidades brasileiras,
teve contato com músicos brasileiros e chegou a escrever peças em estilo brasileiro. Ao
mesmo tempo, por conta da popularidade alcançada pelo paraguaio durante as turnês em-

64 Texto original: “This is a Brazilian waltz in one tempo; a quick waltz that pulses only on the first of the three

beats which comprise it. It was written in 1989 and was inspired by a piece by Agustin Barrios”. (PEREIRA,
2003, tradução minha).
78

preendidas no Brasil, sua obra alcançou grande popularidade entre os violonistas deste pa-
ís. Interessante notar que Isaías Sávio já havia editado algumas obras de Barrios no Brasil e
o violonista Geraldo Ribeiro já havia gravado um disco com obras de Barrios antes do lan-
çamento do famoso disco de John Williams nos anos 70. Desta forma, podemos dizer que as
obras de Barrios também ajudaram a formar parte do repertório de idiomatismos de parte
dos violonistas brasileiros, como Marco Pereira, que foi aluno de Sávio. E isso se reflete em
Flor das Águas, como o próprio compositor da valsa deixou claro em seu depoimento.
A obra de Barrios que Pereira usou de “matéria prima” foi a Valsa Op.8, nº 3. Esta é
uma valsa ao estilo de Chopin, na tonalidade de ré menor, com um material melódico carac-
terístico que se repete no decorrer da primeira parte dessa valsa. Marco Pereira se apropria
dessa célula melódica explicitamente para construir as duas seções de Flor da Águas. Outras
similaridades emergem em outras partes, mas a intencionalidade delas não posso afirmar
com segurança. Entretanto, é interessante notar que, de forma consciente ou inconsciente,
Marco Pereira conseguiu extrair de uma seção da música de Barrios, material de base para a
sua própria música.

Figura 24: Tema da Valsa Op. 8, Nº3 (compasso 10) de Agustín Barrios



Expus apenas os compassos acima para mostrar como Marco Pereira trabalha, no
começo de sua obra, não apenas a bordadura, mas todo o gesto que Barrios constrói tam-
bém na sua valsa, num ato claro de apropriação.

79

Figura 25: Versão do mesmo tema nos primeiros compassos de Flor das Águas



Nessa apropriação, Marco Pereira trabalhará três nuances interessantes que diferem
das características da valsa de Barrios, demonstrando o ato de apropriação como descrito
por Burke, onde o compositor retirou o material que lhe interessava e o adaptou à sua prá-
tica específica.
O material de interesse foi, evidentemente, o perfil melódico e a estrutura fraseoló-
gica. Tanto Barrios quanto Pereira iniciam a melodia no quinto grau da escala (a nota lá, em
Barrios e a nota mi em Pereira) e se utilizam da bordadura superior para criar um caráter
obsessivo de repetição. Essa repetição conduz a uma escala descendente que se inicia no
quinto compasso, onde podemos observar uma pequena influência jazzística que diferencia
uma escala da outra. Enquanto a escala de Barrios é mais tradicional no tratamento métrico,
Marco Pereira utiliza um deslocamento a partir da segunda colcheia do compasso seis. Esse
deslocamento, realizado por meio de ligados descendentes, acentua o contratempo e realça
o intervalo de segunda menor entre cada nota agrupada.
A harmonia exerce um duplo papel nesta apropriação. Se, por um lado, ela delineia a
construção fraseológica, por outro, é na construção harmônica que se dá a maior diferença
entre Barrios e Pereira nesta passagem. Constata-se uma forte influência do Jazz, com uma
harmonia carregada de notas adicionais e que foge ao simples encadeamento triádico tradi-
cional da valsa brasileira. Rafael Thomaz (2011) enfocou o trabalho harmônico feito em
Flor da Águas, e demonstrou como Pereira se utiliza do acréscimo de sétimas, nonas e dé-
cimas terceiras em voicings típicos do Jazz. Aqui, entretanto, me cabe expor as diferenças
80

nesse trato harmônico em comparação com Barrios, evidenciando, mais uma vez, e confir-
mando a influência Jazzística nesta obra.

Figura 26: Encadeamento dos compassos 10-17 da Valsa Op. 8, Nº3



Ambos os trechos se conduzem a uma frase que se inicia no segundo grau das tona-
lidades correspondentes. A harmonia de Barrios neste trecho é totalmente diatônica, se uti-
lizando apenas dos acordes básicos característicos do modo menor (i, V e ii). Já o encadea-
mento harmônico de Flor das Águas é mais cromático e visita regiões distantes da tonalida-
de original. Notamos que o segundo acorde do encadeamento é um G#7 13 que é, na verda-
de, uma dominante do C#m presente na tonalidade. Em seguida, ele apresenta um G7 que
não é um acorde diatônico, pois funciona como um SubV para o acorde de F#7 que é a do-
minante do segundo grau (Bm).

Figura 27: Encadeamento harmônico dos compassos 1-8 de Flor das Águas



Esse encadeamento harmônico é construído de forma idiomática por Marco Pereira
a partir da condução cromática dos baixos, que se inicia na tônica lá (quinta corda solta do
violão) e se encerra no mi (quarta corda do violão). No entanto, essa condução melódica dos
baixos é parcialmente ofuscada justamente por esse deslocamento no registro do baixo en-
tre os bordões do violão. O que acontece nessa passagem se repete em várias partes da mú-
sica, a melodia passa a ocupar a tessitura do baixo e, eventualmente o inverso também
acontece.
81


Figura 28: Baixos que se integra à melodia compassos 9-15 de Flor das Águas



Na continuação da peça, onde são apresentadas as “baixarias” reminiscentes do cho-
ro, também apontadas por Thomaz65 se observa que o baixo que se inicia no final do com-
passo 12 acaba se resolvendo como melodia no compasso 15. Isto é algo comum em peças
de violonistas populares, onde o grau de idiomatismo é extremamente alto. Podemos ob-
servar isso em peças de João Pernambuco como Sons de Carrilhões.

Figura 29: Melodia que se integra aos baixos compassos 29-31 de Sons de Carrilhões, de João Pernambuco



São em trechos como estes que a afirmação de Marco Pereira sobre a densidade de
suas obras se faz clara. Enquanto as obras de compositores como João Pernambuco, Diler-
mando Reis e Canhoto, ligados exclusivamente às práticas da música popular, apresentam
um grau de idiomatismo que acaba se sobrepondo à clareza textural, as obras de Pereira
caracterizam-se por uma maior clareza desse parâmetro. Entretanto, justamente por ser
uma prática idiomática do violão, é muito natural que Pereira lance mão desse mecanismo
técnico-musical para jogar com esse tipo de ambiguidade inerente ao instrumento.

65 ANDRADE, 2006, p. 53.


82

Por meio das análises destas duas peças, foi possível identificar como Marco Pereira
dialoga com diversas tradições e identidades, sejam elas a do violão brasileiro, a do violão
jazzista ou a do violão de concerto. Vimos também como a formação como instrumentista
clássico tem um papel preponderante na construção das mesmas e não se restringe apenas
às suas práticas de performance ao vivo, uma vez que os materiais de algumas obras são
diretamente derivados de obras de autores da música de concerto. Ao mesmo tempo ele
trabalha em um universo que dialoga com a tradição musical brasileira estabelecida, atra-
vés de gêneros e formas populares.

2.3 Rock e Vanguarda em Ankh de Roberto Victório

Roberto Victório é, sem dúvidas, um exemplo à parte neste trabalho. Não só é ativo e
profícuo como compositor, como também atua como intérprete e divulgador de suas obras,
além de agitador cultural promovendo a música de vanguarda em Cuiabá e como professor
e acadêmico dentro da UFMT. De maneira tal que é muito difícil separar essas diversas
identidades que caracterizam Roberto Victório dentro do cenário musical brasileiro. Ainda
que a maior parte de sua atuação como performer seja dedicada à regência ou ao violonce-
lo, Roberto Victório é também violonista, tendo estudado com Jodacil Damasceno no Rio de
Janeiro, tendo pleno domínio e conhecimento dos caminhos do instrumento, o que faz com
que sua vasta obra para violão seja extremamente bem escrita e idiomática no instrumento.
Dentro do contexto deste trabalho, Victório é uma espécie de representante (ou her-
deiro) das Vanguardas Modernas iniciadas com Koellreutter. Sua música está escrita em
uma linguagem muito diferente de todas as outras que analisei anteriormente. Sem dúvidas,
busca sempre alongar e ampliar os limites da linguagem musical. Entretanto, a própria obra
de Roberto Victório que analisarei, pode ser enquadrada em uma perspectiva diferente, ar-
risco a dizer, verdadeiramente pós-moderna. De forma que Ankh não é uma música com
uma linguagem atrelada unicamente aos ideais da música de vanguarda ou experimental.
Ela faz uso dos elementos que são oriundos de um gênero que é raramente ligado à identi-
dade musical brasileira: o Rock.
Nas palavras de Paulo de Tarso Salles:

83

Consideramos válida a proposição de um modelo aproximado ao de Ramaut-Chevassus


(1998)) onde o pós-modernismo é percebido mais como um conceito chave do que propri-
amente como a eclosão de um estilo especificamente musical. Daí resulta que sob a chancela
de ‘pós-modernismo’ estão agrupadas tendências musicais de natureza totalmente diversa.
(SALLES, 2005: 160)

Como um exemplo mais amplo disso dentro da obra de Victório, cito seu trabalho de
pesquisa da música da etnia Bororo no Mato Grosso, que resultou no livro “Música Ritual
Bororo e o Mundo Mítico Sonoro”. Como resultado musical, suas pesquisas o levaram a
compor a Trilogia Bororo, uma série de três peças de câmara onde, além de utilizar elemen-
tos gravados na própria tribo Bororo e trabalhados em forma eletrônica, Victório também
lança mão dos próprios instrumentos étnicos da tribo. Este fazer musical é, em si mesmo, já
algo diferenciado dentro da produção musical brasileira. Ao mesclar o trabalho de pesquisa
musicológico de povos indígenas brasileiros, prática que dialoga e desenvolve, de certa ma-
neira, os preceitos nacionalistas, e mesclar esses elementos com as práticas da música de
Vanguarda, como a eletroacústica e o atonalismo, Victório estabelece um diálogo que se
adiou durante anos na produção musical brasileira, entre a tradição indígena e a música de
Vanguarda. De maneira que se conclui que Victório aproveita ao máximo os diferentes ma-
teriais musicais a que tem acesso para construir a sua música.

2.3.1 Ankh

Tanto o Rock quanto a música de Vanguarda foram, cada um à sua maneira, tratados
como aquilo que Guilherme Nascimento chama de música menor66. Referindo-se à música
de vanguarda, o autor expande o conceito de literatura menor de Franz Kafka, e trata não a
música menor enquanto qualidade, mas menor no sentido do lugar que essas músicas ocu-
pam frente ao que está instituído. No cenário musical brasileiro, Nascimento enfoca os
compositores nascidos após 1950 e que teriam começado suas atividades no fim dos anos
80, cuja “produção encontra-se, na maior parte dos casos, ausente das rádios, TV’s, livros e
lojas de disco além de confinada a encontros especiais destinados à sua apreciação”.67 Para
Nascimento, a música dominante no Brasil é a Música Popular Brasileira, seguida da Música

66 NASCIMENTO, 2005.
67 NASCIMENTO, 2005, p. 56.
84

Popular Americana. De fato, essa sensação de Nascimento é corroborada pelos fatos históri-
cos e sociais da música no Brasil.
Entretanto, esse predomínio, especialmente da canção popular brasileira, não deixou
de excluir outros gêneros de música feitos no Brasil. Idelber Avelar aponta para a posição
periférica – poderíamos dizer menor – na qual o Rock, mais especificamente o Heavy Metal,
se encontrava na sociedade brasileira “esmagado estética e moralmente pela direita e cultu-
ral e politicamente pela esquerda, o Heavy Metal sempre foi intensamente interpelado por
demandas conflitantes de advindas de vários lados”68.
No artigo citado, Avelar traça um histórico da banda mineira Sepultura e de todos os
valores simbólicos que ela teve que enfrentar dentro dos debates culturais brasileiros até
conseguir se firmar como uma banda brasileira. Em direção concordante com a de Nasci-
mento, Avelar diz que o escopo de ritmos e gêneros considerados brasileiros ia desde gêne-
ros tradicionais como Samba e Chôro, passando por ritmos como Maracatu e chegando ao
BRock de bandas como os Titãs e Legião Urbana e juntos compunham o rótulo da MPB. En-
tretanto, ouvintes e músicos de Heavy Metal que não se identificavam com nenhum dos ou-
tros ficavam excluídos da narrativa da MPB. Para Avelar, o

Sepultura denunciou o conceito (de MPB) em sua totalidade. Ao simplesmente ne-
gar o rótulo, eles, na prática, expuseram a sua (do rótulo) falsa universalidade, sua
dependência em uma exclusão prévia, sua confiança em uma abjeção instituída
(Avelar, 2003: 342)

Interessante notar, contudo, que no Brasil acontece um dos maiores festivais de
Rock do mundo, o Rock in Rio (iniciado, curiosamente, em 1985 período que Avelar chama
de “revolução do Heavy Metal"). Portanto, de uma maneira diferente, o Rock mais pesado
também foi colocado em um lugar de música menor, necessitando sempre combater e se le-
gitimar, como fez o Sepultura. Dessa maneira se a música de Vanguarda não tem espaço pe-
lo isolamento em relação ao público, o Rock não tinha o endossamento intelectual brasilei-
ro.
Ankh é uma música cheia de simbolismos, a começar pelo nome. Ankh é um antigo
símbolo egípcio geralmente relacionado com a vitalidade e com a vida após a morte. Esse

68 AVELAR, 2003, p. 330.


85

símbolo foi usado por várias bandas de Rock, principalmente nos anos 70. Ainda que Ankh
não seja uma música que contemple a totalidade das características que o gênero Rock con-
templa, como as distorções das guitarras e o peso da bateria, podemos dizer que esta ho-
menagem que Victório presta ao Rock, no mínimo, trata de refletir vários dos aspectos sim-
bólicos tanto nas suas descrições de caráter como nos efeitos sonoros indicados.
Em sua dissertação de mestrado, ANDRADA (2013) traça um perfil simbólico do He-
avy Metal a partir de depoimentos de dois jovens admiradores do gênero. Em um certo pon-
to, Andrada aponta o significado extramusical do gênero, onde a pesquisadora afirma que
“o heavy metal transgride a música e se torna um modo de vida no qual se procura viver ao
máximo de um modo que sugere liberdade, coragem e quebras de limites – sejam eles pes-
soais ou da sociedade de uma forma geral.”69
Outro elemento importante dentro do Heavy Metal apontado por Andrada é o power
chord (acorde construído por sobreposição da fundamental, quinta justa e oitava). Este tipo
de acorde “é a base do metal, ao mesmo tempo que também se configura como uma metáfo-
ra para o mesmo, pois tal técnica traz consigo a articulação do poder, fator esse, importante
e crucial na experiência do Heavy Metal”.70
Portanto o Heavy Metal, como o Rock de maneira mais geral, é um gênero que sim-
boliza a liberdade e o empoderamento daqueles que se sentem marginalizados em relação
ao statu quo, e o power chord é o material musical que simboliza esse ideal compartilhado.
Levando em conta que esse acorde é extremamente idiomático na guitarra elétrica – e no
violão, que compartilha da mesma afinação – a sua utilização e obras para violão solo é ape-
nas uma questão de adaptação.
A peça está dividida em duas sessões contrastantes, mais em termos de caráter do
que de material, uma vez que este é retirado de uma pequena frase de 5 compassos que
aparece no meio da segunda parte. De acordo com o próprio Victório, esse material é remi-
niscente da audição de uma trilha sonora composta por Jimmy Page, guitarrista da banda
Led Zeppelin, através do rádio. O material é o seguinte:

69 ANDRADA, 2012, p. 31.


70 WALSER apud ANDRADA, 2012, p. 30.


86

Figura 30: Riff fazendo alusão a obra de Jimmy Page, sistemas 24-26



O início do material aparece em vermelho. Como podemos notar é uma pequena par-
te composta principalmente por power-chords e um pedal na sexta corda do instrumento.
Este riff fornece três tipos de intervalos que serão usados na construção das texturas e
harmonias ao longo da peça: as oitavas, quintas e quartas que formam os powerchords; o
intervalo de semitom e sua inversão, a 7ª maior, derivado do motivo destacado em verde; a
repetição de um mesmo acorde, como destacado em azul; e, finalmente, a oposição entre a
subdivisão ternária e binária como pode ser observado em todo o trecho.
A primeira seção ocupa as três primeiras páginas (ou 17 primeiros sistemas) e se
caracteriza pelo uso constante de uma métrica livre. Ainda que exista uma pequena subse-
ção onde a métrica é escrita, a disposição dos materiais me faz acreditar em uma seção úni-
ca. Nesta primeira parte, já podemos observar a presença de praticamente todos os materi-
ais derivados da paráfrase que Victório fez de Jimmy Page.
87

Utilizarei o primeiro sistema para ilustrar algumas formas com as quais Victório uti-
liza esses elementos:

Figura 31: 1º sistema de Ankh



Inicialmente, em azul, já se nota o intervalo de semitom entre Lá e Láb. A nota Lá
continuará por parte do primeiro sistema como pedal. O segundo quadro, em vermelho,
contém dois elementos: o intervalo de oitava e a repetição da mesma altura. Já no quadro
verde, observamos a construção de um pedal em quartas com os bordões abertos do violão
(Mi, Lá, Ré) e um intervalo de semitom em intervalo harmônico de quartas paralelas
(Dó#/Fá# - Ré/Sol). O quadro em amarelo contém uma construção harmônica que deriva
da sobreposição dos intervalos de quarta justa e de 7ª maior (inversão da segunda menor).

Figura 32: Acorde baseado nos intervalos de 4ª Justa e 7ª Maior



Como se pode observar, o acorde é construído a partir do baixo Fá, contendo uma 4ª
justa (Fá-Sib) e uma 7ª maior (Fá-Mi), explicando a geração do intervalo harmônico do trí-
tono entre Sib-Mi pela sobreposição desses dois intervalos a partir do Fá. Finalmente, o
quadro em roxo apresenta a construção de uma acorde quartal. O interessante deste gesto,
88

é que a nota mais grave, o Mi da sexta corda, seria a próxima 4ª justa após o Si agudo do úl-
timo acorde, formando uma inversão de um acorde quartal.
Dentro da primeira parte, a oposição entre a pulsação ternária e binária é articulada
e desenvolvida de diversas maneiras diferentes. Como por exemplo nos sistemas 10 e 11.
Percebe-se que aqui, apesar da métrica escrita, a ideia geral de pulso é menos importante
do que a oposição entre o 3 e o 2, por vezes com diferentes valores rítmicos (como três fu-
sas seguidas de duas colcheias, ou duas colcheias seguidas de quiálteras de três). No exem-
plo abaixo, os quadros vermelhos representam os grupos de 3 e os quadros verdes os gru-
pos de 2.

Figura 33: Oposição entre 2 e 3 nos sistemas 10-11



Em seguida, nos sistemas 12 e 13, além dessa oposição observamos uma textura que
evoca o pontilhismo textural das obras dodecafônicas de Anton Webern.

89

Figura 34: Textura pontilhista escrita nos sistemas 12-13, de Ankh



O próximo exemplo demonstra a ideia pontilhista elaborada em três sistemas. Per-
cebe-se como os três planos têm motivos sonoros bem marcantes e distintos entre si.

Figura 35: Escrita do trecho anterior expandida em três planos



A segunda seção se inicia no sistema 18. O material utilizado é praticamente o mes-
mo daquele usado na primeira parte. Entretanto, cabe tecer algumas considerações com
respeito à construção textural desta parte. É interessante notar como Victório realiza uma
sobreposição de estratos sonoros em diversas passagens desta seção, Por exemplo, no pró-
prio sistema 18.

90

Figura 36: Riff que inicia a segunda seção de Ankh (sistema 18)



Esta passagem pode ser desmembrada em três estratos sonoros que, embora inde-
pendentes se articulam para criar a oposição entre a pulsação ternária e binária. Dois des-
ses planos são pedais, um mais grave (com um pedal no bordão Mi), outro com pedal no in-
tervalo harmônico de 4ª justa entre Ré e Sol. A outra parte se move em quartas paralelas
caminhando entre os dois pedais. O exemplo abaixo ilustra essa separação dos planos sono-
ros. Embora independentes, esses planos se articulam para criar a oposição entre a pulsa-
ção ternária e binária.

Figura 37: Separação dos planos do Riff do sistema 18 de Ankh



Poderia se fazer uma exaustiva análise de todas as formas com as quais Victório arti-
culou os elementos matriz desta peça. Há, por exemplo, várias outras formas mais livres da
oposição ternária e binária, outras construções de texturas interessantes e diversas inver-
sões de acordes de quarta que criam harmonias interessantes. Entretanto, gostaria de vol-
tar a falar do significado simbólico que podemos extrair desta peça.
Nesse sentido, Anhk estabelece um diálogo entre dois estilos musicais que foram co-
locados, de maneiras distintas, à margem nos debates sobre arte brasileira. Ao mesmo tem-
91

po, a união desses dois gêneros de música menor, em Anhk, parece devolver à música con-
temporânea de vanguarda o poder de comunicação e de compartilhamento de ambientes
com o público.

2.4 “Isso é Bossa-Nova?”: Jobiniana Nº3 de Sérgio Assad

Sérgio Assad é um dos nomes mais importantes do violão brasileiro das últimas dé-
cadas. Além de manter uma intensa atividade no duo que mantem com seu irmão, Odair,
também é compositor, arranjador e foi durante vários anos professor do Conservatório de
San Francisco, nos EUA. Como intérprete, principalmente em duo, foi muito associado à mú-
sica brasileira por suas performances de arranjos de compositores como Egberto Gismonti,
Heitor Villa-Lobos, Hermeto Paschoal e, também, por sua relação próxima com a obra de
Radamés Gnattali. Também é responsável, como visto no capítulo anterior, por ter organi-
zado uma coleção na editora francesa Henry Lemoine, onde, além de suas peças, publicou
composições de Marco Pereira, Maurício Marques e Nonato Luiz. As peças mais recentes de
Sérgio Assad estão sendo publicadas pela editora canadense Dobermann Yppan.
O número de suas publicações para violão solo chega a contar 13 títulos. Apenas a
Aquarelle e uma das peças que integra a suíte Summer Garden (Farewell) foram gravadas
em discos que têm a música brasileira como temática e que estão listados neste trabalho.
Outras obras para violão solo de Assad receberam gravações em outros registros, entre os
quais se destaca o do violonista Aliéksey Vianna, lançado em 2005 pelo selo GSP, onde fo-
ram registradas as peças de Sérgio Assad que haviam sido publicadas até então – além de
Aquarelle, Three Greek Letters, Sonata, 3 Divertimentos, Fantasia Carioca e Jobinana Nº3.
É difícil apontar precisamente um motivo para o aparente sucesso de Aquarelle em
detrimento das outras peças. Thiago Oliveira, em sua pesquisa de mestrado defendida em
2009, apontou algumas características que podem ajudar a entender essa preferência. Entre
elas, o fato de Aquarelle conter uma forte influência da rítmica brasileira e o de ser a primei-
ra obra para violão solo composta por Sérgio Assad me parecem preponderantes, uma vez
que os desafios técnicos de Aquarelle e Jobiniana Nº3 as peças se equivalem. Sem dúvidas,
Jobiniana Nº3 guarda várias outras semelhanças com Aquarelle em termos de material usa-
92

do. A maneira de articular esse material, entretanto, pode não corresponder às expectativas
que o título desta peça sugere.
Jobiniana Nº3 faz parte de uma série de peças em homenagem ao compositor Antô-
nio Carlos Jobim. Sérgio Assad escreve no encarte do cd de Aliéksey Vianna que esta música
é um “desenvolvimento de sua (de Jobim) famosa canção Desafinado”71. Considero que este
é apenas o ponto de partida da peça, como será demonstrado. É possível encontrar influên-
cias do compositor cubano Leo Brouwer e da música impressionista francesa (que Jobim
dizia também ter estudado muito, como pode ser constatado em uma entrevista do próprio
ao programa Roda Viva da TV Cultura, em 199372).
A canção Desafinado é uma das pedras de toque do movimento bossanovista e
exemplo exaustivamente usado da sofisticação melódico-harmônica do gênero e da capaci-
dade metalinguística das letras oriundas da parceria entre Tom Jobim e Newton Mendonça.
O violão teve um papel muito importante na Bossa-Nova. O musicólogo Brasil Rocha Brito,
em artigo contido no livro O Balanço da Bossa, organizado por Augusto de Campos, descre-
ve assim o papel do violão na Bossa-Nova:

4. Interpretação ao violão ou congênere. No populário brasileiro, como em alguns
outros, veio a surgir com o tempo uma estilística dos instrumentos dessa família,
por obra de instrumentistas de escola. Entretanto, de modo geral, nos últimos 30
anos, tais instrumentos foram relegados a um segundo plano. A BN (Bossa-Nova)
revalorizou-os. Isso se deve, principalmente, a João Gilberto, que surgiu em 1958
em nosso cenário musical, cantando e tocando violão, conseguindo no instrumento
efeitos nunca antes conseguidos no jazz ou qualquer outra música regional, quer
em nosso populário. A introdução do uso de acordes compactos, de elevada tensão
harmônica, a marcação dos beats em defasamento etc., se devem a ele e fizeram es-
cola. (Brito in Campos, 1960: 34)

Interessante notar no discurso de Brito uma observação sobre a “revalorização do
violão e outros instrumentos dessa família” por meio da atuação de João Gilberto no movi-
mento bossanovista. Como exposto no primeiro capítulo, na primeira metade do século XX o
violão era tido como um instrumento ligado à malandragem e às classes mais baixas da so-
ciedade. Se pelo lado cultural, isso lhe garantiu a associação a uma ampla gama de gêneros
da música brasileira – e como consequência o status de símbolo de brasilidade – do ponto

71 VIANNA, 2005.
72 Entrevista realizada em 20 de Dez. 1993. Disponível em
93

de vista da estratificação social, isso lhe valeu uma conotação negativa que o relegou à mar-
ginalidade.
É um lugar comum dentro do meio violonístico, mais especificamente do “violão
clássico”, acreditar que a reivindicação da legitimidade do instrumento se deu pelos esfor-
ços apenas de violonistas como Andrés Segóvia, Narciso Yepes e Julian Bream. Entretanto, o
comentário de Brito aponta para uma direção que também pode ter colaborado: um gênero
musical oriundo da classe média carioca contribuiu para o reerguimento do status social do
instrumento.

2.4.1 Jobiniana Nº3

Gostaria, no caso desta peça de Sérgio Assad, propor que a análise se baseie na se-
guinte afirmação de Santuza Cambraia Naves sobre a linguagem de Tom Jobim. A pesquisa-
dora afirma que “Tom sempre se colocou entre o mínimo e o máximo, entre o moderno e o
modernista, por vezes mobilizando as duas modalidades normalmente vistas como exclu-
dentes numa mesma obra”73. Gostaria de explorar a oposição entre “mínimo” e “máximo” e
da caracterização de Tom Jobim como um artista ao mesmo tempo “moderno” e “modernis-
ta”.
Para Naves, Tom Jobim atuava como um artista “’moderno’ pronto para criar o no-
vo”74 ao mesmo tempo em que se alinhava com artistas do Nacional Modernismo Brasileiro,
como Villa-Lobos, ao ter uma atitude renovadora e também demonstrando enorme respeito
pela tradição que havia sido herdada75. Já a ideia de “mínimo” e “máximo” à qual se refere
Naves diz respeito à nova concepção sonora que a Bossa-Nova trouxe em sua interpretação.
Uma ideia mais concreta e objetiva da oposição entre “mínimo” e “máximo” é exposta por
Naves em outro texto ao explicar:

A forma orquestral que passou a prevalecer na execução da música popular a partir
do final dos anos 30, instituída principalmente por Radamés Gnattali e Pixinguinha
como base para seus arranjos espetaculares - como é o caso de “Aquarela do Brasil”
- e caracterizada pelo uso de um grande conjunto de instrumentos é substituída

73 NAVES, 2015, p. 144.


74 NAVES, 2015, p. 128.
75 NAVES, 2015, p. 128.
94

por uma formação camerística de violão, piano percussão e baixo. E da mesma for-
ma que a percussão é discreta, sem nenhum apelo ostentatório e suavizada pelo
emprego da vassourinha, o uso da voz também se coloca de outra maneira, substi-
tuindo o modelo virtuosístico da tradição operística pelo procedimento de dialogar
com o instrumento musical. (Naves, 2010: p. 26-27)

Portanto, para Naves, o conceito de “mínimo” e “máximo” está ligado à instrumenta-
ção e à maneira de interpretar a música da Bossa-Nova, mas não só. A pesquisadora tam-
bém aponta para o uso econômico de materiais para construir as melodias de algumas can-
ções de Jobim como “Garota de Ipanema” e “Corcovado” (Naves, 2011), que não desenvol-
vem muito a melodia e possuem uma tessitura relativamente pequena.
Mais especificamente sobre “Desafinado”, Naves escreve que esta canção

Permite, pelo menos, dois tipos de leitura: para um ouvido menos atento a inova-
ções musicais, trata-se de uma canção sentimental, embora se lide com a temática
amorosa de maneira cool, irônica e sofisticada; para alguém acostumado às experi-
mentações jazzísticas, letra e música, em franca interação, remetem a experimentos
vanguardistas que violam os padrões convencionais da recepção musical. Por
exemplo, no momento exato em que se pronuncia a sílaba tônica da palavra “desa-
finado”, surge no plano da música um acorde imprevisto, sendo a nota seguinte um
semitom abaixo do que seria de se esperar (uma blue note para empregar a termi-
nologia jazzística). Assim, toda a passagem representa uma transgressão aos pa-
drões harmônicos da música popular convencional. (Naves, 2001: p. 14)

Acredito que, na canção, a passagem à qual Naves se refere, na verdade, encontra-se
na primeira frase da versão gravada por João Gilberto e que se encontra reproduzida no
exemplo abaixo. Nota-se que a nota esperada, como apontado por Santuza Cambraia Naves,
é o Ré, enquanto a que o ouvinte recebe é o Dó# que, adicionado à harmonia, forma um
acorde de G7 (#11).
95



Figura 38: Duas primeiras frases de Desafinado, de Tom Jobim



De maneira similar à que Roberto Victório trabalha em Ankh, Sérgio Assad também
retira o material musical de um pequeno trecho de outra música. No caso, se trata do trecho
acima apresentado e que foi comentado por Naves. A diferença está em que Sérgio Assad
não se limitará a utilizar elemento apenas deste trecho, ou mesmo apenas de Desafinado,
fazendo referências a outras obras ao longo da peça.
Sérgio Assad, contudo, não molda sua peça como uma espécie de “pastiche” ou em
homenagem explícita à Tom Jobim ou à Bossa-Nova. O que o compositor faz, na verdade,
deriva não apenas dos materiais, mas das possibilidades que eles geram. Como exemplo,
gostaria de falar um pouco da linguagem melódico-harmônica na qual Assad trabalha e que
está ligada às possibilidades do acorde de tipologia X7(#11). Este tipo de acorde permite a
utilização de diversas escalas. No contexto de Desafinado, esse acorde está funcionando co-
mo uma dominante secundária (V/V), com a 11ª aumentada sendo originada da escala de
96

Sol Lídio. Outra possibilidade de escalas é aquela das chamadas escalas simétricas, entre
elas a escala hexatônica (ou de tons inteiros) e as escalas octatônicas (ou, como conhecidas
no meio da música popular “Dom-Dim” e “Dim-Dom”). Com base nessas opções, Assad cons-
trói, por exemplo, a primeira parte de Jobiniana.

Figura 39: Escalas Lídia e octatônicas construídas a partir da nota Mi



No seguinte trecho, é possível encontrar todas essas escalas. Percebe-se também que
há uma polarização que coloca a nota Mi como centro tonal. Entretanto, Assad não define se
estamos tratando de um centro tonal (ou modal) maior ou menor. Enquanto no quadro
vermelho ele utiliza tanto o Sol natural quanto o Sol#, nos próximos dois compassos ele uti-
lizará apenas um ou outro, criando essa sensação de indefinição.

Figura 40: Utilização das escalas lídica e octatônicas nos compassos 8-15, de Jobiniana Nº 3



97

Essa indecisão (ou instabilidade) tonal é, por vezes, intercalada com trechos clara-
mente tonais.

Figura 41: Trecho Tonal nos compassos 30-33 de Jobiniana Nº 3

Quase todos os acordes nessa parte fazem parte da tonalidade de Mi Maior. É inte-
ressante notar como Assad utiliza diversas cordas soltas para adicionar dissonâncias e sus-
penções a alguns acordes. Chama a atenção que esses voicings dos acordes acabam criando
uma sonoridade diferente daquela geralmente presente em músicas da Bossa-Nova que
costumam ter uma condução em “fôrmas”.
A segunda parte, no compasso 88 com um ostinato harmônico, faz uma sutil referên-
cia à introdução da música “Águas de Março”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Essa in-
trodução é tão emblemática que o guitarrista e violonista Nelson Faria a incluiu no seu livro
sobre ritmos brasileiros ao violão.

Figura 42: Introdução de Águas de Março, transcrita por Nelson Faria


98


Em Jobiniana Nº3 esse padrão foi levemente alterado. Vejamos abaixo:

Figura 43: Compassos 88-100 de Jobiniana Nº 3



Essa transição abre caminho para a troca do uso das escalas octatônicas pela sonori-
dade da escala de tons inteiros. Como é possível observar no seguinte trecho, a construção
desta parte se dá a partir de inversões do acorde de G7 e G7(#11).

Figura 44: Seção baseada no acorde de G7(#11), compassos 94-111, de Jobiniana Nº 3



O segundo acorde é justamente o mesmo tipo de acorde destacado no segundo com-
passo de Desafinado. Tendo como base esse acorde, a partir do compasso 104 inicia-se uma
frase que se baseia na escala de tons inteiros e é apoiado nessa sonoridade que Assad conti-
nua a condução da peça para o final.
99

Diversas outras características poderiam ser apontadas para destrinchar os materi-


ais de Jobiniana como as transposições em intervalos de terça que Sérgio Assad usa, a cria-
ção de diversos pedais que ajudam a criar uma sensação de estatismo e as citações a outras
obras de Jobim e a obras do compositor cubano Leo Brouwer. Entretanto, acredito que os
pontos destacados já são mais que suficientes para entender como Sérgio Assad articula
elementos da música de Tom Jobim de uma maneira inusitada e particular.
Na verdade, essa elaboração não apenas da linguagem de Tom Jobim – compositor
que se tornou sinônimo de música brasileira tanto nacional quanto internacionalmente –
mas também de um gênero que teve como um de seus maiores intérpretes um cantor-
violonista, evita o óbvio ou o esperado. Assad dialoga com suas maiores influências, trans-
formando esses materiais musicais, associados a um gênero muitas vezes taxado de comer-
cial, em uma peça densa, que raramente atende às expetativas de intérpretes e ouvintes em
sua totalidade.
Retornando aos termos de Naves (“moderno”/”modernista”, “máximo”/”mínimo”),
podemos perceber que Assad expande as possibilidades de um material restrito para com-
por uma obra de fôlego, com inúmeras nuances. Essas nuances prestam homenagem a um
número amplo de tradições musicais, ou identidades musicais com as quais Assad se identi-
fica. Dessa forma, a “brasilidade” em Jobiniana Nº3 não parte de um conjunto de concepções
prévias sobre o que é a música brasileira. Ela se faz reconhecer ao identificar as origens da-
queles materiais que foram articulados. Essa brasilidade “dissolvida” (decantada) evidencia
novas formas de expressar a influência de elementos que formaram um gênero importante
da música brasileira, sem, necessariamente, referenciar de forma explícita ou previsível.

2.5 “Samba de outra terra”: Elementos do Samba em Danza Brasilera, de Jorge
Morel

O argentino, radicado nos EUA, Jorge Morel é um violonista e compositor que focou a
sua carreira na interpretação de suas próprias obras. Hoje com 86 anos, Morel teve uma
ativa carreira de solista chegando a gravar discos pela tradicional gravadora britânica Dec-
ca. Ele mesmo define que “quem tem um bom ouvido, percebe que para tocar Misionera ou
100

Danza Brasilera, requer-se um treinamento clássico”76. Grande parte das obras de Morel
são baseadas em ritmos e gêneros de música popular, ainda assim no livro “The Magnificent
Guitar of Jorge Morel: a Life in Music” (2007) Morel mostra uma atitude um tanto hostil no
que se refere a fazeres musicais de massa. O compositor comenta o desinteresse que tem
com relação a gêneros urbanos como Rap e Rock. Não quero estender este segmento sobre
as opiniões pessoais de Jorge Morel. Entretanto, quero, sim, apontar algumas influências
que fizeram parte da formação musical do compositor.
Fica claro no mesmo livro que a grande parte de sua formação musical foi informada
e preenchida pelo Jazz norte americano. Como Tinhorão apontou, músicos como Frank Si-
natra e Chet Atkins lançaram discos de Bossa-Nova e esses são alguns dos músicos que Mo-
rel retrata com grande orgulho ter encontrado. Não é extravagante supor que Morel tenha
absorvido grande parte de seu conhecimento sobre música brasileira de discos que regis-
travam apenas aquelas músicas que tiveram maior destaque dentro do cenário americano.

2.5.1 Danza Brasilera

É um desafio perigoso querer apontar elementos estereotípicos em uma composi-
ção. Analiso, à luz do conceito de estereótipo, uma de suas obras mais famosas e gravadas, a
Danza Brasilera. A música em questão é incluída em diversos discos com temática latino-
americana, incluindo aí o já apresentado disco Aire Latino, do violonista escocês David Rus-
sell, que venceu o Grammy latino de melhor disco de música clássica em 2004.
É uma peça muito bem concebida para o instrumento, que se utiliza de diversos idi-
omatismos como campanellas, paralelismos e cordas soltas para criar um efeito interessan-
te e exótico. Esse efeito exótico é alcançado por meio da estilização e apropriação de algu-
mas características do Samba. Entretanto, não posso deixar de fazer uma crítica a aspectos
muito restritos e óbvios com que Morel se utiliza do gênero. O compositor se utiliza de célu-
las que são repetidas tantas vezes e com tão poucas variações e interações que acaba tor-
nando possível traçar um paralelo entre o conceito de estereótipo exposto no primeiro capí-
tulo e a forma com que os materiais musicais são articulados nesta música. Isto não é um

76 “Anybody who has an ear must understand that to play ‘Misionera’ or ‘Danza Brasilera’ requires classical

training”. (Morel, 2007, p. 145, tradução minha).


101

juízo de valor acerca da música e, tampouco, no tocante às habilidades musicais de Jorge


Morel. Falarei um pouco da obra para tecer alguns comentários posteriormente.
As primeiras impressões de Danza Brasileira que podemos levantar é a de uma peça
escrita por um estrangeiro. O título, evidentemente escrito em espanhol, a indicação de an-
damento Allegro (Tempo di Samba). Neste ponto percebe-se que há um acordo entre com-
positor e intérprete sobre o caráter e andamento de um Samba.
A célula padrão básica que será usada ao longo da peça é apresentada na introdução
da obra, nos quatro primeiros compassos.

Figura 45: Célula rítmica do Samba usada por Jorge Morel em Danza Brasilera



Esse material sincopado – característico de diversos gêneros de música brasileira
como Samba, Maxixe, Chôro e Bossa-Nova – é apresentado acima em três diferentes varia-
ções. A primeira é aplicada sobre uma harmonia diatônica, dentro da tonalidade de lá me-
nor.

Figura 46: Progressão harmônica dos compassos 4-12 de Danza Brasilera



As duas frases são bem semelhantes, com a primeira terminando numa pequena po-
larização da relativa maior. Por outro lado, se nota o extenso uso de acordes de sétima e a
102

preferência por acordes em “bloco”, uma característica peculiar do acompanhamento da


Bossa-Nova, em especial de João Gilberto. O resultado final de Morel é trabalhado por meio
da antecipação de alguns acordes na uma colcheia de cada tempo, algo igualmente caracte-
rístico do acompanhamento da Bossa-Nova e do Samba.

Figura 47: Construção final dos compassos 5-12 de Danza Brasilera



O que temos acima é o resultado final. Nota-se um certo estatismo na melodia, cons-
truída basicamente com notas repetidas e arpejos sobre a harmonia. A condução do baixo
também é relativamente básica, com poucas inversões e privilegiando, principalmente, a
condução por quintas.
Além de pequenas variações rítmicas, o principal mecanismo de variedade que Mo-
rel utiliza é a textura. Existe uma evidente intenção de evocar uma textura de Big Band. Po-
demos notar isso com as harmonias paralelas que acompanham a melodia nos primeiros
compassos, mas também em alguns procedimentos utilizados no trato da textura. Por
exemplo, a partir do compasso 53:

103

Figura 48: Variação feita nos compassos 53-60 de Danza Brasilera



Nota-se neste trecho como Morel diminui o ritmo das mudanças harmônicas para
criar uma sensação de menor movimento. Ele alia isso à rarefação da densidade textural ao
arpejar os acordes. Perceba no exemplo abaixo como é possível dividir essa passagem em
três diferentes estratos:

Figura 49: Expansão em três sistemas da textura de big-band dos compassos 53-56 de Danza Brasilera



Este exemplo é apenas uma das formas com as quais Morel cria contrastes na peça
sem, necessariamente, se utilizar de modulações harmônicas ou outros tipos de contrastes,
sejam rítmicos ou mesmo melódicos.
Um problema que pode ser apontado na peça de Jorge Morel é a repetição constante
da célula rítmica apresentada na figura 45. Como se pode observar, é uma célula que é reti-
rada da “batida” de João Gilberto. Praticamente a peça inteira baseia-se neste material, com
pouquíssimas variações. Levando em conta o teor diatônico da harmonia e a estruturação
104

melódica, arrisco dizer que Morel, nesta peça, optou muito mais pelo exotismo das síncopes
brasileiras se encaixando na definição de estereótipo que lancei mão no capítulo anterior.
Evidentemente que se trata de uma peça de compositor estrangeiro que prestou
uma homenagem ao Brasil e, esta análise, não busca servir de crítica sobre a validade da
mesma. Esse julgamento quem dá são os intérpretes em conjunto com o público, e a quanti-
dade de gravações e o sucesso que Danza Brasilera alcançou com ambos são provas de sua
importância no meio violonístico.
Para concluir esta análise, percebe-se que Jorge Morel utiliza um motivo rítmico e
explora as possibilidades de construção textural com alguns coloridos harmônicos que não
se distanciam tanto da tonalidade original. Também vimos que ele utiliza extensões de
acordes ou funções harmônicas que criam uma sensação estática ou rarefeita, que é com-
pensada pelo movimento rítmico. Ou seja, há uma sobrecarga da função estrutural que o
ritmo e textura desempenham nesta música, deixando de lado outros elementos típicos da
música brasileira como as modulações para tons vizinhos, que conferem um contraste às
diferentes sessões das músicas; o uso de contrapontos nos baixos; ou mesmo a construção e
variação de melodias.
Em comparação com a música de Sérgio Assad anteriormente analisada, pode-se di-
zer que guardam semelhanças. Entretanto, o estatismo em Jobiniana se reflete no uso cons-
tante de pedais rítmico-melódicos e em uma condução melódico harmônica expandida, pelo
uso de escalas simétricas. Já Morel, em um contexto tonal, se atém a um uso muito básico e
repetitivo de funções harmônicas destoando do uso no Samba mais tradicional ou na Bossa-
Nova.

105

CONCLUSÃO

Seria natural, ao fim de um trabalho como este, cair na armadilha de apontar simila-
ridades e distinções entre as peças a fim de criar uma nova narrativa de brasilidade. Não
obstante, as palavras do poeta Ferreira Gullar em seu texto “Caráter nacional da arte” apon-
tam para uma forma de escapar dessa armadilha.

Em que consiste o caráter nacional da arte? É muito difícil defini-lo abstratamente.
De qualquer modo, deve-se levar em conta que não existe uma arte nacional a que
se chegará fatalmente, cedo ou tarde, a partir de determinadas premissas que se
possam definir hoje; algo assim como uma entidade ideal a ser concretizada. Não.
Creio, pelo contrário, que, qualquer que seja o caráter que venha a ter no futuro a
arte brasileira, será antes o produto da imaginação criadora dos artistas, de sua ca-
pacidade de formular em termos de expressão individual a vasta e indeterminada
experiência que constitui nossa cultura plástica e pictórica. (Gullar, 2006: p. 83)

Evidentemente que o caso da música brasileira para violão não é diferente. Também
é possível pensar a intervenção de Gullar não em termos do futuro, mas, sim, do tempo pre-
sente. As características do repertório violonístico nacional são aquelas que se ouvem cada
vez que uma corda de um violão é pinçada. De forma que seria inoportuno neste trabalho
criar categorias a respeito do “repertório brasileiro” partindo de um recorte tão pequeno e
específico. Isto posto, ainda é possível, sim, repensar o papel do intérprete como um ativo
criador e difusor de sentidos e símbolos.
Se por um lado ficou evidente que o estereótipo de música brasileira foi gerado a
partir de uma articulação entre intérpretes, gravadoras e casas de publicação, por outro
podemos colocar esse fato em perspectiva e reorientar expectativas. Durante boa parte do
século XX, ter uma obra gravada ou publicada era algo que não estava ao alcance de todos.
Com isso, realizar um ou outro se tornava, quase que automaticamente, não apenas uma
maneira de divulgar uma música, mas, também, uma maneira de legitimar, de endossar de-
terminadas narrativas e distinções sociais. Sem embargo, o contexto atual difere muito da-
quele que se tinha até o final dos anos 2000.
A capacidade de realizar registros sonoros “caseiros” e com uma excelente qualidade
aumentou na mesma medida em que a capacidade de divulgação e distribuição desse mate-
rial também se abriu para intérpretes e compositores através das mídias digitais. Platafor-
106

mas de streaming tornam mais fácil a difusão global de uma gravação e intérpretes não pre-
cisam mais se sujeitar a restrições e exigências contratuais de gravadoras e distribuidoras –
que, no caso do violão, sempre se restringiram a pouquíssimos. Como já citado, Marco Pe-
reira é exemplo disso. Por meio de seu site ele vende suas obras e, além disso, seus álbuns
estão, quase todos, disponíveis em plataformas de streaming como o Spotify. Há ainda o
exemplo do também já citado Concurso Novas, que não faz restrição ou distinção entre
obras “populares”, “eruditas”, “de vanguarda” ou “regionalistas”.
Não se trata de ignorar o já consolidado cânone da música brasileira. Essa seria uma
tarefa que as próprias obras analisadas aqui refutariam. O que esses objetos de estudo cor-
roboram é a ideia de que, mesmo prestando tributo e respeito à tradição musical brasileira
é possível pensar e trabalhar essa herança de diversas formas diferentes. Ainda que estran-
geiro, Roland Dyens realizou isso com particular sucesso e procurei apontar por meio da
comparação com Madureira de se apresentarem essas diferenças de poéticas e estéticas.
Um paralelo parecido poderia ser traçado com Jobiniana Nº 3 e as peças de Marco Pereira
que partilham uma influência do nicho da Música Popular Brasileira – tanto das canções,
quanto do instrumental. Por fim, a obra de Roberto Victório permite expandir a percepção.
Assim sendo, cabe a nós, intérpretes, sermos sensíveis e perspicazes na maneira de
encararmos a construção dos repertórios e nossas interpretações. Não se trata mais de ele-
var o violão a um certo status de reconhecimento, ou de demonstrar perícias técnicas fasci-
nantes. Nobres que sejam essas metas, o público – e o contexto – pedem hoje por mensa-
gens de diversidades e por opções de abordagens.
Deixo aqui, por fim, alguns questionamentos para futuras pesquisas: como são os
repertórios brasileiros de regiões tão esquecidas nos trabalhos acadêmicos, – uma falha
desta pesquisa também, infelizmente – como o Norte ou o Centro-Oeste do país? Que outras
formas de identidade se articulam? E como elas se relacionam com a narrativa da brasilida-
de? Com certeza não conseguiria responder a estas perguntas todas no espaço desta pes-
quisa, mas são caminhos que precisam ser trilhados para melhor entender esse mosaico di-
verso que é a cultura brasileira uma vez que “o todo imaginado é de fato mais irreal do que
a soma das partes”77.

77 SCHWARTZ apud BAUMAN, 2005.


107

REFERÊNCIAS

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http://www.violaobrasileiro.com.br/biblioteca (acesso em: 30 jun. 2017)

Catálogo da GSP
https://www.gspguitar.com/jsp2/catalog.jsp?cat=gsp (acesso em: 30 jun. 2017)

Catálogo da Max Eschig
http://catsearch.umpgclassical.com/fr/ (acesso em: 30 jun. 2017)

David Russell - Discografia
http://www.davidrussellguitar.com/index.php/home/album (acesso em: 15 jun. 2017)

Discog - Discografia de Oscar Cáceres
https://www.discogs.com/artist/1141219-Oscar-Cáceres (acesso em: 15 jun. 2017)
112


Discog - Discografia de Turíbio Santos
https://www.discogs.com/artist/1928057-Turibio-Santos (acesso em: 15 jun. 2017)

Discos do Brasil - Base de dados da discografia brasileira
http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/indice.htm (acesso em: 30 jun. 2017)

Henry Lemoine
https://www.henry-lemoine.com/en (acesso em: 30 jun. 2017)

Mel Bay Publications
https://www.melbay.com (acesso em: 30 jun. 2017)

Milos Karadaglic - página do artista no site da gravadora Deutsche Grammphon.
http://www.deutschegrammophon.com/en/artist/karadaglic/biography (acesso em: 15
jun. 2017)

ZANON, Fábio. Programa Violão: Marco Pereira. Disponível em
http://vcfz.blogspot.com.br/2007/04/66-marco-pereira.html (acessos realizados entre de-
zembro de 2016 e abril de 2017)


113

APÊNDICE 1 - LISTAS DE PARTITURAS





Henry Lemoine


Autor Título Editor/Transcritor

1. Sérgio Assad 3 Greek Letters Autor
2. Sérgio Assad Aquarelle Autor
3. Sérgio Assad Jobiniana Nº 3 Autor
4. Nonato Luíz Suite Sexta Ré Autor
5. Celso Machado Toadas Brasileiras Autor
6. Celso Machado Choroso Autor
7. Celso Machado Chorata Brasileira Autor
8. Celso Machado Frevo Bajado Autor
9. Celso Machado Ponteado Autor
10. Maurício Marques Impressões Brasileiras Nº1 Autor
11. Marlos Nobre Entrada et Tango Roberto Aussel
12. Marlos Nobre Reminiscências, Op. 78 Roberto Aussel
13. Marlos Nobre Rememórias, Op. 79 Roberto Aussel
14. Heitor Villa-Lobos Bachianas Nº 5: I. Ária Roland Dyens
(Cantilena)
15. Vários (Celso Ma- 3 Brazilian Masters Cristina Azuma
chado/Paulinho
Nogueira/Hamilton
Costa)


Melbay/Chanterelle

Autor Título Editor/Transcritor
1. Laurindo Almeida The Complete Laurindo Ron Purcell
Almeida Anthology of Gui-
tar Solos
2. Laurindo Almeida Soledad Autor
3. Edmar Fenício Famous Chôros, Vol. 3 Autor
4. Garôto 3 Chôros Laurindo Almeida
5. Radamés Gnattali 10 Studies Autor
6. Radamés Gnattali 3 Concert Studies Autor
7. Radamés Gnattali Saudades Laurindo Almeida
8. Radamés Gnattali Alma Brasileira Raphael Rabello
114

9. Antônio Carlos Jo- Jobim for Classical Guitar Paulo Bellinati


bim
10. José Alberto Kaplan Sonatina Álvaro Pierri
11. Honorino Lopes Língua de Preto Gianni Palazzo
12. Ernesto Nazareth Guitar Solo Anthology Flávio Henrique Medei-
ros/Carlos Almada
13. João Pernambuco Famous Chôros, Vol 1 Edmar Fenício/Turíbio
Santos/Dilermando Reis
14. Heitor Villa-Lobos O Ginête do Pierrozi- Alberto Lage/Isaias Sávio
nho/Modinha
15. Vários Anthology of Popular Bra- Flávio Henrique Medei-
zilian Music of the 19th ros/Carlos Almada
Century


Columbia C.O./Editions Orphée/Bérben/d’Oz/Tonos/Margaux

Autor Títulos Editor/Transcritor
1. Sérgio Assad Seis Brevidades Autor
2. Sérgio Assad Imbricatta Autor
3. Sérgio Assad Variaciones Sudamerica- Autor
nas
4. Sérgio Assad Suite Brasileira Nº3 Autor
5. Sérgio Assad Suite Brasileira Nº4 Autor
6. Sérgio Assad Valsa de Outono Autor
7. Sérgio Assad Eli’s Portrait Autor
8. Sérgio Assad Sandy’s Portrait Autor
9. Luiz Bonfá Manhã de Carnaval Jean-Marie Raymond
10. Luiz Bonfá Manhã de Carnaval Cyrloud
11. Francisco Araújo Virtuoso Waltz Nº1 Autor
12. Alexandre Eisen- Prelúdio, Coral e Fuga S.I.
berg
13. Carlos Alberto Pin- 7 Brazilian Studies Carlos Barbosa-Lima
to Fonseca
14. Mozart Camargo Estudos Nº2 e Nº3 Angelo Gilardino
Guarnieri
15. João Pernambuco Sons de Carrilhões Sophocles Pappas
16. Francisco Mignone 12 Studies Vol. 1 Carlos Barbosa-Lima
17. Francisco Mignone 12 Studies Vol. 2 Carlos Barbosa-Lima
18. Ronaldo Miranda Appassionata Fábio Zanon
19. Ernesto Nazareth The Music of Ernesto Na- Marc Teicholz/Sérgio As-
zareth sad
20. Baden Powell Songbook. Vol. 1 Kurt Koch/Wilfried Sen-
115

ger
21. Baden Powell Songbook. Vol. 2 Ivo Cordeiro/Bernard
Stahl
22. Baden Powell Songbook. Vol. 3 Fábio Shiro Monteiro
23. José Antônio de Sonate Nº 1 Dagoberto Linhares
Almeida Prado
24. José Antônio de Poesilúdio Dagoberto Linhares
Almeida Prado
25. Nicanor Teixeira
Valsinhas, Preludios e Es- [S.I.]
tudos
26. Heitor Villa-Lobos Chôros Nº1 Sóphocles Pappas
27. Vários (Anônimos) Ten Brazilian Folk Tunes Isaías Sávio/Carlos Barbo-
sa-Lima






























116

APÊNDICE 2 - LISTA DE CDS DE MÚSICA LATINA COM COMPOSI-


TORES BRASILEIROS

Os quadros foram elaborados para que algumas informações ficassem claras: artista,
título do álbum, gravadora e ano de lançamento. Foram listadas apenas as peças de compo-
sitores brasileiros ou que remetam à algum gênero da música brasileira, mesmo que com-
postas por estrangeiros.

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Classiques D’Amerique Latine (Erato, 1969)
Obras com caráter brasileiro:

Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1, Valsa-Chôro


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
9 1 0

Artista/Título/Ano da gravação
Oscar Cáceres - Tresors D’Amerique Latine (Erato, 1977)
Obras com caráter brasileiro:

Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1, Valsa-Chôro,
Chôrinho
Agustín Barrios: Chôro da Saudade


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
17 1 1

117

Artista/Título/Ano da gravação
Angel Romero - A Touch of Romance (Telarc, 1989)
Obras com caráter brasileiro:

Agustín Barrios: Chôro da Saudade


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 0 1

Artista/Título/Ano da gravação
Gerald Garcia - Latin American Guitar Festival (Naxos, 1990)
Obras com caráter brasileiro:

Jorge Morel: Danza Brasilera


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 0 1

Artista/Título/Ano da gravação
Pepe Romero - La Paloma: Spain and Latin America Favorites (Phillips,1991)
Obras com caráter brasileiro:

Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1
João Pernambuco: Sons de Carrilhões


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 2 0
118


Artista/Título/Ano da gravação
Sharon Isbin - Road to the Sun: Latin Romances for Guitar (Virgin, 1992)
Obras com caráter brasileiro:

Tom Jobim Caminho do Sol
Heitor Villa-Lobos Melodia Sentimental; Estudo
Nº8


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
14 2 0

Artista/Título/Ano da gravação
Eduardo Fernandez - La Danza!: Guitar Music from Latin America (Decca, 1996)
Obras com caráter brasileiro:

Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1, Suite Popular Bra-
sileira
Oscar Lorenzo Fernandez: Velha Modinha
Agustín Barrios: Chôro da Saudade


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
26 2 1

Artista/Título/Ano da gravação
Sharon Isbin - Journey to the Amazon (Teldec, 1997)
Obras com caráter brasileiro:

Laurindo Almeida: História do Luar
Thiago de Mello A Hug for Pixinguinha; Cantos do
Chefe Nº2: Uirapuru do Amazonas; Lago de Ja-
nauacá; Cantos do Chefe Nº1: A chamada dos Ven-
tos; Chôro Alegre; Cavaleiro sem Armadura
Isaías Sávio: Batucada


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
119

17 2 1

Artista/Título/Ano da gravação
Manuel Barrueco - Cantos y Danzas (EMI, 1997)
Obras com caráter brasileiro:

Heitor Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras Nº5: I.
Ária
Radamés Gnattali: Dansa Brasileira


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
18 2 0

Artista/Título/Ano da gravação
Ricardo Cobo - Latin American Guitar Music (Naxos, 2003)
Obras com caráter brasileiro:

Dilermando Reis: Se Ela Perguntar; Promessa
Marco Pereira: Marta


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
16 2 0

Artista/Título/Ano da gravação
David Russell - Aire Latino (Telarc, 2004)
120

Obras com caráter brasileiro:


Jorge Morel: Danza Brasilera
Agustín Barrios: Chôro da Saudade
Dilermando Reis: Se ela Perguntar, Xodó da Baia-
na
Heitor Villa-Lobos: Chôros Nº1
Guido Santorsola: Chôro Nº1
João Pernambuco: Reboliço, Sons de Carrilhões


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 2 3

Artista/Título/Ano da gravação
David Russell - Sonidos Latinos (Telarc, 2009)
Obras com caráter brasileiro:

Agustín Barrios: Maxixe
Hector Ayala: Chôro
Armando Neves: Chôro Nº2, Valsa Nº3


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
23 1 2

Artista/Título/Ano da gravação
Pablo Sainz Villegas - Americano (Harmonia Mundi, 2015)
Obras com caráter brasileiro:

Heitor Villa-Lobos: Prelúdios Nº1 e Nº3
João Pernambuco: Sons de Carrilhões
Luíz Bonfá: Passeio no Rio


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
18 3 0

121

Artista/Título/Ano da gravação
Milos Karadaglic - Latino (Deutsche Grammophone, 2012)
Obras com caráter brasileiro:

Jorge Morel: Danza Brasilera
Heitor Villa-Lobos: Mazurka-Chôro, Prelúdio Nº1
Isaías Sávio: Batucada


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
16 2 1

Artista/Título/Ano da gravação
Milos Karadaglic - Canción (Deutsche Grammophone, 2013)
Obras com caráter brasileiro:

Jorge Ben: Mas que Nada
Antônio Carlos Jobim: Garota de Ipanema
Heitor Villa-Lobos: Estudo Nº11, Estudo Nº12, Ba-
chianas Nº5: I. Ária


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 3 0











122

APÊNDICE 3 - CDs DEDICADOS EXCLUSIVAMENTE À MÚSICA


BRASILEIRA

Estes quadros foram elaborados de maneira semelhante. Entretanto, listamos todas
as faixas, já que se tratam de álbuns que pretendem retratar uma imagem do que é a música
brasileira. Incluí eventuais compositores estrangeiros, mesmo que a música não remeta à
gêneros tradicionalmente brasileiros, já que os próprios interpretes as incluíram nos discos.

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Musique Bresilienne (Erato, 1976)
Repertório:
• Heitor Villa-Lobos: Suíte Popular Brasileira
(-Valsa Chôro), Chôros Nº1
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões, Jon-
go (Interrogando)
• Marlos Nobre: Momentos Nº1
• Edino Krieger: Ritmata
• Almeida Prado: Livre Pour Six Cordes
• Anônimo: Três Canções Folclóricas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
11 5 (+1 Anônimo) 0

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Chôros do Brasil (Erato, 1977)
Repertório:
• João Pernambuco: Dengoso, Graúna, Pó de
Mico, Sons de Carrilhões, Interrogando
• Alfredo Medeiros: Chôro Triste
• Nicanor Teixeira: Carioca Nº1, Carioca Nº2
• Garôto: Tristezas de um Violão
• Dilermando Reis: Doutor Sabe-Tudo, Ma-
goado, Xodó da Baiana
• Agustín Barrios: Chôro da Saudade

Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 6 1

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Violão Brasil (Kuarup, 1980)
123

Repertório:

• Heitor Villa-Lobos: 5 Prelúdios
• Ernesto Nazareth: Batuque, Floraux
• Henrique Alves de Mesquita: Batuque Ca-
racterístico
• Dilermando Reis: Tempo de Criança
• Vários: Pout-pourri de 4 Canções Folclóri-
cas

Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 4 (+1 Anônimo) 0

Artista/Título/Ano da gravação
Sérgio Assad - Música Nova do Brasil (Funarte, 1981)
Repertório:

• Lina Pires de Campos: Prelúdio e Tocattina
• Márcio Côrtes: Verdades
• Nestor de Hollanca Cavalcanti: Suíte Qua-
drada
• Pedro Cameron: Repentes
• Almaral Vieira: Divagações Poéticas


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
20 5 0

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Danses du Brésil (Erato. 1985)
Repertório:
• Luís Gonzaga: Pout-pourri (Asa Branca, Ju-
azeiro, Baião, Assum Preto)
• Radamés Gnattali: Brasiliana Nº13
• Turíbio Santos: Prelúdio Nº3, Prelúdio Nº4
• Heitor Villa-Lobos: Valsa-Chôro, Prelúdio
Nº3, Prelúdio Nº4
• Marlos Nobre: 1º Ciclo Nordestino
• Ernesto Nazareth: Escovado, Tenebroso

Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
21 6 0

124

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - O Violão brasileiro de Turíbio Santos (Columbia, 1989/1993)
Repertório:
• Pixinguinha/Benedito Lacerda: Um a Zero
• Garôto: Jorge do Fusa, Chôro Triste Nº2,
Lamentos do Morro
• Turíbio Santos: Valsa Pagu
• Radamés Gnattali: Pequena Suíte, Brasilia-
na Nª13
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões, Gra-
úna, Dengoso, Jongo (Interrogando)
• Luiz Gonzaga: Pout Pourri (Asa Branca, Ju-
azeiro e Baião)
• Levino Ferreira: Último Dia
• Senô: Duda no Frevo
• Nelson Ferreira: Gostosão
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
19 9 0

Artista/Título/Ano da gravação
Gerald Garcia - Brazilian Portrait (Naxos, 1989)
Repertório:
• Luíz Bonfá: Manhã de Carnaval, Passeio no
Rio
• Tom Jobim: Wave, Garota de Ipanema,
Samba do Avião
• Isaias Sávio: Serões, Batucada, Sonha Iaiá
• João Pernambuco: Senho de Magia, Pó de
Mico
• Heitor Villa-Lobos: 5 Prelúdios, Chôros Nª1
• Laurindo Almeida: Braziliance
• Baden Powell: Retrato Brasileiro, Deve ser
Amor, Canto de Ossanha
• Celso Machado: Xaranga do Vovô
• Anônimo: 3 Canções Folclóricas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
23 8 (+1 Anônimo) 0

Artista/Título/Ano da gravação
Paulo Bellinati - Guitares du Brésil (GHA, 1990)
125

Repertório

• Paulo Bellinati: Pulo do Gato, Cabra Cega, A
Furiosa, Um Amor de Valsa, Lun-Duo, Valsa
Brilhante, Modinha, Lenço Atrás, Jongo,
Baião de Gude


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 1 0

Artista/Título/Ano da gravação
Paulo Bellinati: Serenata: Choros & Waltzes of Brasil (GSP, 1993)
Repertório:
• Paulo Bellinati: Chôro Sereno, Um Amor de
Valsa, Chôro Sapeca, Valsa Brilhante, Cadên-
cia, Contatos
• Baden Powell: Chôro para Metrônomo
• Tom Jobim: Luiza, Garôto (Chôro)
• Laurindo Almeida: Serenata
• Armando Neves: Bem Rebolado (Chôro
Nº8)
• Dilermando Reis: Se ela Perguntar, Noite
de Lua
• Radamés Gnattali: Chôro, Valsa
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
14 7 0

Artista/Título/Ano da gravação
Turíbio Santos - Fantasia Brasileira (Visom, 1994)
Repertório
• Turíbio Santos: Suite Teatro do Maranhão
• Guinga: Sete Estrela, Sinuoso, Igreja da Pe-
nha, Nítido Obscuro, Vô Alfredo
• L.M. Gottschalk: Fantasia sobre o Hino Na-
cional Brasileiro, Op. 69
• Heitor Villa-Lobos: Suíte Popular Brasileira
• Agustín Barrios: La Catedral


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
17 3 2
126


Artista/Título/Ano da gravação
Marco Pereira - Elegia: Virtuoso Guitar Music from Brazil (Channel, 1995)
Repertório:
• Marco Pereira: Samba Urbano, Flor das
Águas, Ladeira de São Roque, Elegia, Bate-
Coxa, Fantasia sobre “Mulher Rendeira”
• Canhoto: Imagem, Com Mais de Mil
• Pixinguinha: Carinhoso
• Dilermando Reis: Se Ela Perguntar
• Garôto: Desvairada, Jorge do Fusa
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões

Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 6 0

Artista/Título/Ano da gravação
Mário da Silva - Nova Música Brasileira (Ind., 1997)
Repertório:
• Garôto: Lamentos do Morro, Jorge do Fusa
• Waltel Branco: Argamassa, Ninho de Cobra
• José Eduardo Gramani: Pinho
• Radamés Gnattali: Dança Brasileira
• Edino Krieger: Ritmata
• Jaime Zenamon: The Black Widow
• Guilherme Campos: Desenvolvimento 5
• Octávio Camargo: Desafignado
• Norton Dudeque: Peça para violão
• Chico Mello: Dança
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
12 9 1

Artista/Título/Ano da gravação
Graham Anthony Devine - Manhã de Carnaval: Guitar Music From Brazil (Naxos.
2004)
127

Repertório:
• Marco Pereira: Num Pagode em Planaltina,
Plainte, Pixaim, O Chôro de Juliana
• Luíz Bonfá: Manhã de Carnaval
• Heitor Villa-Lobos: Melodia Sentimental
• Ronaldo Miranda: Appassionata
• Sérgio Assad: Aquarelle
• João Pernambuco: Graúna, Pó de Mico,
Sons de Carrilhões
• Tom Jobim: Garora de Ipanema, Luiza
• Egberto Gismonti: Água e Vinho
• Raphael Rabello: Sete Cordas
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
17 9 0

Artista/Título/Ano da gravação
Marco Pereira - Valsas Brasileiras (Garbolights/GSP, 2000)
Repertório:
• Marco Pereira: Marta, Plainte
• Canhoto: Manhãs de Sol
• Garôto: Desvairada
• Ernesto Nazareth: Eponina
• Chico Buarque/Edu Lobo: Beatriz
• Tom Jobim: Luíza
• Tom Jobim/Chico Buarque: Eu te Amo
• Guinga: Carta de Pedra (Igreja da Penha)
• Hélio Delmiro: Emotiva Nº1
Leandro Braga: Valsa Negra
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 10 0

Artista/Título/Ano da gravação
João Kouyoumdjian - Sufboard: Solo Guitar Works from Brazil (Pomegranate,
2013)
128

Repertório:
• Tom Jobim: Surfboard, Garoto (Chôro)
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões
• Heitor Villa-Lobos: Prelúdio Nº5, Estudo
Nº8, Chôros Nº1
• Marco Pereira: Bate-Coxa
• Garôto: Jorge do Fusa, Gente Humilde
• Chico Buarque/Edu Lobo: Beatriz
• Raimundo Penaforte: Prelúdio, Zurraço
• Richard Calderoni: Balaio
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
13 8 0

Artista/Título/Ano da gravação
Flávio Apro - The Brazilian Guitar (Brilliant Classics, 2014)
Repertório:
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões
• Alberto Nepomuceno: Suíte Antiga - Ária
• Ernesto Nazareth: Odeon
• Garôto: Desvairada, Esperança
• Paulo Bellinati: Modinha
• Rafael Altro: Homenagem
• Leo Brouwer: Sonata del Caminante
• Luis Barbieri: A Santa Ceia segundo Athay-
de
• Egberto Gismonti: Dança das Cabeças
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
10 8 1

Artista/Título/Ano da gravação
Flávio Apro - O Violão Brasileiro (Delira Music, 2014)
Repertório:
• Ary Barroso: Aquarela do Brasil
• Alvino Argollo: Garoto (Chôro Nº3)
• Sérgio Assad: Aquarelle
• Canhoto: Abismo de Rosas
• Radamés Gnattali: Tocata em Ritmo de
Samba Nº1
• Ulisses Rocha/Sylvano Michelino: Rua
Harmonia
• Marco Pereira: Num pagode em Planaltina
• Paulo Bellinati: Jongo
• Antonio Ribeiro: Toada
129

• Dorival Caymmi: Porto


Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
12 10 0

Artista/Título/Ano da gravação
Xuefei Yang - Colours of Brazil (Decca, 2016)
Repertório:
• Luíz Bonfá: Manhã de Carnaval
• Tom Jobim: A Felicidade, Luiza
• Marco Pereira: Bate-Coxa
• Sérgio Assad: Farewell
• Garôto: Desvairada, Lamentos do Morro,
Gente Humilde
• João Pernambuco: Sons de Carrilhões, Gra-
úna, Interrogando
• Pixinguinha: Um a Zero
• Ernesto Nazareth: Odeon
• Baden Powell: Valsa Sem Nome
• Heitor Villa-Lobos: Valsa-Chôro, Schottish-
Chôro, Mazurka Chôro
• Dilermando Reis: Xodó da Baiana, Eterna
Saudade, Uma Valsa e Dois Amores
Total de faixas: Compositores brasileiros Compositores estrangeiros
19 11 0

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